2005__298_janeiro-marco

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Jornal da ABI Órgão Oficial da Associação Brasileira de Imprensa - Janeiro/Março de 2005 – N o 298 artunistas do Rio e de São Paulo uniram-se à ABI nas homena- gens ao caricaturista Lan Páginas 12 a 15 C pelos seus 80 anos: nada me- nos que 18 deles fizeram desenhos de exaltação do colega, um ítalo-argenti- no-uruguaio que se fixou no Brasil há mais de 50 anos e se apaixonou pelo Rio, pelas mulatas, pelo Fla- mengo e pela Portela. A ho- menagem a Lan e seu per- fil, por João Máximo. Os 80 anos de Lan A atividade jornalística encontra-se no mundo todo sob o cerco de inimigos de variada natureza, que estão gerando estatísticas macabras: 120 jornalistas mortos em 2004, grande parte por assassinato. No Brasil, desde fevereiro de 1999 registraram-se 127 casos de censura prévia por ordem judicial, relata o jornalista João Marcos de Carvalho, de Maceió, um dos censurados, em entrevista a Joaquim Leitão. O jornalismo além da saia NESTA EDIÇÃO ANDRÉ BRUGNI BRUNO LIBERATI CARLOS ALBERTO DI FRANCO CARLOS JURANDIR MANOLO EPELBAUM MAURÍCIO AZÊDO RODRIGO CAIXETA RUBEM MAURO MACHADO Páginas 3 a 5 O jornalismo de moda exige muito mais do que simples co- nhecimentos sobre saia e blu- sa, diz a jornalista Patricia Ru- bano, diretora do GNT Fashion, o mais importante programa de moda da televisão brasilei- ra. Como é esse jornalismo. O amor nos tempos do cinema da ABI Página 28 Além de incorporado à história da exibição cinematográfica no Rio, como cenário das primeiras sessões da Cinemateca do Mu- seu de Arte Moderna e, nos anos 70 e 80, do Cineclube Macunaí- ma, o escurinho do cinema da ABI inspirou romances e casa- mentos duradouros – conta Ali- ce Ahmed, que encontrou ali o grande amor de sua vida. Constanza, que foi repórter Páginas 16 a 23 JAGUAR Página 25 A pós 57 anos de mili- tância no jornalismo, Villas-Bôas Corrêa, de- cano da crônica política no Brasil, finalmente ingressou na ABI, porque a Casa, expli- ca, agora alia à tradição de de- fesa da liberdade a eficiência administrativa. A trajetória de Villas, o elogio dele, por Muri- lo Mello Filho, em reportagem de José Reinaldo Marques. ALECRIM ACERVO CONSTANZA PASCOLATO AMICUCCI GALLO

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Page 1: 2005__298_janeiro-marco

Jornal da ABIÓrgão Oficial da Associação Brasileira de Imprensa - Janeiro/Março de 2005 – No 298

artunistas do Rio e de São Paulouniram-se à ABI nas homena-gens ao caricaturista Lan

Páginas 12 a 15

Cpelos seus 80 anos: nada me-nos que 18 deles fizeramdesenhos de exaltação docolega, um ítalo-argenti-no-uruguaio que se fixouno Brasil há mais de 50anos e se apaixonou peloRio, pelas mulatas, pelo Fla-mengo e pela Portela. A ho-menagem a Lan e seu per-fil, por João Máximo.

Os 80 anos de Lan

A atividadejornalísticaencontra-se nomundo todo sob ocerco de inimigosde variadanatureza, que estãogerando estatísticasmacabras:120 jornalistasmortos em 2004,grande parte porassassinato. NoBrasil, desdefevereiro de 1999registraram-se127 casos decensura prévia porordem judicial,relata o jornalistaJoão Marcos deCarvalho, deMaceió, um doscensurados, ementrevista aJoaquim Leitão.

O jornalismoalém da saia

NESTA EDIÇÃO

ANDRÉ BRUGNI ● BRUNO LIBERATI ● CARLOS ALBERTO DI FRANCO ● CARLOS JURANDIR ●MANOLO EPELBAUM ● MAURÍCIO AZÊDO ● RODRIGO CAIXETA ● RUBEM MAURO MACHADO

Páginas 3 a 5

O jornalismo de moda exigemuito mais do que simples co-nhecimentos sobre saia e blu-sa, diz a jornalista Patricia Ru-bano, diretora do GNT Fashion,o mais importante programade moda da televisão brasilei-ra. Como é esse jornalismo.

O amor nostempos do

cinema da ABI

Página 28

Além de incorporado à históriada exibição cinematográfica noRio, como cenário das primeirassessões da Cinemateca do Mu-seu de Arte Moderna e, nos anos70 e 80, do Cineclube Macunaí-ma, o escurinho do cinema daABI inspirou romances e casa-mentos duradouros – conta Ali-ce Ahmed, que encontrou ali ogrande amor de sua vida.

Constanza, que foi repórter

Páginas 16 a 23

JAGUAR

Página 25

A pós 57 anos de mili-tância no jornalismo,Villas-Bôas Corrêa, de-

cano da crônica política noBrasil, finalmente ingressouna ABI, porque a Casa, expli-ca, agora alia à tradição de de-fesa da liberdade a eficiênciaadministrativa. A trajetória deVillas, o elogio dele, por Muri-lo Mello Filho, em reportagemde José Reinaldo Marques.

ALECRIM

ACERVO CONSTANZA PASCOLATO

AMICUCCI GALLO

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Janeiro/Março de 2005JJJJJooooorrrrrnnnnnaaaaalllll dadadadada AAAAABBBBBIIIIIJJJJJooooorrrrrnnnnnaaaaalllll dadadadada AAAAABBBBBIIIII22

ASSOCIAÇÃOBRASILEIRADE IMPRENSA

DIRETORIA - MANDATO 2004/2007Presidente: Maurício AzêdoVice-presidente: Milton TemerDiretor Econômico Financeiro: Aristélio AndradeDiretor de Assistência Social: Domingos MeirellesDiretor Administrativo: Fichel Davit ChargelDiretor de Cultura e Lazer: João MáximoDiretora de Jornalismo: Joseti Marques

COMISSÃO DE SINDICÂNCIABerta Nutels, Ely Moreira, Maria Inês Duque Estrada, Maurílio Ferreira e Tamar de Castro

COMISSÃO DE ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃOAlberto Dines, Cícero Sandroni, Ivan Alves Filho e Paulo Totti

COMISSÃO DE LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOSAdalberto Diniz, Altenir Santos Rodrigues, Anísio Félix, Ariosto da Silva Pinto, Germando OliveiraGonçalves, Irene Cristina Gurgel do Amaral, Italo de Saldanha da Gama, José Gomes Talarico,Maria Cecília Ribas Carneiro, Mário Augusto Jakobskind, Orpheu Santos Salles, Paulo ParisiRappoccio e Yaci Nunes

CONSELHO CONSULTIVOChico Caruso, Ferreira Gullar, José Aparecido de Oliveira, Miro Teixeira, Teixeira Heizer, Ziraldoe Zuenir Ventura

CONSELHO FISCALJesus Antunes- Presidente, Aziz Ahmed - Secretário, Adriano Barbosa, Altenir Santos Rodrigues,Eduardo Rocha, Luiz Carlos de Oliveira e Zilda Ferreira

CONSELHO DELIBERATIVO (2004-2005)Presidente: Carlos Alberto Caó Oliveira dos Santos1 º Secretário: Lênin Novaes de Araújo2 º Secretário: Nilo Marques Braga

Conselheiros efetivos (2004-2007)Antonieta Vieira dos Santos, Arthur da Távola, Cid Benjamin, Flávio Tavares, Fritz Utzeri, HérisArnt, Irene Cristina Gurgel do Amaral, Ivan Cavalcanti Proença, José Gomes Talarico, JoséRezende, Marceu Vieira, Paulo Jerônimo, Roberto M. Moura, Sérgio Cabral e Teresinha Santos

Conselheiros efetivos (2003-2006 )Antonio Roberto da Cunha, Aristélio Travassos de Andrade, Arnaldo César Ricci Jacob, CarlosAlberto Caó Oliveira dos Santos, Domingos João Meirelles, Fichel Davit Chargel, Glória SueliAlvarez Campos, João Máximo, Jorge Roberto Martins, Lênin Novaes de Araújo, Moacir Andrade,Nilo Marques Braga, Octávio Costa, Vitor Iorio e Yolanda Stein

Conselheiros efetivos (2002-2005)Alberto Dines, Ana Arruda Callado, Antonio José Ferreira Libório, Araquém Moura Roulien,Beatriz Santa Cruz, Carlos Arthur Pitombeira, Carlos Chagas, Federico Carlo Utzeri, Ítalo deSaldanha da Gama, Jorge Milton Temer, Lygia Maria Collor Jobim, Mario Antonio Barata, MaurícioAzêdo e Milton Coelho da Graça

Conselheiros suplentes (2004-2007)Adalberto Diniz, Aluísio Maranhão, Ancelmo Gois, André Louzeiro, Jesus Chediak, José SilvestreGorgulho, José Louzeiro, Lílian Nabuco, Luarlindo Ernesto, Marcos de Castro, Marcus BarrosPinto, Mario Augusto Jakobskind, Marlene Custódio, Maurílio Ferreira e Yaci Nunes

Conselheiros suplentes (2003-2006)Antônio Avellar C. Albuquerque, Antônio Calegari, Antônio Henrique Lago, Antonio RobertoSalgado da Cunha, Domingos Augusto G. Xisto Cunha, Hildeberto Lopes Aleluia, José CarlosRego, Lorimar Macedo Ferreira, Luiz Carlos de Souza, Marco Aurélio B. Guimarães, MarcusAntônio M. de Miranda, Mauro dos Santos Vianna, Pery de Araújo Cotta, Rogério Marques Gomes,Rosângela Soares de Oliveira e Rubem Mauro Machado.

Conselheiros suplentes (2002-2005)Adalberto Correa de Oliveira, Afonso César Gentil de Magalhães Costa, Anísio Félix dos Santos,Beatriz de Oliveira Santa Cruz Lima Chargel, Carlos Alberto Caó Oliveira dos Santos, Geraldoda Conceição Lopes, Jesus Edgard M. Catoira, Leda Acquarone de Sá, Marcos Tristão Chargel,Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Osmar Amicucci Gallo, Paulo Parisi Rappoccio, Rosa AlonsoSimon Garcia e Ubirajara Moura Roulien

Jornal da ABIRua Araújo Porto Alegre, 71,7 ° andar – Telefone:(21)2220-3222 /2282-1292Cep 22.030-010 – Rio de Janeiro – RJ – (jornal @abi.org.br)

Editora: Joseti MarquesProjeto Gráfico: Fichel Davit ChargelEditoração eletrônica: Miguel HeichardImpressão: Gráfica Lance – Rua Santa Maria,47 – Cidade Nova – Rio de Janeiro, RJ.

Diretor responsável: Maurício AzêdoAs reportagens e artigos assinados não refletem necessariamente a opinião do Jornal da ABI.

NESTA EDIÇÃONESTA EDIÇÃO

Falta de qualidade e deslizes éticosproduzem cicatrizes na credibilidade,alerta o professor de Ética da Comuni-cação Carlos Alberto Di Franco ao ana-lisar os problemas do jornalismo prati-cado hoje nos diversos veículos de co-municação. Página 6

ARQUIVO LA NACIÓN

Rubem Mauro Machado conta emdetalhes o resultado do bloqueio pro-movido pelos Estados Unidos a Cuba –um cerco desumano que já dura 45 anose causa à pequena ilha um prejuízo dequase dois bilhões de dólares por ano.

Página 9

Jornalista, tradutor e escritor, Mo-acir Werneck de Castro completou 90anos de uma vida plena de grandes his-tórias, a maior parte delas narradas emartigos ao longo dos seus 70 anos demilitância na imprensa.

Página 24

Andrade, as fotos do jornaleiro Manuel Araújo publicadas nas páginas 2 e 13.ERRATA Na edição de número 297, de outubro-dezembro de

2004, são de Fichel Davit Chargel, e não de Aristélio

Um grupo de estudantesalemães visitou o prédioda ABI para conhecero estilo pioneiro naarquitetura modernadesenvolvido pelosirmãos Marcelo eMilton Roberto nadécada de 30. Aarquiteta Margret Beckerficou impressionadacom a conservação dascaracterísticas originaisda construção.

Página 8

E MAIS A reforma gráfica do Jornal dos Sportes – um jornalque há 74 anos acompanha o esporte nacional e ago-

ra quer conquistar o mercado. Relatório da Comissão de Liberdade de Im-prensa e Direitos Humanos mostra a situação da liberdade de imprensa noBrasil no ano de 2004. O premiado jornalista Chico Amaral diz que a culpados erros ortográficos que infestam os jornais é da própria empresa. ABIpede providências ao Governo de São Paulo sobre o caso Ivandel Godinho.

DIOGO OLIVEIRA

O jornalismoe seus dilemas

Cerco desumanoà ilha de Fidel

OS 90 ANOS DEMOACIR WERNECK

LA NACIÓN: UMAESTRELA ARGENTINA

Os 135 anos do jornal argentino La Na-ción, comemorados com o encarte de umaedição de luxo, são revisitados pelo jorna-lista Manolo Epelbaum. O periódico teveentre seus colaboradores o escritor JorgeLuis Borges (foto) e Gabriel García Márquez.

Páginas 10 e 11

primeiro trimestre de 2005 nos surpreendeu com a parti-da de grandes companheiros – Aristóteles Andrade, Ro-land Corbisier, Newton Rodrigues, Paulo Afonso Grisolli,Hélio Bloch, Ariosto Silva Pinto, Álvaro Soledade, Vidasque seguem, deixando marcas de luta e coerência na his-tória da imprensa e de nosso afeto. Páginas 26 e 27O

AGÊNCIA O GLOBO

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O

Uma passarela entreo glamour e o preconceito

Constanza Pascolato, umadas mais bem-sucedidas

profissionais do segmentode moda, começou no

jornalismo nos anos 70, emSão Paulo, como repórter

da revista Cláudia,publicação da Editora Abril

de moda do País. Seiscen-tos jornalistas foram cre-denciados para a cobertu-ra do Fashion Rio. Rara-mente um evento tem aoportunidade de reunirum contingente tão gran-de de jornalistas em bus-ca do mesmo tipo de notí-cia, correndo atrás dasmesmas fontes e empe-nhados em levar ao públi-co um conjunto de boasmatérias. Ao promoveressa façanha, a moda bra-sileira mostrou que estánum de seus melhoresmomentos de criatividadee prestígio e ainda porcima virou um bom mer-cado de trabalho para jor-nalistas. Mas quem acom-panhou pelos jornais nãotem idéia de como se de-senvolve o trabalho ou aformação do jornalista demoda, nem os preconcei-tos com que muitas vezes são vistos, ouquanto ganham em relação aos colegui-nhas de outras editorias.

Os jornalistas que atuam na cober-tura do mundo da moda reclamam dopreconceito dos que acham que modaé assunto fútil e só rende matérias so-bre banalidades. Muitos jornalistas re-latam já ter passado pelo desconfortode serem subestimados dentro das re-dações, muito embora os profissionaisdas revistas e cadernos de assuntos fe-mininos tenham que cumprir as mes-mas regras e terem as mesmas compe-tências que são exigidas em qualquerárea do jornalismo. É claro que falar detailleurs, looks e do perfil de modelosfamosas como Gisele Bündchen e Nao-mi Campbel não leva às tensões do dia-a-dia pesado em que se transformou acobertura de Cidade, por exemplo, mastambém exige que o profissional tenhauma boa formação, freqüente cursos deextensão e de pós-graduação, saiba cul-tivar boas fontes, esteja sempre antena-do com os assuntos diretamente liga-dos à sua área de atuação, leia e pesqui-se sobre diversos temas e seja capaz deproduzir bons textos como em qualqueroutra editoria.

– Para comentar o mundo da moda épreciso conhecer mais que saia e blusa– diz Patrícia Rubano, diretora do GNT

Fashion, considerado o melhor progra-ma de TV no gênero, que tem como ân-cora a jornalista Lilian Pacce.

– A moda, de maneira geral, está mui-to mais valorizada, com destaque não sóem programas de TV e nas capas de jor-nais. O jornalismo de moda ganhou maisrespeito, os programas de televisão sãomais comportamentais. O GNT Fashionfala do funk, do hip hop e de fatos histó-ricos. Fazemos um programa com assun-tos de maior interesse do que os looksmostrados nas passarelas –, acrescentaPatrícia Rubano, para quem o jornalismode moda é um mercado em expansão. EmSão Paulo já é possível encontrar bonscursos para os jornalistas e produtoresinteressados em enriquecer seus conhe-cimentos e melhorar o currículo. Masnem por isso a vida dos jornalistas daseditorias de moda parece fácil:

– Ainda há muito preconceito com re-lação à moda, que está associada a futili-dades e coisa de dondoca que não tem oque fazer. Mas as cabeças mais modernasperceberam que nem só a política é im-portante. Não é à toa que as universida-des privadas, para sobreviver, perceberamo nicho de mercado que é a moda e passa-ram a investir nesses cursos –, diz a jorna-lista Simone Serpa, editora de moda e ar-tesanato da revista Manequim, a primeirarevista brasileira de moda lançada em São

Paulo, em 1959, pela Editora Abril. Para os jornalistas que cobrem o seg-

mento de moda é bastante clara a compa-ração que se costuma fazer entre os outrossetores da imprensa e a imprensa feminina– invariavelmente valoriza-se a primeira:

– Considerando que a imprensa fe-minina tem penetração no mundo in-teiro, vale mais pensar suas funções doque caracterizá-la como jornalística ounão –, opina a jornalista Dulcília Schro-eder Buitoni, autora de um livro sobreimprensa feminina.

– Nessa linha de raciocínio, interessaafirmar que jornalismo não é uma cate-goria para julgamento. A imprensa femi-nina é passível de críticas, porém os crité-rios para análise não devem partir da opo-sição jornalismo não-jornalismo –, avalia.

A jornalista e professora de modaRuth Joffily conta que o preconceito con-tra os jornalistas que produzem matéri-as para o segmento feminino surgiu nadécada de 1970, durante o regime mili-tar, período no qual o jornalismo, ape-sar da censura, nunca deixou de ser crí-tico. O jornalismo de moda, então, eravisto como alienado e fútil.

– Me formei na UFF, mas aprendi atrabalhar o jornalismo de moda na prá-tica, e ao entrar nele percebi a riquezados profissionais da área, vi que erampessoas altamente preparadas. Mas na

visão dos colegas nos anos 70 quem nãoestivesse ligado em economia e políticaera um alienado –, conta.

Esse debate fica mais apimentadoquando a professora Ivana Bentes, coor-denadora-adjunta da Escola de Comu-nicação da UFRJ, diz que o jornalismode moda ficou muito relacionado a di-vulgação, a coluna social, que acaboucontaminando outras editorias com ochamado jornalismo de notinhas.

– O jornalismo de moda não é críticoe deixa de explorar o mercado em expan-são de mulheres consumidoras – , dizIvana, sugerindo que os repórteres quecobrem moda e assuntos femininos pas-sem a explorar mais, nas suas matérias,as questões mercadológicas, a economiada moda e a movimentação financeirada indústria ligada ao setor.

– No caso das escolas de Comunica-ção das universidades públicas, estas de-vem também investir em estudos de com-portamento e mercado, pois há muito in-teresse da parte dos alunos – diz.

Para Constanza Pascolato, uma dasmais respeitadas profissionais do seg-mento fashion, o jornalismo de modanão precisa ser fútil e “depende de quemfaz”. Diz isso com a autoridade de quemestá no mercado há mais de 30 anos,como empresária e consultora de moda,depois de atuar como jornalista em al-gumas das mais importantes revistas,como a Vogue, na qual escreve há cercade 14 anos. Começou a fazer jornalismode moda em São Paulo, como editora darevista Cláudia, nos anos 70, “uma épo-ca em que a dona-de-casa estava saindoda casa grande e da senzala para uma eramais revolucionária”, diz, fazendo ques-tão de relatar o conselho que recebeu deVictor Civita, dono da Editora Abril:

“Você está fazendo uma revista naci-onal, então levanta o bumbum e vai co-nhecer o Brasil”, lembra Constanza, afir-mando que a indicação lhe deu uma vi-são mais realista da diversidade de “mo-dos e modas” incorporados pela popula-ção brasileira. Em sua passagem pela Fo-lha de S. Paulo, nos anos 80, quando es-teve na redação da Folha Ilustrada, per-cebeu muitos olhares de desconfiança: “Aícomeçamos a trabalhar para ganhar orespeito da redação, muito mais do que odo público”. O resultado foi bastante po-sitivo, analisa Constanza, que diz ter sesentido recompensada quando viu seustextos sendo utilizados em aulas dos cur-sos de Jornalismo e de moda.

“Para comentar o mundo da modaé preciso conhecer mais que saia e blusa”

Rio de Janeiro se-diou em janeiro umdos maiores eventos

JORNALISMO DE MODA

JJJJJooooorrrrrnnnnnaaaaalllll dadadadada AAAAABBBBBIIIIIJJJJJooooorrrrrnnnnnaaaaalllll dadadadada AAAAABBBBBIIIIIJaneiro/Março de 2005 33

JOSÉ REINALDO MARQUES

ACERVO CONSTANZA PASCOLATO

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Janeiro/Março de 2005JJJJJooooorrrrrnnnnnaaaaalllll dadadadada AAAAABBBBBIIIIIJJJJJooooorrrrrnnnnnaaaaalllll dadadadada AAAAABBBBBIIIII44

Nos bastidores,uma rotina

de muito trabalho

que passaram uma semana semi-inter-nos no Museu de Arte Moderna. A equi-pe do GNT Fashion, composta por di-retor, produtor, repórter, editor, cine-grafista e operador de vt, comandadapelas jornalistas Lilian Pacce e PatríciaRubano, manteve no MAM uma jorna-da de trabalho que durava cerca de 10horas por dia. Com esse esfor-ço, durante uma semana pro-duziram várias matérias sobreos desfiles, mostrando o tra-balho dos estilistas e apresen-tando diversas entrevistascom modelos e personalida-des do mundo fashion – a en-trevista com Gisele Bünd-chen, é claro, foi a mais con-corrida. As matérias viraramum programa especial que foiao ar no final de semana se-guinte ao evento.

Segundo a diretora PatríciaRubano, que já estava com opensamento mobilizado parao São Paulo Fashion Week, queaconteceu na semana seguin-te, ainda havia imagens e en-trevistas suficientes para aprodução de vários outrosprogramas.

Para a assessoria de im-prensa do Fashion Rio, todasas equipes de jornalismo derádio e televisão fizeram a co-bertura da feira como factual.A exceção foi a Rádio Eldora-do – rádio oficial do evento,que manteve um programacom a atriz e comentarista demoda Beth Lago. A TV Globocobriu a feira produzindo ma-térias para todos os seus tele-jornais. O evento rendeu duas matériaspara o Jornal Nacional, cinco para o Jor-nal Hoje, quatro para o Jornal da Glo-bo, uma entrada ao vivo para o Bom DiaRio, além de uma entrada ao vivo e trêsmatérias gravadas para o RJTV 2 e vári-as outras para o RJTV 1.

O coordenador de produção da TVGlobo, Juarez Pessoa, diz que a emissorasempre escala os produtores que têmmais intimidade com o assunto quandofaz cobertura de eventos de moda. Umdesses produtores é Luiz Antônio Costa,que está na emissora há nove anos. Paraele, há três regras básicas para se fazeruma boa cobertura num evento de moda.

A número um é conhecer a logísti-ca, para conferir o que vai render deimagem. Em segundo lugar vem ocontato com os organizadores, poiscomo o Fashion Rio não é novidade é

Por meio da assessoria de imprensada modelo, ficou sabendo que Giseletinha matérias agendadas com O Glo-bo, Folha de S. Paulo e o com o progra-ma Fantástico, mas Luiz conseguiu “fu-rar” a exclusividade desses veículos egravou com a modelo uma matéria quefoi ao ar no Jornal Nacional.

– Um bom trabalho jornalístico exi-ge que a gente marque presença juntoàs nossas fontes, levantando as pautaspara não depender dos releases das as-sessorias de imprensa – diz o produtor.

Outro trabalho de grande destaquenum evento de moda é o dos repórte-res-fotográficos. Segundo José RobertoSerra, editor-assistente de fotografia deO Globo, normalmente, para o FashionRio são destacados repórteres-fotográ-ficos que já têm experiência neste tipode cobertura. Mas Serra conta que no

caso da fotografia não é imprescindívelque o fotógrafo que vá cobrir um even-to de moda seja um especialista no as-sunto, até porque calendários como oFashion Rio são pautados com bastan-te antecedência e por isso é possívelpreparar bem a equipe. O repórter-fo-tográfico Fábio Rossi, de O Globo, coma experiência de ter participado de to-das as edições do Fashion Rio, contaque o mais difícil é fazer passarela:

necessário saber com antecedênciaquais serão os principais momentosdo evento; em terceiro lugar é precisoexplorar bem, nas matérias, somenteo que é realmente novo. Para exempli-ficar o quanto vale ter boas fontes esaber negociar com elas, Luiz AntônioCosta conta que por esse caminhoconseguiu uma matéria exclusiva comGisele Bündchen – a “notícia” maisdisputada do Fashion Rio.

Brasil. Ela acha que por causa da escas-sez de cursos os jornalistas de moda de-vem recorrer a toda informação dispo-nível. Para Adriana, só há uma forma deo jornalista conhecer o mercado, que éacompanhar tudo o que sai publicado eassistir aos programas com freqüência.

Simone Serpa, editora de moda darevista Manequim, também dá algumasdicas para o profissional do jornalismoque deseja se especializar. Diz ela que

– Cada desfile de moda acontece numambiente que tem luz e posicionamentode fotógrafos diferentes. Muitas vezes,antes do desfile, o salão está às escuras esomente na hora em que acendem as lu-zes é que o fotógrafo terá que ser rápidopara não perder nenhum detalhe. Cobrirdesfiles é como no futebol: o olho na má-quina o tempo todo – ensina.

Para fotografar o Fashion Rio, o jor-nal destacou uma equipe de seis fotógra-fos, que tiraram uma média de 130 fotospor desfiles. Num total de 25 desfiles,somente os fotógrafos do Globo que co-briram passarela fizeram 3.250 cliques.

– Para se tornar um bom jornalistade moda é preciso conhecer as princi-pais publicações de moda no mundo eno Brasil, ler livros e ver filmes relacio-nados ao tema – aconselha Adriana Be-chara, coordenadora de moda e repór-ter da revista Domingo e do Jornal do

reconceitos à parte, o que se viudurante o Fashion Rio foi muitotrabalho por parte dos jornalistas,P

Simone Serpa, editora de moda darevista Manequim: para ser repórter

de moda é necessário ter um bomtexto e um senso estético aguçado.

A média salarial na editoriagira em torno de R$ 3 mil por mês

antes de mais nada é preciso passar porvárias editorias e que o repórter demoda tem que ter uma visão estéticaaguçada. Numa revista, por exemplo, otexto é fundamental, pois a notícia temque parecer atual durante o mês intei-ro, ou seja, por toda uma temporada demoda. Ela afirma que no circuito dasrevistas femininas “o jornalismo seabriu muito, deixando de ser ideológi-co para ser mais produto e nesse senti-do adquiriu mais valor. Melhorou omercado, que passou a ser assunto deinteresse mais amplo”. Quanto a salári-os, Simone diz que um repórter numaeditoria de moda ganha em média R$ 3mil por mês. Mas faz questão de ressal-tar que no jornalismo de moda não háespaço para estrelismo:

– Neste ramo, quando alguém viraestrela, monta o seu próprio negócio esai da redação – conclui.

ARQUIVO MANEQUIM

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JJJJJooooorrrrrnnnnnaaaaalllll dadadadada AAAAABBBBBIIIIIJJJJJooooorrrrrnnnnnaaaaalllll dadadadada AAAAABBBBBIIIIIJaneiro/Março de 2005 55

Breve históriada imprensa feminina

no BrasilOs historiadores Dulcília Busttone

e Gondim da Fonseca contam que oprimeiro periódico feminino brasileirofoi o jornal O Espelho Diamantino, lan-çado em 1827, no Rio de Janeiro, quase20 anos depois da chegada da imprensano Brasil. Gondim da Fonseca é autor dolivro A biografia do jornalismo femininocarioca, lançado pela editora Quaresmado Rio de Janeiro, em 1941. No final doséculo XIX, a imprensa feminina come-çou a se estabelecer nos folhetins, queeditavam literatura e poesia com os as-suntos de moda.

— O alicerce da imprensa femini-na nos seus primórdios era a moda e a

literatura. Outra curiosidade era quemuitos veículos tinham nome de flor ede pedras preciosas, como metáfora dafigura feminina. Nesse período forameditados os jornais A Camélia, O Lírio, ACrisálida e A Violeta —, conta a jornalis-ta e historiadora Ruth Joffily.

Em 1914 foi lançada a revista Femi-nina, primeira do gênero no Brasil. Masfoi na década de 1960, com o lançamen-to da revista Manequim, pela EditoraAbril, em 1959, que as publicações diri-gidas às mulheres passaram a espelhara mudança de comportamento das bra-sileiras e a realidade do crescimento daindústria da moda no País, publicandomatérias bem editadas, com fotos emoldes que permitiram que as mulhe-res pudessem confeccionar os seus mo-delos prediletos. Esse fato coincide comos movimentos de libertação da mulher,que começa a sair de casa em busca de

educação e trabalho. Nos seus primeirosanos, a imprensa brasileira apenas re-produzia os figurinos que vinham dire-tamente de Paris. Como as estações doano não coincidiam, era comum se ves-tir, em pleno verão tropical, modelos emtecidos quentes, com peles, apropriadospara proteger o corpo do rigoroso inver-no europeu.

O costume brasileiro de se inspirarnas referências francesas teve início ain-da no Brasil colônia e dominou toda acultura e estética nacional até meadosdo século XX, conforme conta Ruth Jo-ffily, que é mestre em Moda pela UFRJ eautora de vários livros sobre moda namídia, dentre eles Jornalismo e Produçãode Moda, editado no ano 2000 pela NovaFronteira.

No jornal A Estação (1879-1904),eram comuns as gravuras que traziammoldes, riscos, monogramas, literatura,

figurinos de moda francesa. Em 1908,a revista Careta costumava publicaranúncios chamando os clientes parauma grande liquidação, oferecendo osartigos pelo nome original em francês.Num desses anúncios a grande atra-ção era “a exposição de 8 mil cortesconfeccionados para vestidos de se-nhoras, próprios para passeios, visi-tas, teatro, bailes e corsos, em filó, lai-ne, seda, pongenette, voil religiense delã, comprados com saldo de estaçãode uma grande casa de Paris”. Sobreesse costume a professora Ruth Joffi-ly conta que “na Rua do Ouvidor vi-via-se uma pequena Paris da moda.Ali estavam as lojas como Torre Eiffel,Notre Dame, Mme. Coulon, ParisRoyal, a Raunier”. Segundo a profes-sora, Machado de Assis chamava aRua do Ouvidor de “a via dolorosapara os maridos pobres”.

sil, onde trabalha há três anos, foi editorade moda da revista Vizoo, trabalhou comoprodutora e repórter de moda do jornalO Dia e como free-lancer da revista Elle.Na entrevista, Adriana fala da rotina daprofissão e diz o que acha necessário aojovem jornalista que pretende se tornarum bom repórter de moda.

Jornal da ABI: O que é necessário para aformação de um jornalista de moda?Adriana Bechara: Como ainda são pou-cos os cursos, um jornalista de modadeve recorrer a toda informação dispo-nível. Conhecer as principais publica-ções de moda no mundo e no Brasil, lerlivros e ver os filmes relacionados aotema. No Brasil, recomendo a Vogue, aCaras Moda, editada por Regina Guer-reiro; a revista Moda da Folha, editadapela Erika Palomino; e os sites Chic, daGlória Kalil e Erika Palomino. Na TV, oprograma GNT Fashion, feito pela Lili-an Pacce, é imperdível. No exterior, re-comendo as revistas W, Vogue, ameri-cana, francesa e inglesa, além de, sem-pre que possível, consumir tambémpublicações de vanguarda, como a re-vista V, da Visionaire.

Jornal da ABI: Qual é a rotina de um re-pórter de moda durante um evento comoo Fashion Rio?Adriana Bechara: Não existe rotina, vá-rias coisas acontecem ao mesmo tem-po, embora não seja assim com os desfi-les. Além das tendências nas passarelas,modismos e tendências de comporta-

Adriana, de “Domingo”

Adriana Bechara:“Jornalistas nãogays têmconstrangimentoem lidar como assunto”

mento estão sendo lançados nos corre-dores e salas de convivência do evento.

Jornal da ABI: Há disputas entre os repór-teres por entrevistas com modelos famosas?Adriana Bechara: Claro que todomundo quer dar um furo. Mas é amesma disputa que em qualquer ou-tra área do jornalismo. O que faz agente conseguir ou não é a grife doveículo para o qual trabalhamos enossa experiência profissional. Serrespeitado no meio ajuda.

na Folha de S. Paulo, jornal onde começoua profissão, em1989. A jornalista esteve noRio de Janeiro para cobrir o Fashion Riopara a Folha e, com uma equipe de novepessoas, também produziu matérias parao seu site. A jornada de trabalho de Érikano MAM começava às 10 da manhã e sóterminava a 1h da madrugada.

sover faculdade de moda e faculdade dejornalismo. Acho que para esse segmen-to crescer seria fundamental termos maisveículos também.

Jornal da ABI: Qual o perfil de mulherpara quem fala o jornalismo feminino?Érika Palomino: O perfil do jornalismofeminino, e não o de moda, fala essen-cialmente para a dona-de-casa.

Jornal da ABI: Muitos jornalistas conside-ram o jornalismo de moda superficial. Quala sua opinião a esse respeito?Érika Palomino: Bem, essa é a crítica no quediz respeito à moda como um todo. De todaforma, há diferentes abordagens, mesmodentro da moda. Acho que tudo dependetambém do veículo. Não dá para fazer tesede sociologia numa revista de moda, masdá para tentar ensaios mais sofisticados emcadernos de cultura mais elitizados.

Jornal da ABI: Os jornalistas de modasão bem-remunerados? Que veículopaga melhor e quem são as estrelas dasredações desse segmento no País? Você éuma dessas estrelas?Érika Palomino: Não são bem remune-rados na mídia impressa, não. As estre-las deste mercado são Glória Kalil, cam-peã de palestras no Brasil todo; Constan-za Pascolato, que escreve para a Vogue eé consultora. Se sou uma dessas estrelas?Bem, trabalho há 16 anos no maior jor-nal do País, onde sou editora de revistade moda, editora de moda na Revista daFolha e colunista. Também dirijo meu sitecom 2 milhões de page views por mês,tenho duas colunas na Vogue, além deatuar como consultora e palestrante emtodo o País. Trabalho muito e acho queacabo ganhando pela onipresença!

Erika Palomino é uma das repórteresmais respeitadas no jornalismo demoda e assina uma coluna há 15 anos

Érica, da “Folha”

Ajornalista Adriana Bechara é coor-denadora de moda e repórter da re-vista Domingo e do Jornal do Bra-

Érika trabalha há 16 anos na Folha,onde hoje é editora de moda e colunista

Jornal da ABI:Você saberia dizerse no jornalismode moda há maismulheres do quehomens em ativi-dade e por quê?Adriana Becha-ra: Há mais mu-lheres. Acreditoque seja porquevivemos em umpaís machista,onde os jornalis-tas não gays te-nham um certoconstrangimentoem lidar com oassunto. E ainda,por causa disso,acho que os jor-nalistas da geral,economia e polí-tica, por exem-plo, preferem li-dar com mulhe-res do que comhomens que gos-tem de moda.

Jornal da ABI:Desde quandovocê é jornalista equanto tempo fazque atua no seg-mento da moda?Érika Palomino:Desde 1988. Atuona moda desde 89,mas me especi-alizei em 94.

Jornal da ABI:Você consideraque o jornalismode moda no Brasilé bem-feito?Érika Palomino:Precisa melhorar,claro. Mas estouesperançosa comas novas gerações,mais críticas emais opinativas.As pessoas têmbuscado a infor-mação, mais doque o oba-oba.Acredito no cros-

ESTASDUAS TÊMCOISAS ADIZER

FALA

QUEMFAZ

AGÊNCIA JB

SITE ÉRIKA PALOMINO

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tor do mais famoso livro sobre a histó-ria do jornal, Gay Talese vê importan-tes problemas a partir da crise que atin-giu um dos ícones do jornalismo mun-dial. Embora faça uma vibrante defesado Times, “uma instituição que está nonegócio há mais de cem anos”, Talese,em entrevista ao jornal Folha deS.Paulo, põe o dedo em algumas cha-gas que, no fundo, não são exclusivida-de do jornal norte-americano. Elasameaçam, de fato, a credibilidade daprópria imprensa. “Não fazemos maté-ria direito, porque a reportagem se tor-nou muito tática, confiando em e-mail,telefones, gravações. Não é cara a cara.Quando eu era repórter, nunca usava otelefone. Queria ver o rosto das pesso-as. Os dois editores não viam a cara dorepórter que eles contrataram. E as re-clamações de editores de que JaysonBlair deveria parar de escrever foramfeitas por e-mail. Isso é muita tecnolo-gia no jornalismo. Não se anda na rua,não se pega o metrô ou um ônibus, umavião, não se vê, cara a cara, a pessoacom quem se está conversando”, con-clui Talese. Falta de qualidade e desli-zes éticos têm conseqüências. Produ-zem, a médio ou longo prazo, cicatri-zes na credibilidade.

Um amigo gozador costuma dizer-meque a expressão “jornalismo de qualida-

Repórteres carentes de informação e de documentaçãoapropriadas acabam instrumentalizados pela fonte

de” é contraditória em si mesma. Outrodia, quis exemplificar-me esta sua opi-nião. “ Veja”, dizia, “ boa parte do noticiá-rio de política não tem informação. Estádominado pela fofoca e pelo espetáculo.Não tem o menor interesse para os leito-res. Não resolve nada, não questionanada, não melhora a vida das pessoas.” Odesinteresse crescente dos leitores comas páginas de política, por exemplo, (e ocomentário do meu amigo é uma amos-tragem do que está passando pela cabe-ça do consumidor de jornal) está em re-lação direta com o excesso de aspas, a fal-ta de apuração, a crise da reportagem e asubstituição de matéria jornalística portranscrição rotineira de fitas.

O uso de grampos como materialjornalístico virou, infelizmente, ferra-menta de trabalho. A velha e boa repor-tagem foi sendo substituída por dossiê.É preciso ter cuidado, muito cuidado,com a fonte que voluntariamente pro-cura o repórter. O grampeamento, alémdisso, continua sendo um delito. Inde-pendentemente das tentativas de mini-mizar a gravidade da sua prática, con-tinuo achando que o melhor fim nãojustifica quaisquer meios. De uns tem-pos para cá, no entanto, o leitor passoua receber dossiês que, freqüentemente,não se sustentam em pé. Como che-gam, vão embora. Curiosamente, quemos publica não se sente obrigado a darnenhuma satisfação ao leitor. Dossiêdeveria ser ponto de partida, pauta.Entre nós, virou matéria para publica-ção. Entramos na era do jornalismo sem

jornalistas, nos tempos da reportagemsem repórteres. Ficamos, todos (ouquase todos), fechados no nosso autis-mo, emparedados no ambiente rarefei-to das redações.

Enquanto esperamos o próximo dos-siê, tratamos de reproduzir declaraçõesentre aspas, de repercutir frases vaziasde políticos experientes na arte de ma-nipular a imprensa. O jornalismo está vi-rando show business. Espartilhados pelomundo do espetáculo, repórteres estãosendo empurrados para o incômodopapel de uma peça descartável na linhade montagem da ciranda do entreteni-mento. Urge combater as manifestaçõesdo jornalismo declaratório e assumir,com clareza e didatismo, a agenda docidadão. É preciso cobrir com qualida-de as questões que influenciam o dia-a-dia das pessoas. É importante fixar aatenção da cobertura não mais nos po-líticos e em suas estratégias de comuni-cação, mas nos problemas de que os ci-dadãos estão reclamando.

Repórteres carentes de informaçãoespecializada e de documentação apro-priada acabam sendo instrumentaliza-dos pela fonte. Sobra declaração levia-na, mas falta apuração rigorosa. A in-competência foge dos bancos de dados.Na falta da pergunta inteligente, a dita-dura das aspas ocupa o lugar da infor-mação. O jornalismo de registro, buro-crático e insosso, é o resultado acabadode uma perversa patologia: o desprepa-ro de repórteres e a obsessão de editorescom o fechamento. Quando editores não

formam os seus repórteres; quando aqualidade é expulsa pela ditadura dodeadline; quando o planejamento é umaabstração; quando as pautas não nas-cem da vida real; quando não se olha nosolhos dos entrevistados, está na hora derepensar todo o processo.

A autocrítica interna deve, além dis-so, ser acompanhada por um firme pro-pósito de transparência e de retificaçãodos nossos equívocos. Uma imprensaética sabe reconhecer os seus erros. Aspalavras podem informar corretamen-te, denunciar situações injustas, cobrarsoluções. Mas podem também esquar-tejar reputações, destruir patrimônios,desinformar. Confessar um erro de por-tuguês ou uma troca de legendas é re-lativamente fácil. Mas admitir a práticade atitudes de prejulgamento, de ma-nipulação informativa ou de levianda-de noticiosa exige coragem moral. Re-conhecer o erro, limpa e abertamente,é o pré-requisito da qualidade e, porisso, um dos alicerces da credibilidade.Só assim conseguiremos que os leito-res, cada vez mais seduzidos pelas faci-lidades oferecidas pela informação vir-tual, percebam que o jornal continuasendo útil, importante, um guia insubs-tituível para a navegação na vida real.

Carlos Alberto Di Franco, diretor do Master em

Jornalismo, professor de Ética da Comunicação e

representante da Faculdade de Comunicação da

Universidade de Navarra no Brasil, é diretor da Di

Franco – Consultoria em Estratégia de Mídia Ltda.

E-mail: [email protected]

ACARLOS ALBERTO DI FRANCO

A HORA DA ÉTICA

s fraudes praticadas por jornalis-tas norte-americanos do The NewYork Times deram o que falar. Au-

Esta foi a terceira refor-mulação gráfica do diárioesportivo carioca, quecompletou 74 anos defundação no dia 13 demarço. O jornal foi lança-do em 1931, com capa empapel cor de rosa e miolopreto e branco. Esse visualdurou até o ano 2000, quan-do veio a primeira mudan-ça: por causa do alto custo do pa-pel rosa pré-impresso, a direção do jor-nal decidiu usar na capa o papel de corrosa mas pintado. A segunda mudan-ça ocorreu em 2001, quando foi deci-dido que o miolo deixaria de ser total-mente preto e branco e a cor seria uti-lizada em algumas páginas – projetográfico que durou até agora, em 2005.Em janeiro, o Jornal dos Sports apare-ceu de cara nova, com o Primeiro Ca-derno colorido e o lançamento do “Ca-derno Sports 2”

O motivo da mudança foi puramen-te editorial, segundo o diretor MaurícioFerreira – responsável direto pela refor-mulação gráfica – e não tem nada a vercom as dificuldades de importação depapel, que no passado era totalmenteimportado, porque o Brasil não produ-

zia papel de cor rosa, marcatão tradicional do JS, que osleitores, numa crise de abas-tecimento nos anos 60 , re-cusaram o jornal quando ojornaleiro lhes entregouexemplar impresso em pa-pel branco, como o dos de-mais veículos.

Na realidade, o novo visual veio cola-borar também para que fosse superadauma antiga dificuldade: a impressora dojornal tem limitações, só imprime até 12páginas coloridas. “O jornal foi rearruma-do para que pudéssemos passar por cimadessa limitação. Criamos o ‘CadernoSports 2’, com capa e contracapa colori-da, onde são publicadas matérias de opi-nião, esportes amadores, as seções doscolunistas. No Primeiro Caderno, quepassou a ser todo colorido, ficaram asmatérias sobre o futebol.”

Maurício Ferreira afirma que têm che-gado à redação críticas bastante favorá-veis ao novo projeto gráfico. Ele diz que ojornal ficou mais leve e mais fácil de serlido. “O desenho das páginas com novatipologia permitiu o aumento de infor-mação – o uso de infográficos e de fontes

de fácil leitura, juntamente com uma di-agramação mais leve está facilitando oleitor na identificação e compreensão dasmatérias.” Um dos principais objetivos doatual projeto gráfico, segundo seus res-ponsáveis, é valorizar o rosa sem usá-locom exagero. “No novo conceito, o rosaestá sendo utilizado para destacar os as-suntos mais relevantes e as matérias deopinião. A idéia foi rejuvenescer para cres-cer, inclusive no público jovem”, diz o di-retor-executivo Wellington Rocha.

A mudança já está produzindo efeitopositivo junto aos leitores – houve um au-mento de 15% na venda na primeira se-mana em que o Jornal dos Sports foi paraas bancas com leiaute novo. O diretor-exe-cutivo Wellington Rocha afirma que mes-mo com os problemas de venda que vêmafetando todos os jornais é possível cres-cer e essa foi uma aposta do Jornal dosSports. “Existe uma curva positiva – com oinício do Campeonato Carioca – que ele-va a vendagem”, diz Wellington Rocha.Aproveitando o lançamento do novo pro-jeto o jornal também aumentou a tiragem– a média diária hoje oscila entre 40 e 45mil exemplares, antes era de 27 mil.

Wellington Rocha informa que para

chamar a atenção dos leitores e atrairpublicidade está sendo veiculada umacampanha sobre as mudanças do jor-nal nas TVs a cabo e aberta – excetoGlobo e SBT, que não têm programa-ção exclusivamente esportiva – e ememissoras de rádio. O slogan da cam-panha chama a atenção para a refor-mulação gráfica e a estréia de novoscolunistas. A jornalista Gilse Campos(estreou na edição de 28 de janeiro)toda sexta-feira estará escrevendo acoluna “Sport Fino”. O iatista Lars Gra-el passa a escrever sobre vela; ThomazKoch vai falar sobre tênis; Luísa Paren-te, da ginástica olímpica. Após o car-naval Fernando Scherer, o Xuxa, es-treou com artigos sobre natação.

Visando a aumentar o faturamen-to com publicidade, o Jornal dos Sportsabriu há seis meses um escritório emSão Paulo, com cinco funcionários. Em2004, o jornal teve um crescimentoconsiderável: saiu de um patamar bai-xo para um índice de 282%. Este ano,segundo o diretor-executivo Welling-ton Rocha, a expectativa é de alcançarum objetivo bem mais modesto, naordem de 30% a 35%.

JS, jovem aos 74 anosO Jornal dos Sportsestá nas bancasde visual novo.

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A ABI paga atrasados salariais

A Diretoria da ABI pagou em 15 demarço aos seus funcionários as diferen-ças salariais relativas ao Acordo Coleti-vo de 2002 com o Sindicato dos Empre-gados em Atividades Culturais – Senal-ba, as quais não foram liquidadas pelasDiretorias precedentes. Além desse va-lor, a ABI pagou também diferenças re-lativas ao vale-refeição dos meses demarço e abril de 2003, que também nãotinha sido pago integralmente pela Di-retoria anterior. Os valores líquidos de-vidos creditados aos funcionários tota-lizaram R$ 14.055,37. Com os encargossociais sobre a folha, o desembolso totalda ABI foi de R$ 18.822,66.

Esses foram alguns dos muitos pas-sivos deixados pelas Diretorias anterio-res, que mantiveram a entidade inadim-plente em relação a uma série de obri-gações fiscais, previdenciárias, salariaise contratuais. Entre esses passivos figu-ra o do Acordo Coletivo de 2003, que nãofoi cumprido nem mesmo parcialmen-te pela Diretoria anterior. A forma de li-quidação dessa obrigação, assim comoa definição do Acordo Coletivo de 2004,está sendo objeto de entendimentos en-tre a ABI e o Senalba na Delegacia Regi-onal do Trabalho no Estado do Rio.

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ACONTECEU NA ABIACONTECEU NA ABI

Alemães vieram conhecer paraestudar o edifício-sede da ABI

Alunos de Arquiteturada cidade de Cottbus, próxima a Berlim,percorrem o prédio e seencantam cominovações de 1936 quepermanecem atuais

RODRIGO CAIXETA

obra, um grupo de universitários ale-mães visitou, em 2 de março, o edifício–sede da ABI, onde foi recebido pelo pre-sidente e outros diretores da casa. Amanutenção das características origi-nais da construção, que data da déca-da de 30, foi o que mais fascinou o gru-po, que percorreu vários andares, sobo comando da arquiteta Margret Be-cker, da Brandenburgische TechnischeUniversität de Cottbus, cidade próximaa Berlim. Segundo ela, “o Edifício Her-bert Moses é importante no contexto daarquitetura moderna e seus construto-res, os irmãos Marcelo e Milton Rober-to, desenvolveram um estilo pioneiro”.

Do alto do 13º andar, que já abrigouum jardim planejado por Roberto Bur-le Marx, Margret comentou:

– Observando os prédios ao redor,percebem–se as influências desta obra.

A escolha do prédio da ABI comoobjeto de estudo para o grupo de 18alunos deveu–se a uma pesquisa deMargret sobre arquitetura moderna noBrasil, durante um seminário em 2004:

Atraídos pela singularidade e a ori-ginalidade de soluções e inova-ções adotadas na execução da

– Na época não tive oportunidade de viraqui. Agora, fiz questão de incluir a ABI noroteiro das construções a serem visitadas.

Seu interesse pelo prédio começoucom a leitura do livro “Arquitetura mo-derna no Brasil”, de Henrique Mindlin,editado em 1956, apenas em inglês,francês e alemão, e considerado o prin-cipal registro da construção brasileirade 1937 a 1955.

– É fundamental para os especialis-tas – diz Margret.

A estudante Nina Rusanen lembroua competição que havia na época entreos jovens arquitetos para a criação denovos estilos:

– A forma como eles idealizavamos prédios é muito interessante. Esteedifício é importantíssimo no estu-do da história da arquitetura moder-na no Brasil.

Sua colega Friederike Kettmanndestacou a grandiosidade das salas:

– Hoje é difícil encontrar espaçostão amplos. É totalmente diferente daarquitetura alemã. Mas o que mais meimpressiona é saber que arquitetostão jovens como eu puderam plane-jar isto. Gostaria de trabalhar aqui,pois o terraço da ABI é o espaço idealpara um descanso no meio do dia. Émenos barulhento, menos movimen-tado e tem a melhor paisagem.

Nadine Stecklina fez uma com-paração entre o Brasil e a Alemanha:

– No Brasil, percebemos que há umapreocupação maior em manter os deta-lhes originais. Já na Alemanha, se algummóvel antigo é danificado ou destruído,há imediata substituição por materialmais novo, sem a preocupação com amanutenção da identidade original.

Até a barbearia, que funciona no11º andar, foi prestigiada pelos turis-

tas. Alexander Römer barbeou–se a pedi-do das colegas. “Elas estavam incomoda-das com a minha barba”, brincou. Ele dis-se, ainda, que as novas tecnologias funci-onam bem para a construção de prédiosinteligentes, mas o que distingue o pré-dio da ABI é o fato de ser uma obra me-nos arquitetural e mais ambiental.

Além dos estudantes citados, estive-ram na visita à ABI a professora-assis-tente Christiane Rathje e os jovens An-dré Hronjec, Anuschka Mueller, Julia-Elsie Hoins, Kerstin Schmidt, FelixSlyfath, Henning Fulda, Niels Niren-berg, Annika Fischer, Nils Lillig, Nanne-lore Rung e Sabine Eyrich.

Representantes dos Ministériosdo Turismo e da Cultura estiveram naABI no dia 4 de março para propor acessão de um espaço para abrigar umdos painéis do Fórum Mundial deTurismo para Paz e Desenvolvimen-to Sustentável, que acontecerá emoutubro próximo.

O Fórum é resultado de uma par-ceria entre os governos federal, esta-dual e municipal e diversas organi-zações não-governamentais, com oobjetivo de avaliar as iniciativas de-senvolvidas mundialmente no seg-mento. Os encontros são estrutura-dos de forma a integrar os diversossetores participantes do evento epromover diálogo, articulação e tro-ca de experiências.

Estiveram na ABI, representandoo Ministério do Turismo, Márcio Fa-villa, secretário-executivo, e RubensBacellar, coordenador-geral de Recur-

No Fórum de Turismo, um painel sobre a mídia

sos Logísticos, acompanhados de Mira-ne Albuquerque, chefe da representaçãodo Ministério da Cultura no Rio de Ja-neiro; Eduardo Farina, do Instituto daHospitalidade; Antônio Carlos CastroNeves, diretor de Operações da TurisRio,e Ludmila Pereira, gerente de Marketingtambém da TurisRio. Os visitantes co-nheceram o Auditório Oscar Guanaba-rino, que fica no 9º andar e poderá abri-gar o painel sobre Turismo e Mídia.

Favilla destacou a importância doevento “devido à representação do turis-mo em 10% do PIB mundial e aproxima-damente 3,5% do PIB brasileiro”. O Pre-sidente da ABI, Maurício Azêdo, por suavez, ressaltou a relevância do Fórum nadivulgação da cidade do Rio de Janeiro:

– Não só será dada maior visão à cida-de, como também serão valorizadas asedificações do centro do Rio, entre as quaiso Edifício Herbert Moses, sede da ABI.

O Fórum Mundial de Turismo para

Paz e Desenvolvimento Sustentá-vel contribui para a busca por desen-volvimento econômico e social, a pro-moção da diversidade cultural, a pre-servação da biodiversidade e a cons-trução de condições para a paz. Naprimeira edição do evento, em 2004,mais de 3 mil pessoas participaramdas atividades. Entre delegações ofi-ciais, palestrantes, debatedores e par-ticipantes em geral, representantes de62 países foram a Salvador.

Segundo informações do site doevento, o Brasil é um laboratório vivopara os temas que ilustram a missãodo Fórum, pois a sociedade brasileirapode ser considerada emblemática,devido às várias matrizes culturais quenela coexistem. Além disso, é dadodestaque à riqueza e à variedade deatrações de cunho ambiental e à diver-sidade de manifestações e traços cul-turais do País. (Rodrigo Caixeta)

Ministério do Turismo estuda a realização desse debate na ABI

Associação Brasileirade Imprensa

Assembléia-Geral OrdináriaEdital de convocação

Nos termos do artigo 20 do Esta-tuto da Associação Brasileira de Im-prensa (ABI), são convocados os as-sociados a se reunir, em sua sede, naRua Araújo Porto Alegre, 71, Centro,Rio de Janeiro, no dia 28 de abril docorrente ano, às 10 horas, para: I) to-mar conhecimento do relatório daDiretoria, do parecer da ComissãoFiscal e da decisão do Conselho De-liberativo sobre aquele e este e paradiscutir e resolver os assuntos quelhes forem apresentados pela Dire-toria ou por associados por intermé-dio da Mesa; II) no dia 29 de abril,das 10 às 20 horas, para eleger o ter-ço do Conselho Deliberativo, com osrespectivos suplentes, e o ConselhoFiscal. O relatório da Diretoria esta-rá à disposição dos associados a par-tir do dia 18 de abril, na Secretariada ABI. As chapas concorrentes aoterço do Conselho Deliberativo e aoConselho deverão estar registradasno período de 29 de março a 9 deabril, nos termos do artigo 21 do Re-gulamento Eleitoral aprovado peloConselho Deliberativo em 6 de ja-neiro de 2004.

Rio de Janeiro, 24 de março de 2005

Carlos Alberto Caó Oliveira dos SantosPresidente do Conselho Deliberativo

Sede da ABI: atração para alemães

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DEPOIMENTO

Da arte doestrangulamento

Um cerco que já dura 45 anos e provocaefeitos devastadores na Cultura, na

Ciência e na vida da população cubanaDRUBEM MAURO MACHADO

grave crime (que tem se repetidocom outras pessoas) e acabaram se-veramente punidos pela Justiçaamericana. Foram condenados apagar mais de 65 mil dólares de mul-ta, cada um, pelo tenebroso delito deterem visitado por alguns dias o paísnatal. A justificativa legal para a pu-nição foi de que “gastaram dinheiroem Cuba”.

É de se acreditar que as multastenham afetado pesadamente osapenados, pois elas levam em contaa situação econômica de cada réu.A legislação prevê para esses casosmultas que podem chegar a até 250mil dólares, para pessoas físicas, e del milhão de dólares, para pessoas ju-rídicas. Quem se recusa a pagar estásujeito a até dez anos de prisão. Cal-cula-se que, por causa dessa restri-ção, 6,5 milhões de norte-america-nos deixaram de ir a Cuba nos últi-mos cinco anos, com a perda de umaporte de cerca de US$ 4 bilhões. OGoverno Bush criou uma agênciaespecialmente para rastrear viagenscom destino a Cuba. Entre 1990 e2003, essa agência, empregadora denumeroso pessoal, investigou 10.683viajantes americanos, o que resultouem multas que totalizaram 8 mi-lhões de dólares.

Estes episódios servem paraexemplificar o cerco promovido pelapotência hegemônica ao pequenopaís de pouco mais de 107 mil quilô-metros quadrados (um pouquinhomaior que Santa Catarina) e de 11 a12 milhões de habitantes (bem me-nos que a população da Grande SãoPaulo). Os detratores do regime afir-mam que Fidel Castro usa o bloqueiocomo uma justificativa para as difi-culdades econômicas de Cuba. Masnão explicam, se isso é verdade, por-que o governo norte-americanomantém o cerco implacável, dandoassim armas ao inimigo. Aliás, esse éprecisamente um dos argumentosutilizados por grande parte da im-prensa e de contingentes liberaisamericanos favoráveis ao fim do blo-queio, que classificam de, além dedesumano, politicamente ineficaz.

Depois de percorrer Cuba duran-te duas semanas em missão profis-sional, em companhia de meu irmãoMilton, também jornalista, pude-mos constatar que o assunto inevi-tável das conversas de 10 em cada10 cubanos, do povo às autoridades,é a questão do bloqueio. E não poracaso: seus efeitos são devastadoresna vida da população.

Segundo cálculos dos economis-tas cubanos, o bloqueio causa ao Paísprejuízo, num cálculo segundo eles

ois cubanos aposentados resi-dentes há muitos anos nos Es-tados Unidos cometeram um

conservador, de pelo menos US$ 1,8 bi-lhão por ano. O que não é difícil de expli-car: praticamente tudo o que Cuba im-porta tem de ser comprado através de ter-ceiros, o que chega a dobrar ou até tripli-car os preços. Ou seja, de 1960 aos diasde hoje a ilha caribenha sofreu perdasacima de 80 bilhões de dólares, o sufici-ente para financiar, considerando-se suasdimensões, uma nova revolução econô-mica. E sem mencionar uma série de di-ficuldades adicionais que afetam a suapequena economia. Por exemplo, a Cu-bana de Aviación não pode comprar avi-ões Boeing; e nem sequer Airbus, que éde um consórcio europeu. Por muito fa-vor, pôde arrendar três aparelhos daque-la empresa européia; mas como o Airbustem 10 por cento de componentes fabri-cados nos EUA, isso fez com que o arren-damento saísse três vezes mais caro doque custaria para qualquer outro país.

PORTOS PROIBIDOS

Reproduzindo a tática adotada noséculo 19 por Napoleão Bonaparte con-tra a Inglaterra (o chamado BloqueioContinental), qualquer navio que apor-te em Cuba fica proibido de ancorar emqualquer porto dos Estados Unidos du-rante seis meses. Qualquer país que ne-gocie com Cuba, mesmo que sejam ali-mentos ou remédios, sofre pressões eretaliações, correndo o risco de perdernão só o mercado norte-americanocomo o de outros países tutelados porWashington. Cuba tem ainda dificulda-des de acesso a créditos em bancos defomento internacionais para investi-mentos em infra-estrutura.

Autoridades sanitárias revelaram, emprograma de televisão comandado pelo

jovem chanceler Felipe Pérez Roque —uma das lideranças emergentes, repre-sentante da geração que era criança ousequer ainda havia nascido na época daRevolução — como o bloqueio pode afe-tar a saúde da população, sobretudo ainfantil. Uma subsidiária européia dolaboratório Chiron forneceu vacinaspara crianças e foi multada em US$168.500. O laboratório Abbott foi proibi-do de vender medicamentos para aAIDS; Cuba foi forçada a recorrer a atra-vessadores, o que lhe custou seis vezesmais do que o preço normal. Por causadisso, cientistas acusaram o governonorte-americano de genocídio.

O País queria comprar algumas má-quinas de escrever em Braille, para usodos cegos de uma escola especial. Com oveto à importação, Havana teve mais umavez de recorrer a intermediários, fazendocom que o preço unitário de 700 dólarespulasse para 1.200. Provavelmente foramfatos como esse que levaram o Papa JoãoPaulo II a pedir o fim do bloqueio, quan-do visitou Cuba em 1998. E faz com queopositores dessa política aleguem que,ainda que os governantes de um país se-jam ditadores sem alma, o povo não deveser castigado por isso. A ONU mais deuma vez denunciou o bloqueio comouma violação das leis internacionais, semqualquer conseqüência prática.

PERDAS

No mesmo programa de televisão, ochanceler Pérez Roque mensurou as per-das causadas pelo bloqueio, que já duraquase 45 anos. Disse que com 1 bilhãode dólares anuais (as perdas a cada ano,é bom recordar, chegam a quase o do-bro disso), seria possível construírem-se

100 mil novas residências, diminuin-do o agudo déficit habitacional. Com180 milhões seria viável levar gás en-canado às cozinhas de 2,4 milhões deresidências; com 127 milhões pode-ria se dar gratuitamente um litro deleite por dia a 1,2 milhão de crianças;e com 51,8 milhões seria possível do-brar a ração de frango que a popula-ção recebe gratuitamente. Outros 300milhões de dólares resolveriam oproblema da energia: durante nossaestada, registrou-se um apagón queafetou toda a ilha, com graves perdaseconômicas, motivado ao que pare-ce pela quebra do mecanismo deuma usina, por fadiga de material.

Outras perdas são difíceis de se-rem quantificadas. Por exemplo, quemontante o País, que tem praias emabundância e sol o ano inteiro, pode-ria arrecadar se lhe fosse permitidoreceber turistas americanos? É bomlembrar que o turismo é hoje a suaprincipal fonte de divisas, à frente doaçúcar, do níquel e do fumo. No breveperíodo em que o Governo Clintonpermitiu intercâmbios, depois proibi-dos pelo Governo Bush, 80 mil norte-americanos visitaram Cuba.

DANOS CULTURAIS

Mas os prejuízos decorrentes dobloqueio não são apenas financeiros.A Cultura e a Ciência também sãoduramente afetadas. A importaçãode discos, livros e filmes, entre outrosbens culturais, é extremamente difi-cultada, prejudicando a atualizaçãoartística e científica.

Cientistas cubanos não podemcomparecer a simpósios, cursos e se-minários nos Estados Unidos e, damesma forma, cientistas americanosnão podem participar de eventos emCuba. O intercâmbio artístico e espor-tivo foi quase zerado. Um dos ameri-canos fortemente multados por ir semlicença ao País é simplesmente o tra-dutor do ex-Presidente Bill Clinton.Apenas em 11 meses, o governo ame-ricano negou 21 vistos de entrada adirigentes esportivos para eventos di-versos. É verdade que o Ballet Nacio-nal de Cuba pôde se apresentar em 20cidades norte-americanas; mas comonão podia cobrar cachê, deixou de ar-recadar 200 mil dólares.

A negativa de visto de entradaatinge a artistas populares. O hojemundialmente conhecido cantorIbrahim Ferrer (do filme “Buena Vis-ta Social Clube”), não pôde entrar nosEstados Unidos sob a alegação deque representava “perigo para a se-gurança nacional”.

– Sou um velho cantor, não sou umterrorista – protestou ele na televisão,os olhos enevoados pelas lágrimas.

Rubem Mauro Machado é jornalista e escritor,

autor, entre outros, de “Lobos” e “O

executante” (Ed. Record)

BRUNO LIBERATI

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JJJJJooooorrrrrnnnnnaaaaalllll dadadadada AAAAABBBBBIIIIIJJJJJooooorrrrrnnnnnaaaaalllll dadadadada AAAAABBBBBIIIII Janeiro/Março de 20051010

maturidade no início do denominado“Século das Luzes” e avança, com todaforça, pela sua reconhecida qualidadejornalística, por estes iniciais anos2000.Trata-se do jornal argentino, edi-tado em Buenos Aires, La Nación, queno dia 4 de janeiro completou seus pri-meiros 135 anos de profícua vida.

Sua periodicidade contínua, às vezestruncada pelos eternos inimigos da ver-dade e da liberdade de imprensa, saiu àsruas com uma tiragem de apenas 1.000exemplares e sua redação e oficina foraminstaladas na Rua San Martín, em plenoCentro da urbe portenha. Sofreu seu pri-meiro fechamento pela censura do gover-no do Presidente Sarmiento, de setembrode 1874 até março de 1875, e reapareceucom uma circulação de 10.700 exempla-res, fato este incomum para a época.

Já no amanhecer do século XX co-meçam a funcionar as primeiras linoti-pos e pouco depois aparece sua primei-ra edição a cores numa edição extraor-dinária. Imprime sua primeira foto cu-riosamente com nada menos que a fi-gura do então Presidente do Brasil, Ma-nuel Ferraz de Campos Sales. No ano1903 envia pela primeira vez um jorna-lista esportivo a Montevidéu para fazera crônica do jogo entre Nacional e Alu-mni. Em 1912 inaugura a rotativa Mari-noni, capaz de imprimir 120.000 jornaisde 64 páginas numa hora.

Mas alguém já mencionou que osjornais são apenas fragmentos de papel,tinta e uma importante dose de talen-to. Então nada melhor para reforçar estaafirmação que mencionar o fato de queforam seus mais apreciados colabora-dores algumas reais e verdadeiras estre-las da literatura universal. Entre eles ocubano José Martí, que enviava de NovaIorque inigualáveis crônicas da vidacotidiana dos Estados Unidos. Tambémenfeitaram suas páginas grandes talen-tos da estatura de Rubén Darío; Leopol-do Lugones; José Ortega y Gasset; o es-critor argentino Manuel B. Mujica Lai-nez, que exerceu a chefia do Suplemen-to Literário; Ernest Hemingway, comseus relatos da Espanha durante a Guer-ra Civil; Albert Einstein, antecipando omanejo da energia nuclear, e as fre-qüentes aparições deste gênio literárioque foi Jorge Luis Borges, nas páginasdo matutino. Devemos mencionar tam-bém Jean Cocteau e a talentosa figurado Prêmio Nobel de Literatura GabrielGarcía Márquez, do qual no ano 2002se publicaram fragmentos do seu livrode memórias Vivir para Contarla e que,orgulhosamente, o nosso Jornal da ABIpublicou interessante síntese , “furo” naimprensa brasileira.

Outro detalhe do dinamismo de LaNación começou no dia 29 de agostode 1960. Nessa data publicou-se a pri-

Uma data da imprensado Continente

“La Nación” de Buenos Aires completa 135 anose comemora a façanha com um suplemento

em formato de livro com 242 páginasFMANOLO EPELBAUM

undado por aquele que fora o pre-sidente da Argentina, BartoloméMitre, no ano de 1870, alcançou a

meira edição internacional do jornalimpresso em papel extra-leve e distri-buído para assinantes dos quatro can-tos deste planeta por via aérea, sema-nalmente, com o resumo dos mais im-portantes acontecimentos. Certamen-te essa edição, pioneira na AméricaLatina, era aguardada por profissio-nais, estudantes, diplomatas, adidos ecomerciantes espalhados pelo mundoque, desta forma, recebiam notíciaspolíticas, econômicas, artísticas semesquecer, obviamente, os resultadosdo futebol argentino. Estas ediçõescircularam até o dia 29 de março de1999, quando foram substituídas pelavelocidade das fibras ópticas atravésda Internet. (www.lanacion.com.ar)

Nas suas modernas oficinas atual-mente também se imprimem simulta-neamente com as edições italianas osjornais La Gazzetta dello Sport e Corri-

ere della Serra, atingindo assim osmembros da numerosa colônia italianana Argentina.

Durante a guerra do Vietnã trabalha-va no jornal Ignacio Ezcurra, de apenas28 anos. Enviado a Saigon como corres-pondente de guerra, com duplo encar-go de repórter e fotógrafo, desapareceuno dia 8 de maio de 1968. Seu corponunca foi achado. Era tetraneto de Bar-tolomé Mitre e primo do Che Guevara.Havia ingressado no jornal em 1958.Teve uma vida intensa infelizmentetruncada cedo demais.

Pelos suplementos esportivos passa-ram verdadeiros mestres. Um deles é oveterano Alfredo Parga, ainda na ativa,que soube como ninguém relatar a ful-gurante trajetória automobilística deJuan Manuel Fangio, Ayrton Senna eNelson Piquet em crônicas inesquecí-veis. Outro grande mestre na área dos

esportes foi Alberto Laya (Olímpico),cuja frase fechando a matéria do anto-lógico gol de Maradona no jogo contraInglaterra na Copa do Mundo/Méxi-co’86 é uma jóia de síntese de uma rea-lidade. Ele escreveu: “Estava consuma-da uma obra-prima deslumbrante quecustará esquecer. Mas muito mais cus-tará repetir”. Atualmente La Nación pu-blica um suplemento diário dedicado atodos os esportes. É no formato tabloi-de e se denomina “Deportiva”, sendomagistralmente dirigida pelo experi-mentado jornalista Carlos Losauro.

No transcurso dos anos são dignosde menção a especial atenção que o jor-nal sempre dedicou e dedica aos cincoPrêmios Nobel argentinos: 1936, Saave-dra Lamas (Paz); 1947, Bernardo Hous-say (Medicina); 1970, Luis F. Leloir (Quí-mica); 1980, Pérez Esquivel (Paz) e 1984,César Milstein (Medicina).

Bartomolé Mitre (no alto) foi o fundador do periódico argentino que completou135 anos e presenteou seus leitores com uma luxuosa edição que conta a história

do jornal que teve Jorge Luis Borges (à esquerda) entre seus colaboradores

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Esteban Peicovich, José Ignacio Lla-dós, Alicia de Arteaga, Octavio HornosPaz, Santiago Kovadloff, Orlando Ba-rone, entre outros. O cuidado de to-dos nos textos, a total lisura nos seusartigos e o inconfundível respeito pelovernáculo fazem desse destacadotime de colunistas um real padrãodentro do jornalismo sul-americano.

Por tudo acima exposto a ABI asso-ciou-se aos festejos de La Nación envian-do-lhe sinceras congratulações, por serum veículo permanentemente defensorde todas as liberdades e, fundamental-mente, da liberdade de expressão.

Na qualidade de colaborador tra-balhei durante vários anos no La Na-ción. Nas minhas infreqüentes via-gens a Buenos Aires, posso constatara qualidade no trato e a lisura total nocomportamento tanto das chefiascomo dos colegas e amigos.

Segundo seu atual editor, JoséClaudio Escribano, Bartolomé Mitrefundou o jornal com caráter partidá-rio, procurando consolidar, de umaperspectiva liberal, a ‘OrganizaçãoNacional’ que, a partir das Constitu-intes dos anos 1853 e 1860, havia fei-to progredir durante seu mandatopresidencial entre 1862 a 1868.

Por ocasião do 135º aniversário, a4 de janeiro, o jornal circulou com umsuplemento gratuito, em formato delivro, com 242 páginas e que acompa-nhou a edição normal desse dia semônus para o leitor. Um exemplar per-tence à ABI por gentileza do jornalis-ta Xavier Prieto Astigarraga, da Seçãode Esportes de La Nación.

Atualmente o jornal conta entreseus renomados colunistas com Joa-quín Morales Solá, Marcos Aguinis,Mario Diament, Tomás Eloy Martínez,

Jorge Luis Borgesescrevia parao SuplementoLiterário doLa Nación.À direita,a reproduçãode uma ediçãodo SuplementoIlustrado de20 de abril de 1905.Abaixo, Che Guevaralendo um exemplardo jornal

Este é o significado, no entender da ABI,da decisão que nega indenização à família

da antiga Diretora da Secretaria da OAB, mortanum atentado terrorista em agosto de 1980

DIREITOS HUMANOS

Desaparecidos de negar o pagamento deindenização à família de Dona Lyda Mon-teiro da Silva, Diretora da Secretaria doConselho Federal da Ordem dos Advoga-dos do Brasil, assassinada num atentadoterrorista praticado em 27 de agosto de1980 contra a sede da entidade, então si-tuada no Rio.

No entender da ABI, o Estado nacio-nal tem o “dever jurídico e moral” de re-ver essa decisão, porque falhou “no de-ver de assegurar a todos, na época, o di-reito à segurança, à integridade física e àvida”. A respeito a ABI emitiu esta decla-ração no dia seguinte à decisão da Comis-são de Mortos e Desaparecidos Políticos:

“A Associação Brasileira de Imprensaconsidera do seu dever manifestar sua per-plexidade e sua indignação diante da deci-são da Comissão de Mortos e Desapareci-dos Políticos de negar o pagamento de in-denização à família de Dona Lyda Montei-ro da Silva, Diretora da Secretaria do Con-selho Federal da Ordem dos Advogados doBrasil, e considera que essa infortunadapatrícia acaba de sofrer novo atentado, tãoreprovável quanto aquele que a assassinoubrutalmente, em 27 de agosto de 1980. La-menta a ABI que o respeitável relator docaso, advogado Belisário dos Santos Júni-or, e seus ilustres pares, que conduziram porunanimidade a essa abominável decisão,tenham dado como procedentes as conclu-sões das investigações realizadas na épocapelos paus-mandados da ditadura militar,como se os trabalhos por estes realizadosmerecessem o crédito das pessoas de bem.

Não pode ficar sem reparo, igualmen-te, a afirmação do Presidente da Comissão

AABI recebeu como um novo atenta-do a essa “infortunada patrícia” adecisão da Comissão de Mortos e

Dona Lyda sofrenovo atentado

de Mortos e Desaparecidos de que não foi pos-sível provar a culpa do Estado na imolação deDona Lyda, embora o contexto político e his-tórico aponte para tal culpa. Na visão da ABI, aComissão prendeu-se a um pormenor tecni-cista, que colide com o comportamento do Es-tado sob a égide de dois Governos, o atual e oprecedente, que propuseram e instituíram umapensão mensal – aliás do valor ridículo de R$500,00 – em favor do único filho de Dona Lyda,num reconhecimento, tardio e ditado peloavanço das forças democráticas do País, de queo Estado nacional foi o responsável pelo sacri-fício dessa pranteada concidadã.

Entende a ABI que as filigranas tecnicis-tas da Comissão de Mortos e DesaparecidosPolíticos não podem sobrepor-se à evidênciade que o Estado brasileiro tem a obrigação deindenizar a família de Dona Lyda,porque faleceu no dever de assegurar a todos,na época, o direito à segurança, à integridadefísica e à vida. Esse é um dever jurídico e mo-ral do Estado brasileiro, o qual deve ser reco-nhecido e cumprido pelo Governo da União,com a revisão dessa decisão da Comissão deMortos e Desaparecidos Políticos.

A ABI imprime a esta sua manifestação aindignação legítima de que está possuída des-de que, tal como ocorreu com Dona Lyda Mon-teiro da Silva, as mesmas mãos criminosas pro-tegidas e estimuladas por um Estado nacionalantidemocrático explodiram uma bomba dealto teor no sétimo andar do Edifício HerbertMoses, sua sede.

A ABI, por fim, solidariza-se com o Conse-lho Federal da Ordem dos Advogados do Brasilem todas as iniciativas que haja por bem adotarpara garantir à família de Dona Lyda a justiçade que carece há quase um quarto de século.

Rio de Janeiro, 11 de março de 2005.Maurício Azêdo, Presidente.”

Em ato presidido pela GovernadoraRosinha Garotinho, o Estado do Rio deJaneiro pagou a 40 vítimas da ditaduramilitar as indenizações instituídas a tí-tulo de reparação moral pela Lei nº 3.744,de 21 de dezembro de 2001, de autoriados Deputados Carlos Minc, EdmilsonValentim, Neca e Chico Alencar, atual-mente deputado federal. O valor da in-denização foi fixado em R$ 20.000,00.

Os primeiros beneficiários da Lei nº3.744/2001 foram, em ordem alfabética,Agapito Ferreira Damasceno, Alcir Hen-rique da Costa, Aury Gomes da Silva, AutoRodrigues dos Santos, Clóvis Carilo Fi-gueiredo, Dácio Lopes da Silva, DjalmaOliveira da Silva, Darcy Domingues deMelo, Edgard Ribeiro de Souza, EdivaldoSouza Bentes, Ely de Oliveira Alves, Enyde Oliveira Novaes, Eufle da Costa No-gueira, Fernando Pereira Cristino, Fran-

Reparação moral é pagaa 40 vítimas da ditadura

cisco Feliciano da Silva, Floriano dos SantosMáximo, Geraldo Leite, Henrique EduardoAntony Veloso, Ivan da Silva Canavarro.

E ainda Jacintho Francisco Paiva Netto, JoséAlves Damasceno, José Benigno Luna Sobri-nho, José Martins da Silva, José Sérgio Vaz, Lau-ro Félix Barbosa, Lenine Abdiel de Sousa, LuizZizi de Oliveira, Maria Lúcia Ribeiro Martins,Oscar Dias Lacerda, Osmar Pinto, OswaldoGarcia Veloso, Oswaldo José Lourenço, Rai-mundo Alves de Souza, Raymundo Neves deAraújo, Rosalina de Santa Cruz Leite, Sebasti-ão Fonseca dos Santos, Sebastião RodriguesPaixão, Severino Batista Cabral, Wilson Alves deOliveira e Zilda Paula Xavier Pereira.

O benefício relativo a Lenine Abdiel deSouza foi recebido por seus herdeiros: elemorreu antes da instituição da reparaçãomoral. Entre os processos aprovados há vá-rios relatados pela representação da ABI naComissão Especial de Reparação.

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JOÃO MÁXIMO

Janeiro/Março de 2005JJJJJooooorrrrrnnnnnaaaaalllll dadadadada AAAAABBBBBIIIIIJJJJJooooorrrrrnnnnnaaaaalllll dadadadada AAAAABBBBBIIIII1212

plo de perfeita combinação de talento esensibilidade num mesmo ser humano:Lan. Pois é justamente este ilustre per-sonagem - da arte, da cidade e da vida -que está comemorando, com todas ashonras, seus 80 anos. Honras que, aindaque todas, hão de ser poucas.

Tempos atrás, num texto ainda inédi-to que o Ministério das Relações Exteri-ores encomendou-nos para mostrar láfora quem é ele, atrevemo-nos a dizerque, para se conhecer Lan, era precisosaber primeiro o que é ser carioca. Cla-ro, escrevíamos para leitores de outrospaíses. Porque, por aqui, todo mundosabe exatamente o que é ser carioca. Ou,pelo menos, acha que sabe. Hoje pedi-mos licença para levar mais longe o atre-vimento ao dizer que, para se conhecerLan, é imperioso saber a diferença entreo carioca que ama o Rio como gostariaque o Rio fosse (idealizado, fantasiado,camuflado, retocado, escamoteado, fal-seado e, como tal, inexistente) e o cario-ca que ama o Rio como o Rio é. Ou seja,apesar de suas mazelas e, em alguns ca-sos, por causa delas. Um carioca exata-mente como Lan.

O primeiro, o do Rio que só existe emdevaneios, é especialista em jogar lixopara baixo do tapete. Para ele, a cidadeimaginada é de fato maravilhosa, sem vi-olência, sem menor abandonado, semtraficante, sem prostituição infanto-juve-nil, sem maus govemantes, sem policialcorrupto, sem praia poluída, sem pobre-za, sem medos e sem ódios. É por tudoisso que ele ama o seu Rio, um Rio de car-tão postal. Já ser carioca como Lan, pelocontrário, é amar a cidade com todos ospesares que a tornam cada dia menosmaravilhosa. É conhecer-lhe os defeitose, como se faz com um filho, amá-Ia mes-mo assim. Mais que isso, é deixar-se gui-ar por uma filosofia de vida que não seadquire, mas que se traz do berço.

Cariocas como Lan já nascem com oRio no sangue. É o que explica muitas desuas atitudes diante do mundo. Porexemplo, o fato de gostar dos subúrbiosonde o progresso e a sofisticação custama chegar, na mesma medida em que seencanta com as praias ensolaradas daZona Sul. É subir morros, conviver comsua gente, beber com ela, entender-lhe acultura, da mesma forma com que trocaidéias com amigos grã-finos nos bares damoda. É ter um coração musical, maissintonizado com o samba e o choro doque com o rock, o reggae, o funk, o hiphop e o rap, mas não ser contra nada dis-so. Como Lan. É viver o futebol menoscomo esporte do que como paixão. Ou,se preferirem, como religião. No caso deLan, uma religião chamada Flamengo. Só

U m caricaturista genial: Lan. Umgrande carioca, desses de que éfeita a alma do Rio: Lan. Um exem-

que este carioca único costuma se entre-gar a duas fés ao mesmo tempo, cultu-ando a escola de samba assim como cul-tua o clube de futebol. Por isso, aos olhosde Lan, o azul e branco da Portela emnada difere do vermelho e preto do Fla-mengo. Sofrendo por ambos, mas semperder a condição de bem-humoradocrônico (razão pela qual, depois de todoFlamengo x Vasco, telefona para o vasca-íno Paulinho da Viola para cumprimen-tá-Io pela vitória ou, se for o caso, con-solá-Io pela derrota, tudo com a elegân-cia que os dois ostentam). É ser doutorem hospitalidade, o peito sempre abertopara novos amigos. Assim como Lan. Éestar pronto para estender a mão ao vi-zinho, é não ter preconceito de raça oude credo, é fazer do sorriso seu cartão devisita e da generosidade o seu emblema.É, também, ter sempre uma piada pron-ta para qualquer situação, de preferên-cia autocrítica, autogozativa, autodepre-ciativa (mas só por fora, pois no fundoum carioca como Lan se orgulha de ser oque é). Ninguém sabe fingir tão bem onão levar a vida a sério, quando na ver-dade todos os seus passos são guiadospela seriedade. Ser carioca assim é tra-balhar muito, deixando que os outros tei-mem em dizer que não gosta de traba-lhar. Precisamente como Lan, operárioincansável, escravo de sua arte.

Dizíamos naquele texto - como infor-mação aos lá de fora - que ser carioca nãosignifica ter nascido no Rio. Não neces-sariamente. E que alguns dos cariocasmais autênticos vêm da Bahia, de Minas,de São Paulo, do Rio Grande, quando não,caso do próprio Lan, de terras mais dis-tantes. Ser carioca, como disse o cronis-ta, é mesmo um estado de espírito e nãouma referência geográfica. Tem mais aver com o ser do que com o estar.

Lanfranco Vaselli nasceu em Monte-vardi, cidadezinha da Toscana situadaentre Florença e Arezzo. Estranho quepareça, foi ali que, ao vir ao mundo, nodia 18 de fevereiro de 1925, ele começoua ser carioca. Como ele mesmo gosta deexplicar, optou ao nascer entre ser are-tino (de uma “vil razza dannata”, no di-zer de Dante Aleghieri) ou florentino (dotipo “strafottenti”, correspondente itali-ano ao carioca autêntico, vivo, bem-hu-morado, irreverente, sagaz, sabedor deque a vida é curta e deve ser vivida à lar-ga). Como a de Lan. A qual, se nos per-doam o lugar-comum, daria um livro(que ele talvez ainda escreva). Não sópelas passagens boêmias, algumas ro-manticamente picarescas, mas tambémpelos caminhos que o levaram a consu-mar na prática sua carioquice de nas-cença. Isso há mais de 50 anos.

O pai de Lan era um virtuoso do oboéque por pouco não foi contratado por Ar-turo Toscanini para integrar a Filarmô-nica de Nova York. Acabou em São Paulo,na Sinfônica do Teatro Municipal. Aca-bou, não: começou. Foi seu primeiro

Cartunistashomenagearam o

amigo Lan,mesclando em

charges os seustemas preferidos:as belas mulatase a cidade do Rio

de Janeiro com seusdetalhes mais

famosos, como ocalçadão de

Copacabana eo Pão de Açucar

Nas charges deJal (ao alto) e deMariano, areprodução deduas dasprincipaiscaracterísticas deLan: o humorimpregnado dealegria ejuventude e apaixão pelascurvas generosasdas mulatas

Os 80 anosdo carioca Lan

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contato com o Brasil. Vindo com a mulhere os dois filhos - Lan com quatro anos - oVaselli pai decidiu levar a família paraMontevidéu, deixando para trás a atmos-fera política que se respirava em São Pau-lo entre a Revolução de 1930, a que levouVargas ao poder, e a de 1932. De Montevi-déu, já em 1935, foram todos para BuenosAires, o Vaselli músico contratado pelaRádio EI Mundo. Mas voltaram pouco de-pois, a saúde do pai reclamando do climaúmido da capital argentina.

Foi entre os dois lados do Rio da Pra-ta que o Vaselli filho cresceu. Começou aestudar arquitetura em Montevidéu, maslargou o curso no meio. O gosto pelo de-senho ficou no jovem que tinha o hábitode caricaturar os professores, um deles ode Química e o outro, o inesquecívelDansa, de Desenho. A caricatura seria suaúnica profissão pela vida afora. Como elemesmo diz: “profissão caricaturista”, enão cartunista, termo que tivemos o maugosto de copiar dos americanos”. O esti-lo, ele o deve à preguiça. De não estudar,de não se interessar muito por escolas eestilos alheios, de ser ele mesmo. Um ar-tista que define a memória como um fil-tro que deixa em nossas mentes apenaso essencial. É o que difere o caricaturistado retratista, este preso ao que vê, aque-le guiado pela memória. Acredita que seuestilo começou a nascer quando carica-turou um craque de futebol argentino,Agustín Prado. Lan captou-lhe não só ostraços fisionômicos, mas também o ges-tual, a coreografia com que brigava pelabola em campo. Passou a desenhar paracinco revistas e dois jornais da EditorialHaynes, de Buenos Aires. Só para Notíci-as Gráficas, era uma caricatura por dia.De futebol e outras coisas.

(A propósito de captar gestos e coreo-grafias, acrescentando movimento aosseus desenhos, explica-se o refinamentoe a precisão com que Lan – quando che-gar o momento – irá desenhar figuras dosamba, assim como um dia seu lápis re-gistrou a sinuosidade dos bailarinos dotango e a sensualidade dos músicos dojazz. Digamos que Lan é um mestre emsugerir ação onde há inércia. Uma sam-bista sua nos dá a impressão de sair dopapel entre meneios, requebros e passosde dança).

Em 1952, ele visitou o Rio. Descobriua cidade, o sol, os botequins vadios, asmulheres. Apaixonou-se. Uma paixãopara toda a vida: “Eu já cheguei carioca”,admite. O futebol também já estava nosangue, inoculado por um sentimentoque, embora nascido nos embates entreNacional e Peñarol, em Montevidéu, to-mou corpo ao ver jogar lá o brasileiro Do-mingos da Guia: “Virei Nacional por cau-sa dele”. O Flamengo, ex-clube de Domin-gos, foi o caminho natural, ao contráriodo samba, descoberta quase acidental.Levado por Edison Carneiro para fazerpesquisa no Salgueiro, a escola do lendá-rio Casimiro Calça-Larga, gostou, mas

Em desenho deGabriel Renner, acaricatura doaniversarianteadmirando umareprodução desuas eternasmusas, paixãocomplementadapela adoração àPortela e ao timerubro-negro

O cartunista LeoMartins retrataLan agarrado auma perna demulata: arecorrência dotema fez com queele se tornasse omaior entusiasta edivulgador dabeleza negra

O cartunista Peixeresume em sua charge o

que este carioca detantas nacionalidades

passou a ser quandoconquistou um público

que até hoje oacompanha em suas

Cariocaturas,publicadas no Globo - o

grande Lan

não amou. O mesmo se deu coma Mangueira. Amor, mesmo, foiquando visitou a Portela de Alci-des Malandro Histórico, VelhoCláudio, Manuel Bambambã, Rufi-no, Expedito e outros sambistas len-dários. Ali, uma das grandes liçõescolhidas por Lan:

- Os intelectuais de respeito têmmuito a aprender com a gente dopovo, sobretudo com a sabedoria dospoetas e cronistas do samba.

Daí ser impossível encontrar em tra-ço de outro artista algo tão inconfundi-velmente carioca como as mulatas e ospassistas de Lan. Sua admiração pelasmulatas é meio atávica. Desde a babáZezé, que lhe mandava balas de cocoquando a família se mudou de São Paulopara Montevidéu, até a mulher com queestá casado há mais de 40 anos. Seunome: Olívia. Era uma das Irmãs Mari-nho, trio de dançarinas tão belas quantotalentosas. Lan jura que foi ele quem le-vou as três para o samba e não o contrá-rio, como muitos pensam.

Com tudo isso, Lan se considera umapessoa comum, longe de merecer bio-grafia em livro:

- Biografias só valem para bandidosou heróis, ou pelo menos para quemteve a vida torta. Eu, pelo contrário,sempre andei em linha reta. Não conhe-ci acidentes de percurso. Se bem queadmito nunca ter imaginado chegar aos80 anos tendo exercido uma única pro-fissão: caricaturista.

O que não o impede de vir a autobi-ografar-se à sua maneira. Como? Numlivro a ser ilustrado por ele mesmo. Tí-tulo: Se... Seria mais ou menos uma con-fissão às avessas, a história de sua vidatransformada na vida que não teve. E senão tivesse nascido em Montevardi? Ese o pai não fosse oboísta? E se não pas-sasse por Montevidéu, Buenos Aires,São Paulo? E se detestasse futebol? E sefosse ruim da cabeça, ou doente do pé,para não gostar de samba? E se não ti-vesse se apaixonado pelo Rio? E se nãofosse casado com Olívia? De se... em se...Lan acredita que poderia se revelar me-lhor como o homem comum que pen-sa ser. Um homem sem queixas,cuja autobiografia, se real-mente vier a escrevê-Ia, játem até dedicatória: “Aomeu anjo da guarda!”

Quem é esseitaliano-uruguaio-argentino queescolheu o Riocomo pátria

Lan por ele mesmo. Odesenho foi o tema doconvite enviado pelaABI a todos os sócios,chamando-os aparticipar de maisuma festa queencheu de alegria econgraçamentoo auditóriodo 9º. Andar

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mais nada a dizer”, desabafou Lan, sor-ridente, no saguão do Auditório OscarGuanabarino, no nono andar da sededa ABI, após a maratona de entrevistascom que os repórteres de televisão oassediaram na noite em que a ABI o ho-menageou por seus 80 anos.

Lan já havia concedido um primei-ro turno de entrevistas, interrompidaspara a realização do espetáculo musi-cal em sua homenagem. Durante cer-ca de uma hora, acompanhando asmúsicas com a batida da palma dasmãos ou mexendo discretamente ospés, Lan permaneceu sentando no pal-co, onde se apresentaram, sob a coor-denação do compositor Moacyr Luz,Jair do Cavaco, Monarco, Surica e Do-rina, expressões da Velha Guarda daEscola de Samba Portela, a azul-e-branco de que Lan é devoto há mais de50 anos, desde que se radicou parasempre no Brasil.

No acompanhamento, músicos dapesada, craques do melhor samba deraiz: Paulão Sete Cordas, Jaime Vigno-le, Roberto Marques, Beto Cazes e Pau-lino Dias. Antes que o show se encer-rasse, uma surpresa para Lan: duasmulatas esculturais, as passistas daPortela Suelen e Nilce, exibiram-se empassos e requebros que faziam Lanvirar-se seguidas vezes, entortar o pes-coço, para melhor contemplar sua gin-ga e suas evoluções.

Coube a Ziraldo fazer a saudaçãoa Lan em nome dos cartunistas que seintegraram à homenagem. Em tomcoloquial, dirigindo-se a Lan, ao seulado, e conversando com a platéia.Ziraldo revelou que sua amizade como homenageado data do começo desua vida profissional, quando, traba-lhando na mesma redação, Lan insis-tiu em que fosse dada uma oportuni-dade ao jovem colega, mais novo queele uns sete ou oito anos. “Esse meni-no é um grande desenhista, tem queser aproveitado como tal”, disse Lan,que com essa sugestão mudou o des-tino profissional do Ziraldo.

“Eu conheço o Lan há mais de 50 anos enunca ouvi em relação a ele uma frase que agente ouve com freqüência: ‘Mas esse Lan,hein?’ Essa é a melhor prova do caráter ex-cepcional de Lan”, disse Ziraldo, que a seguircontou como fez o desenho em homenagema Lan, como proposto pelos organizadores daExposição Afetiva. Ele fez uma mulata de cos-tas, em seu estilo de desenhar, e outra tam-bém de costas, mas fazendo o decalque deum desenho de Lan, para imitá-lo com per-feição. Nos dois desenhos, as mulatas exibi-am bundas monumentais. “A diferença entreos dois desenhos –– disse Ziraldo –– é que nomeu a mulata parece estática, parada. No de-senho de Lan que copiei, a bunda da mulataaparece sambando.”

Lan chegou com relativa pontualidade àhomenagem, idealizada e proposta à Dire-toria da ABI pelo Diretor Administrativo Fi-chel Davit Chargel e organizada por uma co-missão integrada por Chico Paula Freitas,Glória Alvarez e Marilka Lannes. Marcadapara as 18h, já às 18h20min contava com apresença do homenageado, que chegou aonono andar da ABI com a esposa, Olívia, suacompanheira há mais de 40 anos, e de Ja-guar, que acompanharia o show na segun-

O encontro de Lan comHomenagem organizada pela ABI permitiu que o cartunista

“EMAURÍCIO AZÊDO

u não sei mais o que dizer. Jáme perguntaram tudo, respon-di a tudo, e agora não tenho

Lan e Jaguar(à direita):um encontroafetivo dedois mestresna arte dohumor eda ironia

Jair do Cavaco, da Velha Guardada Portela, dá um show

O saguão doauditório donono andar,onde estavaa exposição,

repleto deconvidadosno coquetel

oferecidoapós o show

Lan admirasuacaricatura,feita porAroeira. Umadas muitasem suahomenagemna ExposiçãoAfetiva

Ziraldocomentaseudesenhocom Lan

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FOTOS JOSÉ CARLOS VELOSO

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JJJJJooooorrrrrnnnnnaaaaalllll dadadadada AAAAABBBBBIIIIIJJJJJooooorrrrrnnnnnaaaaalllll dadadadada AAAAABBBBBIIIIIJaneiro/Março de 2005

da fila do Auditório Oscar Guanabarino, amesma em que tiveram assento também oscartunistas Ique e Ziraldo, este acompanha-do da esposa, Márcia. Na fila seguinte, mui-to discreto sentou-se Chico Caruso. ComLan chegou também Valéria da Silveira, Di-retora da Lan Produções Artísticas.

Lan reencontrou então companheirosque há muito não via, muitos dos quais re-cordavam que depois que ele se mudou paraPedro do Rio, distrito de Petrópolis, as opor-tunidades de encontrá-lo se tornaram raras,raríssimas. Com dificuldade para reconheceralguns, pois os olhos apresentam problemas,Lan passava do cumprimento formal ao abra-ço caloroso quando o amigo, que ele não re-conhecera logo, se identificava e lhe avivavaa lembrança de bons momentos comuns.Com alguns Lan não deixava fugir a possibi-lidade de troça. Ao ser abraçado pelo atorAntônio Pedro, que cultiva vasto bigode cu-jas pontas são arqueadas para cima, Lan co-fiou seus bigodes e advertiu o amigo: –– Olhasó: estou quase te pegando.

Com paciência Lan percorreu a ExposiçãoAfetiva montada pela ABI com os desenhosfeitos especialmente em sua homenagem porseus colegas cartunistas, alguns dos quais,

muito jovens, vieram a conhecê-lo noevento, organizado pela ABI com o patro-cínio da Prefeitura do Rio e da TAM. En-tre eles estavam Alecrim, Alvino, Amorim,André Barroso, Aroeira, Bira, EduardoCaldari, Gabriel Renner, Jaguar, Jal, JúlioMariano, Léo Martins, Mariano, Nani,Paulo Caruso, Peixe, Ponciano e Ykenga,cujos trabalhos foram expostos assim emordem alfabética pelo nome do autor.Chico Caruso e Ique lamentaram que ti-vessem recebido o convite muito tarde,sem tempo para fazer seus desenhos, mascompareceram ao ato para abraçar Lan.

Antes e depois do show musical,Lan conversou com os amigos, tratoucom carinho os convidados da ABI queo cumprimentavam e falou com bomhumor aos muitos repórteres que oentrevistavam. Três horas depois, Landava sinais de que as emoções vividasao longo da noite excediam o que es-perava. Os cabelos brancos já apareci-am levemente despenteados, tantos osabraços fervorosos, e ensejavam a in-tervenção de Olívia para ajeitá-los an-tes de cada nova entrevista. Lan nãoalterava o astral, de bem com a vida,

gratificado pelo carinho dos ami-gos e o apreço de desconheci-dos. Em determinado momen-to, confessou que nada mais ti-nha a dizer nas entrevistas. Al-guém aconselhou:

–– Fala então do nosso Fla-mengo, Lan, porque o clube estálá embaixo, precisa de um pro-moção.

–– Bem lembrado, bem lem-brado. Vou falar do Flamengo ––concordou.

A repórter seguinte, muito respeito-sa, começou com uma pergunta que per-mitiu a nova estratégia de Lan.

–– Quando o senhor se interessoupelo Brasil?

Após piscar o olho para o autor dasugestão, Lan foi em frente:

–– Na verdade, querida, no começoeu não me interessei pelo Brasil, e simpelo Flamengo, que me despertou umapaixão incontrolável. Tudo o mais foiconseqüência: o meu Brasil começa como meu querido Flamengo, com aquelevermelho-e-preto que me fascinou e atéhoje me fascina.

abraçasse jovens colegas que só então passaram a conhecê-lo

velhos e novos amigos

Ante o olharcúmplice docompositorMonarco,Lan beijauma daspassistasda Portela

Após o show, Tia Surica, da VelhaGuarda da Portela, dá um abraço

afetivo no amigo Lan

Lan confraterniza com o compositor Moacir Luz,o cartunista Jaguar e o ator Antonio Pedro.

Com este último Lan estabeleceu uma competição:quem tem o bigode mais rebuscado

Em nomeda ABI, oPresidenteMaurícioAzêdoentregou aoaniversarianteuma placacomemorativade seus80 anos

Lan ao ladode Ykenga.Ao fundo,o trabalhofeitoespecialmentepara aexposiçãoemhomenagemao amigo

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Janeiro/Março de 2005JJJJJooooorrrrrnnnnnaaaaalllll dadadadada AAAAABBBBBIIIIIJJJJJooooorrrrrnnnnnaaaaalllll dadadadada AAAAABBBBBIIIII1616

Por ordem de um obscuro advogadotransformado em juiz provisório do TRE,a PF recolheu todos os computadores daempresa e prendeu seu diretor de reda-ção. Motivo: em sua edição anterior o jor-nal publicara matéria na qual moradoresde uma cidade do interior alagoano acu-savam três juízes eleitorais de supostosuborno para manter no cargo o entãoprefeito, acusado de inúmeros crimes.

O jornalista João Marcos Carvalho, ví-tima de violências anteriores por conta desua combatividade, amargou 15 dias de ca-deia e o A Notícia entrou para história daimprensa brasileira como o primeiro jor-nal a ser empastelado por força policial de-pois do restabelecimento da democracia.Carvalho, que também é historiador, tra-balha, agora, na redação final de um livroque pretende contar a história do recrudes-cimento da censura no Brasil nos últimoscinco anos. Ele denuncia que juízes, quedeveriam defender a liberdade de impren-sa, resolveram rasgar a Constituição e setransformar em censores. O jornalista tam-bém condena a apatia dos profissionais deimprensa com relação ao tema e chama aatenção para um retrocesso institucional.

Em que medida seu livro demonstra que há umrecrudescimento da censura do Brasil e, auto-maticamente, um retrocesso institucional?João Marcos Carvalho – Com a estatísticados fatos ocorridos a partir de 1999, anoem que os atentados contra a liberdadede imprensa no Brasil começaram a au-mentar com velocidade preocupante.

Você se refere à censura prévia?João Marcos Carvalho – Não só a ela, mastambém a outros crimes cometidos con-tra profissionais de imprensa no exercí-cio da profissão. Em fevereiro de 1999 foiregistrado o primeiro caso em que umasentença judicial impôs censura prévia auma publicação após o fim da ditaduramilitar, em 1985. A vítima foi o jornal Flo-resta, editado por ecologistas do Pará. Operiódico foi impedido de publicar ma-téria denunciando desmatamento crimi-noso em São Feliz do Xingu que benefici-ava os donos de uma poderosa madeirei-ra. Por isso, considero essa data como umdivisor de águas neste meu trabalho.

E como é que você tem conseguido levan-tar esses dados?João Marcos Carvalho – A partir de feve-reiro de 1999, entrei em contato com sin-dicatos de jornalistas de todo o país e coma organização internacional RepórteresSem Fronteiras e pedi que me repassassemas denúncias que eles recebessem sobre es-ses casos. Até esta data cataloguei 127 ca-sos de censura prévia, 21 assassinatos, 30tentativas de homicídio, 16 espancamen-tos, 44 ameaças de mortes, 10 prisões ar-bitrárias e 3 seqüestros de profissionais deimprensa, incluindo aí jornalistas e radia-listas. Para isso, contei com a ajuda de inú-

meras entidades de direitos humanos liga-das à OAB e CNBB, que espalharam meuendereço eletrônico pelo país afora.

Você acusa o Judiciário de estar rasgando aConstituição ao impor a censura prévia. Isso,na sua opinião, é retrocesso institucional?João Marcos Carvalho – Não tenha a me-nor dúvida. Mas só para retificar: não acusoo Judiciário como um todo. Digo que umaminoria de juízes tem praticado uma vio-lência sem precedentes à democracia aoatenderem pedidos de poderosos empresá-rios, políticos e gente envolvida em crimes,escândalos e corrupção para impedir que aimprensa publique suas histórias. E olha quenão estou falando de suposições, falo sobrecrimes que estão sendo investigados pelapolícia ou pelo Ministério Público.

Você acredita que está havendo uma guer-ra de bastidores entre imprensa e justiça?João Marcos Carvalho – Não é isso. Achoque existem juízes equivocados, desin-formados e despreparados que parecemignorar a história política e social do País.A impressão que dá ao vê-los praticar acensura prévia é que eles nunca soube-ram que este País já passou por duas di-taduras nefastas e que nos regimes au-toritários a imprensa e a justiça são asprimeiras vítimas da falta de liberdade.Julgar é uma missão sacrossanta. Nas so-ciedades civilizadas e democráticas nãopode haver lugar para magistrados ten-denciosos ou cidadãos intocáveis.

Por ser um recordista de processos, você nãoteme represálias do Judiciário por causa dealguns conceitos emitidos em seu livro so-bre o comportamento de alguns juízes?João Marcos Carvalho – Eu acredito que amaioria dos juízes seja honesta. Espera-se deles que julguem de acordo com asprovas dos autos, sem se preocupar emagradar quem quer que seja, inclusive aosseus próprios pares. Mesmo porque, aoexercer a função judicante, que emana dasoberania do País, eles passam a ter com-promissos unicamente com a Pátria, que,por sua vez, espera contar com magistra-dos que tomem suas decisões baseadasúnica e exclusivamente na lei. Quanto amim, já respondi a 27 processos em 32anos de profissão. Fui absolvido em 19;cinco prescreveram e três ainda rolam.Acho que jornalista que tem medo de pro-cesso deve mudar de profissão, que, aliás,é de alto risco para quem se propõe a fa-zer dela uma profissão de fé.

Você é a favor do controle externo do Judi-ciário?João Marcos Carvalho – Totalmente. Todosos Poderes da República têm a obrigaçãode prestar informações transparentes a to-dos os cidadãos. E o Judiciário não podeestar acima do bem e do mal. Precisa serfiscalizado, sim. Até porque o Judiciário, naminha opinião, é o Poder mais importanteno processo democrático, já que cabe a eleresolver desde os casos mais complexosque envolvem o Estado até os que atingemo cidadão mais humilde. Eu chego a ficarprofundamente deprimido quando tenhoconhecimento de que um magistrado usoudo cargo para delinqüir. É por isso que ocontrolo externo do Judiciário deve ser vis-to como prêmio aos juízes probos, que cer-tamente não têm pelo que temer.

Hoje muita gente anda discutindo a ética nojornalismo. Qual seu conceito sobre o tema?

João Marcos Carvalho – Acho que a éticado jornalismo, enquanto conceito filosó-fico, não pode ser outra além da verdadeabsoluta, apuração isenta dos fatos e es-paço igual para as partes em questão. Já aética do jornalista é subjetiva, já que é umaquestão individual e pertence ao caráterde cada um. Agora, tem a ética do jornal,que é a ética do dono, do editor, do patro-cinador. Toda vez que muda o dono, o edi-tor, o patrocinador a ética também muda.No caso do jornal, e aí incluo as emissorasde rádio e tevê, existe uma ética moldávelde acordo com as conveniências e os inte-resses de cada empresa.

O que representa o recrudescimento dacensura em tempos democráticos?João Marcos Carvalho – O caos completo.Censura é um dos ingredientes das dita-duras. Quando ela ocorre em plena vigên-cia do estado democrático é sinal de queas coisas estão pelo avesso. O que estamosassistindo hoje, com essa avalanche decensura prévia, é uma catástrofe. Em 2002,por exemplo, o Correio Brasiliense chegoua ter um censor em sua Redação como nosvelhos tempos do regime militar. É funda-mental lembrar que hoje a censura estáatingindo desde microjornais no interiordo País até as grandes empresas de comu-nicação como a Editora Abril, a Rede Glo-bo, o Estado de S. Paulo etc... O que maisme deixa perplexo é a tímida reação a es-sas agressões. Com exceção da velha ABI,que protestou por todos os cantos, a Fe-naj, as centrais sindicais e o próprio Con-gresso Nacional se limitaram a espasmos.

Como você recebeu a notícia do arquiva-mento do projeto sobre Conselho Federalde Jornalismo?João Marcos Carvalho – Com alívio. Esseprojeto neofascista da Fenaj era um aten-tado contra a democracia. Não dá paraimaginar um grupelho de iluminados de-terminando o que poderia ou não ser pu-blicado e com poder de eliminar da cate-goria aqueles que não rezam na mesmacartilha de quem detém o poder. Só fal-

tou ressuscitar Lourival Fontes, pai do DIPdurante o Estado Novo, ou Gama e Silva,o ministro censor da ditadura militar.

Entrando no seu caso pessoal, conte comoe por que seu jornal foi empastelado?João Marcos Carvalho – Na edição de 19de maio de 2002, publiquei uma matériasobre o clima de guerra política na cida-de de Junqueiro, interior de Alagoas. Aoposição acusava o prefeito João JoséPerreira de inúmeras falcatruas, além deabuso de poder econômico. Pereira ha-via sido condenado pela Justiça Eleito-ral, mas recorreu. Na segunda quinzenade maio, cinco juízes do TRE se reuniramem Junqueiro para decidir sobre o desti-no do prefeito. Diante das graves denún-cias e das provas conseguidas pela opo-sição, nem mesmo a situação acreditavaque ele escapasse da cassação. Termina-do o julgamento, surpresa: o homem foiabsolvido por três a dois e mantido nocargo. Entrevistamos moradores da cida-de que declararam suspeitar que três ju-ízes eleitorais haviam sido subornadospara manter o prefeito no cargo. Quan-do nos preparávamos para fechar a edi-ção seguinte, fomos surpreendidos coma invasão da Polícia Federal na Redação.

Baseado em que ocorreu essa invasão?João Marcos Carvalho – Os policiais es-coltavam um oficial de justiça que tra-zia uma ordem judicial expedida peloadvogado Fábio Ferrário, à época juiztemporário do TRE. Entre outras coisas,ele argumentava que o jornal havia co-metido um crime de imprensa ao divul-gar o caso do suposto suborno, e que,por isso, eu deveria ser recolhido ao Bal-domero Cavalcanti, o presídio de segu-rança máxima de Maceió, já que, segun-do o entendimento dele, eu era um ele-mento que colocava em risco a socieda-de. Além disso, esse rapaz determinouque a PF recolhesse todos os equipa-mentos do jornal e lacrasse a sede. Temmais: proibiu que todas as gráficas deAlagoas rodassem o A Notícia.

A JUSTIÇACONTRA AIMPRENSA

OSWALDO LEITÃO

DE MADE MADE MADE MADE MACEIÓCEIÓCEIÓCEIÓCEIÓ

E m 24 de maio de 2002, o semanárioA Notícia, de Maceió, foi invadido nacalada da noite pela Polícia Federal.

Em menos de seis anos, juízes de diferentespontos do País emitiram ordens de censuraprévia em 127 casos, revela o jornalista ehistoriador João Marcos Carvalho, de Alagoas,um dos muitos censurados desde então

Uma profissãode risco

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JJJJJooooorrrrrnnnnnaaaaalllll dadadadada AAAAABBBBBIIIIIJJJJJooooorrrrrnnnnnaaaaalllll dadadadada AAAAABBBBBIIIIIJaneiro/Março de 2005 1717

Você foi preso imediatamente?João Marcos Carvalho – Quando a policiainvadiu o jornal, às 19:30 hs, eu tinha aca-bado de sair para resolver um problemano centro da cidade. A Redação ficava nobairro da Ponta Verde. Frustrados por nãome capturar, os policiais detiveram todosos que estavam no recinto: a diretora co-mercial, seis jornalistas e outros quatrofuncionários. Até dois clientes que chega-ram naquela hora foram detidos.

E como foi o comportamento da polícia?João Marcos Carvalho – Embora não te-nham agredido ninguém fisicamente, ospoliciais – eles estavam em dez – proibiramque as pessoas fizessem ou recebessem li-gações, tanto pelos telefones da Redaçãoquanto pelos celulares. Eles queriam evitarque eu fosse avisado do que estava ocorren-do. Mas, num descuido deles, meu moto-rista conseguiu escapar e me avisar. Eles fi-caram na campana umas três horas, e sódesistiram quando tiveram certeza de queeu não voltaria. Durante esse período, revi-raram gavetas, desmontaram equipamentos,espalharam documentos e revistaram bolsase pastas das pessoas que estavam no recinto.

Por ter ocorrido à noite, o ato da polícia nãofoi ilegal?João Marcos Carvalho – Evidente que sim.Além disso, aquele rapaz investido do car-go de juiz não poderia agir como agiu, jáque o fato de ter sido advogado do prefei-to denunciado o tornava altamente suspei-to. Então, acabou ficando muito claro queo juiz temporário não só agiu arbitraria-mente, como exorbitou de suas funçõespara puxar o saco de seus superiores.

Mas como se deu sua prisão?João Marcos Carvalho – Fiquei foragidodurante 42 dias enquanto meus advoga-dos tentavam um habeas-corpus.

Mas o habeas-corpus não é um remédiojurídico que tem que ser julgado imedia-tamente? Por que tanta demora?João Marcos Carvalho – Por causa do cor-

porativismo. O juiz que deveria julgá-lo,um tal de Areias Bulhões, também eratemporário e amigo pessoal do Ferrário.Há quem diga que são ou foram sócios.Mas o certo é que são amigos. Ele levoutrinta dias para apreciar o HC e negá-loatravés de argumentos esdrúxulos.

Mas voltando à questão de sua prisão,como ela ocorreu?João Marcos Carvalho – Quando percebique o juiz não sossegaria enquanto não mebotasse na cadeia, resolvi voltar a Maceió.Um amigo corajoso me colocou sua gráfi-ca à disposição, onde eu pretendia escre-ver uma edição extra do A Notícia denun-ciando toda a patifaria. Fui preso dois diasdepois de iniciar o trabalho e encarceradona ala especial do presídio de segurançamáxima. Passei 15 dias em companhia dafina flor da suposta bandidagem local.

Por que suposta bandidagem?João Marcos Carvalho – Porque cheguei àconclusão de que a maioria dos grandesbandidos alagoanos estão do lado de forada cadeia, vivem muito bem e gozam deprestígio nos três Poderes do Estado. Écomo na música do Chico Buarque: ma-landro com contrato, gravata e capital; eo que tem de malandro candidato a ma-landro federal, que nunca se dá mal...

Afinal, como você conseguiu o habeas-corpus?João Marcos Carvalho – Através da JustiçaFederal, em Alagoas. O juiz Sérgio José Wan-derley de Mendonça entendeu que minhaprisão era arbitrária e absurda e, por isso,me concedeu o HC.

Mas essa não foi a primeira vez que você foipreso por suposto crime de imprensa...João Marcos Carvalho – Não. Em 2000 tam-bém fui em cana depois de denunciar polí-ticos e magistrados envolvidos com o cri-me organizado. Foi minha estréia na cadeia.Também 15 dias.

Lembro que essas denúncias trouxerama CPI do Narcotráfico para Alagoas.

Como foi isso?João Marcos Carvalho – Em 1998 come-cei uma investigação que apontou o en-volvimento de magistrados, delegados epolíticos com o narcotráfico, facilitaçãode fuga de traficantes, assassinatos, rou-bo de cargas etc... Isso provocou a vindada CPI do Crime Organizado ao Estado,que acabou constatando as denúncias eindiciou todos os envolvidos. No primei-ro dia do interrogatório, em maio de 2000,fui preso na Redação do jornal, acusadode ter cometido crime de estelionato nointerior de São Paulo. Depois de solto,comprovei que se tratou de um plano ar-quitetado por pessoas, principalmentemagistrados, que eu denunciara na ma-téria que deu margem à vinda da CPI.

Que providências você tomou diante detantos atos de truculência?João Marcos Carvalho – Estou processandodois juízes e um político envolvidos no pri-meiro caso. E, no segundo, ajuizei uma açãode perdas e danos contra o TRE. Além dis-so, fui absolvido da acusação de crime decalúnia e difamação movida pelos três juí-zes eleitorais que foram acusados de supos-to suborno pelos moradores de Junqueiro.

Você também chegou a ser ameaçado demorte por um deputado estadual dentroda Redação. Conte essa história.João Marcos Carvalho – Esse deputado,Cícero Ferro, não gostou muito quandoeu informei, através do jornal, que ele se-ria denunciado pela CPI do Crime Orga-nizado. No dia 11 de janeiro de 2000,acompanhado de quatro capangas, ele foià Redação armado de chicote e pistola eprometeu ajustar contas caso eu não des-mentisse a matéria na edição seguinte.

E daí?João Marcos Carvalho – Assim que elesaiu, informei o caso ao GovernadorRonaldo Lessa, que enviou um apara-to policial para me proteger duranteuns 40 dias até a poeira baixar. No anopassado, esse mesmo deputado, co-

nhecido pela truculência, acabou so-frendo um atentado a bala organizadopelos seus próprios parentes. Levounove tiros, mas sobreviveu.

Além desses casos, seu jornal também foivítima de censura prévia.João Marcos Carvalho – É verdade. Em2001 meu jornal foi proibido de divulgarqualquer informação sobre um advogadoque estava sendo investigado pelo Minis-tério Público por suposto tráfico interna-cional de crianças. Como protesto, deter-minei que o jornal circulasse com umamensagem de página inteira informandoque estava sob censura prévia. A mensa-gem só foi retirada quando uma liminarimpetrada por nós derrubou a censura.

Você recebeu apoio das entidades de jorna-listas durante essas situações de risco e detruculência pelas quais tem passado?João Marcos Carvalho – A ABI nuncame abandonou. Esses fatos ocorreramna época em que Barbosa Lima Sobri-nho e, depois, Fernando Segismundoexerciam a presidência da entidade.Através do José Gomes Talarico, estebravo soldado das lutas contra o arbí-trio, recebi todo o apoio moral atravésde notas de protesto que ele se encar-regou de mandar a autoridades dos trêsPoderes. O Sindicato dos Jornalistas deAlagoas também tem protestado con-tra esses atos. Contei ainda com o apoioirrestrito de radialistas de peso comoJorge Moraes, Sabino Romariz, Zé Du-arte, Afrânio Godoy, que sempre abri-ram espaços em seus programas paraque eu denunciasse atos de violência.

E os políticos?João Marcos Carvalho – O GovernadorRonaldo Lessa, a Senadora Heloisa Hele-na, o Deputado Paulão, os VereadoresThomaz Beltrão, Judson Cabral, RobertManso, João Luiz e outros nunca deixa-ram de protestar contra os atos arbitrári-os que me atingiram.

Você foi repórter e editor nos mais im-portantes jornais, revistas e emissoras derádio no eixo São Paulo-Brasília. Já pas-sou também pela Alemanha, onde apre-sentou um programa de rádio de suces-so para a colônia brasileira na Europa.Com toda essa experiência, por que es-colheu Maceió para viver e trabalhar?João Marcos Carvalho – Primeiro por-que sou absolutamente apaixonadopela cidade. Segundo, porque só con-sigo ser feliz editando meu próprio jor-nal, onde escrevo o que quero, sem cen-sura, sem pressões. Aqui, fui diretor deredação de dois jornais que, enquantoeu estive à frente, enfrentaram a ban-da podre da sociedade, o que me deumuito prazer.

Mas você vendeu sua parte no jornal eagora está fazendo revistas especializa-das sobre História. O que aconteceu, can-sou de tanta porrada?João Marcos Carvalho – As porradas foramgrandes, mas a luta continua. Aguardoapenas o momento certo para voltar aeditar um novo jornal independente.Quem me conhece sabe que rendição nãoexiste no meu vocabulário.

E seu livro, quando sai?João Marcos Carvalho – Creio que emoutubro, depende da editora.

João Marcos de Carvalho teve o jornal “empastelado” pela Polícia Federal, que apreendeu os computadores da redação

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de Defesa da Liberdade de Imprensae Direitos Humanos da AssociaçãoBrasileira de Imprensa apresenta o seuRelatório Anual, em que estão arrola-das as principais ocorrências relacio-nadas com o exercício da liberdade deimprensa e o respeito aos direitos hu-manos no País e no exterior, estas re-feridas em relatórios de organizaçõesinternacionais e aqui relatadas de for-ma sumária.

O Relatório faz a exposição dessasocorrências mês a mês e põe em des-taque questões e episódios que alcan-çaram relevo especial, como a tenta-tiva de cassação, em maio, do visto depermanência no Brasil do jornalistaLarry Rohter, correspondente do NewYork Times, as comemorações, emagosto, do cinqüentenário da mortedo Presidente Getúlio Vargas, a pro-posta de criação do Conselho Federalde Jornalismo, que ensejou apaixona-do debate durante todo o segundo se-mestre, até o arquivamento do proje-to pela Câmara dos Deputados, em de-zembro, e, por fim, também em de-zembro, o Encontro Estadual de Direi-tos Humanos realizado no Rio de Ja-neiro, talvez o evento de maior am-plitude dessa natureza realizado noPaís: fizeram-se presentes 129 repre-sentações da sociedade civil.

Seguem-se as informações registra-das pela Comissão ao longo de 2004.

JANEIRO-FEVEREIRO

Fotógrafo do JB agredido - O fotó-grafo Ramar Costa, do Jornal do Bra-sil, foi agredido na Barra da Tijuca,Zona Oeste do Rio, pelo ator de nove-las Marcelo Novaes, por fotografá-lona praia com uma mulher. Além deagredir, Novaes danificou o equipa-mento do fotógrafo.

Editor de jornal espancado – O jor-nalista Elísio Figueiredo, editor do jor-nal Ênfase, de Búzios, foi espancadona porta de sua casa, na praia de Ge-ribá, Município de Armação de Búzi-os, sofrendo fraturas. Na l27a. Delega-cia Policial, o jornalista informou quevinha recebendo ameaças de morte. Oresponsável pela agressão teria sidouma pessoa ligada à lojista Daiana An-tunes, sua ex-namorada.

O Rio violento – Em levantamentoefetuado sobre a violência no Brasil, aUnesco (Organização das Nações Uni-das para a Educação, Ciência e Cultura)concluiu que o Estado do Rio de Janeirovoltou a ser o mais violento do País.

Emissoras de rádio fechadas em2003 – Divulgado que a Agência Naci-onal de Telecomunicações-Anatel fe-chou em 2003 nada menos que 2.759rádios comunitárias. Dessas, 1.014 emSão Paulo, 351 no Paraná, 39 no Rio deJaneiro e 34 em Brasíia.

A situação daliberdade de imprensa

no Brasil em 2004O Relatório Anual da Comissão de Defesa da Liberdade de

Imprensa e Direitos Humanos da ABI aponta os eventos quemarcaram o exercício da liberdade de comunicação no País no ano

passado e reproduz informes e dados de organizaçõesinternacionais sobre o tema.

Desrespeito à Imprensa no Haiti –A Comissão Interamericana de DireitosHumanos registra atentados contra a li-berdade de imprensa no Haiti, onde severificam também agressões e outrosatos de violência contra jornalistas.

A BBC submetida a inquérito – Aemissora de televisão e rádio BBC, deLondres, foi submetida ao InquéritoHutton, em virtude de reportagensveiculadas sobre o Iraque e a mortedo cientista David Kelly, que se ma-tou em 2003 depois de ser identifica-do como fonte de uma reportagem deAndrew Gilliagan, da BBC. Instaura-do o inquérito, o presidente e direto-res da BBC renunciaram.

MARÇO-ABRIL

Radialista atropelado – A Associa-ção Baiana de Imprensa denunciou àPolícia que o jornalista Sizênio de SáNeto, da Rádio Fascinação, de Itape-tinga, foi atropelado por um médico evereador da cidade, em represália aonoticiário da emissora sobre as elei-ções do Município, em outubro.

Jornal de Uberaba fechado – O Jor-nal da Manhã, de Uberaba, foi fecha-do por 48 horas por ordem do juizeleitoral. A sede da empresa foi inva-dida por agentes policiais, que lacra-ram suas portas. A decisão foi moti-vada por entrevista em que o Vice-Prefeito Odo Adão anunciou sua in-tenção de disputar a convenção paraa escolha do candidato à sucessãomunicipal, afirmação consideradapropaganda eleitoral antes do prazofixado em lei.

Brasileiro assassinado no Para-guai – O radialista brasileiro SamuelRoman foi assassinado em CapitánBado, Paraguai. Roman tinha presta-do depoimento à Polícia sobre a apu-ração de escândalo de jogo e citounomes de políticos influentes de Sa-pucaia, sua cidade. O empresário Jor-ge Mukai e três brasileiros foram pre-sos e deportados para o Brasil comosuspeitos do assassinato.

Jornalista sofre atentado – A jorna-lista Elisângela Diniz sofreu um aten-tado ao voltar do trabalho, no Catete:um homem deu três tiros na direçãodo carro que ela conduzia. Dois me-ses antes, seu marido, sentindo-seameaçado, registrara queixa na 66a.Delegacia Policial, em Piabetá, RJ.

Reportagem censurada – O jorna-lista Ivanir Yazbeck, do periódico Pa-norama, de Juiz de Fora, MG, sofreuato de censura da parte do editor-che-fe do jornal, Wilson Cid, que não per-mitiu a publicação de sua reportagem“Perguntas que não podem calar”. Oscolegas e amigos de Ivanir mandaramimprimir 5 mil exemplares de sua re-portagem, sob o título “Denúncia”, efizeram ampla distribuição do texto.

Jornalista desaparece – Foi divul-gado que desde outubro de 2003 estádesaparecido o jornalista e publicitá-rio Ivandel Godinho, de São Paulo. Sus-peitava-se que Ivandel fora seqüestra-do e assassinado. O inquérito policialinstaurado e as diligências efetuadasnada conseguiram descobrir.

Seqüestrado e morto – O jornalis-ta Leonardo Blaz Cicoti foi seqüestra-do ao deixar a casa de seus pais, emSão Bernardo do Campo, e levado emseu carro. Seu pai registrou a ocorrên-cia na Delegacia local. Horas depoisLeonardo foi encontrado morto comum tiro na cabeça. Os assassinos le-varam sua carteira, talão de chequese dois cartões de crédito. A Polícia nãodescobriu os autores do crime.

MAIO

Jornalista ameaçado – O repórterAry de Barros, do jornal Hora H, deNova Iguaçu, RJ, enfrenta processosdesde que informou que a VereadoraDalva Zatorre Medeiros alugou à Pre-feitura por preço exorbitante um imó-vel de propriedade de seu filho.

Violência no Rio de Janeiro – O jor-nalista e ex-deputado Ib Teixeira, pes-quisador da Fundação Getúlio Vargas,

declara numa entrevista que entre1995 e 2000 houve 60.300 assassinatosno Estado do Rio de Janeiro. Estima-se que o total de homicídios no Brasilno período ultrapasse 500 mil.

Reparação aos torturados – A Go-vernadora Rosinha Garotinho instalouno Palácio Guanabara a Comissão Es-pecial de Reparação, incumbida deopinar sobre os processos relativos acasos de torturas, para pagamento deindenizações pelo Estado, nos termosda Lei nº 3.744, de 21 de dezembro de2001, que dispõe sobre a reparação àspessoas presas e torturadas em depen-dências estaduais durante o regimemilitar, entre 1º de abril de 1964 e 15de agosto de 1979. A indenização, a tí-tulo de reparação moral, foi posterior-mente fixada em R$ 20 mil. A ABI par-ticipa da Comissão Especial de Repa-ração, à qual apresentou numerosospareceres sobre processos submetidosà sua apreciação.

Países mais perigosos – Israel, coma ocupação dos territórios palestinos.está em primeiro lugar na lista dos pa-íses mais perigosos para o exercício daprofissão de jornalista. Vêm em segui-da Colômbia, Afeganistão, Eritréia, Bi-elo-Rússia (Belarus), Irã, Curdistão eCuba. Iraque é hors concours.

Dia Internacional da Liberdade deImprensa – A organização RepórteresSem Fronteiras divulga em 13 de maio,Dia Internacional da Liberdade de Im-prensa, relatório sobre arbitrariedadescometidas contra jornalistas. No capí-tulo dedicado ao Brasil, a organizaçãoelogia o Governo Lula, que tem pro-movido “uma situação satisfatória deliberdade de imprensa”, mas registraviolações graves nesse campo, como oassassinato de dois jornalistas em2003: Nicanor Linhares Batista, no Ce-ará, e Luís Antônio Costa, em São Pau-lo. O relatório faz um balanço das vio-lências contra a imprensa em 2003:três jornalistas presos, seis agredidose dois casos de obstrução pela Políciado acesso à informação.

Uma profissãode risco

AUTOR DO RELATÓRIO

JOSÉ GOMES TALJOSÉ GOMES TALJOSÉ GOMES TALJOSÉ GOMES TALJOSÉ GOMES TALARICOARICOARICOARICOARICO

Em cumprimento a uma tradiçãocuja origem remonta à segundametade dos anos 70, a Comissão

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JJJJJooooorrrrrnnnnnaaaaalllll dadadadada AAAAABBBBBIIIIIJJJJJooooorrrrrnnnnnaaaaalllll dadadadada AAAAABBBBBIIIIIJaneiro/Março de 2005 1919

JUNHO

Posse da nova Diretoria da ABI –No dia l de junho, comemorativo doDia da Imprensa, que evoca a funda-ção do Correio Braziliense por Hipó-lito da Costa, é realizada a sessão so-lene de posse da nova Diretoria daABI, a primeira eleita pelo voto dire-to dos associados. São empossadossolenemente também os l5 novosmembros do Conselho Deliberativo eseus suplentes e os integrantes doConselho Consultivo e do ConselhoFiscal. Mais de 700 pessoas assina-ram os quatro livros de presença pos-tos à disposição dos convidados. Nodiscurso de posse, a Diretoria decla-rou que tem como inspiração Pru-dente de Morais neto; como paradig-ma, Barbosa Lima Sobrinho. A ABImanterá como centro de sua destina-ção a defesa da liberdade de impren-sa e dos direitos humanos.

JULHO

Crimes em Alagoas – Foram mor-tos no Estado José Cícero Guimarães,dono de uma rádio comunitária doMunicípio de Pilar, e Jorge Lourençodos Santos, proprietário da rádio co-munitária FM de Santana do Ipanema.Os crimes foram cometidos por pisto-leiros, não identificados.

Condenado por delito de opinião– O jornalista Lúcio Flávio Pinto, deBelém do Pará, foi condenado pelaJustiça do Estado. Numa reportagemno Jornal Pessoal, em maio de 2000,sobre a grilagem de terras no Estado,Lúcio reproduziu informações de ór-gãos públicos estaduais e federais. Noinquérito então instaurado não lhederam o direito de defesa. O Sindica-to dos Jornalistas do Pará protestoucontra a condenação de Lúcio e de-nunciou o processo como atentadoaos direitos da liberdade de expres-são e de opinião.Em virtude da con-denação, além dos recursos interpos-tos, advogados requereram ao Supe-rior Tribunal de Justiça a revisão doprocesso. Cabe ressaltar que as auto-ridades e o Judiciário do Pará se mos-tram céleres na punição ao jornalis-ta, mas deixam caminhar a passoslentos na Justiça do Estado os proces-sos de nulidade de títulos para a Ter-ra do Meio, movidos pelo Instituto deTerras do Pará, bem como os proces-sos propostos pela CPI da Grilagem.

Violência na Bahia – As entidadesde defesa profissional voltaram a rei-terar a denúncia de violência no Es-tado, onde foram assassinados jorna-listas e cometidas agressões e todaespécie de perseguição aos órgãos decomunicação e aos jornalistas. Nãose registra a punição de quaisquerautores desses crimes: políticos, po-liciais e bandidos.

Em defesa do Ministério Público– A Associação dos Membros do Mi-nistério Público do Estado do Rio deJaneiro e a ABI promoveram em ju-lho um seminário em defesa do Mi-nistério Público, em face da amea-ça de edição de uma lei que impe-diria seus integrantes de fazeremdeclarações aos meios de comuni-cação, através da chamada “Lei daMordaça”, e da amputação do direi-

to de voz dos membros do Ministé-rio Público por eventual decisão doSupremo Tribunal Federal em pro-cesso pendente de julgamento. Oato foi presidido pelos Presidentesda Ammperj, Marfan Martins Vieira,e da ABI, Maurício Azêdo, e contoucom a participação de representan-tes da Ordem dos Advogados do Bra-si l -Seção do Estado do Rio e demembros do Ministério Público doEstado – procuradores e promotoresde Justiça. A Comissão de Defesa daLiberdade de Imprensa e DireitosHumanos da ABI foi representadapor seu Consultor Jurídico, consócioOrpheu Santos Salles.

AGOSTO

Jornal proibido de publicar criticas– O juiz eleitoral de Marília, SP, expe-diu notificação ao editor José Ursíliode Souza, do Diário de Marília, acercada concessão de liminar à petição doPMDB municipal, e ordenou ao jornalque se abstivesse de publicar reporta-gens com críticas ao prefeito e candi-datos desse partido, assim como tex-tos de análise da administração mu-nicipal, tendo em vista a necessidadede averiguar “se as reportagens têm ounão caráter eleitoral”. Como a liminaratentou contra a liberdade de expres-são garantida pela Constituição, o Di-ário de Marília impetrou recursos jun-to ao Tribunal Superior Eleitoral.

Delegado arbitrário - A Polícia Fe-deral em Minas Gerais invadiu a sedee redação do jornal O Tempo, de BeloHorizonte, com policiais armados,para cumprir mandado de busca eapreensão do jornal Betim em Dia, ex-pedido pelo juiz Wagner Batista Ferrei-ra. O jornal fora denunciado por cri-me de injúria contra uma candidata àPrefeitura de Betim. Os policiais vas-culharam todos os setores da empre-sa à procura da publicação. Diante daconfusão, o editor de O Tempo, Alme-rindo Camilo, pediu informações so-bre a natureza da decisão judicial.Nesse momento, o Delegado MagnoJosé Teixeira deu voz de prisão ao jor-nalista, mandou algemá-lo e algema-do o deixou por uma hora dentro dagráfica. Em declaração a O Globo, oPresidente da ABI apontou como ar-bitrário e inconstitucional o compor-tamento do Delegado Teixeira.

SETEMBRO

Liberdade de imprensa no mundo– A organização Repórteres Sem Fron-teiras, reunida em Londres, divulgouranking da situação da liberdade deimprensa no mundo, no qual o Brasilaparece em 71º lugar, atrás do Chile edo Paraguai e à frente da Argentina,que se encontra em 79º. Os países commais problemas são os do Oriete Mé-dio e do Leste Asiático. Na AméricaLatina a RSF aponta Cuba na últimacolocação. Os mais bem classificadosno ranking eram Dinamarca, Finlân-dia, Islândia, Irlanda, Holanda, Noru-ega, Eslováquia e Suíça. Os EstadosUnidos figuravam em 22º lugar, aolado da Bélgica.

OUTUBRO

Violência em Manaus – Na campa-nha eleitoral em Manaus, num eventorealizado na Casa do Trabalhador, pro-

fissionais do jornal e da TV A Críticadefrontaram-se com atos de violênciapor parte do Prefeito e candidato à re-eleição Amazonino Mendes, que inci-tou seus correligionários a investiremcontra os jornalistas. Ressalte-se queviolências do gênero são prática usu-al de Amazonino Mendes: quando Go-vernador do Estado, suas ações con-tra a imprensa foram motivo de pro-testo da ABI. Por mais esse episódiofoi emitida nota de repúdio com exor-tação ao Ministério Público para queinstaure processo contra Amazoninopor desrespeito à Constituição e vio-lação do Código Penal.

Diploma obrigatório – Julgando re-curso de jornalista de Santa Catarina,que queria seu enquadramento comojornalista após desligada da TV Flori-anópolis, na qual trabalhou, o Tribu-nal Superior do Trabalho negou a clas-sificação, apesar de a autora alegarconclusão do curso superior de Jorna-lismo. Entendeu o TST que durante ocontrato de trabalho ela não haviaconcluído o curso. Foi mantida peloTST, para exercício da profissão, aobrigatoriedade de diploma de con-clusão de curso de Comunicação So-cial e formalização do registro profis-sional no Ministério do Trabalho.

NOVEMBRO

Fotógrafo agredido – A ABI enviouofício ao Ministro da Justiça, MárcioTomás Bastos, e aos Governadores deBahia, Paulo Souto, e do Estado doRio, Rosinha Garotinho, pedindo aapuração rigorosa das denúncias deagressões sofridas pelo repórter-foto-gráfico Cassiano de Souza, da revistaCaras, na última semana de novem-bro. Em queixa registrada na Coorde-nadoria de Polícia de Ilhéus, o jorna-lista contou que foi mantido em cár-cere privado, agredido e obrigado aficar nu por ter fotografado a modeloLuma de Oliveira e seu acompanhan-te, o policial Sigmar de Almeida, noTxai Resort, no Município de Itacaré,no Sul da Bahia. A ABI pediu que sejaapurada a participação de NélsonMorais, um dos proprietários do re-sort, e de seguranças, que segundo ofotógrafo, também participaram dasagressões. No ofício ao Governadorda Bahia, a ABI pede que Souto seempenhe na apuração do caso, portemer que as investigações policiaisem Itacaré não avancem, em virtudedo poderio econômico dos proprietá-rios do resort. À Governadora Rosinhaa ABI pediu que seja apurado se no diadas agressões na Bahia o policial Sig-mar deveria estar de serviço no Rio. (OMinistro Márcio Tomás Bastos enca-minhou o expediente da ABI à Secre-taria de Direitos Humanos da Presi-dência da República, à qual passou aser vinculado o Conselho de Defesados Direitos da Pessoa Humana, ins-tância a que Casa recorreu em defesade Cassiano.)

DEZEMBRO

Juiz faz censura prévia – O juiz da9a. Vara Cível de Brasília proibiu a Fo-lha de S. Paulo de divulgar a denúnciado Ministério Público contra o advo-gado Erick José Tavares Vidigal, acu-sado de envolvimento num esquemade venda de decisões judiciais favorá-

veis ao ex-policial tido como chefe docrime organizado em Mato Grosso. AAssociação Nacional de Jornais emitiunota de protesto pedindo a suspensãoda decisão, mas o juiz ratificou o ato.Foram também denunciados três ad-vogados, entre os quais Eduardo Vilhe-na Toledo, filho do ex-Ministro do Su-perior Tribunal de Justiça Francisco deAssis Toledo. O ex-policial é João Ar-canjo Ribeiro, conhecido como Co-mendador, dono de uma das maioresfortunas de Mato Grosso.

Jornalistas assassinados na Améri-ca Latina – A Repórteres Sem Frontei-ras, reunida em Paris no início do mês,informou que dez jornalistas foram as-sassinados em 2004 na América Latina.Nesse campo, o Brasil conseguiu ultra-passar a Colômbia em matéria de vio-lência: foram mortos dois jornalistas,um em Mato Grosso e outro em Per-nambuco, contra um na Colômbia, umno Haiti, um no México, um na Repú-blica Dominicana, dois na Nicarágua edois no Peru. Em 2004 morreram maisjornalistas na América Latina do que naÁfrica. A América Latina continuava aser um continente perigoso para a im-prensa, com dez jornalistas mortos des-de o início do ano, número que a RSFconsidera demasiado alto. A longo pra-zo, diz a entidade, observa-se uma de-mocratização no Continente, num pro-cesso em que a imprensa assume o pa-pel de contrapoder que as autoridadespouco a pouco passam a aceitar. Cubaé considerada pela RSF como respon-sável pelo maior número de violaçõesà liberdade de imprensa. O Governo Fi-del Castro libertou em dezembro o maisfamoso escritor jornalista do país, RaúlRivero, tido como símbolo da dissidên-cia cubana, mas restam 23 jornalistasna prisão. Na Colômbia, a perseguiçãoà imprensa é sistemática: os jornalistassão alvo da guerrilha esquerdista e degrupos paramilitares, além de políticoslocais. Nos grandes países, como Bra-sil, Argentina e México, segundo a RSF,o problema é que a liberdade de im-prensa tem duas velocidades. Nas me-trópoles, a mídia trabalha livremente,com algumas exceções; nas pequenascidades, a imprensa local sofre todotipo de perseguição.

Morreram 120 jornalistas em 2004– Levantamento da Federação Interna-cional de Jornalistas registra que em2004 morreram 120 jornalistas, muitosdeles assassinados. Os países mais pe-rigosos para o exercício da profissão:Iraque, onde 67 profissionais forammortos desde a invasão norte-ameri-cana, em março de 2003, e os EstadosUnidos, que não apresentam relatóri-os sobre as mortes cometidas pelastropas invasoras do Iraque sob seu co-mando. No Estado de Rhode Island,Estados Unidos, um jornalista foi con-denado a seis meses de prisão domi-ciliar por se negar a revelar ao Judiciá-rio a fonte da denúncia de corrupçãona polícia federal norte-americana, oFBI. Noutro caso semelhante, um re-pórter do New York Times foi acusadopor um juiz. Na Ucrânia, a imprensaenfrenta censura; em Israel, nos terri-tórios palestinos ocupados, em Mia-mar (Birmânia), na Iritréia e em Zim-bábue é crescente a violência contrajornalistas.

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JJJJJooooorrrrrnnnnnaaaaalllll dadadadada AAAAABBBBBIIIIIJJJJJooooorrrrrnnnnnaaaaalllll dadadadada AAAAABBBBBIIIII Janeiro/Março de 20052020

No princípio de maio, o Governoanunciou sua decisão de cancelar ovisto de permanência temporária noPaís do jornalista norte-americanoLarry Rohter, correspondente do NewYork Times no Brasil, como revide auma reportagem por ele produzidasobre o “hábito de bebericar” do Pre-sidente Luiz Inácio Lula da Silva, ma-téria considerada “leviana, mentirosae ofensiva” à honra do Presidente peloMinistro da Justiça.

Diante dos protestos do Governobrasileiro, o jornal publicou uma de-claração em que a Embaixada do Bra-sil em Washington repudiava o textopublicado e acolheu e publicou semdestaque uma carta de 35 linhas en-viada pelo Embaixador do Brasil, Ro-berto Abdenur. Dirigindo-se ao editordo NYT, o Embaixador classificou desurpreendente e lamentável que o jor-nal tivesse dado crédito a uma histó-ria ofensiva e completamente semfundamento:

“Li com perplexidade e indignaçãoo artigo de 9 de maio sobre o Presiden-te do Brasil. À luz do título, “Ato de be-bericar (tippling) do líder brasileiro setorna preocupação nacional”, seria deesperar que qualquer jornalista sérioapresentasse fontes locais confiáveisou sólida cobertura da mídia para sus-tentar tal afirmação, mas certamentenão foi o que aconteceu quando o pró-prio repórter se refere a isso como ‘es-peculação’, ‘boato’ e ‘histórias’. Comoum longo artigo pode ser escrito ten-tando apresentar como fatos reais algoque o próprio jornalista sugere que tal-vez nem exista?

O Presidente Luiz Inácio Lula daSilva é um líder e estadista respeita-do no Brasil e no mundo todo. Inclu-sive no mês passado a revista Timeincluiu seu nome entre as 100 pesso-as mais influentes da Terra. Isso acon-teceu como reconhecimento de seupapel como novo porta-voz do mun-do em desenvolvimento, alguém queprocura um mundo mais justo pormeio de reformas, austeridade econô-mica e justiça social.

O prestígio pessoal do PresidenteLula, que tem origem num país emdesenvolvimento, acaba gerandotodo tipo de reação, muitas delas di-rigidas para a diminuição do brilho de

Uma profissãode risco

QUATROINFORMESESPECIAIS

sua liderança. É surpreendente e la-mentável que o jornal The New YorkTimes tenha dado crédito a uma his-tória tão ofensiva e totalmente infun-dada. (a) Roberto Abdenur, Embaixa-dor do Brasil. Washington, 10 demaio de 2004.”

Também a ABI se manifestou so-bre o caso, que ganhou relevo com oanúncio da projetada expulsão deRohter, feito em 13 de maio, exata-mente o dia em que se realizava o atode posse administrativa da nova Di-retoria da Casa. Em nota redigidapelo Vice-Presidente Milton Temer eassinada pelo Presidente MaurícioAzêdo, declarou a ABI:

“A Associação Brasileira de Im-prensa manifesta seu total desacor-do com a decisão da Presidência daRepública de cassação do visto dojornalista Larry Rohter, do New YorkTimes.

Independentemente de qualquerjuízo de valor sobre a matéria do jor-nalista, a ABI se mantém firme na de-fesa do princípio constitucional deque ninguém pode ser punido semdireito de defesa.

A decisão contra o jornalista, pordelito de opinião, já está trazendomais danos ao País do que os con-ceitos emitidos, solitariamente, emseu artigo.

Nestes termos, solicitamos a revi-são da decisão, para o restabelecimen-to dos trâmites burocráticos concer-nentes às preocupações do Governo.”

Com o retorno ao Brasil do Minis-tro da Justiça, Márcio Tomás Bastos,que se encontrava em missão no ex-terior quando se divulgou a pretendi-da cassação, iniciaram-se entendi-mentos que resultaram na decisão doGoverno de manter o visto de perma-nência de Rohter.

No cinqüentenário da morte doPresidente Getúlio Vargas, seu Presi-dente de Honra, a ABI promoveu umasessão solene e o evento “Vargas: Olha-res da Imprensa”, com a participação,como expositores, dos jornalistas Car-los Heitor Cony, Milton Temer e Villas-Bôas Corrêa, que foram ouvidos poruma platéia numerosa e atenta na SalaBelisário de Souza, no sétimo andar doEdifício Herbert Moses.

Como antigo servidor dos Gover-nos Vargas, o jornalista José GomesTalarico prestou depoimento sobre asrelações de Getúlio com o jornalismodesde a época de acadêmico de Direi-to, em Porto Alegre, quando foi reda-tor do jornal O Debate e da RevistaAcadêmica. Deputado, ministro deEstado, governador e duas vezes Pre-sidente da República, Vargas sempredistinguiu os jornalistas com suasatenções. Chefe do Governo Provisó-rio, visitou em 1931 a ABI, então ins-talada na Rua do Passeio, na Lapa,

onde informou que o Prefeito do en-tão Distrito Federal, Pedro Ernesto, re-gularizaria a doação do terreno plei-teado pela entidade desde o fim dosanos 10 para construção de sua sedeprópria. A partir de então, Herbert Mo-ses, que assumira a presidência daCasa, desenvolveu ações com esse fimjunto ao Ministro da Fazenda, Artur deSousa Costa, com a colaboração de Os-valdo Aranha e de Alzira Vargas. Assima ABI levantou os recursos necessári-os para a construção, que se estendeupor dois anos. A sede foi inauguradaem 1938, mas lhe faltavam obras deacabamento, para as quais a ABI obte-ve do Presidente Eurico Gaspar Dutra,que assumiu em 31 de janeiro de 1946,a liberação de 2 milhões de cruzeiros,moeda da época.

Tanto no Governo Vargas como emoutros períodos — Governo Dutra, Go-verno Café Filho, Governo JuscelinoKubitschek —, Moses destacou-se nadefesa da imprensa e dos jornalistas,conseguindo êxito, a despeito das con-dições políticas adversas, nas suaspostulações de libertação de jornalis-tas presos. Na gestão de José Carlos deMacedo Soares como Ministro da Jus-tiça, Moses obteve a relação de jorna-listas presos, incluídos os que milita-vam no Partido Comunista Brasileiro,e em companhia do Ministro e dos jor-nalistas Danton Jobim e EdmundoMoniz percorreu as prisões e obteve deMacedo Soares a libertação dos presosque se encontravam sem processo ouformação de culpa. A libertação cole-tiva então promovida passou à Histó-ria como a macedada.

Foi sob o primeiro Governo Vargas(1930-45) que ocorreram os primeirosatos de reconhecimento da profissãode jornalista e sua proteção: Decreto-Lei nº 910, de 30 de novembro de 1938,que dispôs sobre a duração e as con-dições de trabalho em empresas jorna-lísticas; Decreto-Lei nº 5.480, de 13 demaio de 1943, que instituiu o curso deJornalismo no sistema de ensino supe-rior; Decreto-Lei nº 7.037, de 10 denovembro de 1944, que instituiu a re-muneração mínima para os que traba-lham em atividades jornalísticas.

A Comissão de Defesa da Liberdadede Imprensa e Direitos Humanos acom-panhou os trabalhos do 5º CongressoBrasileiro de Jornais, realizado em SãoPaulo de 13 a 15 de setembro por inicia-tiva da Associação Nacional de Jornais-ANJ. O principal debate do Congressofoi concentrado nas propostas então emcogitação ou tramitação no Poder Legis-lativo, como as de criação do ConselhoFederal de Jornalismo e da Agência Na-cional de Cinema e do Audiovisual-An-cinav, a primeira já encaminhada à Câ-mara dos Deputados, a segunda em dis-cussões abertas promovidas pelo Minis-tério da Cultura, bem como as de insti-tuição do impedimento de servidores

públicos darem informações aos meiosde comunicação e de os membros doMinistério Público se manifestarem so-bre questões a este submetidas.

Ao instalar o Congresso, o Presi-dente da Associação Nacional de Jor-nais, Francisco Mesquita Neto, Diretorde O Estado de S. Paulo, apontou a cri-ação do Conselho Federal de Jornalis-mo como parte de uma escalada queembute atentados à liberdade de im-prensa e tolhe a liberdade de expres-são. Mesquita Neto mencionou a sé-rie de propostas já referidas como in-dicadoras de uma tendência oficial aoautoritarismo.

A criação do Conselho foi condena-da também pelo Presidente da Asso-ciação dos Magistrados Brasileiros,Cláudio Baldino Maciel, que definiu asatribuições que seriam conferidas aoórgão — fiscalizar, orientar e discipli-nar a atividade de Jornalismo — comoum fator limitador da independênciada imprensa.

O Presidente do Supremo TribunalFederal, Ministro Nelson Jobim, decla-rou no Congresso que não considera aliberdade de expressão um direito ab-soluto, e sim relativo. Em seu entendi-mento há um conflito dos direitos deexpressão e de liberdade de imprensacom os direitos que garantem a inti-midade, a vida privada, a honra e aimagem, estabelecidos na Constitui-ção. Jobim propôs a realização de umamplo debate nacional para a busca desolução para esse suposto impasse.

O Presidente Lula participou dasessão solene de encerramento doCongresso e posse da Diretoria entãoeleita da Associação Nacional de Jor-nais, presidida por Nélson Sirotsky, daZero Hora, do Rio Grande do Sul, quesubstitui Francisco Mesquita Neto.Após ouvir os pronunciamentos deMesquita Neto, do ex-Presidente daANJ Paulo Cabral de Araújo e de Si-rotsky, o Presidente Lula fez um dis-curso em que proclamou que o direitode informação é valor quase sagradoe que não há como garantir o direitode informação sem liberdade de im-prensa. Disse o Presidente que a im-prensa brasileira não voltará a sofrercensura, como na época da ditaduramilitar, muito menos de forma dissi-mulada. Em momento algum o Presi-dente referiu-se à criação do ConselhoFederal de Jornalismo, projeto que en-campou, nem às críticas formuladas aessa proposta.

Na mesma época da realização do5º Congresso Brasileiro de Jornais a Co-missão de Educação do Senado Fede-ral, por proposta do Senador Hélio Cos-ta (PMDB-MG), que é jornalista, pro-moveu uma audiência pública para dis-cussão do projeto de criação do Con-selho Federal de Jornalismo, contra oqual se manifestaram os Presidentes daABI, Maurício Azêdo, da AssociaçãoBrasileira de Emissoras de Rádio e Te-levisão-Abert, José Inácio Pizani, e daAssociação Nacional dos Editores deRevistas, Murilo de Aragão. A favor doprojeto manifestaram-se os Presiden-tes da Federação Nacional dos Jorna-listas-Fenaj, Sérgio Murilo de Andrade,e do Sindicato dos Jornalistas Profissi-onais de Minas Gerais, Aloísio Lopes,que, porém, admitiram a necessidade

1O casoLarryRohter

2 OlharessobreVargas

3 UmConselhopolêmico

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JJJJJooooorrrrrnnnnnaaaaalllll dadadadada AAAAABBBBBIIIIIJJJJJooooorrrrrnnnnnaaaaalllll dadadadada AAAAABBBBBIIIIIJaneiro/Março de 2005 2121

ana Sgrena, após a complexa negocia-ção para que seus seqüestradores a li-bertassem, foi o principal destaque doRelatório de fevereiro da Comissão deDefesa da Liberdade de Imprensa e Di-reitos Humanos da ABI apresentado aoConselho Deliberativo por seu Presi-dente, Conselheiro José Gomes Talari-co. Em seu Informe, Talarico registroucom pesar o passamento dos jornalis-tas Roland Corbisier, Ariosto da SilvaPinto e Jacy Pereira Lima, sobre os quaisofereceu informações que estão repro-duzidas na seção Vidas. Diz Talarico:

“Mais um jornalista foi seqüestradono Iraque. Desta feita a corresponden-te do jornal de esquerda Manifesto, deRoma, Giuliana Sgrena, oitava italianavítima dessa violência. Ela é tambémcolaboradora do Rail News e trabalhaem assuntos relacionados ao funda-mentalismo. Exigência dos seqüestra-dores: a retirada de tropas italianas doIraque. Giuliana foi libertada, segundoversões, mediante o pagamento de 10milhões de dólares.

Ao ser levada ao aeroporto para vol-tar à Itália, o carro que a conduzia foialvo de ataque por parte de soldadosnorte-americanos, que mataram umagente que a protegia e feriram a jor-nalista e outro agente. Aos protestos osnorte-americanos alegaram ter atiradoem virtude da alta velocidade do carroe porque o motorista não atendeu à or-dem para que parasse. A jornalista negaque o carro estivesse em alta velocida-de e esclareceu que não foram feitos si-nais de advertência. O motorista grita-va: “Somos italianos”. O agente jogou-se sobre Giuliana, para protegê-la, foiatingido e morreu. Ela declarou: “Dis-pararam deliberadamente, porque oGoverno norte-americano discorda dalibertação de seqüestrados e se opõeaos pagamentos de resgate”.

Para os EUA tudo não passou de “umterrível acidente”.

● Um brasileiro, o engenheiro JoséVasconcelos, foi seqüestrado. O Gover-

no brasileiro, sem informações sobre oseu paradeiro, vem promovendo açõespara libertá-lo.

● O Comitê para Proteção dos Jor-nalistas, de Nova York, revela que o des-respeito à imprensa é maior em regiõesmais afastadas do Brasil. E registra: aimprensa dos grandes centros não semotiva com os casos de violência con-tra os jornalistas.

Outra constatação:● Os empresários, autoridades e po-

líticos têm multiplicado o número deações judiciais contras profissionais deimprensa e fazem pressões para os jor-nalistas amenizarem seus trabalhos.

● A situação que preocupa a Colôm-bia: os jornalistas chegaram a se imporautocensura. Tem-se constatado que ospróprios jornalistas evitam tratar de te-mas que podem ser risco – assuntos li-gados à guerrilha e à produção e tráficode drogas.

● A Lide, revista do Sindicato dos Jor-nalistas do Município do Rio, voltou aser editada. Com oito anos de circula-ção, ficou fora do ar em 2004. A admi-nistração de Aziz Filho, atual Presiden-te do Sindicato, editou-a em janeiro,dedicando-a à crise do Jornal do Brasil,diário que há décadas habita o coraçãode todos. Lide publica longa reporta-gem de autoria de Murilo Fiúza de Meloe Daniela da Matta, sob o título A en-cruzilhada do JB, glória e agonia domaior titulo da imprensa brasileira,hoje sob o comando do empresárioNelson Tanure, baiano formado em ad-ministração de empresas pela Univer-sidade Federal da Bahia e radicado noRio de Janeiro desde os anos 1980.

A reportagem ocupa 15 páginas darevista. Além do Jornal do Brasil e da Ga-zeta Mercantil, Tanure tem o controle darevista norte-americana Forbes. Além dosjornais, dirige empresas relacionadascom docas, diques e entretenimento.

Neste registro não é possível repro-duzir a reportagem da Lide, assunto demaior importância que os jornalistasdevem conhecer. A revista pode ser ob-tida na sede do Sindicato dos Jornalis-tas, Rua Evaristo da Veiga, 16, 17º andar.

de alterações na proposta original.O Presidente da ABI deixou clara

posição radicalmente contrária à cri-ação do Conselho, como decidiu oConselho Deliberativo da entidade emsua sessão ordinária de agosto. No en-tender da ABI, o projeto está palmilha-do de inconstitucionalidades e conce-de poderes quase imperiais ao Conse-lho. A proposta, além disso, criariauma burocracia de sindicalistas, já quea primeira composição do Conselhoseria indicada pela Fenaj, que escolhe-ria também os integrantes dos cincoprimeiros Conselhos Regionais cujacriação é prevista. Tudo isso, ao longode dois anos, sustentado pelas anui-dades pagas pelos jornalistas, que sópoderiam exercer a profissão se esti-vessem quites com a contribuição de-vida ao Conselho Regional.

No mesmo dia da audiência públi-ca na Comissão de Educação do Sena-do o Conselho Federal da Ordem dosAdvogados do Brasil promoveu umdebate sobre a criação do ConselhoFederal de Jornalismo, igualmentecom a participação do Presidente daABI e dos representantes da Fenaj e doSindicato dos Jornalistas Profissionaisde Minas Gerais, que expuseram asopiniões de suas entidades. Presenteao encontro, o Presidente da Comis-são de Constituição e Justiça da Câma-ra dos Deputados, Maurício Rends(PT-PE), fez reparos à iniciativa doGoverno de enviar o projeto à Câma-ra em momento que não lhe pareceuo mais adequado.

Semanas após o debate, o Conse-lho Federal da OAB reuniu-se para de-finir a posição da entidade em relaçãoà criação do Conselho Federal de Jor-nalismo, proposta aprovada pela qua-se unanimidade dos presentes à ses-são: apenas dois membros do Conse-lho Federal manifestaram-se contrári-os ao projeto.

No dia 3 de dezembro a Secretariade Estado de Direitos Humanos doEstado do Rio de Janeiro promoveu nasede do Quartel-General da PolíciaMilitar o Encontro Estadual de Direi-tos Humanos, que reuniu 129 repre-sentações da sociedade civil flumi-nense para discutir demandas e for-mular sugestões com vista ao plane-jamento de ações e definição do for-mato do Conselho Estadual de Direi-tos Humanos.

A mesa dirigente dos trabalhos foipresidida pelo Secretário de Estado deDireitos Humanos, Coronel Jorge daSilva, e integrada pelo Chefe do Esta-do-Maior da PM, Coronel ClaudecirRibeiro da Silva, e pelos representan-tes da Pontifícia Universidade Católi-ca do Rio de Janeiro, da organizaçãonão-governamental Justiça Global, doMovimento de Direitos Humanos do

Rio de Janeiro, do Movimento Viva Rioe do Grupo Arco-Íris de Conscientiza-ção Homossexual.

Constituíram-se dez Grupos de Tra-balho para discussão dos temas inclu-ídos na agenda do Encontro: Educa-ção; Necessidades Especiais, Saúde eTerceira Idade; Crianças e Adolescen-tes; Mulheres; Negros,Violência e Se-gurança Pública; Diversidade Religio-sa e Ciganos; Moradia e População deRua; Sistema Prisional; DiversidadeSexual. Os Grupos apresentaram seusinformes e decisões ao plenário, queaprovou conclusões incluídas num re-latório a ser editado.

O e n c e r ra m e n t o d o E n c o n t r odeu-se após nove horas de trabalho,em sessão presidida pelo Subsecre-tário de Estado de Direitos Huma-n o s, a d vo g a d o Pa u l o Ba h i a , q u eagradeceu a cooperação das repre-sentações e grupos que participa-ram do evento e ressaltou o trabalhoque o Coronel Jorge da Silva vem re-alizando na Secretaria e a colabora-ção oferecida nesse campo pela ABI,uma das pioneiras no País na defesadas liberdades e dos direitos sociaise culturais. No final foi concedida apalavra ao representante da ABI noConselho, jornalista José Gomes Ta-larico, que destacou a participaçãoda Casa na luta pela universalizaçãodos direitos humanos e pela liberda-de de imprensa desde 1908, data desua fundação, quando inexistiam di-reitos sociais.

Os membrosda Comissão

A Comissão de Liberdade deImprensa e Direitos Humanosda ABI é presidida peloConselheiro José GomesTalarico, que assumiu esseencargo há mais de 40 anos.Seus companheiros na direçãoda Comissão são Arthur NeryCabral, Vice-Presidente; Ítalo deSaldanha da Gama, Secretário;Orpheu Santos Salles, ConsultorJurídico, e Vitor Iorio, Delegadojunto aos órgãos de direitoshumanos.Além deles, integram aComissão os associadosAdalberto Diniz, AltenirRodrigues, Anísio Félix,Elizabeth Vilela da Costa,Germando de OliveiraGonçalves, Irene Cristina Gurgeldo Amaral, Mário AugustoJakobskind, Maria Cecília RibasCarneiro, Nacif Elias Hidd,Paulo Parisi Rapoccio e YacyNunes. Ao longo de 2004também participou daComissão o companheiroAriosto da Silva Pinto, falecidoem fevereiro de 2005.

GIULIANA SGRENA

Outra vítima no IraqueAfuzilaria de soldados norte-ame-

ricanos contra o carro que trans-portava a jornalista italiana Giuli-

A jornalistaitaliana, mortano Iraque emum ataque desoldadosamericanos aocarro em queseguia para oaeroporto depoisde escapar de umseqüestro

4 DireitosHumanosno Estadodo Rio

AGÊNCIA O GLOBO

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PA, desde 1987, quando o jornalista LúcioFlávio Pinto, que já havia passado pelo Es-tadão e Veja, entre outros veículos de pro-jeção nacional, resolveu criar um jornalcapaz de fazer a cobertura da Amazôniaque ele imaginava a certa. Há quase dezoi-to anos ele faz sozinho o Jornal Pessoal, quenão dá trégua aos poderosos do Pará.

À primeira vista parece inofensivo: éapenas um boletim quinzenal de oito pá-ginas tamanho ofício, com uma ou outrailustração ou foto. Com tiragem de doismil exemplares, é vendido nas bancas etem seu público fiel. “Nunca aceitei pu-blicidade”, conta Lúcio Flávio, 54 anos,que mora e trabalha em Belém. Vive davenda do jornal. “Há horas em que ele sepaga, horas em que não se paga. Numaépoca, chegou a ter 1.200 assinantes.Mais que o Liberal, que tinha 800. Maspara manter as assinaturas, teria que vi-rar empresa”. Hoje, a distribuição é feitaapenas em bancas.

Dia 21 de dezembro, num restauranteem Belém, ele envolveu-se em uma brigacom o diretor-editor-corporativo das Or-ganizações Rômulo Maiorana (ORM), Ro-naldo Maiorana, e dois policiais que oacompanhavam na qualidade de seguran-ças particulares. No começo de fevereiro,seu nome foi encaminhado à comissãojulgadora do Prêmio Maria Moors Cabot,da Universidade de Columbia. De acordocom nota publicada na coluna do jorna-lista Elio Gaspari no jornal O Globo de 6de fevereiro, foi convidado para um está-gio na Universidade de Harvard.

PROCESSOS

Ganhador de quatro Prêmios Esso,dois da Fenaj (Federação Nacional dosJornalistas Profissionais), e o maior prê-mio jornalístico da Itália (o prêmio Co-lombe d´Oro per la Pace), Lúcio Fláviopercorreu, em 38 anos de profissão, di-versas redações como do Estadão, Veja eIstoÉ, e trabalhou em publicações alter-nativas, como os extintos jornais Opiniãoe Movimento. Tem 10 livros publicados,todos sobre a Amazônia.

Corre o risco de ir para a cadeia, ame-aça a que já se acostumou. “Fui jornalis-ta em 19 dos 21 anos da ditadura”, diz.“Processaram-me apenas uma vez, en-quadrado na Lei de Segurança Nacional,sob a acusação de incitar a populaçãocontra as autoridades, segundo a acusa-ção de um IPM. Por causa de matéria quepubliquei no suplemento Encarte, quesaía em O Liberal,em 1976, sobre a violên-cia da polícia. Mas o crime foi desqualifi-cado na própria Justiça Militar e enviadoà justiça comum, onde foi arquivado”.

O promotor Américo Leal se recusoua fazer a denúncia, e na ocasião decla-rou que o jornalista merecia uma meda-lha por sua coragem. Depois da ditadu-ra, o editor do JP já foi processado 19 ve-zes. Treze desses processos estão aindaem curso. Cinco ações (quatro penais euma cível) são de autoria de RosângelaMaiorana Kzan, diretora administrativa doLiberal, que tenta impedir qualquer refe-rência a sua pessoa no jornal de Lúcio.

Outras três ações são de Cecílio do

Rego Almeida, dono da construtora C.R.Almeida, que se sentiu atingido por ma-térias do JP denunciando a grilagem noXingu, onde se declara dono de sete mi-lhões de hectares. Lúcio também respon-de a quatro ações dos DesembargadoresJoão Alberto Paiva e Maria do Céu Ca-bral, que deram sentenças favoráveis àC. R. Almeida. O madeireiro Vandeir dosReis Costa, fiel depositário de madeira daC. R. Almeida, também processa o ho-mem do JP, assim como o ex-prefeito deBelém, Edmilson Rodrigues, do PT.

“Já fui condenado duas vezes” – con-ta Lúcio –, “em processos de Rosângela edo desembargador Paiva. A primeiracondenação prescreveu. A segunda estápendente de recurso meu”.

DOROTHY

Há pelo menos duas décadas eleestá no meio dos acontecimentos daconturbada Amazônia, que ama e de-fende através das pequenas mas con-tundentes páginas de seu JP. Amigodesde 1976 da freira Dorothy Stang –recentemente assassinada por pistolei-ros quando ia para um assentamentono Sul do Pará –, integrou o grupo depessoas que se mobilizaram para quea Assembléia Legislativa lhe concedes-se em dezembro passado o título decidadã do Pará.

Quando a conheceu, a missionária es-tava sendo acusada de incitar posseiros aatacar o fazendeiro americano John We-aver Davis. Ele e dois filhos foram mortosa tiros numa emboscada. O crime acon-teceu exatamente no dia 4 de julho, quan-do os EUA comemoravam o bicentená-rio de sua independência. A ditadura, ins-pirada na doutrina de segurança nacio-nal, interpretou o conflito como uma sa-botagem à grande data americana. Osposseiros foram enquadrados na Lei deSegurança Nacional e ficaram presos, in-comunicáveis, por muito tempo.

“A irmã Dorothy sempre se dedicouà defesa de posseiros. Cruzamo-nos pormuitos conflitos de terras, desde então.No mais recente, no ano passado, ela,sempre com uma Bíblia na bolsa, foi ou-tra vez acusada de armar posseiros. Oinquérito policial instaurado pareciainiciar o plano de execução. Escrevi so-bre seu trabalho um artigo no JornalPessoal e dela recebi um caloroso eenérgico abraço”.

Lúcio sempre temeu pela vida da re-ligiosa, em meio à luta em que, afirma,há dezenas de milhões de reais envolvi-dos em grilagem de terra e extração clan-destina de madeira no Vale do Xingu,onde há a maior concentração no pla-neta de mogno, a mercadoria de maiorvalor da Amazônia atualmente.

DESTINO

“O jornalismo surgiu naturalmentedentro de mim, como um destino”, ga-

rante. “Um dia, aos 16 anos, passeipela sede de A Província do Pará e de-cidi entrar, num impulso. Saí de lá, nofim da manhã, com a missão, dadapelo redator-chefe, de escrever um ar-tigo sobre o fim da Segunda GuerraMundial, que se comemoraria no diaseguinte. Voltei à tarde com as quatropáginas prontas. Quando abri a ediçãode 6 de maio de 1966 meu artigo esta-va, integralmente, na primeira página– e eu, contratado. A partir daí, nuncamais deixei de dar expedientes de 10,12, 14 ou até 72 horas ininterruptas dededicação ao jornalismo”.

Lúcio conta como testemunhou osúltimos estertores do Correio da Manhã,no Rio de Janeiro, “o jornal que mais tem-po influiu sobre a vida brasileira, publi-cação sem igual na história da imprensanacional”. Ele conta como participou dadecadência do império dos Diários eEmissoras Associados. “Ajudei a fazer amais fascinante das edições temáticas donosso jornalismo, o número especial darevista Realidade sobre a Amazônia, noinício da década de 70. Tomei parte emexperiências alternativas, como as deOpinião e Movimento”.

Lúcio Flávio voltou a Belém com oprojeto de criar a primeira sucursal regi-onal de O Estado de S. Paulo e a idéia dequebrar “a visão exótica que o País temsobre sua grande fronteira”. Conta quecomandou empreitadas de jornalismo decombate com outros companheiros,como no jornal Bandeira 3. “Em setem-bro de 1987, com uma história completasobre o assassinato do ex-deputado es-tadual Paulo Fonteles de Lima, vi queaquela matéria explosiva só poderia serpublicada num veículo próprio”.

“Vi o corpo ainda no carro. Ele esta-va no banco do carona. Ainda com o ci-garro na mão. Foram três tiros de mestredados na cabeça dele. Morreu na hora,sem a menor possibilidade de reação. Noano seguinte, foi morto o advogado JoãoBatista, em pleno exercício de seu man-dato de deputado estadual”, lembra.

“Passei três meses investigando”,acrescenta. “A matéria ganhou o prêmioda Fenaj, no ano de seu lançamento. Fa-zia nessa época a coluna Repórter 70, amais influente do jornal O Liberal, eapresentava um programa de entrevistasna TV Liberal. Na época do assassinatodo Paulo, o dono da empresa tinha aca-bado de morrer, o Rômulo Maiorana. En-treguei o texto para a Rosângela Maiora-na Kzan, que depois viria a entrar comcinco ações na Justiça contra mim”.

D. Rosânela, segundo Flávio, consi-derou “impressionante” o material, masapontou suas inconveniências. “Denun-ciava as pessoas mais ricas do Pará: oJoaquim Fonseca, que se dizia o maiorarmador fluvial do mundo, e o Jair Ber-nadino de Souza, da Belauto, a maior re-vendedora de automóveis. Ela disse que

não podia publicar porque citava doisdos maiores anunciantes do jornal”.

IMPOSIÇÃO COLONIAL

Foi quando surgiu o JP, cujo segundonúmero trazia uma denúncia de umrombo de US$ 30 milhões no Banco daAmazônia (Basa) - que, segundo Lúcio,nenhum jornal denunciava -, pelo pre-sidente interino do banco, que era o ad-vogado de O Liberal, Augusto Barreira Pe-reira. O Liberal ignorava o fato porque umdos envolvidos era o procurador dele, e AProvíncia do Pará não publicava porqueoutro dos envolvidos era o famoso com-positor Billy Blanco, irmão do Milton Trin-dade, superintendente da empresa.

“Eu já havia feito um ensaio com o In-forme Amazônico, em 1981, morto na 12ªedição. Tinha um antepassado glorioso,o I. F. Stone’s Weelkly, editado entre 1952e 1971, em Washington, por Izzy Stone, omaior de todos os jornalistas. Percebi quea grande imprensa jamais seria o instru-mento do que eu queria fazer com meujornalismo: um veículo de informação daopinião pública amazônica, uma armacontra a imposição colonial à região deum modelo que a suga e transfere suasriquezas para fora, impedindo-a de mul-tiplicar seus ganhos”.

Lúcio diz que passou a se dedicar comtodas as suas energias ao JP, com 339 edi-ções. “Afastei-me definitivamente das re-dações, inspirado em Dante, mas inver-tendo o dístico do Inferno: ‘Trazei a inte-ligência, vós que entrais’. O convenci-mento do jornal não resultará jamais depressão, coação, ameaça. Só da inteligên-cia. Nele, vence quem demonstra a ver-dade. E a verdade, como diz o texto bí-blico, nos libertará. É o que espero”.

“INFERNO VERDE”

Com seus quase 20 milhões de habi-tantes, a Amazônia é, segundo Flávio, vis-ta de forma “míope” e até folclórica, queainda trata a região como “hiléia” e “in-ferno verde”. “A imprensa”, disse, numarecente entrevista ao repórter CarlosTautz, “é incapaz de ver, por trás da be-leza cênica, a complexidade amazônicacomo parte de uma engrenagem inter-nacional que a toma como mote para umextenso circuito produtivo”.

Em 38 anos de profissão, considera“muito ruim” a cobertura feita pela própriaimprensa local, com exceção do dia-a-dia.“As empresas jornalísticas locais estão con-dicionadas por interesses paroquiais, vin-culações políticas e atrelamento aos gover-nos, ainda seus maiores anunciantes”.

Já a imprensa do Sudeste “é precon-ceituosa” em relação à cobertura daAmazônia. A grande imprensa, diz, nãoaceitava que se condicionassem investi-mentos ditos produtivos (como a pecu-ária de corte) à ecologia porque a flores-ta não dava rendimento.

“O Sul Maravilha (para tomar uma

Jornal de um homem sódá trabalho aos

poderosos do ParáS e não sair no Pessoal, provavelmente

não sai em nenhum lugar”. Essa éuma frase muito repetida em Belém,

Uma profissãode risco

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entidade mitológica como símbolo) serecusa a tratar de problemas que só pa-recem ter sentido no parque industrialpaulista. Há 20 anos o Pará garante 15%das necessidades de alumínio primáriodo Japão a um custo inferior ao que osjaponeses teriam se continuassem a fa-bricar o material no seu próprio territó-rio, graças ao brutal subsídio concedidoà Albrás (controlada pela CompanhiaVale do Rio Doce), durante as duas dé-cadas anteriores, ao custo de US$ 2 bi-lhões para o tesouro nacional”.

MÉTODO DE TRABALHO

Apesar das ameaças no exercício daprofissão, diz que não teve apoio sig-nificativo das entidades de classe. “Noprimeiro processo, o presidente do sin-dicato escreveu uma nota de solidarie-dade tão sórdida que pedi o meu desli-gamento imediato. A solidariedade erapior do que se tivesse feito um ataquea mim. Ele dizia que a Rosangela Mai-orana, que me processava, tinha razão,mas era obrigado a ser solidário comi-go pelo espírito de corpo”.

Em outros processos e tentativas deintimidação, conta que a solidarieda-de foi comandada pelas ONGs: Institu-to Sócio Ambiental (ISA), Amigos daTerra e Greenpeace. Fenaj e sindicatoapenas aderiram. A iniciativa não foideles. “Quando denunciei a infiltraçãodo narcotráfico na Amazônia, em 1991- ano em que ocorreu o assassinato defigura da sociedade que era lavador dedinheiro do narcotráfico internacional- durante meses, o Jornal Pessoal foi oúnico a publicar os fatos”.

Lúcio conta que quatro meses depoissaiu uma única matéria nos três jornaisde Belém dizendo que fora suicídio. Re-corda: “Ele morreu na BR 316, a 90 quilô-metros por hora, recebeu um tiro na dis-tância mínima de três metros, de cimapara baixo, da esquerda, e ele era destro.Foi um único tiro, preciso. Depois que oJornal Pessoal encadeou os fatos, a Polí-cia Federal apreendeu uma tonelada decocaína em Marajó e no rio Amazonas”.

O episódio mostra como trabalha oeditor do JP. A imprensa paraense foi todapara a sede da PF, onde haveria uma cole-tiva. “Fui e não fiz qualquer pergunta. Oscolegas quiseram saber a razão do meusilêncio. Falei que tinha ido para conver-sar em off com o delegado José Salles, de-pois superintendente no Pará. O colegadeclarou, então, que iria ficar. Que agoraé que ia começar o bom. Retruquei quenão existe off coletivo. Que se tratava deuma conversa particular, estabelecidaatravés da confiança mútua. Mas concor-dei em que todos participassem, com o

compromisso de que publicassem o queia ser dito. Todos foram embora”.

“Quanto mais a gente se desenvolve,mais fica subdesenvolvido”, sentencia.Mas não se considera um cético: “Se fossecético, já teria entregado as armas. Tenhoesperança. Agora, a minha consciência dizque estou numa luta perdida. Mas voucontinuar a luta até o último dia”.

Repórter que vive da investigação dosfatos, Lúcio esclarece um pouco mais arespeito dos seus métodos: “As pessoaspensam que repórter investigativo éaquele de repente presenteado por umdossiê. Investigar significa ir atrás do fioda meada e questionar sempre. Jornalis-ta que não tem dossiê corre atrás dos fa-tos. É a velha escola de repórter de polí-cia, que continua sendo a grande escola.Morto não manda release. Não tem as-sessor de imprensa. O problema é queconsigo desagradar a todo mundo. O PTnão me considera um aliado. O PSDB nãome considera aliado. O PFL, idem. Azardeles. E azar o meu”.

O segredo é ter boas fontes, revela.“Onde Marx escreveu O Capital? No Mu-seu Britânico, sem nunca ter entradonuma fábrica. Em quais dados primári-os se baseia O Capital? Nos relatórios dosfiscais de fábrica da Inglaterra. Era umgrande jornalista”.

A MAÇÃ DE NEWTON

Estar diante dos fatos e perguntar é,diz Lúcio, sua regra básica. Numa recen-te entrevista, ele usou como metáfora amaçã de Newton. “Estavam os dois ir-mãos debaixo da macieira. Felizmente amaçã caiu na cabeça de Newton. Fossena cabeça do irmão, teria gerado no má-ximo um palavrão. O jornalista é aqueleque faz a pergunta certa, na hora certa.O jornalista é aquele que incomoda opoder. Seja qual for. Ideológico, econô-mico, institucional”.

Em Tucuruí, o presidente da Eletronor-te afirmava, diante das câmeras de televi-são, que a água do lago era boa. Lúcio en-cheu um copo pediu: “Beba um pouco”.O dirigente se esquivou. Ele não tomou.Quando o pistoleiro que executou o de-putado João Batista, de nome Péricles,dava entrevista numa pequena sala da As-sembléia Legislativa e declarou que jamaistinha pegado numa arma, Lúcio pediu aum soldado para passar-lhe o revólver queusava, depois de tirar as balas. O capitão,que estava ao lado, autorizou.

O repórter conta: “Peguei o revólver edisse para o Péricles: ‘Pega’. Ele tomou aarma de minha mão na hora. Era um pro-fissional. A equipe da TV Cultura, que fil-mou tudo, saiu correndo para exibir o fil-me. Jornalismo é isso”.

Docentes solidáriosOs colegas de Lúcio Flávio Pinto na Universidade Federal do Pará receberam

com indignação a agressão contra ele, praticada pelo empresário Ronaldo Mai-orana. Em assembléia-geral extraordinária, os docentes da UFPA aprovaram umaMoção de Repúdio à violência, assim redigida:

“A Associação dos Docentes da Universidade Federal do Pará, em Assembléia-Geral Extraordinária realizada em 28 de janeiro de 2005, manifestou seu repú-dio contra o ato de brutalidade inaceitável sofrido pelo jornalista Lúcio FlávioPinto, professor aposentado da UFPA, no dia 21 de janeiro de 2005, no restau-rante Parque da Residência,por entender que tal ato de violência física atentacontra os direitos humanos, a liberdade de imprensa e expressão, exigindo rigo-rosa apuração e punição dos agressores. (a) A Diretoria.”

Senhor Diretor-Geral,

A Associação Brasileira de Imprensadirige-se a Vossa Senhoria para postulara participação do Departamento de Po-lícia Federal nas investigações que visamà localização do paradeiro do jornalistae publicitário Ivandel Godinho Júnior,seqüestrado em outubro de 2003 e atéhoje não localizado pelas autoridadespoliciais do Estado de São Paulo que seempenham na apuração do caso.

O pedido que formulamos à PolíciaFederal, Senhor Diretor-Geral, decorre dofato de que há informações, imprecisase incompletas, é certo, de que Ivandel Go-dinho teria sido visto ou referido em epi-sódios de natureza policial nos Estadosde Minas Gerais e do Espírito Santo, cir-cunstância que não comportaria açãoda Polícia do Estado de São Paulo, emrazão de impedimentos constitucionais.Ademais, a simples menção da presençada Polícia Federal no caso ou de seu in-teresse pela sua apuração constituiriaum fator de intimidação das ações doscaptores de Ivandel Godinho, pelo temorque a eficiência desse DPF impõe a cri-minosos de toda natureza.

Cabe ainda aduzir, Senhor Diretor-Geral, que há suposição de que IvandelGodinho tenha sido libertado por seusseqüestradores, apresente seqüelas de or-dem física e mesmo psíquica e esteja re-colhido a alguma instituição de saúdeno interior do País. A divulgação do in-teresse do DPF pelo caso poderia consti-tuir um estímulo a que responsáveis porinstituições de saúde fora dos grandescentros se interessem em apurar a ori-gem de seus internos e, assim, oferecerinformações que ajudem a localizaçãode Godinho.

Independentemente da decisão queesse DPF adotar em relação ao solicita-do, encarecemos uma resposta da VossaSenhoria a este expediente, pois assim te-

ABI pede providênciassobre o caso Ivandel

ríamos uma informação suscetível dealimentar a divulgação do caso, já queuma das dificuldades na busca de Ivan-del Godinho reside exatamente no silên-cio que tem recoberto o seu paradeirodesde que ele foi arrebatado ao convívioda família e dos amigos.

No ensejo, Senhor Diretor-Geral, ex-presso a Vossa Senhoria os cumprimen-tos da Associação Brasileira de Impren-sa por sua justa inclusão entre os agra-ciados pelo jornal O Globo no certamede mérito Faz Diferença, recentementerealizado no Rio.

Com os protestos do nosso elevadoapreço, firmo-me

Cordialmente

Maurício AzêdoPresidente

Senhor Governador,

A Associação Brasileira de Imprensadirige-se a Vossa Excelência para lhe so-licitar que recomende às autoridades po-liciais do Estado de São Paulo que redo-brem os seus esforços nas investigaçõesdestinadas à apuração do paradeiro dojornalista e publicitário Ivandel Godi-nho Júnior, seqüestrado em outubro de2003 e até agora não devolvido ao con-vívio da sua família.

Decorre este apelo, Senhor Governa-dor, da circunstância de que o silêncioque recobre o caso, por prolongados mo-mentos, desde a captura de Ivandel Go-dinho, é um fator de inibição da possi-bilidade de êxito dos esforços para loca-lizá-lo, já que esse silêncio alimenta apassividade de muitos que poderiamcolaborar nessa busca.

Apelamos também a Vossa Excelên-cia para que recomende às autoridadese servidores da Secretaria de Estado deSaúde que, sobretudo no interior do Es-tado, solicitem às instituições de saúdeque se interessem em apurar a origemdos seus internos, pois há suposição deque Ivandel Godinho tenha sido liber-tado por seus seqüestradores, apresenteseqüelas de ordem física e mesmo psí-quica e esteja recolhido a alguma casade saúde do interior, até mesmo na con-dição de indigente. Assim poder-se-ialevantar informações que ajudem a lo-calizar esse nosso infortunado compa-nheiro.

Ficaremos gratos se Vossa Excelênciase manifestar sobre o exposto e puder ofe-recer um relato sobre as intervenções fei-tas pela Secretaria de Estado de Seguran-ça Pública de São Paulo nas tentativasaté agora frustradas de localizar Ivan-del Godinho Júnior.

No ensejo, Senhor Governador, apre-sentamos as expressões do nosso eleva-do apreço.

Cordialmente

Maurício AzêdoPresidente

da, e ao Governador do Estado de SãoPaulo, Geraldo Alckmin, ofício em quepede o esforço das autoridades polici-ais nas investigações do paradeiro dojornalista Ivandel Godinho Júnior, se-qüestrado em outubro de 2003.

No ofício, o Presidente da ABI, Mau-rício Azêdo, ressalta que há informa-ções imprecisas e incompletas sobre ocaso. Maurício informa ainda que hásuposição de que Ivandel Godinho Jú-nior tenha sido libertado por seus se-qüestradores, apresente seqüelas deordem física e mesmo psíquica e estejarecolhido a alguma instituição de saú-de no interior do País. Neste caso, a atu-ação do DPF pode estimular institui-ções de saúde fora dos grandes centrosa se interessarem em apurar a origemde seus internos. Ao Governo de SãoPaulo a ABI pede que ofereça um relatosobre as intervenções feitas pela Secre-taria de Estado de Segurança Públicapara apurar o seqüestro.

A ABI encaminhou em 23 de marçoao Diretor-Geral do Departamen-to de Polícia Federal, Paulo Lacer-

A ÍNTEGRA DOS OFÍCIOS

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negro, de 14 de novembro de 1995, pu-blicado no livro A Máscara do Tempo(Civilização Brasileira, 1996). O autor, ojornalista Moacir Werneck de Castro, serefere a Zumbi dos Palmares, mas a fra-se poderia aplicar-se a ele próprio, quecompletou 90 anos em fevereiro. Moa-cir a seu modo também ergueu a lançapara lutar, mal começava a carreira dejornalista, contra o fascismo tupini-quim, na condição de redator das pu-blicações Revista Acadêmica e Diretri-zes, durante o Estado Novo.

Sua primeira missão como repór-ter – a cobertura de uma assembléiano Sindicato dos Garçons, na Lapa,reprimida pela polícia, em outubro de1934 – acabou numa cela do Dops. Foiseu “teste de rua”, proposto pelo edi-tor do Jornal do Povo, publicação es-querdista que durou apenas dez dias.“A sala foi invadida por policiais dearma em punho que atiravam a esmoe mataram dois trabalhadores”, contaMoacir. Arrastado para o “tintureiro”,o repórter estreante teve que enfren-tar o “corredor polonês” formado pe-los truculentos meganhas da PolíciaEspecial e passar duas noites, incomu-nicável, numa masmorra da PolíciaCentral, na Rua da Relação.

O episódio teve pronta intervençãoda ABI: o presidente da entidade, Her-bert Moses, por solicitação do irmão dopreso, o também jornalista Luís Wer-neck de Castro, localizou Moacir – poisa polícia não confirmava seu paradei-ro – e conseguiu sua libertação. “Mo-ses era um conservador que levava asério sua função à frente da ABI”, con-clui Moacir Werneck, que narra o epi-sódio em seu livro Europa 1935, UmaAventura da Juventude (Record, 2002).

“PENSAMENTO ÚNICO”Nascido em 1915 na cidade de Bar-

ra Mansa, Estado do Rio de Janeiro,Moacir Werneck de Castro, como de-clarou certa vez Otto Lara Rezende, “éum exemplo eloqüente e completo doque tem sido o intelectual brasileirode sua geração”. Jornalista, escritor etradutor, retratou de Bolívar (O Liber-tador – A Vida de Simon Bolívar ) aMário de Andrade (Exílio no Rio ), tra-tou da “revolução africana” e do Ori-ente Médio, quando ouviu, entre ou-tros, o líder egípcio Gamal Abdel Nas-ser, o palestino Yasser Arafat e o sene-galês Léopold Sedar Senghor; escre-veu sobre as invasões americanas noVietnã, no Panamá, no Afeganistão eno Iraque, além da Guerra Fria, daUnião Soviética e o socialismo e, é cla-ro, os problemas brasileiros, de DomJoão VI a José Sarney, passando porJuscelino Kubitschek. Jânio Quadros,João Goulart e o regime militar.

Até os dias de hoje, quando se in-

MOACIR WERNECK90 anos de vida, 70 de jornalismo

GENTE

Num texto de 1995, ele disse que Zumbi dosPalmares é um “exemplo de bravura e de

luta”, mas a definição se aplica a ele próprio‘VCARLOS JURANDIR

amos lembrar o seu exemplo debravura e de luta ̀é uma das pri-meiras frases do artigo O herói

surge contra “essa espécie de pensamen-to único que pretendem nos impor, sufo-cando as identidades nacionais e tentan-do reduzir a humanidade a um rebanhomanso, tangido pelos pastores neolibe-rais”, são quase setenta anos de militânciaatrás da máquina de escrever e, mais re-centemente, do teclado do computador.Escreveu sete livros de reportagens, arti-gos e crônicas, a maior parte publicada naimprensa diária. Ao mesmo tempo, tradu-ziu de Fiodor Dostoiévsky a Gabriel Gar-cía Márquez , enquanto prestava assesso-ria à Enciclopédia Britânica no Brasil, ten-do participado na elaboração da Mirador.

Redator-chefe de Última Hora de 1958a 1971, no dia do golpe, 1º de abril de 1964,resolveu se aconselhar com um colegamais experiente sobre a maneira de man-ter o jornal nas bancas. “Fui procurá-louma manhã, na sua casa da Rua Assun-ção, em Botafogo”, conta. Teve a solidari-edade, o conforto e ainda uma inespera-da colaboração. “Ele me ajudou com vá-rios editoriais preciosos de análise políti-ca, dissecando com agudeza temperadade habilidade as mazelas do regime”.

“Alinhando argumentos jurídicos lapi-dares”, prossegue Moacir, “punha a nu ocaráter ditatorial do Ato Institucional nú-mero 1, mascarado de democracia à modada casa. Detinha-se especialmente na ex-posição dos abusos dos IPMs, cuja rede deviolências começava a se estender, abrin-do caminho à institucionalização do arbí-trio, da violência e da tortura”. O episódiovem contado no livro de crônicas A Más-cara do Tempo (Civilização Brasileira,1996). O morador da Rua Assunção? Era ojornalista Barbosa Lima Sobrinho.

A propósito, ele recorda outra histó-ria do ex-presidente da ABI. Chamado adepor num processo contra jornalistasnuma auditoria do Exército, um juiz lheperguntou à saída qual o segredo de tan-ta longevidade e lucidez. “Mais tarde” –escreveu Moacir –, “ele contou que ia en-

tregando, mas caiu em si a tempo. Expli-cou: ‘Eu quase disse que o segredo é umaconsciência tranqüila, mas podia preju-dicar o processo’”.

A INVASÃO DE UHUHUHUHUHMoacir Werneck é autor de um dos mais

belos artigos sobre o golpe de 1964, A Moçadas Garrafas. Depois de lembrar de passa-gem Fabrizio del Dongo, personagem deStendhal, “que participou de uma batalhasem saber que ela depois se chamaria Wa-terloo”, conclui que esse não era bem o seucaso e da equipe de jornalistas que resolve-ra tocar o jornal. Eles não podiam ignorarem que batalha estavam e o que tinhampela frente depois que o proprietário do jor-nal Última Hora, Samuel Wainer, foi obri-gado a se refugiar numa embaixada. A re-dação, na Rua Sotero dos Reis, em São Cris-tóvão, havia sido depredada por uma hor-da de “revolucionários”.

Encontraram-se num apartamentomantido pelo jornal na Avenida NossaSenhora de Copacabana, para confabu-lar o que fazer. Olhavam pela janela eviam na rua manifestantes festejando otriunfo da “revolução”. Além de Jorge Mi-randa Jordão, o diretor de redação, esta-vam presentes os jornalistas Flávio Ran-gel e Thereza Cesário Alvim. Souberamque a empregada que cuidava da casa ti-nha sido levada por manifestantes embusca de “agentes de Moscou”. Diante dafesta na rua, começara a jogar garrafasvazias pela sacada. A turba invadiu o pré-dio e, debaixo de pancada, levou a moçapara uma delegacia, de onde ela só con-seguiu sair por ação dos jornalistas, queficaram sabendo seu drama: filha de umtrabalhador da roça que sonhava ter umpedaço de terra com a reforma agráriaprometida por Jango, perdeu a cabeça aover o sonho da família cair por terra.

“Aquele pessoal na rua estava festejan-do o fim do sonho dos sem-terra. Nãoocorreu à moça outra coisa senão atirar

garrafas em cima dos que matavam a es-perança” – conta Moacir.

Dramas pequenos só na aparência,assim como grandes comoções nacionaise internacionais, indagações sobre o fu-turo da Humanidade e as lutas dos tra-balhadores têm sido os temas permanen-tes de Moacir Werneck, assim como astrajetórias de personalidades como OttoLara Rezende, Rubem Braga, Alceu Amo-roso Lima, Graciliano Ramos, Oscar Nie-meyer, Vinícius de Moraes e tantos outros,retratados através dos anos em artigos ecrônicas que sempre iluminam aspectosinesperados ou detalhes reveladores daépoca em que vivemos.

REVELAÇÕESOs artigos de Moacir, reunidos em vá-

rios livros, enredam o leitor numa teiade revelações que mostra o pesquisadorincansável, capaz de advertir, por exem-plo, contra o crescente preconceito emrelação aos árabes – “está se criando sor-rateiramente uma vaga de ódio irracio-nal” –, os vetos de Washington à entradade brasileiros, como Djanira, as violên-cias perpetradas contra os escravos nasfazendas de café do interior fluminenseem princípios do século passado, a ide-ologia do extermínio justificada pelapolícia do Rio já nos anos 80, a curiosatrajetória de uma anedota, começandopor Minas e indo a Freud e o escritor ar-gentino Jorge Luís Borges.

Ao articulista não falta imaginação,como na “biografia” da bailarina italianaMaria Baderna, que, a partir de sua che-gada ao Rio em 1851, se meteu em tantasconfusões por aqui que seu sobrenomepassou a significar a própria confusão.“Carbonária, adepta de Mazzini e parti-cipante da revolução de 1848”, La Bader-na juntou-se em terras fluminenses a ou-tro aventureiro, Giancarlo Fiammetta. Osdois passaram a freqüentar uma célula daLiga dos Comunistas em funcionamentona Rua da Vala, a cujas reuniões Mariacomparecia vestida de personagem do es-critor Joaquim Manuel de Macedo, atéque o “aparelho” foi “estourado” pela “po-lícia do ministro Eusébio de Queiroz”.

Moacir informa que o filósofo Karl Marx,o inspirado patrono do socialismo, falhoulamentavelmente ao descarregar suas ba-terias contra o general Simon Bolívar, aquem chamou, na redação de um verbete,de “canalha brutal e miserável”. O fato, contaMoacir, criou grandes problemas para a his-toriografia soviética. Aliás, o jornalista so-brepõe a glória de Bolívar, Sucre, O’Higgins,San Martin, Artigas e outros libertadoressul-americanos à absoluta ausência de he-róis brasileiros nessa área.

Em 1935, foi à Europa, aos 19 anos,quase só com a roupa do corpo e ficou láquase um ano, perambulando por váriospaíses, inclusive o Portugal salazarista, aEspanha prestes a se tornar franquista àforça e a Alemanha já sob o domínio deHitler. “Não sou um repórter de rua”, es-quiva-se, com modéstia, convalescendode uma queda em que fraturou uma per-na e o impediu de se locomover.

Moacir Werneckencampa em sua

longa trajetóriade escritor e

jornalistaos grandes

dilemas dahumanidade,

entre elesa luta dos

trabalhadores eas comoçõesnacionais e

internacionais

AGÊNCIA O GLOBO

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C onsiderado o decano da crôni-ca política brasileira, Villas-BôasCorrêa é um dos mais novos só-

JOSÉ REINALDO MARQUES

cios da ABI. Segundo o jornalista, fo-ram dois os motivos que o levaram asomente agora, aos 57 anos de carrei-ra, solicitar o seu ingresso no quadrode associados da entidade: o primei-ro, mais antigo, foi a atitude corajosaque a ABI adotou na ditadura militar,com Prudente de Moraes Neto e Bar-bosa Lima Sobrinho; o segundo, maisrecente, é que hoje a ABI “atravessauma fase singular, pois pela primeiravez consegue conjugar a competênciaadministrativa de tirar a instituição deum buraco de dívidas com a posturade defesa da classe e da democracia”.

Villas-Bôas Corrêa conta que Bar-bosa Lima Sobrinho, quando Presi-dente da ABI, por diversas vezes oconvidou formalmente para que fizes-se parte da diretoria, mas que, devidoa uma jornada bastante atribulada –“trabalhava em dois, três jornais, alémda televisão” – não podia aceitar oconvite, que, confessa, também o as-sustava:

– O Barbosa Lima me espantou. Cer-ta vez me encontrou na rua e disse: “Vi-llas, você tem que ser meu sucessor lá.”Mas eu não podia. Porém, agora que ascoisas ficaram mais maneiras, eu deci-di entrar na ABI como associado.

No jornalismo desde 1948, Villas–Bôas orgulha–se de pertencer a umageração que plasmou o modelo darepor tagem polí t ica e que “temcomo marca a independência e a im-parcialidade.” Dela fazem parte Car-los Castello Branco, Lívio Coutinho,Castilho Cara de Onça e Murilo Me-llo Filho.

– Os repórteres políticos de entãoforam muito importantes, porqueconseguiam fazer jornalismo comisenção, atuando num momento emque a imprensa, por causa da resistên-cia ao Estado Novo, ficou partidária.

O ingresso de Villas-Bôas no jorna-lismo não se deu por causa de uma vo-cação irresistível. Formado pela anti-ga Faculdade Nacional de Direito, eleprestou concurso e foi trabalhar noantigo Serviço de Alimentação da Pre-vidência Social (Saps). Como o di-nheiro era curto e seu segundo filhoacabara de nascer, acabou sendo le-vado para a redação de A Notícia pelosogro, Bittencourt de Sá, então dire-tor do jornal. Numa entrevista para oprojeto Centro de Memória da Im-prensa Carioca, da UERJ, sobre o iní-cio da sua carreira, ele cita o antigovespertino como a sua escola de jor-nalismo prático:

– Comecei fazendo tudo. Com essetudo quero dizer: chegava uma girafapara o Jardim Zoológico, o Villas ia co-brir; crimes, o Villas ia cobrir. O noti-ciário policial era intenso naquelaépoca, embora A Notícia não desse

Villas: testemunha de muitos acontecimentos políticos importantes no País

GENTE

Villas-Bôas: afinal, um dos nossosAos 57 anos de batente, ele ingressa na ABI. Aqui, explica por quê

ração dos acontecimentos do plená-rio, atuavam também um segundo eum terceiro escalões de repórteres –“cobrir o plenário era extremamenteimportante, porque ali estava o realjogo do poder.”

Villas-Bôas não gosta de comen-tar o trabalho dos colegas que fazematualmente a cobertura do noticiá-rio político, mas destaca o que elechama, elogiosamente, de “os expo-entes matriarcais” que são TerezaCruvinel e Helena Chagas, da reda-ção do Globo em Brasília. Na televi-

são, diz que gosta do comentaris-ta Franklin Martins.

Além da Notícia, o jornalistatrabalhou na redação de O Dia,que ajudou a criar, foi diretor dasucursal carioca do Estado de S.Paulo e fez comentários políticospara as TVs Manchete e Bandei-rantes. Em 1980, assumiu a Edito-ria de Política do Jornal do Brasil,onde até hoje mantém uma colu-na de opinião.

Em 2002, escreveu o livro Con-versa com a memória, no qual fazum retrospecto dos últimos 50 anosda política nacional. O livro foi lan-çado pela Editora Objetiva e trazum relato amplo de Governos comoos de Getúlio, Juscelino e JânioQuadros, a deposição de Jango, os21 anos da ditadura militar e a NovaRepública de Tancredo Neves, cul-minando com os dois mandatos deFernando Henrique Cardoso.

Antigo companheiro de Villas-Bôas Corrêa, Murilo Mello Filhoescreveu num artigo para o Jornaldo Commercio que Villas é motivode orgulho para toda uma geraçãode jornalistas profissionais, “quedele muito se honra, não só pelasua capacidade de repórter e reda-tor incomparáveis, como tambémpela sua integridade e a sua hon-radez pessoal”.

Conta também que os dois fo-ram testemunhas de muitos acon-tecimentos políticos importantes elembra um episódio ocorrido emCuba, em 1960, quando acompa-nhavam uma histórica viagem doex-presidente Jânio Quadros àque-le País. Segundo Murilo, Fidel Cas-tro se dirigiu a Jânio e disse:

– Imagine, doutor Jânio, que,após depormos o ditador Batista,queríamos encampar uma empre-sa estrangeira ou um banco ame-ricano e o doutor Manuel Urrutia– que havíamos designado para aPresidência da República – se opu-nha à encampação. O senhor sabeo que eu fiz, doutor Jânio? Eu re-nunciei ao meu posto de primei-ro-ministro. No que eu renunciei,o povo veio para esta praça, aquiem frente e acampou durante trêsdias e três noites, exigindo a minhavolta. Eu voltei, demiti o doutor Ur-rutia, mandei-o para Miami e no-meei o dr. Oswaldo Dorticós parasubstituí-lo.

De acordo com o jornalista, noavião de volta ao Brasil, degustan-do uma dose de uísque, Jânio diri-giu-se a ele e disse: “Você viu, Mu-rilo, o que o primeiro-ministro fez?Ele renunciou e o povo veio para arua, exigir a sua volta.” Um ano de-pois, no dia 25 de agosto de 1961,Jânio Quadros renunciava à Presi-dência da República, dizendo:

– Onde está o povo? Onde estáo povo que não veio me buscar?

destaque aos crimes sangrentos daforma como se dá hoje.

Nos anos 50, quando começou afazer jornalismo político, a reporta-gem era dividida em escalões distin-tos, sendo o primeiro encarregado decobrir as subcomissões na Câmara. Otrabalho nas comissões, segundo seurelato, geralmente era feito por um re-pórter veterano. Nos dias em que acomissão apresentava uma matériaimportante, era comum os jornaisenviarem mais de um repórter ao lo-cal para ajudar na cobertura. Na apu-

“Pela primeira vez a ABIconsegue conjugar competência

administrativa com a postura de defesada classe e da democracia”

JOSÉ CARLOS VELOSO

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ba, começou no jornalismo como reda-tor do Boletim Cambial. Teve passagenspelo Estado de S. Paulo, Jornal do Brasile na Rádio JB.Trabalhou também, comoredator, no O Globo e no Jornal do Com-mercio do Rio. Era especialista em assun-tos internacionais, área em que atuou nocopy das redações pelas quais passou.

Funcionário do Banco do Brasil du-rante muitos anos, Ari, como era conhe-cido, jamais abandonou a profissão dejornalista, da qual se orgulhava. Dedi-cou-se por quase duas décadas à ediçãodo Jornal dos Bancários, uma de suaspaixões, além do Flamengo e a música,especialmente a música clássica. Ouvin-te dedicado dos programas clássicos dosbons tempos da Rádio JB e da RádioMEC, lia sobre história da música. Tam-bém era fã de jazz e colecionador das gra-vações fundamentais do gênero.

Os amigos mais chegados sabiamque, particularmente, alimentava a espe-rança de um dia aprender a tocar um ins-trumento. O amor pelas sinfonias e oswing não o afastou, porém, da solidari-edade para com os sambistas e a músicabrasileira verdadeiramente popular, aseu ver preteridos pela indústria do con-sumo. Prestigiava a MPB feita nos quin-tais dos subúrbios, dentro dos limites deseu tempo escasso.

Figura querida em todos os locais detrabalho que freqüentou, será semprelembrado por uma característica em fasede extinção: a solidariedade. Ari sabiaouvir os problemas dos que viviam à suavolta, sugeria soluções e quando podiase empenhava ele mesmo em dar umacontribuição para remover o obstáculo.Muitos o comparavam a um personagemde Ziraldo, Jeremias, o Bom, que se me-tia em enrascadas para tentar resolver osproblemas dos outros.

Membro desde 1952 do Partido Co-munista Brasileiro, não aceitou “o fim”do socialismo, decretado pelo liberalis-mo. Mesmo quando já não militava, in-clusive por questões de saúde, mante-ve incólume sua solidariedade para comos pobres do mundo. Aristóteles Travas-sos de Andrade teve uma complicaçãodecorrente da doença de Alzheimer e foisubmetido a uma cirurgia. Estava inter-nado no Quinta D’Or à meia-noite dodia 9 de fevereiro. Era irmão do tambémjornalista Aristélio Andrade, DiretorEconômico-Financeiro da ABI. Deixouviúva e três filhos.

Aristóteles,o Jeremias

da vida real

Aos 74 anos, morreu no Rio o jorna-lista Aristóteles Travassos de An-drade. Pernambucano de Timbaú-

Pensador irrequieto, que em poucosanos foi do integralismo ao trabalhismoe à filosofia humanista, Roland Corbisi-er era sócio da ABI desde 1974 e foi con-selheiro de 1992 a 2000. Nascido na ci-dade de São Paulo, pertenceu a uma ge-ração que fez fervilhar as idéias sobre ofuturo do País e se deixou impregnar poressa efervescência. De 1934 a 1945 du-rou seu período integralista, quando de-batia diretamente com os dirigentes Plí-nio Salgado e Raimundo Padilha, aca-bando por divergir deles.

Em 1949, em São Paulo, torna-se co-laborador do Estadão e inicia os estudosde filosofia e economia com que se pre-parou para assumir o papel relevanteque mais tarde desempenhou no deba-te nacional. Quando o País passou a dis-cutir a questão do petróleo, em 1952,Corbisier, já no Rio, como integrante do“grupo Itatiaia”– núcleo de intelectuaisque discutiam as questões nacionais eque deu origem ao Instituto Brasileiro deEconomia, Sociologia e Política —, edi-tava os Cadernos do Nosso Tempo, ver-dadeira tribuna de debates sobre asquestões nacionais.

Com a criação do Instituto Superiorde Estudos Brasileiros — Iseb, em 1955,nascido do núcleo do Ibesp e instituídono MEC, no Governo Café Filho (1954-55), surgiu o instrumento para a ampli-ação dos estudos sobre a realidade bra-sileira. O novo órgão era administrado

Paulo Afonso Grisolli morreu em de-zembro último na província de Cascaes,Portugal, como conseqüência de um aci-dente vascular cerebral. Figura destaca-da no teatro nacional e na televisão, es-pecialmente na TV Globo, Grisolli tam-bém atuou como jornalista e participouda reforma gráfica do Jornal do Brasil,nos anos 60. Ele começou em São Pau-lo, como repórter da Folha de S. Paulo(1953-1956). Ainda em São Paulo, foi re-dator da revista Visão e chefe de repor-tagem da sucursal de O Globo.

Transferindo-se para o Rio em 1959,foi trabalhar no Diário da Noite como re-dator e integrou logo depois a equipe deFatos & Fotos, onde chegou a secretáriode Redação. A partir de 1964, tornou-seeditor do Caderno B do JB, quando par-ticipou de uma das mais importantes re-formas gráficas da imprensa brasileira,ao lado de Reinaldo Jardim.

Editor do Programa em Revista, pu-blicação mensal de divulgação teatral doRio de Janeiro e São Paulo, já era uma per-sonalidade do teatro. Ao mudar-se parao Rio de Janeiro, havia se integrado à equi-pe local do Teatro Oficina, do qual foi ad-ministrador em São Paulo. No Rio, come-çou a trabalhar com Gianfrancesco Guar-nieri e Augusto Boal, entre outros. Asso-ciou-se também a Amir Haddad, comquem fundou o grupo Comunidade, Luís

Corbisier, o que pensou o Brasil

por um conselho nomeado pelo presi-dente da República e integrado, entreoutros, por Anísio Teixeira, Hélio Jagua-ribe e Roberto Campos. O Iseb começoua funcionar quando Juscelino Kubits-chek, em 1956, iniciava seu Governo(1956-61), o que vinha ao encontro da fi-losofia “nacional-desenvolvimentista”adotada pelo Instituto.

Corbisier integrava o grupo de Jagua-ribe e outros, que pretendiam uma atu-ação menos acadêmica e mais engajada,

quando foi desencadeada a crise de1958, que dividiu a direção do Iseb. Em1960, ingressou no antigo Partido Traba-lhista Brasileiro (PTB). Eleito deputadoà Assembléia Constituinte do Estado daGuanabara, deixou a direção do Institu-to. Eleito em 1963 suplente de deputadofederal, deixou o Legislativo carioca paraassumir uma cadeira na Câmara, sem-pre pelo PTB.

Com o golpe de 1964, figurou na pri-meira lista de cassados pelo Ato Institu-cional nº. 1. Três dias depois, foi extintoo Iseb e instaurado o IPM para apurar as“atividades subversivas” de seus inte-grantes. A eleição de Negrão de Limapara Governador da Guanabara, em1965, desagradou os militares, que o acu-saram de ter “recebido ajuda dos comu-nistas”. Foi a inspiração para a edição doAI-2. Acusado de ter negociado a eleiçãode Negrão de Lima, Corbisier ficou doismeses preso no Dops do Rio.

Com a conclusão do IPM, no ano se-guinte, 74 pessoas foram arroladas como“militantes comunistas”. O pensador Ro-land Corbisier tornou-se assessor da En-ciclopédia Mirador Internacional. É au-tor de vários livros, entre os quais Poe-mas, Consciência e Nação (ensaios, 1950),Situação e Problemas da Pedagogia(1952), Formação e Problemas da Cultu-ra Brasileira (1958), Enciclopédia Filosó-fica (1964), Reforma ou Revolução (1968)e Autobiografia Filosófica (1978).

Grisolli fez história naimprensa, teatro e TV

Carlos Maciel e Tite de Lemos, estes últi-mos do Teatro de Repertório.

Participou então de montagens histó-ricas, como as de Quatro Séculos de MausCostumes, baseada em Auto da Barca, deGil Vicente, e A Mulher de Gravata, deLeonardo Fróes, em 1962, além de Elec-tra, de Sófocles, no ano seguinte, pelo gru-po Mambembe, em Niterói. Dois anosdepois, a realização de Mortos Sem Sepul-tura, de Jean-Paul Sartre, e, em seguida,de Onde Canta o Sabiá, de Gastão Tojeiro,Teatro do Rio (1966). Terror e Miséria doTerceiro Reich, de Bertold Brecht, foi mon-tada no Teatro Serrador, e As Troianas, deEurípedes/Sartre, pela Cia. Maria Fernan-da, no Teatro Gláucio Gill.

No entanto, foi como realizador natelevisão que Paulo Afonso se tornoumais popular, notadamente com os se-riados “A Grande Família” (1973-75), tex-to de Oduvaldo Vianna Filho, ArmandoCosta e Paulo Pontes, entre outros, al-guns dos mais importantes autores tea-trais da época, que ele levou para a TV, e“Malu Mulher”, com a atriz Regina Du-arte, em 1979. Também participou demontagens como O Sítio do PicapauAmarelo, recriação da obra de MonteiroLobato, parceria com Wilson Rocha, naRede Globo (1975-1977). Grisolli tam-bém foi produtor e realizador de showsde música popular e de vários filmes.

Roland Corbisier: sócio da ABIdesde 74 e conselheiro de 92 a 2000

ÁLVARO SOLEDADE MACHADO

Sócio militante da ABI e assíduo fre-qüentador do décimo-primeiro andardo Edifício Herbert Moses, Álvaro, ve-terano jornalista, trabalhou na Gazetade Notícias e no Consulado dos Esta-dos Unidos, onde foi colega de PauloFrancis. Por muito tempo ligado ao tu-rismo, integrava ultimamente a equi-pe do Jornal Rural. Participou da anti-ga Comissão Fiscal da ABI.

Ariosto da Silva Pinto foium dos repórteres mais ativosdo antigo Correio da Manhã,autor de reportagens popula-res de grande repercussão. Emuma de suas atuações maismarcantes, acompanhou o epi-sódio, que comoveu a opiniãopública, do assassinato do jor-nalista Nestor Moreira, de ANoite. Com ruptura de fígado erins após espancamento poli-cial, Nestor agonizou duranteonze dias no Hospital MiguelCouto.

O veterano repórter tam-bém se destacou no trabalhopela construção do conjuntoresidencial dos jornalistas, noJardim de Alá, além de desta-car–se na ABI, como integran-te do Conselho e dirigente daComissão de Defesa da Liber-dade de Imprensa. Era pessoamodesta, altiva e de grande co-ragem pessoal, estimado poruma legião de colegas e com-panheiros. Trabalhou até os úl-timos dias de sua vida.

(José Gomes Talarico).

Ariosto, umlutador

VIDASVIDAS

ARQUIVO / OGLOBO

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Um dos mais destacados profissi-onais de sua geração, o jornalistaNewton Rodrigues morreu no dia 4 defevereiro de insuficiência respiratória.Ele começou sua atividade jornalísti-ca na imprensa diária do Partido Co-munista Brasileiro e participou no fimdos anos 40 e nos anos 50 da redaçãodo periódico Voz Operária, ao lado deAydano do Couto Ferraz, Almir Matose João Batista de Lima e Silva, entreoutros expoentes do Partidão.

Com o cisma declarado no PCapós a divulgação do famoso infor-me do Primeiro-Ministro da UniãoSoviética e Secretário-Geral do Par-tido Comunista no XX Congressodo PCUS, em 1956, Nikita Kruschev,Newton rompeu com o PC e pas-sou algum tempo afastado do jor-nalismo. Ficou numa espécie delimbo, sem acesso ao mercado detrabalho, discriminado por sua ori-gem política. Retornou como edi-tor da revista Senhor, que não du-rou muito e na qual não permane-ceu muito tempo. Tornou-se entãoredator de publicidade da agênciaStandard Propaganda.

Após breve atuação como publici-tário, Newton retornou ao jornalis-mo. Integrou então a redação do Cor-reio da Manhã, de que foi editorialis-ta ao lado de Otto Maria Carpeaux,Antônio Houaiss, Álvaro Lins e Antô-nio Calado, entre outros. Com o co-lapso do Correio, como conseqüên-cia das perseguições da ditadura mi-litar ao jornal, Newton ficou nova-mente privado da possibilidade detrabalhar em jornal. Sobreviveu entãocomo consultor da empresa de enge-nharia C. R. Almeida, até que em 1974foi admitido na Folha de S. Paulo, naqual permanece 17 anos – até 1991.

Sua saída da Folha deu-se em cir-cunstâncias rumorosas, porque eleaceitou um convite do então Presi-dente Fernando Collor para um en-contro pessoal e a direção da empre-sa, que havia sido processada porCollor, considerou que deveria tersido avisada do convite e consultadase este poderia ser aceito ou não, jáque Newton integrava o ConselhoEditorial da Folha. Depois disso,

Newton trabalhou em O Estado de S.Paulo e no Jornal do Brasil, para oqual escreveu o último texto jornalís-tico, em setembro passado.

Além de renomado jornalistaNewton era considerado um intelec-tual e pensador brilhante, embora suaprodução fosse voltada para a publi-cação em jornais. Ele escreveu um li-vro, Brasil Provisório, e estava organi-zando ema coletânea de artigos e en-saios sobre a evolução política do Paísa partir do Governo José Sarney. Pes-quisador disciplinado, chegou a com-pletar uma obra que lhe consumiuanos de trabalho: um dicionário depseudônimos adotados no Brasil atra-vés dos tempos, desde a vida literáriae política até o campo da criminali-dade, com os bandidos que marcaramépoca com seus vulgos. Não teve tem-po, porém, de encontrar editor.

Newton de Almeida Rodrigues,seu nome completo, era formado emHistória pela antiga Faculdade Naci-onal de Filosofia-FNFi da antiga Uni-versidade do Brasil, atual UFRJ, masinicialmente teve atração pelo Direi-to. O jornalista Frederico LourençoGomes conta que ele e Newton par-ticiparam do mesmo vestibular paraingresso na antiga Faculdade de Di-reito, foram aprovados e chegaram afreqüentar o curso. Frederico for-mou-se bacharel em Direito, masnunca advogou; Newton abandonouo curso e se matriculou na FNFi, pelaqual se formou em História. Ele che-gou a trabalhar como professor deHistória, mas o jornalismo acaboupor atraí-lo para a profissão que exer-ceu durante cerca de 60 anos.

Newton havia completado 85 anosem 15 de setembro passado e era só-cio da ABI desde 29 de dezembro de1965. Ele deixou viúva Lygia Freire deAlmeida Rodrigues e quatro filhos:João Carlos Rodrigues, jornalista e his-toriador, autor de uma biografia deJoão do Rio; Márcia de Almeida, tam-bém jornalista e igualmente sócia daABI; Antônio José Rodrigues, há anosradicado em Lisboa e programador daCinemateca de Portugal; e MônicaRodrigues, juíza do Trabalho no Esta-do do Rio de Janeiro.

Newton Rodrigues, um mestre

Jornalista, ator, músico, escritor,dramaturgo, violinista e tradutor, Hé-lio Bloch morreu dia 10 de janeiro, deinsuficiência respiratória, no Hospi-tal Cárdio-Trauma, em Ipanema. Es-tava internado há duas semanas. Ti-nha 79 anos, e vinha lutando há seismeses contra um câncer de pulmão.Nascido no Rio de Janeiro, foi diretorda revista Manchete e do jornal Últi-ma Hora. Fundou o Teatro Santa Rosae assinou, em 1967, a comédia musi-cal A Úlcera de Ouro. Como publici-tário, prestava consultoria a agênciasde propaganda. Também foi consul-tor de campanhas políticas e traba-lhou na agência MPM.

Hélio Bloch, o talento múltiploMúsico competente, apresentou-

se executando ao violino trechos demúsicas eruditas e populares, associ-ando-as a políticos e personalidadesque ele conheceu ao longo de meioséculo. É autor da novela A TartarugaCibernética, finalizada pouco antes doAI-5. O protagonista, Salatiel Ventura,um frasista brilhante, crítico, culto eengenhoso, não consegue colocar asidéias em prática. A capa do livro foifeita pelo cartunista Ziraldo e o pre-fácio é do jornalista Artur Xexéo.Como crítico, Boch via na peça deJean-Paul Sartre O Diabo e o Bom Deusa inspiração para Glauber Rocha fil-mar Deus e o Diabo na Terra do Sol.

Erros no textos:de quem é a culpa?

Apublicação de erros ortográficos egramaticais na imprensa demons-tra, mais que uma falha na forma-

ção profissional do jornalista, uma de-bilidade das empresas quanto ao trei-namento, coordenação e controle dequalidade de seu produto. A afirmaçãoé do jornalista Chico Amaral, diretor daempresa espanhola Cases i Associados.Amaral fala do alto de seus mais de vin-te anos de trabalho em jornais, onde co-meçou como revisor em 1982, tendosido também diagramador durante vá-rios anos. A partir de 1988, atuou comoeditor de Arte no Jornal de Brasília. Em1994, como diretor de Arte, integrou aequipe do Correio Braziliense, tornan-do-se um dos líderes da renovação dojornal e o autor de seu projeto gráfico.Ele acredita que os órgãos de comuni-cação deveriam desenvolver meios degarantir a correção estilística e grama-tical das matérias publicadas.

– As redações devem ser compreen-didas como áreas de formação perma-nente. A formação do jornalista deve-ria ser um esforço contínuo – diz ele,acrescentando que mais do que nuncaum jornal é o reflexo de sua redação.

Chico Amaral considera que o fluxode trabalho deve ser rigorosamente de-senvolvido a partir de um modelo edi-torial pré-determinado. Baseando-seespecialmente na experiência de algunsjornais ingleses, ele defende a adoção

de uma hierarquia de poucos níveis den-tro da redação e um sistema de trabalho“semelhante a uma antiga linha de mon-tagem industrial”.

– Automatizar parte do trabalho, paradar mais responsabilidade e autonomiaao repórter, que passa a responder portodo o processo de produção da notícia,da investigação à edição final em página.O editor toma para si as funções de agre-gar valor à informação e ao processo etreinar sua equipe, de acordo com as de-mandas do modelo editorial – diz.

Ressalvando que não se trata da volta doantigo “mesão”, quando uma equipe de reda-tores era responsável pelo texto final da publi-cação, Chico defende a centralização do tra-balho numa mesa composta por um editor, umdiretor de arte e um editor de fotografia.

– Eles coordenariam todo o trabalho daredação interagindo com os editores. Emcada caso, a composição da mesa pode teruma configuração distinta, mas é a partirdela que se controla todo o processo. Dapauta ao fechamento, permitindo a imple-mentação de um eficiente controle de qua-lidade – conclui.

Chico Amaral acumula uma série deprêmios, sendo mais de 50 outorgados pelaSociety for News Design (SND), inclusiveo World Best Designer. No Brasil, ganhou oEsso de Criação Gráfica. Em 2001, trocouo posto de editor executivo do Correio Bra-ziliense, pelo de diretor do estúdio Cases iAssociados, em Barcelona.

É das empresas, e não do jornalistasentencia o mestre Chico Amaral

Reunido em 15 de fevereiro, o Con-selho de Defesa dos Direitos da PessoaHumana, órgão da Secretaria Especialdos Direitos Humanos da Presidênciada República, decidiu não acolher a re-presentação formulada pela ABI acercadas violências praticadas contra o re-pórter-fotográfico Cassiano de Souza,da revista Caras, quando fazia uma co-bertura jornalística em torno da mode-lo Luma de Oliveira no Txai Resort, nomunicípio de Itacaré, no sul da Bahia.

Contra os votos do relator, advoga-do Percílio de Souza Neto, represen-tante do Conselho Federal da Ordemdos Advogados do Brasil, e do repre-sentante da ABI, jornalista SilvestreGorgulho, a maioria do Conselho de-cidiu não apurar as violências, comoreivindicara a ABI. O voto vencedor foiconduzido pela intervenção da advo-gada Elizabeth Sussekind, ex-Secretá-ria Nacional de Justiça no GovernoFernando Henrique Cardoso.

Em ofício dirigido à ABI em 10 demarço, o Secretário Especial dos Di-reitos Humanos em exercício, MárioMamede, deu conta de que o Conse-lho “se dispôs a acompanhar as inves-tigações, para que a apuração desselamentável incidente ocorra de forma

Conselho acompanhacaso Luma de longe

célebre, eficaz e isenta, sendo que já fo-ram solicitadas ao Ministério Público e àSecretaria de Segurança Pública do Esta-do da Bahia informações sobre as even-tuais providências tomadas no âmbito desuas respectivas competências”.

ROSINHA APURA

Ao contrário do Conselho, a Governado-ra do Estado do Rio, Rosinha Garotinho,mandou apurar a participação no episódiodo policial Sigmar de Oliveira, como solici-tou a ABI na mesma época em que se dirigiuao Conselho de Defesa dos Direitos da Pes-soa Humana. Segundo a ABI relatou à Go-vernadora no Ofício nº 272/2004, de 3 de de-zembro de 2004, o policial Sigmar, apontadopelo fotógrafo Cassiano de Souza como umdos autores das violências, estava no bem-bom do Txai Resort “em dias em que deveriapresumivelmente estar de serviço na Secre-taria de Segurança Pública do Estado”.

Em 15 de março, a Assessora Especial daChefia de Gabinete da Secretaria de Estado deSegurança Pública, Jéssica Oliveira de Almei-da, comunicou à ABI que os fatos relatados àGovernadora “são objeto de apuração pelaSindicância Administrativa nº 346/04 em tra-mitação na Corregedoria Geral Unificada dasPolícias Civil, Militar e Corpo de Bombeiro Mi-litar do Estado do Rio de Janeiro”.

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NOESCURINHO

DOCINEMA

Os romances e casórios nascidos nas sessõescinematográficas do auditório da ABI, desde o ciclo

de filmes árabes às exibições do Cineclube Macunaíma

ANDRÉ BRUGNI

amor mais belas a que já assistiram, tal-vez não mencionassem qualquer dosgrandes filmes – e não foram poucos –que desfilaram na tela à sua frente portrês décadas. Romances mais duradou-ros – e reais – tiveram início bem ali,antes, durante e depois das sessões decinema que, funcionando como pólo deatração e vida social, marcaram umaépoca em que conversar e conhecerpessoas era a maior diversão.

A tradição remonta à década de 50,quando as culturas árabe e israelita serevezavam em uma das raras disputassaudáveis em que podem se meter: a dequem exibia maior número de filmespara suas respectivas comunidades noRio. Foi em uma dessas sessões que Ali-ce Ahmed, hoje viúva, viu pela primei-ra vez aquele que viria a ser seu maridoe companheiro inseparável por 52 anos.Uma história de fazer inveja às efême-ras uniões de alguns roteiros de Ho-llywood ou Cinecittà.

“Os homens punham suas roupasnovas para vir aqui aos domingos,quando ocorriam as sessões, e espera-vam o saguão encher antes de entra-rem”, lembra ela, que voltou ao auditó-rio para uma entrevista exclusiva ao Jor-nal da ABI, ao lado da amiga Wissal Sa-fatli, também freqüentadora das tardesde cinema árabe no 9º andar. SegundoAlice, aquele “era o grande evento men-sal da vida de toda uma geração”.

“Vínhamos com nossos pais e fa-miliares”, recorda por sua vez Wissal,hoje também viúva. “Antes de as lu-zes se apagarem para o início da ses-são, todos permaneciam de pé no sa-lão, conversando com as pessoas co-nhecidas e trocando olhares com asque desejavam conhecer. Alguns ho-mens arriscavam uma piscadela. Masnão podiam jamais abordar as moçasali mesmo. Aquela que permitisse issoficava mal falada. Em geral, os preten-dentes procuravam a família na sema-na seguinte, solicitando permissãopara freqüentar sua casa”.

Quando a permissão saía, os namo-ros eram mais pudicos até do que os fil-mes exibidos no auditório. Estes erambasicamente “água com açúcar”, nosquais um leve tocar de lábios era o máxi-mo a arrepiar a platéia. E os namoros con-sistiam em visitas sob o olhar vigilante dospais ou “convites para um passeio em gru-po a lanchonetes, no caminho para a es-tação do bonde em que se voltava”, dizAlice. Somente depois de noivos ou casa-dos passavam a freqüentar as sessões jun-tos, de mãos dadas, reforçando aindamais a sensação dos presentes de queaquele era o lugar certo para quem pro-curava o amor de sua vida.

Wissal confessa que, no auditório,fingiu ignorar e fez pose ante a pri-meira piscadela do futuro marido. Pis-cada que ele só se atreveu a dar de-pois de já ter revelado seu interesse àfamília dela. “Uma semana depois,estava praticamente noiva”, comentaWissal, que casou aos 16 anos (dois amenos que Alice) e também teve umavida feliz, por 40 anos, ao lado do paide seus três filhos.

“O cinema daqui era o lugar aondese traziam as moças para entrar na so-ciedade”, assinala Alice, que admite tersido um pouco mais ousada que a mé-dia: dava beijos na bochecha do mari-do no escurinho da sessão. “A TV aca-bou com isso. Acho que devíamos re-cuperar de alguma forma o romantis-mo dessa época”.

Se fosse possível às cadeiras do ve-lho auditório do 9º andar da ABIopinar sobre quais as histórias de

“No auditório do nono andar, o grande evento mensal da vida

de toda uma geração”

POLÍTICA E INTELECTUALIDADEAs sessões de filmes árabes e isra-

elenses foram efetivamente minguan-do com advento da mídia caseira. De-pois disso, o auditório só viria a reen-contrar seus dias de glória no íniciodos anos 70, com a fundação do Ci-neclube Macunaíma naquele espaço.Mas ao contrário das sessões árabes,a vida social ali não mais se pautariasó por amizade e romance: discussõespolíticas e trocas de idéias entre “ca-beças pensantes” de uma geração queatravessou a ditadura se tornariam amarca registrada do lugar.

“Após as sessões, muitos dos fre-qüentadores saíam em grupo para umchope, durante o qual se articulavaminiciativas políticas”, assinala MaurícioAzêdo, Presidente da ABI, que na épo-ca era Diretor do Cineclube. O Presiden-te, por sua vez, era Fichel Davit Char-gel, atual Diretor Administrativo da As-sociação. “Praticamente desaparecidodesde a repressão militar de fins de1968, o cineclubismo voltou a ter na-quela época um papel de ponta na di-namização da vida cultural e na reor-ganização dos jovens. E o Rio era, com

certeza, o centro mais efervescente des-se movimento”, atesta Maurício.

Um dos compromissos do Cineclu-be Macunaíma, revelados pelo próprionome adotado, era o de difundir o ci-nema nacional e incentivar sua produ-ção. Contudo, títulos estrangeiros devanguarda também eram bem-vindos.A primeira sessão, em 16 de novembrode 1973, trouxe em cartaz O BandidoGiuliano, do italiano Francesco Rosi,todo em flash back e em preto-e-bran-co. Havia exibições semanalmente,sempre às 21h de sábado. Mas em seuauge o Macunaíma chegou a ter duassessões, a primeira às 18h30.

Após os filmes, promoviam-se de-bates com diretores e encontros coma intelectualidade, Os filmes maismarcantes eram os de Gláuber Ro-cha, durante algum tempo ausentedo País e, então, a grande referênciada cinematografia brasileira, com tí-tulos como Deus e o Diabo na Terrado Sol, O Dragão da Maldade contrao Santo Guerreiro e Terra em Transe.Também fez sucesso no Cineclubeum curta de começo de carreira deGlauber: O Pátio. Entre os diretores

que vieram e participaram de deba-tes sobre seus filmes estiveram CacáDiegues e Nelson Pereira dos Santos.

“Quando Glauber voltou ao Brasil,veio ao Cineclube, mas preferia chegarcom a sessão já iniciada”, recorda Mau-rício. “Ia para o mezanino, discreto,onde assistia ao filme e depois apanha-va a devida parte da renda da bilhete-ria. Não queria aparecer. De certomodo, evitava o centro da polêmica quehavia provocado ao declarar, na revistaVisão, que Golbery era ‘o gênio da raça’.Muitas críticas vieram da esquerda”.

Outro sucesso da história do Macu-naíma foi Dodeskaden, de Akira Kuro-sawa, que reuniu 592 pessoas em umasessão. Por sinal, a última antes de acópia ser destruída a machadadas, con-forme determinado pela canhestra le-gislação então vigente, sempre que nãose providenciava uma renovação docertificado de censura mediante umataxa por metro linear da película. Comseus quase 6 quilômetros de fita, Do-deskaden era economicamente proibi-tivo para a distribuidora.

Outra exibição emocionante foi a doEncouraçado Potenkim, de Eisenstein,por volta de 1978. Foi a primeira apari-ção carioca do filme cuja cópia princi-pal havia sido apreendida pela Mari-nha, ao ser exibida num desaparecidocinema de Botafogo. Uma distribuido-ra de São Paulo especializada em filmessoviéticos, descoberta pelo cineclubis-ta Ademar de Oliveira (hoje, um dos in-tegrantes do Grupo Estação de salas decinema), possuía outra cópia e a alugouao Cineclube.

“Cada sessão tinha de ser registradana Divisão de Censura de DiversõesPúblicas da Polícia Federal. Para nossaperplexidade, obtivemos o registro nodia seguinte ao pedido”, lembra Maurí-cio. “Às 21h, compareceram 800 pesso-as, nosso recorde. Tivemos de mandarparar os elevadores. Houve um momen-to em que entraram 27 pessoas numdeles, cuja capacidade máxima era de16. Diante da frustração dos que nãoconseguiram entrar, foi marcada outrasessão, que lotou novamente.”

O Presidente da ABI lembra que di-versos casais se formaram também na-quela época, aproveitando a vida soci-al ocorrida no 9º andar. Cita comoexemplo Leo Lince, na época militantedo PCB, que conheceu, em 1978, nassessões do Cineclube Macunaíma, a jo-vem por quem se apaixonou e comquem se casou.

O fim do Cineclube, em meados dosanos 80, foi ditado pelas limitações doformato 16 mm, para o qual havia re-duzido número de cópias. O acervo, to-talizando cerca de 70 filmes, havia sidocriado pelo próprio movimento cine-clubista e se esgotava em pouco maisde um ano. As sucessivas reexibiçõesdesgastaram as cópias (a de MorangosSilvestres, de Ingmar Bergman, estavatão danificada que não raro se inter-rompia a sessão). Havia uma boa cola-boração com a Cinemateca do MAM,cujo curador era Cosme Alves Neto. Masmesmo assim, atingiu-se o limite.

Para Maurício, as condições para odesenvolvimento da atividade cineclu-bística mudaram radicalmente com aconcorrência do videocassete, do DVDe da internet, fazendo com que o cine-clube deixe de ser o único meio de aces-so a certos filmes. “Hoje, a idéia da ABIé retomar as atividades em caráter men-sal, focando em pré-estréias de filmesbrasileiros, seguidos de debates comdiretor e elenco, e exibição de títulosestrangeiros significativos, com pales-tras introdutórias com um crítico e de-bates após a sessão.”

Wissal Safatli (à esquerda) e Alice Ahmed de volta ao cenário onde conheceramseus maridos, nas sessões de cinema realizadas no auditório da ABI