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    Ivana Guilherme Simili*

    Universidade Estadual deMaring-PR

    Analiso um dos elementos que compuseram o estilo das voluntrias da defesa passiva antiarea da Legio

    Brasileira de Assistncia, que foi o uso dos uniformes, com o objetivo de identificar os significados de seu

    emprego na construo de comportamentos, atitudes que deviam orientar a atuao voluntria. Mostro

    que, com a utilizao dos uniformes, pelas voluntrias, foi criado um dos estilos designativos da

    participao e contribuio da mulher na guerra, permitindo captar faces da educao e moda.

    : Segunda Guerra Mundial; Legio Brasileira de Assistncia; voluntrias da defesa passiva

    antiarea; uniformes; educao; moda.

    I analyze one of the elements that had composed the style of the volunteers of the antiaircraft passive

    defense of the Brazilian Legion of Assistance, the use of the uniforms, with the objective to identify the

    meanings of its job in the construction of behaviors, attitudes that had to guide the voluntary performance.

    I show that with the use of the uniforms, by the volunteers was created one of the indicative styles of the

    participation and contribution of the woman in the war, having allowed to catch faces of the education and

    fashion.

    : World War II, Brazilian legion of Assistance, volunteers of the antiaircraft passive defense,

    uniforms, education, fashion.

    Os anos 1939 a 1945,relativos ao perodo da Segunda Guerra Mundial, so tidos como

    marcantes na introduo de mudanas na moda. Sob a influncia dos uniformes dos soldados, as

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    roupas teriam ganhado uma certa masculinizao e, na moda feminina, duas peas passaram a

    compor o guarda-roupa das mulheres: as saias que ficam mais justas e o casaco. (BRAGA, 2004,

    p.79- 80).O artigo refere-se pesquisa que venho desenvolvendo, com o apoio do CNPQ, intitulada

    "Educao e Moda na Segunda Guerra Mundial:

    as voluntrias da Legio Brasileira de Assistncia ( 1942-1945).

    *Doutora em Histria (UNESP-Assis-SP); professorada Universidade Estadual de Maring-PR, do Departamento de Fundamentos daEducao (DFE).

    Seguindo a tendncia mundial, no Brasil, a moda modificou-se, tornando-se mais

    comportada e sria. As saias ficaram seis dedos abaixo do joelho, e no se usava mais a cintura

    baixa. Para o dia, os trajes oficiais eram o e os vestidos trespassados, com pregas ou

    . Para trabalhar, a brasileira costumava vestir saia de cor sbria e blusa de jrsei, com

    gravata do mesmo tecido da saia, acompanhados de carteira, chapu de feltro e luvas de pelica.

    (MOUTINHO; VALENA, 2005, p.131).

    Ao analisar as roupas de Guerra, James Laver (1989, p.252) comenta que elas

    demonstram a fora dos reflexos da situao econmica e poltica vigentes, o que denomina a

    atmosfera do momento, na moda. Nesse sentido, torna-se ntido que, naqueles anos, a Guerra

    refletiu-se e produziu moda, sendo possvel identificar nas roupas usadas pelas brasileiras - nas

    saias, nas blusas, nas gravatas e na verso as influncias dos uniformes dos soldados na

    composio do visual feminino, porque naquelas peas esto os sinais dos referenciais de gnero,

    ditando e criando a moda para as mulheres.

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    No entanto, as influncias dos uniformes dos soldados na moda foram mais abrangentes,

    conforme evidencia a trajetria do corpo de voluntrias da Defesa Passiva-Antiarea, da Legio

    Brasileira de Assistncia. O surgimento e a atuao desse corpo de voluntariado na instituio foimarcado pelo uso do uniforme semelhante ao dos soldados, no cotidiano da prtica voluntria na

    instituio e no espao pblico do Rio de Janeiro. Surgem mulheres uniformizadas pelo uso

    comum dos uniformes e, nas peas que compunham a farda masculina, a saia substitua a cala,

    masculina e designativa de gnero, configurando, assim, uniformes para mulheres, apropriados ao

    feminino e dele emblemtico.

    Portanto, o uniforme das voluntrias da defesa passiva antiarea criou um estilo que

    comps o campo da moda, designativo da participao e a atuao da mulher na guerra. Moda,

    aqui entendida na sua acepo original, conforme apresentada por rica Palomino (2003) que

    parte de sua etimologia e de que seu significado diz respeito a modo e maneira, portanto a

    comportamentos, atitudes que acompanham o vestir1. Isto posto, meu objetivo, neste texto, ser

    o de deslindar os significados embutidos na utilizao dos uniformes pelas voluntrias da defesa

    passiva antiarea, no sentido de mostrar os modos pelos quais o uniforme participou da

    construo de comportamentos e atitudes, criando, por conseguinte, uma das faces da moda de

    guerra, de maneira a informar a participao e contribuio feminina no conflito mundial.

    As voluntrias da Defesa Passiva Antiarea surgem no cenrio nacional como um dos

    corpos do voluntariado criados pela Legio Brasileira de Assistncia. A Legio Brasileira de

    1 O conceito de moda que utilizo o apresentado por rica Palomino, segundo a qual, moda vem do latimmodus, significando modo, maneira. Em ingls, moda fashion, corruptela da palavra francesa faon, quetambm quer dizer modo, maneira. (PALOMINO, 2003,p.15).

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    Assistncia foi criada por Darcy Vargas, esposa de Getlio Vargas, logo aps a declarao da

    participao do Brasil no conflito mundial, ocorrida em agosto de 19422.

    Criada em parceira com o Estado e com o empresariado, o objetivo fixado para ainstituio foi o de amparar os soldados mobilizados e seus familiares, constituindo-se na

    primeira instituio pblica de assistncia social. Com sede na cidade do Rio de Janeiro e com

    filiais em vrias cidades brasileiras, administradas pelas primeiras-damas, um dos traos

    institucionais mais marcantes foi o trabalho voluntrio feminino, realizado por mulheres jovens

    e senhoras, dos segmentos da elite e mdios.

    Os documentos existentes sobre a histria da Legio Brasileira de Assistncia e acerca

    da trajetria das voluntrias na instituio, na cidade do Rio de Janeiro, permitem afirmar que os

    anos 1942 a 1945, perodo da participao brasileira na Guerra, a forte presena e atuao

    feminina na instituio, como voluntrias, possibilitaram s mulheres, a escrita de um captulo

    importante acerca da Histria das Mulheres na guerra. Os documentos escritos - jornais, revistas,

    boletins e relatrios produzidos pela instituio -, os imagticos - as fotografias que circularam na

    imprensa e que compem o acervo da memria institucional, veiculados nos boletins e

    localizados no Centro de Memria da Assistncia Social, contm importantes vestgios do

    passado, com captulos que permitem conhecer a Histria das Mulheres da LBA, portanto, das

    mulheres na guerra. H um captulo sobre o processo de mobilizao feminina; sobre a

    preparao das mulheres para a atuao voluntria, por intermdio dos cursos oferecidos; sobre o

    desempenho feminino em atividades na esfera institucional e na vida pblica.

    2 A apresentao da trajetria da Legio Brasileira e das voluntrias tem suporte no trabalho Mulher e poltica: atrajetria da primeira-dama Darcy Vargas (1930-1945), no qual dedico um captulo sobre o assunto. Abordo ascaractersticas institucionais, o trabalho desenvolvido por Darcy Vargas e as voluntrias durante o perodo daSegunda Guerra Mundial.

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    Nesse sentido, para a mobilizao das mulheres e constituio do voluntariado, as

    campanhas na imprensa foram fundamentais. A propaganda desencadeada produziu seus frutos

    porque milhares de mulheres inscreveram-se nos cursos oferecidos e, aps freqent-los,transformam-se em voluntrias da LBA. Surgem as voluntrias da defesa passiva-antierea, as

    voluntrias da alimentao, as visitadoras e educadoras sociais, as samaritanas socorridas, dentre

    outras.

    Alm das voluntrias formadas pela instituio, as mulheres tambm aderiram a outras

    espcies de trabalho voluntrio. Surgem as legionrias da costura, responsveis pela produo de

    materiais mdico-hospitalares para serem usados no de guerra e de roupas para serem

    doadas aos soldados; as madrinhas dos combatentes que se incumbem da escrita de cartas para os

    soldados no e mulheres que se envolvem em diversos servios, como por exemplo, a

    organizao da biblioteca do combatente, angariando livros e levando leitura aos soldados

    aquartelados.

    Nas atividades desempenhadas pelas mulheres da LBA, esto os modos pelos quais a

    Guerra produziu readequaes nas concepes e nas representaes de gnero, construindo

    estilos e perfis femininos designativos da participao e contribuio femininas na guerra.

    As representaes no so universais nem mesmo fixas. So sempre temporrias,

    efmeras, inconstantes e variam conforme o lugar/tempo onde esse corpo circula, vive, se

    expressa, se produz e produzido (GOELLNER, 2003, p.23) Nos modos de cada corpo de

    voluntrias se comportar, se apresentar e vestir-se esto os sinais das transformaes produzidas

    pela Guerra nos corpos e representaes das mulheres, produzindo estilos e perfis femininos. Um

    deles foi o das voluntrias da defesa passiva-antierea.

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    O surgimento do corpo de voluntrias da defesa passiva, nos quadros da Legio Brasileira

    de Assistncia esteve relacionado questo da segurana pblica durante a participao brasileirano conflito mundial. Em fevereiro de 1942, com os primeiros ataques dos pases do Eixo costa

    brasileira, acentuam-se as preocupaes governamentais com a questo da defesa interna do pas

    e medidas de proteo populao so adotadas. Pelo Decreto-Lei 4098, de 06 de fevereiro de

    1942, foi criado o Servio de Defesa Passiva Antiarea, como atribuio do Ministrio da

    Aeronutica. Em agosto de 1942, quando ocorre o ingresso do pas na guerra, novo decreto

    transferiu para o Ministrio da Justia e Negcios Interiores a responsabilidade pela organizao

    do Servio de Defesa Passiva Antiarea no territrio nacional, em substituio ao Ministrio da

    Aeronutica. (CYTRYNOWICZ,2000).

    A constituio de um corpo feminino de voluntrias da Defesa Passiva surge, no Brasil,

    por intermdio da Legio Brasileira de Assistncia, que oferece o primeiro curso direcionado s

    mulheres, porque antes, a defesa passiva era concebida como servio e tinha como pblico alvo

    todos os brasileiros maiores de 16 anos3. Observam-se, na incluso do curso no rol da LBA, as

    influncias do modelo ingls de defesa passiva, o qual preconizava a transferncia de inmeras

    tarefas da defesa interna ao corpo feminino auxiliar. Como uma organizao paramilitar, o chefe

    era o coronel do exrcito Orozimbo Martins Pereira, diretor do Servio de Defesa Passiva. Seus

    instrutores foram civis e militares, sendo o diretor de ensino o Capito Hugo de Matos Moura. O

    3Segundo Cytrynowcz, o Decreto-Lei, de 06 de fevereiro de 1942 previa a mobilizao de todos os brasileiros e

    estrangeiros maiores de 16 anos por um perodo de, no mximo, dez dias teis do ano para as tarefas de proteocontra gases, remoo de pessoas intoxicadas; servios de enfermagem, de vigilncia do ar; de preveno e deextino de incndios, de limpeza pblica, de desinfeco, de policiamento e de fiscalizao na execuo das ordens;previa, ainda, a utilizao desse pessoal na construo de trincheiras e de abrigos de emergncia. Para a execuodessas tarefas era necessria a obedincia no recebimento das instrues sobre o servio e o uso de mscaras, oconhecimento da defesa individual, o recolhimento ao abrigo e obedincia na interdio do ir e vir;sujeio s ordensprescritas para a disperso, o atendimento ao alarme, o apagamento das luzes e o atendimento proibio de acionarautomveis.(CYTRYNOCWICZ, 2000)

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    primeiro batalho feminino da Legio Brasileira de Assistncia iniciou o curso preparatrio em

    setembro de 1942 e terminou em dezembro, aps trs meses.

    As voluntrias da Defesa Passiva surgem, portanto, no Brasil, nesse quadro de mobilizaoe preparao das mulheres para o enfrentamento dos problemas sociais de guerra, entenda-se por

    isso, aqueles relativos segurana da populao, durante o conflito mundial.

    Os modos pelos quais a questo da segurana da populao sofreu adaptaes para permitir

    a participao e atuao feminina na guerra, pode ser dimensionada no discurso feito pelo coronel

    Orozimbo Martins Pereira, na solenidade de instalao do primeiro curso da defesa Passiva da

    Legio Brasileira, em setembro de 1942. Ao destacar a importncia da misso das voluntrias

    inscritas para o curso, frisava que seriam rduos os trabalhos a que deviam se devotar no preparo

    das populaes civis, alm da guarda dos bens materiais, culturais e artsticos do pas.

    Ressaltava, ainda, que: de quase nada valer essa modalidade de defesa se no contar com a

    incondicional cooperao de elementos suficientemente instrudos e, alm disso, imbudos do

    mais profundo sentimento de abnegao, de disciplina, de altrusmo, de devotamento e de valor.

    (Jornal Correio da Manh, 27.09.1942, p.1).

    . De acordo com Denise Jodelet (2001, p. 8), as representaes sociais podem ser definidas

    como uma forma de conhecimento socialmente elaborada e compartilhada, que tem um objetivo

    prtico e concorre para a construo de uma realidade comum a um conjunto social. Compem-

    se, as representaes sociais, de elementos informativos, ideolgicos, normativos, crenas,

    valores, atitudes, opinies, imagens, etc., que so organizados sempre sob a aparncia de um

    saber que diz algo sobre o estado da realidade.

    No discurso do coronel Orozimbo, esto as representaes que orientaram a formao e

    deviam guiar a atuao das voluntrias da defesa passiva antiarea: elas se tornariam aptas a

    cuidar dos bens materiais e simblicos do pas enquanto o conflito durasse. Percebe-se,

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    claramente, nas palavras do Coronel Orozimbo, um projeto de educao feminina visando

    preparao de mulheres, transferindo e associando atividades privadas para o pblico. O curso

    pretendia que os cuidados com os bens domsticos famlia, filhos fossem ampliados para anao: proteger a populao e seus bens transforma-se no fim almejado. Dedicao, abnegao,

    altrusmo, devotamento, sentimentos e comportamentos concebidos historicamente e

    culturalmente pelos homens, como naturais ao feminino, associados aos de disciplina,

    transformam-se em conceitos orientadores da formao das mulheres, com o objetivo de

    transform-las em teis nao. O ideal feminino a ser criado pelo curso, era o de ser a guardi

    dos filhos e dos bens da nao, portanto, transformar as mulheres em grandes mes da nao.

    Na transformao das mulheres, visando dot-las dos requisitos necessrios prtica e

    atuao voluntria, o documento existente no arquivo Gustavo Capanema, ministro da Educao

    e Sade, no perodo de 1934 a 1945, portanto, durante a Guerra, permite conhecer os

    pressupostos educativos e pedaggicos que orientaram a formao das mulheres. Identificado

    com o ttulo Legio Brasileira de Assistncia Curso de Defesa Passiva A. A, datado de 10 de

    setembro de 1942 e assinado pelo Capito Hugo de Mattos Moura, o documento est dividido em

    duas partes: a primeira composta pelo curso de Primeiros Socorros, com durao mnima de

    10 horas; a segunda era relativa ao curso de Defesa passiva A. A, assim organizado: 1) A

    arma area, suas caractersticas e possibilidades. As cidades como objetivo da arma area. Os

    meios da defesa anti-area; ativos e passivos; 2.) O problema da defesa passiva a.a. de uma

    localidade.Estudo das medidas de defesa passiva preventivas e defensivas pelo Esquema I

    (Anexo), com durao de 1 hora; 3)Estudo detalhado dos meios de ataque da arma area:

    Descrio, funcionamento, efeitos e proteo contra as bombas explosivas: de destruio

    (demolio), de fragmentao ou contra o pessoal, com durao de 2 horas; 4) Proteo contra as

    bombas explosivas: abrigos a.a., abrigos de adaptao e refgios a domiclio, trincheiras a.a.

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    (Estudo em sala e demonstrao prtica sobre a proteo razovel), com durao de 3 horas; 5)

    Estudo detalhado das bombas incendirias. Descrio, funcionamento, efeitos. Ao contra as

    bombas incendirias: tcnica de gua espergida, tcnica de areias. Servio domstico contraincndios Precaues (Estudo) em sala e demonstraes sobre a trmita, com durao de 3

    horas; 6) Estudo sinttico dos agressivos qumicos: caractersticas, ao sobre o organismo e

    cuidados. Proteo individual e coletiva, com durao 2 horas; 7) Montagem do S.D.P. a. No

    territrio nacional; Estudo das Instrues baixadas aos Estados para pr em funcionamento o

    aludido servio. Os 9 Servios Pblicos que integram o S.D.P. A. no Brasil, estudo geral, com

    durao de 2 horas4.

    Acompanham o programa do curso quatro observaes, as quais so: 1) O corpo de

    Voluntrias, ser dividido em turmas para a instruo p, necessrias s formaturas e paradas

    durao de 1 ou 2 horas por semana; 2) Ficam dispensadas de acompanhar a I Parte do Curso

    de defesa Passiva A. A, as voluntrias que provarem ter acompanhado com aproveitamento

    Cursos de Primeiros Socorros ou Socorros de Urgncia, com um mnimo de 30 horas de

    efetiva instruo; 3) Terminado o Curso de Defesa Passiva A. A, as voluntrias recebero um

    certificado, e s ento podero usar a Insgnia, da especialidade; 4) Findo o Curso, a

    especialidade ser atribuda Voluntria, conforme seus pendores, aptido demonstrada,

    conforme o critrio do Diretor do Curso e as necessidades do Servio de Recrutamento para

    reforar os Servios Pblicos do S.D.P.A. A, da localidade.

    Portanto, na formao voluntria, previa-se a transmisso de conhecimentos sobre

    artefatos e problemas relacionados as armas e bombardeios, para a ao de neutralizao dos

    efeitos sobre a cidade e a populao: previa, tambm, a preparao tcnica das voluntrias para

    atuar nos primeiros socorros. Somente depois de diplomadas, as voluntrias receberiam a

    4Arquivo Gustavo Capanema CPDOC-FGV (Caixa: GC.A2.09.10. A)

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    insgnia e, em consonncia s aptides demonstradas durante o curso, seriam alocadas para os

    servios de defesa pblica. Conhecimentos e prticas, estranhos e novos ao universo feminino,

    porque relacionados s prticas militares.Os documentos existentes sobre a trajetria das voluntrias da Legio Brasileira de

    Assistncia jornais, boletins, fotografias dentre outros, possibilitam um mapa da atuao

    voluntria no mbito institucional. Eles evidenciam que, em nome da prestao de servios

    populao com vistas a proteg-la dos perigos da Guerra, objetivo para o qual foram preparadas,

    as voluntrias tiveram atuao ativa em vrios setores da atividade assistencial da LBA. Elas

    participaram das campanhas da Legio Brasileira de Assistncia, tais como a da borracha

    usada, fazendo a coleta de materiais nas ruas da cidade; das Hortas da Vitria, que visava

    transmitir conhecimentos sobre prticas de cultivo de alimentos hortalias, verduras e legumes,

    para as crianas nas escolas; elas foram transformadas nas intermedirias entre a instituio e os

    soldados, fazendo a entrega dos objetos doados e produzidos pela LBA, como por exemplo,

    cigarros, roupas, fsforos aos soldados nos quartis onde estavam aguardando a partida para o

    front de guerra. Elas tambm foram protagonistas do trabalho de patrulhamento das ruas durante

    os, que movimentaram a vida noturna na capital carioca. Enquanto durava o

    as voluntrias circulavam pelas ruas, pedindo aos moradores o apagamento das luzes das casas e

    vistoriavam os espaos para garantir o sucesso da prtica.

    Nas imagens fotogrficas da atuao voluntria, sobressai um aspecto: o uso dos

    uniformes.

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    So os investimentos de valores ( trajes e acessrios) que o sujeito passa a vestir, que o

    configuram em um sujeito transformado, dando-lhe outra aparncia capaz de, com seus novos

    efeitos de sentido, qualific-lo, particulariz-lo, distingu-lo entre os demais pelas escolhasexpostas, vestidas em seu prprio corpo (CASTILHO, 2003, p.70).

    Uma das marcas registradas das voluntrias da defesa passiva antiarea, por intermdio da

    qual as mulheres indicavam a transformao e a incorporao de novos valores aos seus

    universos e que veio a distingu-las dos outros corpos de voluntrias da Legio Brasileira de

    Assistncia, com um estilo particular, com determinados modos de agir, comportar-se e vestir-se,

    foi o uso de uniformes, conforme mostra essa fotografia:

    A fotografia circulou no Boletim da Legio Brasileira de Assistncia, do ano de 1951, o

    qual foi organizado sob a forma de memria da instituio. Dadas as caractersticas do tema do

    peridico, nele esto destacados os principais momentos e obras institucionais e um dos tpicos

    mencionados a atuao do corpo de voluntrias da defesa passiva. A legenda que acompanha a

    fotografia Uma corporao da Defesa Passiva com seu instrutor.

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    Esta fotografia uma dentre as muitas que circularam pela imprensa, mas a seleo dela

    deve-se ao fato de que ela informa uma relao: das voluntrias com os instrutores, perceptvel

    pelas presenas e roupas femininas e masculina.

    Ao contrrio da maioria da roupa civil, o uniforme , com freqncia, consciente e

    deliberadamente simblico. Identifica aquele que o veste como membro de algum grupo e muitas

    vezes o situa em uma hierarquia [...] (LURIE, 1997, p.33). A imagem e a legenda so

    significativas do ponto de vista do simbolismo vislumbrado pelo uso comum dos personagens de

    uniformes, denotando, por seu intermdio, o pertencimento dos personagens ao mesmo grupo

    com indcios da relao hierrquica estabelecida entre uns e outros - os instrutores e as

    voluntrias, a qual viria a marcar a trajetria do corpo da defesa passiva antiarea: eles, os

    homens, respondiam pelos ensinamentos, eram a eles que deviam respeitar e era deles a

    orientao que devia ser seguida por elas no trabalho institucional.

    Os uniformes dizem respeito a controle do eu social, mas tambm do eu interno e sua

    formao. H vrios sentidos no seu uso, tais como o de compreender e obedecer as regras

    relativas ao exerccio do uniforme, transformando as peas de roupa em manifestaes

    comunicativas. (CRAIK,2003,p.6). Com os uniformes, as voluntrias comunicam a

    internalizao dos comportamentos, das atitudes e dos valores que deviam orientar seu uso,

    porque conforme Craik (2003,p.6), uniformes so indicadores extremamente eficazes da

    codificao de regras apropriadas de conduta e sua internalizao. Portanto, ao se mostrarem

    com os uniformes, as voluntrias mostram-se como mulheres uniformizadas nas regras e

    condutas que deviam orientar suas atuaes voluntrias na proteo da populao, como mes

    protetoras da nao- populao e seus bens.

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    ainda Craik (2003,p.17) quem identifica dois tipos de uniformes para mulheres:

    uniformes quase masculinos associados incorporao de disciplina, confiana, habilidades

    caractersticas para atuar na esfera pblica; e uniformes feminilizados, que promovemtreinamento fsico e emocional em atributos de educao e assistncia.

    O uniforme das voluntrias torna-se exemplar no sentido de mostrar a imbricao dos

    tipos delineados pela autora. Nele, est inscrito o travestir da roupa masculina para a feminina,

    porque h a substituio de um smbolo da masculinidade da farda, que a cala, pela saia

    conformando-lhe caractersticas quase masculinas, com a incorporao da disciplina, confiana

    habilidades que eram necessrias s voluntrias para atuarem na esfera pblica, na proteo da

    populao e seus bens, conforme exposto pelo Coronel Orozimbo, por ocasio da apresentao

    do curso, o qual afirmava que o curso pretendia formar as mulheres disciplinadas para bem

    desempenharem suas funes.

    Essa quase masculinizao feminina que comps o estilo das voluntrias, vislumbrada

    pelo uso de uniformes, faz sentido quando se considera o projeto do curso para a formao das

    voluntrias, existente no arquivo Gustavo Capanema, no CPDOC- FGV, o qual afirma: As

    voluntrias pertencentes ao Corpo de Voluntrias, durante o Curso de Defesa Passiva A. A.

    sero sujeitas a um regimen da mais estrita disciplina, sendo eliminadas do Corpo de

    Voluntrias sumariamente quando, a critrio da Direo, revelarem falta de requisitos morais,

    indisciplina, derrotismo, negligncia no curso.(grifo no texto original).

    Mulheres disciplinadas, para isso que o documento aponta, excluindo-se aquelas que,

    durante o curso, apresentassem atitudes disciplinares, morais e emocionais no compatveis e

    condizentes com o estilo e perfil traados para as voluntrias que, lembrando mais uma vez o

    Coronel Orozimbo, deviam ser mulheres altrustas, obedientes, abnegadas , devotadas.

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    Nesse ponto, h, tambm, no emprego dos uniformes pelas voluntrias, traos da

    feminizao, o segundo tipo de uniforme definido por Craik, cujo emprego pressupe o

    treinamento fsico e emocional para fins educacionais e assistencial. O objetivo de suasformaes era a de educ-las para que as habilidades consideradas naturais, de altrusmo,

    obedincia e abnegao fossem alargadas para a populao, na prestao de assistncia

    populao na guerra. O contedo educativo e assistencial orientou, portanto, o treinamento fsico

    e emocional, disciplinando, por intermdio dos uniformes, os corpos e as representaes,

    feminizando os comportamentos e condutas das mulheres na guerra.

    Fica ntido, pelas voluntrias da defesa passiva antiarea com seus uniformes, a criao

    de um estilo feminino que emerge entre as mulheres, no Brasil, entre os anos de guerra, composto

    por modos de pensar, comportar-se, agir e vestir.

    As faces contidas nos uniformes das voluntrias, de masculinizao e feminizao dos

    comportamentos, atitudes que passaram a comandar a atuao das mulheres na guerra, permitem

    equacionar questes importantes, as quais dizem respeito educao feminina que se processa no

    interior do clima de intenso patriotismo, quando as ideologias de guerra de povo unido diante do

    inimigo comum, da unio de esforos entre homens e mulheres encontravam, ressonncia entre

    os gneros, criando concepes, representaes acerca de seus papis e performances.

    No uniforme, como smbolo da educao feminina na guerra, inscrevem-se as

    influncias dos conceitos pedaggicos defendidos pelas Foras Armadas, desde os anos 30 e que

    ganham fora a partir de 1937 com o Estado Novo, de militarizao da educao, mediante a

    inculcao da disciplina, da obedincia, organizao, respeito ordem e s instituies, respeito

    hierarquia e amor ptria (SCHWARTZMAN;BOMENY; COSTA, 2000,p.84-90). Concepes

    caras ideologia de guerra, compondo o universo das representaes educativas dos gneros, na

    transformao de homens e mulheres em soldados da ptria.

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    , tambm, visvel, no uniforme os modos pelos quais as concepes educativas

    defendidas nos anos 30 e 40 para as mulheres, se inscreveram nos corpos e representaes das

    mulheres. Nesse sentido, vale lembrar que a educao das mulheres diferenciava-se daquelasdestinadas aos homens, preconizando a valorizao das virtudes concebidas como prprias ao

    feminino, como a dedicao, altrusmo, obedincia, a preparao para o desempenho de funes

    de esposa, me, filha e irm, de educadora do lar e na escola, o desenvolvimento de suas

    qualidades e habilidades consideradas femininas, por intermdio de suas participao em obras

    sociais e de caridade, cooperando, com suas atitudes e comportamentos, na construo harmnica

    da ptria.(SCHWARTZMAN;BOMENY; COSTA, 2000, p.125).

    As voluntrias da defesa passiva antiarea, com seus uniformes e suas condutas

    uniformizadas so, portanto, emblemticas do que podemos chamar de estilo feminino na guerra,

    trazendo as marcas das concepes e aes pedaggicas presentes no universo no qual foram

    preparadas, marcando e guiando suas atuaes, por conseguinte sua trajetria como corpo do

    voluntariado.

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