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2ª Edição da Revista Eletrônica Virtú - Edição Especial
Anais do III Simpósio de Formação de Professores de Juiz de Fora
2005
Artigos Publicados:
INVESTIGAÇÃO DIALÓGICA
UMA PEDAGOGIA PARA O ALUNO DO SÉCULO 21
Juarez Sofiste
RESUMO:
A Investigação dialógica é uma metodologia de criação de conhecimentos que nega
substantivamente a aula falada, a transmissão do conhecimento e a memorização mecânica.
Articulada a partir de dois eixos básicos, onde: o primeiro está relacionado à aquisição do
conhecimento, às habilidades de aprender a conhecer e aprender a fazer. O segundo eixo está
relacionado às habilidades de convivência e autoconhecimento, ou seja, do aprender a ser e do
aprender a conviver.
Palavras-chave: pedagogia, diálogo, investigação, competências
RÉSUMÉ :
L’investigation dialogique est une méthodologie que produit la connaissance et nie
subjectivement la leçon parlée, la transmission orale, la mémoire mécanique. Deux principes sont
à la base de cette recherche: le premier, connaître et faire; le second, être et convivre.
Mots-clé: pedagogie, dialogue, recherche, competences.
1- INTRODUÇÃO
Coordenamos desde 1995 o "Pensando bem..." - Núcleo de pesquisa em Filosofia
e Educação- do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Juiz de Fora. Uma das
atividades desenvolvidas pelo Núcleo é o Programa Pensar. Este é um programa de
desenvolvimento de habilidades e competências de aquisição de conhecimento. Trata-se de uma
é professor do Departamento de Filosofia da UFJF e coordenador do ―Pensando Bem ...‖ – Núcleo de Pesquisa em
Filosofia e Educação.
2
proposta pedagógica voltada para a formação do pensamento autônomo, para o desenvolvimento
de competências de convivência, de autoconhecimento e de habilidades cognoscitivas,
utilizando para tal uma metodologia fundamentada no diálogo e na investigação, denominada
por nós de INVESTIGAÇÃO DIALÓGICA
A urgência de construirmos uma educação fundamentalmente voltada para o
desenvolvimento de habilidades e capacidades, tal como a demanda o mundo de hoje e a
indicam a LDB, os PCNs e o Relatório Jacques Delors, não é tarefa fácil. Um trabalho em sala
de aula, por mais excelente e mais inovador que seja, não é capaz, por si só, de promover as
mudanças necessárias para a viabilizar uma educação que responda aos anseios e exigências do
novo momento histórico que estamos vivendo. O que estamos dizendo é que são vários os
desafios, como por exemplo: infra-estrutura adequada, capacitação e valorização dos
profissionais da educação, participação efetiva da comunidade na gestão da escola, continuidade
das políticas públicas, construção de uma pedagogia para o aluno do século 21.
Acreditamos, no entanto, que, diante dos diversos desafios enfrentados pelos
profissionais da educação, apostar num novo processo pedagógico pode melhorar e aprimorar a
prática educacional que temos. Estimamos que esse caminho pode ser um lugar de abertura de
perspectivas para a valorização, o reconhecimento e a dignificação desses profissionais.
2- EXIGÊNCIAS PARA EDUCAÇÃO
A construção de uma educação que responda aos desafios do atual momento
histórico, ultrapassa os meros limites de reformas localizadas. Está em questão a mudança da
cultura do que é fazer educação. Não se trata de mudar de lugar, mas de mudança na alma.
Concretamente estamos falando da urgência de superação da ―PEDAGOGIA DE ARMAZÉM‖.
Tal pedagogia se estrutura em três princípios. 1- A escola como a socializadora do
conhecimento, uma espécie de intermediária entre alguém que produz conhecimento e alguém
que o consome. 2- O professor é o balconista, alguém encarregado de intermediar o
conhecimento, que ele não produziu, mas que copiou de alguém. 3- O estudante é o
consumidor, também à imagem e semelhança do professor e da escola, não pensa, não produz,
apenas escuta aula, anota e faz prova. Pedagogia que se fundamenta e se estrutura no mero
ensino, como é ainda, segundo nossa leitura, regra geral entre nós.
3
O nosso empreendimento é o de apontar uma proposição, a partir de Paulo Freire,
que contribua para a superação deste estado de coisas, com o qual que estamos convivendo. A
pedagogia de armazém é, no mínimo, uma catástrofe pedagógica. Além de não se fundamentar
do ponto de vista filosófico, antropológico e epistemológico ela é economicamente é
contraproducente.
Acreditamos, para além de todas as leituras possíveis, que a idéia de educação
veiculada na LDB (lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996), nos Parâmetros Curriculares
Nacionais e no Relatório para a UNESCO da comissão Internacional sobre Educação para
Século XXI, indica elementos significativos para construirmos uma nova educação.
A educação necessária e apontada nos documentos supracitados é a educação
entendida como desenvolvimento de capacidades e habilidades. Não se trata mais de ensinar
conteúdos, mas de desenvolver a capacidade de aprender1.
Em relação aos objetivos da educação infantil, estes são definidos em termos do
desenvolvimento das capacidades de ordem física, afetiva, cognitiva, ética, estética, de relação
interpessoal e inserção social2.
Em relação à educação fundamental, dos dez tópicos que explicitam os objetivos
de tal nível de educação destacamos apenas o último: que os alunos do ensino fundamental
sejam capazes de: questionar a realidade formulando-se problemas e tratando de resolvê-los,
utilizando para isso o pensamento lógico, a criatividade, a intuição, a capacidade de análise
crítica, selecionando procedimentos e verificando sua adequação3.
Em relação ao Ensino Médio, os Parâmetros Curriculares Nacionais entendem
que, na perspectiva da nova lei, este nível de ensino, como parte da educação escolar, deverá
vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social.4 Essa vinculação é orgânica e deve
contaminar toda a prática educativa escolar.
O que está em questão é a mudança mesmo dos objetivos do ensino médio. Há
uma clara prioridade na formação ética, no desenvolvimento da autonomia intelectual e do
pensamento crítico. É interessante a pergunta do próprio documento em questão: de que
competências se está falando? Ao que o documento responde:
1 LDB (Lei nº 9.394/96) art. 32, incisos I e III
2 Referencial curricular nacional para a educação infantil/ MEC vol. 1.p.63
3 PCNs : MEC Vol.1 p.56.
4 LDB (Lei nº 9.394/96) Art. 1º par. 2º.
4
Da capacidade de abstração, do desenvolvimento do pensamento sistêmico, ao
contrário da compreensão parcial e fragmentada dos fenômenos, da criatividade, da
curiosidade, da capacidade de pensar múltiplas alternativas para a solução de um problema,
ou seja, do desenvolvimento do pensamento divergente, da capacidade de trabalhar em equipe,
da disposição para procurar e aceitar críticas, da disposição para o risco, do desenvolvimento
do pensamento crítico, do saber comunicar-se, da capacidade de buscar conhecimento.5
O Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o
século XXI diz que para a educação responder ao conjunto de suas missões, deverá organizar-se
em torno de quatro aprendizagens fundamentais que constituem os pilares da educação do séc.
XXI, que são: ―aprender a conhecer, isto é, adquirir os instrumentos da compreensão; aprender
a fazer, para poder agir sobre o meio envolvente; aprender a viver juntos, a fim de participar e
cooperar com os outros em todas as atividades humanas e aprender a ser, via essencial que
integra as três precedentes.
Mas, e os conteúdos? Os PCN’s propõem uma mudança de enfoque em relação
aos conteúdos curriculares: ao invés de um ensino em que o conteúdo seja visto como fim em si
mesmo, o que se propõe é um ensino em que o conteúdo seja visto como meio para que os
alunos desenvolvam as capacidades que lhes permitam produzir e usufruir dos bens culturais,
sociais e econômicos
Outro aspecto que consideramos de grande avanço em relação aos conteúdos é o
entendimento de que os mesmos não se reduzem aos conceitos, como ainda é regra geral entre
nós. Segundo os PCNs, os conteúdos são abordados em três grandes categorias: conteúdos
conceituais, que envolvem fatos e princípios; conteúdos procedimentais e conteúdos atitudinais,
que envolvem a abordagem de valores, normas e atitudes6.
Pressupomos que, indiscutivelmente, a pedagogia de armazém não responde
minimamente as exigências da educação como apontadas acima, e por outro lado, acreditamos
que construir uma educação que responda a tais exigências supõe mudanças substancias nas
concepções de objetivos, conteúdos, metodologias e avaliação educacionais.
3- PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA INVESTIGAÇÃO DIALÓGICA.
5 PCNs: ensino médio: parte I. MEC. P. 12
6 PCNs Vol. 1 p. 73-79)
5
Diálogo e investigação são os referenciais teóricos fundamentais da pedagógica
que propomos. O diálogo é aqui entendido na perspectiva de Paulo Freire como se encontra no
cap. III da Pedagogia do Oprimido, enquanto conteúdo de significação ética e humanizadora,
portanto, lugar de gestação do humano e do mundo. O diálogo é, assim, a condição
fundamental para a verdadeira educação.7
Diálogo enquanto princípio pedagógico e metodológico, portanto, diferente de
mera conversa ou como indica Paulo Freire na Pedagogia da Esperança. O diálogo, na verdade,
não pode ser responsabilizado pelo uso distorcido que dele se faça. Por sua pura imitação ou
por sua caricatura. O diálogo não pode converter-se num “bate-papo” desobrigado que
marche ao gosto do acaso entre professor ou professora e educandos8.
Diálogo enquanto exigência epistemológica e não apenas enquanto um recurso
dentre outros para ser usado ou não na relação docente. Essa tese é largamente desenvolvida no
livro À Sombra desta Mangueira no tópico ―Dialogicidade‖. Por se tratar de exigência
epistemológica, o autor busca compreender o seu fundamento: A Dialogicidade não pode ser
compreendida como um instrumento usado pelo educador, às vezes, em coerência com sua
opção política. A dialogicidade é uma exigência da natureza humana e também um reclamo da
opção democrática do educador9.
A Investigação, como princípio pedagógico e metodológico, também é
entendida na perspectiva de Paulo Freire : só existe saber na invenção, na reinvento, na busca
inquieta, impaciente, permanente(...)10
. Investigação enquanto exigência fundamental para a
docência: fala-se hoje, com insistência, no professor pesquisador. No meu entender o que há de
pesquisador no professor não é uma qualidade ou uma forma de ser ou de atuar que se
acrescenta à de ensinar. Faz parte da natureza da prática docente a indagação, a busca, a
pesquisa. O de que se precisa é que, em sua formação permanente, o professor se perceba e se
assuma, porque professor, como pesquisador.11
Investigação como princípio pedagógico e metodológico significa a superação da
pedagogia de armazém, visto que, nesta perspectiva: O educador problematizador re-faz,
7 FREIRE, 1975. p. 98
8FREIRE, 1992 p. 118, nota 47
9 FREIRE, 1995 págs 74-82
10 FREIRE, 1997 p.32
11 FREIRE, 1997 p.32
6
constantemente, seu ato cognoscente, na cognoscibilidade dos educandos. Estes, em lugar de
serem recipientes dóceis de depósitos, são agora investigadores críticos, em diálogo com o
educador, investigador crítico, também.12
É interessante observar que os termos Diálogo e Investigação várias vezes
aparecem juntos, formando o que denominamos de "Investigação Dialógica", como por
exemplo: " ... o objeto a ser conhecido não é de posse exclusiva de um dos sujeitos que fazem o
conhecimento, de uma das pessoas envolvidas no diálogo. No caso da educação, o
conhecimento do objeto a ser conhecido não é de posse exclusiva do professor, que concede o
conhecimento aos alunos num gesto benevolente, em vez dessa afetuosa dádiva de informação
aos estudantes, o objeto a ser conhecido medeia os dois sujeitos cognitivos, em outras palavras,
o objeto a ser conhecido é colocado na mesa entre os dois sujeitos do conhecimento. Eles se
encontram em torno dele e através dele para fazer uma investigação conjunta" (FREIRE. 1987
p. 124, veja também FREIRE 1975, p. 80 / FREIRE 1977, p.32.)
Diálogo e investigação enquanto referenciais teóricos pressupõem os seguintes
princípios:
FILOSÓFICO. Considerando a amplitude e as diversas perspectivas de
compreensão da filosofia; considerando a complexidade do processo educacional e a
consciência de que o aprofundamento do conhecimento é sempre possível e, que, portanto,
jamais poderemos estar satisfeitos com o conhecimento obtido no sentido da posse de uma
verdade definitiva; considerando que a realidade é dinâmica e que natureza e sociedade não
são entidades acabadas, mas em continua transformação, jamais estabelecidas definitivamente;
considerando que o conhecimento é resultado de uma interação constante entre os objetos a
conhecer e a ação dos sujeitos que procuram compreendê-los.
Tais pressupostos indicam a filosofia dialética13
como a perspectiva mais
propícia para atender aos objetivos aqui propostos, visto que, na dialética não se busca uma
verdade última, mas uma verdade ―crítica‖ ou seja, uma visão que não seja tão simples quanto a
precedente.
Numa perspectiva geral podemos apontar as seguintes características da dialética:
12
FREIRE, 1997 p.80 13
FREIRE, 1975 p.84
7
- É sempre negação. Nega a pura abstração, nega as leis da lógica formal
(identidade, não contradição e terceiro excluído), visto que as hipóteses e os fatos que a lógica
permite analisar são abstraídos do conjunto concreto que os ultrapassa. Nenhum elemento é
idêntico para si mesmo do ponto de vista dialético.
- É crítica de todo conhecimento petrificado, mostra que todos os elementos do
mesmo conjunto condicionam-se reciprocamente numa identidade de graus intermediários entre
os termos opostos.
- É apreensão do conjunto das conexões internas das coisas, de seus aspectos
enquanto totalidade e unidade dos contrários. Portanto a dialética é busca, simultaneamente, dos
conjuntos e seus elementos constitutivos, é análise e síntese.
- É a tentativa de compreender a realidade mediante suas contradições. A
dinamicidade e transformação das coisas só é possível porque no seu próprio interior coexistem
forças opostas tendendo simultaneamente à unidade e à oposição.
Na abordagem dialética, a realidade não é um amontoado de objetos, de
fenômenos isolados e independentes, mas um todo unido, em que os objetos e fenômenos são
ligados entre si dependendo uns dos outros, e se condicionando reciprocamente. E também, por
se tratar de uma abordagem dialética, a realidade é entendida como um processo, portanto, a
síntese não é o termo final, mas já é em si mesma uma nova tese que pode ser negada e produzir
uma nova síntese. A novidade, o refinamento se dá quando uma nova tese não responde mais às
nossas expectativas e exigências da realidade atual.
ANTROPOLÓGICO- O nosso referencial antropológico é o dá inconclusão do
humano14
. Tal princípio parece apontar para algo que é próprio do humano: aprender. Estamos
condenados a aprender. Trabalhamos com o principio que a própria condição de humano se dá
mediante a aprendizagem e a aprendizagem se da nas relações com o outro.
Nesta perspectiva não podemos falar de uma natureza humana universal, dada a
priori. O humano é cultura, história, símbolo. Ao nascermos, abrimos possibilidades absolutas.
Quanto aos animais, por exemplo, tal perspectiva é parcial. Por exemplo. Cachorro é cachorro,
independente do conjunto de condições objetivas de sua circunstancialidade.
14
FREIRE, 2001 p. 55
8
A humanização é um processo de abertura para o mundo. É o distanciamento, é o
espanto, é o perguntar, é o problematizar o mundo. É justamente nesta perspectiva que estamos
entendendo a aprendizagem. Portanto estamos falando de convergências entre
aprender/humanizar, aprender/dialogar, aprender/investigar..
EPISTEMOLÓGICO. Considerando que o prefixo dia indica divisão e
separação ( através de) e logoi (discurso, fala) , o diálogo supõe a presença de um entre
unificador e diversificador. Do ponto de vista epistemológico é a pergunta que irá possibilitar a
abertura deste espaço do entre. Portanto considerar o diálogo como princípio pedagógico
significa superar a lógica da afirmação, visto que a pergunta rompe as medidas de validade. Um
fazer educativo que se fundamenta em tais princípios pressupõe a investigação como condição
fundamental, uma vez que, nesta lógica da pergunta, em cada afirmação subjaz um momento de
questionabilidade.
Tal perspectiva indica a exigência ética da humildade epistemológica de que
minha verdade, porque é minha, não poderá arrogar-se a ser a verdade. Os participantes do
Diálogo ariscam-se ao espaço aberto do entre.
Não temos uma cultura acadêmica da humildade epistemológica e o que é pior,
temos sim a cultura da arrogância epistemológica. Por mais que interroguemos e questionemos
a relação docente, tanto mais nos convencemos, que em geral, trata-se de uma relação fundada
no grande equívoco da arrogância epistemológica. É a pedagogia que delega ao professor dizer
o que são as coisas, isto é, a verdade. Ao estudante é delegado responder a verdade, tal como
dita, sacralizada, pelo mestre.
PEDAGÓGICO- Etimologicamente a palavra educação provém fonética e
morfologicamente de educare (conduzir, guiar, orientar), e semanticamente contém o conceito
de educere (fazer sair, extrair, dar à luz)15
Acreditamos que este é o fundamento antropológico
de toda educação: No princípio era o nada, no sentido do não concluído, do não dado, do não
programado, ou no dizer de Paulo Freire, programado apenas para aprender. Daí ser a educação
um fazer sair, extrair, dar a luz, em primeiro lugar a própria condição de humano. O homem é
15
VILLA, 2000 p.234
9
um ser biológico e é pela educação (cultura) que supera sua condição de primata16
. Portanto, a
educação é um processo de libertação, em primeiro lugar de nossa própria condição de ser
puramente biológico. É na relação com o outro que nos humanizamos, existir é coexistir.
Educar é possibilitar o humano. A experiência primeira do humano é com o
outro. Nesta perspectiva as relações intersubjetivas são educativas. É mediante a coexistência
que é possível instaurar o humano.
Mas, no caso específico, estamos tratando da educação formal, escolar. Para nós
sua identidade perpassa a racionalidade. Trata-se da educação enquanto uma ação intencionada.
Fofoca, conversa fiada, senso comum, argumentos de autoridade não valem.
Educar é possibilitar o humano. Considerando o princípio antropológico da
inconclusão, da abertura para o mundo, podemos afirmar que educação tem relação direta com
investigação. Pedagogia da resposta. A do saber pronto é, no mínimo, uma catástrofe
pedagógica. Trata-se de um processo de desumanização. Ou no dizer de Pedro Demo: Um
processo de emburrecimento17
.
Diálogo e investigação. Este é o caminho mais propício que indicamos para a
humanização do humano, isto é, para a educação. Portanto não estamos falando de aula. Aula,
tal como colocada pela tradição milenar fundamenta-se no falar do mestre e na cópia passiva do
estudante, é no mínimo um equívoco pedagógico.
4- PROCEDIMENTOS DA INVESTIGAÇÃO DIALÓGICA.
A Investigação Dialógica é um processo de desenvolvimento, usando a
linguagem do relatório para a UNESCO, de habilidades e competências articulado em dois eixos
básicos. O primeiro está relacionado à aquisição do conhecimento, às habilidades de aprender a
conhecer e aprender a fazer como, por exemplo, a capacidade de abstração, de raciocínio, de
inferência, de sistematização, de conceituação, de argumentação, da criatividade, da curiosidade,
da iniciativa, de observação, de analise, de reflexão, de pensar o todo, de projeção, de
planejamento etc. O segundo eixo está relacionado às habilidades de convivência e auto-
conhecimento, ou seja, do aprender a ser e do aprender a conviver. São exemplos desses tipos de
16
MORIM, 2000, p. 47 17
DEMO, 1977
1
0
habilidades: relacionar-se com o diferente, criticar, trabalhar em equipe, saber ouvir, aceitar
críticas, autoestima, autocontrole, autonomia, autotelia etc.
Mas como viabilizar o desenvolvimento dessas habilidades e competências?
Certamente, não será, segundo Paulo Freire, dando aula de forma narrativa e dissertativa,ou seja,
com o professor dissertando sobre autoestima, raciocínio, argumentação, ou ainda, com o aluno
fazendo ―pesquisa‖ sobre tais temas, recortando jornais e revistas com pessoas felizes, bem
sucedidas etc.
Uma metodologia que propõe desenvolver capacidades e habilidades como as
indicadas acima se faz com um aluno sujeito do processo de aprendizagem, ou seja, é o aluno que
vai raciocinar, investigar, inferir, relacionar-se etc. Para tanto a Investigação Dialógica propõe
uma transformação radical nas concepções de conteúdo, de sala de aula, de professor e de aluno.
O conteúdo, nessa metodologia, não se reduz aos conceitos, ou seja, aos saberes
que o professor irá transmitir para o estudante mediante a aula falada. Os procedimentos e as
atitudes ganham uma relevância fundamental na Investigação Dialógica, uma vez que o seu
objetivo último é proporcionar aos educandos o desenvolvimento e aprimoramento de
habilidades e capacidade.
A sala de aula deverá mudar, primeiramente, a sua estrutura física. Ela não será
um ambiente circunscrito a quatro paredes com os alunos dispostos linearmente uns atrás dos
outros em frente a um quadro de giz. Ela deverá ser um ambiente que possibilite a investigação, o
diálogo, a construção coletiva de saberes.
O professor compartilhará saberes e experiências no sentido de auxiliar na criação
do conhecimento. Ele será, juntamente, com os seus alunos, um investigador, um companheiro de
percurso e não um intermediário de saberes já construídos e sedimentados. Enquanto membro do
grupo de investigação seus direitos e deveres são os mesmos de todos os participantes. Enquanto
coordenador sua tarefa consiste em zelar para o bom êxito da mesma.
Por outro lado, o papel do aluno deixará de ser o daquele indivíduo que escuta a
aula, anota as informações e faz prova. Ele será sujeito no processo de aprendizagem. Ele
planejará as ações para alcançar o conhecimento, executará e, ao final do processo, avaliará —
1
1
juntamente com o professor — o quanto elas foram adequadas, o quanto elas responderam às
expectativas.
A investigação dialógica, portanto, não se propõe, como na aula falada pelo mestre
e copiada pelo educando, o mero ensino. Trata-se da criação de um ambiente, ou seja, a
transformação da sala de aula em sala de investigação. É o processo de investigação, mediante o
diálogo, que posssibilita o desenvolvimento das habilidades e competências.
5- SUGESTÃO GERAL PARA SE PLANEJAR UMA SESSÃO DE INVESTIGAÇÃO
DIALÓGICA.
Respeitadas as especificidades de cada nível de educação, propomos um
procedimento geral de planejamento de sessão de Investigação Dialógica. Com isso, estamos
dizendo que Investigação Dialógica pode ser aplicada em qualquer nível de educação e
independente de idade, classe social etc. Temos experiências positivas no desenvolvimento da
Investigação Dialógica na educação fundamental, média, cursos de graduação, pós-graduação, e
inclusive em ambientes fora da educação formal, como por exemplo, a terceira idade.
Comungamos com Paulo Freire de que não é possível pensarmos em conteúdos
universais, para além da geografia, história, cultura etc. Afirma o autor:
O que tenho dito sem cansar, e redito, é que não
podemos deixar de lado, desprezado como algo imprestável, o que
educandos, sejam crianças chegando à escola ou jovens e adultos a
centros de educação popular, trazem consigo de compreensão do
mundo, nas mais variadas dimensões de sua prática na prática
social de que fazem parte. Sua fala, sua forma de contar, de
calcular, seus saberes em torno do chamado outro mundo, sua
religiosidade, seus saberes em torno da saúde, do corpo, da
sexualidade, da vida, da morte, da força dos santos, dos conjuros.18
5.1 - ROTEIRO PARA ELABORAÇÃO DA SESSÃO DE INVESTIGAÇÃO DIALÓGICAF
18
FREIRE 1994, P. 85-86 F
Elaborado e proposto pelo "Pensando bem..." — Núcleo de Pesquisa em Filosofia e Educação do Departamento de
Filosofia da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora - MG)
1
2
TÍTULO
É o nome dado à sessão de Investigação Dialógica em questão. Visa organizar o
material para futuras catalogações. Sugere-se que tenha relação com o recurso didático utilizado
para a incentivação.
TEMA
É o conceito, a noção, a idéia, o procedimento, a habilidade, a atitude que se
pretende trabalhar na sessão. Pode ser escolhido pelo coordenador no momento de preparação da
sessão, bem como pode ser sugerido por algum integrante da comunidade investigativa, ou ainda,
pode surgir de um episódio do cotidiano da comunidade.
OBJETIVOS
A Investigação Dialógica sempre terá como objetivo geral o desenvolvimento de
habilidades e capacidades cognoscitivas (de aquisição de conhecimento) mas, ela também terá
objetivos específicos relacionados com o desenvolvimento de conteúdos conceituais,
procedimentais e atitudinais; com as habilidades de aquisição de conhecimento (aprender a
conhecer e a fazer), de relacionamento (aprender a conviver) e de auto-conhecimento (aprender a
ser).
CONTEÚDOS
São os conceitos, procedimentos e atitudes a serem trabalhadas. Todos os
possíveis conteúdos a devem estar relacionados neste item. Nada mais são do que a relação das
habilidades e capacidades que se pretende desenvolver.
Exemplos
Conteúdos conceituais: Identidade, liberdade, outro etc.
Conteúdos procedimentais: Ouvir, falar, registrar etc.
Conteúdos atitudinais: Atenção, respeito, abertura etc.
RECURSOS DIDÁTICOS
São os materiais utilizados para a preparação e execução da Investigação
Dialógica. Englobam desde a bibliografia até o papel e o pincel utilizado na sessão.
1
3
PROCEDIMENTOS DIDÁTICOS
São os procedimentos utilizados no desenvolvimento da sessão. Em todas as
etapas, desde a introdução até a avaliação, são utilizados procedimentos específicos de
incentivação, de desenvolvimento, de avaliação da sessão.
Ex.: narração de história, exposição oral, diálogo, jogo etc.
INTRODUÇÃO
Esta etapa começa com a apresentação e/ou delimitação dos objetivos da
Investigação Dialógica. O seu maior objetivo é incentivar a comunidade para a Investigação
Dialógica. É o momento da incentivação inicial. Pode ser feito com a apresentação de um
conceito, noção ou idéia, mas também através de um recurso ou procedimento didático (uma tela,
uma música, uma narração, uma encenação, um jogo, uma dinâmica, um texto em geral).
DESENVOLVIMENTO
Esta etapa está diretamente relacionada com a incentivação — não poderia ser
diferente — e, portanto é dependente dela. Compreende a delimitação do tema e o diálogo
investigativo.
A delimitação do tema pode ocorrer através da listagem dos temas passíveis de
serem investigados e da eleição de um deles; ou através da sugestão por parte do coordenador ou
de algum integrante da comunidade; ou ainda, "condicionado" por um momento que a
comunidade está vivenciando, ou por um fato histórico etc.
Em seguida processa-se o diálogo investigativo fundamentado na apresentação e
defesa de idéias, noções, conceitos dentro dos limites e possibilidades da racionalidade filosófica,
ou seja, a coerência, coesão e sistematização do conhecimento.
1
4
FIXAÇÃO
Objetiva "fixar" o conteúdo investigado durante a sessão. Esta atividade deverá
utilizar procedimentos e recursos didáticos diferentes dos já utilizados nas etapas anteriores. É
um momento de revisão, de reflexão e de retomada do que foi produzido no diálogo
investigativo. Na Investigação Dialógica, portanto, não existe um ponto final, um resumo, uma
conclusão, uma moral da história.
AVALIAÇÃO DA SESSÃO
Esta etapa visa avaliar o desenvolvimento da sessão em relação aos objetivos
propostos, ou seja, o desenvolvimento das habilidades e capacidades cognoscitivas. É uma etapa
essencial no processo pedagógico. Os princípios que fundamentam esse momento são os mesmos
da Investigação Dialógica, ou seja, o momento da avaliação é também um momento de diálogo
investigativo.
6- OBSERVAÇÕES FINAIS
Além dos aspectos pedagógicos da Investigação Dialógica destacamos, também, a
sua dimensão social, dimensão esta que é indicada pela UNESCO como um dos instrumentos
essências para a educação do século XXI, conforme a afirmação:
... os métodos de ensino não devem ir contra este
reconhecimento do outro. Os professores que, por dogmatismo,
matam a curiosidade ou o espírito crítico dos seus alunos, em vez
de os desenvolver, podem ser mais prejudiciais do que úteis.
Esquecendo que funcionam como modelos, com esta atitude
arriscam-se a enfraquecer por toda a vida nos alunos a capacidade
de abertura à alteridade e de enfrentar as inevitáveis tensões entre
pessoas, grupos e nações. O confronto através do diálogo e da
troca de argumentos é um dos instrumentos indispensáveis à
educação do século XXI”.19
(grifo nosso)
19
DELORS, Jacques. Educação um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: MEC: UNESCO,.
(Relatório para a UNESCO da comissão Internacional Sobre Educação para o Século XXI) 2001, p 98
1
5
O que estamos dizendo é que a Investigação Dialógica tem um alto valor social,
atende às indicações da UNESCO e, ainda mais, o método promove e desenvolve tais princípios,
visto que, a essência mesma do método é a construção do conhecimento através da colaboração,
intercâmbio e confronto de idéias, reflexões, pontos de vistas, argumentos. Na investigação
dialógica o estudante é, portanto, co-autor do conhecimento construído e tem consciência disso.
7- BIBLIOGRAFIA
1.DELORS, Jacques. (2001) Educação um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez; Brasília, DF:
MEC: UNESCO,. (Relatório para a UNESCO da comissão Internacional Sobre
Educação para o Século XXI)
2.DEMO, Pedro. (1993) Desafios modernos da educação. Petrópolis: Vozes.
3._______(1997) Educar pela pesquisa. 2a ed. Campinas: Autores Associados.
4.FREIRE, Paulo. (1995) A Sombra desta Mangueira. São Paulo: Olho d’água.
5._______ (1997) Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Cortez
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8.LIPMAN, Matthew.( 1990)A filosofia vai à escola. Trad. Maria Elice de B. Prestes e Lúcia S.
Kremer. São Paulo: Summus,
9._______ (1991) Thinking in education. USA: Cambrigde University Press.
10.Parâmetros curriculares nacionais. (1997) MEC/ Secretaria de Educação Fundamental. 10
Contatos:
Departamento de Filosofia –UFJF- (032) 3229-3107
―Pensando Bem ...‖ - (032) 3229-3123