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PODER JUDICIÁRIO Justiça Federal de Primeira Instância SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE SERGIPE 1ª VARA FEDERAL Sentença Tipo “A” – Fundamentação Individualizada Processo nº 2008.85.00.000751-4 Classe 1 - Ação Civil Pública Autor : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Réus : UNIÃO FEDERAL (Advocacia-Geral da União), CONSELHO SECCIONAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – OAB/SE e CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS ADVOGADOS DE SERGIPE – CAASE SENTENÇA 1. RELATÓRIO O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por conduto de seu representante, propôs ação civil pública, com requerimento de antecipação dos efeitos da tutela, em face da UNIÃO FEDERAL (Advocacia-Geral da União), CONSELHO SECCIONAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – OAB/SE e CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS ADVOGADOS DE SERGIPE – CAASE, visando, cumulativamente, que: 1) os dois últimos réus sejam obrigados a prestar contas ao Tribunal de Contas da União, órgão integrante da estrutura da União Federal; 2) sejam fiscalizadas as contas relativas aos últimos 5 (cinco) exercícios financeiros antecedentes a propositura desta demanda. Narra que o Ministério Público Especial junto ao Tribunal de Contas da União fez uma representação ao Parquet Federal contra o acórdão n.º 1765/2003 proferido pela Corte de Contas que, por maioria, entendeu que o Conselho Federal e os Conselhos Seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil não estariam sujeitos a sua jurisdição em respeito à coisa julgada formado no RMS 797 do Tribunal Federal de Recurso. Esclarece que, desde 2006, foram ajuizadas ao menos 03 (três) ações públicas semelhantes a esta, nos Estados do Distrito Federal, Maranhão e Piauí. Em sua extensa e repetitiva petição inicial, discorre sobre a natureza dos Conselhos Profissionais, sua estrutura, característica, o poder de polícia das profissões, o papel do Tribunal de Contas da União e a fiscalização exercida sobre os Conselhos de Fiscalização Profissional, aduzindo, em suma, que: 1) os conselhos

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PODER JUDICIÁRIO

Justiça Federal de Primeira Instância SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE SERGIPE

1ª VARA FEDERAL

Sentença Tipo “A” – Fundamentação Individualizada

Processo nº 2008.85.00.000751-4 Classe 1 - Ação Civil Pública Autor : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Réus : UNIÃO FEDERAL (Advocacia-Geral da União),

CONSELHO SECCIONAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – OAB/SE e CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS ADVOGADOS DE SERGIPE – CAASE

S E N T E N Ç A

1. RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por conduto de seu

representante, propôs ação civil pública, com requerimento de antecipação dos efeitos da tutela, em face da UNIÃO FEDERAL (Advocacia-Geral da União), CONSELHO SECCIONAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – OAB/SE e CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS ADVOGADOS DE SERGIPE – CAASE, visando, cumulativamente, que: 1) os dois últimos réus sejam obrigados a prestar contas ao Tribunal de Contas da União, órgão integrante da estrutura da União Federal; 2) sejam fiscalizadas as contas relativas aos últimos 5 (cinco) exercícios financeiros antecedentes a propositura desta demanda.

Narra que o Ministério Público Especial junto ao Tribunal de Contas da União fez uma representação ao Parquet Federal contra o acórdão n.º 1765/2003 proferido pela Corte de Contas que, por maioria, entendeu que o Conselho Federal e os Conselhos Seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil não estariam sujeitos a sua jurisdição em respeito à coisa julgada formado no RMS 797 do Tribunal Federal de Recurso.

Esclarece que, desde 2006, foram ajuizadas ao menos 03 (três) ações públicas semelhantes a esta, nos Estados do Distrito Federal, Maranhão e Piauí.

Em sua extensa e repetitiva petição inicial, discorre sobre a natureza dos Conselhos Profissionais, sua estrutura, característica, o poder de polícia das profissões, o papel do Tribunal de Contas da União e a fiscalização exercida sobre os Conselhos de Fiscalização Profissional, aduzindo, em suma, que: 1) os conselhos

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II

de fiscalização se inserem no conceito de autarquia corporativa, incluindo a OAB; 2) a União fiscaliza as profissões por intermédio do Ministério do Trabalho, mas há casos em que se delega essa função para outras pessoas jurídicas, criadas especificamente para esse fim; 3) no caso de profissões regulamentadas, a inscrição do profissional nestas entidades é condição para o exercício das profissões regulamentadas ao mesmo tempo em que o conselho exerce o poder de fiscalização sobre os seus membros, também chamado de polícia das profissões; 4) estes conselhos cobram anuidades e taxas, ambas de natureza tributária, uma vez que constituem prestações pecuniárias compulsórias, devidas por força de simples inscrição no conselho ou como contraprestação devida pelos serviços prestados; 5) no julgamento da ADI 1.717-6/DF em que se declarou a inconstitucionalidade do art. 58 da Lei 9.649/98, o Supremo Tribunal Federal manteve a condição originária dos conselhos de fiscalização profissional de pessoas submetidas ao regime jurídico de direito público.

Especificamente em relação a Ordem dos Advogados do Brasil − OAB, sustenta, ainda, que: 1) embora a Lei 8.906/94 seja omissa quanto ao seu regime jurídico e como “a natureza jurídica não se determina pelo nome ou definição atribuídos ao ente na respectiva lei de criação, mas sim pela essência e pelo regime jurídico com que essa mesmo lei o conforma” (fl. 27), tem-se que a OAB é uma autarquia corporativa porque exerce a fiscalização da profissão de advogado com poder disciplinar sobre seus membros, os seus atos são passíveis de serem atacados na via da ação popular ou do mandado de segurança, goza de imunidade tributária sobre seus bens, rendas e serviços, as anuidades e taxas são tributos cobrados mediante processo executivo fiscal, com base em certidões expedidas pelos seus Conselhos Seccionais; 2) por conseqüência, “consistindo em entidade de natureza sui generis, conquanto não privada, servindo-se de benefícios concedidos a pessoas jurídicas de direito público da esfera federal e gerindo verbas públicas tributárias, a Ordem dos Advogados do Brasil, por seus órgãos, deve se sujeitar à fiscalização do TCU, na forma do parágrafo único do art. 70 e 71 da CF” (fl. 37); 3) embora as funções da OAB não se restrinjam à disciplina, à fiscalização e defesa da profissão de advogado, pois lhe compete também “defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas” (art. 44 da Lei 8.906/94), tem-se que o dever de prestar contas ao TCU não cria obstáculos ao exercício de suas funções, uma vez que visa dar transparência na aplicação dos recursos públicos; 4) os órgãos de cúpula do Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário) também se submetem ao controle do TCU, sendo que, a despeito disso, não perderam a sua autonomia, não havendo razão para dar tratamento diferenciado a OAB, sem incorrer em quebra dos princípios da moralidade e da isonomia; 5) a decisão judicial que beneficiou a OAB foi proferida no ano de 1951 sob a égide da Constituição de 1946, sendo que, a luz da ordem constitucional e infraconstitucional atual, o quadro jurídico é diferente; 6) não há óbice da coisa julgada por não estar presente o fenômeno da tríplice identidade e

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também por se tratar de relação jurídica continuativa; 7) a Carta de 1946 não incluía as contribuições de interesse das categorias profissionais dentre os tributos que competia a União decretar ao contrário da Constituição que expressamente prevê no art. 149 da CF/88; 8) recebe recursos públicos proveniente de custas processuais com base em Leis editadas posteriormente − no caso do Estado de Sergipe, a Lei é 2.657/98 − ao acórdão do Tribunal Federal de Recursos, datado de 1951.

Com a inicial, juntou cópia do Acórdão 1765/2003 do TCU (fls. 75/128), do RMS n.º 797 do TFR (fls. 129/135), decisão proferida na ACP n.º 2006.27496-8 (fls. 137/152) e Lei Estadual n.º 2.657, de 08.01.1988 (fls. 153/154) e ofício do Conselho Seccional de Sergipe – OAB/SE (fls. 156/170).

A Juíza Federal Telma Maria Santos determinou que os réus, querendo, se manifestassem sobre a liminar no prazo de 72 (setenta e duas) horas (fl. 162).

A União apresentou petição (fls. 168/170), argumentando que a pretensão do Parquet Federal esbarra na conclusão a que o STF chegou no julgamento da ADI 3.026-4/DF, devendo ser aplicado a transcendência e vinculação aos motivos determinantes.

O Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil − OAB/SE apresentou petição (fls. 172-208), acompanhada de documento (fls. 209/332). Alegou, preliminarmente, que: 1) existe um mandado de segurança com o mesmo objeto − impor ao Conselho Federal da OAB o dever de prestar contas ao TCU − ainda pendente de julgamento; 2) a inviabilidade do pedido de prestação de contas ao TCU da União sem que seja pedido também a anulação do acórdão da Corte de Contas; 3) ilegitimidade do MPF sob o fundamento de que se estaria discutindo a natureza tributária da anuidade; 4) a existência de coisa julgada, sendo que “o Ministério Público quer ‘rescindir’ mais de 50 anos depois” (fl. 199).

No mérito, defendeu que: 1) a OAB não é uma autarquia corporativa, conforme ficou decidido na ADI 3.026-5/DF, sendo que esta decisão possui eficácia vinculante e erga omnes; 2) ficou decidido que a OAB não se sujeita ao controle da Administração Pública por não constituir um ente da administração indireta; 3) o julgamento da ADI 1.717-6/DF não aproveita a tese do autor porque o art. 58 da Lei 9.649/98 expressamente ressalvou a OAB do seu âmbito de incidência; 4) as anuidades não possuem natureza tributária conforme jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça, bem assim são instituídas por resolução dos Conselhos Seccionais ao invés de lei ordinária; 5) tais valores não integram a lei orçamentária porque não são receitas públicas. Por fim, fez a consideração de que “a Ordem dos Advogados foi criada em 1930 pelo Decreto 19.408. Trata-se de instituição ímpar, fruto do processo político brasileiro, que nunca prestou contas ou foi fiscalizada pelo Tribunal de Contas da União” (fls. 205/206)

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IV

A Caixa de Assistência dos Advogados de Sergipe − CAASE apresentou petição (fls. 333/339), alegando que “o MPF não traz qualquer justificativa para incluir a CAASE no feito” (fl. 333), uma vez que: 1) a OAB não detém a natureza autárquica, mas a de entidade prestadora de serviço público independente; 2) “toda a verba recebida pela CAASE é exclusiva da OAB/SE, e não tendo natureza tributária, também não enseja qualquer fiscalização pelo TCU” (fl. 338). Requer o reconhecimento de sua ilegitimidade ad causam.

Após as manifestações, a Juíza Federal Telma Maria Santos determinou que o autor comprovasse a vigência da Lei Estadual n.º 2.657/1998 (fl. 246).

Nas fls. 350/353, o MPF afirmou que, em pesquisa, não houve revogação expressa da Lei Estadual e que expediu ofício ao Corregedor Geral do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe solicitando informações sobre a vigência do referido diploma e também o montante e o período dos recursos repassados.

Acostou os documentos de fls. 355/367.

Após juntar a resposta do TJSE e documentos (fls. 369/405), o MPF requereu a expedição de ofício ao Presidente do Tribunal de Justiça para informar se continuaram repassando aos réus os valores relativos as custas processuais (fl. 368), o que foi deferido por este Juízo (fl. 407).

O MPF requereu a juntada do procedimento administrativo n.º 1.35.000.001099/2006-90 (fl. 412), sendo apensado ao presente feito (fl. 413).

Na fl. 414, este magistrado determinou a expedição de ofício a Secretária da Fazenda do Estado de Sergipe para informe o montante, ano a ano, nos últimos 05 anos, a citação dos réus e reservou-se para apreciar a tutela antecipada por ocasião da prolação de sentença.

As respostas da Secretária de Estado da Fazenda e do TJSE foram acostados, respectivamente, nas fls. 421/433 e 434/435.

Citada (fl. 439), a União Federal apresentou contestação (fls. 441/468), no qual transcreveu o voto do Ministro do TCU Ubiratan Aguiar e a ementa da ADI 3.026-5/DF. Asseverou não houve mudança das circunstâncias fático-jurídicos para alterar a decisão do RMS 797 do TFR, bem assim, embora a ADI se refira ao regime jurídico aplicável aos empregados da OAB o julgado demonstra a diferença de tratamento jurídico-constitucional conferido à OAB em relação às demais entidades de fiscalização de atividades profissionais. Defendeu o descabimento da tutela antecipada.

Citada (fls. 474/475), a CAASE ofereceu contestação (fls. 486/491) de conteúdo idêntico a manifestação de fls. 333/339.

Citada (fls. 471/472), a OAB/SE formulou contestação (fls. 486/531) com conteúdo semelhante a manifestação de fls. 172-208, acrescentando que o

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valor de R$ 790,00 repassado pelo Estado de Sergipe se refere ao ressarcimento da cobrança indevida de IPVA. Anexou as notas de empenho (fls. 532/534).

Em sede de réplica (fls. 359/366), o MPF refutou os termos da contestações.

É o relatório. Passo a decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

O mérito da demanda compõe-se de matéria fática e de direito, contudo

não necessita da produção de prova oral em audiência, circunstância que autoriza o julgamento antecipado da lide, a teor do art. 330, inc. I, do CPC.

Inicialmente, cumpre relembrar, para fins de eventuais embargos de declaração, que o julgador não se encontra obrigado a rebater, um a um, os argumentos alegados pelas partes se adotar fundamentação suficiente para decidir integralmente a controvérsia, utilizando-se das provas, legislação, doutrina e jurisprudência que entender pertinentes à espécie. A decisão judicial não constitui um questionário de perguntas e respostas de todas as alegações das partes, nem se equipara a um laudo pericial. Neste sentido, colacionam-se os seguintes precedentes:

“O não acatamento das argumentações contidas no recurso não implica cerceamento de defesa, posto que ao julgador cabe apreciar a questão de acordo com o que ele entender atinente à lide. Não está obrigado o magistrado a julgar a questão posta a seu exame de acordo com o pleiteado pelas partes, mas sim com o seu livre convencimento (art. 131, do CPC), utilizando-se dos fatos, provas, jurisprudência, aspectos pertinentes ao tema e da legislação que entender aplicável ao caso concreto.” 1 “Processo civil. Sentença. Função prática. A função judicial é prática, só lhe importando as teses discutidas no processo enquanto necessárias ao julgamento da causa. Nessa linha, o juiz não precisa, ao julgar procedente a ação, examinar-lhe todos os fundamentos. Se um deles e suficiente para esse resultado, não esta obrigado ao exame dos demais. Embargos de declaração rejeitados.” 2 “(....) A função teleológica da decisão judicial é a de compor, precipuamente, litígios. Não é peça acadêmica ou doutrinária, tampouco se destina a responder a argumentos, à guisa de quesitos,

1 STJ, AgRg no Ag 512437/RJ, 1ª Turma, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, julgado em 16.10.2003, DJ 15.12.2003 p. 210 2 STJ, EDcl no REsp 15450/SP, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, 2ª Turma, julgado em 01.04.1996, DJ 06.05.1996 p. 14399. No mesmo sentido: REsp 172329/SP, 1ª Seção, Rel. Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS; REsp 611518/MA, 2ª Turma, Rel. Ministro FRANCIULLI NETTO, REsp 905959/RJ, 3ª Turma, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI; REsp 807690/SP, 2ª Turma, Rel. Ministro CASTRO MEIRA.

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como se laudo pericial fosse. Contenta-se o sistema com a solução da controvérsia, observada a res in judicium deducta, o que se deu no caso ora em exame.” 3

2.1. Preliminares.

2.1.1 Litispendência/Conexão

A OAB/SE sustenta que existe um mandado de segurança com o mesmo objeto − impor ao Conselho Federal da OAB o dever de prestar contas ao TCU − ainda pendente de julgamento.

Acolhendo a argumentação ministerial em sede de réplica (fl. 360), verifica-se que o réu não trouxe qualquer esclarecimento quanto ao número do processo, objeto ou causa de pedir, tratando-se de uma alegação desprovida de dados concretos que possam ser examinados por este juízo.

Em adendo, consta nas fls. 137/152 cópia de uma decisão proferida em uma ação civil pública semelhante a presente demanda, no qual o Juízo da 13ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal fez referência ao Mandado de Segurança n.º 25.059, em trâmite perante o STF, nos seguintes termos:

“O Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil − OAB/DF manifestou-se às fls. 679/688. Requer a suspensão do feito, nos termos do art. 265, IV, ‘a’, do CPC, até o julgamento do Mandado de Segurança, até o julgamento do Mandado de Segurança n.º 25.059, em trâmite perante o STF, no qual uma das partes que figura na presente ação também é questionada quanto ao suposto dever de prestar contas ao TCU” (fl. 140)

Compulsando o andamento processual no site do STF (consulta em anexo), denota-se que tal ação foi extinta sem julgamento de mérito em face do pedido de desistência, bem assim os impetrados eram o Conselho Federal e o Conselho Seccional do Estado de Espírito Santos, estando ausente a tríplice identidade.

O MPF noticiou, ainda, que, a par da presente demanda, foram ajuizadas mais 3 (três) demandas semelhantes, uma no Distrito Federal (2006.34.00.027496-8), uma no Maranhão (nº do processo não localizado) e uma na Bahia (2007.33.00.008674-0), devendo-se perquirir acerca da litispendência ou conexão com a presente ação.

Analisando os autos, denota-se que a 1ª demanda foi proposta pela Procuradoria da República do Distrito Federal em face do Conselho Federal, o 3 STJ, EDcl no REsp 675.570/SC, 2ª Turma, Rel. Ministro FRANCIULLI NETTO, julgado em 15.09.2005, DJ 28.03.2006 p. 206

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VII

Conselho Seccional do Distrito Federal, a Caixa de Assistência dos Advogados e a União Federal, visando obrigar os três primeiros prestarem contas ao último, através do Tribunal de Contas da União, nos último cinco anos (fls. 03/76). Os Procuradores da República que subscreveram a primeira ação encaminharam cópia da petição e arquivo às demais Procuradoria – inclusive, Sergipe - a fim de “se avalie a conveniência da propositura de ação similar no âmbito desse Estado, tendo em conta a personalidade jurídica e o patrimônio próprio dos órgãos seccionais da OAB” (fl. 02 do apenso).

Cotejando a inicial proposta no DF com a do presente processo, infere-se que esta é uma cópia com ressalva de que foi proposta tão-somente em face do Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB/SE, Caixa de Assistência dos Advogados de Sergipe – CAASE e a União Federal.

Afasto a ocorrência de litispendência, uma vez que ausente a tríplice identidade com qualquer uma destas demandas.

Por seu turno, dispõe o Código de Processo Civil e Lei 7.347/85 sobre a conexão:

CPC, Art. 103. Reputam-se conexas duas ou mais ações, quando Ihes for comum o objeto ou a causa de pedir. Art. 105. Havendo conexão ou continência, o juiz, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, pode ordenar a reunião de ações propostas em separado, a fim de que sejam decididas simultaneamente. Lei 7.347/85, Art. 2º As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa. Parágrafo único. A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto. (Redação dada pela Mpv nº 2.180-35, de 24.8.2001)

Ao contrário da litispendência que existe um relação de identidade entre demandas, a conexão exige um vínculo concreto entre relações jurídicas, somente justificando a reunião dos processos se houver o risco de decisões contraditórias. No caso em exame, a relações jurídicas subjacentes é de mera afinidade fundada nas mesmas questões de fato e direito – tanto é que as petições iniciais são idênticas –, o que pode autorizar a formação de litisconsórcio inicial, mas não a reunião de processos para fins de conexão. Por afinidade de questões, ensina Cândido Dinamarco 4:

4 Instituições de direito processual civil, 4ª ed. ver. atual. E com remissões ao Código Civil de 2002, São Paulo : Malheiros Editores, p. 151-152 e 337-338.

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VIII

“É uma relação tênue de semelhança entre duas ou mais demandas. É uma conexidade degradada, de intensidade menor, caracterizada por uma causa petendi parcialmente igual, mas não chega ao ponto de ser a mesma. (....) Nessa locução, o vocábulo questões é empregado no sentido de ponto controvertido de fato ou de direito (Carnelutti). Existe uma semelhança entre as demandas suficiente a produzir a admissibilidade do litisconsórcio, ainda quando coincida apenas um elemento abstrato das causas de pedir, que é o fundamento jurídico-substancial de ambas as demandas, sendo o réu um só, ou quando somente um fato-base é alegado por duas ou mais pessoas, diferindo no mais o contexto dos fatos narrados por um ou por outro. (....) sendo menos que a conexidade, é natural que a afinidade tenha menor relevância na ordem processual: o Código de Processo Civil lhe dá o único efeito de autorizar o litisconsórcio (art. 46, inc IV). (...) A mera afinidade não é fator de prorrogação de competência, nem de admissibilidade de reconvenção, nem de reunião de causas propostas separadamente” (CPC, arts. 102, 103,105 e 315).

Ademais, não há risco de decisões contraditórias, pois a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB possui a forma federativa, havendo relativa autonomia entre o Conselho Federal e o Conselho Seccional.

Lei 8.906/94, Art. 44. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), serviço público, dotada de personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade: Art. 45. São órgãos da OAB: I - o Conselho Federal; II - os Conselhos Seccionais; III - as Subseções; Art. 54. Compete ao Conselho Federal: V - editar e alterar o Regulamento Geral, o Código de Ética e Disciplina, e os Provimentos que julgar necessários; VI - adotar medidas para assegurar o regular funcionamento dos Conselhos Seccionais; VII - intervir nos Conselhos Seccionais, onde e quando constatar grave violação desta lei ou do regulamento geral; Art. 58. Compete privativamente ao Conselho Seccional: I - editar seu regimento interno e resoluções; IX - fixar, alterar e receber contribuições obrigatórias, preços de serviços e multas; XII - aprovar e modificar seu orçamento anual;

Assim, eventual procedência do pedido se restringirá ao Conselho Seccional sem atingir a esfera jurídica do Conselho Federal, pois, diante de sua natureza federativa, é possível a prestação de contas autônoma por cada Conselho

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IX

Seccional e Caixa de Assistência dos Advogados perante o Tribunal de Contas da União.

2.1.3 Ilegitimidade ad causam do MPF e da CAASE

A OAB/SE argüiu a ilegitimidade do MPF sob a alegação de que se estaria discutindo a natureza tributária da anuidade, com espeque no art. 1º, PU da Lei 7.347/85. A demanda é composta de partes, causa de pedir e pedido. O pedido formulado nesta demanda é obrigar a OAB/SE a prestar contas ao TCU sob o fundamento de que arrecadaria verbas de natureza tributária. A natureza das anuidades – tributária ou – é um dos fundamentos do pedido, mas não se confunde com o próprio pedido – dever de prestação de contas. Esta questão será conhecida pelo juízo para decidir o mérito no sentido ou no outro. De outro lado, o MPF não está pretendendo impedir a cobrança da verba para o qual seria parte manifestamente ilegítima.

Já, em relação a CAASE, tem-se que a legitimidade ad causam nada mais é do que o exame da pertinência subjetiva da ação, devendo ser aferida in status assertionis. As alegações defensivas da mencionada ré se confundem com o próprio mérito desta demanda, de modo que me reservo para apreciar as razões em momento oportuno (mérito).

2.1.3 Inépcia da petição inicial

A OAB/SE sustenta a inviabilidade do pedido de prestação de contas ao TCU da União sem que seja pedido expresso da anulação do acórdão da Corte de Contas, que reconheceu a ocorrência de coisa julgada.

Embora o MPF não haja formulado pedido expresso de anulação da decisão da Corte de Contas - o que, diga-se de passagem, poderia ser feito nesta demanda - demonstrou seu inconformismo ao deduzir argumentos contrários a deliberação da Corte de Contas. Ora, a petição inicial do MPF deve ser compreendida em seu conjunto, vale dizer, confronto da causa de pedir com o pedido. Neste sentido, é o seguinte julgado:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. VIOLAÇÃO AO ARTIGO 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. OMISSÃO. CABIMENTO. SANÇÃO. ART. 538 DO CPC. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. CERCEAMENTO DE DEFESA. ANÁLISE. REEXAME DE PROVA. SÚMULA 7/STJ. DECISÃO EXTRA PETITA. INOCORRÊNCIA. INÉPCIA DA INICIAL. AUSÊNCIA DE PEDIDO. FUNDAMENTOS DEDUZIDOS NO CORPO DA PETIÇÃO INICIAL. POSTULAÇÃO CONSTATADA. LITISCONSORTE PASSIVO NECESSÁRIO. AUSÊNCIA DO NECESSÁRIO PREQUESTIONAMENTO. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 282 E 356 DO STF. NULIDADE DE

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Processo nº 2008.85.00.000751-4

X

ALTERAÇÃO CONTRATUAL. CESSÃO DE QUOTAS DO CAPITAL SOCIAL. EXERCÍCIO DO DIREITO DE PREFERÊNCIA. VERIFICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE EM SEDE ESPECIAL. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 5 E 7 DESTA CORTE. 1 a 2 - omissis. 3 - Malgrado não haja, na espécie, pedido expresso de declaração de nulidade da cessão de quotas do capital social, toda a exposição constante da inicial foi nesse sentido, motivo por que não há falar em julgamento extra petita. 4 - Conforme lição do Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, no julgamento do Resp 284/480/RJ, “o pedido é o que se pretende com a instauração da demanda e se extrai da interpretação lógico-sistemática da petição inicial, sendo de levar-se em conta os requerimentos feitos em seu corpo e não só aqueles constantes em capítulo ou sob a rubrica ‘dos pedidos’.” Assim, não há falar em inépcia da inicial, por ausência de pedido, quando, através da simples análise dos fundamentos deduzidos no corpo da petição inicial, constata-se a postulação do autor. 5 - omissis. 6 - Girando a controvérsia em torno da declaração de nulidade da primeira alteração contratual da empresa, decorrente da cessão de quotas do capital social a novo sócio, porquanto realizada sem a anuência do recorrido e sem que lhe fosse oportunizado o exercício do direito de preferência à aquisição das referidas quotas, em afronta ao disposto no respectivo contrato social, a revisão do julgado demanda reexame do conjunto fático-probatório dos autos e interpretação das disposições estatutárias da sociedade, providências inviáveis em sede especial, ut súmulas 7 e 5 desta Corte. 7 - Recurso especial improvido. 5

Ainda, não obstante as relevantes funções exercidas pelo TCU, a esfera jurisdicional se superpõe a administrativa, de modo que decidida o pedido em sentido favorável a pretensão autoral – submissão da OAB ao dever de prestar contas ao TCU – fica, implicitamente, superada a decisão da Corte de Contas.

2.1.4 Coisa julgada

A OAB/SE alega a existência de coisa julgada, sendo que “o Ministério Público quer ‘rescindir’ mais de 50 anos depois” (fl. 199) ao passo que o MPF argumenta que a decisão judicial que beneficiou a OAB foi proferida no ano de 1951 sob a égide da Constituição de 1946, sendo que, a luz da ordem constitucional e infraconstitucional atual, o quadro jurídico é diferente.

A CF/88 assegura a proteção ao ato jurídico, coisa julgada e direito adquirido, sendo tal garantia elevada ao status de cláusula pétrea. É evidente que a Constituição protege a coisa julgada formada em momento anterior a Constituição, de forma que nem o constituinte derivado pode desfazer este direito. Somente o 5 STJ, REsp 440211/ES, 4ª Turma, Rel. Min. FERNANDO GONÇALVES, julgado em 21/09/2004, DJ 11/10/2004 p. 330

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XI

Poder Constituinte originário pode desfazer a coisa julgada, contudo não é necessário que se manifeste expressamente sobre uma determinada decisão judicial, bastando que, através de um dispositivo, exclua determinada vantagem do âmbido do direito adquirido. Vale dizer: contra a Constituição, não há direito adquirido, desde que o Constituinte tenha sido expresso neste sentido.

“EMENTA: SERVIDOR PÚBLICO. Vencimentos. Vantagens pecuniárias. Adicionais por Tempo de Serviço e Sexta-Parte. Cálculo. Influência recíproca. Cumulação. Excesso. Inadmissibilidade. Redução por ato da administração. Coisa julgada material anterior ao início de vigência da atual Constituição da República. Direito adquirido. Não oponibilidade. Ação julgada improcedente. Embargos de divergência conhecidos e acolhidos para esse fim. Interpretação do art. 37, XIV, da CF, e do art. 17, caput, do ADCT. Voto vencido. Não pode ser oposta à administração pública, para efeito de impedir redução de excesso na percepção de adicionais e sexta-parte, calculados com influência recíproca, coisa julgada material formada antes do início de vigência da atual Constituição da República”. 6

Do cotejo prima facie entre a inicial com o decisum proferido pelo TFR, não se verifica que a pretensão do MPF é de simples rescisão uma decisão transitada em julgado, uma vez que o mesmo alega mudanças nas circunstâncias fáticas e jurídicas. Ora, se o novo arcabouço constitucional implicou em alteração ou não na relação jurídica mantida entre a União Federal e a OAB, tem-se que estas mudanças devem ser avaliadas no mérito para verificar se aquele estado de fato e de direito continuou a se projetar no tempo. A coisa julgada não resta violada, em princípio, porque respeitam os efeitos passados da decisão e, em caso de procedência do pedido, os efeitos da decisão somente se aplicará a a partir da CF/88.

Está-se no campor do tormentoso problema do direito adquirido em face de mudança do regime jurídico. Em relação ao regime jurídico do servidor público, é sabido que, em razão do seu caráter continuado, as relações jurídicas travadados entre o servidor e a Administração sofrem mutações no tempo e que a decisão judicial que assegura uma determina vantagem apanhe a situação naquele tempo não assegurando a sua percepção indefinida quando houver mutações no padrão remuneratório, respeitada a situações jurídicas constituídas (irredutibilidade da remuneração). Mesmo raciocínio se aplica no campo tributário em que o direito a isenção reconhecido judicial não permanece eterno no tempo se surgir nova lei que justifique a imposição tributária. Neste sentido, foi a decisão proferida na ADI 3.105-/DF, verbis:

EMENTAS: 1. Inconstitucionalidade. Seguridade social. Servidor público. Vencimentos. Proventos de aposentadoria e pensões. Sujeição à incidência de contribuição previdenciária. Ofensa a direito adquirido no ato de

6 RE 146331 EDv /SP, Pleno, Rel. Min. CEZAR PELUSO, julgado em 23/11/2006.

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XII

aposentadoria. Não ocorrência. Contribuição social. Exigência patrimonial de natureza tributária. Inexistência de norma de imunidade tributária absoluta. Emenda Constitucional nº 41/2003 (art. 4º, caput). Regra não retroativa. Incidência sobre fatos geradores ocorridos depois do início de sua vigência. Precedentes da Corte. Inteligência dos arts. 5º, XXXVI, 146, III, 149, 150, I e III, 194, 195, caput, II e § 6º, da CF, e art. 4º, caput, da EC nº 41/2003. No ordenamento jurídico vigente, não há norma, expressa nem sistemática, que atribua à condição jurídico-subjetiva da aposentadoria de servidor público o efeito de lhe gerar direito subjetivo como poder de subtrair ad aeternum a percepção dos respectivos proventos e pensões à incidência de lei tributária que, anterior ou ulterior, os submeta à incidência de contribuição previdencial. Noutras palavras, não há, em nosso ordenamento, nenhuma norma jurídica válida que, como efeito específico do fato jurídico da aposentadoria, lhe imunize os proventos e as pensões, de modo absoluto, à tributação de ordem constitucional, qualquer que seja a modalidade do tributo eleito, donde não haver, a respeito, direito adquirido com o aposentamento. (....)”7

Rejeitadas as preliminares, examino o mérito.

2.2 Mérito

Com esta demanda, o Ministério Público Federal pretende que o Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB/SE e Caixa de Assistência dos Advogados de Sergipe – Caase prestem contas dos recursos arrecadados ao Tribunal de Contas da União nos últimos 05 (cinco) anos, alicerçando a sua pretensão em três fundamentos: 1) a natureza da OAB como autarquia corporativa; 2) o caráter tributário das anuidades – contribuição parafiscal com esteio no art. 149 da CF/88 – e taxas cobrados pela OAB/SE e, parcialmente, transferidas para a CAASE; 3) o recebimento de parcela das custas judiciais repassados pelo Estado de Sergipe.

Por seu turno, a OAB/SE possui a seu favor uma decisão transitada em julgada e proferida pelo TFR em 1951, sob a égide da CF/46, dispensando-a do dever de prestar contas ao TCU sob duplo fundamento: 1) a OAB não possui natureza de autarquia; 2) os recursos arrecadados não possuem natureza tributária.

É óbvio que este magistrado não pode simplesmente ignorar a coisa julgada formada, mas aferir se as condições fáticas e jurídicas que levaram àquela decisão ainda persistem na quadra atual.

A matéria é de fácil deslinde, considerando os posicionamentos já firmados pelo Superior Tribunal e no Supremo Tribunal, ainda que por maioria. O cenário traçado na petição inicial seria verdadeiro se a jurisprudência não

7 STF, ADI 3105/DF, Pleno, Rel. p/ Acórdão Min. CEZAR PELUSO, julgado em 18/08/2004.

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XIII

outorgasse um tratamento diferenciado a OAB em razão da sua posição no ordenamento jurídico.

Antes de examinar as questões, impõe-se sumariar os fatos relevantes para o desenlace da controvérsia.

1) no tocante ao RMS 797, adoto a exposição fática do Ministro Lincoln Magalhães da Rocha:

“26. Vale lembrar os acontecimentos que precederam a aludida deliberação. Ao adotar as conclusões do parecer da Diretoria, este Tribunal, consoante Decisão prolatada em 01/06/1949, resolveu considerar a Ordem dos Advogados do Brasil como autarquia, mandando oficiar ao seu Presidente no sentido que lhe fossem remetidas as contas, a partir de 18/09/1946, nos termos do art. 77, n.º II, in fine, da Constituição. 27. Em sessão de 02/05/50, o Conselho Federal da OAB decidiu impetrar Mandado de Segurança contra a decisão, o qual foi indeferido, vindo a apelação a ser provida por intermédio do Trfibunal Federal de Recursos (RMS 797), consoante Acórdão datado de 25/05/51, com a seguinte ementa, verbis: ‘A Ordem dos Advogados não está obrigada a prestar contas ao Tribunal de Contas da União; não recebe ela tributos nem gira com dinheiros e bens públicos’ (RDA 29/124, TC 002.666/98-7, volume principal, f. 44/55). Opostos embargos pela União Federal, manteve o Tribunal Federal de Recursos o teor da decisão, reafirmando, em 12 de setembro de 1952, que a Ordem dos Advogados do Brasil não está obrigada a prestar contas ao Tribunal de Contas da União (Revista de Direito Administrativo, volume 33, p. 222/224)” (fl. 115/116)

2) O Ministério Especial junto ao Tribunal de Contas da União formulou representação que, por maioria, não foi conhecida em respeito a coisa julgada. Durante o julgamento, o relator ministro Augusto Sherman afastou a coisa julgada diante da mudanças da CF/88, votando pela submissão da OAB ao dever de prestar contas, o que foi seguido pelo Ministro Walton Alencar. Em divergência, os Ministros Ubiratan Aguiar, Lincoln Magalhães da Rocha e Guilherme Palmeira não conheceram da representação sob o fundamento da existência de coisa julgada.

Natureza jurídica

A Lei n.º 8.906/94 dispõe que a OAB é uma pessoa jurídica de natureza federativa, composta pelo Conselho Federal, Conselho Seccional, Subseções e Caixa de Assistência do Advogado, nada dizendo se é uma entidade de direito público ou privado.

Lei 8.906/94, Art. 44. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), serviço público, dotada de personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade:

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XIV

I - defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas; II - promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil. § 1º A OAB não mantém com órgãos da Administração Pública qualquer vínculo funcional ou hierárquico. Art. 45. São órgãos da OAB: I - o Conselho Federal; II - os Conselhos Seccionais; III - as Subseções; IV - as Caixas de Assistência dos Advogados. § 1º O Conselho Federal, dotado de personalidade jurídica própria, com sede na capital da República, é o órgão supremo da OAB. § 2º Os Conselhos Seccionais, dotados de personalidade jurídica própria, têm jurisdição sobre os respectivos territórios dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Territórios. § 3º As Subseções são partes autônomas do Conselho Seccional, na forma desta lei e de seu ato constitutivo. § 4º As Caixas de Assistência dos Advogados, dotadas de personalidade jurídica própria, são criadas pelos Conselhos Seccionais, quando estes contarem com mais de mil e quinhentos inscritos.

Ora, a Ordem dos Advogados do Brasil não se confunde com os demais Conselhos de Fiscalização profissional, uma vez que a sua função extravasa a de mera fiscalização do advogado. A par disso, “A OAB não mantém com órgãos da Administração Pública qualquer vínculo funcional ou hierárquico”. (art. 44, § 1º da Lei 8.906/94)

Lei 8.906/94, Art. 44. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), serviço público, dotada de personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade: I - defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas; II - promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil. § 1º A OAB não mantém com órgãos da Administração Pública qualquer vínculo funcional ou hierárquico.

O Estatuto da Ordem prevê que não existe tutela ou controle em relação aos demais órgãos do aparelho estatal, somente admitindo poder de tutela entre as pessoas jurídicas integrantes desta federação (OAB).

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XV

Lei 8.906/94, Art. 54. Compete ao Conselho Federal: (...) VII - intervir nos Conselhos Seccionais, onde e quando constatar grave violação desta lei ou do regulamento geral; Art. 58. Compete privativamente ao Conselho Seccional: (...) XV - intervir nas Subseções e na Caixa de Assistência dos Advogados; Art. 60. A Subseção pode ser criada pelo Conselho Seccional, que fixa sua área territorial e seus limites de competência e autonomia. § 6º O Conselho Seccional, mediante o voto de dois terços de seus membros, pode intervir nas Subseções, onde constatar grave violação desta lei ou do regimento interno daquele. Art. 62. A Caixa de Assistência dos Advogados, com personalidade jurídica própria, destina-se a prestar assistência aos inscritos no Conselho Seccional a que se vincule. § 7º O Conselho Seccional, mediante voto de dois terços de seus membros, pode intervir na Caixa de Assistência dos Advogados, no caso de descumprimento de suas finalidades, designando diretoria provisória, enquanto durar a intervenção.

A Lei em tela fixou um moldura bastante ampla ao demarcar a competência de cada um ao mesmo tempo em que concedeu um amplo poder de auto-organização na fixação de seu serviços, mediante a edição de atos infralegais.

Lei 8.906/94, Art. 54. Compete ao Conselho Federal: (....) V - editar e alterar o Regulamento Geral, o Código de Ética e Disciplina, e os Provimentos que julgar necessários; Art. 58. Compete privativamente ao Conselho Seccional: (....) I - editar seu regimento interno e resoluções;

A corroborar essa visão, cito o julgamento proferido na ADI 3.026-4 em que se discutiu sobre o regime jurídico dos seus empregados e a necessidade de concurso público. Embora os Ministros tenham demonstrado uma certa dificuldade em definir a sua natureza, serviço público independente, entidade pública não estatal ou corporação absolutamente independente, deixaram bem claro que a OAB possui uma posição ímpar no sistema, não mantendo qualquer relação de dependência ou subordinação com entidades da Administração Direta ou Indireta.

Ora, se admitisse a natureza autárquica – conforme defendido pelo MPF –, a União, através do Poder Executivo com o auxílio do Poder Legislativo, poderia a qualquer momento alterar a sua forma e até mesmo extingui-la, o que é inimaginável. Parece-me curial que a OAB não pode ser extinta a partir da interpretação conjugada do art. 133 da CF/88 que considera a advocacia

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XVI

indispensável para a função jurisdicional combinada o art. 103, VII que confere legitimação universal a OAB para propor ADI e ADC.

De outro lado, a Constituição nada diz sobre a natureza jurídica da OAB. Ora, esse modelo de autarquia corporativas de fiscalização das profissões regulamentadas preexistia a atual Carta Magna, tendo sido recepcionada pela nova ordem jurídica constitucional. Sobre o fenômeno da recepção, ensina José Afonso da Silva:

“22. Repudiada essa posição, cumpre ressaltar que a continuada da legislação precedente constitui um aspecto da eficácia construtiva das normas constitucionais, visto que essa legislação recebe da nova carta política outro jato de luz revivificador que a revaloriza para a ordem jurídica nascente. São as normas anteriores como que recriadas pela constituição que sucede. É esse o fenômeno que a técnica jurídico-constitucional denomina recepção da lei anterior: ‘por recepção entende-se o procedimento pelo qual um ordenamento incorpora no próprio sistema a disciplina normativa de uma dada matéria assim como foi estabelecida num outro ordenamento’. Mas não se trata de mera recepção fria e passiva, porque, em verdade, como se disse acima, há uma recriação, uma revivificação. A lição de Kelsen é precisa sob esse aspecto: ‘Grande parte da velha ordem jurídica ‘permanecer’ válida não dá uma descrição adequadada do fenômeno. É somente o conteúdo dessas normas que permanece o mesmo, não o fundamento de sua validade. (...) se leis emandas sob a velha constituição ‘continuam a ser válidas’ sob a nova, isso é possível somente porque lhes foi conferida validade, expressa ou tacitamente, pela nova constituição. O fenômeno é uma caso de recepção (similar à recepção do direito romano). A nova ordem ‘recebe’, isto é, adota, normas da velha ordem; isso significa que a nova ordem atribui validade (dá vigor) a normas que têm o mesmo conteúdo de normas da velha ordem. A ‘recepção’ é um procedimento abreviado de criação do Direito. As leis que, segundo a inexata linguagem corrente, continuam a ser válidas são, de um ponto de vista jurídico, novas leis cujo significado coincide com o das velhas. Elas não são idênticas às velhas leis, porque o fundamento de sua validade é diverso. O fundamento de sua validade reside na nova constituição, não na velha, e entre ambas não existe continuidade nem do ponto de vista da primeira, nem do ponto de vista da segunda”8

Veja-se que a OAB naquele tempo já exercia a função de fiscalização da profissão de advogados e, de lá para cá, nada mudou.

Conforme afirmado alhures, a Constituição protege a coisa julgada formada anterior ao seu advento. Somente o Poder Constituinte originário poderia excluir determinada vantagem da proteção do direito adquirido, contudo, nesta situação, é necessário a sua manifestação expressa a respeito através de um 8 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3.ed. São Paulo : Malheiros, 1999. p. 219/220.

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XVII

dispositivo constitucional. Assim, prevalece o entendimento do TFR de que a OAB, enquanto autarquia sui generis, estava dispensada de prestar contas.

Em verdade, a qualificação de sui generis constitui uma tentativa de enquadrar no conceito tradicional de autarquia aquilo que parcialmente coincidente. Agora, como enquadrar uma entidade que destoa totalmente do modelo. Neste sentido, é a observação de José Afonso da Silva:

“Tudo isso, enfim, mostra que a OAB não pode ser conceituada como autarquia, porque seu regime jurídico se afasta distantemente do regime jurídico dessas pessoas. Como poderia ser autarquia se seu regime jurídico não é o das autarquias? Diz-se que é uma autarquia sui generis. Quer dizer, não é autarquia. Sua posição jurídica é tão especial que não se enquadra nesses conceitos tradicionais de pessoas jurídicas de direito público ou privado. É uma pessoa jurídica, não há dúvida. Sua finalidade ultrapassa a de mera prestadora de serviços públicos: I – defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado Democrático de Direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas; II – promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil (Lei 8.906/94, artigo 44). Sua relevância, por isso, está acima da mera finalidade administrativa de uma autarquia. Congrega ela um tipo de profissional que é indispensável à administração da justiça (CF, artigo 1333). Tem forma de uma corporação, porque toda entidade associativa se caracteriza como uma corporação. Mas, note-se que não é tipicamente uma corporação autárquica, porque esta realizada uma finalidade em âmbito interno: no círculo de seu corpo de membros (C. A. Bandeira de Mello, ob. cit., p. 366). Como vimos acima, sua finalidade ultrapassa amplamente o círculo interno. Basta ler o inciso I do artigo 44 da lei supracitado, para se ter o largo âmbito externo de autônoma da OAB. Tudo isso, mais uma vez, afasta-a do conceito de autarquias.” (fl. 123/124)

Natureza tributária das anuidades e das taxas

Dispõe o art. 46 da Lei 8.906/94, verbis: Lei 8.906/94, Art. 46. Compete à OAB fixar e cobrar, de seus inscritos, contribuições, preços de serviços e multas. Parágrafo único. Constitui título executivo extrajudicial a certidão passada pela diretoria do Conselho competente, relativa a crédito previsto neste artigo.

Com o advento do art. 149 da CF/88, não houve mudança de entendimento jurídico quanto às anuidades e taxas cobradas pela OAB. Neste sentido, transcrevo o percuciente voto do Ministro Castro Meira, cujas fundamentos adoto como razões de decidir:

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XVIII

“Discute-se nos autos a natureza jurídica das contribuições indicadas no art. 46 da Lei nº 8.036⁄94, se possuem natureza tributária e a que tipo de execução deve se submeter a sua cobrança. Não obstante admita a doutrina possuir a OAB a natureza de autarquia especial ou sui generis, a legislação tem acentuado a sua autonomia em face da estrutura estatal. O Estatuto revogado era taxativo: Não se aplicam à Ordem as disposições legais referentes às autarquias ou entidades paraestatais (art. 139, § 1º, da Lei n.º 4.215⁄63 ). O atual é mais preciso: a OAB não mantém com órgãos da Administração Pública qualquer vínculo funcional ou hierárquico (art. 44, § 1º, da Lei n.º 8.906⁄94). Embora constitua serviço público e goze de imunidade tributária em relação a seus bens e suas rendas (art. 44, caput, e art. 45, § 5º, da Lei n.º 8.906⁄94), não há dúvida de que a natureza jurídica da OAB não se ajusta perfeitamente ao conceito de autarquia. Mesmo incumbida de realizar serviço público, nos termos da lei que a instituiu, esse fato não acarreta a sua inclusão entre as demais autarquias federais típicas. Não se reveste a OAB da condição de autarquia administrativa, já que não busca realizar os fins da Administração, mas a sua própria missão constitucional e legal. Fixada a condição de autarquia especial, passo seguinte é a definição da natureza jurídica das anuidades pagas pelos advogados à OAB. Não há como qualificar a anuidade paga pelos advogados à Embargante como tributo, cuja definição legal, segundo o art. 3º do CTN, ‘é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção por ato ilícito, instituída por lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada’. Ainda que se trate de prestação compulsória, sem conotação de ato ilícito, a anuidade paga à Ordem não constitui receita pública, eis que não pode a OAB ser incluída no conceito de Fazenda Pública, nos termos do art. 2º, da Lei n.º 6.830⁄80, que assim estabelece.

‘Art. 2º. Constitui dívida ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária ou não tributária na Lei n.º 4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.’

Para que se possa conceituar a contribuição devida à OAB como dívida ativa da Fazenda Pública, deveria ela, necessariamente, integrar o orçamento público, observar as normas de contabilidade pública, além de sujeitar-se ao procedimento estabelecido na Lei de Execução Fiscal, formalizando-se a inscrição com o Termo de Inscrição da Dívida Ativa, através de órgão competente. Diante da dificuldade em superar esses óbices, acredito não ser possível atribuir natureza tributária à anuidade sob referência. Também não se pode reconhecer natureza tributária às contribuições devidas à Ordem por outro motivo. A obrigação tributária principal deve obediência ao princípio da tipicidade, segundo o qual todos os elementos que compõem um determinado tributo devem estar expressamente consagrados em lei. Assim, não somente o elemento material (hipótese de incidência), mas também o elemento subjetivo, o elemento quantitativo ou valorativo, o elemento espacial

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XIX

e o temporal devem estar previstos na norma que institui um determinado tributo. Então, pergunta-se: qual é a lei que estabelece a base de cálculo da contribuição? E a alíquota? Como se deve calculá-la? Em que momento ela incide? Porque cada Seccional pode estabelecer um valor distinto para as contribuições dos respectivos inscritos? São perguntas que somente serão respondidas caso seja afastada a sua natureza tributária. Cuida-se, em verdade, de contribuição de caráter associativo, que não sofre as limitações próprias das exações tributárias. O valor da contribuição não obedece a nenhuma regra de quantificação; não há alíquota, nem base de cálculo. O valor é definido pelo respectivo Conselho Seccional, na conformidade do que preceitua o art. 58, inciso IX, da Lei n.º 8.906⁄94 (Estatuto), verbis:

‘Art. 58. Compete privativamente ao Conselho Seccional: IX - fixar alterar e receber contribuições obrigatórias preços de serviços e multas.’

Assim, a Lei n.º 8.906⁄94 (Estatuto) assegura à OAB uma contribuição para o custeio de sua missão institucional. A norma sob referência apenas faculta à entidade a cobrança de contribuição de seus respectivos inscritos, sem, contudo, delinear-lhe qualquer regra relativa à sua quantificação, bem como omitindo-se quanto às questões relativas ao vencimento ou à forma de pagamento, que ficam a cargo de cada Seccional. Essa contribuição, embora autorizada por lei, não se reveste de natureza tributária, eis que não se submete às limitações impostas pelo regime jurídico-tributário, em especial, ao princípio da legalidade. A sua instituição, valoração e cobrança é ato privativo de cada Conselho Seccional da OAB, independentemente de ato legislativo. Caso se reconheça natureza tributária a essas contribuições, forçoso concluir pela ilegalidade de sua cobrança, vez que não existe regra geral fixando os seus elementos constitutivos, em especial, o elemento quantitativo, vale dizer, alíquota e base de cálculo. É pacífico, também, que a OAB não se submete ao controle do Tribunal de Contas da União, vez que não se constitui como autarquia incumbida, apenas, do exercício profissional. Trata-se de pessoa jurídica de direito público, com atuação relevante para a sociedade brasileira na preservação das instituições do Estado Democrático de Direito, na defesa da cidadania e da dignidade da pessoa humana. Além disso, não movimenta receitas públicas, submetida ao controle orçamentário nos termos da Lei n.º 4.320⁄64, pelo que se mostra inadequado o entendimento de que a execução dos seus créditos deva estar submetida à Lei de Execução Fiscal. A Primeira Seção, no julgamento dos Embargos de Divergência no Recurso Especial n.º 463.258⁄SC, Relatora a Ministra Eliana Calmon, assim pacificou a controvérsia:

‘PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO - EXECUÇÃO PARA COBRANÇA DAS CONTRIBUIÇÕES DA OAB. 1. A OAB é classificada como autarquia sui generis e, como tal, diferencia-se das demais entidades que fiscalizam as profissões. 2. A Lei 6.830⁄80 é o veículo de execução da dívida tributária e da não-tributária da Fazenda Pública, estando ambas atreladas às regras da Lei

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4.320, de 17⁄3⁄64, que disciplina a elaboração e o controle dos orçamentos de todos entes públicos do país. 3. As contribuições cobradas pela OAB, como não têm natureza tributária, não seguem o rito estabelecido pela Lei 6.830⁄80. 4. Embargos de divergência providos’ (EREsp n.º 463.258⁄SC, Rel. Min. Eliana Calmon, DJU de 29.03.04).

No mesmo sentido, confiram-se ainda: EREsp 503.252⁄SC, DJU 18.10.2004; EREsp 462.273⁄SC, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJU de 02.05.05 e REsp 506.564⁄SC, Rel. Min. Franciulli Netto, DJU de 21.02.05” 9.

No mesmo sentido, são os seguintes julgados:

PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO - EXECUÇÃO PARA COBRANÇA DAS CONTRIBUIÇÕES DA OAB. 1. A OAB é classificada como autarquia sui generis e, como tal, diferencia-se das demais entidades que fiscalizam as profissões. 2. A Lei 6.830/80 é o veículo de execução da dívida tributária e da não-tributária da Fazenda Pública, estando ambas atreladas às regras da Lei 4.320, de 17/3/64, que disciplina a elaboração e o controle dos orçamentos de todos entes públicos do país. 3. As contribuições cobradas pela OAB, como não têm natureza tributária, não seguem o rito estabelecido pela Lei 6.830/80. 4. Embargos de divergência providos. 10

RECURSO ESPECIAL – PROCESSUAL CIVIL – OAB – ANUIDADE – NATUREZA JURÍDICA NÃO-TRIBUTÁRIA – EXECUÇÃO – RITO DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. 1. A OAB possui natureza de autarquia especial ou sui generis, pois, mesmo incumbida de realizar serviço público, nos termos da lei que a instituiu, não se inclui entre as demais autarquias federais típicas, já que não busca realizar os fins da Administração. 2. As contribuições pagas pelos filiados à OAB não têm natureza tributária. 3. As cobranças das anuidades da OAB, por não possuírem natureza tributária, seguem o rito do Código de Processo Civil, e não da Lei n. 6.830/80. Recurso especial provido. 11

Acrescentaria, ainda, que a doutrina distingue entre competência e capacidade tributária. A competência é deferida exclusivamente aos entes públicos dotados de Poder Legislativo. Já a capacidade constitui a possibilidade de figurar no pólo da relação tributária. Quem possui competência possui capacidade tributária ativa, salvo quanto a lei expressamente atribui a outra entidade. Ora, a OAB poderia ter capacidade, mas jamais teria competência tributária.

9 STJ, REsp 572.080/PR, 2ª Turma, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, julgado em 15/09/2005, DJ 03/10/2005 p. 173 10 STJ, EREsp 463258/SC, 1ª Seção, Rel. Ministra ELIANA CALMON, julgado em 10/12/2003, DJ 29/03/2004 p. 167 11 STJ, REsp 915.753/RS, 2ª Turma, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, julgado em 22/05/2007, DJ 04/06/2007 p. 333

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XXI

Se entender pela natureza tributária, poderia a União, a qualquer tempo, retirar a sua fonte, mediante revogação do art. 46 da Lei 8.906/94. Ora, se o Estado se encontra impedido de extinguir a OAB, poderia matá-la de forma insidiosa ao privar dos recursos necessários para a manutenção de suas atividades.

Por sua vez, o título executivo é um documento que corporifica um direito líquido, certo e exigível, autorizando o acesso a via executiva. A técnica do título executivo não é restrita aos entes públicos, havendo outros documentos em que o legislador reconhecer esta natureza, a exemplo do rol previsto no art. 585 do CPC.

CPC, Art. 585. São títulos executivos extrajudiciais: (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973) I - a letra de câmbio, a nota promissória, a duplicata, a debênture e o cheque; (Redação dada pela Lei nº 8.953, de 13.12.1994) II - a escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor; o documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas; o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública ou pelos advogados dos transatores;(Redação dada pela Lei nº 8.953, de 13.12.1994) III - os contratos garantidos por hipoteca, penhor, anticrese e caução, bem como os de seguro de vida; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006). IV - o crédito decorrente de foro e laudêmio; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006). V - o crédito, documentalmente comprovado, decorrente de aluguel de imóvel, bem como de encargos acessórios, tais como taxas e despesas de condomínio; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006). VI - o crédito de serventuário de justiça, de perito, de intérprete, ou de tradutor, quando as custas, emolumentos ou honorários forem aprovados por decisão judicial; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006). VII - a certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, correspondente aos créditos inscritos na forma da lei; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006). VIII - todos os demais títulos a que, por disposição expressa, a lei atribuir força executiva. (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006).

O Art. 46 da Lei n.º 8.906/94 não diz que tais valores devem ser inscritos em dívida ativa tributária da OAB ou constituem contribuições e taxas de natureza tributária. Se dissesse isso, esbarraria em um sério problema, pois não descreve os elementos básicos da relação tributária, tais como fato gerador, base de cálculo e alíquota. Ao contrário, tais valores são fixados por resoluções editadas pelos Conselhos Seccionais de cada Estado.

Lei 8.906/94, Art. 58. Compete privativamente ao Conselho Seccional: (...) IX - fixar, alterar e receber contribuições obrigatórias, preços de serviços e multas;

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Considerando a natureza não-tributária destes valores, prevalece o entendimento do TFR de que a OAB está dispensada de prestar contas.

Custas judiciais

Quanto a percepção de parcela das custas judiciais cobradas pelo Estado de Sergipe, não ficou comprovado que a OAB continue percebendo na presente quadra. Expedido ofício ao Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, não soube informar o montante transferido a OAB.

Oficiado a Secretaria da Fazenda Nacional, informou que recebeu uns valores, mas não esclareceu a origem. Por sua vez, a OAB trouxe aos autos os documentos que comprovam que os valores percebidos não se referem a custas.

Embora a lei encontre vigente – não sendo temporária ou excepcional, a lei possui vigência até que outra modifique ou revogue – , verifica que, no plano fático, não está sendo mais aplicada, de modo que caiu em desuso. De qualquer modo, ainda que percebesse as custas, é de duvidosa constitucionalidade a Lei Estadual n.º 2.657, de 08.01.1998 que prevê a entrega de parte dos recursos oriundos de custas judiciais para entidades de privadas, de modo que este juízo não poderia convalidar o ato tisnado da mácula de inconstitucionalidade. Aliás, o MPF propôs uma ação civil pública anteriormente visando paralisar o destino de parcela das custas, contudo foi extinta sem julgamento de mérito por ilegitimidade ad causam. Eu acrescentaria ao julgado que se o MPF pretende barrar esta destinação, deveria se valer do meio adequado mediante a propositura de uma ação direta de inconstitucionalidade, cuja legitimidade para instaurar o processo objetivo recai sobre o Procurador-Geral da República.

Por sua vez, a Caixa de Assistência de Advogados é uma entidade descentralizada da OAB, dotada de personalidade jurídica própria, para fins de “prestar assistência aos inscritos no Conselho Seccional a que se vincule” (art. 62 da Lei 8.906/94) e aquinhoada com a “metade da receita das anuidades recebidas pelo Conselho Seccional, considerado o valor resultante após as deduções regulamentares obrigatórias” (art. 62, § 5º da Lei 8.906/94). Embora o Estatuto da Ordem também seja encômia quanto aos seus atributos, não se pode deixar de estender as razões utilizados para a OAB.

É sabido que os motivos da sentença não fazem coisa julgada, contudo não são de todos irrelevantes porque servem em confronto com o dispositivo para aclarar o limite da coisa julgada. Quanto ao alcance da coisa julgada, é a lição de Humberto Theodoro Jr., verbis:

“A coisa julgada é restrita à parte dispositiva do julgamento e aos pontos aí decididos e fielmentente compreendidos em relação aos seus motivos objetivos.

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XXIII

Note-se que mesmo a motivação do ato decisório – que, conforme já destacado não se confunde com a causa de pedir (essa, ao contrário daquela, integra a lide pacificada) – tem relevância para a interpretação ou a delimitação da extensão e do alcance do dispositivo. Importância essa aliás, que foi reconhecida no texto do art. 469, I, do CPC: ‘não fazem coisa julgada os motivos , ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença’ (grifamos). Também Luiz Eulálio Bueno Vidigal ressalta que ‘segundo doutrina corrente, a autoridade da coisa julgada é restrita à parte dispositiva do julgamento e aos pontos aí decididos’., destacando, todavia, a advertência de Liebman acerca da influência dos motivos da sentença sobre o efetivo alcance da decisão. Para Liebman, os motivos da sentença não constituem objeto da coisa julgada, mas devem ser tomados em consideração para se entender o verdadeiro e completo alcance do decisório. De fato não se torna imutável e indiscutível qualquer questão incidentalmente apreciada que tenha sido invocada para justificar o dispositivo, assim como também não está impedida a parte de se valer da relação jurídica que se apresentou como causa de pedir para submeter lide distinta a nova apreciação do judiciário. Para que opere a eficácia da imutabilidade da coisa julgada há de haver identidade da lide , ou seja, de todos os elementos que constituem a lide julgada (pedido, objeto e causa de pedir ou interesse). Se a mesma causa de pedir for capaz de sustentar pretensão diversa daquela julgada definitivamente, não estará o juiz impedido de reapreciá-la. (...) Mas nunca é demais lembrar que a sentença, em seu dispositivo, soluciona as questões propostas, e nas soluções dadas a elas declara (ou acerta) a situação jurídica tornada definitiva e imutável. Nada do que se discutiu ou que se poderia discutir nos antecedente da sentença poderá voltar a ser discutido e decidido em outro processo, se a pretensão for de alterar a situação jurídica consolida pela conclusão sentencial. Mesmo que se tratasse apenas de simples motivo da sentença não será lícito renovar a discussão a seu respeito em outro processo, se tal reapreciação não puder ser feita ‘sem atentar contra a integridade da situação das partes fixada pelo juiz a propósito do bem da vida controvertido’. (...) Em suma, o acertamento do conflito, da relação jurídica de direito material, que compreende tanto o pedido como a causa de pedir, é que passa em julgado, não os motivos pelos quais a sentença chegou a tal declaração, nem mesmo a causa petendi ou a prestação demanda, isoladamente”. 12

É certo que os posicionamentos citados foram adotados como razões para questões específicas – regime jurídico de trabalho dos servidores da OAB (ADI 3.026-4/DF) e a cobrança das anuidades através de executivo fiscal (ERESP 503.252/SC, ERESP 463.258/SC e ERESP 462.273/SC) –, contudo não se pode ignorar que se adotadas as premissas não se pode negar a conclusão por força do princípio do terceiro excluído, vale dizer, uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo.

12 Notas sobre sentença, coisa julgada e interpretação. in Revista de Processo. N. 167/9-24. jan/2009. p. 14/17

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XXIV

Embora este magistrado compartilhe de algumas posições do Ministério Público no sentido de que a prestação de contas da OAB não afetaria a autonomia, não posso ignorar a visão dos Tribunais Superiores quanto a matéria. Com efeito, ao dizer que a OAB é uma autarquia sui generis o que se fez, em última análise, foi assegurar o gozo das prerrogativas da Administração Pública – imunidade tributária – sem submeter aos controles necessários – desnecessidade de realizar concurso público ou de prestar contas –, o que é objeto de irresignação da parte autora, de alguns Ministros do TCU e de Ministros do STF.

Por fim, não posso deixar de notar a minha perplexidade com a posição da OAB que, ora quer ser Estado, ora quer ser sociedade civil, o que equivaleria, em última análise, ao melhor dos dois mundos. Como exemplo cito as falas do Ministro do TCU Walton Alencar e do Ministro do STF Joaquim Barboza, verbis:

“Não me comovem os argumentos classistas de que a advocaia privada não pode ficar ‘submetida’ a órgão públicos, em vista de a advocacia ser essencial à administração da justiça e ser ‘exercida pela sociedade, para a sociedade e em defesa da sociedade’, ou de que a OAB não pode prestar contas, porque defende a Constituição, a ordem jurídica e os direitos humanos. O argumento é deveras sibilino, pois existem inúmeras outras instituições, socialmente relevantes, de inestimável valia para a democracia sempre submetidas ao crivo financeiro do TCU, que o consideram garante de sua atuação conforme à lei e a sua fiscalização financeiro-orçamentária visível estandarte de boa gestão. Os e. STF e STJ, o MP, a AGU e todos os Tribunais do País, além da CD e do SF, estão submetidos à fiscalização do TCU e jamais perderam, ou alegaram perder, por tal razão, sua independência funcional, ou a viram comprometida, ou foram afetados no aspecto específico da atividade fim. E em quase todas as citadas instituições, Sr. Presidente, poderia citar momentos históricos de grandeza humana e institucional, em que galhardamente se opuseram a tendências totalitárias do Estado, ou daqueles que o empalmaram, para evitar a inversão anti-democrática das estruturas de poder. A propósito, sucessivos Presidentes do Conselho Federal da OAB não se cansam de apregoar, por toda a imprensa nacional, que a instituição do controle externo da magistratura não afeta a independência do Poder Judiciário, porque se restringe à atividade administrativa e não à atividade judiciária daquele Poder. Apesar disso, incoerentemente, querem agora fazer crer que o controle administrativo-financeiro da OAB – não da atividade fim – bastaria para comprometer-lhe a independência. É estranho que, com relação à magistratura, a OAB pugna pela sua participação no próprio controle disciplinar dos juízes, postura que o TCU, pela sua mais absoluta irracionalidade, jamais pretende exercer, limitando-se à esfera estrita da verificação de como é gasto o dinheiro oriundo das contribuições parafiscais compulsoriamente arrecadados dos advogados” (fl. 100)

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XXV

“O SENHO MINISTRO JOAQUIM BARBOSA – Ministro Carlos Brito, o ideal seria que a Ordem dos Advogados do Brasil assumisse uma atitude radical no sentido de dar um caráter liberal à profissão de advogado. Ou seja, ela deveria sair das costelas do Estado, abrir mão desse papel de coadjuvante na formação da vontade do Estado e assumir uma postura liberal. Há países nos quais não se admite sequer a possibilidade de existência de um advogado público. (...) Mas, aqui, temos essa situação anfibológica: a Ordem para certas coisas, quer ser Poder Público, quer formar a vontade do Estado, recebe verba pública, tem privilégio de ingressar nas mais relevantes funções do Estado Semp prestar concurso público e, por outro lado, quer ter um status absolutamente liberal. É essa incongruência que, um dia, terá de ser eliminada.” (ADI 3.026-4/DF)

3. DISPOSITIVO

Diante do exposto, julgo improcedente o pedido, extinguindo o

processo com resolução de mérito (art. 269, I do CPC).

Sem condenação em custas judiciais ou honorários advocatícios (art. 19 da Lei 7.347/85).

Sentença não sujeita ao reexame necessário (art. 475, I do CPC).

Publicar. Registrar. Intimar.

Aracaju, 12 de maio de 2008.

Fábio Cordeiro Lima Juiz Federal Substituto da 1ª vara/SE