2008 - diretrizes sociedade brasileira de diabetes

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DE Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes DIRETRIZES SBD 2008 2008

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Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes

DIRETRIZES SBD 2008

2008

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Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes

DIRETRIZES SBD 2008

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Apresentação

Atualização periódica é uma expressão que vem ganhando cada vez mais espaço na Medicina, pois todos têm consciência de que nada é imutável. Hoje, sabe-se que nenhu-ma área do conhecimento é hermeticamen-te fechada, estando em constante mutação. Porém, o conhecimento, apesar de estar ao alcance de muitas pessoas através das novas mídias, precisa ser bem organizado. Foi pen-sando assim que nasceram as Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), que chegam agora a sua edição 2008.

Nesta nova publicação, continuamos a defender aquilo em que acreditamos desde o lançamento da primeira edição, há dois anos. No processo de tomada de decisão médica, devem ser consideradas as preferências do paciente, que sempre deve ser esclarecido, as circunstâncias do atendimento, o estadiamento da doença e os recursos disponíveis. A experiência profissional é fundamental e faz muita di-ferença, moldando a decisão final e garan-tindo maior benefício para o paciente.

É essencial, portanto, entender que as evidências são apenas um dos compo-nentes na tomada de decisão. Os médicos envolvidos na atenção a seus pacientes necessitam de diretrizes e, mais do que isso, necessitam de constante atualização

perante o avanço extremamente rápido do conhecimento médico e das opções farma-cológicas disponíveis como instrumento de terapia. Assim, especialistas de reconhecido saber foram convidados a elaborar e atuali-zar os temas apresentados desde a primei-ra edição das Diretrizes da SBD.

Para otimizar a publicação periódica das diretrizes, a diretoria 2008/2009 da SBD instituiu um novo regime de elaboração do material. A cada dois anos, serão publicadas as diretrizes completas, agregando os tex-tos de anos anteriores juntamente com as atualizações referentes a cada assunto. Nos anos subseqüentes, de modo intercalado, será editado apenas o material atualizado, trazendo aos médicos as novidades relacio-nadas a cada tema. Desta forma, a diretoria da SBD manterá os profissionais atualizados a cada ano com o que há de mais moderno na sua área de atuação.

Finalizando, gostaria de agradecer aos colegas que, generosamente, empresta-ram seu tempo e dedicaram-se à produ-ção deste importante e útil trabalho. Com isso, estamos contribuindo para a missão da SBD, que é servir de instrumento de atualização e reciclagem. Nosso objetivo final - vale a pena destacar - é a qualidade da atenção ao paciente com diabetes.

Dra Marília de Brito GomesPresidente da SBD – Gestão 2008/2009

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Diretrizes SBD 2008

SBDSociedade Brasileira de Diabetes

GESTÃO 2008 / 2009PresidenteDra Marília de Brito Gomes

Vice-PresidentesDr. Balduíno TschiedelDr. Mario José A. SaadDr. Saulo Cavalcanti da SilvaDr. Nelson RassiDra. Reine Marie Chaves Fonseca

Secretário GeralDr. Sergio Atala Dib

Segunda SecretáriaDra. Rosane Kupfer

TesoureiroDr. Antônio Carlos Lerário

Segundo TesoureiroDr. Domingos Malerbi

Diretor para Assuntos Internacionais e SociaisDr. Antonio Roberto Chacra

Conselho FiscalDr. Milton César FossDr. Walter MinicucciDr. Marco Antônio Vívolo

SuplenteDr. Adriana Costa e Forti

DIRETORIA

Diretrizes SBD 2008

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2008 Diretrizes SBD

EDITORESMarília B. Gomes

Antônio Carlos Lerário

AUTORESAdriana Perez Angelucci

Alexandre J. F. Carrilho

Augusto Pimazoni Netto

Camila Barcia

Carlos Antonio Negrato

Carlos Eduardo Virgini-Magalhães

Gerson Canedo de Magalhães

João Roberto Sá

Lenita Zajdenverg

Lívia Ferreira da Costa

Márcia Nery

Marcio C. Mancini

Marco Andre Mezzasalma

Marcos Tadashi Kakitani Toyoshima

Maria Edna de Melo

Mauricio Levy Neto

Nanci Silva

Nelson Rassi

Rafael Pergher

Reginaldo Albuquerque

Renan Montenegro Junior Roberta Azevedo Coelho

Rosiane Mattar

Saulo Cavalcanti da Silva

Sérgio Vencio

Walter J. Minicucci

ERRATA

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SUMÁRIOAvaliação do controle glicêmico 10

Gerenciamento eletrônico do diabetes 18

Diabetes e drogas antipsicóticas 29

Doença arterial obstrutiva periférica no paciente diabético 35

Diabetes mellitus pós-transplante 42

Manifestações reumatológicas do diabetes 49

Diabetes e doença periodontal 55

Disglicemias na gestação 62

Cirurgia para diabetes 72

Indicação de vacinas no paciente diabético 78

Síndrome metabólica em crianças e adolescentes 81

HIV, diabetes e síndrome metabólica 86

Depressão no paciente diabético 92

Degeneração vascular cerebral 98

Definição de indicadores de desempenho dos programas de atendimento aos diabéticos 102

Diretrizes SBD 2008

Reservados todos os direitos à Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD). É proibida a reprodução ou duplicação deste volume, no todo ou em parte, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia ou outros), sem permissão expressa da SBD.

Todo o desenvolvimento, bem como suas respectivas fotos de conteúdo científico, são de responsabilidade dos autores, não refletindo necessariamente a posição da editora. Distribuição exclusiva à classe médica.

TSO MKT Diretor: Renato Gregório Produção gráfica: Christina Araújo Diretor de arte: Bernardo WK Designer gráfico: Danielle V. Cardoso Coordenador editorial: Bruno Aires

Estrada do Bananal, 56 - Freguesia/Jacarepaguá - CEP: 22745-012 - Rio de Janeiro - RJ - Tel.: (21) [email protected] - www.tsomkt.com.br

AC Farmacêutica Diretor comercial: Silvio Araujo Diretor administrativo: André Araujo Comercial: Selma Brandespim, Wilson Neglia, Rosângela Santos, Karina Maganhini e Valeska Piva

SP Rua Dr. Martins de Oliveira, 33 - Jardim Londrina - CEP 05638-030 - São Paulo - SP - (11) 5641-1870RJ Estrada do Bananal, 56 - Freguesia/Jacarepaguá - CEP: 22745-012 - Rio de Janeiro - RJ - Tel.: (21) 2425-1440

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GRAUS DE RECOMENDAÇÃO E FORÇA DE EVIDÊNCIA

Estudos experimentais ou observacionais de melhor consistência

Estudos experimentais ou observacionais de menor consistência

Relatos de casos (estudos não-controlados)

Opinião desprovida de avaliação crítica, baseada em consensos, estudos fisiológicos ou modelos animais

A

B

C

D

2008 Diretrizes SBD

NÍVEL DE EVIDÊNCIA CIENTÍFICA POR TIPO DE ESTUDO

Oxford Centre for Evidence-Based Medicine (maio 2001)Projeto Diretrizes AMB-CFM

A

B

C

D

Revisão sistemática (com homogeneidade) de ensaios clínicos controlados e randomizados

Ensaio clínico controlado e randomizado com intervalo de confiança estreito.

Resultados terapêuticos do tipo “tudo ou nada”.

Revisão sistemática (com homogeneidade) com estudos coorte.

Estudo de coorte (incluindo ensaio clínico randomizado de menor qualidade).

Observação de resultados terapêuticos (outcomes research). Estudo ecológico

Revisão sistemática (com homogeneidade) de estudos casos-controle.

Estudo caso-controle

Relato de casos (incluindo coorte ou caso-controle de menor qualidade)

Grau de recomendação

Nível de evidência

Tratamento/prevenção-etiologia Prognóstico Diagnóstico Diagnóstico preferencial/

prevalência de sintomas

1A

1B

1C

2A

2B

2C

3A

3B

4

5

Revisão científica (com homogeneidade) de coortes desde o início da doença. Critério prognóstico validado em diversas populações.

Coorte, desde o início da doença, com perda <20%. Critério prognóstico validado em uma única população.

Série de casos do tipo “tudo ou nada”.

Revisão sistemática (com homogeneidade) de coortes históricas (retrospectivas) ou de segmentos de casos não-tratados de grupo de controle de ensaio clínico randomizado.

Estudo de coorte histórica. Seguimento de pacientes não tratados de grupo de controle de ensaio clínico randomizado. Critério prognóstico derivado ou validado somente em amostras fragmentadas.

Observação de evoluções clínicas (outcomes research)

Série de casos (e coorte prognóstica de menor qualidade)

Revisão científica (com homogeneidade) de estudos diagnósticos nível 1. Critério diagnóstico de estudo nível 1B em diferentes centros clínicos.

Coorte validada, com bom padrão de referência. Critério diagnóstico testado em um único centro clínico.

Sensibilidade e especificidade próximas de 100%.

Revisão sistemática (com homogeneidade) de estudos de diagnósticos de nível > 2.

Coorte exploratório com bom padrão de referência. Critério diagnóstico derivado ou validado em amostras fragmentadas ou banco de dados.

Revisão sistemática (com homogeneidade) de estudos diagnósticos de nível maior ou igual 3B

Seleção não-consecutiva de casos, padrão de referência aplicado de forma pouco consistente.

Estudo caso-controle; ou padrão de referência pobre ou não independente.

Revisão científica (com homogeneidade) de estudo de coorte (contemporânea ou prospectiva).

Estudo de coorte (contemporânea ou prospectiva) com poucas perdas.

Série de casos do tipo “tudo ou nada”.

Revisão sistemática (com homogeneidade) de estudos sobre diagnóstico diferencial de nível maior ou igual 2B

Estudo de coorte histórica (coorte retrospectiva) ou com seguimento casos comprometidos (número grande de perdas)

Estudo ecológico

Revisão sistemática (com homogeneidade) de estudos de nível maior ou igual 3B.

Coorte com seleção não-consecutiva de casos, ou população de estudo muito limitada.

Série de casos, ou padrão de referência superado.

Opinião de especialista sem avaliação crítica ou baseada em matérias básicas (estudo fisiológico ou estudo com animais)

Em razão da dificuldade em conseguir referências bibliográficas, a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) considera nos trabalhos a seguir o grau de recomendação e não há, necessariamente, em todas as diretrizes o nível de evidência.

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Diretrizes SBD 2008

Avaliação do controle glicêmico

1. INTRODUÇÃO

Na prática clínica, a avaliação do controle glicêmico é feita através da utilização

de dois recursos laboratoriais: os testes de glicemia e os testes de hemoglobina gli-

cada (A1C), cada um com seu significado clínico específico e ambos considerados

como recursos complementares para a correta avaliação do estado de controle

glicêmico em pacientes diabéticos1(A), como mostra a figura 1.

FIGURA 1 - Testes tradicionais para avaliação do controle glicêmico

Testes tradicionalmente utilizados para avaliar o controle glicêmico

Testes de glicemia Testes de A1C

Mostram a glicemia média pregressa dos últimos dois

a quatro meses

Mostram o nível glicêmico instantâneo no momento do teste

“Saldo atual” “Saldo médio”

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2008 Diretrizes SBD

Os testes de glicemia refletem o nível glicêmico atual e instantâneo no momento exato do teste, enquanto os testes de A1C refletem a glicemia mé-dia pregressa dos últimos dois a quatro meses. Uma forma didática bastante simples para explicar aos pacientes os significados e as implicações dos tes-tes de glicemia e dos testes de A1C é a comparação com os termos já bas-tante familiares a eles, que utilizam os serviços bancários: os testes de glice-mia revelariam o “saldo atual” da conta bancária, ou seja, a quantidade exata de glicose sangüínea no momento do teste. Por outro lado, os testes de A1C revelariam o “saldo médio” da conta bancária durante os últimos dois a quatro meses.

Os valores de correspondência en-tre os níveis de A1C e os respectivos níveis médios de glicemia durante os últimos dois a quatro meses foram inicialmente determinados com base nos resultados do estudo DCCT2(A). Estudo conduzido mais recentemente reavaliou as correlações entre os níveis de A1C e os correspondentes níveis de glicemia média estimada3(A), con-forme mostra a tabela 1. Note-se, por exemplo, que um resultado de A1C = 7% corresponderia, pelos padrões dos estudos originais, a uma glicemia mé-dia de 170 mg/dL. Agora, de acordo com os novos parâmetros, esse mesmo nível de A1C = 7% corresponde, na re-alidade, a um nível de glicemia média estimada de 154 mg/dL.

Tanto os testes de glicemia como os de A1C são considerados testes tra-dicionais para a avaliação do controle glicêmico. Mais recentemente, desde o início de 2008, dois outros parâme-tros de avaliação do controle glicêmi-co foram desenvolvidos e ainda têm uma penetração muito baixa entre os

médicos que cuidam do diabetes, pelo fato de não estarem totalmente fami-liarizados com as vantagens desses novos parâmetros. São eles: a glicemia média estimada (GME)3(A) e a variabi-lidade glicêmica, um importante fator que vem sendo considerado como um fator de risco isolado para as complica-ções do diabetes, independentemen-te dos valores elevados de glicemia

média4,5(A). Assim, considerando os métodos tradicionais e os novos mé-todos para avaliação do controle gli-cêmico, agora são quatro parâmetros que podem ser utilizados para tal fim, como mostra a tabela 2.

As metas estabelecidas para carac-terização do bom controle glicêmico pelos métodos tradicionais estão resu-midas na tabela 3.

TABELA 2 - Métodos novos e tradicionais para a avaliação do controle glicêmicoMétodos tradicionais Métodos novos

Testes de glicemia

Testes de A1C

Monitorização contínua da glicose (CGMS - Continuous Glucose Monitoring System)

Glicemia média estimada (avaliada através de perfis glicêmicos)

Variabilidade glicêmica (avaliada através de desvio padrão)

TABELA 3 - Metas terapêuticas para o controle glicêmico, conforme recomendações da Sociedade Brasileira de Diabetes e da American Diabetes Association

Metas terapêuticas

SBD ADA

Hemoglobina glicada (A1C)

Glicemia de jejum

Glicemia pré-prandial

Glicemia pós-prandial (duas horas)

<6,5%

<110

<110

<140

<7%

90-130

90-130

<180

Parâmetro laboratorial

TABELA 1 - Correspondência entre os níveis de A1C (%) e os níveis médios de glicemia dos últimos dois a quatro meses (mg/dL)

4

5

6

6,5 (meta: SBD)

7 (meta: ADA)

8

9

10

11

12

65

100

135

152

170

205

240

275

310

345

70

98

126

140

154

182

211

239

267

295

Nível de A1C (%) Estudos originais Novos estudos

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Um resumo executivo de cada um dos métodos mencionados encontra-se a seguir.

2. CONCEITO E IMPLICAÇÕES CLÍNICAS DA HEMOGLOBINA GLICADA

No decorrer dos anos ou das déca-das, a hiperglicemia prolongada pro-move o desenvolvimento de lesões orgânicas extensas e irreversíveis, afe-tando os olhos, os rins, os nervos, os vasos grandes e pequenos, assim como a coagulação sangüínea. Os níveis de glicose sangüínea persistentemente elevados são tóxicos ao organismo, através de três mecanismos diferentes:

FIGURA 2 - Molécula da hemoglobina, mostrando a glicação das moléculas de glicose

FIGURA 3 - Impacto das glicemias mais recentes versus as “mais antigas” sobre os níveis de A1C

mediante a promoção da glicação de proteínas, através da hiperosmolarida-de e por meio do aumento dos níveis de sorbitol dentro da célula. É através desse processo de glicação das prote-ínas que a glicose sangüínea se liga à molécula de hemoglobina2(D), confor-me mostra a figura 2.

A quantidade de glicose ligada à hemoglobina é diretamente proporcio-nal à concentração média de glicose no sangue. Uma vez que os eritrócitos têm um tempo de vida de aproximadamen-te 120 dias, a medida da quantidade de glicose ligada à hemoglobina pode fornecer uma avaliação do controle gli-cêmico médio no período de 60 a 120 dias antes do exame. Este é o propósito dos exames de hemoglobina glicada,

sendo mais freqüente a avaliação da hemoglobina A1C (HbA1c)2(D).

Tradicionalmente, a A1C tem sido considerada como representativa da média ponderada global das glicemias médias diárias (incluindo glicemias de jejum e pós-prandial) durante os últi-mos dois a quatro meses. Na verdade, a glicação da hemoglobina ocorre ao longo de todo o período de vida do glóbulo vermelho, que é de aproxi-madamente 120 dias. Porém, dentro destes 120 dias, a glicemia recente é a que mais influencia o valor da A1C. De fato, os modelos teóricos e os estudos clínicos sugerem que um paciente em controle estável apresentará 50% de sua A1C formada no mês precedente ao exame, 25% no mês anterior a este e os 25% remanescentes no terceiro ou quarto mês antes do exame2(D), como mostra a figura 3.

O impacto de qualquer variação significativa (em sentido ascendente ou descendente) na glicemia média será “diluído” dentro de três ou quatro meses, em termos de níveis de A1C. A glicemia mais recente causará o maior impacto nos níveis de A1C. Os exames de A1C deverão ser realizados regu-larmente em todos os pacientes com diabetes. De início, para documentar o grau de controle glicêmico em sua avaliação inicial, e subseqüentemente, como parte do atendimento contínuo do paciente2(D).

Para uma avaliação correta do re-sultado do teste de A1C, é necessário conhecer a técnica laboratorial utilizada na realização do teste. Métodos labo-ratoriais distintos apresentam faixas de valores normais igualmente distintas. Em princípio, os laboratórios clínicos de-veriam utilizar apenas os métodos labo-ratoriais certificados pelo National Glyco-hemoglobin Standardization Program

Data da coleta de sangue para o teste de A1C

IMPORTANTE:Freqüência recomendada para os testes de A1COs testes de A1C devem ser realizados pelo menos duas vezes ao ano por todos os pacientes diabéticos e quatro vezes por ano (a cada três meses) por pacientes que se submeterem a alterações do esquema terapêutico ou que não estejam atingindo os objetivos recomendados com o tratamento vigente.

Um mês antes

50%

Dois meses antes

25%

Três meses antes Quatro meses antes

25%

GG

G

GG

G

Avaliação do controle glicêmicoDiretrizes SBD

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(NGSP), o qual analisa o desempenho do método analítico utilizado e verifica se uma determinada técnica laboratorial é ou não rastreável ao método utiliza-do durante o estudo DCCT. Esses méto-dos certificados pelo NGSP medem, de maneira específica, a fração de hemo-globina glicada definida como HbA1c, que é a fração que efetivamente está relacionada ao risco cardiovascular. Para esse grupo de testes certificados, a faixa de normalidade varia de 4% a 6% e a meta clínica definida é de um nível de A1C <6,5% ou <7%, conforme recomendações de diferentes socieda-des médicas2(D).

3. CONCEITO E IMPLICAÇÕES CLÍNICAS DOS TESTES DE GLICEMIA

Os testes de glicemia podem ser realizados por técnicas laboratoriais tradicionais em laboratórios clínicos ou, então, através da prática da auto-monitorização domiciliar, que, quando realizada de forma racional, pode pro-porcionar uma visão bastante realista do nível do controle glicêmico durante todo o dia. Isso pode ser conseguido através da realização de perfis glicê-micos de seis pontos (três testes pré-prandiais e três testes pós-prandiais, realizados duas horas após as princi-pais refeições). Para pacientes insuli-nizados, recomenda-se a realização de mais um teste glicêmico durante a ma-drugada para a detecção de eventual hipoglicemia6(D).

Em seu posicionamento oficial (Standards of medical care in diabetes – 2008), a American Diabetes Associa-tion considera a automonitorização gli-cêmica (AMG) como parte integrante do conjunto de intervenções e como

componente essencial de uma efetiva estratégia terapêutica para o controle adequado do diabetes. Este procedi-mento permite ao paciente avaliar sua resposta individual à terapia, possibi-litando também avaliar se as metas glicêmicas recomendadas estão sendo efetivamente atingidas. Os resultados da AMG podem ser úteis na prevenção da hipoglicemia, na detecção de hipo e hiperglicemias não-sintomáticas e no ajuste da conduta terapêutica medica-mentosa e não-medicamentosa, tanto para portadores de diabetes mellitus tipo 1 (DM1) como para os portadores de diabetes mellitus tipo 2 (DM2), va-riando apenas a freqüência recomen-dada, a qual deve ser definida pelas necessidades individuais e pelas metas de cada paciente1(D).

O papel da AMG nos cuidados com os portadores de diabetes foi extensamente avaliado por uma Conferência Global de Consenso, publicada como um suplemen-to do The American Journal of Medicine de setembro de 2005. De acordo com esse

consenso, a AMG é uma parte integral, porém subutilizada da estratégia inte-grada de gerenciamento da doença, tanto em portadores de DM1 como de DM2. As diretrizes sobre as freqüências recomendadas e os horários para a re-alização dos testes de glicemia variam entre as associações internacionais de diabetes. Além disso, por falta de infor-mações, os pacientes freqüentemente desconhecem as ações mais adequadas que deveriam tomar em resposta aos re-sultados da glicemia, obtidos através da AMG. O objetivo dessa Conferência Glo-bal de Consenso foi definir a AMG como uma ferramenta de auxílio para otimizar o controle glicêmico, complementando informações proporcionadas pela A1C, além de detectar excursões pós-pran-diais e padrões inaceitáveis de perfil gli-cêmico, ajudando os pacientes a avaliar a eficácia de suas ações de estilo de vida e de seu esquema terapêutico. A AMG também contribui para a redução do ris-co de hipoglicemia e para a manutenção de uma boa qualidade de vida7(D).

Freqüência de testes

- Início do tratamento

- Ajuste da dose do medicamento

- Mudança de medicação

- Estresse clínico e cirúrgico (infecções, cirurgias etc.)

- Terapia com drogas diabetogênicas (corticosteróides)

- Episódios de hipoglicemias graves

- A1C elevada com glicemia de jejum normal

- Testes pré-prandiais: antes do café da ma-nhã, do almoço e do jantar.

- Testes pós-prandiais: duas horas após o café da manhã, o almoço e o jantar.

- Testes adicionais para paciente do tipo 1 ou do tipo 2, usuário de insulina: hora de dormir e de madrugada (3 horas da manhã)

Situação clínica

Perfil glicêmico: seis testes por dia por três dias na semanaNecessidade menor de testes

Adaptado6

TABELA 4 - Fase de avaliação aguda: freqüências sugeridas de testes de glicemia capilar, conforme a situação clínica

IMPORTANTE:Não existe esquema padrão de freqüência de testes glicêmicos que seja aplicável a qualquer paciente, indistintamente. É importante ter em mente que a freqüência de testes para portadores de DM2 deve ser determinada apenas com base no perfil de resposta clínica do paciente ao tratamento instituído.

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A importância da automonito-rização no DM1 é universalmente aceita. Por outro lado, tem sido con-testada sua utilidade para a avalia-ção do controle no DM2. Na verda-de, a automonitorização também é fundamental para os portadores de DM2, em especial naqueles com tratamento insulínico. Não se deve discutir mais se essa prática é ou não útil no DM2 mas, sim, qual a freqüên-cia de testes seria a mais recomendada

e a mais racional para cada paciente em particular.

Ao definir o esquema de auto-monitorização da glicemia, deve-se ter em conta o grau de estabilidade ou de instabilidade da glicemia, bem como a condição clínica específica em que o paciente se encontra num determinado momento. As principais condições nas quais a freqüência de testes deve ser ampliada estão des-critas na tabela 46(D).

Uma vez obtido o controle glicêmi-co e após certificar-se de que o pacien-te já tem conhecimentos operacionais suficientes para gerenciar seu controle glicêmico, a freqüência de testes de gli-cemia deve ser ajustada de acordo com três critérios principais: tipo de diabe-tes, esquema terapêutico utilizado e grau de estabilidade ou instabilidade do controle glicêmico, como mostra a tabela 5.

4. CONCEITO E IMPLICAÇÕES CLÍNICAS DA MONITORIZAÇÃO CONTÍNUA DA GLICOSE

A monitorização contínua da gli-cose (MCG) proporciona informações sobre a direção, a magnitude, a dura-ção, a freqüência e as causas das flutu-ações nos níveis de glicemia. Em com-paração com a automonitorização glicêmica (AMG) convencional, que engloba algumas determinações diá-rias e pontuais da glicemia, o sistema de MCG proporciona uma visão muito mais ampla dos níveis de glicose du-rante todo o dia, além de proporcio-nar informações sobre tendências de níveis glicêmicos que podem identi-ficar e prevenir períodos de hipo ou hiperglicemia. Por outro lado, a AMG tem uma ampla indicação para uso freqüente e rotineiro pelo portador de diabetes, enquanto que a MCG tem suas indicações restritas a um grupo de condições clínicas especiais. As in-dicações clínicas para a realização do exame de MCG incluem situações que exigem uma informação detalhada sobre as flutuações da glicemia, que somente podem ser detectadas atra-vés da monitorização contínua8(A).

O procedimento da MCG está indi-cado tanto para pacientes portadores

Freqüência de testes

- Condição clínica está-vel. Baixa variabilidade nos resultados dos tes-tes, com A1C normal ou quase normal.

- Tipo 1: três testes ou mais por dia em diferentes horários, sempre.

- Tipo 2 insulinizado: três testes por dia em diferentes horários, dependendo do grau de estabilização glicêmica.

- Tipo 2 não-insulinizado: pelo menos um ou dois testes por semana, em diferentes horários.

Situação clínica

Freqüência variável, conforme tipo, tratamento e grau de estabilidade glicêmica

Necessidade menor de testes

TABELA 6 - PRINCIPAIS INDICAÇÕES RECONHECIDAS PELA SBD PARA A MONITORIZAÇÃO CONTÍNUA DA GLICOSE

- A indicação mais importante da MCG é a de facilitar os ajustes na conduta terapêutica, com o objetivo de melhorar o controle glicêmico.

- Os referidos ajustes incluem:

* Substituição da insulina rápida pelo análogo de insulina ultra-rápida ou adição de aplicações adicionais de insulina de ação rápida ou de análogo de insulina de ação ultra-rápida.

* Substituição da insulina NPH por um análogo de insulina de longa duração ou adi-ção de aplicações adicionais de insulina NPH.

• Ajustes de doses de insulina basal e prandial.

• Alterações na composição de carboidratos da dieta.

• Alterações nas metas desejáveis para glicemia pré ou pós-prandial.

- Quantificação da resposta a um agente antidiabético.

- Avaliação do impacto de modificações do estilo de vida sobre o controle glicêmico.

- Monitoramento das condições nas quais um controle glicêmico intensivo é desejado (diabetes gestacional, diabetes em crianças e pacientes em UTI).

- Diagnóstico e prevenção da hipoglicemia assintomática e noturna.

- Diagnóstico e prevenção da hipoglicemia pós-prandial.

Adaptado6

TABELA 5 - Fase de estabilidade: freqüências sugeridas de testes de glicemia capilar, conforme a situação clínica

Avaliação do controle glicêmicoDiretrizes SBD

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2008 Diretrizes SBD

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de DM1 ou DM2, desde que seja devi-damente caracterizada a necessidade médica de um perfil glicêmico comple-to, com a finalidade de identificar alte-rações significativas das flutuações gli-cêmicas ocorridas durante as 24 horas do dia. A tabela 6 mostra as principais indicações reconhecidas pela SBD para a realização da MCG, com base nas re-comendações de Klonoff8(A).

5. CONCEITO E IMPLICAÇÕES CLÍNICAS DA GLICEMIA MÉDIA SEMANAL E DA VARIABILIDADE GLICÊMICA

Novos conceitos e métodos de avaliação do controle glicêmico estão sendo mais intensamente divulgados durante este ano de 2008. Estudo clíni-co recentemente publicado ressalta a importância da utilização do conceito de glicemia média, definindo as cor-relações matemáticas entre os níveis de hemoglobina glicada (A1C) e os ní-veis médios de glicemia, de tal forma a priorizar a utilização das médias gli-cêmicas em substituição aos valores de A1C3(A).

Na prática clínica, há uma necessi-dade urgente do desenvolvimento de métodos confiáveis de fácil implemen-tação e utilização e de baixo custo para a avaliação em curto prazo do controle glicêmico e da adequação da conduta terapêutica. Tais informações permi-tirão reorientar a definição de novas abordagens de tratamento com o ob-jetivo maior de otimizar a terapêutica e combater a inércia clínica e seu impac-to nocivo sobre a progressão das com-plicações crônicas do diabetes. Tanto a A1C como a frutosamina são métodos de avaliação de longo e médio prazos, respectivamente.

A utilização esporádica e não estru-turada de testes de glicemia capilar não fornece os elementos necessários para a avaliação completa do estado glicêmico. Por outro lado, a realização de pelo me-nos três perfis glicêmicos diários de seis ou sete pontos (três glicemias pré-pran-diais, mais três glicemias pós-prandiais e mais uma glicemia durante a madruga-da para pacientes insulinizados) em cada semana permite estimar a glicemia mé-dia semanal (GMS). Isso viabiliza a avalia-ção do nível de controle glicêmico e da adequação da conduta terapêutica em curtíssimo prazo, quando esse método é utilizado em avaliações semanais duran-te o período de diagnóstico glicêmico e de ajustes terapêuticos.

Além disso, a glicemia média mos-trou ser o melhor preditor de com-plicações macrovasculares no dia-betes tipo 1 (DM1), em comparação com a A1C, sendo provavelmente a melhor maneira de se avaliar o risco cardiovascular9(A). Outros estudos em pacientes com DM1 confirmaram as

correlações entre os níveis de A1C e os níveis médios de glicemia através de sistemas de monitorização contínua da glicose (CGMS)10-12(A).

Estudos mais recentes confirmam a importância da variabilidade glicêmica como um fator isolado de risco, uma vez que oscilações muito amplas da glicemia ao redor de um valor médio ativam o estresse oxidativo e promo-vem dano tissular. Aliás, a importância da variabilidade glicêmica pode ser maior que a importância dos níveis elevados de A1C na determinação do risco de complicações cardiovasculares no paciente diabético tipo 24,5(A).

6. CONSIDERAÇÕES ESPECIAIS SOBRE A UTILIZAÇÃO DA GLICEMIA MÉDIA SEMANAL PARA A AVALIAÇÃO DO CONTROLE GLICÊMICO

A glicemia média semanal (GMS) é um método experimental que está sendo

FIGURA 4 - Gráfico de desempenho glicêmico, mostrando normalização da glice-mia e do desvio padrão três semanas após o início da terapia insulínica. Redução da GMS de 342 mg/dL para 112 mg/dL e redução do desvio padrão (expressão da variabilidade glicêmica) de 60 mg/dL para 25 mg/dL.

Mar2008

Abr

Semana 1 = GMS 342 mg/dL e DP = 60 mg/dL3 semanas após início de insullina: GMS 112 mg/dL e DP = 25 mg/dL

03 10 17 24 31 07 14 21 28

Semanas

1 2 3 4 5 6 7 8

71 anos, sexo feminino, com diabetes n’ao controlado há 10 anos

400

350

300

250

200

150

100

50

0

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desenvolvido pelo Grupo de Educação e Controle do Diabetes do Centro de Hi-pertensão e Metabologia Cardiovascular

do Hospital do Rim da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Esse método é uma derivação da auto-

monitorização domiciliar que avalia o controle glicêmico do paciente através da realização de três perfis

TABELA 7 - Níveis de evidência das principais recomendações e conclusões

A redução dos níveis de A1C para valores abaixo de 7% demonstrou reduzir as complicações micro-vasculares e neuropáticas e, possivelmente, as complicações macrovasculares do diabetes, principal-mente no diabetes tipo 1.

A meta de A1C para indivíduos selecionados deve ser estabelecida em nível o mais próximo possível do limite superior da normalidade (< 6%), sem aumentar o risco de hipoglicemias significativas.

Metas menos rígidas de A1C devem ser adotadas para pacientes com história de hipoglicemia severa, crianças, indivíduos com comorbidades importantes, indivíduos com expectativas limitadas de vida e naqueles portadores de diabetes de longa duração e sem complicações microvasculares.

Testes de A1C deverão ser realizados pelo menos duas vezes ao ano para os pacientes com controle razoável e a cada três meses para os pacientes mais instáveis.

A glicemia média estimada é um novo conceito na avaliação do controle glicêmico e sua utilização, em conjunto com os resultados da A1C, está sendo recomendada por entidades médicas internacio-nais relacionadas ao diabetes.

A variabilidade glicêmica pode ser considerada um fator de risco independente para as complicações do diabetes.

A utilização de perfis glicêmicos de seis ou sete pontos constitui-se em método mais preciso de ava-liação da glicemia do que a realização de testes glicêmicos isolados.

A freqüência recomendada para a automonitorização da glicemia deve ser definida em função do tipo de diabetes, do grau de estabilidade ou instabilidade glicêmica e das condições clínicas de cada paciente.

A automonitorização glicêmica também contribui para a redução do risco de hipoglicemia e para a manutenção de uma boa qualidade de vida.

A monitorização contínua da glicose (MCG) está indicada em situações que exigem informações de-talhadas sobre as flutuações da glicemia, que somente poderão ser detectadas através de monitori-zação eletrônica da glicose intersticial.

A utilização da glicemia média semanal (GMS) e do cálculo do desvio padrão como forma de expres-são da variabilidade glicêmica permite a avaliação em curto prazo do nível de controle glicêmico e da adequação da conduta terapêutica.

Recomendação ou conclusão Níveis de evidência

D

B

A

D

A

A

D

D

D

A

C

Legenda:

(A) - Estudos experimentais e observacionais de melhor consistência.

(B) - Estudos experimentais e observacionais de menor consistência.

(C) - Relatos de casos – estudos não-controlados.

(D) - Opinião desprovida de avaliação crítica, baseada em consenso, estudos fisiológicos ou modelos animais.

DECLARAÇÃO DE CONFLITO DE INTERESSES:A Roche Diagnóstica proporciona financiamento parcial do estudo clínico que está sendo conduzido sob a coordenação médica do autor,

Augusto Pimazoni Netto, junto ao Grupo de Educação e Controle do Diabetes do Centro Integrado de Hipertensão e Metabologia Cardiovascular do Hospital do Rim e Hipertensão da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Avaliação do controle glicêmicoDiretrizes SBD

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2008 Diretrizes SBD

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REFERÊNCIAS

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3. Nathan DM, et al. Translating the A1C Assay into Estimated Average Glucose Values. Diabetes Care 2008;3:1-6.

4. Monnie L. and Colette, C. Glycemic Variability – Should We And Can We Prevent It? Diabetes Care 2008;31(Suppl.2):S150-S154.

glicêmicos de seis ou sete pontos por semana. Os pacientes são atendidos semanalmente por uma equipe interdisci-plinar e recebem monitor de glicemia e tiras reagentes necessárias para a realização dos perfis glicêmicos. Os resulta-dos das glicemias são baixados para um computador e, com o auxílio de um software específico, calcula-se a média e o desvio padrão dos resultados semanais(C).

De posse dessas informações, a equipe de atendimento pode verificar várias informações de importância, que per-mitem um ajuste semanal da conduta terapêutica com base na GMS, nos padrões de glicemia apresentados pelos perfis glicêmicos e no desvio padrão obtido a partir dos resultados dos perfis glicêmicos.

A figura 4 mostra o gráfico de desempenho glicêmico de uma paciente que se recusava a receber tratamento insu-línico e que, depois de devidamente convencida pela equipe de atendimento, concordou em ser insulinizada. O grá-fico mostra que três semanas após o início do tratamento insulínico a paciente entrou em pleno controle glicêmico, assim definido quando são atingidos níveis de GMS abaixo de 150 mg/dL e desvio padrão abaixo de 50 mg/dL. Neste caso, o acompanhamento semanal com base nos parâmetros mencionados permitiu que atingíssemos uma perfeita adequação da conduta terapêutica às necessidades terapêuticas da paciente, em curtíssimo prazo (três semanas), sem ter que aguardar a avaliação dos resultados dos testes de A1C, os quais demoram de três a quatro meses para manifestar a totalidade do efeito terapêutico da conduta adequada.

5. Ceriello A., Esposito K., Piconi L., et al. Oscillating Glucose Is More Deleterious to Endothelial Function and Oxidative Stress Than Mean Glucose in Normal and Type 2 Diabetic Patients. Diabetes 2008;57:1349-1354.

6. Pimazoni Netto A, Lerário AC, Minicucci W. e Turatti LA. Automonitorização Glicêmica e Monitorização Contínua da Glicose. Posicionamento Oficial SBD nº 1. Revista Brasileira de Medicina, Suplemento Especial nº 1, 2006.

7. Bergenstal, RM et al. The Role of Self-Monitoring of Blood Glucose in the Care of People with Diabetes: Report of a Global Consensus Conference. The Amerian Journal of Medicine 2005;118(9A):1S-6S.

8. Klonoff DC. Continuos Glucose Monitoring. Diabetes Care 2005;28:1231-1239.

9. Kilpatrick ES, Rigby AS and Atkin SL. Mean Blood Glucose Compared With HbA1c in the Prediction of Cardiovascular Disease in Patients. Diabetologia 2008;51(2):365-371.

10. Diabetes Research in Children Network (DirecNet) Study Group. Relationship of A1C to Glucose Concentrations in Children With Type 1 Diabetes. Diabetes Care 2008;1:381-385.

11. Wolpert HA. The Nuts and Bolts of Achieving End Points With Real-Time Continuous Glucose Monitoring. Diabetes Care 2008;31(Suppl. 2):S146-S149.

12. Nathan DM, Turgeon H and Regan S. Relationship Between Glycated Haemoglobin Levels and Mean Glucose Levels Over Time. Diabetologia 2007;50(11):2239-2244.

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Gerenciamento eletrônico do diabetes: usando a tecnologia para melhor controle metabólico do diabetes

1. INTRODUÇÃO

A partir do final do século XX, aconteceram grandes avanços em tecnologia no tratamento do diabetes. Esses avanços permitiram que milhares de pacientes pudessem ter melhora dos resultados do tratamento da doença, facilitaram seu manejo e possibilitaram um entendimento mais profundo das variações glicêmi-cas e de como manejá-las.

Neste artigo, citaremos os mais importantes desses avanços que possibilitaram o gerenciamento eletrônico do diabetes, permitindo melhora dos controles glicê-micos, diminuição dos episódios de hipo e hiperglicemia e facilidade de cálculos e manejo do diabetes, pela equipe de saúde e pelo paciente e sua família. Os avan-ços são:

• A bomba de infusão de insulina, que embora tenha sido desenvolvida e seu uso difundindo nos Estados Unidos a partir de 1970, no Brasil chegou há aproxi-madamente dez anos e só agora começa a ser mais conhecida e prescrita no nosso meio.

• Os sensores de glicose: desde os de uso médico até os novos sensores de tempo real de uso individual

• Os softwares e programas de computador, que através do acesso, seja pela in-ternet seja pelo celular, permitem um gerenciamento mais eficaz do diabetes e das excursões glicêmicas pelo paciente, por seus familiares e pela equipe de saúde.

2. BOMBA DE INFUSÃO DE INSULINA

O objetivo da terapêutica com bomba de infusão de insulina é simular o que ocorre no organismo da pessoa sem diabetes, mantendo a liberação de insulina durante 24 horas para tentar obter níveis normais de glicose entre as refeições e liberar insulina nos horários de alimentação.

A bomba de infusão de insulina é um dispositivo mecânico com comando eletrônico, do tamanho de um pager, pesando cerca de 80 a 100 g. Colocada externamente ao corpo, presa na cintura, pendurada por dentro da roupa ou no pescoço, a bomba de infusão deve ser usada ao longo das 24 horas do dia.

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Na maioria dos sistemas de infusão de insulina, a bomba é ligada a um tubo plástico fino que tem uma cânula fle-xível de teflon, com uma agulha-guia, que é inserida sob a pele, geralmente no abdômen, e por ele envia insulina ao tecido subcutâneo do paciente continuamente em microdoses, de acordo com a dosagem previamente definida pelo médico. Outros locais de aplicação da cânula podem ser a região lombar, as coxas e até mesmo os membros superiores1. As bombas de insulina são muito precisas. A libe-ração de insulina durante as 24 horas é automática é feita por meio de uma programação prévia, podendo ser constante ou variável. Pode-se pro-gramar doses tão pequenas quanto 0,1 U/hora, ou nenhuma insulina por algumas horas, adaptando-se às dife-rentes necessidades de cada período do dia.

Por não ser à prova de água, ela deve ser desconectada da cânula (por perío-do máximo de até duas horas) quando o paciente quiser nadar ou tomar banho.

Os implementos da bomba de infu-são de insulina são:

• Reservatório da insulina;• Conjunto de infusão (cateter e câ-

nula);• Baterias.O reservatório de insulina contém

de 300 a 315 unidades de insulina, de-pendendo do tipo de bomba utilizado. Existem diversos tipos de conjuntos de infusão, com diferentes tipos de catete-res. São utilizados os seguintes tipos:

• de 6 mm para pessoas com te-cido subcutâneo normal ou pouco espesso;

• de 9 mm para pessoas com teci-do subcutâneo mais espesso, aplicado em 90 graus (Quick-set®, Ultraflex® e FlexLink®);

• de 17 mm para uso geral, aplica-do em 45 graus (Silouette®, Tender®, Comfort® e Tenderlink®) ou menos, dependendo da quantidade de tecido celular subcutâneo.

Todos os conjuntos de infusão utilizam adesivos na pele para a fixa-ção da cânula e a escolha do tipo dos conjuntos de infusão, após o período inicial de adaptação, é feita pelo pa-ciente, com base em critérios de preço e conforto. A cânula é o cateter, fina e flexível de teflon. Todas as cânulas têm agulhas-guia, que são retiradas após a sua aplicação. Elas podem ser coloca-das manualmente ou por intermédio de um aplicador.

O kit de infusão (cânula e extensão) deve ser trocado freqüentemente: a câ-nula a cada três dias e todo o conjunto de infusão (cânula e cateter) a cada seis dias. Os análogos ultra-rápidos (lispro, asparte ou glulisina) ou a insulina regu-lar são as insulinas preferencialmente usadas na bomba, uma vez que cau-sam menos hipoglicemas do que a in-sulina R, além de produzirem melhores valores de glicemia pós-prandiais2.

O paciente deve ser alertado para carregar nas suas viagens frascos ex-tras de insulina, acessórios para as bombas e seringas e/ou canetas, con-tendo análogos sem pico e ultra-rápi-do, para o caso de acontecer algum problema com o equipamento, bom-ba ou kit de infusão.

2.1 - INFUSÃO BASAL DE INSULINA

2.1.1 - Cálculo da dose basal de insulina

A infusão basal geralmente repre-senta de 40% a 60% da dose total de insulina/dia e seu objetivo é suprimir a produção de glicose entre as re-feições, bem como durante a noite. Pode-se programar as bombas de infusão para liberar doses constantes ou variáveis a cada hora, durante as 24 horas, assim adaptando-se às ne-cessidades variáveis dos diferentes períodos do dia3, como, por exemplo, o de maior resistência à ação da insu-lina, que ocorre no período do alvo-recer e do entardecer. Além disso, a dose da infusão basal pode ser mu-dada a qualquer momento durante as 24 horas do dia.

Dependendo do modelo, as bom-bas de infusão de insulina podem liberar taxas basais de 0,05 a 35 uni-dades/hora (em gradações de 0,05 a 0,10 unidades) e podem ser pro-gramadas para até 48 diferentes ta-xas basais em 24 horas4. Em alguns casos, principalmente em crianças, pode-se usar doses tão pequenas quanto 0,1 unidade por hora, e até sustar a infusão de insulina por algu-mas horas. A dose basal total é calcu-lada segundo a fórmula apresentada a seguir na tabela 1.

TABELA 1 - Cálculo da dose basal de insulina

a) Soma da insulina total/dia (N, L, glargina ou detemir) + (R, lispro ou asparte)*;

b) Redução de 20% a 25%;

c) Divisão do total obtido por 2.

* Dose previamente utilizada.

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2.2 – BOLUS DE REFEIÇÃO

O bolus alimentar ou de refeição é liberado no momento das refeições, pelo pa-ciente, de acordo com a quantidade de carboidratos que será ingerida. Em média, usamos uma unidade de insulina para cada 15 gramas de carboidrato ingerida em adultos e uma unidade de insulina para 20 a 30 gramas de carboidrato em crianças e adultos magros mais sensíveis à insulina. Podemos calcular esta relação usando a formula descrita na tabela 2.

Bolus adicionais de insulina podem ser liberados durante as refeições ou após seu término, o que é muito vanta-joso quando se tratam de crianças, de pacientes com gastroparesia ou após o consumo de alimentos com grande quantidade de gordura, como pizza ou massas com queijo4(D).

As bombas mais modernas, em uso no Brasil, permitem alterar a forma e a duração do bolus que é usado para as refeições, utilizando esquemas de “onda quadrada” ou “onda dupla” para se adequar à quantidade e aos tipos de alimentos ingeridos. No esquema de bolus estendido (ou quadrado), uma dose constante de insulina é liberada durante algumas horas, segundo uma programação prévia, enquanto no es-quema de bolus bifásico (ou de onda dupla) primeiro se libera uma dose de insulina imediatamente após a refeição e a seguir o restante da dose. O bolus estendido pode ser usado durante uma festa ou um churrasco. O bolus bifásico

é usado após refeição rica em gorduras e carboidrato, como pizza ou lasanha, quando existe a necessidade de efeito mais prolongado da insulina.

2.2.1 - Fator de sensibilidade e bolus corretivo

O fator de sensibilidade determina, aproximadamente, qual é o efeito de uma unidade de insulina nos níveis de glicemia do paciente. Ela é calculada por meio da regra de 1.800: quando se divide esse valor pela quantidade total de insulina utilizada por dia.

Fator de sensibilidade1800/DTID = diminuição glicemia mg % / unidade insulinaDTID = dose total de insulina/dia no iní-cio da terapia com bomba de infusão

O bolus corretivo (BC) é usado para corrigir a hiperglicemia e leva em conta a sensibilidade à insulina, que é indivi-dual, como apresentado na tabela 3.

2.2.2 - Sensibilidade à insulina e ajustes de doses

Ela pode variar em diferentes perí-odos, podendo ser menor no período pré-menstrual, em situações de doen-ças infecciosas, estresse, depressão, quando o paciente ganha peso, ou até mesmo em diferentes horários do dia, quando é preciso lidar com níveis gli-cêmicos muito elevados, quando exis-te o efeito glicotóxico com diminuição da sensibilidade à insulina. A sensibili-dade também pode ser estimada em 50 mg/dl para adultos e em 75 a 100 mg/dl para crianças e adultos magros, com boa sensibilidade à insulina.

Sempre que o paciente medir a gli-cemia, ele deve usar esse fator para cal-cular quanta insulina é necessária para reduzi-la ao valor desejado. Em todos os pacientes, deve-se fixar uma meta glicêmica a ser alcançada. No caso de crianças, por exemplo, é melhor fixar o valor da meta glicêmica de 100 a 120 mg/% durante o dia e de 150 mg/% antes de deitar e, a partir daí, calcular a correção. Ajustes na terapêutica po-dem ser feitos em situações especiais, tanto nas taxas basais quanto na rela-ção dos bolus em diferentes situações, como exercício, doença, menstruação e estresse.

Algumas das bombas de insulina mais modernas têm softwares que a capacitam a calcular a dose da insulina a ser injetada na forma de bolus, con-siderando não só o consumo de car-boidratos calculado pelo paciente e introduzido na bomba, mas, também, os resultados da glicemia medidos no momento da aplicação. A possibilida-de de inclusão de diferentes coeficien-tes de relação insulina/carboidrato, de fatores de correção variáveis de acor-do com diferentes horários do dia,

TABELA 2 - Relação insulina/carboidrato

500 / DTID = gramas CH/unidade insulina

DTID = dose total de insulina/dia no início da terapia com bomba de infusão

TABELA 3 - Bolus corretivo

Bolus de correção = valor de glicemia – meta glicêmica / fator de sensibilidade

520 – 120 mg / % = 400 / fator de sensibilidade = 400 / 50 = 8 unidades de Novo-Rapid®

Gerenciamento eletrônico do diabetesDiretrizes SBD

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bem como o cálculo da insulina resi-dual e a correção automática da dose de insulina do bolus a ser liberado são outras características positivas destas novas bombas.

2.3 - INDICAÇÕES PARA A PRESCRIÇÃO DA BOMBA DE INSULINA

• Pacientes que estiverem com di-ficuldades para manter esquemas de múltiplas aplicações ao dia, ou que mesmo usando estes esquemas ainda não consigam controle adequado4(D);

• Quando houver controle inade-quado da glicemia ou ocorrer grandes oscilações glicêmicas;

• Ocorrência do fenômeno do alvo-recer (dawn phenomenon) com níveis de glicemia de jejum acima de 140 a 160 mg/dl;

• Ocorrência do fenômeno do en-tardecer;

• Ocorrência de hipoglicemias fre-qüentes e graves5(B), hipoglicemia noturna freqüente ou hipoglicemia assintomática6,7(B);

• Em pessoas com grandes varia-ções das rotinas diárias ou com neces-sidade de maior flexibilidade no estilo de vida8;

• Portadoras de diabetes grávidas ou com intenção de engravidar;

• Todas as pessoas motivadas, que desejem ter autocontrole9(A).

2.4 - VANTAGENS DA TERAPIA COM BOMBA DE INFUSÃO DE INSULINA

As principais vantagens da terapia com bomba de insulina são:

• Eliminar a necessidade de múlti-plas aplicações de insulina;

• Tornar mais fácil o controle do dia-betes, permitindo ajuste mais fino da

dose de insulina a ser injetada e liberar doses necessárias com mais exatidão do que com as injeções;

• Na maioria dos casos, podemos obter menores variações dos níveis de glicemia, melhorando a qualidade de vida e os níveis de A1C;

• Reduzir significativamente os episódios de hipoglicemias graves e assintomáticas9(C).

• Eliminar os efeitos imprevisíveis das insulinas de ação intermediária ou prolongada;

• Permitir a prática de exercícios sem exigir a ingestão de grandes quan-tidades de carboidratos.

A vantagem da CSII sobre a terapia MDI é, primariamente, o resultado de uma melhor cinética da insulina. So-mente a insulina ultra-rápida é usada hoje no tratamento com CSII e seu per-centual de variabilidade na absorção é menor do que a das insulinas NPH e glargina, resultando maior reprodutibi-lidade dos níveis glicêmicos.

Outro fator que contribui para uma absorção mais constante da insulina é a utilização de um só local de aplicação por cada dois a três dias, por meio do uso de um cateter, trocado após este período de tempo, o que não ocorre quando é feito o rodízio dos locais de aplicação no esquema de MDI. Além disso, este sistema elimina a maioria dos depósitos de insulina subcutâ-nea que existe quando se usam doses maiores de insulina NPH ou as de ação mais prolongada. O controle glicêmico noturno é melhorado com as bombas de insulina, minimizando o aumento da glicemia anterior ao café da manhã (o fenômeno do alvorecer), observado em pacientes com DM1, tratados com injeções de insulina10.

Por outro lado, o uso da bomba de insulina pode levar ao aumento de

peso, desencadear cetoacidose diabé-tica (CAD) por obstrução de cateter e tem custo mais elevado dentre todas as opções disponíveis de insulinotera-pia, além de ser desconfortável para alguns pacientes.

2.5 - USO DE BOMBA DE INFUSÃO DE INSULINA NA GRAVIDEZ

O rígido controle glicêmico traz be-nefícios indiscutíveis, tanto para a ges-tante diabética como para o feto e o recém-nascido. Este controle pode ser atingido com estratégias terapêuticas que utilizam múltiplas injeções diárias de insulina ou bomba de insulina. Nas grávidas com diabetes, a terapêutica com a bomba de infusão de insulina permite diminuir as excursões glicêmi-cas, principalmente as glicemias pré-prandiais, melhorar o manejo do enjôo matinal e um reequilíbrio pós-parto mais facilitado.

Embora exista uma tendência a jul-gar superior o tratamento com bomba de insulina em mulheres com diabetes durante a gravidez em relação aos es-quemas de múltiplas injeções diárias, a superioridade deste tipo de trata-mento não foi confirmada por outros estudos11.

2.6 - USO DE BOMBA DE INSULINA EM CRIANÇAS

Nas crianças com diabetes, uma das grandes dificuldades do tratamento é seguir uma dieta fixada em horários, quantidades e qualidade das refeições, além das variações da atividade física que ocorrem diariamente. Esses fatores podem resultar em grandes oscilações glicêmicas ao longo do dia. O uso do sistema de infusão de insulina permite

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diminuir as restrições dietéticas e me-lhorar o controle glicêmico nessa po-pulação, diminuindo o risco de hipogli-cemia e melhorando a sua qualidade de vida, tornando-se uma opção tera-pêutica importante para esse grupo de pacientes.

Assim, todas as crianças portadoras de diabetes, independente da idade, podem ser potencialmente elegíveis para a terapia com bomba de insulina, desde que tenham pais motivados e a criança aceite realizar de seis a nove testes diários de glicemia12,13, além de concordar em usar o aparelho.

2.7 - FATORES QUE PREVÊEM SUCESSO NA TERAPIA COM BOMBA DE INFUSÃO DE INSULINA

Entre os fatores preditivos de su-cesso no uso de bomba de infusão de insulina podemos citar: a seleção ade-quada de pacientes, a freqüência das medidas diárias de glicose no dia e a presença de uma equipe entrosada.

Os resultados de hemoglobina gli-cosilada são tanto melhores quanto maior é o número de medidas de glice-mias no dia, além de quanto mais ve-zes forem feitas correções de glicemias ao longo do dia, já que a maioria dos pacientes que mede a glicemia capilar cinco ou mais vezes ao dia tem A1C médias menores que 7%14. Além disso, embora essa terapêutica permita uma vida sem qualquer tipo de restrições alimentares, aqueles pacientes que pre-ferem seguir uma dieta mais regrada, com horários e estilo de alimentação mais normal, contando corretamente os carboidratos e ingerindo dietas com menor teor de gorduras, costumam ter melhores resultados.

É fundamental, também, para que o resultado do tratamento com bomba

de infusão de insulina seja bom, que se meçam as glicemias capilares, no míni-mo, três vezes ao dia antes dos horá-rios das refeições. O ideal é que sejam mediadas seis a oito vezes ao dia nas pré-refeições e duas horas após, além da hora de se deitar e duas vezes por semana, entre as 3 a 4 horas da manhã. Só assim é possível alcançar melhor controle glicêmico com menos hipo-glicemia, menos hipoglicemia assin-tomática e conseqüente melhora da qualidade de vida3.

2.8 - COMPLICAÇÕES RESULTANTES DO USO DA BOMBA DE INFUSÃO DE INSULINA

Vários trabalhos mostram aumento das complicações em pacientes em uso de terapia com bomba de infusão de insulina, quando comparados com te-rapia com MDI e terapia convencional, como infecção dos locais de aplicação, cetoacidose e coma hipoglicêmico15,16. No entanto, é importante salientar que muitos destes trabalhos são anteriores à década de 1990, quando as bombas de infusão eram menos sofisticadas, com mecanismos de controle inferio-res e menor tecnologia agregada do que os aparelhos atuais. Mesmo assim, ainda nos dias de hoje, existem compli-cações no uso desta terapêutica, que são descritas abaixo.

2.8.1 - Hiperglicemia/cetoacidose

Aumentos importantes das taxas de glicemia podem ocorrer sempre que houver interrupção do fluxo de insu-lina, por causa do uso das bombas de infusão de insulina ultra-rápida, resul-tando em cetoacidose diabética, que pode ser prevenida se a pessoa que usa a bomba fizer medições freqüentes

da glicemia e corrigir as alterações gli-cêmicas sempre que as mesmas ocor-rerem. A cetoacidose ocorre com mes-ma freqüência em pessoas com MDI e em pacientes com diabetes instável. Ademais, a freqüência de cetoacidose é igual a dos pacientes em outras te-rapias, embora pareça haver uma leve vantagem a favor do uso da bomba de infusão de insulina10.

Como não é rara essa ocorrência, principalmente no início da terapia, o paciente deve saber que hiperglice-mias inexplicáveis e mantidas a des-peito de correções são uma indicação de que está havendo uma interrupção da liberação de insulina, mesmo que não tenha havido a mensagem de obstrução (no delivery) na bomba, e que, por isso, o conjunto de infusão deve ser trocado e a insulina ultra-rápida deve ser aplicada com caneta ou seringa no mesmo momento da troca do conjunto.

2.8.2 - Infecções de pele

Infecções de pele, embora raras, podem ocorrer no local da coloca-ção do cateter em virtude da falta de cuidados na assepsia do local de aplicação ou de limpeza das mãos. Podem aparecer desde uma peque-na ferida infeccionada a grandes abscessos, dependendo da exten-são da contaminação e do estado de saúde do paciente1. Geralmente, antibióticos sistêmicos resolvem e raramente é necessário associar dre-nagens nestes casos.

2.8.3 - Falhas das bombas

São muito raras, uma vez que elas têm inúmeros mecanismos de auto-controle e alarmes, que detectam as falhas assim que venham a ocorrer.

Gerenciamento eletrônico do diabetesDiretrizes SBD

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2.8.4 - Hipoglicemia

Embora ocorra, é muito menos freqüente do que durante a terapia in-tensiva (MDI)9. Seus riscos podem ser diminuídos com medidas freqüentes da glicemia, principalmente antes das refeições e de madrugada, e antes de dirigir. Erros de dose de bolus de refei-ção e de correção são causas freqüen-tes de hipoglicemias. Pacientes com hipoglicemia assintomática parecem se beneficiar da terapêutica com bom-ba de infusão, tendo menos episódios desta complicação após o início de seu uso. Além disso, pode-se interromper ou reduzir a infusão de insulina duran-te episódios de hipoglicemia.

2.8.5 - Outras complicações

• Vazamento do cateter, que pode ser percebido pelo aumento das taxas de glicemia, ou porque a pessoa notou que sua roupa ficou molhada ou, ain-da, por sentir o cheiro de insulina.

• Falha da bateria, acusada pelos sen-sores da bomba, não é muito freqüente e pode ser facilmente resolvida.

2.9 - CONTRA-INDICAÇÕES PARA O USO DA BOMBA DE INFUSÃO DE INSULINA

As únicas contra-indicações para o uso da bomba de infusão de insu-lina são:

• Pessoas com baixa capacidade de entendimento ou que não tenham su-porte familiar ou de apoio de Enferma-gem para as determinações do basal, bolus e troca dos conjuntos de infusão, reservatórios de insulina e baterias;

• Pessoas que não estejam dispos-tas a medir a glicemia capilar no míni-mo três vezes ao dia;

• Pessoas que tenham problemas psiquiátricos ou distúrbios alimenta-res, como anorexia nervosa e bulimia.

2.10 - ABANDONO DE USO DE BOMBA DE INFUSÃO DE INSULINA

Os motivos mais comuns para abandonar a bomba de infusão de in-sulina são: inabilidade para usá-la, falta de suporte familiar em adolescentes15, custo do tratamento ou distorção de imagem corporal.

2.11 – VANTAGENS E DESVANTAGENS DA UTILIZAÇÃO DE BOMBA DE INSULINA

Principais vantagens da utilização de bomba de insulina:• Elimina a necessidade de várias apli-cações de insulina/dia;• Libera as doses necessárias com mais exatidão do que as injeções;• Freqüentemente promove melhora os níveis de A1C;• Em geral, resulta em variações meno-res na oscilação habitual dos níveis de glicemia;• Torna mais fácil o controle do diabetes e permite um ajuste mais fino da dose de insulina a ser injetada;• Com freqüência, melhora a qualidade de vida;• Reduz significativamente os episódios de hipoglicemia severa;• Permite a prática de exercícios sem exigir a ingestão de grandes quantida-des de carboidratos.

Principais desvantagens da utilização de bomba de insulina:• Pode promover aumento de peso;• Pode desencadear cetoacidose diabética (CAD) se o cateter for

desconectado ou obstruído por tempo prolongado;• Custo mais elevado dentre as opções disponíveis de insulinoterapia;• Para alguns pacientes, carregar uma bomba de insulina permanentemente pode ser desconfortável;• Requer treinamento especializado.

2.12 - CONCLUSÕES

A terapia com bomba de infusão de insulina é tão segura quanto a MDI (múltiplas doses de insulina) e tem vantagens sobre ela, sobretudo em pacientes com hipoglicemias freqüen-tes, com um fenômeno do alvorecer importante, com gastroparesia, na gravidez, em crianças e em pacientes com DM1 e com um estilo de vida errá-tico. A terapia com bomba de infusão de insulina possibilita maior probabi-lidade de se alcançar melhor controle glicêmico com menos hipoglicemia, hipoglicemias assintomáticas e melhor qualidade de vida10,16.

A segurança e a eficácia do uso da bomba de insulina são altamente de-pendentes da seleção adequada do paciente, de seu nível de educação em diabetes, de sua adesão às recomenda-ções terapêuticas e do nível técnico e da competência da equipe multidisciplinar responsável por seu atendimento7(D).

As bombas de infusão de insuli-na existentes no mercado nacional até 2007 eram: Disetronic HPlus® e Medtronic 508®, produzidas respec-tivamente pelos maiores produtores mundiais de bombas de infusão de insulina, Lab Roche e Lab Meditronic, as quais são de boa qualidade e aten-dem as necessidades fundamentais da terapêutica intensiva com o uso de bomba de infusão de insulina. As

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bombas de insulina mais modernas, como a ACCU-CHEK®Spirit (Lab Roche) e a Paradigm®715 e Paradigm®722 (Lab Medtronic), já existentes no mercado nacional e que vêm substituindo os modelos anteriores, permitem obter melhores resultados desta terapêutica, desde que seus recursos sejam ade-quadamente utilizados.

FIGURA 1 - Paradigm®715

FIGURA 2 - ACCU-CHEK®Spirit

3. MONITORIZAÇÃO CONTÍNUA DE GLICOSE (MCG) E SENSORES DE GLICOSE

As medidas de glicemia capilar vêm cada vez mais ganhando espa-ço como ferramentas importantes no controle das pessoas com diabetes,

embora ainda tenham limitações importantes, tais como:

• Adesão do paciente;• Dados incompletos com poucos

valores medidos durante o dia.Devido a estes fatores, começou-se a

desenvolver sistemas mais confortáveis e precisos para a avaliação contínua de glicemia. Assim, hoje, um grande núme-ro de equipamentos foram desenvolvi-dos e testados: desde relógios de pulso que medem a glicose intersticial a lentes de contato que mudam de cor de acor-do com os níveis de glicose da lágrima, até sensores implantados e testados no tecido celular subcutâneo. Nesse cami-nho, muitos equipamentos foram aban-donados depois dos primeiros testes, outros foram lançados comercialmente e abandonados após algum tempo e outros ainda se firmaram como instru-mentos importantes no controle das pessoas com diabetes17.

No momento, no Brasil e nas Amé-ricas, o Continuous Glicose Monitoring System (CGMS) é o único sensor de uso médico em uso. O CGMS18 é um tipo de holter de glicose, para uso pelo médico ou pelo laboratório. Ele mede e registra os níveis de glicose no tecido celular subcutâneo e tem o tamanho de uma bomba de infusão de insulina. O sen-sor mede a glicose no fluido intersticial através de uma pequena cânula inse-rida sob a pele, semelhante ao set de infusão da bomba de insulina. Ele é co-nectado com um pequeno cabo elétri-co a um aparelho eletrônico (monitor) que pode se colocar preso no cinto ou dentro do bolso.

A leitura dos valores de glicose através do sensor é feita por meio de uma reação eletroquímica da enzima glicose oxidase, que converte a glicose intersticial em sinais eletrônicos, que são enviados continuamente através

de um cabo para o monitor. O monitor capta os sinais a cada dez segundos e registra a média dos sinais a cada cin-co minutos, totalizando 288 medidas ao dia, durante três dias. A amplitude de variação das medidas é de 40 a 400 mg/dl.

As leituras não são mostradas pelo visor durante os três dias de uso do equipamento. Para o seu funciona-mento adequado, é fundamental que os usuários insiram, no mínimo, três medidas de glicemia capilar por dia na memória do monitor, para permitir a calibração, além de registrarem todas as vezes que se alimentam, exercitam, injetam insulina e quando têm hipo-glicemias. Além disso, os pacientes de-vem manter um registro de todas estas variáveis, e mais os horários, quantida-de e qualidade das refeições. Estes da-dos são usados para melhor avaliação dos fatores interferentes com o contro-le glicêmico.

Após as medidas, as informações do paciente armazenadas no monitor são transferidas para um computador pes-soal (é feito um download), através de um software, utilizando uma base fixa de transmissão de dados (Com-station). Após o download dos registros, as infor-mações ficam disponíveis para análise e interpretação através de gráficos, re-latórios estatísticos, tabelas e relatório geral e são analisadas pelo médico.

As medidas apresentadas como gráficos ou como tabelas permitem a identificação de padrões e tendências de glicose que ocorrem durante as 24 horas do dia. O efeito das refeições nos níveis de glicemias das aplicações de insulina ultra-rápidas ou rápidas, das reações à hipoglicemia e ao exercício físico também pode ser percebido, além da hipoglicemia da madrugada, quando presente, facilitando, assim,

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mudanças e ajustes no tratamento, tanto dos pacientes com diabetes de tipo 1, como aqueles com DM2 e con-trole insatisfatório do diabetes.

Todos os pacientes com DM1, em insulinização intensiva ou não, grávidas com DM, pacientes com hipoglicemias freqüentes, pacientes com DM2 e con-trole insatisfatório, ou mesmo aqueles com hemoglobina glicosilada normal mas, com muitos episódios de hipogli-cemias, têm indicação ao menos, uma vez ao ano, de usar este instrumento de propedêutica (D).

O uso da CGMS permite o ajuste das glicemias das pessoas com DM, ajudando a melhorar o controle glicê-mico, detectando e reduzindo o risco de eventos hipoglicêmicos e, assim, permitindo melhorar os esquemas de insulinização intensiva, com maior ajuste do basal e dos bolus de refeição e correção. A tabela 4 mostra as princi-pais indicações reconhecidas pela SBD para a realização da MCG, com base nas recomendações de Klonoff17(A).

4. SENSORES DE USO PESSOAL E DE MEDIDA EM TEMPO REAL

São mais uma promessa de melhora no manejo do diabetes, particularmen-te nos pacientes com DM1 e também naqueles com DM2 e que estão em esquemas de insulinização intensiva. Vários destes equipamentos já estão em uso. Outros estão em fase final de registro e de experimento clínico. A maioria é implantada no TSCS (tecido celular subcutâneo), apresentando a possibilidade de leituras de glicose em tempo real, e de disparar alarmes de hi-poglicemia e hiperglicemias.

Dentre as vantagens apresentadas por esses sistemas, podemos citar: melhora nas excursões glicêmicas19, redução na duração e severidade dos episódios de hipoglicemias20 e melho-ra do controle glicêmico em pacientes com diabetes de tipo 121(B).

Esses equipamentos já estão sendo usados no Brasil, de forma contínua pela maior parte dos pacientes ou por

alguns dias em alguns deles. Eles são portáteis, do tamanho de uma bom-ba de insulina ou pouco menores. Eles constam de três partes: um sensor, um transmissor e um receptor.

O sensor é introduzido no TCSC. Trata-se de um tubo pequeno, com uma agulha-guia, revestido interna-mente de glicose oxidase. A glicose medida tem seu valor transformado em impulsos elétricos, que são envia-dos pelo transmissor, através de co-municação sem fio (radiofreqüência) para o monitor. O monitor mostra em seu visor as medidas, em tempo real.

As medidas de glicose, efetuadas pelo sensor a cada um a cinco minu-tos, são mostradas na tela do receptor, assim como gráficos dos resultados da monitorização, dependendo do mode-lo, podendo armazenar os resultados para serem transferidos para um sis-tema de gerenciamento de dados via internet. Por enquanto, um dos dois equipamentos em uso no Brasil é o Guardian Real-Time® (figura 3), um mo-nitor contínuo de glicose, que mostra a cada cinco minutos as medições da glicose lidas do subcutâneo em tempo real, através de um sensor. Ele disponi-biliza no display do monitor: gráficos de três, seis, 12 e 24 horas de monitori-zação, setas de velocidade de oscilação das glicoses, alerta e dispara um alarme em condições limítrofes, previamente programadas para cada paciente, além do status do monitor e do sensor.

O outro sistema é o Paradigm REAL-Time 722 com Minilink (Me-dtronic Comercial Ltda.) (figura 4), que integra num só equipamento a bomba de insulina e o monitor de gli-cose descrito acima. Em breve, pelo menos mais um equipamento Navi-gator® (Lab Abbott) (figura 5), deve estar disponível no Brasil21.

TABELA 4 - Principais indicações reconhecidas pela SBD para a monitoriza-ção contínua da glicose

- A indicação mais importante da MCG é a de facilitar os ajustes na conduta terapêutica, com o objetivo de melhorar o controle glicêmico.

- Os referidos ajustes incluem:

• Substituição da insulina rápida pelo análogo de insulina ultra-rápida ou adição de aplicações adicionais de insulina de ação rápida ou de análogo de insulina de ação ultra-rápida.

• Substituição da insulina NPH por um análogo de insulina de longa duração ou adi-ção de aplicações adicionais de insulina NPH.

• Ajustes de doses de insulina basal e prandial.

• Alterações na composição de carboidratos da dieta.

• Alterações nas metas desejáveis para glicemia pré ou pós-prandial.

- Quantificação da resposta a um agente antidiabético.

- Avaliação do impacto de modificações do estilo de vida sobre o controle glicêmico.

- Monitoramento das condições nas quais um controle glicêmico intensivo é desejado (diabetes gestacional, diabetes em crianças e pacientes em UTI).

- Diagnóstico e prevenção da hipoglicemia assintomática e noturna.

- Diagnóstico e prevenção da hipoglicemia pós-prandial.

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FIGURA 3 - Guardian Real-Time®

FIGURA 4 - Paradigm REAL-Time 722 com Minilink®

FIGURA 5 - Navigator® FIGURA 6 - Conjunto DexCom® com aplicador

Alguns equipamentos, inclusive os atualmente em uso no Brasil, mostram no visor um gráfico com as oscilações registradas a cada cinco minutos, além de suge-rir com setas apontadas para cima ou para baixo a tendência de queda ou subida. Estas setas, que permitem saber e calcular a velocidade de mudança da variação da glicose (de 1 mg/dl/min a 2 mg/dl/min), podem ser programadas para emitir alarmes sonoros, de hipo e hiperglicemia.

As medidas glicêmicas podem ser vistas nos receptores ou descarregadas diretamente num computador, desde que se tenha o software e o cabo de conexão (Dexcom®) ou vistas nos apa-relhos receptores e armanezadas na internet para, posteriormente, serem vistas pela equipe de saúde. Isto é pos-sível quando o paciente ou um mem-bro da equipe de saúde faz um upload

TABELA 5 - Características dos sensores de tempo real

Área alcance (wireless)

Alarmes

Setas de tendências

Resistente à água

Número mínimo calibração/dia

Freqüência de medida de glicose

Guardian®Paradigm 722 com Minilink®

1,8 m

Sim

Sim

Sim (90 cm por 30 min)*

Duas vezes por dia

A cada cinco minutos

Navigator®

3 m

Sim

Sim

Sim (90 cm por 30 min)

Uma vez por dia

A cada um minuto

DexCom®

1,8 m

Não

Não

Não

Duas vezes por dia

A cada cinco minutos

* Bomba não resistente à água

dos dados armazenados no receptor através de um cabo especial que se conecta ao computador (Guardian® e Paradigm 722® com ComLink). O des-carregamento destes dados é feito na home page do fabricante, que depois pode ser acessada pelo paciente, seu médico ou pela equipe de saúde, des-de que seja usada a senha autorizada pelo paciente.

4.1 - OUTROS SISTEMAS E FERRAMENTAS: SOFTWARES, ACESSOS POR TELEMETRIA E TELEFONES CELULARES

Além dos equipamentos citados acima, alguns sistemas utilizando te-lefones celulares ou glicosímetros acoplados a transmissores também estão entrando no mercado brasileiro

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e prometem auxiliar o controle do diabetes e facilitar o seu controle, en-viando os dados obtidos de glicemia e de outros registros feitos pelo pa-ciente por celular, por internet ou por telemetria.

GlicOnLine® é um destes programas22 que brevemente deve estar disponível e que pode auxiliar o paciente, seus fami-liares e cuidadores e os profissionais de saúde a manejarem melhor o diabetes, já que permite, através de um software especialmente desenvolvido e utilizado por telefone celular, orientar o paciente em relação à dose de insulina tipo bolus adequada para a quantidade de carboi-drato que está sendo ingerida e a glice-mia do momento.

A utilização deste sistema só é possível após a prescrição eletrônica do paciente

pelo seu médico, que deverá inserir no sistema, via internet, os parâmetros a serem utilizados para o cálculo da dose de insulina a ser administrada para co-brir a refeição e corrigir a glicemia. O uso do sistema também faz com que os pacientes não tenham a necessidade de registrar diariamente as suas glicemias capilares, a quantidade de carboidratos ingeridos e as doses de insulina aplica-das, visto que os dados ficam armazena-dos no servidor e podem ser acessados a qualquer momento. Desenvolvido por um grupo com larga experiência em tra-tamento intensivo de pessoas com dia-betes e já testado no HC de São Paulo, deve entrar brevemente em uso mais amplo.

Outro sistema (este já comercial) que também promete facilitar o

gerenciamento do diabetes através de página na internet é um programa desenvolvido nos Estados Unidos, chamado de Nutrihand®23, que já está traduzido para o português e dispo-nível na internet.

Por último, sistemas de gerencia-mento do controle glicêmico de gran-de número de pacientes, que através do envio das medidas de glicemia capilar obtidas por glicosímetros por telemetria para centros regionais com softwares aplicados, permitem geren-ciar o controle glicêmico de grande número de pacientes. Vários destes sistemas estão em desenvolvimento e, pelo menos um deles, o Yara Tele-medicine System (YTS)24-26, concebido no Brasil, deve começar a ser usado em breve.

TABELA 6 - Níveis de evidência das principais recomendações e conclusões

A bomba de insulina está indicada em todos os pacientes motivados, que desejem ter autocontrole.

A segurança e a eficácia do uso da bomba de insulina são altamente dependentes da seleção adequada do paciente, de seu nível de educação em diabetes, de sua adesão às recomendações terapêuticas e do nível técnico e da competência da equipe multidisciplinar responsável por seu atendimento.

A bomba de insulina está indicada em pacientes que estiverem com dificuldades para manter es-quemas de múltiplas aplicações ao dia ou que mesmo usando estes esquemas ainda não consigam controle adequado.

A bomba de insulina está indicada em pacientes que apresentam hipoglicemias freqüentes e gra-ves, hipoglicemia noturna freqüente ou hipoglicemia assintomática.

A monitorização contínua da glicose (MCG) está indicada em situações que exigem informações detalhadas sobre as flutuações da glicemia, que somente poderão ser detectadas através de moni-torização eletrônica da glicose intersticial.

Os sistemas de sensores de mensuração da glicemia melhoram as excursões glicêmicas, reduzem a duração e severidade dos episódios de hipoglicemias, com melhora do controle glicêmico em pacientes com diabetes de tipo 1.

Recomendação ou conclusão Níveis de evidência

A

D

D

B

A

B

DECLARAÇÃO DE CONFLITO DE INTERESSES:De acordo com a norma 1595/2000 do Conselho Federal de Medicina e a Resolução RDC 102/2000 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, o

autor, Walter J. Minicucci, declara que participa de estudos clínicos subvencionados pelo Laboratório Sanofi-Aventis Pharma. Ele declara ainda que é conferencista dos Laboratórios Medtronic, Abbott e Lilly; desenvolve trabalho de Comunicação em Diabetes para os Laboratórios Abbott, NovoNordisk e Laboratório Sanofi-Aventis Pharma; e integra o Grupo Assessor do site Medical Services do Laboratório Sanofi-Aventis Pharma.

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Diabetes e drogas antipsicóticas

1. INTRODUÇÃO

1.1 - DOENÇAS PSIQUIÁTRICAS

Os distúrbios emocionais e orgânicos nos pacientes com doenças psiquiátri-cas, tanto individualmente quanto no seu núcleo social, são enormes, podendo ser incapacitantes, além de estarem ligados a custos psicológicos, sociais e eco-nômicos.

As doenças psiquiátricas apresentam uma freqüência importante e devem ser tratadas usualmente por toda a vida. Na população dos Estados Unidos, en-contra-se incidência pronunciada de várias doenças psiquiátricas, tais como es-quizofrenia (1%), transtornos bipolares (2%) e depressão maior (8%)1(B). Quando analisadas as causas de morte destes pacientes, nota-se que, embora suicídio e acidentes representem 28% e 12% respectivamente. Cerca de 60% delas decor-rem de causas orgânicas, onde os distúrbios cardiovasculares são os fatores mais importantes2(B).

Há mais de uma década, trabalhos já chamavam atenção para uma associação entre esquizofrenia e DM2, independentemente de fármacos, com relato inclusive da pouca probabilidade da interferência do tratamento medicamentoso3(B,2B). Os trabalhos mais consistentes relatam que os pacientes com esquizofrenia e distúr-bios afetivos apresentam 1,5 a duas vezes maior prevalência de diabetes e obesi-dade do que na população geral1(B). Estudos menores associam essas condições também a outros distúrbios psiquiátricos.

Enger et al.4(B) recentemente publicaram dados, mostrando uma incidên-cia de 34% de síndrome metabólica em pacientes esquizofrênicos, portanto, superior ao encontrado na população geral. Ainda chamou a atenção para o alto índice de tabagismo nestes pacientes, fator este que, mesmo isola-damente, é muito importante na gênese dos problemas cardiovasculares. Encontrou também um aumento na freqüência de arritmias (cerca de 60%), de infarto agudo do miocárdio (IAM) (100%) e de morte (50%), demonstran-do uma alta morbimortalidade quando ocorre a associação destes eventos patológicos.

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1.2 - INTERAÇÃO ETIOLÓGICA

Desde 1960 já dava atenção à in-teração gene-ambiente e sua relação com diabetes5B, quanto à hipótese do thrifty genotype, ou seja, genes responsáveis por criar uma economia energética, em situações de privação alimentar crônica, muito freqüente na pré-história, com a finalidade da sobre-vivência. Certas populações possuido-ras desses genes poderiam ativar este mecanismo, diminuindo com isso o metabolismo basal, com conseqüente aumento das gorduras visceral e total. Devido ao aumento atual da oferta ali-mentar, cria-se, portanto, um ambiente propício para o desenvolvimento da síndrome metabólica6,8(B).

De maneira concomitante, existe descrição de dezenas de genes criando alterações em diversos níveis do meta-bolismo, com ações específicas ou atra-vés de interação entre eles, ocupando, deste modo, papel fundamental na etiologia e progressão da síndrome metabólica7(B).

Recentemente, foi sugerido que a manifestação de sintomas psicóticos seria devido a uma interação de fato-res genéticos e ambientais, havendo um grande número de genes de sus-cetibilidade, que de forma individual, causaria apenas efeitos menores, mas, quando combinados, as suas ações levariam à interação com fatores am-bientais, induzindo à psicose. Entre-tanto, estes genes ainda não foram identificados9,10(B). Não se pode ainda afastar a hipótese de que os genes dos componentes da síndrome metabólica e das doenças psiquiátricas tenham uma identidade comum ou mesmo in-terferência nas suas ações8(B).

Quanto à participação de fatores ambientais, inúmeras publicações vêm

demonstrando que o estresse causa influência direta no eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, levando a uma pro-dução aumentada de cortisol e ACTH, além de ativação do sistema simpatoa-drenal com aumento de catecolaminas e ativação do sistema renina-angioten-sina11-13(B). Thakore et al.14(C) encontra-ram que, numa população de pacientes portadores de esquizofrenia, os níveis de cortisol plasmático estavam aumen-tados em aproximadamente 90% e de gordura visceral em 250%. A hipótese do desenvolvimento da esquizofrenia pelo binômio estresse-vulnerabilidade (indivíduo geneticamente propenso, ao ultrapassar o seu limiar de tolerân-cia ao estresse, poderá desenvolver esquizofrenia), além do conhecimento que o estresse, com freqüência, prece-de a doença e exacerba os sintomas da esquizofrenia, mostra, mais uma vez, a inter-relação da síndrome metabó-lica com a esquizofrenia. Além disso, dados de literatura direcionam para o fato de que a paciente com distúrbios psiquiátricos, em especial a esquizofre-nia, apresente já ao diagnóstico uma maior incidência de DM2 e sobrepeso/obesidade23(B).

2. ANTIPSICÓTICOS

Embora, a esquizofrenia não seja uma doença curável, em muitos casos os sintomas e a evolução da doença podem ser bem controlados. Entre-tanto, o sucesso do tratamento com medicamentos antipsicóticos está intimamente relacionado com o per-centual da resposta ao medicamento e à aderência. Os efeitos colaterais, bem como a falta de entendimento da doença e da necessidade do uso da medicação, poderão comprometer a

devida utilização desses fármacos15(B). Os sintomas das psicoses são divididos em dois grandes grupos:

• Positivos: alucinações, delírios etc.• Negativos: isolamento, apatia, afe-

tividade, diminuição de fatores cogniti-vos, dentre outros.

2.1 - ANTIPSICÓTICOS DE PRIMEIRA GERAÇÃO

Nos anos 50, surgiu o primeiro an-tipsicótico (clorpromazina). A partir de então, surgiram vários outros, sem im-portantes variações no mecanismo de ação ou eficiência terapêutica16(B). São chamados de antipsicóticos de primei-ra geração, convencionais ou típicos. Hoje, ainda são encontrados vários componentes deste grupo, tais como: perfenazina, flufenazina, trifluoperidol, trifluoperazina, haloperidol, pimozida, tiotixeno, loxapina e penfluridol, entre outros.

O mecanismo de ação desses fár-macos é através do antagonismo dos receptores (D2) dopaminérgicos, apre-sentando alta afinidade, levando com esta ação a importante melhora nos sintomas positivos18(B). Esse fato cor-robora com a hipótese dopaminérgica (mudanças na transmissão dopaminér-gica no cérebro seriam responsáveis pela esquizofrenia)17(B).

Infelizmente, os antipsicóticos tí-picos não têm ação em cerca de 30% dos pacientes, a sua ação nos sinto-mas negativos é mínima e podem causar efeitos colaterais extrapirami-dais importantes, tais como: discine-sia, acatisia, distonia e parkinsonis-mo, bem como hiperprolactinemia, quando utilizados em dose efetiva. Estes efeitos colaterais levam ao de-senvolvimento de estigmas, angús-tia e intolerância, ocorrendo, como

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conseqüência, uma diminuição de aderência ao tratamento19(B). É im-portante, porém, salientar que são drogas de baixo custo econômico.

2.2 - ANTIPSICÓTICOS DE SEGUNDA GERAÇÃO

O novo avanço importante no arse-nal terapêutico das doenças psicóticas ocorreu com o aparecimento dos an-tipsicóticos de segunda geração ou atí-picos. A primeira substância foi a cloza-pina, nos anos 80 na Europa e nos anos 90 nos Estados Unidos. A partir dos anos 90, surgiram outras, tais como: olanzapina, amisulpirida, risperidona, quetiapina, ziprasidona e zotepina. Diferentes dos antipsicóticos conven-cionais, estes variam quanto à eficácia, formulação, bioquímica e perfil de efei-tos colaterais. A clozapina, mesmo sen-do a mais efetiva, é indicada somente quando outras medicações falham ou em pacientes com alto risco para sui-cídio, uma vez que apresenta risco im-portante para o desenvolvimento de agranulocitose.

Estas drogas apresentam em co-mum, como novidade, uma forte ação de antagonismo nos receptores sero-toninérgicos 5-HT2a, sendo esta ação responsável pelo aparecimento de efeitos benéficos nos sintomas negati-vos, como importante diminuição nos efeitos colaterais extrapiramidais20(B), mantendo, embora com menor inten-sidade, o antagonismo aos receptores D2 dopaminérgicos17(B). Por serem mais bem tolerados e mais efetivos, passaram a ser, portanto, drogas de primeira linha para os que necessitam deste tipo de medicação. Em geral, os candidatos ao uso de antipsicóticos são pacientes com transtorno do es-pectro de esquizofrenia, transtorno

bipolar, demência, depressão psicóti-ca, autismo e distúrbios relacionados ao desenvolvimento1(B).

Embora tenham causado avanço considerável na qualidade de vida dos pacientes, surgiram várias publicações mostrando a associação dos antipsicó-ticos atípicos com uma série de eventos indesejados, tais como aumento de in-cidência de DM2 e de DCV, sonolência, ganho de peso e dislipidemia22-23(B). Esses fatores causam, por conseguin-te, uma diminuição da aderência ao tratamento24(B). Estes efeitos colaterais são bem mais freqüentes nos pacientes em uso da clozapina e da olanzapina, menores naqueles utilizando a rispe-ridona e a quetiapina, e praticamente ausentes quando do uso da ziprasido-na e aripiprazol25.

Quanto ao diabetes e sua correlação com o uso de antipsicóticos, a literatu-ra apresenta várias evidências1,23(B). O uso desse grupo de drogas, além da possibilidade de causar o aparecimen-to do diabetes, pode mesmo agravar o controle glicêmico naqueles já pre-viamente diagnosticados. Estas ações podem surgir com poucas semanas de uso da medicação, entretanto, po-dem ceder com a retirada da droga. Quanto ao mecanismo fisiopatológico para essa complicação, que não é total-mente conhecido, existem suposições sobre o aumento da resistência à in-sulina causada pelo aumento de peso e alteração na distribuição da gordura corporal ou mesmo por ação direta nos tecidos sensíveis à insulina1,21(B).

2.3 - ANTIPSICÓTICOS MAIS RECENTES26,27(B)

Existem antipsicóticos mais novos, como o aripiprazol, liberado pela Food and Drug Administration em novembro

de 2003. Ele apresenta mecanismos de ação diferentes dos antipsicóticos de segunda geração anteriores, devido a:

a) Diferente ação nos receptores D2 dopaminérgicos: enquanto os ou-tros antipsicóticos (primeira e segunda geração) apresentam antagonismo, o aripiprazol é um agonista parcial dos receptores D2 dopaminérgicos27(B).

Um agonista parcial age como um estabilizador de sistema neurotrans-missor, deslocando a dopamina dos seus receptores quando os níveis de dopamina estão altos (hiperativida-de), passando a estimular com menor intensidade. Além disso, quando os ní-veis de dopamina estão baixos (hipoa-tividade), eles estimulam os receptores que estão pouco estimulados ou mes-mo sem estimulação.

Existe a hipótese de que nos pacien-tes com esquizofrenia, os níveis de do-pamina estejam elevados em determi-nados sistemas (mesolímbico), normais em alguns (nigro-estriatal) e mesmo baixos em outros (mesocortical). Quan-do administrada uma droga que é an-tagonista, ela terá, devido à diminuição do estímulo em todos os sistemas, uma ação desejada apenas nos sistemas com alto nível dopaminérgico. Entretanto, nos outros sistemas, poderá causar efei-tos indesejáveis, tais como distúrbios de movimento, hiperprolactinemia e até piora dos sintomas negativos.

Portanto, espera-se que um agonis-ta parcial dos receptores (D2) estabilize o sistema dopaminérgico. Em modelos animais de esquizofrenia, simulando hiperatividade dopaminérgica, o aripi-prazol atuou como antagonista e, nos mesmos modelos, quando simulando hipoatividade, atuou como agonista28(B). Demonstrou-se que o sistema dopami-nérgico tem ação de agonista parcial.

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b) Ações nos receptores serotoninérgicos:• Receptores 5-HT2a: o aripiprazol apresenta a mesma ação dos antipsicóticos

de segunda geração, ou seja, antagonismo levando à diminuição dos sintomas ne-gativos e dos efeitos colaterais extrapiramidais29(B).

• Receptores 5-HT1a: o aripiprazol apresenta atividade agonista parcial e pode, com esta ação, diminuir atividade ansiolítica e promover melhora na depressão, cognição, sintomas negativos e sintomas extrapiramidais nos esquizofrênicos30(B).

Quando se observam os eventos adversos relacionados a cada grupo de drogas, os resultados são diferentes. Por exemplo: quando se correlaciona o uso de antipsicóticos atípicos com o aparecimento dos componentes da síndrome metabólica, a freqüência é significativamente diferente do que é visto com o uso do aripiprazol. Isso pode ser observado quanto ao compor-tamento do peso e surgimento da dislipidemia, bem como aparecimento e comprometimento do DM2, conforme tabela11,26(B).

3. INTER-RELAÇÃO DO DIABETES COM OS ANTIPSICÓTICOS

Vários estudos têm identifica-do uma associação entre o uso de alguns antipsicóticos, sobretudo a olanzapina e a clozapina, com o apa-recimento de eventos metabólicos adversos, tais como hiperglicemia, dislipidemia, resistência à insulina e DM2. Entretanto, estes eventos ad-versos não foram encontrados quan-do do uso do aripiprazol, ziprasidone e amilsulpride21(B). Estudo compa-rando o uso do aripiprazol versus placebo encontrou um discreto

TABELA 2 - Monitorização

Histórico pessoal familiar

Peso (IMC)

Circunferência da cintura

Pressão arterial

Glicemia de jejum

Perfil lipídico

Basal

X

X

X

X

X

X

Observação: Avaliações mais freqüentes podem ser justificadas, baseadas no estudo clínico.

Quatrosemanas

Oitosemanas

Dozesemanas

Trêsmeses Anual

A cada 5 anos

X X X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

TABELA 1 - Antipsicóticos atípicos e anormalidades metabólicas1(B)

Clozapina

Olanzapina

Risperidona

Quetiapina

Ziprasidona

Aripiprazol

(+) Efeito de aumento (--) Sem efeito (0) Resultados discrepantes

Droga Ano Peso Risco DM Dislipidemia

1989

1996

1993

1997

2001

2002

+++

+++

++

++

+

+

+

+

0

0

+

+

0

0

aumento da glicemia de jejum em ambos os grupos, sendo esse incre-mento menor naqueles fazendo uso do aripiprazol.Neste mesmo estudo, quando o alvo foi a hemoglobina gli-cosilada, houve redução em ambos os grupos31(B).

Devido à importante associação dos antipsicótipos atípicos com os com-ponentes da síndrome metabólica, foi desenvolvido um consenso acerca da relação das drogas antipsicóticas e diabetes1(B). Da discussão, saíram reco-mendações e comentários, tais como:

- Avaliação do risco-benefício: ape-sar dos efeitos adversos citados, vários fatores devem ser valorizados, como natureza da condição psiquiátrica do paciente, metas, histórico da droga, aderência, efetividade da medicação, comorbidades, custo etc. Porém, os ris-cos das implicações clínicas dos compo-nentes da síndrome metabólica devem também influenciar a escolha da droga.

- Monitorização, se possível antes da prescrição dos antipsicóticos atípi-cos, determinando altura e peso, calcu-lando o índice de massa corporal (IMC), medindo a circunferência da cintura e a pressão arterial, além de dosar a gli-cemia de jejum e o perfil lipídico. Em seguida, deve-se monitorar estes da-dos periodicamente (tabela 2).

Diabetes e doenças antipsicóticasDiretrizes SBD

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Os profissionais de saúde, os pa-cientes, os membros da família e os cuidadores devem ter conhecimen-to da sintomatologia do diabetes. Se quaisquer destes itens vierem a ter alterações, deve-se iniciar um trata-mento adequado com um especialis-ta. Com pacientes que desenvolvam agravamento na glicemia ou dislipi-demia, durante a terapia, recomenda-se trocar o antipsicótico por outro que não esteja associado com ganho de peso ou diabetes. O consenso salien-ta também que muitos dos trabalhos relacionados aos antipsicóticos ainda apresentam as mais variadas limita-ções, devendo no futuro surgirem mais estudos enfocando tópicos mais específicos.

Em 2007, foi criado o Consenso Brasileiro sobre Antipsicóticos de Se-gunda Geração e Distúrbios Metabó-licos32, tendo participado deste traba-lho representantes de várias entidades (PROESC, PRODESQ, PROJESQ, ABESO, SBD e SBEM) e aceitado como forma de monitorização a tabela anterior, com a modificação de que o perfil lipídico seja anual. Neste consenso, os autores

relatam que a associação de diabetes e transtornos mentais já é conhecida desde o século 19, ocorrendo duas a três vezes mais na população com es-quizofrenia do que na normal, assim como a associação de antipsicóticos de segunda geração com ganho de peso e alteração no metabolismo da glicose e dos lipídios.

4. CONCLUSÃO

Estudos atuais chamam a aten-ção para os grandes benefícios que os antipsicóticos atípicos oferecem para determinados grupos de pa-cientes com distúrbios psiquiátricos. Entretanto, os eventos adversos, tais como ganho ponderal, aparecimen-to de dislipidemia e DM2, podem estar presentes quando do uso de determinados fármacos desse grupo de drogas. Nesse contexto, a prescri-ção de um antipsicótico deve valori-zar, tanto no início, quanto durante o acompanhamento do paciente, esta importante relação.

TABELA 3 - Tópicos fundamentais e seus graus de recomendação

Freqüência importante das doenças psiquiátricas

Associação de diabetes e excesso de peso com distúrbio bipolar

e esquizofrenia é quase o dobro da população geral

Interação etiológica com fatores genéticos e eixo hipotálamo-

hipófise-adrenal

Os antipsicóticos apresentam grupos diferentes com ações

diversas entre eles e no metabolismo

Consensos recentes sugerem monitorização no tratamento

destas doenças psiquiátricas

B

B

B

B

A

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Diabetes e doenças antipsicóticasDiretrizes SBD

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Doença arterial obstrutiva periférica no paciente diabético: avaliação e conduta

1. IMPACTO DA DOENÇA ARTERIAL OBSTRUTIVA PERIFÉRICA (DAOP) NO PACIENTE DIABÉTICO

A doença arterial obstrutiva periférica (DAOP) caracteriza-se pela obstrução aterosclerótica progressiva das artérias dos membros inferiores, afetando gradu-almente de forma adversa a qualidade de vida destes pacientes. Muitos indivídu-os são assintomáticos e cerca de 1/3 desenvolve claudicação intermitente (CI). Ao longo de cinco anos apenas 5% a 10% dos casos evoluem com isquemia crítica do membro e risco de amputação1(A). O mais importante é que a DAOP constitui-se um importante marcador da aterosclerose sistêmica e do risco de complicações cardiovasculares e cerebrovasculares, como o infarto agudo do miocárdio (IAM) e o acidente vascular cerebral (AVC), em especial nos pacientes diabéticos. A aterosclerose é a maior causa de morte e invalidez em diabéticos, especialmente do tipo 22(B).

Em estudo ainda em andamento, com pacientes claudicantes, verificou-se que cerca de 43% dos indivíduos são diabéticos3. A prevalência de DAOP é maior em pacientes diabéticos do que na população não-diabética. Estima-se que 20% a 30% dos indivíduos diabéticos sejam portadores de DAOP, ainda que a prevalência real desta associação seja difícil de ser avaliada. Esta dificuldade se deve à ausência de sintomas, mascarados pela neuropatia periférica em boa parte dos pacientes, e aos diferentes indicadores utilizados nas pesquisas epidemiológicas4(A).

A despeito do reconhecimento da DAOP como preditor de eventos isquêmicos, esta expressão da aterosclerose acessível à história e ao exame físico é pouco pesqui-sada pelos clínicos. O diagnóstico precoce da DAOP oferece uma oportunidade única de atuação sobre os principais fatores de risco e modificação do perfil cardiovascular, melhorando, assim, a mortalidade e a qualidade de vida destes pacientes5(C).

2. DIFERENÇAS DA DAOP ENTRE PACIENTES DIABÉTICOS E NÃO-DIABÉTICOS

O processo aterosclerótico que atinge o paciente diabético é semelhante ao do indivíduo não-diabético. Várias alterações no metabolismo do diabético aumentam o risco de aterogênese. A elevação da atividade pró-aterogênica nas células musculares

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lisas da parede vascular e da agregação plaquetária, além do aumento de fa-tores pró-coagulantes, da viscosidade sanguínea e da produção de fibrino-gênio, são alguns destes mecanismos. Estas anormalidades vasculares podem ser evidentes antes mesmo do diagnós-tico de diabetes e ainda aumentar com a duração da doença e com a piora do controle glicêmico. Todas estas altera-ções possuem uma ação deletéria sobre a parede do vaso e sua reologia, ativan-do o processo aterosclerótico, desesta-bilizando a placa de ateroma e precipi-tando eventos clínicos.

As artérias de diabéticos apresen-tam mais calcificação de parede e maior número de células inflamatórias6(B). As obstruções arteriais apresentam com mais freqüência uma distribui-ção infrapatelar, acometendo vasos da perna7(B). Estes fatos, associados a outras diferenças na fisiopatologia das lesões do pé diabético, implicam em pior prognóstico destes pacientes, com maiores taxas de morbidade e mortalidade associadas à DAOP.

3. AVALIAÇÃO DO DIABÉTICO COM DAOP

3.1 - APRESENTAÇÃO

Anamnese e exame físico, em geral, são suficientes para o diagnóstico de DAOP. Dor habitual em panturrilhas, desencadeada pela deambulação, que alivia após poucos minutos de repouso e que recorre ao se percorrer novamen-te a mesma distância, é característica de CI. A ausência ou redução dos pul-sos arteriais periféricos, no contexto de fatores de risco para doença ateroscle-rótica e na presença de CI, é suficiente

para fazer o diagnóstico de DAOP8(C). Em fases mais precoces da DAOP, o pa-ciente costuma ser assintomático ou apresentar CI. Em estágios mais avan-çados, o quadro clínico mais evidente pode ser o de dor em repouso ou uma ferida que não cicatriza.

Ainda assim, muitos diabéticos que se apresentam com isquemia crí-tica dos membros não relatam história vascular prévia de DAOP9(C). O quadro é aberto com ulcerações, feridas infec-tadas e gangrenas nos pés, desenca-deadas por trauma local ou infecções fúngicas interdigitais. A macroangio-patia da DAOP é apenas um dos fa-tores envolvidos na síndrome do pé diabético e, curiosamente, a isquemia é o fator determinante da lesão trófi-ca podálica em menos de 10% destas urgências9(C).

Infelizmente, a avaliação criteriosa do pé diabético infectado é negligen-ciada com freqüência nos hospitais de emergência, retardando o tratamento adequado e reduzindo as chances de salvamento do membro destes pa-cientes. A intervenção precoce sobre pequenas lesões infectadas de origem neuropática através de medidas relati-vamente simples, como debridamento cirúrgico, antibioticoterapia e suporte clínico adequado, são suficientes para a resolução destas lesões e evitar am-putações maiores.

Um paciente capaz de caminhar sem queixas e que tenha pelo menos um dos pulsos podais facilmente palpáveis torna improvável a doença isquêmica clinica-mente significativa e permite, portanto, uma intervenção mais simples e imedia-ta, em geral no próprio local do atendi-mento inicial. Ao contrário, lesões predo-minantemente isquêmicas necessitam abordagens mais complexas, nem sem-pre disponíveis em hospitais gerais de

pronto-atendimento, devendo ser enca-minhadas para centros de referência de cirurgia vascular para revascularização do membro. Apenas um esforço mantido e coordenado é capaz de reduzir as am-putações de diabéticos nas emergências, que além de serem limitantes para os pa-cientes, têm sido associadas a maior risco de evolução para óbito10.

3.2 - AVALIAÇÃO FUNCIONAL

A avaliação funcional do paciente com DAOP é baseada em classificações clínicas utilizadas na prática diária para definir o grau de comprometimento do membro afetado e também a con-duta a ser seguida. A mais conhecida é a Classificação de Fontaine, que define quatro níveis de comprometimento: I - assintomático; II – claudicação; III - dor de repouso; e IV - lesão trófica.

A Classificação de Fontaine traduz a história natural da DAOP desde suas fases iniciais até a isquemia crítica. Através desta classificação, é possível definir a conduta (cirúrgica ou clínica) no tratamento da DAOP. Os estágios I e II são considerados para tratamento clínico e os estágios III e IV representam isquemia crítica e devem ser tratados, de preferência, através de intervenção cirúrgica (tabela 1).

Em pacientes diabéticos com DAOP, esta avaliação pode estar prejudicada pela ausência de sintomas devido à neuropatia periférica, mascarando es-tágios avançados da DAOP. Da mesma forma, a presença de infecção pode agravar lesões tróficas, de início pe-quenas, em pacientes com isquemia moderada do membro e que não se-riam candidatos à revascularização do membro se não houvesse o compro-metimento infeccioso associado11(C).

Doença arterial obstrutiva periférica no paciente diabéticoDiretrizes SBD

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I - Assintomático

Classificação de Fontaine

Tratamento clínico: controle dos fatores de risco.

Tratamento clínico: exercícios sob supervisão e farma-coterapia. A cirurgia pode ser considerada em caso de falha do tratamento clínico e/ou lesões arteriais focais. Indicada, eventualmente, também em casos de claudicação incapacitante.

Isquemia crítica (risco de perda iminente do membro), intervenção mandatória e imediata.

II - Claudicação

III - Dor em repousoIV - Lesão trófica

Conduta

TABELA 1 - Classificação de Fontaine: recomendações de tratamento

3.3 - MEDIDAS DE PRESSÃO SEGMENTAR

O índice tornozelo-braço (ITB) é um teste não-invasivo, reprodutível e razoavelmente acurado para a identi-ficação e determinação da gravidade da DAOP12. ITB é a razão entre a pressão sistólica do tornozelo (numerador) e a pressão sistólica braquial (denomina-dor). Através de um doppler portátil e um manguito de pressão, é possível realizar o teste ambulatorialmente ou à beira do leito. São considerados nor-mais valores entre 0,9 e 1,3. O ITB deve ser realizado em qualquer paciente com sintomas de DAOP. O consenso da American Diabetes Association re-comenda que o ITB seja realizado em

todos os indivíduos diabéticos com mais de 50 anos (tabela 2).

Quanto menor o ITB, mais signifi-cativa é a obstrução arterial. Um índice menor que 0,5 é fortemente sugestivo de sintomas. O exercício aumenta a sensibilidade do teste e a medida do ITB pós-exercício ajuda no diagnóstico diferencial entre outros tipos de dores nas pernas13.

O ITB tem valor limitado em artérias calcificadas, que se tornam incompres-síveis e determinam índices falsamen-te elevados (> 1,4). Ainda assim, um ITB aumentado também é preditivo para o risco de eventos cardiovasculares e, neste caso, outros testes não-invasivos devem ser considerados para definir o diagnóstico de DAOP14(B).

TABELA 2 - Índice tornozelo-braço (ITB): recomendações para realização do teste

Qualquer paciente diabético com sintomas sugestivos

Qualquer paciente entre 50 e 69 anos com diabetes ou

outro fator de risco cardiovascular

Qualquer paciente > 70 anos

Qualquer paciente diabético > 50 anos

Recomendação para a realização do ITB Nível de evidência

B

B

B

C

Uma alternativa à calcificação arte-rial é a medida da pressão sistólica do hálux (PSH). As artérias digitais costu-mam ser poupadas pela calcificação de Monckeberg, que acomete a camada média das artérias de maior calibre15. Pressões menores que 40 mmHg estão associadas à progressão da DAOP para gangrena, ulceração e necessidade de amputação16(A).

A pressão parcial transcutênea de oxigênio (TcPO2) é outro método não-invasivo de avaliação da perfusão pe-riférica em DAOP, que pode substituir o ITB no caso de artérias calcificadas, embora não seja utilizado com freqü-ência na prática clínica. Valores meno-res que 30 mmHg estão associados a dificuldade de cicatrização de lesões e amputações4(D).

3.4 - ESTUDOS DE IMAGEM

Os estudos de imagem não devem ser utilizados como exames diagnósti-cos, mas devem ser indicados quando a revascularização é considerada uma provável opção terapêutica11(D). Eco-doppler (ou duplex-scan) é um método não-invasivo que fornece informações anatômicas e hemodinâmicas do vaso estudado. Através da ecografia vascu-lar, é possível avaliar velocidades de fluxo, identificar e graduar estenoses, além de medir a espessura da parede arterial e analisar a morfologia da placa de ateroma. É um exame relativamente barato e pode ser repetido inúmeras vezes. É muito utilizado no acompa-nhamento pós-operatório de diversos tipos de revascularização. Sua principal desvantagem é o fato de ser operador dependente. A presença de grandes placas calcificadas também pode pre-judicar a acurácia do exame.

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A arteriografia convencional ou por subtração digital é considerada o padrão-ouro dos estudos de imagem vascular. Como mencionado acima, não deve ser utilizada como método diagnóstico, mas pode ser indicada pelo cirurgião quando se vislumbra a necessidade de revascularização do membro, mesmo sem a realização de nenhum outro teste não-invasivo pre-viamente. È um método que acarreta riscos inerentes à punção arterial e ao uso de cateteres angiográficos, além da possibilidade de nefrotoxicidade pelo contraste iodado.

Com a evolução da angiorressonân-cia magnética e da angiotomografia (angio-TC), a arteriografia convencio-nal vem sendo amplamente substituí-da como método de imagem vascular pré-operatório, em razão do caráter ambulatorial e menos invasivo destes dois métodos. Outra razão é que, com o advento da cirurgia endovascular, a angiografia tornou-se um exame pe-roperatório associado ao procedimen-to terapêutico, procurando-se, assim, evitar punções arteriais repetidas e o incremento do risco do contraste io-dado. Neste quesito, a RM ainda leva vantagem sobre a angio-TC.

4. CONDUTA NA DAOP EM PACIENTES DIABÉTICOS

A DAOP, tanto em pacientes diabé-ticos quanto em não-diabéticos, é um poderoso marcador do processo ate-rosclerótico sistêmico. Menos de 5% dos portadores de claudicação serão submetidos à amputação do membro ou à cirurgia de revascularização ao fi-nal de cinco anos. No entanto, 1/3 desta mesma população apresentará aciden-te vascular cerebral ou infarto agudo

do miocárdio. Estudos epidemiológicos prévios demonstraram pior sobrevida de pacientes com DAOP quando com-parados com a população geral. Pacien-tes diabéticos com DAOP apresentam mortalidade ainda mais alta e mais pre-coce do que os não-diabéticos.

Além da modificação do perfil cardiovascular destes pacientes, é necessário intervir nos sintomas is-quêmicos nos membros. Apenas uma avaliação individualizada de cada pa-ciente é capaz de identificar o grau de comprometimento vascular e de-finir a melhor abordagem terapêuti-ca. A intervenção cirúrgica está restri-ta a situações de perda iminente do membro por isquemia crítica ou, ex-cepcionalmente, em pacientes com claudicação incapacitante. Portanto, a conduta na DAOP é baseada em dois pilares: o controle dos fatores de risco e o tratamento dos sintomas is-quêmicos periféricos.

4.1 - CONTROLE DOS FATORES DE RISCO

DAOP e diabetes estão associados a um aumento significativo no risco de eventos cardiovasculares. A modifica-ção agressiva destes fatores está asso-ciada a maior sobrevida destes indiví-duos. Menos da metade dos indivíduos diabéticos portadores de DAOP ofere-ce atenção adequada a este aspecto da doença aterosclerótica, embora prova-velmente esta seja a opção mais fácil e mais efetiva para melhorar a qualidade de vida e o prognóstico da doença. Além dos fatores de risco cardiovas-culares, o próprio pé diabético deve ser considerado um fator de risco. Este “pé de risco” neuropático e isquêmico é mais suscetível ao aparecimento de lesões e infecções fúngicas através de portas de entrada, que podem colo-car em perigo a viabilidade de todo o membro (tabela 3).

TABELA 3 - Fatores de risco e alvo de tratamento em DAOP

DAOP sintomática LDL < 100mg/dl

DAOP + história de AEO em outros territórios LDL < 70mg/dl

Níveis pressóricos < 130/80 mmHg

Betabloqueadores não são contra-indicados

Hemoglobina A1c < 7,0 % ou o mais próximo possível de 6%

Alvo do tratamento Nível de evidência

A

Fator de risco

Dislipidemia

Hipertensão

Diabetes

B

A

A

C

• Tabagismo: o fumo é o fator de

risco mais importante para o desen-

volvimento e progressão da DAOP. A

quantidade e a duração do tabagismo

se correlaciona diretamente com a pro-

gressão da DAOP17(A). A interrupção do

fumo aumenta a sobrevida de pacien-

tes com DAOP18(A).

• Controle glicêmico: vários estu-dos têm demonstrado que o controle agressivo da glicemia é capaz de redu-zir a incidência de complicações mi-crovaculares, mas não aquelas relacio-nadas à DAOP. As diretrizes atuais da ADA recomendam uma hemoglogina glicada menor que 7% como meta de

Doença arterial obstrutiva periférica no paciente diabéticoDiretrizes SBD

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2008 Diretrizes SBD

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tratamento do diabetes, mas sugere níveis individualizados o mais próximos dos valores normais (< 6%), porém, é in-certo que esse controle tenha influência sobre a evolução da DAOP19(D).

• Hipertensão: o tratamento da hi-pertensão reduz o risco cardiovascular, embora o efeito do controle pressórico intensivo em pacientes com diabetes e DAOP ainda não esteja definido. O UKPDS mostrou que não há efeito so-bre o risco de amputação. Neste grupo de alto risco cardiovascular, recomen-da-se o controle pressórico agressivo (< 130/80 mmHg) em pacientes diabé-ticos e DAOP como forma de reduzir o risco cardiovascular20(A).

• Dislipidemia: vários estudos têm de-monstrado que a terapia antilipídica re-duz de forma significativa o número de eventos cardiovasculares em pacientes sabidamente portadores de doença co-ronariana. Embora não haja estatísticas específicas de pacientes diabéticos com DAOP, recomenda-se um alvo para LDL < 70 mg/dl neste grupo de alto risco21(B). O consenso de ADA estabelece um LDL alvo menor que 100 mg/dl22(A).

• Antiagregação plaquetária: uma meta-análise com 145 séries controla-das de terapia antiagregante (a maioria com uso de aspirina) mostrou uma re-dução de 27% no número de IAM, AVE e mortes vasculares23(A). Outro estudo, com quase 20 mil pacientes, o CAPRIE (Clopidogrel Versus Aspirin in Patients At Risk os Isschemic Events), mostrou uma redução de 8,7% para a ocorrência de IAM, AVE ou morte vascular. Em um subgrupo de 6 mil pacientes com DAOP, sendo 1/3 de indivíduos diabéticos, a redução do risco foi ainda maior com o clopidogrel: 24%, quando comparados com a aspirina24(A). Com base nestes resultados, o clopidogrel foi aprovado pelo Food and Drug Administration para

a redução de eventos vasculares em todos os pacientes com DAOP.

• Cuidados com o pé diabético: o cui-dado adequado do pé é fundamental na redução do risco de complicações e perda do membro. A neuropatia influencia for-temente a apresentação clínica e a evo-lução das lesões no pé diabético, já que a dor causada pela isquemia crônica pode ser mascarada pelas alterações neuropá-ticas nos pés4(C). O pé neuroisquêmico é mais suscetível a ulcerações traumáticas, infecção e gangrena. Por conta destes fa-tores, diabéticos com DAOP e neuropatia são mais propensos a lesões avançadas, quando comparados aos não-diabéticos. Além da neuropatia, a distribuição mais distal da DAOP (preferencialmente arté-rias infrapatelares) favorece a evolução silenciosa do quadro isquêmico crônico, que costuma ser subestimado até que le-sões avançadas aconteçam6(B). A utiliza-ção criteriosa e multidisciplinar de práticas como a utilização de palmilhas e órteses especiais, calçados confortáveis e perso-nalizados, curativos apropriados, repouso, antibioticoterapia e debridamentos, asso-ciados ou não à revascularização, tem im-pacto significativo na evolução das feridas e não deve ser negligenciada como tera-pêutica destas lesões multifatoriais25(B). A educação continuada de todos profis-sionais de saúde envolvidos, pacientes e familiares26(B) e a implementação de pro-gramas governamentais de prevenção do pé diabético27(B) são fundamentais na redução dos riscos de amputação do dia-bético.

4.2 - TRATAMENTO DOS SINTOMAS DA DAOP

O sintoma mais freqüente da DAOP é a claudicação intermitente. Dificil-mente, pacientes claudicantes evoluem

para isquemia crítica do membro. Ape-sar da evolução benigna, a CI impõe uma restrição real ao estilo de vida, com a limitação da velocidade e da dis-tância de marcha, atrofia e disfunção progressiva dos membros inferiores. O tratamento da CI se apóia na prática de exercícios e na farmacoterapia espe-cífica. Em estágios mais avançados da DAOP, a isquemia crítica coloca em risco a viabilidade do membro afetado. Nes-tes casos, o tratamento visa a restabele-cer de imediato a perfusão distal, com o objetivo de controlar a dor isquêmica de repouso, cicatrizar as lesões tróficas e manter o membro funcional.

• Exercícios de reabilitação: a práti-ca de exercícios regulares é a principal medida terapêutica para a CI. Já está bem estabelecido que estes progra-mas de reabilitação devem incluir ca-minhadas diárias, com intervalos de repouso e distâncias progressivamen-te crescentes28(A). Mais importante: devem ser realizados sob supervisão e ter uma duração mínima de três meses antes se obter resultados significativos. A aderência ao tratamento físico tem como vantagem adicional estimular outras mudanças no estilo de vida e melhorar o perfil do risco cardiovascu-lar do paciente29(A).

• Terapia medicamentosa da CI: duas drogas foram aprovadas pelo FDA para o tratamento da CI: pento-xifilina e cilostazol. Apesar de alguns trabalhos iniciais terem demonstrado incremento da distância de marcha de claudicantes, outros mais recen-tes afirmam que a pentoxifilina não é mais efetiva que o placebo30(A). Uma revisão recente concluiu que o cilostazol é a melhor opção, baseada em evidências para o tratamento da CI. Em pacientes diabéticos com CI, o cilostazol não mostrou diferenças

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significativas nos efeitos, quando comparado a indivíduos não-diabéticos31(A). Ciclostazol é contra-indicado em pacientes portadores de insuficiência cardíaca congestiva, disfunção hepática ou renal graves (tabela 4).

TABELA 4 - Principais drogas utilizadas para trata-mento da claudicação intermitente

Cilostazol

Naftidrofuril

Carnitina

Propionil-L-carnitina

Estatinas

Evidência suficiente ou provável

Pentoxifilina

Antiagregantes plaquetários

Vasodilatadores

L-Arginina

Prostaglandinas

Buflomedil

Ginkgo biloba

Vitamina E

Quelação

Evidência insuficiente

Drogas utilizadas no tratamento da claudicação intermitente: evidência

• Revascularização do membro: a pre-sença de lesão trófica ou dor de repouso caracteriza a isquemia crítica e o risco de perda iminente do membro. Nesta situa-ção, a revascularização está indicada para salvamento do membro isquêmico e a intervenção, seja ela por cirurgia aberta (convencional) ou por via endovascular, não deve ser postergada.

A claudicação incapacitante é carac-terizada pela forte interferência no estilo de vida de alguns pacientes, limitando atividades laborativas ou, em especial, as relacionadas ao lazer. Nestes casos, a re-vascularização do membro deve ser con-siderada quando ocorre falha no manejo clínico, geralmente após um período mí-nimo de três a seis meses de tratamento. Por outro lado, em pacientes que apre-sentem obstruções focais localizadas em segmentos arteriais proximais, onde se antecipa baixo risco e bons resulta-dos em longo prazo, a cirurgia pode ser

considerada sem a necessidade do trata-mento clínico inicial. Portanto, a presen-ça de claudicação incapacitante é uma indicação relativa de revascularização do membro com DAOP, requer bom senso e esclarecimento ao paciente e seus fami-liares quanto aos riscos inerentes ao pro-cedimento indicado e seus resultados ao longo do tempo.

A revascularização através da ci-rurgia de bypass oferece excelentes resultados no tratamento da DAOP com isquemia crítica e não há dife-renças nas taxas de funcionamento do enxerto entre diabéticos e não-diabéticos7(A). O bypass com veia safena tem sido o procedimento de escolha para pacientes com diabetes e doença arterial infrapatelar, pois é o método mais previsível e durável de revascularização do membro11(B). A revascularização por cirurgia aberta apresenta excelentes resultados, com

taxas de salvamento de membro em torno de 80% em cinco anos32(A).

No entanto, os procedimentos en-dovasculares são realizados com freqü-ência cada vez maior33,34(A) e atualmen-te já representam a primeira escolha no tratamento de obstruções em algumas regiões anatômicas. É o caso do territó-rio aorto-ilíaco, onde as taxas de funcio-namento em médio e longo prazo são comparáveis às da cirurgia aberta, mas com morbimortalidade menor11(B).

O sucesso da técnica endovascular está mudando rapidamente o conceito de revascularização, cujo alvo principal tornou-se a cicatrização das lesões trófi-cas. Embora o sucesso técnico imediato seja alto, o funcionamento em longo pra-zo com a angioplastia ainda é baixo, em especial no território infra-inguinal e nas artérias infrapatelares de pacientes diabé-ticos. O curioso é que, embora as reeste-noses sejam freqüentes, o impacto sobre a viabilidade do membro parece peque-no. O provável é que isso ocorra porque as artérias tratadas permanecem abertas tempo suficiente para permitir a cicatri-zação das lesões tróficas do pé isquêmico temporariamente revascularizado9(C).

Os dois tipos de procedimentos não são excludentes entre si e podem de fato ser associados para atingir me-lhores resultados na revascularização do membro afetado. A escolha entre as duas técnicas é uma decisão complexa, que deve ser baseada caso a caso, levan-do-se em conta o benefício esperado e o risco associado a cada procedimento.

Vários fatores podem impossibilitar a revascularização do membro: falta de condições clínicas do paciente por sépsis e/ou outras comorbidades, membro dis-funcional por anquiloses ou destruição avançada do pé pela gangrena, ausência de veia adequada para o procedimento e doença arterial difusa sem possibilidade

Doença arterial obstrutiva periférica no paciente diabéticoDiretrizes SBD

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de revascularização. Estas são algumas situações em que a revascularização não é possível. Nestes casos, a amputação do membro pode ser a única opção de intervenção, em especial quando se antevê uma evolução arrastada de curativos e antibioticoterapia prolongada com poucas chances de cicatrização e de melhora efetiva da qualidade de vida destes pacientes5(C).

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Diabetes mellitus pós-transplante

1. INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, o diabetes mellitus tem se tornado um sério e crescente problema de saúde pública nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, de-vido ao aumento de sua prevalência, morbidade e mortalidade. Estimativas recen-tes da Organização Mundial da Saúde (OMS) projetam um aumento significativo do número de indivíduos com diabetes até o ano de 2030. Nessa data, espera-se um universo de cerca de 366 milhões de indivíduos diabéticos1. Aproximadamente 90% desses indivíduos apresentarão diabetes mellitus do tipo 2 (DM2), estarão na faixa etária de 45 a 64 anos e viverão em países em desenvolvimento, onde se sabe que as condições de acesso a centros de assistência especializados nem sempre são satisfatórias1.

O diabetes pós-transplante (DMPT) é uma complicação que ocorre após o transplante de um órgão sólido, sendo considerado também como um tipo secun-dário de diabetes mellitus2.Os primeiros casos foram descritos em 1964, após um transplante de fígado, por Thomas Starzl2. As últimas estimativas sobre sua inci-dência reportam uma grande variabilidade, de 2% a 53%, sendo de 4% a 25% após transplante renal e de 2,5% a 25% após transplante de fígado2.

A variabilidade na incidência do diabetes pós-transplante estaria relacionada a dificuldade em definir, diagnosticar e identificar os possíveis fatores de risco asso-ciados a esta entidade3. Em relação ao diabetes pós-transplante renal, estimando-se que o número de pacientes com doença renal crônica em tratamento dialítico no mundo já atinge 1,5 milhão de indivíduos, podemos inferir que o número de casos de diabetes pós-transplante renal terá um aumento significativo nas próxi-mas décadas4. Esta mesma hipótese também pode ser estendida aos demais trans-plantes de órgãos sólidos.

Considerando-se que o desenvolvimento de diabetes pós-transplante é as-sociado com maior risco de complicações, como infecção e doença cardiovas-cular, e, portanto, apresenta maior risco de morte e maior custo para o Sistema de Saúde, a identificação de seus fatores de risco e o seu diagnóstico precoce, com intervenções terapêuticas adequadas, será de relevante importância no seguimento do paciente, com repercussão no sucesso do procedimento no que se refere à sobrevida do paciente e do enxerto3,5-10. Esta revisão propõe-se

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a discutir e estabelecer algumas condutas que facilitem a abordagem destes pacientes na prática clínica diária.

2. IDENTIFICAÇÃO DOS FATORES DE RISCO

Já foram identificados alguns fatores que aumentam o risco do desenvolvi-mento de diabetes pós-transplante. De maneira didática, estes fatores poderiam ser classificados em não-modificáveis, potencialmente modificáveis e modificá-veis (tabela 1).

TABELA 1 - Fatores de risco para o desenvolvimento de diabetes pós-transplante

• Raça: não-brancos• Idade: > 40 anos• Gênero do receptor (M)• Gênero do doador (M)• História familiar de DM• HLA• HLA (mismatches)• Doador falecido• História de rejeição aguda

ModificáveisNão-modificáveis Potencialmente modificáveis

• Infecções:- HCV, CMV- IGT (pré-TX)

• Terapia imunossupressora:- Tacrolimos- Ciclosporina- Corticosteróides- Sirolimus

• Obesidade• Componentes da SM

IGT: intolerância à glicose; pré-TX: pré-transplante; SM: síndrome metabólica; HCV: hepatite por vírus C; CMV: citomegalovírus

Em relação aos fatores de risco, consideramos apenas os potencial-mente modificáveis e os modificáveis. No grupo dos potencialmente modi-ficáveis, têm-se enfatizado as viroses, como citomegalovírus (assintomáti-cos e sintomáticos), que podem alte-rar a secreção de insulina6, e o vírus da hepatite C (HCV), que é mais as-sociado à resistência insulínica, mas com possíveis efeitos citopáticos nas células-beta11,12. O tratamento no pré-transplante de pacientes com HCV com interferon diminuiu de maneira significativa a incidência de diabetes pós-transpalante2. A presença de IGT no pré-transplante já é uma condição em que é imposto o tratamento com mudança do estilo de vida5,6.

Os fatores de risco modificáveis in-cluem o uso de corticosteróides, o que resulta em aumento da resistência à in-sulina periférica e hepática e dos inibido-res de calcineurina (ciclosporina e tacroli-mus), que levam à diminuição da síntese e da secreção insulínica por efeito tóxico direto sobre a célula-beta13-18. Apesar das diferenças em doses utilizadas e critérios de definição de DMPT, o uso de tacroli-mus é, em geral, associado a um maior risco (30%) para o desenvolvimento de DMPT, comparado ao uso de ciclospori-na (com risco de 18%)19-21, principalmen-te em pacientes com HCV20.

Alguns estudos recomendam que a concentração plasmática de tacrolimus no pós-transplante imediato não ultra-passe 15 ng/mL2. No acompanhamento

dos pacientes em uso de tacrolimus e ciclosporina, observou-se que o pico de incidência de IGT e/ou diabetes era aos 60 dias após o transplante, mas que com seis e 12 meses a incidência de DMPT renal ainda estava aumen-tada no grupo que usava tacrolimus em comparação ao grupo que usava ciclosporina14. Persiste em discussão na literatura a dose ideal de corticóide que não resulte em aumento significa-tivo de DMPT. Em estudo conduzido em nosso meio, a dose de prednisona > 1,3 mg/kg/dia foi associada a um ris-co maior de DMPT renal. O uso de do-ses baixas de 5 mg/dia de prednisona parece ser o mais indicado3.

Em relação à presença de obesidade e outros componentes da SM, o mais apropriado seria a instituição precoce, no pré-transplante, da mudança do esti-lo de vida (dieta e exercício) adequado às condições clínicas do paciente e do con-trole dos outros fatores de risco, como hipertensão arterial e dislipidemia5.

3. DIAGNÓSTICO DE INTOLERÂNCIA À GLICOSE E DIABETES

De acordo com o último Consenso Internacional em DMPT, todo o pacien-te que esteja em fase de pré-transplan-te deve ser avaliado quanto à presença de intolerância à glicose e diabetes. Uma anamnese e uma história clínica do paciente também serão de relevan-te importância para a identificação dos fatores de risco e das comorbidades.

Os critérios utilizados para o diagnós-tico de intolerância à glicose e diabetes pós-transplante seguem os critérios esta-belecidos pela American Diabetes Associa-tion (ADA)23 e pela Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD)24 e estão abaixo descritos.

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3.1 - DIABETES

• Sintomas de diabetes com glicemia plasmática randômica ≥ 200 mg/dl; ou

• Glicemia de jejum (FPG) no mínimo de oito horas ≥ 126 mg/dl.

3.2 - INTOLERÂNCIA DE JEJUM (GJA)

• FPG ≥ 110 mg/dl (6,1 mM) e < 126 mg/dl.

3.3 - TOLERÂNCIA À GLICOSE DIMINUÍDA (TGD)

• Glicemia plasmática duas horas após sobrecarga ≥ 140 mg/dl e < 200 mg/dl. O diagnóstico de qualquer intolerância à glicose deverá ser confirmado em teste realizado em dia subseqüente.

DMPT

GJA

TGD

Glicemia jejum (mg/dl)

≥ 126

≥ 100 e < 126

Glicemia duas horas após 75 gramas de glicose (mg/dl)

TABELA 2 - Critérios de diagnóstico de intolerância à glicose e diabetes pós-transplante

≥ 200

≥ 140 e < 200

GJA: glicemia de jejum alterada; TGD: tolerância à glicose diminuída.

4. CONDUTA CLÍNICA COM O PACIENTE COM DMPT

A conduta clínica do paciente com DMPT segue em geral a preconizada para o paciente com diabetes tipo 2, conforme estabelecido pela ADA, SBD e por consensos23-27.

4.1 - CONTROLE GLICÊMICO E DOS FATORES DE RISCO

• Alvo glicêmico: HbA1c < 6,5%;• LDL-colesterol: < 100 mg/dl (< 70 em pacientes com alto risco para doença

cardiovascular);• HDL-colesterol: > 50 mg/dl (sexo feminino) e > 40 mg/dl (sexo mas-culino);• Triglicerídeos: < 200 mg/dl;• Pressão arterial sistólica: < 130 mmHg e diastólica < 80 mmHg;• Controle do peso corporal.

4.2 - ABORDAGEM TERAPÊUTICA

Se a dieta e exercício não foram suficientes para atingir o alvo glicê-mico e dos lípides, deve-se iniciar o tratamento medicamentoso. Na

escolha da terapia medicamentosa, podemos utilizar os medicamentos orais, mas, em geral, no paciente in-ternado ou logo após o transplante, a insulinoterapia, pela sua pratici-dade e rapidez de ação, é a droga de escolha. Entretanto, no pacien-te ambulatorial, sem clínica de DM descompensado, há espaço para o uso de medicamentos orais, desde que sua A1c seja < 9%. Em relação à terapia com agentes orais, alguns cuidados devem ser observados (tabela 3):

• Uso de metformina: avaliar a função renal pelo risco de acidose lática;

• Sulfoniluréias: as drogas me-tabolizadas e excretadas pelo rim podem causar hipoglicemias, em es-pecial nos idosos. As glinidas apre-sentam mais segurança, mas são menos eficazes;

• Glitazonas: por atuarem na re-sistência insulínica, teriam indica-ção nestes pacientes. Entretanto, seus efeitos colaterais devem ser avaliados (ganho de peso, edema, anemia, edema pulmonar e insufici-ência cardíaca), bem como a demo-ra para o início de ação. O risco au-mentado de fratura, principalmente nestes pacientes que fazem uso crônico de corticosteróide, deve ser considerado;

• Análogos do GLP-1 e inibidores do DPP-IV: ainda não há experiência com o uso destas drogas no DMPT. Ambas as incretinas GLP-1 e GIP têm eliminação renal;

• Individualização da imunossu-pressão: avaliar a substituição do ta-crolimus por ciclosporina e o uso de doses baixas de corticosteróide.

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Sulfoniluréias

Glinidas

Inibidores alfa glicosidase

Biguanidas

Glitazonas

Análogos Incretinas

iDPP4

Droga

Clorpropamida

Glibenclamida

Glimepirida

Glicazida

Glipizida

Repaglinida

Nateglinida

Acarbose

Metformina

Rosi/Pio

Exenatide

Sitagliptina

Vildagliptina

IRC

Evitar

Evitar

Dose baixa: 1 mg/dia

Sem ajuste

Sem ajuste

Sem ajuste

Evitar

Creat > 2 mg/dl: evitar

ClCreat < 30 ml/minuto: evitar

Sem ajuste

Sem ajuste

ClearCreat:

< 50: diminuir 25%

< 30: diminuir 50%

Poucos dados

Em diálise

Evitar

Evitar

Evitar

Sem ajuste

Cautela ou evitar

Evitar

Evitar

Evitar

Sem ajuste

Evitar

Diminuir 50%

Poucos dados

Complicações

Hipoglicemia

Hipoglicemia

Hipoglicemia

Raramente hipoglicemia

Raramente hipoglicemia

Hepatotoxicidade

Acidose láctica

Retenção hídrica e ICC

Náuseas e vômitos

Hipoglicemia

TABELA 3 - Antidiabéticos orais em DMPT

Em relação à dislipidemia, considera-se que o tratamento com estatina deve ser instituído caso o alvo do LDL colesterol não seja alcançado. As estatinas mais utilizadas são a pravastatina e a atorvastatina. Em casos selecionados, a associação de estatina com fibratos poderá ser utilizada, mas deve-se levar em conta o risco aumentado de rabdomiólise (figura 1).

FIGURA 1 - Agentes hipolipêmicos em DMPT

<100 mg/dl 100-129 mg/dl >130 mg/dl

Não iniciar droga Mudança de hábito de vida

Aguardar 03 meses

LDL>100

Mudança de hábito de vida e droga oral

TG < 200 mg/dl

Pravastina ou Atorvastina Atorvastina Fenofibrato

TG 200-500 mg/dl TG 500 mg/dl

LDL

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O tratamento da pressão arterial deve ser agressivo, monitorando a função renal As interações medicamentosas devem ser cuidadosamente avaliadas. As drogas metabolizadas pelo citocromo P-450 isoenzima CYP 3 A4 devem ser mo-nitoradas. Os indutores (rifampicina, carbamazepina e fenitoína) e os inibidores (ciclosporina e gemfibrozil) deste sistema podem modificar a cinética de alguns agentes orais, como a repaglinida, aumentando sua meia-vida e resultando em hipoglicemia.

5. ACOMPANHAMENTO DO PACIENTE COM DMPT Recomenda-se a determinação de HbA1c a cada três meses, perfil lipí-

dico duas a três vezes por ano, triagem para microalbuminúria, avaliação oftalmológica anual

Orientações dietéticas: encaminhar para nutricionista, com ênfase em dieta com pouca gordura saturada e colesterol, rica em fibras.

Mudanças no estilo de vida: reduzir o peso ou evitar ganho excessivo de peso. Parar hábito do fumo, se presente.

Ajuste dos imunossupressores: redução da dose do corticóide para o mínimo necessário. A troca de tacrolimus (FK 506) por ciclosporina nos casos de hiperglicemia pode ser tentada, apesar das dúvidas sobre o procedimento na literatura.

• Hiperglicemia aguda: insulinoterapia;

• Hiperglicemia crônica: alvo de A1c < 6,5%. Tratar de acordo com as características e contra-indicações do paciente com os medicamentos orais e/ou insulinoterapia.

• A1c a cada três meses;

• Triagem para microalbuminúria anual;

• Fundo de olho anual;

• Exame regular dos pés;

• Perfil lipídico anual;

• Tratamento agressivo da dislipidemia e hipertensão.

TABELA 4 - Critérios de diagnóstico de intolerância à glicose e diabetes pós-transplante

6. CONCLUSÕES

Os pacientes com DMPT l apresentam maior risco de doença cardiovascular

e de infecções que a população em geral, o que pode comprometer a sobrevida

e a duração do enxerto6,7. O DMPT é considerado hoje como uma importante

causa de morbidade e mortalidade em pacientes transplantados. A identificação

precoce desta condição, com tratamento agressivo do diabetes e de suas comor-

bidades, será um fator determinante na sua evolução.

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TABELA 5 - Resumo e graus de evidência

O TOTG deve ser considerado em pacientes transplantados e com glicemia de jejum alterada (GJA) para refinar o diagnóstico de DMPT.

O alvo de HbA1c < 7%, por reduzir complicações microvasculares e neuropáticas em diabéticos, deverá ser obtido.

Portadores de diabetes devem ser instruídos a realizar ao menos 150 minutos de exercícios por semana se não houver contra-indicação.

Pacientes com diabetes devem ter como alvo pressão sistólica < 130 mmHg (C) e diastólica < 80 mmHg (B).

Em pacientes com DCV e diabetes, o alvo de LDL deverá ser < 70 mg/dl.

A combinação de estatina e fibratos ou outras drogas hipolipemiantes pode ser considerada, mas não tem sido avaliada em estudos de segurança e desfecho cardiovascular.

Recomendação para a realização do ITB Nível de evidência

B

A

A

C/B

E

-

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Manifestações reumatológicas do diabetes

1. INTRODUÇÃO

Inúmeras associações entre diabetes mellitus (DM) e patologias musculo-esqueléticas foram descritas. Algumas são associações indiretas, com fatores associados tanto ao DM como à patologia reumática, como a obesidade e a dislipide-mia, que também estão associados à gota e à osteoartrose. Outras patologias reumáti-cas são secundárias a complicações neurológicas e vasculares do DM, como a artropa-tia de Charcot e a osteólise. Muitas ocorrem por motivos ainda pouco claros, às vezes precedendo o aparecimento do DM, como a contratura de Dupuytren, ou ocorrendo também em maior freqüência em familiares não-diabéticos, como a espondilo-hiperostose difusa. Na tabela 1, estão listadas as associações mais importantes entre DM e patologias reumatológicas, que serão comentadas no texto a seguir.

TABELA 1 - Associações mais importantes entre DM e patologias reumatológicas

• Queiroartropatia diabética (síndrome das mãos rígidas ou da mobilidade articular limitada)

• Contratura de Dupuytren

• Dedo em gatilho

• Síndrome do túnel do carpo

• Síndrome da dor complexa regional tipo I (algoneurodistrofia, algodistrofria, distrofia neu-

rológica simpática reflexa, atrofia de Sudeck)

• Ombro congelado (capsulite adesiva do ombro)

• Espondilo-hiperostose difusa idiopática (DISH), doença de Forrestier, hiperostose anquilosante

• Piomiosite

• Artrite séptica

• Amiotrofia

• Infarto muscular

• Artropatia de Charcot (neuroartropatia)

• Osteólise (osteodistrofia reabsortiva, osteodistrofia diabética)

Manifestação (sinonímia)

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2. QUEIROARTROPATIA DIABÉTICA

A queiroartropatia diabética carac-teriza-se por deformidade em flexão dos dedos das mãos, com espessa-mento da pele, do tecido conjuntivo periarticular e da fáscia palmar, resul-tando em limitação da extensão das articulações metacarpofalangeanas e interfalangeanas. Em casos mais graves, acomete também outras ar-ticulações. Quando a pele mostra-se brilhante, espessada e enrijecida, ca-racteriza-se a esclerodactilia diabética ou lesão escleroderma-símile, que às vezes antecede a limitação da mobili-dade articular (LMA)1.

Embora possa ocorrer precoce-mente no curso da doença2(D), é mais comum em portadores de DM1 com controle inadequado e longa evolu-ção. Segundo alguns autores, seu apa-recimento deve ser visto como um si-nal de alarme, apontando para maior risco de desenvolver microangiopatia e microalbuminúria3.

Tem como causa a glicação de co-lágeno, que altera suas características funcionais e estruturais. Recentemen-te, Cray et al. encontraram relação entre a espessura da fáscia plantar, in-terpretada como uma medida de glica-ção tecidual com o desenvolvimento de complicações microvasculares em adolescentes com DM14. A prevalên-cia da queiroartropatia diminuiu, em DM1, nos últimos 20 a 30 anos, pro-vavelmente como conseqüência da intensificação do controle glicêmico que ocorreu nestas décadas5,7(B,D)6.

A queiroartropatia, em geral, é in-dolor, mas as contraturas dificultam a execução de movimentos finos das mãos. Duas manobras propedêuticas de fácil execução permitem avaliar

a sua gravidade, deixando eviden-te o grau de limitação de extensão das mãos: o sinal da prece, em que o paciente tenta juntar as palmas das mãos com os dedos estendidos, e o teste da tampa da mesa, em que o paciente tenta estender a mão espal-mada contra o tampo de uma mesa. Juntamente com a queiroartropatia, as outras alterações das mãos que discutiremos a seguir permitem intro-duzir um conceito global genérico de “mão diabética”8.

3. CONTRATURA DE DUPUYTREN

Caracteriza-se por proliferação da fáscia palmar, com sua aderência à pele e aos tendões flexores, principalmen-te do quarto e quinto quirodáctilos. Sua prevalência aumenta com a idade e, em diabéticos, é 50% maior que na população geral. O diagnóstico é clíni-co, baseado no espessamento das pal-mas, rigidez não dolorosa dos dedos e enrugamento palmar. Formam-se nó-dulos, que acompanham o trajeto dos tendões flexores e a doença evolui com deformidade na flexão do dedo cujo tendão flexor foi acometido. O tratamento consiste em aperfeiçoar o controle glicêmico, fisioterapia e exercícios de extensão. O tratamento cirúrgico está indicado quando a in-capacidade funcional é importante e tem bons resultados iniciais, mas ele-vada taxa de recorrência9(D).

4. TENOSSINOVITE DE FLEXOR OU DEDO EM GATILHO

A tenossinovite estenosante do flexor de um dedo resulta do aprisionamento

do tendão dentro de uma polia, prejudi-cando a sua extensão ativa. A extensão do dedo ocorre de maneira abrupta (ga-tilho) ao se fazer o movimento passiva-mente com o auxílio do polegar con-tralateral.

Os pacientes referem desconforto palmar durante os movimentos dos dedos envolvidos, com estalo doloro-so de instalação gradual ou aguda ao flexionar ou estender os dedos, que podem estar em posição fixa, geral-mente em flexão10(D).

A infiltração com corticosterói-de junto à bainha do tendão sinto-mático, com freqüência, é curativa9. Administração de antiinflamatórios não-hormonais e uso de órteses são indicados em pacientes que recusam a infiltração10(D). Cirurgia para libera-ção do tendão pode ser necessária em casos refratários.

5. SÍNDROME DO TÚNEL DO CARPO

A compressão do nervo mediano junto à face volar do punho provoca distúrbios sensitivos na face flexora do primeiro, segundo e terceiro qui-rodáctilos (território de inervação do mediano). É a neuropatia com-pressiva mais comum, ocorrendo em até 30% dos portadores de DM e neuropatia11.

Parestesia no território do nervo mediano costuma ocorrer ao se apli-car as duas principais manobras pro-pedêuticas que sugerem esta síndro-me: o teste de Phalen (flexão palmar dos punhos em 90 graus durante um minuto) e o teste de Tinel (percussão do túnel do carpo). A sensibilidade destes testes é bastante baixa e a avaliação por testes quantitativos de

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sensibilidade acrescenta muito pou-co para o diagnóstico. A avaliação da velocidade de condução nervosa não deve ser feita de rotina, mas está in-dicada para pessoas com quadro clíni-co mais grave e que não respondem ao tratamento conservador ou que têm disfunção motora, sendo usada para o diagnóstico e localização da compressão12(D).

Seu quadro clínico é variável, mas em geral o sintoma principal é dor ou parestesias do polegar até a metade do quarto dedo, intensas à noite. Em casos mais avançados, pode haver comprometimento motor, com hipo-trofia muscular da região tenar, di-minuição da força e dificuldade para execução de movimentos finos de preensão13.

O tratamento compreende anal-gesia, órteses para imobilização e aplicações locais de corticosteróides em casos mais leves. O uso de cor-ticóides orais por curto período de tempo é eficaz, mas seu uso em por-tadores de diabetes não foi apropria-damente estudado. A cirurgia para a descompressão, em casos refratários, é mais eficaz para a diminuição dos sintomas14,15(A,A)9.

6. SÍNDROME DA DOR COMPLEXA REGIONAL TIPO 1

Caracteriza-se por dor intensa, limi-tação e alterações autonômicas, com edema, hiperemia e sudorese em geral acometendo uma das mãos. Ocorre habitualmente após lesão nervosa, trauma, cirurgia ou imobilização. A dor tem padrão neuropático, com sensa-ção de queimação, hiperalgesia, alodí-nea e disestesias. Além da dor, costu-mam ocorrer alterações vasomotoras e

autonômicas no membro acometido, com alteração de temperatura e de co-loração, além de edema, hiper-hidrose e aumento da pilificação, podendo ha-ver também diminuição da função do membro. É também conhecida como distrofia simpático-reflexa ou algo-neurodistrofia.

Acredita-se que DM, hipertireoi-dismo, hiperparatireoidismo e disli-pidemia tipo IV possam predispor a seu aparecimento. É com freqüência subdiagnosticada. Seu diagnóstico precoce é importante, pois o início precoce do tratamento fisioterápico permite uma evolução melhor9(D). O objetivo do tratamento é restaurar a função da extremidade acometida e a prevenção ou minimização das al-terações tróficas do sistema músculo-esquelético. O alívio da dor pode ser obtido com o uso de antidepressivos tricíclicos e anticonvulsivantes, como a carbamazepina, a gabapentina e a lamotrigina. Em casos refratários, pode-se tentar o uso de corticosterói-des e neurolépticos ou a realização de bloqueio neuronal16(D).

7. CAPSULITE ADESIVA DO OMBRO

A capsulite adesiva (CA), também conhecida como “ombro congelado” ou “bursite obliterativa”, caracteriza-se por dor e limitação importante dos movimentos ativos e passivos do om-bro para todos os planos. Pode ocor-rer simultaneamente à síndrome da dor complexa regional tipo 1, caracte-rizando a síndrome ombro-mão.

Sua prevalência é três a cinco vezes maior em DM que na população geral, sendo, nos primeiros, freqüentemente bilateral e em idades mais precoces.

Além disso, 20% a 30% dos pacientes não-diabéticos com CA apresentam intolerância à glicose17-19. A presen-ça de CA está associada com idade e duração da doença, principalmente em DM1, o que explica a maior parte das associações com outras compli-cações crônicas do diabetes. Não há, no entanto, uma clara relação com o grau do controle glicêmico. Pacientes diabéticos com CA têm níveis de co-lesterol e triglicérides mais elevados e alguns estudos mostram associação com infarto agudo do miocárdio17,19,20.

A alteração patológica básica é um espessamento da cápsula articular, que adere à cabeça do úmero, resul-tando em redução acentuada do vo-lume da articulação glenoumeral21. A principal queixa é de dor crônica e rigidez progressiva. Ocorre perda da amplitude de movimento da articula-ção, levando à disfunção, dificuldade de rotação externa e abdução do om-bro acometido. Pessoas com diabetes têm quadros em geral menos doloro-sos, porém, com maior duração e pior resposta ao tratamento22.

Ao exame físico, deve-se testar a mobilidade do ombro, através do teste de Apley, que consiste em três mano-bras: para testar a adução, pede-se ao paciente cruzar a face anterior do tórax com o braço, até tocar o ombro oposto; para testar a rotação externa e abdução, pede-se ao paciente para levar o braço por trás da cabeça e tocar a ponta me-dial superior da escápula contralateral (o paciente com função normal alcan-ça em média o nível de T4); para testar a rotação interna e adução, pede-se ao paciente para levar o braço pelas costas até tocar a ponta inferior da escápula contra-lateral (o paciente com função normal alcança em média o nível de T8). Deve-se testar também a abdução

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e a rotação externa passivamente. O normal é rodar e abduzir no mínimo 90 graus23(D). O diagnóstico é eminente-mente clínico, sendo os exames de ima-gem reservados para casos com dúvida diagnóstica. A radiografia simples é o exame inicial indicado para exclusão de outras causas em casos de dor crônica nos ombros23(D).

Na maioria dos casos, a CA evolui de maneira espontânea, com recupe-ração completa de seis a 18 meses. O tratamento pode ser necessário na fase aguda dolorosa, constituindo-se essencialmente de analgesia e exercí-cios específicos de alongamento24(D). Podem ser usados antiinflamatórios hormonais ou não hormonais, em-bora se deve levar em conta o risco do uso de tais drogas em pacientes diabéticos25(A).

Em casos de sintomas persistentes por mais de seis a oito semanas, po-dem ser feitas injeções intra-articulares de corticosteróides ou ainda dilatação da articulação por injeção de solução salina e corticosteróide intra-articular. Esta última abordagem parece ofere-cer os melhores resultados26(A). Após a fase dolorosa, o tratamento consis-te em exercícios e fisioterapia. Casos refratários podem ser encaminhados para tratamento cirúrgico.

8. ESPONDILO-HIPEROSTOSE IDIOPÁTICA DIFUSA

A espondilo-hiperostose difusa idiopática (DISH), também conhecida como hiperostose anquilosante ou doença de Forrestier, caracteriza-se por limitação progressiva da coluna vertebral, com calcificação dos liga-mentos intervertebrais, formando pontes ósseas entre as vértebras

(sindesmófitos), que diferentemente da osteoartrose primária, não provo-ca degeneração significativa do disco intervertebral. Pode ocorrer também ossificação de ligamentos e tendões em outros locais, como crânio, pelve, calcanhares e cotovelos27. O acome-timento é sistêmico, não explicado apenas por reação a fatores mecâni-cos locais.

Sua prevalência é três vezes maior em DM e, entre os pacientes com hiperostose difusa, 12% a 80% têm DM ou intolerância à glicose. Postula-se que níveis de insulina e IGF mantidos prolongadamente al-tos nos pacientes diabéticos estimu-lam a formação óssea28.

Na maioria dos casos, ocorre re-dução progressiva assintomática da mobilidade da coluna e o diagnósti-co muitas vezes é incidental ao reali-zar raios-X de coluna ou de tórax por outro motivo. Queixas associadas po-dem incluir dor e rigidez matinal leve. Não existe tratamento específico. Re-comenda-se controle glicêmico e fi-sioterapia.

9. PIOMIOSITE E ARTRITE SÉPTICA

Consistem, respectivamente, em in-fecção bacteriana muscular ou articular, em geral causada por Staphylococcus aureus. A artrite séptica é, na maioria dos casos, monoarticular e ocorre prin-cipalmente em grandes articulações pe-riféricas. O diagnóstico é confirmado por coloração de Gram ou cultura do liquido sinovial. O tratamento específico é anti-bioticoterapia. É importante o diagnósti-co precoce para que não ocorra destrui-ção articular grave. O diabetes mellitus é considerado um fator de risco, que

predispõe tanto à artrite séptica quanto à piomiosite29,30(A,A)

10. OUTRAS MANIFESTAÇÕES

A artropatia de Charcot e a oste-odistrofia não serão discutidas neste capítulo por serem associadas à neu-ropatia periférica e ao pé diabético. Porém, deve ser lembrado que Char-cot pode acometer também outras articulações. Da mesma maneira, a amiotrofia, que em geral acomete ho-mens idosos com DM2 com perda de força muscular e atrofia de musculatu-ra proximal, principalmente dos mem-bros inferiores, deve ser lembrada como uma forma de neuropatia. Por fim, infarto muscular pode ocorrer por arteriopatia diabética.

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TABELA 2 - Recomendações

A pesquisa de limitação da mobilidade articular deve ser feita nos pacientes diabéticos, especialmente nos do tipo 1, com longa evolução e controle glicêmico insatisfatório.

A limitação da mobilidade das mãos é pesquisada pelo sinal da prece e pela alteração ao encostar a palma da mão em uma mesa. No tornozelo, a limitação da mobilidade é pesquisada com o goniômetro.

Não existe tratamento específico para a limitação da mobilidade articular. Há algumas evidências de que a melhora do controle glicêmico melhore a evolução. Fisioterapia e exercícios de alongamento podem melhorar o quadro.

Contratura de Dupuytren é mais comum em diabéticos. O tratamento consiste em melhorar o controle glicêmico, fisioterapia e, eventualmente, tratamento cirúrgico.

O diagnóstico de síndrome de túnel do carpo deve ser feito pela combinação de sintomas e sinais clínicos sugestivos. O diagnóstico é mais provável se houver positividade no teste de Phalen ou também na pesquisa do sinal de Tinel. Tais testes não são confiáveis em casos mais graves. Estudo de condução nervosa deve ser reservado a casos duvidosos, especialmente se estiver sendo considerada descompressão cirúrgica

O tratamento da síndrome do túnel do carpo é essencialmente conservador, incluindo splinting do pulso, fisioterapia, terapia ocupacional e injeção local de corticosteróides. Não se recomenda o uso de antiinflama-tórios não-hormonais para tratamento da síndrome do túnel do carpo.

O tratamento cirúrgico traz resultados melhores do que o clínico em pacientes com quadros mais graves de síndrome do túnel do carpo.

Considerar como hipótese diagnóstica a tenossinovite de flexor ou dedo em gatilho no caso de um paciente com diabetes mellitus que tenha um ou mais nódulos palpáveis e espessamentos próximos ao tendão ou bainha dos flexores, que possam levar a limitação de movimento e desconforto ou dor palmar durante movimentos.

O tratamento da tenossinovite de flexor ou dedo em gatilho consiste, de início, na injeção de corticos-teróide no tendão flexor sintomático, freqüentemente curativo. No caso de pacientes que não querem tratamento invasivo, tentar antiinflamatórios não-hormonais ou bandagens.

Pensar em síndrome da dor complexa regional tipo I (antiga distrofia simpático-reflexa) em casos de dor neuropática associada a alterações vasomotoras e/ou autonômicas em paciente com diabetes mellitus.

Considerar para o tratamento da síndrome da dor complexa regional: fisioterapia e terapia medica-mentosa para controle de dor crônica (antidepressivos tricíclicos, anticonvulsivantes, corticosteróides orais, neurolépticos ou bloqueio neuronal).

Pacientes diabéticos com queixa de dor ou limitação do movimento dos ombros devem ser pesquisados pelo teste de Apley e da mobilidade passiva para diagnóstico de capsulite adesiva do ombro.

Embora o diagnóstico de capsulite seja clínico, a radiografia deve ser considerada no diagnóstico diferencial de dor no ombro para a exclusão de outras causas.

O uso de antiinflamatórios não-hormonais e corticosteróides orais oferecem melhora sintomática na fase aguda dolorosa. Deve ser avaliada a relação risco-benefício do uso de tais drogas no paciente diabético.

Pacientes com sintomas persistentes podem ser tratados com dilatação articular por injeção intra-articular de corticosteróides e solução salina.

Após a fase dolorosa, o tratamento da capsulite adesiva do ombro consiste em exercícios e fisioterapia.

Considerar sempre a artrite séptica e a piomiosite como diagnóstico diferencial de artrites (especialmente monoartrites) e de miosites, respectivamente, no paciente diabético.

Conclusão Nível de recomendação

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Manifestações reumatológicas do diabetesDiretrizes SBD

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Diabetes e doença periodontal

1. INTRODUÇÃO

Uma possível associação entre o diabetes mellitus (DM) e doenças periodontais tem sido considerada em todo o mundo. Estas últimas compreendem um grupo de condições crônicas inflamatórias induzidas por microorganismos que levam a inflamação gengival, destruição tecidual periodontal e perda óssea alveolar1. Gru-pos específicos de anaeróbios gram-negativos no biofilme dental são tidos como seus principais agentes etiológicos. Entretanto, estima-se que a maior parte do dano observado seja causado de maneira indireta pela resposta do hospedeiro frente à infecção e não pela agressão direta do agente infeccioso2.

De forma semelhante ao diabetes, gengivites e periodontites também afetam grande parte da população mundial, com estimativas de que aproximadamente 80% sofram de periodontite moderada ou gengivite, enquanto 8% a 10% apresen-tem sua forma severa. Estudos realizados em diversos países indicaram distribuições semelhantes3,4(A,B). No Brasil, a ausência de levantamentos compreensivos bem conduzidos dificulta a determinação da prevalência e a severidade destas lesões.

A significativa diminuição na freqüência de gengivite de 40% para 20%, obser-vada nos últimos 20 anos na população sueca, não resultou na correspondente queda de prevalência da periodontite severa. Este fato demonstra que higiene oral adequada pode não ser suficiente para prevenir esta doença5(A,B).

2. DIABETES E MANIFESTAÇÕES ORAIS

Evidências indicam que complicações clássicas relacionadas ao diabetes, como ne-fropatias, retinopatias, doença cardiovascular e neuropatias, podem iniciar-se antes de estabelecido o seu diagnóstico6. Na boca, o sinal clínico do diabetes não diagnosticado ou mal controlado pode incluir queilose, fissuras, ressecamento de mucosas, diminui-ção do fluxo salivar, dificuldades de cicatrização e alterações na microbiota.

Enquanto alguns autores demonstram índices aumentados de cáries em diabéticos7(B,C), outros verificaram incidências similares ou ainda menores nestes pa-cientes quando comparados a controles não-diabéticos8(C)9(B,C). Em indivíduos com

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níveis de glicose sangüínea mal contro-lados ou não controlados, tanto a saliva como o fluido gengival podem conter quantidades aumentadas de açúcares10, o que em parte poderia alterar a micro-biota do biofilme dental, influenciando o desenvolvimento de cáries e, possi-velmente, doenças periodontais11,12. Por outro lado, a ingestão limitada de car-boidratos, comum neste grupo de pa-cientes, proporciona uma dieta menos cariogênica, o que diminuiria o risco de surgimento destas lesões13(D).

A xerostomia observada com fre-qüência, responsável em parte pela síndrome da ardência bucal e o au-mento parotídeo, mostra-se também relacionada ao grau de controle gli-cêmico14-16(D,D,C). Neuropatias, assim como medicamentos utilizados no controle do diabetes, podem colaborar nas alterações de secreção salivar17(C), embora alguns estudos não tenham encontrado diferenças no fluxo nem nos constituintes salivares entre os grupos avaliados17(C).

Dados sobre a incidência de can-didíase oral entre diabéticos ainda são inconclusivos18,19(C).Uma avalia-ção envolvendo 405 pacientes com DM1 encontrou 15,1% de candidíase no grupo-teste, comparados a 3% no grupo-controle não-diabético20(C). A análise multivariada demonstrou estar a presença de candidíase oral também relacionada ao grau de controle glicê-mico nestes indivíduos.

3. FISIOPATOLOGIA DA INTER-RELAÇÃO DIABETES MELLITUS E DOENÇA PERIODONTAL

Muitos dos mecanismos pelos quais o diabetes mellitus influencia o perio-donto possuem uma fisiopatologia

similar às clássicas complicações micro e macrovasculares observadas com freqüência nestes pacientes. Estados de hiperglicemia mantida resultam em alterações no metabolismo lipídico, as-sim como na glicosilação não-enzimá-tica de proteínas colágenas, glicídios e ácidos nucléicos. Esta condição altera as propriedades da membrana celular, modificando as relações célula-célula e célula-matriz. O agravamento deste quadro pode levar a formação de ate-romas e microtrombos, espessamento da parede vascular com conseqüente estreitamente da sua luz e alterações na permeabilidade endotelial21.

Os produtos finais da glicosilação (AGEs) em diabéticos acumulam-se em órgãos como retinas, gloméru-los, regiões endoneurais e paredes vasculares22,23(C,D). Embora ocorra tan-to em diabéticos como em não-diabé-ticos, a presença de AGEs está signifi-cativamente aumentada em estados hiperglicêmicos prolongados24,25(D). Nestas condições, receptores de mem-brana (RAGE) têm sido identificados na superfície de células endoteliais, neu-rônios, células de músculo liso e monó-citos/macrófagos26-28(D).

Para alguns autores, a hiperglicemia eleva a expressão de RAGEs, aumentado assim a formação de complexos AGE-RAGE. Em monócitos/macrófagos, esta ligação induz um aumento no estresse oxidativo, sinalizando uma mudança no fenótipo destas células, que passam a aumentar a produção e a liberação de citocinas pró-inflamatórias. A síntese e a secreção aumentada destas citocinas e mediadores contribuem para exacer-bação de outros processos crônico-in-flamatórios observados em diabéticos. Por também ocorrer no periodonto, a formação de AGEs e sua ação deletéria sobre outros órgãos pode estar refletida

nestes tecidos. Um aumento de 50% na produção de RNAm para RAGEs foi identificado em tecidos gengivais de diabéticos tipo 2, comparados a con-trole não-diabético29(D).

Deficiências na adesão, quimiota-xia e fagocitose neutrofílica têm sido observadas em diabéticos, o que faci-litaria a persistência e o crescimento de periodontos patógenos, contribuindo significativamente para a destruição tecidual local30,31(D). Por outro lado, embora neutrófilos estejam, com fre-qüência, hipofuncionais em diabéticos, acredita-se que monócitos/macrófa-gos hiper-responsivos sejam respon-sáveis por grande parte da degradação periodontal observada32,33(D). Traços desta hiper-resposta têm sido observa-dos com freqüência no fluido gengival (FG), um transudato seroso que reflete a atividade inflamatória local. Nestes casos, o FG caracteriza-se por uma alta concentração de mediadores pró-inflamatórios, citocinas, quimiocinas e metaloproteinases da matriz (PgE2, IL-1, IL-6, TNF-a, IL-8, MMP-1, MMP-2 e MMP-8), tendo sido relacionado por al-guns autores à qualidade do controle glicêmico de diabéticos34,35(C).

O LPS bacteriano é tido como um dos fatores de virulência mais impor-tante na destruição periodontal me-diada pelo hospedeiro36,37(C,D). Tem sido demonstrado que sua ligação a re-ceptores celulares específicos (toll-like receptors) estimula a secreção de uma ampla variedade de citocinas da imu-nidade inata, além de fatores de cresci-mento, contribuindo para a destruição tecidual local38(B,C)39(D). A prostaglan-dina E2, por exemplo, considerada um potente estimulador da reabsorção óssea alveolar, está significativamen-te aumentada no fluido gengival de pacientes diabéticos com infecções

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periodontais, quando comparados a controles saudáveis. Estes níveis corre-lacionam-se também de modo positi-vo com a severidade e a agressividade da doença40.

4. DIABETES COMO FATOR DE RISCO PARA A DOENÇA PERIODONTAL

Uma ampla gama de evidências tem demonstrado ser o diabetes um fator de risco para periodontites e gen-givites41-43,45,51,55(D,A,C,A,B).Um levanta-mento realizado em 1990, abrangendo 2.273 índios Pima, encontrou 2,6 vezes mais doença periodontal entre porta-dores de diabetes do que entre os não-diabéticos, sugerindo que esta doença deveria ser considerada uma complica-ção não-específica do DM243(A).

O grau de controle glicêmico pa-rece ser uma variável bastante im-portante, estando o seu mal controle relacionado a uma prevalência maior e severidade da inflamação gengival e destruição tecidual. Um estudo lon-gitudinal de curta duração, realizado em 1993, envolvendo diabéticos tipo 2 com idade entre 35 e 56 anos, encon-trou mais inflamação e sangramento gengival nos indivíduos com pobre controle glicêmico44(C). Em 1998, no-vamente utilizando uma população de índios Pima, um acompanhamento prospectivo demonstrou associação entre o controle glicêmico inadequado do diabetes mellitus tipo 2 e o risco au-mentado significativo de perda óssea alveolar progressiva, quando compa-rado a um grupo com bom controle glicêmico45(A). Outros trabalhos trans-versais e de casos-controle alcança-ram resultados semelhantes46-50 (B,C,). Ainda em acordo com estes achados,

levantamentos epidemiológicos de larga escala encontraram um risco au-mentado de três vezes para perda de inserção periodontal e destruição óssea alveolar entre diabéticos, quando com-parados a não-diabéticos51,52(A,B).

Estes dados foram posteriormente confirmados através de meta-análises envolvendo diferentes populações de diabéticos41. Estas evidências acabam por suportar o conceito da periodonti-te como sendo mais uma complicação crônica do diabetes mellitus. Um exten-so levantamento longitudinal (Third Na-tional Health and Nutrition Examination Survey, NHANES III) evidenciou o grau de controle glicêmico como a variável mais importante na determinação do risco para doenças periodontais em diabéticos. Adultos com mau controle glicêmico tiveram 2,9 vezes mais perio-dontites que não-diabéticos. Por outro lado, diabéticos com bom controle não apresentaram aumento significativo no risco, quando comparados a não-diabéticos53(A).

Parte das características clínicas observadas nas periodontites pode ser explicada por fatores genéticos54(A). Estudos moleculares e epidemiológi-cos da microbiota oral sugerem que, embora fatores microbianos sejam ne-cessários para a doença, estes, por si só, não são suficientes para predizer a pre-sença ou a severidade da periodontite. Elementos relativos à suscetibilidade do hospedeiro, como resposta imune e doenças sistêmicas pré-existentes, além de fatores ambientais não micro-bianos, como, por exemplo, o fumo, têm se mostrado importantes para a manifestação da doença55(A).

Modelos multivariados de perio-dontite que incorporam fatores micro-bianos apresentam coeficiente de corre-lação entre 0,3 e 0,4 para presença ou

ausência de bactérias, reconhecidas como patógenos periodontais em po-tencial. Estes resultados sugerem que menos de 20% da variabilidade na ex-pressão desta doença pode ser explica-da pelos níveis de patógenos específi-cos. Evidências da influência genética nas periodontites vêm de estudos re-alizados em gêmeos56 e, mais recente-mente, na identificação de certos poli-morfismos que se correlacionam com fenótipos de resposta imune.

É freqüente observar em pacien-tes diabéticos uma tendência maior a hiperplasias gengivais, pólipos, for-mação de abscessos, perda dentária e periodontite. Dessa forma, o conjunto de informações a respeito das con-seqüências do diabetes mellitus mal controlado nos sugere que os tecidos orais podem ser afetados de forma si-milar ao que acontece em outros siste-mas do corpo. Estudos demonstraram que pacientes diabéticos com infecção periodontal possuem pior controle gli-cêmico do que diabéticos sem doença periodontal57(A).

Em função da alta prevalência de doenças cardiovasculares em indivídu-os diabéticos e por estas responderem por mais da metade das mortes ob-servadas entre eles, além de estudos recentes correlacionarem de forma significativa doença periodontal e ris-co aumentado para infarto agudo do miocárdio, um estudo longitudinal en-volvendo mais de 600 pacientes com DM2 foi realizado para avaliar o efeito da doença periodontal sobre a mortali-dade por causas múltiplas nestes indi-víduos. Entre aqueles com periodontite severa, as taxas de morte por doenças isquêmicas do coração foram 2,3 vezes maiores do que as taxas em indivíduos sem periodontites, após ajustes para outros fatores de risco conhecidos. As

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taxas de morte por nefropatias diabéti-cas foram 8,5 vezes maiores em indiví-duos com periodontite severa e as ta-xas gerais de mortalidade por doenças cardiorrenais foram 3,5 vezes maiores em indivíduos com periodontite seve-ra do que naqueles sem periodontites, sugerindo que a presença da doença periodontal pressupõe um risco para mortalidade cardiovascular e renal em pessoas com diabetes58(A).

Segundo dados da American Dental Association (ADA, 1982)59, a prevalência de periodontite em indivíduos diabéti-cos chega a atingir 39% entre os maio-res de 19 anos. Em outro estudo, um ris-co relativo de dois a três foi encontrado para esta relação. Segundo estes auto-res, existe ainda uma severidade maior da periodontite entre diabéticos de longa duração e mau controle glicêmi-co60. Entretanto, trabalhos conduzidos por Ervast et al.61(B) não encontraram diferenças significativas na inflamação gengival entre diabéticos e não-diabé-ticos. Porém, quando os grupos anali-sados foram estratificados de acordo com o nível de controle glicêmico, um significante aumento na inflamação gengival foi observado nos pacientes com glicemia mal controlada.

Em geral, o número de sítios infla-mados decrescia na medida em que o controle glicêmico melhorava, sugerin-do haver uma relação direta entre estas variáveis. Outros trabalhos também en-contraram uma relação positiva entre níveis inflamatórios gengivais e o grau de controle glicêmico62, evidenciando que os níveis glicêmicos podem ter um importante papel na resposta gengival à placa bacteriana nestes indivíduos. Por este prisma, as doenças periodon-tais aparecem de forma similar às com-plicações clássicas do diabetes, onde o mau controle glicêmico está associado

de forma clara ao desenvolvimento de complicações.

5. OBESIDADE E DOENÇA PERIODONTAL

Devido a sua natureza inflamatória, pode-se esperar que a doença perio-dontal altere o controle glicêmico de forma análoga à obesidade, também de igual natureza. Décadas atrás, um estudo em ratos observou que a obe-sidade contribuía para a severidade da doença periodontal63(D). Recente-mente, uma relação entre doença pe-riodontal e obesidade tem sido sugeri-da. Em um estudo envolvendo adultos japoneses64(B), os autores verificaram que o aumento do índice de massa corporal (IMC) estava associado ao au-mento do risco para periodontite.

Outro grupo de pesquisa, analisan-do dados do terceiro levantamento na-cional de saúde e nutrição dos Estados Unidos, encontrou uma associação sig-nificativa entre medidas de gordura cor-poral e doença periodontal em adultos jovens65(A). Utilizando a mesma base de dados66(A), avaliou a relação entre diferentes mediadas de adiposidade e doença periodontal, encontrando cor-relação entre IMC, taxa cintura-quadril e diversos parâmetros periodontais, incluindo perda de inserção média, pro-fundidade média de bolsa, índice gen-gival e índice de cálculo66.

Evidências recentes a respeito de tecidos adiposos servirem como re-servatórios de citoquinas pró-inflama-tórias justificam a hipótese de que o aumento na gordura corporal ativaria a resposta inflamatória do hospedeiro, favorecendo, dentre outras, a doença periodontal33. Entretanto, por serem todos estes estudos transversais,

podendo estar limitados por fatores de confundimento residuais, estudos lon-gitudinais, com medidas mais precisas de adiposidade, proverão melhores in-formações a respeito da relação entre doença periodontal e obesidade.

6. TRATAMENTO PERIODONTAL E CONTROLE DO DIABETES MELLITUS

Pesquisas intervencionistas sugerem um potencial benefício metabólico ob-tido a partir do tratamento periodontal aditivo, envolvendo consultas de raspa-gem e alisamento radicular associadas à administração sistêmica de doxiciclina67-

69(D,A,). Um estudo recente envolvendo pacientes com DM2 bem controlados, com sinais de gengivite e periodontite insipiente, avaliou a raspagem radicular sem o uso adjunto de antibióticos. Um grupo-controle diabético, com níveis similares de doença periodontal, não recebeu tratamento. Após a terapia, o grupo-teste apresentou 50% de redu-ção na prevalência de sangramento gengival e uma redução na HbA1c de 7,3% para 6,5%. No grupo-controle, onde não houve tratamento periodon-tal, não foram encontradas mudanças no sangramento gengival e nenhuma melhora nos níveis de HbA1c pode ser observada70(A). Estes resultados suge-rem que modificações nos níveis de in-flamações gengivais após o tratamento periodontal podem impactar de positi-va sobre o controle glicêmico.

Muitos mecanismos podem expli-car o impacto da infecção periodontal sobre o controle glicêmico, como já discutido anteriormente. A inflamação sistêmica possui um importante papel sobre a sensibilidade insulínica e a dinâ-mica da glicose. Evidências sugerem que

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doenças periodontais podem induzir ou perpetuar um estado inflamatório crôni-co sistêmico, como evidente através das dosagens séricas elevadas de proteína C-reativa, IL-6 e fibrinogênio em muitos indivíduos com periodontites71,72(B,C).

Inflamação, de maneira geral, induz resistência insulínica e tal resistência freqüentemente é acompanhada por infecções sistêmicas. De forma similar, a infecção periodontal poderia aumentar o estado inflamatório sistêmico, exacer-bando a resistência insulínica. O TNF-a, produzido em abundância tanto em adipócitos como em sítios de periodon-tites, aumenta a resistência insulínica, prevenindo a autofosforilação do re-ceptor tirosina quinase (TK)63. A inter-leucina-6 (IL-6) é um importante esti-mulador da produção de TNF-a. Não por acaso, níveis elevados de IL-6 têm sido também observados tanto no soro de indivíduos obesos como em pacientes periodontais. Por esta razão, a existên-cia de uma relação entre infecções orais severas, incluindo periodontite crônica generalizada (PCG), e o aumento da re-sistência à insulina tem sido estudada.

Para alguns autores, o sucesso da terapia periodontal pode estar limita-do pela presença do diabetes mal con-trolado ou não diagnosticado. Assim, a existência de abscessos recorrentes, gengivites hiperplásicas idiopáticas, rá-pida destruição do osso alveolar e cicatri-zação alterada após cirurgias orais deve servir de alerta. Estudos conduzidos por Stewart avaliaram o efeito do tratamento periodontal em 36 pacientes portadores de DM2. Os resultados sugeriram que a terapia periodontal está associada a uma melhora no controle glicêmico do DM2.

A mesma relação foi observada por Taylor após revisão compreensiva da literatura mundial. Entretanto, as evidências que suportam a associação entre a periodontite severa e um au-mento do risco para um mau controle glicêmico vêm de apenas dois estudos prospectivos, sendo ainda necessárias pesquisas futuras bem conduzidas e rigorosas. Com relação à distribuição das doenças periodontais entre dia-béticos, 37 de 41 estudos transversais e sete longitudinais indicaram evidên-cias significativas de maior prevalência,

severidade, extensão e progressão nesta população.

7. CONCLUSÕES

O diabetes mellitus aumenta a sus-cetibilidade e a severidade da doença periodontal, por prejudicar a função imune celular, diminuir a síntese e reno-vação de colágeno e induzir à reabsor-ção óssea alveolar. A relação entre estas duas doenças parece ser ainda mais ínti-ma, uma vez que a infecção periodontal é capaz de ativar uma resposta inflama-tória sistêmica, como evidenciado pelos altos níveis séricos de proteína C-reativa e fibrinogênio nestes pacientes.

Este estado pode dificultar o controle da glicemia em diabéticos. Apesar da vas-ta gama de evidências oriunda de estudos de caso e coortes transversais, ensaios clí-nicos controlados e randomizados, assim como acompanhamentos longitudinais bem desenhados, ainda são necessários estudos para esclarecer o papel do tra-tamento periodontal frente ao controle glicêmico do diabetes mellitus.

TABELA 1 - Níveis de evidência das principais recomendações e conclusões

A periodontite severa afeta 8% a 10% da população mundial.

O paciente com diabetes tem um maior risco de apresentar doença periodontal.

O mal controle glicêmico é um fator de risco para o aumento da prevalência e severidade da inflamação gengival e destruição tecidual.

A doença periodontal confere maior risco para mortalidade cardiovascular e renal em pacientes pessoas com diabetes.

Os produtos finais da glicosilação e a resposta inflamatória crônica são importantes fatores na patogê-nese da doença periodontal do paciente com diabetes.

A terapia com raspagem radicular resulta em 50% de redução na prevalência de sangramento gengival e uma redução na HbA1c.

Recomendação ou conclusão Nível de evidência

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A

D

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Disglicemias na gestação:do diagnóstico ao tratamento

A observação de que muitos casos de disglicemias nas mulheres grávidas, ainda hoje, não são diagnosticados, acarretando complicações maternas e fetais, mostra que existe a necessidade de uniformização do rastreamento, diagnóstico e tratamento de todas as formas de disglicemia que ocorrem durante a gestação no Brasil. Esta medida tem como objetivo permitir a padronização do diagnóstico entre os clínicos, os endocrinologistas e os obstetras, permitindo assim penetração maior da informação nos serviços de atendimento dos centros de saúde, ambu-latórios públicos e privados do país. Por esta razão, a Sociedade Brasileira de Dia-betes (SBD) e a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) se uniram na apresentação desta proposta.

1. INTRODUÇÃO

A disglicemia é, hoje, o problema metabólico mais comum na gestação1. A pre-valência de disglicemia durante a gravidez pode ser de até 13%. A ocorrência de diabetes tipo 1 na população de gestantes é de 0,1% ao ano; a de diabetes tipo 2 é de 2% a 3% ao ano; e a de diabetes gestacional é de até 12%, dependendo do critério utilizado no diagnóstico e da população estudada2.

É importante a diferenciação entre os tipos de diabetes, uma vez que causam impactos diversos sobre o curso da gravidez e o desenvolvimento fetal. O diabetes mellitus pré-gestacional, seja do tipo 1 ou 2, é mais grave, pois seu efeito começa na fertilização e implantação, afetando de modo particular a organogênese, le-vando a risco aumentado de aborto precoce, defeitos congênitos graves e retardo no crescimento fetal, principalmente nos casos tratados de maneira inadequada3. Além das complicações no concepto, as manifestações maternas também são rele-vantes, em especial na presença de complicações, tais como retino e nefropatia4.

O diabetes gestacional (DG) aparece em geral na segunda metade da gra-videz e afeta principalmente o ritmo de crescimento fetal5. Os filhos de mães com DG têm maior risco de evoluírem com macrossomia e hipoglicemia ne-onatal. Como conseqüência, obesidade e desenvolvimento psicomotor mais lento são complicações que podem se desenvolver em longo prazo6. Caso o

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diabetes seja diagnosticado antes deste período da gravidez, é provável que se trate de um diabetes de qualquer tipo, já existente na fase pré-gestacional, mas não diagnosticado previamente.

2. RECOMENDAÇÕES PARA PACIENTES COM DIABETES PRÉ-GESTACIONAL

2.1 - ORIENTAÇÕES PRÉ-CONCEPCIONAIS PARA PACIENTES COM DIABETES PRÉ-GESTACIONAL

Da adolescência em diante, deve-se aconselhar as pacientes a evitarem a gra-videz não-planejada3(A). É preciso informar às pacientes e a suas famílias de que forma o diabetes pode complicar a gravidez e como a gravidez pode agravar o diabetes7, conforme tabela 1.

TABELA 1 - Orientações do período pré-gestacional

• O impacto do mau controle do diabetes sobre o curso da gravidez e sobre o risco materno e fetal;

• A importância da dieta, do controle do peso corporal e da prática regular de exercício físico (incluindo aconselhamento para perda de peso em pacientes com IMC > 25);

• O aumento do risco do nascimento de um bebê macrossômico, o que aumentaria as chances de tocotraumatismos, tanto para a mãe quanto para o feto;

• A importância do controle glicêmico materno antes, durante e após o parto, e tam-bém a importância da amamentação precoce do recém-nascido com o intuito de se reduzir o risco de hipoglicemia neonatal;

• A possibilidade da ocorrência de internação do recém-nascido em unidade de tera-pia intensiva, por hipoglicemia ou imaturidade pulmonar, entre outras situações;

• O risco aumentado que o recém-nascido tem de desenvolver obesidade e/ou dia-betes no futuro.

Temas a serem enfocados com pacientes diabéticas e seus familiares no período pré-gestacional:

Em pacientes diabéticas pré-gestacionais, deve-se também orientar sobre:

• O impacto do mau controle do diabetes sobre o curso da gravidez e sobre o risco materno e fetal;

• A necessidade de suplementação com ácido fólico até a 12a semana de gestação para reduzir os riscos de ocorrência de má-formação do tubo neural;

• Os riscos de hipoglicemia clínica ou mesmo assintomática durante a gravidez e os efeitos da náusea e do vômito no controle glicêmico durante a gravidez;

• A necessidade de se avaliar a presença de retinopatia e nefropatia antes, durante e após o término da gravidez.

É importante orientar cuidados pré-concepcionais e dar informações às pa-cientes que estejam planejando engra-vidar, antes que elas descontinuem o método contraceptivo. Orientar também que um bom controle glicêmico antes da concepção reduz, mas não elimina os ris-cos de aborto, má-formação congênita, natimortalidade e morte neonatal (B).

Oferecer ainda um programa de edu-cação continuada, que oriente quanto à dieta, contagem de carboidratos, auto-aplicação de insulina e automonitori-zação de glicemia capilar o mais pre-cocemente possível para mulheres que estejam planejando engravidar. Avaliar as pacientes quanto à presença de ne-fropatia, neuropatia, retinopatia, doença cardiovascular, hipertensão, dislipide-mia, depressão e disfunção tireoideana. Quando diagnosticadas, tratá-las8.

2.2 - CONTROLE GLICÊMICO ANTES E DURANTE A GRAVIDEZ

Deve-se aconselhar as pacientes com diabetes pré-existente, que este-jam planejando engravidar, a mante-rem os níveis de glico-hemoglobina A1C (HbA1c) o mais próximo possível dos valores normais, sem a ocorrência de hipoglicemias9. O nível recomenda-do de HbA1c é < 6%, pelo método pa-drão (HPLC), ou até 1% acima do valor máximo informado pelo laboratório9(B). Isso contribui para a prevenção de más-formações fetais, para as quais há maior risco nas primeiras semanas de gestação, quando o diabetes não esti-ver bem compensado.

É preciso esclarecer, ainda, que qual-quer redução dos níveis de HbA1c dimi-nui os riscos de más-formações. Mulhe-res com HbA1c acima de 10% devem ser desencorajadas a engravidar até

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alcançarem melhor controle glicêmico, devido ao elevado risco de ocorrência de más-formações fetais e abortamen-tos10. A gravidez deve ser programada para quando o diabetes estiver bem compensado, com HbA1c dentro das metas pré-estabelecidas.

A HbA1c deverá ser medida na pri-meira consulta pré-natal; depois, men-salmente, até que valores < 6% sejam alcançados, quando poderá ser avaliada a cada dois ou três meses. Deve-se mo-tivar as pacientes a realizarem glicemias capilares antes e após as refeições, ao deitarem-se e esporadicamente ente 2 e 4 horas da manhã (C). Tais testes devem ser feitos, de preferência, nos dedos das mãos, não utilizando locais alternativos.

O controle glicêmico durante a gestação é considerado ótimo quan-do os valores de glicemia pré-prandial, ao deitar-se e durante a madrugada se encontram entre 60 a 99 mg/dl, com o pico pós-prandial entre 100 a 129 mg/dl. Os valores de glicemia pós-pran-dial de uma hora após o início das re-feições são os que melhor refletem os valores dos picos pós-prandiais11(C).

2.3 - TERAPIA NUTRICIONAL

As gestantes com diagnóstico de diabetes devem receber orientações dietéticas individualizadas, neces-sárias para atingir as metas do trata-mento. A quantidade de calorias deve ser baseada no IMC, freqüência e in-tensidade de exercícios físicos, padrão de crescimento fetal e ganho de peso adequado12. A distribuição recomen-dada do conteúdo calórico é:

• 40% a 55% de carboidratos;• 15% a 20% de proteínas (no míni-

mo 1,1 mg/kg/dia);• 30% a 40% de gorduras.

A dieta também deve ser planejada e distribuída ao longo do dia, objetivan-do-se evitar episódios de hiperglicemia, hipoglicemia ou cetose. Deve-se ter atenção especial na adequação das do-ses de insulina e dos horários de sua ad-ministração ao conteúdo dos nutrientes fornecidos em cada refeição nas mulhe-res que fazem uso de insulina. Em geral, é necessário fracionar a ingestão alimentar em três refeições grandes e três peque-nas (C). A ceia tem grande importância, em especial nas mulheres que fazem uso de insulina à noite, e deve conter 25 gra-mas de carboidratos complexos, além de proteínas ou lipídios, para evitar hipogli-cemia durante a madrugada.

Mulheres que fazem uso de in-sulina podem ser orientadas a faze-rem o ajuste da dose pré-prandial de insulina de ação rápida através do cálculo do conteúdo de carboidrato de cada refeição. Os adoçantes artifi-ciais (aspartame, sacarina e acessul-fame-K) podem ser utilizados com moderação14(C).

2.4 - SUPLEMENTAÇÃO DE VITAMINAS E MINERAIS

O uso de ácido fólico desde o pe-ríodo pré-concepcional até o fecha-mento do tubo neural é recomendado para todas as mulheres, inclusive para aquelas que têm diabetes13(A). A su-plementação com outras vitaminas e sais minerais pode ser realizada quan-do detectada a presença de deficiên-cias nutricionais12(C).

2.5 - EXERCÍCIOS FÍSICOS

A prática regular de exercícios físi-cos causa sensação de bem-estar, di-minuição do ganho de peso, redução

da adiposidade fetal, melhora do con-trole glicêmico e diminuição de pro-blemas durante o trabalho de parto15. A atividade física melhora a sensibili-dade periférica à insulina, facilitando a utilização periférica da glicose. Este efeito pode evitar ou retardar a neces-sidade de uso de insulina nas mulhe-res com diabetes gestacional (DG).

Mulheres previamente sedentárias não devem ser encorajadas a iniciarem exercícios físicos intensos durante a gestação. Entretanto, a prescrição de atividade física leve, sob supervisão, pode estar indicada. Os exercícios de-vem ser realizados em ambientes apro-priados, para evitar calor excessivo e risco de desidratação. Mulheres que já praticavam previamente alguma atividade podem continuar com seus exercícios durante a gestação, caso não existam contra-indicações. Está contra-indicada a prática de exercício físico durante a gestação em caso de:

• Doença hipertensiva induzida pela gestação;

• Ruptura prematura de membra-nas;

• Trabalho de parto prematuro;• Sangramento uterino persistente

após o segundo trimestre;• Crescimento intra-uterino retar-

dado;• Síndrome nefrótica;• Retinopatia pré e proliferativa;• Hipoglicemia sem aviso;• Neuropatia periférica avançada e

disautonomia.Pacientes que não tenham contra-

indicações de realizar exercícios devem fazê-lo diariamente por pelo menos 30 minutos, que podem ser divididos em três sessões de dez minutos cada, reali-zadas de preferência após as refeições. Deve-se monitorizar a glicemia capilar antes e após os exercícios e manter-se

Disglicemias na gestaçãoDiretrizes SBD

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boa hidratação. É preciso orientar a prática de exercícios que não tenham alto risco de quedas ou traumas abdo-minais e que não levem ao aumento da pressão arterial, contrações uterinas ou sofrimento fetal16(B).

2.6 - TRATAMENTO MEDICAMENTOSO (INSULINOTERAPIA E SEGURANÇA DOS MEDICAMENTOS USADOS NO CONTROLE DO DIABETES E SUAS COMPLICAÇÕES, ANTES E DURANTE A GRAVIDEZ)

Mundialmente, prevalece a reco-mendação da descontinuação do uso de antidiabéticos orais e sua substitui-ção por insulina, de preferência antes da gravidez ou logo após seu diagnós-tico, devido à segurança comprovada e melhor eficácia para o controle da glicemia. Estudos recentes mostra-ram segurança do uso de metformina durante a gestação17-19(B) e de gliben-clamida em pacientes portadoras de DG a partir do segundo trimestre20(B). A metformina atravessa a placenta e, apesar de até o momento não existi-rem relatos de efeitos adversos, é ne-cessária cautela na indicação rotineira desta medicação.

Para obter-se um controle glicêmi-co adequado, em geral deve-se utilizar esquemas intensivos de insulinização, com múltiplas doses subcutâneas de insulina de ação intermediária, rápi-da ou ultra-rápida. Em mulheres que usavam insulina antes da gestação, com freqüência é necessário reduzir a sua dose em 10% a 20% durante o primeiro trimestre. Entre a 18a e a 24a semana de gestação, em média, esta dose deve ser aumentada. No terceiro trimestre, o aumento da produção de hormônios placentários com ação an-tagônica à da insulina resulta em uma

necessidade ainda maior de aumento da dose de insulina, chegando a atin-gir o dobro da dose pré-gravídica, em torno da 36a semana. Após o parto, a necessidade de insulina cai abrupta-mente. Muitas vezes, não sendo ne-cessário o uso da mesma nas primei-ras 24 horas e, nos dias subseqüentes, a dose deve ser ajustada para 1/3 da dose pré-gravídica.

Os análogos de insulina de ação ul-tra-rápida, tais como a insulina aspart e lispro, são seguros durante a gestação e levam a uma melhora dos níveis de glicemia pós-prandial e à diminuição da ocorrência de hipoglicemias21(B). A insulina humana NPH é a primei-ra escolha entre as insulinas de ação intermediária21(A). Não existem ainda estudos consistentes com o uso dos análogos de insulina detemir e glargi-na. A bomba de infusão contínua de insulina pode ser utilizada, quando disponível. Os locais ideais para in-jeções de insulina são o abdômen e coxa21(C).

Suspender o uso de inibidores da enzima de conversão da angiotensi-na (IECA) e bloqueadores do receptor da angiotensina (BRA), devido a sua associação com embriopatias e feto-patias, antes da gravidez ou tão logo a mesma seja confirmada, e substi-tuí-los por agentes anti-hipertensi-vos seguros durante a gestação22(A). Os anti-hipertensivos que podem ser utilizados são a metildopa, os bloque-adores de canais de cálcio não diidro-piridínicos de duração prolongada e os betabloqueadores com atividade beta agonista parcial, como carvedi-lol, labetalol e pindolol. O uso de ate-nolol tem sido associado à restrição de crescimento fetal e, portanto, deve ser evitado23(C). Deve-se suspender também o uso de estatinas antes da

gravidez ou tão logo a mesma seja confirmada, devido a seus potenciais efeitos teratogênicos24,25(A).

Como não está claro se o uso dos fibratos na gestação é seguro, sua indicação deve ocorrer apenas nos casos mais severos de hipertrigliceri-demia, quando há risco de evolução para pancreatite aguda e que não res-pondam à dietoterapia (D).

2.7 - EMERGÊNCIAS E COMPLICA-ÇÕES DO DIABETES DURANTE A GESTAÇÃO

Deve-se alertar as pacientes em in-sulinoterapia sobre os riscos de hipo-glicemia, em especial durante a noite e madrugada, e estabelecer medidas de prevenção. É preciso também orien-tar seus parceiros e familiares sobre tais riscos e como prestar os primeiros socorros21(B). Deve-se descartar a pre-sença de cetoacidose diabética caso a paciente com diabetes tipo 1 apresen-te intercorrências infecciosas, desidra-tação e aumento da glicemia10(D).

O controle da função renal e tera-pêutica das complicações retinianas deve ser feito antes, durante e após a gravidez nas pacientes com diabetes pré-existente, porque algumas com-plicações, como retinopatia, nefropa-tia clínica e insuficiência renal, podem se agravar com a gestação. O risco de piora da retinopatia proliferativa é ex-tremamente elevado naquelas mulhe-res que não fizeram tratamento prévio com laser. A cardiopatia isquêmica, quando não tratada, está associada a altos índices de mortalidade. A pre-sença de nefropatia diabética aumen-ta de maneira significativa os riscos de complicações perinatais, tais como pré-eclampsia, restrição do crescimen-to intra-uterino e prematuridade4(B).

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3. RECOMENDAÇÕES PARA PACIENTES COM DIABETES GESTACIONAL (DG)

O DG é definido como a intolerân-cia à glicose de qualquer grau, diag-nosticada pela primeira vez durante a gestação, e que pode ou não persistir após o parto26. A importância do diag-nóstico do diabetes durante a gesta-ção foi sugerida por relatos de maior freqüência de abortamentos, macros-somia e mortalidade perinatal em fi-lhos de mulheres que desenvolveram diabetes mellitus, em comparação às do grupo-controle. Na maior parte das vezes, representa o aparecimento do diabetes mellitus tipo 2 (DM2) du-rante a gravidez e apresenta fatores de risco, tais como:

• Idade superior a 25 anos;• Obesidade ou ganho excessivo

de peso na gravidez atual;• Deposição central excessiva de

gordura corporal;• História familiar de diabetes em

parentes de primeiro grau;• Baixa estatura (< 1,5 m)27;• Pernas curtas28;• Gestantes que nasceram com baixo

peso28;• Crescimento fetal excessivo (ma-

crossomia ou fetos GIG), polidrâmnio, hipertensão ou pré-eclampsia na gra-videz atual;

• Antecedentes obstétricos de abor-tos de repetição, de más-formações congênitas fetais, de morte fetal ou ne-onatal, de macrossomia ou de diabetes gestacional.

Existe grande controvérsia sobre a indicação do rastreamento do DG na literatura. A maior parte das reco-mendações advém de consensos de especialistas7(D). Até que recomenda-ções baseadas em evidências possam

substituir as condutas atuais, tem-se recomendado que o rastreamento do DG seja universal, ou seja, todas as gestantes devem ser investigadas. A época que deverá ser realizado o rastreamento variará conforme o risco desta mulher evo-luir com DG.

A SBD, juntamente com a Febrasgo, sugere o emprego da glicemia de jejum a partir da 20a semana de gestação para rastreamento do DG. O ponto de cor-te para classificação de rastreamento positivo, independente do momento da gravidez, é o da glicemia de 85 mg/dl. Um resultado inferior a 85 mg/dl é consi-derado rastreamento negativo. Na presença dos fatores de risco listados acima, sugere-se repetir o teste de rastreamento no terceiro trimestre29 (figura 1).

A Associação Americana de Diabetes indica que o rastreamento deve ser feito através da medida da glicose plasmática uma hora após sobrecarga com 50 gra-mas de glicose. Pode-se empregar o ponto de corte de 140 mg/dl (80% de sensi-bilidade) ou 130 mg/dl (90% de sensibilidade) para se considerar o rastreamento positivo, dependendo do objetivo quanto à sensibilidade e à especificidade que se deseja alcançar.

Gestantes com glicemia de jejum alterada na primeira consulta pré-natal e/ou fatores de risco para DG (rastreamento positivo) realizam o procedimento diagnóstico preconizado, ou seja, teste oral de tolerância à glicose, com sobre-carga de 75 gramas de glicose anidra, com duração de duas horas. Com elas, de-vem ser usados os critérios diagnósticos de diabetes gestacional da Organização Mundial da Saúde (OMS), ou seja, uma glicemia duas horas após a sobrecarga ≥ 140 mg/dl30. Caso o resultado do teste seja normal, deve-se repeti-lo entre a 24a e a 28a semana de gestação26(A) (figura 2).

Glicemia de jejum(primeira consulta)

< 85 mg/dl ≥ 85 mg/dl e/ou FR

FIGURA 1 - Procedimento para o rastreamento do diabetes gestacional

Rastreamento positivoGlicemia de jejum após a 20a semana

< 85 mg/dl ≥ 85 mg/dl e/ou FR

Rastreamento negativo

Rastreamento positivo

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O procedimento diagnóstico preconizado pela OMS é o teste oral com sobre-carga de 75 gramas de glicose anidra. Nestes casos, somente os valores relativos aos tempos zero e duas horas são considerados para avaliação. O teste com 75 gramas é considerado positivo para diagnóstico de diabetes gestacional se a gli-cemia de jejum for ≥ 126 mg/dl e/ou a glicemia de duas horas for ≥ 140mg/dl.

Entretanto, o último consenso da Sociedade Brasileira de Diabetes defende a adoção, para o diagnóstico do diabetes gestacional, dos pontos de corte de 110 mg/dl para a glicemia de jejum e de 140 mg/dl para o valor de duas horas após sobrecarga. Atualmente, a ADA também aceita o teste com 75 gramas como cri-tério diagnóstico, utilizando-se, entretanto, os mesmos valores de corte suge-ridos por Carpenter e Coustan nos tempos zero, uma e duas horas (tabela 2). É importante que os testes sejam realizados após três dias de dieta sem restrições (≥ 150 gramas de carboidratos), que a paciente não fume e permaneça sentada ou deitada durante os testes.

TABELA 2 - Diagnóstico de diabetes gestacional através de teste oral de tolerância à glicose com 75 g de glicose anidra VO

Jejum

Uma hora

Duas horas

SBD

110 mg/dl

-

140 mg/dl

OMS

126 mg/dl

-

140mg/dl

ADA

95 mg/dl

180 mg/dl

155 mg/dl

A glicemia de jejum de 100 mg/dl, valor considerado superior em adultos normais, não está validada para aplicação na gestação. Não se deve fazer o diagnóstico com exame de glicemia feito ao acaso, com teste de sobrecarga com 50 gramas de glicose e glicosúria7(B).

Deve-se esclarecer às pacientes com DG sobre os riscos de sua patolo-gia e que um bom controle glicêmico durante toda a gestação reduzirá os ris-cos de macrossomia fetal, tocotrauma-tismos (para as mães e para os recém-nascidos), parto induzido ou cesariana, hipoglicemia neonatal e mortalidade perinatal. Também deve-se instruí-las sobre a freqüência e as técnicas cor-retas da automonitorização de sua glicemia capilar. Os alvos glicêmicos a serem atingidos são os mesmos para as diabéticas pré-gestacionais e as gestacionais.

Evidência recente sugere que a inter-venção em gestantes com DG pode di-minuir a ocorrência de eventos adversos da gravidez31(B), inclusive em pacientes portadoras de disglicemias menos se-veras que as diagnósticas de DG32(A). O tratamento inicial do DG consiste em orientação alimentar que permita ga-nho de peso adequado e normalização da glicemia. O cálculo do valor calórico total da dieta pode ser feito de acordo com as tabelas idealizadas para tal fim e visa a permitir ganho de peso em torno de 300 a 400 gramas por semana a par-tir do segundo trimestre da gravidez12. A prática de atividade física deve fazer parte do tratamento do diabetes ges-tacional, respeitando-se as possíveis contra-indicações obstétricas15(B).

Após duas semanas de dieta, se os níveis glicêmicos permanecerem elevados (jejum ≥ 95 mg/dl e uma hora pós-prandial ≥ 130 mg/dl), re-comenda-se iniciar o tratamento com insulina33(B). O controle glicêmico deve ser feito com uma glicemia de jejum e duas pós-prandiais semanais, feitas em laboratório quando não existe a possibilidade de automonito-rização domiciliar. Quando esta se en-contra disponível, deve ser realizada

Rastreamento positivo

≥ 110 mg/dl

≥ 110 mg/dl

Repetir glicemia de jejum prontamente

Diabetes gestacional

Diabetes gestacional

Jejum ≥ 110 mg/dl 2 horas ≥ 140 mg/dl

Jejum < 110 mg/dl 2 horas < 140 mg/dl

Teste negativo

85-109 mg/dl

FIGURA 2 - Procedimento para o diagnóstico do diabetes gestacional

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antes e uma hora após as principais refeições, em especial nas gestantes que usam insulina. O critério de crescimento fetal, através da medida da circunferência abdominal fetal maior ou igual ao percentil 75 na ecografia entre a 29a e a 33a semana, também pode ser utilizado para indicar terapia com insulina34(B).

4. CUIDADOS NA ASSISTÊNCIA PRÉ-NATAL

Deve-se oferecer às pacientes diabéticas grávidas (pré-gestacionais e gesta-cionais) um programa de educação em diabetes fornecido por equipe multipro-fissional. As consultas devem ser direcionadas para o cuidado do diabetes, além de toda a rotina pré-natal básica.

A avaliação do controle glicêmico deve ser feita a cada uma ou duas semanas pelo médico assistente ou por um membro da equipe multiprofissional. Realizar entre a 18a a 20a semana de gravidez uma ecocardiografia fetal para a avaliação das quatro câmaras cardíacas, objetivando a visualização de disfunção anatômica ou funcional do coração fetal22(A). Os objetivos da avaliação fetal são verificar a vitalidade no primeiro trimestre, a integridade estrutural no segundo trimestre e monitorar o crescimento e o bem-estar fetal no terceiro trimestre (tabela 3).

TABELA 3 - Avaliação fetal na gestação complicada pelo diabetes

Primeiro trimestre

Segundo trimestre

US para avaliar IG / TN e rastrear más-formações fetais.

• US morfológico para rastreamento de más-formações: 20a a 24a semana

• Doppler das artérias uterinas: 20a semana

• Ecocardiograma fetal: 26a semana (nas diabéticas prévias)

• US a cada duas semanas a partir da 24a semana para avaliar crescimento fetal e polidramnia

• US a cada duas semanas até a 34a semana; a seguir, sema-nal, com cálculo de peso

• CTG basal semanal a partir da 30a semana

• Doppler, se houver HAS, toxemia ou vasculopatia

• Contagem de MF diários três vezes dia em decúbito lateral esquerdo a partir da 28a semana

Terceiro trimestre

IG: idade gestacional; TN: transluscência nucal; HAS: hipertensão arterial sistêmica; MF: movimentos fetais

Nas gestantes com controle glicêmico ruim e nas hipertensas, os testes que avaliam o bem-estar fetal podem ser antecipados e realizados com intervalo menor, já que o risco de morte fetal é proporcional ao grau de hiperglicemia materna.

5. TRABALHO DE PARTO PRÉ-TERMO EM MULHERES COM DIABETES

O uso de corticoesteróides para maturação pulmonar fetal não é contra-indicado, mas dever ser administrado de forma concomitante com monitorização intensiva da

glicemia e ajustes da dose da insulina8(D). O uso de tocolíticos para a inibição do trabalho de parto prematuro também não é contra-indicado8(D).

6. MOMENTO E TIPO DE PARTO

O diabetes não é uma indicação absoluta de cesariana. Nas gestan-tes bem controladas, a indicação da via de parto é obstétrica. Permite-se o uso de anestesia de bloqueio para alívio das dores do trabalho de par-to, principalmente na presença de comorbidades, tais como obesidade e neuropatia autonômica. Deve-se controlar os níveis de glicemia capilar a cada hora durante todo o trabalho de parto e em todo o período pós-anestésico. O parto eletivo pode ser realizado após 38 semanas comple-tas de gestação, através de indução do trabalho de parto ou cesariana, se houver indicação8( D).

7. CONTROLE GLICÊMICO DURANTE O PARTO

Deve-se controlar a glicemia capi-lar de hora em hora durante o parto para manter os níveis entre 70 e 120 mg/dl. Caso a concentração não seja mantida nestes níveis, é preciso fazer uso intravenoso de glicose e/ou in-sulina em forma de infusão contínua endovenosa7(D). Em pacientes com diabetes tipo 1, considerar a possi-bilidade do uso de glicose ou insu-lina desde o início do trabalho de parto7(D). Usuárias de bomba de in-fusão contínua de insulina devem ter ajustada a programação da infusão do medicamento, dependendo do tipo de parto realizado.

Disglicemias na gestaçãoDiretrizes SBD

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8. CUIDADOS INICIAIS A SEREM TOMADOS COM O RECÉM-NASCIDO

Deve-se aconselhar as pacientes a dar à luz em hospitais onde existam unidades de cuidados intensivos com atendimento por 24 horas. É preciso manter o recém-nascido com a mãe, a não ser que surja uma complicação clí-nica que necessite internação em uni-dade de terapia intensiva7(A).

O recém-nascido deve ser amamen-tado o mais rápido possível após o parto (dentro de 30 minutos) e depois a cada duas ou três horas até que a amamen-tação mantenha as concentrações de glicose sangüíneas entre as mamadas em pelo menos 40 mg/dl. Deve-se me-dir a concentração de glicose sangüínea a cada duas a quatro horas após o nas-cimento. Somente em caso de concen-trações de glicose sangüínea menores de 40 mg/dl em duas medidas conse-cutivas ou na presença de sinais clínicos sugestivos de hipoglicemia ou, ainda, se o recém-nascido não conseguir se alimentar de forma eficaz por via oral, medidas adicionais, tais como alimen-tação por sonda ou injeção de glicose intravenosa, devem ser adotadas.

Deve-se também testar os níveis de glicose sangüínea em recém-nas-cido que apresente sinais clínicos de hipoglicemia (como hipotonia mus-cular, nível de consciência rebaixado e apnéia) e iniciar tratamento com gli-cose intravenosa o mais precocemen-te possível7(A). É preciso fazer eco-cardiograma no recém-nascido com sinais sugestivos de doença cardíaca congênita ou cardiomiopatia.

Exames confirmatórios devem ser realizados nos casos de presença de si-nais clínicos sugestivos de policitemia, hiperbilirrubinemia, hipocalcemia ou

hipomagnesemia. É importante ter critérios bem definidos para admis-são em uma unidade de terapia in-tensiva neonatal, como hipoglicemia, presença de sinais clínicos anormais que sugiram imaturidade pulmonar, descompensação cardíaca ou encefa-lopatia neonatal.

9. CUIDADOS PÓS-NATAIS COM O DIABETES

9.1 - DIABETES PRÉ-GESTACIONAL

Deve-se reduzir a dose de insulina imediatamente após o parto em mu-lheres que faziam seu uso no período pré-gestacional. Também é preciso monitorar os níveis de glicemia de ma-neira rigorosa, para estabelecer a dose apropriada, e informar às pacientes do risco aumentado de hipoglicemia no período pós-natal, especialmente se elas estiverem amamentando (sendo, então, aconselhável fazer uma refei-ção ou lanche antes ou durante as mamadas)12(D).

O retorno ou continuação do uso de agentes antidiabéticos orais, como metformina e glibenclamida, imediatamente após o parto em pa-cientes com diabetes tipo 2 pré-exis-tente, que estiverem amamentando, embora controverso, pode ser consi-derado. Apenas 0,4% da dose de me-tformina ingerida pela mãe é detec-tada no leite materno e a presença da medicação no leite independe do horário da tomada. Estudos com pe-quena casuística (no máximo, nove crianças) não detectaram a droga nos lactentes35. A glibenclamida e a glipizida não foram detectadas no leite materno e não foi verificada

hipoglicemia nos bebês, embora seja muito reduzido o número de ca-sos estudados36.

Deve-se continuar evitando quais-quer drogas para o tratamento das complicações do diabetes que foram descontinuadas por razões de seguran-ça no período pré-concepcional, como os inibidores da enzima de conversão da angiotensina, bloqueadores do re-ceptor da angiotensina e estatinas. É preciso encaminhar as pacientes por-tadoras de diabetes pré-gestacional para seus locais originais de tratamen-to e lembrá-las da importância da con-tracepção e dos cuidados pré-concep-cionais que devem ter, caso estejam planejando engravidar no futuro.

9.2 - DIABETES GESTACIONAL

Deve-se descontinuar a terapia com insulina imediatamente após o parto, testar os níveis de glicemia para excluir a presença de hiperglice-mia persistente antes da alta hospita-lar e aconselhar a paciente a procurar tratamento médico caso sintomas de hiperglicemia apareçam. É preciso também orientar a fazer mudanças no estilo de vida, como redução do peso, dieta balanceada e prática re-gular de exercícios físicos. Realizar pelo menos uma dosagem de glice-mia de jejum seis semanas pós-par-to e, depois, anualmente (B). Por fim, informar sobre o risco de diabetes gestacional em gravidezes futuras, realizar o rastreamento para diabetes ainda no período pré-concepcional quando planejar outras gestações e solicitar a realização de automonito-rização da glicemia capilar e um teste oral de tolerância à glicose precoce-mente em gestações futuras.

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TABELA 4 - Níveis de evidência das principais recomendações e conclusões

Pacientes diabéticas devem engravidar em condições metabólicas ideais (HbA1c < 6% ou até 1% acima do valor máximo informado pelo laboratório).

Motivar as pacientes a realizarem glicemias capilares antes e após as refeições, ao deitarem-se e espora-dicamente ente 2 e 4 horas da manhã.

A quantidade de calorias deve ser baseada no IMC. A distribuição recomendada do conteúdo calórico é de 40% a 55% de carboidratos, 15% a 20% de proteínas (no mínimo, 1,1 mg/kg/dia) e 30% a 40% de gorduras.

O uso de ácido fólico desde o período pré-concepcional até o fechamento do tubo neural é recomenda-do para todas as mulheres, inclusive para aquelas que têm diabetes.

A prática regular de exercícios físicos causa sensação de bem-estar, diminuição do ganho de peso, re-dução da adiposidade fetal, melhora do controle glicêmico e diminuição de problemas durante o traba-lho de parto. Tal prática está contra-indicada em caso de doença hipertensiva induzida pela gestação, ruptura prematura de membranas, trabalho de parto prematuro, sangramento uterino persistente após o segundo trimestre, crescimento intra-uterino retardado, síndrome nefrótica, retinopatia pré e prolife-rativa, hipoglicemia sem aviso, neuropatia periférica avançada e disautonomia.

Mundialmente, prevalece a recomendação da descontinuação do uso de antidiabéticos orais e sua subs-tituição por insulina, de preferência antes da gravidez ou logo após seu diagnóstico. Estudos recentes mostraram segurança do uso de metformina durante a gestação e do uso de glibenclamida em pacien-tes portadoras de DG a partir do segundo trimestre.

Os análogos de insulina de ação ultra-rápida, como a insulina aspart e lispro, são seguros durante a gestação e levam a uma melhora dos níveis de glicemia pós-prandial e diminuição da ocorrência de hipoglicemias. A insulina humana NPH é a primeira escolha entre as insulinas de ação intermediária. Não existem ainda estudos consistentes com o uso dos análogos de insulina detemir e glargina.

Suspender o uso de inibidores da enzima de conversão da angiotensina (IECA), de bloqueadores do receptor da angiotensina (BRA) e de estatinas, devido a sua associação com embriopatias e fetopatias, antes da gravidez ou tão logo a mesma seja confirmada.

A título de simplificação do diagnóstico de diabetes gestacional, deve-se realizar uma glicemia de jejum na primeira consulta pré-natal. Caso esta seja ≥ 85 mg/dl e a paciente apresentar fatores de risco para o DG, deve-se realizar o GTT oral com 75 gramas de glicose anidra. Caso o teste seja normal, deverá ser repetido entre a 24a a 28a semana de gestação.

Não se deve fazer o diagnóstico com exame de glicemia feita ao acaso, com teste de sobrecarga com 50 gramas de glicose e glicosúria. Deve-se realizar entre a 18a e a 20a semana de gravidez uma ecocar-diografia fetal para a avaliação das quatro câmaras cardíacas, objetivando a visualização de disfunção anatômica ou funcional do coração fetal.

Realizar pelo menos uma dosagem de glicemia de jejum seis semanas pós-parto e, depois, anualmente.

Recomendação ou conclusão Nível de evidência

B

C

B

A

A

B

A

A

A

B

B

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Diretrizes SBD 2008

72

Cirurgia para diabetes

1. INTRODUÇÃO

Diabetes tipo 2 tem assumido proporções epidêmicas em vários países do mundo, incluindo o Brasil, sendo o aumento da prevalência do sobrepeso e da obesidade uma das principais explicações para este fenômeno. A redução do peso através de mudanças comportamentais (hábitos alimentares, atividade física, su-porte psicológico etc.) associadas, às vezes, ao uso de anorexígeno tem sido preco-nizada pela maioria dos autores como ponto central para o controle glicêmico.

Apesar dos avanços obtidos na compreensão dos mecanismos envolvidos na fisiopatogenia da obesidade e sua relação com o diabetes, acrescido ao surgimen-to de novos agentes terapêuticos para redução de peso, os resultados em médio e longo prazo continuam desapontadores. Segundo diversos consensos de trata-mento, incluindo a posição oficial da Associação Brasileira para o Estudo da Obesi-dade e da Síndrome Metabólica (Abeso), nos pacientes com obesidade grau III ou mórbida (IMC ≥ 40 kg/m2) ou grau II (IMC entre 35 e 39,9 kg/m2) com comorbida-des graves, nos quais tenha havido falha dos tratamentos clínicos, a cirurgia antio-besidade ou bariátrica é uma opção terapêutica, com sua eficácia documentada em inúmeros estudos controlados. Apesar da importância da redução do peso re-sultante do tratamento cirúrgico, este não parece ser o único e talvez nem o mais importante fator no controle e, algumas vezes, no desaparecimento do diabetes.

Com a incidência do diabetes tipo 2 aumentando em todo o mundo1(A) e devi-do a sua elevada morbidade, novas formas de tratamento vêm sendo pesquisadas. O estudo Steno 22(A) mostrou a interessante redução de mortalidade com trata-mento intensivo, diminuindo para uma morte para cada cinco pacientes tratados. Porém, dados do NHANES3(A) mostram que o controle glicêmico adequado acon-tece em somente 35,8% dos pacientes diabéticos, representando o que se vê na prática clínica diária. Essa percepção de que o diabetes é uma doença crônica, pro-gressiva e de difícil controle nos leva a tentativas freqüentes de novas abordagens, que evidentemente necessitam passar por um crivo científico adequado.

Nos últimos anos, temos visto o aumento crescente de trabalhos que avaliam o efeito das cirurgias bariátricas no controle do diabetes, assim como de novos procedimentos cirúrgicos que objetivam uma abordagem mais fisiopatológica da doença. Sendo uma doença tratada há milênios de forma clínica, uma série

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de controvérsias éticas surge na análise e aceitação dos procedimentos cirúrgicos para tratamento e eventual remissão do diabetes.

Procedimentos cirúrgicos em diabéticos obesos têm conseguido levar a re-missão da doença em longo prazo4(A). A cirurgia bariátrica, em especial a gastro-plastia com derivação gástrica em Y de Roux5(A) e as cirurgias disabsortivas6(A), é efetiva em controlar o DM2 em cerca de 80% a 100% dos pacientes diabéticos obesos. Um estudo de meta-análise7(A) mostrou remissão de 80% dos casos de DM2, em 22.094 pacientes avaliados (tabela 1).

TABELA 1 - Estudo de meta-análise mostra remissão de 80% dos casos de DM2

Banda gástrica

Bypass com roux em Y

Derivação bilio-pancreática

Excesso de peso perdido

47,5%

61,6%

70%

Resolução do diabetes

47,9%

83,7%

98,9%

FIGURA 1 - Tipos de cirurgia – gastro-plastia tubular sleeve

FIGURA 2 - Tipos de cirurgia – bypass duodeno-jejunal

FIGURA 3 - Tipos de cirugia – bypass gástrico com Y em Roux

FIGURA 4 - Tipos de cirurgia – derivação bilio-pancreática Scopinaro

FIGURA 5 - Tipos de cirurgia – derivação bilio-pancreática com duodenal switch

FIGURA 6 - Tipos de cirurgia – interposição ileal – freio neuroendócrino

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2. FISIOPATOGENIA

Os mecanismos fisiopatológicos pelos quais a cirurgia bariátrica atinge estes resultados ainda não estão bem entendidos. Acredita-se que as possí-veis explicações sejam a restrição caló-rica, a perda de peso e alterações hor-monais no eixo entero-insulínico8-10(A).

Como há normalização das glice-mias em obesos diabéticos antes que ocorra perda de peso6,22(A), em poucos dias ou semanas após a cirurgia bariátri-ca, advoga-se que outros mecanismos, independentes do fator peso, estejam envolvidos no controle metabólico. O conhecimento da participação de hor-mônios gastrointestinais na secreção de insulina e glucagon pelas células das ilhotas pancreáticas fez com que inúmeros cientistas passassem a es-tudar as alterações destes hormônios (incretinas) em pacientes diabéticos e não-diabéticos submetidos a estes procedimentos cirúrgicos.

Dois mecanismos têm sido pro-postos para explicar estas alterações: a exposição precoce dos alimentos ao intestino proximal e a exclusão duodenal11,23(B). O primeiro mecanismo também é conhecido como hipótese distal (hindgut), onde a incretina GLP-1 (glucagon-like-peptide-1), secretada pe-las células L localizadas principalmente no intestino e cólon, em contato preco-ce com os alimentos, teria sua secreção aumentada e, por conseqüência, esti-mularia a produção de insulina pelas células beta pancreáticas.

Um dos procedimentos cirúrgicos propostos para produzir este fenôme-no é a interposição ileal, que envolve a transposição de um segmento do íleo distal para o jejuno, promovendo uma exposição precoce dos alimentos às cé-lulas L produtoras de GLP-1 e aumen-tando a sua produção e secreção. Estudos

experimentais em camundongos sub-metidos a esta técnica mostraram que os animais apresentaram aumento de GLP-1 e peptídeo YY16,24,25(C). De Paula et al. demonstraram resultados em hu-manos que substanciam essa última hipótese18-21(C).

Rubino et al.26,27(C) advogam uma segunda hipótese (distal ou foregut), na qual haveria um fator aberrante hi-perglicemiante produzido no intestino proximal (fator antiincretina ou fator de Rubino), cuja produção e secreção au-mentada estaria presente no paciente com diabetes. Estudos experimentais em camundongos GK demonstraram desaparecimento do diabetes pela exclusão cirúrgica (exclusão duodenal ou switch duodenal) da passagem do alimento pelo intestino proximal pela redução deste fator antiinsulinêmico hiperglicemiante.

Gumbs et al.11(C) sugeriram que a melhora do metabolismo glicêmico e da resistência insulínica, que se seguem após cirurgias bariátricas, sejam devido à diminuição do estímulo entero-insulíni-co, através da restrição calórica no segui-mento em curto prazo, perda de peso e alteração na secreção de cininas através do tecido adiposo em longo prazo.

Pories8(B) propôs que a estimula-ção excessiva de incretinas intestinais em indivíduos vulneráveis possa cau-sar o DM2 e que a cura através da ci-rurgia esteve relacionada à perda deste estímulo. Rubino et al.12(C) advogaram a presença de um fator intestinal deri-vado do excesso de estímulo no tubo digestivo superior como causa da defi-ciência do efeito incretínico.

Wickremesekera et al.13(C) demons-traram que a melhora ou a resolução do DM2 por cirurgias do tipo derivação gástrico, em curto prazo, como seis dias, bem antes de efetiva perda de peso, seja consistente com um efeito

hormonal. Naslund et al.14(C) reporta-ram altos níveis de GLP-1 em pacien-tes submetidos ao bypass jejuno-ileal após 20 anos, sugerindo que o DM2 possa ser controlado de maneira ade-quada pelo GLP-1 em longo prazo. Mason15(C), por fim, sugeriu que a in-terposição ileal poderia ser a cirurgia ideal para o tratamento do DM2.

Patriti et al.16(C) realizaram interpo-sição ileal em ratos diabéticos magros da raça Goto-Kakizaki e concluíram que o procedimento foi efetivo na indução da melhora na tolerância à glicose, sem afetar o peso e a dieta. Strader et al.17(C), trabalhando com ratos, também realiza-ram uma interposição ileal e demonstra-ram um aumento da secreção de GLP-1 e PYY, além de melhora na tolerância à glicose e sensibilidade insulínica, inde-pendente de perda de peso.

De Paula et al.18-20(C) realizaram a in-terposição ileal em pacientes com dia-betes tipo 2 e IMC menor que 30 kg/m2, obtendo um controle glicêmico com A1c < 7 em 84% a 90% dos pacientes, a depender da técnica utilizada. Hou-ve aumento importante da área sobre a curva do GLP-1 e aumento da secre-ção de insulina. Em dados já enviados para publicação, DePaula21(C) mostrou o efeito positivo e redundante da cirur-gia no perfil hormonal, avaliando GLP-1, GIP, insulina, glucagon, peptídeo-C, amilina, colecistocinina (CCK), PPP, so-matostatina, PYY, grelina, adiponecti-na, resistina, leptina e interleucina-6.

Pitombo et al.28(C) estudaram o efei-to da remoção da gordura visceral na homeostase glicêmica, transdução da sinalização insulínica e adipocinas sé-ricas em ratos suíços com obesidade e diabetes induzida por dieta. Estes ani-mais, quando comparados com os do grupo-controle (magro não-diabético), apresentavam aumento significativo das glicemias e insulinemias basais,

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assim como da resistência insulínica avaliada pelo teste de tolerância a in-sulina. Ocorreram também nestes ani-mais alterações na transdução do sinal da insulina através dos receptores de insulina, substrato do receptor insulina 1 e 2 (IRS-1 e IRS-2) e AKT no músculo. Os níveis séricos das citoquinas pró-in-flamatórias - fator necrose tumoral alfa, interleucina 1 (IL-1) beta e interleucina 6 (IL-6) - estavam aumentados de manei-ra significativa, enquanto os valores da adiponectina apresentavam-se reduzi-dos nos animais com obesidade e dia-betes induzida por dieta. Após a remo-ção cirúrgica da gordura visceral, houve normalização dos valores das glicemias e insulinemias basais, dos parâmetros de avaliação da resistência insulínica, na transdução da sinalização insulínica e nos níveis de adipocinas.

Geloneze et al.29(C) mostraram se-guimento de um ano de tratamento ci-rúrgico de 15 pacientes diabéticos tipo 2 não-obesos, submetidos a exclusão duodenal. Houve redução na necessi-dade de insulinização, sendo que, dos 15 pacientes operados, somente dois precisavam de insulina após um ano. A A1c inicial de 8,9% permaneceu alta, com média de 7,9% após um ano. A gli-cose inicial era de 182 mg/dl no basal e,

após um ano, se manteve em torno de 155 mg/dl. Não houve diferença esta-tística na massa gorda, IMC e sensibili-dade insulínica medida pelo KITT.

3. DIRETRIZ

Se o efeito antidiabético da cirurgia gastrointestinal não ocorre apenas na população obesa e o mecanismo pare-ce ser independente da perda de peso e da ingestão calórica, torna-se, então, possível uma nova modalidade tera-pêutica: a da cirurgia metabólica ou cirurgia do diabetes, na qual o proce-dimento cirúrgico é usado de maneira intencional para tratar o diabetes.

O entendimento fisiopatológico do diabetes é complexo e toda abordagem nova de tratamento acaba levando a um melhor entendimento da doença. O uso da cirurgia para tratar o diabetes deve ser olhado com muita responsabilidade. É necessária a formação de equipes mul-tidisciplinares que entendam essa fisio-patologia a fundo, pois indicar a cirurgia baseado-se somente no IMC nos parece um empobrecimento do conhecimento já conquistado pelos endocrinologistas. Os critérios de exclusão devem ser rigi-damente obedecidos (tabela 2).

TABELA 2 - Critérios de exclusão

• Presença de doenças endócrinas ou outras enfermidades reversíveis, que podem ser a causa da obesidade

• Dependência de álcool ou outras drogas

• Doenças psiquiátricas graves e não-controladas

• Presença de doenças hepáticas, renais, pulmonares, neurológicas ou quaisquer ou-tras enfermidades cuja gravidade inviabiliza o ato cirúrgico ou que limite de modo substancial a qualidade e/ou quantidade de vida do paciente

• Neoplasias ou outras enfermidades terminais

• Incapacidade de compreender ou aceitar possíveis riscos e mudanças no estilo de vida necessário ou proveniente da cirurgia bariátrica

O melhor procedimento cirúrgico dependerá da experiência do grupo ci-rúrgico, da preferência do paciente, da estratificação de riscos e de outros fa-tores. Entretanto, o cirurgião deve exer-cer cautela ao recomendar a derivação bilio-pancreática com ou sem exclusão duodenal, devido a maiores riscos as-sociados a estes procedimentos. A via laparoscópica tem preferência sobre os procedimentos abertos, desde que o time cirúrgico tenha experiência com o procedimento.

Uma abordagem cirúrgica ideal não pode se concentrar somente em perda de peso, mas ir além, atuando e corrigindo as diversas alterações que provocam a doença, como:

• Defeito da primeira fase de secre-ção de insulina;

• Defeito da secreção de insulina na fase tardia;

• Resistência insulínica;• Secreção inadequada de glucagon;• Secreção deficiente de incretinas;• Melhorar outros fatores de risco

cardiovasculares, como hipertensão arterial, dislipidemia, obesidade abdo-minal e outros.

A comunidade médica vê com grande expectativa e esperança as novas formas de tratamento que ve-nham ajudar no controle do diabe-tes e eventualmente levar à remissão da doença. No entanto, a validação científica destes procedimentos faz-se necessária. A cirurgia no diabético obeso, com IMC > 35 kg/m2, apesar do alto índice de remissão, só deve ser realizada em centros capacitados, com profissionais experientes e com o acompanhamento de um endocrino-logista. Embora ainda não aprovada pelos consensos nacionais e interna-cionais, a cirurgia em pacientes com IMC entre 30 e 35 kg/m2 tem sido acei-ta por alguns autores, em especial nos

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pacientes com controle glicêmico de difícil obtenção pelas modalidades terapêuticas disponíveis e que estejam desenvol-vendo complicações crônicas inerentes ao controle glicêmico inadequado.

Em relação aos procedimentos em pacientes com DM2 e IMC < 30 kg/m2, apesar de promissores, esses procedimentos ci-rúrgicos ainda precisam de dados de longo prazo, assim como de estudos envolvendo diversos serviços, avaliação com clamp euglicêmico e hiperglicêmico e estudos de sobrecarga de glicose, além de avaliação do impacto da cirurgia sobre doenças cardiovasculares e mortalidade. Portanto, estes procedimentos devem ser considerados como metodologias de caráter expe-rimental, que exigirão validades para que, somente então, possam ser utilizadas como terapêuticas de rotina.

DECLARAÇÃO DE CONFLITO DE INTERESSES:Os autores desta diretriz, Nelson Rassi e Sérgio Vencio, participam do grupo que pesquisa em Goiânia (GO) o freio neuroendócrino como opção

terapêutica para o tratamento cirúrgico do diabetes.

TABELA 3 - Níveis de evidência das principais recomendações e conclusões

O diabetes tipo 2 tem assumido proporções epidêmicas no mundo devido ao aumento da prevalên-cia do sobrepeso e da obesidade. A redução do peso, através de mudanças comportamentais (hábitos alimentares, atividade física, suporte psicológico etc.) associadas, às vezes, ao uso de anorexígeno, tem sido preconizada pela maioria dos autores como ponto central para o controle glicêmico.

A cirurgia bariátrica, em especial a gastroplastia com derivação gástrica em Y de Roux e as cirurgias disa-bsortivas, é efetiva em controlar o DM2 em cerca de 80% a 100% dos pacientes.

Os mecanismos fisiopatológicos pelos quais a cirurgia bariátrica atinge estes resultados ainda não estão bem entendidos, sendo as possíveis explicações relacionadas à restrição calórica, à perda de peso e às alterações hormonais no eixo entero-insulínico.

A interposição ileal que envolve a transposição de um segmento do íleo distal para o jejuno promove uma exposição precoce dos alimentos às células L, produtoras de GLP-1, aumentando a sua produção e secreção.

No pacientes com DM 2 e obesidade grau III (IMC ≥ 40 kg/m2) ou grau II (IMC entre 35 e 39,9 kg/m2), nos quais tem havido falha no tratamento clínico, a cirurgia bariátrica ou antiobesidade pode ser uma opção terapêutica.

A melhora do metabolismo glicêmico e da resistência insulínica que se seguem logo após a cirurgia bariátrica seriam devidas à restrição calórica e a mudanças na secreção de incretinas, enquanto que a perda de peso e as alterações na produção de cininas pelo tecido adiposo interfeririam nos efeitos em longo prazo.

A seleção dos pacientes com obesidade e diabetes para tratamento cirúrgico deve ser baseada pela re-serva de insulina nas células beta através dos valores de peptídeo-C basal e pós-estímulo e não apenas pelo IMC.

Constituem contra-indicação ao tratamento cirúrgico as seguintes situações: presença de doença endó-crinas ou outras enfermidades reversíveis que podem ser causa da obesidade; dependência de álcool ou outras drogas; doenças psiquiátricas graves e não-controladas; presença de doenças renais, hepáticas, cardiológicas, neurológicas ou quaisquer outras enfermidades cuja gravidade impede ou inviabiliza o ato cirúrgico ou que limite de maneira substancial a qualidade e/ou quantidade de vida do paciente; neoplasias ou outras enfermidades terminais; incapacidade de compreender ou aceitar possíveis riscos ou mudanças no estilo de vida necessários ou provenientes da cirurgia bariátrica.

A via laparoscópica tem preferência sobre as cirurgias abertas, desde que o time cirúrgico tenha experi-ência com este procedimento.

Recomendação ou conclusão Nível de evidência

A

A

A

C

A

B

C

A

A

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Indicação de vacinas no paciente diabético

1. INTRODUÇÃO

As duas medidas mais efetivas na prevenção das doenças infecciosas são as higiênicas e a imunização. A decisão para recomendar uma vacina envolve a ava-liação dos riscos da doença, os benefícios da vacinação e os riscos associados a sua realização.

Os pacientes com diabetes mellitus têm um maior risco presumido de in-fecção pneumocócica grave e complicações de influenza (dados insuficientes para calcular a taxa), sendo recomendado atenção especial a estas vacinas no paciente diabético (tabela1).

Tétano, difteria e pertussis (dT, dTpa)

HPV

MMR

Varicela

Influenza

Pneumocócica (polissacáride)

Hepatite A

Hepatite B

Meningocócica

Zoster

Febre amarela

Vacina 19 a 49 anos 50 a 64 anos ≥ 65 anos

TABELA 1 - Esquema recomendado de vacinação no adulto

Faixa etária

Uma dose de dT a cada dez anos

Substituir uma dose de dT por dTpa

Três doses (0, 2 e 6 meses)

Uma dose

Duas doses (0 e 4 a 8 semanas)

Recomendada para diabéticos: uma dose anual Uma dose anual

Recomendada para diabético: uma ou duas doses Uma dose

Duas doses (0 e 6 a 12 meses)

Três doses (0,1 a 2 e 4 a 6 meses)

Uma dose

> 60 anos: uma dose

Primeira dose a partir dos 9 meses e reforço a cada dez anos (indicada para populações específicas)*

Uma dose

* Vacina contra febre amarela: composta de vírus vivo atenuado, indicada a partir dos 9 meses, em pessoas que vivem em regiões onde a doença é endêmica e para aquelas que se dirigem para locais pertencentes a zonas endêmicas. É recomendada uma dose de reforço a cada dez anos (desde que o indivíduo permaneça ou viaje para locais que pertençam a zonas de risco para febre amarela).

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Os níveis glicêmicos são importantes para o manejo e o acompanhamento do paciente diabético, porém não existem relatos na literatura de contra-indicação de vacinação por alteração dos níveis glicêmicos, bem como pontos de corte glicêmi-cos que contra-indiquem as vacinas. Diabetes mellitus não é considerado contra-indicação para nenhuma vacina, respeitando suas indicações de acordo com cada faixa etária. Estudos com vacinação pneumocócica em pacientes de alto risco (in-cluindo diabéticos, pacientes com doença coronariana, insuficiência cardíaca con-gestiva e doença pulmonar crônica) têm evidência de eficácia em torno de 57%.

Não existem dados do risco de doença grave ou complicações de influenza no paciente diabético, contudo influenza é um fator de risco para infecção bacteria-na grave. A vacinação deve ser uma estratégia essencial do cuidado primário em todas as faixas etárias e, desta forma, o médico deve atualizar sempre o cartão vacinal de seu paciente.

2. VACINA PNEUMOCÓCICA

A vacina conjugada pneumocócica heptavalente é recomendada para todas as crianças na idade de 2 a 23 meses e para crianças de alto risco na idade de 24 a 59 meses (tabela 2). A vacina polissacáride pneumocócica é recomendada para pacientes maiores de 2 anos. A eficácia desta vacina em pacientes diabéticos tem variado em torno de 65% a 84%. Pacientes com insuficiência renal ou síndrome nefrótica poderão receber a segunda dose após um intervalo de cinco anos da primeira dose.

TABELA 2 - Indicações da vacina conjugada pneumocócica heptavalente

Crianças com diabetes mellitus, entre 24 a 59 meses

História de imunização

Qualquer esquema incom-pleto menor que três doses

Qualquer esquema incom-pleto de três doses

Regime recomendadoIdade

Uma dose a cada dois me-ses ou mais. O intervalo da última dose e a outra dose deve ser maior ou igual a dois meses após a primeira.

Uma dose, com o interva-lo da última dose igual ou maior que dois meses.

3. VACINA CONTRA A INFLUENZA

É recomendada atualmente para crianças com 6 meses ou mais, com diabe-

tes mellitus. Entre pacientes diabéticos, a vacinação reduziu em 54% o núme-

ro de hospitalizações e em 58% a taxa de mortalidade. Deve ser administrada

anualmente.

4. VACINA DUPLA (DT) E TRÍPLICE BACTERIANA (DTPA)

Todos os adultos com uma história de vacinação incerta ou incompleta de-verão iniciar ou completar seu esquema vacinal. O esquema básico de vacinação para adultos consiste de três doses do toxóide tetânico e diftérico, respeitando-se o intervalo vacinal mínimo de quatro semanas entre a primeira e a segunda dose e de seis meses entre a primeira e a terceira dose, devendo-se realizar uma dose de reforço a cada dez anos. A vaci-na dTpa (composta de toxóide tetânico, toxóide diftérico e componente pertussis acelular) pode substituir uma única dose da série básica do adulto ou uma única dose do reforço. Esta formulação da vaci-na tripla bacteriana contém quantidades reduzidas de toxóide diftérico e alguns antígenos pertussis, sendo recomendada como uma única dose de reforço.

5. VACINA CONTRA O PAPILOMAVÍRUS (HPV)

É recomendada para todas as mu-lheres com idade igual ou inferior a 26 anos. História prévia de verruga genital, Papanicolau anormal ou teste de HPV positivo não são contra-indicações da vacina. Uma série completa consiste de três doses, devendo haver um intervalo mínimo de dois meses entre a primeira e segunda dose e de quatro meses en-tre a segunda e a terceira dose.

6. VACINA MMR (SARAMPO, CAXUMBA E RUBÉOLA)

O principal objetivo é evitar a síndro-me da rubéola congênita, sendo assim, sempre obter evidência laboratorial de

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imunidade, não devendo valer-se de história clínica de rubéola.

7. VACINA CONTRA A VARICELA

Todos os adultos sem evidência de imunidade para varicela deverão receber duas doses da vacina, com um intervalo de quatro a oito semanas entre as doses.

8. VACINA CONTRA A HEPATITE A

Quando ocorre na infância, a hepa-tite A desenvolve-se em geral de modo benigno e autolimitado. Porém, quan-to mais tardiamente ocorre a infecção, maior o risco de desenvolvimento de formas graves e fulminantes. O esque-ma vacinal é composto de duas doses, devendo haver um intervalo mínimo de seis meses entre elas.

9. VACINA CONTRA A HEPATITE B

A possibilidade de desenvolvimen-to da forma crônica da doença e de sua evolução para cirrose e hepatocarcinoma justifica a indicação universal da vacina. Todos os pacientes com doença renal crô-nica e hepatopatias têm indicação para se-rem vacinados. Também é recomendada para contatantes domiciliares de pessoas com infecção crônica pelo vírus da hepa-tite B. O esquema consiste de três doses e o intervalo mínimo é de um mês entre a primeira e a segunda dose e de seis meses entre a primeira e a terceira dose.

10. VACINA MENINGOCÓCICA

A vacina conjugada meningocóci-ca deverá ser recomendada para todo adolescente saudável aos 11 ou 12 anos

(a vacina conjugada meningocócica foi

licenciada em 2005 para uso em pesso-

as de 11 a 55 anos de idade). A vacina

meningocócica é recomendada para

pacientes de alto risco: pacientes HIV

positivo, pacientes com asplenia ana-

tômica ou funcional, crianças com de-

ficiência do complemento terminal ou

properdina (tabela 3).

A vacina conjugada meningocó-

cica 4 (VCM4) é administrada via in-

tramuscular em uma única dose de

0,5 ml e pode ser realizada de forma

concomitante com outras vacinas re-

comendadas. A VCM4 atua contra os

sorotipos A, C, Y e W135. A vacina con-

jugada não é licenciada para crianças

de 2 a 10 anos de idade. Nestes casos,

a recomendação é utilizar a vacina

meningocócica polissacáride (admi-

nistrada via subcutânea).

População geral saudável

População de risco: HIV positivo, asplenia, deficiência de complemento

Indicação

TABELA 3 - Indicações da vacina meningocócica

Faixa etária

< 2 anos

Não recomendado

Não recomendado

2 a 10 anos

Não recomendado

Vacina polissacáride

11 a 19 anos

Recomendada a vacina conjugada

Vacina conjugada

20 a 55 anos

Vacina conjugada

11. VACINA CONTRA O HERPES ZOSTER

Uma única dose da vacina contra zoster é recomendada para adultos com idade ≥ 60 anos, independente de história prévia de herpes zoster. Não é recomendada para o tratamento de neuralgia pós-herpética ou para o episódio agudo de herpes zoster.

REFERÊNCIAS

1. American Academy of Pediatrics. 2006 Red Book, 27th edition.

2. CDC. Recommended adult immunization schedule- United States, October 2007- September 2008. MMWR 2007; 56: Q1-Q4.

Indicação de vacinas no paciente diabéticoDiretrizes SBD

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2008 Diretrizes SBD

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Síndrome metabólica em crianças e adolescentes

1. INTRODUÇÃO

A prevalência da obesidade tem aumentado entre adultos e crianças. Nos Estados Unidos, a prevalência de crianças obesas dobrou entre 1976 e 20021(A). A disponibilidade abundante de alimentos com alto teor calórico e o sedenta-rismo ligado a atividades como televisão, jogos eletrônicos e computadores são algumas das causas do aumento do número de crianças obesas. Com o crescimento da obesidade infantil, as complicações associadas tornam-se mais comuns. Assim como no adulto, a obesidade infantil leva ao aparecimento de doenças, como diabetes mellitus tipo 2 (DM2), hipertensão arterial sistêmica e dislipidemia, que conferem aumento do risco de eventos cardiovasculares. O DM2, por exemplo, tem crescido de maneira dramática entre os adolescentes nos últimos 20 anos2(A).

No adulto, a associação entre obesidade e doença coronariana está bem estabelecida. Essa associação levou nos anos mais recentes à criação do termo SM para definir aqueles indivíduos que teriam mais chances de desenvolver eventos cardiovasculares devido a uma base fisiopatológica comum entre os componentes da síndrome, possivelmente orquestrada pela obesidade cen-tral. Entre os fatores incluídos na SM, estão a obesidade visceral, a dislipidemia aterogênica, a hipertensão e a resistência à insulina.

2. CRITÉRIOS PARA DEFINIÇÃO DE SÍNDROME METABÓLICA EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES

No estabelecimento de critérios para definir a SM em crianças e adolescentes, um primeiro desafio que se coloca é a medida da circunferência abdominal. Crité-rio importante que faz parte de várias definições de SM, apontado como impor-tante indicativo de obesidade visceral, leva ao questionamento de como medir a circunferência abdominal na criança.

Há diferenças entre os estudos no que concerne à medida da circunferên-cia abdominal. Alguns autores definem a mensuração da circunferência abdo-minal no ponto médio entre o rebordo costal e o topo da crista ilíaca3(D)

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(mesmo procedimento utilizado em adultos), enquanto outros não des-crevem o modo de medição4(D), infe-rindo-se que seja semelhante ao usa-do pelos primeiros autores, já que os critérios foram baseados no National Cholesterol Education Program Adult Treatment Panel III (NCEP/ATP-III) para adultos. Outros compararam a preva-lência de SM em crianças utilizando os critérios definidos pelo NCEP/ATP-III e pela Organização Mundial da Saúde (OMS), preferindo usar o pon-to entre a cicatriz umbilical e a crista ilíaca superior5(D). Um estudo com meninas de 6 a 9 anos usou a medida no ponto médio entre a décima cos-tela e a crista ilíaca6(D). Vemos que é de suma importância a normatização de uma medida no intuito de não ha-ver discordância de resultados, tanto para uso clínico como para estudos epidemiológicos.

A classificação de SM em adultos, apesar de ainda amplamente discuti-da, é bem estabelecida. As duas prin-cipais definições são a da OMS, criada

em 19987(D), e a NCEP/ATP-III8(D), definida em 2001. A primeira exige como obrigatória a resistência à insu-lina, enquanto na segunda esta pode estar ausente. Apesar desta diferen-ça, os estudos mostram prevalência semelhante em adultos, comparando as duas classificações9(D). Uma nova proposta de classificação foi apre-sentada em 2005 pela International Diabetes Federation (IDF)10(D). Esta considera como o mais importante marcador a obesidade visceral deter-minada pela medida da cintura, pela primeira vez com propostas de limi-tes específicos por etnia.

Quando se tenta usar estas classi-ficações em crianças e adolescentes, observam-se resultados conflitantes. Goodman et al.5(D) tentaram deter-minar a prevalência de SM entre ado-lescentes usando a definição da OMS e do NCEP/ATP-III. Foram utilizados os mesmos pontos de corte para os fatores de risco destas duas classifica-ções, com exceção da obesidade, que foi definida como IMC ≥ percentil 95%,

segundo gráfico de IMC ajustado para sexo e idade (disponível em www.cdc.gov).

Entre os 1.513 indivíduos arro-lados no estudo, o autor encontrou prevalência de 4,2%, usando-se a primeira definição (OMS) e 8,4% aplicando a segunda (NCEP/ATP-III). Além da enorme diferença encon-trada entre os dois grupos, o que chama atenção é uma prevalência bem menor do que a encontrada em adultos, estimada em 24%9(D). A provável justificativa seria devido a uma prevalência menor de obesida-de em adolescentes comparando-se com adultos. É possível conjeturar que pode não ter havido tempo su-ficiente para a obesidade central de-flagrar os mecanismos responsáveis para o aparecimento dos fatores de risco associados. Sendo assim, nas últimas décadas, vêm sido propos-tas classificações baseadas em mo-dificações dos critérios para adultos no intuito de se identificar crianças e adolescentes com SM (tabela 1).

TABELA 1 - Propostas de classificação de síndrome metabólica em crianças e adolescentes

Adiposidade: circunferência abdominal (CA) ou IMC

Glicemia de jejum ou no TTGO (mg/dl)

Pressão arterial

Colesterol HDL (mg/dl)

Triglicerídeos (mg/dl)

Cook et al. De Ferranti et al.

CA ≥ percentil 90%

Glicemia de jejum ≥ 110

≥ percentil 90%

≤ 40

≥ 110

CA > percentil 75%

Glicemia de jejum ≥ 110

> percentil 90%

< 50 (meninas) e < 45 (meninos)

≥ 100

IMC escore Z ≥ 2

Glicemia no TTGO de 140 a 200

> percentil 95%

< percentil 5%

> percentil 95%

Weiss et al.Três ou mais dos cinco critérios abaixo:

Síndrome metabólica em crianças e adolescentesDiretrizes SBD

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2008 Diretrizes SBD

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Um dos primeiros estudos anali-sando a SM em crianças foi realizado por Cook et al. em 20033(D). Utilizan-do dados do NHANES III (Third Natio-nal Health and Nutrition Examination Survey, 1988-1994), o autor avaliou os adolescentes de 12 a 19 anos aplican-do os critérios definidos para SM de acordo com o NCEP/ATP-III com algu-mas modificações. A primeira delas é que obesidade foi definida como cir-cunferência abdominal maior ou igual ao percentil 90%, para idade e sexo. O ponto de corte da pressão arterial foi extraído de valores publicados pelo NBPEP (National Blood Pressure Education Program)11(D). Além disso, os valores de referência para o perfil lipídico foram retirados do National Cholesterol Education Report on Lipid Levels in Children12(D).

Os resultados mostraram uma pre-valência de 4,2% de SM na amostra analisada. Quando estratificados pelo IMC, 28,7% dos adolescentes obesos (IMC ≥ 95% por percentil para idade e sexo) preencheram critério para SM. Esta prevalência não é surpreendente se considerarmos que cerca de 7% dos adultos entre 20 e 29 anos são afetados pela SM9(D). Os autores, no trabalho, defendem o uso da medida de circun-ferência abdominal em vez de outras medidas de obesidade, como o IMC, afirmando ser a distribuição corporal de gordura um forte indicativo de corre-lação com risco cardiovascular.

A mesma população foi analisada por Ferranti et al. em 20044, porém foram usados critérios diferentes para definição de SM. Neste estudo, também foram usados os critérios definidos pelo NCEP/ATP-III com mo-dificações. O resultado mostrou uma prevalência de 9,2% indivíduos com SM na amostra e 31,2% quando

estratificado para crianças com IMC ≥ percentil 85% para idade e sexo. O que explica esta prevalência conside-ravelmente maior do que a encontra-da por Cook foram os pontos de corte em relação à circunferência abdo-minal e o perfil lipídico. Em relação à circunferência abdominal, o ponto de corte utilizado foi o percentil > 75% ao invés de 90% usado por Cook et al. Diferentes pontos de corte também fo-ram utilizados para o perfil lipídico. Isto levou a uma definição menos restrita, ampliando o número de adolescentes que se encaixavam nos critérios.

Os autores defendem seus critérios utilizados afirmando que estes estão relativamente mais próximos daqueles usados nos adultos. Exemplificando: o colesterol HDL de 40 mg/dl apontado por Cook representa o percentil 10% a 25% em meninos e 10% a 15% em meninas, menor que o percentil cor-respondente a 40 mg/dl de adultos. O nível de triglicérides de 110 mg/dl re-presenta o percentil pediátrico de 85% a 95%, também maior do que o per-centil adulto de 75% a 85%. Por fim, o ponto de corte no percentil 90% usado para circunferência abdominal é bem maior do que o percentil 75% usado no critério de adultos do NCEP/ATP-III. Portanto, no estudo de Ferranti, foi uti-lizada uma definição pediátrica baseada intimamente nos critérios adultos defi-nidos pelo NCEP/ATP-III.

Em um estudo que envolveu 429 crianças classificadas como obesas, Weiss et al.13(D) analisaram indivíduos de 4 a 20 anos, encontrando o valor de 38,7% de SM no grupo definido como obesos moderados (IMC com escore Z de 2 a 2,5) e 49,7% no grupo definido como obesos graves (IMC com escore Z > 2,5). Neste estudo, foram utilizados critérios diferentes para definir a SM,

entre estes a obesidade, que foi avalia-da através do IMC em vez da circunfe-rência abdominal utilizada em outros estudos. Os autores defendem o uso do IMC, dizendo ser este menos sujeito a variações decorrentes da puberdade ou raça. Além disso, afirmam ter o IMC uma forte correlação com adiposidade visceral e que o mesmo se correlaciona melhor com a pressão arterial e com o perfil lipídico do que a medida de cir-cunferência abdominal14(A).

Recentemente, a International Dia-betes Federation (IDF) desenvolveu uma nova definição de SM para crianças (tabela 2)15(D). Nesta nova definição, a população pediátrica foi dividida em grupos de acordo com a idade, pelo fato de haver diferenças de desenvol-vimento entre crianças e adolescentes: de 6 a 10 anos, de 10 a 16 anos e acima 16 anos. Crianças menores de 6 anos foram excluídas devido à falta de da-dos em relação a esta faixa etária.

A entidade sugere que a SM não deve ser diagnosticada em crianças com menos de 10 anos, porém, redu-ção de peso deve ser fortemente reco-mendada para aqueles com obesidade abdominal. Acima de 10 anos, a SM é diagnosticada através da presença de obesidade abdominal associado a dois ou mais critérios clínicos. Com exceção da medida de circunferência abdomi-nal, os pontos de corte para os outros critérios, como pressão arterial, perfil li-pídico e glicemia, foram estabelecidos através de valores fixos, sem conside-rar os índices de percentil para idade e sexo. Isso vai contra a tendência obser-vada nas outras classificações, em que os valores em termos de percentis vêm sendo cada vez mais usados, haja vista as alterações corporais e metabólicas que existem entre as diferentes faixas etárias da adolescência.

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TABELA 2 - Definição de síndrome metabólica para crianças e adolescentes segundo a IDF

Diagnóstico de SM

Obesidade abdominal (CA)

Glicemia de jejum (mg/dl)

Pressão arterial (mmHg)

Colesterol HDL (mg/dl)

Triglicerídeos (mg/dl)

6 a 9 anos 10 a 16 anos

Não estabelecido

≥ p. 90%

-

-

-

-

Sim (presença de obesidade abdo-minal em mais de dois critérios)

≥ p. 90%

≥ 100

sistólica/diastólica ≥130 ou ≥ 85

< 40

≥ 150

>16 anos

Sim (presença de obesidade abdo-minal em mais de dois critérios)

Mesmos critérios usados em adultos

Mesmos critérios usados em adultos

Mesmos critérios usados em adultos

Mesmos critérios usados em adultos

Mesmos critérios usados em adultos

Apesar de mostrar-se mais ade-quado, um dos problemas do uso de percentis para idade e sexo na avalia-ção dos critérios para SM é o ajuste do valor de corte na transição para a fase adulta16. No adulto, os critérios não são baseados em distribuição de percentis, mas sim em valores fixos. Assim, enquanto na criança é utiliza-do o ponto de corte de 90% para a circunferência abdominal, no adulto o valor fixo (102 cm para homens e 88 cm para mulheres pelos critérios do NCEP/ATP-III) corresponderia a um percentil entre 75% a 90% para homens e 75% para mulheres. Des-ta maneira, um indivíduo de 18 anos poderia ser classificado como tendo

obesidade central na definição de adul-tos e como não tendo, se fosse usada a classificação para crianças.

3. CONCLUSÃO

Como conclusão, as crianças e adoles-centes estão sendo vítimas da epidemia de obesidade observada nos tempos atuais. As complicações futuras desta si-tuação podem ser catastróficas se não forem instituídas medidas de intervenção preventiva. Para isso, torna-se necessário identificar aqueles indivíduos com maior risco de desenvolver complicações decor-rentes do excesso de peso. Nesse con-texto, o termo SM, usado habitualmente

em adultos, pode ser aplicado às faixas etárias menores. Alguns modelos de classificação de SM em crianças já foram apresentados e observa-se considerável divergência entre eles. Sendo assim, em-bora uma padronização de critérios para a classificação da SM em crianças e adoles-centes seja necessária e ainda careça de estudos e discussões, os autores sugerem a aplicação dos critérios da IDF.

4. DIRETRIZ

Aplicação dos critérios da IDF (ta-bela 2) para o diagnóstico de SM na infância e adolescência, para indivídu-os de 10 a 16 anos de idade (D).

TABELA 3 - Níveis de evidência das principais recomendações e conclusões

O aumento global da prevalência da obesidade em crianças e adolescentes está resultando em maior risco de desenvolvimento de diabetes tipo 2, hipertensão arterial e dislipidemia.

Os critérios para definir a SM em crianças e adolescentes não são específicos para esta faixa etária.

Na definição de síndrome metabólica para crianças e adolescentes pela IDF, nos indivíduos com idade maior que 16 anos, utilizam-se os mesmos critérios adotados para adultos.

Não há normatização da medida da circunferência abdominal nesta faixa etária.

O IMC teria correlação com a adiposidade visceral e, se correlacionaria melhor com a pressão arterial e com o perfil lipídico do que a medida de circunferência abdominal.

Não há normatização dos pontos de corte para pressão arterial, HDL-colesterol e triglicérides nesta faixa etária.

Recomendação ou conclusão Nível de evidência

A

D

D

D

A

D

Síndrome metabólica em crianças e adolescentesDiretrizes SBD

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REFERÊNCIAS

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Diretrizes SBD 2008

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HIV, diabetes e síndrome metabólica

O desenvolvimento das drogas anti-retrovirais (DAR) alterou de maneira drásti-ca a história natural da infecção pelo HIV, reduzindo a morbimortalidade e aumen-tando a sobrevida dos pacientes. Entretanto, esse fator permitiu o aparecimento de desordens metabólicas como resistência insulínica (RI), intolerância à glicose ou diabetes mellitus (DM), lipodistrofia e dislipidemias responsáveis pelo aumento significativo do risco cardiovascular em pacientes com AIDS1. Evidências consis-tentes sugerem que essas alterações têm inicio com a infecção pelo HIV2 e se agra-vam sobremaneira com o uso das drogas anti-retrovirais3.

1. HIV E DISLIPIDEMIA

A dislipidemia associada à infecção pelo HIV foi descrita mesmo antes do uso das DAR e caracteriza-se pela diminuição do colesterol total, do LDL colesterol (LDL) e do HDL colesterol (HDL) e pelo aumento dos triglicerídeos2. Essas altera-ções são igualmente encontradas em outros estados de inflamação crônica e são, em parte, atribuídas às elevações de mediadores inflamatórios sistêmicos, como interferon alfa e fator de necrose tumoral alfa (TNF-alfa)4,5, que promovem o au-mento da lipólise nos tecidos periféricos, maior aporte de ácidos graxos livres ao fígado e, como conseqüência, maior síntese hepática de triglicerídeos e VLDL. A diminuição da HDL e da LDL é explicada pela perda de peso e piora do estado nutricional desses pacientes, além do aumento do catabolismo dessas partículas, sobretudo da HDL, encontrado nos estados pró-inflamatórios4.

Nesses estados, ocorre não apenas diminuição, mas principalmente al-terações importantes na composição e funções das HDL, como aumento da proporção de pré-beta HDL (pequenas e pobres em colesterol) sobre as alfa 1 HDL (grandes e ricas em colesterol)6, diminuição da apolipoproteína A1 (apoA1)7 e da apolipoproteína M (apoM)8, presença da proteína sérica amilói-de A (SSA) e aumento da fosfolipase A2. A presença da SSA em substituição à apoA1 como principal componente protéico das HDL encontradas nos es-tados inflamatórios contribui, não apenas para a perda da função antiinfla-matória desta partícula, como também diminui de modo substancial a sua capacidade de remoção de colesterol das células periféricas (efluxo de colesterol)

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2008 Diretrizes SBD

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pelo sistema ABCA1 (ATP-binding cassete protein A1), considerado uma etapa importante no transporte reverso de coles-terol e no papel antiaterogênico das HDL7.

Estas alterações, no seu conjunto, configuram como um estado pró-aterogênico, em vários aspectos semelhantes ao encontrado em pacientes com síndrome metabólica ou doença cardiovascular estabelecida6 (tabela 1). A adição das drogas anti-retrovirais apenas agrava essas alterações (1A).

TABELA 1 - Alterações dos lípides e lipoproteínas encontradas com mais freqüência em indivíduos HIV positivos

Resultante da queda da LDL e HDL.

Piora do estado nutricional e aumento do catabolismo em estados pró-in-flamatórios.

Piora do estado nutricional e aumento do catabolismo por substituição da HDL normal por HDL de fase aguda, com substituição da apoA1 por SSA (substância amilóide A). Aumento da proporção pré-beta/alfa1 HDL.

Aumento da síntese hepática de VLDL resultante da maior lipólise periférica e aporte de ácidos graxos ao fígado, além da diminuição do catabolismo pela lipoproteína lipase.

Alterações Nível de evidência

B Colesterol total

LDL

HDL

Triglicerídeos

Fisiopatogenia

A

A

B

2. DROGAS ANTI-RETROVIRAIS E DISLIPIDEMIAS

A patogênese da dislipidemia asso-ciada ao uso de anti-retrovirais envol-ve uma complexa interação entre a ação das drogas e fatores genéticos, hormonais e ambientais. De maneira clássica, essas alterações se caracteri-zam pela elevação dos triglicerídeos, pelo aumento das LDL e pela diminui-ção das HDL, com aumento na propor-ção de LDL pequenas e densas, Lp(a) e apo CIII4. Os inibidores de protease (PI) diminuem o catabolismo das VLDL pela lipase periférica9 e aumentam sua síntese, no qual estão envolvidos o aumento da resistência insulínica e do aporte de ácidos graxos livres ao fígado10, a inibição da degradação da apolipoproteína B (apoB) no hepatóci-to e, ainda, a disfunção mitocondrial. Os PI, juntamente com os nucleosíde-os inibidores da transcriptase rever-sa (NRTI), inibem a DNA polimerase

mitocondrial, levando à depleção do DNA mitocondrial e à disfunção na ca-deia respiratória.

Essas alterações parecem estar in-timamente envolvidas no desenvolvi-mento da lipodistrofia e da resistência insulínica no tecido muscular4. Entre-tanto, nem todos os pacientes expos-tos aos anti-retrovirais desenvolvem graus semelhantes de dislipidemias, sugerindo a participação de fatores genéticos e ambientais. Polimorfismos dos genes da ApoCIII e da ApoA5 estão envolvidos no desenvolvimento de hipertrigliceridemia, bem como dieta hipercalórica e sedentarismo11(1A).

3. HIV E DIABETES MELLITUS

Apesar de inúmeras evidências re-lacionando a infecção pelo HIV e, prin-cipalmente, as drogas anti-retrovirais ao desenvolvimento de resistência insulínica, dislipidemia e lipodistrofia,

os estudos epidemiológicos que ava-liaram o risco de desenvolvimento de DM nesta população apresentaram conclusões conflitantes. De Wit et al.12 encontraram incidência de DM de 5,7 em mil indivíduos por ano em uma população, em sua maioria masculina (73%), composta de adultos jovens (38 anos) e com IMC normal (23 kg/m2). Concluíram que a exposição aos anti-retrovirais foi fator de risco importan-te para o desenvolvimento do DM, em especial o stavudine e o zidovudine. Entretanto, não há população-controle no estudo e não podemos determinar se a infecção pelo HIV sem o uso das drogas é suficiente para aumentar o risco de desenvolvimento de DM.

Em outro estudo prospectivo, envolvendo mulheres-controle ver-sus HIV positiva, com e sem terapia anti-retroviral, Tien et al.13 não en-contraram aumento na incidência de diabetes pela infecção pelo HIV, apenas nos indivíduos HIV positivos

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com exposição cumulativa aos NRTI, mas não aos PI ou aos inibidores da transcriptase reversa não nucleosíde-os (NNRTI).

Brown et al.14, em um estudo de coorte realizado nos Estados Unidos, encontraram aumento da incidência de DM entre os homens HIV positi-vos em uso de terapia anti-retroviral, quando comparados aos controles HIV negativos, ajustado para idade e índice de massa corpórea de 4,7 versus 1,4 casos por cem indivíduos ao ano. Neste mesmo estudo, a inci-dência de DM não foi estatisticamen-te diferente entre os controles e os indivíduos HIV positivos sem terapia anti-retroviral. Porém, devemos con-siderar o pequeno número de casos desse subgrupo. Analisados em con-junto, poderíamos considerar que a intolerância à glicose ou o diabetes mellitus parece ser uma desordem de aparecimento relativamente tardio quando comparada à dislipidemia ou a lipodistrofia, razão pela qual não se conseguiu demonstrar diferenças entre os indivíduos HIV positivos sem terapia anti-retroviral e os controles HIV negativos (1B). Ao que parece, a exposição às drogas contribui de modo significativo para o apareci-mento do diabetes (1B).

4. HIV E SÍNDROME METABÓLICA

A prevalência de síndrome meta-bólica nos indivíduos HIV positivos apresenta resultados conflitantes, mesmo quando utilizados os mes-mos critérios diagnósticos. Em estu-do realizado na Itália, Bonfanti et al.15 encontraram aumento da prevalência

de 20,8% versus 15,8% entre os indi-víduos HIV positivos e a população-controle, respectivamente. Nos Es-tados Unidos, Jacobson et al.16 e, na Austrália, Samaras et al.17, analisando uma população majoritariamente masculina, encontraram diminuição da prevalência de SM entre os indi-víduos HIV positivos. Mondy et al.18 encontraram prevalência semelhante (25,5% versus 26,5%) entre HIV po-sitivos e controles e Sobieszczyk et al.19, em estudo com mulheres nor-te-americanas, encontraram aumen-to da prevalência entre as mulheres HIV positivas quando comparadas às controles (33% versus 22%).

Devemos levar em consideração, entretanto, que a prevalência de SM é maior entre os norte-americanos (26,5%, segundo Mondy et al.18) do que entre os italianos (13,7%, segun-do Mannucci20). Além disso, diferen-ças na seleção da população-con-trole nos diversos estudos podem ter contribuído para essas divergên-cias. Quando comparados diferentes critérios para o diagnóstico de SM, Samaras et al.17 encontraram preva-lência de 18% e 14% pelo NCEP-AT-PIII e pela Federação Internacional de Diabetes (IDF), respectivamente, com a concordância entre os dois de 85%. Considerando que a lipodistro-fia, presente em 57% dos pacientes, contribui para a redução do tecido adiposo subcutâneo, o aumento da circunferência abdominal - critério necessário pela IDF - nem sempre é encontrado, uma vez que esses indi-víduos costumam ter IMC menor que a população-controle.

De maneira curiosa, apesar da pre-valência da SM por ambos os critérios entre a população HIV positiva ter sido

menor do que a verificada entre a po-pulação geral, o grau de dislipidemia, resistência insulínica e marcadores de risco cardiovasculares foram conside-ravelmente maiores. Quando compa-rados aos dados de Framinghan, os pacientes HIV positivos em terapia anti-retroviral apresentaram altera-ções no perfil lipídico mais acentuadas do que os indivíduos com história fa-miliar de doença cardiovascular, além do risco 26% maior de apresentarem IAM por ano de exposição aos anti-retrovirais nos quatro a seis anos de seguimento1. No Brasil, em um estudo realizado com 180 pacientes HIV po-sitivos, Diehl et al.21 encontraram 36% com critérios para SM. Entretanto, até o presente, não dispomos de estudos comparativos com a população-con-trole (1B).

5. HIV E LIPODISTROFIA

A lipodistrofia associada ao HIV (LAHIV), encontrada em homens e mu-lheres HIV positivos sob terapia anti-re-troviral, caracteriza-se principalmente pela perda do tecido adiposo subcutâ-neo em extremidades (membros supe-riores e inferiores) e na face, associada a graus variáveis de alterações no te-cido adiposo troncular (visceral e sub-cutâneo)22. O diagnóstico é baseado na percepção pelo próprio paciente e confirmado pelo exame médico. Entre-tanto, a concordância entre o relato do paciente e a confirmação pelo médico pode variar de 98%23 a 50%24, confor-me diferentes estudos.

Além desse aspecto, outros fato-res, como tempo de seguimento e de exposição às drogas e critérios de seleção dos pacientes, explicam as

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consideráveis diferenças nos estudos de prevalência de LAHIV, variando de 8% a 84%. Em média, essa prevalên-cia é da ordem de 42% e, embora sua fisiopatogenia não seja conhecida por completo, vários fatores de risco foram identificados: exposição aos PI, tempo de infecção pelo HIV, idade, sexo e, ainda, uso de outras classes de anti-retrovirais22.

Os pacientes com diagnóstico de LAHIV apresentam exacerbação da dislipidemia25 e aumento da resistência insulínica5, quando comparados aos HIV positivos sem LAHIV. O mecanismo pelo qual os anti-retrovirais, sobretudo os PI e os NRTI, induzem lipodistrofia permanece obscuro. Contudo, algumas hipóteses têm sido consideradas: 1) alterações na expressão de sterol regulatory element-binding protein (SREBP-1) e inibição do transportador de glicose 4 (GLUT4) no tecido adiposo; 2) redução da atividade da lipoproteína lipase; e 3) diminuição da degradação da apolipoproteína B no hepatócito e redução da replicação mitocondrial pela inibição da DNA polimerase22.

6. TRATAMENTO

6.1 - DIETA E EXERCÍCIO

A atividade física aeróbica diminui de maneira significativa a resistência insulínica, a dislipidemia e a intolerân-cia à glicose, além de contribuir para a redução da gordura troncular. Indiví-duos com hipertrigliceridemia devem ser orientados a consumir dieta pobre em gordura e carboidratos livres, além de evitar o uso de álcool4,22(1A).

6.2 - DROGAS ANTI-RETROVIRAIS

A suspensão do uso dos inibidores de protease melhorou parcialmente a lipodistrofia em alguns estudos26, po-rém, não em outros27,28. Entretanto, a melhora da dislipidemia, resistência insulínica ou hiperglicemia parece evidente26,28.

Em relação à potência em induzir dislipidemia, podemos considerar: ri-tonavir > amprenavir/nelfinavir > in-dinavir/saquinavir/lopanavir > ataza-navir. As classes dos NRTI e dos NNRTI induzem menos dislipidemia do que os inibidores de protease. Na mudan-ça do esquema terapêutico, deve-se considerar a possibilidade de intera-ção medicamentosa e, ainda, a eficá-cia em inibir a replicação viral4(1B).

6.3 - HIPOLIPEMIZANTES

• Estatinas: são as drogas mais efi-cazes em reduzir a colesterolemia, com queda do LDL em 50% a 60%. Relativamente bem toleradas, entre-tanto, têm interação potencial com as drogas anti-retrovirais, pois ambas são metabolizadas pelo citocromo P450 3A4 (CYP3A4). A fluvastatina, a pravastatina e a rosuvastatina devem ser preferidas, por dependerem me-nos da metabolização pelo CYP3A4.

• Fibratos: promovem redução da trigliceridemia em até 50% e po-dem reduzir o LDL em até 25%. Sua associação com estatina aumenta o risco de hepatotoxicidade e rab-domiólise, em especial a associação estatina-genfibrozil. Quando ne-cessária, a associação pravastatina-fenofibrato demonstrou ser eficaz

e relativamente segura. Porém, a monitorização das transaminases e CPK é recomendada.

• Ezetemibe: reduz a absorção in-testinal de colesterol, sem ser meta-bolizado pelo CYP3A4. Constitui uma alternativa aos casos de intolerância às estatinas ou, em associação a essas, nos casos de hipercolesterolemia seve-ra. Quando usado de forma isolada, re-duz o LDL em aproximadamente 20%.

• Acido nicotínico: eficaz na hiper-trigliceridemia e contribui para o au-mento do HDL. Entretanto, tem baixa tolerabilidade e aumenta a resistência à insulina, contribuindo para o apare-cimento de DM4(1B).

6.4 - SENSIBILIZADORES DE INSULINA

• Metformina: diminuiu a resis-tência insulínica e a gordura visce-ral em alguns estudos29,30, mas não em outros31,32. Contribuiu para me-lhora no perfil lipídico, com redu-ção da trigliceridemia29,30 e aumen-to da fração HDL332. É indicada nos casos de intolerância à glicose ou DM, porém não é capaz de reverter a lipodistrofia.

• Tiazolidinedionas: reduzem a resistência insulínica de forma seme-lhante à metformina e aumentam a adiponectina30. Entretanto, seus efei-tos sobre a lipodistrofia são contro-versos: alguns autores encontraram um aumento discreto na gordura subcutânea periférica33,34, não con-firmado por outros35(1B), conforme tabela 2.

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TABELA 2 - Considerações sobre o tratamento

Dislipidemia

Diabetes mellitus

Lipodistrofia

Medidas não-farmacológicas

• Hipertrigliceridemia: dieta pobre em gorduras e carboidratos livres. Evitar uso de álcool.

• Hipercolesterolemia: dieta pobre em colesterol e gordura saturada.

• Dieta, atividade física e perda de peso (para aqueles com sobrepeso ou obesidade).

• Atividade física

• Quando necessário, utilizar fibrato.

• Se necessário, utilizar, de preferência, estatinas que não sejam metabolizadas pelo CYP3A4 (fluvastatina, pravastatina ou rosuvastatina)

• Sensibilizadores (metformina e tiazolidinedionas)

• Se necessário, associar secretagogo

• Considerar a troca da droga anti-retroviral

Medidas farmacológicas

TABELA 3 - Considerações sobre diabetes mellitus e síndrome metabólica em indivíduos HIV positivos

O aumento da incidência e/ou prevalência de DM em indivíduos HIV positivos foi demonstrado naqueles expostos à terapia com drogas anti-retrovirais.

Apesar de plausível, não está demonstrado que a simples infecção pelo vírus HIV (sem o uso das drogas) aumente o risco de desenvolvimento de DM nesses indivíduos.

Não há consenso sobre a prevalência de SM em HIV positivos. Alguns trabalhos encontraram aumento15,19; outros, diminuição16,17; e outros18, ainda, prevalência semelhante entre HIV positivos e controles.

Os indivíduos HIV positivos em terapia anti-retroviral apresentam risco cardiovascular aumentado, quando comparados aos controles.

Considerações Nível de evidência

A

B

B

A

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Depressão no paciente diabético: diagnóstico e conduta

1. INTRODUÇÃO

A depressão é um transtorno psiquiátrico com critérios diagnósticos bem definidos, segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, texto revisado (DSM-IV-TR)1, que estão resumidos na tabela 1.

TABELA 1 - Critérios de exclusão

A. No mínimo, cinco dos seguintes sintomas estiveram presentes durante o mesmo período de duas semanas e representam uma alteração a partir do padrão de funciona-mento anterior, sendo, pelo menos, um dos sintomas (1) humor deprimido ou (2) perda do interesse ou prazer. Não incluir sintomas nitidamente devidos a uma condição mé-dica geral ou alucinações ou delírios incongruentes com o humor.

(1) Humor deprimido na maior parte do dia, quase todos os dias, indicado por relato subjetivo (por exemplo: sente-se triste ou vazio) ou observação feita por terceiros (por exemplo: chora muito). Em crianças e adolescentes, pode ser humor irritável.

(2) Acentuada diminuição do interesse ou prazer em todas ou quase todas as ativida-des na maior parte do dia, quase todos os dias (indicado por relato subjetivo ou obser-vação feita por terceiros).

(3) Perda ou ganho significativo de peso sem estar em dieta (por exemplo: mais de 5% do peso corporal em um mês) ou diminuição ou aumento do apetite quase todos os dias. Em crianças, considerar incapacidade de apresentar os ganhos de peso esperados.

(4) Insônia ou hipersonia quase todos os dias.

(5) Agitação ou retardo psicomotor quase todos os dias (observáveis por outros, não meramente sensações subjetivas de inquietação ou de estar mais lento).

(6) Fadiga ou perda de energia quase todos os dias.

(7) Sentimento de inutilidade ou culpa excessiva ou inadequada, quase todos os dias (não meramente auto-recriminação ou culpa por estar doente).

(8) Capacidade diminuída de pensar ou de concentrar-se ou indecisão, quase todos os dias (por relato subjetivo ou observação feita por outros).

(9) Pensamentos de morte recorrentes (não apenas medo de morrer), ideação suicida recorrente sem um plano específico, tentativa de suicídio ou plano específico para cometer suicídio.

Continua

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93

B. Os sintomas não satisfazem os critérios para um episódio misto.

C. Os sintomas causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funciona-mento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo.

D. Os sintomas não se devem aos efeitos fisiológicos diretos de um substância (por exemplo: droga de abuso ou medicamento) ou de uma condição médica geral (por exemplo: hipotireoidismo).

E. Os sintomas não são melhor explicados por luto. Ou seja, após a perda de um ente querido, os sintomas persistem por mais de dois meses ou são caracterizados por acen-tuado prejuízo funcional, preocupação mórbida com desvalia, ideação suicida, sinto-mas psicóticos ou retardo psicomotor.

Diversos estudos comprovam a associação entre depressão e diabe-tes2. A depressão já foi associada com hipoglicemia3, complicações relacio-nadas ao diabetes4, bem como com a percepção das limitações funcionais decorrentes do diabetes5. Um estudo nacional recente, que avaliou pacien-tes diabéticos tipo 2, encontrou não apenas elevada prevalência de depres-são, como correlação positiva entre a gravidade do quadro depressivo e a gravidade da polineuropatia diabética distal simétrica apresentada pelos pa-cientes6.

Já foi demonstrado que os níveis de depressão em diabéticos são pelo menos duas vezes maiores do que em pessoas sem doenças crônicas2. A pre-valência de depressão em diabéticos pode ser ≥ 40%7 e a comorbidade de depressão e diabetes pode prolongar o episódio depressivo ou favorecer a ocorrência de recorrências8.

A prevalência ao longo da vida de depressão na população geral em um dos maiores estudos epidemiológicos de saúde mental nos Estados Unidos foi de 17,1% e a prevalência corrente (nos últimos 30 dias) foi estimada em 4,9%9. Em pacientes com doenças clí-nicas, a incidência é ainda maior, uma vez que a depressão é encontrada em 5% a 10% dos pacientes ambulatoriais e em 9% a 16% de internados10.

Na última década, a depressão passou a ser estudada como um dos fatores etiológicos do diabetes11 e al-guns estudos evidenciaram que a de-pressão prediz a ocorrência posterior de diabetes12,13. Na população geral, a depressão é responsável por piora na morbidade e na mortalidade, mesmo na ausência de diabetes14. Um estudo demonstrou que a depressão seria um importante fator de risco para doença microvascular, doença macrovascu-lar, perda da autonomia e até mesmo mortalidade pelo diabetes15. A partir deste estudo, também foi postulada a existência de um efeito sinérgico en-tre a depressão e o diabetes, ou seja, o efeito das duas condições juntas seria maior do que apenas o somatório dos efeitos das mesmas16.

Dadas as implicações da comorbi-dade entre depressão e diabetes, é im-prescindível a avaliação cuidadosa da sua ocorrência nos pacientes diabéti-cos. As implicações clínicas de quadros depressivos são evidentes. A ausência de tratamento ou o tratamento inade-quado elevam o risco a uma ordem de magnitude semelhante ao risco apre-sentado pela elevação da pressão ar-terial não-tratada ou tratada de forma inadequada17.

Infelizmente, estudos demons-tram que a depressão é subdiagnos-ticada, em especial nos pacientes com

diabetes. Estima-se que apenas um terço dos pacientes diabéticos com depres-são recebe diagnóstico adequado18. É importante ressaltar que, apesar disso, o diagnóstico e o tratamento adequados podem levar à remissão do quadro depressivo e, por sua vez, à diminuição dos riscos de morbidade e mortalidade.

A seguir, discutiremos os principais grupos de medicamentos utilizados no tratamento da depressão e seus efeitos colaterais e interações com medica-mentos utilizados no tratamento do diabetes. Um resumo das principais medicações utilizadas e suas doses ha-bituais pode ser visto na tabela 219.

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TABELA 2 - Principais antidepressivos disponíveis no Brasil

Classe do medicamento e princípio ativo

Dose média habitual para adultos (mg/dia) Sedação Ação

anticolinérgicaHipotensãoortostática

150-200

150-200

75-100

150-200

150-200

30

20-60

20-40

100-150

20-40

50-150

10-20

75-225

60

300

8-10

30-45

150-400

Moderada

Alta

Moderada

Alta

Moderada

-

Muito baixa

Baixa

Baixa

Baixa

Baixa

Baixa

Baixa

Baixa

Baixa

Muito baixa

Alta

Alta

Moderada

Muito alta

Moderada

Alta

Moderada

Muito baixa

Nenhuma

Baixa

Nenhuma

Nenhuma

Nenhuma

Nenhuma

Nenhuma

Muito baixa

Muito baixa

Muito baixa

Moderada

Muito baixa

Alta

Moderada

Menor dos ADTs

Baixa

Baixa

Alta

Muito baixa

Nenhuma

Nenhuma

Nenhuma

Nenhuma

Nenhuma

Muito baixaB

Muito baixa

Muito baixa

Muito baixa

Baixa

Moderada

Antidepressivos tricíclicos (ADTs)A

Imipramina

Amitriptilina

Nortriptilina

Clomipramina

Antidepressivos tetracíclicosA

Maprotilina

Inibidores da monoaminoxidase (IMAOs)

Tranilcipromina

Inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS)

Fluoxetina

Paroxetina

Sertralina

Citalopram

Fluvoxamina

Escitalopram

Inibidores de recaptação de serotonina e noradrenalina (SNRI)

Venlafaxina

Duloxetina

Inibidores de recaptação de dopamina e noradrenalina

BupropionaC

Inibidores seletivos de recaptação de noradrenalina (NARI)

Reboxetina

Antidepressivos noradrenérgicos e serotoninérgicos específicos (NASSA)

Mirtazapina

Inibidores da recaptação de serotonina e antagonistas de serotonina (SARI)

TrazodonaD

A: todos os antidepressivos cíclicos possuem elevado potencial arritmogênico;

B: venlafaxina causa aumento da pressão arterial dose-dependente em alguns indivíduos;

C: bupropiona reduz significativamente o limiar convulsivo, devendo ser evitada em pacientes com histórico de síncopes e convulsões;

D: trazodona está associada com arritmias cardíacas e priapismo

Depressão no paciente diabéticoDiretrizes SBD

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2. CONDUTA TERAPÊUTICA

A depressão, nos casos leves e mo-derados, pode e deve ser tratada pelo médico não-psiquiatra, a exemplo de outras patologias não-complicadas (por exemplo: hipertensão arterial leve). No entanto, casos de episódios depressi-vos graves, depressão com sintomas psicóticos, risco de suicídio e história de transtorno bipolar do humor devem ser encaminhadas ao psiquiatra para ava-liação e conduta20. Além disso, sempre que o profissional não se sentir capaz de conduzir o tratamento do paciente ou após duas tentativas sem sucesso de tratamento da depressão é indicada a consultoria de um psiquiatra ou o enca-minhamento do paciente20.

Atualmente, existem mais de 30 psicofármacos com eficácia comprova-da no tratamento de episódios depres-sivos. Os antidepressivos são divididos por mecanismo de ação em diferentes classes, sendo as principais classes: an-tidepressivos tricíclicos (ADT) e tetrací-clicos; inibidores da monoaminoxidase

(IMAO); inibidores seletivos da recapta-ção de serotonina (ISRS); inibidores de recaptação de serotonina e noradrena-lina (SNRI); inibidores de recaptação de dopamina e noradrenalina; inibidores seletivos de recaptação de noradrena-lina (NARI); antidepressivos noradre-nérgicos e serotoninérgicos específicos (NASSA); e inibidores da recaptação de serotonina e antagonistas de serotoni-na (SARI).

De acordo com as diretrizes da Asso-ciação Americana de Psiquiatria1,21 e com as Diretrizes da Associação Médica Brasileira para o tratamento da depres-são20, três fatores são fundamentais na escolha de um antidepressivo: efi-cácia comprovada no tratamento dos sintomas depressivos; preferência do paciente; e perfil de efeitos colaterais, interações medicamentosas e tolerabi-lidade da medicação. Cabe a ressalva que, com relação à eficácia antidepres-siva, a maioria dos antidepressivos é considerada equivalente.

Seguindo as diretrizes supraci-tadas, os ISRS são considerados os

psicofármacos de primeira linha no tratamento de episódios depressi-vos, dada a sua eficácia comprovada, tolerabilidade e facilidade de empre-go, por conta de efeitos colaterais pouco pronunciados e melhor tole-rados, além de custo razoavelmente acessível.

É fundamental ressaltar ao pacien-te que a resposta à medicação anti-depressiva ocorre entre a segunda e a quarta semana de uso contínuo da medicação22. Dados da literatura de-monstram que a melhora nas primeiras semanas de tratamento está associada com maior chance de resposta23. Do mesmo modo, a ausência de resposta após quatro semanas de tratamento com uma dada medicação diminui as chances de uma posterior redução de sintomas, embora alguns pacientes ve-nham a apresentar respostas após seis a oito semanas de uso da medicação24. A duração do tratamento deve com-preender três fases: a fase aguda, a de continuação e a de manutenção, con-forme podemos ver na figura 125.

FIGURA 1 - Fases do tratamento antidepressivo

Gra

vida

de

Tempo

Fases do tratamento Aguda Continuação Manutenção

SíndromeCronicidade

RecorrênciaRecuperação

RecaídaRemissão

Resposta

“Normalidade”

Sintomas

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A fase aguda compreende os pri-meiros dois a três meses e visa à di-minuição dos sintomas depressivos (resposta) ou idealmente o retorno completo ao nível de funcionamento pré-mórbido com completa ausência de sintomas (remissão). A fase de con-tinuação vai até o sexto mês após o início do tratamento e tem como ob-jetivo manter a melhora obtida, evi-tando novas recaídas de um mesmo episódio depressivo. Os índices de re-caída são estimados entre 27% e 50% após seis meses de tratamento26. Se o paciente mantiver a remissão de sinto-mas ao final da fase de continuação, o mesmo é considerado recuperado do episódio depressivo original25. A fase

de manutenção tem como objetivo evitar a ocorrência de novos episódios depressivos (recorrência) e é recomen-dada nos pacientes que apresentem probabilidades de recorrência25.

A dose de antidepressivo utilizada nas fases de continuação e de manu-tenção devem ser as mesmas utiliza-das na fase aguda, já que estudos com doses de manutenção equivalentes à metade das doses utilizadas na fase aguda demonstraram taxas mais altas de recorrência27.

O tratamento psicoterápico tam-bém tem importância fundamental. Dentre as diferentes formas de psico-terapias, aquelas que possuem estu-dos controlados e que demonstram

efetividade no tratamento de episó-dios depressivos são a psicoterapia cognitiva28, a psicoterapia interpesso-al29 e a psicoterapia de solução de pro-blemas30, sendo que essas evidências se referem a casos de depressão leve a moderada31. Cabe ao psiquiatra a avalia-ção da indicação da psicoterapia, bem como o encaminhamento à mesma.

Dada à morbidade e à mortalidade associadas à depressão e à possibilida-de de recaída e recorrência dos episó-dios depressivos, fica a ressalva que não basta apenas diagnosticar a depressão nos pacientes diabéticos, mas sim, pro-ver o tratamento adequado para evitar as conseqüências, tanto da depressão quanto do diabetes.

TABELA 3 - Grau de recomendação e força de evidência

Impacto da depressão no paciente diabético

Importância do diagnóstico de depressão no diabético

Evidência de sinergia entre depressão e diabetes na morbimortalidade

Evidência de eficácia e tolerabilidade de antidepressivos ISRS na depressão

Necessidade de tratamento com dose e tempo adequado com antidepressivos

Recomendação Nível de evidência

A

A

AA

B

REFERÊNCIAS

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Depressão no paciente diabéticoDiretrizes SBD

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Degeneração vascular cerebral, Alzheimer e diabetes: avaliação e conduta

Diabetes mellitus 2 é condição comum em pessoas idosas, afetando 20% da-queles com mais de 65 anos. Vários estudos têm mostrado diversos efeitos adver-sos do diabetes, inclusive comprometimento cognitivo que poderia sugerir que o diabetes pudesse contribuir para o desenvolvimento da doença de Alzheimer ou de demência vascular, fato observado em muitos, mas não em todos estudos epidemiológicos.

A doença de Alzheimer (DA), descrita por Alois Alzheimer1 em 1906, é a causa mais comum de demência e sua incidência aumenta à medida que a idade avança. Apenas menos de 10% dos casos surgem antes dos 65 anos e, às vezes, nos 40 ou 50, como ocorreu com Auguste D., a primeira doente descrita por Alzheimer. Porém, a partir dos 65, a prevalência dobra a cada cinco anos, entre 65 e 85 anos. À medida que recursos médicos têm permitido ampliar a duração da vida humana, é de se esperar que nos próximos anos um número cada vez maior de pacientes existirão, representando enorme custo financeiro. Em 2007, os gastos mundiais foram estimados em 315 bilhões de dólares contra 210 bilhões de 2005, com ten-dência a aumentos significativos nos próximos anos.

Duas alterações patológicas marcam a DA: as placas neuríticas ou senis, for-madas pela agregação de polipeptídeos abeta 40 e abeta 42, e a degeneração neurofibrilar, resultante da fosforilação aumentada da proteína tau. Bloquear tal hiperfosforilação seria fator significativo para controlar a enfermidade. Os peptí-deos abeta 40 e abeta 42 são formados pela ação da beta e da gama-secretase sobre a proteína precursora do amilóide (APP), que tem parte intracelular, parte na membrana citoplasmática e outra extracelular. Já a alfa-secretase agiria sobre o APP, quebrando a molécula, sem a formação de abetas.

Intensas pesquisas têm sido realizadas com objetivo de esclarecer os mecanis-mos fisiopatológicos da enfermidade e medidas terapêuticas efetivas. Sem dúvida, as descobertas genéticas foram muito importantes e, nas palavras de Rosemberg2, marcam o fim do princípio (the end of the beginning) no caminho do completo conhecimento dos mecanismos fisiopatológicos envolvidos.

Dentro desse contexto, foram importantes os trabalhos sobre as formas fami-liares relacionadas a mutações da presenilina 1-PS1 (cromossoma 14q24.3), da pre-senilina 2- PS2 (cromossoma 1q31-q42) e da proteína precursora do amilóide (APP – cromossoma 21q21.2), todas estas ocorrendo precocemente em determinadas

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famílias PS1 e PS2, com atividade de gama-secretase. A inibição da beta e gama-secretases poderia prevenir a síntese de abetas e diminuir a forma-ção de placas.

A apolipoproteína (APOE - cromos-somo 19q13.2) está relacionada a for-mas familiares tardias e a casos esporá-dicos. A APOE existe nas formas e4, e3 e e2, sendo que os indivíduos heterozi-gotos de e4 têm três vezes mais risco de desenvolverem DA e os homozigotos, oito vezes mais risco de ter a doença aos 75 anos, quando comparados aos e3. Já os portadores de e2 gozariam de efeito protetor em relação a DA.

A causa molecular pela qual os in-divíduos e4 seriam mais propensos estaria relacionada à maior afinidade pela proteína abeta e sua agregação, com subseqüente formação de fibrilas que se incorporariam à placa neurítica. Além destes genes, outros têm sido também relacionados, como o gene da beta-secretase (envolvido na geração da abeta); neprilysin, da enzima con-versora da angiotensina (ACE 1, poten-cialmente envolvida na degradação da abeta); receptor relacionado com sorti-lin (SORT 1, envolvido nos mecanismos de geração e reciclagem da proteína abeta); genes responsáveis pelos re-ceptores de lipoproteínas de densida-de muito baixa (VLDLR) e receptores de APOE (APOE R2). Ratos, sem estes dois genes, têm aumento da proteína tau hiperfosforilada.

Outros relatos apontam polimorfis-mo da interleuquina 1 (IL-1) nos genes IL-1A e IL-1B como fortemente associa-dos com DA de início precoce. A IL-1 é citoquina pró-inflamatória com muita expressão na micróglia.

Finalmente, de importância no pre-sente trabalho, seria o gene da enzima degradante da insulina (IDE, localizado

no cromossoma 10), que é uma me-taloprotease que cataboliza a insulina e que também pode ter papel funda-mental no clearance da abeta, sendo a IDE altamente expressa no cérebro, fígado, rins e músculos. A IDE tem sido, ademais, ligada à regulação da degra-dação do APP em seu fragmento intra-celular, após a clivagem pela gama-secretase. Em culturas de células, a IDE foi capaz de agir sobre o beta amilóide. É preciso assinalar que menos ativida-de e níveis de IDE e seu mRNA foram observados em tecido cerebral de DA. É preciso lembrar que estudos genéti-cos têm apontado locus no cromosso-ma 10, próximo à IDE, em certos casos de DA tardia.

Arvanitakis et al.3 estudaram, du-rante nove anos, 824 religiosos cató-licos, padres e freiras, todos com mais de 55 anos, submetendo-os a cuidadosa observação clínica realizada anualmen-te. Diabetes mellitus foi diagnosticado em 127 participantes (15,4%). Durante 5,5 anos de observação, 151 pessoas desenvolveram DA, sendo que os dia-béticos tiveram 65% mais risco da DA que os não-diabéticos. Diabetes mellitus também foi associado com níveis in-feriores de cognição global, memória episódica, memória semântica, habi-lidade visoespacial, bem como 44% mais decréscimo na velocidade de per-cepção.

Craft et al.4 estudaram 23 pacientes com DA e 14 idosos, mostrando efeito favorável da insulina e de análogo da somatostatina. Já Boyt et al.5 evidencia-ram que a insulina reduz os níveis séri-cos da proteína precursora do amilói-de. Além disso, segundo Hong et al.6, a insulina poderia regular a fosforilação da proteína tau, base da formação dos emaranhados da degeneração neurofi-brilar.

Beeri et al.7 mostraram que a insuli-na, em combinação com outras medi-cações antidiabéticas, está associada a menos achados neuropatológicos de DA. Eles analisaram cérebros de 124 indivíduos diabéticos e 124 não-diabé-ticos na faixa etária (81,2 + 9,3), sendo 57,3% de mulheres, coletados no Ban-co de Cérebros do Mount Sinai Scho-ol of Medicine, todos com demência severa. Os pacientes diabéticos foram classificados de acordo com o perfil medicamentoso utilizado em vida: ne-nhuma medicação (n = 29), somente insulina (n = 49), outras medicações antidiabéticas que não a insulina (n = 28) ou insulina e outras medicações orais antidiabéticas (n = 18). Estudaram ain-da a densidade de placas neuríticas e emaranhados neurofibrilares em várias regiões neocorticais, no hipocampo, córtex entorrinal e amídala. Mostraram que nos diabéticos tratados havia de modo significativo menos placas neu-ríticas (20%) que em todos dos outros grupos, não havendo diferença no que dizia respeito à degeneração neuro-fibrilar.

A segunda causa mais importante de demência é de etiologia vascular (DV). O diabetes mellitus aumenta de cinco a dez vezes a incidência de ar-teriosclerose e de fatores de risco para demência vascular, além de afetar a microcirculação. É próprio dos diabéti-cos a calcificação das camadas medias e íntimas das artérias (esclerose de Mönckeberg), principalmente se existir insuficiência renal. É sabido que lesões de DA e de DV podem coexistir num mesmo paciente.

Todos estes trabalhos apontam para a importância do tratamento do diabetes com o objetivo de diminuir a incidência de DA. Também devem ser incluídas medidas preventivas em

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relação a enfermidades cerebrovascu-lares, tais como controle do peso, do perfil lipídico, de processos infecciosos e inflamatórios, devendo não serem esquecidos os dentários, evitando-se o consumo exagerado de bebidas al-coólicas. Além disso, aconselha-se a prática moderada de exercícios físicos, a ingestão de vinhos tintos (revasterol), hidratação apropriada e a chamada dieta mediterrânea, sendo fundamen-tal a abolição do tabagismo.

Li et al.8, estudando cérebros de 110 indivíduos com idades entre 65 e 79 anos ainda cognitivamente normais, compararam os usuários de estatinas (sinvastatina, pravastatina, lovastati-na ou atorvastaina) com não-usuários destas substâncias, notando que acha-dos neuropatológicos de DA ocorriam menos no grupo medicado com esta-tinas.

A avaliação cuidadosa da cognição dos pacientes diabéticos se impõe, em especial quando familiares relatarem problemas nesta área. Tal avaliação passa pelo exame neurológico, pela aplicação do teste do relógio e do mi-nimental, solicitando-se consulta es-pecializada para realização de testes mais completos e específicos, quando se fizer necessário. Isso deve ser feito, em especial, na eventualidade de pro-blemas na esfera do direito cível, como nos casos de testamentos ou doações, ou verificação da capacidade para o gerenciamento de empresas, em cir-cunstâncias em que a família manifes-tar dúvidas a este respeito.

É importante, por outro lado, que seja feito diagnóstico diferencial com outras condições que possam trazer manifestações cognitivas. Para isso, é de praxe a solicitação do hemograma e da velocidade de hemossedimentação, das taxas de uréia e de creatinina, do

lipidograma, da eletroforese de proteí-nas, dos níveis de vitamina B12 e ácido fólico, dos hormônios tireoidianos T3 e T4 e os da supra-renal, bem como do TSH e o ACTH e da sorologia para lues e, em determinados casos, para HIV. Neste contexto, os exames de imagem contribuem de modo eficaz, tanto para o diagnóstico da DA como da DV, sen-do também de valia para diversas ou-tras enfermidades, onde comprometi-mento mental pode estar presente.

Doppler carotídeo e vértebro-basilar, tomografia computadorizada, ressonân-cia magnética, espectroscopia, PET, SPECT, angiotomografia e angiorres-sonância e o PIB (meio de contraste chamado complexo de Pittsburgh, que mostra as placas neuríticas, ainda não disponível em nosso meio) ampliaram muito nossos conhecimentos e permi-tiram melhor análise destes casos.

Na DV, a tomografia e a ressonân-cia mostram sulcos cerebrais mais evi-dentes, que traduzem atrofia cerebral, dilatação ex-vácuo dos ventrículos cerebrais, com menor volume dos hi-pocampos, resultado de suas atrofias, sendo estas os primeiros sinais ob-serváveis na doença. O PET evidencia diminuição da atividade metabólica cerebral e a espectroscopia de prefe-rência, em nível do giro cíngulo, mos-tra de início aumento da relação Mi/Cr (mioinositol/creatina) e, posteriormen-te, diminuição dos picos de NAA (n-acetil-aspartato), com redução da relação Naa/Co (n-acetil-aspartato/co-lina) e aumento da relação Co/Cr.

Na DV, o doppler pode evidenciar obstruções vasculares que também aparecerão na angiotomografia e an-giorressonância. Na tomografia e res-sonância magnética, evidenciam-se infartos lacunares múltiplos, áreas de gliose que traduzem microangiopatia,

depósitos de hemosiderina causados por hemorragias anteriormente ocor-ridas, tortuosidades vasculares, atrofia cerebral e aumento dos ventrículos cerebrais. A SPECT demonstra menos fluxo circulatório cerebral.

Quando os pacientes com diabetes apresentarem quadro clínico com alte-rações cognitivas sugestivas de DA, de-verão ser utilizados os medicamentos prescritos para esta enfermidade. Para os distúrbios da memória, inibidores da acetilcolinesterase, com objetivo de elevar os níveis de acetilcolina em áreas cerebrais como o núcleo basal de Meynert, sendo prescritos: donapezil (dose inicial de 5 mg pela manhã com ou sem alimento, elevando-se depois de quatro a seis semanas para 10 mg); rivastigmine (de início com 1,5 mg tomado com alimento duas vezes ao dia, com incrementos progressivos até o máximo de 12 mg ao dia, em doses divididas em comprimidos, existindo ainda a forma de adesivos de 4,6 e 9,5 mg); galantamina (dose inicial de 8 mg pela manhã e com alimento, chegan-do-se até 24 mg, caso haja tolerância).

Outra droga, no que diz respeito a deficiências da memória, é a meman-tina, que antagoniza o glutamato nos receptores NMDA, melhorando a trans-missão nervosa e impedindo o excesso de cálcio para dentro dos neurônios, resultantes da estimulação pelo glu-tamato, exercendo deste modo efeito protetor, em especial nas mitocôndrias. A dose utilizada é de 5 mg, com ou sem alimento, que gradualmente pode che-gar ao máximo de 20 mg diários.

Recentemente duas novas drogas têm sido analisadas em estudos expe-rimentais. A primeira é o R-flurbiprofen, agente seletivo para modular a quanti-dade da gama-secretase e, como conse-qüência, reduzir a produção de abeta42.

Degeneração vascular cerebral, Alzheimer e diabetesDiretrizes SBD

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Foi utilizado por Wilcock et al.9 em dose de 800 mg, duas vezes ao dia, sendo bem tolerado e com bons resultados depois de 24 meses de tratamento. A outra droga é o hidrocloreto dimebolin, há muito empregado na Rússia como anti-histamínico. Tem-se mostrado, segundo Doody et al.10, eficaz na dose inicial de 10 mg, três vezes ao dia, e, uma semana depois 20 mg, em cada três tomadas.

Todas estas medicações devem ser prescritas nas fases iniciais da DA, deixando de ter qualquer sentido quando se aprofunda o estado demencial.

No presente trabalho é impossível estabelecer-se o nível de evidências porque há necessidade de um volume maior de estudos”.

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Definição de indicadores de desempenho dos programas de atendimento aos diabéticos

1. INTRODUÇÃO

O objetivo deste capítulo das diretrizes 2008 é definir os indicadores básicos na avaliação da qualidade do atendimento aos portadores de diabetes mellitus tipo 2 e hipertensão arterial.

2. METODOLOGIA

Para esta avaliação, será utilizado o protocolo a seguir e que pode ser preen-chido on line pelas pessoas autorizadas. O endereço eletrônico deste formulário é: www.diabetes.org.br/sistqual2.0. Os dados obrigatórios a serem colhidos são indicadores internacionalmente reconhecidos como capazes de avaliar os compo-nentes do atendimento com relação às medidas de processos e indicadores de desfechos (outcomes)1,4(A). Os seguintes indicadores de processos são obrigatórios nos prontuários. Deve ser considerada pelo menos a realização de uma medida nos últimos seis meses.

3. MEDIDAS DE PROCESSOS

• Medida da PA sistólica e diastólica;• Medida da circunferência abdominal;• Determinação da hemoglobina glicada (A1C);• Determinação do LDL colesterol;• Realização de pelo menos um exame de FO no último ano;• Realização de pelo menos um exame de função renal no último ano;• Realização de pelo menos uma avaliação de função renal no último ano;• Realização de atividades educacionais relacionadas com o fumo;• Prescrição de uso de AAS;• Prescrição de uso de inibidores de ECA

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4. MEDIDAS DE DESFECHO

• O valor da última A1C encontrada no prontuário5;

• O valor mais recente da PA;• O valor mais recente do LDL;• HDL.Dependendo do interesse, poderão

ser incluídos outros indicadores, tais como:

• Realização de educação nutricional;• Realização de práticas de Educa-

ção Física;• Realização de automonitoramen-

to glicêmico pelos usuários;• Indicadores de satisfação do clien-

te com o serviço.Cada um dos indicadores tem uma

meta a ser alcançada e um sistema de pontos. Os serviços ou os profissionais médicos de saúde poderão ser classifi-cados em três níveis, dependendo do número de pontos alcançados. Este sistema permitirá que sejam estabe-lecidas metas individuais ou coletivas para o ano seguinte. Um programa educacional de reciclagem poderá ser realizado para todos aqueles cujas ava-liações mostrem indicadores abaixo da média. A SBD poderá participar com os seus profissionais destes programas educacionais.

5. CRITÉRIOS DE INCLUSÃO

• Pessoas com o diagnóstico do CID E10;

• Pessoas (25 a 50) de cada serviço com idade superior a 30 anos e escolhi-dos seqüencialmente a partir da data de início do projeto;

• Um ano, pelo menos, de acompa-nhamento no serviço;

• A amostra deverá ser distribuída entre ambos os sexos;

• As dosagens bioquímicas de-vem estar padronizadas e devem ser conhecidos os valores normais dos métodos utilizados, principalmente os de A1C;

• O pessoal de apoio ou os médi-cos devem executar as medidas da PA e da circunferência abdominal segundo as técnicas recomendadas internacionalmente;

• Termo de consentimento dado pe-los indivíduos para a coleta dos dados nos prontuários.

6. CRITÉRIOS DE AUDITORIA DE COLETA DE RESULTADOS

• Dos prontuários, 25% deverão ser auditados.

7. ETAPAS NO DESENVOLVIMENTO DE UM SISTEMA DE AVALIAÇÃO DE QUALIDADE NUM SERVIÇO MÉDICO

O serviço deverá, de início, reali-zar contato com a SBD, comunicando que passará a utilizar o programa de avaliação de qualidade da SBD, onde fiquem mencionados os objetivos, pra-zos e o papel de cada entidade. A SBD se compromete a treinar o pessoal no preenchimento do formulário on line e, eventualmente, caso haja interesse da instituição, participar da coleta de da-dos dos prontuários médicos.

O Sistema de Avaliação dos Serviços poderá ser modificado com a inclusão de novos indicadores de interesse dos seus usuários, mas os sugeridos pela SBD deverão estar sempre presentes. Os dados da avaliação são de proprie-dade exclusiva do serviço.

A SBD, de comum acordo com os participantes, poderá realizar estu-dos multicêntricos e compromete-se a não usar os dados com nenhuma outra finalidade. O uso do sistema de-verá seguir todos os cânones éticos atualmente existente no país, ou seja, aprovação nos comitês de ética da instituição e, quando necessário, no Ministério da Saúde.

8. BENCHMARKS DO PROJETO

As metas e a pontuação seguem basicamente as estabelecidas pela Agência Americana de Controle de Qualidade (NCQA)1. Do ponto de vis-ta brasileiro, temos um trabalho, cuja principal autora é Marilia Brito Gomes2, que avaliou num estudo multicêntrico cerca de 2.230 pacientes da rede pú-blica de saúde. Temos ainda uma pu-blicação de Alberto Santos3, que apre-sentou no último Congresso Brasileiro de Endocrinologia (2006, em Recife) dados de 50 pacientes de um Hospital Universitário na Paraíba, utilizando os indicadores e o formulário on line su-geridos pela SBD2(C).

O resultado do estudo multicêntri-co citado acima apresentou os seguin-tes dados:

• Apenas 28,5 % dos pacientes ti-nham uma PA sistólica menor que 130 mm/Hg;

• Apenas 19,3 % tinham PA diastóli-ca menor ou igual a 80 mm/Hg;

• Apenas 24,6% da população tinha o IMC menor que 25 kg/m2 da superfí-cie corporal;

• Apenas 20,6 % tinham um LDL menor que 2,6 mmol/l;

• Apenas 46 % apresentavam A1c dentro dos padrões estabelecidos pela autora (SBD), ou seja, não mais do que

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1 % acima dos valores superiores do método utilizado;• Apenas 0,2 % dos pacientes atingiram todas as metas.Diante destes resultados e seguindo as normas das agências reguladoras de

controle de qualidade de outros países, a SBD sugere os critérios e as metas abaixo na avaliação da qualidade dos serviços ou de profissionais que lidam com diabetes no país1(C).

9. METAS DE AVALIAÇÃO E PONTUAÇÃO QUE DEVERÃO SER ALCANÇADAS PELOS SERVIÇOS OU MÉDICOS QUE TRABALHAM NOS CUIDADOS COM DIABETES NO BRASIL

TABELA 1 - Dados mínimos obrigatórios

Exigência

Inferior a 20%

Pelo menos 40%

Pelo menos 65%

Pelo menos 35%

Pelo menos 60%

Pelo menos 80%

Pelo menos 85%

Pelo menos 63%

Pelo menos 36%

Pelo menos 50%

Pelo menos 50%

Pelo menos 80%

Pelo menos 80%

Indicador Número de pontos

A1c > 9%

A1c < 7%

PA < 140/90

PA < 130/80

Exame de olho

Educação contra o fumo

Lipídios completos

LDL < 130 mg/dl

LDL < 100 mg/dl

Homens < 94 cm

Homens < 84 cm

Avaliação renal

Avaliação do pé

Total de pontos

Pontos necessários para o selo SBD

10

5

10

5

10

5

5

7,5

2,5

10

10

80

60

Poderão ser estabelecidos níveis intermediários de pontuação, como, por exemplo: nível 1 – 60 pontos ou mais; nível 2 – entre 50 e 59 pontos; e nível 3 – abaixo de 50 pontos.

10. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a utilização deste protocolo e da ferramenta proposta, teríamos a possibilidade de comparar o padrão dos serviços ou os indivíduos com os dados internacionais e os existentes no Brasil. Além disso, poderiam ser propostos cursos de reciclagem direcionados para a melhoria dos indicadores cujas metas não foram alcançadas. A SBD poderá prestar assessoria técnica, treinamentos e palestras para o pessoal na análise de resultados, com a participação dos seus especialistas.

Definição de indicadores de desempenho dos programas de atendimento aos diabéticosDiretrizes SBD

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2008 Diretrizes SBD

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TABELA 2 - Níveis de evidência das principais recomendações e conclusões

A exigência de indicadores da qualidade pode resultar numa melhoria da qualidade de atendi-mento, numa diminuição de custos e num melhor desfecho dos casos clínicos de diabetes e hiper-tensão arterial.

A utilização de perfis glicêmicos de seis ou sete pontos constitui-se em método para a diminuição das complicações.

A utilização de níveis de PA de 130/80 diminui as complicações cardiovasculares.

A utilização de níveis de LDL colesterol abaixo de 130 mg/dl diminui as complicações cardiovasculares.

Os indicadores de atendimento dos pacientes diabéticos de hipertensos no Brasil estão abaixo dos exigidos.

A disponibilização de um formulário via web no site da SBD pode constituir-se em uma importante ferra-menta de coleta de dados.

Recomendação ou conclusão Nível de evidência

A

A

A

A

C

D

REFERÊNCIAS

1. NCQA. The state of health care quality 2006 National Committee for Quality Assurance. WASHINGTON, D.C. in www.ncqa.org/dprp visitado em 04/09/2008.

2. Gomes MB, Gianella D, Faria M et al Prevalence of type 2 diabetic patients within the targets of care guideline in daily clinical practice: a multi-center study in Brazil. Rev Diab Stud (2006) 3:73-78.

3. Ramos AJJS, Cavalcante AJ,Ribeiro DJB et al. A avaliação dos níveis de HbA1c em pessoas com Diabetes tipo 1 em uso de insulina Glargina. Poster apresentado no Congresso Brasileiro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia. Salvador 2006.

4. American Diabetes Association. Standards of Medical Care in Diabetes – 2008. Diabetes Care 2008;31(Suppl 1):S12-S54.

5. Nathan DM, Turgeon H and Regan S. Relationship Between Glycated Haemoglobin Levels and Mean Glucose Levels Over Time. Diabetologia 2007;50(11):2239-2244.

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