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7/26/2019 2008_Lecotec_123-138 Sobre o Juqueri http://slidepdf.com/reader/full/2008lecotec123-138-sobre-o-juqueri 1/16  Anais do I Simpósio de Comunicação e Tecnologias Interativas Disponível em: http://www2.faac.unesp.br/pesquisa/lecotec/eventos/simposio/anais.html 123 DOCUMENTÁRIO E LOUCURA: OUTRAS LINGUAGENS, OUTROS OLHARES Fernanda de Freitas 1  RESUMO A Comunicação, em especial, a Comunicação Comunitária ou Popular é entendida como fonte de poder, direitos, cidadania, liberdade, instrumento de mobilização social, (re)construção de identidade, como produtora de sentido e de ampliação de possibilidades pessoais e coletivas. A linguagem audiovisual, principalmente, os documentários, é permeada por um discurso social carregado de reflexão e crítica à sociedade através da representação da “realidade”. Considerando essas afirmações, esta pesquisa propõe-se a analisar cinco documentários que registram a realidade do sujeito com sofrimento mental. Os documentários escolhidos buscam desmistificar e transformar o conceito de Loucura, mostrando os benefícios que a Reforma Psiquiátrica trouxe à vida dos usuários da saúde mental (pacientes); e contribui para a compreensão pública do novo modelo de Atenção à Saúde Mental. Eles também levantam a bandeira pela melhoria das políticas públicas de saúde, no campo da Saúde Mental. Entre os vídeos analisados, dois foram produzidos pelos usuários da saúde mental do Serviço de Saúde Dr. Cândido Ferreira, instituição psiquiátrica localizada em Campinas/SP. Esses vídeos foram produzidos sob a ótica da Comunicação Comunitária e apresentam um debate importante sobre a garantia do direito de voz dos usuários – antes trancafiados nos manicômios e torturados – que passaram de receptores de informação para produtores do seu próprio discurso. Estimulados por essa nova postura de Comunicação e de tratamento (pós-Reforma Psiquiátrica), esses usuários – através dos documentários – produzem um discurso científico e cultural que divulgam as novas formas de cuidar em saúde mental e a liberdade como recurso terapêutico. Os documentários produzidos dentro da instituição são: importantes instrumentos de formação de opinião pública, para a diminuição do preconceito e aumento da inclusão social dos usuários; um canal para esclarecimentos de dúvidas e divulgação dos serviços de saúde mental; e trazem à tona os projetos sociais desenvolvidos na instituição que, via de regra, não conseguem espaço na mídia. Desta forma, proponho uma análise dos filmes produzidos pelos usuários e também pelos documentaristas profissionais, com propósito de compreender as semelhanças e diferenças entre seus discursos científico e cultural, além de relacionar as práticas discursivas dos sujeitos receptores (usuários), que se transformam em autores do seu próprio discurso. A inovação nos cuidados em Saúde Mental criou novos modos de atuação e espaços de convergência de saberes nesta área. Com base neste valor, sugiro uma releitura crítica dos documentários que são propagadores dos discursos sobre a Loucura, e por fim, sobre as novas formas de cuidado em Saúde Mental. Palavras-chave:  Documentário e Loucura. Narrativa Audiovisual. Documentário e Saúde Mental. 1  Mestranda em Ciência, Tecnologia e Sociedade na UFSCar. Contato: [email protected]

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DOCUMENTÁRIO E LOUCURA: OUTRAS LINGUAGENS, OUTROS OLHARES

Fernanda de Freitas1 

RESUMOA Comunicação, em especial, a Comunicação Comunitária ou Popular é entendida comofonte de poder, direitos, cidadania, liberdade, instrumento de mobilização social,(re)construção de identidade, como produtora de sentido e de ampliação de possibilidadespessoais e coletivas. A linguagem audiovisual, principalmente, os documentários, é permeadapor um discurso social carregado de reflexão e crítica à sociedade através da representação da“realidade”. Considerando essas afirmações, esta pesquisa propõe-se a analisar cinco

documentários que registram a realidade do sujeito com sofrimento mental. Os documentáriosescolhidos buscam desmistificar e transformar o conceito de Loucura, mostrando osbenefícios que a Reforma Psiquiátrica trouxe à vida dos usuários da saúde mental (pacientes);e contribui para a compreensão pública do novo modelo de Atenção à Saúde Mental. Elestambém levantam a bandeira pela melhoria das políticas públicas de saúde, no campo daSaúde Mental. Entre os vídeos analisados, dois foram produzidos pelos usuários da saúdemental do Serviço de Saúde Dr. Cândido Ferreira, instituição psiquiátrica localizada emCampinas/SP. Esses vídeos foram produzidos sob a ótica da Comunicação Comunitária eapresentam um debate importante sobre a garantia do direito de voz dos usuários – antestrancafiados nos manicômios e torturados – que passaram de receptores de informação paraprodutores do seu próprio discurso. Estimulados por essa nova postura de Comunicação e de

tratamento (pós-Reforma Psiquiátrica), esses usuários – através dos documentários –produzem um discurso científico e cultural que divulgam as novas formas de cuidar em saúdemental e a liberdade como recurso terapêutico. Os documentários produzidos dentro dainstituição são: importantes instrumentos de formação de opinião pública, para a diminuiçãodo preconceito e aumento da inclusão social dos usuários; um canal para esclarecimentos dedúvidas e divulgação dos serviços de saúde mental; e trazem à tona os projetos sociaisdesenvolvidos na instituição que, via de regra, não conseguem espaço na mídia. Desta forma,proponho uma análise dos filmes produzidos pelos usuários e também pelos documentaristasprofissionais, com propósito de compreender as semelhanças e diferenças entre seus discursoscientífico e cultural, além de relacionar as práticas discursivas dos sujeitos receptores(usuários), que se transformam em autores do seu próprio discurso. A inovação nos cuidados

em Saúde Mental criou novos modos de atuação e espaços de convergência de saberes nestaárea. Com base neste valor, sugiro uma releitura crítica dos documentários que sãopropagadores dos discursos sobre a Loucura, e por fim, sobre as novas formas de cuidado emSaúde Mental.

Palavras-chave:  Documentário e Loucura. Narrativa Audiovisual. Documentário e Saúde

Mental.

1 Mestranda em Ciência, Tecnologia e Sociedade na UFSCar. Contato: [email protected]

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INTRODUÇÃO

Documentário e Loucura: outras linguagens, outros olhares

Os hospitais psiquiátricos são vistos como instituições totais, que reproduzem certas

dinâmicas da sociedade por meio de um aparato repressivo, invasivo e pouco terapêutico.

Entender a evolução do pensamento médico psiquiátrico possibilita à nossa sociedade a

compreensão sócio-cultural, sobre o direito à liberdade.O desrespeito ao ser humano transformou muitas pessoas em estatísticas médicas que

foram julgadas pelas “suas condições mental e social”.

O dito louco  ganha um novo cunho social, tanto em relação aos saberes teóricos

discutidos na área da filosofia, sociologia, saúde pública, psiquiatria, psicanálise etc., quanto

na área de atuação dos trabalhadores de saúde, especificamente da saúde mental. O lugar de

excluído que o louco  ocupa historicamente (Foucault, 1980), permite através de suas

singularidades colocar a sociedade vigente em “análise”, bem como permite ampliar os

territórios de saberes e de intervenção dentro do corpo de uma práxis.

Até pouco tempo, desde o século XVIII, o portador de sofrimento psíquico, tinha uma

única forma de tratamento o isolamento social em manicômios (internação). Esses lugares têm

como prática a segregação e exclusão do louco, na medida em que ele é apartado da

convivência social.

Em 1917 existia em nosso Estado, um hospital de psiquiatria denominado Hospital doJuqueri, mantido pelo Governo do Estado. Infelizmente esse hospital vivia sempresuperlotado, pois, insanos de todos os estados circunvizinhos eram remetidos para lá,

valendo-se de injunções políticas, para serem internados e tratados. Este fato ocorriapara que as cadeias públicas do Estado de São Paulo vivessem às voltas com doentesmentais recolhidos nelas para aguardarem vagas no Hospital Juqueri. Em Campinasexistia um certo número de doentes recolhidos nos porões da cadeia local, vivendocomo bichos e pelo fato supersticioso de que o contato com eles poderia transmitir adoença, ficavam sem tomar banho, sem fazer a barba e cortar o cabelo, sem trocar deroupa e sem tratamento, enquanto esperavam vaga no Juqueri. (PASSOS, 1975, p.7)

Na esteira desses acontecimentos, em Campinas, o ano de 1990 marca uma nova fase na

vida das pessoas internadas no então Sanatório Dr. Cândido Ferreira – ex-Hospital de

Dementes de Campinas, hoje denominado Serviço de Saúde Dr. Cândido Ferreira, localizadono Distrito de Sousas, interior de São Paulo.

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Os jornalistas e a mídia sempre tiveram grande importância para o Serviço de SaúdeDr. Cândido Ferreira. A instituição nasceu em 1924, motivada por uma matéria doEstadão, publicada em 1916, em que os jornalistas denunciavam maus tratos cometidoscontra os portadores de transtorno mental, que naquela época se encontravam presos noporão da cadeia pública da cidade. A partir desta denúncia, um grupo de filantropos sereuniu e trabalhou para a fundação do hospital. (AMARAL & MERHY, 2007, p.69)

Na década de 90, a instituição enfrentou problemas financeiros e pediu ajuda ao poder

público municipal. Firmou-se então um convênio de co-gestão com a Prefeitura Municipal de

Campinas. Essa parceira viabilizou a troca dos dirigentes institucionais, o atendimento via

Sistema Único de Saúde (SUS) e uma nova forma de cuidar começou a ser implementada,

processo que perdura até hoje.

Grades foram retiras, portas foram abertas, foi abolido o uso da camisa de força, do

eletrochoque, das punições, das celas forte, do uso indevido de medicamentos e tratamento

invasivo. Na forma mais humanizada de tratar deu início ao processo de desospitalização dos

internos e a capacitação deles e da sociedade, para um possível convívio social.

De lá para cá, muitos internos descobriram o paradeiro de seus familiares e alguns

voltaram a viver com eles, em sua terra natal. Os idosos que não mais localizaram suasfamílias estão sendo ressocializados, e, hoje, a instituição oferece 30 Serviços Residenciais

Terapêuticos, localizados em bairros na cidade de Campinas, que funcionam como

"repúblicas mistas", permitindo autonomia e participação mais ampliadas na sociedade para

mais de 120 usuários da saúde mental.

Atualmente, a entidade atende um público de mais de mil usuários por mês e conta com

um Núcleo de Atenção à Crise, um Núcleo de Atenção à Dependência Química, quatro

Centros de Atenção Psicossocial (Caps Estação, Caps Antonio da Costa Santos, CapsEsperança e o Caps álcool e outras drogas Independência), um Núcleo Clínico, 13 Oficinas de

Trabalho artesanais, três Centros de Convivência (Centro Comunitário e Convivência “Espaço

das Vilas”, Centro Cultural Cândido-Fumec e Casa Escola "Rosa dos Ventos" – as duas

últimas desenvolvem atividades de alfabetização de adultos em parceria com a Secretaria

Municipal de Educação). Além do Cândido Escola responsável pela Residência Médica em

Psiquiatria, estágios, aprimoramentos e consultoria na área da Saúde Mental.

A grande mudança no tratamento é verificada pelo lugar central que o portador de

sofrimento psíquico passa a ocupar. Basaglia (2005, p.131) já dizia que a âncora do

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tratamento está no paciente, assim como outras correntes teóricas que se baseiam naexperiência clínica. A partir de então, há uma tendência em trabalhar com a concepção de

Projetos Terapêuticos Individuais (PTI), acreditando que dessa forma o norteador de seu

tratamento é o próprio sujeito adoecido.

Por essa nova postura, o Cândido Ferreira é reconhecido como hospital modelo pela

Organização Mundial de Saúde, desde 1993.

Uma série de iniciativas foram trilhadas nas instituições psiquiátricas e ajudaram na

construção do que hoje se chama de Reforma Psiquiátrica no Brasil (lei n° 10.216), trabalhoinfluenciado pela Reforma Psiquiátrica na Itália, cujo impacto foi muito forte aqui. Isso

ocorreu em paralelo à Reforma Sanitária e teve grande influência no projeto de

“desospitalização” da Loucura, que culminou na redução das internações hospitalares e na

criação de outros formatos de tratamento.

Antes a loucura deveria ser circunscrita aos hospitais, deveria estar presa, porque a

sociedade não queria ver. De lá pra cá, muitas formas inovadoras nos modos de cuidar foram

e estão sendo implementadas no Cândido Ferreira e a Comunicação Comunitária tem sido

uma importante atividade terapêutica e educativa aliada a reinserção psicossocial.

1.  O uso da comunicação em saúde mental como canal de reintegração e de outras

linguagens

No Cândido Ferreira, a Comunicação é entendida como fonte de poder, direitos,

cidadania, liberdade, instrumento de mobilização social, de construção e reconstrução de

identidade, como produtora de sentido através da afetividade e de ampliação de possibilidades

pessoais e coletivas. Ela tornou-se mola propulsora dos projetos de reinserção psicossocial.

Projetos desenvolvidos pelos usuários da saúde mental, como a oficina de Fotografia

“Outros Olhares”, o “ Jornal C@ndura: Espaço Aberto para um Novo Pensamento”, o

programa de rádio “ Maluco Beleza” e as oficinas de vídeos contribuem para a consolidação

do modelo terapêutico desenvolvido no serviço de saúde, dão visibilidade à instituição e são

utilizadas como comunicação pública e científica dos novos modos de tratar em saúde mental.

Tendo como base os vídeos produzidos pelos usuários do serviço podemos classificá-

los, segundo a teoria de um dos grandes intelectuais da academia norte-americana

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contemporânea da área de cinema, Bill Nichols (2005), como gênero documentário porque,dentre tantos elementos, ele é carregado de autenticidade e da visão ou olhar dos autores.

Entendendo que o documentário traz a visão de mundo, também no sentido de

entender/compreender, quanto de projetar/ilustrar a realidade do sujeito.

A oficina de vídeo, que produziu dois documentários frutos do trabalho voluntário de

uma jornalista, revelou a importância da comunicação e seu papel na reabilitação psicossocial

e, principalmente, a possibilidade de modificar o discurso sobre a Loucura. Essa realidade é

compreendia porque “...vivemos a era da informação: na qual informação é uma nova moedade troca, ou uma nova medida de valor, constituindo uma nova ‘ficha simbólica’ (‘simbolic

token’) tão importante quanto o dinheiro...” (SOARES, 2002, p. 21).

Ou seja, é uma forma de dar aos usuários da saúde mental, que carregam o estigma da

Loucura, uma possibilidade de reencontrar o espaço que perderam na sociedade sendo

propagadores dos seus próprios discursos.

Bill Nichols diz que a retórica é a forma de discurso escolhida pelo documentarista para

persuadir ou convencer o público da realidade representada no vídeo.

A imagem em movimento é a própria realidade representada pelos usuários, que através

de argumentos distintos tentam mostrar uma nova maneira de ver a Loucura e persuadir para

que a sociedade adote outra postura em relação aos usuários da saúde mental.

2.  Documentários: outros olhares

O homem contemporâneo, incansavelmente, tem buscado o “real” em todos os campos

de sua relação.

Neste mundo do ver para crer a imagem é uma realidade inquestionável. E a natureza

múltipla e sensorial do cinema torna-na uma experiência rica e envolvente. Nenhuma outra

linguagem permite uma ligação tão real, eficaz e poderosa quanto o filme.

Elevado à categoria de verdade e como representação da “realidade nua e crua”, o

gênero Documentário é tema de debate entre estudiosos.

Ele evidencia a cultura que o produziu e reproduz a realidade da sociedade. Ele é

permeado por fatos reais, dados e informações relevantes, que instigam à reflexão ou à crítica.

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De acordo com o teórico Bill Nichols (2005) todos os filmes de ficção ou não sãodocumentários por natureza. Esses filmes dividem-se entre “documentários de satisfação de

desejos”, chamados de ficção (cinema) e “documentários de representação social” os

documentários, propriamente ditos.

Os espectadores assistem a um documentário sabendo que se trata de um documentário,

pressupondo seu status de “representação da realidade e não ficção” e, portanto, levantando

suposições sobre seu provável grau de objetividade, credibilidade, realismo e sentimento.

É interessante entender e registrar o gênero documentário, bem como a possibilidade daretenção do real no campo da Saúde Mental através do registro definitivo das lentes.

Daí a importância de traçar um paralelo – de semelhanças e diferenças – entre os

documentários produzidos pelos usuários da saúde mental e pelos documentaristas

profissionais.

No campo da saúde, a Comunicação é utilizada como importante ferramenta de

compreensão pública e científica do modelo de Atenção à Saúde Mental, pós Reforma

Psiquiátrica.

Neste sentido, os documentários nos permitem retomar reflexões em torno das questões

que envolvem a Loucura com o preconceito, o estigma e a liberdade.

Utilizar a linguagem audiovisual como ferramenta terapêutica no campo da saúde

mental amplia as possibilidades criativas no cinema brasileiro e nos faz tentar desvendar o

caminho obscuro da Loucura, levantando materiais sobre os velhos tabus presentes no

discurso dos tidos “normais”.

3.  Justificativas

Há uma pluralidade de significados que caracteriza um documentário: a sua abertura, ou

disponibilidade para diferentes leituras e interpretações, conforme o referencial e ponto de

vista, intencional ou não do documentarista.

Carregamos uma visão de mundo onde o nosso próprio grupo é tomado como centro de

tudo. Rechaçamos o diferente, tentamos moldá-lo ou intervir em sua forma conforme nossos

valores e sentidos. Temos dificuldade de pensar e entender a diferença.

A figura do louco, por exemplo, na nossa sociedade, é manipulada por uma série derepresentações que oscilam entre estes dois pólos [eu e o outro], sendo denegrida ou

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exaltada – como o marciano – ao sabor das intenções que se tenha. Isto não só ao longoda história, mas também em diferentes contextos no presente. (ROCHA, 1995, p.14).

A linguagem documentarista possibilita um debate sobre o problema das minorias em

situação limite – neste caso, os loucos – ao tentar traçar os caminhos do “outro lado da razão”

e resgatar um passado que se torna aterrorizante quando apresentado pelas imagens

carregadas do efeito “real”.

As imagens não passam despercebidas, porque através dela os  loucos  representam eles

mesmos. É uma forma de submergir à realidade e mostrar o que ela foi, é ou poderá ser.O documentário configura-se numa oportunidade crucial para a desconstrução da

imagem da Loucura junto à sociedade, onde o louco passa da posição de objeto de repulsa ao

lugar de sujeito de direitos e de portador de uma fala.

Por isso, a presente pesquisa tem como premissa geral lançar luz à multiplicidade de

olhares sobre o registro do louco  e a apresentação deste “sujeito” à sociedade pelos

documentários.

OBJETIVO 

A partir das idéias: de que o próprio cinema é uma construção imaginária e retrata uma

visão parcial e fragmentada da realidade; e de que o sofrimento mental é vivido

individualmente, mas a determinação do sofrimento é coletiva.

Cabe aos comunicadores sociais, sem distinção de produção, a tarefa de ampliar a

compreensão do novo modelo de Atenção à Saúde Mental e a noção de tratamento. Buscando

intervir no imaginário social construído historicamente sobre o louco, no intuito de

desmistificar a Loucura e aumentar as redes de inserção da pessoa com sofrimento psíquico.

Por isso, nesta pesquisa serão utilizados documentários produzidos profissionalmente e

produzidos pelos usuários da saúde mental.

Neste contexto, cabe registrar as semelhanças e diferenças do ponto de vista da

representação do “real” entre aos documentários escolhidos.

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1. 

Objetivo GeralEste estudo visa analisar os discursos narrativos e imagéticos, em detrimento do

contexto de produção; tendo como foco as relações entre som e imagem dos vídeos e o apoio

em ferramentas teóricas ligadas ao documentário, como categoria de voz do texto e os

“modos” de representação de documentários.

2.  Objetivo Específico

 

Propor uma releitura crítica acerca dos discursos documentaristas (escolhidos)que retratam a Loucura: suas narrativas, representação da realidade e proposta

estética;

•  Entender o uso e a exploração da linguagem cinematográfica no documentário

como instrumento e registro da produção de informações históricas e científicas

sobre o campo da Saúde Mental;

•  Entender as mudanças pragmáticas e discursivas dos usuários da saúde mental,

que passaram de sujeitos receptores para produtores e divulgadores da suaprópria história/cultura, através da apropriação da linguagem audiovisual.

METODOLOGIA

Os vídeos-documentários serão escolhidos mediante levantamento da produção

existente e conforme enquadramento aos termos deste projeto, que busca o registro da

Loucura. Entre eles estão: Omissão de Socorro de Olívio Tavares de Araújo, A Soltura do

Louco de Christian Cancino, Estamira de Marcos Prado, Em Nome da Razão de Helvécio

Ratton, Imagens do Inconsciente 1: Em Busca do Espaço Cotidiano – Fernando Diniz,

Imagens do Inconsciente 2: No Reino das Mães – Adelina Gomes, Imagens do Inconsciente

3: A Barca do Sol – Carlos Pertuis ambos de Leon Hirszman e “Oficina de TV – Hospital

Cândido Ferreira” e “Oficina de TV2 – Hospital Cândido Ferreira” produzido pelos usuários

da saúde mental do Cândido Ferreira.

Este estudo irá combinar elementos de pesquisa histórica documental (neste caso

vídeos) e teórica (referencial bibliográfico). Após delimitar os vídeos será feito o

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levantamento bibliográfico da documentação existente, a fim de subsidiar uma reflexãoteórica e histórica.

A análise dos documentários será estrutural e consistirá no modelo de classificação

apresentado nas teorias de Bill Nichols que define:

•  Modo/tipo de documentário;

•  Linguagem (técnica narrativa);

•  Linguagem Imagética (imagem/estética);

• 

Do que trata o documentário (representação social e/ou política).Serão utilizados métodos e análises de pesquisas sociais Qualitativa e Exploratória.

Como coloca o geógrafo brasileiro Milton Santos, a análise é o momento de “inverter,

de colocar tudo ao contrário” (SANTOS, 2000, p.9).

Por isso, a  pesquisa exploratória (de campo não participante) tem como proposta a

realização de uma reunião onde os usuários da saúde mental irão assistir alguns vídeos

produzidos pelos documentaristas profissionais, no intuito de apontar semelhanças e

diferenças nas obras produzidas por ambos – usuários e documentaristas.Esse trabalho também utilizará elementos que versam sobre a fundamentação lógica do

tema (explicando, discutindo e demonstrando os dados coletados junto aos usuários) e a

crítica analítica (comportando uma pesquisa sobre o pensamento a respeito da representação

do outro no documentarismo brasileiro).

Para confrontar a multiplicidade de olhares desse estudo serão elaboradas entrevistas

semi-estruturadas, com as seguintes fontes de informação: 

•  Documentaristas;

•  Psiquiatra;

•  Usuário da Saúde Mental;

•  Jornalistas (responsáveis pelo projeto de vídeo no SSCF).

A escolha dessa metodologia respeita o objetivo do trabalho que é investigar os

discursos a respeito da Loucura. Sempre contextualizando a evolução histórica da Saúde

Mental com os elementos representativos oferecidos pelos documentários.

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CONCLUSÃO

Essa pesquisa pretende contribuir para entender como os documentários representam as

instituições psiquiátricas e os usuários da saúde mental. Além de compreender a Loucura, em

especial, o usuário da saúde mental enquanto agente transformador em uma cultura cada vez

mais influenciada pela imagem, onde a experiência do registro visual produz obras cujos

sentidos se deslocam no tempo e seu potencial transformador também se modifica, tal como a

percepção de sujeito, de capaz e incapaz e de louco e normal.

1.  Resultados Esperados

Mostrar os avanços nos tratamentos voltados à saúde mental em direção à superação do

isolamento impõe o desenrolar de uma pesquisa que siga a ordem natural em que se deram as

conquistas na Psiquiatria rumo ao tratamento em liberdade.

Neste sentido, o presente projeto busca atingir os seguintes resultados: a) promover a

investigação e debate científicos sobre a “Loucura” apresentados nos discursos da produção

audiovisual documental; b) discutir as semelhança ou diferenças nas obras produzidas pelos

documentaristas e pelos usuários produtores, analisando o quanto elas reproduzem as idéias

apresentadas no cotidiano do campo da Saúde Mental/Loucura; e c) incentivar a apropriação

da linguagem audiovisual pelos usuários da saúde mental e instrumentaliza-los para que sejam

propagadores das suas vozes.

2.  Conclusão

Este trabalho busca contribuir para investigar a relevância e o papel dos documentários

que contam a história dos excluídos, os loucos, e lançar luz à discussão sobre até que ponto

eles precisam da voz/lentes do outro para captar sua realidade.

Com isso é esperado que esse trabalho estimule e incentive a apropriação da linguagem

audiovisual pelos usuários da saúde mental, instrumentalizando-os para que sejam

propagadores das suas vozes.

Com a humanização dos tratamentos na área psiquiátrica e uma mudança da visão da

figura do louco, que deixou de ser visto como aquele que deveria ser encarcerado, essa

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pesquisa aponta para a necessidade de mobilização dos formadores de opinião, usuários dasaúde mental e sociedade civil para exigir a extinção dos manicômios sobreviventes e criar

uma rede assistencial substitutiva, tentando garantir que aquele que sofre possa receber

tratamento e continuar convivendo com a comunidade da qual faz parte.  

Referências

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COMUNICAÇÃO E MOVIMENTOS POPULARES: UMA EXPERIÊNCIA DE AGÊNCIA DENOTÍCIAS NA EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA E NA MOBILIZAÇÃO SOCIAL

Sandra Maria de Freitas*1 

RESUMOCriada em outubro do ano passado a agência popular de notícias Comunidade já colhe alguns frutosque só foram possíveis graças a uma trajetória do Curso de Jornalismo da PUC Minas que nasceude uma experiência inovadora e gerou, ao longo da história, o que aqui chamaremos deLaboratórios Avançados. Os laboratórios avançados são entendidos aqui como aqueles que

conseguem concretamente fazer a articulação entre ensino, pesquisa e extensão. Por meio de portal(conteúdos colaborativos), boletins eletrônicos, programas de rádio e televisão notícias referentesaos movimentos populares que têm parceria com os quase trezentos projetos e programasdesenvolvidos atualmente pela Pró-reitoria de Extensão, nos oito Núcleos Temáticos, busca-secontribuir no sentido de transformar as lutas, reivindicações e demandas por reconhecimentodaqueles movimentos em possibilidades concretas de visibilidade.

Palavras-chave: Movimentos populares. Comunicação. Jornalismo Popular e Mobilização social.Agência de notícias. Extensão. 

Complexidade conceitualUma discussão profícua e uma profunda reflexão sobre os Movimentos Populares e sua relação com

o campo da Comunicação vêm chamando nossa atenção enquanto pesquisadores e extensionistas há

muitos anos. Mas neste modesto trabalho, o que nos interessa é, pelo menos, analisá-la,

especialmente, no Brasil, onde os Movimentos Sociais, e especificamente os Movimentos

Populares, têm tido um desenvolvimento significativo e têm conseguido consistentes avanços, em

várias vertentes – seja no campo ou na cidade, seja em relação à etnia, seja em relação ao gênero,

desde a década de 70 em grande medida articulados a processos de comunicação eficientes.Para nossa reflexão pretendemos nos aproximar de um tema bastante desafiador: os Movimentos

Sociais e, em seguida, suas articulações com o campo (Bourdieu, 1999) da Comunicação.

1 Jornalista graduada pela Faculdade de Comunicação da Universidade Federal de Minas Gerais, professora do Curso deJornalismo da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, mestre em educação pela Universidade Federal deMinas Gerais e doutora em comunicação pela Faculdade de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro,coordenadora do Núcleo de Extensão da Pró-reitoria de Extensão da PUC-Minas. Trabalhou como repórter, produtora,editora, chefe de reportagem em diversos veículos. Atuou em assessorias de imprensa, assessorias parlamentares,

assessorias políticas. Participou de diferentes experiências de criação de veículos de comunicação como o Jornal dosBairros em 1976 e a TV Universitária em 1998. Contribuiu para a criação de entidades sindicais e outras organizaçõescomo o FNPJ e a Associação Brasileira de Televisão Universitária.

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Movimentos sociais são entendidos aqui como “tentativas, fundadas num conjunto de valores

comuns , destinadas a definir as formas de ação social e a influir nos seus resultados (...) se

distinguem pelo grau e pelo tipo de mudança que pretendem provocar no sistema, e pelos valores e

nível de integração que lhes são intrínsecos” (Bobbio et. al. 1993, p.787).O autor entende, citando

Alberoni, que os Movimentos Sociais são fenômenos coletivos de grupo cujos comportamentos dão

origem ao surgimento de novas coletividades “caracterizadas pela consciência de um destino

comum e pela persuasão de uma comum esperança” (Idem p.788), diferente daqueles denominados

fenômenos coletivos de agregado onde ocorre um mesmo tipo de comportamento, mas não seformam novas identidades – exemplica-se: pânico, multidão e moda.

Ainda citando Alberoni, Bobbio afirma que a distinção entre os dois tipos de movimentos está

baseada tanto na “experiência subjetiva (participação ou não), como no resultado objetivo do

movimento (formação ou não de novas entidades sociais)”(idem p.788). E , diz Bobbio, a

exposição feita por ele sobre os movimentos sociais os toma como fenômeno de grupo, mas leva em

conta também as características, as exigências e os valores de cada um dos agentes. Sua análise se

baseia numa interseção entre o comportamento do agente e a dinâmica do sistema e ele destaca o

risco que se corre quando se assume essa linha analítica. Lembra que no passado o risco mais

comum era o reducionismo psicológico e mais recentemente “surgiu o perigo da submersão do

agente individual dentro do movimento e da conseqüente falta de uma análise dos participantes, das

suas motivações, dos seus recursos e das suas incumbências” (idem p.788).

Uma análise consistente sobre os Movimentos Sociais, sob a ótica de Bobbio, deve trabalhar na

identificação dos agentes, na classificação dos movimentos e na avaliação da mudança social.

Aponta o autor que quanto aos agentes o mais importante numa pesquisa é identificar quem se

mobiliza primeiro – agentes ou grupos – , quem assume historicamente as funções de liderança e

quais os recursos de que dispõem para sua atuação. Os estudos sobre os movimentos sociais durante

muito tempo atribuíram o papel de liderança ‘aqueles “agentes marginais, nos alienados do sistema,

e nos excluídos de participar, os potenciais inovadores, os mais inclinados a fazer explodir o

conflito e a desencadear o processo de criação de um movimento”, mas mais recentemente chegou-

se a conclusões distintas que evidenciam que

os agentes que iniciam o Movimento social não são os marginalizados. Quando muito estespoderão constituir , em determinadas circunstâncias e dentro de certas condições, uma base

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importante para a expansão e a consolidação do movimento. Mas a liderança é constituída porindivíduos não periféricos, mas centrais. (Bobbio, 1993, p.791).

Para Melucci (in Bobbio, 1993, p.791),

os primeiros a se rebelar não são os grupos mais oprimidos e desagregados, mas os queexperimentam uma contradição intolerável entre a identidade coletiva existente e as novasrelações sociais impostas pela mudança. Estes podem mobilizar-se mais facilmente, porque: 1)-

 já contam com uma experiência de participação, isto é, conhecem os procedimentos e métodosde luta; 2) possuem já líderes próprios e um mínimo de recursos de organização que provêmdos vínculos comunitários ou associativos preexistentes; 3) podem utilizar redes de

comunicação já existentes para fazer circular novas mensagens e novas palavras de ordem; 4)podem descobrir facilmente interesses comuns.

Ainda segundo Melucci existe uma relação entre os agentes de mobilização e os tipos de

movimentos, para ele existem basicamente três tipos de movimento baseados nos objetivos que

perseguem: reivindicativo, político e de classe.

No primeiro caso, trata-se de impor mudanças nas normas, nas funções e nos processos dedestinação dos recursos. No segundo, se pretende influir nas modalidades de acesso aos canais

de participação política e de mudança na relação de força. No terceiro, o que se visa é subvertera ordem social e transformar o modo de produção e as relações de classe. A passagem de umtipo a outro depende de numerosos fatores, dentre os quais não é de somenos importância otipo de resposta que o Estado agente pode dar, bem como da capacidade dos movimentos emaumentar seus seguidores e em incrementar suas exigências (in Bobbio, 1993, p.791).

Bobbio destaca que tanto a observação quanto as pesquisas acerca dos movimentos sociais têm

privilegiado as fases do Estado nascente e das reivindicações, deixando de lado a fase da

institucionalização, muitas vezes alvo de críticas que denunciam a existência de processos de

traição das origens dos movimentos sociais e também a extinção de seu impulso inovador. Chamaatenção ainda para o movimento pendular dos estudos sobre Movimentos Sociais que ora

têm oscilado entre o pólo de uma adesão apaixonada aos movimentos, como esperança deregeneração total e de completa transformação dos sistemas sociais para além da política, e opólo de uma rejeição das formas de participação extra-institucionais, não canalizadas nosmoldes tradicionais de funcionamento dos sistemas sociais (1993,p.791).

No caso do Brasil diversos estudos apontam nessa mesma direção assinalada por Bobbio. E um dos

desafios que os próprios movimentos têm é o de se capacitar para entender esses processos e fases

por que passam e superar seus próprios limites. Uma visada histórica sobre os Movimentos Sociais,

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que aqui também serão denominados movimentos populares, nos possibilitará maior aproximaçãocom o tema proposto neste artigo.

Para facilitar a organização do texto, trabalharemos em primeiro lugar com os movimentos,

especialmente aqueles ocorridos nas décadas de setenta e oitenta – apesar de alguns autores

considerarem essa década de 80 como uma década perdida -, também são tomados como uma

espécie de ponto de partida para o que se poderia chamar de renovação na política brasileira (e não

apenas, pois, de fato, tornou-se fundamental na inserção política de diferentes países,

especialmente, em nosso caso, na América Latina). Posteriormente trataremos da década de 90,bem como trabalharemos sobre o segundo foco deste texto que é a comunicação.

Voltando aos Movimentos sociais, mas sem entrar nas polêmicas mais substantivas e nas

complexas controvérsias a respeito do assunto, iniciarei o processo de conceituação mais ampla

citando GOHN (2003, p.7) quando ele afirma que nesse período ao qual nos referimos:

O destaque inicial foi a emergência dos movimentos sociais populares urbanos, reivindicatóriosde bens e equipamentos coletivos de consumo e questões relacionadas à moradia , usualmentearticulados territorialmente ao nível do bairro ou de uma região.Eles também tiveram papel de

destaque nas frentes de luta contra o regime militar.

Fundamental nos parece destacar, ainda concordando com GOHN (2033,p.7), que:

O tempo passou, surgiram novos campos temáticos de luta que geraram novas identidades aospróprios movimentos sociais, tais como na área do meio ambiente, direitos humanos, gênero,questões étnico-raciais, religiosas, movimentos culturais etc. Alguns movimentostransformaram-se em redes de atores sociais organizados,ou fundiram-se em ONGs, ourearticularam-se com novas formas de associativismo que surgiram nos anos 90 outrosentraram em crise e desapareceram outros ,ainda, foram criados com novas agendas e pautas,

como as recentes manifestações antiglobalização.

Ao longo de toda a história da humanidade os movimentos sociais tiveram sim, como destaca

GOHN, fluxos e refluxos, o que é próprio da história. Sabemos o quanto neste momento em que os

movimentos e seus representantes são convocados a participar nos Conselhos Municipais, Estaduais

e Nacionais nas diferentes áreas das políticas públicas, aumentam as contradições e os desafios em

relação ao atendimento ou não desses chamados. Se não participar, não tem verba; se participar,

isso muitas vezes pode significar, para setores importantes e históricos do movimento social,

cooptação por parte do executivo. Esta posto um verdadeiro dilema.