254 eduardo rozetti de carvalho 2007

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    EDUARDO ROZETTI DE CARVALHO

    A LUTA PELA TERRA NA REGIÃO DO TRIÂNGULO

    MINEIRO/ALTO PARANAÍBA: da criação dos movimentos

    socioterritoriais aos assentamentos rurais (1995 – 2005)

    Uberlândia-MG

    2007

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    EDUARDO ROZETTI DE CARVALHO

    A LUTA PELA TERRA NA REGIÃO DO TRIÂNGULO

    MINEIRO/ALTO PARANAÍBA: da criação dos movimentos

    socioterritoriais aos assentamentos rurais (1995 – 2005)

    Monografia apresentada ao Instituto de Geografia,da Universidade Federal de Uberlândia, comorequisito para obtenção da titulação de Bacharel emGeografia.

    Orientador: Prof. Dr. João Cleps Junior

    Uberlândia-MG

    2007

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    BANCA EXAMINADORA

     ___________________________________________________

    Prof. Dr. João Cleps Junior(orientador)

     ___________________________________________________

    Prof. Dr. Vicente de Paulo da Silva

     ___________________________________________________

    Prof. Me. Joelma Cristina dos Santos

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    AGRADECIMENTOS

    Agradeço a todos aqueles que contribuíram para a realização desta pesquisa, em

    especial:

    Ao meu orientador, professor João Cleps Junior, por este e todos os trabalhos que

    realizamos juntos, marcados por uma relação de confiança e amizade. Grande responsável

     pelos caminhos que trilho, o meu sincero e profundo muito obrigado.

    Às professoras Vera Lúcia Salazar Pessoa e Geisa Daise Gumiero Cleps, pela

    convivência cotidiana, sempre agradável e enriquecedora.

    Aos companheiros do Laboratório de Geografia Agrária: Paulo Roberto, Marcelo

    Chelotti, Joelma, Marcelo Venâncio, Alisson, Gilberta, Lucimeire, Carla, Renata, Camilla,

    Andrêza, entre outros.

    Aos verdadeiros amigos da Graduação: Mirna Karla, Ana Luiza, Kárita, Carla, Aline,

    Bia, Tatiana e Baltazar.

    Aos grandes amigos de minha vida: Gisele, Pedro (Neto), Cássio, Lucas, Willian,

    Gilson, Aparecida.

    Aos meus pais, João Bosco e Antônia, e a minha irmã Fernanda. Pela feliz

    oportunidade de compartilharmos todos os momentos de alegria e tristeza.

    À Patrícia, amiga e companheira. Pela presença em todos os momentos. Pelo apoio e

     pelo carinho, todo o meu amor.

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    RESUMO

    Esse trabalho apresenta o desenvolvimento da luta pela terra na mesorregião do TriânguloMineiro/Alto Paranaíba. Assim, o objetivo desse estudo é traçar um perfil sobre odesenvolvimento quantitativo e espacial de 11 anos da luta pela terra nessa região, levantandofatores que são preponderantes para essa ação. Dos quais se destacam: a evolução da questãoagrária no país, a influência do processo de modernização do campo e os movimentossocioterritoriais que compõem essas ações. A metodologia utilizada foi principalmente delevantamento bibliográfico e de dados estatísticos secundários, de instituições que coletam asinformações sobre a luta pela terra, em especial o Projeto DATALUTA/MG, que realiza olevantamento das ocupações, movimentos e assentamentos criados em Minas Gerais. Com o

    trabalho foi possível traçar a evolução da problemática da questão agrária, os fatores queexpropriaram o homem do campo, a criação de movimentos de luta por uma re-inserção docamponês ao campo e a dinâmica territorial das ocupações de terras e de assentamentosoficializados.

    Palavras-chave: questão agrária, movimentos socioterritoriais, ocupações, assentamentos,Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba.

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    LISTA DE FIGURAS

    Mapa 1 - Mesorregiões de Minas Gerais - IBGE, 2006 ..........................................

    Mapa 2 - Mesorregião geografia do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, 2007 .......

    Mapa 3 - Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba: espacialização da atuação dos

    movimentos socioterritoriais no período de 2001 a 2005 ........................

    Gráfico 1 - Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba: acumulado anual das ocupações de

    terras no período de 1995 a 2005 .............................................................

    Mapa 4 - Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba: municípios com ocupações de terras

    no período de 1995 a 2005 .......................................................................

    Gráfico 2 - Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba: acumulado anual dos assentamentos

    criados no período de 1995 a 2005 ..........................................................

    Mapa 5 - Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba: municípios com criados no período

    de 1995 a 2005 .........................................................................................

    Mapa 6 - Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba: correlação entre os assentamentos

    rurais e as ocupações de terras no período de 1995 a 2005 .....................

    Gráfico 3 - Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba: famílias nas ocupações e

    assentamentos criados no período de 1995 a 2005 ..................................

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    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 - Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba: as ocupações de terras no período

    de 1995 a 2005 .........................................................................................

    Tabela 2 - Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba: assentamentos rurais criados no

     período de 1995 a 2005 ............................................................................

    Tabela 3 - Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba: Acumulado de Ocupações,

    Assentamentos e Famílias no período de 1995 a 2005 ............................

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    LISTA DE SIGLAS

    APR - Animação Pastoral e Social no Meio Rural

    CAI - Complexos Agroindustriais

    CCL - Caminho, Campo e Liberdade

    CLST - Confederação de Libertação dos Sem Terra

    CONTAG - Confederação dos Trabalhadores na Agricultura

    CPT - Comissão Pastoral da Terra

    DATALUTA - Banco de Dados da Luta pela Terra

    FETAEMG - Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de MinasGerais

    FHC - Fernando Henrique Cardoso

    FST - Federação dos Sem Terra

    GO - Goiás

    IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

    IBRA - Instituto Brasileiro de Reforma Agrária

    IG - Instituto de Geografia

    INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

    INDA - Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário

    LAGEA - Laboratório de Geografia Agrária

    LCP - Liga dos Camponeses Pobres

    LCPCO - Liga dos Camponeses Pobres do Centro Oeste

    MASTER - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra

    MDA - Ministério do Desenvolvimento Agrário

    MDST - Movimento Democrático dos Sem-Terra

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    MG - Minas Gerais

    MIRAD - Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário

    MLS - Movimento de Luta Socialista

    MLST - Movimento de Libertação dos Sem Terra

    MLSTL - Movimento de Libertação dos Sem Terra de Luta

    MLT - Movimento de Luta pela Terra

    MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

    MT - Movimento dos Trabalhadores

    MTL - Movimento Terra, Trabalho e Liberdade

    MTR - Movimento dos Trabalhadores Rurais

     NERA - Núcleos de Estudos, Pesquisa e Projetos de Reforma Agrária

    PADAP - Programa de Assentamento Dirigido do Alto Paranaíba

    PCB - Partido Comunista Brasileiro

    PCI - Programa de Crédito Integrado e Incorporação dos Cerrados

    PIN - Programa de Integração Nacional

    PND - Política Nacional de Desenvolvimento

    PNRA - Plano Nacional de Reforma Agrária

    POLAMAZÔNIA - Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia

    POLOCENTRO - Programa de Desenvolvimento dos CerradosPOLONORDESTE - Programa de Desenvolvimento de Áreas Integradas do Nordeste

    PRODECER - Programa de Cooperação Nipo-Brasileira para o Desenvolvimentodos Cerrados

    PROGER RURAL - Programa de Geração de Emprego e Renda Rural

    PRONAF - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar

    PROTERRA - Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo àAgroindústria do Norte e Nordeste

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    PROVALE - Programa Especial para o Vale do São Francisco

    PT - Partido dos Trabalhadores

    PTB - Partido Trabalhista Brasileiro

    SP - São Paulo

    STR - Sindicato dos Trabalhadores Rurais

    TDA - Títulos da Dívida Agrária

    UFU - Universidade Federal de Uberlândia

    UNESP - Universidade Estadual Paulista

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    SUMÁRIO

    INTRODUÇÃO ...................................................................................................................

    CAPÍTULO 1 - A QUESTÃO AGRÁRIA NO BRASIL ...................................................

    1.1 - A formação da propriedade privada da terra no Brasil .......................................

    1.2 - A evolução da questão agrária – da Primeira República a 1980 ........................

    1.3 - As questões agrária e agrícola a partir dos anos 1980 ........................................

    1.4 - Os governos democráticos do pós-regime militar e a reforma agrária ...............

    1.5 - A reforma agrária no governo FHC ....................................................................

    1.6 - A reforma agrária no governo Lula ....................................................................

    CAPÍTULO 2 - O PROCESSO DE MODERNIZAÇÃO DO CAMPO E OS

    MOVIMENTOS DE LUTA PELA TERRA NO TRIÂNGULO MINEIRO/ALTO

    PARANAÍBA ......................................................................................................................

    2.1 - O desenvolvimento agrário do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba ....................

    2.3 - O processo de modernização do setor agrícola ..................................................

    2.4 - A formação dos movimentos socioterritorias no Triângulo Mineiro/Alto

    Paranaíba ....................................................................................................................

    2.4.1 - A CONTAG e FETAEMG ..............................................................................

    2.4.2 - O MST .............................................................................................................

    2.4.3 - O MTL e o MLSTL .........................................................................................

    2.4.4 - O CCL, CLST, MTR, LCPCO e FST .............................................................

    2.5 - Os principais marcos de lutas pela terra no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba.

    2.5.1 - Fazenda Barreiro .............................................................................................

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    2.5.2 - Fazenda Santo Inácio-Ranchinho ...................................................................

    CAPÍTULO 3 - A LUTA PELA TERRA NO TRIÂNGULO MINEIRO/ALTO

    PARANAÍBA DE 1995 A 2005 .........................................................................................

    3.1 - Discussão sobre a ocupação e os assentamentos rurais ......................................

    3.1.1 - A ocupação como forma de acesso à terra ......................................................

    3.1.2 - Assentamentos rurais: fim de uma luta, mas, início de uma nova batalha.......

    3.2 - As ocupações de terras e os assentamentos criados de 1995-2005 no

    Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba .............................................................................

    3.2.1 - As ocupações de terras no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba de 1995-2005..

    3.2.2 - Os assentamentos criados no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba de 1995-

    2005 ............................................................................................................................

    3.2.3 - As relações entre as ocupações de terras os assentamentos criados pelo

    INCRA .......................................................................................................................

    CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................

    REFERENCIAS ..................................................................................................................

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    INTRODUÇÃO

    A proposta deste estudo é analisar a realidade e o processo histórico-social do

    desenvolvimento da luta pela terra na mesorregião do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba,

    valendo-se para tanto, da fundamentação teórica, de informações e dados estatísticos no que

    se refere às ocupações de terras e assentamentos oficializados no período de uma década,

    1995 a 2005.

    Como base teórica do estudo apresenta-se a configuração da questão agrária que norteia

    ainda hoje a dinâmica dos movimentos de luta pela terra, bem como, a relação do processo de

    modernização do campo, fatores primordiais para entender esses movimentos socioterritoriais.

    Para fundamentar esse estudo, buscamos conhecimentos específicos sobre a evolução

    em diferentes períodos da questão agrária e da Reforma Agrária até o atual governo - 2007,

    como se deu o desenvolvimento agrário na região de estudo, o processo de modernização

    agrícola, a formação dos movimentos socioterritoriais, os principais marcos da luta pela terra

    e de que forma se desenvolveu espacialmente a territorialização das ocupações de terras e

    assentamentos criados.

    Um dos fatores mais relevantes deste trabalho é contribuir para compreensão da luta

     pela terra no Estado de Minas Gerais, na medida em que este estudo poderá subsidiar,

    atualizar e adequar a intervenção realizada através de políticas públicas, na questão da luta pela terra e o desenvolvimento de assentamentos rurais na área de estudo. O trabalho tem a

     pretensão ainda, de levar à comunidade acadêmica, dados históricos, sociais e de relações de

    conflito de uma região que concentra a atuação de vários movimentos de luta pela terra.

    A Mesorregião do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, universo desta pesquisa, é

    constituída de 66 municípios (IBGE, 2006), possuindo importante papel no desenvolvimento

    econômico e social de Minas Gerais, conta com localização geográfica privilegiada no interior

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    do Brasil e de maior expansão econômico-financeira e agroindustriais em expansão do País,

    entre os estados de São Paulo, Goiás e Mato Grosso do Sul.

    Essa área foi escolhida pelo seu histórico de modernização da agricultura, que

    expropriou o camponês local devido a implantação do agronegócio e a concentração

    fundiária, apresentando recentemente grande número de ocupações de terras desenvolvidas

     pelos movimentos socioterritoriais.

    Em geral, esse trabalho foi construído mediante cinco premissas fundamentais,

    caracterizadas principalmente, primeiro, pela existência de poucos trabalhos sobre a questão

    agrária na área de pesquisa, não sendo desenvolvidas pesquisas que analisem a geografia dos

    conflitos no campo na mesorregião do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba.

    Em segundo, a falta de atualização e sistematização de informações sobre os conflitos

    no campo, notadamente no que diz respeito à catalogação das ocupações, assentamentos e

    movimentos socioterritorias que atuam e atuaram na região de estudo. Em terceiro, pelo

    entendimento das causas pelas quais a região de estudo concentra uma elevada quantidade de

    conflitos e ocupações de terras.

    Em quarto, as dúvidas se a luta pela terra está sendo um instrumento importante de

    acesso à terra na região, dadas as condições atuais vigentes no campo brasileiro. Em quinto, e

     por fim, entender como está estruturada a dinâmica territorial dos conflitos no campo,

    relacionando esse processo aos movimentos existentes na região.Metodologicamente o trabalho foi estruturado, inicialmente com o levantamento dos

    dados sobre as ocupações de terras no período de 1995-2005 e os movimentos socioterritoriais

    após 2001. Este período se refere ao único momento em que é iniciada a catalogação das

    ocupações por movimentos. No levantamento de dados foi realizada a sistematização de

    dados disponíveis junto ao Laboratório de Geografia Agrária – LAGEA/UFU e o Núcleo de

    Estudos, Pesquisa e Projetos de Reforma Agrária – NERA/UNESP, que desenvolvem a

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     pesquisa “Territorialização da Luta pela Terra em Minas Gerais: projeto DATALUTA”,

    catalogam e analisam as ocupações de terras, movimentos socioterritoriais e assentamentos

    nos estados brasileiros.

    Em seguida foi feito o tratamento dos dados, que possibilitou a construção de tabelas,

    quadros e gráficos, através do software de correlação de dados como o Excel. Como também,

    elaboração de mapas de localização das áreas de conflitos no campo e das ocupações de terras

    e assentamentos criados de 1995 a 2005, através de softwares de Sistema de Informação

    Geográfica como Arcview e Philcarto.

    Durante a pesquisa foram feitos também, levantamentos de referenciais bibliográficos,

     bem como discussão de textos e livros que possibilitaram a compreensão da estrutura que

    norteia a questão agrária na região e os conflitos no campo.

    Para a finalização da pesquisa, foi feito uma análise e inter-relação, dos métodos

    utilizados, com a análise dos dados trabalhados em gráficos, tabelas e mapas, e dos

    levantamentos bibliográficos realizados, assim como das discussões que foram feitas, para

    interagir os parâmetros quantitativos e os qualitativos presentes na pesquisa.

    Para uma exploração do tema proposto nesta pesquisa, organizamos a estrutura

    expositiva desta monografia em três capítulos. No primeiro capítulo é realizada uma revisão

    teórica sobre a questão agrária no Brasil, desde a evolução da propriedade de terras até as

     políticas recentes relacionadas a Reforma Agrária. No segundo capítulo é discutido o processo de modernização do campo, relacionando-o

    ao desenvolvimento agrário local, bem como o histórico de formação dos movimentos sociais

    de luta pela terra, considerado como principal marco da luta pela Reforma Agrária no

    Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba.

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     No terceiro capítulo são discutidos os dados sobre os conflitos no campo na última

    década, 1995-2005, na região, onde são sistematizadas e analisadas as ocupações de terras e

    os assentamentos criados na região, bem como as relações entre esses dois processos.

    Por meio do estudo, procuramos explicar a realidade estudada com o respaldo teórico,

    visto que este serviu para orientar e fundamentar o caminho da pesquisa, associando-se aos

    dados e informações dos movimentos socioterritoriais coletadas pela pesquisa DATALUTA.

    Esperamos que o estudo aqui desenvolvido venha a somar-se a outros produzidos sobre

    a temática abordada, servindo também para a abertura de novos caminhos para outras

     pesquisas.

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    CAPÍTULO 1

    A QUESTÃO AGRÁRIA NO BRASIL

    A proposta deste item é apresentar um histórico da questão agrária brasileira com base

    em fontes bibliográficas e documentais. O mesmo procura refletir sobre a formação e o

    desenvolvimento da propriedade privada da terra e sobre o processo de territorialização do

    capital no campo.

    Buscamos elaborar um resgate das formas de resistência camponesa, apontando

    algumas principais manifestações de construção da sua organização, refletindo sobre os

    avanços da luta pela terra no país até o governo atual.

    1.1 – A formação da propriedade privada da terra no Brasil

    Até a chegada do europeu colonizador ao Brasil, a estrutura do território brasileiro era

    composta por cerca de cinco milhões de indígenas, distribuídos em mais de duzentos povos,

    que utilizavam a terra com caráter coletivo.

    Conforme a Coroa Portuguesa se apropriou das terras brasileiras, a forma de

    distribuição destas áreas consistiu na concessão de uso para aqueles que se dispusessem aexplorá-la, com a prerrogativa de que os mesmos tivessem recursos e condições para isso.

    A Coroa então destinava enormes extensões de terra, as sesmarias, a donatários que, em

    sua quase totalidade, eram membros da nobreza portuguesa ou prestadores de serviço à Coroa.

    Assim, a estrutura fundiária do país inicia-se sob condições de grande propriedade rural, no

    caso, o latifúndio.

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    Celso Furtado destaca que a formação da estrutura agrária brasileira atual iniciou-se em

    decorrência do seu tipo de colonização, ligado ao capitalismo comercial, “o Brasil é o único

     país das Américas criado, desde o início, pelo capitalismo comercial sob a forma de empresa

    agrícola” (FURTADO, 1973, p.93).

     No que concerne ao problema de mão-de-obra na Colônia, o mesmo foi parcialmente

    “resolvido” por uns cem anos, pelo menos, com a escravização de indígenas. Porém, em

    decorrência da resistência indígena à escravização, esta foi sendo substituída, especialmente a

     partir do século XVII, pela escravização de africanos. Agregada a esse processo, temos a

    dizimação da maior parte dos grupos indígenas.

    Por volta de 1598, em torno de quinze mil africanos trabalhavam nas fazendas de cana-

    de-açúcar. Conforme o quadro instaurado de que todos estes que chegavam ao Brasil tornar-

    se-iam escravos, grande parte dos mesmos criou resistências, através da construção de

    quilombos, criados por escravos fugidos das senzalas.

    A Coroa Brasileira, com a Independência no ano de 1822, passou a ter o domínio da

    enorme extensão de terras colonizadas por Portugal. Já em 1831, com a abdicação de Pedro I,

    o Brasil ficou sob o governo de uma Regência, até 1840, com a coroação de Pedro II. Foi um

    momento de grande agitação social e política, em que estavam em exercício as idéias liberais,

    marcado por intensas revoltas populares como a Cabanagem, a Sabinada e a Balaiada.

    Entre 1840 e 1889, sob o reinado de Pedro II, houve uma relativa estabilidade políticano país. Foi nesse período que a Coroa determinou a primeira legislação que tratava do

     processo de posse da terra, assegurando, no entanto, um acesso restrito a esse processo e a

    conseqüente permanência dos escravos libertos e dos pobres como trabalhadores das

    fazendas.

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    A primeira Lei de Terras (lei 601) foi promulgada por dom Pedro II, em 18 de setembro

    de 1850. Essa lei determinava que a propriedade privada da terra só se constituiria através da

    sua legalização nos cartórios, mediante certo pagamento em dinheiro para a Coroa.

    Com a lei institucionaliza-se a propriedade privada da terra no Brasil, de forma a

    garantir a permanência e a consolidação legal da concentração fundiária, uma vez que aqueles

    que tinham recebido as sesmarias regularizaram suas posses, assegurando a continuidade de

    seu domínio, enquanto os escravos libertos e os pobres, sem recursos para a regularização de

    terras, permaneceram sem a oficialização de posse de seu principal meio de trabalho.

    Tivemos nesse período, então, uma forte migração dos ex-escravos para as grandes

    cidades e que passaram a viver em precárias situações de vida em subemprego ou de

    mendicância, consolidando o latifúndio como estrutura básica de distribuição de terras.

    Em 1888, com a Lei Áurea, que regulamentava a abolição da escravatura, o governo

    imperial criou as bases para a substituição da mão-de-obra escrava pela dos imigrantes

    europeus, através dos processos de formação de núcleos de colonização implementados nesse

     período, com o intuito de resolver o problema da mão-de-obra.

    O fim da escravidão, de acordo com Furtado (1973), não alterou significativamente as

     bases da empresa agromercantil e a situação submissa das comunidades camponesas, uma vez

    que,

    no caso brasileiro, a propriedade da terra foi utilizada para formar e moldar um certotipo de comunidade, que já nasce tutelada e a serviço dos objetivos da empresaagromercantil. A formação dessas comunidades tuteladas preparou a empresaagromercantil para prescindir da escravidão. (FURTADO, 1973, p.102).

    Com a instituição do trabalho livre, foi determinada uma outra relação social: a venda

    da força de trabalho.

    De acordo com Martins, “esse processo revelou também a contradição que separava os

    exploradores dos explorados. Sendo a terra a mediação desse antagonismo, em torno dela

     passa a girar o confronto e o conflito de fazendeiros e camponeses” (MARTINS, 1981, p.36).

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    Como destaca Fernandes,

    estabeleceu-se um intenso processo de grilagem de terras e uma expropriação cadavez mais intensa daqueles que trabalhavam a terra, que passam a tornar-se “sem-terra”. Consolidam-se os latifúndios, sob a base legal da propriedade privada daterra. Dessa forma, dá-se, em grande medida, o processo de territorialização da propriedade capitalista no Brasil (FERNANDES, 2000).

     No decorrer do século XIX, o país passou por momentos significativos de sua história,

    sem qualquer alteração substantiva na estrutura agrária.

    Em 15 de novembro de 1889, a proclamação da República representou o primeiro golpe

    militar da nossa história, que, além de oficiais do Exército, contou com os grandes

    cafeicultores paulistas.

    1.2 – A evolução da questão agrária — da primeira República a 1980

    A primeira República foi caracterizada por uma forte dominação da oligarquia cafeeira,

     pelo aumento da área agrícola trabalhada e pelo fortalecimento da força de trabalho imigrante

    na terra. Porém, a estrutura agrária manteve-se estática.

    Vários conflitos no campo foram travados nesse período, como o banditismo. Todavia,

    as lutas pela terra propriamente ditas, situadas especificamente entre o período da

     proclamação da República e 1930, apresentavam um caráter marcadamente messiânico.

    O misticismo e o isolamento em relação ao mundo urbano, através da criação de seus

    territórios sagrados, eram características desses movimentos.

    Os movimentos mais importantes desse período, que envolveram milhares de

    camponeses e somente foram derrotados pela brutal repressão das tropas federais, como em

    Canudos e o Contestado, foram liderados, respectivamente, por Antônio Conselheiro e pelo

    monge José Maria.

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    Alguns anos mais tarde, o Tenentismo, também, se constituiu como um movimento

    importante, que levantou a questão da concentração fundiária, ainda que de forma não muito

    definida, e tinha como liderança Miguel Costa.

    O anarquismo, por sua vez, chegou ao Brasil com os imigrantes europeus,

     principalmente italianos. Sua ideologia era de uma sociedade igualitária, da propriedade

    coletiva e da supressão do Estado e das instituições repressoras. Suas federações comandaram

    as grandes greves operárias de 1917 a 1919.

    O modelo agroexportador, implementado a partir do início do século XX, desencadeou

    no país uma crise resultante da sua incapacidade de sustentar o desenvolvimento brasileiro.

    A crise resultou na chamada revolução de 30, que implementou um novo modelo

    econômico baseado na industrialização do país: liderada por Getúlio Vargas, a “revolução de

    30” dá um impulso ao processo de industrialização, introduz a legislação trabalhista e dá ao

    Estado um papel proeminente no processo econômico, mas não interfere na ordem agrária.

    Com o fim da era getulista e frente ao processo de redemocratização do país, a

    elaboração da nova Constituição, em 1946, garante à questão agrária uma ênfase cada vez

    maior. Pois só assim se falou pela primeira vez da necessidade da reforma agrária no Brasil.

    A ausência de uma política de distribuição de terras gerava fortes conflitos sociais, além

    da intensificação dos movimentos migratórios de camponeses pobres habitantes de regiões

    muito povoadas que, impedidos de ter acesso à terra em suas regiões, migravam para regiõesde colonização, ocupando-as como posseiros, na esperança de terem no futuro a sua

     propriedade.

    Disseminam-se, assim, também os conflitos, muitos deles violentos, envolvendo

     posseiros e grileiros — que são aqueles que falsificam títulos de propriedade nos cartórios e

    se atribuem o direito à propriedade da terra.

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    Surgem, entre a década de 1930 e meados da década de 1950, lutas radicais pela terra,

    mas de forma predominantemente espontânea e localizada, ou seja, enquanto eventos

    relativamente isolados. Somente a partir da década de 1950 surgem, no Brasil, lutas mais

    abrangentes, com forte caráter ideológico e de alcance nacional.

    Juntamente com o debate sobre a reforma agrária, surgem novas formas de organização

    camponesa sob a forma das ligas camponesas, dos sindicatos e das várias mobilizações

     baseadas, especificamente, na questão da terra e da exploração do homem do campo.

    O processo de modernização da agricultura brasileira inicia-se em 1950, com o

    desenvolvimento intensivo do capitalismo no campo. Nesse mesmo momento, o debate político e

    acadêmico se fortalecia, e o movimento camponês expressava suas lutas em todo o território

    nacional.

     Nesse período, com o crescimento do mercado interno e da industrialização, ocorre uma

    reestruturação econômica, levando, em contrapartida, a um amplo processo de expropriações

    e expulsões.

    As ligas camponesas constituíram um amplo processo de mobilização e resistência

    organizada dos camponeses, que trouxe à tona a discussão da questão agrária e da reforma

    agrária em todo o país.

    Partidos políticos e entidades como o Partido Comunista Brasileiro (PCB) e a igreja

    católica, também, estiveram efetivamente organizados entre os trabalhadores rurais a partir de1950 e 1960.

    Outro movimento importante no período foi o Movimento dos Trabalhadores Rurais

    Sem-terra (MASTER), no Rio Grande do Sul, entre os anos de 1960 e 1964. Nasceu de lutas pela

    terra no estado, através de lideranças envolvidas na luta pela reforma agrária, sobretudo ligadas

    ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).

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    O MASTER, ainda que influenciado pelas ligas, tinha uma proposta de reforma agrária

    diferente, “a diferença básica era que as ligas propunham a reforma agrária através da luta

    revolucionária, enquanto o MASTER queria fazê-la de forma pacífica através de formas legais

    de luta e organização” (POLI, 1999, p.48).

    A Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) surgiu em dezembro de

    1963, a partir de um acordo entre as duas instituições, que formaram uma lista única com

    candidatos de ambas, depois de um longo processo de negociação.

    A CONTAG representou a institucionalização das associações de trabalhadores rurais e

    a sua vinculação ao Estado, desembocando num enfraquecimento do movimento

    camponês, até porque a maioria dos trabalhadores estava à margem desse processo de

    disputa, que acontecia no âmbito das cúpulas das organizações. (FERNANDES, 2000).

    O golpe militar de 1964 tratou de empreender uma violenta repressão contra os

    movimentos de luta pela terra, ou melhor, os movimentos que visassem a alguma

    transformação social.

    Estabeleceu-se a militarização da questão agrária, na qual lideranças camponesas foram

     presas, exiladas ou assassinadas; as organizações de trabalhadores rurais foram fechadas, ou

    alguns sindicatos que restaram adotaram políticas apenas assistencialistas.

     No final do ano de 1964, é sancionada a lei 4.504, que dispõe sobre o Estatuto da Terra e

    dá outras providências, incorporando, de forma separada, medidas de reforma agrária e medidas

    de política agrícola. Criaram-se, então, dois órgãos distintos: o Instituto Brasileiro de Reforma

    Agrária (IBRA), para cuidar da reforma agrária, e o Instituto Nacional de Desenvolvimento

    Agrário (INDA), para executar a política de desenvolvimento rural.

    O Estatuto da Terra, aprovado no primeiro ano do regime militar e símbolo da correlação

    de forças existentes à época, representava, em termos legais, um avanço sem precedentes no que

    se refere às leis agrárias. Porém, em termos práticos, ele não foi tão eficiente.

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    Vale ressaltar, também, que o conjunto de leis agrárias e as ações governamentais

     pautaram-se, ao menos em parte, nas orientações norte-americanas expressas na política da

    Aliança para o Progresso, que propunha medidas de reforma agrária como meio de aliviar

    tensões ou evitar revoluções, frente à ameaça do socialismo.

    Em 1970, os dois órgãos — IBRA e INDA — são extintos e substituídos pelo Instituto

     Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), sendo fraca a criação de programas de

    colonização ou de desenvolvimento regional, que se apresentam como substitutivos da reforma

    agrária.

    Dentre esses programas, temos: o Programa de Integração Nacional (PIN), de 1970; o

    Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e Nordeste

    (PROTERRA), de 1971; o Programa Especial para o Vale do São Francisco (PROVALE), de

    1972; o Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia (POLAMAZÔNIA), de

    1974; o Programa de Desenvolvimento de Áreas Integradas do Nordeste (POLONORDESTE),

    de 1974, e outros.

    O período militar foi marcado por um fortalecimento das oligarquias rurais e pela expulsão

    de trabalhadores das propriedades em função do barateamento de outras formas de utilização do

    trabalho assalariado, como o dos trabalhadores volantes, e da intensificação do uso da tecnologia

    em substituição ao trabalho humano.

    De acordo com Castro, “o desenvolvimento industrial do Brasil foi diferente dos casosclássicos europeus, em que a indústria surgia como um complemento das atividades do campo”

    (CASTRO, 1979).

     No que se refere ao mercado consumidor, ainda segundo Castro,

    é possível afirmar que a ampliação deste em grandes proporções não se colocou comonecessária para o crescimento industrial no Brasil, posto que os investimentos

    industriais do País foram baseados principalmente na substituição de importações,voltada para as classes com médio e alto poder aquisitivo (de acordo com o modelonorte-americano de consumo de bens duráveis de tipo moderno), ou seja, um mercado,ao menos parcialmente, já constituído. (CASTRO, 1979).

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    Assim, no Brasil as indústrias nasceram e expandiram-se de forma mais desvinculada do

    setor agropecuário, fundamentalmente ligada a outros ramos, como siderurgia, mecânica e

    extração mineral.

    1.3 – As questões agrária e agrícola a partir dos anos de 1980

    A partir dos anos de 1980, a questão agrária ganha uma nova identidade, marcada pelo

    crescimento da força dos movimentos sociais camponeses ou socioterritoriais, mesmo pela

    resistência dos latifundiários e de seus representantes políticos. O debate renasce sob a

     predominância do capitalismo nas relações sociais, questão polêmica nas décadas anteriores.

    De maneira geral, as décadas de 1980 e 1990 marcam o aprofundamento de uma série de

    tendências que vinham sendo delineadas, desde o término do período militar, e que são passíveis

    de compreensão tendo em vista as novas situações impostas pelo processo de globalização e pela

    hegemonia neoliberal.

    O meio rural, especificamente, vem passando, nas últimas décadas, por transformações

    importantes. Significa que a agricultura, como parte integrante do processo produtivo, foi

    atingida, em diversas de suas fases, pela mundialização do capital.

    Deve ser destacado o papel central da ciência e da tecnologia para o desenvolvimento da

    agricultura, assim como os processos desiguais de desenvolvimento de ciência e tecnologia

    agropecuárias nos países desenvolvidos e nos países em desenvolvimento.

    A chamada Revolução Verde definiu os rumos da nossa modernização agrícola, alterou

    significativamente as bases econômicas e sociotécnicas da agricultura mundial. Tida como possível

    solução dos problemas da fome, a Revolução Verde trouxe um agravamento das desigualdades e da

    dependência tecnológica entre os países, além de acentuar a deterioração do meio ambiente.

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    A revolução acentuou o interesse dos grandes proprietários pela exploração direta e pela

    intensa mecanização, com a conseqüente expulsão de trabalhadores rurais, parceiros e

    arrendatários.

    Está claro que, nesse processo, tem-se a necessidade de maior flexibilidade, de

    investimento constante de novas tecnologias e de maior mobilidade de capital — na realidade,

    uma ascensão sem precedentes das multinacionais.

    Vinculando-se a esse processo global observam-se novas tendências desencadeadas pelo

     processo acelerado de modernização da agricultura brasileira, como o aprofundamento de

    uma integração entre os capitais, representado pela consolidação dos complexos

    agroindustriais (CAIs). Estes fazem com que o processo de produzir ligado à agricultura

    torne-se cada vez mais dependente da produção de outros setores da economia.

    Esse padrão mais recente de desenvolvimento da agricultura é marcado profundamente

     pelo processo conhecido como territorialização do capital, em que a penetração do capital

    financeiro, no setor agropecuário, atribui um novo caráter à propriedade fundiária.

    Vinculados a esse padrão, temos novos esquemas de integração baseados na

    flexibilização, que têm, como importantes estratégias, a terceirização e a formação de

     parcerias, numa tentativa de redução de custos e acúmulo de forças num cenário de

    competição internacional.

    Todo esse processo de reestruturação agrícola traduz-se no acirramento das contradiçõesengendradas pelo desenvolvimento capitalista, expresso — nos termos utilizados por Oliveira

     — pelas duas faces da modernidade no campo: o agronegócio e a barbárie. O agronegócio

    simboliza a mundialização da economia brasileira.

    O Brasil do campo moderno, dessa forma, vai transformando a agricultura em umnegócio rentável regulado pelo lucro e pelo mercado mundial. Agronegócio ésinônimo de produção para o mundo. Para o mercado mundial o país exportou: papele celulose, carnes; o complexo soja como gostam de nomeá-lo; madeira e suas

    obras; sucos de frutas; algodão e fibras têxteis vegetais; frutas, hortaliças e preparações. (OLIVEIRA, 2004, p.13).

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    Como apresenta Graziano da Silva,

    [...] a força com que a questão agrária brasileira ressurge hoje não advém apenas damaior liberdade com que podemos discuti-la. Mas também do fato de que ela vemsendo agravada pelo modo como têm se expandido as relações capitalistas de produção no campo [...] (SILVA, 1980, p.11).

    Assim, constatamos o desenvolvimento contraditório e desigual do capitalismo no

    campo.

    1.4 – Os governos democráticos do pós-regime militar e a reforma agrária

    A situação agrária no pós-regime militar, com o aumento da violência no campo, da

    concentração fundiária e da pobreza rural, ainda proporcionava condições para a realização de

    uma reforma agrária, menos no campo institucional.

    Esse cenário é caracterizado mediante a presença de proprietários de terras nos poderes

    Executivo e Legislativo, constituídos por bancadas ruralistas.

    O Poder Judiciário sofre prejuízos na formação em direito agrário, uma vez que está

    ligado, tradicionalmente, ao conservadorismo e ao poder local.

    As Forças Armadas e Militares, por conseguinte, mantêm seu posicionamento de

    guardiãs da segurança e tuteladoras da propriedade privada e do processo fundiário.

    Para os governos que vieram depois do período militar, a reforma agrária até esteve

     presente nos programas de gestão, mas não foi muito além.

    Em 1985, com a posse do presidente civil José Sarney, cria-se o Ministério da Reforma

    e do Desenvolvimento Agrário (MIRAD), ao qual passa a se subordinar o INCRA. Esse

    ministério desenvolve o chamado “Primeiro plano nacional de reforma agrária da nova

    República” (1o PNRA).

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    O 1o  PNRA, porém, não foi o primeiro da história do Brasil, pois já haviam sido

    decretados, ao menos, outros dois com o mesmo nome: o PNRA de 1966 e o PNRA de 1968

     — ambos enfatizando a tributação e a colonização, sem realizar nenhuma ação próxima a uma

    verdadeira reforma agrária.

    O 1o PNRA foi o que teve maior destaque:

    A grande diferença com planos anteriores é que este escolheu a ‘desapropriação porinteresse social’ como instrumento principal a ser usado no processo de reformaagrária. Este instrumento, previsto na nossa Constituição, dá ao Estado o direito nãosó de desapropriar terras que não estejam cumprindo a sua função social, comotambém de indenizar o valor dessas terras em TDA (Títulos da Dívida Agrária),

     pagando em dinheiro tão-somente as benfeitorias. (SILVA, 1985, p.76).

    O 1o PNRA foi elaborado com base no Estatuto da Terra, que estabelece que a reforma

    agrária “será realizada por meio de planos periódicos, nacionais e regionais, com prazos e

    objetivos determinados, de acordo com projetos específicos” (PINHEIRO, 1999, p.16).

    Seu objetivo geral era descrito como sendo o de alterar a estrutura fundiária do país, de

    forma a eliminar tanto o latifúndio quanto o minifúndio, assegurando a realização

    socioeconômica do trabalhador rural.

    As metas do PNRA partem das estatísticas cadastrais de 1978 e das estatísticas

    tributárias de 1984, que apontam um contingente de 10,6 milhões de trabalhadores rurais sem

    terra ou com pouca terra.

    Como veremos posteriormente, tanto o objetivo e as metas de alterar a estrutura

    fundiária não chegaram nem perto de se realizarem efetivamente.

    Somente nos primeiros cinco anos, as metas do PNRA eram de assentar 1 milhão e 400

    mil famílias. Entretanto, após cinco anos de desenvolvimento do plano, foram assentadas

    apenas 90 mil famílias — cerca de 6% da meta original.

    O governo Collor (1990–92) apresentou, como proposta, o assentamento de 500 mil

    famílias, porém assentou apenas cerca de 30 mil famílias, mediante sua política de

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    desmantelamento da administração pública — principalmente o INCRA — e duras repressões

    aos movimentos de luta pela terra através do uso da força policial.

    O governo Itamar Franco, 1992–94, “chegou a aprovar um programa emergencial para o

    assentamento de 80 mil famílias, das quais, entretanto, apenas 23 mil foram atendidas com a

    implantação de 152 projetos numa área de 1.228.999 hectares” (PINTO, 1995, p.76).

    A elaboração da Constituição de 1988, também, foi palco para inúmeras polêmicas que

    rondam a questão agrária. Para José Gomes da Silva, “a Constituição brasileira de 1988

    representou um retrocesso em relação ao que já existia sobre política agrária, constituindo-se

    a pior carta para os trabalhadores rurais desde 1946” (SILVA, 1994).

    Em 1993, foi aprovada a Lei Agrária, que reclassificou as propriedades de terra no

    Brasil em pequenas propriedades, até cinco módulos, médias propriedades, entre cinco e

    quinze módulos, e grandes propriedades, maiores que quinze módulos, sendo que o módulo

    rural representa tamanho mínimo de terra que uma família necessita para seu sustento e

     progresso, mesmo ela sendo diferente de acordo com a Unidade da Federação.

    A Lei Agrária colocou como imóveis passíveis de desapropriação todos aqueles que não

    cumprirem a função social, exceto a pequena e a média propriedade, desde que seu

     proprietário não possua outra.

    Em outras palavras, seriam “sacrificadas” apenas as grandes propriedades que não

    atingissem determinado grau de produtividade e, também, sua função social.Mesmo assim, a Lei Agrária de 1993 ainda vem servindo, na falta de dispositivos legais

    mais atuais, de embasamento jurídico relevante para a conquista de desapropriações de terras.

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    1.5 – A reforma agrária no governo FHC

    O governo de Fernando Henrique Cardoso (1994–2002) se caracterizou por ser um

    governo neoliberal na implementação da política econômica. Inaugurou, em sua gestão, a

     política agrária denominada Novo mundo rural, centrada em três questões de acordo com

     premissas regidas pelo Banco Mundial: o assentamento de famílias enquanto uma política

    social compensatória; a estadualização das ações dos projetos de assentamento, repassando

    responsabilidades inerentes à União para estados e municípios; e a substituição do

    instrumento constitucional de desapropriação pela propaganda do mercado de terras.

    Essa política foi executada com apoio financeiro do Banco Mundial, contrariando o

     preceito legal que determina a desapropriação como principal instrumento de obtenção de

    terras improdutivas; sendo que o modelo do Banco Mundial promove a privatização do

    território através das regras do mercado. Partindo dessa concepção, os camponeses devem

     buscar maior eficiência, através de sua integração ao agronegócio — fator de contrariedade

    aos princípios de luta pela terra.

    Stédile destaca que foi através do modelo de produção agrícola implementado no

    governo de FHC que “as grandes empresas internacionais e financeiras chegaram na

    agricultura e tomaram conta do nosso comércio agrícola” (STÉDILE, 2003, p.5).

    A atividade agrícola era voltada para a promoção das exportações, com apoio diferencial paraaqueles produtos com melhor mercado internacional e um relativo apoio efetivo à agricultura familiar,

    demonstrado através das linhas de crédito subsidiadas do governo.

    Essa política do governo FHC acarretou dificuldades ao processo de reforma agrária,

    mesmo ela sendo colocada como prioridade em seu plano de ação desde seu primeiro

    mandato.

    As áreas selecionadas para a reforma agrária eram, em sua maioria, ambientes de

    conflito e luta pela terra, nas quais os trabalhadores se organizavam em movimentos sociais.

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    Das 62.044 famílias assentadas, 45.471 estavam em áreas de conflito [...]. Dessasfamílias assentadas em áreas de conflito, 27.453 eram posseiros e 18.018,acampados — grupos de pessoas que não têm acesso à terra e permanecem dentro deuma propriedade rural ou em suas redondezas, à beira das estradas, em situação

     provisória e precária, mas organizados pelos movimentos sociais e vivendo de formacoletiva. (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1997, p.3).

    Por pressões exercidas pelas entidades representativas dos trabalhadores rurais e dos

    movimentos sociais, o governo federal instituiu o Gabinete do Ministro Extraordinário de

    Política Fundiária, que, posteriormente, transformou-se em Ministério do Desenvolvimento

    Agrário.

    Foram criados, também, três programas centrais que, de acordo com os documentos

    oficiais, visavam garantir a sobrevivência da pequena agricultura. São eles: o Programa

     Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF); o Programa de Geração de

    Emprego e Renda Rural (PROGER RURAL); e a Previdência Rural.

    Esses programas buscaram implementar, nesses oito anos de governo, o reconhecimento

    da relevância dos pequenos agricultores para o desenvolvimento do campo e criar uma série

    de medidas para tratar da questão agrária.

    De acordo com Fernandes:

    essas políticas têm o capital e o mercado como principais referências, de modo que procura(m) destituir de sentido as formas históricas de luta dos trabalhadores. A luta pela terra, que tem como princípio o enfrentamento ao capital, defronta-se com esse programa, por meio do qual pretende convencer os pequenos agricultores e os sem-terra a aceitarem uma política em que a integração ao capital seria a melhor forma de

    amenizar os efeitos da questão agrária. (FERNANDES, 2001, p.21).

    Em março de 1999, o governo federal lançou o documento “Agricultura familiar,

    reforma agrária e desenvolvimento local para um novo mundo rural”, alvo posterior de uma

    série de críticas à política agrícola implementada pelo governo FHC.

    Alentejano aponta que “com esse documento o governo mantém os moldes tradicionais

    do padrão tecnológico da Revolução Verde que permanecem nos projetos governamentais,

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    inclusive para os agricultores familiares que forem incluídos no programa” (ALENTEJANO,

    2000).

    Além disso, as propostas de modernização apresentadas no documento voltam-se para

    aquela parcela de agricultores familiares considerados em situação intermediária, ou seja,

     possuem um caráter estruturalmente excludente.

    Como exemplo disso têm-se os programas Cédula da Terra, Banco da Terra, Crédito

    Fundiário e Programa de Consolidação de Assentamentos, difundidos principalmente no início

    do segundo mandato de FHC. Esses programas eram um mecanismo de compra e venda de terras

     para fins de reforma agrária. No entanto, seu processo de arrecadação de terras e seleção das

    famílias era descentralizado, ficando a cargo dos municípios, fortalecendo o poder das elites

    locais e dificultando a pressão popular.

    Esses programas apresentaram os seguintes problemas:

    −  aumento do valor da terra e pagamento à vista como forma de premiar o latifúndio

    (a existência de um fundo de terras inflacionou o mercado);

    −  inviabilidade econômica, impossibilidade do pagamento dos empréstimos e

    endividamento dos trabalhadores rurais; as áreas adquiridas, muitas de má

    qualidade, não reuniram condições de permitir a geração de renda suficiente para o

     pagamento da dívida;

    −  aquisição de terras sem registro e improdutivas, portanto aptas ao programa de

    reforma agrária;

    −  a compra da terra é feita por associações de trabalhadores, sem autonomia na

    escolha das áreas; essas associações, muitas vezes, são organizadas pelos próprios

    latifundiários e políticos locais;

    −  condições precárias de sobrevivência e abandono das áreas; ao invés de aliviar a

     pobreza, a situação financeira dos participantes no programa se agravou;

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    −  denúncias de corrupção envolvendo administrações municipais, políticos e

    sindicatos que teriam sido favorecidos nas transações de compra e venda de terras.

    De forma geral, em seu segundo mandato, o governo FHC adotou uma política de

    enfrentamento dos movimentos sociais rurais, através de leis que criminalizaram as ocupações de

    terras — tentativa clara de conter o avanço da organização dos trabalhadores rurais sem-terra

    através, por exemplo, da possibilidade de assentamento de famílias não organizadas via correio e

    da impossibilidade da desapropriação em terras ocupadas.

    Os assentamentos rurais foram promovidos em áreas de conflito, onde existe forte

     pressão dos movimentos sociais organizados. Além disso, boa parte dos assentamentos rurais

    criados foram frutos de um processo de regularização fundiária, ou seja, “não se trata de

    desapropriação de terras para assentar pessoas que não tenham acesso a esta, mas concessão

    de títulos para posseiros que há muito ocupavam tais áreas” (ALENTEJANO, 2002, p.2).

    Conforme Stédile, “a questão agrária torna-se ainda mais urgente, baseado em dados do

    INCRA, a política adotada configurou-se num processo implementado na ‘contramão’ de uma

    real reforma agrária” (STÉDILE, 2003).

    1.6 – A reforma agrária no governo Lula

    A vitória de Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições de 2002 trouxe novos contornos para

    o debate acerca da questão agrária no país. Porém, o primeiro ano do governo Lula — 2003

     — não significou grandes avanços na questão agrária no Brasil, pois o orçamento destinado

     para 2003 não foi maior que o de 2002, impossibilitando o necessário reaparelhamento do

    INCRA e o assentamento de um maior número de famílias.

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    O INCRA, durante o ano de 2003, construiu um conjunto de políticas para atender os

    assentados em estado de precarização. Iniciou-se a elaboração de uma política de assistência

    técnica; foi retomada a política de educação para os assentados e, juntamente com o

    Ministério do Desenvolvimento Agrário, formou-se uma equipe de especialistas para a

    elaboração do II Plano Nacional de Reforma Agrária.

    “o II PNRA vai além da garantia do acesso à terra. Prevê ações para que esteshomens e mulheres possam produzir, gerar renda e ter acesso aos demais direitosfundamentais, como Saúde e Educação, Energia e Saneamento” (Ministério doDesenvolvimento Agrário, 2003, p.5).

    Entre as metas expostas pelo II PNRA, destacam-se:

    −  META 1: 400.000 novas famílias assentadas;

    −  META 2: 500.000 famílias com posses regularizadas;

    −  META 3: 150.000 famílias beneficiadas pelo crédito fundiário;

    −  META 4: recuperar a capacidade produtiva e a viabilidade econômica dos atuais

    assentamentos;

    −  META 5: criar 2.075 mil novos postos permanentes de trabalho no setor reformado;

    Como destaca Fernandes,

    Os primeiros oito meses de 2003, o INCRA tratou os conflitos fundiários como problema a ser resolvido com a implantação de uma política de reforma agrária.Desse modo, procurou solucionar os conflitos por meio do diálogo e da busca de

    soluções, procurando romper com as medidas repressivas criadas pelo governoFHC. (FERNANDES, 2003, p.8)

     Nesse sentido, surgem desafios a serem superados para os anos de governo de Lula.

    Entre eles, o de conceber a reforma agrária como política de desenvolvimento territorial, e

    não como política compensatória, no que diz respeito a desconcentrar a estrutura fundiária, o

    que nunca aconteceu na história do Brasil.

    Todos os governos anteriores conceberam a reforma agrária como políticacompensatória, por meio da pressão dos movimentos sociais de luta pela terra, resultando em

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    assentamentos distribuídos espacialmente no país. Visto que assentamentos isolados possuem

    maiores dificuldades de organização, desenvolvimento e manutenção.

    Com relação ao aparato legal criado na gestão FHC — como a medida provisória que

    impede vistorias em terras ocupadas —, o governo de Lula evitou adotar uma postura tão

    firme, não utilizando a lei da criminalização das ocupações de terras.

    Em 2004, o Estado investiu em políticas no campo, mas a reforma agrária não

    deslanchou, uma vez que foram ampliados os recursos para os programas de auxílio e crédito

    a famílias que desenvolviam a agricultura familiar, com ênfase nas assentadas, mas não foram

    concretizadas as propostas do Plano Nacional de Reforma Agrária. Esta previa um milhão de

    famílias assentadas em quatro anos inicialmente, o que, no final, foi reduzido à meta de 520

    mil famílias, mostrando assim a fragilidade e os problemas que o governo enfrentava para pôr

    em prática a reforma agrária.

    Devemos ressaltar, também, que o orçamento da reforma agrária em 2005 foi de R$

    3,339 bilhões, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), dos quais

    foram executados R$ 2,884 bilhões (86,39%), até o início de 2006. Caso esses recursos

     pudessem ser remanejados e utilizados nos projetos de assentamentos, que custam em média

    cerca de R$ 20 mil por família assentada, poderiam beneficiar aproximadamente 23 mil

    famílias. Logo, fica uma desconfiança sobre o real objetivo da reforma agrária, sendo que os

    recursos foram dispostos para isso, mas não utilizados.Mesmo assim, expectativas são criadas para o segundo mandato de Luiz Inácio Lula da

    Silva (2007–2010), com fortes influências e promessas para o desenvolvimento da reforma

    agrária mediante incentivos e integrações na agricultura local, como integração das famílias

    que desenvolvem a agricultura familiar, em especial nos assentamentos, para a integrarem à

     produção de biodiesel, uma vez que esses tipos de programas podem permitir às famílias de

    assentados um espaço para sua sustentabilidade.

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     No geral, ocorre uma avaliação pessimista do primeiro mandato de Lula, tendo em vista

    que o governo adota, de acordo com os movimentos sociais, os mesmos mecanismos e

    conceitos do governo FHC. Prevalecendo o número de famílias que tiveram acesso à terra

    sem levar em consideração o processo de desapropriação, obtenção da terra e até mesmo a

    qualidade dos assentamentos.

    Sendo uma surpresa que o governo Lula siga tal conceito, mediante as críticas feitas,

    durante o governo FHC, pelo partido dos Trabalhadores (PT) e seus parlamentares à política

    do cumprimento de metas a todo custo e com o processo de regularização fundiária e

    reposição de lotes vagos em assentamentos existentes.

    O que é evidente para o desenvolvimento da reforma agrária de 2007 a 2010 é que ela

    terá um foco fundamental, conforme é destacado no plano de governo 2007–2010 de Lula,

    traçando os seguintes princípios:

    Promover o desenvolvimento da agricultura nacional com ampliação da renda ecidadania no campo, gerando um ambiente de produção e trabalho que garanta

    ampliação da renda agrícola, oferta adequada de alimentos e geração de divisas, com preservação dos recursos ambientais. Ampliar os recursos de crédito rural para ofinanciamento da produção agropecuária, com custos e prazos adequados à realidadedo setor. Dar continuidade à universalização do crédito e políticas diferenciadas aosagricultores familiares, em todas as regiões, promovendo a diversificação da produção da agricultura familiar. Dar continuidade ao Plano Nacional de ReformaAgrária, mantendo a prioridade de implantar assentamentos com qualidade,recuperar os assentamentos existentes, regularizar o crédito fundiário, tornando aReforma Agrária ampla, massiva e de qualidade. Reconhecer a diversidade do rural brasileiro, nos seus aspectos ambientais, sociais, culturais e econômicos, quedemanda políticas específicas para públicos e regiões distintos, incluindo as políticasde gênero e geracional. (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 2006, p.15).

    São criadas, então, expectativas e possibilidades para o desenvolvimento do segundo

    mandato de Lula, com o objetivo de integrar e conciliar reforma agrária de qualidade, apoio à

    agricultura familiar e incentivo ao desenvolvimento do agronegócio, fatores muitas vezes

    confrontantes.

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    CAPÍTULO 2

    O PROCESSO DE MODERNIZAÇÃO DO CAMPO E OS MOVIMENTOS DE LUTA

    PELA TERRA NO TRIÂNGULO MINEIRO/ALTO PARANÍBA

    A proposta deste capítulo é apresentar um histórico do processo de luta pela terra no

    Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba no que concerne aos movimentos atuantes e aos marcos

    históricos de luta na região. Para isso, se faz necessário apontar o cenário em que se

    desenvolve essa luta pela reforma agrária, que se reflete nas especificidades do

    desenvolvimento histórico e econômico na área de estudo.

    2.1 – O desenvolvimento agrário do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba

    Localizada no extremo oeste e oeste de Minas Gerais (Mapa 1), a mesorregião do

    Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba (Mapa 2), engloba 66 municípios, distribuídos entre as

    microrregiões de Uberlândia, Uberaba, Patrocínio, Patos de Minas, Frutal, Araxá e Ituiutaba.

    A ocupação populacional e econômica na região se desenvolve com a decadência da

    economia de mineração, principal atividade vinculada ao processo de ocupação do estado de

    Minas Gerais.Como destaca Cavalini e Gerardi,

    com a decadência da mineração, a agricultura exportadora surge como alternativa para a sobrevivência da economia nacional. É nesse momento histórico, final doséculo XVIII, que a região do Triângulo é inserida nesta economia, através daagropecuária mercantil. (CAVALINI e GERARDI, 1996, p.94).

    Ao final do século XIX, o sistema de transporte ferroviário no Triângulo Mineiro/Alto

    Paranaíba avançou ao permitir o escoamento de sua produção para os mercados do Rio de

    Janeiro e São Paulo.

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    Mapa 1 – Mesorregiões de Minas Gerais – IBGE, 2006.

    Mapa 2 – Mesorregião geografia do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba.

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    Durante o governo Vargas (1930–1945), para cumprir seu programa de integração e

    colonização, intitulado Marcha para o Oeste, precisava-se criar no Triângulo Mineiro uma

    infra-estrutura que possibilitasse a penetração rumo ao Centro-Oeste.

    O Triângulo Mineiro contou, assim, com marcante ação estatal na criação de infra-

    estrutura e em numerosos incentivos à iniciativa capitalista. A região, então, é inserida nos

     planos econômicos governamentais (I PND — 1972–1974 e II PND — 1975–1979), a partir

    da década de 1970, resultando na modernização agrícola que atingiu as áreas de cerrado.

    2.3 – O processo de modernização do setor agrícola

    O cenário econômico do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba foi radicalmente

    transformado no decorrer das décadas de 1960 e 1970, mediante a inclusão de áreas de

    cerrado no processo produtivo.

    A região passa a ser vista como uma área constituída de grande fronteira a ser ocupada.

    Além disso, as características naturais dessas áreas de topografia plana e de solos até então

    considerados como improdutivos favoreciam a mecanização e aplicação de quantidades

    consideráveis de corretivos e fertilizantes.

    Várias iniciativas governamentais se configuraram para apoiar esse processo,destacando-se o Programa de Crédito Integrado e Incorporação dos Cerrados (PCI), o

    Programa de Assentamento Dirigido do Alto Paranaíba (PADAP), o Programa de

    Desenvolvimento dos Cerrados (POLOCENTRO) e o Programa de Cooperação Nipo-

     brasileira para o Desenvolvimento dos Cerrados (PRODECER).

    Estes — para Micheloto — são “projetos calcados no modelo empresarial e voltados

     para a formação de corredores de exportação” (MICHELOTO, 1990, p.64).

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    Dentre os pontos principais desses projetos destaca-se o que regia a implantação de

    tecnologias novas para a época, no qual os proprietários tradicionais não se encaixavam, mas

    em que os colonos e grandes proprietários da região tidos como predispostos a adotarem tais

    tecnologias seriam privilegiados com os projetos.

    Com a implantação dos projetos, ocorreu um aumento da produção e da área produzida

    de dois dos principais: soja e café.

    De modo geral, tais projetos voltaram-se, também, para a monocultura exportadora, a

     pecuária extensiva e a constituição de agroindústrias. Com o apoio ao crédito rural,

    impulsionaram-se os investimentos produtivos; ao mesmo tempo, atua como definidor dos

     beneficiários desse processo, na medida em que os mecanismos de seleção implementados

     pelos bancos privilegiam, “estabelecimentos de grande e médio porte, algumas regiões em

    detrimento de outras e os empresários que se dedicam à produção para exportação e

    transformação agroindustrial” (GADELHA e SGRECIA, 1987, p.58).

    Os créditos agrícolas no decorrer dos anos de 1970 foram importantes fontes indiretas

    de financiamento ao desenvolvimento agroindustrial, criando “condições para o estreitamento

    das relações entre agricultura e indústria, dando suporte à compra de tratores, implementos e

    máquinas agrícolas, além dos insumos químicos” (CLEPS JUNIOR, 1998, p.141).

    Assim, como destaca Gomes, “a modernização da agricultura das áreas do cerrado

    mineiro representa a modernização capitalista no movimento constante de auto-expansão ereprodução do capital” (GOMES, 2004, p.96–97).

    Então, o processo de modernização do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, que promoveu

    uma elevação da produção e da produtividade, veio acompanhado da afirmação das

    contradições socioeconômicas, tendo em vista que não privilegiou todos os segmentos

    envolvidos.

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    Esse processo veio acompanhado da desterritorialização do camponês, além da

    exploração violenta dos recursos naturais — típica da produção necessariamente destrutiva do

    capital, bem como do aprofundamento das formas de exploração do trabalho.

    Assim, o processo de modernização trouxe fortes impactos ao campo, em específico a

    destruição massiva de formas tradicionais de produção, como os arrendamentos para

    agricultores e a parceria, acarretando aumento do desemprego e do êxodo rural local.

    Como exemplo, nos remetemos a Fonseca, que apresenta que grande parte dos

    sem-terra antes arrendatário, posseiro, pequeno proprietário rural, hoje é o bóia-fria,o motorista, o pedreiro, o eletricista, o mecânico, o desempregado das cidades comoUberlândia, cuja população cresceu 293% nos últimos 30 anos, segundo aPrefeitura Municipal, com base nos dados do IBGE. (FONSECA, 2001, p.123).

    Essas transformações ocasionaram concentração de terras e riquezas, na separação entre

    o trabalhador rural e os meios de produção e na maior mobilidade campo–cidade.

    Agregado a isso se tem, no decorrer das décadas de 1970 e 1980, uma economia

     brasileira com inflação alta e grandes investimentos, de tal forma que o cerrado mineiro

    tornou-se lócus dessa valorização de terras, que beneficiou, sobretudo, os grandes

     proprietários e as empresas agropecuárias, que procuravam essa área para nela estabelecerem

    novos investimentos (PESSÔA e SILVA, 1999, p.23).

    Mesmo diante desse processo excludente, não poderíamos deixar de mencionar que a

    agricultura familiar é uma importante fonte de produção, emprego e renda.

    Assim, ao analisar a modernização de todo o território brasileiro, e não diferente do

    espaço rural do cerrado mineiro, ela se deu de maneira a beneficiar a economia agrária e

    exportadora, atendendo aos interesses do capital mercantil e do monopolista.

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    2.4 – A formação dos movimentos socioterritorias no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba

    Para entender a formação dos movimentos socioterritoriais no Triângulo Mineiro/Alto

    Paranaíba, devemos compreender — conforme destaca Fernandes — que,

    movimento social e movimento socioterritorial são um mesmo sujeito coletivo ougrupo social que se organiza para desenvolver uma determinada ação em defesa deseus interesses, em possíveis enfrentamentos e conflitos, com objetivo detransformação da realidade. (FERNANDES, 2004, p.52).

    Uma vez que alguns movimentos transformam espaços em territórios, também se

    territorializam e são desterritorializados e se reterritorializam e carregam consigo suas

    territorialidades.

    Lembrando que a transformação do espaço em território acontece por meio da

    conflitualidade, e os territórios se movimentam, também, pela conflitualidade, uma vez que as

    formas de organização social, as relações e as ações acontecem no espaço.

    Assim, o conceito de movimento socioterritorial é uma tentativa de desfragmentação do

    espaço e do território. Pode-se, então, fazer uma leitura mais ampla a partir do conceito de

    movimento socioterritorial, pois — conforme destaca Fernandes — “ela sempre será uma

    leitura parcial, porque a totalidade da realidade é um processo coletivo que só pode ser

    compreendida no movimento de todos” (FERNANDES, 2004, p.53).

    De acordo com as pesquisas da CPT (2005), até 31 de dezembro de 2004 existiam em

    torno de 240 movimentos socioterritoriais atuando em todo o território brasileiro.

    Em Minas Gerais, de acordo com a pesquisa “Territorialização da luta pela terra no

    Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba: projeto DATALUTA–MG”, coordenado pelo Laboratório

    de Geografia Agrária (LAGEA), do Instituto de Geografia da Universidade Federal de

    Uberlândia (IG/UFU), que cataloga as ocupações de terras e, por conseguinte, os movimentos

    que participam dessas ações.

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    Lembramos que, somente a partir de 2001, as ocupações de terras tiveram os

    movimentos que participavam das ações catalogadas. Porém, esse dado, o movimento atuante,

    ainda é contestado mediante as fontes de dados.

    Logo, para esse trabalho apenas serão trabalhadas as ocupações que tiveram os

    movimentos socioterritoriais confirmados e mencionados, acarretando o não-tratamento

    quantitativo das ocupações por movimentos, mas somente na divulgação dos movimentos e

    dos municípios que atuaram.

    Assim, constatou-se de 2001 a 2005 que houve atuação de dez movimentos

    socioterritoriais no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, sendo eles:

    -  CLST - Confederação de Libertação dos Sem-terra;

    -  FETAEMG - Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais;

    -  FST - Federação dos Sem-terra;

    -  LCPCO - Liga dos Camponeses Pobres do Centro-Oeste;

    -  MLSTL - Movimento de Libertação dos Sem-terra de Luta;

    -  MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra;

    -  MTL - Movimento Terra, Trabalho e Liberdade;

    -  MTR - Movimento dos Trabalhadores Rurais;

    -  STR/CONTAG- Sindicato dos Trabalhadores Rurais, ligados à Confederação

     Nacional dos Trabalhadores na Agricultura.O Mapa 3 mostra como foi possível apresentar a espacialização desses movimentos por

    município de atuação.

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    ESPACIALIZAÇÃO DA ATUAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIOTERRITORIAISPOR MUNICÍPIO NO TRIÂNGULO MINEIRO/ALTO PARANAÍBA 2001–2005

    Mapa 3 – Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba: espacialização da atuação dos movimentossocioterritoriais no período de 1995 a 2005

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    Deve ser lembrado que é dinâmica a atuação dos movimentos socioterritoriais no que se

    refere às modificações de suas nomenclaturas e siglas, mudança do local de atuação no

    estado, aglutinação e desmembramento de movimentos, resultando na criação e recriação de

    novos movimentos e até mesmo a extinção de alguns outros. Sendo assim, serão centrados, a

    seguir, os históricos dos movimentos atuantes em dados das ocupações de 2001 a 2005.

    2.4.1 – A CONTAG e FETAEMG

    A Confederação dos Trabalhadores da Agricultura do Estado de Minas Gerais

    (CONTAG), foi criada em 1963, em decorrência do surgimento de vários sindicatos, que

     possuíam dinâmicas de reivindicação de interesses no campo. Com o golpe militar de 1964,

    multiplicaram-se ainda mais os sindicatos e as federações de trabalhadores rurais com funções

    assistencialistas.

     Nesse contexto, foi criada a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de

    Minas Gerais (FETAEMG), em abril de 1968, com atuações, muitas vezes, não autônomas e,

    na maioria das vezes, vinculadas ao Estado. Somente em meados de 1980 a reforma agrária

    torna-se ponto principal na dinâmica de atuação do movimento, após a realização do III

    Congresso Nacional da CONTAG.A primeira metade da década de 1980 foi marcada por reivindicações por melhores

    estruturas e benefícios de trabalho aos agricultores bóias-frias, pequenos agricultores, entre

    outros.

    Já na segunda metade da década de 1980, a FETAEMG passa a adotar uma postura no

    que concerne à luta pela terra, sendo que nesse momento ocorreu o surgimento de novos

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    atores no processo de organização dos trabalhadores rurais do estado, como o MST e a CPT,

    que promovem uma luta de ocupação e enfrentamento.

    Assim, a partir desse momento, a FETAEMG vem desenvolvendo esporadicamente uma

    atuação efetiva na luta pela reforma agrária com a ocupação e reivindicação do acesso à terra

     para seus militantes. Mas não é deixado de lado que nesse processo a Federação dos

    Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais ainda possuiu papel fundamental no

    que concerne à criação e recriação de novos movimentos socioterritorias.

    2.4.2 – O MST

    O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra (MST) nasceu em 1984 no estado,

    especificamente nas proximidades dos vales do Mucuri e do Jequitinhonha.

     No Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, o MST iniciou suas atividades no final da década

    de 1980.

    Conforme Gomes,

    o MST atuou na fase de acampamento, assessorando e contribuindo para odesenvolvimento de práticas de organização e mobilização, até meados de 1991,quando a articulação foi rompida. Mas é somente em 1997 que é criada a regionaldo MST do Triângulo Mineiro. (GOMES, 2004, p.131).

     No início de 2000, o movimento fixa sua secretaria em Uberlândia, deslocando

    militantes de outras regiões do estado e contribuindo para o processo de fortalecimento do

    movimento localmente e de efetivação e crescimento da luta pela terra.

    Deve ser ressaltado que, além de ocupações de terra, o movimento promove a

    espacialização de outras práticas que envolvem a luta pela terra, como a ocupação, em 2002,

    da área onde foi construído o Complexo Hidrelétrico Capim Branco.

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    O Movimento também ministra na cidade de Uberlândia cursos de formação política da

    Via Campesina em parceria com a Universidade Federal de Uberlândia.

    2.4.3 – O MTL e o MLSTL

    Ao final da década de 1980, lideranças camponesas dos municípios de Campo Florido e

    Santa Vitória e da Associação Animação Pastoral e Social no Meio Rural (APR) articularam a

    criação do primeiro movimento social rural legitimamente da região. Assim, em 1995 nasce

     provisoriamente o Movimento Democrático dos Sem-terra (MDST).

    Posteriormente, essa organização passa a se chamar Movimento de Luta pela Terra

    (MLT), promovendo ocupações em toda a região.

    O MLT funde-se, em 1997, com movimentos de outros estados, intitulando-se, então, de

    Movimento de Libertação dos Sem-terra (MLST). Porém, em 2000, o MLST regional rompe

    com a direção nacional e passa a se denominar MLST de Luta. Mas alguns militantes do

    antigo MLST regional se mantiveram vinculados ao MLST nacional.

    Em 2002, o MLST de Luta uniu-se com o Movimento de Luta Socialista (MLS) e o

    Movimento dos Trabalhadores (MT), passando a nomear-se Movimento Terra, Trabalho e

    Liberdade (MTL).

    2.4.4 – O CCL, CLST, MTR, LCPCO e FST

    Esses movimentos são chamados, de acordo com Fernandes, movimentos isolados,

    articulados em torno de ações específicas e espaços mais delimitados, ou seja, que constituem,

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    cada qual, “uma organização social que se realiza em uma base territorial determinada. Que

    tem o seu território de atuação definido por circunstâncias inerentes aos movimentos”

    (FERNANDES, 2001, p.64).

    Tanto o movimento Caminho, Campo e Liberdade (CCL) quanto o da Confederação de

    Libertação dos Sem-terra (CLST) foram movimentos criados e extintos em 2002, resultantes

    de militantes descontentes oriundos do MST e que ocuparam, em separado, duas propriedades

    na qual foram assentados, resultando na retração, e não mais atuação do movimento.

    O Movimento dos Trabalhadores Rurais (MTR) foi fundado em 2003 como o “braço

    rural” do Movimento dos Sem-teto Desempregado (MSTD), que atua na cidade de

    Uberlândia.

    Fundada também em 2003, a Liga dos Camponeses Pobres do Centro-Oeste (LCPCO)

    foi uma das vertentes da militância nacional do movimento com atuações esporádicas em

    2003 e 2004.

    Movimento recente, criado em 2005, a Federação dos Sem-terra (FST) surge pela união

    de militantes de outros movimentos, como MST, MTL e FETAEMG, atuando em municípios

    em particular, assim sendo nomeado até então como movimento de ação isolada.

    2.5 – Os principais marcos de lutas pela terra no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba

    Entre os vários processos de luta pela reforma agrária através das ocupações de terras no

    Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, podemos citar dois marcos no processo de luta pela terra e

    na tentativa de reinserção do camponês no campo.

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    São eles: o primeiro projeto de reforma agrária da região, ocorrido na fazenda Barreiro;

    e o Projeto de Assentamento Nova Santo Inácio Ranchinho, que foi o primeiro assentamento

    criado após a promulgação da Lei Agrária de 1993.

    2.5.1 – Fazenda Barreiro

    A fazenda Barreiro, em Iturama, abrigava cerca de 120 posseiros no início da década de

    1980, que utilizavam a terra mediante contrato verbal com o proprietário.

    Conforme destaca Gomes,

    Com a morte do proprietário, seu sucessor (Sr. Izahú Rodrigues de Lima) tenta imporo rompimento dos contratos em curso, oferecendo novas glebas, nas quais os posseiros pagariam uma renda de 20% do resultado das colheitas. Os trabalhadoresreagem coletivamente e, com o apoio do STR–Iturama, ingressam em juízo com o

     pedido de Usucapião. O fazendeiro, na busca pela criação de condições para aapropriação da renda capitalista da terra, recorre à Justiça e garante a expulsão dasfamílias, que resistem na luta pela desapropriação do imóvel, frente à possibilidade daexpropriação e da precarização do trabalho. Nesse processo de luta, em novembro de1984, é assassinada uma das lideranças dos posseiros — Juraci José Alves. Emdezembro do ano seguinte, Izahú é morto numa tocaia. (GOMES, 2004, p.115).

    Após um intenso processo de negociação, a fazenda foi transformada no primeiro

     projeto de assentamento da região, denominado Projeto de Assentamento Iturama, que contou

    com 131 famílias.

    Ação essa que desenvolveu e disseminou a atuação de diversas ocupações de terras pelo

    Sindicato de Trabalhadores Rurais de Iturama, que viu uma nova possibilidade e realidade de

    acesso à terra, com a ocupação de terras.

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    2.5.2 – Fazenda Nova Santo Inácio Ranchinho

    Conforme destacado após a conquista da fazenda Barreiro, inúmeras ocupações foram

    desenvolvidas. Para frear essas manifestações, ocorreu a indicação da fazenda Nova Santo

    Inácio Ranchinho, em dezembro de 1990, como área passível de desapropriação.

    Desse momento em diante, iniciou-se uma longa disputa judicial, objetivada pelos

    herdeiros da fazenda. O longo período do acampamento ficou marcado como um momento de

    resistência e de esperança pelos acampados nas proximidades da fazenda.

    De acordo com Gomes,

    A vitória dos trabalhadores concretizou-se em outubro de 1993, quando a liminarfavorável aos antigos proprietários foi derrubada, com base na Lei Agrária promulgada em fevereiro do mesmo ano, em que eram estabelecidos mecanismosdesapropriatórios. Em maio de 1994, finalmente, o INCRA criou, naquele espaço, oProjeto de Assentamento Nova Santo Inácio Ranchinho, assentando 115 famílias.(GOMES, 2004, p.122).

    Destacando ainda, de acordo com Guimarães,

    o espaço conquistado pelos trabalhadores foi reconfigurado e transformado emterritório escolhido para nele constituírem novas maneiras de produzir, novas formasde organização, novas sociabilidades, enfim, um novo modo de vida.(GUIMARÃES, 2002, p.103).

    A ação dos trabalhadores rurais que lutaram pela Fazenda Nova Santo Inácio Ranchinho

    dimensionou ainda mais a luta pela terra na região, afirmando então a ocupação como

     principal forma de acesso e conquista da terra.

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    CAPÍTULO 3

    A LUTA PELA TERRA NO TRIÂNGULO MINEIRO/ALTO

    PARANAÍBA DE 1995 A 2005

    Este capítulo tem como proposta apresentar um breve debate sobre a ocupação de terras

    e o desenvolvimento de assentamentos rurais no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba,

    apontando 11 anos de conflitos no campo no que tange às ocupações de terras desenvolvidas e

    aos assentamentos rurais criado de 1995 a 2005. Apresenta, ainda, a inter-relação que esses

     processos representam para as políticas de reforma agrária.

    3.1 – Discussão sobre a ocupação e os assentamentos rurais

    3.1.1 – A ocupação como forma de acesso à terra

    Para entender o processo de ocupação da terra, é necessário compreender que os

    movimentos socioterritoriais ocupam determinada área pelas necessidades e expectativas de

    resistência ao processo vivido de expropriação e exploração, focando — como destacaFernandes — a,

    desapropriação do latifúndio, o assentamento das famílias, a produção e reproduçãodo trabalho familiar, a cooperação, a criação de políticas agrícolas voltadas para odesenvolvimento da agricultura camponesa, a geração de políticas públicasdestinadas aos direitos básicos da cidadania. (FERNANDES, 2001, p.3).

    Em Minas Gerais, especialmente no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, a ocupação

    tornou-se uma importante forma de acesso à terra. Nas últimas décadas, ocupar propriedades

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    rurais improdutivos tem sido a principal ação da luta dos movimentos socioterritoriais; e tem

    sido a principal forma de pressionar o governo a acelerar o processo de reforma agrária.

    Minas Gerais apresenta grande diversidade regional na concentração de terras. Por

    conseguinte, os movimentos socioterritoriais atuantes têm-se apoiado, principalmente, nas

    ocupações das terras improdutivas e devolutas para alcançarem seu objetivo — o acesso à

    terra —, como é o caso do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba.

    Por meio da ocupação da terra, os trabalhadores se socializam, lutam contra o capital e

    se subordinam a ele novamente, pois — como apresenta Martins — “ao ocuparem e

    conquistarem a terra se inserem novamente na produção capitalista das relações não-

    capitalistas de produção” (MARTINS, 1981, p.47).

    Assim, “ao apresentar a ocupação como forma de acesso a terra, dev