multiculturalismo rpc 06-07

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Page 1: Multiculturalismo RPC 06-07

Universidade de Aveiro Departamento de Línguas e culturas

Multiculturalismo

Relações Político-Culturais

Docente: Jorge Flores______________________________________________________________________

Sílvia Almeida, nr. mec. 27827

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25 Novembro 2006

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Os Estados Parte comprometem-se a proibir e a eliminar a discriminação racial em todas as suas formas e a garantir o direito de cada um à igualdade perante a lei, sem distinção de raça, de cor ou de origem nacional ou étnica.

Convenção da ONU sobre a Eliminação de todas as formas de descriminação racial ( 1966)

Em sociedades cada vez mais diversificadas, torna-se indispensável garantir uma interacção harmoniosa entre pessoas e grupos com identidades culturais a um só tempo plurais, variadas e dinâmicas, assim como sua vontade de conviver. As políticas que favoreçam a inclusão e a participação de todos os cidadãos garantem a coesão social, a vitalidade da sociedade civil e a paz.

Art.2 º da Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural.

Toda a pessoa deve poder expressar-se, criar e difundir as suas obras na

língua que deseje e, em particular, na sua língua materna; toda a pessoa tem

direito a uma educação e formação de qualidade que respeite plenamente a

sua identidade cultural...

Art.5º. Idem

.

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Indice

A Globalização..................................................................................................................4A influência do Estado-Nação...........................................................................................5Segregacionismo vs Assimilacionismo.............................................................................7O Multiculturalismo como modelo de gestão.................................................................10

As dificuldades do multiculturalismo..........................................................................12O caso português.............................................................................................................15Conclusão........................................................................................................................17

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A Globalização

A diversidade cultural acompanha a história da humanidade e nas

últimas décadas a afirmação da diversidade étnico-cultural é uma das mais

relevantes transformações do Mundo. As discussões acerca do

multiculturalismo acompanham os debates sobre o pós-modernismo e sobre os

efeitos da pós-colonização, o que se verifica de forma mais evidente a partir

dos anos 70, sobretudo nos Estados Unidos.

Não sendo um debate recente, a tónica da discussão mudou desde a

Convenção da ONU de 1966, o que outrora se baseava na luta contra qualquer

forma de discriminação, hoje parte do princípio que a “diversidade cultural é um

património comum da humanidade, tão necessária para o género humano

quanto a biodiversidade para os seres vivos1”.

Esta afirmação, sendo verdadeira, encerra em si realidades

contraditórias que dificultam uma boa gestão desta globalização e diversidade.

O avanço das telecomunicações, a circulação intensificada de

informações, bens e força de trabalho e a facilidade de viajar, longe de

uniformizar o planeta, trazem consigo a afirmação de identidades locais e

regionais, assim como a formação de sujeitos políticos que reivindicam, a partir

de garantias igualitárias, o direito à diferença.

A nível cultural, se por um lado, se observa um movimento de

homogeneização e mundialização de determinadas expressões culturais, por

outro verifica-se uma maior facilidade em projectar culturas minoritárias,

promover a sua interacção e fusão e multiplicar a oferta cultural, num quadro

de crescente liberdade de expressão.

Esta intensificação de circulação de bens e pessoas é contrariada pela

imposição de barreiras proteccionistas por parte dos países mais ricos, além de

que, “em tempos de acelerada globalização, há uma tendência perigosa para o

regresso dos nacionalismos, como se fosse essa a solução para os problemas

da globalização hegemónica e não a criação de uma globalização alternativa.2”

1 Declaração universal sobre a diversidade cultural, Unesco, Novembro 20012 Miguel Vale de Almeida, caros compatriotas, webpage 18.11.2002

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A influência do Estado-Nação

Mas para melhor entendermos as dicotomias presentes na problemática

do multiculturalismo teremos que o definir, tentando distinguir as várias

correntes de pensamento cultural adoptadas por cada país, reconhecer a

responsabilidade do estado-nação, enquanto organização politica, social e

cultural e admitir que esta é uma nova realidade que marcará o inicio deste

milénio, de forma nem sempre pacifica, mas inevitável.

Durante os séculos XIX e XX surgiu o Estado-nação tal como o

conhecemos hoje. É recente a ideia de que a forma ideal de organização

politica, social e cultural corresponde a um território, a um povo, a um estado

soberano, a uma língua nacional.

Os séc. XIX e XX foram também marcados pelas expansões

imperialistas e coloniais de algumas grandes potências que procuravam

“civilizar” os povos e culturas que dominavam. O nacionalismo e o colonialismo

partilhavam então objectivos e características em comum. Se cada estado se

definia como o ideal político de uma civilização étnica e linguisticamente

definida, então as colónias seriam a confirmação e o local onde estes

conceitos seriam impostos de forma a legitimar o Estado nação.

Se por um lado o Estado nação transmitia o sentido de comunidade,

omitindo as diferenças e desigualdades internas, por outro, as colónias

asseguravam uma desigualdade hierárquica, implícita na ideia de que alguns

povos ou nações seriam superiores e teriam a obrigação de tutelar os inferiores

As relações entre colonos e colonizados, entre as culturas dominantes e

dominadas, conduziam a um de dois modelos: assimilação, fazendo do

colonizado uma cópia tão fiel quanto possível do colonizador ou o

segregacionismo, que de forma a evitar “contaminações” e preservar “a pureza

“ da cultura colonizadora, exacerbava e afastava as diferenças socio-culturais

entre as duas civilizações.3

Uma excepção a esta realidade eram os grupos que se encontravam em

diáspora, como os judeus por exemplo. Mal ou bem integrados na sociedade

3 Marques, R., “Da assimilação ao multiculturalismo”, Observatório da Imigração, Janeiro 2003

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de acolhimento, sentiam a falta do seu Estado nação. De forma a legitimarem-

se e a serem legitimadas as suas diferenças enquanto grupo, as suas terras de

origem foram reproduzidas no seio das sociedades de acolhimento. O estatuto

destes grupos no seio dos estados europeus, ou dos estados americanos,

construídos à semelhança do nacionalismo europeu, era diferente do dos

imigrantes ou colonizados.

Entretanto, com o final da IIª Guerra Mundial e os emergentes

processos de descolonização, o posterior fim do comunismo e a queda da

União Soviética, surgem novas nações, aumentando e diversificando o mapa-

mundo. Dos 50 países que constituíam as Nações Unidas, evoluímos até aos

191 membros actuais.4

Esta diversificação e afirmação identitária são naturalmente causa e

consequência de profundas alterações na relação entre povos e culturas.

Segregacionismo vs Assimilacionismo

4 André, J.M., “Identidade(s), Multiculturalismo e Globalização, XX Encontro de Filosofia ,Fevereiro 2006-11-27

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Estabelecida a relação entre o Estado-nação e o multiculturalismo, é

chegada a altura de definirmos o termo e compreendermos a sua evolução.

Provavelmente a primeira teoria atenta a esta nova realidade foi o

“melting pot”. O termo “melting pot” foi usado pela primeira vez em 1782,

quando um comerciante francês em Nova Iorque previu os Estados Unidos

como sendo, não só a terra das oportunidades, mas também uma sociedade

onde todos os indivíduos de diferentes nações se fundiam para dar origem a

uma nova raça de homens, cujo valor e trabalho iria um dia mudar o mundo.

Apesar de melting pot se poder aplicar a muitos países no mundo, tal

como o Brasil, a França ou o Bangladesh, é um termo normalmente associado

aos Estados Unidos devido à imensidão de movimentos migratórios e de

diáspora desde o séc. XIX e por estar intimamente ligado ao processo de

americanização.

A teoria do melting pot, conquanto liberal e multicultural, foi rapidamente

criticada por ser utópica e racista, já que privilegia a herança ocidental. com

especial ênfase na cultura anglo-saxónica, excluindo emigrantes não europeus.

Mais, muitas das suas políticas, embora assumidas no âmbito do melting pot,

tiveram resultados assimilacionistas.

É preciso então, considerando que apenas entre 10 e 15% dos países

são considerados culturalmente homogéneos, apreciar a verdadeira dimensão

da diversidade cultural e étnica por todo o mundo.

O Banco Mundial estima em cerca de 2 a 3 milhões de pessoas que

anualmente migram, procurando essencialmente quatro países: Estados

Unidos, Alemanha, Canadá e Austrália, sendo que, no começo do século XXI,

cerca de 130 milhões de pessoas vivem fora dos países onde nasceram e esse

total vem aumentando em cerca de 2% ao ano. 5

Na Europa, por exemplo, “o número e a origem dos imigrantes varia

consideravelmente no tempo, dependendo da situação política e económica em

5

3 in “No limiar do Século XXI – Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial 1999/2000”, BancoMundial; Janeiro 2000, pag. 40.

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diferentes áreas do globo. O crescimento foi particularmente acentuado a partir

de meados dos anos 80”. Com efeito, “ em 1998, 13 milhões de cidadãos da

UE (3,5% da população) eram nacionais de países terceiros, o que

corresponde a um aumento de 50% desde 1985. A proporção era muito mais

elevada em alguns Estados-Membros da Europa (9,3% na Áustria e 6,7% na

Alemanha) e muito menos significativa na Espanha e na Itália. A crescente

imigração proveniente de países terceiros concentra-se principalmente nas

regiões economicamente mais avançadas.

A maioria das grandes áreas urbanas estão a tornar-se mais

multiculturais e têm de desenvolver estratégias adequadas para a integração

económica e social dos recém-chegados e respectivas famílias” 6

Nas sociedades de acolhimento que há mais tempo se debatem com

esta questão destacam-se, enquanto principais modelos de gestão, a

assimilação e a segregação.

Na Europa, isso é desde logo visível no vocabulário usado para

designar os migrantes e seus descendentes: “imigrantes” em França, “minorias

étnicas e raciais” na Grã-Bretanha, “minorias étnicas e culturais” na Suécia e

na Holanda, “estrangeiros” ou “trabalhadores convidados” na Alemanha e na

Suiça.

Segundo Inglis, os objectivos do modelo assimilacionista são fazer com

que as minorias se integrem totalmente na sociedade de acolhimento, fazendo

desaparecer as suas especificidades, abandonando os traços distintivos na

língua, cultura ou hábitos sociais”7

Este modelo levaria ao fim das razoes para crises étnico-sociais e

responsabiliza o individuo, emigrante ou membro de uma minoria de se integrar

na sociedade de acolhimento. Segundo alguns autores, este seria um processo

gradual, inevitável e pacífico, que encara o direito à igualdade como

homogeneidade e uniformidade e fundamental para uma integração com êxito.

6 in Relatório “ A situação social na União Europeia – 2002”, cap.III O desafio da mobilidade e das migrações; Comissão Europeia e Eurostat

7 Inglis, C. ; “Multiculturalism: New policy responses to diversity”, MOST – Management of Social Transformations, UNESCO, 1995

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Por outro lado, aparece o modelo a que podemos chamar

segregacionista ou diferencialista, em que o contacto com as minorias étnicas é

diminuído ao mínimo de forma a evitar conflitos.

Ambos os modelos apresentam graves deficiências. No primeiro, a

liberdade é seriamente posta em causa e desafia os princípios básicos da

democracia e do direito de expressão enquanto indivíduo e membro de um

grupo. No segundo modelo, enquanto que a consequência menor seria a falta

de comunicação e de integração das minorias, levados a casos extremos pode

levar a apartheids, instituições paralelas para minorias e até mesmo limpezas

étnicas.

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O Multiculturalismo como modelo de gestão

Como alternativa a estes dois modelos de gestão, tem sido discutida a

alternativa do multiculturalismo. O multiculturalismo aceita e legitima as

particularidades culturais e sociais das minorias defendendo a plena integração

dos indivíduos e grupos sem a perda da sua especificidade, cabendo ao

Estado o papel regulador e incentivador na construção deste modelo.

Opondo-se ao etnocentrismo, o multiculturalismo pretende resistir à

homogeneidade cultural e defende a oportunidade de expressar e manter

aspectos distintivos da cultura minoritária, sem prejuízo na participação politica,

ou em aspectos sociais e económicos. A diversidade cultural é vista como

factor de enriquecimento, em que o hibridismo e a maleabilidade são

elementos positivos de inovação.

Sendo motivo de debate, são vários os autores que se debruçam sobre

esta temática. O autor de “Multiculturalismo, Diferença e Democracia”, Charles

Taylor, apresenta a sua “teoria do reconhecimento”8, segundo a qual a luta

constante das minorias pelo reconhecimento condiciona a sua identidade. No

seu entender, os indivíduos são únicos e não podem ser categorizados. O

respeito pela diferença, as metas em comum e a salvaguarda das liberdades

fundamentais são os pilares da sua perspectiva de um modelo multicultural,

ainda que implique sacrificar a isenção do Estado, que tem como dever

incentivar e proteger as diferenças.

É de referir que o liberalismo de Taylor é amplamente influenciado pela

experiência do seu país natal, o Canadá em que o fenómeno da multiplicidade

de culturas parte da coexistência de três grupos nacionais distintos, ingleses,

franceses e aborígenes. Ao contrario, o caso americano apresenta uma

panóplia de minorias nacionais resultantes dos processos de conquista e

8 Taylor, C. “ Multiculturalismo. Examinando a política de reconhecimento”; Ed. Instituto Piaget, 1998

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descolonização, tais como os índios americanos, os porto riquenhos,

descendentes mexicanos, além dos grupos de imigrantes provenientes, entre

outros países, de Inglaterra, da Irlanda e da Itália que constituem comunidades

extremamente fortes no seio do Estado Americano.

Já Giovanni Sartori contraria a “teoria do reconhecimento” de Taylor com

a ideia do pluralismo em que se impõe um tratamento igualitário entre as

culturas enquanto base de uma politica liberal. Sartori acusa a politica de

reconhecimento de não se limitar a “reconhecer: na realidade, fabrica e

multiplica as diferenças , metendo-as na cabeça” e acrescenta que “a politica

do reconhecimento não só transforma em reais identidades potenciais, mas

dedica-se também a isola-las num gueto e a encerra-las em si mesmas”. 9

A perspectiva de multiculturalismo de Inglis assenta em três abordagens

distintas e a ter em conta: a demográfico-descritiva, baseado na existência de

vários segmentos étnicos distintos; a programático-politica, baseada em

programas e iniciativas politicas destinadas a gerir a diversidade étnica; e a

ideologico-normativa, um modelo de intervenção politica em que defende a

existência de uma diversidade étnica e assegura que os indivíduos possam

manter a sua cultura, ao mesmo tempo que lhes assegura total direito de

acesso e participação social e aderência a um conjunto de valores partilhados

por toda a sociedade.

Na vertente ideologico-normativa, a consciência colectiva tem vindo a

ser expressa de uma forma cada vez mais clara, em documentos e iniciativas

como a Declaração dos Direitos das Minorias Nacionais (1991), o Ano

Internacional da Tolerância (1995) ou a Declaração Universal para a

Diversidade Cultural (2001),

A vertente ideológica deve ser acompanhada de perto por soluções

politico-pragmaticas de forma a alcançar o objectivo do multiculturalismo, que

9 Giovanni SARTORI, La sociedad multiétnica. Pluralismo, multiculturalismo y extranjeros, trad. de

Miguel Ángel Ruiz de Azúa, Buenos Aires, Taurus, 2001.

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deverão incluir politicas sobre a língua, a nacionalidade, a educação, o

trabalho, entre outros.

As dificuldades do multiculturalismo

Contudo, esta filosofia de multiculturalismo apresenta alguns pontos

fracos e levanta problemas de fundo, que a prazo colocam particulares

dificuldades aos países na gestão da diversidade étnica. Vejamos:

A politica afirmativa10, criada em 1965 por Lyndon Johnson, tem como

objectivo eliminar a descriminação baseada na cor, raça, credo, ou sexo

através de medidas que favorecem as minorias em detrimento da maioria, em

situações em que estejam ambos em pé de igualdade. Mas não será esta uma

forma de descriminação? De uma forma ou de outra, a decisão de escolher um

indivíduo para um determinado cargo, por exemplo, é sempre baseado na sua

raça ou sexo. Mais, salientando as diferenças entre as minorias e evidenciando

a sua necessidade de protecção, não estará o estado a agir de forma contra

producente tendo em conta o objectivo igualitário e multicultural?

Os momentos de crise são particularmente delicados para os países

que, de uma forma ou outra, se empenham no desenvolvimento de uma politica

multicultural. Os fundos destinados a estas politicas de integração reduzem os

meios das politicas sociais, o aumento do desemprego torna o emigrante uma

ameaça na disputa por postos de trabalho escassos tornam o terreno fértil para

a ascensão da xenofobia, verifica-se uma regressão na adesão ao apoio ao

multiculturalismo e novas tendências de encerramento e incentivo ao regresso

dos emigrantes. Tomando como exemplo a Suécia verificamos que, não sendo

um país de imigrantes, recebeu um considerável numero de refugiados

políticos a partir do final da 2ª Guerra Mundial. Em 1975, trocou a sua politica

assimilacionista pelo multiculturalismo. Contudo, em tempos de crise, no

10 Sykes, M., The origins of Affirmative Action, National Now Times, August 1995

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relatório de Imigração de 200211, praticamente desapareceram todas as

referências ao multiculturalismo. Mais recentemente, acompanhamos o

regresso de centenas de emigrantes portugueses do Canadá.

Nesta conjuntura desfavorável per se, acresce ainda a perspectiva mais

conservadora do multiculturalismo que acusa esta politica de ser racista e

segregacionista na medida em que exalta as diferenças entre as várias

comunidades dentro da comunidade, colocando em risco a civilização ocidental

tal como a conhecemos.

O que então tem falhado no modelo multicultural? A questão não é nova

na Europa e tem levado a confrontos políticos e a uma sensibilidade crescente

da opinião pública e dos eleitores a discursos xenófobos e racistas.

O que leva 80% dos muçulmanos britânicos a declararem-se em

primeiro lugar muçulmanos e depois britânicos? O que levará a que jovens

muçulmanos, nascidos, criados e educados no Reino Unido a fazerem-se

explodir no metro de Londres tentando matar o maior número possível de

cidadãos do seu pais? Ou o que estará na origem do sentimento de exclusão

dos jovens franceses ao ponto de incendiarem os arredores de Paris, Marselha

ou Bordéus?

Na América fatalista, fazem-se previsões catastróficas afirmando que, no

final do século, a Europa será apenas a parte ocidental da Eurábia.

O debate continua aceso na Europa e sem dúvida marcado por

discursos de extrema-direita, os quais parecem encontrar cada vez mais

resposta. O caso recente mais assustador e ilustrativo foi o da Holanda. Tido

como um das sociedades mais abertas e tolerantes da Europa viu em 200212 a

lista de Pim Fortuyn – portadora de um discurso profundamente xenófobo e

racistas - ascender a 2º partido mais votado. Atacando violentamente a entrada

de emigrantes muçulmanos na Holanda teve o apoio de uma parte significativa

11 informação disponível em http://www.sweden.se/templates/Publication____4835.asp

12 Relatório Anual “Diversidade e Igualdade para a Europa” (2001) do Observatório Europeu dos

Fenómenos Racistas e Xenófobos, Novembro 2002, pag. 25

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do eleitorado. Apesar do sucesso ter sido de curta duração o tema ficou e os

partidos tradicionais recuperaram, em grande parte porque abandonaram um

discurso multiculturalista e defenderam restrições à imigração.

Mas o que está aqui verdadeiramente em causa não é a cultura de

tolerância, mas sim se os muçulmanos seriam ou não capazes de se adaptar à

cultura ocidental. Será admissível, em nome da diferença, que as mulheres

sejam tão mal tratadas na Europa como no Norte de Africa? Será possível que

a lei islâmica se possa sobrepor ao código civil? Na Holanda, em nome da

diferença cultural, não se ensina nas escolas a História da Holanda, por

exemplo, o que é entendido por alguns como sendo falta de boa vontade para

entender e integrar a sociedade de acolhimento.

Será que a cultura ocidental está realmente em risco porque se recebem

demasiadas pessoas que se recusam a participar da cultura do país de

acolhimento? Até que ponto o direito à diferença se sobrepõe aos Direitos do

Homem?

Estas preocupações estão na base de linhas de pensamento anti- -

multiculturalistas, em que este choque de civilizações está em evidência. O já

anteriormente citado Sartori defende, por exemplo, que se distinga claramente

entre os emigrantes passíveis de integração na sociedade de acolhimento e

aqueles que devido às suas diferenças religiosas ou étnicas estão para lá de

qualquer integração. Nota-se no seu discurso uma profunda reserva à

tolerância em relação àqueles que encaram a sociedade de acolhimento, não

como uma sociedade em que se possam sentir integrados mas sim, como um

alvo a abater.

O caso português

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Portugal tem se mantido um pouco alheado destas questões não se

verificando grandes debates sobre a diversidade étnica e o multiculturalismo,

salvo a nível académico em que se realizam alguns trabalhos sobre este tema.

Enquanto realidade multi étnica, Portugal tem sofrido nas últimas

décadas alterações importantes e dignas de referência. Passou de um país de

emigração para um país de imigração, especialmente após a descolonização ,

em 1975. Para além do regresso de quase meio milhão de portugueses que

viviam nas antigas Colónias ( os retornados), Portugal foi escolhido por muitos

africanos, que fugindo às guerras ou procurando melhores condições de vida,

se instalaram no nosso país. Nesta fase (1975-1980), a população estrangeira

cresceu à taxa média anual de 12,7%13. Fixando-se, sobretudo, na periferia das

grandes cidades em condições precárias e baixas qualificações, foram

arrastados para empregos indiferenciados e poucos regressaram aos seus

países de origem. Os seus descendentes de 2ª e 3ª geração, constituem um

dos grandes desafios de uma politica de gestão da diversidade étnico-cultural

no nosso país, já que não se sentem integrados no país de acolhimento nem

tampouco se identificam com o país de origem. A aquisição da nacionalidade

portuguesa rege se por princípios muito rígidos, deixando de fora muitos destes

jovens.

Nas décadas de 80 e 90, Portugal continuou a receber imigrantes,

chegando a 400.000 imigrantes legais em 2002, embora as suas origens se

tenham diversificado. Ao ciclo africano seguiu-se um ciclo brasileiro que não

trouxe grandes dificuldades em termos de adaptação ou integração.

Finalmente, a partir de 1995, verificou-se um aumento significativo de

imigrantes de Leste que coloca novas questões já que, não têm qualquer tipo

de ligação histórico-cultural, não partilham da mesma língua e têm, na sua

maioria, um nível de educação bastante superior.

No espaço de 30 anos, Portugal viu crescer a sua diversidade étnico-

cultural que obrigou o país a um esforço de adaptação e gestão desta nova

realidade. Salientando-se na historia recente, em 1991, o Secretariado14

Coordenador dos Programas de Educação Multicultural que visa “coordenar,

incentivar e promover, no âmbito do sistema educativo, os programas e as 13 Baganha, M. “ Imigração e Política, O caso português” ; Fundação Luso-Americana, 2001, pag. 1514 Despacho Normativo nº 63/91 , de 13 de Março 1991

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acções que visem a educação para os valores da tolerância, do diálogo e da

solidariedade entre diferentes povos, etnias e culturas”

Foram também criados o Alto-comissário para a Imigração e Minorias

Étnicas, o Conselho Consultivo para os Assuntos da Imigração e a Comissão

para a Igualdade e Contra a Discriminação.

Importa salientar também o acesso destas minorias aos apoios sociais,

quer na forma de Planos Especiais de Realojamento quer no Rendimento

Mínimo Garantido ou ainda os programas que visam o ensino do Português e a

introdução à cidadania.

Conclusão

Essencialmente, é de concluir que a gestão da diversidade étnico-

cultural não tem definida ainda a melhor solução que defenda por um lado, o

direito das minorias étnicas à diferença e à dignidade enquanto indivíduo e

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grupo no seio de uma sociedade de acolhimento, por outro, a coesão social em

torno de um código de valores comum que constitui uma sociedade.

Ainda com um longo caminho a percorrer, o multiculturalimo parece ser

a melhor aposta para a gestão da diversidade étnica, se encarado como um

projecto em permanente construção e mutação com direitos e obrigações e

sem preconceitos. Será encorajador para as minorias a participação social que

não implique abdicar das suas origens e importante para a sociedade de

acolhimento sublinhar a tolerância e as vantagens por demais evidentes numa

sociedade multicultural.

É contudo necessário ter em conta que o multiculturalismo poderá ser

conseguido não apenas com uma politica multiculturalista, mas sim com um

conjunto crescente de politicas que visem a igualdade, o direito a diferença, a

luta contra a discriminação que possam sustentar as sociedades multiculturais,

usando todos os trunfos ao nosso dispôr, tal como parecia pensar Bill Clinton,

ex-Presidente dos Estados Unidos, no seu discurso sobre valores

compartilhados em 1998, onde afirma que “a cada dia, o nosso mundo

distancia-se mais da nossa noção do familiar, e precisamos nos adaptar à sua

natureza que está sempre a mudar. Nessa época plena de desafios, contamos

com os nossos artistas e intelectuais para continuar a divulgar as nossas

decisões e as nossas acções. Músicos, actores, filósofos, dramaturgos,

pintores, escritores, escultores, dançarinos, e historiadores compartilham

connosco o seu talento e formação. Através das suas perspectivas exclusivas,

eles fortalecem a nossa compreensão, inspiram as nossas melhores

realizações, e dão vazão aos nossos anseios mais profundos”.

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