teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — caio prado jr

112
06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr. http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 1/112 eBookLibris

Upload: thiago-morani

Post on 03-Feb-2016

222 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

livro de caio prado junior sobre a forma materialista dialetica de encarar a ciencia

TRANSCRIPT

Page 1: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 1/112

eBookLibris

Page 2: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 2/112

Caio Prado Jr.

Teoria marxista doconhecimento e métododialético materialista

—Ridendo Castigat Mores—

Page 3: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 3/112

Teoria marxista do conhecimento e método

dialético materialistaCaio Prado Jr.

EdiçãoRidendo Castigat Mores

Versão para eBookeBooksBrasil.org

—Fonte digital revista para esta ediçãoInclusão do Perfil Biográfico© Divisão de Acervo Histórico

Assembléia Legislativa do Estado de São Paulowww.al.sp.gov.br/acervo—

Fonte Digitalwww.jahr.org

Copyright ©Autor: Caio Prado Jr.

Edição eletrônica:Ed. Ridendo Castigat Mores

(www.jahr.org)“Todas as obras são de acesso gratuito. Estudei sempre por

conta do Estado, ou melhor, da Sociedade que pagaimpostos; tenho a obrigação de retribuir ao menos uma

gota do que ela me proporcionou.” — Nélson Jahr Garcia(1947­2002)

Page 4: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 4/112

Índice>Teoria marxista do conhecimento e métododialético materialista>Notas>Caio da Silva Prado Júnior: Um perfil biográfico>Notas

Page 5: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 5/112

Teoria marxista doconhecimento e métododialético materialista*

Caio Prado Jr.* A grande e central contribuição de Marx

para a Filosofia, e da qual direta ouindiretamente vai derivar o conjunto de sua obrateórica, foi certamente o seu método, o métododialético materialista. Nisto, acredito, estamostodos de acordo. Os marxistas, pelo menos. Masonde não se encontrará tal consenso é nadefinição precisa desse método. Isto é, narigorosa caracterização teórica dele. Veja­sebem: caracterização teórica, e não simplesexemplificação, como é importante realçar emface da freqüente confusão no assunto, com aderivação dele, da consideração do métodopropriamente e sua teoria — que é do que setrata ou deveria tratar — para exemplos deaplicação do método numa ou noutra instânciaparticular. Até mesmo a própria proposiçãodessa questão, e perspectiva em que há de sercolocada e a sua abordagem, não são em regradadas com a devida precisão. Afinal, ainda é dese perguntar, do que se trata quando falamosem “método dialético”?

A consulta aos verbetes DIALÉTICA eMÉTODO, combinando­os entre si, de uma obraem princípio tão autorizada(pelo menos a título

Page 6: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 6/112

de balanço e súmula da situação) como oDicionário de Filosofia editado por M. Rosenthale P. Yudin sob os auspícios do Instituto deFilosofia de Moscou, e traduzido na própriaUnião Soviética em vários idiomas, pode bemdar a medida da falta de rigor e precisão, emesmo da ambigüidade que reina no assunto.Isto é naturalmente lastimável. Penso que se aquestão da dialética marxista não for colocadaem termos tais suscetíveis de servir de base eponto de partida para a explicitação de ummétodo científico, isto é, de normas precisaspara a condução do pensamento na elaboraçãodo Conhecimento, e isto generalizadamente enão apenas na de um ou outro fato histórico,não se estará no caminho certo. Não me pareceque o destino da dialética materialista seja o demais um tema para os confusos debates noestilo ordinário da Filosofia, ou antes, daMetafísica como tem sido tão freqüentementedialética materialista deve ter uma finalidadeprática, tornando­se efetivamente (e não apenaspor intuiçãoé vago pressentimento) um métodoexplicitado capaz de orientar a elaboração doConhecimento e a pesquisa científica. Isto emqualquer terreno. E o Dicionário que citamos,bem como a generalidade das obras que tratamda matéria, na União Soviética ou fora dela, nãonos trazem infelizmente grande auxílio paraalcançarmos esse objetivo.

Marx, como se sabe, não chegou adesenvolver sistematicamente o seu método.Limitou­se em princípio a ap1icá­lo Mas amaneira como o fez, como dele se utiliza de que

Page 7: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 7/112

a análise a que procede do capitalismo, e a suateoria econômica daí resultante, constituemexemplo máximo fornece os elementos mais quesuficientes para traçar, pelo menos em suaslinhas gerais e fundamentais, aquilo em queessencialmente consistem seus procedimentosmetodo1ógicos. Tal maneira nos proporcionatambém a base necessária donde se há de partirpara a sistematização teórica daquelesprocedimentos, o que nos dará, a par de umateoria marxista do Conhecimento — que vem aser a dialética materialista —, uma perspectiva eos caminhos para os objetivos práticos para quese deve dirigir uma tal teoria. A saber, asnormas próprias para a elaboração doConhecimento. Um método explicitado, emsuma.

O que principalmente e sobretudocaracteriza e identifica o pensamento de Marxna questão, é sua maneira de abordá­la. Marxnão se propõe (como fora antes dele o caso dosempiristas, materialistas e racionalistas, Kantem particular, e ainda é até hoje a norma dafilosofia corrente) não se propõe “inventar” — ébem o termo próprio no caso — um esquemaqualquer introspectivamente revelado eespeculativamente desenvolvido; e seapresentando mais ou menos formalmenteconsistente e engenhosamente explicativo doConhecimento e de sua elaboração. Marxprocura, antes de tudo, atinar com a maneirapela qual, na prática corrente dos pensadores ecientistas que o precederam, o Conhecimentoefetivamente se elaborou, fosse embora, como de

Page 8: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 8/112

fato se dava, sem a plena consciência, da partedos elaboradores, da maneira pela qual sedesenvolvia o seu pensamento. Esseprocedimento de Marx por ele mesmoexpressamente indicado, se bem que de formasumária, na passagem do Manuscrito de 1857onde faz referência ao modelo por eleinterpretado e adotado, que lhe ofereciam oseconomistas ingleses seus antecessores einiciadores, já no século XVII, da EconomiaPolítica(1).

Será numa tal observação (de quenaturalmente a indicação expressa na passagemcitada constitui apenas uma instância) que Marxse louvará na determinação da maneira comoconduzir a pensamento na elaboração de seustrabalhos. É claro que Marx logrou enxergar ediscernir nos escritos, entre outros, doseconomistas seus inspiradores, a linha segundoa qual se desenvolveria o esforço de elaboraçãodo Conhecimento levado por eles a cabo, graçasà preparação filosófica que para isto lheproporciona a dialética hegeliana. Nãoentraremos contudo aqui neste ponto, emboraele seja de maior interesse, sobretudo porque ainspiração hegeliana em Marx vem sendoultimamente contestada por alguns marxistas degrande projeção, como em particular, como sesabe, por Louis Althusser. O que é de lamentar,pois uma tal posição contribui para asubestimação, pelos marxistas, da obra deHegel, onde se encontram indubitavelmente, ameu ver (e não faço aqui mais que repetir,sabemo­lo todos, o próprio Marx, bem como seu

Page 9: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 9/112

colaborador e principal intérprete que foi Engels)as raízes do materialismo dialético, comométodo. E por isso, não tendo Marx desenvolvidosistematicamente a teoria do seu método,limitando­se quase só aplicá­lo, a assimilação dadialética hegeliana é indispensável, assim penso,para a compreensão em profundidade daquelemétodo. E a dialética hegeliana nos imuniza, oucontribui para nos imunizar contra os germes dametafísica que ainda hoje infestam a culturafilosófica em que todos nós formamos, e que porisso traiçoeiramente nos espreitam a cadapasso.

O traço fundamental e essencial da teoriamarxista do conhecimento, ou antes daquilo quedevia ser esta teoria, caso Marx tivessedesenvolvido e expresso a sua concepção acercado conhecimento, esse traço é a natureza“construtiva” do conhecimento. Isto é, oconhecimento para Marx resulta de construçãoefetuada pelo pensamento e suas operações; econsiste numa “representação” mental doconcreto (isto é, da parcela de Realidade exteriorao pensamento conhecedor, e por eleconsiderada), representação esta “elaborada apartir da percepção e intuição”(2). Veja­se bem“representação”, e não reprodução, decalque ououtra forma da transposição de algo, daRealidade para o pensamento.

O alcance dessa concepção e seusignificado profundo somente se avaliarão aoconsiderar o que se encontra em regra implícitoe mais ou menos disfarçado na maneiraordinária de conceber o Conhecimento. Isto

Page 10: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 10/112

antes e mesmo depois de Marx e até os nossosdias. A saber, não como resultante de umaelaboração propriamente, e sim como“apreensão” de algo exterior ao intelecto oupensamento, e preexistente a ele e suasoperações. E que apreendido e incorporado aopensamento, se faz Conhecimento. Essa formade interpretar o Conhecimento, e que constitui omaior embaraço oposto à adequada análise einterpretação dele, se insinua, no mais dasvezes inadvertida e desapercebidamente, nageneralidade do pensamento filosófico clássico; ese prolonga mesmo até nossos dias, permeandoinclusive, por menos que pareça, o própriomaterialismo e realismo aparentemente maisradicais. É a tradição metafísica que se faz aísentir, como flagrantemente se verifica noconsiderar atentamente, entre outros, conceitoscomo os de “essência” e “verdade”, implícitosnaquilo que se entende por Conhecimento.

A essência tal como a concebe aMetafísica, é o que uma coisa éverdadeiramente(3). Visto de perto, percebe­seque aí se confunde o fato de ser algo, com overdadeiro de algo. A pergunta do que é verdadesob aparências, dá origem à resposta que indicatanto a existência como a verdadeira essência.Aristóteles dá­se conta dessa ambigüidade, (paranós), e afirma “a essência de uma coisa significa,num sentido, a substância e o ser determinado;noutro sentido, de cada um de seuspredicamentos, quantidade, qualidade, e outrosmodos da mesma índole”. Avicena, o filósofoárabe cujos ensinamentos, fundados em

Page 11: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 11/112

Aristóteles, se farão entre outros, como se sabe,em ponto de partida da Escolástica, tentararesolver a ambigüidade do mestre, distinguindotrês modos de considerar a essência: 1. — aessência na coisa, ou aquilo que a coisa é; 2. —a essência no intelecto, ou aquilo que a coisa ésegundo a definição; e finalmente (numatentativa evidentemente frustrada de superaçãoda ambigüidade), 3. — a essência em si mesmaou o que é. O que John Duns Scott traduziráafirmando que a essência pode ser consideradano real singular (estado físico), no pensamento(estado lógico), em si mesma (estado metafísico).

Como se verifica, e torça­se embora comose queira a concepção metafísica de essência (enão faltam na literatura filosófica abundantes ereiterados exemplos dessa verdadeira ginásticaverbal), o que sobrará sempre, para o que nosinteressa aqui, é irredutivelmente o fato que aessência é parte, ao mesmo tempo, da Realidadeexterior ao pensamento (a coisa, o ente, aexistência), e desse mesmo pensamento.Pensamento esse onde a essência figuraránecessariamente pois não pode ser outra coisa,como Conhecimento.

Essa ambigüidade (para nós) da concepçãometafísica de essência, se perpetua noracionalismo moderno. Spinoza dirá a respeitodo assunto: “A essência de uma coisa comportaaquilo que, sendo dado, faz necessariamenteque a coisa exista e que, se se o suprime, faznecessariamente que a coisa não exista; dito deoutra forma, aquilo sem o que a coisa não podeexistir, nem ser concebida e reciprocamente,

Page 12: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 12/112

aquilo que, sem a coisa, não pode nem existir,nem ser concebida”(4). A essência, por aí, tantoconstitui a coisa, a faz existente, e portanto fazparte dela, nela se inclui, como compõe aconcepção da mesma coisa e constitui portanto oconhecimento dela. E por aí afora, como simplesvariações do mesmo tema, vão a Metafísica eseus derivados descrevendo e conceituandoaquilo que entendem por essência, variando aforma em que o fazem, o linguajar queempresam, mas sempre na mesma linhafundamental de situar a essênciasimultaneamente na Realidade e nopensamento, nas esferas respectivamenteobjetiva e subjetiva.

O que nos revela essa ambigüidadetraduzida em termos factuais, isto é, reportadaaos fatos, e em função deles interpretada eexplicada, senão que, na perspectiva daMetafísica, o Conhecimento é algo que emboraintegrado no pensamento, se encontra implícitoe se inclui também na Realidade exterior aopensamento ? O Conhecimento, que é dado pelaessência, não se elaboraria propriamente nopensamento, mas já se acharia de certo modopresente na Realidade, nela preexistindo e a elapertencendo, não cabendo ao pensamento senãoapreender este seu conteúdo que é a essência,fazendo dela o que propriamente se entende porConhecimento. O Conhecer, em suma, em nadamais consistiria, nos termos da Metafísica — eprocurem os metafísicos disfarçá­lo comoentenderem — que numa transferência outransposição da essência (e somente nesta

Page 13: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 13/112

operação que ocorrem divergências) daRealidade ao pensamento, da esfera objetivapara a esfera subjetiva do indivíduo pensante econhecedor.

É nisto que vai afinal dar a ambivalentenoção metafísica de “essência”, ao mesmo temporealidade exterior ao pensamento, eConhecimento. Coisa semelhante se dá com anoção de “verdade”. E aí ainda maiscaracterizadamente, se possível, que no caso da“essência”, pois a “verdade” é necessariamenteinseparável do Conhecimento, que para serprópria e legitimamente “Conhecimento”, há deser “verdadeiro”. Ora: verifica­se com a noçãotradicional de “verdade”, situação análoga à deessência. Tal como a essência, a Metafísica situaa “verdade” tanto na esfera subjetiva como naRealidade exterior, nas “coisas”. O verum (eempregamos aqui o latim, que é o idioma oficiale padrão da Metafísica) seria algo que se situana mesma linha do bonum, do unum, doaliquid, do res, como propriedade que derivaimediatamente do ente. A verdade é assim comoque uma propriedade do ente. E é o que fazpossível a fórmula famosa de Aristóteles queainda hoje tem o beneplácito da generalidadedos metafísicos, e com que o filósofo define oConhecimento — adequatio rei et intellectum —;a verdade do Conhecimento, isto é, acoincidência entre o juízo e o julgado, se achafundada na verdade do ser.

A Escolástica recolherá essa tradiçãoaristotélica, e lhe dará o feitio que se transmitirámais ou menos expressa, por toda a filosofia

Page 14: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 14/112

clássica pelos tempos afora. Somente porque averdade se encontra na coisa como fundamento(verdade ontológica), pode achar­se no intelectocomo Conhecimento (verdade gnoseológica) e noenunciado como adequação entre o juízo e ojulgado (verdade lógica).

Não é o caso de nos estendermos agora, enos perdermos nos divagantes e tão confusosmeandros do verbalismo da filosofia clássica eseus prolongamentos modernos, pois não háintenção, nem interessa aqui discutir, explicar emuito menos justificar ou contestar as noções eformulações da Metafísica. Quero apenas tornarclara (e somente por isso trouxe o assunto àbaila), bem como explicitar­lhe as conseqüênciasque comporta esta concepção que permeia,penetra, embora mais ou menosdisfarçadamente, todo o pensamento filosóficoclássico, e que vem a ser de um Conhecimentoque nada mais é que reprodução, cópia de algoque lhe é afim e se encontra presente naRealidade exterior ao pensamento; queindepende assim da elaboração, dessepensamento. E procuro isto para o fimunicamente de destacar e contrastar osignificado profundo da contribuição de Marxpara a teoria do conhecimento. Essência,verdade, quididade, ou dêem­lhe o nome queaprouver, se de um lado (“num certo sentido”,como dizia Aristóteles) se integra na Realidadeexterior ao pensamento, de outro não é de fatosenão o próprio Conhecimento. Isto pode não serexpressamente reconhecido pelos metafísicos, esobretudo, é natural, pelos materialistas que

Page 15: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 15/112

não lograram ainda se desvencilharem porinteiro da Metafísica. Mas nem por isso seencontra menos implícito e concluído em suaspremissas. E constitui certamente a fonteprincipal dos embaraços no interpretarem oConhecimento e oferecerem a teoria explicativadele. E tanto mais grave e perturbadora que éinsuspeitada.

Encontramos flagrante instância desituações como esta na chamada teoria doreflexo dos filósofos soviéticos

O que é tanto mais chocante que se trata,a outros respeitos, de dialéticos. Por onde se vêcomo as concepções da Metafísica são tenazes eresistentes, logrando se insinuarem edisfarçarem até mesmo no interior da dialética,a antimetafísica por excelência. Já dá muito quepensar a assimilação, nessa teoria, do fato doConhecimento a um “reflexo”, como se opensamento­conhecedor, tal qual um espelho,“refletisse” a Realidade que lhe é exterior,reproduzindo no pensamento, sob forma deConhecimento, a imagem refletida dessaRealidade. E por mais que se queira atribuiressa assimilação a uma simples analogia, comofazem freqüentemente os filósofos soviéticos,insinua­se nela com muita facilidade, dado osentido ordinariamente atribuído à expressão“reflexo”, uma identificação.

É o que se observa, entre outros, no jácitado Dicionário de Rosenthal e Yudin, ondemuitas das formulações relativas do assunto têmsabor nitidamente metafísico. E tal como naMetafísica confessada, e não apenas

Page 16: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 16/112

inadvertidamente insinuada, o Conhecimento sefaz em reprodução tal qual da Realidade, torna­se em transposição dessa Realidade exterior, aointerior do pensamento.

Haja vista, por exemplo, a definição que oDicionário nos dá de “essência”, que seria,segundo ele, “o significado de uma coisa dada,aquilo que ela é em si” — formulação esta queconstitui a primeira fase do verbete essência. Aessência aparece aí, flagrantemente, ao mesmotempo como “significado” de uma coisa(Conhecimento portanto), e como aquilo que acoisa é em si, incluindo­se pois na Realidadeexterior ao pensamento conhecedor. Inclusãoesta última que se afirma ainda maiscategoricamente, se possível, pouco adiante nomesmo verbete, onde se lê: Não existe essênciafora das coisas, e sim nelas e através delas.

Formulações igualmente ambíguas ereveladoras da concepção que vimos, isto é, a doConhecimento como preexistente na Realidadeexterior ao pensamento, e por ele aí apreendido(ou “refletido”, como se exprime a “teoria doreflexo”), se encontram esparsas pelageneralidade dos textos do Dicionário deRosenthal e Yudin referentes ao assunto. Bemcomo igualmente em outros trabalhos defilósofos soviéticos. Não nos interessa aquidiscutir a questão, e lembramo­la unicamentepara mostrar como aquela referida maneira deinterpretar o Conhecimento, herdada da velhaMetafísica, se insinua inadvertidamente nopensamento filosófico de nossos dias ainda, e atémesmo onde menos se poderia esperar

Page 17: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 17/112

encontrá­la. Insinuação essa que temconstituído, e ainda constitui o principal, bemcomo, a meu ver, fatal embaraço oposto a umateoria do Conhecimento assentado em basescientíficas.

Não discutiríamos também as razões eexplicação da persistência dessa deformada etão prejudicial visão metafísica do fato doConhecimento. Ela se enquadra no sistema geraldas concepções Metafísicas, e sua erradicaçãoimporta numa revisão geral da filosofia clássicae seus prolongamentos modernos, o que exigeuma perspectiva inteiramente nova do conjuntoda problemática filosófica. É isto precisamenteque coube, e cabe ainda à Dialética realizar

Deixando contudo de lado odesenvolvimento desse assunto que nos levariapara fora do que mais diretamente nos interessano momento, o certo é que coube a Marx abriraquela nova perspectiva. E isto significou, naquestão do Conhecimento e do ponto de partidapara o seu equacionamento, conceber oConhecimento como é de fato e a largaelaboração científica de nossos dias aí está paracomprová­lo — como uma elaboraçãopropriamente, uma construção mental realizadacom fatos psicológicos (sejam eles quais forem, oque competirá à Psicologia determinar). Isto é,nas próprias palavras de Marx, “um produto docérebro pensante”(5). Elaboração ou construçãoessa a partir, é certo, “da percepção e daintuição” (e aí se afirma o materialismo dadialética marxista, em contraste com oidealismo), mas com os instrumentos do

Page 18: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 18/112

pensamento, através de operações mentais, enão com ingredientes ou elementos extraídos daRealidade exterior ao pensamento — seja“essência”, “verdade” ou outras quaisquer — queesse pensamento apreenderia ou “refletiria” talcomo um espelho. O Conhecimento, naconcepção marxista, é propriamente umaprodução do pensamento, resultado deoperações mentais com que se representa — enão repete, reproduz ou reflete — a Realidadeobjetiva, suas feições e situações.

Mas como se dá isto? Como se faz aquelaprodução ou construção pelo pensamento, e quevai dar na representação mental da Realidadeobjetiva? Em que consistem, segundo Marx, asoperações que a realizam? Note­se que aresposta final e cabal a essa indagação pertencelegitimamente à Psicologia. Disso contudoestamos ainda bem afastados, mas cabeindiscutivelmente à Filosofia, no nível atual daciência, e isso necessariamente, abrir caminho eindicar os rumos à pesquisa psicológica, O quedesde logo mostra o alcance e a perspectiva queuma adequada teoria do Conhecimento oferece àelaboração científica. É isto que se esboça emMarx.

Vejamos contudo como ele aborda oassunto. Referindo­se às origens da EconomiaPolítica, como disciplina científica, Marx nostraz, nos chamados Manuscritos de 1857, umabreve súmula do que constitui, em suas própriaspalavras, “o método científico correto” daelaboração do Conhecimento. Esse texto éprecioso porque embora muito conciso e

Page 19: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 19/112

tratando especificamente da Economia Política, ésuficientemente preciso para se prestar ageneralização quando considerado no conjuntoda obra de Marx e sobretudo nos procedimentosque adotou na observação, consideração eteorização do sistema econômico do capitalismode que os Manuscritos de 1857 constituem,como se sabe, o esboço preliminar. Éinteressante assim, para maior facilidade doleitor, reproduzirmos aqui, ao longo de nossaanálise, as diferentes passagens desse texto queiremos sucessivamente considerando ecomentando.

Vejamos a primeira dessas passagens emque Marx, louvando­se nos primeiros autoresque lançaram as bases da Economia Política,sintetiza o método por eles adotado e queconsidera “cientificamente correto”.

“Os economistas do séc. XVII começamsempre por um conjunto vivo, como seja apopulação, a nação, o Estado, etc. Masterminam sempre por descobrirem, pela análise,um certo número de relações gerais abstratasque são determinantes, tais como a divisão dotrabalho, o dinheiro, o valor, etc. Uma vez essascategorias mais ou menos elaboradas eabstraídas, eles estruturam os sistemaseconômicos que a partir de noções simples —tais como o trabalho, a divisão do trabalho, anecessidade, o valor de troca se eleva até oEstado, a troca entre as nações e o mercadomundial. É manifestamente o método científicocorreto(6).

Observe­se preliminarmente o

Page 20: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 20/112

procedimento de Marx, já referido acima, notratamento da questão, em que ele se coloca emperspectiva original e pode­se dizerrevolucionária no campo da Filosofia. Afastando­se dos modelos ordinariamente seguidos pelaFilosofia puramente especulativa, Marx procurainspirar­se e fundamentar seu método naobservação da maneira como os economistasseus antecessores de fato elaboraram suadisciplina. É nessa observação, que Marx conduznaturalmente sobre a base de sua preparaçãofilosófica, que ele vai caracterizar o métodosegundo o qual aqueles economistas tinhamoperado. E assim, aquilo que nos economistasfundadores da disciplina não passara de práticaespontânea e empiricamente conduzida tãosomente pela intuição e natural talento dosautores, torna­se em Marx fruto de um métodocaracterizado que conduzirá em plenaconsciência de seus procedimentos, no caminhoda elaboração da teoria do sistema capitalista. Adescrição que Marx faz no citado texto, doessencial desses procedimentos, nos proporcionaassim o ponto de partida para a interpretação ecompreensão do que para ele constitui o métodocientífico.

Esse essencial consiste centralmente enuma palavra, na determinação de relaçõesatravés da análise. Precisamos aqui nos deter naconsideração atenta dessa operação e sentidoque Marx lhe confere. Isto porque a expressão“relação” é, na literatura filosófica,extremamente ambígua. Situa­se aliás no âmagodos debates filosóficos, embora isto nem sempre

Page 21: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 21/112

apareça explicitamente, o que contribui paraconfundir ainda mais aqueles debates. Para oque nos interessa aqui, e em primeiraaproximação que se irá esclarecendo nodesenvolvimento do assunto, “re1ação” serátomada no sentido da maneira ou modo como asfeições e situações da Realidade exterior aopensamento conhecedor e que constituem oobjeto do Conhecimento, se dispõem ecompõem, em si e entre si, no espaço e notempo. Como se comporta, em suma. É essadisposição respectiva, na simultaneidade e nasucessão, das feições do Universo, ou relaçõespresentes na Realidade, e nela incluídas, é istoque o pensamento trata de apreender erepresentar mentalmente, constituindo com issoo que entendemos por Conhecimento.

Essa caracterização e conceituação dasrelações se afasta de sua concepção ordinária emais corrente (inclusive e particularmente naLógica moderna) em que “relação” é tomada nosentido de simples ligação exterior entre objetosdistintos. Ligação essa na qual os objetosrelacionados conservam sua individualidadeanterior, não lhes acrescentando a relação nadade novo. Para nós aqui, ao contrário, a relaçãoengloba os objetos relacionados numa totalidadee nova unidade; num sistema de conjunto dadoprecisamente pela relação que vem a ser adisposição sincrônica e diacrônica dos mesmosobjetos, pela posição espacial e sucessãotemporal respectiva de cada um com respeitoaos demais e da totalidade que, relacionados,eles constituem.

Page 22: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 22/112

Nisto consiste a relação; e nessaperspectiva que, na operação de relacionamento(isto é na determinação de relações) se hão devisualizar as feições e situações da Realidadeconsiderada. O que importa em reduzi­las a umsistema de relações. Em outras palavras,indagar dos elementos que as constituem eestruturam, mas não elementos autônomos e sóexteriormente ligados, simplesmente justapostosuns aos outros; e sim entrosados, fundidos emconjunto, e congregados assim numa totalidadeque transcende a soma deles e suaindividualidade própria.

Doutro lado, em sentido contrário, osconjuntos assim integrados e totalizados se farãoelementos de conjuntos mais amplos,articulando­se e engrenando uns com outros, eintegrando com isto os sistemas de relações querespectivamente constituem, em sistemas maisamplos e complexos.

Em suma, os objetos do Conhecimento,que são as feições e situações da Realidade quese trata de conhecer, embora se discriminando eindividualizando, o fazem como elementos dosistema de relações em que se totalizam eunificam, e em função dele. É o que Marxdenomina “a unidade na diversidade”, e entendepor “concreto”, O que se exprime muito bem eilustra no conhecido dito no qual tãoacertadamente se distingue a floresta dasárvores que a compõem (viu as árvores, não viua floresta). E encontra também expressão nofato tão notório que uma totalidade é sempremais que a simples soma de suas partes. E em

Page 23: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 23/112

que consiste esse “mais”? Precisamente narelação que congrega aquelas partes e faz delasum sistema de conjunto que absorve e modificasua individualidade anterior. Ou antes, atransforma em nova individualidade que éfunção do todo e somente existe nesse todo. Omodo de ser, a individualidade das diferentesárvores que compõem a floresta (a sua“essência”, eu ia quase metafisicamentedizendo...) não é o mesmo quando consideradasindependentemente do conjunto e sistema derelações que é a floresta.

Mas se a floresta constitui um sistema derelações em que se desfaz e nele se absorve aindividualidade das árvores que a compõem asárvores, por seu turno, também constituem,cada uma de per si, um sistema de relações. Istose verificará desde logo na simples imagemvisual das árvores que constitui, por assim dizer,a mais elementar de suas feições. Observe­se oesquemático desenho**:

[imagem]Nele se poderá reconhecer uma árvore.

Como isto, pergunta­se, uma vez que oconfronto deste desenho com a imagem dequalquer árvore verdadeira evidencia umaconsiderável diferença: o que há de comumentre este desenho e a configuração de umaárvore real? É a forma em que se dispõem ostraçados do desenho, as relações que seapresentam nesse traçado. Assim, esteconhecimento mais elementar de uma árvoreque é a sua configuração ou imagem visual,consiste numa representação mental de

Page 24: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 24/112

relações. São essas relações e o sistema deconjunto que formam, que nos permitemreconhecer uma árvore neste desenho quecoincide com uma árvore unicamente pelasrelações que nele se exibem. No mais, árvore edesenho nada têm em comum.

Coisa semelhante se verificará sepassarmos além da simples imagem para outrascircunstâncias mais profundas e amplas quecaracterizam as árvores em geral. A árvore é umorganismo vegetal, o que vem a ser um sistemade relações (e em função de outros organismos eno contexto do conjunto deles, e mesmo no datotalidade dos objetos na Natureza, é aí esomente aí que se propõe a natureza vegetal daárvore; e coisa análoga se diria com respeito aoutras circunstâncias de que a árvore participa).Relações aquelas que presidem à morfologia efisiologia da árvore, e que lhe concedem aindividualidade que é a sua. Neste caso, aindamais claramente que no da floresta, verifica­secomo a individualidade das partes — e que naárvore são entre muitas outras o tronco, asraízes, os galhos, as folhas, a circulação daseiva, fotossíntese, etc. — é função do conjuntodelas e da totalidade da árvore; tanto quantoessa totalidade é função das partes nelaintegradas e relacionadas no sistema deconjunto que ela forma. O tronco somente étronco na qualidade, situação, função desustentação da árvore, conduto da seiva que aalimenta, e assim por diante. Separado dessasfunções, fora da totalidade “árvore” e sistema deconjunto de relações que a árvore constitui, o

Page 25: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 25/112

tronco será lenho, será matéria orgânica emdecomposição... Mas já não será “tronco”, nãoterá a individualidade própria do tronco,individualidade essa que o sistema “árvore” quelhe concede, e que somente ele lhe podeconceder.

Considerações análogas se farãorelativamente às “partes” da árvore, tomandopor objeto as partes dessas partes, como sejam otecido vegetal, as células, compostos de carbono,etc. E podemos ir indefinidamente adiante nesta“decomposição” da árvore nas relações em quese estrutura. E em sentido inverso, em vez departir, como fizemos, da floresta para a árvore eseus componentes, componentes decomponentes, etc., podemos situar a floresta nossistemas de relações em que necessariamente seinclui, como sejam as circunstâncias geográficas,geológicas e outras que a condicionam edeterminam. Estaríamos sempre, pela mesmaforma que vimos, caracterizando as feições esituações da Realidade de que nos ocupamos,por sistemas de relações entre si articulados eentrosados.

É isto que procuro aqui tornar claro (o quenem sempre é fácil com os nossos hábitosordinários de pensamento, e as expressões eformulações verbais que somos obrigados aempregar). A saber, que são relações e ossistemas em que se estruturam, quecaracterizam as feições, situações oucircunstâncias em geral da Realidade quetratamos, como indivíduos pensantes, deconhecer. Que constituem essa Realidade tal

Page 26: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 26/112

como nos é dado conhecê­la, e que aprendemosno ato de conhecer e nas operações com que seelabora o Conhecimento. As próprias expressõesde que nos servimos, e que devemos empregarao referir às situações acima descritas — afloresta, as árvores, os troncos, a circulação daseiva, etc. nos mostram isto, direta eimediatamente, a cada passo. “Organismo”,“vegetal”.., não são outras coisas. “Organismo” ésistema (relações portanto) de órgão e não“nome” de coisa ou seres no sentido que alinguagem que empregamos parece à primeiravista implicar. O mesmo diremos de “vegetal”,que nada significa, ou não significa o quepretendemos, fora da sistemática Natureza umavez mais, portanto, sistema de relações. Isto é,situação em que as partes e elementosconstituintes se condicionam e determinammutuamente, são função recíproca uns dosoutros. E ao mesmo tempo que integram umatotalidade, são função desta totalidade, e deladerivam sua individualidade, tanto quanto amesma totalidade é função de seus elementosou partes, e deles deriva sua individualidadeprópria.

Poderíamos ilustrar o nosso assunto comoutra categoria de feições e situações daRealidade, aquelas mesmas precisamente, queocuparam centralmente a atenção de Marx cujopensamento acerca da questão doConhecimento, bem como suas implicaçõesimediatas, estamos considerando. A saber, aeconomia capitalista.

Não é sem razão que se costuma falar aí

Page 27: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 27/112

em “sistema” capitalista, pois trata­se de umconjunto onde todos e cada um dos elementosconstituintes se integram numa unidade etotalidade (precisamente um “sistema”) de talforma que tanto quanto esse conjunto o derivados elementos que o compõem, e é por elesdeterminado, esses elementos derivam suaespecificidade e individualidade (mais uma vezque se me escapa, empregando a linguagemmetafísica, a expressão “essência”...) do conjuntode que participam e que constituem.“Capitalismo” é a designação que se dá a umtipo de organização econômica e seufuncionamento, que em última análise resultade uma forma de comportamento de indivíduoscoletivamente engajados direta ou indiretamenteem atividades produtivas, derivadas e conexas, epara esse fim se ligam e comunicam entre si.Comportamento esse em que todos os fatos esituações nele ocorrentes e que o configuram, seacham estreita e indissoluvelmente interligados,dependem e resultam uns dos outros,configuram­se e se determinam mutuamente,constituindo um conjunto e complexo derelações distribuídas nas dimensões dasimultaneidade e da sucessão (espaço e tempo),e conjugadas num todo que constituiprecisamente o sistema do capitalismo, cujaspartes e elementos constituintes se condicionamuns aos outros, bem como a totalidade queintegram. Capital, meios de produção emateriais empregados nessa produção, força detrabalho, lucro, mercadorias, comércio,circulação monetária, crédito e tantos outroselementos constitutivos do capitalismo,

Page 28: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 28/112

representam todos formas características decomportamento humano (atos e atitudes deindivíduos agindo coletivamente). E são todoseles função uns dos outros e do sistema deconjunto em que se entrosam e de onde derivamsuas características e especificidade próprias. Opapel que cada qual desses elementosdesempenha é sempre função do dos demais. Ocapital é capital, e somente assim, pelo fato dainversão ou investimento em atividadesprodutivas, inversão esta que afinal nada maissignifica que compra de força de trabalho(compra essa efetuada com salário), bem comodos meios de produção e outros insumos nosquais se aplica aquela força de trabalho e comque se realiza a atividade produtiva. Operaçãoessa última da qual resultam as mercadoriasque uma vez vendidas recompõem em dinheiro ovalor do capital originariamente invertido, maisum excedente que representa o lucro docapitalista titular do mesmo capital. Renovando­se em seguida o ciclo produtivo.

Por esta pequena e esquemática, mas bemilustrativa amostra do funcionamento daeconomia capitalista, verifica­se oentrelaçamento orgânico e “essencial”(empregamos a expressão por falta de melhor, eapesar da ressonância metafísica que comporta)dos elementos que constituem essa economia. Ese evidencia que é nas relações em que seintegra o conjunto de tais elementos, que sesitua a natureza de cada qual deles bem comoda totalidade em que se engrenam e que elesformam. Não há capital fora das relações (e

Page 29: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 29/112

nessas relações sua natureza se esgota) em queo capital figura entrosado com o fato da comprada força de trabalho, dos meios de produção,etc. para resultar na produção de mercadoriascuja venda repõe o capital em sua formamonetária originária. Tal como não há força detrabalho (em termos capitalistas) ou quaisqueroutros elementos do sistema, à parte dessesistema e fora das relações em que eles entre sise articulam.

É assim a mesma coisa que observamosem todas as feições e situações da Realidade,sejam da Natureza inanimada, sejam asorgânicas, sejam as que digam respeito aoHomem e suas atividades. Isto é, uma trama derelações em que se estrutura e de que seconstitui o Universo, e no qual se realiza emanifesta seu comportamento. Trama aliás semsolução de continuidade que envolve e interliga,e com isto configura todas as feições e situaçõesuniversais. Considere­se a floresta ou o sistemacapitalista das nossas ilustrações acima, ououtras quaisquer, e leve­se o processo derelacionamento, ou melhor, determinação derelações (tal como procedemos acima, e querepresenta aliás a marcha progressiva doConhecimento) leve­se esse processo avante eatravés de todas as conexões que se encontrampelo caminho, e logo se verá que ele (o processo)se dispersa em todas as direções, não tem fim etende para o infinito. E revela com isto aUnidade universal. Em outras palavras,situações e momentos temporais da Realidadeem que nos incluímos, nós Homens, como uma

Page 30: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 30/112

das parcelas, inclusive e particularmenteinteressante para nós aqui, na qualidade deseres pensantes que se ocupam reflexivamentedeste mesmo assunto que estamos tratando.

É num tal processo de progressivadeterminação de relações (“descoberta pelaanálise, de relações”, nas pa1avras de Marx queacima referimos) é nisto que consiste aelaboração do Conhecimento, O seu ponto departida. O Conhecimento não é de coisas,entidades, seres, a sua essência — como propõea Metafísica; e sim de tais relações que se tratade descobrir, apreender e representarmentalmente. E são as representações assimformadas (que ordinariamente denominamosidéias, conceitos) que precisamente constituem ocorpo do que entendemos por Conhecimento emgeral e a Ciência em particular, uma vez que aciência não é mais que aquela parte doConhecimento melhor sistematizado edeliberadamente elaborado.

Encontramo­nos aqui, como se vê, nocoração da problemática do Conhecimento. Istoporque se propõe aí a própria maneira deconceber o Universo. Na Filosofia clássica, isto é,inspirada e fundamentada na Metafísica, trata­se na elaboração do Conhecimento de apreendera “essência” do objeto real. O que significa sabero que as coisas que compõem o objeto real, são.A própria palavra “essência” diz isto. O queimplica a concepção de uma Realidade dispersa,seccionada em coisas, seres, entidades, nãoimporta o nome, mas cada qual com suaindividualidade e identidade própria e exclusiva.

Page 31: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 31/112

Individualidade e identidade estas que sedeterminam, marcam, afirmam precisamentepela sua essência respectiva.

Mais ou menos expressa e explicitamente,mas pelo menos implicitamente e como pano defundo geral, esta maneira de conceber oUniverso ou Realidade, e por via deconseqüência, de o conhecer se encontra nabase de toda a Filosofia clássica, isto é, nãodialética. Em vez da unidade universal,englobando a Realidade como um todo único,tanto no espaço (a simultaneidade) como notempo (a sucessão) — o que constitui a posiçãodialética, que implica assim um Universo empermanente transformação num processo deconjunto que arrasta a sua totalidade — aconcepção metafísica se alicerça naquelas partesou elementos estanques, individualizados esomente exteriormente ligados uns aos outrosbem como imutáveis, que se emparelham esucedem uns aos outros, mas não se integramem conjuntos e se transformam com essesconjuntos.

Uma tal visão da Realidade resulta, emúltima análise, da deformação característica dopensamento metafísico, que consiste emconfundir a expressão formal do Conhecimento,o que se realiza pela linguagem, com aRealidade objeto do Conhecimento. E projeta­seassim inadvertidamente a forma lingüísticanessa Realidade (quando não se a subestima, emesmo despreza por completo, como faz tantasvezes o idealismo). Formas aquelasessencialmente discriminatórias, pois se

Page 32: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 32/112

estruturam originariamente na base dadenominação e atribuição de nomes as feiçõesda Natureza; bem como da qualificação, comque se assinala a denominação.

É nos logicistas modernos, em suasincursões filosóficas (que se distinguem, note­sebem, de sua tarefa construtiva e legítima), quevamos encontrar a expressão categórica dessaconcepção. Tratava­se para esses logicistas, e é oque realizam, de fixar uma precisa e rigorosadefinição e sistematização das formaslingüísticas expressivas do Conhecimento, e damaneira de adequadamente empregá­las naexposição científica e seu desenvolvimento, afimde assegurar essa exposição contra qualquerrisco de confusões e incoerências. O queimportava numa perspectiva essencialmentediscriminatória, que se justificada e necessáriano que respeita a depuração das formas daexpressão lingüística, iria dar, quandotransposta à Realidade por efeito da referidadeformação metafísica, na concepção que vimos.E o que dantes se encontra mais ou menosdisfarçado nas ambíguas formulações daMetafísica tradicional, iria afirmar­secategoricamente nas profissionalmente rigorosasformulações dos logicistas. É assim que Russell,referindo­se no Prefácio de seus Princípios daMatemática a sua posição no que respeita asquestões fundamentais da Filosofia, declara queaceita “o pluralismo que visualiza o mundo,tanto de existentes como de entidades, comocomposto de um número infinito de entidadesmutuamente independentes e não redutíveis a

Page 33: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 33/112

adjetivos dos seus termos ou do todo que estescompõem(7). E Wittegenstein, o filósofo porexcelência da Lógica moderna ainda envolta nasconfusões da Metafísica, dirá mais ou menos amesma coisa: “O mundo está dividido em fatos(1.2)... Um fato atômico é uma combinação deobjetos (entidades, coisas)” (2.0l)(8) Refiramosainda um simples manual de Lógica (tanto maisinteressante no caso, pois como todo manualpadrão como este que vamos citar, se limita àexposição de noções consagradas) em que oautor escreve, sem ao menos sentir anecessidade de qualquer justificação ouexplicação mais atenta, o que mostra tratar­separa ele de algo evidente e indubitável: “Osobjetos físicos se dividem entre coisas tais comoseres humanos individuais, mesas, átomos, esituações também chamadas states of affair[intraduzível para o português] que constituemdenotações de frases. Assim a frase “oencouraçado Bismark foi afundado”, denota asituação, a embarcação por si é uma coisa”(9).

É uma Realidade como esta, que é a daMetafísica — aglomerado de coisas e entidadesdistintas e bem discriminadas, que interagindoembora entre si, independem umas das outras etêm cada qual sua individualidade própria,irredutível e permanente —, é a essa Realidadeque se associa a concepção de umConhecimento que objetivaria as “essências” emque precisamente se revela aquelaindividualidade, identidade e permanência dascoisas e entidades do Universo.

Contrastando com essa maneira de

Page 34: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 34/112

considerar a Realidade e de conhecê­la, propõe­se a dialética de Marx, que é, de um lado, aperspectiva da Unidade universal tanto noespaço (o que significa interligação, orelacionamento e integração em conjunto, datotalidade das feições e situações da Realidade),como no tempo, isto é, a incessantetransformação desse conjunto que é antesprocesso em constante devir. De outro lado ecorrespondendo a essa maneira de enxergar aRealidade, o “conhecer” dela consiste emprogressivamente apreender e descrever aquelaunidade universal, o que nos é dado (isto é, édado ao indivíduo pensante e elaborador doConhecimento, que é o Homem) nas relaçõesque compõem e em que se estrutura a unidadeuniversal; e em que se dispõe espacial etemporalmente, isto é, sincrônica ediacrônicamente.

É numa tal operação de progressivadeterminação de relações — “descoberta, pelaanálise, de relações”, nas palavras de Marx notexto acima referido — é nisto que consiste aelaboração do Conhecimento. O Conhecimento,e insisto neste ponto, não é de “coisas”,“entidades”, “seres”, a sua “essência” oumaneira de ser deles, nos termos da Filosofiaclássica em geral, e de sua metafísica emparticular. O Conhecimento é de tais relaçõesque se trata de descobrir, determinar erepresentar mentalmente. E são asrepresentações assim formadas e elaboradasque precisamente constituem o que entendemospor Conhecimento(10).

Page 35: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 35/112

A marcha do Conhecimento — inclusiveaqui naturalmente, e em particular, a Ciênciapropriamente, que não é senão o Conhecimentomelhor sistematizado e deliberadamenteelaborado —, consiste assim na elaboração deconceitos representativos das relaçõesobservadas e determinadas no seio da Realidadeconsiderada. O que se realiza pela articulação econjugação em totalidades e unidades deconjunto, de feições e situações já anteriormentedeterminadas, devidamente conceituadas eassim observáveis. Feições e situações estas quede tal modo congregadas, ou mais precisamenterelacionadas e sistematizadas num conjunto, seapresentarão agora de novo ângulo, constituindofeição original ainda não observada econsiderada.

Vejamos esse processo mais de perto, einterpretando com as próprias palavras de Marx,a natureza dos acima referidos conceitosrepresentativos das relações determinadas eobservadas no seio da Realidade considerada.Tais relações que se estruturam e integram emsistemas de conjunto, vão constituir, naexpressão de Marx “a síntese de numerosasdeterminações.., a unidade na diversidade”(11)— o que é, segundo vimos, da natureza dasrelações. Marx chama a isso, a tais sistemasrelacionais (e empregando para isso aterminologia filosófica clássica), de “concreto”; ede “concreto pensado”, o conceito (fato mental)representativo do mesmo concreto (fato real). Ecaracteriza a situação da seguinte forma: “Parao pensamento [o concreto] é um processo de

Page 36: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 36/112

síntese e um resultado”. O que em outraspalavras para nós mais explícitas, significa que oconcreto (que constitui uma feição da Realidadeconsiderada em conjunto e numa unidade) sealcançou pelo pensamento — e assim nele serepresenta — através de um processo de síntese(que é a integração do relacionamento a que nosvimos referindo) de que resulta, da diversidadeoriginária, a unidade conseqüente. Epotencialmente “se dilui assim em noçõesabstratas” (Marx). Isto é, se dispersas nasrelações de que se constitui e em que seestrutura.

Doutro lado, contudo, na elaboração doConhecimento, “as noções abstratas permitemreproduzir o concreto por via do pensamento”.No primeiro caso, que consideramos acima,colocamo­nos na perspectiva do Conhecimentojá elaborado e incluído no pensamento, que é oconceito representativo de uma feição daRealidade (o concreto real), resultante doprocesso de síntese efetuado pela integração dorelacionamento. No outro caso, estamos naperspectiva contrária, a saber, na do processode síntese em operação e que vai dar nareprodução e representação mental do concretoreal. No “concreto pensado”, na expressão deMarx.

São tais circunstâncias (aquela duplaperspectiva a que nos referimos) que levaramHegel, segundo Marx, a “sossobrar na ilusão deconceber o real como resultado do pensamentoque se concentra sobre si próprio, se aprofundae se move por si mesmo, quando o método que

Page 37: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 37/112

consiste em se elevar do abstrato e, para opensamento, a maneira de se apropriar doconcreto, ou o reproduzir sob a forma doconcreto pensado”. “Mas não é, de modo algum,prossegue Marx, o processo de gênese doconcreto ele próprio”. E contrastando aquelaposição idealista de Hegel com o seumaterialismo dialético (e não “vulgar”, é bom quese ressalte) Marx acrescenta, e com isto dá asúmula de sua maneira de ver a elaboração doConhecimento, o seguinte: “A consciênciafilosófica (Marx refere­se à Filosofia clássica etradicional) e assim feita que o pensamentoconceptivo é para ela o homem real; o real setorna assim o mundo concebido: o movimentodas categorias aparece pois a essa consciênciacomo um verdadeiro ato de reprodução querecebe um simples impulso exterior... Ë assimque o movimento das categorias tem porresultado o mundo. É justo, mas é uma simplestautologia — na medida em que a totalidadeconcreta, uma vez que a totalidade pensada ourepresentação intelectual do concreto, é oproduto do pensamento e da representação. Masela não é absolutamente o produto do conceitoque se engendraria ele próprio, que pensariafora e acima da percepção: ela é o produto daelaboração dos conceitos a partir da percepção eda intuição. Assim, a totalidade, que semanifesta no espírito como um todo pensado, éum produto do cérebro pensante que seapropria do mundo pela única formapossível”(12).

Em suma, o Conhecimento é elaborado,

Page 38: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 38/112

ou “produzido”, na expressão de Marx, com ofato de representar mentalmente relaçõespresentes na Realidade e que são aí apreendidaspelo pensamento por via da percepção eintuição, é através do processo ou operações quechamamos de “relacionamento” (é a “análise” deMarx que veremos adiante mais de perto).Operações estas que irão sucessiva eprogressivamente integrando as diferentescircunstâncias observadas nas feições daRealidade, em conjuntos — o “concreto” deMarx, e que são sistemas integrados de relações— mais ou menos amplos e compreensivos daRealidade. Mais precisamente, que farão opensamento considerar tais circunstânciasnuma perspectiva de conjunto — o quecorresponde à unidade na diversidade a queMarx se refere. E por esse modo, tais conjuntosse traduzirão e representarão na esfera mentaldo indivíduo pensante, pelos conceitos (o“concreto pensado” de Marx) a querespectivamente eles corresponderão.

Podemos acrescentar, embora isto nãoseja expresso em Marx, mas decorre por via deconseqüência da perspectiva em que ele secoloca — e que referimos aqui de passagem,unicamente para obviar certas possíveisconfusões — que aqueles conceitos, uma vezconstituídos no pensamento, se formalizarão eexprimirão (ou são suscetíveis de seformalizarem e exprimirem) na linguagem ououtras formas de expressão.

Mas vamos deixar isto de lado porquerepresenta matéria que só conhecimentos

Page 39: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 39/112

recentes e assim muito posteriores a Marx,permitem abordar com alguma precisãocientífica. Embora, repetimos, a contribuição deMarx tenha sido considerável no assunto comoabertura de perspectivas. E vejamos a matériapropriamente tratada por Marx, atendendo àmaneira como ele se propõe, e de fato assimprocedeu, elaborar a Economia Política que vema ser para ele, nada mais, nada menos que adescrição sistemática e explicitação teórica docapitalismo. O que Marx realizara, como elemesmo afirma, na esteira dos economistasingleses seus antecessores e primeiros teóricosefetivos daquela disciplina. Mas alcançandoafinal outros e muito mais amplos horizontes.Isto graças ao fato que enquanto aqueleseconomistas, embora assentando as bases emarcando os ponto de partida da EconomiaPolítica, e proporcionando com isso a Marx omodelo original de que se serviria, se tinhamconduzido unicamente por sua intuição e pelaespontaneidade de um pensamento fecundo,enquanto Marx se formaria como um métodoexplicitado e conscientemente utilizado emanejado. Método esse com que atinara graçasà sua formação filosófica. E naturalmentetambém o seu gênio.

Marx assim se exprime a respeito:“Pode parecer acertado começar pela base

sólida que é o real e concreto, abordar em sumaa economia pela população que constitui a raiz eo sujeito de todo processo social de produção.Todavia, observando­se a questão maisatentamente, percebe­se que isso é um erro. A

Page 40: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 40/112

população é uma abstração, se eu desprezo porexemplo as classes de que ela se compõe. Porseu turno, essas classes são vazias de sentido seignoro os elementos em que repousam, porexemplo o trabalho assalariado, o capital etc.Estes últimos pressupõem a troca, a divisão dotrabalho, os preços, etc.

Se portanto começasse simplesmente pelapopulação, eu teria uma visão caótica doconjunto. Mas se procedesse por uma análisecada vez mais avançada, eu alcançaria noçõescada vez mais simples partindo do concreto deque teria a percepção, eu passaria a abstraçõessempre mais finas para dar com as categorias asmais simples. Nesse ponto, seria necessáriorefazer a viagem em sentido inverso para chegarde novo, afinal, à população. Mas desta vez eunão teria uma idéia caótica do todo, mas um ricoconjunto de determinações e relaçõescomplexas”.(13)

Observe­se o procedimento de Marx aí porele mesmo descrito. Consiste essencialmente efundamentalmente. no seu ponto de partida, emdeterminar as relações em que se estruturam asdiferentes feições, situações ou circunstânciassócio­econômicas em geral que dizem respeito ao“processo social da produção”, ponto dereferência essa para os fatos econômicos que sãoo que interessa Marx. Marx não se limitasimplesmente a passar tais circunstâncias emrevista, indagando o que são, como se definem.Considera­as na perspectiva umas das outras edo conjunto que constituem. Note­se que Marxestará aí partindo da consideração de feições já

Page 41: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 41/112

conhecidas, isto é, conceituadas anteriormente,o que lhe faz possível desde logo percebê­las,observá­las na Realidade que pesquisa e aíanalisá­las, determinando com isto não só asrelações de que se constituem e o sistemarelacional em que respectivamente se entrosam,mas ainda, conjuntamente, a maneira comoesses diferentes sistemas se dispõem uns comrespeito aos outros, e portanto como serelacionam entre si e se compõem numatotalidade. Ou antes, como é possível relacioná­los e por esta forma os conjugar e entrosar; emque perspectiva de que modo devem servisualizados e considerados. O que já constituielaboração propriamente de novo conhecimentoe conceituação que constituirá representaçãomental do novo sistema relacional (complexo derelações integradas num conjunto) percebido naRealidade; de nova unidade apreendida nadiversidade das feições, situações,circunstâncias sócio­econômicas em geral antespercebidas separada e fragmentariamente. “Ricoconjunto de determinações e relaçõescomplexas” na terminologia empregada porMarx, que resulta do entrosamento e integraçãosistemática em conjunto daquelas circunstânciaspassadas em revista, e que antes seapresentando entre si desconexas e dispersas,agora se dispõem num sistema relacional único,numa totalidade integrada em que as partes secompõem em função recíproca uma das outras,bem como do conjunto em que se congregam eintegram. Tanto quanto esse conjunto e tambémfunção de suas partes.

Page 42: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 42/112

É neste sentido, no da “descoberta”,podemos dizer da unidade na diversidade dasdiferentes feições, situações ou circunstânciassócio­econômicas em geral que se configuram noseio das populações da civilização européia queMarx tinha sob suas vistas, e que dizem respeitoao seu “processo social de produção”, é nessesentido que se desenvolvem as operações deelaboração cognoscível realizada por Marx e quevão dar afinal na apreensão pelo seupensamento, e percepção do conjunto e sistemaintegrado de relações em que se estrutura ocapitalismo, no tempo e no espaço, e que vêm aser a organização dele, funcionamento eevolução. O que significa, em outras palavras, ocomportamento em conjunto, e relativo de unsaos outros, dos indivíduos que compunham apopulação européia contemporânea de Marx,engajados em atividades produtivas e conexas; eatravés delas se ligando e associando uns comos outros. E é esta percepção de Marx,expressão em sua obra e tornada assimacessível e se comunicando, que constitui agrande contribuição que ele trouxe para aelaboração do Conhecimento econômico, daEconomia Política como ciência.

Precisamos aqui insistir e considerar maisde perto a operação de relacionamento que Marxrealiza, como acabamos de ver, e através daqual ele logra apreender e perceber,conceituando­o, o sistema relacional de conjuntodo capitalismo. Refiro­me à análise. Nesse pontoMarx não é explícito, no sentido que embora sereferindo repetidamente a essa operação básica

Page 43: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 43/112

e central do seu método, não procuracaracterizá­la especificamente; não teoriza arespeito dela, e limita a aplicá­la no tratamentodos assuntos de que se ocupa. Ele é contudo tãoseguro e preciso nessa aplicação, e o revela emseus textos de maneira tão clara eparticularizada — sobretudo ao se ocupar dateoria econômica — que podemos nesses textoscomo que apanhar ao vivo e acompanhar odesenvolvimento do método e dos procedimentosde sua análise, como se aqueles textos fossemnão o tratamento de um assunto especifico — aEconomia Política ou outro —, e sim a exposiçãoda própria teoria do Conhecimento e descriçãodesse instrumento essencial da elaboração doConhecimento. Mas antes de abordarmos ostextos de Marx e a exposição que faz daEconomia Política, onde se verá como Marxmaneja a análise e tira dela os resultados quelhe permitiram a larga e profunda visão einterpretação do sistema capitalista que foramas suas, antes disso são interessantes algumasconsiderações gerais e preliminares sobre oassunto.

No sentido ordinário e mais corrente naFilosofia e Lógica, bem como em sua acepçãovulgar, a análise consistiria em separar,decompor um todo em suas partes. Não é esse osentido em que Marx toma a operação deanalisar, ou seja, nos seus próprios termos,“determinação de relações através da análise”.

Nem é ele adequado e aplicável ao setratar da elaboração propriamente doConhecimento. A não ser que a “separação” ou

Page 44: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 44/112

“decomposição” se realizasse em função dareunião ou recomposição do todo, isto é, comvistas àquilo, e objetivando o que de ordinário seconceitua a parte da análise e mesmo emoposição a ela, e que vem a ser a síntese(14).

Encontramos aqui mais umacircunstância, e das mais graves, da confusãoque as concepções metafísicas com suasdistinções e rígidas discriminações, introduzemna apreciação dos fatos do Conhecimento. Nãohá realmente “análise” sem “síntese”, einversamente esta sem aquela. Trata­se deoperações (se mesmo o plural e cabível no caso)que não somente se complementam, mas seconjugam e fazem efetivamente um só todo. Masnão vamos entrar nesse debate que se presta,como tudo mais que tem suas raízes naMetafísica, a especulações infinitas. Eprocuremos antes esclarecer o assunto demaneira mais simples com a observação diretados fatos cognitivos, a saber, considerando aanálise em sua efetiva aplicação na elaboraçãocientífica(15). E façamo­lo, para abreviar esimplificar a tarefa, observando os casos dessaaplicação em que ela se apresenta maisdistintamente, a saber, quando se realiza noterreno das operações matemáticas. Maisprecisamente, quando se empregam osprocedimentos algébricos.

É certo que o modelo padecerá aí de certoesquematismo, pois se trataria no caso deanálise de conteúdo essencialmente quantitativoe expressível desde logo em termos formalizados.O que significa um nível de alta abstração,

Page 45: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 45/112

implicando uma discriminação rigorosa dascircunstâncias ocorrentes (que são os dados doproblema), já quantificados ou desde logoquantificáveis. Situação essa que não ocorreordinariamente, excusado dizê­lo, e não ocorreem particular naquele terreno que interessaaqui diretamente e que é o da Economia Política,sobretudo na fase incipiente em que Marx aencontrou. É aliás de uma tal situação queresulta a maior facilidade em destacar os traçosfundamentais da análise. Mas nem por isso onosso modelo matemático deixa de serilustrativo, pois a analogia é perfeita como nãopodia deixar de ser, uma vez que as operaçõesdo pensamento são as mesmas e idênticasqualquer que seja o objeto a que se aplicam. Atransposição se faz assim, mutatis mutandis, semmaiores embaraços. Faremos adiante essatransposição para uma instância essencial daobra de Marx.

Como se sabe, a aplicação da análisealgébrica à solução de um problema, consisteessencialmente em estruturar uma equaçãoigualmente com os dados do problema, mais asolução dele, embora desconhecida, mas que sefigurará na equação como “incógnita”. Ora, aequação assim estruturada não representa outracoisa que um sistema integrado de relações, eorganizado em função da incógnita, isto é, emque a incógnita é referida àqueles dados.Observe­se o desenrolar do pensamento naoperação de equacionamento. Os dados seconsideram naquilo em que se referem ou dizemrespeito à incógnita. A condição necessária e

Page 46: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 46/112

suficiente para que o equacionamento sejapossível, consiste precisamente no fato de osdados se relacionarem com a incógnita, o que éóbvio. Trata­se então de integrar essas relações,isto é, dispô­las num sistema de conjunto, eentrosando­se de tal forma que os dados, mais aincógnita, se apresentam entre si entrosados emfunção uns dos outros e da totalidade queconstituem. Uma vez isto realizado, estarácompletado o equacionamento e determinada aincógnita pela posição relativa que ocupa nosistema da equação estruturada.

É nisto que essencialmente consiste aanálise ou operação de analisar. A saber,repetindo, totalizar elementos num sistemaintegrado de relações onde esses elementos, epor isso mesmo que compõem um sistemaintegrado, se determinam todos elesmutuamente e em função do todo que integram.Para alcançar esse relacionamento generalizadoe integrado em sistema único de conjunto,haverá que descobrir relações ainda nãoconsideradas, elos faltantes com que se farápossível a integração visada. Será a “incógnita”,que no caso da operação algébrica de análise aque recorremos acima, se obterá afinal, uma vezformalizada a equação através de simplesalgoritmos predeterminados. E que nos casosordinários da elaboração científica — que é oque temos aqui sob as vistas, que foi o caso deMarx — dependerá da observação do materialpesquisado.

É segundo essas normas que Marx, deantemão e expressamente, se propôs proceder

Page 47: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 47/112

na elaboração da Economia Política,completando, ou antes continuando, mas já emnovo plano bem mais amplo e compreensivo, aobra dos economistas seus antecessores. É o quese depreende, de início, do texto que vimoscomentando. Marx, a partir das situações ecircunstâncias em geral presentes e por elepercebidas e observadas no seio da população esociedade cuja economia procurava investigar edescrever, e que são entre outras que ele cita eque se centralizam no “processo social deprodução”: as classes, o trabalho assalariado, ocapital, etc.; e considerando as relações em quetais situações se estruturam formando cada qualum sistema específico e individualizado, Marxprocurará determinar como esses sistemas,através e a partir das relações querespectivamente os compõem, se articulam unscom os outros integrando progressivamenteconjuntos cada vez mais amplos ecompreensivos, até alcançar a sistematizaçãogeral deles numa totalidade unificada. E seráisto que constituirá “o rico conjunto dedeterminações e relações complexas” que Marxobjetiva, em contraste com a “idéia caótica” queantes tinha da população e das diferentessituações e circunstâncias nela observadas epercebidas; mas percebidas à parte umas dasoutras, separada e fragmentariamente.“Caoticamente”, portanto.

É aqui incidentemente de notar, emboraMarx não se refira expressamente a esse ponto— mas que, como veremos, fundamental para acompreensão dos procedimentos e do método

Page 48: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 48/112

segundo o qual ele opera — que a perspectivaem que considera as situações de que se ocupa eque procura relacionar, diz respeito tanto àsimultaneidade delas, como à sua sucessão. Emoutras palavras, e para empregar umaformulação moderna que Marx naturalmentenão utiliza, mas que vem a dar no mesmo; eleleva em consideração tanto o “sincronismo”(coincidência temporal das situações) como o“diacronismo” (sucessão delas) em que aRealidade que ele observa se apresenta e sobrecujos dados trabalha. Aliás a distinção entreessas perspectivas e apenas para fins restritos eimediatos de clarificação do assunto, com odestaque da dimensão temporal (que implicatransformação), em regra desprezada ousubestimada, e até mesmo, freqüentementenegada de forma expressa nas concepções davelha filosofia metafísica. De fato, não há comopropriamente distinguir entre ambas essasperspectivas que se confundem na visãocompleta e adequada da Realidade, e devemsempre ser por isso, conjuntamente abordadas.Não é contudo aqui o lugar próprio para odesenvolvimento desse ponto, que refirounicamente para o fim de lembrar de passagemum traço característico e essencial dosprocedimentos de Marx e que consiste emsempre projetar sua pesquisa e análise nas duasdimensões da Realidade: espaço e tempo; enunca deixar esta última mais ou menos delado, como costuma ser a regra na maneirametafísica de ver as coisas. Veremos aliásadiante como no desenvolvimento da análise deMarx não há como distinguir tais perspectivas

Page 49: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 49/112

que se mostrarão de fato englobadas numa só,abrangendo simultaneamente ambas asdimensões da Realidade.

Nesta preliminar teórica acerca do seumétodo de elaboração da Economia Política, istoé, da conceituação mentalmente representativada estrutura e do funcionamento do capitalismo,Marx não conta em mais pormenores damaneira como realizar, e como de fato elerealizaria o relacionamento a que se propôs. Istoé, Marx não põe em evidência o fio condutor queo levaria à integração do sistema de relações queobjetiva. Nem tampouco é expresso com respeitoao porque e como dessas operações derelacionamento, dessa análise a que procede,resultariam as descobertas e conclusõesespecíficas e originais que constituiriam a suateoria econômica. Mas ao aplicar o seu método,ou melhor, ao expor os resultados a que chegoue que se encontram consubstanciados em suaobra, ele nos permitira acompanhar o progressodo seu pensamento. Para isto contribuisobretudo o caráter polêmico que dá à sua obra.O estilo de Marx, como homem de ação que era,e revolucionário ativamente engajado na procurada teoria capaz de rastrear e orientar aquelaação, torna possível reconstruir a partir daexposição que faz de sua teoria, o métodoempregado para chegar aos resultados expostos.A polêmica em que se engaja com oseconomistas burgueses defensores da ordemcapitalista vigente, faz possível enxergar comsuficiente clareza a maneira como aborda a suaanálise e a encaminha, dando com isto a norma

Page 50: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 50/112

de toda elaboração científica efetivamentefecunda.

E primeiramente a resposta a umaindagação que Marx busca; a solução de umproblema. E para isto realiza aquilo queessencialmente coincide com o equacionamentomatemático que propusemos acima comomodelo de análise. A saber, Marx procuraestruturar, com os dados que lhe oferece aRealidade sócio­econômica que observa, dadosesses que apreende e percebe graças aosconhecimentos que lhe proporcionam oseconomistas seus antecessores, o sistema derelações em que se integra e em que se revela edefine a sua “incógnita”. O que lhe permitiraidentificá­la. Que incógnita é essa?

O que central e fundamentalmentepreocupa Marx ao abordar a análise do sistemaeconômico do capitalismo é sem dúvida acompreensão da maneira pela qual se realizanesse sistema a exploração do trabalhador, istoé, o usufruto por alguns, dos resultados dotrabalhador e esforço produtivo de outros. Que aexploração existia, não havia dúvida, uma vezque a apropriação do produto social, resultadodo esforço produtivo de trabalhadores, secanalizava, e em sua maior e principal parte,para não­trabalhadores e não­produtores. Eassim, enquanto esses trabalhadores subsistiamnos mais baixos padrões da sociedade, a riquezasocial se concentrava e cada vez mais seacumulava, sob forma de capital, nas mãos deuma classe minoritária não trabalhadora: aburguesia. Aliás nisto o capitalismo nada

Page 51: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 51/112

inovara. Como a história evidenciava, é naexploração do trabalho alheio, embora realizadade formas diferentes que assenta a estrutura efuncionamento de toda sociedade dividida emclasses. Essa divisão não é aliás,fundamentalmente, senão reflexo e expressãodaquela exploração. A essa conclusão de ordemgeral, Marx já chegara muito antes de se iniciara fundo na análise econômica. E foi ela semdúvida dos principais fatores que o impeliram nosentido em que dirigiria a sua obra e vida.Tratava­se aliás de convicção generalizada já naépoca; e em particular, naturalmente, nos meiostrabalhistas, bem como nos círculos intelectuaisem contato com aqueles meios e a que Marx seligaria muito cedo. Será na premissa que sepropõe nesse fato da exploração do trabalhohumano que partem. suas investigações. Asaber, como, por que mecanismo se processa eefetiva tal exploração? Tal será uma de suasincógnitas. A principal.

A questão, praticamente ainda nãoabordada, e de certo modo nem mesmo propostaantes de Marx — a exploração era reconhecidamas ficava­se neste simples reconhecimento ena afirmação do fato — se propunha de formaintricada porque no capitalismo o processo deexploração do trabalhador não se revela desdelogo, muito pelo contrário, como se dá em outrassociedades classistas. Assim nas sociedadesescravocratas, bem como no Antigo Regime, nofeudalismo que na Europa precederaimediatamente a sociedade burguesa, e cujosremanescentes Marx pudera presenciar ainda

Page 52: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 52/112

bem vivos. O trabalhador escravo erapropriedade do senhor, e trabalhava para elediretamente e sem disfarce. O produto de seutrabalho pertencia por isso de pleno direito aosenhor, e assim a exploração e seu mecanismose faziam patentes. Coisa semelhante ocorriacom os servos da gleba, que trabalhando napropriedade do senhor, ou entregando­lhe partedo seu produto, em qualquer caso emcompensação e por força de simples obrigaçãojurídica, tornavam a exploração igualmenteclara.

No capitalismo as coisas não se passamassim tão simplesmente. As relações sociais detrabalho e produção se revestem aí da forma detransação mercantil idêntica em substância aoutra qualquer operação de compra e venda, enão se observa traço algum de privilégiosjurídicos ou políticos, de subordinação oudependência pessoal dos trabalhadores, comrelação àqueles para quem eles trabalham. Asrelações entre capitalistas e trabalhadores serealizam em princípio livremente, as partes sãojuridicamente iguais, e o serviço dostrabalhadores, a sua força de trabalho é pagacom salário cujo montante se fixaindependemente da vontade das partescontratantes, empregados e empregadores, embases que se estabelecem no mercado detrabalho, tal como se dá com outra mercadoriaqualquer. Onde pois a exploração? Onde acessão forçada do trabalho, como se dá naescravidão ou servidão, ao capitalista eempregador; e a indevida apropriação por esse

Page 53: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 53/112

empregador, do esforço produtivo do trabalhadorque ele emprega?

São essas as perguntas que oseconomistas burgueses e defensores do sistemae regime capitalista faziam aos ideólogos dostrabalhadores (quando se dignavam responderporque como representantes da classe aindaincontrastavelmente dominante, não seachavam ordinariamente na obrigação de darsatisfações). Para concluírem que no capitalismoao contrário do que ocorria no passado, nãoexistia mais exploração do trabalho, e que osalário pago representava efetivamente a justaretribuição devida ao trabalhador.

Os socialistas, do seu lado, argumentavamcom o grande teórico burguês da época, Ricardo,que na sua teoria, ponto de partida e base daEconomia Política devidamente constituída, eque resume, nas palavras de Marx, e aliás noreconhecimento geral do seu tempo, “o resultadototal da economia inglesa clássica”(16), Ricardoconcluíra que o valor de troca de um produto eraigual ao tempo de trabalho que contém; e poisum dia de trabalho é igual a seu produto. Osalário percebido pelo trabalhador deve assimser igual ao valor do produto desse trabalhador,concluíam os socialistas, o que de fato nãoocorria, uma vez que parte apreciável do valordo produto era apreendido pelo capitalista.Verifica­se portanto que na fixação do salário sedissimulava uma parcela de trabalho fornecido enão pago. Restava explicar como isto ocorria.

Não caberia aqui evidentementereproduzir o debate que de certa forma (e que

Page 54: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 54/112

forma) se prolonga até hoje. Referimo­lounicamente para fixar o ponto de partida deMarx em sua análise do capitalismo, e verificar ométodo com que ele desenvolve essa análise afim de alcançar a resposta e solução da questãoproposta. Solução essa que trará consigo adefinição geral do sistema capitalista, econhecimento de sua estrutura profunda efuncionamento.

A solução se encontra, como se sabe, namais­valia que se observará e perceberá, isto é,se faz observável e perceptível, numa palavra,conhecida e conceituada graças à análise deMarx. Ou melhor, Marx percebera através desua análise, a mais­valia; e na sua obra indicaraa quem quiser acompanhar a exposição que fazdo assunto como também percebê­la. Marx terádescoberto e reconhecido a mais­valia comoforma específica de comportamento social,disfarçada e oculta no âmago das situações,feições e circunstâncias em geral da Realidadeeconômica do capitalismo. E realizara istoporque a mais­valia logo se revela quando seconsidera a Realidade econômica da Europa, jáno século passado, como Marx fez com a suaanálise, na perspectiva do sistema em que amais­valia se enquadra. Sistema esse em que seunificam e totalizam as diferentescircunstâncias, situações, fatos daquelaRealidade, uns já percebidos e por issoconceituados anteriormente a Marx, mas quefaltavam outros ainda não descobertos, capazesde os complementarem e com eles integraremum conjunto sistematizado.

Page 55: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 55/112

Marx revelará essa complementação.Vejamos, de forma naturalmente esquemática esomente para dar a linha geral e método seguidopor Marx, os seus procedimentos.

Marx alcançará progressivamente aperspectiva do sistema de conjunto docapitalismo (que é o que ele se propõe para o fimde dar com os elos faltantes do mesmo sistema eassim integrá­los), a partir, primeiramente, daconsideração das sucessivas formas quehistoricamente assumem as relações econômicase o seu encadeamento — o que significarelacioná­las — desde a simples trocaesporádica de bens — troca esta que se realiza eexplica pelo valor de uso, para os agentes datroca, dos bens trocados —, e progressivageneralização dessa troca, com sua decorrêncianatural que foi o estabelecimento de um critériogeral determinante da proporção em que osdiferentes bens são entre si trocados. Configura­se aí e então, o valor de troca dos bens, que sefixara na base do esforço necessário para aprodução desses bens. Cada bem valerá, para ofim de se trocar, o esforço aplicado na produçãodele. O que vem a ser trabalho que se mediránaturalmente pelo tempo dispendido nessemesmo trabalho. E a fim de simplificar e facilitaras trocas, eleger­se­á um bem em particular queservirá de referência e medida para todos osdemais, e constituirá assim o padrão de valor detroca de todos e quaisquer bens. Esse bemparticular fará o papel de intermediário detrocas, e constituirá o dinheiro.

Nesta altura, em que a generalidade dos

Page 56: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 56/112

bens, além do seu valor de uso (que é o que fazdeles bens econômicos), encerram também umvalor de troca expresso em dinheiro, é em queas trocas em geral se fazem com aintermediação desse dinheiro, elas constituirão oque se entende por compra e venda demercadorias.

Antes de prosseguir, observe­seatentamente o essencial dos procedimentos deMarx, a maneira como ela aborda aconsideração dos fatos que se apresentam naRealidade presente, e também passada no queantecede e prepara aquele presente, e que são avida e comportamento econômico da populaçãoeuropéia do seu tempo. Marx o fazessencialmente numa perspectiva relacional, istoé, pela consideração dos fatos não em si, masem função uns dos outros, indagando comoentre si se entrosam nas duas dimensões dasucessão, que significa transformação, e dasimultaneidade; como “participam” uns dosoutros, como cada qual tem um sentido e papelque deriva daquele seu entrosamento com osdemais. Vai­se com isto destacando naRealidade que Marx analisa, e torna­sepercebida uma certa disposição ordenada, isto é,de conjunto, daqueles fatos. Disposição essa quetende, com o progresso da análise, como se verá,à determinação de um sistema integrado derelações em que se poderá discernir o conjuntoda estrutura e funcionamento do capitalismo.

Continuemos assim nossos comentáriosrelativos à maneira e ao rumo segundo os quaisMarx considera, no curso de sua análise da

Page 57: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 57/112

economia capitalista, os fatos que tem sob asvistas. Naquilo que vimos até agora, já nos édada, — ou antes, já foi dada a Marx em suaanálise na qual nos encarnamos aqui — umaprimeira visão geral da economia capitalista. Asaber, “uma imensa acumulação de bens”(Marx) que sob a forma de mercadorias sãoobjeto de compra e venda; e que circulam assimdas mãos de uns para outros indivíduos quecompõem a sociedade capitalista. O queessencialmente distingue essa situação daanterior à qual sucede e de que deriva (e quevinha a ser aquela em que os bens se trocamdiretamente uns pelos outros), é que agoraintervém um intermediário universal de trocas egeneralizadamente sempre empregado: odinheiro. A situação se modificouprofundamente, embora a princípio de formaimperceptível. Dantes se considerava esobressaia unicamente o valor de uso dos bens,apresentando­se o valor de troca só comocircunstância secundária e acessória,determinante da proporção em que os bens setrocavam. Agora já não é mais assim, O quepassou a prevalecer é o valor de troca. Insinuou­se no funcionamento da economia, e vaiconquistando plano cada vez mais destacado,uma nova circunstância que se alimenta dovalor de troca, e nela se funda: o comércio. Écerto que compradores ordinários, o grandepúblico consumidor, o que objetivam são valoresde uso. Compram bens a fim de utilizá­los, de osconsumir. É o uso que os interessa. Osvendedores contudo, e cada vez em proporções eexpressões maiores, o que almejam é o dinheiro

Page 58: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 58/112

que recebem nas operações de venda. Odinheiro em si. Já não são mais, no dizer deMarx, “o camponês que vende trigo, e com odinheiro assim liberado compra vestimenta”(17).O que procuram é o dinheiro como finalidade.Dinheiro este com que adquirem novos bens — eserão aí compradores, é certo, mas de umacategoria especial, isto é, comerciantes querealizam compras com o fim único de venderemos bens comprados e metamorfoseá­los assimem dinheiro. Para esses comerciantes portanto,o que conta nos bens que compram e emseguida vendem em operações sucessivas epermanentemente repetidas, não é o valor deuso, como o nosso camponês, e sim o valor detroca. E para eles é o valor de uso que sedegrada para uma circunstância acessória esecundária de simples pretexto que faz possíveisas suas operações. E como é dessa prática doscomerciantes que vai derivar o essencial dofuncionamento da economia, pode­se dizer, eassim é de fato, que é a perspectiva deles queprevalece e concede o tom essencial dasatividades econômicas.

CCC O valor de troca se entroniza assim naeconomia, e em vez da “simples circulação debens” (Marx) sob a forma de mercadorias que secompram e vendem (que foi o que alcançamosem nossa primeira e mais elementar visão eperspectiva da economia capitalista) o que nos édado agora, o que passamos a enxergar e dantesnos era desapercebido, é algo mais profundo,menos aparente à primeira vista mais abstrato epois mais amplo, mais compreensivo e

Page 59: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 59/112

integrador de fatos. A saber, a circulação dovalor de troca. Valor de troca este, segundovimos, que é o que efetivamente se transacionanas operações mercantis disfarçado sob a formade compra e venda de bens. E que por isso,realmente, é o que circula. E que emboramaterializado e simbolizado no dinheiro que omede e exprime, assume sucessiva ealternadamente, no curso dessa circulação, alémda forma dinheiro, também a de mercadoria; enão se identifica, efetivamente, nem com umnem com outro. É capital.

Esboça­se com isto na economiacapitalista que estamos observando nas pegadasde Marx, ou dito de outro modo, principia a seconfigurar na Realidade econômica docapitalismo que a análise de Marx, que estamosacompanhando vai progressivamentedesvendando e fazendo “perceber”, a sua feiçãoque na dimensão histórica (sucessão) representao momento decisivo de maturação do sistemacapitalista.

E que na Realidade presente a Marx e porele observada e analisada (a simultaneidade)constitui a característica fundamental eessencial do sistema. A saber, a circulação docapital. Podemos aqui de passagem observar acoincidência e unidade dos dois planos em queopera o re1acionamemento realizado por Marx,sobrepondo­se um a outro e completando­seambos mutuamente. Isto é, os planosrespectivamente diacrônico e sincrônico. Orelacionamento das situações e momentossucessivos do processo histórico do capitalismo

Page 60: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 60/112

em sua gênese, e com isto a reconstituição daseqüência e continuidade daquele processo,prepara e esclarece o relacionamento que irádar na percepção do conjunto da organizaçãoeconômica analisada por Marx.

Realmente, o papel do capital e a maneiracomo se comporta — e com isto aquelapercepção de conjunto da estrutura efuncionamento do sistema — se alcançasobretudo ao considerar o processo históricoatravés do qual a circulação do capital se ampliae por essa ampliação adquire nova e maiscomplexa feição. O que ocorre quando ela seestende da esfera comercial também para a daprodução, dando origem ao capital industrial.Verifica­se então — e isto é essencial — que aprodução capitalista não é senão a mesmacirculação de capital que vimos acima, com aintercorrência de uma nova fase, e comcaracterística própria, que será a da produção.De fato, a consideração do processo histórico deque resulta o capitalismo industrial, que épropriamente o que de ordinário se entende por“capitalismo”, nos mostra inicialmente ocomerciante que compra o produto acabado doartesão, para fazer desse produto a mercadoriaque vende ao consumidor, passando a fornecerao artesão a matéria­prima com que este últimotrabalha; e recebendo dele o produtoconfeccionado com aquela matéria­prima (18).

Essa mudança, aparentemente umpormenor sem maior significação, é prenhe deconsideráveis conseqüências. Representa oprimeiro passo no deslocamento do produtor, da

Page 61: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 61/112

anterior posição artesão autônomo, para a desimples fornecedor de força de trabalho,subordinado direta e totalmente ao capitalista.Um passo mais, e o comerciante, agoratransformado em industrial, não só fornecerá aotrabalhador e produtor a matéria­prima queutiliza, mas o fará trabalhar com instrumentosde produção de propriedade dele capitalista­industrial. E o transfere para locais também desua propriedade. Terá surgido a manufatura, ecom ela o trabalhador antes o artesãoautónomo, agora transformado em operário quecom nada mais contribui para o processoprodutivo que a força de seu trabalho vendida aocapitalista senhor do capital sob cujas ordens ediretivas diretas ele trabalha.

A circulação de capital ganha com isto,como logo se vê, nova e considerável dimensão.Dantes ela se realizava simplesmente nacompra, pelo comerciante senhor do capital, dobem vendido pelo produtor; a que se seguia avenda do mesmo bem, tornado mercadoria, aoconsumidor. O capital transita aí tão­somenteda forma do dinheiro, para a de mercadoria,retornando em seguida à sua forma origináriade dinheiro; para se repetir indefinidamente omesmo ciclo.

Agora, no capitalismo industrial, as coisasse complicam consideravelmente. O capital sefaz aí, no seu primeiro momento e fase dacirculação, de dinheiro, nos bens intermediários(os chamados hoje “insumos”) com que sefabrica o bem final, e que são a matéria­prima,os instrumentos ou meios de produção, etc.; e

Page 62: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 62/112

mais a força de trabalho.Realizada a produção e confeccionado o

bem final, o capital terá “metamorfoseado” nessebem a mercadoria destinada à venda. Vendaesta que uma vez realizada, repõe o capital emsua forma originária de dinheiro(19).

É nisto que essencialmente consiste acirculação do capital industrial, feição essenciale fundamental do capitalismo e centronevrálgico do sistema.

Em que sobretudo, e de maior importânciae expressão, se distingue e caracteriza essa novafeição que assume a circulação de capital? Postode lado o fato físico que ela envolve — aconfecção ou fabricação de bens — o que nãointeressa aqui, e é assunto que pertence atecnologia(20) à circulação de capital nesta faseque nos ocupa, contrasta com a anterior nistoque nela ocorre uma transação em que o capitaltoma a forma de mercadorias adquiridas nãopara serem vendidas, como se dava comexclusividade na fase anterior, e sim para seremconsumidas, isto é, usadas. Segundo se viu, acirculação de capital consiste essencialmentenuma circulação de valor de troca. Nesta fase docapitalismo industrial que estamos aquiconsiderando, há um momento da circulação emque entra em jogo o valor de uso. É quando ocapital se materializa nos insumos e na força detrabalho empregados na produção. Essesinsumos e essa força de trabalho não sãoadquiridos pelo capitalista industrial eempresário da produção a fim de vendê­loscomo tal, e sim para usá­los na produção,

Page 63: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 63/112

transformando­os em produto e novo bem emercadoria que, esta sim, se destina à venda.

Esta original circunstância em que acirculação de capital, antes essencialmente eunicamente valor de troca, se interrompe com arealização do valor de uso dos benstransacionados, isto é, em que o capital assumea forma de bens destinados a serem usados,essa circunstância tem, no que se refere à forçade trabalho, conseqüência de importantesignificação, e constituirá o que se pode dizer omecanismo central e a mola mestra do sistemaeconômico do capitalismo industrial.

Observe­se com atenção. O valor de trocada mercadoria­força de trabalho, como em todamercadoria, é dado, segundo se viu, pelo esforçoprodutivo nela aplicado, pela força de trabalhodispendido na produção dela. E que força detrabalho é esta que produz trabalho?Evidentemente aquela necessária à manutençãodo trabalhador e que faz possível ao trabalhadorfornecer a sua força de trabalho. Para fornecerforça de trabalho e vendê­la ao capitalistaindustrial, o trabalhador precisa antes de maisnada, e como condição essencial, se manter —alimentar­se, vestir­se habitar... Assim sendo, “ovalor da força de trabalho será o valor dos meiosde subsistência necessários à manutenção dotrabalhador”(21).

Ora, no nível tecnológico e deprodutividade alcançado pela humanidade, eisto desde muito, e acentuadamente no mundomoderno, a produção de cada trabalhador élargamente superior ao necessário à

Page 64: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 64/112

manutenção dele. É somente em sociedadesmuito primitivas e que se conservam no nívelestrito da subsistência, que o esforço produtivo,satisfeitas as necessidade dessa subsistência,não deixa excedente algum. Todo esforçoprodutivo, a força de trabalho, se aplica aí parao fim da manutenção dos próprios trabalhadorese produtores, e nada se pode desviar dessafinalidade sob pena de perecimento dasociedade. Daí serem essas sociedades semdivisão em classes; e todos seus membrosobrigados a trabalharem e produzirem, porquecada qual, dado o baixo nível de produtividade,não produz mais que o necessário a suasubsistência própria. É o que Marx denominou ocomunismo primitivo.

A sociedade e economia capitalista nãoestá evidentemente no caso, e a sua capacidadeprodutiva, sua produtividade ultrapassa demuito as necessidades de manutenção de seusprodutores, gerando um vultoso excedente. Fatoesse que traduzido em termos de valor, mostraque o valor de troca do produto de umadeterminada quantidade de força de trabalho, ésuperior ao valor de troca dessa mesmaquantidade. Os trabalhadores e produtoresproduzem um valor superior ao valor da força detrabalho por eles empregada na mesmaprodução. Do que resulta que o capital, no cursode sua circulação e no término de cada um deseus ciclos produtivos com a venda damercadoria produzida, se acha acrescido decerto valor.

É a esse acréscimo que Marx chamou de

Page 65: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 65/112

“mais­valia”. E com ele se explica o valor que sobforma de lucro é auferido pelo capitalista. Esselucro não é mais que aquele acréscimo ou mais­valia verificado no curso do processo produtivo, eque reverte naturalmente em benefício docapitalista, como senhor do capital que é, capitaleste com que se compram os bens e mercadorias(matéria­prima, instrumentos de produção, etc.,insumos afinal, e sobretudo força de trabalho)que concorrem na produção e com que ela serealiza.

É aliás pelo lucro realizado na forma queacabamos de ver, e que se concentra nas mãosdos capitalistas, que o capital social, isto é, atotalidade do capital em circulação numasociedade, se vai acrescentando à circulação eassim se acumulando. E é isto que constitui ofator essencial do dinamismo próprio do sistemano sentido da tendência à ampliação e aocrescimento das atividades econômicas. Ochamado “desenvolvimento”, em suma, queconstitui, em contraste com as economiaspassadas, características essencial e específicado capitalismo. Com as contradições, é claro,que se geram nesse processo.

Temos aí a solução do problema centralque Marx se propôs, e que o levou àconceituação do sistema capitalista. Isto é, àteoria econômica do capitalismo. Marx deu comas raízes da exploração do trabalho no regimecapitalista, a saber, aquele excesso de valor queembora produto do trabalho, como todo valoreconômico, é apropriado pelo capitalista edetentor do capital. E isto pelo funcionamento

Page 66: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 66/112

normal do sistema, como um de seus elementosou momentos em que a exploração do trabalho ea mais­valia feitas em lucro, brotam e resultamnatural e automaticamente daquelefuncionamento sem nenhum constrangimentoexterior ao sistema e de natureza extra­econômica. A exploração do trabalho econseqüente mais­valia e lucro são partesintegrantes do sistema capitalista, e se propõeme configuram por isso ao observador dos fatoseconômicos do capitalismo, como se propuserame configuraram para Marx, logo que através daanálise e operações de relacionamento que estaanálise implica, se alcança o sistema em que aeconomia capitalista se enquadra e dispõe. Amais­valia será o elo principal faltante, e antesde Marx ainda não percebido, com que se fechae integra o sistema. E o torna assim perceptível,e pois conhecido no seu conjunto. Marx teráelaborado o conhecimento da Realidadeeconômica do seu tempo e que vem a ser a suateoria econômica do capitalismo.

Com isto Marx nos terá dado, pelo menosem suas linhas gerais e fundamentais, o modelocapaz de nos informar do seu método deelaboração cognoscível. E uma perspectiva paraa sua maneira de propor o problema geral doConhecimento. A sua teoria do Conhecimento,em suma.

Como se pôde observar no simplesesquema, que vimos acima, da obra essencial deelaboração científica de Marx, a sua teoria daeconomia capitalista — e mais não foi que umsimples esquema, suficiente contudo, acredito,

Page 67: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 67/112

para ilustrar a matéria — Marx toma como seuponto de partida, essencialmente, e comoexpressamente declara, em conhecimentos jáelaborados anteriormente. E com eles e sobreeles constrói. O que se assemelha, à primeiravista, a um chover no molhado, pois ninguémpõe em dúvida, acredito, que todo conhecimentoimplica um conhecimento anterior. Mas não étanto, se atentarmos para a maneira como defato o problema do Conhecimento é em geralproposto, a saber, apresentando o processo doConhecimento, o fato cognoscível — e assimconsiderando —, como tendo sua origemprimeira em cada abordagem particular eindividual da operação de conhecer, eefetivamente desligado do que o precede eprepara. Procura­se explicar e interpretar oConhecimento como se elaborando por umasucessão parcelada de contribuiçõesfragmentárias, e a partir, cada qual delas, comoque de um vazio conceptual. Ou, em todo caso,se desconsidera ou subestima o Conhecimentopreexistente, que não se incluirá por isso,organicamente, na explicação e interpretaçãodadas(22).

Em Marx, a contribuição que pretendetrazer e o processo de sua elaboração são paraele dados, de início e expressamente, emcontinuidade do que lhe proporciona oConhecimento já anteriormente elaborado. Éassim que declara e refere a conceituação, istoé, Conhecimento elaborado de que se servecomo ponto de partida de seu próprio trabalhode elaboração, e exemplificando, como foi

Page 68: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 68/112

referido, com os conceitos de classe, trabalhoassalariado, capital, troca, divisão do trabalho,preços, etc. E mostra como se utiliza dessaconceituação que já encontra integrada nosconhecimentos do seu tempo e que lhe sãodados. O que não fará especulativamente, àmoda da Filosofia clássica, com a sua metafísica,isto é, pela simples consideração dos conceitosem si, na sua forma verbal, passando­os emrevista e os encadeando e dispondo nas suasinterconexões formais, com o fim da “montagem”deles em esquemas logicamente consistentes,isto é, formalmente coerentes. Marx tão­somentese utilizará daqueles conceitos, comorepresentação mental que são, de fatos,situações, feições, circunstâncias em geral, emsuma, presentes na Realidade de que se ocupa,para o fim de se conduzir na observação efetivae concreta da mesma Realidade; reportar­se aela e nela reconhecer e identificar, e assim“perceber” aquelas circunstâncias nelapresentes a fim de as submeter à sua análise.Os conceitos de que lança mão são assim paraMarx unicamente sinalização daquilo que naRealidade se trata para ele de considerar eanalisar. Não é para os conceitos em si(definições ou outra formulação equivalente) queMarx atenta; e sim diretamente para a parcelada Realidade que tais conceitos representammentalmente e se destinam a assinalar.Realidade esta que vem a ser as formas decomportamento coletivo dos indivíduosengajados na produção, circulação, distribuiçãoe consumo dos bens econômicos na situação queMarx tem sob suas vistas e que são as do

Page 69: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 69/112

capitalismo. É na base dessa observação diretada Realidade que Marx elaborará a novaconceituação destinada a representarmentalmente, de maneira mais adequada (porque mais completa, sistematizada e integrada) aRealidade de que se ocupa. O que constituirá asua teoria econômica do capitalismo.

Para realizá­los, Marx submeterá à análiseas circunstâncias reais que passa a considerar eobservar. Análise esta que consistirá nadeterminação, isto é, descoberta e percepção dasrelações com que tais circunstâncias seinterconectam e integram em sistema deconjunto. No esquema que apresentamos dateoria econômica de Marx, vimos o resultadofinal a que levou a análise por ele realizada.Resultado esse onde se oferece a perspectiva emque se poderá alcançar o essencial efundamental da organização e funcionamento docapitalismo. A saber, o sistema global em que sedispõem, na dimensão espacial e na temporal,entre si e em conjunto se entrosam erelacionam, os diferentes elementos de que secompõem a economia capitalista, e queconfiguram o comportamento coletivo dosindivíduos nela atuantes, desde suas formasmais rudimentares, como a simples troca debens econômicos e as condições em que essatroca se realiza, até o capital e circulação dele,com a distribuição e repartição que vaideterminar, dos valores produzidos. É para aidentificação e percepção de tal sistema derelações no complexo dos fatos, situações,feições e circunstâncias em geral da Realidade

Page 70: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 70/112

considerada por Marx, e para isto que aponta eorienta a sua teoria econômica, tornandopossível aquela identificação e percepção. E istosignifica o conhecimento dessa Realidade. AEconomia Política como Ciência.

Page 71: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 71/112

Notas* ­ In Discurso — Revista do Departamento

de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras eCiências Humanas da Universidade de SãoPaulo, ano IV, no. 4,pp. 41­78,1973. (Estatranscrição foi autorizada e revisada pelo autor[Nota da fonte digita])

(1) ­ Fondements de la Critique del’Economie Politique (tradução francesa doManuscrito de 1857, publicado pelo InstitutoMarx­Engels­Lenin, de Moscou) Paris, 1967,1,30

(2) ­ Fondements, cit., 1, 31.(3) ­ Na análise que segue, dos conceitos

clássicos e até hoje aceitos em suas linhasgerais, de “essência” e “verdade”, utilizamoslargamente o Dicionário de Filosofia de JoséFretar Mora, Buenos Aires, 1958, cuja autoriadada, em assunto como esse, sem dúvidaincontestável.

(4) ­ Ética, Liv. II, def. II.,(5) ­ Fondements, cit., 1, 34.(6) ­ Fondements, cit., I,3O(**) ­ Imagem não existente na fonte

digital. A imagem, acrescentada para as versõescom imagens, não corresponde à do original,mas guarda coerência com o texto. [N.E.]

(7) ­ The Principies of Mathematics, XVIII.(8) ­ Ludwig Wittgenstein. Tractatus

Logico­Phisophicus. (Edição bilingue — alemão etradução inglesa — na International Library ofPsychology Phylosophy and Scientific Method, deRoutledge & Kegan Paul Ltd.). London, Fifth

Page 72: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 72/112

impression, l95l. Os números indicados são osda ordem das proposições dada pelo autor. [1.2.The world divides into facts. 2.01 An atomic factis a combination of objects (entities, things).N.E.]

(9) ­ H.Reichenbaum. Elements of SymbolicLogic. 1947, p.ll.

A confusão entre Realidade e linguagem éaqui sensíve1, e sintomática da inversãometafísica, referida no texto, com a projeção dasformas lingüísticas na Realidade exterior.

(1O) ­ A questão da expressão formaldesse Conhecimento que se realiza pelalinguagem, incluída ai a matemática, e outrasformas de expressão do pensamento, essaquestão cabe a outro capítulo que não é possíveldesenvolver aqui.

(11) ­ Fondements, cit., 1, 30.(12).(12) ­ Fondements, cit., 1,31.(l3) ­ Fondements, cit., 1,29/30.(14) ­ Encontramos essa maneira de

definir a “análise” em Condillac, embora ele nãose refira expressamente. É síntese, mas, o quevem a dar essencialmente no mesmo, reunindona análise tanto a decomposição do objetoanalisado em suas partes, como a recomposiçãodele. Ver a propósito os textos de Condillac arespeito citados no verbete ANALYSE doDictionnaire de la Langue Philosophique, de PaulFoulquier, Presses Universitaires de France,Paris, 1962, onde aliás os comentários sãointeiramente insatisfatórios, e não alcançam ofundo do pensamento de Condillac, embora o

Page 73: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 73/112

citando abundantemente ao documentaremsuas definições.

(15) ­ Note­se que o que segue, e queencontramos implícito em Marx, como aliásveremos, já aparece em gérmen nas Regras paraa direção do espírito de Descartes.

(16) ­ Contribution à la Critique del’Économie Politique trad. francesa de Laura­Lafargue. Paris, 1928, pg.76, nota.

(17) ­ Capital. A critical analysis ofcapitalist production. Trad. inglesa da Editora deLínguas Estrangeiras. Moscou 1959, 1,147.

(18) ­ Ser na Inglaterra o chamadosweating­system que ainda subsiste, em escalamínima, em certos ramos industriais numaposição acessória e marginal, como emparticular, e mais difundida, na indústria dovestuário. Mas não é o caso de entrar aqui emtais pormenores, nem nas circunstâncias deordem tecnológica que estimularam essas eoutras subsequentes das transformações dasrelações capitalistas de produção até sua fasefinal.

(19) ­ Não vamos aqui naturalmenteentrar em pormenores desse processo, como nofato de os instrumentos de produçãotransferirem todo seu valor aos produtos delesresultantes, e assim neles se transformareminteiramente, somente depois de maior oumenor número de ciclos produtivos, o que natécnica contábil se entende por amortização.Consideramos aqui unicamente o processoglobal e integral da produção naquilo que nela

Page 74: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 74/112

há de geral e essencial. Não interfere aí acircunstância da não coincidência e defasagementre os ciclos produtivos e a vida dos insumosaplicados na produção.

(20) ­ É interessante lembrar essarestrição, porque a Economia Política ortodoxaconfunde essas duas circunstâncias do processode produção capitalista, a saber, de um lado ofato material que é a fabricação, de outro lado ofato propriamente econômico que consiste nacirculação de um valor — que é o capital — pordiferentes e sucessivas formas, segundo se viu.E confunde­os com a sua teoria dos fatoresprodução, em que o capital se identifica com osinstrumentos de produção, o que éredondamente falso, como sabe muito bemqualquer contador e todos que lidampraticamente com os negócios. E sabe tambémele próprio economista ortodoxo quando sai,quando isto acontece, de seu gabinete deestudos em abstrato. Isto porque tal falsidade sepatenteia (porque aí se estampa e registraexpressamente) até mesmo nas contas dequalquer empresa industrial, onde osinstrumentos de produção figuram no ativo, e ocapital no passivo. Porque esta falsificaçãodiferente, e mesmo em contas que se opõem, sese tratasse da mesma coisa? Mistério que oeconomista ortodoxo terá dificuldade emesclarecer se não conhece, nos seus bastidores,a história da Economia Política, não estando porisso informado que a teoria dos fatores deprodução — em que se confundem alhos combugalhos, fatos econômicos com processos

Page 75: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 75/112

tecnológicos — se inventou para escamotear oprocesso econômico real da produção e aincidência nele da mais­valia. Mas isto vai alémdo nosso assunto, e não é possível desenvolvê­loaqui. O leitor interessado poderá consultar,entre outros naturalmente, um velho trabalhomeu, Esboço dos Fundamentos da TeoriaEconômica.

(21) ­ Marx, Capital, cit., 1,171.(22) ­ De onde resulta, e isto é

sintomático, a concepção de um Conhecimentoconstituído de aquisições isoladas feitas deaportes individuais, e não integradas numprocesso contínuo, essencialmente social. Estaobservação se refere, é claro, às teoriaspropriamente do Conhecimento, e não àdescrição histórica da “marcha” da ciência, ou àchamada “evolução das idéias” O que vem a seroutra coisa em cujos méritos ou deméritos nãoentramos aqui.

Page 76: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 76/112

CAIO DA SILVA PRADO JÚNIOR:UM PERFIL BIOGRÁFICO

Divisão de Acervo HistórioAssembléia Legislativa do Estado de São Paulo

Caio Prado Junior pertenceu a uma das

mais ricas e influentes famílias de São Paulo,cuja importância e fortuna remontavam aostempos coloniais. Com efeito, vários parentesseus exerceram papel de destaque na vidapolítico­econômica do estado de São Paulo. Entreseus entes mais próximos e que tiveram grandeinfluência na sua formação destacam­se seu avôMartinho Prado Junior e seus tios­avô AntônioPrado e Eduardo Prado; sendo que os doisprimeiros também possuíram mandatos noLegislativo Paulista.

Caio da Silva Prado Junior nasceu nacidade de São Paulo em 11 de fevereiro de 1907.Faleceu na mesma cidade em 23 de novembrode 1990, aos 83 anos.

Terceiro entre os quatro filhos de Caio eAntonieta Silva Prado (Eduardo, Yolanda, Caio eCarlos), teve, como seus irmãos, formaçãoescolar esmerada. Iniciou os estudos em casa,orientado por professores particulares, como eracomum entre as elites daquela época. Em 1918,ingressou no Colégio São Luís, dos jesuítas, queneste mesmo ano se mudara da cidade de Itupara a Capital, instalando­se na AvenidaPaulista. Caio nele permaneceu até a conclusãode sua formação secundária, havendo apenasum interregno de um ano. Em razão de doença

Page 77: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 77/112

que acometera um de seus irmãos, Caio e suafamília, em 1920, passaram uma temporada naInglaterra, onde freqüentou o ColégioChelmsford Hall, em Eastbourn.

Entre 1924 e 1928, estudou na Faculdadede Direito do Largo de São Francisco, tornando­se bacharel em ciências jurídicas e sociais aos21 anos. Logo depois de formado, passou aexercer a advocacia, mas apenas por algunsanos. Foi na Faculdade de Direito que iniciousua preparação crítica no ensaísmo político.Como ressaltou o historiador Paulo Martinez, “asparticularidades desta formação superiorconstituíram o ponto de partida de uma vastaobra, guardando marcas ao longo de toda suatrajetória de vida”.

Em 1928, em parte por influência de seupai, que não tolerava o Partido RepublicanoPaulista (PRP), em parte indignado com a fraudepromovida pelo PRP nas eleições municipais deoutubro daquele ano, ingressou no PartidoDemocrático (PD), atuando no diretório de SantaCecília. Essa agremiação partidária, fundada em1926, reunia parte da elite de São Paulodescontente com a hegemonia do PartidoRepublicano Paulista, um dos principaissustentáculos da “política do café­com­leite”, quepredominou no Brasil nas primeiras décadas doséculo XX. Destacando­se entre os fundadoresdo novo partido estava seu tio­avô AntônioPrado. Nesse partido, embora não ocupassecargo de destaque, Caio Prado Junior participoucomo ativo militante, organizando o PD nosbairros e no interior do Estado, em serviços de

Page 78: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 78/112

rotina e em comícios, e, particularmente, nosacontecimentos que antecederam à chamada“Revolução de 1930”.

Decepcionado com a inconsistênciapolítica e ideológica da chamada “RepúblicaNova”, aproximou­se do marxismo e, emseguida, filiou­se ao Partido Comunista do Brasil(PCB) em 1931. Neste primeiro momento de suamilitância comunista, além das ações maiscorriqueiras como militante, dedicou­se àsatividades de apoio e solidariedade aos presos eperseguidos pela repressão, exercidas através doSocorro Vermelho Internacional, e às atividadesintelectuais, em especial na tradução do Tratadode Materialismo Histórico, de autoria de NikolaiBukharin, editado em quatro volumes pelasEdições Caramuru em 1933 e 1934.

Sua condição de intelectual, aliada à suaconhecida independência frente aos cânonesideológicos, marcou quase que de modopermanente sua longa relação, nem semprepacífica, com o PCB, como ele mesmo assinalouanos mais tarde: “Nunca pertenci à direção doPartido, nem tive nele grande prestígio ouinfluência. Sempre fui um elemento secundárioe mal considerado, não em termos pessoais, maspor causa de minha maneira de interpretar oBrasil. Sempre fui muito marginalizado noPartido, pela oposição a seus esquemas políticose econômicos, que eu considerava falhos no quediziam respeito ao Brasil”.

Juntamente com seu irmão Carlos, queera pintor, foi um dos membros do Clube deArtistas Modernos, que existiu entre 1932 a

Page 79: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 79/112

1933 e para o qual redigiu seus estatutos eproferiu conferências.

Em 1933, Caio Prado Junior publicou Aevolução política do Brasil. Nessa obra, editadaàs suas expensas, o jovem historiador buscoutraçar a síntese da nossa evolução política, bemcomo fez uso de uma nova chave deinterpretação científica – o materialismo dialético– para o entendimento do nosso passado e aelucidação dos fatos sociais que condicionavam odestino do país. Em Evolução política do Brasil,Caio Prado Junior fez trabalho de pioneiro edeixou claro um de seus principais objetivos aque se propôs: “Mostrar, num livro ao alcance detodo mundo, que também na nossa história osheróis e os grandes feitos não são heróis egrandes senão na medida em que acordam comos interesses das classes dirigentes, em cujobenefício se faz a história oficial”. Dito de outromodo: deslocou o foco da análise histórica para aação política das camadas populares.

No mesmo ano de 1933, fez uma viagemde estudos à União Soviética, a fim de conhecerpessoalmente o que, de acordo com suaspalavras, já havia estudado por meio dedepoimento de terceiros. Expôs, no segundosemestre de 1933, o resultado de sua estadia dedois meses em extremamente concorridasconferências realizadas no Clube de ArtistasModernos, o que o motivou a escrever o seusegundo livro, U.R.S.S., um novo mundo,publicado em 1934 e cuja segunda edição,datada do ano seguinte, acabou sendoapreendida pela polícia.

Page 80: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 80/112

Anos mais tarde, em 1962, lançaria outrolivro com a mesma temática: O mundo dosocialismo. Nele, não se mostrava muitointeressado em relatar o que vira em visita querealizara, dois anos antes, à União Soviética e àChina, mas, sim, “em descobrir as causasprofundas de tudo o que viu e presenciou”.

De volta ao Brasil, cursou, em 1934, arecém­criada Faculdade de Filosofia, Letras eCiências Humanas da Universidade de SãoPaulo. Embora sem concluí­los, participou deturmas dos cursos de história e geografia, emcontato com os professores da missão francesaque deram início à universidade. Em 1934, foium dos fundadores da Associação dos Geógrafosdo Brasil, tornando­se em seguida um dosprincipais colaboradores da revista Geografia,mantida por essa associação[1].

A partir da chamada “Revolução de 1930”,a inserção das massas urbanas na cena políticabrasileira tornou­se um fato frente ao qual aselites políticas brasileiras se viram confrontadas.Esta nova conjuntura fez com que as forçaspolíticas brasileiras chegassem a um efêmero eprecário entendimento, que se materializou coma aprovação da segunda Constituiçãorepublicana, em 16 de julho de 1934. Ao mesmotempo, os comunistas, após a ascensão de AdolfHitler ao poder na Alemanha, viram que aorientação esquerdista do “terceiro período” osdeixara isolados. Assim, a partir de 1934,passaram a reorientar sua política no sentido daconstituição de frentes multipartidárias queagrupassem todas as forças políticas que se

Page 81: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 81/112

opusessem ao fascismo, as chamadas “frentespopulares”, que foram consagradas comoorientação geral dos partidos comunistas no VIICongresso da Internacional Comunista, em1935.

No Brasil, o resultado dessa novaorientação antifascista foi o surgimento daAliança Nacional Libertadora (ANL), queagrupava um variado espectro de forças sociaisque se opunham ao governo Vargas, inclusive, éclaro, os comunistas. Caio Prado Junior assumiua vice­presidência regional da ANL em SãoPaulo, que teve como presidente o ex­comandante da Coluna Prestes, general MiguelCosta. Nessa função, realizou viagens, palestras,comícios, organizou diretórios municipais daANL pelo Estado, além de redigir artigospublicados, sobretudo, pelo diário paulistano APlatéia, do qual foi um dos diretores.

Após um breve período de legalidade, aANL foi enquadrada na Lei de SegurançaNacional, chamada de “Lei Monstro”, e fechadapelo governo em razão do apelo de “Todo Poder àANL” feito em um manifesto divulgado em 5 dejulho de 1935. Nos meses subseqüentes, a idéiade uma insurreição armada ganhou corpo e foilevada a cabo em fins de novembro, em Natal,Recife e Rio de Janeiro. O fracasso domovimento levou a uma imediata repressãopolítica, marcadamente anticomunista, mas queatingiu uma ampla gama de opositores deGetulio Vargas, e que culminou com a aprovaçãodo estado de sítio, sucessivamente prorrogadoaté junho de 1937.

Page 82: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 82/112

Em decorrência de suas atividades àfrente da ANL em São Paulo, Caio Prado Juniorfoi submetido a uma severa vigilância por parteda polícia política paulista e, após odesencadeamento da insurreição armadacomunista, foi preso em dezembro de 1935, noRio Grande do Sul, e trazido a São Paulo. Ficoupreso, sem culpa formada, durante dois anos.Em abril de 1937, acabou denunciado por crimecontra a segurança nacional, mas com asuspensão do estado de sítio, em junho de 1937,requereu um habeas­corpus que lhe valeu aliberdade. Imediatamente saiu do país, indoexilar­se na França. Ali, como militante doPartido Comunista Francês (PCF), atuou emtarefas de apoio e solidariedade aos combatentesrepublicanos na Guerra Civil Espanhola.

Frente à iminência do desencadeamentoda II Guerra Mundial, Caio Prado retornou aoBrasil em 1939, pois também fora absolvido emdezembro de 1938 das acusações que sobre elepesavam no Tribunal de Segurança Nacional.Após seu retorno, em plena ditadura do EstadoNovo, sua militância político­partidária foi muitorestrita, pois o PCB fora fortemente abalado pelarepressão policial do regime ditatorial varguista.Com a entrada do Brasil na II Guerra Mundial,ao lado dos países aliados – e, portanto, daUnião Soviética –, foi possível ao PCB voltar a seorganizar, o que ocorreu após a sua 2ªConferência Nacional, realizada na serra daMantiqueira, em agosto de 1943, na qual LuizCarlos Prestes fora eleito secretário­geral inabsentia, pois ainda estava preso. Nesse

Page 83: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 83/112

encontro, formou­se a Comissão Nacional deOrganização Partidária (CNOP), sediada no Riode Janeiro e tendo à frente o chamado “grupobaiano”, cujos principais expoentes eram MárioAlves, João Amazonas, Diógenes Arruda,Maurício Grabois e Pedro Pomar. Nofundamental, o “Encontro da Mantiqueira”definiu a linha de atuação a ser seguida peloPCB naquele momento: a guerra contra o Eixoexigiria, em nome da “união nacional”, o apoioao ditador Getulio Vargas.

Essa reorganização não veio, no entanto,sem divergências. Em São Paulo e também noRio de Janeiro, um grupo formado por CaioPrado Junior, Tito Batini, Zacharias de SáCarvalho, Victor Konder, David Lerner, HeitorFerreira Lima, Astrojildo Pereira e MarioSchenberg reuniu­se nos “Comitês de Ação” edefendeu uma luta aberta contra o “fascismo” doEstado Novo. Estes “Comitês” eram inspiradosna ANL e teriam cogitado, posteriormente, delançar o nome de Caio Prado Junior comocandidato à presidência da República. Suaatuação nos “Comitês de Ação” o levaria a ser oprincipal elo de contato entre comunistas eliberais, nas articulações de uma frente contra oEstado Novo. Assim, o historiador veio aparticipar da reunião de fundação da UniãoDemocrática Nacional (UDN), tendo sido eleautor da sugestão que deu nome ao novopartido. No entanto, Luiz Carlos Prestes, ao sairda prisão em 1945, acabou definindo­se pelaCNOP e suas teses, fazendo com que a disputainterna se decidisse em favor deste grupo.

Page 84: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 84/112

Alguns membros dos “Comitês de Ação” não seconformaram com a decisão e decidiramingressar na Esquerda Democrática, que maistarde daria origem ao Partido SocialistaBrasileiro. Caio Prado Junior, no entanto,manteve­se fiel ao PCB.

Ao lado da militância política, retomou suaprodução intelectual nos anos 1940, por meio deartigos, prefácio e, particularmente, pelapublicação de Formação do Brasilcontemporâneo, em 1942. Este livro, ao lado deCasa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre, eRaízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda,foi considerado uma obra chave para todosaqueles que aprenderam a refletir e a seinteressar pelo Brasil, pois expressava “amentalidade ligada ao sopro de radicalismointelectual e análise social que eclodiu depois daRevolução de 1930 e não foi, apesar de tudo,abafado pelo Estado Novo”[2]. Parte de umprojeto inconcluso, Formação do Brasilcontemporâneo, para chegar a umainterpretação do Brasil de então, concentrou­seem um período entre o fim do século XVIII e aprimeira década do século XIX, no qual ocorrerao declínio do sistema colonial e foram dados osprimeiros passos de afirmação da nacionalidadebrasileira. Para Caio Prado Junior, estavamneste corte as bases de um processo históricoque se prolongava até então e não estavaterminado e que ainda trazia as marcas do seupassado: “Os problemas brasileiros de hoje, osfundamentais, pode­se dizer que já estavamdefinidos e postos em equação há 150 anos

Page 85: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 85/112

atrás. E é da solução de muitos deles, para quenem sempre atentamos devidamente, quedepende a de outros em que hoje nosesforçamos inutilmente”.

Em 1945, publicou História econômica doBrasil. Nesse livro, retomou a análiseempreendida em Formação do Brasilcontemporâneo, em relação ao período colonial.Procurou, no entanto, resumir as característicasda colonização brasileira, assinalando em suabase a existência de um tripé alicerçado nolatifúndio, na monocultura e na escravidão.Nesse volume, o historiador tratou também dosaspectos econômicos do Império e da República,realizando uma síntese dessa matéria.

Nos últimos anos do Estado Novo,envolveu­se na atividade editorial. Em 1943,com José Bento de Monteiro Lobato e ArthurNeves, participa da revista Hoje — O Mundo emLetra de Forma. Ainda em novembro desse ano,fundou a Gráfica Urupês e a Editora Brasiliense,tendo como sócios seu pai, Leandro Dupré,Hermes Lima e Arthur Neves. Em fevereiro de1946 a eles iriam se juntar outros oito novossócios, entre eles Monteiro Lobato. A Brasiliensefoi uma editora que deu forte ênfase às ciênciassociais, particularmente voltadas para ainterpretação dos problemas do Brasil. Alémdessas obras, a editora lançou as obrascompletas dos escritores Lima Barreto, MariaJosé Dupré e Monteiro Lobato.

O ano de 1945, com a evidenteproximidade da derrota final de Alemanha, Itáliae Japão e a intensificação dos protestos

Page 86: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 86/112

populares contra o governo brasileiro, deixouclara a derrocada do Estado Novo do ditadorGetulio Vargas, que acabou ocorrendo com suarenúncia ao cargo de presidente em 30 deoutubro. Em meio a isso, os comunistasbrasileiros ressurgiram abertamente na cenapolítica do país. O PCB requereu ao TribunalSuperior Eleitoral o seu registro em setembro de1945, conquistando­o de forma definitiva em 10de novembro de 1945. O partido voltava a atuarna legalidade depois de 18 anos declandestinidade. Tal situação atraiu um imensocontingente para suas fileiras. Entre estesestava um grande número de escritores,jornalistas e professores universitários, como osescritores Jorge Amado, Graciliano Ramos eÁlvaro Moreira, o pintor Cândido Portinari, ofísico e professor Mario Schenberg, o jornalistaAparício Torelli, o arquiteto Oscar Niemeyer eCaio Prado Junior, muitos dos quais iriamcandidatar­se por sua legenda nas eleições de1945 e 1947.

Em janeiro de 1945, Caio Prado Juniorparticipou do I Congresso Brasileiro deEscritores, na cidade de São Paulo. Seusparticipantes, além de terem discutido questõesrelativas à profissão, trouxeram à tona adisposição de uma parte significativa daintelectualidade de se colocar de formainequívoca em oposição ao Estado Novo.Integrando sua comissão de assuntos políticos,coube a Caio Prado Junior, com Prado Kelly, aresponsabilidade pela redação final da“Declaração de Princípios” do encontro, que

Page 87: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 87/112

marcou o compromisso dos escritores com adefesa da volta ao estado de direito, a defesa dosufrágio universal e o pleno exercício dasoberania popular.

Nessa conjuntura, a influência de CaioPrado Junior nas articulações para a derrubadado Estado Novo pode ser aquilatada em umrelatório de um de seus informantes, o qualavaliava que ele seria o último “elemento” capazde “coligar todas as esquerdas do Brasil”.

Em outubro de 1945, participou dacriação do jornal Hoje, órgão oficial do PCB noestado, do qual seria ativo colaborador e seuprincipal acionista. Para a montagem do jornal,cedeu parte do imóvel onde estava instalada aeditora de sua propriedade.

Nas eleições de dezembro de 1945,concorreu a uma vaga de deputado federalconstituinte pela legenda do PCB e obteve 9.304votos, o que o qualificou como terceiro suplente.Em 1947, saiu vitorioso para deputado estadualnas eleições de 19 de janeiro, para deputadosestaduais constituintes, senador e governador,obtendo 5.257 votos. Nestas eleições, o PCB,quinze dias antes do pleito, oficializara suaaliança com o Partido Social Progressista (PSP),de Adhemar de Barros, apoiando suacandidatura a governador. O candidato do PSP,em uma troca pública de cartas com o PCB, secomprometera a defender a Constituição,respeitar a existência legal de todos os partidos ea agir contra a carestia e a inflação. Nas eleiçõespara governador, Adhemar de Barros se elegeucom 35% dos votos – seguido pelos candidatos

Page 88: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 88/112

do PTB (30%), PSD (26%) e UDN (8%) –, sendo,com os duzentos mil votos urbanos do PCB,como assinalou o historiador norte­americanoJohn D. French, o primeiro governador dahistória de São Paulo a ganhar as eleiçõesdevido ao apoio dos trabalhadores.

Nestas eleições, no âmbito de São Paulo, oPCB, com a eleição de onze deputados[3],tornou­se a terceira maior bancada naAssembléia Legislativa de São Paulo, antecedidopelo Partido Social Democrático – PSD (26deputados) e pelo Partido Trabalhista Brasileiro– PTB[4] (14) e seguido pelo PSP e pela UDN(ambos com nove cada um), pelo PartidoRepublicano (PR) com três, pelo PartidoDemocrata Cristão (PDC) com dois e pelo Partidode Representação Popular (PRP) com um. Mas aaliança PCB­PSP não duraria muito tempo.Desde a posse de Adhemar de Barros, em marçode 1947, o governo do general Eurico GasparDutra, eleito pelo PSD, vinha pressionando,inserido no contexto da “guerra fria” – quelevaria ao rompimento de relações diplomáticascom a União Soviética em outubro de 1947 –,pela cassação do registro legal do PCB, afinaldecidida no início de maio. Com a ameaça deintervenção no Estado, Adhemar de Barroscapitulou frente às pressões do governo Dutra,entrando em acordo com o PSD para se manterno poder sem seus aliados de esquerda. Mesmoassim, até as eleições municipais de novembro –as quais necessitava ganhar para ampliar seucontrole sobre a máquina pública do Estado –,Adhemar de Barros manteve ainda uma

Page 89: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 89/112

ambígua relação com o PCB, alternandoespasmos repressivos com acenos demagógicos,nos quais buscava insinuar que havia sido“forçado” a atacar os comunistas. Conquistadoseu objetivo, Adhemar de Barros passou areprimir violentamente os comunistas.

Caio Prado Junior, de acordo comdepoimentos colhidos junto aos seus familiares,logo após sua eleição como deputado estadual,procurou, tanto in loco nas repartições públicascomo por meio de uma ampliação deinformações, incrementar sua visão sobre amáquina pública, de modo que pudesse darrespostas do ponto de vista administrativo,histórico e político, aos anseios de mudança quepulsavam naquele momento de transição dahistória política do Brasil. Tais preocupações jáhaviam tomado pouco antes, inclusive, a formade coleção editada pela Editora Brasiliense,chamada “Problemas Brasileiros”, a qual tinhacomo objetivo proceder “não apenas a umarevisão geral dos diferentes aspectoseconômicos, sociais e políticos do Brasil daatualidade, mas sobretudo a pesquisar, e, namedida do possível, indicar as soluções quereclamam os problemas nacionais” e sob umângulo muito prático: “pôr ao alcance do grandepúblico estudos capazes de o esclarecer eorientar, tornando possível para cada um formaropinião frente às necessidades e problemasbrasileiros”[5]. Assim, além do profundoconhecimento que demonstrava a respeito dosassuntos que tratava, seus pronunciamentos emplenário eram verdadeiras aulas, que muito

Page 90: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 90/112

enriqueceram a Assembléia Legislativa doEstado de São Paulo. Sua prolífica atividadeparlamentar foi assim ressaltada por FlorestanFernandes: “Como deputado estadual, Caio eraum homem que trabalhava de uma formaincrível. Acompanhando alguns dos trabalhosque ele fez na Assembléia Legislativa de SãoPaulo, fiquei admirado de constatar a dedicaçãocom que ele se aferrava à pesquisa de fatos,para chegar à elaboração de lei. Era umdeputado criativo, produtivo, invejável.”

A atuação parlamentar de Caio PradoJunior teve início com a instalação daAssembléia Constituinte do Estado de São Paulo,em sessão solene ocorrida no dia 14 de marçode 1947, nas novas instalações do LegislativoPaulista, no Palácio das Indústrias, situado noParque D. Pedro II, na Capital. Nesta data, foidefinida a Mesa Diretora dos trabalhosconstituintes[6] e empossado o governador eleito,Adhemar de Barros.

No dia 18 de março, foi constituída umacomissão com a finalidade de elaborar oRegimento Interno da Constituinte. Integradapor nove membros, com Caio Prado Junior apresidindo, concluiu seus trabalhos no dia 26 demarço, quando o Regimento Interno foi votado eaprovado.

Em 1° de abril, foi criada a ComissãoEspecial de Constituição encarregada deelaborar o anteprojeto, analisar as emendas eredigir o texto final. Entre seus membros, peloPCB, estavam Milton Cayres de Brito, líder dabancada comunista na Constituinte e que

Page 91: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 91/112

ocupou a vice­presidência da Comissão, e CaioPrado Junior. No dia 28 de abril, a ComissãoEspecial apresentou à Mesa o anteprojeto daConstituição, que foi distribuído ao plenário paraapreciação e proposição de emendas. Ao finaldas discussões, a nova Constituição do Estadode São Paulo foi promulgada no dia 9 de julhode 1947.

A atuação da bancada comunista duranteos trabalhos constituintes foi pautada por umprograma mínimo divulgado em fins denovembro de 1946: “Uma Constituiçãodemocrática e progressista para São Paulo”.Dividido em sete tópicos, o programa do PCBpreconizava, como linhas gerais de atuação deseus parlamentares, a defesa da soberania daConstituinte, a elaboração de uma constituiçãodemocrática e progressista, a responsabilidadeperante o povo, a ratificação da nomeação dossecretários de Estado, a duração de dois anos demandato para os deputados e a extinção daPolícia Política. No que se refere às medidaseconômicas e financeiras, o programa comunistapropunha o aumento geral de salários, estímuloà produção agrícola, terras para os camponeses,reforma dos contratos de arrendamento,combate ao “câmbio negro”, crédito agrícola a3%, abastecimento e distribuição de gênerosalimentícios, defesa da indústria nacional,energia abundante e barata, revisão doscontratos da “Light” e “Bond and Share”,incorporação ao Estado dos trustes emonopólios, revisão do sistema tributário eequilíbrio orçamentário. Com respeito aos

Page 92: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 92/112

transportes, os comunistas enfatizavam anecessidade do reaparelhamento das viasférreas, a aplicação do “fundo demelhoramentos” de transporte, a exploração detodo o serviço ferroviário e a importação diretade caminhões. Em relação aos municípios, oprograma do PCB propunha que estesrecebessem, por parte do Estado, a garantia deempréstimos ou assistência técnica para asolução de seus problemas. No campo daeducação e saúde, defendia­se o ensino gratuito,a melhor remuneração do professorado e acriação e a ampliação da rede de saúde. Oamparo ao trabalhador aparecia em dois pontos:a defesa da habitação barata e aobrigatoriedade, por parte dos fazendeiros, deconstruir casas para os colonos. E, por fim, oprograma dedicava dois pontos ao funcionalismopúblico: o reajuste de seus vencimentos e aefetivação dos extranumerários[7]. Nos trabalhosconstituintes, este programa acabou sendo maisdetalhado e tomou a forma de um anteprojeto.

Neste contexto, Caio Prado Juniorapresentou ou subscreveu solidariamente umtotal de trinta e uma emendas ao Projeto deConstituição. Tais emendas, entre outras, eramreferentes à duração de dois anos de mandatode deputado, à definição das inelegibilidadespara cargos eletivos, à constituição de comissãopara resolver sobre classificação e promoção defuncionários no âmbito do Ministério Público, aoenquadramento, em um plano geral, dosauxílios e subvenções, ao levantamentoaerofotogramétrico do Estado, ao ensino

Page 93: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 93/112

gratuito, à extinção do DEOPS, à fiscalização daação da polícia pela Promotoria Pública, àautonomia política para as estânciashidrominerais, entre outras. Caio Prado Juniortambém deu vez à sua veia de historiador,quando propôs uma emenda deixando para quea legislação ordinária definisse como seria abandeira paulista. O texto original do Projeto deConstituição falava em “tradicional bandeira”,referindo­se à aprovada em um decreto, o qual adefinia com 13 listras. No entanto, em suajustificativa, o parlamentar pecebista lembravaque originalmente a bandeira paulista foraideada por Júlio Ribeiro com 15 listras e que eranecessária uma aprofundada discussão sobre oassunto, coisa que não cabia acontecer naquelemomento.

Das emendas apresentadas por CaioPrado Junior ao Projeto de Constituição paulista,sete delas foram subscritas com parlamentaresde outros partidos e as demais apenas pelosmembros de sua bancada. Desse total, 16acabaram sendo rejeitadas, duas prejudicadas,quatro aprovadas parcialmente (sendo que trêsdelas foram subscritas com outros partidos) enove aprovadas (duas com outros partidos).

Além do trabalho de defesa das própriasemendas, o parlamentar do PCB discutiutambém questões referentes ao recenseamentogeral e ao levantamento aerofotogramétrico doEstado, à criação e atribuições dos TribunaisRegionais, e ao Tribunal de Contas. Porém,indubitavelmente, durante os trabalhosconstituintes a atuação mais destacada de Caio

Page 94: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 94/112

Prado Junior deu­se na discussão sobre oregime tributário. Naquela ocasião, discutia­sequal deveria ser a principal fonte de arrecadaçãodo Estado: se o Imposto de Vendas eConsignações (IVC), que formava cerca de 70%da receita tributária, ou o Imposto Territorial(IT), cujo peso na arrecadação estava em tornode 3%. Ao longo de várias intervenções, oparlamentar comunista buscou demonstrar oque, segundo ele, constituía­se num dos maioresproblemas do IVC: a injustiça tributária. CaioPrado Junior não concordava com a maneiraque este imposto vinha sendo cobrado, pois,apesar de geral, gravava, sobretudo, as classestrabalhadoras. Além disso, os empresáriosacrescentavam­no como custo no momento emque calculavam suas margens de lucro, quadroeste que resultava em uma taxação abusiva,sobrecarregando os centros urbanos e aprodução industrial. Argumentava, ainda, que oIVC onerava o pequeno comerciante em razãodas suas exigências de escrituração. Para fazerfrente a tais problemas, o parlamentarcomunista propunha medidas tais como: acorreção nas tabelas dos impostos detransmissão inter vivos e causa mortis, taxandoas maiores transações; um aumento da taxa decontribuição de melhoria, especialmente àsmargens das rodovias; e a efetiva cobrança do IT– de caráter progressivo e com uma alíquotamáxima de 7% –, com a atualização de seusvalores venais, subsidiada por estudos visandoao exato conhecimento do número de imóveisrurais. Esta proposta em relação ao IT não

Page 95: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 95/112

atingiria os pequenos produtores, pois as áreasinferiores a nove alqueires não sofreriamtributação. Como resultado da implementaçãode suas propostas, Caio Prado Junior afirmavaque o IT seria um incentivador do loteamento deterras. A soma desses tributos, em suaavaliação, compensaria largamente a receita doIVC. Tais propostas foram atacadasprincipalmente pelas bancadas vinculadas aosgrandes proprietários de terra, que conseguiramimpedir a progressividade do IT e a extinção doIVC.

Findos os trabalhos constituintes,iniciaram­se os trabalhos ordinários dosdeputados paulistas. Caio Prado Junior integroua Comissão Permanente de Constituição eJustiça, ocupando o cargo de vice­presidente,além de novamente compor na Comissão doRegimento Interno, a fim de adaptá­lo aostrabalhos legislativos ordinários. Também atuou,por designação, como relator e membrosubstituto nas Comissões Permanentes deFinanças e Orçamento e de Redação e, ainda,integrou uma Comissão Especial instituída como objetivo de apurar acontecimentos que tiveramlugar nos arredores do prédio da Assembléia em1° de dezembro de 1947 [8]. Além disso, passoua ocupar a liderança da bancada de seu partidona Assembléia Legislativa do Estado de SãoPaulo. Neste período apresentou projetos de lei –tanto como autor principal como subscrevendoseu apoio – que tratavam de matérias tais como:levantamento aerofotogramétrico do Estado deSão Paulo; modificações na Lei Orgânica dos

Page 96: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 96/112

Municípios; criando uma Escola de Filosofia,Ciências e Letras em Taubaté; dando carátereletivo à constituição da Justiça de Paz noEstado; apoio financeiro à pesquisa científica,por meio da instituição da Fundação dePesquisas Científicas.

Nesta última iniciativa, em particular, emrazão da aprovação do artigo na Constituiçãoque estabelecia o amparo do Estado à pesquisacientífica, o parlamentar do PCB deixava clara aimportância dessa medida: uma “completatransformação da vida cultural, e direi mesmo,econômica e social do nosso Estado, e, porconseqüência, do Brasil”. Para isso, propunhaque pelo menos 0,5% da receita ordinária fossedestinada, sob a forma de auxílios, bolsas esubvenções, ao financiamento de pesquisascientíficas que necessitassem ir além das verbase dos recursos normais de que dispunham osórgãos pesquisadores. A administração daFundação de Pesquisas Científicas caberia auma diretoria eleita por um conselho, o qualseria composto de representantes dos principaisórgãos científicos do Estado de São Paulo, tantopúblicos como privados, e entidades de classe dereconhecida idoneidade, que lhe garantisse amais ampla autonomia, evitando, comoressaltava Caio Prado Junior, “interferência deordem política ou outras, que possam desviar afundação de seus objetivos, permitindo­lherealizar, plenamente, o grande programa queterá à sua frente”. Embora elogiado de modogeral, até pelo diário O Estado de S. Paulo –órgão sabidamente avesso ao comunismo –, o

Page 97: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 97/112

fato de ter sido de iniciativa de um parlamentarpertencente ao PCB fez com que fosseapresentado um substitutivo que buscavaaproveitar, ao invés de se criar um novoorganismo, os já existentes FundosUniversitários de Pesquisa e introduziamudanças na estrutura de funcionamentoproposta por Caio Prado Junior, em particularna composição de seu Conselho Geral, visandoespecialmente as entidades de representação declasse. Com a cassação dos mandatos dosdeputados comunistas e com a entrada de umanova proposta oriunda do Executivo, a discussãosobre o assunto estancou e somente anos depoisa iniciativa foi retomada em outros moldes e, em18 de outubro de 1960, a Fundação de Amparoà Pesquisa do Estado de São Paulo foi criada.

Sua condição de líder da bancadacomunista fez com que Caio Prado Juniorconquistasse uma maior projeção nos trabalhoslegislativos, bem como uma destacadaintervenção em uma série de questões. Além daretomada, sob novas abordagens, da questãotributária, do levantamento aerofotogramétricodo Estado, do Tribunal de Contas, sobre asituação do funcionalismo estadual, houve umgrande volume de pronunciamentos de CaioPrado Junior voltados para a questão da quebrada normalidade institucional do país que, sob oinfluxo da chamada “guerra fria”, se refletiutanto no processo de ilegalização da legendacomunista como no da cassação dos mandatosde seus parlamentares.

Após a cassação do registro do PCB, o

Page 98: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 98/112

líder da maioria do governo Dutra, o senadorcatarinense Ivo de Aquino, apresentou umprojeto dispondo sobre a extinção dos mandatosdos parlamentares eleitos por sua legenda emtodas as câmaras legislativas do Brasil.Aprovado em primeira e segunda votações noSenado em outubro de 1947, o projeto foiaprovado na Câmara dos Deputados em 7 dejaneiro de 1948 e levado à sanção do presidenteEurico Gaspar Dutra na mesma data. Com isso,todos aqueles eleitos pelo PCB em todo o paísperderam seus mandatos, o que tambémocorreu na Assembléia Legislativa do Estado deSão Paulo no dia 12 de janeiro, encerrando­se,desse modo, sua atuação.

Com o PCB na ilegalidade, Caio PradoJunior foi preso, juntamente com váriosmembros da bancada comunista, durante trêsmeses, logo depois da perda de seu mandatoparlamentar, em razão da publicação de ummanifesto contra uma possível intervençãofederal em São Paulo. Após deixar a prisão,voltou­se para as atividades da EditoraBrasiliense, dedicando­se em igual medida aosafazeres intelectuais, concentrando­se nosestudos de filosofia e economia. Também foimembro da Comissão de Redação da revistacultural Fundamentos, na qual publicou váriosartigos e sobre a qual o PCB detinha influência.

Em 1954, candidatou­se à Cátedra deEconomia Política da Faculdade de Direito daUniversidade de São Paulo. Conhecendo­se bemo conservadorismo das faculdades de Direito,bastante vivo então na de São Paulo, era de se

Page 99: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 99/112

prever que a tese por ele apresentada, Diretrizespara uma política econômica brasileira, não fosseaprovada. Porém, na disputa com várioscandidatos, não tiveram coragem em reprová­loe lhe concederam o título de livre­docente. Nestatese, a propósito, fez questão de deixarconsignada a maneira pela qual sua paixão, quevinha desde a juventude, por viagens – quetambém sempre se faziam acompanhar de umafarta documentação fotográfica reunida em seusálbuns – se entrelaçou com seu trabalhocientífico: “Aliás, a nossa história, eparticularmente a nossa história econômica, éantes uma sucessão de episódios muitosemelhantes, de ciclos que se repetemmonotonamente no tempo e no espaço. Econtinuam repetindo­se. Essa a razão por queafirmei anteriormente ser a nossa história umPresente de nossos dias. Para observá­la, émuitas vezes preferível uma viagem pelas nossasdiferentes regiões, à compulsa de documentos etextos. O tempo se projetou aqui no espaço,facultando ao historiador um método original depesquisa; como o espaço se define pelo tempo,concedendo ao sociólogo e ao economista, tantocomo ao geógrafo, um ponto de vista temporalparticularmente fecundo”.

Em setembro de 1955, lançou a RevistaBrasiliense. Em sua “declaração de fundação”,definiu seus objetivos: “examinar e debater osnossos problemas econômicos, sociais epolíticos” e encará­los “do ponto de vista dosinteresses nacionais, da melhoria das condiçõesde vida do povo e da renovação e dos progressos

Page 100: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 100/112

da cultura, como expressão autêntica da vidabrasileira”, tornando­se, portanto, “um centrode debates e de estudos brasileiros, aberto àcolaboração de todos os que já se habituaram ouse disponham a abordar seriamente essesassuntos e nela terão o meio não só de tornarconhecidos os seus trabalhos, como também deinfluir sobre a opinião pública levando­a amelhor compreender os problemas que afetam avida do país”. Entre seus colaboradores, atuandonos mais variados campos do conhecimentohumano, encontravam­se Manoel Correia deAndrade, Francisco de Assis Barbosa, JeanClaude Bernadet, Catullo Branco, OctavioBrandão, Antônio Cândido, Fernando HenriqueCardoso, Édson Carneiro, Edgard Carone, Josuéde Castro, Afrânio Coutinho, Elias Chaves Neto(que era o diretor responsável), Michel Debrun,Everardo Dias, Régis Duprat, Álvaro de Faria,Florestan Fernandes, Joaquim Câmara Ferreira,Luís Roberto Salinas Fortes, GianfrancescoGuarnieri, Andrew Gunder Frank, José ArthurGianotti, Edgar A. Graeff, Octavio Ianni, GerardLebrun, Hermes Lima, Michael Löwy, HeitorFerreira Lima, José de Souza Martins, AstrojildoPereira, Luiz Pereira, Paulo F. Alves Pinto, M.Cavalcanti Proença, Maria Isaura Pereira deQueiroz, José Albertino Rodrigues, Herbert Joséde Souza e Moisés Vinhas.

Na opinião de um de seus colaboradores,Heitor Ferreira Lima, a Revista Brasiliense foium marco de seu tempo: “era órgão de imprensade vanguarda, sem qualquer vínculo com gruposou interesses mesquinhos. Daí a sua grande

Page 101: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 101/112

repercussão, sendo muito bem recebida em todoo território nacional. Pode­se dizer mesmo quemarcou época nos anais da nossa cultura”.

A Revista Brasiliense tornou­se o principalescoadouro da produção intelectual de CaioPrado Junior. Nela, publicou editoriais sobre aconjuntura política nacional e internacional,resenhas de livros e artigos, entre outros, sobrea presença do capital estrangeiro no Brasil,sobre a política econômica brasileira, sobre onacionalismo e sobre a questão agrária. Estesúltimos, em 1979, foram reunidos na obra Aquestão agrária no Brasil. Aqui criticoudeterminadas teses defendidas pelo PCB,sobretudo no que diz respeito à teoria dos“resíduos feudais” – que apontava apermanência do latifúndio como principalentrave da economia brasileira e tornava areforma agrária um item de especialimportância em seu direcionamentoprogramático – e à aliança do partido com ossetores progressistas da burguesia nacional, queestariam representados nos governos deJuscelino Kubitschek e João Goulart.

Em 1964 – quando, com o seu número 52,já pronto para ser impresso, teve suacomposição destruída e os originais confiscados– foi extinta por ordem do regime militarinstalado no país em abril, após a deposição dopresidente João Goulart (1961­1964) e CaioPrado Junior foi detido pelo DEOPS­SP. A partirde então, tanto Caio Prado Junior como aEditora Brasiliense e sua livraria foramsistematicamente perseguidos pela repressão,

Page 102: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 102/112

sendo rotineiros as prisões, apreensões edepoimentos.

Em 1966 publicou uma de suas maispolêmicas obras: A revolução brasileira. Nestelivro buscou analisar as perspectivas econômicase políticas daquela conjuntura histórica. Em talexame destacava os erros cometidos pelo PCB.Estes eram resultado, a seu ver, da apropriaçãode “modelos estranhos e inaplicáveis” àrealidade brasileira. “É em grande parte odesconhecimento ou desconsideração dasverdadeiras condições do país que explica osdesacertos cometidos e revezes sofridos nopassado.” Foi a primeira reflexão de pesoproduzida por um militante de esquerda emrelação ao fracasso político de 1964 e teve umaenorme repercussão à época.

A repercussão de A revolução brasileira foitão grande que Caio Prado, em 1966, foidistinguido com o troféu “Juca Pato” destinadoao intelectual do ano. Este prêmio, mantido ecriado em 1962 pela União Brasileira deEscritores – seção de São Paulo –, é destinadoàqueles que, com sua obra, contribuíram para odebate das idéias. Em seu discurso deagradecimento, feito em 28 de março de 1967,além de deixar claras suas divergências com aorientação dos governantes de então, Caio PradoJunior realçou as características que julgavaessenciais aos intelectuais: “Refiro­me aointelectual atuante, ao homem de pensamentoque não se encerra em torre de marfim, e daícontempla sobranceiro o mundo. E sim aqueleque procura colocar o seu pensamento a serviço

Page 103: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 103/112

da coletividade em que vive e da qualefetivamente participa. E é justo o critério quenorteia a concessão do prêmio Juca Pato, pois ésobretudo de homens de pensamento, quesejam também homens de ação, que o Brasilnecessita. E necessita hoje mais que nunca,neste momento que vivemos, quando parecemcoincidir um máximo de necessidades easpirações do povo brasileiro, a exigirem amploshorizontes e perspectivas, com o projeto, bemmarcado e abertamente proclamado pelas atuaisforças dominantes no país, de limitar aquelasperspectivas e encerrá­las na tutela de umestreito horizonte”.

Em 1968, escreveu História edesenvolvimento, tese com a qual pretendeu –instado por amigos e, particularmente, porSérgio Buarque de Holanda, antigo titular dacadeira e que pretendia que ele o sucedesse –concorrer para a livre­docência de História doBrasil na Universidade de São Paulo. Noentanto, com a decretação do Ato Institucional n° 5 (AI­5), em 13 de dezembro de 1968 e, emseu caso particular, de um decreto­lei de 29 deabril de 1969 que o “aposentara” na condição delivre­docente na Faculdade de Direito daUniversidade de São Paulo, não foi possívelatingir esse objetivo. Este decreto­lei continha,na verdade, uma grave incorreção. Caio PradoJunior, assim como mais cinco nomes queconstavam da lista presente no decreto, nãotinha cargo na Universidade de São Paulo.Possuía apenas o título de livre­docente, que lhedava o direito de concorrer ao concurso de

Page 104: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 104/112

cátedra. A tese acabou sendo publicada aindanaquele ano. Nela, Caio Prado Junior criticava apolítica econômica vigente em razão de estarinspirada em modelos analíticos pensados paraos países de avançado grau de desenvolvimentoeconômico, não se prestando a ser aplicada empaíses como o Brasil, o qual não possuía formascapitalistas amadurecidas. O autor advogavaque o processo sócio­econômico específico doBrasil era a baliza que orientaria o levantamentodos seus problemas, seu equacionamento e aproposição de soluções.

Em 1968, foi indiciado em um InquéritoPolicial­Militar (IPM) perante o ConselhoPermanente de Justiça da 2ª Auditoria da 2ªregião Militar, sob alegação de haver dado umaentrevista a uma revista universitária “incitandoo público à Guerra e à subversão da ordempolítico­social”. Para escapar à prisão, refugiou­se no Chile, onde então estavam muitos exiladosbrasileiros. Retornou ao Brasil, apresentando­seao julgamento no Tribunal Militar em março de1970. Condenado a quatro anos de prisão foirecolhido à Casa de Detenção Tiradentes, ondeficou preso até 1971. Transferido nesse mesmoano para o quartel de Quitaúna, foi levadonovamente a julgamento, sendo dessa vezabsolvido por unanimidade. Durante esterecolhimento forçado, Caio Prado Juniorelaborou dois textos dedicados ao exame dasconcepções estruturalistas, então em voga noBrasil, e que julgava retrógradas e deformadorasdo marxismo. Estes textos foram reunidos emvolume publicado em 1971 (O estruturalismo de

Page 105: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 105/112

Levi­Strauss e O marxismo de Louis Althusser).Afastado de uma militância política mais

intensa há alguns anos, em 1988 recebeu oPrêmio Almirante Álvares Alberto para Ciência eTecnologia para 1987, concedido pelo Ministérioda Ciência e Tecnologia e o CNPq, na área deciências humanas. Sem condições de ir recebê­lo pessoalmente, pois já estava bastante doente,o prêmio foi entregue à sua filha Yolanda Prado.Neste mesmo ano, entre 26 e 28 de maiorealizou­se, no campus de Marília daUniversidade Estadual Paulista (UNESP), a IIJornada de Ciências Sociais dedicada a CaioPrado Junior. Dezenas de estudiosos dedicaram­se a resgatar, rever e analisar a contribuição deCaio Prado Junior e cujo resultado foi publicadoem livro.

Casou­se em primeiras núpcias, em 1929,com Hermínia Ferreira Cerquinho (Baby), comquem teve dois filhos: Yolanda (1929) e CaioGraco (1931­1992). Em segundas núpcias, noano de 1942, casou­se com Maria Helena Nioac,com quem teve o seu terceiro filho, Roberto(1945­1970). Teve ainda um terceiro casamentocom Maria Cecília Naclério Homem.

Além das obras citadas anteriormente,escreveu Dialética do conhecimento (1952),Esboço dos fundamentos da teoria econômica(1957), Notas introdutórias à lógica dialética(1959), O que é liberdade? (1980), O que éfilosofia? (1981), A cidade de São Paulo,geografia e história (1983).

Divisão de Acervo Histórico

Page 106: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 106/112

Assembléia Legislativa do Estado de SãoPaulo

FONTESABREU, Alzira Alves de et alii. Dicionário

histórico­biográfico brasileiro pós­1930 (5 vols.).2ª ed. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2001.

BINZER, Ina von. Os Meus Romanos –alegrias e tristezas de uma educadora alemã noBrasil. 6ª ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1994.

BRANCO, Catullo. Conversa entre amigos(Memórias). S.l., mimeo, 1986.

Candidatos do povo: Caio Prado Junior.Hoje. São Paulo, 20/11/1945, p. 6 e 8.

CÂNDIDO, Antônio. O significado deRaízes do Brasil, In: HOLANDA, Sérgio Buarquede. Raízes do Brasil. 7ª ed. Rio de Janeiro, JoséOlympio, 1973.

FRENCH, John. A ascensão do populismoademarista em São Paulo – 1946/1947. SãoPaulo, IDESP, 1987.

GORENDER, Jacob. Do pecado original aodesastre de 1964, In: D’INCAO, Maria Ângela(org.). História e ideal: ensaios sobre Caio PradoJunior. São Paulo, Brasiliense / Editora daUNESP / Secretaria de Estado da Cultura, 1989,p. 259­269.

HALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil(Sua história). São Paulo, T. A. Queiroz / Edusp,1985.

IGLÉSIAS, Francisco. Um historiadorrevolucionário, In: IGLESIAS, Francisco (org.).

Page 107: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 107/112

Caio Prado Junior: História. São Paulo, Ática,1982, p. 7­44.

IUMATI, Paulo Teixeira. Diários políticos deCaio Prado Junior: 1945. São Paulo, Brasiliense,1998.

LAPA, José Roberto do Amaral. Caio PradoJunior: Formação do Brasil contemporâneo, In:MOTA, Lourenço Dantas (org.). Introdução aoBrasil. Um banquete no trópico. São Paulo, Senac,1999, p. 257­272.

LEVI, Darrell E. A Família Prado. SãoPaulo, Cultura 70, 1977.

LIMA, Heitor Ferreira. Revista Brasiliense:sua época, seu programa, seus colaboradores,suas campanha, In: MORAES, Reginaldo,ANTUNES, Ricardo e FERRANTE, Vera B. (orgs.).Inteligência brasileira. São Paulo, Brasiliense,1986, p. 179­192.

LONZAR, William e BÁRTOLI, ValdirVicente. A Constituinte paulista de 1947, In:BÁRTOLI, Valdir Vicente (org.). ProcessoConstituinte Paulista. São Paulo, FUNDAP, 1989,p. 21­40.

MARTINEZ, Paulo Henrique. A dinâmicade um pensamento crítico: Caio Prado Junior(1928­1935). São Paulo, 1998. Mimeogr. (Tese,Departamento de História da FFLCH­USP)

MAZZO, Armando. Memórias de ummilitante político e sindical no ABC. São Bernardodo Campo, Secretaria de Educação, Cultura eEsportes, 1991.

MÉDICI, Ademir. 9 de novembro de 1947:

Page 108: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 108/112

A vitória dos candidatos de Prestes. Santo André,Fundo de Cultura do Município, 1999.

MOTA, Lourenço Dantas, FERREIRA,Oliveiros S. e MARTINS, Carlos Estevam. CaioPrado Junior: É preciso deixar o povo falar. In:MOTA, Lourenço Dantas (org.). A história vivida.Volume I. São Paulo, O Estado de S.Paulo, 1981,p. 300­320.

MOTOYAMA, Shozo (org.). FAPESP: Umahistória de política científica e tecnológica. SãoPaulo, FAPESP, 1999.

NOVAIS, Fernando A. Caio Prado Jr. nahistoriografia brasileira, In: MORAES, Reginaldo,ANTUNES, Ricardo e FERRANTE, Vera B. (orgs.).Inteligência brasileira. São Paulo, Brasiliense,1986, p. 9­26.

PINHEIRO, Paulo Sérgio. O ano de 1945.Jornal de Resenhas. São Paulo, 11/07/1998, p.3.

PRADO JUNIOR, Caio. Caio Prado Junior eo “Juca Pato”. São Paulo, Arquivo do Estado,1983.

_____. Diretrizes para uma políticaeconômica brasileira. São Paulo, Urupês, 1954.

RICUPERO, BERNARDO. Caio Prado Jr. ea nacionalização do marxismo no Brasil. SãoPaulo, Departamento de Ciência Política daUniversidade de São Paulo/FAPESP/Ed. 34,2000.

SACCHETTA, Vladimir et alii. MonteiroLobato: Furacão na Botocúndia. São Paulo,Senac,1997.

Page 109: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 109/112

SANTOS, Raimundo. Caio Prado Junior nacultura política brasileira. Rio de Janeiro,MAUAD / FAPERJ, 2001.

Page 110: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 110/112

NOTAS[1] ­ Para maiores detalhes sobre a

passagem de Caio Prado Junior pela Faculdadede Filosofia, Ciências e Letras da Universidadede São Paulo ver o Capítulo III (“AdmirávelMundo Novo (1934­1935)”, às p. 186­259) daobra de Paulo Henrique Martinez.

[2] ­ Antônio Cândido. O significado deRaízes do Brasil (Prefácio de: Sérgio Buarque deHolanda. Raízes do Brasil. 7ª ed. Rio de Janeiro,José Olympio, 1973), p. XI.

[3] ­ A bancada do PCB que tomou posseem 15 de março de 1947 era composta, além deCaio Prado Junior, pelo marceneiro ArmandoMazzo, pelo engenheiro eletricista CatulloBranco, pelo ex­militar e comerciário Clóvis deOliveira Neto, pelo portuário Estocel de Moraes,pelo tecelão João Sanches Segura, pelo professorJoão Taibo Cadorniga, pelo ex­militar e técnicoem borracha Lourival Costa Villar, pelometalúrgico Mautílio Muraro – que renunciou aomandato em 08/11/1947 ­, pelo médico MiltonCayres de Brito e pelo tecelão Roque Trevisan.Ao longo do tempo também tomaram posse osseguintes suplentes: a contadora ZuleikaAlambert, o ferroviário Celestino dos Santos e oprofessor e físico Mario Schenberg.

[4] ­ Mais tarde transformou­se nasegunda bancada, pois, em razão da expulsãode Hugo Borghi, que havia sido o candidato agovernador nas eleições de janeiro de 1947, oPTB cindiu­se e sete de seus quatorze deputadosmudaram para o Partido Popular Trabalhista,

Page 111: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 111/112

criado em 15 de abril.[5] ­ Foram publicados, entre outros, nesta

coleção: Diretrizes para uma política rural eeconômica, de Paulo Pinto de Carvalho (comprefácio de Monteiro Lobato); Um programa depolítica exterior para o Brasil, de Renato CasteloBranco; Política alimentar, de F. Pompêo doAmaral (com prefácio de Caio Prado Junior);Apontamentos para uma reforma agrária, deAguinaldo Costa; Siderurgia e planejamentoeconômico do Brasil, de Afrânio do Amaral (comprefácio de Caio Prado Junior); A constituiçãopara o Brasil, de A. Moreira.

[6] ­ A Mesa foi assim composta: ValentimGentil ­ PSD (presidente), Nélson Fernandes ­PTB (1° vice­presidente), Rubens do Amaral ­UDN (2° vice­presidente), Mário Beni ­ PSP (1°secretário), Catullo Branco ­ PCB (2° secretário),João Bravo Caldeira ­ Partido Republicano (3°secretário) e Alfredo Farhat ­ PartidoDemocrático Cristão (4° secretário).

[7] ­ O Partido Comunista apresenta o seuprograma mínimo: Uma Constituiçãodemocrática e progressista para São Paulo. Hoje.São Paulo, 25/11/1945, p. 5.

[8] ­ Esta Comissão Especial tratava deaveriguar os acontecimentos ocorridos entre apolícia e populares que foram à AssembléiaLegislativa entregar abaixo­assinado contra acassação de mandatos de parlamentares.

Page 112: Teoria Marxista Do Conhecimento e Método Dialético Materialista — Caio Prado Jr

06/08/2015 Teoria marxista do conhecimento e método dialético materialista — Caio Prado Jr.

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caio.html#obra 112/112

©2001 — Ridendo Castigat Mores

Versão para eBookeBooksBrasil.org

__________________

Texto originalmente disponível nos sitesRidendo Castigat Mores

www.jahr.orgwww.ngarcia.org

Resgatado a partir doweb.archive.org

FILE ARCHIVED ON 20011225092820AND

RETRIEVED FROM THE INTERNET ARCHIVE ON20050210095123

Proibido todo e qualquer uso comercial.

Se você pagou por esse livroVOCÊ FOI ROUBADO!

Você tem este e muitos outros títulos GRÁTISdireto na fonte:

www.ebooksbrasil.org