2 fevereiro de 2008 etanol: energia ou morte? - social.org.br · social, secularmente existente...

1
fevereiro de 2008 2 agrocombustíveis Etanol: energia ou morte? TRABALHO Em 2007, 6 mil trabalhadores foram resgatados de situações que configuravam “condição análoga à de escravo” Maringoni Bruno Ribeiro de Paiva e Xavier Plassat “CORPO DOBRADO e podão na mão, Manoel Rodrigues da Silva corta cana num canavial que se estende a perder de vista. De re- pente, sente tontura e, por força, tem que parar. Não é a primeira vez que isso lhe acontece. Já so- freu enxaquecas e dores em toda parte, tendo que car parado por dias a o e até ser internado. Sua remuneração e seu emprego dependem de quanta cana con- segue cortar por dia. O canavial abastece a usina de etanol da Cosan S.A., maior exportadora de um combustível que políticos vendem mundo afora como uma alternativa limpa e renovável.” Assim começa a reportagem da revista estadunidense Bloom- berg Markets (novembro de 2007) dedicada ao controvertido boom do etanol brasileiro. Segundo dados do Ministério do Trabalho, quase 6 mil escra- vos foram libertados em 2007 no Brasil pelas equipes do Grupo Móvel de Fiscalização e pelas Superintendências Regionais do Trabalho (ex-DRTs), resgatados de situações tão degradantes que conguravam a chamada “condi- ção análoga à de escravo”. A localização geográca des- tes resgates é instrutiva: 1.064 foram encontrados no Pará (usi- na Pagrisa), 1.509 no Mato Gros- so do Sul (1.011 índios na usina Debrasa, do Grupo José Pessoa e 498 na Dicol-Iguatemi), além de 113 em Goiás. Embora agrante de trabalho escravo seja bem mais raro nos canaviais que na pecuária, pela terceira vez em três anos, o recorde em liberta- ção de escravos no Brasil é con- quistado por canaviais. Concentração de terra O plantio da cana-de-açúcar e a industrialização do açúcar e álcool no Brasil sempre foram marcados pela exploração abu- siva do trabalho. Muitas vezes em condições tão insalubres e desumanas que, passada a abolição legal da escravidão, continuaram congurando um padrão assemelhado. De fato, o modelo característico assumido pela exploração dessa atividade agroindustrial em nosso país (grandes extensões de terras e monocultura) somente poderia ser sustentado com larga explo- ração da mão-de-obra humana. Assim, no que se refere ao mundo do trabalho, as carac- terísticas e os efeitos típicos da atividade sucro-alcooleira brasileira sempre foram claros: sub-emprego; trabalho infantil; trabalho clandestino; jornadas exaustivas; trabalho análogo ao de escravo; agressões à saúde; migração forçada; entre outros. A introdução dessa lavoura no Brasil, no período colonial, foi um dos fatores principais para a introdução da mão-de-obra escrava de negros e índios, cujos efeitos trágicos perduram até hoje, inclusive na brutal exclusão social, secularmente existente entre nós. Na fase posterior à escravidão, com o surgimento do trabalho assalariado, a super-ex- ploração do trabalho na lavoura canavieira continuou se intensi- cando, adquirindo novas formas e sempre gerando relações de trabalho de péssima qualidade. Após o encerramento do ciclo escravista, esse perl explorador adquiriu um novo formato e foi se ampliando, a partir da déca- da de 1930, com a criação do Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) e das suas políticas pú- blicas que incentivaram o atual modelo, por meio da criação das “grandes usinas”, consolidando o m das pequenas unidades produtivas denominadas “enge- nhos bangüês”. Nessa nova fase, a produção industrial, a terra e a renda gerada passaram a ser de- nitivamente concentradas nas mãos da nova classe empresa- rial que surgiu subsidiada pelos recursos públicos: os usineiros. Nesse quadro histórico, concentrou-se o poder político e econômico nas mãos dos usi- neiros, em detrimento de alter- nativas de desenvolvimento que contemplassem os trabalhado- res, os municípios e a população das áreas de concentração da cana. Em conseqüência disso, as políticas públicas brasileiras nos espaços canavieiros sem- pre foram voltadas quase ex- clusivamente às demandas dos latifundiários, em prejuízo dos trabalhadores, de seus direitos e de sua cidadania. Exemplo típico foi o modelo adotado para a criação do Proál- cool, nas décadas de 1970 e 1980, gerando gravíssimos impactos no mundo do trabalho e no meio ambiente, com a expansão da cana para áreas impróprias para o seu cultivo, no clima e na topo- graa. Nessa fase, conclui-se a destruição de quase toda Mata Atlântica da região e, sobretu- do, a destruição dos pequenos sítios onde havia lavouras de subsistência dos trabalhadores, bem como das casas nas áreas rurais, para evitar as garantias conferidas pela justiça traba- lhista. Com isso, os trabalha- dores foram forçados a residir nas periferias dos municípios canavieiros e, em conseqüência, tornaram-se estoques compul- sórios de bóias-frias, recrutados clandestinamente, sem contra- tos de trabalho e, obviamente, extremamente vulneráveis à super-exploração do trabalho. Na década de 1990, o setor se modernizou tecnologicamente, ampliando a mecanização no campo e reduzindo intensamente os postos de trabalho. A super- exploração do trabalho também se intensicou nessa fase, pois o setor passou a ampliar ainda mais o plantio de cana-de-açúcar, com um número cada vez menor de trabalhadores empregados, pas- sando a exigir deles a execução de tarefas diárias ainda maiores, sob pena de não contratação ou de demissão. O aumento crônico do desemprego favoreceu – e muito – a nova estratégia empre- sarial (mecanização, combinada com a redução da mão-de-obra e com a ampliação do plantio e das tarefas manuais), sujeitando os trabalhadores às exigências dos patrões. Precarização O modelo de expansão de mo- nocultivos e de concentração da terra, abertamente apoiado pelas opções governamentais em favor do agronegócio, agravou o qua- dro de miséria e de tensão social, típico das regiões canavieiras, bem como impossibilitou outras alternativas de trabalho e de pro- dução agrícola familiar. Progressivamente expulsos das áreas rurais, os trabalhado- res desempregados passaram a residir nas periferias dos muni- cípios, excluídos socialmente e sendo utilizados pelas empresas e empreiteiros de mão-de-obra como bóias-frias, ou seja, como trabalhadores clandestinos con- tratados como força de trabalho barata para os períodos de safra. São produtos diretos deste modelo a ampliação do mono- pólio das terras, das indústrias e do poder político pelos grandes proprietários; o agravamento da concentração fundiária; a de- predação ambiental; a violência contra os trabalhadores e as suas organizações; o crônico descum- primento das obrigações traba- lhistas e tributárias; a geração de trabalho degradante; a debilita- ção da saúde dos trabalhadores; a ampliação da exclusão sócio- econômica; a produção da fome em larga escala. Desemprego Nos últimos 10 anos, apesar do setor canavieiro ter se bene- ciado com uma grande expansão, o desemprego tem permanecido intenso nas principais áreas canavieiras brasileiras. Em São Paulo, tem ocorrido uma grande liberação de mão-de-obra per- manente, em decorrência dos cortes nos custos de produção. As usinas plantam e colhem cada vez mais cana com um menor número de trabalhadores. Este processo está associado à am- pliação da mecanização, em meio a crescentes fusões de empresas. Também em Alagoas e em Pernambuco, o quadro de desemprego tem sido crítico porque, além da pressão para reduzir custos, essas regiões têm atravessado profunda crise estrutural, com fechamento de várias empresas e migração de empresas para o Centro-Sul e Centro-Oeste do país. O amplo desemprego nas áre- as canavieiras tem possibilitado a xação de níveis excessivos de trabalho em condições in- salubres, bem como o descum- primento crônico da legislação trabalhista. Também tem facili- tado a “contratação” (ou melhor, o aliciamento) de trabalhadores de outros Estados ou de outras regiões do mesmo Estado, alo- jando-os em condições precárias durante toda a safra para evitar a sindicalização, as reivindicações organizadas e as ações na Justiça do Trabalho. Por sua vez, a terceirização se expandiu por meio da utilização, pelas empresas, de falsas coope- rativas rebatizadas pelos traba- lhadores como “coopergatos”, com contratações temporárias e clandestinas, para burlar as obrigações legais do vínculo de emprego e dos encargos sociais e para precarizar as relações trabalhistas, o que gera um am- biente extremamente propício à super-exploração do trabalho e ao surgimento de situações de regime de semi-escravidão. Este quadro de desemprego, de terceirização, de falta de al- ternativas de trabalho, de êxodo rural, de resistência e luta dos trabalhadores demitidos em busca de seus mínimos direitos trabalhistas e da reforma agrária, faz com que as áreas canavieiras tornem-se focos de tensão, con- itos e violência. O futuro Se as imensas distorções his- tóricas causadas por esse setor foram produzidas enquanto a cana era transformada priori- tariamente em “alimento” ou “insumo de alimento” (o ciclo do açúcar), o que poderá ocorrer com o novo ciclo do álcool para a produção de “energia”? É necessária uma articulada e vigorosa reação da sociedade para evitar que as perspecti- vas de intenso e desordenado crescimento dos canaviais e da internacionalização dessa atividade se consolidem. É inevitável concluir que o setor sucro-alcooleiro se desenvolveu (apesar de todas as mazelas so- ciais e ambientais que causou) como produto direto da ação equivocada do Estado, através de favores jurídicos e de milio- nários incentivos com recursos públicos. Sua expansão somente terá condições de ocorrer se o Estado continuar favorecendo esse setor por meio de recursos e políticas de órgãos estratégi- cos como BNDES, Petrobras, Banco do Brasil, IBAMA, entre outros. As políticas públicas conti- nuam determinando o tamanho desse setor e seus impactos so- ciais, econômicos e ambientais. Então, a sociedade organizada não pode permitir que recursos públicos nanciem combustí- veis baratos para os tanques às custas da depredação ambiental, da super-exploração do trabalho, da ampliação da concentração de terras e de renda, da fome do po- vo brasileiro. Desde a fase das capitanias hereditárias até os latifúndios da atualidade, desde as plantations coloniais até a monocultura extensiva do agronegócio con- temporâneo, desde os escravos dos séculos XVI ao XIX até os as- salariados super-explorados dos séculos XX e XXI: até quando vamos permitir a continuidade deste modelo? Bruno Ribeiro de Paiva é advogado da Comissão Pastoral da Terra (CPT), da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Pernambuco (FETAPE) e de trabalhadores rurais do setor sucro-alcooleiro. Xavier Plassat é coordenador da Campanha Nacional da CPT contra o Trabalho Escravo. Para assinar o jornal Brasil de Fato, ligue (11) 2131-0812 /2131-0808 ou mande mensagem eletrônica para: [email protected] Para anunciar, ligue (11) 2131-0815 A terceirização se expandiu por meio da utilização, pelas empresas, de falsas cooperativas rebatizadas pelos trabalhadores como “coopergatos”, com contratações temporárias e clandestinas, para burlar as obrigações legais do vínculo de emprego e dos encargos sociais e para precarizar as relações trabalhistas Expulsos das áreas rurais, os trabalhadores desempregados passaram a residir nas periferias dos municípios, excluídos socialmente e sendo utilizados pelas empresas e empreiteiros de mão-de-obra como bóias-frias, ou seja, como trabalhadores clandestinos contratados como força de trabalho barata para os períodos de safra Editor-chefe: Nilton Viana Editores: Jorge Pereira Filho, Marcelo Netto Rodrigues, Luís Brasilino Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Eduardo Sales de Lima, Igor Ojeda, Mayrá Lima, Pedro Carrano, Renato Godoy de Toledo, Tatiana Merlino Fo- tógrafos: Carlos Ruggi, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga (in memoriam), João R. Ripper, João Zinclar, Joka Madruga, Leonardo Melgarejo, Maurício Scerni Ilustradores: Aldo Gama, Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni Editor de Arte: Rodrigo Itoo Pré-Impressão: Helena Sant’Ana Revisão: Maria Elaine Andreoti Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 Administração: Valdinei Arthur Siqueira Programação: Equipe de sistemas Assinaturas: Salvador José Soares Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 – Campos Elíseos – CEP 01218-010 – Tel. (11) 2131-0800 – São Paulo/SP – [email protected] Gráfica: FolhaGráfica Conselho Editorial: Alípio Freire, Altamiro Borges, Antonio David, César Sanson, Frederico Santana Rick, Hamilton Octavio de Souza, João Pedro Baresi, Kenarik Boujikian Felippe, Leandro Spezia, Luiz Antonio Magalhães, Luiz Bassegio, Luiz Dallacosta, Marcela Dias Moreira, Maria Luísa Mendonça, Mario Augusto Jakobskind, Milton Viário, Nalu Faria, Neuri Rosseto, Pedro Ivo Batista, Ricardo Gebrim, Temístocles Marcelos, Valério Arcary, Vito Giannotti Assinaturas: (11) 2131- 0812/ 2131-0808 ou [email protected] Para anunciar: (11) 2131-0815

Upload: others

Post on 03-Aug-2020

0 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: 2 fevereiro de 2008 Etanol: energia ou morte? - social.org.br · social, secularmente existente entre nós. Na fase posterior à escravidão, com o surgimento do trabalho assalariado,

fevereiro de 20082

agrocombustíveis

Etanol: energia ou morte?TRABALHO Em 2007, 6 mil trabalhadores foram resgatados de situações que configuravam “condição análoga à de escravo”

Maringoni

Bruno Ribeiro de Paiva e Xavier Plassat

“CORPO DOBRADO e podão na mão, Manoel Rodrigues da Silva corta cana num canavial que se estende a perder de vista. De re-pente, sente tontura e, por força, tem que parar. Não é a primeira vez que isso lhe acontece. Já so-freu enxaquecas e dores em toda parte, tendo que fi car parado por dias a fi o e até ser internado. Sua remuneração e seu emprego dependem de quanta cana con-segue cortar por dia. O canavial abastece a usina de etanol da Cosan S.A., maior exportadora de um combustível que políticos vendem mundo afora como uma alternativa limpa e renovável.” Assim começa a reportagem da revista estadunidense Bloom-berg Markets (novembro de 2007) dedicada ao controvertido boom do etanol brasileiro.

Segundo dados do Ministério do Trabalho, quase 6 mil escra-vos foram libertados em 2007 no Brasil pelas equipes do Grupo Móvel de Fiscalização e pelas Superintendências Regionais do Trabalho (ex-DRTs), resgatados de situações tão degradantes que confi guravam a chamada “condi-ção análoga à de escravo”.

A localização geográfi ca des-tes resgates é instrutiva: 1.064 foram encontrados no Pará (usi-na Pagrisa), 1.509 no Mato Gros-so do Sul (1.011 índios na usina Debrasa, do Grupo José Pessoa e 498 na Dicol-Iguatemi), além de 113 em Goiás. Embora fl agrante de trabalho escravo seja bem mais raro nos canaviais que na pecuária, pela terceira vez em três anos, o recorde em liberta-ção de escravos no Brasil é con-quistado por canaviais.

Concentração de terraO plantio da cana-de-açúcar

e a industrialização do açúcar e álcool no Brasil sempre foram marcados pela exploração abu-siva do trabalho. Muitas vezes em condições tão insalubres e desumanas que, passada a abolição legal da escravidão, continuaram confi gurando um padrão assemelhado. De fato, o modelo característico assumido pela exploração dessa atividade agroindustrial em nosso país (grandes extensões de terras e monocultura) somente poderia ser sustentado com larga explo-ração da mão-de-obra humana.

Assim, no que se refere ao mundo do trabalho, as carac-terísticas e os efeitos típicos da atividade sucro-alcooleira brasileira sempre foram claros: sub-emprego; trabalho infantil; trabalho clandestino; jornadas exaustivas; trabalho análogo ao de escravo; agressões à saúde; migração forçada; entre outros.

A introdução dessa lavoura no Brasil, no período colonial, foi um dos fatores principais para a introdução da mão-de-obra escrava de negros e índios, cujos

efeitos trágicos perduram até hoje, inclusive na brutal exclusão social, secularmente existente entre nós. Na fase posterior à escravidão, com o surgimento do trabalho assalariado, a super-ex-ploração do trabalho na lavoura canavieira continuou se intensifi -cando, adquirindo novas formas e sempre gerando relações de trabalho de péssima qualidade.

Após o encerramento do ciclo escravista, esse perfi l explorador adquiriu um novo formato e foi se ampliando, a partir da déca-da de 1930, com a criação do Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) e das suas políticas pú-blicas que incentivaram o atual modelo, por meio da criação das “grandes usinas”, consolidando o fi m das pequenas unidades produtivas denominadas “enge-nhos bangüês”. Nessa nova fase, a produção industrial, a terra e a renda gerada passaram a ser de-fi nitivamente concentradas nas mãos da nova classe empresa-rial que surgiu subsidiada pelos recursos públicos: os usineiros.

Nesse quadro histórico, concentrou-se o poder político e econômico nas mãos dos usi-neiros, em detrimento de alter-nativas de desenvolvimento que contemplassem os trabalhado-res, os municípios e a população das áreas de concentração da cana. Em conseqüência disso, as políticas públicas brasileiras nos espaços canavieiros sem-pre foram voltadas quase ex-clusivamente às demandas dos latifundiários, em prejuízo dos trabalhadores, de seus direitos e de sua cidadania.

Exemplo típico foi o modelo adotado para a criação do Proál-cool, nas décadas de 1970 e 1980, gerando gravíssimos impactos no mundo do trabalho e no meio ambiente, com a expansão da cana para áreas impróprias para o seu cultivo, no clima e na topo-grafi a.

Nessa fase, conclui-se a destruição de quase toda Mata Atlântica da região e, sobretu-do, a destruição dos pequenos sítios onde havia lavouras de subsistência dos trabalhadores, bem como das casas nas áreas rurais, para evitar as garantias conferidas pela justiça traba-lhista. Com isso, os trabalha-dores foram forçados a residir nas periferias dos municípios canavieiros e, em conseqüência, tornaram-se estoques compul-

sórios de bóias-frias, recrutados clandestinamente, sem contra-tos de trabalho e, obviamente, extremamente vulneráveis à super-exploração do trabalho.

Na década de 1990, o setor se modernizou tecnologicamente, ampliando a mecanização no campo e reduzindo intensamente os postos de trabalho. A super-exploração do trabalho também se intensifi cou nessa fase, pois o setor passou a ampliar ainda mais o plantio de cana-de-açúcar, com um número cada vez menor de

trabalhadores empregados, pas-sando a exigir deles a execução de tarefas diárias ainda maiores, sob pena de não contratação ou de demissão. O aumento crônico do desemprego favoreceu – e muito – a nova estratégia empre-sarial (mecanização, combinada com a redução da mão-de-obra e com a ampliação do plantio e das tarefas manuais), sujeitando os trabalhadores às exigências dos patrões.

PrecarizaçãoO modelo de expansão de mo-

nocultivos e de concentração da terra, abertamente apoiado pelas opções governamentais em favor do agronegócio, agravou o qua-dro de miséria e de tensão social, típico das regiões canavieiras, bem como impossibilitou outras alternativas de trabalho e de pro-dução agrícola familiar.

Progressivamente expulsos das áreas rurais, os trabalhado-res desempregados passaram a residir nas periferias dos muni-cípios, excluídos socialmente e sendo utilizados pelas empresas e empreiteiros de mão-de-obra como bóias-frias, ou seja, como trabalhadores clandestinos con-tratados como força de trabalho barata para os períodos de safra.

São produtos diretos deste modelo a ampliação do mono-pólio das terras, das indústrias e do poder político pelos grandes proprietários; o agravamento da concentração fundiária; a de-predação ambiental; a violência contra os trabalhadores e as suas organizações; o crônico descum-primento das obrigações traba-lhistas e tributárias; a geração de

trabalho degradante; a debilita-ção da saúde dos trabalhadores; a ampliação da exclusão sócio-econômica; a produção da fome em larga escala.

DesempregoNos últimos 10 anos, apesar

do setor canavieiro ter se benefi -ciado com uma grande expansão, o desemprego tem permanecido intenso nas principais áreas canavieiras brasileiras. Em São Paulo, tem ocorrido uma grande liberação de mão-de-obra per-manente, em decorrência dos cortes nos custos de produção. As usinas plantam e colhem cada vez mais cana com um menor número de trabalhadores. Este processo está associado à am-pliação da mecanização, em meio a crescentes fusões de empresas.

Também em Alagoas e em Pernambuco, o quadro de desemprego tem sido crítico porque, além da pressão para reduzir custos, essas regiões têm atravessado profunda crise estrutural, com fechamento de várias empresas e migração de empresas para o Centro-Sul e Centro-Oeste do país.

O amplo desemprego nas áre-as canavieiras tem possibilitado a fi xação de níveis excessivos de trabalho em condições in-salubres, bem como o descum-primento crônico da legislação trabalhista. Também tem facili-tado a “contratação” (ou melhor, o aliciamento) de trabalhadores de outros Estados ou de outras regiões do mesmo Estado, alo-jando-os em condições precárias durante toda a safra para evitar a sindicalização, as reivindicações

organizadas e as ações na Justiça do Trabalho.

Por sua vez, a terceirização se expandiu por meio da utilização, pelas empresas, de falsas coope-rativas rebatizadas pelos traba-lhadores como “coopergatos”, com contratações temporárias e clandestinas, para burlar as obrigações legais do vínculo de emprego e dos encargos sociais e para precarizar as relações trabalhistas, o que gera um am-biente extremamente propício à super-exploração do trabalho e ao surgimento de situações de regime de semi-escravidão.

Este quadro de desemprego, de terceirização, de falta de al-ternativas de trabalho, de êxodo rural, de resistência e luta dos trabalhadores demitidos em busca de seus mínimos direitos trabalhistas e da reforma agrária, faz com que as áreas canavieiras tornem-se focos de tensão, con-fl itos e violência.

O futuroSe as imensas distorções his-

tóricas causadas por esse setor foram produzidas enquanto a cana era transformada priori-tariamente em “alimento” ou “insumo de alimento” (o ciclo do açúcar), o que poderá ocorrer com o novo ciclo do álcool para a produção de “energia”?

É necessária uma articulada e vigorosa reação da sociedade para evitar que as perspecti-vas de intenso e desordenado crescimento dos canaviais e da internacionalização dessa atividade se consolidem. É inevitável concluir que o setor sucro-alcooleiro se desenvolveu (apesar de todas as mazelas so-ciais e ambientais que causou) como produto direto da ação equivocada do Estado, através de favores jurídicos e de milio-nários incentivos com recursos públicos. Sua expansão somente terá condições de ocorrer se o Estado continuar favorecendo esse setor por meio de recursos e políticas de órgãos estratégi-cos como BNDES, Petrobras, Banco do Brasil, IBAMA, entre outros.

As políticas públicas conti-nuam determinando o tamanho desse setor e seus impactos so-ciais, econômicos e ambientais. Então, a sociedade organizada não pode permitir que recursos públicos fi nanciem combustí-veis baratos para os tanques às custas da depredação ambiental, da super-exploração do trabalho, da ampliação da concentração de terras e de renda, da fome do po-vo brasileiro.

Desde a fase das capitanias hereditárias até os latifúndios da atualidade, desde as plantations coloniais até a monocultura extensiva do agronegócio con-temporâneo, desde os escravos dos séculos XVI ao XIX até os as-salariados super-explorados dos séculos XX e XXI: até quando vamos permitir a continuidade deste modelo?

Bruno Ribeiro de Paiva é advogado

da Comissão Pastoral da Terra (CPT),

da Federação dos Trabalhadores na

Agricultura do Estado de Pernambuco

(FETAPE) e de trabalhadores rurais do

setor sucro-alcooleiro.

Xavier Plassat é coordenador da

Campanha Nacional da CPT contra o

Trabalho Escravo.

Para assinar o jornal Brasil de Fato,

ligue (11) 2131-0812 /2131-0808ou mande mensagem eletrônica para:

[email protected] Para anunciar,

ligue (11) 2131-0815

A terceirização se expandiu por meio da utilização, pelas empresas, de falsas cooperativas rebatizadas pelos trabalhadores como “coopergatos”, com contratações temporárias e clandestinas, para burlar as obrigações legais do vínculo de emprego e dos encargos sociais e para precarizar as relações trabalhistas

Expulsos das áreas rurais, os trabalhadores desempregados passaram a residir nas periferias dos municípios, excluídos socialmente e sendo utilizados pelas empresas e empreiteiros de mão-de-obra como bóias-frias, ou seja, como trabalhadores clandestinos contratados como força de trabalho barata para os períodos de safra

Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Jorge Pereira Filho, Marcelo Netto Rodrigues, Luís Brasilino • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Eduardo Sales de Lima, Igor Ojeda, Mayrá Lima, Pedro Carrano, Renato Godoy de Toledo, Tatiana Merlino • Fo-

tógrafos: Carlos Ruggi, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga (in memoriam), João R. Ripper, João Zinclar, Joka Madruga, Leonardo Melgarejo, Maurício Scerni • Ilustradores: Aldo Gama, Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni • Editor de Arte: Rodrigo Itoo • Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Maria Elaine Andreoti • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Salvador José Soares • Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 – Campos Elíseos – CEP 01218-010 – Tel. (11) 2131-0800 – São Paulo/SP – [email protected] • Gráfi ca: FolhaGráfi ca • Conselho Editorial: Alípio Freire, Altamiro Borges, Antonio David, César Sanson, Frederico Santana Rick, Hamilton Octavio de Souza, João Pedro Baresi, Kenarik Boujikian Felippe, Leandro Spezia, Luiz Antonio Magalhães, Luiz Bassegio, Luiz Dallacosta, Marcela Dias Moreira, Maria Luísa Mendonça, Mario Augusto Jakobskind, Milton Viário, Nalu Faria, Neuri Rosseto, Pedro Ivo Batista, Ricardo Gebrim, Temístocles Marcelos, Valério Arcary, Vito Giannotti • Assinaturas: (11) 2131- 0812/ 2131-0808 ou [email protected] Para anunciar: (11) 2131-0815