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2ª Edição da Revista Eletrônica Virtú - Edição Especial Anais do III Simpósio de Formação de Professores de Juiz de Fora 2005 Artigos Publicados: INVESTIGAÇÃO DIALÓGICA UMA PEDAGOGIA PARA O ALUNO DO SÉCULO 21 Juarez Sofiste RESUMO: A Investigação dialógica é uma metodologia de criação de conhecimentos que nega substantivamente a aula falada, a transmissão do conhecimento e a memorização mecânica. Articulada a partir de dois eixos básicos, onde: o primeiro está relacionado à aquisição do conhecimento, às habilidades de aprender a conhecer e aprender a fazer. O segundo eixo está relacionado às habilidades de convivência e autoconhecimento, ou seja, do aprender a ser e do aprender a conviver. Palavras-chave: pedagogia, diálogo, investigação, competências RÉSUMÉ : L’investigation dialogique est une méthodologie que produit la connaissance et nie subjectivement la leçon parlée, la transmission orale, la mémoire mécanique. Deux principes sont à la base de cette recherche: le premier, connaître et faire; le second, être et convivre. Mots-clé: pedagogie, dialogue, recherche, competences. 1- INTRODUÇÃO Coordenamos desde 1995 o "Pensando bem..." - Núcleo de pesquisa em Filosofia e Educação- do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Juiz de Fora. Uma das atividades desenvolvidas pelo Núcleo é o Programa Pensar. Este é um programa de desenvolvimento de habilidades e competências de aquisição de conhecimento. Trata-se de uma é professor do Departamento de Filosofia da UFJF e coordenador do ―Pensando Bem ...‖ – Núcleo de Pesquisa em Filosofia e Educação.

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2ª Edição da Revista Eletrônica Virtú - Edição Especial

Anais do III Simpósio de Formação de Professores de Juiz de Fora

2005

Artigos Publicados:

INVESTIGAÇÃO DIALÓGICA

UMA PEDAGOGIA PARA O ALUNO DO SÉCULO 21

Juarez Sofiste

RESUMO:

A Investigação dialógica é uma metodologia de criação de conhecimentos que nega

substantivamente a aula falada, a transmissão do conhecimento e a memorização mecânica.

Articulada a partir de dois eixos básicos, onde: o primeiro está relacionado à aquisição do

conhecimento, às habilidades de aprender a conhecer e aprender a fazer. O segundo eixo está

relacionado às habilidades de convivência e autoconhecimento, ou seja, do aprender a ser e do

aprender a conviver.

Palavras-chave: pedagogia, diálogo, investigação, competências

RÉSUMÉ :

L’investigation dialogique est une méthodologie que produit la connaissance et nie

subjectivement la leçon parlée, la transmission orale, la mémoire mécanique. Deux principes sont

à la base de cette recherche: le premier, connaître et faire; le second, être et convivre.

Mots-clé: pedagogie, dialogue, recherche, competences.

1- INTRODUÇÃO

Coordenamos desde 1995 o "Pensando bem..." - Núcleo de pesquisa em Filosofia

e Educação- do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Juiz de Fora. Uma das

atividades desenvolvidas pelo Núcleo é o Programa Pensar. Este é um programa de

desenvolvimento de habilidades e competências de aquisição de conhecimento. Trata-se de uma

é professor do Departamento de Filosofia da UFJF e coordenador do ―Pensando Bem ...‖ – Núcleo de Pesquisa em

Filosofia e Educação.

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proposta pedagógica voltada para a formação do pensamento autônomo, para o desenvolvimento

de competências de convivência, de autoconhecimento e de habilidades cognoscitivas,

utilizando para tal uma metodologia fundamentada no diálogo e na investigação, denominada

por nós de INVESTIGAÇÃO DIALÓGICA

A urgência de construirmos uma educação fundamentalmente voltada para o

desenvolvimento de habilidades e capacidades, tal como a demanda o mundo de hoje e a

indicam a LDB, os PCNs e o Relatório Jacques Delors, não é tarefa fácil. Um trabalho em sala

de aula, por mais excelente e mais inovador que seja, não é capaz, por si só, de promover as

mudanças necessárias para a viabilizar uma educação que responda aos anseios e exigências do

novo momento histórico que estamos vivendo. O que estamos dizendo é que são vários os

desafios, como por exemplo: infra-estrutura adequada, capacitação e valorização dos

profissionais da educação, participação efetiva da comunidade na gestão da escola, continuidade

das políticas públicas, construção de uma pedagogia para o aluno do século 21.

Acreditamos, no entanto, que, diante dos diversos desafios enfrentados pelos

profissionais da educação, apostar num novo processo pedagógico pode melhorar e aprimorar a

prática educacional que temos. Estimamos que esse caminho pode ser um lugar de abertura de

perspectivas para a valorização, o reconhecimento e a dignificação desses profissionais.

2- EXIGÊNCIAS PARA EDUCAÇÃO

A construção de uma educação que responda aos desafios do atual momento

histórico, ultrapassa os meros limites de reformas localizadas. Está em questão a mudança da

cultura do que é fazer educação. Não se trata de mudar de lugar, mas de mudança na alma.

Concretamente estamos falando da urgência de superação da ―PEDAGOGIA DE ARMAZÉM‖.

Tal pedagogia se estrutura em três princípios. 1- A escola como a socializadora do

conhecimento, uma espécie de intermediária entre alguém que produz conhecimento e alguém

que o consome. 2- O professor é o balconista, alguém encarregado de intermediar o

conhecimento, que ele não produziu, mas que copiou de alguém. 3- O estudante é o

consumidor, também à imagem e semelhança do professor e da escola, não pensa, não produz,

apenas escuta aula, anota e faz prova. Pedagogia que se fundamenta e se estrutura no mero

ensino, como é ainda, segundo nossa leitura, regra geral entre nós.

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O nosso empreendimento é o de apontar uma proposição, a partir de Paulo Freire,

que contribua para a superação deste estado de coisas, com o qual que estamos convivendo. A

pedagogia de armazém é, no mínimo, uma catástrofe pedagógica. Além de não se fundamentar

do ponto de vista filosófico, antropológico e epistemológico ela é economicamente é

contraproducente.

Acreditamos, para além de todas as leituras possíveis, que a idéia de educação

veiculada na LDB (lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996), nos Parâmetros Curriculares

Nacionais e no Relatório para a UNESCO da comissão Internacional sobre Educação para

Século XXI, indica elementos significativos para construirmos uma nova educação.

A educação necessária e apontada nos documentos supracitados é a educação

entendida como desenvolvimento de capacidades e habilidades. Não se trata mais de ensinar

conteúdos, mas de desenvolver a capacidade de aprender1.

Em relação aos objetivos da educação infantil, estes são definidos em termos do

desenvolvimento das capacidades de ordem física, afetiva, cognitiva, ética, estética, de relação

interpessoal e inserção social2.

Em relação à educação fundamental, dos dez tópicos que explicitam os objetivos

de tal nível de educação destacamos apenas o último: que os alunos do ensino fundamental

sejam capazes de: questionar a realidade formulando-se problemas e tratando de resolvê-los,

utilizando para isso o pensamento lógico, a criatividade, a intuição, a capacidade de análise

crítica, selecionando procedimentos e verificando sua adequação3.

Em relação ao Ensino Médio, os Parâmetros Curriculares Nacionais entendem

que, na perspectiva da nova lei, este nível de ensino, como parte da educação escolar, deverá

vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social.4 Essa vinculação é orgânica e deve

contaminar toda a prática educativa escolar.

O que está em questão é a mudança mesmo dos objetivos do ensino médio. Há

uma clara prioridade na formação ética, no desenvolvimento da autonomia intelectual e do

pensamento crítico. É interessante a pergunta do próprio documento em questão: de que

competências se está falando? Ao que o documento responde:

1 LDB (Lei nº 9.394/96) art. 32, incisos I e III

2 Referencial curricular nacional para a educação infantil/ MEC vol. 1.p.63

3 PCNs : MEC Vol.1 p.56.

4 LDB (Lei nº 9.394/96) Art. 1º par. 2º.

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Da capacidade de abstração, do desenvolvimento do pensamento sistêmico, ao

contrário da compreensão parcial e fragmentada dos fenômenos, da criatividade, da

curiosidade, da capacidade de pensar múltiplas alternativas para a solução de um problema,

ou seja, do desenvolvimento do pensamento divergente, da capacidade de trabalhar em equipe,

da disposição para procurar e aceitar críticas, da disposição para o risco, do desenvolvimento

do pensamento crítico, do saber comunicar-se, da capacidade de buscar conhecimento.5

O Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o

século XXI diz que para a educação responder ao conjunto de suas missões, deverá organizar-se

em torno de quatro aprendizagens fundamentais que constituem os pilares da educação do séc.

XXI, que são: ―aprender a conhecer, isto é, adquirir os instrumentos da compreensão; aprender

a fazer, para poder agir sobre o meio envolvente; aprender a viver juntos, a fim de participar e

cooperar com os outros em todas as atividades humanas e aprender a ser, via essencial que

integra as três precedentes.

Mas, e os conteúdos? Os PCN’s propõem uma mudança de enfoque em relação

aos conteúdos curriculares: ao invés de um ensino em que o conteúdo seja visto como fim em si

mesmo, o que se propõe é um ensino em que o conteúdo seja visto como meio para que os

alunos desenvolvam as capacidades que lhes permitam produzir e usufruir dos bens culturais,

sociais e econômicos

Outro aspecto que consideramos de grande avanço em relação aos conteúdos é o

entendimento de que os mesmos não se reduzem aos conceitos, como ainda é regra geral entre

nós. Segundo os PCNs, os conteúdos são abordados em três grandes categorias: conteúdos

conceituais, que envolvem fatos e princípios; conteúdos procedimentais e conteúdos atitudinais,

que envolvem a abordagem de valores, normas e atitudes6.

Pressupomos que, indiscutivelmente, a pedagogia de armazém não responde

minimamente as exigências da educação como apontadas acima, e por outro lado, acreditamos

que construir uma educação que responda a tais exigências supõe mudanças substancias nas

concepções de objetivos, conteúdos, metodologias e avaliação educacionais.

3- PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA INVESTIGAÇÃO DIALÓGICA.

5 PCNs: ensino médio: parte I. MEC. P. 12

6 PCNs Vol. 1 p. 73-79)

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Diálogo e investigação são os referenciais teóricos fundamentais da pedagógica

que propomos. O diálogo é aqui entendido na perspectiva de Paulo Freire como se encontra no

cap. III da Pedagogia do Oprimido, enquanto conteúdo de significação ética e humanizadora,

portanto, lugar de gestação do humano e do mundo. O diálogo é, assim, a condição

fundamental para a verdadeira educação.7

Diálogo enquanto princípio pedagógico e metodológico, portanto, diferente de

mera conversa ou como indica Paulo Freire na Pedagogia da Esperança. O diálogo, na verdade,

não pode ser responsabilizado pelo uso distorcido que dele se faça. Por sua pura imitação ou

por sua caricatura. O diálogo não pode converter-se num “bate-papo” desobrigado que

marche ao gosto do acaso entre professor ou professora e educandos8.

Diálogo enquanto exigência epistemológica e não apenas enquanto um recurso

dentre outros para ser usado ou não na relação docente. Essa tese é largamente desenvolvida no

livro À Sombra desta Mangueira no tópico ―Dialogicidade‖. Por se tratar de exigência

epistemológica, o autor busca compreender o seu fundamento: A Dialogicidade não pode ser

compreendida como um instrumento usado pelo educador, às vezes, em coerência com sua

opção política. A dialogicidade é uma exigência da natureza humana e também um reclamo da

opção democrática do educador9.

A Investigação, como princípio pedagógico e metodológico, também é

entendida na perspectiva de Paulo Freire : só existe saber na invenção, na reinvento, na busca

inquieta, impaciente, permanente(...)10

. Investigação enquanto exigência fundamental para a

docência: fala-se hoje, com insistência, no professor pesquisador. No meu entender o que há de

pesquisador no professor não é uma qualidade ou uma forma de ser ou de atuar que se

acrescenta à de ensinar. Faz parte da natureza da prática docente a indagação, a busca, a

pesquisa. O de que se precisa é que, em sua formação permanente, o professor se perceba e se

assuma, porque professor, como pesquisador.11

Investigação como princípio pedagógico e metodológico significa a superação da

pedagogia de armazém, visto que, nesta perspectiva: O educador problematizador re-faz,

7 FREIRE, 1975. p. 98

8FREIRE, 1992 p. 118, nota 47

9 FREIRE, 1995 págs 74-82

10 FREIRE, 1997 p.32

11 FREIRE, 1997 p.32

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constantemente, seu ato cognoscente, na cognoscibilidade dos educandos. Estes, em lugar de

serem recipientes dóceis de depósitos, são agora investigadores críticos, em diálogo com o

educador, investigador crítico, também.12

É interessante observar que os termos Diálogo e Investigação várias vezes

aparecem juntos, formando o que denominamos de "Investigação Dialógica", como por

exemplo: " ... o objeto a ser conhecido não é de posse exclusiva de um dos sujeitos que fazem o

conhecimento, de uma das pessoas envolvidas no diálogo. No caso da educação, o

conhecimento do objeto a ser conhecido não é de posse exclusiva do professor, que concede o

conhecimento aos alunos num gesto benevolente, em vez dessa afetuosa dádiva de informação

aos estudantes, o objeto a ser conhecido medeia os dois sujeitos cognitivos, em outras palavras,

o objeto a ser conhecido é colocado na mesa entre os dois sujeitos do conhecimento. Eles se

encontram em torno dele e através dele para fazer uma investigação conjunta" (FREIRE. 1987

p. 124, veja também FREIRE 1975, p. 80 / FREIRE 1977, p.32.)

Diálogo e investigação enquanto referenciais teóricos pressupõem os seguintes

princípios:

FILOSÓFICO. Considerando a amplitude e as diversas perspectivas de

compreensão da filosofia; considerando a complexidade do processo educacional e a

consciência de que o aprofundamento do conhecimento é sempre possível e, que, portanto,

jamais poderemos estar satisfeitos com o conhecimento obtido no sentido da posse de uma

verdade definitiva; considerando que a realidade é dinâmica e que natureza e sociedade não

são entidades acabadas, mas em continua transformação, jamais estabelecidas definitivamente;

considerando que o conhecimento é resultado de uma interação constante entre os objetos a

conhecer e a ação dos sujeitos que procuram compreendê-los.

Tais pressupostos indicam a filosofia dialética13

como a perspectiva mais

propícia para atender aos objetivos aqui propostos, visto que, na dialética não se busca uma

verdade última, mas uma verdade ―crítica‖ ou seja, uma visão que não seja tão simples quanto a

precedente.

Numa perspectiva geral podemos apontar as seguintes características da dialética:

12

FREIRE, 1997 p.80 13

FREIRE, 1975 p.84

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- É sempre negação. Nega a pura abstração, nega as leis da lógica formal

(identidade, não contradição e terceiro excluído), visto que as hipóteses e os fatos que a lógica

permite analisar são abstraídos do conjunto concreto que os ultrapassa. Nenhum elemento é

idêntico para si mesmo do ponto de vista dialético.

- É crítica de todo conhecimento petrificado, mostra que todos os elementos do

mesmo conjunto condicionam-se reciprocamente numa identidade de graus intermediários entre

os termos opostos.

- É apreensão do conjunto das conexões internas das coisas, de seus aspectos

enquanto totalidade e unidade dos contrários. Portanto a dialética é busca, simultaneamente, dos

conjuntos e seus elementos constitutivos, é análise e síntese.

- É a tentativa de compreender a realidade mediante suas contradições. A

dinamicidade e transformação das coisas só é possível porque no seu próprio interior coexistem

forças opostas tendendo simultaneamente à unidade e à oposição.

Na abordagem dialética, a realidade não é um amontoado de objetos, de

fenômenos isolados e independentes, mas um todo unido, em que os objetos e fenômenos são

ligados entre si dependendo uns dos outros, e se condicionando reciprocamente. E também, por

se tratar de uma abordagem dialética, a realidade é entendida como um processo, portanto, a

síntese não é o termo final, mas já é em si mesma uma nova tese que pode ser negada e produzir

uma nova síntese. A novidade, o refinamento se dá quando uma nova tese não responde mais às

nossas expectativas e exigências da realidade atual.

ANTROPOLÓGICO- O nosso referencial antropológico é o dá inconclusão do

humano14

. Tal princípio parece apontar para algo que é próprio do humano: aprender. Estamos

condenados a aprender. Trabalhamos com o principio que a própria condição de humano se dá

mediante a aprendizagem e a aprendizagem se da nas relações com o outro.

Nesta perspectiva não podemos falar de uma natureza humana universal, dada a

priori. O humano é cultura, história, símbolo. Ao nascermos, abrimos possibilidades absolutas.

Quanto aos animais, por exemplo, tal perspectiva é parcial. Por exemplo. Cachorro é cachorro,

independente do conjunto de condições objetivas de sua circunstancialidade.

14

FREIRE, 2001 p. 55

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A humanização é um processo de abertura para o mundo. É o distanciamento, é o

espanto, é o perguntar, é o problematizar o mundo. É justamente nesta perspectiva que estamos

entendendo a aprendizagem. Portanto estamos falando de convergências entre

aprender/humanizar, aprender/dialogar, aprender/investigar..

EPISTEMOLÓGICO. Considerando que o prefixo dia indica divisão e

separação ( através de) e logoi (discurso, fala) , o diálogo supõe a presença de um entre

unificador e diversificador. Do ponto de vista epistemológico é a pergunta que irá possibilitar a

abertura deste espaço do entre. Portanto considerar o diálogo como princípio pedagógico

significa superar a lógica da afirmação, visto que a pergunta rompe as medidas de validade. Um

fazer educativo que se fundamenta em tais princípios pressupõe a investigação como condição

fundamental, uma vez que, nesta lógica da pergunta, em cada afirmação subjaz um momento de

questionabilidade.

Tal perspectiva indica a exigência ética da humildade epistemológica de que

minha verdade, porque é minha, não poderá arrogar-se a ser a verdade. Os participantes do

Diálogo ariscam-se ao espaço aberto do entre.

Não temos uma cultura acadêmica da humildade epistemológica e o que é pior,

temos sim a cultura da arrogância epistemológica. Por mais que interroguemos e questionemos

a relação docente, tanto mais nos convencemos, que em geral, trata-se de uma relação fundada

no grande equívoco da arrogância epistemológica. É a pedagogia que delega ao professor dizer

o que são as coisas, isto é, a verdade. Ao estudante é delegado responder a verdade, tal como

dita, sacralizada, pelo mestre.

PEDAGÓGICO- Etimologicamente a palavra educação provém fonética e

morfologicamente de educare (conduzir, guiar, orientar), e semanticamente contém o conceito

de educere (fazer sair, extrair, dar à luz)15

Acreditamos que este é o fundamento antropológico

de toda educação: No princípio era o nada, no sentido do não concluído, do não dado, do não

programado, ou no dizer de Paulo Freire, programado apenas para aprender. Daí ser a educação

um fazer sair, extrair, dar a luz, em primeiro lugar a própria condição de humano. O homem é

15

VILLA, 2000 p.234

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um ser biológico e é pela educação (cultura) que supera sua condição de primata16

. Portanto, a

educação é um processo de libertação, em primeiro lugar de nossa própria condição de ser

puramente biológico. É na relação com o outro que nos humanizamos, existir é coexistir.

Educar é possibilitar o humano. A experiência primeira do humano é com o

outro. Nesta perspectiva as relações intersubjetivas são educativas. É mediante a coexistência

que é possível instaurar o humano.

Mas, no caso específico, estamos tratando da educação formal, escolar. Para nós

sua identidade perpassa a racionalidade. Trata-se da educação enquanto uma ação intencionada.

Fofoca, conversa fiada, senso comum, argumentos de autoridade não valem.

Educar é possibilitar o humano. Considerando o princípio antropológico da

inconclusão, da abertura para o mundo, podemos afirmar que educação tem relação direta com

investigação. Pedagogia da resposta. A do saber pronto é, no mínimo, uma catástrofe

pedagógica. Trata-se de um processo de desumanização. Ou no dizer de Pedro Demo: Um

processo de emburrecimento17

.

Diálogo e investigação. Este é o caminho mais propício que indicamos para a

humanização do humano, isto é, para a educação. Portanto não estamos falando de aula. Aula,

tal como colocada pela tradição milenar fundamenta-se no falar do mestre e na cópia passiva do

estudante, é no mínimo um equívoco pedagógico.

4- PROCEDIMENTOS DA INVESTIGAÇÃO DIALÓGICA.

A Investigação Dialógica é um processo de desenvolvimento, usando a

linguagem do relatório para a UNESCO, de habilidades e competências articulado em dois eixos

básicos. O primeiro está relacionado à aquisição do conhecimento, às habilidades de aprender a

conhecer e aprender a fazer como, por exemplo, a capacidade de abstração, de raciocínio, de

inferência, de sistematização, de conceituação, de argumentação, da criatividade, da curiosidade,

da iniciativa, de observação, de analise, de reflexão, de pensar o todo, de projeção, de

planejamento etc. O segundo eixo está relacionado às habilidades de convivência e auto-

conhecimento, ou seja, do aprender a ser e do aprender a conviver. São exemplos desses tipos de

16

MORIM, 2000, p. 47 17

DEMO, 1977

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habilidades: relacionar-se com o diferente, criticar, trabalhar em equipe, saber ouvir, aceitar

críticas, autoestima, autocontrole, autonomia, autotelia etc.

Mas como viabilizar o desenvolvimento dessas habilidades e competências?

Certamente, não será, segundo Paulo Freire, dando aula de forma narrativa e dissertativa,ou seja,

com o professor dissertando sobre autoestima, raciocínio, argumentação, ou ainda, com o aluno

fazendo ―pesquisa‖ sobre tais temas, recortando jornais e revistas com pessoas felizes, bem

sucedidas etc.

Uma metodologia que propõe desenvolver capacidades e habilidades como as

indicadas acima se faz com um aluno sujeito do processo de aprendizagem, ou seja, é o aluno que

vai raciocinar, investigar, inferir, relacionar-se etc. Para tanto a Investigação Dialógica propõe

uma transformação radical nas concepções de conteúdo, de sala de aula, de professor e de aluno.

O conteúdo, nessa metodologia, não se reduz aos conceitos, ou seja, aos saberes

que o professor irá transmitir para o estudante mediante a aula falada. Os procedimentos e as

atitudes ganham uma relevância fundamental na Investigação Dialógica, uma vez que o seu

objetivo último é proporcionar aos educandos o desenvolvimento e aprimoramento de

habilidades e capacidade.

A sala de aula deverá mudar, primeiramente, a sua estrutura física. Ela não será

um ambiente circunscrito a quatro paredes com os alunos dispostos linearmente uns atrás dos

outros em frente a um quadro de giz. Ela deverá ser um ambiente que possibilite a investigação, o

diálogo, a construção coletiva de saberes.

O professor compartilhará saberes e experiências no sentido de auxiliar na criação

do conhecimento. Ele será, juntamente, com os seus alunos, um investigador, um companheiro de

percurso e não um intermediário de saberes já construídos e sedimentados. Enquanto membro do

grupo de investigação seus direitos e deveres são os mesmos de todos os participantes. Enquanto

coordenador sua tarefa consiste em zelar para o bom êxito da mesma.

Por outro lado, o papel do aluno deixará de ser o daquele indivíduo que escuta a

aula, anota as informações e faz prova. Ele será sujeito no processo de aprendizagem. Ele

planejará as ações para alcançar o conhecimento, executará e, ao final do processo, avaliará —

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juntamente com o professor — o quanto elas foram adequadas, o quanto elas responderam às

expectativas.

A investigação dialógica, portanto, não se propõe, como na aula falada pelo mestre

e copiada pelo educando, o mero ensino. Trata-se da criação de um ambiente, ou seja, a

transformação da sala de aula em sala de investigação. É o processo de investigação, mediante o

diálogo, que posssibilita o desenvolvimento das habilidades e competências.

5- SUGESTÃO GERAL PARA SE PLANEJAR UMA SESSÃO DE INVESTIGAÇÃO

DIALÓGICA.

Respeitadas as especificidades de cada nível de educação, propomos um

procedimento geral de planejamento de sessão de Investigação Dialógica. Com isso, estamos

dizendo que Investigação Dialógica pode ser aplicada em qualquer nível de educação e

independente de idade, classe social etc. Temos experiências positivas no desenvolvimento da

Investigação Dialógica na educação fundamental, média, cursos de graduação, pós-graduação, e

inclusive em ambientes fora da educação formal, como por exemplo, a terceira idade.

Comungamos com Paulo Freire de que não é possível pensarmos em conteúdos

universais, para além da geografia, história, cultura etc. Afirma o autor:

O que tenho dito sem cansar, e redito, é que não

podemos deixar de lado, desprezado como algo imprestável, o que

educandos, sejam crianças chegando à escola ou jovens e adultos a

centros de educação popular, trazem consigo de compreensão do

mundo, nas mais variadas dimensões de sua prática na prática

social de que fazem parte. Sua fala, sua forma de contar, de

calcular, seus saberes em torno do chamado outro mundo, sua

religiosidade, seus saberes em torno da saúde, do corpo, da

sexualidade, da vida, da morte, da força dos santos, dos conjuros.18

5.1 - ROTEIRO PARA ELABORAÇÃO DA SESSÃO DE INVESTIGAÇÃO DIALÓGICAF

18

FREIRE 1994, P. 85-86 F

Elaborado e proposto pelo "Pensando bem..." — Núcleo de Pesquisa em Filosofia e Educação do Departamento de

Filosofia da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora - MG)

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2

TÍTULO

É o nome dado à sessão de Investigação Dialógica em questão. Visa organizar o

material para futuras catalogações. Sugere-se que tenha relação com o recurso didático utilizado

para a incentivação.

TEMA

É o conceito, a noção, a idéia, o procedimento, a habilidade, a atitude que se

pretende trabalhar na sessão. Pode ser escolhido pelo coordenador no momento de preparação da

sessão, bem como pode ser sugerido por algum integrante da comunidade investigativa, ou ainda,

pode surgir de um episódio do cotidiano da comunidade.

OBJETIVOS

A Investigação Dialógica sempre terá como objetivo geral o desenvolvimento de

habilidades e capacidades cognoscitivas (de aquisição de conhecimento) mas, ela também terá

objetivos específicos relacionados com o desenvolvimento de conteúdos conceituais,

procedimentais e atitudinais; com as habilidades de aquisição de conhecimento (aprender a

conhecer e a fazer), de relacionamento (aprender a conviver) e de auto-conhecimento (aprender a

ser).

CONTEÚDOS

São os conceitos, procedimentos e atitudes a serem trabalhadas. Todos os

possíveis conteúdos a devem estar relacionados neste item. Nada mais são do que a relação das

habilidades e capacidades que se pretende desenvolver.

Exemplos

Conteúdos conceituais: Identidade, liberdade, outro etc.

Conteúdos procedimentais: Ouvir, falar, registrar etc.

Conteúdos atitudinais: Atenção, respeito, abertura etc.

RECURSOS DIDÁTICOS

São os materiais utilizados para a preparação e execução da Investigação

Dialógica. Englobam desde a bibliografia até o papel e o pincel utilizado na sessão.

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PROCEDIMENTOS DIDÁTICOS

São os procedimentos utilizados no desenvolvimento da sessão. Em todas as

etapas, desde a introdução até a avaliação, são utilizados procedimentos específicos de

incentivação, de desenvolvimento, de avaliação da sessão.

Ex.: narração de história, exposição oral, diálogo, jogo etc.

INTRODUÇÃO

Esta etapa começa com a apresentação e/ou delimitação dos objetivos da

Investigação Dialógica. O seu maior objetivo é incentivar a comunidade para a Investigação

Dialógica. É o momento da incentivação inicial. Pode ser feito com a apresentação de um

conceito, noção ou idéia, mas também através de um recurso ou procedimento didático (uma tela,

uma música, uma narração, uma encenação, um jogo, uma dinâmica, um texto em geral).

DESENVOLVIMENTO

Esta etapa está diretamente relacionada com a incentivação — não poderia ser

diferente — e, portanto é dependente dela. Compreende a delimitação do tema e o diálogo

investigativo.

A delimitação do tema pode ocorrer através da listagem dos temas passíveis de

serem investigados e da eleição de um deles; ou através da sugestão por parte do coordenador ou

de algum integrante da comunidade; ou ainda, "condicionado" por um momento que a

comunidade está vivenciando, ou por um fato histórico etc.

Em seguida processa-se o diálogo investigativo fundamentado na apresentação e

defesa de idéias, noções, conceitos dentro dos limites e possibilidades da racionalidade filosófica,

ou seja, a coerência, coesão e sistematização do conhecimento.

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FIXAÇÃO

Objetiva "fixar" o conteúdo investigado durante a sessão. Esta atividade deverá

utilizar procedimentos e recursos didáticos diferentes dos já utilizados nas etapas anteriores. É

um momento de revisão, de reflexão e de retomada do que foi produzido no diálogo

investigativo. Na Investigação Dialógica, portanto, não existe um ponto final, um resumo, uma

conclusão, uma moral da história.

AVALIAÇÃO DA SESSÃO

Esta etapa visa avaliar o desenvolvimento da sessão em relação aos objetivos

propostos, ou seja, o desenvolvimento das habilidades e capacidades cognoscitivas. É uma etapa

essencial no processo pedagógico. Os princípios que fundamentam esse momento são os mesmos

da Investigação Dialógica, ou seja, o momento da avaliação é também um momento de diálogo

investigativo.

6- OBSERVAÇÕES FINAIS

Além dos aspectos pedagógicos da Investigação Dialógica destacamos, também, a

sua dimensão social, dimensão esta que é indicada pela UNESCO como um dos instrumentos

essências para a educação do século XXI, conforme a afirmação:

... os métodos de ensino não devem ir contra este

reconhecimento do outro. Os professores que, por dogmatismo,

matam a curiosidade ou o espírito crítico dos seus alunos, em vez

de os desenvolver, podem ser mais prejudiciais do que úteis.

Esquecendo que funcionam como modelos, com esta atitude

arriscam-se a enfraquecer por toda a vida nos alunos a capacidade

de abertura à alteridade e de enfrentar as inevitáveis tensões entre

pessoas, grupos e nações. O confronto através do diálogo e da

troca de argumentos é um dos instrumentos indispensáveis à

educação do século XXI”.19

(grifo nosso)

19

DELORS, Jacques. Educação um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: MEC: UNESCO,.

(Relatório para a UNESCO da comissão Internacional Sobre Educação para o Século XXI) 2001, p 98

Page 15: 2ª Edição da Revista Eletrônica Virtú Edição Especial§ão-Dialógica-uma... · 1- A escola como a socializadora do conhecimento, uma espécie de intermediária entre alguém

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O que estamos dizendo é que a Investigação Dialógica tem um alto valor social,

atende às indicações da UNESCO e, ainda mais, o método promove e desenvolve tais princípios,

visto que, a essência mesma do método é a construção do conhecimento através da colaboração,

intercâmbio e confronto de idéias, reflexões, pontos de vistas, argumentos. Na investigação

dialógica o estudante é, portanto, co-autor do conhecimento construído e tem consciência disso.

7- BIBLIOGRAFIA

1.DELORS, Jacques. (2001) Educação um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez; Brasília, DF:

MEC: UNESCO,. (Relatório para a UNESCO da comissão Internacional Sobre

Educação para o Século XXI)

2.DEMO, Pedro. (1993) Desafios modernos da educação. Petrópolis: Vozes.

3._______(1997) Educar pela pesquisa. 2a ed. Campinas: Autores Associados.

4.FREIRE, Paulo. (1995) A Sombra desta Mangueira. São Paulo: Olho d’água.

5._______ (1997) Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Cortez

6._______ (1992) Pedagogia da esperança. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

7._______ (1975) Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

8.LIPMAN, Matthew.( 1990)A filosofia vai à escola. Trad. Maria Elice de B. Prestes e Lúcia S.

Kremer. São Paulo: Summus,

9._______ (1991) Thinking in education. USA: Cambrigde University Press.

10.Parâmetros curriculares nacionais. (1997) MEC/ Secretaria de Educação Fundamental. 10

Contatos:

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―Pensando Bem ...‖ - (032) 3229-3123

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