2015fev09 - a falência do multiculturalismo
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A FALNCIA DO MULTICULTURALISMO
Denis Lerrer Rosenfield - O Estado de S.Paulo
09 Fevereiro 2015 | 02h 02
O mundo tem vivido nos ltimos meses, se no anos, aes
terroristas que s se tm multiplicado. como se a barbrie estivesse
reingressando no mundo civilizado, com o intuito de abalar os seus
alicerces. "Explicaes" que mais parecem "justificaes" procuram
dar conta de um fenmeno de natureza poltica e religiosa como se
fosse um problema social ou uma suposta incapacidade do Ocidente
de lidar com a diferena. O argumento beira o absurdo, como se as
vtimas devessem explicar-se, ou, ainda, como se as vtimas fossem
os verdadeiros algozes. O terror, por muitos, "condenado" pelo uso
de oraes adversativas (mas...), enquanto o verdadeiro problema
seria a Islamofobia!
Boa parte disso se deve ao fato de o politicamente correto ter
impregnado nossa cultura, como se toda forma de existncia cultural
diferente do Ocidente ou qualquer comportamento fosse de igual
valor aos princpios e valores universais que orientam as sociedades
democrticas, tolerantes e pluralistas. o tal do "direito diferena",
como se, em nome dele, tudo valesse, mesmo as piores aberraes,
entre as quais o terror islmico.
Por que esse silncio atroz em relao s mulheres, na verdade,
meninas muulmanas que so mutiladas sexualmente em vrios
pases africanos por motivos religiosos? Trata-se de um mero
exerccio do "direito diferena"? As diferenas culturais devem ser
simplesmente respeitadas? Por que no o terror enquanto forma de
contestao "diferente" dos valores do Ocidente?
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Os atentados, na Frana, ao jornal Charlie Hebdo, a uma policial e a
um supermercado judaico de comida kosher so exemplos,
particularmente claros, da falncia do multiculturalismo. Nos anos 70
do sculo passado, a Frana sucumbiu ao politicamente correto, ao
suposto "direito diferena", e abandonou, diria por questes
ideolgicas, o seu modelo de integrao republicana dos imigrantes.
Segundo esse modelo, as pessoas se integram individualmente
cultura reinante, obedecendo s leis e aos valores do pas de adoo,
seguem as regras da escola pblica e reservam a sua diferena
cultural e religiosa para a vida privada e familiar.
Ora, em seu lugar, foram "reconhecidos" os valores da diferena,
como se os imigrantes tivessem todo o direito de viver parte, seguir
publicamente a sua cultura e, mesmo, imp-la sociedade francesa.
Note-se que os terroristas islmicos eram de cidadania francesa,
voltando-se contra os prprios valores republicanos franceses.
E quais foram os alvos de seus ataques?
Um grupo de jornalistas satricos que exerciam o seu direito de
liberdade de expresso. Numa sociedade democrtica, eles tm todo
o direito de faz-lo. Os descontentes devem recorrer aos tribunais se
se sentirem atingidos. O uso da violncia e do assassinato no so
"respostas", salvo se as considerarmos como "justificadas" por uma
suposta excluso. Os supostos excludos so os que, na verdade,
querem impor os seus valores sociedade francesa e tambm, em
seus outros prolongamentos terroristas, ao mundo ocidental em
geral.
Outro grupo foi constitudo por policiais, tambm cruelmente
abatidos. Um deles pediu clemncia, inerte no solo, antes de ser
assassinado. Ora, o que so policiais? Policiais so smbolos do
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Estado e como tal devem ser reconhecidos. No momento em que
policiais viram alvo de terroristas, o prprio Estado que atingido
num de seus pilares. Nesse sentido, o objetivo dos terroristas
consistia na destruio mesma do Estado, procurando suscitar a
desordem pblica e a generalizao da violncia.
Outro grupo foi o de judeus, atingidos, na "melhor" tradio nazista,
pelo simples fato de serem judeus. como se o terror islmico
procurasse relembrar, neste ano mesmo em que se rememora o
terror de Auschwitz, que eventos semelhantes podem ocorrer
novamente, no futuro. No outra coisa que fazem quando pregam
abertamente a destruio pura e simples do Estado de Israel.
Aqui h outro torpor do politicamente correto sob a forma da
esquerdopatia reinante. Recentemente Israel, em defesa prpria, fez
um ataque de helicptero no lado srio das Colinas do Golan, matando
terroristas do Hezbollah e militares iranianos, entre eles um poderoso
general da Guarda Revolucionria. Tal fato, de maior importncia,
no ganhou maior destaque, como se no fosse uma anomalia que o
Hezbollah e a Guarda Revolucionria iraniana estivessem na Sria
preparando ataques visando destruio do Estado de Israel.
Outra explicao seria, evidentemente, a de que os terroristas do
Hezbollah e os militares iranianos l estivessem fazendo turismo!
Tudo terminando por se acomodar num esquema mental em que todo
exerccio da diferena justificado. sempre o "mas"...
Um caso particularmente exemplar de outro modelo de integrao
imigratria, independentemente de cultura, tradio e religio. Kirk
Douglas, um dos maiores atores de Hollywood, era judeu, nascido
com o nome de Issur Danielovitch, em 1916. Seus pais eram
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imigrantes da hoje Bielorrssia que chegaram aos Estados Unidos no
final do sculo 19 e incio do 20.
Quando chegou escola pblica, Issur Danielovitch no falava ingls,
tinha o idiche como idioma. Teve de se integrar cultura local,
tornando-se fluente no ingls. E veio a ser um dos maiores atores da
histria do cinema, representante por excelncia da cultura
americana. At serviu na Marina dos Estados Unidos durante a 2.
Guerra Mundial. Se ele no se tivesse integrado, teria vivido parte,
exercendo, no linguajar modernoso de hoje, o seu "direito
diferena". No se teria tornado Kirk Douglas.
Hegel, em sua obra Filosofia do Direito, discorrendo sobre o Estado
moderno, argumenta que no importa que a pessoa seja judia ou
quaker - poderamos acrescentar muulmana -, contanto que seja
"homem", a partir de sua integrao num Estado que expresse
valores universais.
*Denis Lerrer Rosenfield professor de filosofia na UFRGS. E-
mail: [email protected]