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N.º 34 1º TRIMESTRE 2012 N.º 30

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N.º 34

1º TRIMESTRE 2012 N.º 30

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DIRECTOR

Dr. António Banhudo

SUB DIRECTOR

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CONSELHO EDITORIAL

Prof. Doutor Carlos Almeida

Dra. Ana Maria Correia

Dra. Ana Maria Quelhas

Dr. António Gouveia

Dra. Maria Eufémia Calmeiro

Dra. Isabel Duque

Dra. Maria Eugénia André

Dr. Pedro Silva Vaz

CONSELHO REDACTORIAL

Prof. Doutor Manuel Nunes

Dra. Ana Caldeira

Enf. André Mendes

Dr. Carlos Lozoya

Dra. Gina Melo

Dr. Joaquim Serrasqueiro

Dr. Jorge Monteiro

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Dr. Rui Alves Filipe

Dr. Rui Sousa

Dra. Tânia Gonçalves

CONSELHO CIENTÍFICO

Prof. Doutor Alves de Moura (Medicina Interna)Prof. Doutor Alberto Barros (Genética)Prof. Doutor Artur Paiva (Cuidados Intensivos)Prof. Doutor Daniel Serrão (Ética)Prof. Doutor Filipe Caseiro Alves (Imagiologia)Prof. Doutor Guilherme Tralhão (Cirurgia)Prof. Doutor Massano Cardoso (Epid./Med. Preventiva)Prof. Doutor Nascimento Costa (Medicina Interna)Prof. Doutora Paula Sapeta (Enf. Medico Cirúrgica/Cuidados Paliativos)Prof. Doutor Rui Marinho (Hepatologia)Prof. Doutor Sérgio Deodato (Direito da Saúde)Dra. Almerinda Silva (Pediatra)Dra. Ângela Trindade (Enfermagem Saúde Materno-Infantil)Dr. António João (Gestão de Serviços de Saúde)Dr. António Lourenço Marques (Cuidados Paliativos)Dra. Arnandina Loureiro (Cirurgia Geral)Dr. Augusto Lourenço (Cirurgia Geral)Dra. Beatriz Craveiro Lopes (Dor)Dr. Carlos Gomes (Saude Mental)Dr. Carlos Maia (Enfermagem Reabilitação)Dra. Emília Bengala (Enfermagem Saude Infantil)Dr. Ernesto Rocha (Nefrologia)Dra. Helena Garcia (Anatomia Patológica)Dr. João Fonseca (Urologia)Dr. João Frederico (Cuidados Intensivos)Dr. João Morais (Cardiologia)Dr. Luís Correia (Gestão)Dr. Pedro Henriques (Medicina Interna)Dr. Reis Pereira (Medicina Interna)Dra. Rute Crisóstomo (Fisioterapia)Dr. Sanches Pires (Medicina Geral e Familiar)Dra. Sandra Queimado (Farmácia)Dr. Sérgio Barroso (Oncologia)

PROPRIEDADE

Unidade Local de Saúde de Castelo BrancoAnotada no Instituto da Comunicação SocialDepósito Legal - 105483/96eISSN - 2182-2603Latindex - Revista de Saúde Amato Lusitano 5057

CONTACTOS

Av. Pedro Àlvares Cabral 6000-085 Castelo [email protected] 000 245 (Patricia Minhós)

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ARTIGO ORIGINAL - PÁG. 6 À PÁG. 11Um estudo Longitudinal sobre qualidade de vida empacientes submetidos a cirurgia oncológica na ULS

de Castelo Branco mediante a aplicação do SF-36

ARTIGO ORIGINAL - PÁG. 12 À PÁG. 18Matriz para equilibrio de feridasUma opção terapêutica no tratamento de feridas cró-

nicas

ARTIGO ORIGINAL - PÁG. 19 À PÁG. 24Cólica - A dor que desespera

ARTIGO DE REVISÃO - PÁG. 25 À PÁG. 27Troponina I e disfunção cardíaca na SEPSIS

CASO CLÍNICO - PÁG. 28 À PÁG. 31Cirrose Biliar primária AMA negativa: Caso Clínico

CASO CLÍNICO - PÁG. 32 À PÁG. 36Linfoma Malt do pulmão - Um caso clínico

CASO CLÍNICO - PÁG 37 À PÁG. 40Quisto do mesentério: uma rara causa de dor abdo-

minal

CASO CLÍNICO- PÁG. 41 À PÁG. 47Gastroenterite Eosinofílica - A propósito de um casoclínico

IMAGEM EM MEDICINA- PÁG. 48 À PÁG. 49Lesão de contacto (térmica) do reto e junçãoretossigmoideia

CENTÚRIAS- PÁG. 50 À PÁG. 51CURA IXEm que se trata dum Esfacelo, isto é, duma chagaque destrói o cérebro

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Dr. António Banhudo

Avançamos agora com o segundo número da nova erada Revista de Saúde Amato Lusitano.Mantemos a abrangência, incluindo artigos produzidospor autores de grupos sócio-profissionais da saúde, di-versos, mas unidos pelo interesse em colocar a investi-gação clínica e a actualização de conhecimentos aoserviço do doente.Em 3 artigos originais o alívio do sofrimento do doentee ou a avaliação da sua qualidade de vida representamo denominador comum, recordando aos nossos leitoresser este um imperativo ético que a moderna tecnologiaao Serviço da Saúde deve reforçar.O artigo de revisão aborda uma patologia, frequente-mente letal, em que a identificação precoce de factoresque determinam o prognóstico pode permitir optimizaras opções de diagnóstico e terapêutica, concorrendoassim para melhorar o resultado final.Na rubrica Casos Clínicos integramos trabalhos proveni-entes de grupos de Unidades Hospitalares diversas daregião Centro. Estes profissionais confiaram–nos o resul-tado do seu empenhamento na actividade clínica e qui-seram partilhar a vivência dos casos que considerarammais relevantes.Encerramos com um excerto das “Centúrias” do inesque-cível João Rodrigues de Castelo Branco (Amato Lusita-no).A confiança de todos os autores que nos enviaram tra-balhos para publicação é para nós um estímulo paramelhorar a eficácia da gestão editorial.

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UM ESTUDO LONGITUDINAL SOBRE QUALIDADE DEVIDA EM PACIENTES SUBMETIDOS A CIRURGIAONCOLÓGICA NA ULS DE CASTELO BRANCO MEDIANTEA APLICAÇÃO DO SF-36

Sara MORGADO NUNES1, Ana MONTEIRO2, Luísa RATO3

1 DOUTORADA EM ESTATÍSTICA APLICADA, PROFESSORA ADJUNTA DO INSTITUTO POLITÉCNICO DE CASTELO BRANCO2 LICENCIADA EM ENFERMAGEM, A EXERCER FUNÇÕES NO SERVIÇO DE CIRURGIA - HOMENS DA ULS DE CASTELO BRANCO3 LICENCIADA EM ENFERMAGEM, ENFERMEIRA CHEFE DO SERVIÇO DE CIRURGIA - HOMENS DA ULS DE CASTELO BRANCO

Correspondência do Autor: Sara Morgado NunesEmail: [email protected]

REVISTA DE SAÚDE AMATO LUSITANO 2012; 30:6-116

A Longitudinal Study of Quality of Life in Patients undergoing Surgical Oncology at ULS Castelo Branco by

applying the SF-36

SUMÁRIO

Uma necessidade que surge com frequência em estudosde Qualidade de Vida é a detecção de alterações ocor-ridas ao nível da auto-percepção dos pacientes ao lon-go do tempo. Avaliar a percepção que pacientesoncológicos possuem sobre a sua Qualidade de Vida émuitas vezes difícil já que, juntamente com as altera-ções reais, os pacientes alteram muitas vezes a sua es-cala de medida (recalibração), as suas prioridades(repriorização) ou, inclusivamente, o que antes entendi-am por Qualidade de Vida (reconceptualização). Comeste estudo pretende-se avaliar a Qualidade de Vida empacientes com diversos tipos de neoplasias a ser segui-dos na ULS de Castelo Branco. Em particular pretende-seestudar a ocorrência de alterações ao nível da auto-per-cepção destes pacientes durante os meses subsequen-tes à cirurgia. Detectaram-se alterações ao nível das di-mensões Dor Corporal, Funcionamento Físico e Desem-penho Físico.Palavras-Chave: Qualidade de Vida Relacionada com aSaúde, Response Shift, SF-36 e Cancro.

ABSTRACT

A question that arises frequently in Quality of Lifestudies is the detection of changes in self-perceivedhealth related quality of l ife. To evaluate theperception that cancer patients have about theirQuality of Life is often a difficult task because, beyondthe real changes, patients change their internalstandards (recalibration), values (reprioritization), orhow they define Quality of Life (reconceptualization).The objective of this study is to assess changes in self-perceived health related quality of life in a group ofpatients with various types of cancer followed in theULS de Castelo Branco. We study the occurrence ofchanges in self-perception of these patients duringmonths after surgery and we detected changes in thedimensions Body Pain, Physical Functioning and RolePhysical.Key-Words: Health Related Quality of Life, Response Shift,SF-36 and Cancer.

1. INTRODUÇÃO

Em geral, o conceito de Qualidade de Vida refere-se anoções como riqueza, lazer, autonomia, liberdade, ouseja, tudo o que proporcione um quotidiano agradável.Para um paciente, Qualidade de Vida é um conceito rela-tivo uma vez que se refere ao seu nível de satisfação emfunção das possibilidades actuais, comparadas com

aquelas que crê serem possíveis ou ideais(1). O conceito

de Qualidade de Vida Relacionada com a Saúde (QVRS)

é necessariamente diferente do conceito de Qualidade

de Vida global. Ainda que cada paciente possua a sua

escala de valores, é possível encontrar elementos co-

muns e construir um conceito operacional. Em realidade,

não existe uma definição única de QVRS, no entanto

podemos descrevê-la, de forma funcional, como a per-

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cepção dos pacientes sobre as suas capacidades em

quatro dimensões importantes: bem-estar físico e acti-vidades quotidianas, bem-estar psicológico, relaçõessociais e sintomas2. A QVRS é pois um conceitomultidimensional, subjectivo e individual.Nos últimos anos assistiu-se a um aumento significa-tivo do número de estudos e publicações nos quaisse considera a temática da QVRS. Em particular veri-fica-se um interesse crescente em medir QVRS em con-textos de ensaios clínicos destinados a avaliar as-pectos relacionados com uma determinada enfermi-dade ou com as consequências do seu tratamento,como ocorre, frequentemente, em estudos com paci-entes de cancro que são submetidos a diversos tra-tamentos. Uma das razões que estimulou o rápidodesenvolvimento de medidas de QVRS foi o reconhe-cimento crescente da importância de entender o im-pacto de intervenções relacionadas com cuidados desaúde na vida dos pacientes e não unicamente nosseus corpos. De facto, os avanços científicos possi-bilitaram, em muitos casos, obter a cura para muitasenfermidades e noutros estender a vida mais alémdo que se esperaria perante a história natural da en-fermidade. A doença oncológica não é excepção e, paramuitos pacientes, o cancro deixou de ser uma enfermi-dade rapidamente fatal, transformando-se numa enfer-midade crónica que dura meses ou anos, com tratamen-tos complexos e muitas vezes tóxicos. Mais que esten-der o tempo de vida dos pacientes, a preocupação ac-tual é melhorar a QVRS durante esse tempo3. Tal factoassume uma importância particular em pacientes comenfermidades crónicas, sem esperança de cura e emcondições que têm impacto no seu bem-estar físico,psicológico e social4.

2. RESPONSE SHIFT EM QUALIDADE DEVIDA RELACIONADA COM A SAÚDE

Avaliar Qualidade de Vida em pacientes é muitas vezesdifícil porque, juntamente com o “câmbio” real (“câm-

bio” Alpha), muitos pacientes aos quais é diagnostica-do cancro, podem alterar os seus padrões internos demedida (recalibração), os seus valores (repriorização)ou, inclusivamente, reconceptualizar o que antes dodiagnóstico entendiam por Qualidade de Vida (“câmbi-

os” Beta e Gamma). Este fenómeno é denominadoResponse Shift e foi inicialmente referido por Howard &Dailey5 para descrever este fenómeno em indivíduos que

eram submetidos a uma auto-avaliação no contexto daEducação, após terem sido submetidos a um tratamen-to. Posteriormente, Sprangers & Schwartz6 utilizameste termo para abordar a problemática do “câmbio”associado à auto-percepção da QVRS, ainda que con-siderem componentes diferentes das consideradaspor Howard & Dailey5. Segundo a concepção deHoward & Dailey5, Response Shift era equivalente aoconceito de recalibração e correspondia ao “câmbio”Beta descrito por Golembiewski et al7, enquanto paraSprangers & Schwartz6, o conceito tem três dimen-sões e tem paralelo com os “câmbios” Beta e Gamma.O fenómeno de Response Shift é entendido por mui-tos autores como um viés que deve ser eliminadoantes de avaliar o verdadeiro “câmbio” devido a umtratamento. No entanto, em QVRS, este fenómenopode ter interesse em si mesmo. Por exemplo, nassituações em que temos doentes terminais, induzirResponse Shift pode ser algo que os ajuda a percebera sua qualidade de vida de uma forma mais favorá-vel.Com o objectivo de detectar a ocorrência de “câmbio”e, em particular, avaliar o fenómeno de Response Shiftem pacientes com cancro, desenvolveu-se um estudolongitudinal com pacientes a quem foi diagnosticadocarcinoma e que foram submetidos a intervenção cirúr-gica no Serviço de Cirurgia da ULS de Castelo Branco.

3. INSTRUMENTOS, MÉTODO EAMOSTRA

Instrumento para avaliar Qualidade de VidaAlém de um questionário que pretendia recolher infor-mação sociodemográfica, os pacientes preencheram, emdiferentes fases do processo, o Medical Outcomes Study36 – Item Short Form (SF-36)8. Este instrumento avaliaconceitos genéricos de saúde e não se destina especifi-camente a um tipo de diagnóstico ou tratamento. O SF-36 contém 36 itens que se agrupam em 8 escalas: Fun-cionamento Físico (10 itens), Desempenho Físico (4 itens),Dor Corporal (2 itens), Saúde Geral (5 itens), Vitalidade (4itens), Funcionamento Social (2 itens), Desempenho Emo-cional (3 itens), Saúde Mental (5 itens) e um item finalque mede a percepção da alteração do estado de saú-de. As quatro primeiras escalas avaliam a ComponenteFísica e as restantes a Componente Mental. Os itens sãopontuados de forma a que quanto mais elevada é apontuação, melhor será a percepção relativa ao estado

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de saúde. Todos itens são medidos numa escala de Likertde 5 pontos, com excepção dos itens pertencentes àdimensão de Funcionamento Físico, cuja escala de res-posta é de 3 pontos.MétodoOs pacientes preencheram o SF-36 antes e após aintervenção cirúrgica, e cerca de 3 meses após a in-tervenção. Na última etapa procedeu-se a uma apli-cação convencional (Post-Test) e a uma aplicação re-trospectiva em que se pediu aos pacientes que pre-enchessem os dois questionários reportando-se acomo estavam antes da cirurgia (Then-Test), confor-me descreve Howard et al9.AmostraEmbora a amostra inicial fosse constituída por 47 paci-entes, 5 destes abandonaram o estudo ou faleceram,tendo esta investigação sido realizada a partir de umaamostra de 42 pacientes com diagnóstico de carcino-ma, submetidos a intervenção cirúrgica e seguidos naULS de Castelo Branco entre Maio de 2008 e Agostode 2009. Numa primeira fase os dados foram recolhi-dos no Serviço de Cirurgia e posteriormente em algummomento durante na fase de seguimento. Os pacientesforam informados acerca do objectivo do estudo noqual eram livres de participar, foi garantida a

confidencialidade da informação solicitada e preenchi-do o consentimento informado.A Tabela 1 contém a distribuição percentual relativaàs variáveis sociodemográficas mais relevantes naamostra em estudo. A maior parte dos pacientes quecompletou o estudo são homens (61,9%). No momen-to da primeira aplicação a idade média dos pacientesera de 67,86 anos (com um desvio padrão de 9,82anos).A maior parte dos pacientes era casado (71,4%), tinhafilhos (95,2%), estava aposentado (78,6%) e tinha estu-dos primários (73,8%).Registou-se a informação clínica elementar relativa aospacientes em estudo, cuja síntese se apresenta na Ta-bela 2. Os diagnósticos de doença oncológica maisfrequentes foram neoplasias do cólon ou recto (61,9%)e gástricas (31%), havendo casos de outros tipos deneoplasias como as localizadas no útero ou tiróide. Amaior parte dos tumores diagnosticados era local(54,8%) e na maior parte dos casos o peso era estável(42,9%). A terapêutica inicial mais comum foi unicamen-te a cirurgia (85,7%), embora numa fase posterior à ci-rurgia 31% dos pacientes tenham sido submetidos aquimioterapia.Apurou-se ainda que 11,9% dos pacientes já tinha rea-

Tabela 1. Informação sociodemográfica relativa à amostra em estudo

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lizado algum tipo de tratamento no passado, 4,8% ti-nha diagnósticos psiquiátricos anteriores, 40,5% afirmajá ter contactado com alguém com cancro e apenas7,1% tem acompanhamento psicológico durante o pro-cesso de doença.A amostra em estudo é integrada por pacientes comdiferentes diagnósticos e submetidos a distintos tra-tamentos. No entanto, tendo em conta que o objecti-vo deste trabalho se centra em avaliar alterações aonível da autopercepção destes pacientes ao longo doprocesso de tratamento e dado o tremendo impactoproduzido pela doença oncológica e seu tratamento,consideramos que a heterogeneidade da amostra emestudo não compromete a fiabilidade desta investi-gação. Neste sentido trabalharam também Echteld etal 10, Oort et al11, Visser et al12 e Winter et al13, entreoutros.

4. RESULTADOS OBTIDOSA análise estatística dos dados obtidos, realizou-se coma versão 17.0 do software SPSS. O estudo realizadopermitiu confirmar que o SF-36 é um instrumento váli-do para avaliar a percepção que os pacientes em estu-do possuem da sua QVRS.Numa apreciação dos resultados obtidos, iniciou-secom o cálculo dos valores estandardizados para cada

uma das subescalas de ambos os instrumentos. Noentanto, o objectivo do presente estudo não foi tan-to comparar ratios de resposta mas sim detectar aocorrência de Response Shift, medindo alterações aolongo do tempo (14 - 16). A análise desenvolvida passoupela comparação das pontuações obtidas nas váriasdimensões da seguinte forma:- em primeiro lugar procedeu-se à comparação daspontuações obtidas na 1ª Aplicação e no Then-Test deforma a identificar “câmbios” Beta ou Gamma;- só depois de descartada a ocorrência de “câmbios”Beta ou Gamma se compararam as pontuações relati-vas à 1ª Aplicação e Post-Test de forma a identificar“câmbios” Alpha, dado que a ocorrência de “câmbios”Beta ou Gamma pode mascarar a detecção de “câmbi-os” Alpha.

Na Tabela 3 encontram-se as pontuações médias ob-

tidas em cada uma das subescalas do SF-36.Comparando os resultados obtidos na 1ª Aplicação eno Then-Test (o qual se reportava precisamente ao mo-mento da 1ª Aplicação), verifica-se que as pontuaçõesmédias obtidas no Then-Test são superiores às da 1ªAplicação para todas as subescalas, com excepçãodas dimensões Vitalidade e Saúde Mental. Exceptu-ando as duas dimensões referidas, estes resultadosindiciam que, olhando para trás e reportando-se ao

Tabela 2. Informação clínica relativa à amostra em estudo.

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momento anterior à cirurgia, os pacientes tendem aperceber agora como mais positiva a sua QVRS doque percebiam nesse instante. O Teste de Wilcoxonpermitiu identificar a existência de diferenças esta-tisticamente significativas para a dimensão Dor Cor-poral (p=0,030). Talvez a experiência da cirurgia te-nha levado estes pacientes a perceber de outra for-ma o verdadeiro significado da “dor”. Estes resulta-dos indicam a ocorrência de “câmbios” Beta e/ouGamma, traduzindo uma recalibração na escala demedida, uma repriorização ou inclusivamente umareconceptualização do conceito de QVRS para estadimensão. Os pacientes percebem agora de forma di-ferente a dimensão Dor Corporal e tendem a consi-

derar que se encontravam melhor antes da cirurgiado que efectivamente referiram nesse momento.Ao confrontar os resultados obtidos na 1ª Aplicaçãoe Post-Test, verifica-se uma diminuição do nível deQVRS para todas as subescalas, com excepção dasdimensões de Dor Corporal e Saúde Geral, indicandoque, de um modo geral, os pacientes percebem umnível mais baixo de qualidade de vida três meses de-pois da cirurgia, comparativamente ao que aconte-cia antes da cirurgia. Por outro lado, para as dimen-sões Dor Corporal e Saúde Geral obtêm-se pontua-ções médias mais elevadas no Post-Test, indicandoque a qualidade de vida percebida é superior depoisda cirurgia. O Teste de Wilcoxon permitiu identificar

Tabela 3. Pontuações estandardizadas obtidas nas oito subescalas do SF-36.

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diferenças estatisticamente significativas entre aspontuações obtidas na 1ª Aplicação e Post-Test paraas dimensões Funcionamento Físico (p=0,001), De-sempenho Físico (p=0,043) e Dor Corporal (p=0,036).Note-se porém que se tinha identificado a possívelocorrência de “câmbios” Beta ou Gamma precisamentepara a dimensão Dor Corporal, pelo que o “câmbio”Alpha agora identificado não poderá ser consideradocomo tal. Por outro lado, uma vez que, para as di-mensões Funcionamento Físico e Desempenho Físi-co, já tinha sido descartada a ocorrência de “câmbi-os” Beta ou Gamma, este resultado indicia a presençade um “câmbio” Alpha, ou seja, regista-se uma varia-ção real nesta dimensão, que indica uma diminuiçãosignificativa do nível da QVRS percebida para estasdimensões.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O cancro difere, em muitos aspectos, de outras doen-ças crónicas, afectando fortemente o bem-estar físi-co, psicológico e social do paciente. O choque provo-cado pelo diagnóstico, a dor, o stress resultante dostratamentos, as restrições ao desempenho físico e in-telectual, as limitações na actividade diária, o estig-ma social, a vivência de situações que colocam emrisco a vida ou que diminuem a esperança de vida sãofactores inerentes à doença oncológica. Neste con-texto, é extremamente importante que, além da avali-ação clássica, se avalie a percepção que estes paci-entes possuem da sua qualidade de vida ao longo doprocesso de doença, detectando alterações.Avaliar a auto-percepção que os pacientes oncológicospossuem sobre a sua QVRS é muitas vezes difícil por-que, em muitos pacientes, ocorre o fenómeno deResponse Shift que confunde as alterações reais. Esteestudo permitiu confirmar a validade do SF-36 na ava-liação da percepção da QVRS num grupo de pacien-tes oncológicos a ser seguidos na ULS de Castelo Bran-co. Numa aplicação três meses após a cirurgia, desta-ca-se que estes pacientes possuem uma percepçãomais negativa da sua QVRS. Estes resultados apontampara a ocorrência de um “câmbio” Alpha ao Nível dasdimensões Funcionamento Físico e Desempenho Físi-co. Por outro lado, uma avaliação retrospectiva (Then-Test) mostra que três meses depois, os pacientes ten-dem a considerar que antes da cirurgia se encontra-vam menos limitadas em termos de Dor Corporal do

que tinham referido naquele momento. Regista-se poisuma alteração no que diz respeito à dimensão DorCorporal que se pode traduzir numa recalibração daescala de medida, numa repriorização ouinclusivamente numa reconceptualização do concei-to de QVRS para esta dimensão (“câmbios” Beta e/ouGamma).

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MATRIZ PARA EQUILIBRIO DE FERIDASUMA OPÇÃO TERAPÊUTICA NO TRATAMENTO DE FERIDAS CRÓNICAS

Ana MONTEIRO1, Luísa RATO2, Aida PAULINO3

REVISTA DE SAÚDE AMATO LUSITANO 2012; 30:12-18

12

1LICENCIADA EM ENFERMAGEM, A EXERCER FUNÇÕES NO SERVIÇO DE CIRURGIA HOMENS DA ULS DE CASTELO BRANCO2LICENCIADA EM ENFERMAGEM, ENFERMEIRA CHEFE DO SERVIÇO DE CIRURGIA HOMENS DA ULS DE CASTELO BRANCO3 MÉDICA ASSISTENTE HOSPITALAR DE CIRURGIA GERAL

Balance Wound Matrix - An option to have in account when treating chronic wounds

Correspondência do Autor: Email: [email protected]

RESUMO

Os profissionais de saúde são muitas vezes confronta-dos com a difícil decisão de escolha do produto maisadequado no tratamento de feridas crónicas, cuja ges-tão envolve elevados custos materiais e humanos.Na presença de doentes com feridas de difícil cicatriza-ção, a possibilidade de acelerar todo o processocicatricial é uma mais valia que os profissionais de saú-de devem ter em conta.Assim, tendo como objectivo a partilha de experiênciase demonstração de resultados, são expostos três casosde doentes com feridas crónicas onde foi aplicada ma-triz para equilíbrio de feridas. Esta matriz re-equilibra oambiente da ferida crónica, promovendo a cicatrização.

Palavras-chave: Feridas crónicas, Matriz para equilíbriode feridas, cicatrização.

ABSTRACT

Healthcare Professionals are often confronted with thedifficult decision of which dressing to select whentreating chronic wounds, which represents anenormous impact in terms of human and materialresources.Having patients with problems concerning their woundhealing process, the possibility to speed up that processis a most value that healthcare professional should havein account.Having the objective to share experiences and results,there are three different cases of chronic wounds, treatedwith balance wound matrix. This dress re-balances thechronic wound environment to promote healing.

Key-Words: Chronic Wounds, Balance wound matrix,healing process.

INTRODUÇÃOO tratamento de feridas constitui um dos problemas como qual os enfermeiros se confrontam na sua prática diá-ria. É um desafio constante, uma prioridade para grandeparte dos profissionais de saúde, pois acarreta dor, des-conforto, sofrimento para os utentes e família.Contudo, as feridas são frequentemente consideradascomo uma questão secundária, sem muita importância,nem muito interesse; (Agreda,1998)(1). Mas, longe deserem uma questão secundária, as feridas são um im-portante problema de saúde, cuja gestão envolve ele-vados custos materiais e de recursos humanos.Ao longo do tempo, a evolução na área de tratamentode feridas tem sido enorme. A abundância de materialde penso com acção terapêutica diversa no tratamentode feridas desorienta, muitas vezes, quem tem que deci-dir aquando da selecção e utilização do produto maisadequado para cada tipo de ferida. Este facto exige umconhecimento constante e actualizado de todos os pro-fissionais de saúde envolvidos, de modo a alcançar uma

uniformização nas técnicas utilizadas.Na presença de doentes com feridas de difícil cicatriza-ção, com ou sem sinais clínicos de infecção, é frequentea utilização de produtos menos adequados à promo-ção de uma óptima cicatrização destas feridas, do qualo serviço de cirurgia não é excepção.Contudo, surgindo constantemente novos produtos nomercado que parecem traduzir ganhos em eficácia e efi-ciência, e sabendo que é importante aperfeiçoarmos cons-tantemente as nossas práticas, nomeadamente na utili-zação correcta de materiais, procurando o produto certopara cada situação, parece-nos vantajoso partilhar expe-riências que permitam demonstrar esses ganhos.De acordo com a informação que até ao momento dis-púnhamos, o penso de Colagénio e de Celulose Regene-rada Oxidada, com ou sem prata, tem sido utilizado comsucesso no tratamento de feridas crónicas, em que jáforam experimentados vários tratamentos sem sucesso eem que se observa uma fase inflamatória muito prolon-gada no tempo.

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BREVE REVISÃO DE CONCEITOSExiste um conjunto de características que nos permitemdescrever uma ferida, considerando que uma ferida é defini-da como uma interrupção da integridade e das funções dostecidos no corpo2, o profissional de saúde deve ter em con-ta a sua etiologia, intencionalidade (cirúrgica ou traumáti-ca), dimensão (superfície e profundidade) e forma, contami-nação, exsudado (tipo e quantidade), fase da cicatrização etempo de evolução, entre outros3, e assim planear o trata-mento mais adequado.Devido à variedade de feridas existentes no serviço e àcomplexidade da sua cicatrização, restringimos a nossaatenção a feridas crónicas, de difícil cicatrização. A feridacrónica4 é caracterizada por uma solução de continuidadecom perda de substância epitelo-conjuntiva de evoluçãocrónica, com pouca tendência para a cicatrização espontâ-nea. São feridas que cicatrizam por segunda intenção, naqual a epitelização acontece por contracção dos bordosda ferida e a fase de granulação é demorada5.Tratando-se de feridas crónicas, estamos a falar sempre deferidas contaminadas, uma vez que qualquer ferida abertaestá contaminada já que as condições de calor, humidadee meio favorecem a proliferação dos microorganismos exis-tentes à superfície da pele e no meio envolvente. Todas asferidas crónicas são consideradas contaminadas, mas nãonecessariamente infectadas6.São feridas que não seguem o processo normal de cicatri-zação, tendo uma fisiopatologia própria. É então necessá-ria uma abordagem holística do doente, para determinar,com exactidão os factores que levam à interrupção oualteração deste processo, nomeadamente no que diz res-peito à(s) patologia(s) de base, à nutrição e hidratação eaos hábitos de vida do doente (cuidados de higiene, con-sumo de álcool e tabaco e consumo de medicamentos).Quando pensamos em tratamento de feridas...pensamosnos pensos utilizados.Sendo a cicatrização um processo contínuo, é provávelque a escolha do penso numa fase do processo de re-paração da ferida influencie as reacções subsequentesem fases posteriores da cicatrização. O uso do pensoadequado pode influenciar o processo de cicatrização,o conforto, a dor e a qualidade de vida do doente.Muito se tem estudado no sentido de encontrar o pensoideal mas, como é evidente, não existe um penso ideal paratodas as feridas: para cada tipo de ferida e para cada doen-te pode existir um produto mais adequado do que outro.Neste trabalho, vamos centrar-nos em feridas que se en-contram em fase proliferativa, de granulação, pelo queo essencial é mantê-las limpas, favorecendo as condi-ções para uma rápida cicatrização.No processo de cicatrização tecidular há que conside-rar dois grupos de intervenientes muito importantes, asproteases e os factores de crescimento.No exsudado das feridas existem proteases, nas quais

se incluem as metaloproteases da matriz, que se encon-tram em níveis muito elevados em feridas sem sinais deevolução positiva de cicatrização.As proteases desempenham um papel importante naregulação do equilíbrio entre a síntese e a degradaçãotecidular. Numa situação normal a actividade proteolíticaé altamente regulada, havendo um controle na activa-ção e na inibição das enzimas.No entanto, numa ferida crónica, podem ocorrer falhasnum ou mais destes mecanismos de controlo o que con-duz a uma suspensão do processo de cicatrização. Háum aumento anormal da actividade proteolítica, que de-sequilibra a cicatrização da ferida a favor dos processosde destruição, mantendo a ferida numa fase inflamatória.A matriz extracelular recém-formada deteriora-se e inibea formação do tecido de granulação (Yager, 1999)(7).Esta elevada actividade das proteases provoca umainactivação dos factores de crescimento, estes por suavez possuem propriedades quimiotáxicas, proliferativase angiogénicas exercendo os seus efeitos com forçasdiferentes sobre cada tipo individual de célula. Muitosdeles desempenham ainda um papel importante na pro-dução da matriz extracelular, regulando a síntese e adegradação dos tecidos.Nas feridas crónicas pode assistir-se a um desequilíbrioentre a deposição dos tecidos estimulada pelos facto-res de crescimento e a destruição tecidular mediada pelasproteases8.O penso de colagénio e de celulose regenerada oxidadaparece possuir características que lhe permitem fazer umaboa gestão do exsudado, favorecedora da cicatrização emmeio húmido, sendo adequado para feridas que exsudem,sem tecido necrótico e sem sinais visíveis de infecção.Trata-se de um penso estéril, seco, pêlo frio, quase bran-co, com poros abertos, amorfo, composto de colagénio(55%), celulose regenerada oxidada (44%) e prata (1%).O colagénio é a maior proteína do corpo sendo funda-mental para a cicatrização das feridas, existindo estu-dos que têm vindo a demonstrar que estes pensos po-dem actuar como suporte mecânico e como estímulo àmigração de fibroblastos, fomentando a actividade me-tabólica do tecido de granulação. A celulose regenera-da oxidada potencia a inactivação das proteases namatriz extracelular e tem propriedades hemostáticos nasferidas com hemorragia. A acção antimicrobiana combaixos níveis de prata reduz o risco de reinfecção.Assim, este penso quando em contacto com o exsudadoda ferida, transforma-se num gel macio e adaptável,biodegradável, que permite o contacto com todas asáreas da ferida.Deverá ser aplicado sobre a totalidade do leito da feri-da, que na ausência de exsudado, deverá serhumidificado com soro fisiológico, iniciando o processode formação do gel.

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Para uma correcta aplicação deste penso, a ferida deveestar limpa, sem tecido necrótico, que deverá ser remo-vido antes, através do método de desbridamento maisadequado.Sendo um material biodegradável, não é necessário re-mover os resíduos da aplicação anterior aquando dastrocas de penso, evitando assim traumatismo e remo-ção dos tecidos neoformados.Como penso secundário, pode ser utilizado um pensonão aderente ou um penso Hidropolímero, utilizado nes-tes casos, de forma a manter um ambiente húmido paraa cicatrização da ferida. A sua renovação deverá ser fei-ta até cada 72 horas dependendo do nível de exsudado.Este penso está contra-indicado em doentes comhipersensibilidade conhecida aos componentes desteproduto, ou seja, CRO (Celulose Regenerada Oxidada),Colagénio e Prata. Não está indicado em doentes, comqueimaduras extensas.Numa perspectiva de partilha de experiências e resulta-dos, este trabalho pretende verificar/demonstrar as pro-priedades de cicatrização do Penso de Colagénio, Celu-lose regenerada Oxidada e Prata, através de três casosseleccionados, de doentes com feridas crónicas, limpase desbridadas, em fase proliferativa, de granulação, sempresença de sinais locais de infecção e em concordân-cia com o médico assistente.A evolução da ferida foi avaliada através do registo de di-mensões, características do tecido e pele circundante, pre-sença de dor e exsudado, recorrendo a suporte fotográfico.O tratamento foi efectuado conforme recomendado, feitarenovação do penso até cada 72 horas, e previamenteà utilização do colagénio, foi importante preparar o lei-to da ferida, eliminando o tecido desvitalizado, assimcomo despistar sinais de infecção que pudessem atra-sar ou dificultar o processo de cicatrização.O penso de colagénio foi aplicado directamente no lei-to da ferida e coberto com um penso secundário, umPenso Hidropolímero.Na fase final de cicatrização, estando presente tecidoepitelial, e consequente diminuição/ausência deexsudado o penso de colagénio foi previamentehumidificado com soro fisiológico.

CASOS APRESENTADOSCASO 1A.L. é um senhor de 55 anos, solteiro, residente no con-celho de Castelo Branco, que deu entrada no serviço deCirurgia por Fleimão+ Gangrena do 4º dedo do pé direi-to, com ferida com 6 meses de evolução.Este utente apresenta internamentos anteriores no servi-ço por “Mal Perfurante Plantar” ao nível do 2º e 3ºmetatarso do pé direito e posteriormente foi internadocom o diagnóstico de Pé Diabético: Gangrena do 2º e

3º dedos do pé direito onde foi submetido a amputa-ção dos 2º e 3º dedos do pé direito.É um senhor independente, embora apresente algumaslimitações na mobilidade e algumas dificuldades relaci-onadas com ausência/diminuição da acuidade visual.É acompanhado pelo Centro de Dia da sua área de resi-dência, na alimentação, deslocações ao hospital, con-trolo de glicemia e administração de insulina.Como factores gerais que condicionam a cicatrizaçãodesta ferida apresentamos a Hipertensão, DiabetesMellitus tipo 2 há cerca de 20 anos, insulino dependen-te actualmente, e o facto de ter uma diminuição acentu-ada da acuidade visual, o que influencia directamenteos cuidados/vigilância aos pés.À chegada ao serviço apresentava o 4º dedo e todo omembro inferior direito com sinais inflamatórios e umapequena úlcera com exsudado purulento. Por indicaçãomédica o tratamento efectuado à ferida foi a aplicaçãodiária de compressas embebidas em Betadine®.Manteve hiperglicémias e dor importante (>7) avaliadaem escala de dor numérica, com aumento da sua intensi-dade aquando da realização do penso, deambulação,toque, movimento e pressão da roupa da cama. Manteveum fácies triste, humor deprimido que se reflectiu na sa-tisfação das suas necessidades diárias, passando a estarmenos colaborante e mais dependente. Recusouautocuidar-se, alimentar-se e ainda os cuidados inerentesà ferida.Ao 10º dia de internamento foi ao BO onde foi submeti-do a desarticulação do dedo.

A FERIDAResultou uma ferida onde se verifica um leito com pre-sença de tecido de granulação e fibrina, com exsudadoserohemático moderado, pele circundante íntegra. A faceanterior apresentava 10 cm de comprimento × 3 cm delargura. A face posterior apresentava 7 cm de compri-mento × 1 cm de largura. ( Figuras 1 e 2)Após 13 dias de realização de penso com Betadine® econtrolada a carga microbiana local, a proposta foi uti-lizar a Matriz de Equilíbrio de Feridas para acelerar a ci-catrização.Ao fim de duas semanas de aplicação, a ferida apresentoumelhoria franca onde verificamos a existência de tecidode epitelização, acompanhada de redução de exsudado ediminuição das dimensões (Face Anterior – 8cm × 2,5cm;Face Posterior - 1,5cm × 0,2cm) (Figuras 3 e 4).Também a dor foi reduzindo gradualmente e à data des-ta avaliação o doente referiu dor fraca (3).Manteve-se o tratamento e ao fim de 4 semanas a feridaapresentava tecido de epitelização em todo o leito daferida, sem exsudado e ausência completa da dor. (Figu-ras 5 e 6)

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Figuras 1 e 2 – Avaliação inicial, antes de iniciar tratamento com Matriz. Ferida com presença de tecido de granulação e fibrina, com exsudado serohemático moderado,pele circundante íntegra.Dimensões: Face anterior – 10 cm × 3 cm - Face posterior – 7 cm × 1cm

Figuras 3 e 4 – Após duas semanas de tratamento a ferida apresenta melhoria franca onde verificamos a existência de tecido de epitelização, acompanhada de reduçãode exsudado e diminuição das dimensõesDimensões: Face anterior – 8 cm × 2,5 cm - Face posterior – 1,5 cm × 0,2 cm

CA

SO

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Figuras 5 e 6 – Após quatro semanas de tratamento verificamos tecido de epitelização em todo o leito da ferida, sem exsudado e ausência completa da dor.

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CASO 2R.L. é um senhor de 76 anos, viúvo, residente no conce-lho de Castelo Branco, que deu entrada no serviço deCirurgia por ferida de pé diabético e basalioma na re-gião dorsal com 8 anos de evolução, onde foi submeti-do a exerese de Basalioma.Este utente apresenta internamentos anteriores no servi-ço, por ferida de Pé Diabético, a ser seguido na Unidadede Diabetes.É um senhor independente na realização das suas ne-cessidades.Como factores gerais que condicionam a cicatriza-ção desta ferida apresentamos a Hipertensão, Diabe-tes Mellitus tipo 2, insulino dependente actualmente,

e tabagismo (1 a 2 massos/dia).

A FERIDAFoi submetido a exerese de basalioma, que resultou numaferida onde se verifica um leito com presença de tecidode granulação e fibrina, com exsudado seroso abundan-te, e pele perilesional sem maceração. Tem de dimensão14 cm de comprimento × 8,5 cm de largura (Figura 7).Após 11 dias de realização de penso com Inadine® econtrolada a carga microbiana local, a proposta foi uti-lizar a Matriz de Equilíbrio de feridas para acelerar a ci-catrização.

Ao fim de 2 semanas de aplicação a ferida apresentou

melhoria significativa com redução de exsudado, cresci-

mento significativo do tecido novo, avanço

epitelial dos bordos bem visível e consequente

diminuição das dimensões (11×8cm) (Figuras

8 e 9).Manteve tratamento e ao fim de 10 semanasapresenta ferida com tecido de granulação eepitelização apresentando dimensões de 2,5× 3 cm.O doente tem alta e foi encaminhado para con-sulta externa.

CA

SO

2

Figura 7 - Avaliação inicial, antes de iniciar tratamento com Matriz.Ferida resultante apresenta tecido de granulação e fibrina, comexsudado seroso abundante, e pele perilesional sem maceraçãoDimensões: 14 cm × 8,5 cm

Figuras 8 e 9 – Após duas semanas de tratamento com matriz, apresentou melhoria significativa com redução do exsudado, crescimento significativo do tecido novoe avanço epitelial dos bordos bem visível.Dimensões: 11cm × 8 cm

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CASO 3Este caso apesar de ter diferen-ças significativas dos casos apre-sentados anteriormente, éjustificada a sua apresentaçãopois os objectivos a atingir e osmeios utilizados são os mesmos.A.M. é um senhor de cerca de 45anos, casado, com uma vida ac-tiva. Foi submetido a exerese desinus em regime ambulatório, aser seguido e avaliado no servi-ço de Cirurgia, onde vem reali-zar penso.É saudável, sem factores quecondicionam a cicatrização da fe-rida.

A FERIDAFoi submetido a exerese desinus, que resultou numa feridaonde se verifica um leito compresença de tecido degranulação e f ibrina, comexsudado escasso e peleperilesional íntegra. Tem de di-mensões 8 cm de comprimento× 3 cm de largura. Após 14 diasde realização de penso com umHidro-Alginato com prata, demodo a controlar a cargamicrobiana local, iniciou-se otratamento com a Matriz deEquilíbrio de feridas para acele-rar a cicatrização (Figura 10).Ao fim de apenas 1 semana detratamento a ferida apresentaavanço epitelial dos bordos euma significativa diminuição nasdimensões (5×1,5cm) (Figura11).Ao final de cerca de 4 semanas,a ferida encontra-se cicatrizada,onde se evidencia um bom re-sultado cosmético damesma.(Figura 12)

Figura 10 – Avaliação inicial,

antes do início de

tratamento com a Matriz.

Dimensões: 8 cm × 3 cm

Figura 11 – Avaliação após

8 dias de tratamento com

Matriz, ferida com

diminuição significativa e

avanço epitelial dos bordos.

Dimensões: 5 cm × 1,5

cm

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Figura 12 – Após quatro

semanas de tratamento

com Matriz, onde se

evidencia um bom

resultado cosmético da

ferida.

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CONCLUSÃOA actualização dos conhecimentos é uma obrigaçãoprofissional e uma necessidade premente, que deve serfacilitada e promovida pelos serviços de saúde. O mate-rial de penso para tratamento de feridas não foge à re-gra, já que surgem produtos novos no mercado a umavelocidade por vezes assustadora, implicando que oconhecimento chegue de forma mais rápida aos profis-sionais de saúde.A utilização do material de penso pressupõe um nívelde conhecimentos anatomofisiológicos extremamenteaprofundados para entender e aplicar a medida maisindicada face à situação específica de cada paciente.A experiência que obtivemos com a utilização do pen-so de colagénio permite-nos expor que o produto re-presenta uma mais valia efectiva, que abre excelentesperspectivas, com uma facilidade de aplicação e remo-ção notável, e com maior rapidez de cicatrização, nãose observando reacções adversas por parte do doente.Equilibra o leito da ferida, protegendo a ferida dereinfecção, devido a ter prata na sua composição.A questão de custo-eficácia terá de ser avaliada em es-tudos com maior número de pacientes. Todavia e portodos os motivos já enunciados anteriormente, parece-

nos que o penso de colagénio em causa é uma boaescolha para este tipo de feridas, de modo a estimular otecido de granulação, e poderá proporcionar uma boarelação custo-eficácia.

BIBLIOGRAFIA(1)AGREDA, J.J.S. – Guia práctica en la atención de las úlceras de piel. 4ª edición.Madrid: Editorial Garsi, SA. 1998.

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CÓLICA – A DOR QUE DESESPERA

Alexandra RODRIGUES1, Emília BAPTISTA2, Felizarda LOURENÇO1, Lucília BENTO2, Nuno BARROSO3 e Pedro PERABOA1

1ENFERMEIRO GRADUADO A EXERCER FUNÇÕES NO SERVIÇO DE URGÊNCIA DA ULSCB2ENFERMEIRA ESPECIALISTA A EXERCER FUNÇÕES NO SERVIÇO DE URGÊNCIA DA ULSCB3ENFERMEIRO A EXERCER FUNÇÕES NO SERVIÇO DE URGÊNCIA DA ULSCB

ABSTRACT

Renal colic is a frequent pathology in our hospital,considered a urological emergency, characterized byintense pain, there may be a partial or total obstructionof the ureter, a major priority face to renal colic isthe effective treatment of pain, taking into accountthe national and international guidelines. Being morefrequent between the ages of 30 and 60. It can beconsidered a public health problem. In this paper wedid a bibliographical review, by emphasizing the re-nal anatomy and physiology, definit ion,pathophysiology, etiology, clinical manifestations,medical treatment, diagnostic exams and nursinginterventions.

Key words: Pain, Renal colic, treatment, nursing care,guidelines

RESUMO

A cólica renal é uma patologia frequente na realidadehospitalar. Considerada a urgência urológica mais fre-quente, em que existe uma obstrução parcial ou totaldo uréter, esta situação clínica é caracterizada por umador intensa, que frequentemente desespera. A grandeprioridade passa pelo tratamento eficaz da dor, tendoem conta as guidelines nacionais e internacionais. Sen-do mais frequente na faixa etária entre os 30 e os 60anos, pode constituir, nos países industrializados, umproblema de saúde pública considerável.No presente trabalho, baseado numa revisão bibliográfi-ca, a nossa ênfase recai na definição do que se entendepor dor, na anatomia e fisiologia do aparelho urinário,nas características inerentes aquilo que é entendido porcólica renal, seu tratamento e cuidados de enfermagem.

Palavras-chave: Dor, cólica renal, tratamento, cuidadosde enfermagem, guidelines

INTRODUÇÃOAo elaborar este trabalho sobre cólica renal estiveramem mente algumas linhas mestras que passam por apre-sentar informação tão actualizada quanto possível e si-multaneamente sucinta, salientando o essencial sobre atemática em análise.A cólica renal, terminologia que designa um síndrome, éfrequentemente confundida com lítiase que constitui umapatologia. A primeira, descrita como um dos eventosdolorosos mais intensos da existência humana, tem afec-tado a humanidade desde a Antiguidade e transcendetodas as fronteiras1.A magnitude do problema é universal e o risco estima-do de uma pessoa vir a sofrer uma colica renal durante asua existência é de 1-10%2.Esta situação clínica, que constitui a urgência urológicamais frequente, caracteriza-se pela obstrução parcial ou

total do uréter, provocada na maioria dos casos por umcálculo, e a sua ocorrência verifica-se tipicamente entreos 30 e os 60 anos de idade. Considerada como umproblema de saúde pública nos paises industrializados,só ao seu tratamento cirúrgico, são atribuídos gastossuperiores a 2 biliões de euros2.O controlo eficaz da Dor constitui um dever dos Profissi-onais de Saúde e um Direito dos Doentes que dela pa-decem, traduzindo um passo fundamental no sentidoda humanização efectiva das Unidades de Saúde.Reconhecida hoje como 5º Sinal Vital, a Dor pode sermensurada pelo doente e constitui o método ideal paraa sua avaliação, assim como para a posterior resposta àanalgesia aplicada3.Deste modo é indubitável que a intensidade da dor devaser avaliada desde que o doente chega aos nossos ser-viços. Tal facto é contemplado a nível do Serviço de

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Urgência desde a Triagem de Manchester, onde para umdoente com possível cólica renal, se utiliza o fluxogra-ma dor lombar e o discriminador que dá a cor corres-pondente ao valor da dor (laranja, amarelo ou outro),verificando-se deste modo uma cabal aferição da priori-dade no atendimento do doente.Neste âmbito, o presente trabalho, para além de sebasear numa revisão dos conceitos clínicos relevan-tes relacionados com a abordagem do doente comcólica renal, enfatiza os aspectos relacionados com aanalgesia no Serviço de Urgência da Unidade Local deSaúde de Castelo Branco e incluí as opções terapêuti-cas disponíveis e/ou adoptadas, atendendo a que ain-da existe grande heterogeneidade na prática clínica.Por outro lado, e porque o domínio dos mecanismosfarmacológicos constitui um instrumento fundamentalpara o desenvolvimento dos diferentes protocolos, ire-mos apresentar o protocolo existente para a cólica re-nal que se encontra adaptado à realidade específica danossa Unidade Local de Saúde.Gostaríamos de sublinhar que estamos numa região dointerior e apesar da universalidade a que nos reporta-mos no início, esta realidade pode traduzir-se de manei-ra diferente para os nossos utentes, que frequentemen-te têm que recorrer grandes distâncias, ultrapassandocaminhos difíceis, no sentido de se colmatar de formaeficaz “A Dor Que Desespera”!

A DORA necessidade de classificar e de nomear a Dor enquan-to entidade nosológica e enquanto fenómenoexperiencial, fez com que emergissem uma pluralidadede definições, bem como as suas várias classificações,que se baseiam em características experienciais e tem-porais, na localização, nos efeitos ou ainda na possibili-dade de ser tratada4.Assim, e de acordo com a definição que Twycross5 nosoferece, a Dor constitui um fenómeno somatopsíquicomodulado pelo humor, moral e significado que a mesmaassume (seja o que a pessoa diz que é, e que existequando essa pessoa o afirma).

É um facto que a dor é uma realidade que, do ponto de

vista filosófico é imperfeita, pois admitimos a sua exis-

tência quando se passa connosco e acreditamos na que

os outros nos comunicam, e objectivamente, não te-

mos meios de confirmação da dor que um individuo nos

referencia6.

Entre os factores influenciadores das características de

dor, contam-se os de ordem psicossocial, os de ordem

cultural e as experiências dolorosas prévias que o indiví-

duo já tenha enfrentado4.Uma adequada avaliação da dor passa então por tornarobjectivo o que é subjectivo, e atender aos diferentesfactores: afectivos, cognitivos, comportamentais, fisio-lógicos, socioculturais e ambientais.É determinante saber actuar sobre a dor, e para tal háque conhecer os princípios gerais do seu controlo, co-nhecer a escala analgésica e conhecer os quadros dolo-rosos.Pela classificação temporal, a dor pode ser crónica ouaguda, e a dor da cólica renal, enfatizada neste traba-lho, enquadra-se na aguda devido ao seu início ser re-cente e estar associada a uma lesão específica.Estes dois tipos de Dor, a crónica e a aguda, estão inclu-ídos como categorias diagnósticas na lista de diagnós-ticos de enfermagem da Associação Norte-Americanados Diagnósticos de Enfermagem4.

ANATOMIA E FISIOLOGIA DO APARELHOURINÁRIOA fisiologia renal reporta-se ao estudo da fisiologia dosórgãos que constituem o aparelho urinário, o qual temna sua composição dois rins, dois ureteres, uma bexigae uma uretra. O aparelho urinário, complementarmente aoutros órgãos, regula o volume e mantém a composi-ção do líquido intersticial dentro de uma estreita mar-gem de valores, constituindo os rins os principais ór-gãos excretores e osmoreguladores do corpo humano,removendo do sangue a maioria dos produtos da de-gradação, muitos dos quais tóxicos7.

Apesar da pele, o fígado, os pulmões e os intestinoseliminarem alguns dos produtos de degradação, o factoé que, se os rins deixarem de funcionar, os restantesorgãos excretores não conseguem compensá-los ade-quadamente7.Para além destas funções, os rins cuja unidade funcional

é o nefrónio, desempenham também funçõeshomeostáticas e bioquímicas7.

CÓLICA RENAL1 - MANIFESTAÇÕES CLÍNICASOs cálculos podem ser assintomáticos, principalmente

se a sua localização for calicial, sendo o seu diagnósti-

co nestas situações acidental.O sintoma mais característico de cálculos renais ouureterais é a dor intensa, tipo cólica, de início súbito,

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sem posição antiálgica, cuja localização e intensidadevaria de doente para doente e depende do tamanho docálculo e do local de encravamento, pois se o cálculoestiver no rim ou na bexiga, qualquer dor que daí resulteé diferente de uma dor tipo cólica característica da situ-ação em que o cálculo se encontra no uréter8.Maioritariamente é uma dor homolateral ao lado afec-tado, pois raramente se manifesta bilateralmente, irra-diando pelo flanco (região lateral do abdómen) pelapelve e alcançando os genitais à medida que o cálcu-lo vai progredindo através das vias urinárias. Contu-do, uma situação rara de dor contralateral poderá ve-rificar-se, tal como Clark e Norman descreveram, edesigna-se como sendo o fenómeno de “dor em espe-lho”2.Diferente da dor crónica, aquela que se instala por diasou semanas, a dor da cólica renal é uma dor lombar alta,que se traduz num sinal clínico de percussão que é posi-tivo e que se designa por Murphy, e geralmente tem umsignificado positivo, por se tratar de uma dor aguda etransitória2.Existem alguns sinais concomitantes com este tipo dedor, para além da frequência urinária, disúria e hematúriamicroscópica e que se traduzem por dilatação pupilar,sudorese, taquipneia, taquicardia e shunt sanguíneo dosmúsculos para as vísceras8.As características da dor variam consoante se trate deuma inflamação ou de uma obstrução. Na inflamação, ador revela-se sempre com a mesma intensidade, enquantona obstrução há flutuação na intensidade (cólica). Poroutro lado, a obstrução ureteral, de instalação mais len-ta é raro que desencadeie dor2.Eskelinen e seus colaboradores criaram um score clínicoque demonstrou que as características típicas da dor, apresença de um sinal de Murphy renal positivo e amicrohematúria, constituem factores preditivos signifi-cativos para um diagnóstico clínico de cólica renal2. A presença de febre, leucocitúria e/ou leucocitose sãotambém indícios de cólica renal mas desta feita, apon-tam para uma cólica renal complicada por infecção, oque aumenta a gravidade do quadro.

2 - FISIOPATOLOGIA DA CÓLICA RENALA obstrução à drenagem ureteral provoca aumento dapressão intraluminal do sistema colector, que por suavez se distende, desencadeando a estimulação dos ter-minais nervosos, que vão originar a cólica comconsequente dilatação aguda e dor. Ao que parece, ador não está relacionada com o espasmo ureteral mas

sim com o aumento da tensão da parede piélica, emconsequência da obstrução ureteral aguda. Como res-posta a essa distensão, o músculo liso da parede uretéricacontrai-se na tentativa de tentar mover o cálculo, noentanto se este se mantiver alojado, o músculo reagecom um espasmo. Ocorrendo a passagem de uma pe-quena quantidade de urina através da área obstruída, apressão intraluminal diminui, aliviando a dor até que novadistensão ocorra, caracterizando a intermitência do qua-dro. Seja qual for o tipo de obstrução, o dano potencialé essencialmente o mesmo: dor, obstrução e traumatismotecidular com hemorragia e infecção secundárias2.

3 - ETIOLOGIA E TIPOLOGIA DOSCÁLCULOS RENAISCerca de 60% dos cálculos correspondem a hipercalciuriassecundarias ou não a estados hipercalcemicos. Cercade 5 a 10% das litiases são secundarias a alterações dometabolismo do acido úrico, as infecções urinarias e asuropatias correspondem a cerca de 20%9.O agente causador mais comum da cólica renal é o cál-culo urinário, que pode ter na sua composição váriascombinações de elementos químicos, determinando asua classificação em:- Cálculo de Oxalato de cálcio é um composto quími-co que forma cristais monoclínicos aciculares (em formade agulha) com importante significado biológico, ocor-rendo em diferentes quantidades na generalidade dosseres vivos.- Cálculos fosfato amoníaco magnésio são associa-dos à infecção do trato urinário, principalmente por bac-térias gran negativas (bactérias clivadoras de ureia), opH urinário é tipicamente > 7.- Cálculos de ácido úrico (cálculos de ácido úrico

ou urato) estes cálculos são originais porque sãoradiolucent (ou seja, eles são invisíveis numa radiogra-fia), eles aparecem numa urina ácida (pH <6)- Cálculos de fosfato de cálcio este tipo de cálculo, éo que possui a menor incidência entre os demais já cita-dos. Em algumas circunstâncias, cálculos de fosfato decálcio ocorrem como resultado da mineralização decoágulos sanguíneos que se formaram e ficaram presosno sistema urinário.- Cálculo de cistina é causado por defeito metabólicoque resulta na insuficiência de reabsorção tubular renalde cistina, lisina, arginina, provocando super saturaçãoda urina com cistina9.Quando os cálculos são eliminados, devem ser analisa-

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dos para determinar quais os seus componentes. É im-portante identificar a composição exacta do cálculo, paraque possam ser implementadas as medidas preventivasexactas.

4 -EXAMES COMPLEMENTARES DEDIAGNÓSTICOO diagnóstico é normalmente fácil de fazer e baseia-sesobretudo na anamnese e exame objectivo. Existe noentanto a possibilidade de confirmar esse diagnóstico,fazer o diagnóstico diferencial e despistar sinais de gra-vidade através de exames complementares de diagnós-tico, nomeadamente: radiografia simples do aparelhourinário; ecografia; urografia intravenosa; exameslaboratoriais e URO-TAC.À entrada no Serviço de Urgência, e após alívio da dor, estáindicado a realização de hemograma (despiste deleucocitose), bioquímica básica (avaliação da função renal),urina II (pH urinário e o sedimento poderá mostrar cristais,eritrocitúria ou leucocitúria), ecografia (confirma a existênciade uretero-hidronefrose podendo revelar o cálculo) e RXrenovesical (já que 80% dos cálculos são radiopacos)10.

5 - TRATAMENTO MÉDICODe acordo com a Associação Portuguesa de Urologia,o tratamento da cólica renal envolve quatro momen-tos:1

O primeiro e mais urgente desses momentos é tratar a

dor. Actualmente os fármacos de 1.ª linha são os anti-inflamatórios não esteróides (AINE’S), que reduzem acontractilidade espontânea do uréter aumentando adiurese. A via de administração deverá ter por base aintensidade da dor, sendo a via endovenosa eintramuscular a mais indicada. Pode-se no entanto asso-ciar ou optar por analgésicos potentes como o tramadol,petidina e morfina).Deverá ser restrita a administração hídrica nas primeiras48 a 72 horas, a fim de diminuir a dor e reduzir o riscode ruptura do colector, pois diminui a pressão intraluminal,favorecendo a deslocação do cálculo. A APU recomen-da ainda o recurso a terapias complementares como aAcupunctura.O segundo momento corresponde ao tratamento das

complicações. As mais frequentes são as náuseas evómitos, pelo que devem ser administrados antiemeticos.A mais grave é a infecção urinaria, que pode evoluir paraurosépsis, facto que determina cobertura com antibióti-co. Nalguns casos poderá ter de se fazer descompressão

imediata através de cateterismo uretral ou nefrostomiapercutânea ecoguiada.O terceiro momento corresponde ao tratamento do

cálculo a decisão do tipo de tratamento deve ter emconta vários factores. Na litiase úrica, promove-se aalcalinização da urina, para dissolver o cálculo. Em rela-ção ao tamanho e a localização do cálculo permite cal-cular a taxa de passagem espontânea:- Cálculos até 4mm (passagem espontânea até 91,5%)- Cálculos até 5mm (passagem espontânea de 29-98%no uréter proximal e 71-98% no uréter distal)- Cálculos de 5-10mm (passagem espontânea de 10-53% no uréter proximal e 25-53% no uréter distal).As principais complicações são a presença de infec-ções, a dor intratável e a evidência de agravamento dafunção renal. Perante a sua presença, ou não existindoa passagem espontânea, há necessidade de actuar so-bre o cálculo. Segundo as Guidelines on Urolithiasis daEAU 2010, a ESWL é o tratamento de 1ª linha para amaioria dos cálculos tratando-se de um método nãoinvasivo em que o doente é sedoanalgesiado.O último momento, mas sem menos importânciacorresponde à preservação da função renal. Após tra-tar a dor, o objectivo é manter ao máximo a funçãorenal. O grau de obstrução (parcial ou completo), a dura-ção da obstrução e a existência ou não de infecção,determina a preservação da função renal, atendendo aque:- Obstrução completa durante 24 horas = 100% recupe-ração- Obstrução completa durante 1 semana = 50% de recu-peração- Obstrução completa até 3 semanas = 10% de recupe-ração.Deste modo se percebe que as principais atitudes tera-pêuticas passam pelo tratamento da infecção e mantera permeabilidade do excretor o mais precoce possível[1][2]

GUIDELINESA European Association of Urology (EAU) determinou

guidelines orientadoras para a cólica renal em 2008, sen-do revistas em 2010. De acordo com as mesmas, a

analgesia é fundamental na fase aguda. O tratamento ur-

gente preconizado pela EAU (2010), compreende o alivioda dor, que deverá ser feito através da administração de:[11]

diclofenac de sódio, indometacina, morfina+sulfato de

atropina, metamizol de magnésio, pentazocina e tramadol.A EAU recomenda a administração em simultâneo de

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morfina e atropina.A administração de diclofenac de sódio pode afectar ataxa de filtração glomerular num doente com função renalreduzida não interferindo naqueles com função renalnormal.A EAU defende que deve ser evitado o aumento de soroEV bem como da ingestão hídrica, na fase aguda.No Serviço de Urgência da ULSCB, o protocolo utilizadopara o tratamento da cólica renal, baseia-se nas reco-mendações da APU (Associação Portuguesa de Urologia),e compreende o alivio da dor com a administração de:[1][2]

diclofenac 75 mg IM, metamizol de magnésico 2g IM,eventual administração de petidina e sublinha-se ainda

calmo e tranquilo, de modo o doente sentir-se mais con-fortável e facultar apoio psicológico.Para além destes aspectos, os cuidados de enfermagemprivilegiam também a prevenção, e para isso deve efec-tuar-se o designado ensino pós-cólica:- Aumento de ingestão hídrica de acordo com cada si-tuação clinica, dado que a urino-diluição constitui amedida mais importante e eficaz na prevenção dacalculose.- Incentivo ao exercício físico para prevenção da forma-ção de cálculos renais.- Explicar ao doente a conduta a seguir pois a cólicarenal pode ser recorrente.

a restrição hídrica.Também de acordo com a APU, o tratamento da dor éprioritário na cólica renal devendo-se usar AINE’S numa1ª linha da actuação, e recorrer à petidina se a terapêu-tica anterior não for suficientemente eficaz.

6 - CUIDADOS DE ENFERMAGEMOs cuidados de enfermagem, para a cólica renal são fun-damentalmente:-Alívio da dor: administração de terapêutica prescrita, ten-do em conta o protocolo em uso na instituição e aplica-ção de calor húmido como medida não farmacológicade eleição.-Manter permeabilidade do acesso venoso para a even-tualidade de ser necessário administrar outra terapêutica.-Vigiar características da urina, débito urinário e elimina-ção do cálculo renal. Numa primeira fase o doente deve-rá ser elucidado no sentido de vigiar a saída do cálculo.-Vigiar temperatura corporal, proporcionar ambiente

- Incentivar a uma dieta adaptada pois certos tipos dealimentos podem estar na origem da formação de cál-culos renais12-13.

7- DADOS ESTATÍSTICOS DA CÓLICARENAL NA ULSCB, EPEA tabela 1 que se segue permite visualizar o número deurgências gerais que foram contabilizadas na ULS deCastelo Branco em dois anos consecutivos, respectiva-mente em 2008 e 2009, assim como o númerorespeitante aos doentes que foram triados por provávelcólica renal.Esses números retratam a nossa realidade, com que nosdefrontamos diariamente e que do ponto de vista esta-tístico é bastante significativa, facto que determinou quetenha constituído para nós um incentivo acrescido aconcretização deste trabalho.Assim, e na sequência dessa tabela, prosseguimos coma apresentação de um gráfico 1 que ilustra quais os ti-

Número de urgências gerais e doentes com cólica renalFonte: Assessoria técnica da ULSCB, EPE14

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pos de cálculos mais frequentes, que resultam da análi-se laboratorial efectuada na nossa instituição, e que sereporta ao ano de 2009. Desta análise podem ser retira-das algumas conclusões pertinentes, que se associamindubitavelmente à nossa cultura, aos nossos hábitosalimentares e costumes, onde a tradição aindamarcadamente deixa presença.

CONCLUSÃOGostaríamos com este trabalho proporcionar aos profis-sionais de saúde a renovação de conhecimentos sobrecólica renal, tratamento e cuidados de enfermagem.Atendendo à incidência da cólica renal no SU os cuida-dos de enfermagem devem ser planeados e executadosde maneira a contribuir para um rápido restabelecimentodo utente, sublinhando o quão importantes as mudançasde atitude são para o bom desempenho profissional.É necessário continuar a dar importância aos cuidadosprestados aos utentes que recorrem ao nossos serviçosde urgência, e para tal, constatamos que uma visão uni-forme dos cuidados de enfermagem a prestar, neste casono âmbito da cólica renal, é a “pedra angular” para aeficácia do trabalho de equipa.Não esquecendo que o tratamento farmacológico cons-titui um instrumento fundamental para o tratamento dador dos doentes com cólica renal, salientamos que oprotocolo implementado para o efeito na ULSCB, EPE, seencontra alicerçado nas recomendações da APU.Seria muito bom, como alguém um dia referiu, que pu-déssemos colocar a Dor num envelope e devolvê-la ao

remetente, mas como tal não é possível, consideramosesta abordagem um incentivo fortíssimo para nos man-termos fiéis à missão que assumimos de pertencermos auma Profissão de Excelência, continuando a trabalhar parauma assistência digna e pautada por elevada qualidade.

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Caracterização dos tipos de calculos renais durante o ano de 2009Fonte: Laboratório da ULSCB, EPE15

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TROPONINA I E DISFUNÇÃO CARDÍACA NA SEPSIS

Paulo COSTA1, Maria CALMEIRO2, Rosa SILVA3

Troponin I and Cardiac Disfunction in Sepsis

ABSTRACTSepsis is a very common disease with increasingprevalence and mortality.Often causes multiple organ dysfunction includingcardiovascular. In this sense it is important to recognizethe myocardial dysfunction associated with sepsis inorder to optimize therapy. Troponin I may have a role inthis area.

Key Words:infection, sepsis, cardiac dysfunction

RESUMOA sépsis é uma patologia muito frequente comprevalência e mortalidades crescentes.Causa com frequência disfunção multiorgânica nomea-damente cardiovascular. Nesse sentido é importante re-conhecer a disfunção miocárdia associada à sépsis demodo a optimizar a terapêutica. A troponina I pode terum papel nessa área.

Palavras chave: infecção, sépsis, disfunção cardíaca

INTRODUÇÃOA sepsis é uma patologia bastante frequente, com aqual os médicos se confrontam quase diariamente.Pode condicionar morbilidade e mortalidades signifi-cativas no entanto continua a ser pouco reconheci-da.Nos Estado Unidos tem-se verificado um aumento daincidência de sépsis grave e choque séptico, contribuin-do para mais de 200000 mortes anuais num universo demais de 700000 novos casos por ano1.Sépsis é definida como uma resposta inflamatóriasistémica a uma infecção, manifestada pela presença de2 ou mais dos seguintes critérios: temperatura > 38ºCou < 36ºC, frequência cardíaca > 90 bpm, frequênciarespiratória > 20 cpm ou pCO2 < 32 mmHg, leucócitos> 12000 ìL, < 4000 ìL ou > 10% de formas imaturas2.Designa-se por sépsis grave quando está associada a

disfunção orgânica, hipotensão ou hipoperfusão, e porchoque séptico nas situações em que se verifiquehipotensão associada a hipoperfusão, apesar de ade-quada ressuscitação hídrica2 (tabela 1).A disfunção miocárdia, um dos principais contribuintespara a sua morbi/mortalidade3, é uma complicação fre-quente, que necessita de um reconhecimento e terapiade suporte precoces. Nesse sentido a existência demarcadores bioquímicos que ajudem na detecção dadisfunção cardíaca pode ter especial interesse, de modoa agilizar esse reconhecimento, particularmente nosHospitais Distritais onde a monitorização invasiva/mini-mamente invasiva ou ecocardiograma não estão facil-mente disponíveis. A Troponina I, actualmente utilizadano diagnóstico e estratificação de risco de doentes comsíndromes coronários agudos, poderá ter alguma utili-dade nesta área.

1INTERNO DE MEDICINA INTERNA DA ULSCB2ASSISTENTE DE MEDICINA INTERNA DA ULSCB3ASSISTENTE GRADUADA DE MEDICINA INTERNA DA ULSCB

Tabela 1: Conceitos definidos pela American College of Chest Physicians/Society of Critical Care Medicine (ref 2)

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FISIOPATOLOGIA DA DISFUNÇÃOMIOCÁRDICA NA SÉPSISO choque séptico é caracterizado por um débito cardí-aco normal ou aumentado, associado a resistênciasvasculares periféricas diminuídas1.A disfunção cardíaca na sépsis pode ser sistólica,diastólica, atingir apenas o ventrículo esquerdo ou am-bos4 e é caracterizada pelo aumento do volume no fimda diástole e sístole ventricular associado a diminuiçãoda fracção de ejecção. O débito cardíaco é no entantomantido, consequência da dilatação ventricular que per-mite um volume de ejecção normal1.Esta dilatação ventricular parece estar relacionada como prognóstico, verificando-se uma maior taxa de morta-lidade nos doentes que não apresentaram dilataçãoventricular5. Nos sobreviventes, a dilatação ventricularverifica-se precocemente, progride ao longo dos 3 pri-meiros dias e resolve após 7 a 10 dias6.A disfunção miocárdia pode ocorrer em até 40% dosdoentes com sépsis grave e é reversível na maioria7.O mecanismo da disfunção parece estar relacionado coma presença de mediadores inflamatórios que condicionamdepressão miocárdia, com a desregulação autonómica,diminuição de receptores adrenérgicos, utilização anor-mal de cálcio pelo miocárdio e disfunção mitocondrial8

(tabela 2).

TROPONINA I E SÉPSISO mecanismo da libertação de troponina I na sepsis ain-da não está esclarecido. A presença de doença coronáriaassociada a taquicardia e anemia, induzidas pela sépsis,pode ser uma das explicações. Na verdade, na maioriados estudos em que se correlacionou a subida datroponina I com a sépsis/choque séptico, a presença dedoença coronária não foi excluída. No entanto, Ammann9

e colegas tomando em consideração esta limitação,

conseguiram demonstrar ausência de doença coronáriana maioria dos doentes com sépsis/choque séptico eelevação da troponina sérica, através da realização deecocardiograma, angiografia coronária ou autópsia. Ape-sar disso a limitação do fluxo coronário como etiologiada disfunção cardíaca na sépsis não pode ser completa-mente excluída, uma vez que a sépsis é um estado pró-trombótico10 que pode condicionar trombosemicrovascular e consequente subida de troponina I. Numestudo recente realizado por Abraham e colegas11, osdoentes tratados com proteína C recombinante activa-da apresentaram menor elevação de troponina I (estarelação no entanto não teve significado estatístico).A toxicidade resultante do uso de catecolaminas tam-bém deve ser considerada como possível causa12.Existem vários estudos em doentes com sépsis, em quese conseguiu correlacionar a elevação da troponina I ouT com a disfunção ventricular esquerda, através da rea-lização de ecocardiograma9,13,14,15 ou cateterização daartéria pulmonar12.Para além dessa correlação, a elevação da troponina Itambém parece estar relacionada com a gravidade dadoença14,15 e com o prognostico a curto prazo9,15,16,17.Permanece no entanto por esclarecer se o aumento datroponina I reflecte lesão cardíaca irreversível ou depres-são miocárdica reversível18.

CONCLUSÃOExiste evidência que a elevação da troponina I nos do-

entes com sépsis indica disfunção miocardica, doença

mais grave e pior prognóstico.È portanto um importante biomarcador na caracteriza-ção dos doentes com sépsis, podendo ser utilizado naestratificação de risco e na identificação da disfunçãoventricular esquerda, assim que se estabeleça o diag-nóstico.Apesar do exposto, a medição da troponina I não subs

Tabela 2: Possíveis mecanismos envolvidos na disfunção cardíaca da sépsis (ref 8)

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titui a realização de ecocardiograma ou monitorizaçãohemodinâmica invasiva; permite identificar aqueles quebeneficiarão dessas técnicas para obter uma melhoroptimização terapêutica.

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CIRROSE BILIAR PRIMÁRIA AMA NEGATIVA:CASO CLÍNICOI. PINHO1, P. VENTURA1, A. CARDOSO2, J. REIS PEREIRA3

1 INTERNO COMPLEMENTAR, SERVIÇO DE MEDICINA INTERNA DO HOSPITAL SOUSA MARTINS, ULS GUARDA EPE2 ASSISTENTE HOSPITALAR, SERVIÇO DE MEDICINA INTERNA DO HOSPITAL SOUSA MARTINS, ULS GUARDA EPE3 CHEFE DE SERVIÇO, DIRECTOR DO SERVIÇO DE MEDICINA INTERNA DO HOSPITAL SOUSA MARTINS, ULS GUARDA EPE

INTRODUÇÃOA Cirrose biliar primária (CBP) é uma doença hepática

auto-imune rara que afecta predominantemente mu-lheres com idade superior a 40 anos (1). Resulta da

interacção de factores genéticos e ambientais que in-

duzem fenómenos de colangite crónica dos ductosbiliares intra-hepáticos de pequeno e médio calibre

com destruição imuno-mediada dos mesmos1. Estudos

epidemiológicos recentes identificaram factores derisco para o aparecimento de CBP: familiar de primei-

ro grau com CBP, infecções urinárias de repetição, his-

tória pessoal de tabagismo e uso de terapêuticashormonais de substituição2. Até 20% dos doentes

apresenta simultaneamente outra doença auto-imu-ne (nomeadamente esclerodermia ou tiroidite) e em

cerca de 10% dos casos surgem simultaneamente cri-

térios de hepatite auto-imune, podendo nesses ca-sos denominar-se síndrome de sobreposição ou

“overlap”1,3.

À altura do diagnóstico metade dos doentes estãoassintomáticos. Os sintomas mais precoces são prurido e

fadiga, sendo raros os doentes que se apresentam inicial-

mente com sinais de doença hepática avançada comcomplicações de hipertensão portal (ascite, encefalopatia

hepática, hemorragia de varizes esofágicas)3.

Analiticamente encontram-se quadros de colestase comelevação da fosfatase alcalina e

gamaglutamiltransferase, associando elevação mínima

ou moderada das transaminases. Os anticorpos anti-mitocondriais (AMA), considerados marcadores clássi-

cos do diagnóstico, detectam-se em mais de 90% dos

doentes1. No entanto, perfis serológicos distintos po-dem surgir em cerca de 30% dos casos, caracterizados

por diferentes variantes de anticorpos antinucleares

(ANA)4 que, ao contrário dos AMA, se relacionam coma gravidade e progressão da doença 5,6. Podem ainda

ser detectados anticorpos anti-centrómero em cerca

de 10% dos doentes, que se associam frequentemen-te ao síndrome de sobreposição CBP-Esclerodermia-

CREST5,6.

A confirmação histológica já não é obrigatória para o

diagnóstico de CBP3. A biópsia hepática é consideradaimperativa apenas nos casos de negatividade dos AMA,

bioquímica atípica ou suspeita de associação com ou-

tra causa de doença hepática. Ainda assim, é importan-te referir que a histologia tem valor prognóstico e auxi-

lia decisões terapêuticas1.

Sem tratamento, a CBP pode evoluir para cirrose einsuficiência hepática num período de 10 a 20 anos.

O ácido ursodesoxicólico é actualmente o único

fármaco aprovado para o tratamento desta entida-de, mas um em cada três doentes não responde ade-

quadamente e poderá necessitar de terapêuticasadjuvantes e/ou transplantação hepática1. Os

fármacos que têm mostrado resultados como tera-

pêutica adjuvante nos casos de não-respondedoressão o budesonido e a prednisolona, embora o seu

uso não seja consensual3. Nos doentes transplanta-

dos, a taxa de recidiva da doença aos 5 anos rondaos 20%1.

RELATO DE CASOCGS, 62 anos, sexo feminino, referenciada ao serviço

de urgência pelo seu médico de família por achado

ocasional de alterações analíticas do perfil hepático.Referia náuseas e mal-estar abdominal inespecífico

com vários meses de evolução, de frequência sema-

nal ou quinzenal. Tratava-se de uma doente com an-tecedentes patológicos de: Diabetes mellitus tipo 2

não insulinotratado (sem complicações documenta-

das), Obesidade, Hipertensão arterial e Dislipidemia(apresentava um síndrome metabólico). Estava medi-

cada com metformina 1000 mg 2id, sitagliptina 100

mg id, sinvastatina 20 mg id, lisinopril 20 mg id,amlodipina 10 mg id e furosemida 20 mg id. À explo-ração, de destacar IMC= 33,75 kg/m2 (obesidade grauI), pele e mucosas de coloração normal, abdómen do-

loroso à palpação profunda do hipocôndrio direito, sem

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Figura I:

espaço porta rodeado por infiltrado necro-inflamatório com presença de granuloma epitelióide não necrotizante.

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hepato-esplenomegalia, sem sinais de irritação peritoneal,

ausência de adenopatias palpáveis e ausência de estig-

mas de doença hepática crónica. Analiticamente com

TGO= 50.0 U/L (ref. <32), TGP= 74 U/L (ref. <32), fosfatase

alcalina= 1011 U/L (ref. 35-105 U/L), gama-Gt= 1126 U/L

(ref. 5-36 U/L), Proteína C reactiva= 1.70 mg/dL (ref. <

0.50), sem hiperbilirrubinemia, com função renal e tem-

pos de coagulação preservados, leucograma e

hemograma normais. A ecografia abdominal revelou fíga-

do de textura hiperreflectiva compatível com esteatose

e vesícula biliar litiásica. A doente iniciou estudo comple-

mentar para esclarecimento da causa da colestase.

O estudo analítico realizado mostrou serologias víricas

negativas (AgHBs, Ac. Anti-HBc, Ac anti-HBs, Ac anti-

VHC, Ag +Ac anti-HIV 1 e 2: negativos), perfil lipídico

normal, metabolismo do ferro normal,

imunoelectroforese proteica normal e perfil auto-imu-

ne com as seguintes alterações: ANA (IFI) positivos

em título 1/320 (ref.<160), anticorpo anti-músculo liso-

actinaF positivo, anticorpo anti-gp210 (EIA) positivo

(subtipo de ANA); restantes negativos (nomeadamen-

te AMA).

Realizou RMN para exclusão de alterações das vias

biliares, que documentou fígado de morfologia e tama-

nho normais, sem dilatações nem espessamentos das

vias biliares intra e extra hepáticas.

Perante a suspeita de uma colestase intra-hepática

causada por uma doença do tipo auto-imune, no-

meadamente cirrose biliar primitiva ou hepatite

auto-imune ou mesmo síndrome de sobreposição,

optou-se pela real ização de biópsia hepát ica

percutânea. O resultado da histologia hepática re-

velou espaços porta com infiltrado neutrofílico e

formação de granulomas ep i te l ió ides não

necrotizantes (Figura I) com algumas células gigan-

tes multinucleadas, tendo centralmente ou de for-

ma indirecta a presença de ducto biliar (Figura II). O

parênquima hepático mostrou integridade da

trabeculação habitual com pigmento lipofuscínico

escasso (Figura I). Estes achados foram compatíveis

com o diagnóstico de CBP.

A doente iniciou ácido ursodesoxicólico na dose de15mg/Kg/dia, com melhoria analítica franca e des-

cida dos valores de FA e Ggt (para 484 U/L e 387

U/L, respectivamente) ao fim de 3 meses de trata-mento.

DISCUSSÃOO diagnóstico diferencial de colestase intra-hepática é

vasto e engloba doenças com diferentes mecanismos

etiopatogénicos. No caso desta doente as hipótesesdiagnósticas colocadas ad inicium foram: esteato-hepa-

tite não alcoólica (pelo síndrome metabólico), toxicidade

hepática medicamentosa (nomeadamente à estatina),hepatopatia auto-imune, de entre outras.

Neste caso, perante o perfil serológico atípico para CBP

(com AMA negativos), a histologia hepática revelou-sedeterminante na conclusão diagnóstica e decisão tera-

pêutica. Por outro lado, conclui-se que o conhecimento

de características serológicas menos frequentes podeter implicações clínicas importantes como alertar para

a suspeita diagnóstica, para o reconhecimento preco-

ce de gravidade e para a vigilância de progressão dadoença.O seguimento desta doente deverá ser feito cuidadosa-mente para avaliar a resposta ao tratamento instituído, aprogressão para cirrose com complicações inerentes e ain-da para vigiar o aparecimento de Hepatite auto-imune.Embora neste caso estivessem ausentes critériosbioquímicos ou histológicos que suportassem essa possi-bilidade, a doente apresentava anticorpo anti-músculo liso-actinaF positivo, marcador serológico característico des-sa entidade.

REFERÊNCIAS(1)Poupon R. Primary Biliary Cirrhosis: a 2010 update. J Hepatology 2010; 52:745-

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et al. Correlation of initial autoantibody profile and clinical outcome in primary

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(6)Nakamura M, Kondo H, Mori T, Komori A, Matsuyams M, Ito M, et al. Anti

gp210 and anti-centromere antibodies are different risk factors for the progression

of primary biliary cirrhosis. Hepatology 2007; 45: 118-127

AGRADECIMENTOSOs autores gostariam de agradecer à Prof Dra Lina Carvalho a cedência das imagens

histológicas.

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Figura II:

ductos biliares atróficos (dois, à esquerda) no interior de granuloma epitelióide não necrotizante.

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LINFOMA MALT DO PULMÃO - UM CASO CLÍNICOPulmonary Malt Lymphoma - A case report

Andreia BERNARDINO1, Dulcídia SÁ1,Gorete JESUS2,Carlos SEABRA3, Alcina SARAIVA4,Rosa JORGE5

1INTERNA DO INTERNATO COMPLEMENTAR DE MEDICINA INTERNA – SERVIÇO DE MEDICINA 2 DO HOSPITAL INFANTE D. PEDRO - AVEIRO (HIP)2ASSISTENTE HOSPITALAR DE MEDICINA INTERNA – SERVIÇO DE MEDICINA 2 DO HIP3ASSISTENTE HOSPITALAR DE HEMATOLOGIA – CONSULTA DE HEMATOLOGIA DO HIP4DIRECTORA DO SERVIÇO DE PNEUMOLOGIA DO HIP/CHEFE DE SERVIÇO DE PNEUMOLOGIA5DIRECTORA DO SERVIÇO DE MEDICINA 2 DO HIP/ASSISTENTE HOSPITALAR GRADUADA DE MEDICINA INTERNA

Correspondência do Autor: Andreia BernardinoEmail: [email protected]

RESUMO

Os autores descrevem um caso de linfoma MALT do pul-mão numa mulher com um quadro de anorexia e emagre-cimento com 5 meses de evolução, acompanhado desintomas respiratórios. Na telerradiografia e tomografiacomputorizada de tórax apresentava alterações comple-xas do parênquima pulmonar de grande extensão, mas odiagnóstico só foi estabelecido após realização de biopsiacirúrgica por videotoracoscopia. Descrevem alguns dosprincipais aspectos fisiopatológicos, clínicos, de diagnós-tico e tratamento desta forma rara de linfoma.

PALAVRAS-CHAVE: Linfoma MALT, pulmão, biopsia pul-monar cirúrgica, quimioterapia

ABSTRACT

A case of MALT lymphoma in the lung is reported on awoman complaining of anorexia and loss of weight forfive months and presenting with persistent cough,mucous expectoration and dyspnoea to mild efforts. Inthe Chest XR and Tomographic scan complexparenchymal changes were observed whose nature couldonly be established by surgical biopsy through videothoracic videos copy. A review of the mainphysiopathological, clinical and diagnostic features ofthis rare lymphoma follows.

KEY WORDS: MALT lymphoma, lung, surgical lung biopsy,chemotherapy

INTRODUÇÃOO linfoma MALT (Mucosa-Associated Lymphoid Tissue) foidescrito pela primeira vez em 1983, no aparelhogastrintestinal e mais tarde definido como um linfomaB da zona marginal extra-ganglionar. Desenvolve-se apartir de tecido linfóide de localização normal ouectópica por estimulação inflamatória crónica. A maio-ria surge no aparelho gastrointestinal, mas 40% ocorrenoutros órgãos1. No linfoma MALT gástrico é conheci-da a associação com o Helicobacter pylory, mas para amaioria dos linfomas MALT com origem noutros orgãos,a relação com algum agente etiológico permanece des-conhecida. Tem habitualmente uma evolução lenta eresponde favoravelmente ao tratamento. Os autores des-crevem um caso de linfoma MALT pulmonar de grandeextensão e discutem o seu diagnóstico, tratamento eevolução em relação com revisão da literatura do tema.

CASO CLÍNICOUma mulher de 86 anos apresentava um quadro de

anorexia e de perda ponderal de 14 Kg em 5 meses,acompanhado de tosse com expectoração mucosa,dispneia e cansaço fácil. Negava febre ou sudorese noc-turna. Tinha antecedentes de insuficiência cardíaca,fibrilhação auricular, diabetes mellitus tipo 2 e gastrite.Negava hábitos alcoólicos ou tabágicos e não tinhahistória de exposição profissional. Apresentava-seemagrecida, pálida e apirética. Sem adenopatias, sinaisinflamatórios articulares ou lesões cutâneas. A auscul-tação cardíaca era irregular, sem sopros e à ausculta-ção pulmonar tinha crepitações no terço superior dohemitórax direito e na base do hemitórax esquerdo. Apalpação abdominal não apresentava alterações. Apre-sentava edema ligeiro dos membros inferiores. Atelerradiografia do tórax revelou cardiomegália e umaopacidade heterogénea no terço superior do pulmãodireito (Fig.1). A gasometria arterial com O2 a 21% re-velou insuficiência respiratória global com pO2 de62mmHg e pCO2 de 52mmHg. Da avaliação analíticasalientava-se anemia com hemoglobina de 9,2g/dL,

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normocítica e normocrómica, VS de 100mm(1ª hora), com leucócitos e contagem deplaquetas normal. A função renal, provas he-páticas, LDH e electroforese das proteínasestavam normais. Apresentava uma eleva-ção dos seguintes parâmetros: Proteína Creactiva 5,70mg/dL, â-2 microglobulina3558ng/mL, IgA 268mg/dL, IgG 1168mg/dL, IgM 178mg/dL, ADA sérica 79,4UI/L eSACE 64,40U/L. A prova tuberculínica foinegativa e o exame bacteriológico das se-creções respiratórias com pesquisa debacilos ácido-alcool resistentes (BAAR) ecultura em meio de Lowenstein foram nega-tivos. A tomografia computorizada (TC) detórax mostrou várias adenomegálias nos hilose mediastino, as maiores com 20 mm; noparênquima pulmonar apresentava uma le-são cavitada de morfologia complexa no seg-mento posterior do lobo superior direito as-sociada a sinais de bronquiectasias, consoli-dação parenquimatosa e de broncogramaaéreo (Fig. 2); tinha focos demicronodularidade centrilobular dispersosnos lobos superior e inferior direitos e regiãolingular. Procedeu-se a broncofibroscopia querevelou mucosa sem sinais inflamatórios, comabundantes secreções mucosas na árvorebrônquica bilateral. O aspirado brônquico foirico em células inflamatórias, negativo paracélulas neoplásicas, com pesquisa de BAARe cultura em meio de Lowenstein negativas.Para exclusão de outras lesõesneoproliferativas, realizou TC abdominal e pélvica e es-tudo endoscópico do tubo digestivo que foram nor-mais. Foi tratada com amoxicilina e ácido clavulânicodurante dez dias. Face à persistência da clínica respira-tória e por suspeita de doença pulmonarneoproliferativa, a doente foi submetida a biopsia pul-monar cirúrgica do lobo superior direito porvideotoracoscopia. O estudo anátomo-patológico re-velou acentuado infiltrado de linfócitos pequenos, denúcleos redondos regulares com cromatina fina, de dis-tribuição preferencial nos eixos bronco-vasculares, ondeformavam nódulos sem centros germinativos, compermeação do epitélio brônquico pelos mesmoslinfócitos. Pleura sem infiltração celular. O estudoimunohistoquimico mostrou imunorreactividade doslinfócitos para o CD20 e negatividade para o CD3, CD5

e CD10. As lesões morfológicas equacionadas com o

estudo imunohistoquímico foram compatíveis com

linfoma não Hodgkin B, com origem nos linfócitos as-

sociados à mucosa (linfoma de MALT), linfoma de bai-

xo grau. Iniciou programa de quimioterapia com COP

(ciclofosfamida, vincristina e prednisolona), tendo-se ve-

rificado uma melhoria da tosse e da dispneia, mas com

persistência dos sintomas constitucionais. Faleceu após

o sexto ciclo de quimioterapia.

DISCUSSÃOOs linfomas pulmonares primários (LPP) são responsá-veis por 0.5 a 1% das neoplasias pulmonares primárias.Caracterizam-se por proliferações linfoides monoclonaisdo parênquima pulmonar ou do tecido brônquico, em

Fig. 1 – Radiografia simples do tórax que mostra opacidade heterogénea no 1/3 superior do pulmãodireito.

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localização unilateral ou bilateral, sem evidência deenvolvimento extra-pulmonar na altura do diagnósticoe nos três meses consecutivos. A forma mais comum(70%) é o linfoma MALT ou BALTOMA, dada a sua ori-gem no bronchus-associated lymphoid tissue (BALT)1. OBALT está presente na mucosa brônquica na infância ena adolescência, onde desempenha um papel na pro-tecção contra as infecções. Nos adultos surge apenasnos casos de infecção crónica ou re-corrente, fumadores, ou portadores dedoenças autoimunes (sindroma deSjögren, tiroidite de Hashimoto, artritereumatóide, lupus eritematososistémico) sugerindo que a estimulaçãoantigénica crónica induz a hiperplasiafocal ou difusa e eventual proliferaçãomonoclonal para linfoma2. Ocorre commaior frequência em doentes com ar-trite reumatóide (AR), particularmentenaqueles tratados com terapêuticaimunossupressora3. Embora alguns es-tudos apontem para uma possível cor-relação com alguns agentes infeccio-sos (Mycobacterium tuberculosis,Mycoplasma, virus da hepatite C e ví-rus de Epstein-Barr), esta não é clara eo tabaco também não foi claramenteidentificado como um factor de risco.As anomalias cromossómicas mais fre-quentes são a trissomia 3 (60%) e atrissomia 18. A anomalia do cariótipomais vezes encontrada é a translocaçãot(11;18)(q21;q21) que ocorre em 20-50% dos linfomas gástricos e pulmo-nares. Esta tanslocação promove a fu-são AP12-MALT que resulta na supressão de apoptosedas células MALT, permitindo a sua proliferação sobestimulação antigénica crónica. Outras translocaçõesmenos frequentes são t(1;14)(p22;q14) et(1;14)(p22;q14) que aumentam a expressão de bcl 10,facilitando a sua ligação ao MALT1. Este complexo al-tera a sinalização para apoptose celular, resultando nodesenvolvimento e progressão do linfoma1. O BALTOMAocorre entre a 6ª e 8ª década de vida e afecta igual-mente os dois sexos. 40% dos doentes estãoassintomáticos à data do diagnóstico, sendo este fei-to a partir de um achado em telerradiografia de tórax4.Os sintomas respiratórios mais frequentes são a tosse,a dor torácica, a dispneia e raramente as hemoptises.

Os sintomas sistémicos constituídos por febre, anorexia,emagrecimento e astenia ocorrem em 20-40% dos do-entes1. Pode haver gamapatia monoclonal (36%) tipica-mente da classe IgM4 ou elevação da â2-microglobulina,descrita como um factor de mau prognóstico. As pro-vas de função respiratória são geralmente normais. Ra-diologicamente apresentam-se como uma opacidadealveolar com diâmetro inferior a 5cm (50-90%), associa-

da a broncograma aéreo (50%). As vias aéreas no pul-mão consolidado surgem frequentemente dilatadas.Menos de 10% têm imagens reticulonodulares difusas,atelectasia ou derrame pleural. A TC torácica mostralesões nodulares múltiplas (70-77%) e bilaterais (60-70%),com lúmen brônquico intacto na maior parte dos ca-sos. Podem ocorrer linfadenopatias (20%) e em menosde 10% dos casos ocorrem imagens em vidro despolido,infiltrado reticulonodular difuso e espessamento peri-broncovascular, atelectasia ou derrame pleural5. Abroncoscopia é geralmente normal, mas pode mostrarum aspecto inflamatório da mucosa ou estenosebrônquica. O papel do lavado bronco-alveolar (LBA) nodiagnóstico deste linfoma é pouco claro; alguns auto-

Fig. 2 – TAC do tórax que mostra consolidação parenquimatosa com broncograma aéreo e bronquiectasias

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res sugerem que pode ser útil se mais de 10% doslinfócitos forem células B num lavado característico dealveolite linfocitária e se for estabelecida amonoclonalidade dos linfócitos B por citometria de flu-xo. A biopsia transbrônquica ou percutânea com agu-lha fina faz o diagnóstico apenas numa minoria doscasos, por ausência de alterações específicas em amos-tras pequenas. Na maior parte dos casos descritos, odiagnóstico só foi estabelecido mediante biopsia cirúr-gica por toracotomia ou por toracoscopia assistida porvídeo, únicos exames actualmente recomendados parao diagnostico definitivo. Histologicamente caracterizam-se por infiltrados de células linfoides pequenas análo-gas às células da zona marginal das placas de Peyer oudos folículos esplénicos, ao longo das bainhasperibroncovasculares e septos alveolares e pela pre-sença de hiperplasia folicular reactiva, de lesõeslinfoepiteliais resultantes da migração celular linfoideda zona marginal para o epitélio bronquiolar e de rarascélulas blásticas. Os infiltrados celulares linfomatosospodem coalescer formando massas que poupam olúmen dos brônquios e vasos, dando o aspecto radio-lógico de broncograma aéreo, muito característico destelinfoma. Pode haver expansão destas células para asparedes alveolares com destruição dos alvéolos. Os de-pósitos granulomatosos e de substância amilóide sãomenos frequentes e estão associados a pior prognósti-co6. Expressam os marcadores para linfócitos B da zonamarginal, CD19, CD20, CD21, CD22, CD 35, CD79 eIgM1. A ausência de CD5, CD10, CD23 e BCL1 permiteexcluir o linfoma do manto, o linfoma folicular e olinfoma linfocítico crónico B. Raramente, expressam CD5que tem sido descrito como um factor de pior prog-nóstico7. O estadiamento é feito de acordo com a clas-sificação de Ann Arbor8, utilizada para os outroslinfomas não-Hodgkin. A disseminação pode ser local,para outros órgãos com MALT (estômago, glândulassalivares), para a medula óssea e gânglios linfáticos.Tendo em conta o potencial de invasão das mucosas,deve ser efectuada uma TC do tórax, abdómen e pélvispara despiste de doença ganglionar, biopsia medularpara despiste de infiltração da medula, estudoendoscópico do tubo digestivo com biopsias e o estu-do de outros órgãos com MALT (nasofaringe, orofaringee glândulas salivares). É um tumor de crescimento len-to, habitualmente localizado à data do diagnóstico (es-tádio I/II). Em menos de 20% dos casos há invasão damedula óssea e em 20-35% está associado a um linfomaMALT noutro orgão. Na falta de estudos prospectivos,

o tratamento ideal ainda não está claramente estabe-lecido1,9,10. Na maior parte das séries, os doentes foramsubmetidos a tratamento cirúrgico, com ou semquimioterapia. A quimioterapia também tem sido usa-da nos doentes com doença residual após ressecçãocirúrgica, ou naqueles com doença multifocal ouextrapulmonar. Alguns autores recomendam a realiza-ção da quimioterapia com um único fármaco(clorambucil, ciclofosfamida, azatioprina oucorticoterapia) nos LPP de baixo grau, dada a ausênciade evidência do benefício terapêutico e o acréscimosignificativo da morbilidade associado à quimioterapiacombinada (ciclofosfamida, vincristina, adriamicina eprednisolona), ficando esta reservada para doentes emestadio III ou IV da classificação de Ann Arbor, comrecidivas ou progressão da doença. A radioterapia iso-lada de lesões focais tem tido bons resultados. O pa-pel dos anticorpos monoclonais ainda não foi estabele-cido11. Em alguns ensaios clínicos, o interferon á-2a tevebons resultados no tratamento dos linfomas não Hodgkinextranodais. O prognóstico é bom quando o tumor estálocalizado. A taxa de sobrevida é superior a 80% aos 5anos e o tempo médio de vida é de 10 anos. Idadesuperior a 60 anos, doença disseminada, infiltração damedula óssea, substância amilóide no interior do tu-mor, elevação da â2-microglobulina, elevação dadesidrogenase láctica e redução do “performance status”constituem factores de pior prognóstico. As recidivassão frequentes, obrigando a uma monitorização a lon-go prazo destes doentes12. A transformação paralinfomas de alto grau tem sido descrita, embora algunsautores considerem poder tratar-se de linfomas B degrandes células diagnosticados como linfomas deMALT.A doente aqui apresentada, tratava-se de uma mulhercom 86 anos que para além da idade não apresentavaoutros factores de risco conhecidos para o linfoma deMALT pulmonar, nomeadamente patologias autoimunesou doenças pulmonares crónicas. Clinicamente apresen-tava o quadro que tem sido descrito com mais frequên-cia nestes doentes, com tosse e dispneia, para além dasqueixas constitucionais marcadas. A invulgar extensãodas lesões pulmonares com fenómenos de cavitaçãopouco frequentes nestes linfomas, levaram à realizaçãode uma série de exames para exclusão de outras hipóte-ses diagnósticas mais prováveis, nomeadamente tuber-culose ou outras neoplasias pulmonares primárias ousecundárias. A ausência de alterações nabroncofibroscopia e no lavado broncoalveolar, apesar

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das extensas lesões pulmonares que apresentava, mos-tra a falência destes exames no diagnóstico do linfomae reforça a importância da biopsia pulmonar cirúrgica,como único exame actualmente recomendado para odiagnóstico definitivo de linfoma de MALT pulmonar. Osexames realizados permitiram classificar a doença,segundo a classificação de Ann Arbor, no estádio III/N/E/B (doença dos dois lados do diafragma com e” 1foco ganglionar e e” 1 foco extraganglionar, com sin-tomas sistémicos), sem benefício do tratamento ci-rúrgico e com indicação para quimioterapia, de acor-do com a literatura revista. Visto tratar-se de umadoença que habitualmente responde bem àquimioterapia e porque a doente se encontrava mui-to sintomática, optou-se por iniciar ciclos dequimioterapia combinada em baixas doses, com aintenção de melhorar a sua qualidade de vida. Alémda idade superior a 60 anos e da diminuição marcadado “performance status”, a doente apresentava ou-tros factores de mau prognóstico, nomeadamente adoença pulmonar avançada e a elevação da â2-microglobulina que viriam a conduzir à sua morte.

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QUISTO DO MESENTÉRIO: UMA RARA CAUSADE DOR ABDOMINALMesenteric cyst: a rare cause of abdominal pain

Correspondência do Autor: Pedro Silva VazEmail: [email protected]

Pedro SILVA VAZ*§, Sergiu USURELU*, Ana MONTEIRO*, Sara CORREIA*, Rui RAINHO*, Manuel MEGA**, Aida PAULINO***, Horácio PEREZ**, AntónioGOUVEIA***, Arnandina LOUREIRO****

* INTERNO DE CIRURGIA GERAL

** ASSISTENTE HOSPITALAR

*** ASSISTENTE GRADUADO

**** DIRECTORA DO SERVIÇO

SERVIÇO DE CIRURGIA GERAL, HOSPITAL AMATO LUSITANO, UNIDADE LOCAL DE SAÚDE DE CASTELO BRANCO

RESUMO

Os quistos do mesentério são uma entidade nosológica rara,apresentando uma incidência de cerca de 1/140.000 dasadmissões hospitalares. Podem ser encontrados por todo omesentério, desde o duodeno ao reto, sendo mais frequen-temente descritos nos do íleon e cólon direito. Na maioriados casos são assintomáticos levando a que o seu diag-nóstico seja, frequentemente, um achado incidental. Asqueixas mais frequentes são o desconforto abdominal, náu-seas ou vómitos, no entanto, podem apresentar-se sob aforma de massa palpável ou distensão abdominal. Aecografia mostra-se de grande valor diagnóstico, com umasensibilidade entre os 85 a 100% e a tomografiacomputorizada (TC) permite uma avaliação da relação dosquistos com os órgãos adjacentes. O tratamento é cirúrgi-co e consiste na exérese do quisto quer por via laparotómicaou laparoscópica, com ou sem enterectomia segmentar.Os autores reportam dois casos de quistos do mesentérioque ilustram diferentes formas de apresentação clínica.

Palavras-chave: tumor abdominal, laparotomia, quistomesentério

ABSTRACT

Mesenteric cysts are one of the rarest abdominal tumors.The lack of characteristic clinical features and radiologicalsigns may present great diagnostic difficulties. The cystmay present with diffuse abdominal swelling, abdomi-nal pain or an abdominal mass. The incidence ofoccurrence in adults is 1/100.000. They may be localizedall over the mesentery from the duodenum to rectum,however, they are mostly found in the ileum and rightcolon mesentery. The treatment is based on cystresection, by laparotomy or laparoscopy, although theenterectomy may be necessary.We report two cases of mesenteric cyst illustratingdifferent forms of clinical presentation.

Keywords: abdominal tumor, laparotomy, mesentericcyst

INTRODUÇÃOEm 1507, o anatomista italiano Beneviene publicou,pela primeira vez, um quisto do mesentério desco-berto no decorrer de uma autópsia numa doente dosexo feminino, de 8 anos de idade. Em 1842, vonRokitansky descreveu um quisto mesentérico quiloso,por sua vez, Gairdner publicou, em 1852, um caso dequisto do grande omento. Em 1880, Tillaus realizou aprimeira cirurgia de excisão de massa quística domesentério com sucesso1 e Péan, em 1883, realizou

a primeira descapsulação2. Há cerca de 820 casospublicados na literatura desde a sua primeira descri-ção2.Os quistos do mesentério e epiplóicos são condiçõesraras, com uma incidência de 1:140.000 nas admis-sões hospitalares2,3 e de 1:20.000 nas admissõespediátricas1-3. São 4.5 vezes mais comuns do que osquistos do grande omento e, podem manifestar-seem qualquer faixa etária, com ligeira predominânciapara o sexo feminino e das terceira e quarta décadas

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de vida2,6. Podem ocorrer em qualquer localização, sen-do mais frequentes no mesentério do intestino delgado(60%), mesocólon (24%) e retroperitoneu (14,5%)1,5, loca-lizando-se preferencialmente, no mesentério ileal ou nomesocólon direito.Os autores descrevem duas diferentes apresentaçõesclínicas de quistos de mesentério.

CASO CLÍNICO 1Doente do sexo feminino, de 77 anos de idade, se-guida na Consulta de Medicina por hipocalcemia se-cundária a hipoparatiroidismo iatrogénico, subsequen-te a tiroidectomia total por bócio multinodular. Emconsulta de rotina, e por apresentar dor abdominalinespecífica, realizou TC abdominal (Figura 1) que evi-denciou uma formação ovalada com cerca de 4.6cmde diâmetro, bem delimitada e de estrutura quística,na provável dependência de ansa jejunal. Foi orien-tada para Consulta de Cirurgia, tendo sido propostaexérese de lesão. Durante a intervenção cirúrgica foi:identificada lesão quística de paredes calcificadas,com 5cm de diâmetro, localizada no mesentério dojejuno aos 40cm do ângulo de Treitz, semenvolvimento do lúmen intestinal; foi efetuadaresseção segmentar do jejuno (Figura 2,3). O pós-ope-ratório decorreu sem intercorrências. O estudoanatomopatológico revelou quisto de mesentério de4,5cm de maior diâmetro, constituído por tecido con-juntivo hialinizado em parte calcificado. A doente en-contra-se assintomática.

CASO CLÍNICO 2Doente do sexo feminino, de 67 anos de idade querecorre ao SU por dor abdominal epigástrica, de trêsdias de evolução, com aumento progressivo, mascom instalação nos quadrantes esquerdos. Apresen-tava antecedentes cirúrgicos de colecistectomia porcolel i t íase e t iroidectomia total por bóciomultinodular. O exame objetivo evidenciava umabdómen moderadamente distendido, poucotimpanizado, doloroso à palpação dos quadrantesesquerdos com sinais evidentes de irritação peritoneal,associando-se com massa palpável, de superfície re-gular, consistência duro-elástica, móvel e dolorosa,com cerca de 10cm de maior diâmetro. O estudoanalítico evidenciava PCR aumentada. A TC revelouuma formação anecogénica no mesentério com cer-ca de 60mm de diâmetro e paredes espessadas,

Figura 1 - TC abdominal: lesão quística de com cerca de 4,6cm de diâmetro, naprovável dependência de ansa jejunal

Figura 2 - Imagem per-operatória: quisto do mesentério, apresentando paredescalcificadas

Figura 3 - Peça operatória: secção da parede do intestino delgado, sem lesões

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condicionando compressão das ansas de intestinodelgado (Figura 4). A doente foi submetida alaparotomia exploradora, onde se observou forma-ção quística a cerca de 50cm do ângulo de Treitz(Figura 5,6). Realizou-se ressecção segmentar dejejuno. O pós-operatório decorreu sem intercorrências.O estudo anatomopatológico revelou tratar-se dequisto do mesentério com cerca de 8cm de maiordiâmetro, uni loculado. A doente encontra-seassintomática.

DISCUSSÃOOs quistos do mesentério são tumores abdominais ra-ros1-4, com uma incidência de cerca de 1/140.0001. Fo-ram descritos por Beneviene em 1507, podendo aco-meter indivíduos de qualquer faixa etária, verificando-seum predomínio para o sexo feminino e para a quartadécada de vida. Podem ser encontrados por todo omesentério, desde o duodeno ao reto, no entanto, sãomais frequentemente descritos no do íleon e do cólondireito2,3.Entre as camadas peritoneais que formam o mesentérioexistem estruturas, como os vasos sanguíneos, tecidoconjuntivo, adiposo, linfático e fibras musculares. To-dos estes componentes apresentam potencial de for-mar processos neoplásicos tanto benignos como ma-lignos, quer primários quer secundários, sólidos ouquísticos. Os tumores que se originam primitivamenteentre os folhetos mesentéricos são, por definição, tu-mores mesentéricos primários, que são bastante ra-ros, por sua vez, os implantes malignos intra-abdomi-nais ou metástases ganglionares são relativamentecomuns e denominados secundários. Os tumoresmesentéricos primários podem ser, por sua vez,quísticos ou sólidos, com predomínio pela formaquística8.São propostas várias teorias etiológicas para a forma-ção dos quistos do mesentério. Gross et al. referem aproliferação benigna de linfáticos ectópicos que nãopossuem comunicações com o sistema linfático normalcomo causa de formação destas entidades1. A obstru-ção linfática é outra proposta etiológica, no entanto écolocada em causa com estudos in vivo em animais vi-vos. As outras causas apontadas são: falência da jun-ção embrionária entre o sistema linfático e o sistemavenoso, traumatismo, neoplasia, degeneração dosgânglios linfáticos1.A apresentação clínica dos quistos do mesentério é vari-

Figura 4 - TC abdominal: formação no mesentério de natureza quística comcerca de 60mm de diâmetro de paredes espessadas, condicionando compressãodas ansas de intestino delgado

Figura 5 - Imagem per-operatória: quisto do mesentério, a cerca de 50cm doângulo de Treitz

Figura 6 - Peça operatória: relação da formação quística com a ansa intestinal

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ável, sendo a maioria diagnosticados em laparotomiaspor outras condições ou em situações de abdómen agu-do, o que ocorre em cerca de 10%1. Os sintomas estãorelacionados com o tamanho, a localização e a presen-ça de complicações da lesão (torção, obstrução intes-tinal, hemorragia, infeção e rotura traumática do quis-to)7,8. A presença de massa abdominal palpável ou visí-vel é descrita em 25-73% dos casos e, quando palpá-vel é indolor, de contornos bem definidos e com gran-de mobilidade8. O diagnóstico é suspeitado no exameobjetivo do abdómen, com o auxílio do sinal de Tillaux,que consiste na mobilização do quisto como um todoà palpação abdominal profunda2,6,8. O aumento do perí-metro abdominal é lento e progressivo, levando a umdiagnóstico tardio e muitas vezes confundido comascite8.Não existem estudos complementares de diagnósticoespecíficos para esta patologia. O estudo radiológicopode revelar um desvio das ansas intestinais ou mesmouma massa, com imagens de calcificação visíveis. Aecografia, é o exame de imagem de escolha, pois permi-te a caracterização de estruturas quísticas, com umasensibilidade de 85 a 100%. A TC permite, para além daconfirmação da informação fornecida pela ecografia,caracterizar a relação da lesão quística com as estrutu-ras vizinhas. Por sua vez, a TC contrastada associada àangiografia pode ser benéfica nos quistos epiplóicos degrande dimensão. Há alguns artigos5,9 que enumeram al-gumas vantagens da ressonância magnética (RM) nacaracterização dos quistos do mesentério, nomeadamen-te quando a TC não permite estabelecer com segurançaas relações dos órgãos vizinhos com a estrutura quística.Foram propostas várias classificações para os quistosdo mesentério4,5,8, nomeadamente Beahrs et al. que, em1950 descreveram 4 classes de quistos5,8. Em 1987 Roset al. propõem uma classificação histológica de 5 clas-ses5,8. Perrot et al., em 2000, apresentam uma classifica-ção baseada em parâmetros histopatológicos e que in-clui 6 grupos: 1- quistos de origem linfática (quistosmesentéricos simples e linfangioma); 2- quistos de ori-gem mesotelial (quistos mesoteliais simples, mesoteliomaquístico benigno e mesotelioma quístico maligno); 3-quistos de origem entérica (quistos entéricos e de dupli-cação entérica); 4- quistos de origem urogenital; 5- quis-tos teratomatosos maduros (quistos dermóides) e 6-pseudoquistos (quistos infeciosos e traumáticos)4.O diagnóstico diferencial mais importante é o quisto doovário, ainda que devam ser investigadas outras lesõesabdominais, como o pseudoquisto do pâncreas, os tu-

mores retroperitoneais pediculados, os leiomiomasuterinos pediculados, a invaginação intestinal, oaneurisma da aorta e a apendicite complicada com ab-cesso. Histologicamente, o diagnóstico diferencial é fei-to com o linfangioma e mesotelioma2,3. A degeneraçãomaligna é rara, sendo verificada em 3 a 4% dos casos2.O tratamento de eleição é a excisão completa da massaquística, sendo a enucleação a técnica preferida. Aressecção intestinal é frequentemente associada àexérese da lesão no sentido de assegurar a viabilidadeda ansa intestinal na sua dependência1,2,4,5. Se aenucleação ou a ressecção não é possível devido aotamanho do quisto ou porque há uma relação com araiz do mesentério, a marsupialização do quisto para acavidade abdominal está indicada1. Se a marsupializaçãofor a opção terapêutica, a cavidade quística deve seresclerosada com ou solução de cloreto de sódiohipertónico a 10%, com electrocautério ou com tinturade iodo1 para diminuir a possibilidade de recidiva.Desde que foi descrita pela primeira vez em 1993, porMackenzie, a cirurgia laparoscópica para o quisto domesentério, tem-se mostrado como uma excelente opçãode tratamento, aproximando-se em eficiência da cirurgiaaberta, com a vantagem de proporcionar menos dor nopós-operatório, uma recuperação precoce, menor tempode internamento hospitalar e melhor resultado estético8,10.As taxas de recorrência são descritas entre 0-13,6%1,2. Agrande maioria das recidivas acontece com os quistosretroperitoneais ou naqueles que foram submetidas aexcisões parciais. O prognóstico é bom, com remissãototal dos sintomas.

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GASTROENTERITE EOSINOFÍLICA - A PROPÓSITO DEUM CASO CLÍNICO

Olga GOMES1, Nuno BARROS2, Zoya KLITNA1, Maria DO CASTELO BILÉU3, Rosa JORGE4

RESUMOA gastroenterite eosinofílica é uma doença crónica rara,de etiologia e patogénese desconhecidas, caracteriza-da por infiltração eosinofílica do tubo digestivo.Os autores apresentam um caso de gastroenteriteeosinofílica numa mulher de 21 anos com quadro inicialde dejecções diarreicas com muco e sangue, dor abdo-minal difusa e vómitos. Analiticamente, a destacareosinofilia marcada e aumento da IgE. A endoscopia di-gestiva alta mostrou congestão da mucosa do esófago,estômago e duodeno e a colonoscopia revelou úlcerasserpiginosas e mucosa edemaciada. As biópsias realiza-das no tubo digestivo evidenciaram infiltrado eosinofílicomarcado. Após a exclusão de outras hipótesesdiagnósticas, foi iniciada corticoterapia com melhoriafranca da sintomatologia gastrointestinal.Os autores realçam a relevância deste caso pela sua ra-ridade. Denota-se ainda a importância de um diagnósti-co correcto, particularmente pela excelente resposta àterapêutica que esta patologia apresenta.

Palavras-Chave: Gastroenterite, Eosinofilia, Diarreia, Dorabdominal.

ABSTRACTEosinophilic gastroenteritis is a rare chronic disease ofuncertain etiology and pathogenesis, characterized byeosinophilic infiltration of the digestive tract.The authors present a case of eosinophilic gastroenteritisin a woman of 21 years of age, initially with bloodymucus in stool, diffuse abdominal pain and vomiting.Laboratorial workup showed marked eosinophilia andincreased IgE titer. Upper gastrointestinal endoscopyrevealed mucosal congestion of the esophagus, stomachand duodenum and colonoscopy revealed serpiginousulcers and mucosal edema. Biopsies performed on thedigestive tract evidenced markedly eosinophilic infiltrate.After excluding other diagnostic possibilities, steroidtherapy was initiated with frank improvement ofgastrointestinal symptoms.The authors point out the relevance of this case for its’rarity. The importance of a correct diagnosis is alsohighlighted, mainly due to the excellent response totreatment this patology exhibits.

Keywords: Gastroenteritis, Eosinophilia, Diarrhea, Abdo-minal pain.

INTRODUÇÃO:A Gastroenterite Eosinofílica (GEE) é uma doença infla-matória rara, descrita pela primeira vez por Kaijser em1937. Actualmente existem menos de 300 casos publi-cados na literatura mundial. É uma doença clinicamenteheterogénea e de etiologia desconhecida, que se carac-teriza pela infiltração maciça de eosinófilos na parededo tubo digestivo, desde o esófago até ao recto, sendoque a sintomatologia varia consoante a região afectadae a profundidade da infiltração. Apesar da sua raridade,convém realçar um aspecto fulcral desta patologia quese caracteriza por uma óptima responsividade ao trata-mento com corticoesteróides.

1INTERNA COMPLEMENTAR DE MEDICINA INTERNA DO HOSPITAL INFANTE D. PEDRO – AVEIRO2INTERNO DO ANO COMUM3ASSISTENTE GRADUADA DE MEDICINA INTERNA4ASSISTENTE GRADUADA DE MEDICINA INTERNA – DIRECTORA DO SERVIÇO DE MEDICINA IISERVIÇO DE MEDICINA II

CASO CLÍNICO:Mulher de 21 anos de idade, causasiana, escriturária deprofissão, que deu entrada no Serviço de Urgência doHospital Infante D. Pedro em 28/3/2010, com queixasde dor pleurítica à esquerda, febre (temperatura auricularde 38,1ºC) associada a tosse seca, com 24 horas deevolução. Referia ainda ligeira dor abdominal difusa enaúseas, sem outros sintomas, nomeadamente gastro-intestinais ou génito-urinários.Apresentava um internamento recente no mesmo Hos-pital desde o dia 7/3/2010 a 18/3/2010 porbroncopneumonia, com evolução favorável,assintomática à data da alta e analiticamente sem alte-

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rações relevantes (eosinófilos dentro dos parâmetrosnormais).Nos antecedentes pessoais, de salientar apenas asmabrônquica desde os 5 anos medicada com Terbutalina eSalmeterol + Fluticasona.Ao exame object ivo a doente encontrava-sehemodinamicamente estável, apresentando ausculta-ção pulmonar com diminuição do murmúrio vesicularna base esquerda associado a crepitações de predo-mínio inspiratório. Analit icamente, a destacarleucocitose (14,3x109/L) com eosinofilia (3,78 x109/L) e aumento da PCR (10,9 mg/dl). A telerradiografiado toráx evidenciou infiltrado intersticial bilateral, aesboçar alguma nodularidade sem focos decondensação. Perante a hipótese diagnóstica debroncopneumonia foi-lhe instituída antibioterapiaempírica com Levofloxacina, ficando internada no Ser-viço de Medicina. A sua evolução inicial foi favorá-vel, apresentando-se apirética ao terceiro dia deinternamento com remissão das queixas respiratóri-as. No entanto, ao quarto dia de internamento ini-ciou dejecções diarreicas de fezes líquidas com mucoe sangue, acompanhada de dor abdominal difusa, in-tensa, com intolerância alimentar, traduzida por vó-mitos pós-prandiais. Foi objectivada uma perdaponderal de 6 kg em 8 dias. O abdómen era mole edepressível com dor moderada à palpação profundada região peri -umbil ical , sem massas ouorganomegalias palpáveis, com pontos herniais livres.A evolução analítica mostrou uma manutenção daleucocitose com aumento da eosinofilia até 7,2 x109/L e um aumento marcado da IgE cujo valor foi 2418,3Ul/ml (N<120 UI/ml).Dos restantes exames auxiliares de diagnóstico reali-zados, salienta-se: anti-HIV1 e anti-HIV2 negativos,pesquisa de bacilos ácido-alcool resistente, no sucogástrico, negativo. O estudo das fezes mostrou-senegativo no exame cultural assim como para a pes-quisa de Giardia Lamblia, toxina de ClostridiumDifficile, Salmonella, Shigella, Yersinia, Campylobactere Criptosporidium parvum. Os vários testes cutâneosde alergia tais como os anticorpos anti-nucleares fo-ram negativos. A ecografia abdominal evidenciou der-rame inter-ansas de volume ligeiro a moderado, semque se identificassem ansas de paredes espessadas.Fez broncofibroscopia que apenas revelou presençade secreções muco-purulentas em quantidade mode-rada e o exame citobacteriológico do aspiradobrônquico foi negativo. A endoscopia digestiva alta

(EDA) mostrou o esófago com congestão da mucosacom escasso depósito amarelado no 1/3 inferior, es-tômago com focos congestivos no corpo gástrico emúltiplas discretas erosões no antro. A colonoscopiarevelou o recto com focos congestivos, pequenaserosões e duas úlceras, com cerca de 8 mm, em cica-trização; todo o cólon com focos congestivos (figu-ra 1), pequenas erosões e duas úlceras, com cerca de8 mm, em cicatrização e ileon terminal distensívelcom pequena úlcera serpiginosa (figura 2) e raras mi-núsculas erosões. Foram realizadas biópsias doesófago, antro gástico, recto e cólon cujahistopatologia veio a revelar a presença de abundan-tes eosinófilos no infiltrado, não se observandogranulomas epitelióides, lesões de vasculite, nem in-clusões víricas de Herpes ou CMV, sendo os achadoscompatíveis com o diagnóstico de Gastroenteriteeosinofílica.Foi pedida colaboração da Otorrinolaringologia paraexclusão de envolvimento de órgãos extra-intestinaispela eosinofilia tendo sido realizada biópsia da mucosanasal cujo resultado histológico mostrou hiperplasiareactiva das glândulas seromucosas, não se observan-do lesões de vasculite, eosinófilos nem granulomas.Perante estes resultados, foi estabelecido o diagnós-tico de GEE e iniciou terapêutica com Prednisolona(60mg/dia). Nas primeiras 24 horas houve uma melhoriafranca da sintomatologia intestinal e ao fim de 72horas, remissão total dos sintomas. Ao terceiro dia dePrednisolona, apresentava uma normalização doleucograma (leucócitos de 9,8 X109/L e eosinófilos de0,32 X109/L). Teve alta 5 dias após ter iniciadocorticoterapia com uma dose de 40 mg/dia em des-mame lento. Seguida em consulta externa de Medici-na, estando actualmente sem corticóide eassintomática.

DISCUSSÃO:A GEE é uma doença inflamatória crónica, rara, descritapela primeira vez por Kaijser em 19371,2. Ocorre maisfrequentemente em doentes do sexo masculino,caucasianos, entre a 3ª e a 5ª década de vida3, e comantecedentes de alergia e/ou atopia. Tem uma incidên-cia de um caso por 100 000 doentes/ano com aumen-to significativo na última década4.Esta entidade nosológica define-se pelos seguintes cri-térios:a) infiltração eosinofílica, histologicamente documenta-da, de número igual ou superior a 25-30 eosinófilos por

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campo de grande ampliação, de uma ou mais áreas dotubo digestivo;b) presença de sintomas gastrointestinais;c) ausência de doença extra-intestinal e infestação para-sitária3,5. A eosinofilia periférica ausente em cerca de 20%dos casos, não é critério diagnóstico necessário5.A etiopatogenia da GEE permanece desconhecida. Oseosinófilos lesam o tracto digestivo de modo direc-to, através da libertação de proteínas tóxicas, e indi-recto, estimulando a síntese de leucotrienos e acti-vando os mastócitos na libertação de histamina eoutros mediadores5. No entanto, o factor inicialdesencadeante da infiltração e desgranulação doseosinófilos, e consequente lesão tecidular, é desco-nhecido. Embora tenha sido proposta uma possívelcausa alérgica, apenas 50% dos doentes com GEE temhistória de atopia e a presença de alergia alimentarinequívoca, ocorre apenas ocasionalmente em adul-tos3,5.A localização anatómica mais comum desta afecção éo duodeno e o antro gástrico, embora possa envolverqualquer área do trato gastrointestinal, do esófago aorecto, de forma focal ou difusa. O envolvimento da viabiliar, vesícula e pâncreas também aparece descrita4,6.Klein et al. descreveram 3 formas de apresentaçãohistopatológica da GEE7,8,9:1-GEE com envolvimento predominante da camadamucosa, caracterizada por inflamação e ulceração, cau-sando naúseas, vómitos, diarreia, dor abdominal, ema-grecimento com perda de sangue e proteínas. Nas for-mas mais graves associa-se a um síndrome de má ab-sorção. É a forma mais comum, diagnosticada em 25 a100% dos casos, provavelmente pela facilidade de di-agnóstico por meios de endoscopia e biopsia disponí-veis rotineiramente.2-GEE com envolvimento da camada muscular, carac-terizada por sintomas intermitentes de obstrução in-testinal secundário ao espessamento e rigidez da ca-mada envolvida. Clinicamente manifesta-se por náu-seas, vómitos, dor e distensão abdominal. É a quemenos se associa a eosinofilia. Ocorre em 13-70% doscasos.3-GEE com envolvimento predominante da camadaserosa, correspondendo geralmente a uma infiltraçãotransmural. Associada com ascite eosinofílica, na maio-ria das vezes com um gradiente de albumina inferior a1,1 g/dl, um alto nível de eosinofilia periférica. Ocorreem 12-40% dos casos. O diagnóstico é difícil e requerbiópsias cirúrgicas ou laparoscópicas.

De uma forma geral, os sintomas são cronicamenterecorrentes, ocasionalmente autolimitados e propor-cionais à eosinofilia tecidular (mas não à sérica), sen-do as manifestações mais frequentes, a dor abdomi-nal, náuseas, vómitos, diarreia, emagrecimento e ascite.A apresentação clínica é diferente consoante a túnicaafectada3.O diagnóstico é feito pela clínica, que na maioria dasvezes é bastante sugestivo mas, o gold standard é aendoscopia digestiva alta (EDA) e baixa com realiza-ção de biópsias. Outros exames úteis para o diag-nóstico incluem hemograma, IgE total, VS, testescutâneos de alergia, parasitológico de fezes e deaspirado do colón. As alterações mais frequentesdeste estudo complementar são a eosinofilía, a ane-mia ferropriva, a hipoalbuminemia e o aumento daIgE, VS e PCR6,10.Assim, com base na clínica e nos exames comple-mentares de diagnóstico, Greenberger et al11. sugeri-ram, em 1973, os primeiros critérios de diagnósticoque se referem aos sintomas gastrointestinais pós-prandiais, eosinofilia periférica e infiltração eosinofílicagastrointestinal. Mais tarde, em 1990, Talley et al3.propõe os novos critérios que são actualmente maisreconhecidos e utilizados.Os critérios de diagnóstico são:a) Presença de sintomas gastrointestinais;b) Infiltração eosinofílica, histologicamente documenta-da, de número igual ou superior a 20 eosinófilos porcampo de grande ampliação, de uma ou mais áreas dotubo digestivo;c) Ausência de doença extra-intestinal e infestação pa-rasitária;d) Eosinofilia sem envolvimento de outros órgãos extra-intestinais.No diagnóstico diferencial, consideram-se várias doen-ças (Quadro II), com eosinofilia tissular e semelhançasclínicas com a GEE5.A associação síncrona ou metacrónica, de GEE e infil-tração eosinofílica extra-intestinal, que ocorre em al-guns casos5,12 e com possibilidade de evolução parasíndrome hipereosinofílico (SHE)12,13,, sugere tratar-se deuma entidade complexa com apresentação clínica va-riada. Nos extremos deste espectro clínico encontra-se a GEE, localizada especificamente ao tubo digesti-vo, e o SHE que, por definição, consiste numa infiltra-ção multisistémica por eosinófilos com eosinofilia pe-riférica.No caso apresentado, tendo em conta a história clínica

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Figura 1 – Cólon transverso,descendente e sigmóide commucosa muito edemaciada econgestiva com pequenaserosões dispersas.

Figura 2- Úlcera serpiginosano íleon terminal.

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e as queixas respiratórias, impunha-se a exclusão deenvolvimento extra-intestinal, nomeadamente pulmonar,que não se confirmou.O tratamento consiste em medidas gerais como se-guir um plano dietético, especialmentequando há envolvimento estrito da mucosaou quando a ingestão alimentar condiciona,repetidamente, o aparecimento de sinto-mas, mas, o benefício é habitualmente tran-sitório14; suspender medicamentos suspei-tos (AINEs e antibióticos); usar com perio-dicidade antihelmínticos em áreas de riscode parasitose intestinal; antidiarreicos quan-do necessário. Realizar controlo de seis emseis meses aos doentes com diagnósticode GEE.O tratamento farmacológico mais específi-co e mais uti l izado consiste emcorticoterapia (prednisolona 20-40 mg/diadurante uma semana seguido de desmame),com controlo dos sintomas em 90% dosdoentes. Contudo, após suspensão, 33-50%recidivam, necessitando de reintrodução oude manutenção com corticóides15,16.O uso de outros agentes, associados ou nãoaos corticóides têm demostrado algum êxi-to, como sejam os antialérgicos tal como oCromoglicato Sódico 200 mg/6-6h17, oCetotifeno 2-4 mg/dia18 e o MontelucasteSódico 20-30 mg/dia19. Na literatura, mui-tos outros medicamentos são descritoscomo úteis tal como a Azatioprina,Ciclofosfamida, 6-Mercaptopurina,Ciclosporina A, Hidroxiureia, entre outros,mas os resultados são discrepantes20.O prognóstico da GEE é excelente quandotratada correctamente como no caso dadoente apresentada. A mortalidade é excep-cional e decorre geralmente das complica-ções inerentes aos actos cirúrgicos, quandoestes estão indicados.

CONCLUSÃOA GEE é uma doença rara, comsintomatologia variada, de bom prognósti-co e pode afectar doentes de qualquer ida-de ou raça. Esta hipótese de diagnósticodeve colocar-se em doentes com sintomas

gastrointestinais inexplicados ou recidivantes, incluin-do dor abdominal aguda associada a eosinofilia peri-férica e VS normal ou discretamente elevada, comono caso apresentado.

Quadro II - Diagnóstico diferencial da Gastroenterite Eosinofílica

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N.E: Análise não efectuada

Gráfico 1: Evolução da leucocitose e da neutrofilia durante o internamento

Tabela 1- Exames laboratoriaisrelevantes efectuados

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LESÃO DE CONTACTO (TÉRMICA) DO RETO E JUNÇÃORETOSSIGMOIDEIA

Pedro SILVA VAZ*, Sergiu USURELU*, Ana MONTEIRO*, Sara CORREIA*, Rainho RAINHO*, Gina MELO**, António GOUVEIA**, António BANHUDO***,Arnandina LOUREIRO****

*INTERNO COMPLEMENTAR DE CIRURGIA - HOSPITAL AMATO LUSITANO DA UNIDADE LOCAL DE SAÚDE DE CASTELO BRANCO

**ASSISTENTE GRADUADO DE CIRURGIA

***DIRETOR DO SERVIÇO DE GASTRENTEROLOGIA

***DIRETORA DE SERVIÇO DE CIRURGIA

FACULDADE DE CIÊNCIAS DA SAÚDE – UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR

Doente do sexo feminino, de 68 anos de idade que re-correu ao Serviço de Urgência em Agosto/2009 por dorabdominal generalizada após quadro de obstipação comevolução de vários dias que tentou resolver com enemade água quente e azeite, constatando rectorragias apósa sua administração.Antecedentes pessoais de cardiopatia isquémica,fibrilhação auricular, HTA, e litíase vesicular encontran-do-se medicada com varfarina, furosemida, digoxina ecaptopril. Realizou TC abdominopélvica que revelouespessamento parietal circunferencial da parede rectal

(Figura 1,2). O estudo analítico evidenciou leucocitose(17,37/L) com neutrofi l ia (15.23) e anemia(Hemoglobina: 6,4g/dL). A colonoscopia mostroumarcada congestão e necrose da mucosa iniciadas nocanal anal interno com áreas longitudinais de preser-vação que se estendia a todo o reto e junçãoretossigmoideia, com atenuação progressivamente atéaos 30cm (Figura 3,4,5 e 6).A doente por apresentar agravamento do quadro clíni-co foi internada na UCIP, tendo vindo a falecer ao 23ºdia por quadro de sépsis grave.

Figura 1

Figura 2

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Figura 3

Figura 4

Figura 5

Figura 6

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O hebreu ALIZALAÍN, de vinte e sete anos, foi atacadoduma doença gravíssima e mortal, no dia 4 de Setem-bro de 1546, tempo a partir do qual nos propusemosescrever estas Curas. Morreu na segunda feira seguinte,de modo que só durou 48 horas.Se me perguntarem de que doença morreu, direi que eleteve corrupção do cérebro, isto é, gangrena ou apodre-cimento.A este respeito, disse HIPÓCRATES no livro 7.º dosAforismos, aforismo 51.º: “Todos os que tiverem o cére-bro apodrecido, isto é, corrompido, morrem em três dias;se porém os ultrapassarem, estão salvos”. Êste aforismodeve entender-se, como quer GALENO na explanação,que, iniciado o esfacelo, isto é, devorado o cérebro pelachaga (ulcere) e a energia física for poderosa, de modo avencer aquele, no espaço de três dias, o doente salva-se e fica são. Se, porém, no começo da chaga devorantenão é vencido pelo poder do cérebro, então começa acorroê-lo e a devorá-lo, mata dentro de três dias, embo-ra já se tenha notado que por vezes se alcançou o déci-mo quarto dia, segundo a experiência, com o cérebrodesfeito, mas na maioria dos casos morre-se em trêsdias.Para melhor se conhecer esta afecção, é bom saber queeste jovem era de temperamento sanguíneo e que, qua-renta dias antes da sua morte, tivera muitas vigílias por-que estivera muito ocupado em preces divinas que oshebreus naquêles dias costumam consagrar a Deus, du-rante a noite. Se, porém, havia alguma parte da noite emque podia passar pelo sono, gastava-a em volta de seupai que, já octogenário, estava gravemente enfermo eera atormentado por diarreia e só ele o tratava e cuida-va. Dêste modo, fatigado pelas longas vigílias e ataca-do por aqueles cheiros repugnantes, caiu na corrupçãodo cérebro que os gregos denominam sphacelismo.Confirmam a existência da doença estes sinais: a sensa-ção dolorosa do sinciput da cabeça e da parte anteriorda testa, a permanência também de um torpor tal que,picado com força, não reagia; uma grande lassidão docorpo; além disso, febre intensíssima tal como é habitu-al nesta doença. Por fim vieram, com os sinais referidos,tremores que o sacudiam todo e prenúncios fatais, demodo que no espaço de dois dias morreu, pois que a

CURA IXEM QUE SE TRATA DUM ESFACELO, ISTO É, DUMACHAGA QUE DESTRÓI O CÉREBRO

doença começou a atacá-lo no princípio da noite, antesdo domingo, e veio a falecer no princípio da noite deterça feira. Durante êste tão pequeno espaço de temponão deixou de aplicar e tomar os medicamentos devi-dos, visto que, na manhã de domingo, logo os médicosextraíram sangue pela secção da veia jecorária, na flexurado braço, e deram a beber um xarope solutivo de rosascom cozimento de sene a que o intestino respondeunaturalmente, embora eu censure que tal operação setivesse feito neste dia, por contraindicada. Com efeito,o purgante arrasta do exterior para o interior, o corte daveia, porém, do interior para o exterior, e levaram a mis-tura de vinagre e água de rosas (oxirrodinum) até à re-gião dorida anterior da cabeça.Chamado no dia seguinte, mandei abrir a veia cefálicano cúbito esquerdo e tratei também de lhe aplicar ven-tosas nas espáduas; a pôr, detrás das orelhas,sanguesugas e ao ânus, não omitindo de modo nenhum,fricções nos braços e pernas, assim como cataplasmasna cabeça. Por último veio o ilustre BRASSAVOLA, admi-rável na cura das doenças do corpo humano, e mandouaplicar ao sinciput pombo desfeito assim como unguen-to de nenúfar à região do coração e vesicatórios decantáridas às espáduas. Tudo isto nada aproveitou vis-to que esta doença era das mais cruéis.O cérebro, órgão importantíssimo, era devorado poruma chaga que os mais cultos chamavam sideração.Pròpriamente o denominamos membro siderado.(sideratum), visto que está completamente tolhido e pri-vado de sensibilidade e actividade.Às vezes, porém, sideração significa apoplexia eCORNÁRIO que actualmente, ao escrevermos isto, tra-duziu HIPÓCRATES para latim, traduz apoplexia só porsideração, assim como êste vocábulo grego bliton porsiderado, como se vê no opúsculo Das Glândulas e emmuitos outros passos. Oxalá que CORNÁRIO, na sua tra-dução das doenças e enfermidades, usasse dos nomesgregos, visto que são mais claros para os médicos doque os latinos.Entretanto ALIZALAÍN morreu de esfacelo e não deapoplexia, como julgava BRASSAVOLA, e foi assim arre-batado, com grande dor de todos os amigos, no meioda carreira da vida. É todavia de grande conforto para

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os seus amigos o facto de ter vivido santamente e termorrido inocentemente, naquele dia em que os judeusaconselham a pedir a Deus perdão para os seus peca-dos.

COMENTÁRIOSÉ ainda difícil conhecer esta doença. Todavia, por con-jecturas, com intervenção dos sinais por nós citados,conseguimo-lo em alguns indivíduos a quem disseca-mos a cabeça(I) encontrando o cérebro corrompido. Masnão nos escapa o que GALENO diz no Livro 2.º De locisaffectis, capítulo VIII, onde censura ARQUÍGENES, a pro-pósito do esfacelo ou esfacélide, pois este vocábulosphacelus tem muitas acepções, mas nêste caso sphacelusou sideração, é, por assim dizer o termo da gangrena.É a gangrena, como diz GALENO no livro 2.º da Ars cura-tiva ad Glauconem a destruição ainda não inteiramenteconsumada e confirmada de um membro, proveniente

de grande inflamação. A violência e tirania deste malsão tão grandes que, se não acudirmos rapidamente, omembro afectado tomará facilmente um aspecto demorte e será destituído de sensibilidade e de movimen-to, de modo que nada sente ao ser batido, cortado ouqueimado. A este estado de afecção os gregos não cha-mam gangrena, mas esfacelo (sphacelon) e alargam estadesignação à gangrena. Sôbre este assunto poder-se-áver mais largamente AÉCIO, no livro I4º da sua Medicina,cap. 56.º e JOÃO TAGAULTIO, no livro da Instituição Ci-rúrgica. Em AÉCIO, CORNÁRIO traduz esfacelo por cárie,mal que se aplica mais aos ossos do que à carne. GALENOautor do livro 7.º do Methodus Medendi, também inter-preta apoplexia por sideração como notámos mais aci-ma. Em HIPÓCRATES, em certos passos do livro De morbis,qualquer pode ler que sempre se traduz apoplexia porsideração, como disse. Se está bem, julguem-no os mé-dicos.

(I)NO TEXTO: QUÓRUM CAPITA DISSECUIMUS

JOÃO RODRIGUES DE CASTELO BRANCO (AMATO LUSITANO) PRIMEIRA CENTÚRIA DE CURAS MÉDICAS. PREFÁCIO E TRADUÇÃO DE: FIRMINO CRESPO E JOSÉ LOPES DIAS, LIVRARIA LUSO

ESPANHOLA.LISBOA,PP:54-56

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