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COLEÇÃO EXPLORANDO O ENSINO HISTÓRIA VOLUME 21 ENSINO FUNDAMENTAL

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  • COLEO EXPLORANDO O ENSINO

    hIStRIA

    VOLUME 21

    ENSINO FUNDAMENtAL

  • COLEO EXPLORANDO O ENSINO

    Vol. 1 MatemticaVol. 2 MatemticaVol. 3 MatemticaVol. 4 QumicaVol. 5 QumicaVol. 6 BiologiaVol. 7 FsicaVol. 8 GeografiaVol. 9 AntrticaVol. 10 O Brasil e o Meio Ambiente AntrticoVol. 11 AstronomiaVol. 12 AstronuticaVol. 13 Mudanas ClimticasVol. 14 FilosofiaVol. 15 SociologiaVol. 16 EspanholVol. 17 MatemticaVol. 18 CinciasVol. 19 Lngua PortuguesaVol. 20 Literatura

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    Centro de Informao e Biblioteca em Educao (CIBEC)

    Histria : ensino fundamental / Coordenao Margarida Maria

    Dias de Oliveira . - Braslia : Ministrio da Educao,

    Secretaria de Educao Bsica, 2010.

    212 p. : il. (Coleo Explorando o Ensino ; v. 21)

    ISBN 978-85-7783-045-9

    1. Histria. 2. Ensino Fundamental. I. Oliveira, Margarida Maria

    Dias de. (Coord.) II. Brasil. Ministrio da Educao. Secretaria de

    Educao Bsica. III. Srie.

    CDU 51:373.3

  • MINISTRIO DA EDUCAOSECRETARIA DE EDUCAO BSICA

    hIStRIA

    Ensino Fundamental

    Braslia2010

  • Secretaria de Educao Bsica

    Diretoria de Polticas de Formao, Materiais Didticos e de Tecnologias para Educao Bsica

    Coordenao-Geral de Materiais Didticos

    Equipe Tcnico-Pedaggica Andra Kluge Pereira Ceclia Correia LimaElizangela Carvalho dos Santos Jane Cristina da SilvaJos Ricardo Alberns LimaLucineide Bezerra DantasLunalva da Conceio GomesMaria Marismene Gonzaga

    Equipe de Apoio AdministrativoGabriela Brito de ArajoGislenilson Silva de MatosNeiliane Caixeta GuimaresPaulo Roberto Gonalves da Cunha

    Coordenao da obraMargarida Maria Dias de Oliveira

    AutoresDcio Gatti JniorElison Antonio Paim Flvia Eloisa CaimiJuara Luzia LeiteItamar FreitasMaria Telvira da ConceioMarlene CainelliSandra Regina Ferreira de Oliveira

    Leitores CrticosAndrea DelgadoMaria Ins Sucupira Stamatto

    UNIVERSIDADE FEDERAL DE SO PAULO UNIFESPInstituio responsvel pelo processo de elaborao dos volumes

    Tiragem 156.772 exemplaresMINISTRIO DA EDUCAO

    SECRETARIA DE EDUCAO BSICAEsplanada dos Ministrios, Bloco L, Sala 500

    CEP: 70047-900 Tel.: (61) 2022 8419

    1) As opinies, indicaes e referncias so de responsabilidade dos autores cujos textos foram publicados neste volume.2) Em todas as citaes foi mantida a ortografia das edies consultadas.

  • Sumrio

    APRESENTAO ................................................................................................. 7

    INTRODUO .....................................................................................................9Margarida Maria dias de Oliveira

    Captulo 1O que se ensina e o que se aprende em Histria .................................................17Marlene Cainelli

    Captulo 2Os tempos que a Histria tem ... .......................................................................35sandra regina Ferreira de Oliveira

    Captulo 3Meu lugar na histria: de onde eu vejo o mundo? .............................................59Flvia elOisa CaiMi

    Captulo 4Lembrando, eu existo .........................................................................................83elisOn antOniO PaiM

    Captulo 5Demandas sociais, formao de cidados e ensino de Histria ...................... 105dCiO gatti JniOr

  • Captulo 6O trabalho em sala de aula com a histria e a cultura afrobrasileira no ensino de histria ..............................................................................................131Maria telvira da COnCeiO

    Captulo 7A experincia indgena no ensino de Histria ................................................. 159itaMar Freitas

    Captulo 8Fazendo gnero na histria ensinada: uma viso alm da (in)visibilidade ....... 193Juara luzia leite

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    A Coleo Explorando o Ensino tem por objetivo apoiar o tra-balho do professor em sala de aula, oferecendo-lhe um material cientfico-pedaggico que contemple a fundamentao terica e metodolgica e proponha reflexes nas reas de conhecimento das etapas de ensino da educao bsica e, ainda, sugerir novas formas de abordar o conhecimento em sala de aula, contribuindo para a formao continuada e permanente do professor.

    Planejada em 2004, no mbito da Secretaria de Educao Bsica do Ministrio da Educao, a Coleo foi direcionada aos professores dos anos finais do ensino fundamental e ensino mdio e encaminha-da s escolas pblicas municipais, estaduais, federais e do Distrito Federal e s Secretarias de Estado da Educao. Entre 2004 e 2006 foram encaminhados volumes de Matemtica, Qumica, Biologia, Fsica e Geografia: O Mar no Espao Geogrfico Brasileiro. Em 2009, foram cinco volumes Antrtica, O Brasil e o Meio Ambiente An-trtico, Astronomia, Astronutica e Mudanas Climticas.

    Agora, essa Coleo tem novo direcionamento. Sua abran-gncia foi ampliada para toda a educao bsica, privilegiando os professores dos anos iniciais do ensino fundamental com seis volumes Lngua Portuguesa, Literatura, Matemtica, Cincias, Geografia e Histria alm da sequncia ao atendimento a pro-fessores do Ensino Mdio, com os volumes de Sociologia, Filosofia e Espanhol. Em cada volume, os autores tiveram a liberdade de apresentar a linha de pesquisa que vm desenvolvendo, colocando seus comentrios e opinies.

    Apresentao

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    A expectativa do Ministrio da Educao a de que a Coleo Explorando o Ensino seja um instrumento de apoio ao professor, contribuindo para seu processo de formao, de modo a auxiliar na reflexo coletiva do processo pedaggico da escola, na apreenso das relaes entre o campo do conhecimento especfico e a proposta pedaggica; no dilogo com os programas do livro Programa Na-cional do Livro Didtico (PNLD) e Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), com a legislao educacional, com os programas voltados para o currculo e formao de professores; e na apro-priao de informaes, conhecimentos e conceitos que possam ser compartilhados com os alunos.

    Ministrio da Educao

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    A Histria nas salas de aulas brasileiras

    O senso comum sobre a disciplina Histria, partilhado, inclu-sive, por parte dos profissionais de outras reas de conhecimento, concebe a Histria como o resgate de todo o passado de todas as sociedades. Essa viso no de todo desproposital. Ela tribut-ria do enorme prestgio das concepes tradicionais de Histria, conhecidas pelas denominaes de positivista, metdica e que foram preponderantes na escrita da Histria no sculo XIX e, com algumas modernizaes, na histria escolar, pelo menos em nosso pas, durante significativa parte do sculo XX.

    A necessidade de superao dessa viso coerente, tanto com um consenso entre os profissionais de Histria sobre a natureza dos estudos histricos quanto com concepes de educao que enten-dem o aluno como sujeito do seu conhecimento e que, portanto, tm por finalidade bsica a construo de posturas investigativas por parte dos estudantes.

    Alm disso, a importncia dessa diferena (senso comum so-bre a natureza do conhecimento histrico e o entendimento dos especialistas da rea) impe-se hoje como um dos grandes desafios dos profissionais de Histria. O fosso que existe entre o que a

    Introduo

    Margarida Maria Dias de Oliveira*

    * Doutora em Histria. Professora de Histria da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

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    sociedade entende como histria e o que concebem seus profissio-nais imenso!

    A polissemia da palavra Histria oportuna para lembrarmos que as diferenas de significados denotam uma operao de ruptura. A Histria vivida ou o processo histrico refere-se s experincias vivenciadas pelas diversas sociedades, mas este passado no pode ser recomposto em sua totalidade, no h como resgatar o passado na sua inteireza.

    A histria escrita um recorte desse passado, no por incom-petncia dos profissionais de Histria, mas porque este objetivo da produo do conhecimento histrico: problematizar o passado. No se estuda Histria para contar tudo o que aconteceu, mas para construir uma problemtica sobre o passado ou sobre um tema em perspectiva histrica. importante ressaltar, ainda, que essas mo-tivaes so sempre desencadeadas no presente. Como bem afirma Antoine Prost:

    Em vez de uma essncia eterna, de uma idia platnica, a disciplina chamada histria uma realidade, em si mesma, histrica, ou seja, situada no tempo e no espao, assumida por homens que se dizem historiadores e que so reconheci-dos como tais, alm de ser aceita como histria por diversos pblicos. Em vez de uma histria sub specie aeternitatis, cujas caractersticas tivessem atravessado, sem qualquer alterao, as vicissitudes do tempo, existem diferentes produes que os contemporneos de determinada poca esto de acordo em considerar como histria: ou seja, antes de ser uma disciplina cientfica segundo sua pretenso e, at certo ponto, conforme ela o efetivamente , a histria uma prtica social (PROST, 2008, p. 13).

    Histria: pesquisa e ensino

    Ento, o que produz o profissional de Histria?Entendo que esse profissional produz conhecimentos histricos

    em duas dimenses: na pesquisa acadmica e no ensino escolar. Produzir conhecimento histrico na pesquisa acadmica partir

    de uma problemtica tendo o tempo como categoria principal. Faz-se uma investigao por meio de fontes, utilizando instrumentos

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    tericos e metodolgicos e consubstancia-se o resultado desse ca-minho percorrido em um texto acadmico.

    Produzir conhecimento histrico na dimenso do ensino escolar construir coletivamente conhecimentos histricos (que sero novos apenas para os alunos) a partir do conjunto de saberes aceitos pela tradio historiogrfica. preciso ter em mente que a forma de cons-truo do conhecimento histrico na pesquisa serve como referncia na produo do conhecimento histrico escolar. Suas particularida-des justificam sua necessidade como saber especfico, que dialoga com um cdigo disciplinar construdo pela tradio escolar.

    Alm disso, posto que esse saber tem objetivos e pblicos espe-cficos, ser conduzido coerentemente com essa realidade. Se assim no for, haver grandes chances de insucesso.

    Ora, as etapas de produo do conhecimento histrico, elenca-das anteriormente, so tambm a base para o ensino de Histria.

    A base do ensino de Histria origina-se da metodologia histri-ca. A diferena que tal procedimento realiza-se em conjunto com os alunos e com fins especficos para a compreenso desse processo de produo do conhecimento, fazendo com que se torne claro como produzida a pesquisa histrica:

    elege-se uma problemtica (tema, perodo histrico);1. tem-se o tempo como categoria principal (como o assunto 2. em estudo foi enfrentado por outras sociedades);dialoga-se com o tempo por meio das fontes (utiliza-se o 3. livro didtico, mapas, imagens, msicas, documentos);utilizam-se instrumentos tericos e metodolgicos (conceitos, 4. formas de proceder);constri-se uma narrativa/interpretao/anlise (pede-se 5. um texto, um debate, uma pea teatral, uma redao, uma prova).

    A teoria do conhecimento histrico que especifica o olhar de Histria. isso que fundamenta a necessidade do ensino de Hist-ria, ser essa a base para que o aluno pense historicamente.

    Dito de outra forma: por que ensinamos Histria? Porque a forma de produo do conhecimento histrico compreendido pelo ensino e construdo como conhecimento pelos alunos que diferen-cia esse conhecimento dos outros e que d condies ao ser humano

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    de pensar historicamente e de reconhecer-se como sujeito de uma sociedade diferente de outras sociedades que convivem no mesmo tempo ou que se construram em tempos histricos diferentes.

    Ensino-aprendizagem de Histria e formao do cidado

    a teoria da Histria que fundamenta o ensino de Histria, logo, a compreenso (e transformao) da disciplina escolar perpassa a interlocuo com a construo do conhecimento histrico.

    Contudo, se, no que concerne educao bsica, pensar histo-ricamente o objetivo principal, ento, impe-se outra discusso, apontada por Laville:

    Enquanto na maioria dos pases se diz que o objetivo do ensi-no da histria desenvolver nos alunos as capacidades de que o cidado precisa para participar da sociedade de maneira autnoma e refletida, o ensino da histria, ainda , muitas vezes, reduzido a uma narrativa fechada, destinada a moldar as conscincias e a ditar as obrigaes e os comportamentos para com a nao (LAVILLE, 1999, p. 135).

    Diante dessa constatao, haveria espao no ensino de Histria para a formao consciente, mas autnoma dos estudantes? Ou, necessariamente, o ensino de Histria a formao cidad dentro dos parmetros da sociedade englobante?

    A formao autnoma utpica? A ligao com a formao cidad no multiplica os riscos do ensino de Histria de certa ideologia?

    Para o ensino de Histria, essas questes so centrais e defini-doras de debates que precisam ser travados, inclusive, para delimi-tao de parmetros que norteiem propostas curriculares, projetos poltico-pedaggicos, programas.

    Enfrentamento terico e conexo com a sociedade

    Por esse motivo, esse livro que chega agora as suas mos dis-cute: 1) os parmetros e conceitos fundantes da rea, ou seja, como se selecionam contedos, o que a histria local, a categoria tempo

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    no estudo da Histria e os conceitos de memria e patrimnio e 2) os desafios do ensino de Histria e a formao cidad, tanto no que concerne s exigncias da Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional quanto no que diz respeito s demandas de aes afir-mativas dos movimentos sociais, do ponto de vista da produo e especificidade do conhecimento histrico.

    Dividida em oito captulos, essa publicao teve como norteado-res trs princpios: 1) os textos deveriam expressar o conhecimento que vem sendo produzido por pesquisadores, ou seja, deveriam con-ter uma base terica e metodolgica e que explicitassem os impasses do ensino de histria atual; 2) deveriam basear-se nos contedos que tratam os livros didticos de Histria disponveis nas escolas do ensino fundamental e que, portanto, esto na pauta de trabalho dos docentes em todo o pas; 3) que apresentassem, considerando os pontos anteriores, sugestes de atividades, procedimentos, trata-mentos para serem apropriados pelos professores e traduzidos nas suas prticas de sala de aula.

    Consideramos que os quatro primeiros textos: O que se ensina e o que se aprende em Histria (Marlene Cainelli), Os tempos que a histria tem... (Sandra Regina Ferreira de Oliveira), Meu lugar na histria: de onde eu vejo o mundo? (Flvia Eloisa Caimi) e Lembrando, eu existo (Elison Antonio Paim), condensam discusses que so fundamentos centrais para o ensino de Histria: a seleo de contedos, o tempo como categoria central da nossa rea, os estudos sobre Histria regional e as interfaces com a memria.

    Os quatro textos seguintes: Demandas sociais, formao de cida-dos e ensino de Histria (Dcio Gatti Junior), O trabalho em sala de aula com a histria e a cultura afrobrasileira no ensino de histria (Maria Telvira da Conceio), Sociedades indgenas: outra lgica de vivncia (Itamar Freitas), Fazendo gnero na histria ensinada: uma viso alm da (in)visibilidade (Juara Luzia Leite) tambm enfrentam questes fulcrais do ensino de histria na atualidade, mas a partir da pers-pectiva construda pelas demandas dos movimentos sociais e pela consolidao da democracia em nosso pas.

    Todos os textos so demonstrativos do esforo desses docentes e pesquisadores sobre o ensino de histria com ampla experincia na formao de professores e comprometidos com a qualificao contnua da educao pblica.

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    Demandas sociais exigem novos debates tericos

    Ainda como contribuio s reflexes aqui apresentadas, gos-taria de lembrar o verdadeiro imbrglio que caracteriza hoje, no ensino de Histria: as referncias s memrias, a diferenciao com a memria histrica e as influncias de ambas na histria ensinada.

    A memria histrica guarda vrias narrativas atravs dos v-rios grupos sociais, instituies, classes. A Histria, como produo do conhecimento cientfico, compe outras narrativas. Embasadas numa das vises que a sociedade guardou, muitas vezes, partindo dessa memria, grupos ou indivduos compem um conhecimento que vai de encontro a ela.

    O profissional de Histria deve demonstrar essas ligaes do passado com o presente e, embora no deva instituir uma como verdade nica (o que entendemos por histria tradicional exata-mente essa operao), deve ter clareza de que a memria influencia a histria, e a histria influencia a memria.

    Por outro lado, o pesquisador e o professor de Histria pre-cisam refletir e o segundo, como dever de ofcio e ter clareza do momento em que recomendvel, necessrio, desejado, (para o pblico com que trabalha) conhecer narrativa(s), confront-la(s), interpret-la(s) e compreend-la(s).

    Essas vrias operaes pressupem aprendizados, como nos lembra Aris:

    Ela deve possuir uma linguagem, um determinado sistema de referncias. Se os alunos no tiverem j nenhum conhecimento do mais elementar sistema cronolgico, nem sequer podero compreender uma visita a um museu ou mesmo uma visita a um antiqurio (ARIS, 1991, p. 12).

    Nessa perspectiva, h a necessidade do reconhecimento das v-rias memrias e de que nenhuma secreta a verdade histrica. Alm disso, fundamental estabelecer as diferenas entre essa memria e a histria produzida pelos historiadores, ou seja, produzida pela pesquisa histrica.

    Tem-se observado uma simplificao dessa questo, como se houvesse apenas uma memria, no mximo, duas. Uma oficial, identificada com o governo e a outra, que seria a produzida nas

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    academias. A oficial vista como falsa, e a acadmica, como dis-tanciada do povo.

    preciso notar que alguns livros didticos e algumas publicaes de divulgao tm propugnado o resgate da memria como porta-voz de grupos historicamente excludos. Essa fala a partir da histria oral ou mesmo atravs de outras fontes documentais tem sido equiparada produo da pesquisa histrica e mal entendida como detentora da verdade num processo de sacralizao da voz popular.

    preciso no cometer o equvoco de colocar-se a memria principalmente na 1 fase do ensino fundamental como substituta do ensino de Histria. A memria dos avs, dos pais, dos antepas-sados em geral pode at ser mais atraente para as crianas, pode apresentar outras possibilidades para o processo histrico, mas no deve substituir a informao fornecida pela pesquisa histrica.

    Infelizmente, esse um procedimento comum. Na impossibili-dade de levar os membros mais idosos da famlia para as atividades desenvolvidas em sala de aula, utilizam-se, inclusive, as famosas entrevistas como tarefas escolares para servirem de subsdio ou, at mesmo, como recurso para contar como era a rua, o bairro, a cidade, como viviam as pessoas.

    Na base da utilizao deste, assim chamado, novo recurso, est a ideia de que as memrias dos mais velhos so o contraponto Histria dos grandes homens, oficial, e esta ltima definida como chata, enfadonha, desinteressante e outros adjetivos que, infelizmen-te, tm sido costumeiramente associados ao ensino de Histria.

    Qual o problema? Essas falas, geralmente, reproduzem um passado idealizado. A

    memria a utilizada sem nenhuma criticidade, e outras questes sobre as quais os profissionais, j h bastante tempo, vm refletindo e discutindo. No se questiona sobre os papis do entrevistador e do entrevistado, das intervenes de quem pergunta, como pergunta, em que condies pergunta, da mesma forma, da imagem que o entrevistado quer passar de si e outras inmeras problemticas que permeiam as tcnicas de pesquisa.

    preciso ter em mente que os depoimentos no substituem a pesquisa histrica nem o conhecimento por ela produzido. A ideia de posso testemunhar porque vi to inebriante quanto falsa e no constitui nenhuma garantia de verdade. O depoimento oral, como a informao extrada de qualquer outro tipo de fonte condicionado pelo tempo, espao e sociedade que o produziu.

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    Jacques Le Goff, no livro Histria e Memria, acrescenta as preocupaes com as retificaes que devem ser feitas a essa me-mria por meio da escola e da mdia.

    Em primeiro lugar, porque h pelo menos duas histrias e vol-tarei a este ponto: a da memria coletiva e a dos historiadores. A primeira essencialmente mtica, deformada, anacrnica, mas constitui o vivido desta relao nunca acabada entre o presente e o passado. desejvel que a informao histrica, fornecida pelos historiadores de ofcio, vulgarizada pela escola (ou pelo menos de-veria s-lo) e os mass media corrija esta histria tradicionalmente falseada. A histria deve esclarecer a memria e ajud-la a retificar os seus erros (LE GOFF, 1996, p. 29).

    fundamental ressaltar que essa argumentao no tem por objetivo inutilizar as iniciativas por um ensino de histria mais significativo, mas sim problematizar esse mesmo ensino a partir das especificidades da produo do conhecimento histrico. Alm disso, queremos afirmar que ns, professores de Histria, precisa-mos enfrentar a discusso sobre quais critrios, parmetros, dire-trizes utilizaremos para garantir a educao histrica necessria ao cidado brasileiro.

    Referncias

    ARIS, Philippe. A Histria uma paixo nova. Mesa redonda: Philippe Aris, Michel de Certeau, Jacques Le Goff, Emmanuel Le Roy Ladurie, Paul Veyne. In: LE GOOF, Jacques; LADURIE, Emmanuel Le Roy; DUBY, George e outros. A Nova Histria. Lisboa: Edies 70, 1991 p. 12.

    LAVILLE, Christian. A guerra das narrativas: debates e iluses em torno do ensino de histria. Revista Brasileira de Histria. So Paulo, 1999, v. 19, n. 38, p. 125-138, 1999 .

    LE GOFF, Jacques. Histria e Memria. 4. ed. Campinas: Editora da Unicamp, 1996.

    PROST, Antoine. Doze lies sobre a histria. Belo Horizonte: Autntica, 2008.

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    Captulo 1

    O que se ensina e o que se aprende em Histria

    Marlene Cainelli*

    A Histria no uma disciplina a parte; uma maneira de pensar todos os problemas humanos.

    (Vitorino Magalhes Godinho).

    E se no ensinssemos histria? O que aconteceria? E se subs-titussemos a disciplina de histria por outra? Quais os problemas que isto acarretaria na formao de nossos alunos? Quais contedos que a disciplina histria ensina que deixariam de ser ensinados? Isto traria algum prejuzo para as crianas e para os futuros adultos? Enfim, para que serve o ensino de Histria? Qual a importncia do seu estudo? Segundo Gaddis (1998, p.26)

    O estudo do passado no um guia seguro para predizer o futuro. Poderamos dizer que o conhecimento do passado nos prepara para o futuro, expandindo nossa experincia, fazen-do com que possamos aumentar nossas habilidades, nossa energia e se tudo for bem, nossa sabedoria.

    E como sabemos sobre o passado? O cego1 Faustino, persona-gem do romance Viva o povo Brasileiro de Joo Ubaldo Ribeiro, fala sobre isto ao definir o que a Histria:

    * Doutora em Histria. Professora de Metodologia do Ensino de Histria e do Mestrado em Educao Universidade Estadual de Londrina.

    1 A forma de se referir ao Personagem Faustino do autor Joo Ubaldo Ribeiro. importante no texto porque indica que apesar da deficincia visual consegue enxergar o que Histria.

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    Mas explicou o cego, a Histria no s essa que est nos livros, at porque muitos dos que escrevem livros mentem mais do que os que contam histrias de Troncoso. (...) Toda histria falsa ou meio falsa, e cada gerao que chega, resol-ve o que aconteceu antes dela, e assim a Histria dos livros to inventada quanto a dos jornais, onde se l peta de arrepiar os cabelos. Poucos livros devem ser confiados, assim como poucas pessoas, a mesma coisa.Alm disso, continuou o cego, a Histria feita por papis deixa passar tudo aquilo que no se botou no papel, e s se bota no papel o que interessa (...). Ento toda Histria dos papis por interesse de algum.E tem mais, falou o cego, o que para um preto como carvo, para outro alvo como jasmim. (...) que para um impor-tante, para outro no existe. (RIBEIRO, 1984, p.121).

    Como ento, pensando como o personagem do livro, ns, pro-fessores, ensinamos histria em sala de aula? Como este conhecimen-to que temos sobre o passado transforma-se em contedos a serem ensinados e qual a importncia destes contedos para a formao de nossos alunos?

    Segundo o historiador Winock,

    A histria (...) contribui, em primeiro lugar para entendermos o mundo presente. Como em uma cidade coexistem atravs da arquitetura, das crenas, dos mitos e supersties do pas-sado e presente. A histria ajudaria a decifrar esta paisagem. A Histria tambm ajudaria a entender que alm de tudo o que est gravado na pedra ou sepultado debaixo da terra as atitudes e os comportamentos humanos perante a doena, o sofrimento, a morte, as idades da vida no so eternos. Pertencem temporalidade, tm um principio e um fim. A histria a arte de aprender que o que nem sempre foi, que o que no existe pde alguma vez existir; que o novo no o forosamente e que, ao contrrio, o que consideramos por vezes eterno muito recente. Esta noo permite situarmo-nos no tempo, relativizar o acontecimento, descobrir as linhas de continuidade e identificar as rupturas (WINOCK apud MATTOZZI, 1998, p.26).

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    A pergunta que podemos fazer como tendo esta ideia do sen-tido de histria podemos ensinar histria para crianas? Pensando que antes de qualquer coisa esta histria precisa levar em consi-derao que a criana capaz de aprender histria e pensar histo-ricamente. Ensinar a pensar historicamente significa desenvolver a capacidade de transitar de um modo de argumentar para outro, de relacionar a experincia humana com a vida prtica de cada um. Este pensar se concretiza a partir da constituio da narrativa quando o indivduo interpreta o passado seguindo os princpios e regras da cincia da histria (RUSEN, 2001).

    Da mesma forma que o saber da histria se interessa pelos grupos humanos, pelas relaes entre eles e pelo meio ambiente, o ensino da histria precisa se relacionar com os sujeitos que apren-dem comeando pela tarefa de ensinar aos alunos a sua histria e seu papel enquanto sujeitos histricos. Para esta tarefa podemos aproveitar os livros didticos para o segundo ano do ensino funda-mental, que se dedicam em sua maioria a estudar a vida da criana e seu entorno.

    Vejamos um exemplo de atividade que podemos realizar utili-zando esta perspectiva.

    A HistriA No olHAr DAs criANAsA histria que a criana consegue contar: A histria nos depoimentosDepoimento das crianas sobre suas histrias: que histria essa que a gente carrega e transporta junto com a nossa vida?A histria que a criana consegue ver: A histria na fotografiaA criana traz para escola fotos de sua trajetria no tempo comeando a perceber que a histria esta experincia. Por que escolhi estes registros e no outros?A histria que a criana consegue ler: A histria nos documentos escritosA criana traz para escola documentos escritos sobre sua vida, certido de nascimento, carteira de vacinao, Ao final da atividade a criana ao pensar sobre sua vida pode perceber que produziu uma histria compondo documentos, informaes e memrias, transformando as lembranas e relquias pessoais em documentos histri-cos que podem contar histrias de pessoas e de lugares. Assim consegue entender como o historiador seleciona os documentos para compor uma histria. Adaptado de SCHMIDT, Maria Auxiliadora; BRAGA, Tnia. Recriando histrias de Araucria. Universidade Federal do Paran, 2008.

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    A seleo de contedos escolares pressupe por parte de pro-fessores, manuais curriculares e livros didticos uma determinada concepo de histria. As definies de contedos histricos es-colares envolvem tambm as demandas relacionadas aos poderes constitudos, nesse sentido definir o que se ensina na disciplina de histria caracteriza-se antes de qualquer coisa por disputas em torno da memria e constituio da nao e de seus sujeitos. Cada socieda-de marca e reproduz passados ancorados na histria que os contam. Todas as culturas necessitam de um passado, mas nem sempre este passado aquele referendado pela investigao histrica.

    O que ensinamos de histria na escola parte dos conhecimen-tos historiogrficos produzidos pelos historiadores e ainda uma parte destes conhecimentos aquele que est nos programas de cursos e currculos para as disciplinas e tambm nos livros didticos.

    O fato de termos que selecionar contedos e fazermos escolhas sobre o que ensinar no ensino de histria nos remete a uma questo importante: Tudo Histria? Como converter esta imensido de possibilidades em escolhas? Segundo Eric Hobsbawm (1998, p.71), todo estudo histrico, portanto, implica uma seleo minscula, de algumas coisas da infinidade de atividades humanas do passado, e aquilo que afetou essas atividades. Mas no h nenhum critrio geral aceito para se fazer tal seleo.

    Selecionar contedos uma tarefa difcil. Como o professor das sries iniciais que trabalha com todos os contedos consegue sele-cionar matrias para todas as sries? No caso do ensino de histria, o livro didtico auxilia na seleo de contedos e de procedimentos didticos, ajudando a entender como se processa o conhecimento na rea de histria dialogando atravs do manual do professor. Uma tarefa importante entender como os livros didticos selecionam os contedos. Qual a histria do ensino de histria? Os contedos ensinados sempre foram os mesmos?

    A histria do ensino de histria e a seleo de contedos nos livros didticos

    Quando a disciplina de histria instituda no Brasil em meados do sculo XIX, os contedos definidos como essenciais para serem ensinados remontavam a questes da histria da civilizao europeia, mais precisamente da civilizao ocidental. O desenvolvimento destes

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    contedos indicava que cada fato histrico era nico e sem possi-bilidade de repetio, a histria deveria ser reconstituda de forma objetiva sem subjetividades para ser considerada como verdadeira e assim sendo cientfica.2

    tambm neste perodo de constituio dos estados nacionais que a histria ganha seus objetivos mais duradouros, ou seja, servir de instrumento para consolidao dos estados nacionais constituin-do-se em espaos de propagao dos feitos de seus heris atravs das atitudes dos estados representados por seus comandantes. No caso brasileiro estas caractersticas dos contedos escolares se tornam preponderantes aps a proclamao da repblica com a introduo de Histria do Brasil nos currculos das escolas primrias e secun-drias. Neste perodo, a definio dos contedos escolares coube a um grupo de professores do Colgio D. Pedro II3, situado no Rio de Janeiro, e tambm a membros do Instituto Histrico Geogrfico Brasileiro (IHGB)4, que a partir de estudos realizados definiram quais contedos sobre a histria do Brasil seriam trabalhados na escola. Foram definidos contedos relacionados histria ptria e constituio do povo brasileiro.

    a partir da constituio deste que se consolida em livros e na escola a Histria nacional que tem como modelo alguns fatos que acabariam por transformar-se em referncia em torno dos quais todo um conjunto de acontecimentos torna-se indicativo de contedo a ser ensinado e divulgado sobre a histria do pas. O descobrimento

    2 Esta forma de entender o conhecimento histrico foi durante muito tempo con-siderada como a nica maneira de pensar o conhecimento histrico, que deveria ser objetivo, racional e produzido a partir de documentos escritos e oficiais. Na teoria da histria esta forma de produzir conhecimento ficou conhecida como Histria metdica.

    3 O Colgio D. Pedro II , antigo colgio dos rfos de So Pedro, foi criado em 1837 por decreto do regente Pedro de Arajo Lima. Considerado um dos marcos da educao secundria brasileira, seus professores participaram da criao do Instituto de Educao do Rio de Janeiro e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. (SCHMIDT, Maria Auxiliadora; CAINELLI, Marlene. Ensinar Histria, 2004, p.10).

    4 IHGB, o Instituto Histrico Geogrfico Brasileiro foi criado em 1838 com a misso de elaborar uma histria nacional e de difundi-la por meio da educao, mais precisamente por meio do ensino de histria. (...). Uma vez produzida, essa his-tria deveria ser conhecida por todos e a melhor maneira de faz-lo seria pela escola. Do IHGB ela passaria diretamente s salas de aula por meio dos programas curriculares e dos manuais didticos, em geral escritos pelos prprios scios do Instituto (FONSECA, Thas Nvea. Histria e Ensino de Histria, 2006, p. 46).

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    do Brasil, a independncia brasileira, entre outros fatos, so vistos como os marcos fundadores da Histria do Brasil, contada a partir de 1500 quando os europeus aportaram em nosso territrio.

    Estes conceitos e referencias cronolgicas, definidos a partir da formao dos estados nacionais, acompanharam o ensino de histria por vrios anos. O processo de consolidao da disciplina de his-tria nos currculos das escolas brasileiras sempre envolveu uma grande discusso em torno da histria ptria. Diante dos objetivos em torno de referendar a constituio de uma nao, a histria do Brasil institucionalizou-se enquanto contedo escolar como uma histria basicamente relacionada a questes polticas. Seguindo esta direo os livros didticos selecionaram os contedos tendo como referencial a histria poltica do pas e da Europa.

    Durante quase todo sculo XX os contedos relacionados histria poltica foram predominantes no ensino de histria. Os manuais didticos destinados a crianas e adolescentes contempla-vam como contedos a histria das instituies polticas brasileira, a histria dos governos, dos lderes governamentais, das disputas em torno do poder sejam por guerras, revolues ou revoltas.

    Na dcada de 1980, no Brasil, uma das mudanas historiogr-ficas que produziu alguma interferncia na seleo de contedos e na produo de livros didticos, foi a histria marxista5 causando um grande impacto principalmente na forma de abordagem dos velhos contedos polticos. A teoria marxista modificou a forma de composio dos contedos ao pressupor como objetivo para o ensino de histria a constituio de cidados com capacidade de crtica do social. No que se refere produo de livros didticos de histria o paradigma marxista modificou a estrutura dos manuais ao organizar os contedos a partir das questes econmicas e da luta de classes.

    Neste perodo estamos falando de mudana que diz respeito forma de abordagem de contedos tradicionais no ensino de histria, mas no h ainda o propsito de pensar os contedos escolares na perspectiva daquilo que significam para as crianas e adolescentes.

    5 A anlise marxista parte das estruturas presentes com a finalidade de orientar a prxis social e tais estruturas conduzem percepo de fatores formados no passado cujo conhecimento til para atuao da realidade hodierna ( BITTEN-COURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de Histria: fundamentos e mtodos. So Paulo: Cortez, 2004, p. 145).

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    A seleo dos contedos pensada a partir daquilo que significam enquanto domnio do saber disciplinar dos professores e no se vinculam a um critrio de seleo baseado, direta ou indiretamen-te, nos problemas do aluno e da sua vida em sua condio social cultural (BITTENCOURT, 2004, p.137).

    Os contedos tradicionais trabalhados no ensino fundamen-tal comeam a sofrer alteraes significativas apenas em meados do sculo XX. A renovao temtica e a incluso de novos objetos proporcionaram mudanas significativas no entendimento do que vm a ser contedos em Histria. Temticas como mulheres, crian-as, religiosidades e porque no dizer temas relacionados prpria estrutura do conhecimento histrico como fontes,documentos, tem-poralidade comeam a fazer parte dos contedos.

    Como parte deste processo de mudana foi proposto pelo go-verno federal os novos parmetros para a educao bsica no Brasil, atravs da promulgao da Lei 9394/96, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educao Nacional evidenciando uma nova forma de pensar a aprendizagem. Segundo Holien Bezerra (2003 p.37), os objetivos da educao bsica no se restringem assimilao maior ou menor de contedos prefixados, mas se comprometem a articular conhecimento, competncias e valores, com a finalidade de capaci-tar os alunos a utilizarem-se das informaes para a transformao de sua prpria personalidade, assim como para atuar de maneira efetiva na transformao da sociedade.

    Esses objetivos para o ensino de histria mediaram a partir deste momento a elaborao de obras didticas e seleo de conte-dos para as sries iniciais tendo como parmetro a ideia de que aprender histria estaria relacionado com o entendimento do aluno de conceitos bsicos para a apreenso do conhecimento histrico. Entre estes conceitos entendidos como fundamentais para o ensino de histria estariam os conceitos de tempo, espao e sociedade.

    Como foco irradiador de seleo de contedos para as sries iniciais a partir da dcada de 1990 os PCN6 (1997, p.34) de Histria delimitaram assim o que deveria ser ensinado:

    6 Parmetros Curriculares Nacionais foram propostos pelo Ministrio da Educao no ano de 1996, constituindo-se em diretrizes que orientam a educao bsica no Brasil e so elaborados por disciplinas. No obrigatria sua utilizao como referncia.

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    Os contedos propostos esto constitudos, assim, a partir da histria do cotidiano da criana (o seu tempo e o seu espao), integrada a um contexto mais amplo, que inclui os contextos histricos. Os contedos foram escolhidos a partir do tempo presente no qual existem materialidades e mentalidades que denunciam a presena de outros tempos, outros modos de vida sobreviventes do passado, outros costumes e outras modalida-des de organizao social, que continuam de alguma forma, presentes na vida das pessoas e da coletividade. Os contedos foram escolhidos, ainda, a partir da idia de que conhecer as muitas histrias, de outros tempos, relacionadas ao espao em que vivem, e de outros espaos, possibilita aos alunos compre-enderem a si mesmos e a vida coletiva de que fazem parte.

    A partir desta dcada este documento se torna em grande parte referncia do que seriam os contedos a serem ensinados no ensino fundamental. Os PCN so construdos como parmetros de ensino a serem observados nas elaboraes de currculos nos estados e municpios brasileiros.

    Outro foco irradiador de seleo de contedos o livro didtico. Nas sries iniciais do ensino fundamental a importncia do manual didtico na definio de contedos de histria a serem ensinados muito grande. Ns, professores, acabamos por nos apoiar constante-mente nos materiais didticos em busca de sustentao para nossas prticas em sala de aula. A escolha dos contedos e os mtodos de ensino acabam por ser definidos de forma geral pelo livro didtico que selecionamos seja pela falta de tempo ou mesmo pelas dificul-dades em conseguir outros materiais de apoio.

    Nesse sentido, no podemos esquecer que o livro didtico como disseminador de contedos autorizados e legitimados pela cincia da histria tambm tem que ser discutido como formador de iden-tidades e fiel depositrio de memrias e valores.

    Os livros didticos de histria para as sries iniciais cumprem diversas tarefas desde aquela anunciada por Chopin (2004, p.553) como a funo referencial, ligada traduo dos contedos de ensino presentes nos programas e currculos, at a questo central da seleo de contedos em histria como, por exemplo, no que diz respeito ao ensino de histria local. De acordo com Circe Bittencourt (2004, p.168),

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    A histria local tem sido indicada como necessria para o ensino por possibilitar a compreenso do entorno do aluno, identifican-do o passado sempre presente nos vrios espaos de convivncia - escola, casa, comunidade, trabalho, lazer - e igualmente por situar os problemas significativos da histria do presente.

    A histria local como contedo nas sries iniciais ganha impor-tncia se nos aproximarmos do sentido atribudo por Vygotsky (1998) para a aprendizagem da histria, assim o professor ao escolher como contedo possibilidades de desenvolver na criana capacidade de se articular com seu mundo a partir do seu entorno permite que ela de-senvolva as condies para a apreenso do conhecimento histrico.

    O estudo da histria local faz parte da cultura escolar brasileira desde o Imprio. Estudava-se a Histria das provncias e depois do estado da Federao ao qual pertencia o aluno. Esta histria local ou regional integrou os programas escolares da escola elementar no Brasil com o objetivo de criar um sentimento de pertena e iden-tidade com o territrio, a terra natal. Segundo Bittencourt (2004), este sentimento, que antecipou a constituio de uma identidade nacional, justificava e justifica plenamente a insero das histrias dos Estados como contedo histrico escolar.

    A utilizao de livros didticos de histria pode auxiliar a ensi-nar histria no ensino fundamental, mas tambm pode criar alguns problemas como, por exemplo, entender a histria como algo pronto e acabado, com contedos pr-definidos sem levar em conta o contexto e os sujeitos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem. Este entendimento de como ensinar histria pode levar a um ensino que no desenvolve algo muito importante enquanto funo do ensino de histria que orientar os problemas da vida prtica (RUSEN, 2001).

    necessrio que ao escolhermos os contedos de histria te-nhamos em mente a perspectiva da formao do pensamento his-trico e a importncia da narrativa como mtodo de aprendizagem em histria. Nesse sentido, a essncia do ensino seria a constitui-o de narrativas concebidas pela descrio, anlise e explicao (MATTOZZI, 1998). Outro fator importante no desenvolvimento do pensamento histrico estaria relacionado ao levantamento de hipteses. E principalmente no ensinar histria como repetio mecnica, mas como experincias nicas complexas que constitu-ram a perspectiva de um ensino consciente em Histria.

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    Para termos uma aprendizagem em histria com possibilidade de desenvolver o pensamento histrico, as narrativas apresentadas nos livros didticos deveriam contemplar em seu contedo descrio, anlise e explicao, alm do levantamento de evidncias e hipteses. No entanto, este tipo de narrativa no comum nos livros didticos das sries iniciais, portanto temos, quando ensinamos histria, que preencher as lacunas deixadas por estes textos.

    Vejamos um exemplo de como podemos trabalhar com uma nar-rativa de um livro didtico e como mesmo com uma narrativa apenas descritiva podemos realizar um trabalho em histria que priorize o pensamento histrico e no apenas o acmulo de informaes.

    Usemos como exemplo um livro para o segundo ano do ensino fundamental que trabalha o coNtEDo MorADiANarrativa do livro didtico: H muito, muito tempo, os seres humanos viviam de forma bem diferente da nossa! No existiam cidades, nem vilas ou aldeias, e as moradias tambm eram diferentes das de hoje em dia. Essa poca conhecida como pr- histria. (...) Eles se abrigavam em cavernas, grutas, ou qualquer outro lugar onde pudessem se proteger do frio, da chuva e dos animais selvagens. Tambm faziam abrigos simples, usando folhas, gravetos e ossos. Com o passar do tempo o ser humano aprendeu a plantar e precisava aguardar o crescimento dos seus cultivos. Tornou-se ento pro-dutor, tendo menos necessidade de se deslocar em busca de alimentos. A agricultura levou-o, assim a mudar seu modo de vida. Permanecendo mais tempo no mesmo lugar, os grupos comearam a construir casas mais slidas e seguras. Para isso, utilizavam pedras e tambm barro, usado para fazer paredes, telhas e tijolos.O trabalho com a temporalidade relao-passado/presente Trabalhar com os alunos as expresses H muito, muito tempo e Com o passar do tempo.O trabalho com o espao onde se desenvolve a histria/um olhar para o meu lugar e para outros lugares.O trabalho com os conceitos em histria pr-histria, documento histrico, temporalidade.O trabalho com as explicaes/hipteses explicao do porque as moradias foram mudando. O texto aborda apenas a informao que era diferente, mas no trabalha com o porqu foram mudando, levantar hipteses sobre os mo-tivos que levaram a mudanas. Assim como a informao de que as cidades eram diferentes? Qual o motivo? Onde estavam as diferenas. O trabalho com as continuidades e as mudanas: o motivo pelo qual as pes-soas se abrigavam no passado e hoje.O trabalho com o significado do entendimento da histria: trabalhar o sen-tido de que as pessoas no construam casas como as nossas no porque no tinham condies ou porque faltavam tcnicas e conhecimento e sim porque no necessitavam, seu estilo de vida e necessidade eram outros. Protegiam-se do frio e dos animais e ns nos protegemos do que?

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    A escolha de contedos em histria precisa estar articulada com os objetivos para seu ensino. Um dos objetivos principais para este ensino seria a possibilidade de a criana ser capaz de desenvolver raciocnios de forma elaborada, no momento em que so criadas condies de aprendizagem significativas, em relao com as suas vivncias prvias. Neste sentido, o desenvolvimento do pensamen-to histrico se articularia com o modo de pensar de cada criana a partir daquilo que lhe significativo, distinguindo as questes histricas a partir do momento em que faz inferncias e diferencia a histria disciplina das outras maneiras de representar o passado, sejam elas espontneas ou no.

    Como seria, em sala de aula, um trabalho voltado para a cons-truo de um conhecimento consciente em histria? Pensemos nas operaes cognitivas que um aluno faz ao aprender histria por meio da leitura de um texto no livro didtico: ele l, geralmente responde a algumas questes, e depois solicitado que reproduza as infor-maes que retirou do texto em avaliaes ou outros trabalhos. Neste tipo de trabalho, ainda que ocorram determinados processos de apren-dizagem, estes s se tornam conhecimento consciente e proporcionam desenvolvimento do pensamento histrico se, alm de compreender as informaes contidas no texto, o aluno tambm compreenda que aquelas informaes do livro didtico so parte de produes histo-riogrficas produzidas enquanto conhecimento e por isto necessrio que a partir do contedo posto no livro didtico questionar, interro-gar, levantar hipteses sobre a narrativa do livro.

    Este sentido do ensinar histria no significaria no ter conte-dos para serem ensinados, mas olhar para estes contedos a partir da possibilidade de construir com os alunos novas questes diante de contedos/temas postos pelos livros didticos e pela historio-grafia. Aprender histria seria: discutir evidncias, levantar hip-teses, dialogar com os sujeitos, os tempos e os espaos histricos. Olhar para o outro em tempos e espaos diversos. A experincia de cada um nesse sentido se expandiria com a compreenso das experincias dos outros (BARCA, 2009). Diante desta perspectiva para o ensino da disciplina, a seleo de contedos e a definio do que seria a matria a ser ensinada precisaria antes de qualquer coisa levar em conta a experincia histrica de nossos antepassa-dos organizados no conhecimento historiogrfico produzido pelos historiadores.

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    A mudana mais complexa nesta forma de pensar o ensino de histria a relao que mantemos com o livro didtico da discipli-na. Neste tipo de metodologia e de entendimento dos contedos histricos o livro no poderia ser considerado como detentor de saberes inquestionveis. O livro serviria de articulador dos conte-dos histricos que seriam trabalhados em sala de aula. A seleo de contedos se daria pela organizao do trabalho didtico tendo como pressuposto as ideias histricas dos alunos. Como poderamos em sala de aula aplicar esta metodologia? Tendo como objetivo orien-tar as propostas e escolhas de contedos a partir da realidade dos alunos e dos seus conhecimentos sobre os contedos das suas ideias histricas. importante que nas aulas de histria o conhecimento que cada aluno traz de casa sobre o tempo, o espao e a histria sejam considerados tambm motivadores para nossas aulas.

    A utilizao do livro didtico e a seleo de contedos em parte determinadas pelos currculos e programas faz com que ao ensinar-mos histria acabemos por priorizar certas habilidades ou operaes mentais de cunho mais didtico do que relacionados ao pensamento histrico. Como por exemplo: resumir, selecionar, sintetizar, com-parar. Neste caso, a aprendizagem a partir do desenvolvimento de habilidades, que formam o pensamento histrico como deduzir, inferir, levantar hipteses, narrar, fica perdida. Desta maneira, o registro do conhecimento histrico realizado em sala de aula acaba por provocar uma separao entre as formas de aprender a pensar e as formas de pensar com e a partir da histria, ou seja, entre a aprendizagem e seu objeto (GRENDHEL, 2009).

    A narrativa histrica como possibilidade metodolgica em aulas de histria nas sries iniciais

    Entendemos que o desenvolvimento do pensamento histrico precisa ser objeto do ensino de histria desde os anos iniciais do Ensino Fundamental. preciso desenvolver o pensar historicamente, que pode ser percebido nas formas como os indivduos entendem o conhecimento histrico. No podemos colocar em oposio os con-tedos histricos baseados em eventos, datas e fatos e uma apren-dizagem da histria baseada no desenvolvimento do pensamento histrico. O que precisamos articular a possibilidade de desenvol-vimento do pensamento e o trabalho com os contedos histricos.

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    Seria possvel ensinar histria para crianas articulando ludi-cidade, pertencimento, cotidianeidade e os fundamentos da cincia histrica? Essa preocupao segue o raciocnio defendido por Hilary Cooper (2006, p.73), que argumenta:

    Se quisermos ajudar nossos alunos a se relacionarem ativa-mente com o passado, precisamos encontrar formas de en-sin-los, desde o comeo, que iniciem o processo com eles e seus interesses, que envolvam uma aprendizagem ativa e desenvolvimento do pensamento histrico, mesmo que em-brionrio, de maneira crescentemente complexa.

    Ensinar histria nas sries iniciais na perspectiva de proporcio-nar aos alunos se entenderem no tempo em que vivem a partir do entendimento dos sujeitos de outros tempos e lugares pressupe a possibilidade da compreenso desta histria atravs da narrativa. A perspectiva que trabalhamos a narrativa neste momento ancora-da nas ideias de Husbands. Este autor entende a narrativa escolar como uma das formas pelas quais alunos e professores do sentido ao passado histrico, quando pensam sobre as verses do passado. Para ele, por meio das narrativas torna-se possvel, em aulas de histria, tratar de ideias mais abstratas sobre as suposies e crenas das sociedades do passado, sobre as formas como trabalharam ou fracassaram, e como as pessoas representavam suas relaes com outros (HUSBANDS, apud, GEVAERD, 2009, p.142).

    Para Husbands, trabalhar com a narrativa escolar implicaria alguns procedimentos importantes no desenvolvimento das aulas de histria, por exemplo, para conseguir o objetivo de compreenso da histria atravs da narrativa o professor precisaria no s con-tar histrias aos seus alunos, mas tambm pedir aos alunos que as recontem; submet-las a um exame crtico, criando um sentido da sua naturalidade, assim como da sua lgica. preciso envolver a histria narrada em dvidas. O que significa relacionar as histrias a alguns princpios organizadores como: as ideias de causa, conti-nuidade, mudana (HUSBANDS apud, GEVAERD, 2009).

    A aprendizagem da histria desta forma leva em considerao e importncia no os contedos dados como naturais para a histria, mas as narrativas sobre os acontecimentos, vinculando o narrar a experincia do tempo de maneira que o passado possa tornar-se

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    presente no quadro cultural da orientao para vida prtica con-tempornea (RUSEN, 2001, p. 55).

    Vejamos uma possibilidade de articulao entre os contedos que relacionam as ideias histricas dos alunos e o conhecimento histrico produzido sobre o mesmo tema.

    tEMA: iMigrAo coNtEDo: foNtEs, EviDNciA, HiptE-sEs, iMigrAo brAsilEirAEspao: (aqui o espao o da cidade onde vive a criana)Tempo: duas temporalidades: o presente (tempo da criana) e o passado (tempo dos avs, bisavs, antepassados)Ex: Minha narrativa: (Os alunos contam as histrias dos seus antepassa-dos) Meu bisav era um menino que nasceu em um orfanato no interior da Itlia. Minha bisav nasceu em um navio vindo da Itlia para o Brasil. Eles se conheceram no Rio Grande do Sul e tiveram doze filhos, muitos netos e bisnetos, sendo que sou um deles.Narrativa do historiador: A imigrao o movimento de pessoas que deixam sua terra natal em busca de oportunidades em uma nova terra. O Brasil, a partir do sculo XIX iniciou polticas de incentivo imigrao atraindo imigrantes das mais diversas origens, como italianos, alemes, espanhis, japoneses, portugueses.Narrativas de outros: (personagem da Histria): entrevista com um imi-grante:Minha narrativa+narrativa do historiador+personagem da histria = Nar-rativa histrica/conhecimento produzidoAdaptado de SCHMIDT, Maria Auxiliadora; BRAGA, Tnia. Recriando histrias de Araucria. Universidade Federal do Paran, 2008.

    A narrativa escolar seja a do livro didtico, a do professor ou

    a do aluno, precisa acima de tudo resolver problemas com a pers-pectiva de expressar ideias em torno do conhecimento histrico. A narrativa demonstra a relao entre conscincia histrica, valores morais e argumentao (RUSEN, 1993, p.64). Gago, (2009, p.180) entende a narrativa histrica como o recontar o que aconteceu cons-tituindo este recontar no uma simples descrio, mas tambm uma explicao. A narrativa histrica, entendida como explicativa tenta responder a questes do como e porque existiram as situaes do passado em estudo.

    O trabalho com o pensamento histrico exige que as ideias dos alunos sejam levadas em considerao no momento da aprendizagem

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    como, por exemplo, as questes das hipteses e da narrativa. preciso solicitar aos alunos que levantem hipteses sobre os con-tedos e elaborem narrativas faladas e escritas sobre as hipteses levantadas. Nas sries iniciais, este tipo de conhecimento, que leva em considerao as ideias da natureza da histria7, mais signifi-cativo que os contedos tradicionais, pois se referem aos procedi-mentos necessrios para se dialogar com a produo de conheci-mentos Histricos. Por exemplo: Quando o professor em sua sala de aula apresenta a histria do municpio para o aluno destacando os principais acontecimentos como data de fundao e os primei-ros moradores, podemos afirmar que ele est trabalhando apenas com os contedos tradicionais, mas quando o professor provoca o conhecimento com o desenvolvimento do pensamento histrico atravs dos procedimentos de construo do conhecimento histrico, perguntando, questionando, trabalhando com documentao ele traz para o processo de ensino aprendizagem da histria a evidncia, a imaginao, a narrativa.

    Um exemplo concreto deste tipo de trabalho:

    NArrAtivAs DifErENtEs sobrE o MEsMo tEMATema: A histria da minha cidadePrimeiro passo: A criana conta a histria da sua cidade. Pode ser aquela que ela sabe ou pode ser uma histria imaginada.Segundo passo: Conhecimento histrico: narrativa historiogrfica: o professor escolhe um texto de um livro didtico e documentos histricos e constri junto com os alunos uma segunda narrativa.Terceiro passo: O professor pede para que a criana entreviste algum sobre a histria da cidade construindo uma terceira narrativa.Diferenas nas narrativas: a criana convidada a ler e refletir sobre as narrativas construdas. Ter que fazer um exerccio de perceber no que as narrativas se diferenciam e naquilo que se aproximam e como os autores chegaram a suas concluses.Quarto passo: A partir das trs narrativas a criana constri uma nova narra-tiva sobre a histria da cidade. Complementando, justificando, deduzindo como os autores construram suas narrativas.

    7 Estamos chamando de ideias da natureza da histria os conhecimentos relati-vos produo do conhecimento histrico, como por exemplo, a explicao, as hipteses, a evidncia histrica, a imaginao e por fim a narrativa construda sobre o acontecimento trabalhado.

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    Quando ensinamos sobre a Histria, trabalhamos com aconteci-mentos que so selecionados enquanto contedos pela importncia que representam nas sociedades. Nesse sentido, a Histria tenta compreender os atos humanos do passado. A histria pode englo-bar uma poca ou uma vida individual, o estudo de uma cidade ou de uma nao. Estuda-se histria para poder pensar o outro. Para entender a dialtica da mudana e da permanncia. Ver que a vida no retilnea. E que o futuro pode ser diferente do presente. Mais do que entender o passado, estudar a histria trabalhar a diferena, a tolerncia, como afirma a professora Elza Nadai8. Nesse sentido, a escolha dos contedos para serem trabalhados em sala de aula precisa refletir esta forma de pensar a funo do ensino de histria, ou seja, trabalhar a diferena e a tolerncia na formao de cidados conscientes da sua histria e da histria do outro.

    Referncias

    BARCA, Isabel. Educao Histrica: pesquisar o terreno, favorecer a mudana: In: BARCA, Isabel; SCHMIDT, Maria Auxiliadora (Orgs). Aprender Histria: perspec-tivas da educao Histrica. Iju: Editora Uniju, 2009, p. 53-76.

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    Captulo 2

    Os tempos que a Histria tem ...

    Sandra Regina Ferreira de Oliveira*

    * Doutora em Histria. Professora de Metodologia de Ensino de Histria e do Mestrado em Educao da Universidade Estadual de Londrina.

    O poema Morte e Vida Severina, de Joo Cabral de Melo Neto, apresenta a luta diria que o homem vivencia entre a vida e a morte. Vamos utilizar este poema para iniciar nossas reflexes sobre o homem, o tempo, a histria e, porque no, a vida.

    Na busca por uma vida melhor, Severino, retirante, sai de seu lugar e se descola com perspectivas de um futuro melhor. Ao se deparar com tantas dificuldades ele pensa em desistir e, em di-logo com Seu Jos, mestre carpina, questiona: que diferena faria se em vez de continuar tomasse a melhor sada: a de saltar numa noite fora da ponte e da vida. Neste momento, o grito da vida se sobrepe ideia de morte com o nascimento do filho de Seu Jos, mestre carpina.

    Na retomada do dilogo com Severino, o retirante, argumenta:

    Severino, retirante,/ deixe agora que lhe diga:/ eu no sei bem a resposta/ da pergunta que fazia,/ se no vale mais saltar/ fora da ponte e da vida/ nem conheo essa resposta,/ se quer mesmo que lhe diga/ difcil defender,/ s com pala-vras, a vida,/ ainda mais quando ela / esta que v, Severina/ mas se responder no pude/ pergunta que fazia,/ ela, a vida, a respondeu/ com sua presena viva./ E no h melhor

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    resposta/ que o espetculo da vida:/ v-la desfiar seu fio,/ que tambm se chama vida,/ ver a fbrica que ela mesma, teimosamente, se fabrica,/ v-la brotar como h pouco/ em nova vida explodida/ mesmo quando assim pequena/ a exploso, como a ocorrida como a de h pouco, franzina/ mesmo quando a exploso/ de uma vida Severina (Joo Cabral de Melo Neto).

    Professor/a, o poema Morte e Vida Severina uma narrativa que pode ser utilizada em sala de aula. Alm da riqueza literria, o poema nos fornece elementos para trabalhos interdisciplinares envolvendo Hist-ria (migraes), Geografia (relao do espao com o trabalho) Cincias (esforo fsico exigido no percurso Serra da Costela Recife), Lngua Portuguesa (estrutura potica) e Matemtica (clculos envolvendo o percurso, tempo, gasto de energia); dentre outras tantas ideias que voc pode ter ao ler o poema e decidir trabalhar com o mesmo. Ques-tes instigantes podem ser propostas aos alunos e desencadear estudos mais aprofundados sobre diversas temticas, como sobre os desloca-mentos populacionais quando, porque, como e para qu Severino migra? Qual o percurso desta migrao (neste trabalho a utilizao de mapas muito importante)? Hoje, o tipo de migrao retratada no poema ainda existe? O que mudou? As pessoas migram da mesma forma e com a mesma intencionalidade? Quais as outras formas de deslocamentos populacionais que podemos identificar na atualidade? Quais as diferenas no contexto social brasileiro na poca que Joo Cabral de Melo Neto escreveu o poema? Essas contextualizaes de poca podem ser pesquisadas pelos alunos e a profundidade destas pesquisas devem ser determinadas por voc, professor, baseando-se na importncia das mesmas no desenvolvimento do seu trabalho com a temtica. Em algumas ocasies uma pesquisa simples tendo por fonte a memria de pais e avs podem dar conta de responder como foi a dcada de 1950 no Brasil?. Em outras situaes faz-se necessrio adentrar em aspectos mais especficos e outras fontes devem ser buscadas: livros, documentos, documentrios, jornais, etc. Cabe a voc, professor, fazer escolhas a partir de sua intencionalidade pe-daggica. O importante sempre registrar o conhecimento advindo das pesquisas: em painis a serem expostos nas paredes da sala, nos cadernos, ou gravados.

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    E qual seria a relao entre este poema e um texto no qual se pretende dialogar com o professor dos anos iniciais do ensino fun-damental acerca do tempo enquanto noo bsica para a aprendiza-gem histrica? Nossa condio de seres vivos nos coloca frente ao tempo de forma que o concebemos, a princpio, de maneira finita: morreremos. No entanto, nossa condio humana tambm nos im-pele a buscar novas perspectivas, como faz Severino. Esta relao luta pela vida/certeza da morte que a princpio parece dual o combustvel de nossa existncia. E quando quase no podemos mais, renovamos ciclicamente nossas esperanas em tempos melho-res com celebraes como: a vinda de um novo ano, a chegada de uma nova criana, ou, porque no, o incio de um novo ano letivo. Nossa existncia enquanto sujeitos, ainda que tenha um tempo li-near com incio definido (nascimento) e um fim posto (a morte) marcada por referenciais temporais cclicos, criando a sensao de que nos possvel recomear.

    Pensar sobre o tempo na Histria fazer um exerccio de rom-per com estas concepes de tempo ancoradas em nossa vida diria, no tempo por ns vivido e percebido. compreender que as noes que construmos sobre o tempo, inclusive quanto ao seu carter cclico e renovador, so representaes elaboradas por homens e mulheres de diferentes pocas, a partir de determinados contextos e necessidades. identificar o saber que temos sobre o tempo e entender porque tal saber se constituiu a partir de determinados referenciais explicativos para a realidade. compreender que este saber, segundo Nobert Elias (1998, p. 10), resulta de um longo processo de aprendizagem, que no teve um comeo na histria da humanidade e que ensinado, cotidiana e silenciosamente, a cada indivduo, que passamos a conceber as noes de tempo como se fossem naturais e no resultantes de um longo processo histrico.

    Professor/a, Nobert Elias foi um socilogo e produziu vrias obras. Dentre estas obras, Sobre o Tempo leitura obriga-tria para aqueles que querem compreender melhor como as concepes temporais vo se alterando a partir das diferentes relaes sociais.

    Trabalhar o tempo enquanto noo bsica para a aprendizagem histrica instigar o aluno para que estabelea relaes cognitivas

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    entre a forma como pensa e vive, compreendendo historicamente este pensar e viver, para que possa aprender sobre formas dife-rentes de pensar e viver, para aqum e alm do seu tempo vivido. Para que esta aprendizagem possa se constituir imprescindvel trabalhar com o aluno na perspectiva de lev-lo a uma atitude de abstrao, identificando, questionando e ensinando-o a identificar seu pensar e questionar-se porque pensa de determinada forma e no de outras. Em linhas gerais, trata-se do que Jean Piaget (1995) denominou de abstrao reflexionante, uma atitude cognitiva que o sujeito aprende desde a mais tenra idade e fundamental para a tomada de conscincia sobre os mais diversos assuntos em qualquer rea do conhecimento.

    Mas, por outro lado, trabalhar com o tempo e com a Histria em sua perspectiva educativa, atualmente, tambm instigar o alu-no para que lute pela vida, pelos homens, pois, vivemos em uma sociedade cujo passado compreendido de forma desarticulada do presente, o que colocou os jovens, segundo o historiador Eric Ho-bsbawm (1996, p. 13), em uma situao de presente contnuo sem qualquer relao orgnica com o passado pblico da poca em que vivem. Neste cenrio, o papel dos historiadores, e, portanto da histria escrita por eles, objeto com o qual se trabalha no ensino de histria, torna-se fundamental na produo de mecanismos gerado-res de conscincia histrica e formao do conceito de tempo.

    A conscincia histrica o que nos possibilita compreender que no nascimento de novos seres humanos, tal qual no poema de Joo Cabral de Melo Neto, no h um carter cclico, mas a chegada do novo, trazendo em si toda a marca da humana oficina, ou, conforme nos contempla Hannah Arendt (2009, p. 259), o nascimento de novos seres humanos representa um novo comeo porque carrega em si toda a possibilidade de ao de que sero capazes, o que nos impele a ter esperana e a lutar em defesa da existncia humana.

    1. Tempo como categoria fundamental da Histria

    O tempo no um assunto especfico da histria e ocupa, com destaque, as reflexes no campo da fsica, geografia, psicologia, den-tre outras reas do conhecimento que aqui poderiam ser tambm citadas. No que tange rea de histria pode-se dizer que a pers-pectiva de temporalidade que caracteriza o que denominamos de

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    conhecimento histrico. Lana Castro Siman (2003, p. 111) explicita que so vrios os historiadores que reiteram esta assertiva:

    Le Goff e Pierre Nora vo nos dizer que a Histria um sis-tema de explicao das sociedades pelo tempo, Marc Bloch, que a histria a cincia do homem no tempo ou o estudo das mudanas nas durao, Braudel enfatizar a necessidade de entrecruzar as duraes e os ritmos da histria (do tempo, do acontecimento, da conjuntura e estrutura) para compre-endermos a complexidade dos movimentos de continuidade e rupturas na histria.

    O tempo a categoria principal com a qual o historiador traba-lha porque este s pode construir conhecimentos sobre o passado, a Histria, descolando-se do presente. Faz-se necessrio formular indagaes no presente e embrenhar-se no passado em busca de res-postas. No entanto, o historiador, para no se perder na imensido do passado, define um recorte temporal para analisar. Portanto, conforme Keith Jenkins (2001, p. 31), nenhum historiador consegue abarcar e assim recuperar a totalidade dos acontecimentos passados, porque o contedo desses acontecimentos praticamente ilimitado.

    Podemos concluir que entre os historiadores no pairam d-vidas quanto importncia que a categoria tempo tem em seu of-cio. Quando deslocamos nossas anlises para o contexto escolar deparamo-nos com algumas peculiaridades. Nos manuais de livros didticos para professores identifica-se, frequentemente, a inteno dos autores em apresentar para o professor a importncia que a categoria tempo tem para o conhecimento histrico. No entanto, no desenrolar das aulas junto a crianas e adolescentes percebe-se que a categoria tempo no se constitui como base para a construo do conhecimento histrico. Podemos inferir sobre porque isso ocorre aprofundando nossas reflexes sobre o que vem a ser conhecimento histrico e como este se concretiza no processo de ensinar e aprender em sala de aula nos anos iniciais do ensino fundamental.

    A palavra Histria apresenta um duplo sentido e esta duplicida-de interfere diretamente na noo que construmos sobre o que seja conhecimento histrico. Miranda, Costa (2002), a partir das consi-deraes tecidas a respeito por Pierre Vilar, apontam que a palavra Histria utilizada para denominar o conhecimento de uma matria e, ao mesmo tempo, a matria desse conhecimento.

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    No contexto escolar, na maioria das vezes, quando utilizamos a palavra Histria o fazemos para nomear um conhecimento acu-mulado a partir do estudo de um contedo especfico que versa sobre um passado a ser aprendido. Ou seja, falamos sobre a ma-tria do conhecimento histrico. Este aprendizado pode vir a ser avaliado com questes como: quem foi Pedro lvares Cabral, ou Zumbi dos Palmares? O que aconteceu em 7 de setembro de 1822? O que comemoramos em vinte e um de abril? O que se espera como resultado gerar indivduos cultos e eruditos, capazes de armazenar na memria um nmero colossal de informaes de um passado que resgata o que se passou na humanidade (MIRANDA; COSTA, 2002, p. 78).

    Tal tipo de conhecimento no pode ser desprezado e tem seu lugar na forma como nos constitumos enquanto sujeitos na atu-alidade: importante sabermos informaes sobre o passado e o presente em todas as reas e no somente na Histria. No entanto, neste tipo de aprendizagem, no nos possvel identificar a cate-goria tempo e tampouco compreender o que o aluno est compre-endendo do dilogo entre o passado e o presente. Ele pode definir quem foi Pedro lvares Cabral ou Zumbi dos Palmares apresentando alguns dados biogrficos retirados dos livros didticos ou de sites da internet, assim como responder que em 7 de setembro de 1822 comemoramos a Independncia do Brasil e dizer que 21 de abril dia de Tiradentes, sem precisar deslocar-se temporalmente, pois estes conhecimentos lhes so apresentados no presente. Basta-lhe memorizar estas informaes e entender que so respostas a serem dadas quando as questes so feitas na aula de Histria. Este tipo de conhecimento, apesar de relacionar-se com fatos do passado, no pode ser compreendido como histrico.

    A palavra Histria, utilizada enquanto conhecimento de uma matria, nos coloca frente a outra concepo do que venha a ser en-sinar e aprender Histria na escola na qual a caracterstica principal levar o aluno a compreender como um determinado conhecimento sobre o passado construdo. Neste sentido, o objetivo em sala de aula no se limita a saber uma informao sobre o passado, mas compreender, historicamente, como e porque tal conhecimento foi produzido e como chegou at ns. Ou seja, deveramos nos ater em analisar o conhecimento que temos de tal matria e porque cons-trumos determinado conhecimento e no outro. Entramos aqui na

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    perspectiva epistemolgica do conhecimento histrico a qual s pode ser compreendida a partir do deslocamento temporal.

    Nesta perspectiva no nos bas-ta, somente, levar o aluno a saber quem foi Pedro lvares Cabral ou Zumbi dos Palmares. Faz-se neces-srio deslocar-se temporalmente para compreender quem foram estes homens em seus contextos de vida; compreender por que Zumbi dos Palmares no era um contedo para o ensino de Histria na dcada de 1960 ou o que nos contava os nossos livros didticos sobre Pedro lvares Cabral no ano de 1950. Faz-se necessrio levar o aluno a com-preender que 21 de abril feriado nacional porque alguns homens, em um momento especfico de nossa trajetria social e poltica, selecionaram o dia que Tiraden-tes morreu como fato a ser iado do passado e institudo como memria nacional1.

    O historiador Marc Bloch (2001, p. 55) afirma que nenhum his-toriador se contentaria, somente, em identificar quando um fato aconteceu, ou quanto tempo durou, mas busca compreender toda a relao de causas e efeitos decorrentes do fato, o tempo da histria. Desta forma, as mudanas e permanncias que acontecem em um determinado tempo cronolgico s adquirem sentido ou podem ser compreendidas se forem apresentadas nas cadeias de evento que lhes do significado (SIMAN, 2003, p. 113). A compreenso da causali-dade, que confere durao e continuidade aos eventos, transborda nas falas das crianas e pode ser constatada em pesquisas na qual se busca compreender o pensamento histrico dos alunos.

    Em uma investigao que realizei com alunos dos anos iniciais do ensino fundamental, indaguei s crianas: a histria de Tiradentes aconteceu antes ou depois da histria do Descobrimento do Brasil? Ao responderem questo, nenhuma criana argumenta que 1792 vem depois de 1500 e encerram a discusso. Todas, utilizando de 1 Tiradentes morreu em 21/04/1792. O dia 21/04 foi institudo como feriado no governo

    provisrio de Marechal Deodoro da Fonseca, em 14/01/1890, decreto n 155.

    Professor/a, Marc Bloch foi um historiador e seu livro Apologia da Histria ou O Ofcio de Historiador uma boa indicao de lei-tura para aprofundamentos no conhecimento a respeito do trabalho do historiador e indica pistas importantes para pensarmos o ensino de Histria.

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    diferentes palavras, argumentam: ele tentou defender o Brasil dos portugueses que queriam as terras. Ento tinha que ser depois (OLI-VEIRA, 2003). Identifica-se, portanto que baseada na causalidade que a criana estabelece os deslocamentos temporais.

    Evidente que um trabalho, em sala de aula, pensado a partir da perspectiva do conhecimento de uma matria, efetiva-se de for-ma muito mais lenta do que um trabalho que se estruture a partir da viso da matria de um conhecimento. Portanto, no podemos trabalhar com toda histria ou, com todo o contedo apresentado no livro didtico. O professor, ao trabalhar com o conhecimento histrico em sala de aula, assim como faz o historiador ao escrever a Histria, deve selecionar as temticas em torno das quais seus alunos sero convidados a pensar e a elaborar conhecimentos his-tricos, o que s se efetiva considerando o tempo como categoria fundamental deste tipo de conhecimento.

    2. O tempo na escrita da Histria

    Defendemos at este ponto do texto que o tempo catego-ria fundamental para a cincia histrica e colocamos para voc, professor/a, o desafio de trabalhar com os seus alunos com um en-sino de Histria que considere esta perspectiva. Tal ensino s pode se concretizar em sala de aula se o objetivo for, paralelamente, levar o aluno a conhecer a histria produzida e o processo de produo deste conhecimento.

    Para compreender o processo de construo da Histria enquan-to conhecimento necessrio que o professor/a entenda, ainda que de forma sucinta, como historiadores, de diferentes pocas, traba-lharam com o conceito de tempo ao construrem suas narrativas.

    O historiador um profissional que investiga o passado e os resultados destas investigaes tornam-se o objeto de sua escrita. Esta narrativa denomina-se Histria. Portanto, Histria e passado, apesar da interligao sempre existente entre um e outro, no podem ser compreendidos como sinnimos.

    A forma como o passado foi investigado e, consequentemente, as caractersticas da Histria construda, diferenciou-se ao longo do tempo resultando no que denominamos de escolas historiogrficas. So trs as correntes mais discutidas: Positivismo, Materialismo Histrico e Nova Histria.

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    Positivismo o nome de uma corrente filosfica originada no sculo XVIII, no contexto do processo de industrializao da socie-dade europeia. Para os pensadores positivistas cabe histria fazer um levantamento descritivo dos fatos. A histria por eles escrita uma sucesso de acontecimentos isolados retratando, sobretudo, os feitos polticos de grandes heris, os problemas dinsticos, as batalhas, os tratados diplomticos, etc (BORGES, 1987, p. 32-33). Neste sentido, os documentos oficiais so as principais fontes de investigao assim como as aes do Estado so as eleitas para cons-titurem a narrativa histrica. A concepo de tempo nesta forma de abordagem histrica caracterizada pela linearidade (sucesso) dos fatos porque so os fatos o objeto de estudo da histria.

    Com a efetivao do capitalismo na sociedade europeia do scu-lo XIX proliferam-se as crticas sociedade burguesa e outra teoria explicativa para a realidade foi elaborada buscando a superao da mesma o materialismo dialtico. Karl Marx e Friedrich Engels podem ser destacados como os principais pensadores desta corrente filosfica para a qual a necessidade de sobrevivncia do homem impele-o a transformar a natureza e, ao transformar a natureza, transforma a si mesmo, numa relao dialtica. Essa ao humana no se d de forma isolada, mas em conjunto. Portanto, o ponto de partida do conhecimento da realidade so as relaes que os homens mantm com a natureza e os outros homens (BORGES, 1987, p. 35), analisadas a partir das condies materiais de existncia.

    A investigao histrica realizada a partir dos pressupostos do materialismo dialtico considera que a realidade dinmica, dia-ltica e repleta de contradies, gerada pela luta entre as diferen-tes classes sociais. Portanto, a concepo de tempo que podemos identificar nesta corrente de pensamento busca explicar o passado no somente a partir do tempo do acontecimento, mas da contra-dio que pode ser encontrada em todo fato e, para compreender a contradio, faz necessrio deslocar-se temporalmente intentando como determinados fatos se constituram historicamente e porque se apresentam de tal forma ao homem no presente.

    Ainda que com o materialismo histrico tenha se constitudo uma forma diferente de investigao sobre o passado e, consequentemente, provocado mudanas na narrativa histrica, foi com a Nova Histria, mais precisamente com a Escola dos Annales, em 1929, que a concep-o de tempo na historiografia sofre significativas alteraes.

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    A alterao na concepo de tempo deve ser compreendida a partir da concepo de Histria, ou melhor, de como se constri a narrativa histrica para os pensadores da Nova Histria. Para estes, todos os acontecimentos humanos poderiam ser entendidos como temticas para a construo da Histria e no somente a narrativa dos feitos de alguns homens relacionados histria poltica de seus pases. Da mesma forma, toda produo humana seria passvel de ser entendida enquanto fonte para a pesquisa do historiador, e no somente os documentos oficiais.

    Esta forma de se entender a Histria rompeu com a ideia do tempo do acontecimento, com a concepo de que a humanidade caminha de forma irreversvel para algum ponto pr-estabelecido e tambm com a noo de um progresso linear e contnuo. O papel do historiador, nesta perspectiva, considerar o tempo da durao nas anlises dos acontecimentos. Para alcanar tal intento no basta estudar os fatos a partir de sua organizao cronolgica, mas consi-derar tambm os movimentos de continuidade e mudana.

    Fernand Braudel quem anun-cia a importncia de considerarmos as diferentes temporalidades na investi-gao histrica. Para ele, h o tempo do acontecimento (breve durao), da conjuntura (mdia durao) e da estrutura (longa durao). Bittencourt (2008, p. 206), explicando essas dife-rentes concepes, afirma que:

    o acontecimento (fato de breve durao) corresponde a uma momento preciso: um nascimento, uma morte, a assinatura de um acordo, uma greve, etc; a estrutura (fato de longa du-rao), cujos marcos cronolgicos escapam percepo dos contemporneos: a escravido antiga ou moderna, o cristia-nismo ocidental, a proibio do incesto, etc; a conjuntura (fato de durao mdia) que resulta de flutuaes mais ou menos regulares no interior de uma estrutura: a Revoluo Industrial inglesa, a ditadura militar brasileira, a guerra fria, etc.

    A concepo de tempo apresentada pelos historiadores da Escola dos Annales nos indica que deve ser considerada na construo da

    Professor/a, sobre o assun-to ler BITTENCOURT, Cir-ce Maria Fernandes. Ensino de Histria: fundamentos e mtodos. 2. ed. So Paulo: Cortez, 2008.

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    Histria, a simultaneidade das duraes assim como os movimentos de permanncias e mudanas que ocorrem em uma sociedade ao longo de um determinado perodo. Para realizar esta abordagem no possvel considerar somente a cronologia como ponto de partida para a compreenso do tempo histrico.

    Os contedos e as metodologias apresentadas nos livros didti-cos relacionam-se diretamente com estas concepes historiogrficas apresentadas aqui de forma sucinta. Nos manuais destinados aos professores, os autores explicitam suas opes tericas, o que merece ser destacado e contribui na melhoria da qualidade das obras, visto que ponto pacfico entre os historiadores que todos os sujeitos falam de determinados lugares sociais e que so influenciados pelas caractersticas destes lugares. Estas informaes so valorizadas nas resenhas que compem o Guia do PNLD porque importante que o professor identifique de que lugar o autor fala.

    Desde o final da dcada de 1980, os pesquisadores da rea do ensino de Histria apontam para a ineficcia de um ensino pautado na memorizao de informaes na formao do pensamento histri-co. No Edital do PNLD de 2008, pgina 44, consta o que se espera quanto ao conhecimento histrico apresentado nos livros didticos: que levem os alunos a pensar historicamente, compreendendo os diferentes processos e sujeitos histricos, as relaes que se estabe-lecem entre os grupos humanos, nos diferentes tempos e espaos, sempre a partir de uma efetiva dimenso de contemporaneidade. Desta forma, nas colees e livros regionais, inscritos e aprovados no PNLD 2010, verifica-se a tentativa dos autores em romper com uma abordagem