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2019 Literatura Agosto

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2019 Literatura

Agosto

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Literatura

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Modernismo: 2ª fase (Poesia) Quer ver esse material pelo Dex? Clique aqui.

Resumo

Contexto histórico

A segunda fase do modernismo no Brasil, surge em um contexto conturbado. Após a crise de 1929 em

Nova York (depressão econômica), muitos países estavam mergulhados em uma crise econômica, social e

política, que fez surgir diversos governos totalitários e ditatoriais, que conduziram o mundo à 2ª Guerra

Mundial (1939-1945).

No Brasil, os anos 20 foram cenário de uma crise política que contribuiu para a derrocada da Velha

República, em 1930. O grupo regionalista do Nordeste tinha consciência dos complexos problemas

sociopolíticos que assolavam o Brasil, daí o interesse pela produção de uma literatura engajada, que

assumisse e representasse a realidade da população carente e marginalizada pelo governo. Contudo, a

Geração de 30 - como ficou conhecida essa nova leva de artistas - , foi entendida como subversiva e

comunista e, portanto, perseguida pelo Brasil do Estado Novo de Getúlio Vargas.

Poesia da Geração de 30

Na poesia, o marco da segunda fase foi a publicação de Alguma poesia (1930), de Carlos Drummond

de Andrade. Na prosa, Bagaceira (1928), de José Américo de Almeida.

A poesia da segunda fase assumiu um caráter universal: poetas da geração anterior amadureceram e

buscaram a sobriedade e o equilíbrio. As temáticas favoritas eram as existenciais, como a complexidade do

homem a ser analisado e avaliado em seus conflitos, sentimentos e emoções, sem que se deixasse de lado

algumas questões sociais.

Alguns escritores procuraram confronto espiritual, sentido místico para a existência. Desta forma,

poetas como Cecília Meireles, Jorge de Lima e Murilo Mendes entregaram seus versos às forças etéreas da

espiritualidade. É notória, pois, a pluralidade temática da geração de 30, que se relacionava intimamente

com questões líricas sentimentais, emoções coletivas, humanos sofrimentos, crises sociais, misérias do

mundo, espiritualidade, etc.

Quer assistir um QQD sobre o tema e ainda baixar uma mapa mental? Só clicar aqui!

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Textos de apoio

Mãos dadas

Não serei o poeta de um mundo caduco.

Também não cantarei o mundo futuro.

Estou preso à vida e olho meus companheiros.

Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.

Entre eles, considero a enorme realidade.

O presente é tão grande, não nos afastemos.

Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,

não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,

não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,

não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.

O tempo é a minha matéria, do tempo presente, os homens presentes,

a vida presente.

(Poema da obra Sentimento do mundo, de Carlos Drummond de Andrade).

Mulher ao espelho

Hoje que seja esta ou aquela,

pouco me importa.

Quero apenas parecer bela,

pois, seja qual for, estou morta.

Já fui loura, já fui morena,

já fui Margarida e Beatriz.

Já fui Maria e Madalena.

Só não pude ser como quis.

Que mal faz, esta cor fingida

do meu cabelo, e do meu rosto,

se tudo é tinta: o mundo, a vida,

o contentamento, o desgosto?

Por fora, serei como queira

a moda, que me vai matando.

Que me levem pele e caveira

ao nada, não me importa quando.

Mas quem viu, tão dilacerados,

olhos, braços e sonhos seu

se morreu pelos seus pecados,

falará com Deus.

Falará, coberta de luzes,

do alto penteado ao rubro artelho.

Porque uns expiram sobre cruzes,

outros, buscando-se no espelho.

(Cecília Meireles)

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Rosa de Hiroshima

Pensem nas crianças

Mudas telepáticas

Pensem nas meninas

Cegas inexatas

Pensem nas mulheres

Rotas alteradas

Pensem nas feridas

Como rosas cálidas

Mas, oh, não se esqueçam

Da rosa da rosa

Da rosa de Hiroshima

A rosa hereditária

A rosa radioativa

Estúpida e inválida

A rosa com cirrose

A anti-rosa atômica

Sem cor sem perfume

Sem rosa, sem nada

(Vinicius de Moraes)

Congresso Internacional do Medo

Provisoriamente não cantaremos o amor,

que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.

Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,

não cantaremos o ódio, porque este não existe,

existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,

o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,

o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,

cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,

cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte.

Depois morreremos de medo

e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas

(Carlos Drummond de Andrade)

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Maria Diamba

Para não apanhar mais

falou que sabia fazer bolos:

virou cozinha.

Foi outras coisas para que tinha jeito.

Não falou mais.

Viram que sabia fazer tudo,

até molecas para a Casa-Grande.

Depois falou só,

só diante da ventania

que vinha do Sudão;

falou que queria fugir

dos senhores e das judiarias deste mundo

para o sumidouro.

(Jorge de Lima)

Foi mudando, mudando Tempos e tempos passaram por sobre teu ser. Da era cristã de 1500 até estes tempos severos de hoje, quem foi que formou de novo teu ventre, teus olhos, tua alma? Te vendo, medito: foi negro, foi índio ou foi cristão? Os modos de rir, o jeito de andar, pele, gozo, coração... Negro, índio ou cristão? Quem foi que te deu esta sabedoria, mais dengo e alvura, cabelo escorrido, tristeza do mundo, desgosto da vida, orgulho de branco, algemas, resgates, alforrias? Foi negro, foi índio ou foi cristão? Quem foi que mudou teu leite, teu sangue, teus pés, teu modo de amar, teus santos, teus ódios, teu fogo, teu suor, tua espuma, tua saliva, teus abraços, teus suspiros, tuas comidas, tua língua? Te vendo, medito: foi negro, foi índio ou foi cristão?

(Jorge de Lima)

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Exercícios

1. Leia o poema abaixo:

Retrato

Eu não tinha este rosto de hoje,

assim calmo, assim triste, assim magro,

nem estes olhos tão vazios,

nem o lábio tão amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,

tão paradas e frias e mortas,

eu não tinha este coração

que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,

tão simples, tão certa e fácil:

- Em que espelho ficou perdida

a minha face?"

(Cecília Meireles)

Assinale a alternativa INCORRETA de acordo com o poema:

a) A expressão "mãos sem força", que aparece no primeiro verso da segunda estrofe, indica um lado

fragilizado e impotente do "eu" poético diante de sua postura existencial.

b) As palavras mais sugerem do que escrevem, resultando, daí, a força das impressões sensoriais.

Imagens visuais e auditivas, em outros poemas, sucedem-se a todo momento.

c) O tema revela uma busca da percepção de si mesmo. Antes de um simples retrato, o que se mostra

é um autorretrato, por meio do qual o "eu" poético olha-se no presente, comparando-se com aquilo

que foi no passado.

d) Não há no poema o registro de estados de ânimo vagos e quase incorpóreos, nem a noção de

perda amorosa, abandono e solidão.

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2. Romance II ou do Ouro Incansável Mil bateias vão rodando

sobre córregos escuros;

a terra vai sendo aberta

por intermináveis sulcos;

infinitas galerias

penetram morros profundos.

De seu calmo esconderijo,

o ouro vem, dócil e ingênuo;

torna-se pó, folha, barra,

prestígio, poder, engenho...

É tão claro! – e turva tudo:

honra, amor e pensamento.

Borda flores nos vestidos,

sobe a opulentos altares,

traça palácios e pontes,

eleva os homens audazes,

e acende paixões que alastram

sinistras rivalidades.

Pelos córregos, definham

negros, a rodar bateias.

Morre-se de febre e fome

sobre a riqueza da terra:

uns querem metais luzentes,

outros, as redradas pedras.

Ladrões e contrabandistas

estão cercando os caminhos;

cada família disputa

privilégios mais antigos;

os impostos vão crescendo

e as cadeias vão subindo.

Por ódio, cobiça, inveja,

vai sendo o inferno traçado.

Os reis querem seus tributos,

– mas não se encontram vassalos.

Mil bateias vão rodando,

mil bateias sem cansaço.

Mil galerias desabam;

mil homens ficam sepultos;

mil intrigas, mil enredos

prendem culpados e justos;

já ninguém dorme tranquilo,

que a noite é um mundo de sustos.

Descem fantasmas dos morros,

vêm almas dos cemitérios:

todos pedem ouro e prata,

e estendem punhos severos,

mas vão sendo fabricadas

muitas algemas de ferro.

(MEIRELES, Cecília. Poesias completas. Rio de

Janeiro: Civilização Brasileira, 1974.)

O poema de Cecília Meireles apresenta um tom épico e revela afinidades com as propostas que

distinguiram a chamada geração de 30 da primeira geração modernista. Marque nas alternativas

abaixo um aspecto em comum entre a perspectiva da autora sobre o país, revelada nesse texto, e a

que predominou na obra de romancistas da geração de 30.

a) A poetisa aborda criticamente os problemas do território brasileiro.

b) A poetisa inicia um processo de construção da identidade nacional.

c) A poetisa enfoca as origens do povo brasileiro no texto apresentado.

d) A poetisa apresenta seu ponto de vista em relação a um tema frequente da geração de 3

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3. Confidência do Itabirano Alguns anos vivi em Itabira.

Principalmente nasci em Itabira.

Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.

Noventa por cento de ferro nas calçadas.

Oitenta por cento de ferro nas almas.

E esse alheamento do que na vida é porosidade e

[comunicação.

A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,

vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e

[sem horizontes.

E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,

é doce herança itabirana.

De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço:

esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil,

este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;

este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;

este orgulho, esta cabeça baixa...

Tive ouro, tive gado, tive fazendas.

Hoje sou funcionário público.

Itabira é apenas uma fotografia na parede.

Mas como dói!

ANDRADE, C. D. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2003.

Carlos Drummond de Andrade é um dos expoentes do movimento modernista brasileiro. Com seus

poemas, penetrou fundo na alma do Brasil e trabalhou poeticamente as inquietudes e os dilemas

humanos. Sua poesia é feita de uma relação tensa entre o universal e o particular, como se percebe

claramente na construção do poema Confidência do Itabirano. Tendo em vista os procedimentos de

construção do texto literário e as concepções artísticas modernistas, conclui-se que o poema acima

a) representa a fase heroica do modernismo, devido ao tom contestatório e à utilização de

expressões e usos linguísticos típicos da oralidade.

b) apresenta uma característica importante do gênero lírico, que é a apresentação objetiva de fatos

e dados históricos.

c) evidencia uma tensão histórica entre o “eu” e a sua comunidade, por intermédio de imagens que

representam a forma como a sociedade e o mundo colaboram para a constituição do indivíduo.

d) critica, por meio de um discurso irônico, a posição de inutilidade do poeta e da poesia em

comparação com as prendas resgatadas de Itabira.

e) apresenta influências românticas, uma vez que trata da individualidade, da saudade da infância e

do amor pela terra natal, por meio de recursos retóricos pomposos.

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Literatura

4. Ai, palavras, ai, palavras

que estranha potência a vossa! Todo o sentido da vida principia a vossa porta: o mel do amor cristaliza seu perfume em vossa rosa; sois o sonho e sois a audácia, calúnia, fúria, derrota... A liberdade das almas, ai! Com letras se elabora... E dos venenos humanos sois a mais fina retorta: frágil, frágil, como o vidro e mais que o aço poderosa! Reis, impérios, povos, tempos, pelo vosso impulso rodam…

MEIRELES, C. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1985 (fragmento).

O fragmento destacado foi transcrito do Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles.

Centralizada no episódio histórico da Inconfidência Mineira, a obra, no entanto, elabora uma reflexão

mais ampla sobre a seguinte relação entre o homem e a linguagem:

a) A força e a resistência humanas superam os danos provocados pelo poder corrosivo das

palavras.

b) As relações humanas, em suas múltiplas esferas, têm seu equilíbrio vinculado ao significado das

palavras.

c) O significado dos nomes não expressa de forma justa e completa a grandeza da luta do homem

pela vida.

d) Renovando o significado das palavras, o tempo permite às gerações perpetuar seus valores e

suas crenças.

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Literatura

5. Olá! Negro

Os netos de teus mulatos e de teus cafuzos

e a quarta e a quinta gerações de teu sangue sofredor

tentarão apagar a tua cor!

E as gerações dessas gerações quando apagarem

a tua tatuagem execranda,

não apagarão de suas almas, a tua alma, negro!

Pai-João, Mãe-negra, Fulô, Zumbi,

negro-fujão, negro cativo, negro rebelde

negro cabinda, negro congo, negro íoruba,

negro que foste para o algodão de USA

para os canaviais do Brasil,

para o tronco, para o colar de ferro, para a canga

de todos os senhores do mundo;

eu melhor compreenda agora os teus blues

nesta hora triste da raça branca, negro!

Olá, Negro! Olá. Negro!

A raça que te enforca, enforca-se de tédio, negro!

LIMA. J, Obras completas: Rio de Janeiro, Aguilar, 1958 (fragmento).

O conflito de gerações e de grupos étnicos reproduz, na visão do eu lírico, um contexto social

assinalado por

a) modernização dos modos de produção e consequente enriquecimento dos brancos.

b) preservação da memória ancestral e resistência negra à apatia cultural dos brancos.

c) superação dos costumes antigos por meio da incorporação de valores dos colonizados.

d) nivelamento social de descendentes de escravos e de senhores pela condição de pobreza.

e) antagonismo entre grupos de trabalhadores e lacunas de hereditariedade.

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Leia o texto a seguir e responda às

questões 6 e 7:

A flor e a náusea

Preso à minha classe e a algumas roupas,

vou de branco pela rua cinzenta.

Melancolias, mercadorias espreitam-me.

Devo seguir até o enjôo?

Posso, sem armas, revoltar-me?

Olhos sujos no relógio da torre:

Não, o tempo não chegou de completa

justiça.

O tempo é ainda de fezes, maus poemas,

alucinações e espera.

O tempo pobre, o poeta pobre

fundem-se no mesmo impasse.

Em vão me tento explicar, os muros são

surdos.

Sob a pele das palavras há cifras e

códigos.

O sol consola os doentes e não os renova.

As coisas. Que tristes são as coisas,

consideradas sem ênfase.

Vomitar esse tédio sobre a cidade.

Quarenta anos e nenhum problema

resolvido, sequer colocado.

Nenhuma carta escrita nem recebida.

Todos os homens voltam para casa.

Estão menos livres mas levam jornais

e soletram o mundo, sabendo que o

perdem.

[...]

Uma flor nasceu na rua!

Passem de longe, bondes, ônibus, rio de

aço do tráfego.

Uma flor ainda desbotada

ilude a polícia, rompe o asfalto.

Façam completo silêncio, paralisem os

negócios,

garanto que uma flor nasceu.

Sua cor não se percebe.

Suas pétalas não se abrem.

Seu nome não está nos livros.

É feia. Mas é realmente uma flor.

Sento-me no chão da capital do país às

cinco horas da tarde

e lentamente passo a mão nessa forma

insegura.

Do lado das montanhas, nuvens maciças

avolumam-se.

Pequenos pontos brancos movem-se no

mar, galinhas em pânico.

É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o

tédio, o nojo e o ódio.

Carlos Drummond de Andrade

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6. Considere as afirmações a seguir:

I. A preocupação social, presente em “A flor e a náusea”, representa uma das principais

características da produção poética de Carlos Drummond de Andrade, especialmente no que

se refere às obras Sentimento do mundo, José e A rosa do povo.

II. No poema, podemos perceber o paradoxo que traduz a vida moderna, através do contraste

entre o desenvolvimento urbano e a solidão dos homens.

III. Os apelos do mundo do consumo, provenientes do desenvolvimento das relações capitalistas nos

grandes centros urbanos, ficam evidenciados no terceiro verso: “Melancolias, mercadorias

espreitam-me”.

IV. A presença de vocábulos como “vomitar”, “feia”, “enjôo”, “fezes” é indicativa de que o poema de

Drummond traz marcantes características da lírica moderna ocidental, que fez do feio objeto

estético.

As afirmativas corretas são:

a) I e II, apenas.

b) I e III, apenas.

c) II e IV, apenas.

d) III e IV, apenas.

e) I, II, III e IV.

7. Assinale com V (verdadeiro) ou com F (falso) as afirmativas abaixo, sobre o poema “A flor e a náusea”,

de Drummond. No poema, a flor nascida no asfalto:

( ) simboliza a resistência à coisificação do homem nas grandes cidades, regidas pelo ritmo dos

“negócios”.

( ) irrompe com uma força inusitada, substituindo o tédio e a náusea pela esperança.

( ) não consegue reverter o sentimento de tédio e de ódio que toma conta do eu-lírico do poema.

( ) é apenas uma imagem para ressaltar que nada pode modificar o cenário desumano da cidade.

( ) passa despercebida de muitos na rotina da cidade, embora o inusitado do seu nascimento.

O preenchimento correto dos parênteses, de cima para baixo, é:

a) V – F – V – V – F

b) F – F – V – V – V

c) V – F – V – F – F

d) V – V – F – F – V

e) V – F – F – V – V

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Literatura

8. SENTIMENTAL Ponho-me a escrever teu nome

com letras de macarrão.

No prato, a sopa esfria, cheia de escamas

E debruçados na mesa todos contemplam

esse romântico trabalho.

Desgraçadamente falta uma letra,

uma letra somente

para acabar teu nome!

- Está sonhando? Olhe que a sopa esfria!

Eu estava sonhando...

E há em todas as consciências um cartaz amarelo:

Neste país é proibido sonhar.

(Carlos Drummond de Andrade)

Esse poema é caracteristicamente modernista, porque nele:

a) A uniformidade dos versos reforça a simplicidade dos sentimentos experimentados pelo poeta.

b) Tematiza-se o ato de sonhar, valorizando-se o modo de composição da linguagem surrealista.

c) Satiriza-se o estilo da poesia romântica, defendendo os padrões da poesia clássica.

d) A linguagem coloquial dos versos livres apresenta com humor o lirismo encarnado na cena

cotidiana.

e) O dia a dia surge como novo palco das sensações poéticas, sem imprimir a alteração profunda

na linguagem lírica.

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9. Soneto de fidelidade (Vinicius de Moraes) De tudo, ao meu amor serei atento

Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto

Que mesmo em face do maior encanto

Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento

E em seu louvor hei de espalhar meu canto

E rir meu riso e derramar meu pranto

Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure

Quem sabe a morte, angústia de quem vive

Quem sabe a solidão, fim de quem ama.

Eu possa me dizer do amor (que tive):

Que não seja imortal, posto que é chama

Mas que seja infinito enquanto dure.

Nos dois primeiros quartetos do soneto de Vinicius de Moraes, delineia-se a ideia de que o poeta:

a) não acredita no amor como entrega total entre duas pessoas

b) acredita que, mesmo amando muito uma pessoa, é possível apaixonar-se por outra e trocar de

amor

c) entende que somente a morte é capaz de findar com o amor de duas pessoas

d) concebe o amor como um sentimento intenso a ser compartilhado, tanto na alegria quanto na

tristeza

e) vê, na angústia causada pela ideia da morte, o impedimento para as pessoas se entregarem ao

amor

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10. Regimes que se dizem cristãos e que derivam sua autoridade de um determinado corpo de textos já

variaram do reino feudal de Jerusalém aos shakers, do império dos tsares russos à República

Holandesa, da Genebra de Calvino à Inglaterra georgiana. Em épocas distintas, a teologia cristã

absorveu Aristóteles e Marx. Todos afirmavam provir dos ensinamentos de Cristo – embora em geral

desagradando a outros cristãos igualmente convencidos de sua cristandade. (HOBSBAWM, Eric. Como mudar o mundo. Marx e o marxismo (1840-2011). São Paulo: Companhia das Letras, 2011. p. 312)

A diversidade de teses e posições do modernismo de 22 abrigou vocações que eram ao mesmo tempo

libertárias e religiosas, provocando, por vezes, disposições contrárias como a de Carlos Drummond de

Andrade nestes versos de Alguma poesia:

a) Se meu verso não deu certo foi seu ouvido que entortou.

Eu não disse ao senhor que não sou senão poeta?

b) Gastei uma hora pensando um verso

Que a pena não quer escrever.

c) Jesus já cansado de tanto pedido

dorme sonhando com outra humanidade.

d) O jornal governista ridiculariza seus versos,

os versos que ele sabia bons.

e) A noite caiu na minh’alma,

fiquei triste sem querer.

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Gabarito

1. D

O poema é recheado de referências aos sentimentos do eu-lírico, sensações de perda se equiparam às

mudanças sofridas pelas características do eu-lírico.

2. A

A poetisa aborda criticamente os problemas do Brasil, enfocando as origens da desigualdade social -

tema frequente no romance regionalista a partir dos anos 30.

3. C

O poema “Confidência do Itabirano” apresenta uma troca entre universal e particular, no que diz respeito

ao eu-lírico e sua comunidade, visto que ele revela que carrega consigo as marcas de seu meio de origem,

a cidade de Itabira, região produtora de minério de ferro localizada em Minas Gerais. Assim, o autor, no

texto, prioriza a temática conflituosa entre o ser em relação com o mundo que o cerca.

4. B

O eu lírico faz uma reflexão sobre a relação entre o homem e a linguagem, evidenciando que,

independente do impacto e dos sentimentos que as palavras podem causar, há um equilíbrio vinculado

ao seu significado junto às relações humanas.

5. B

Desde o título há menção à cultura negra. No trecho “eu melhor compreenda agora os teus blues/nesta

hora triste da raça branca, negro!” Fica clara a comparação entre o “blues” e a triste hora da raça branca.

Além disso, o eu lírico considera que, apesar de todas as tentativas de se renegar a cultura dos negros,

as suas marcas são indeléveis na sociedade brasileira “E as gerações dessas gerações quando

apagarem; a tua tatuagem execranda; não apagarão de suas almas, a tua alma, negro!”.

6. E

Todas as alternativas estão corretas porque mencionam características inerentes ao autor e suas obras.

7. D

A alternativa corresponde à resposta correta, já que analisa de forma eficiente o poema. A primeira

afirmação é correta, porque a flor emerge do asfalto, a segunda afirmativa está certa porque a flor

representa uma esperança em meio ao descontentamento, a terceira afirmativa está errada porque há

mudança no humor do eu-lírico que se enche de esperança, a quarta afirmativa está incorreta porque a

flor modifica o cenário de forma positiva, a quinta afirmativa está correta porque a correria da cidade é

fator determinante para que as pessoas fechem os olhos para as coisas mais simples e belas e

revolucionárias como a rosa.

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Literatura

8. D

O poema tem como temática uma situação cotidiana que o aproxima ao gênero narrativo, logo há uma

nova sensação poética de experimentação que permite essa criação. Além disso, o autor faz uso da

linguagem coloquial em seu amor moderno, diferente da poesia de linguagem rebuscada dos poetas

românticos, cuja temática enaltecia o amor romântico e o culto à mulher inatingível.

9. D

O autor acredita no amor como um sentimento intenso visto, também, pelo título do poema “soneto de

fidelidade”, e pela passagem “De tudo, ao meu amor serei atento”. Dessa forma, esse sentimento é

compartilhado tanto na alegria quanto na tristeza: “E em seu louvor hei de espalhar meu canto; E rir meu

riso e derramar meu pranto; Ao seu pesar ou seu contentamento.”

10. C

A alternativa correta transcreve dois versos que atribuem à imagem de Jesus crucificado a possibilidade

de estar sonhando com outra humanidade, talvez em razão da fragilidade moral do homem moderno. Ou

seja, nesses versos, Drummond reproduz uma visão contraditória de uma figura divina e toda poderosa

que se transfigura em homem comum, sujeito ao cansaço e desalento.

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Literatura

Carlos Drummond de Andrade Quer ver esse material pelo Dex? clique aqui.

Resumo

Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira, Minas Gerais, no ano de 1902. Passou a infância nas

fazendas de sua família, que foi exploradora da região. Após realizar o curso universitário em Belo Horizonte

(se formou em farmácia), começou a participar dos eventos culturais modernistas. Co-fundador de “A Revista”,

importante canal de divulgação do Modernismo de Minas Gerais, em 1930 publicou “Alguma Poesia”, que ,

com “Brejo das Almas” (1934), seu segundo livro, melhor realizou a integração entre a poesia de 1922 e a de

1930. Em 1933, passou a morar no Rio de Janeiro, onde trabalhou como funcionário público e escreveu

diariamente para jornais, ao longo de 50 anos. Nesta cidade, veio a falecer em 1987, aos 85 anos.

Disponível em: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/pt/9/99/Carlos-drummond-de-andrade.jpg

Considerado a mais viva expressão da unidade entre a geração de 1922 e a de 1930, Carlos Drummond

de Andrade começou escrevendo sobre temas cotidianos, em linguagem coloquial e concisa, no estilo dos

poemas-piadas que iniciaram o Modernismo.

Desde “Alguma Poesia” (1930), a primeira obra publicada, sua travessia poética pode ser vista a partir

de um impasse entre o homem e o mundo, a realidade interior e a realidade exterior. Na condição de homem,

de início sente-se um gauche - um desajeitado - e expressa sua inadequação ironicamente, com um humor

que lembra o “orgulho mineiro”, a sobriedade que não deixa o coração transbordar, embora o sinta “maior que

o mundo”.

Diante do impasse homem-mundo, a poesia de Carlos Drummond de Andrade primeiro tende a se

concentrar no homem, sem jamais optar pelo lirismo escapista. Contra ele, o poeta lança mão de suas armas

bem conhecidas: a ironia sarcástica, o humor que não faz rir.

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Literatura

A consciência da solidão e da falta de opções marca a segunda fase da travessia poética de Drummond:

o coração, que se julgava maior que o mundo, iguala-se a ele; ambos se equivalem, porque para o poeta a

“rima”, isto é, a mera capacidade de criar poesia, não se confunde com a solução.

É preciso unir poesia e vida, “re-unir” o homem e o mundo, o sonho e a realidade, sem deixar de perceber

“a pedra no meio do caminho”. Esse constitui o desafio maior do poeta, que jamais deixa de ser poeta.

A maturidade humana e poética de Carlos Drummond de Andrade, que corresponde à terceira fase de

sua poesia - a do reconhecimento de que o “coração [é] menos que o mundo” - explode em “A rosa do povo”,

de 1945, ano em que termina a Segunda Guerra Mundial.

Além da poesia de temas cotidianos, dos poemas-piadas e itabiranos, e também da poesia social - por

alguns denominada poesia pública, ideológica - destacam-se na obra de Drummond mais dois tipos de

experiência poética: a poesia filosófica, mitopoética, metafísica e a poesia de mergulho no universo da

linguagem.

Disponível em: http://mileumaletras2.zip.net/images/estatua_copacabana.jpg

Textos de Apoio

TEXTO 1

No Meio do Caminho

No meio do caminho tinha uma pedra

tinha uma pedra no meio do caminho

tinha uma pedra

no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento

na vida de minhas retinas tão fatigadas.

Nunca me esquecerei que no meio do caminho

tinha uma pedra

Tinha uma pedra no meio do caminho

no meio do caminho tinha uma pedra.

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Literatura

TEXTO 2

Cota Zero

Stop.

A vida parou

ou foi o automóvel?

TEXTO 3

Cidadezinha qualquer

Casas entre bananeiras

mulheres entre laranjeiras

pomar amor cantar.

Um homem vai devagar.

Um cachorro vai devagar.

Um burro vai devagar.

Devagar... as janelas olham.

Eta vida besta, meu Deus.

TEXTO 4

Quadrilha

João amava Teresa que amava Raimundo

que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili

que não amava ninguém.

João foi para o Estados Unidos, Teresa para o convento,

Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,

Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes

que não tinha entrado na história.

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Literatura

TEXTO 5

Hino Nacional

Precisamos descobrir o Brasil!

Escondido atrás as florestas,

com a água dos rios no meio,

o Brasil está dormindo, coitado.

Precisamos colonizar o Brasil.

O que faremos importando francesas

muito louras, de pele macia,

alemãs gordas, russas nostálgicas para

garçonettes dos restaurantes noturnos.

E virão sírias fidelíssimas.

Não convém desprezar as japonesas...

Precisamos educar o Brasil.

Compraremos professores e livros,

assimilaremos finas culturas,

abriremos dancings e subvencionaremos as

elites.

Cada brasileiro terá sua casa

com fogão e aquecedor elétricos, piscina,

salão para conferências científicas.

E cuidaremos do Estado Técnico.

Precisamos louvar o Brasil.

Não é só um país sem igual.

Nossas revoluções são bem maiores

do que quaisquer outras; nossos erros também.

E nossas virtudes? A terra das sublimes paixões...

os Amazonas inenarráveis... os incríveis João-

Pessoas...

Precisamos adorar o Brasil!

Se bem que seja difícil compreender o que

querem esses homens,

por que motivo eles se ajuntaram e qual a razão

de seus sofrimentos.

Precisamos, precisamos esquecer o Brasil!

Tão majestoso, tão sem limites, tão

despropositado,

ele quer repousar de nossos terríveis carinhos.

O Brasil não nos quer! Está farto de nós!

Nosso Brasil é no outro mundo. Este não é o

Brasil.

Nenhum Brasil existe. E acaso existirão os

brasileiros?

Eduardo Alves da Costa

Quanto a mim, sonharei com Portugal

Às vezes, quando

estou triste e há silêncio

nos corredores e nas veias,

vem-me um desejo de voltar

a Portugal. Nunca lá estive,

é certo, como também

é certo meu coração, em dias tais,

ser um deserto.

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Literatura

TEXTO 6

Os Ombros Suportam o Mundo

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.

Tempo de absoluta depuração.

Tempo em que não se diz mais: meu amor.

Porque o amor resultou inútil.

E os olhos não choram.

E as mãos tecem apenas o rude trabalho.

E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.

Ficaste sozinho, a luz apagou-se,

mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.

És todo certeza, já não sabes sofrer.

E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?

Teus ombros suportam o mundo

e ele não pesa mais que a mão de uma criança.

As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios

provam apenas que a vida prossegue

e nem todos se libertaram ainda.

Alguns, achando bárbaro o espetáculo

prefeririam (os delicados) morrer.

Chegou um tempo em que não adianta morrer.

Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.

A vida apenas, sem mistificação.

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Literatura

TEXTO 7

A noite dissolve os homens

A noite desceu. Que noite!

Já não enxergo meus irmãos.

E nem tão pouco os rumores que outrora me perturbavam.

A noite desceu.

Nas casas, nas ruas onde se combate,

nos campos desfalecidos, a noite espalhou o medo e a total incompreensão.

A noite caiu. Tremenda, sem esperança...

Os suspiros acusam a presença negra que paralisa os guerreiros.

E o amor não abre caminho na noite.

A noite é mortal, completa, sem reticências,

a noite dissolve os homens, diz que é inútil sofrer,

a noite dissolve as pátrias, apagou os almirantes cintilantes! nas suas fardas.

A noite anoiteceu tudo... O mundo não tem remédio...

Os suicidas tinham razão.

Aurora, entretanto eu te diviso,

ainda tímida, inexperiente das luzes que vais ascender

e dos bens que repartirás com todos os homens.

Sob o úmido véu de raivas, queixas e humilhações,

adivinho-te que sobes,

vapor róseo, expulsando a treva noturna.

O triste mundo fascista se decompõe ao contato de teus dedos,

teus dedos frios, que ainda se não modelaram mas que avançam na escuridão

como um sinal verde e peremptório.

Minha fadiga encontrará em ti o seu termo,

minha carne estremece na certeza de tua vinda.

O suor é um óleo suave, as mãos dos sobreviventes se enlaçam,

os corpos hirtos adquirem uma fluidez, uma inocência, um perdão simples e macio...

Havemos de amanhecer.

O mundo se tinge com as tintas da antemanhã

e o sangue que escorre é doce, de tão necessário para colorir tuas pálidas faces, aurora.

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Literatura

TEXTO 8

A Flor e a Náusea

Preso à minha classe e a algumas roupas, vou de branco pela rua cinzenta.

Melancolias, mercadorias, espreitam-me.

Devo seguir até o enjoo?

Posso, sem armas, revoltar-me?

Olhos sujos no relógio da torre:

Não, o tempo não chegou de completa justiça.

O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.

O tempo pobre, o poeta pobre

fundem-se no mesmo impasse.

Em vão me tento explicar, os muros são surdos.

Sob a pele das palavras há cifras e códigos.

O sol consola os doentes e não os renova.

As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.

Vomitar este tédio sobre a cidade.

Quarenta anos e nenhum problema

resolvido, sequer colocado.

Nenhuma carta escrita nem recebida.

Todos os homens voltam para casa.

Estão menos livres mas levam jornais

e soletram o mundo, sabendo que o perdem.

Crimes da terra, como perdoá-los?

Tomei parte em muitos, outros escondi.

Alguns achei belos, foram publicados.

Crimes suaves, que ajudam a viver.

Ração diária de erro, distribuída em casa.

Os ferozes padeiros do mal.

Os ferozes leiteiros do mal.

Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.

Ao menino de 1918 chamavam anarquista.

Porém meu ódio é o melhor de mim.

Com ele me salvo

e dou a poucos uma esperança mínima.

Uma flor nasceu na rua!

Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.

Uma flor ainda desbotada

ilude a polícia, rompe o asfalto.

Façam completo silêncio, paralisem os negócios,

garanto que uma flor nasceu.

Sua cor não se percebe.

Suas pétalas não se abrem.

Seu nome não está nos livros.

É feia. Mas é realmente uma flor.

Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde

e lentamente passo a mão nessa forma insegura.

Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.

Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.

É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.

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Literatura

TEXTO 9

Nosso Tempo

I

Esse é tempo de partido,

tempo de homens partidos.

Em vão percorremos volumes,

viajamos e nos colorimos.

A hora pressentida esmigalha-se em pó na rua.

Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos.

As leis não bastam. Os lírios não nascem

da lei. Meu nome é tumulto, e escreve-se

na pedra.

Visito os fatos, não te encontro.

Onde te ocultas, precária síntese,

penhor de meu sono, luz

dormindo acesa na varanda?

Miúdas certezas de empréstimos, nenhum beijo

sobe ao ombro para contar-me

a cidade dos homens completos.

Calo-me, espero, decifro.

As coisas talvez melhorem.

São tão fortes as coisas!

Mas eu não sou as coisas e me revolto.

Tenho palavras em mim buscando canal,

são roucas e duras,

irritadas, enérgicas,

comprimidas há tanto tempo,

perderam o sentido, apenas querem explodir.

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Literatura

TEXTO 10

Morte do Leiteiro

Há pouco leite no país,

é preciso entregá-lo cedo.

Há muita sede no país,

é preciso entregá-lo cedo.

Há no país uma legenda,

que ladrão se mata com tiro.

Então o moço que é leiteiro

de madrugada com sua lata

sai correndo e distribuindo

leite bom para gente ruim.

Sua lata, suas garrafas

e seus sapatos de borracha

vão dizendo aos homens no

sono

que alguém acordou cedinho

e veio do último subúrbio

trazer o leite mais frio

e mais alvo da melhor vaca

para todos criarem força

na luta brava da cidade.

Na mão a garrafa branca

não tem tempo de dizer

as coisas que lhe atribuo

nem o moço leiteiro ignaro.

morador na Rua Namur,

empregado no entreposto

Com 21 anos de idade,

sabe lá o que seja impulso

de humana compreensão.

E já que tem pressa, o corpo

vai deixando à beira das casas

uma apenas mercadoria.

E como a porta dos fundos

também escondesse gente

que aspira ao pouco de leite

disponível em nosso tempo,

avancemos por esse beco,

peguemos o corredor,

depositemos o litro…

Sem fazer barulho, é claro,

que barulho nada resolve.

Meu leiteiro tão sutil

de passo maneiro e leve,

antes desliza que marcha.

É certo que algum rumor

sempre se faz: passo errado,

vaso de flor no caminho,

cão latindo por princípio,

ou um gato quizilento.

E há sempre um senhor que

acorda,

resmunga e torna a dormir.

Mas este entrou em pânico

(ladrões infestam o bairro),

não quis saber de mais nada.

O revólver da gaveta

saltou para sua mão.

Ladrão? se pega com tiro.

Os tiros na madrugada

liquidaram meu leiteiro.

Se era noivo, se era virgem,

se era alegre, se era bom,

não sei,

é tarde para saber.

Mas o homem perdeu o sono

de todo, e foge pra rua.

Meu Deus, matei um inocente.

Bala que mata gatuno

também serve pra furtar

a vida de nosso irmão.

Quem quiser que chame

médico,

polícia não bota a mão

neste filho de meu pai.

Está salva a propriedade.

A noite geral prossegue,

a manhã custa a chegar,

mas o leiteiro

estatelado, ao relento,

perdeu a pressa que tinha.

Da garrafa estilhaçada.

no ladrilho já sereno

escorre uma coisa espessa

que é leite, sangue… não sei

Por entre objetos confusos,

mal redimidos da noite,

duas cores se procuram,

suavemente se tocam,

amorosamente se enlaçam,

formando um terceiro tom

a que chamamos aurora.

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Literatura

TEXTO 11

Um boi vê os homens

Tão delicados (mais que um arbusto) e correm e correm de um para o outro lado, sempre esquecidos de

alguma coisa. Certamente falta-lhes não sei que atributo essencial, posto se apresentem nobres e graves,

por vezes.

Ah, espantosamente graves, até sinistros.

Coitados, dir-se-ia que não escutam nem o canto do ar nem os segredos do feno,

como também parecem não enxergar o que é visível

e comum a cada um de nós, no espaço.

E ficam tristes e no rasto da tristeza chegam à crueldade.

Toda a expressão deles mora nos olhos -

e perde-se a um simples baixar de cílios, a uma sombra.

Nada nos pêlos, nos extremos de inconcebível fragilidade, e como neles há pouca montanha, e que secura e

que reentrâncias e que impossibilidade de se organizarem em formas calmas, permanentes e necessárias.

Têm, talvez, certa graça melancólica (um minuto) e com isto se fazem

perdoar a agitação incômoda e o translúcido vazio interior que os torna tão pobres e carecidos de emitir sons

absurdos e agônicos: desejo, amor, ciúme

(que sabemos nós), sons que se despedaçam e tombam no campo

como pedras aflitas e queimam a erva e a água,

e difícil, depois disto, é ruminarmos nossa verdade.

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Literatura

TEXTO 12

Boitempo

Entardece na roça

de modo diferente.

A sombra vem nos cascos,

no mugido da vaca

separada da cria.

O gado é que anoitece

e na luz que a vidraça

da casa fazendeira

derrama no curral

surge multiplicada

sua estátua de sal,

escultura da noite.

Os chifres delimitam

o sono privativo

de cada rês e tecem

de curva em curva a ilha

do sono universal.

No gado é que dormimos

e nele que acordamos.

Amanhece na roça

de modo diferente.

A luz chega no leite,

morno esguicho das tetas

e o dia é um pasto azul

que o gado reconquista.

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Literatura

TEXTO 13

O frívolo cronista

Um leitor de Mato Grosso do Norte (sic) escreve deplorando a frivolidade que é marca registrada desta coluna.

Hoje não estou para brincadeira, e retruco-lhe nada menos que com a palavra de um sábio antigo, reproduzida

por Goethe em Italianische Reisen. Vai o título em alemão, para maior força do enunciado. Os que não

sabemos alemão temos o maior respeito por essa língua. A frase é esta, em português trivial: "Quem não se

sentir com tutano suficiente para o necessário e útil, que se reserve em boa hora para o desnecessário e inútil".

É o que faço, respaldado pela sentença de um mestre, endossada por outro.

E vou mais longe. O inútil tem sua forma particular de utilidade. É a pausa, o descanso, o refrigério, no

desmedido afã de racionalizar todos os atos de nossa vida (e a do próximo) sob o critério exclusivo de

eficiência, produtividade, rentabilidade e tal e coisa. Tão compensatória é essa pausa que o inútil acaba por

se tornar da maior utilidade, exagero que não hesito em combater, como nocivo ao equilíbrio moral. Não

devemos cultivar o ócio ou a frivolidade como valores utilitários de contrapeso, mas pelo simples e puro

deleite de fruí-los também como expressões de vida.

No caso mínimo da crônica, o auto-reconhecimento da minha ineficácia social de cronista deixa-me

perfeitamente tranqüilo. O jornal não me chamou para esclarecer problemas, orientar leitores, advertir

governantes, pressionar o Poder Legislativo, ditar normas aos senhores do mundo. O jornal sabia-me

incompetente para o desempenho destas altas missões. Contratou-me, e não vejo erro nisto, por minha

incompetência e desembaraço em exercê-la.

De fato, tenho certa prática em frivoleiras matutinas, a serem consumidas com o primeiro café. Este café

costuma ser amargo, pois sobre ele desabam todas as aflições do mundo, em 54 páginas ou mais. É preciso

que no meio dessa catadupa de desastres venha de roldão alguma coisa insignificante em si, mas que adquira

significado pelo contraste com a monstruosidade dos desastres. Pode ser um pé de chinelo, uma pétala de

flor, duas conchinhas da praia, o salto de um gafanhoto, uma caricatura, o rebolado da corista, o assobio do

rapaz da lavanderia. Pode ser um verso, que não seja épico ; uma citação literária, isenta de pedantismo ou

fingindo de pedante, mas brincando com a erudição; uma receita de doce incomível, em que figurem cantabiles

de Haydn misturados com aletria e orvalho da floresta da Tijuca. Pode ser tanta coisa ! Sem dosagem certa.

Nunca porém em doses cavalares. Respeitemos e amemos esse nobre animal, evitando o excesso de graça.

Até a frivolidade carece ter medida, linha sutil que medeia entre o sorriso e o tédio pelo excesso de tintas ou

pela repetição do efeito.

Não pretendo fazer aqui a apologia do cronista, em proveito próprio. Reivindico apenas o seu direito ao espaço

descompromissado, onde o jogo não visa ao triunfo, à reputação, à medalha; o jogo esgota-se em si, para

recomeçar no dia seguinte, sem obrigação de seqüência. A informação apurada, correta, a análise de

fenômenos sociais, a avaliação crítica, tarefas essenciais do jornal digno deste nome, não invalidam a

presença de um canto de página que tem alguma coisa de ilha visitável, sem acomodações de residência.

Como você tem em sua casa um cômodo ou parte de cômodo, ou simplesmente gaveta, ou menos ainda, caixa

de plástico ou papelão, onde guarda pequeninas coisas sem utilidade aparente, mas em que os dedos e os

olhos gostam de reparar de vez em quando: os nadas de uma existência atulhada de objetos imprescindíveis

e, ao cabo, indiferentes, quando não fatigantes.

Meu leitor (ou ex-leitor) mato-grossense-do-norte (sic), não me queira mal porque não alimento a sua fome

de conceitos graves, eu que me cansei de gravidade, espontânea ou imposta, e pratico o meu número sem

pretensão de contribuir para o restauro do mundo. O sábio citado por Goethe me justifica, absolve e até premia.

Eu disse no começo que não estou para brincadeira? Mentira; foi outra frivolidade. Ciao.

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Literatura

Exercícios

1. Sobre Carlos Drummond de Andrade, é correto afirmar:

a) Escritor cuja obra pertence à segunda geração modernista, quatro fases podem ser identificadas

em sua obra: fase gauche, fase social, a fase do “não” e a fase da memória.

b) Sua obra está inserida na segunda geração modernista e sua principal característica é a poesia

surrealista inspirada no cristianismo e no experimentalismo linguístico.

c) Sua poesia denuncia a condição de exploração e marginalização dos negros em nosso país e

também apresenta grande enfoque nos temas religiosos.

d) Um dos grandes nomes da poesia da segunda geração modernista, sua obra é marcada pela

preocupação religiosa e pela angústia existencial diante da condição humana.

2. Fazendeiro de cana Minha terra tem palmeiras? Não.

Minha terra tem engenhocas de rapadura e cachaça

e açúcar marrom, tiquinho, para o gasto.

[...]

Tem cana caiana e cana crioula,

cana-pitu, cana rajada, cana-do-governo

e muitas outras canas de garapas,

e bagaço para os porcos em assembleia grunhidora

diante da moenda

movida gravemente pela junta de bois

de sólida tristeza e resignação.

As fazendas misturam dor e consolo

em caldo verde-garrafa

e sessenta mil-réis de imposto fazendeiro. (Carlos Drummond de Andrade)

Assinale a alternativa incorreta:

Carlos Drummond de Andrade, neste poema, valendo-se das linguagens desenvolvidas pelo

Modernismo:

a) retoma a linguagem do poema romântico, de maneira simétrica e linear, apontando a ideologia

nele subjacente.

b) retoma parodisticamente um importante poema do Romantismo brasileiro.

c) faz, em relação ao romântico, uma ruptura ao nível da consciência e ao nível da linguagem.

d) satiriza o sentimento ufanista, comum aos poetas românticos.

e) desmistifica a visão ingênua dos românticos, operando uma leitura crítica da realidade.

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Literatura

3. Verbo ser QUE VAI SER quando crescer? Vivem perguntando em redor. Que é ser? É ter um corpo, um jeito, um

nome? Tenho os três. E sou? Tenho de mudar quando crescer? Usar outro nome, corpo e jeito? Ou a

gente só principia a ser quando cresce? É terrível, ser? Dói? É bom? É triste? Ser: pronunciado tão

depressa, e cabe tantas coisas? Repito: ser, ser, ser. Er. R. Que vou ser quando crescer? Sou obrigado

a? Posso escolher? Não dá para entender. Não vou ser. Não quero ser. Vou crescer assim mesmo.

Sem ser. Esquecer. ANDRADE, C. D. Poesia e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1992.

A inquietação existencial do autor com a autoimagem corporal e a sua corporeidade se desdobra em

questões existenciais que têm origem

a) no conflito do padrão corporal imposto contra as convicções de ser autêntico e singular.

b) na aceitação das imposições da sociedade seguindo a influência de outros.

c) na confiança no futuro, ofuscada pelas tradições e culturas familiares.

d) no anseio de divulgar hábitos enraizados, negligenciados por seus antepassados.

e) na certeza da exclusão, revelada pela indiferença de seus pares.

4.

O poema narra uma cena comum na ficção científica: o encontro de um ser humano com um marciano.

Entretanto, o poeta dá à cena um caráter inesperado, resultante de um procedimento de construção

poética que consiste na combinação de elementos distintos.

Em ‘Science Fiction”, esses elementos distintos são:

a) inclusão de frase interrogativa - menção ao cenário da rua

b) ênfase na temática existencial - presença do personagem extraterrestre

c) postura indagadora do eu poético - ocorrência de um desfecho imprevisível

d) interlocução no interior do poema - desaparecimento fantasioso do alienígena

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Literatura

Leia o texto a seguir e responda às questões 5 e 6:

Igual Desigual Eu desconfiava:

todas as histórias em quadrinho são iguais.

Todos os filmes norte-americanos são iguais.

Todos os filmes de todos os países são iguais.

Todos os best-sellers são iguais

Todos os campeonatos nacionais e internacionais de futebol são

iguais.

Todos os partidos políticos

são iguais.

Todas as mulheres que andam na moda

são iguais.

Todos os sonetos, gazéis, virelais, sextinas e rondós são iguais

e todos, todos

os poemas em verso livre são enfadonhamente iguais.

Todas as guerras do mundo são iguais.

Todas as fomes são iguais.

Todos os amores, iguais iguais iguais.

Iguais todos os rompimentos.

A morte é igualíssima.

Todas as criações da natureza são iguais.

Todas as acções, cruéis, piedosas ou indiferentes, são iguais.

Contudo, o homem não é igual a nenhum outro homem, bicho ou

[coisa.

Ninguém é igual a ninguém.

Todo o ser humano é um estranho

ímpar. (Carlos Drummond de Andrade)

5. O poema de Carlos Drummond de Andrade se caracteriza por uma repetição considerada estilística,

porque é claramente feita para produzir um sentido.

Pode-se dizer que a repetição da expressão “são iguais” é empregada para reforçar o sentido de:

a) afirmação da igualdade no mundo de hoje

b) subversão da igualdade pelo raciocínio lógico

c) valorização da igualdade das experiências vividas

d) constatação da igualdade entre fenômenos diversos

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Literatura

6. Todos os amores, iguais iguais iguais. (v. 19) A intensificação da repetição do termo iguais no mesmo verso, relacionado a amores, enfatiza

determinada crítica que o poeta pretende fazer.

A crítica de Drummond se dirige às relações amorosas, no que diz respeito ao seguinte aspecto:

a) exagero

b) padronização

c) desvalorização

d) superficialidade

7. Infância Meu pai montava a cavalo, ia para o

campo.

Minha mãe ficava sentada cosendo.

Meu irmão pequeno dormia.

Eu sozinho menino entre mangueiras

lia a história de Robinson Crusoé

comprida história que não acaba mais.

No meio-dia branco de luz uma voz que

aprendeu

a ninar nos longes da senzala - e nunca se

esqueceu

chamava para o café.

Café preto que nem a preta velha

café gostoso

café bom.

Minha mãe ficava sentada cosendo

olhando para mim:

- Psiu... Não acorde o menino.

Para o berço onde pousou um mosquito.

E dava um suspiro... que fundo!

Lá longe meu pai campeava

no mato sem fim da fazenda.

E eu não sabia que minha história

era mais bonita que a de Robinson Crusoé. (Carlos Drummond de Andrade)

“No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu

a ninar nos longes da senzala – e nunca se esqueceu

chamava para o café.

Café preto que nem a preta velha

café gostoso

café bom.” (v. 7-12)

Identifique, na estrofe acima, dois traços característicos da estética modernista, um relacionado à

linguagem e outro à forma do poema.

a) Linguagem coloquial e aproximação ao ritmo da prosa.

b) Linguagem erudita e versos brancos.

c) Linguagem informal e poema de forma fixa.

d) Linguagem coloquial e ausência de pontuação.

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5

Literatura

8. Cidadezinha Qualquer Casas entre bananeiras

mulheres entre laranjeiras

pomar amor cantar.

Um homem vai devagar.

Um cachorro vai devagar.

Um burro vai devagar.

Devagar... as janelas olham.

Eta vida besta, meu Deus. (Carlos Drummond de Andrade)

Todas as características modernistas citadas abaixo podem ser identificadas no poema de

Drummond, exceto:

a) Reaproveitamento do popular e do coloquial, uso de uma linguagem simples, fácil, próxima da

expressão oral.

b) Concepção do poético como um texto aberto; um discurso que oferece multiplicidade de sentidos

e interpretações.

c) Crítica ao mundo rural, ao universo primitivo, distante do progresso, da civilização mecânica e

industrial.

d) Exploração do imprevisível, do inesperado; o corte brusco, a fragmentação de ideias possibilita o

surgimento do humor.

e) Interesse pelo homem comum, ordem social e pela vida cotidiana.

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1

Literatura

9. Aula de português A linguagem

na ponta

da língua tão fácil de falar

e de entender.

A linguagem

na superfície estrelada de letras,

sabe lá o que quer dizer?

Professor Carlos Gois, ele é quem sabe,

e vai desmatando

o amazonas de minha ignorância.

Figuras de gramática, esquipáticas,

atropelam-me, aturdem-me, sequestram-

me.

Já esqueci a língua em que comia,

em que pedia para ir lá fora,

em que levava e dava pontapé,

a língua, breve língua entrecortada

do namoro com a priminha.

O português são dois; o outro, mistério.

Carlos Drummond de Andrade. Esquecer para

lembrar. Rio de Janeiro: José Olympio, 1979.

Explorando a função emotiva da linguagem, o poeta expressa o contraste entre marcas de variação de

usos da linguagem em:

a) situações formais e informais.

b) diferentes regiões do país.

c) escolas literárias distintas.

d) textos técnicos e poéticos.

e) diferentes épocas.

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Literatura

10. Os ombros suportam o mundo Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus. Tempo de absoluta depuração. Tempo em que não se diz mais: meu amor. Porque o amor resultou inútil. E os olhos não choram. E as mãos tecem apenas o rude trabalho. E o coração está seco. Em vão mulheres batem à porta, não abrirás. Ficaste sozinho, a luz apagou-se, mas na sombra teus olhos resplandecem enormes. És todo certeza, já não sabes sofrer. E nada esperas de teus amigos. Pouco importa venha a velhice, que é a velhice? Teus ombros suportam o mundo e ele não pesa mais que a mão de uma criança. As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios provam apenas que a vida prossegue e nem todos se libertaram ainda. Alguns, achando bárbaro o espetáculo prefeririam (os delicados) morrer. Chegou um tempo em que não adianta morrer. Chegou um tempo em que a vida é uma ordem. A vida apenas, sem mistificação.

ANDRADE, Carlos Drummond. Obras completas. Rio de Janeiro: Aguilar, 1967.

Entre as características da obra de Carlos Drummond de Andrade, a que está presente nesse poema é a:

a) valorização do cotidiano e das raízes culturais brasileiras.

b) nostalgia da vida provinciana relacionada à terra natal.

c) denúncia constante da monotonia observada no dia a dia.

d) esperança na sobrevivência do sentimento amoroso.

e) manifestação de cansaço diante dos problemas da vida.

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Literatura

Gabarito

1. A

A obra de Drummond não é marcada pela religiosidade ou relação com o cristianismo. Além disso, o

poeta que denunciava a condição de exploração dos negros no país era Castro Alves, conhecido como

“poeta dos escravos” no Romantismo brasileiro.

2. A

Não há características românticas no poema, apenas há uma intertextualidade em forma de

releitura/paráfrase da “Canção do Exílio”, texto característico do Romantismo.

3. A

No texto de Drummond, há conflito entre o que é realmente “ser”. Assim, o autor destaca marcas de

incerteza e insegurança e contraste entre o ter e o ser.

4. B

O elemento “alienígena” dá o toque inesperado ao texto, já que o conflito interno e existencial é

engatilhado pela reação do marciano ao homem.

5. D

Elemento comparativo que exalta a semelhança entre as experiências vividas.

6. B

Todos os amores se repetem, são imutáveis, sempre os mesmos.

7. A

O poema "Infância" é construído segundo os princípios da estética modernista - estética norteada pelo

grande desejo de expressão livre. A linguagem do poema é coloquial, com utilização de frases nominais,

bem como ausência de pontuação; quanto à forma do poema, os versos são livres e a poesia aproxima-

se do ritmo da prosa. Todos esses traços confirmam a liberdade de criação e expressão da estética

modernista.

8. C

A alternativa se sustenta por não aparecer em nenhum momento na temática do texto.

9. A

O título do poema já deixa abertura para a interpretação de que observaremos ocorrências coloquiais e

formais.

10. E

Em “ombros suportam o mundo”, o eu lírico está prostrado diante da situação vivida, e nada lhe resta,

como se verifica em “Chegou um tempo em que não adianta morrer. / Chegou um tempo em que a vida

é uma ordem. / A vida apenas, sem mistificação.”

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Literatura

Exercícios de revisão: Modernismo – 2ª fase (poesia)

Resumo

Contexto histórico

O contexto histórico do período afeta diretamente a produção literária, uma vez que tivemos vários

eventos significativos nesse período e de posição ideológica em todo o mundo.

• Crise de 1929 em Nova Iorque;

• Revolução de 1930;

• A crise do Café no Brasil;

• A criação do Estado Novo (1930);

• Intentona Comunista (1935);

• Ascenção do Nazi-fascismo;

• Ideologia Socialista;

• Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945).

Características da Poesia Modernista (2ª fase)

Na poesia, o marco da segunda fase foi a publicação de “Alguma poesia” (1930), de Carlos Drummond

de Andrade.

A poesia da segunda fase, também conhecida como Poesia de 30, assumiu caráter universal: poetas da

geração anterior amadureceram e buscaram a sobriedade e o equilíbrio. As temáticas favoritas eram as

existenciais, como a complexidade do homem a ser analisado e avaliado em seus conflitos, sentimentos e

emoções, sem que se deixasse de lado as questões sociais vigentes.

Alguns escritores procuraram confronto espiritual, sentido místico para a existência. Desta forma,

poetas como Cecília Meireles e Murilo Mendes entregaram seus versos às forças etéreas da espiritualidade.

Para além disso, o autor Jorge de Lima enveredava para uma temática mais social, retratando a causa negra

e o regionalismo e, ademais, a temática cristã. É notória, pois, a pluralidade temática da geração de 30 que se

relacionava intimamente com questões sentimentais, emoções coletivas, sofrimentos, crises sociais, misérias

do mundo, espiritualidade, e apelo sensorial.

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Literatura

Textos de apoio

Mulher ao espelho

Hoje que seja esta ou aquela,

pouco me importa.

Quero apenas parecer bela,

pois, seja qual for, estou morta.

Já fui loura, já fui morena,

já fui Margarida e Beatriz.

Já fui Maria e Madalena.

Só não pude ser como quis.

Que mal faz, esta cor fingida

do meu cabelo, e do meu rosto,

se tudo é tinta: o mundo, a vida,

o contentamento, o desgosto?

Por fora, serei como queira

a moda, que me vai matando.

Que me levem pele e caveira

ao nada, não me importa quando.

Mas quem viu, tão dilacerados,

olhos, braços e sonhos seus

e morreu pelos seus pecados,

falará com Deus.

Falará, coberta de luzes,

do alto penteado ao rubro artelho.

Porque uns expiram sobre cruzes,

outros, buscando-se no espelho.

Cecília Meireles

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Literatura

O filho do século

Nunca mais andarei de bicicleta

Nem conversarei no portão

Com meninas de cabelos cacheados

Adeus valsa "Danúbio Azul"

Adeus tardes preguiçosas

Adeus cheiros do mundo sambas

Adeus puro amor

Atirei ao fogo a medalhinha da Virgem

Não tenho forças para gritar um grande grito

Cairei no chão do século vinte

Aguardem-me lá fora

As multidões famintas justiceiras

Sujeitos com gases venenosos

É a hora das barricadas

É a hora da fuzilamento, da raiva maior

Os vivos pedem vingança

Os mortos minerais vegetais pedem vingança

É a hora do protesto geral

É a hora dos vôos destruidores

É a hora das barricadas, dos fuzilamentos

Fomes desejos ânsias sonhos perdidos,

Misérias de todos os países uni-vos

Fogem a galope os anjos-aviões

Carregando o cálice da esperança

Tempo espaço firmes porque me abandonastes.

Murilo Mendes

O utopista

Ele acredita que o chão é duro

Que todos os homens estão presos

Que há limites para a poesia

Que não há sorrisos nas crianças

Nem amor nas mulheres

que só de pão vive o homem

que não há um outro no mundo.

Murilo Mendes

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Literatura

Exercícios

1. Leia o poema abaixo, de Cecília Meireles:

Reinvenção

“A vida só é possível

Reinventada.

Anda o sol pelas Campinas

E passeia a mão dourada

Pelas águas, pelas folhas...

Ah! Tudo bolhas

Que vêm de fundas piscinas

De ilusionismo... - mais nada.

Mas a vida, a vida, a vida,

A vida só é possível

Reinventada.

Vem a lua, vem, retira

As algemas dos meus braços.

Projeto-me por espaços

Cheios da tua Figura.

Tudo mentira! Mentira

Da lua, na noite escura.

Não te encontro, não te alcanço...

Só - no tempo equilibrada,

Desprendo-me do balanço

Que além do tempo me leva.

Só - na treva,

Fico: recebida e dada.

Porque a vida, a vida,

A vida só é possível

Reinventada.”

Nesse poema aparece expressa a seguinte oposição fundamental:

a) vida versus morte.

b) realidade versus ficção.

c) presença versus ausência.

d) dia versus noite.

e) liberdade versus prisão.

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Literatura

2. Leia os poemas abaixo e aponte a alternativa correta. Motivo

“Eu canto porque o instante existe

E a minha vida está completa.

Não sou alegre nem sou triste,

Sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,

Não sinto gozo nem tormento.

Atravesso noites e dias

no vento.

Se desmorono ou se edifico,

Se permaneço ou me desfaço,

- não sei, não sei.

Não sei se fico

ou passo.

Sei que canto.

E a canção é tudo.

Tem sangue eterno a asa ritmada.

E um dia sei que estarei mudo:

- mais nada.”

(Cecília Meireles)

Mãos dadas

“Não serei o poeta de um mundo caduco.

Também não cantarei o futuro.

Estou preso à vida e olho meus

companheiros.

Estão taciturnos mas nutrem grandes

esperanças.

Entre eles, considero a enorme realidade.

O presente é tão grande, não nos

afastemos.

Não nos afastemos muito, vamos de mãos

dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma

história,

Não direi os suspiros ao anoitecer, a

paisagem vista da janela,

Não distribuirei entorpecentes ou cartas de

suicida,

Não fugirei para as ilhas nem serei raptado

por serafins.

O tempo é a minha matéria, o tempo

presente, os homens presentes,

a vida presente.

(Carlos Drummond de Andrade)

a) Não há identificação plena entre os dois poemas, visto que os poetas tratam o tempo presente de

uma perspectiva diferenciada. Enquanto Cecília Meireles enfoca a brevidade das coisas, Drummond

enfatiza a necessidade de um engajamento social.

b) Os dois poemas apresentam a mesma temática, que é a necessidade da criação poética. Porém,

enquanto em Cecília Meireles há a fuga do tempo presente, em Drummond há a projeção de seus

desejos para um tempo futuro.

c) A identificação entre os dois poemas ocorre pelo fato de os poetas se situarem na segunda fase da

poesia modernista brasileira. Em vista disso, ambos tratam o tempo de uma mesma perspectiva

lírica e apresentam um sentimento de tédio frente às tensões do mundo em que vivem.

d) A identificação entre os dois poemas ocorre pelo fato de os poetas pertencerem à fase heroica do

modernismo brasileiro, os anos 20, o que evidencia a grande preocupação com o "fazer poético",

como se pode ver pela importância dada por eles ao ritmo e à rima.

e) A identificação entre os dois poemas ocorre pelo fato de que os poetas não demonstram

preocupação com os aspectos formais, como a linguagem bem cuidada e a melodia dos versos.

Além disso, Drummond e Cecília se aproximam pela visão antirromântica e têm consciência da

brevidade da vida, pois sabem que vão se calar um dia.

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Literatura

3. Analise o trecho do poema de Jorge de Lima. “Os netos de teus mulatos e de teus cafuzos

e a quarta e a quinta gerações de teu sangue sofredor

tentarão apagar a tua cor!

E as gerações dessas gerações quando apagarem

a tua tatuagem execranda,

não apagarão de suas almas, a tua alma, negro”!

Os versos do poeta alagoano valorizam:

a) a afirmação da consciência negra.

b) o branqueamento da população negra.

c) a miscigenação cultural entre brancos e negros.

d) o rompimento com a cultura negra.

e) a negação da escravidão na história do país.

4. Leia o poema abaixo:

Canções

Se não houvesse montanhas!

Se não houvesse paredes!

Se o sonho tecesse malhas

e os braços colhessem redes!

Se a noite e o dia passassem

como nuvens, sem cadeias,

e os instantes da memória

fossem vento nas areias!

Se não houvesse saudade,

solidão nem despedida...

Se a vida inteira não fosse,

além de breve, perdida!

Eu tinha um cavalo de asas,

que morreu sem ter pascigo.

E em labirintos se movem

os fantasmas que persigo.

(Cecília Meireles)

Vocabulário:

pascigo: pasto, erva para alimento do gado;

pastagem; (fig.) alimento espiritual,

satisfação.

Sobre o poema acima assinale a afirmação

que não procede:

a) Na 1ª estrofe, os vocábulos “montanha” e “parede” estão no sentido conotativo, remetendo à ideia de obstáculo, separação, a serem transpostos.

b) O vocábulo “sonho” remete ao plano da fantasia ou irrealidade, já os verbos "tecer" e "colher" remetem ao plano concreto, real.

c) Tecer “malhas” e colher “redes” sugerem a ideia de união e solidariedade.

d) Os vocábulos “montanhas” e “paredes” se opõem semanticamente a “malhas” e “redes”.

e) O “eu” poético faz um questionamento existencial de ordem moral e religiosa.

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Literatura

5. Embalo da canção Que a voz adormeça

que canta a canção!

Nem o céu floresça

nem floresça o chão.

(Só - minha cabeça,

Só - meu coração.

Solidão.)

Que não alvoreça

nova ocasião!

Que o tempo se esqueça

de recordação!

(Nem minha cabeça

nem meu coração.

Solidão!)

Cecília Meireles

Considerando o texto dado, assinale a alternativa correta sobre Cecília Meireles.

a) Reincorporou à lírica do Modernismo a temática intimista, aliada à modulação de metros breves mais tradicionais.

b) Influenciada pelo experimentalismo estético, buscou, na concisão dos versos livres, a objetividade expressiva.

c) Conciliou o ideal de impassibilidade da expressão poética ao visionarismo de quadros bucólicos.

d) Sua linguagem prosaica representa o ponto alto da poesia modernista brasileira.

e) Inovou a poesia brasileira, desenvolvendo a temática religiosa em sonetos de inspiração camoniana.

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Literatura

6. A rosa de Hiroxima “Pensem nas crianças

Mudas telepáticas

Pensem nas meninas

Cegas inexatas

Pensem nas mulheres

Rotas alteradas

Pensem nas feridas

Como rosas cálidas

Mas oh não se esqueçam

Da rosa da rosa

Da rosa de Hiroxima

A rosa hereditária

A rosa radioativa

Estúpida e inválida

A rosa com cirrose

A anti-rosa atômica

Sem cor sem perfume

Sem rosa sem nada.”

O poema “A rosa de Hiroxima”, de Vinícius de Moraes, encontra-se no livro Nossa senhora de los

Ángeles, escrito durante a permanência do poeta nos Estados Unidos (de 1946 a 1950), e traz uma

reflexão política. Em que medida esses versos podem se correlacionar com o episódio dos atentados

terroristas contra os Estados Unidos, em que se deu a queda das torres do World Trade Center e de

parte do Pentágono, em 11 de setembro de 2001?

a) O poema se correlaciona com esse fato porque antecipa o episódio ocorrido em 2001, uma vez que

se refere à bomba atômica lançada sobre Hiroxima, pelos americanos, na época da Segunda Guerra

Mundial. O poeta alerta para uma possível vingança por parte dos que sofreram a violência da

guerra.

b) O poema demonstra um sujeito lírico movido pelo sentimento de antiviolência, que alerta para as

consequências das ações bélicas praticadas durante a Segunda Guerra Mundial. Por isso, o poema

é atual, uma vez que o mesmo sentimento pacifista ressurge em face dos atentados terroristas de

2001 e de seus desdobramentos.

c) No poema há um contraste entre o mundo oriental e o mundo ocidental, que justifica o ataque

atômico feito à cidade de Hiroxima.

d) O sujeito lírico é tomado por um espírito antiamericano que vai expressamente de encontro às

posturas imperialistas adotadas pelos Estados Unidos.

e) Não é possível estabelecer nenhuma correlação, pois o poema A rosa de Hiroxima é um texto lírico

e, como tal, não fala de violência, enquanto os atentados ocorridos contra os Estados Unidos, em

2001, são fatos terroristas que trazem à tona a questão da violência.

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Literatura

7. Canção Pus o meu sonho num navio

e o navio em cima do mar;

- depois, abri o mar com as mãos

para o meu sonho naufragar

Minhas mãos ainda estão molhadas

do azul das ondas entreabertas

e a cor que escorre dos meus dedos

colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,

a noite se curva de frio;

debaixo da água vai morrendo

meu sonho, dentro de um navio…

Chorarei quanto for preciso,

para fazer com que o mar cresça,

e o meu navio chegue ao fundo

e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito;

praia lisa, águas ordenadas,

meus olhos secos como pedras

e as minhas duas mãos quebradas.

Cecília Meireles, poeta da segunda fase do Modernismo Brasileiro, faz parte da chamada “Poesia de

30”. Sobre esta autora e seu estilo, é correto afirmar que ela:

a) seguiu rigidamente o Modernismo Brasileiro, produzindo uma poesia de consciência histórica.

b) não seguiu rigidamente o Modernismo Brasileiro, produzindo uma obra de traços parnasianos.

c) seguiu rigidamente o Modernismo Brasileiro, produzindo uma poesia panfletária e musical.

d) não seguiu rigidamente nenhuma corrente do Modernismo Brasileiro, produzindo uma poesia lírica,

mística e musical.

e) não seguiu rigidamente nenhuma corrente do Modernismo Brasileiro, produzindo uma poesia

histórica, engajada e musical.

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Literatura

8. No poema Procura da poesia, Carlos Drummond de Andrade expressa a concepção estética de se fazer com palavras o que o escultor Michelangelo fazia com mármore. O fragmento abaixo exemplifica essa afirmação. (...)

Penetra surdamente no reino das palavras.

Lá estão os poemas que esperam ser escritos.

(...)

Chega mais perto e contempla as palavras.

Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra

e te pergunta, sem interesse pela resposta,

pobre ou terrível, que lhe deres:

trouxeste a chave?

Carlos Drummond de Andrade. A rosa do povo. Rio de Janeiro: Record, 1997, p. 13-14.

Esse fragmento poético ilustra o seguinte tema constante entre autores modernistas:

a) a nostalgia do passado colonialista revisitado.

b) a preocupação com o engajamento político e social da literatura.

c) o trabalho quase artesanal com as palavras, despertando sentidos novos.

d) a produção de sentidos herméticos na busca da perfeição poética.

e) a contemplação da natureza brasileira na perspectiva ufanista da pátria.

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Literatura

9. José

E agora, José?

A festa acabou,

a luz apagou,

o povo sumiu,

a noite esfriou,

e agora, José?

e agora, você?

você que é sem nome,

que zomba dos outros,

você que faz versos,

que ama, protesta?

e agora, José?

Está sem mulher,

está sem discurso,

está sem carinho,

já não pode beber,

já não pode fumar,

cuspir já não pode,

a noite esfriou,

o dia não veio,

o bonde não veio,

o riso não veio,

não veio a utopia

e tudo acabou

e tudo fugiu

e tudo mofou,

e agora, José?

(...)

Se você gritasse,

se você gemesse,

se você tocasse

a valsa vienense,

se você dormisse,

se você cansasse,

se você morresse...

Mas você não morre,

você é duro, José!

Sozinho no escuro

qual bicho-do-mato,

sem teogonia,

sem parede nua

para se encostar,

sem cavalo preto

que fuja a galope,

você marcha, José!

José, para onde?

Assinale a alternativa correta sobre o poema.

a) O diálogo com José, interlocutor, pode ser lido como uma forma de o sujeito-lírico refletir sobre o

desamparo existencial.

b) O poema em versos curtos apresenta o caminho para superação dos impasses de José.

c) As repetições indicam a monotonia da existência do trabalhador comum, José, em crise com sua

condição operária.

d) O sujeito-lírico, na ausência de respostas, não consegue decifrar para onde José marcha, embora

este saiba seu caminho.

e) A expressão “e agora, José?” põe em relevo a indignação do sujeito-lírico com seu interlocutor,

incapaz de se definir.

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Literatura

10. Cantiga Ai! A manhã primorosa do pensamento... Minha vida é uma pobre rosa ao vento. Passam arroios de cores sobre a paisagem. Mas tu eras a flor das flores, imagem! Vinde ver asas e ramos, na luz sonora! Ninguém sabe para onde vamos agora. Os jardins têm vida e morte, noite e dia... Quem conhecesse a sua sorte, morria. E é nisso que se resume o sofrimento: cai a flor, - e deixa o perfume no vento!

MEIRELES, Cecília. Viagem. In: Obra poética. Rio de janeiro: Nova Aguillar, 1991.

A leitura atenta do poema “Cantiga”, de Cecília Maireles, permite-nos afirmar que:

a) os jardins, representados de forma monocrática, representam a crise existencial do eu lírico, sua tristeza e solidão.

b) o sofrimento amoroso é presentado pela rosa.

c) o perfume que cai ao vento, nos últimos versos do poema, é metáfora que representa a paixão.

d) a imagem sinestésica do verso “na luz sonora”, terceira estrofe, atribui ao jardim característica de melancolia.

e) a efemeridade da vida é retratada, principalmente, na quarta estrofe.

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Literatura

Gabarito

1. B

A ideia de que a vida só é possível se reinventada, de que há uma certa ilusão ficcional que esbarra nas

necessidades da vida real.

2. A

Os poemas seguem vertentes literárias distintas. Cecília é mais expressionista, trabalha com metáforas

abstratas. Drummond é mais concreto e realça a necessidade de se fazer uma poesia engajada.

3. A

Há uma valorização da hereditariedade negra.

4. E

Não há religiosidade no poema.

5. A

Cecília Meireles apresenta poesia intimista, com metáforas abstratas, contrastes subjetivos e temática

sentimental.

6. B

Não há antecipação dos eventos, não há contraste entre orientais e ocidentais, não há sentimento

antiamericano e mesmo sendo um texto lírico, o poema pode muito bem falar sobre situações de guerra,

calamidades, eventos históricos.

7. D

A liberdade criativa advinda do Modernismo possibilitou que até mesmo os escritores da época não se

encaixassem nas propostas e manifestos, contribuindo para a produção de Cecília Meireles que

conseguiu ser inovadora em meio a um movimento inovador.

8. C

O poema fala sobre a contemplação das palavras porque lá estão os poemas que esperam para serem

escritos.

9. A

Ao fazer uma série de questionamentos a José, o sujeito-lírico levanta temas filosóficos, marcados pela

falta de perspectiva (“E agora, José?”).

10. E

Na quarta estrofe, o eu lírico da imagem do jardim, que tem noite e dia, vida e morte. Assim, revela como

a vida é efêmera, passando rapidamente da vida para a morte, do dia para a noite.

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Literatura

Modernismo 2ª fase: prosa

Resumo

A prosa modernista da 2ª fase

Após a consolidação da 1ª fase modernista, também conhecida como “fase heroica”, que propunha

uma revisão do passado nacional a partir de uma visão crítica, a chegada da década de 1930 e os

acontecimentos que marcaram essa época contribuíram para uma literatura voltada às diversidades

regionais, sociais e culturais da realidade brasileira. Em especial, a prosa abordava temas como a

subsistência humana, a miséria, o isolamento político e as relações de trabalho.

Contexto histórico

O contexto histórico do período afeta diretamente a produção literária, uma vez que tivemos vários

eventos significativos nesse período e de posição ideológica em todo o mundo.

• Crise de 1929 em Nova Iorque;

• Revolução de 1930;

• A crise do Café no Brasil;

• A criação do Estado Novo (1930);

• Intentona Comunista (1935);

• Ascenção do Nazifascimo;

• Ideologia Socialista;

• Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945).

A partir desses acontecimentos, é possível perceber o porquê de as obras possuírem um claro

engajamento sociopolítico e inserirem, em sua narrativa, uma denúncia social.

Características da prosa modernista (2ª fase)

Com o olhar mais crítico da segunda fase modernista, a realidade brasileira passa a ser abordada a

partir de um novo olhar, com intenções claras de denúncia social e engajamento político por parte dos

autores. Como já vimos desde o pré-modernismo, a literatura brasileira começa a destacar aspectos de

várias regiões do Brasil, valorizando o regionalismo e a identidade brasileira. Na segunda fase do

Modernismo, a abordagem de uma ficção sobre o sertão nordestino contribuiu para denunciar a condição

do homem, relatar a questão da imigração e as dificuldades enfrentadas pela fome, miséria e pobreza.

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2

Literatura

Além disso, percebemos que as obras também destacam aspectos como o cangaço, o fanatismo

religioso, a disputa entre terras, o coronelismo e a crise dos engenhos. É válido ressaltar que a região do

Nordeste não foi a única a ser abordada na ficção literária, o Sul do país também se destacou nos romances.

Desse modo, percebemos a presença de relatos do cotidiano da vida urbana na região sul, a questão de

valores sociais e morais, uma abordagem mais abrangente sobre a formação do Rio Grande do Sul e as

questões políticas da região. O autor gaúcho, Dionélio Machado, aprofundou suas obras com a presença de

um romance urbano e também, psicológico.

Outro ponto importante é a questão de uma linguagem coloquial, que se aproxima das variedades

linguísticas de cada local. Entre os grandes autores desse momento, podemos citar: Graciliano Ramos,

Rachel de Queiroz, José Lins do Rego, Dionélio Machado, Érico Veríssimo e Jorge Amado.

Leia um trecho da obra "Vidas Secas", de Graciliano Ramos, e observe como o próprio personagem

tem consciência de sua condição e da maneira como vive:

“Fabiano ia satisfeito. Sim senhor, arrumara-se. Chegara naquele estado, com a família morrendo de fome,

comendo raízes. Caíra no fim do pátio, debaixo de um juazeiro, depois tomara conta da casa deserta. Ele, a

mulher e os filhos tinham-se habituado a camarinha escura, pareciam ratos - e a lembrança dos sofrimentos

passados esmorecera.

Pisou com firmeza no chão gretado, puxou a faca de ponta, esgaravatou as unhas sujas. Tirou do aio um

pedaço de fumo, picou-o, fez um cigarro com palha de milho, acendeu-o ao binga, pôs-se a fumar regalado.

— Fabiano, você é um homem, exclamou em voz alta.

Conteve-se, notou que os meninos estavam perto, com certeza iam admirar-se ouvindo-o falar só. E,

pensando bem, ele não era homem: era apenas um cabra ocupado em guardar coisas dos outros. Vermelho,

queimado, tinha os olhos azuis, a barba e os cabelos ruivos; mas como vivia em terra alheia, cuidava de

animais alheios, descobria-se, encolhia-se na presença dos brancos e julgava-se cabra.

Olhou em torno, com receio de que, fora os meninos, alguém tivesse percebido a frase imprudente. Corrigiu-

a, murmurando:

— Você é um bicho, Fabiano.

Isto para ele era motivo de orgulho. Sim senhor, um bicho, capaz de vencer dificuldades. Chegara naquela

situação medonha - e ali estava, forte, até gordo, fumando o seu cigarro de palha.

— Um bicho, Fabiano.

Era. Apossara-se da casa porque não tinha onde cair morto, passara uns dias mastigando raiz de imbu e

sementes de mucunã. Viera a trovoada. E, com ela, o fazendeiro, que o expulsara. Fabiano fizera-se

desentendido e oferecera os seus préstimos, resmungando, coçando os cotovelos, sorrindo aflito. O jeito que

tinha era ficar. E o patrão aceitara-o, entregara-lhe as marcas de ferro.”

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3

Literatura

Textos de Apoio

Texto 1

Era o êxodo da seca de 1898. Uma ressurreição de cemitérios antigos – esqueletos redivivos, com o aspecto

terroso e o fedor das covas podres.

Os fantasmas estropiados como que iam dançando, de tão trôpegos e trêmulos, num passo arrastado de

quem leva as pernas, em vez de ser levado por elas.

Andavam devagar, olhando para trás, como quem quer voltar. Não tinham pressa em chegar, porque não

sabiam aonde iam. Expulsos de seu paraíso por espadas de fogo, iam, ao acaso, em descaminhos, no

arrastão dos maus fados.

Fugiam do sol e o sol guiava-os nesse forçado nomandismo.

Adelgaçados na magreira cômica, cresciam, como se o vento os levantasse. E os braços afinados desciam-

lhes aos joelhos, de mãos abanando.

Vinham escoteiros. Menos os hidrópicos – de ascite consecutiva à alimentação tóxica – com os fardos das

barrigas alarmantes.

Não tinha sexo, nem idade, nem condição nenhuma.

Eram os retirantes. Nada mais.

Meninotas, com as pregas da súbita velhice, careteavam, torcendo as carinhas decrépitas de ex-voto. Os

vaqueiros másculos, como titãs alquebrados, em petição de miséria. Pequenos fazendeiros, no arremesso

igualitário, baralhavam-se nesse anônimo aniquilamento.

Mais mortos do que vivos. Vimos, vivíssimos só no olhar. Pupilas do sol da seca. Uns olhos espasmódicos

de pânico, como se estivessem assombrados de si próprios. Agônica concentração de vitalidade faiscante.

Fariscavam o cheiro enjoativo do melado que lhes exarcebava os estômagos jejuns. E, em vez de comerem,

eram comidos pela própria fome numa autofagia erosiva.

(ALMEIDA, José Américo. A Bagaceira.)

Texto 2

— Um dia um homem faz besteira e se desgraça.

Pois não estavam vendo que ele é de carne e osso? Tinha obrigação de trabalhar para os outros,

naturalmente, conhecia o seu lugar. Bem. Nascera com esse destino ruim. Que fazer? Podia mudar a sorte?

Se lhe dissessem que era possível melhorar de situação, espantar-se-ia. Tinha vindo ao mundo para

amansar brabo, curar feridas com rezas, consertar cercas de inverno a verão. Era sina. O pai vivera assim, o

avô também. E para trás não existia família. Cortar mandacaru, ensebar látegos – aquilo estava no sangue.

Conformava-se, não pretendia mais nada. Se lhe dessem o que era dele, estava certo. Não davam. Era um

desgraçado, era como um cachorro, só recebia ossos. Por que seria que os homens ricos ainda lhe tomavam

uma parte do osso? Fazia até nojo pessoas importantes se ocuparem com semelhantes porcarias.

(RAMOS, Graciliano. Vidas Secas, 1984, p.96)

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Literatura

Texto 3

– Fabiano, você é um homem, exclamou em voz alta.

Conteve-se, notou que os meninos estavam perto, com certeza iam admirar-se ouvindo-o falar só. E,

pensando bem, ele não era um homem: era apenas um cabra ocupado em guardar coisas dos outros.

Olhou em torno, com receio de que, fora os meninos, alguém tivesse percebido a frase imprudente. Corrigiu-

a, murmurando:

–Você é um bicho, Fabiano.

(RAMOS, Graciliano. Vidas Secas.)

Texto 4

Eles tinham saído na véspera, de manhã, da Canoa.

Eram duas horas da tarde.

Cordulina, que vinha quase cambaleando, sentou-se numa pedra e falou, numa voz quebrada e penosa: -

Chico, eu não posso mais... Acho até que vou morrer. Da-me aquela zoeira na cabeça!

Chico Bento olhou dolorosamente a mulher. o cabelo, em falripas sujas, como que gasto, acabado, caia, por

cima do rosto, envesgando os olhos, roçando na boca. A pele, empretecida como uma casca, pregueava nos

braços e nos peitos, que o casaco e a camisa rasgada descobriam.

(...)

No colo da mulher, o Duquinha, também só osso e pele, levava, com um gemido abafado, a mãozinha imunda,

de dedos ressequidos, aos pobres olhos doentes.

E com a outra tateava o peito da mãe, mas num movimento tão fraco e tão triste que era mais uma tentativa

do que um gesto.

Lentamente o vaqueiro voltou as costas; cabisbaixo, o Pedro o seguiu. E foram andando a toa, devagarinho,

costeando a margem da caatinga. (...)

De repente, um bé!, agudo e longo, estridulou na calma.

E uma cabra ruiva, nambi, de focinho quase preto, estendeu a cabeça por entre a orla de galhos secos do

caminho, aguçando os rudimentos de orelha, evidentemente procurando ouvir, naquela distensão de sen-

tidos, uma longínqua resposta a seu apelo.

Chico Bento, perto, olhava-a, com as mãos trêmulas, a garganta áspera, os olhos afogueados.

O animal soltou novamente o seu clamor aflito.

Cauteloso, o vaqueiro avançou um passo.

E de súbito em três pancadas secas, rápidas, o seu cacete de juca zuniu; a cabra entonteceu, amunhecou, e

caiu em cheio por terra.

Chico Bento tirou do cinto a faca, que de tão velha e tão gasta nunca achara quem lhe desse um tostão por

ela.

Abriu no animal um corte que foi de debaixo da boca até separar ao meio o úbere branco de tetas secas,

escorridas.

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Literatura

Rapidamente iniciou a esfolação. A faca afiada corria entre a carne e o couro. Na pressa, arrancava aqui

pedaços de lombo, afinava ali a pele, deixando-a quase transparente.

Mas Chico Bento cortava, cortava sempre, com um movimento febril de mãos, enquanto Pedro, comovido e

ansioso, ia segurando o couro descarnado.

Afinal, toda a pele destacada estirou-se no chão.

E o vaqueiro, batendo com o cacete no cabo da faca, abriu ao meio a criação morta.

Mas Pedro, que fitava a estrada, o interrompeu:

— Olha, pai!

Um homem de mescla azul vinha para eles em grandes passadas. Agitava os braços em fúria, aos berros:

— Cachorro! Ladrão! Matar minha cabrinha! Desgraçado!

Chico Bento, tonto, desnorteado, deixou a faca cair e, ainda de cócoras, tartamudeava explicações confusas.

O homem avançou, arrebatou-lhe a cabra e procurou enrolá-la no couro.

Dentro da sua perturbação, Chico Bento compreendeu apenas que lhe tomavam aquela carne em que seus

olhos famintos ja se regalavam, da qual suas mãos febris ja tinham sentido o calor confortante.

E lhe veio agudamente a lembrança Cordulina exânime na pedra da estrada... o Duquinha tão morto que ja

nem chorava...

Caindo quase de joelhos, com os olhos vermelhos cheios de lágrimas que lhe corriam pela face áspera,

suplicou, de mãos juntas:

— Meu senhor, pelo amor de Deus! Me deixe um pedaço de carne, um taquinho ao menos,

que de um caldo para a mulher mais os meninos! Foi pra eles que eu matei! ja caíram com a fome!...

— Não dou nada! Ladrão! Sem-vergonha! Cabra sem-vergonha!

A energia abatida do vaqueiro não se estimulou nem mesmo diante daquela palavra.

Antes se abateu mais, e ele ficou na mesma atitude de súplica.

E o homem disse afinal, num gesto brusco, arrancando as tripas da criação e atirando-as para o vaqueiro:

— Tome! Só se for isto! A um diabo que faz uma desgraça como você fez, dar-se tripas é até demais!...

A faca brilhava no chão, ainda ensanguentada, e atraiu os olhos de Chico Bento.

Veio-lhe um ímpeto de brandi-la e ir disputar a presa, mas foi ímpeto confuso e rápido. Ao gesto de estender

a mão, faltou-lhe o ânimo.

O homem, sem se importar com o sangue, pusera no ombro o animal sumariamente envolvido no couro e

marchava para a casa cujo telhado vermelhava, la além.

Pedro, sem perder tempo, apanhou o fato que ficara no chão e correu para a mãe. Chico Bento ainda esteve

uns momentos na mesma postura, ajoelhado.

E antes de se erguer, chupou os dedos sujos de sangue, que lhe deixaram na boca um gosto amargo de vida.

(QUEIROZ, Rachel de. O Quinze.)

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Literatura

Exercícios

1. Leia o trecho a seguir: “E Fabiano depôs no chão parte da carga, olhou o céu, as mãos em pala na testa. Arrastara-se até ali

na incerteza de que aquilo fosse realmente mudança. Retardara-se e repreendera os meninos, que se

adiantavam, aconselhara-os a poupar forças. A verdade é que não queria afastar-se da fazenda. A

viagem parecia-lhe sem jeito, nem acreditava nela. Preparara-a lentamente, adiara-a, tornara a

prepará-la, e só se resolvera a partir quando estava definitivamente perdido. Podia continuar a viver

num cemitério? Nada o prendia àquela terra dura, acharia um lugar menos seco para enterrar-se. Era

o que Fabiano dizia, pensando em coisas alheias: o chiqueiro e o curral, que precisavam conserto, o

cavalo de fábrica, bom companheiro, a égua alazã, as catingueiras, as panelas de losna, as pedras da

cozinha, a cama de varas. E os pés dele esmoreciam, as alpercatas calavam-se na escuridão. Seria

necessário largar tudo? As alpercatas chiavam de novo no caminho coberto de seixos." (Vidas secas, Graciliano Ramos)

Assinale a alternativa incorreta:

a) O trecho mostra as conquistas recentes de Fabiano e a desilusão dele ao perceber que todo seu

esforço foi em vão.

b) Podemos perceber um momento “congelado” da narrativa, ou seja, uma suspensão temporaria,

permitindo que o foco narrativo se volte à dimensão psicológica de Fabiano.

c) No momento em que o narrador menciona “coisas alheias”, esta reforçando a crítica presente em

toda obra, na qual a marginalização social acontece pela exclusão econômica.

d) Fabiano resiste em abandonar a fazenda, pois sua incapacidade de articular logicamente é

limitada, e o pensamento é incapaz de perceber a inevitável chegada da seca.

e) As referências a “enterro” e “cemitério” radicalizam a caracterização das “vidas secas” do sertão

nordestino, uma vez que limitam as perspectivas do sertanejo pobre à luta contra a morte.

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Literatura

2. “A velha Totonha de quando em vez batia no engenho. E era um acontecimento para a meninada… Que

talento ela possuía para contar as suas histórias, com um jeito admirável de falar em nome de todos

os personagens, sem nenhum dente na boca, e com uma voz que dava todos os tons às palavras!

Havia sempre rei e rainha, nos seus contos, e forca e adivinhações. E muito da vida, com as suas

maldades e as suas grandezas, a gente encontrava naqueles heróis e naqueles intrigantes, que eram

sempre castigados com mortes horríveis! O que fazia a velha Totonha mais curiosa era a cor local que

ela punha nos seus descritivos. Quando ela queria pintar um reino era como se estivesse falando dum

engenho fabuloso. Os rios e florestas por onde andavam os seus personagens se pareciam muito com

a Paraíba e a Mata do Rolo. O seu Barba-Azul era um senhor de engenho de Pernambuco.” (José Lins do Rego. Menino de Engenho. Rio de Janeiro: José Olympio, 1980, p. 49-51 (com adaptações).

Na construção da personagem “velha Totonha”, é possível identificar traços que revelam marcas do

processo de colonização e de civilização do país. Considerando o texto acima, infere-se que a velha

Totonha:

a) tira o seu sustento da produção da literatura, apesar de suas condições de vida e de trabalho, que

denotam que ela enfrenta situação econômica muito adversa.

b) compõe, em suas histórias, narrativas épicas e realistas da história do país colonizado, livres da

influência de temas e modelos não representativos da realidade nacional.

c) retrata, na constituição do espaço dos contos, a civilização urbana europeia em concomitância

com a representação literária de engenhos, rios e florestas do Brasil.

d) aproxima-se, ao incluir elementos fabulosos nos contos, do próprio romancista, o qual pretende

retratar a realidade brasileira de forma tão grandiosa quanto a europeia.

e) imprime marcas da realidade local a suas narrativas, que têm como modelo e origem as fontes

da literatura e da cultura europeia universalizada.

3. O romance regionalista, produzido durante a segunda fase do Modernismo no Brasil:

a) trouxe uma literatura que, na esteira de configurar uma estética nacional, buscou referências nas

culturas locais, a exemplo do que fez José de Alencar em O sertanejo e O gaúcho.

b) evidencia a intenção de fazer uma crítica à situação dos trabalhadores nas cidades, desde a

exploração dos operários nos grandes centros urbanos, como em O quinze, de Raquel de Queirós,

até o êxodo rural na região sul, como em Porteira Fechada, de Cyro Martins.

c) trouxe à tona a situação da região nordeste, tematizando a passagem da economia colonial para

a capitalista, como o ciclo de narrativas de José Lins do Rego.

d) mostra um nacionalismo ufanista, que engrandece tudo aquilo que é peculiar à esfera nacional:

o clima, a flora, a fauna e os costumes das diversas regiões brasileiras, a exemplo da obra de

Jorge Amado.

e) apresenta uma tendência às histórias intimistas, mostrando o indivíduo em conflito com seu

espaço, como nas narrativas de Clarice Lispector.

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Literatura

4. Leia o trecho abaixo:

“[Sem-Pernas] queria alegria, uma mão que o acarinhasse, alguém que com muito amor o fizesse

esquecer o defeito físico e os muitos anos (talvez tivessem sido apenas meses ou semanas, mas para

ele seriam sempre longos anos) que vivera sozinho nas ruas da cidade, hostilizado pelos homens que

passavam, empurrado pelos guardas, surrado pelos moleques maiores. Nunca tivera família. Vivera

na casa de um padeiro a quem chamava “meu padrinho” e que o surrava. Fugiu logo que pôde

compreender que a fuga o libertaria. Sofreu fome, um dia levaram-no preso. Ele quer um carinho, u’a

mão que passe sobre os seus olhos e faça com que ele possa se esquecer daquela noite na cadeia,

quando os soldados bêbados o fizeram correr com sua perna coxa em volta de uma saleta. Em cada

canto estava um com uma borracha comprida. As marcas que ficaram nas suas costas

desapareceram. Mas de dentro dele nunca desapareceu a dor daquela hora. Corria na saleta como um

animal perseguido por outros mais fortes. A perna coxa se recusava a ajudá-lo. E a borracha zunia

nas suas costas quando o cansaço o fazia parar. A princípio chorou muito, depois, não sabe como, as

lágrimas secaram. Certa hora não resistiu mais, abateu-se no chão. Sangrava. Ainda hoje ouve como

os soldados riam e como riu aquele homem de colete cinzento que fumava um charuto. “ (Jorge Amado. Capitães da areia.)

Considere as afirmações seguintes.

I. O fragmento do romance, ambientado na cidade de Salvador das primeiras décadas do século

passado, aborda a vida de uma criança em situação de absoluta exclusão social e violência, o

que destoa do projeto literario e ideológico dos escritores brasileiros que compõem a “Geração

de 30”.

II. Valendo-se das conquistas do Modernismo, o romance apresenta linguagem fluente e acessível

ao grande público, utilizando-se de um português coloquial, simples, próximo a um modo natural

de falar, com o largo emprego da frase curta e econômica.

III. Sem-Pernas é uma personagem que, embora encarne um tipo social claramente delimitado, o do

menino “pobre, abandonado, aleijado e discriminado”, adquire alguma profundidade psicológica,

à medida que seu passado e suas experiências dolorosas vêm à tona.

Conforme o texto, está correto o que se afirma apenas em:

a) I.

b) II.

c) III.

d) I e II.

e) II e III.

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Literatura

5. Texto I “Logo depois transferiram para o trapiche o depósito dos objetos que o trabalho do dia lhes

proporcionava. Estranhas coisas entraram então para o trapiche. Não mais estranhas, porém, que

aqueles meninos, moleques de todas as cores e de idades as mais variadas, desde os nove aos

dezesseis anos, que a noite se estendiam pelo assoalho e por debaixo da ponte e dormiam,

indiferentes ao vento que circundava o casarão uivando, indiferentes a chuva que muitas vezes os

lavava, mas com os olhos puxados para as luzes dos navios, com os ouvidos presos as canções que

vinham das embarcações... (AMADO, J. Capitães da Areia. São Paulo: Companhia das Letras, 2008 (fragmento).)

Texto II

“A margem esquerda do rio Belém, nos fundos do mercado de peixe, ergue-se o velho ingazeiro – ali

os bêbados são felizes. Curitiba os considera animais sagrados, prove as suas necessidades de

cachaça e pirão. No trivial contentavam-se com as sobras do mercado.” (TREVISAN, D. 35 noites de paixão: contos escolhidos. Rio de Janeiro: BestBolso, 2009 (fragmento).)

Sob diferentes perspectivas, os fragmentos citados são exemplos de uma abordagem literária

recorrente na literatura brasileira do século XX. Em ambos os textos:

a) a linguagem afetiva aproxima os narradores dos personagens marginalizados.

b) a ironia marca o distanciamento dos narradores em relação aos personagens.

c) o detalhamento do cotidiano dos personagens revela a sua origem social.

d) o espaço onde vivem os personagens é uma das marcas de sua exclusão.

e) a crítica a indiferença da sociedade pelos marginalizados é direta.

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Literatura

6. “No decênio de 1870, Franklin Tavora defendeu a tese de que no Brasil havia duas literaturas

independentes dentro da mesma língua: uma do Norte e outra do Sul, regiões segundo ele muito

diferentes por formação histórica, composição étnica, costumes, modismos linguísticos etc. Por isso,

deu aos romances regionais que publicou o título geral de Literatura do Norte. Em nossos dias, um

escritor gaúcho, Viana Moog, procurou mostrar com bastante engenho que no Brasil há, em verdade,

literaturas setoriais diversas, refletindo as características locais.” (CANDIDO, A. A nova narrativa. A educação pela noite e outros ensaios. São Paulo: Ática, 2003.)

Com relação à valorização, no romance regionalista brasileiro, do homem e da paisagem de

determinadas regiões nacionais, sabe-se que:

a) o romance do Sul do Brasil se caracteriza pela temática essencialmente urbana, colocando em

relevo a formação do homem por meio da mescla de características locais e dos aspectos

culturais trazidos de fora pela imigração europeia.

b) José de Alencar, representante, sobretudo, do romance urbano, retrata a temática da urbanização

das cidades brasileiras e das relações conflituosas entre as raças.

c) o romance do Nordeste caracteriza-se pelo acentuado realismo no uso do vocabulário, pelo

temário local, expressando a vida do homem em face da natureza agreste, e assume

frequentemente o ponto de vista dos menos favorecidos.

d) a literatura urbana brasileira, da qual um dos expoentes é Machado de Assis, põe em relevo a

formação do homem brasileiro, o sincretismo religioso, as raízes africanas e indígenas que

caracterizam o nosso povo.

e) Érico Veríssimo, Rachel de Queiroz, Simões Lopes Neto e Jorge Amado são romancistas das

décadas de 30 e 40 do século XX, cuja obra retrata a problemática do homem urbano em

confronto com a modernização do país promovida pelo Estado Novo.

7. Leia o fragmento abaixo transcrito da obra “Vidas Secas” e responda a questão a seguir:

“Vivia longe dos homens, só se dava bem com animais. Os seus pés duros quebravam espinhos e não

sentiam a quentura da terra. Montado, confundia-se com o cavalo, grudava-se a ele. E falava uma

linguagem cantada, monossilábica e gutural, que o companheiro entendia. A pé, não se aguentava

bem. Pendia para um lado, para o outro lado, cambaio, torto e feio. Às vezes, utilizava nas relações

com as pessoas a mesma língua com que se dirigia aos brutos – exclamações, onomatopeias. Na

verdade, falava pouco. Admira as palavras compridas e difíceis da gente da cidade, tentava reproduzir

algumas em vão, mas sabia que elas eram inúteis e talvez perigosas. ” (Graciliano Ramos)

No texto, a referência aos pés:

a) Constitui um jogo de contrastes entre o mundo cultural e o mundo físico do personagem.

b) Acentua a rudeza do personagem, em nível físico.

c) Justifica-se como preparação para o fato de que o personagem não estava preparado para

caminhada.

d) Serve para demonstrar a capacidade de pensar do personagem.

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Literatura

Texto para as questões 8 e 9

Texto I

Agora Fabiano conseguia arranjar as ideias. O que o segurava era a família. Vivia preso como um

novilho amarrado ao mourão, suportando ferro quente. Se não fosse isso, um soldado amarelo não lhe

pisava o pé não. (…) Tinha aqueles cambões pendurados ao pescoço. Deveria continuar a arrasta-los?

Sinhá Vitória dormia mal na cama de varas. Os meninos eram uns brutos, como o pai. Quando

crescessem, guardariam as reses de um patrão invisível, seriam pisados, maltratados, machucados

por um soldado amarelo. (Graciliano Ramos. Vidas Secas. São Paulo: Martins, 23. ed., 1969, p. 75.)

Texto II

Para Graciliano, o roceiro pobre é um outro, enigmático, impermeável. Não há solução fácil para uma

tentativa de incorporação dessa figura no campo da ficção. É lidando com o impasse, ao invés de

fáceis soluções, que Graciliano vai criar Vidas Secas, elaborando uma linguagem, uma estrutura

romanesca, uma constituição de narrador em que narrador e criaturas se tocam, mas não se

identificam. Em grande medida, o debate acontece porque, para a intelectualidade brasileira naquele

momento, o pobre, a despeito de aparecer idealizado em certos aspectos, ainda é visto como um ser

humano de segunda categoria, simples demais, incapaz de ter pensamentos demasiadamente

complexos. O que Vidas Secas faz é, com pretenso não envolvimento da voz que controla a narrativa,

dar conta de uma riqueza humana de que essas pessoas seriam plenamente capazes. (Luís Bueno. Guimarães, Clarice e antes. In: Teresa. São Paulo: USP, n.° 2, 2001, p. 254.)

8. A partir do trecho de Vidas Secas (texto I) e das informações do texto II, relativas às concepções

artísticas do romance social de 1930, avalie as seguintes afirmativas.

I. O pobre, antes tratado de forma exótica e folclórica pelo regionalismo pitoresco, transforma-se

em protagonista privilegiado do romance social de 30.

II. A incorporação do pobre e de outros marginalizados indica a tendência da ficção brasileira da

década de 30 de tentar superar a grande distância entre o intelectual e as camadas populares.

III. Graciliano Ramos e os demais autores da década de 30 conseguiram, com suas obras, modificar

a posição social do sertanejo na realidade nacional.

É correto apenas o que se afirma em:

a) I.

b) II.

c) III.

d) I e II.

e) II e III.

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Literatura

9. No texto II, verifica-se que o autor utiliza:

a) linguagem predominantemente formal, para problematizar, na composição de Vidas Secas, a

relação entre o escritor e o personagem popular.

b) linguagem inovadora, visto que, sem abandonar a linguagem formal, dirige-se diretamente ao

leitor.

c) linguagem coloquial, para narrar coerentemente uma história que apresenta o roceiro pobre de

forma pitoresca.

d) linguagem formal com recursos retóricos próprios do texto literário em prosa, para analisar

determinado momento da literatura brasileira.

e) linguagem regionalista, para transmitir informações sobre literatura, valendo-se de coloquialismo,

para facilitar o entendimento do texto.

10. Observe as proposições sobre a segunda fase do modernismo e assinale a falsa:

a) O romance produzido nas décadas de 30 e 40, período em que o país e o mundo viveram

profundas crises, pôs-se a serviço da crítica de nossa realidade e teve na obra de Graciliano

Ramos a principal expressão desse momento.

b) Distantes do experimentalismo estético proposto pelos modernistas de 1922, os romancistas de

30 julgavam irreversíveis muitas de suas conquistas, tais como o interesse por temas nacionais,

a busca de uma linguagem mais brasileira e o interesse pela vida cotidiana.

c) O romance de 30 seguiu diferentes caminhos, sendo o regionalismo o mais importante entre

todos. Dentre seus principais nomes, estão Graciliano Ramos e Rachel de Queiroz.

d) A prosa na segunda geração do modernismo foi marcada pela preocupação com a descoberta e

com a exploração de novas técnicas narrativas, além da exploração do universo social e

psicológico da condição humana. Dentre os marcos, está Macunaíma, de Mário de Andrade.

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Literatura

Gabarito

1. D

Fabiano hesita em abandonar a fazenda por não ter certeza de que isso significaria mudança, isto é, ele

reflete acerca das condições de vidas presente e futura, o que invalida a alternativa “D”.

2. E

Essencial para o modernismo, a obra de José Lins do Rego aborda a situação econômica dos latifúndios

e engenhos da zona açucareira da Paraíba e do Pernambuco. A partir dos contos criados pela velha

Totonha, o autor aproxima suas histórias da realidade, fazendo associações, o que confirma a alternativa

E. O trecho avaliado não faz nenhuma menção à intenção da personagem de obter lucros a partir de seus

contos literários, o que torna a alternativa A incorreta. Além disso, as associações ao personagem Barba-

Azul refletem um senhor de engenho, mostrando as influências da colonização no país, e a contadora de

histórias busca confluir uma perspectiva europeia junto a uma visão colonial do Brasil Colônia, tornando

incorretas as alternativas B e C. Por fim, não há a intenção em retratar de forma grandiosa a realidade

europeia, mas sim, internamente, promover uma denúncia social à realidade local, o que faz a alternativa

D incorreta.

3. C

O regionalismo na literatura denunciou e retratou a situação crítica da região nordeste: a seca e a

realidade do sertão.

4. E

Apesar de haver denúncia e crítica à realidade social por meio dos estereótipos criados, os personagens

são psicologicamente profundos.

5. D

Os textos retratam os espaços em que vivem personagens marginalizados. Esses locais são marcadores

da exclusão social, seja no livro de Jorge Amado, com os meninos abandonados, seja dos bêbados, no

fragmento de Dalton Trevisan.

6. C

O regionalismo surge na literatura em vários momentos, com diversas propostas estilísticas e temáticas.

O romance nordestino é caracterizado pela exploração de regionalismos linguísticos e pelo retrato da

luta do homem contra a realidade do sertão.

7. B

A alternativa “B” deve ser assinalada justamente para enfatizar a condição em que viviam submetidas

as pessoas, principalmente as nordestinas, de forma geral, lutando por melhores condições de

sobrevivência e vivendo na condição de retirantes, tamanha e cruel era a realidade que demarcava o

contexto histórico e social da época, que vai de 1930 a 1945.

8. D

Os romances de 30 são voltados para retratar as condições de vida do homem pobre que sobrevivia à

precariedade do meio e da natureza onde estava inserido – tornando-se, assim, principal elemento de

sua narrativa a fim de despi-lo de estereótipos pré-estabelecidos e colocando-o posição de destaque.

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Literatura

9. A

A linguagem formal é utilizada pelo autor para discorrer acerca das questões trazidas em Vidas Secas.

10. D

A proposição “D” refere-se à primeira geração do Modernismo, principalmente à obra de Mário de

Andrade que, junto a Oswald de Andrade e Manuel Bandeira, integrou a famosa tríade modernista.