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1 TEMAS 10 - Democracia Guia de Estudos Parte Histórica 1961 Gabinete: o Movimento da Legalidade Natália Ribeiro Felipe Simoni Raphael Moreira Arthur Ramos Rafael Tamae Rhuan Gomes Belo Horizonte 2014

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TEMAS 10 - Democracia

Guia de Estudos – Parte Histórica

1961 – Gabinete: o Movimento da Legalidade

Natália Ribeiro

Felipe Simoni

Raphael Moreira

Arthur Ramos

Rafael Tamae

Rhuan Gomes

Belo Horizonte

2014

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“Se ocorrer a eventualidade do ultimato, ocorrerão, também, conseqüências muito sérias. Porque nós não

nos submeteremos a nenhum golpe. A nenhuma resolução arbitrária. Não pretendemos nos submeter. Que

nos esmaguem! Que nos destruam! Que nos chacinem, neste Palácio! Chacinado estará o Brasil com a

imposição de uma ditadura contra a vontade de seu povo. Esta rádio (...) não será silenciada sem balas.”

(Pronunciamento do governador Leonel Brizola, transmitido pela Rádio Guaíba, direto da sede do governo,

o Palácio Piratini, em Porto Alegre, no dia 28 de agosto de 1961).

Prezad@s e querid@s Delegad@s, sejam bem vindos ao nosso excelentíssimo comitê!

A ideia deste comitê surgiu ainda antes de ser gestado o mote deste Temas 10 e se casou

perfeitamente com o tema “Democracia” escolhido por nosso ilustre secretariado. Após muita conversa entre

os diretores Raphael Moreira e Felipe Madureira, o Husky, começava a nascer este Gabinete, com a ajuda de

Natália Antol’evich. Ao grupo inicial juntaram-se os diretores assistentes Arthur Ramos, Rafael Tamae e

Rhuan Fernandes, todos trabalhando juntos na ideia de dar nova vida ao Movimento da Legalidade de 1961

que, no entanto, só poderá estar completo com a participação dos senhores.

A partir do momento em que ocorra uma fusão de horizontes de nosso passado com o trabalho

realizado para a concepção deste guia, as leituras que os senhores realizarão do mesmo e nossas ações, a

partir do dia 30 de abril, será possível recriarmos, com política estratégica, amor pela história, imaginação e

entrega, um dos momentos mais importantes no percurso (cheio de percalços) da Democracia Brasileira.

Assim, a renúncia de Jânio Quadros e os momentos decisivos que transcorreram após aquele 25 de agosto de

1961 irão invadir o ano de 2014, provando que o passado nunca passa, verdadeiramente.

Para que esta experiência temporal aconteça da melhor forma, é com entusiasmo que apresentamos

aqui nosso guia de estudos, fruto de uma empolgante ideia consolidada em um trabalho que nos exigiu muito

empenho! Esperamos que ele seja útil em orientar as pesquisas d@s senhor@s.

Como Clausewitz (1993, p. 870) afirmava, “a Guerra é a continuação da política por outros meios”.

Portanto, não poderíamos abordar “O Movimento da Legalidade” de outra forma. Sendo assim, é mister que

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a história – que foca, sobretudo, no campo político -, e os estudos estratégicos sejam compreendidos de

forma dinâmica, como duas metades de um mesmo processo.

O Guia de Estudos também possui uma breve descrição das representações por meio das quais @s

senhor@s poderão entender melhor a trajetória ou a função daquele que representa, bem como das demais

figuras com quem debaterá.

Assim, no ano em que rememoramos os 50 anos do Golpe Civil-Militar do primeiro de abril de 1964

com uma enxurrada de eventos públicos que trazem à tona o debate sobre nossa História e nossa política a

re-presentação (trazer mais uma vez ao presente) do Movimento da Legalidade por meio da compreensão do

que se passou e do que ainda recalcamos na Democracia do Brasil parece um ato cívico e intelectual

estritamente necessário e, neste espaço modeleiro, uma oportunidade de recontarmos a História de uma

maneira lúdica.

Esperamos que @s senhor@s façam boa leitura!

Sem mais delongas, nos apresentamos:

Felipe Madureira, ou Husky, como seus amigos o chamam, é um estudante de Relações Internacionais

da PUC Minas e sempre se interessou pelo campo dos estudos estratégicos. Recentemente mais engajado em

simulações e gabinetes, Husky foi influenciado por seus amigos a montar este gabinete e está extremamente

empolgado. Um fato engraçado sobre Husky é a sua dificuldade de escrever sobre si mesmo na terceira

pessoa e ser original ao mesmo tempo.

Natália Ribeiro Martins é graduada em História pela UFMG, mestranda na UFJF e Ph.D em Gabinetes

pela Modelândia. Conhecida pelo nome de guerra “Natália Antol’evich” e portadora do título czarista de “a

Avarenta”. Nos últimos anos abdicou da carreira de delegada para se dedicar aos gabinetes, que são como

filhos: adora redigir projetos e guias de estudo, planejar e debater estratégias, correr de um lado para o outro

tentando dar dois passos à frente de seus queridos delegados.

Raphael Moreira é estudante de Relações Internacionais do Uni-BH, ex-graduando de Direito, que tem

grande interesse nas áreas de Segurança Internacional, Estudos Estratégicos e Ciências Políticas. Talvez seja

uma das poucas pessoas, senão a única no Brasil, com menos de 60 anos que se define como Janguista. Dito

isso, fica claro o seu envolvimento e satisfação ao montar este gabinete.

Arthur Ramos é graduando do curso de Ciências Econômicas na Universidade Federal de Minas Gerais,

cozinheiro frustrado, apaixonado por modelos e principalmente pelo Brasil. Já em seu quinto gabinete está

ansioso para ver como será o novo futuro desenhado por jovens mentes de velhas personalidades.

Rafael Tamae é graduando em Relações Internacionais na Universidade de São Paulo e conheceu a

Modelândia apenas no seu primeiro ano de faculdade, e desde então já participou de diversos modelos,

sendo esta sua terceira vez no TEMAS e primeira como diretor-assistente neste modelo que lhe é tão

estimado. Com 20 anos, nascido e criado em São Paulo – fato bastante evidente pela sua maneira graciosa de

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falar e sua escolha de palavras, que costumam gerar polêmica – Rafael se apaixonou por gabinetes em seu

primeiro TEMAS e retorna para sua segunda experiência como diretor desse tipo de comitê, ideal para esse

amante de História e guerras.

Rhuan Fernandes Gomes é mestrando em História pela UFJF. Estuda a escrita da História na ditadura

Salazarista. Gosta de artes e no fundo queria ser artista. Foi ator de teatro por quatro anos e um dia quer

voltar aos palcos. Começou a simular praticamente idoso, com 23 anos. Este é seu terceiro Gabinete. Mal

pode esperar por um Brasil na década de sessenta em chamas, seja no sentido literal ou apenas

metaforicamente.

Atenciosamente,

Felipe Madureira – [email protected];

Natalia Ribeiro Antol’evich - [email protected];

Rafael Moreia – [email protected];

Arthur Ramos – [email protected];

Rafael Tamae – [email protected];

Rhuan Fernandes - [email protected].

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ÍNDICE

CONTEXTO HISTÓRICO

1. Um passado presente - De Getúlio Vargas à Legalidade (1945-1961)

2. Deposição, eleições e oscilações: o processo de democratização e seus desdobramentos

2.1. O Fim do Estado Novo (1937-1945)

3. A Constituição de 1946 e a era pós-Vargas

4. O retorno de Getúlio Vargas (1951-54)

6. Juscelino presidente, Jango vice: Nacionalismo e Desenvolvimentismo nos “cinquenta anos em cinco” do

Governo JK

6.1. As eleições de 1960

7. 1961...

8. O Governo de Jânio Quadros:

9. A disputa pelo poder

GUIA MILITAR

1. Estratégia

1.1. Relações entre política entre política, estratégia e poder;

1.2. Conceitos;

1.3. Ações Estratégicas;

1.4. Espectro dos Conceitos;

1.5. Métodos da Estratégia Nacional;

1.6. Formas de resolução de conflitos;

1.7. Modelos para o planejamento estratégico;

1.8. Campos de atuação da estratégia nacional;

2. Estratégia Nacional;

2.1. A Guerra;

2.2. Bases da Estratégia Militar;

2.3. Métodos da Estratégia Militar;

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2.4. Concepção da Ação Militar;

2.5. Concepção da Ação não-militar;

2.6. Estratégias das Forças Singulares;

3. Princípios;

3.1. Princípios da Guerra;

3.2 Princípios que orientam o emprego da FAB;

4. Classificação das Operações Aéreas;

4.1 Operações Aeroestratégicas;

4.2 Operações de Defesa Aeroespacial;

4.3 Operações Aerotáticas;

5. Os níveis de ação dos jogadores;

Lista de Representações:

Referências Bibliográficas:

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CONTEXTO HISTÓRICO

1. UM PASSADO PRESENTE - DE GETÚLIO VARGAS À LEGALIDADE (1945-1961)

Desejei um Brasil para os brasileiros, afrontado neste sonho a corrupção, a mentira

e a covardia que subordinam os interesses gerais aos apetites e às ambições de

grupos ou indivíduos, inclusive do exterior. Sinto-me, porém, esmagado. Forças

terríveis levantam-se contra mim e me intrigam ou infamam até com a desculpa da

colaboração. Se permanecesse, não manteria a confiança e a tranquilidade ora

quebradas e indispensáveis ao exercício da minha autoridade. Creio, mesmo, não

manteria a própria paz pública. Encerro assim com o pensamento voltado para a

nossa gente, para os estudantes e para os operários, para a grande família do país,

esta pagina de minha vida e da vida nacional. A mim não falta à coragem de

renuncia. (Trecho da Carta renúncia de Jânio Quadros, agosto de 1961) 1.

Apenas sete meses de governo e Jânio Quadros renunciara no dia 25 de agosto de 1961. Mais uma

vez agosto assombrava a história da política brasileira, como no suicídio de Vargas em 1954.

Eleito no ano anterior com 48% dos votos contra 32% dados ao General Henrique Teixeira Lott,

herói legalista de 1955, o político mato-grossense era a mais nova esperança de muitos brasileiros após sua

ascensão por meio através do MPJQ - Movimento Popular Jânio Quadros, círculo não oficial de caráter

suprapartidário que reunia apoiadores como PTN - Partido Trabalhista Nacional, PL - Partido Libertador,

PDC - Partido Democrata Cristão e o PR - Partido Republicano aos quais viria a se reunir a UDN – União

Democrática Nacional, principal partido de oposição aos últimos detentores do poder, o PTB – Partido

Trabalhista Brasileiro e o PSD – Partido Social Democrático 2.

Os dois últimos partidos, é necessário lembrar, eram representantes de vertentes diferentes do

getulismo, que perdia a eleição pela primeira vez desde o início do período conhecido por parte da

historiografia como “Experiência Democrática” ou “Experiência Republicana”, entre 1945 e 1964.

Na manhã daquele mesmo dia, Leonel Brizola, então governador do Rio Grande do Sul, procurava se

certificar da renúncia de Jânio Quadros. Brizola, próximo ao Presidente desde as eleições de 1960,

desconfiava que o ex-vereador de São Paulo houvesse sido deposto por pressões militares e pretendia

convidá-lo a resistir pela legalidade em Porto Alegre (FERREIRA; DELGADO, 2003, 326). A desconfiança

1 A Carta de Jânio Quadros está disponível na íntegra em:

1http://blogs.estadao.com.br/arquivo/files/2011/08/1961.08.26_p1.jpg

2 Informações retiradas do texto de Celia Maria Costa, no portal da FGV/CPDOC:

http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/Jango/artigos/Campanha1960/A_campanha_presidencial_de_1960

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de Brizola dá o tom da imprevisibilidade do motivo do declínio de Jânio, mas uma crise legalista, ou melhor,

uma tentativa de golpe, não estava nunca descartada do baralho político naquele período, ainda mais em

relação a Quadros, que vinha tomando decisões controversas e desafiando seus próprios apoiadores.

Se o Presidente eleito em 1960 vinha formando novas alianças, as centenas de dias que separam a

posse da renúncia de Quadros foram pautadas também pelo contínuo desgaste do Presidente com alguns

setores de sua base, que vinha erodindo. Cultivava, sobretudo, diversos problemas com parte importante da

bancada udenista, que via com maus olhos a vontade de independência de Jânio frente a seu apoio e que

desgostava da tolerância daquele político em relação à iniciativa popular de adesão à chapa Jan-Jan, que

colocaria o petebista João Goulart, grande inimigo da UDN àquela altura, como seu vice-presidente3.

A renúncia de Jânio Quadros, até hoje em grande medida incompreendida, era mais um duro golpe

na experiência democrática brasileira que tentava se consolidar desde o fim do Estado Novo em 1945. Se os

últimos 16 anos de política no Brasil até aquele momento poderiam dar provas da dinamicidade da

República nacional, com participação maciça de diversos setores da sociedade brasileira, demonstrava

também sua fragilidade, por reunir em sua curta história uma série de ocasiões extremamente dramáticas: o

grande líder nacional e ex-ditador que se suicida, duas tentativas de golpe (em 1954 e 1955) e, por fim, um

presidente que renunciava ao cargo poucos meses após tê-lo assumido.

O ato, caracterizado por alguns como um artifício de Jânio Quadros que estaria em busca de um

glorioso retorno à presidência nos braços do povo e com ainda mais poder, foi consumado por um texto que

em muitos momentos parecia querer se aproximar da carta-testamento de Getúlio Vargas. A ação de Jânio,

no entanto, não dispôs da força incendiária da lauda do ex-ditador gaúcho.

O próprio abandono do cargo seria, por fim, o estopim para mais uma tentativa de golpe contra o

vice-presidente eleito João Goulart. Tentativa esta que desencadeou o Movimento da Legalidade, articulado

pela manutenção do político petebista no poder.

Na crise de 1961, muitas das cartas do jogo político, já vinham sendo utilizadas no contexto pós-45

ou estavam postas à mesa. As diversas crises e os atores nelas envolvidos dão-nos o testemunho de que, para

usar uma metáfora do historiador alemão Saul Friedländer 4, formava-se, aos poucos, ao menos desde o fim

do Estado Novo, uma tempestade, alimentada pelas inúmeras derrotas dos adversários do presidente

falecido.

As palavras de outro historiador, o brasileiro Pedro Caldas, sobre a metáfora climática de Friedländer

dão a dimensão desde processo, causado pelas conjunturas estruturais da política brasileira, como

3 É preciso ressaltar que de acordo com a constituição vigente em 1961 o Presidente e o Vice-Presidente eram eleitos em votações

separadas. 4 A metáfora de Friedländer é empregada em um contexto completamente diferente, que não deve ser comparado ao problema

aqui abordado: o da perseguição aos judeus na Alemanha Nazista. Obviamente, as dimensões e os contextos não são comparáveis,

mas a imagem formulada por aquele historiador, poética, ajuda a representar a chegada de um momento crítico que, no entanto,

não poderia ser calculado pelos atores históricos e que é mesmo difícil de perseguir, por se formar através de uma série de

conjunturas. Para a obra magistral de Saul Friedländer ver: FRIEDLÄNDER, Saul. A Alemanha nazista e os judeus, volume I: Os

anos da perseguição, 1933- 1939. Tradução de Fany Kon et all. São Paulo: Perspectiva, 2012.

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tentaremos demonstrar neste texto e pelas experiências e expectativas – muitas vezes frustradas – dos

personagens envolvidos. O cenário da vida brasileira no meio político poderia ser caracterizado como:

nuvens [que] se sobrepõem, mas também deixam pedaços de céu aberto, têm diferentes tamanhos, e

futuramente mostrariam forças de intensidade desigual (CALDAS, 2013, p. 177). 5

A história de 1961 e os fatos que se desenrolam posteriormente no Movimento da Legalidade, são

uma espécie de tempestade tropical da política, uma crise grave cujo gatilho foi teve como gatilho mais uma

tentativa de golpe na legalidade e que deu ao país todas as condições necessárias para entrar em uma tensa

guerra civil, provocada por uma constante tensão, por nuvens políticas negras que dançavam nos céus

naqueles tempos de experiência democrática.

Desde o fim do Estado Novo duas grandes forças iam se delineando na política nacional. De um

lado, o getulismo foi se consolidando aos poucos em nacional-estatismo, vinculado por vezes ao

desenvolvimentismo e ao trabalhismo. De outro lado, a oposição tinha, no plano partidário, bases na UDN,

mas reunia ainda boa parte da imprensa e importante fatia das forças armadas, consolidando-se como uma

vertente liberal na economia era conservadora politicamente e combatia o getulismo e seus herdeiros

utilizando, em seus ataques, aspectos morais relacionados à política. Caracterizavam assim seus adversários

como demagogos e populistas por sua apropriação das causas sociais e por sua aproximação das camadas

mais baixas da população, vistas como incultas e manipuladas por um grande líder superconsciente

(FERREIRA; DELGADO, 2003, p. 22).

Acrescenta-se ainda a esta breve introdução que o conceito de populismo, utilizado muitas vezes

pelos inimigos políticos em referência a Getúlio Vargas e a seus herdeiros e pela historiografia (em parte)

marxista das décadas de 1960 e 1970, tem sido alvo, por motivos acima expostos, de uma revisão bastante

crítica, sendo substituído pela noção de trabalhismo. No entanto, a noção de populismo foi uma das mais

importantes da política brasileira de 1945 a 1961 e fez parte do vocabulário dos próprios atores históricos,

tendo envolvido imensa parte dos debates sobre a validade da democracia brasileira, que, na ideia de boa

parte da oposição ao nacional estatismo, era colocada em cheque por sua demagogia, imoralidade e

corrupção.

A legalidade da democracia brasileira era, portanto, questionável para os opositores do getulismo, já

que seus pressupostos seriam falsos e mentirosos. De acordo com Fernando Lattman-Weltman (FERREIRA;

DELGADO, 2003, p. 156), a questão era mais complicada e teria a ver com o modo como os trabalhadores

haviam conseguido seus direitos políticos, já que, ao terem se tornado assalariados e adquirido outros

direitos sociais, creditavam os ganhos a Getúlio Vargas, utilizando o voto a favor do gaúcho,

posteriormente. Isso fazia com que os opositores do ex-ditador acreditassem que a política brasileira estava

“desvirtuada” por uma forma de exercitar a cidadania pouco consciente. Portanto, quando os conservadores

falavam da necessidade de “sanear” a política brasileira apelando para as Forças Armadas, queriam dizer

5 Acessível em: http://www.revistatopoi.org/numeros_anteriores/topoi26/TOPOI26_2013_TOPOI_26_R01.pdf

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que era preciso retirar os direitos políticos dos trabalhadores, responsáveis por macular a democracia

brasileira exercendo mal seus direitos democráticos.

Acrescenta-se a isso o discurso anticomunista e antissindicalista, que também municiou as contendas

políticas de todo o período entre 1945-1961, fazendo parte, na realidade, do cenário brasileiro desde a

Primeira República.

2. DEPOSIÇÃO, ELEIÇÕES E OSCILAÇÕES: O PROCESSO DE DEMOCRATIZAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS

2.1. O FIM DO ESTADO NOVO (1937-1945)

Criado em 1937, o Estado Novo viu-se em uma série de contradições após a entrada do Brasil na

Segunda Guerra Mundial ao lado dos Aliados em 1942. Se por um lado o estado de guerra serviu como

escusa para adiar a consulta popular que deveria validar a Constituição de 1937, por outro, impulsionou a

oposição no sentido da reação, que aproveitou a oportunidade para romper a censura a qual havia sido

condicionada. A partir de 1942, o Estado Novo se preparava para promover uma transição controlada do

autoritarismo para um regime aberto, mas que mantivesse Getúlio Vargas no poder. Foi maciça a

popularização da figura do presidente nos meios de comunicação, além da criação do programa de rádio

“Hora do Brasil”. Também houve medidas no campo político, como o aumento do salário mínimo e a

aprovação Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) 6, que unificava a legislação trabalhista em um único

código. Entretanto, a tão esperada transição democrática teria de esperar, já que Vargas preferiu adiar as

eleições.

Contudo, a oposição ao regime aumentou. A União Nacional dos Estudantes promoveu passeatas ao

longo dos anos de 1942 e 1943 pela democracia e contra o nazi-fascismo, os órgãos de censura passaram a

ser questionados e suas ações expostas. Lideranças mineiras lançaram um documento que ficou conhecido

como “Manifesto dos Mineiros” 7, cujo teor contestava o governo Vargas e pedia o fim do Estado Novo.

Entre seus signatários figuravam importantes políticos do período: Afonso Arinos de Melo Franco, Afonso

Pena Jr., Artur Bernardes, Mário Brant, Milton Campos, Odilon Braga, Pedro Aleixo e Virgílio de Melo

Franco. Cinquenta mil exemplares foram impressos clandestinamente em Barbacena e distribuídos de forma

silenciosa, devido à censura. O Manifesto ao Povo Mineiro, nome original do documento, foi a primeira

manifestação aberta contra o Estado Novo e teve adesão de nomes de peso da elite mineira. Também abriu

portas para que outros manifestos fossem criados e divulgados, como a “Carta aos Brasileiros” de Armando

de Sales Oliveira, em 1943.

6 Decreto-Lei nº 5.452, de 1 de maio de 1943.

7 Para informações sobre o Manifesto Mineiro, acessar:

7 http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/anos37-45/QuedaDeVargas/ManifestoDosMineiros

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Com a tensão política crescente, torna-se cada vez mais difícil para o governo Vargas manter o

controle e sua base unida, fazendo das distensões políticas algo inevitável. No entanto, o governo apostou

em uma estratégia de candidatura única – a de Vargas – para as eleições, intensificando a campanha

varguista pelos meios de comunicação. A oposição respondeu, tecendo alianças com figuras cada vez mais

influentes no cenário político: os militares. O esgotamento político do Estado Novo acompanhou o avanço

das tropas Aliadas e o fim da Guerra. Em 1944, comunistas, estudantes, liberais e empresários, organizados

em coalizões, bombardeavam críticas ao governo. No meio das articulações, surge o nome do brigadeiro

Eduardo Gomes, herói do 18 do Forte, como candidato da oposição, oficializada durante uma entrevista com

José Américo de Almeida, em fevereiro de 1945, que defendia as eleições livres.

A entrevista de Almeida sinalizou o enfraquecimento do Departamento de Imprensa e Propaganda

(DIP), responsável pela censura no Estado Novo – e o recuo da censura. As críticas ao Estado Novo se

alastraram. O governo tentou amenizar a situação baixando, em fevereiro de 1945, a Lei Constitucional nº 9,

que previa a realização de eleições em data a ser decidida em até 90 dias. Em detrimento da lei, em maio de

1945 decretou-se o Código Eleitoral, que marcava eleições para presidência e parlamento no dia 2 de

dezembro daquele ano e, em maio de 1946 seriam realizadas as eleições para governos e assembleias

estaduais. O Código abria brecha para a candidatura de Vargas, caso deixasse o cargo até três meses antes

das eleições. Porém, Vargas insistia não se interessar pela candidatura.

Com as portas abertas para a democratização, surgiram vários partidos políticos, como a União

Democrática Nacional (UDN), berço da oposição rancorosa a Vargas e que apoiou a candidatura do

brigadeiro Eduardo Gomes – dai a alcunha “o partido do brigadeiro” –; o Partido Social Democrático (PSD),

principal beneficiário da máquina política do Estado Novo que lançou a candidatura do general Eurico

Gaspar Dutra; e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), formado a partir da base sindical que apoiava

Vargas e que não lançou candidatos. A imprensa lança ataques frontais à Vargas e enaltece cada vez mais

Eduardo Gomes. Apesar do apoio entusiástico a Gomes na imprensa, nos meios intelectuais e entre as elites

políticas e empresariais, Vargas permanecia vivo entre as camadas populares.

Apesar do grande esforço dos meios de comunicação para eleger Eduardo Gomes, a campanha da

UDN, segundo Maria Victória Benevides, mobilizou as camadas médias, os intelectuais, os oficiais

das Forças Armadas, “mas não os trabalhadores; este povo permaneceu à parte da campanha feita,

pelo menos teoricamente, em seu nome” (1981, p. 45). Os trabalhadores, quando se manifestavam,

por sua própria vontade, queriam Getúlio. (FERREIRA; DELGADO, 2003, p. 22)

O movimento “queremista” iniciava-se enquanto reação aos insultos udenistas contra Vargas. De um

conjunto de manifestações populares, o movimento foi ganhando articulação e contornos mais definidos em

termos organizacionais e políticos. Com o “Comitê Pró-Candidatura Getúlio Vargas”, e sob os slogans

“Queremos Getúlio” e “Constituinte com Getúlio”, os queremistas conseguiram dar voz ao povo e mandar a

seguinte mensagem a oposição: apenas Vargas tem o nosso voto. E entre os oposicionistas crescia a certeza

de que o presidente deveria ser afastado do poder o mais rápido possível.

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Entre 15 e 18 de agosto de 1945, foi deflagrada pelos queremistas uma campanha nacional,

sistemática e bem coordenada para a realização de um comício no dia 20. Esse foi o primeiro de muitos que

ocorreram até a deposição de Vargas, e seguiram o mesmo ritual: milhares de pessoas se reuniram no Largo

da Carioca para ouvir diversos discursos que enalteciam ao presidente e depois marchavam para o Palácio da

Guanabara para conversar com Vargas.

O crescimento do movimento, os conflitos nas manifestações da UDN e a proximidade do primeiro

comício queremista inquietaram as oposições. Os jornais, insistindo na mesma linha, aumentaram

ainda mais seus ataques. Segundo o editorial do Diário da Noite, de São Paulo, Vargas, de fato,

“disfruta de alguma popularidade” entre certas categorias de trabalhadores. Mas o prestígio do ditador

explica-se fundamentalmente “pela propaganda demagógica do Estado Novo. Hitler e Mussolini,

também, por força da mística que souberam difundir [...], desfrutaram de popularidade [...] de milhões

de homens fanatizados, bestializados [...], excitando sua imaginação”. Como Hitler e Mussolini,

continua o jornal, Vargas, durante o Estado Novo, inundou as mentes dos trabalhadores com sua

“propaganda totalitária”, permitindo que surgisse a “praga daninha” do “queremismo”. (FERREIRA;

DELGADO, 2003, p. 22)

Para completar o pesadelo das oposições, os cartazes do programa eleitoral de Eurico Dutra em

algumas sedes do PSD foram substituídos pelo de Vargas. Luís Carlos Prestes (PCB), livre desde a anistia

ocorrida em abril, em telegrama enviado ao presidente Vargas – e tornado público – declarou que o PCB

lutaria por uma Assembleia Constituinte instalada antes das eleições, ou seja, a ser realizada ainda com

Getúlio no poder, pois, para os comunistas o primeiro passo para a democracia é a criação uma nova

constituição, e não uma eleição. Os udenistas não admitiam que um ditador presidisse a constitucionalização

do país e apressaram as articulações para retirar Vargas do poder. Os principais envolvidos estavam o

general Góes Monteiro, Canrobert Pereira, Juarez Távora e o próprio Dutra, temeroso que Vargas se

aproveitasse do movimento queremista para tentar se manter no poder. O embaixador americano Adolf

Berle também aprovara a conspiração contra Vargas.

O estopim para o golpe foi a nomeação de Benjamin Vargas, irmão de Getúlio, como chefe de

polícia do Distrito Federal, no dia 25 de outubro de 1945. Temerosos de que o novo chefe de polícia tivesse

sido empossado para prender os conspiradores, em 29 de outubro de 1945, o presidente do Brasil, chamado

de “pai dos pobres” e aclamado pelos populares, foi deposto pelo Alto Comando do Exército. Diante da

imposição unânime das forças armadas, Vargas se retira para São Borja, sua cidade natal, no Rio Grande do

Sul. A chefia do governo é confiada ao Ministro do Supremo Tribunal Federal, José Linhares, empossado no

dia seguinte ao golpe. Em janeiro de 1946, Linhares finalmente transmitiria a presidência para o candidato

eleito: Eurico Gaspar Dutra.

3. A CONSTITUIÇÃO DE 1946 E A ERA PÓS-VARGAS

Conforme agendado por Getúlio Vargas, as eleições para a presidência ocorreram no dia 2 de

dezembro de 1945. Concomitantemente, ocorreram as eleições para a Assembleia Nacional Constituinte. No

curto tempo entre a deposição de Vargas e as eleições, o cenário foi marcado por disputas de poder,

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mobilizações e polêmicas. Na corrida pelo pleito, o PCB lançou Iedo Fiúza como candidato, que foi bem

recebido por parte do eleitorado de Vargas. A candidatura de Eurico Dutra continuava uma incógnita.

Com a ausência de Vargas e, particularmente, sem a sua palavra, o voto dos assalariados tendia a se

dispersar entre o brigadeiro e o candidato do PCB, Iedo Fiúza. Se a UDN contava com nomes de

expressão na política nacional e o apoio maciço dos meios de comunicação, os comunistas

apresentavam como trunfo a imagem emblemática do Cavaleiro da Esperança e uma militância

aguerrida e o PSD dispunha de uma poderosa máquina eleitoral, o PTB nada tinha além de Getúlio

Vargas – que insistia no silêncio. Desse modo [...] a vitória eleitoral do brigadeiro Eduardo Gomes era

dada como certa e irreversível, sobretudo porque Vargas se recusava a apoiar o general Dutra.

(FERREIRA; DELGADO, 2003, p. 40)

Faltando duas semanas para as eleições, um acontecimento inusitado mudou a “irreversibilidade” do

êxito udenista nas urnas. O nome do responsável pela reviravolta aos 45 do segundo tempo é Hugo Borghi,

empresário e líder queremista, que, sempre atento aos discursos do brigadeiro Eduardo Gomes transmitidos

via rádio, em uma ocasião captou a seguinte frase: “não necessito dos votos desta malta de desocupados que

apoia o ditador para me eleger presidente da República”. A “malta” ao qual Gomes se referia, eram os

trabalhadores que compareciam aos comícios queremistas, porque, segundo sua ótica, receberam dinheiro do

Ministério do Trabalho para comparecer às manifestações pró-Vargas. Borghi recorreu ao dicionário para

consultar o real significado do termo “malta”, quando encontrou “agrupamento de lobos; conglomerado de

má catadura; operários que percorrem as linhas férreas levando suas marmitas; marmiteiros [...]”. Com sua

sensibilidade política, não demorou a concluir que marmiteiro poderia “soar melhor, ao contrário” nos

ouvidos da classe trabalhadora. Logo no dia seguinte, Borghi, sem titubear, se direcionou a uma cadeia de

150 rádios e disparou: “a maior prova de que o senhor brigadeiro é o candidato dos grã-finos, dos

milionários, dos ricos, dos barões, dos exploradores do povo [...] é que ele declarou que não precisava do

voto dos marmiteiros que trabalham, que lutam [...].”

A palavra marmiteiro ganhara outro significado da noite para o dia. Passou a simbolizar a real luta de

classes, entre o rico, o milionário e o humilde, o trabalhador. O termo entrou no imaginário popular como

um patrimônio simbólico do trabalhador (FERREIRA; DELGADO, 2003, p. 41). Os marmiteiros, ou seja, a

ralé, foram menosprezados pelo candidato udenista. A pompa não precisava dos plebeus para nada, nem

para se eleger. Tamanho negativismo minou tanto o brigadeiro quanto a própria UDN, inaugurando assim

um histórico vasto de rejeição popular ao longo de sua existência. Em pouco tempo, boatos e calúnias

envolvendo a UDN e a candidatura de Eduardo Gomes se apoderaram dos jornais e outros meios de

comunicação. O brigadeiro e os udenistas tornaram-se figuras antipáticas. Getúlio Vargas aproveita a

oportunidade e finalmente se posiciona: apoiaria Eurico Gaspar Dutra, desde que fossem garantidas a

manutenção das leis sociais e o Ministério do Trabalho para o PTB.

Vargas torna público seu posicionamento por meio de um manifesto publicado pelo jornal O

Radical, com os dizeres garrafais: “não vencerá o candidato dos grã-finos. Os marmiteiros votarão no

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general Eurico Dutra”. Contrariando os prognósticos, Dutra vence as eleições de 1945 com 55,4% dos votos,

com votação maciça nos colégios de Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul. Eduardo Gomes obteve

35,7% dos votos e Fiúza 10%. O PSD também obteve sucesso no pleito para a Assembleia Constituinte.

Para o Senado e Câmara dos Deputados, o partido somou 61,9% e 52,7%, respectivamente. A UDN, o PTB

e o PCB receberam, respectivamente, 23,8%, 4,7% e 2,3% para o Senado e 26,9%, 7,6% e 4,8% para a

Câmara dos Deputados. Getúlio Vargas foi eleito senador e deputado constituinte, conforme permitia a lei

vigente.

Dutra assumiu o cargo no dia 31 de janeiro de 1946, e no dia 2 de fevereiro do mesmo ano foi

instalada a Assembleia Constituinte. Em setembro de 1946, a nova carta constituinte do Brasil fora

promulgada, sem a assinatura de Getúlio. Marcada pela heterogeneidade político-ideológica e pela limitação

dos três poderes – na tentativa de barrar qualquer outro tipo de experiência política que privilegiasse o

executivo, como foi o Estado Novo. O mandato presidencial fora fixado em cinco anos, sendo vedada a

reeleição. As atribuições do Congresso foram fortalecidas, principalmente no que tange à inspeção das ações

do executivo. O princípio federalista fora restaurado, estabelecendo a divisão entre União, estados e

municípios. No plano social a carta tendeu pelo viés mais conservador.

Militar de carreira, Eurico Gaspar Dutra nasceu em Cuiabá, no ano de 1883. Enquanto cadete na

Escola Militar da Praia Vermelha, no Rio de Janeiro, Dutra participou da chamada Revolta da Vacina junto

com outros companheiros da corporação e acabou por ser expulso da instituição. Anistiado, pode retomar os

estudos na Escola Militar um ano depois. Em 1922 formou-se na Escola do Estado-Maior. Teve a

oportunidade de aproximar-se de Vargas durante as sublevações ocorridas em São Paulo, no ano de 1932.

Sua participação decisiva lhe rendeu o generalato, além de relações mais estreitas com o presidente.

Apesar do afastamento de Vargas dos conservadores das Forças Armadas – por considerarem o ex-

presidente a antítese do que acreditavam – o mesmo apoiou o seu ex-Ministro da Guerra ao cargo de

Comandante em Chefe da nação, que, por sua vez, nos seus cinco anos de mandato aproximou-se da UDN,

tornou ilegal o PCB, cassou o mandato de vários parlamentares comunistas e atacou sindicatos e associações

populares (FERREIRA; DELGADO, 2003, p. 106). Formava-se o tom ideológico que pautaria os setores

civis e militares mais conservadores durante a Guerra Fria, que se alicerçava cada vez mais as bases do

pensamento anticomunista. Mas a participação política dos militares ainda estava calcada à ação de

personagens específicos, que tinham algum respaldo dentro da sociedade civil, como foi o caso de Dutra.

Foi também no governo Dutra que o Clube Militar teve sua maior expansão, triplicando seus sócios e

inaugurando uma nova etapa da instituição: a situação militar no país gerou uma “democratização” do

debate entre os sócios, transformando o clube em uma válvula de escape para o certame de temas nacionais

relevantes e que estavam fora do controle da hierarquia (FERREIRA; DELGADO, 2003, p. 112). As chapas

candidatas às eleições do Clube sofriam caracterizações polarizantes que marcariam a conjuntura política

brasileira a posteriori. Chapas com posturas tidas como mais de esquerda, como a defesa da autonomia

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industrial e contra o alinhamento com os Estados Unidos rendiam o rótulo de “comunistas”, enquanto a

chapa que defendia o capital estrangeiro e a aliança com os americanos foi chamada de “democrata”. Apesar

de designações nitidamente simplórias, constituíam um erro interessado, pois tais posturas não são nem

totalmente “democratas” nem totalmente “comunistas”, mas a simbologia dos conceitos tinha serventia em

identificar quem eram os nacionalistas e antinacionalistas dentro do Clube. Desta forma a instituição molda,

internamente, quais são seus interesses e quais valores querem defender.

“Segundo Nelson Werneck Sodré, o crescimento da importância do Clube Militar se deveu muito ao

papel desempenhado por esta agremiação no debate sobre a legislação relativa à exploração do

petróleo, iniciado em 1947 [...] com o caso do petróleo e a amplitude nacional da defesa dos interesses

brasileiros, nesse caso, a questão do Clube Militar ganhou o primeiro plano. Assim, na década de

cinquenta, os problemas que inquietavam o país encontraram eco na polarização das chapas

concorrentes à direção daquela entidade.” (FERREIRA; DELGADO, 2003, p. 112)

O início da Guerra Fria teve repercussão quase imediata no país, em 1947. Com o PCB cassado

judicialmente, os sindicatos passaram a sofrer diversas intervenções por parte do Ministério do Trabalho,

além do fechamento da Confederação Geral dos Trabalhadores do Brasil ser decretado. Vargas, que no fim

da Segunda Guerra havia reaproximado o Brasil da União Soviética devido à conjuntura internacional

favorável, assistiu seu nomeado sucessor Eurico Dutra passear na contramão de seus desejos:

completamente alinhado aos Estados Unidos, o Brasil rompeu relações com a União Soviética. A exclusão

dos comunistas e dos parlamentares de esquerda da política brasileira gerou diversas cassações de mandatos.

Sem voz, os comunistas lançam um manifesto e acusam Dutra de antidemocrático, estando a serviço do

imperialismo americano. A marginalização do PTB e de Vargas rendem ao presidente a alcunha de “traidor

nacional”.

A aproximação de Dutra dos conservadores gerou um desagrado a priori latente, mas que se

manifestou de forma fugaz. A perseguição aos comunistas, os trabalhadores marginalizados e com a

promessa que fez a Vargas arranhada, Dutra se transforma no novo Eduardo Campos: uma figura detestável.

As políticas econômicas de cunho liberal rapidamente esgotam as reservas cambiais do país gerando um

forte arrocho salarial. Nas eleições de 1950, Dutra apoia o candidato mineiro Cristiano Machado, mas o

povo responde: queremos Getúlio Vargas. E assim foi.

4. O RETORNO DE GETÚLIO VARGAS (1951-54)

Bota o retrato do velho outra vez

Bota no mesmo lugar

O retrato do velhinho faz a gente trabalhar

(Retrato do Velho, Francisco de Morais Alves, 1951).

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Em 31 de agosto de 1951, Getúlio Vargas assume como presidente dos Estados Unidos do Brasil.

Desde a metade do governo Dutra, seu antecessor, já se maquinava a candidatura de Vargas para a

presidência. Nome forte na política, tinha como bandeiras a defesa da industrialização e a necessidade de

ampliar a legislação trabalhista, objetivos que perseguiu durante seus primeiros anos no poder, e lhe

garantiram vitória com larga margem. Recebeu 48,7% dos votos, contra 29,7% do candidato da UDN,

brigadeiro Eduardo Gomes, e 21,5% do candidato do PSD, Cristiano Machado. Durante as eleições, teve

apoio de diversos candidatos a governador de estados-chaves, entre eles o candidato do PSD eleito para o

governo de Minas Gerais e futuro presidente, Juscelino Kubistchek.

Entretanto, quando da sua posse, já começaram a se afigurar prévias da instabilidade política dos

anos seguintes. Sua eleição passou a ser contestada pela UDN, que pedia uma intervenção das Forças

Armadas, argumentando que ele não deveria ser considerado vencedor, por não ter recebido maioria dos

votos, mesmo não havendo tal exigência na legislação da época. A contestação de eleições e o apelo aos

militares se tornarão uma constante udenista nos anos vindouros. Além disso, durante o governo Vargas, a

UDN se mostrará irredutível na decisão de não compactuar com o governo daquele “ex-ditador demagogo”

que manipulou as massas para retornar ao poder, e suas críticas se tornarão mais contundentes ao longo do

tempo. Isso se devia também aos diferentes projetos sociais e econômicos defendidos. No caso do PTB de

Vargas, a opção era o projeto nacional-estatista, enquanto a UDN se alinhava com um projeto econômico

liberal.

Mesmo com a forte oposição udenista logo no início, Vargas buscou reproduzir o papel de árbitro

que efetuou durante o Estado Novo, buscando mediar os conflitantes interesses de diversos setores políticos

e sociais brasileiros e se posicionar acima dos partidos. Vargas nomeou um gabinete conservador, com

diversos membros do PSD, buscando atrair a simpatia da bancada udenista. Entretanto, sua tentativa de se

aproximar dos setores conservadores e manter a proximidade com os trabalhadores – importante base de

apoio de seu governo - gerou tensões, que aliadas ao agravamento da crise econômica e a incapacidade do

governo em resolvê-la, fara que o governo Vargas perca progressivamente apoio de ambos os setores.

Enfrentado acirrada oposição desde o início, até meados de 1952, a situação se mantinha estável. Um

dos motivos para tanto foram certas medidas tomadas e conjunturas internas e externas que beneficiaram seu

governo e ajudaram a aliviar alguns sintomas da crise e reduzir a inflação herdada do governo Dutra.

Vultosos investimentos em infraestrutura por parte dos EUA e a alta dos preços do café ajudaram a reduzir

os gastos do governo e a economia passou a dar sinais de melhora. Dessa forma haverá certa estabilidade

política, fruto da melhora nas condições econômicas, mas a oposição a Vargas ainda era ferrenha e

dificultava o governo do país. Entretanto, no início de 1953, a situação muda drasticamente e a situação

econômica se deteriorará rapidamente. Com a posse de Einsenhower nos EUA, findam-se os investimentos

desse país no Brasil, ao mesmo tempo em que o Banco Mundial começa a cobrar os empréstimos devidos.

Acompanhado disso, começa uma campanha, encabeçada pelos EUA, contra o café brasileiro, sob acusação

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de preços artificialmente altos, o que levou a uma queda nos preços e nas exportações de café. Essas

medidas agravaram severamente o quadro econômico brasileiro, o que contribuiria para a crise política,

mesmo não sendo fator determinante.

O ano de 1953 se tornaria conturbado rapidamente, em especial por uma série de greves que

ocorreram e os desenvolvimentos políticos delas decorrentes, graças a maior liberdade que o movimento

sindical obteve e à crescente insatisfação dos trabalhadores. Em março, estourou uma greve geral em São

Paulo, que paralisou até 300 mil trabalhadores que reivindicavam aumento salarial, mas também desafiavam

o restritivo direito de greve e que se encerraria quase um mês depois com um acordo atendendo parte das

reinvindicações. Em junho, é a vez dos marítimos entrarem em greve, paralisando os portos do Rio de

Janeiro, de Santos e de Belém. Essa greve enterrou de vez a gestão de José de Segadas Viana no Ministério

do Trabalho, Indústria e Comércio e abriu caminho para um jovem político, que havia assumido em 1952 a

presidência do PTB, de nome João Goulart. Jango, como era conhecido, buscava aproximar o PTB do

movimento sindical e dos comunistas, além de mitigar suas crescentes divergências internas. Sua ascensão

para o Ministério foi se consolidando ao longo dos meses, com Vargas indicando-o frequentemente para

negociar com sindicalistas e em diversas greves, e sua indicação para negociar com a comissão de greve dos

marítimos antes do movimento se iniciar abriria de vez as portas para a pasta. O movimento se iniciou no dia

16 de junho e já no dia 18, Jango assumia o Ministério. Teria um papel decisivo para o atendimento das

reinvindicações da categoria, que tinha como principal empregador o governo federal, e o fim da greve

menos de duas semanas após seu início. A greve gerou também um debate entre Jango e Osvaldo Aranha,

antigo colaborador de Vargas, nomeado para o Ministério da Fazenda no dia 16, que defendia uma

compressão dos gastos federais como solução para a crise e o aumento da inflação, exemplificando a tensão

existente entre as medidas necessárias para conter a crise econômica e as medidas reivindicadas pelos

trabalhadores.

A nomeação de Jango para o Ministério se tornou um alvo de fortes críticas pela ala anti-getulista do

governo e engrossou o coro de críticas ao governo. Por negociar e antecipar as demandas dos trabalhadores

– como fez em outubro para evitar uma nova greve dos marítimos - era acusado de tentar implantar uma

“república sindical”, de ser um “peronista”, e de “estimular a luta de classes”, ao invés de esvaziar os

conflitos. O ministro desgastou ainda mais o governo de Vargas e se tornou um ímã para severas críticas da

oposição e de parte considerável da imprensa, com destaque para o deputado estadual udenista Carlos

Lacerda, dono do jornal Tribuna da Imprensa. Enquanto Vargas não conseguiu criar uma base aliada sólida

no Congresso, a oposição, encabeçada pela UDN, ganhava força em suas críticas e volume com a adesão de

novos partidos, apoiados também pelos meios de comunicação, que engrossavam o coro de denúncias e

ataques ao presidente. Em janeiro de 1954, Vargas sofre um golpe duro com o rompimento público de

Adhemar de Barros, nome forte no estado de São Paulo, mas que perderia a eleição para governador no

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mesmo ano para um político paulista, vindo do nanico Partido Democrata Cristão (PDC). De ascensão

meteórica, esse político assumiria a presidência em 1961, e seu nome era Jânio Quadros.

Ainda em janeiro de 1954, Jango anunciou uma polêmica medida, que agravará ainda mais a crise

política: aumento do salário mínimo em 100%. A oposição foi sonora, com especial destaque para o

empresariado – se sentindo traído devido à promessa por parte de Vargas de que o aumento não superaria

40% - e dos militares, que expressaram sua indignação por meio do Manifesto dos Coronéis, assinado por 82

coronéis e tenentes-coronéis, ligados à ala conservadora do Exército, e publicado no dia 20 de fevereiro.

Suas principais críticas giravam em torno do descaso do governo para com a instituição e a falta de

investimentos, estrutura e material bélico adequado, com o efeito deletério do aumento do salário mínimo

para os quadros das Forças Armadas, já que seria equipararia ao salário de um suboficial, e que a situação

facilitaria a ação dos comunistas.

A medida custaria o ministério a Jango. E três dias depois da publicação do Manifesto ele foi

substituído. No mesmo dia, buscando aplacar o descontentamento dos militares, o presidente dispensa o

Ministro da Guerra Ciro do Espírito Santo Cardoso, alinhado com sua política econômica nacionalista, e o

substitui por Euclides Zenóbio da Costa, homem de sua confiança e fervoroso anticomunista. Entretanto, a

crise não arrefeceu e os próximos meses verão o crescimento das críticas ao governo Vargas, com destaque

para o aumento do salário mínimo, que entraria em vigor no dia 1º de maio.

Em meio ao aumento da força da oposição e as críticas, que passaram a desqualificar e deslegitimar

seu governo mais contundentemente, chega-se à conclusão nos círculos próximos de Vargas que era

necessário retirar Carlos Lacerda, o principal opositor e voz contra o presidente, da cena política. É dessa

forma que o chefe da guarda presidencial do Palácio do Catete, Gregório Fortunato, armou o assassinato do

opositor. Entretanto, a tentativa foi desastrosa. Na noite de 5 de agosto de 1953, na rua Tonelero, um

pistoleiro disparou tiros contra Lacerda, quando este entrava em sua residência. Entretanto, Lacerda

sobrevive ao atentado, recebendo apenas um tiro em sua perna. Destino diferente foi o do major da

Aeronáutica Rubens Vaz – que fazia parte de um grupo da Aeronáutica que protegiam o deputado, devido às

ameaças de morte que recebera – que, baleado, faleceu. O pistoleiro entrou em um táxi e fugiu.

Rapidamente, o cerco começou a fechar ao redor de Vargas. Horas depois do crime, o motorista do

táxi se entregou à polícia e disse que Climério Euribes de Almeida, membro da guarda presidencial de

Vargas, o havia contratado para dar fuga ao assassino. O envolvimento de Climério serviu de munição para

os ataques da oposição e da imprensa. Lacerda não esperou os resultados das investigações e passou a acusar

abertamente Vargas de ser o mandante do crime. Mesmo a dissolução da guarda presidencial no dia 9 não

acalmou os ânimos da oposição. Falava-se abertamente em golpe, em especial dentro das forças armadas,

que rachavam entre a ala legalista e ala golpista, o que gerou casos de insubordinação e um clima de

radicalização nos quartéis. No Congresso, a situação não era diferente, e o número de parlamentares a favor

da saída do presidente aumentava rapidamente. A população também se sentia indignada, inflamada pelos

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numerosos jornais oposicionistas que atacam Vargas com todas as suas forças e que poucos dias após o

atentado passaram a exigir a renúncia.

As investigações chegavam cada vez mais perto do presidente, que se via acuado, mas se recusava a

renunciar. Além disso, o inquérito policial aberto foi transformado em um inquérito policial militar – por

uma das vítimas ter sido um oficial da Aeronáutica – sob responsabilidade da Aeronáutica e instalado no

aeroporto de Galeão no dia 12. Passaria a ser chamado de “A República do Galeão”, pelos amplos poderes

concedidos aos investigadores. No dia 13, o pistoleiro, Alcino João do Nascimento, é preso e identifica

Climério como seu contratante. No dia 15, é a vez de Gregório ser preso, após ter confessado ter

encarregado Climério de eliminar Lacerda, mas acusou Benjamin Vargas, irmão mais novo do presidente, de

ter sido o mandante do crime. No dia 18, Climério é preso e confirma que contratou Alcino a mando de

Gregório. O envolvimento de membros da guarda pessoal do presidente e de seu irmão acirram os ataques e

os pedidos de renúncia. Mesmo com os incessantes ataques, os pedidos de seus ministros e a situação de

crise nas Forças Armadas – além da carta entregue ao presidente no dia 22 e assinada por diversos altos

oficias das três armas -, Vargas se recusa a renunciar.

Eis que no dia 24, a crise será resolvida. Presidindo uma reunião ministerial na madrugada do dia 23

para o dia 24, seus ministros militares explicam a situação nas Forças Armadas e as consequências de um

possível levante para as instituições militares polarizadas entre golpistas e legalistas, pedindo a renúncia do

presidente antes que o cenário se agrave ainda mais. O governador do Rio de Janeiro, Amaral Peixoto,

propõe o licenciamento do presidente até o fim das investigações. Vargas aceita, e uma nota comunicando o

país é liberada pouco antes das 5 horas da manhã. Entretanto, duas horas depois, um grupo de generais

chega ao Palácio do Catete exigindo que o licenciamento se transformasse em renúncia. Percebendo a

situação – e entendendo que estava sendo deposto – Vargas se retira aos seus aposentos. Pouco menos de

uma hora depois, Vargas cumpriu a promessa de que deixaria o Catete apenas morto, e se suicida com um

tiro no coração. Deixou a vida para entrar na história. Ao lado de seu corpo, foi encontrada uma carta – que

passou a ser conhecida como carta testamento – onde Vargas expunha os motivos para a atitude tomada.

Às 9 horas da manhã, o país ficou sabendo da morte do presidente e a reação ao fato foi virulenta. A

oposição, e em especial a UDN, teve o corpo do presidente jogado em seus braços pela carta testamento, e se

tornaram um alvo para a população revoltada que tomou as ruas. Diversos jornais de oposição no Rio de

Janeiro foram alvos de depredação, inclusive o Tribuna da Imprensa, de Lacerda. Mesmo não tendo sido

invadidos, milhares de edições dos jornais oposicionistas foram queimadas. Outro dos alvos foi a Embaixada

dos Estados Unidos, que recebeu pedradas e vaias da população em fúria. Entretanto, não foi apenas no Rio

de Janeiro que a população se revoltou. Em Porto Alegre, a reação causou ainda mais destruição. Sedes de

partidos oposicionistas, assim como jornais da oposição foram invadidos e completamente destruídos pela

população. Tais atitudes foram facilitadas pela falta de repressão a essas atitudes, já que o governador do

estado e primo do falecido presidente, general Ernesto Dornelles, não acionou as forças de seguranças – ao

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contrário do que houve no Rio, onde armas de fogo foram usadas e dezenas foram mortos ou feridos – o que

levou a depredação também de símbolos do imperialismo estadunidense, mencionado na carta testamento de

Vargas como um dos responsáveis pelo seu suicídio, já que o presidente se opunha aos interesses

imperialistas daquele país. Em Belo Horizonte, cenas de depredação contra o Instituto Brasil-Estados

Unidos foram relatadas, além da destruição de faixas e cartazes de candidatos da oposição, mas outros alvos

foram protegidos pelas forças de segurança. Em São Paulo, os trabalhadores tomaram as ruas em luto,

marchando com cartazes e faixas, situação semelhantes em diversas cidades do Nordeste, como Recife,

Salvador, Natal, Fortaleza, Teresina e Aracaju. Perseguições contra políticos da oposição também foram

vistas em quase todas essas cidades, e Lacerda foi tão visado que se refugiou na Embaixada dos EUA e

quando esta começou a ser atacada pela população, fugiu em um helicóptero para um cruzador fundeado na

Baía de Guanabara.

Foi dessa forma que o governo Vargas terminou no dia 24 de agosto de 1954. Marcado pela crise

política e econômica que foram se agravando ao longo dos anos, assim como dos violentos ataques por parte

da oposição, a presidência terminou de um súbito, e após a contenção das manifestações populares –

caracterizadas por muitos jornais de oposição como fruto de agitadores comunistas e aproveitadores – devia-

se retornar a normalidade democrática. E em consonância com essa normalidade, o vice-presidente Café

Filho assume a presidência. E é dessa forma que o espírito golpista se manterá vivo e voltará a assombrar a

cena política brasileira no futuro próximo.

5. 1955: a permanência da herança política dos tempos de Getúlio e a “Novembrada”.

O pessedista Café Filho, vice de Vargas, assumiu interinamente a presidência após o suicídio do

gaúcho, dando garantias de que as eleições presidenciais ocorreriam naquele mesmo ano. Sua equipe

ministerial foi formada por maioria udenista e antigetulista, à exceção do General Henrique B. Duffles

Teixeira Lott, tido como homem de centro e legalista, a quem foi confiado o Ministério da Guerra.

No entanto, o clima da mais recente crise nacional ainda tornava o cenário político bastante tenso. A

questão se agravaria dia após dia com a corrida presidencial de 1955. Ao longo daquele ano as cartas foram

colocadas em jogo. O primeiro a se candidatar, pelo PSD, foi Juscelino Kubitschek. Jovem político, bem

articulado, fizera carreira nos quadros mineiros e atingira grande prestígio nacional exercendo o cargo de

Governador das alterosas.

Atacada por todos os lados, a UDN, convicta de que uma terceira candidatura de Eduardo Gomes não

os favoreceria, escolhe, após sucessivas trocas, outro político dos quadros militares como seu candidato:

Juarez Távora, general do exército brasileiro e antigo membro do movimento tenentista disputaria com os

getulistas a preferência do povo brasileiro.

Ademar de Barros, velho conhecido da política brasileira, lançava mais uma vez sua candidatura à

presidência por meio do PSP, parecendo não se abalar mesmo após ser derrotado por Jânio Quadros nas

eleições de 1954 para o Governo de São Paulo. Logo depois de empossado, Quadros começou a empreender

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uma vasta campanha de desmoralização pessoal e administrativa de Ademar. Sujeito a esses violentos

ataques, teve nas eleições presidenciais de 1955 uma possibilidade de reafirmar seu prestígio e sua força

política em nível nacional. Mesmo sem contar com o apoio das forças getulistas, que se uniam em torno de

Juscelino, procurou atrair a preferência do eleitorado popular com uma campanha fundamentalmente

antiudenista.

O período de campanha foi marcado pela turbulência. Juscelino se pautava em uma proposta

desenvolvimentista para a economia nacional, que deveria ser estimulada por meios públicos e privados.

Távora se fixou na questão da moralização dos costumes políticos e no ataque ao intervencionismo do

Estado na economia.

De acordo com Carloni, a oposição à coligação JK e Goulart reuniu diversos grupos conservadores,

temerosos que representantes do getulismo, principalmente Goulart, se estabelecessem no poder. A partir da

imprensa eram feitas denúncias de corrupção que tentavam macular a imagem dos dois candidatos. Eram

ainda propostas soluções extralegais para “sanear a política nacional” (CARLONI, 2010, p. 92). O apoio de

Luís Carlos Prestes, conhecido líder do PCB, à campanha de Juscelino e Jango foi utilizada para

desprestigiar a campanha de ambos, por uma possível identificação dos dois ao comunismo.

Boris Fausto também alega que não faltaram jogadas sujas na campanha (FAUSTO, 2001: 232). Um

bom exemplo é a Carta Brandi, movimento realizado pelos adversários de Jango que fizeram publicar nos

jornais um texto no qual o político, em 1953 e, portanto, ainda na condição de Ministro do Trabalho, teria,

em acordo com o deputado peronista Antonio Brandi, tentado estocar armas para deflagrar um movimento

guerrilheiro que instauraria uma república sindicalista no Brasil. Em investigação perpetrada pelo Exército

após as eleições, concluiu-se que a carta era uma falsificação grosseira, fabricada na argentina.

Com base no argumento de que João Goulart iria devolver o país a um regime getulista, líderes

opositores, como o deputado Aliomar Baleeiro e o jornalista Carlos Lacerda, ambos udenistas, passaram a

advogar por um golpe para impedir a posse dos vencedores do pleito eleitoral daquele ano (BETHEL, 2008,

124-126 apud PEREIRA, 2013: 126). A tudo isto é preciso acrescentar a verdadeira crença udenista de que,

graças ao modo como grande parte da população exercia seus direitos políticos, sobretudo no voto, a

seriedade da democracia brasileira era extremamente comprometida, por se pautar em laços que beiravam o

clientelismo.

Mesmo antes das eleições, Lacerda defendia uma intervenção militar, já que, fosse como fosse, o

processo eleitoral daria frutos podres, produtos da fraude que era a política brasileira. Não à toa, na

solenidade de um ano da morte do brigadeiro Rubens Vaz, assassinado na Tonelero, o General Canrobert

Pereira da Costa, Chefe do Estado Maior, fez um discurso inflamado contra a posse da dupla eleita,

declarando que o dilema que se apresentava para os militares era o de decidir “entre uma pseudolegalidade,

imoral e corrompida, e o restabelecimento da verdade e da moralidade democrática mediante uma

intervenção aparentemente ilegal” (FERREIRA; DELGADO, 2003: p. 316).

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O discurso do General Canrobert, que para Jorge Ferreira sintetizava o pensamento político do

conservadorismo brasileiro, teve ampla aceitação e repercussão, sendo apoiado, por setores do Exército e de

alguns partidos, como a UDN. Por outro lado, uma outra parcela das forças armadas, diversos setores da

imprensa e o empresariado postaram-se a favor da legalidade. Outros grupos se uniram pela manutenção da

democracia formando a Liga de Defesa da Legalidade, que pretendia unir intelectuais, comerciantes,

sindicalistas e militares pelos direitos do povo.

Nas eleições, as cédulas se dividiram no momento das votações. Juscelino angariou 35,68% dos

votos, contra 30,27% de Távora e 25,77% de Ademar de Barros. Na disputa pela vice-presidência João

Goulart, mesmo após ter se envolvido em polêmicas como Ministro do Trabalho de Getúlio Vargas, recebeu

44,25% dos votos contra 41,7% do udenista Milton Campos.

JK e Jango, candidatos dos getulistas, saiam vencedores da disputa, a UDN se via derrotada. Alegava

que os candidatos não seriam detentores de maioria absoluta, tendo vencido graças a uma minoria8 e que a

democracia brasileira era uma fraude baseada em demagogias. Para os udenistas, as eleições definiam

apenas que era aquele o momento de começar uma campanha contra a posse da chapa dos getulistas, que

seria incessante a partir dali.

Um mês após ser definida a votação, no dia 1 de novembro, era enterrado o chefe do Estado Maior

das Forças Armadas, o General Canrobert, militar e importante articulista conservador que esteve presente

na deposição de Vargas em 1945 e que ajudava a deflagrar o movimento contra Juscelino e Jango.

No enterro, o Coronel Jurandir Bizzarria Mamede, destacado udenista, discursou publicamente para

autoridades políticas e militares, mesmo não tendo sido escalado inicialmente para falar. Frente a todos,

definiu a democracia brasileira como “pseudolegalidade imoral e corrompida” (FERREIRA; DELGADO,

2003: p. 316) inspirado pela morte de Canrobert. Em posterior entrevista à revista Manchette, Lott, presente

à solenidade, afirma que pensou em prender o Coronel no ato, mas chegou à conclusão de que aquele não

seria o melhor momento. A reação do Presidente da Câmara dos Deputados, Carlos Luz, foi contrária.

Parabenizou entusiasticamente o discurso de Mamede, animando os defensores do golpe e contrariando

ainda mais o Ministro da Guerra e outros então presentes (CARLONI, 2010: 108) 9.

Decidido a punir Mamede, que não estava submetido à jurisdição do Exército, Lott vai à procura de

Café Filho. Descobre, no entanto, que no dia 3 daquele mesmo mês o presidente interino houvera pedido

afastamento por doença. Carloz Luz, seu sucessor legal, o sucederia no dia 8 de Novembro daquele ano.

No dia 10 daquele mesmo mês, Lott iria ao encontro do substituto. A pauta passava pela situação do

Exército frente à crise política que estava desenhada e pela punição do Coronel Mamede. A reunião,

8 Ainda como parte da estratégia para derrubar a aliança PSD-PTB, a UDN apresentou uma emenda, que não foi aprovada, que

transferiria a eleição para a Câmara dos Deputados, caso nenhum candidato alcançasse a maioria absoluta dos votos, ou seja, um

mínimo de 50% +1 votos. 9 É importante referenciar que Karla Guilherme Carloni, autora da supracitada tese, extrai as citações de declarações dadas por

Teixeira Lott de declarações dadas, à época, a Revista Manchete. A fim de referências mais completas, verificar a tese de Carloni,

listada em nossas referências bibliográficas.

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marcada para as 19h, acontece apenas 1h30 depois. Tempo pelo qual o Ministro da Guerra fica à espera do

atendimento do Presidente. Colocado em condição de humilhação, ao ser mais uma vez contrariado pela

decisão de Luz de não punir o Coronel Mamede por seu ato de indisciplina, Lott pede demissão de sua pasta

ministerial.

Revoltados e percebendo a possibilidade de golpe que se concretizava cada vez mais, militares

simpáticos a Henrique Teixeira Lott e à causa da legalidade se reúnem em torno do General Odílio Denys,

comandante da Zona Militar Leste, de comandantes das guarnições do Distrito Federal e de Olímpio

Falconière, comandante da Zona Militar Centro - localizada em São Paulo - e decidem ocupar postos-chave

da capital forçando o Governo a respeitar a disciplina militar. Na madrugada de 11 de Novembro, sob a

liderança do General Lott que voltara publicamente atrás de sua renúncia, tropas cercaram os acessos ao

Palácio do Catete e tomaram conta dos postos policiais e dos meios de comunicação.

Com situação desfavorável, Carlos Luz, Mamede, Lacerda, alguns outros militares e parlamentares

sobem, às 9h da manhã, a bordo do cruzador Tamandaré em fuga para Santos, onde planejavam instaurar

um governo de resistência com a ajuda do General Eduardo Gomes, Ministro da Aeronáutica. De dentro do

navio, Carlos Luz, pouco disposto a prosseguir com uma luta que terminaria em bombardeio, deu uma

declaração que colocou um ponto final em toda a tensão. Negou-se a aceitar um governo que não fosse o seu

próprio e aceitou a situação imposta por Lott e pelos oficiais aliados ao General.

Carlos Luz foi declarado legalmente impedido de continuar como presidente, seu sucessor foi Nereu

Ramos, então vice Presidente do Senado. Café Filho, ainda afastado por motivos de saúde recebeu, ainda em

Novembro, a visita de Lott, novamente empossado Ministro da Guerra, que alegou ser que seria

inconveniente o retorno do antigo interino a presidência. No mesmo ano Filho recebeu seu impeachment por

parte do Congresso e Nereu permaneceu como interino até que Juscelino Kubitschek assumisse o poder.

6. JUSCELINO PRESIDENTE, JANGO VICE: NACIONALISMO E DESENVOLVIMENTISMO NOS “CINQUENTA

ANOS EM CINCO” DO GOVERNO JK

Dois jovens políticos com carreiras em plena ascensão, ambos de partidos ligados à herança

varguista, chegavam juntos à presidência e à vice-presidência. As articulações dos oponentes não foram

suficientes para contê-los nas urnas e nem mesmo a crise deflagrada nos meses posteriores conseguiu

impedir que fossem empossados. Ao assumir a presidência, em 31 de Janeiro de 1956, Juscelino solicitou

imediatamente ao Congresso nacional a abolição do estado de sítio e o fim da censura à imprensa, sendo

logo atendido. Suas promessas até ali davam a impressão de um governo extremamente aberto e

democrático e inexoravelmente envolvido com o desenvolvimento nacional.

O governo mais bem-sucedido da experiência democrática, de acordo com Vânia Maria Losada

Moreira (FERREIRA; DELGADO, 2003, p. 158), foi quase uma “proeza” por ter conseguido se sustentar

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em um quadro social e político bastante tenso que conciliou o processo democrático e a intensificação do

progresso capitalista sob a égide de seu lema “movimentação, ação e desenvolvimento”. Para sua

sustentação e apoio crescentes foi fundamental a aliança com o PTB, que foi, ao lado de PSD e UDN, uma

das três grandes forças do período entre 1945 e 1964, crescendo em ritmo acentuado em detrimento dos

demais partidos (FERREIRA; DELGADO, 2003, p. 302), fosse entre os trabalhadores da cidade ou do

campo.

Apesar de toda a euforia provocada pelos anos marcados pela presidência de Juscelino Kubitschek,

seus opositores, frustrados, não cessariam as críticas, sem deixar que a turbulência política se ausentasse do

cotidiano decisório brasileiro. Por outro lado, um maciço apoio a Juscelino vindo inclusive das Forças

Armadas, prometia combater qualquer tentativa golpista, sobretudo o espectro do comunismo, visto como a

grande ameaça ao regime democrático. De acordo com Boris Fausto, neste contexto “o getulismo só recebia

restrições dessa maioria quando enveredava pelo terreno de um nacionalismo agressivo ou quando apelava

para a organização dos trabalhadores” (FAUSTO, 2000, p. 225).

Próximos mais uma vez graças à dupla vencedora nas eleições de 1955, PSD e PTB agregavam suas

diferenças de valores em uma coalisão que conciliou importantes apoiadores em prol dos projetos de

Juscelino, arrefecendo as forças contrárias. No entanto, a natureza das críticas, eminentes, por exemplo, em

relação à criação de Brasília, meta-síntese de seu Governo e símbolo de seu projeto de integração nacional,

fazia lembrar àquelas feitas contra o próprio Getúlio. É preciso acrescentar, contudo, que por mais que os

dois partidos se unissem pelo poder, Juscelino se empenhou também em limitar as explosões grevistas,

ciente de que as mesmas seriam extremamente prejudiciais a sua popularidade.

Entretanto, foi igualmente nestes anos que o sindicalismo passou por mudanças radicais e

fundamentais. Ao lado do aparato oficial de organização sindical cresciam organizações que atuavam

paralelamente à oficialidade, como o Pacto da União Intersindical e o Pacto de Unidade e Ação, tendo este

último preparado o espaço para a formação do Comando Geral dos Trabalhadores.

Apesar disto nem tudo eram flores no governo de Juscelino Kubitschek, e a situação se agravou

conforme corriam os anos de seu mandato. Gastos governamentais altíssimos foram contraídos no intuito de

sustentar o amplo programa de industrialização e estes, aliados a construção de Brasília, geraram um grave

quadro de crise econômica acompanhada de alta inflação. O consequente envolvimento com o Fundo

Monetário Internacional em busca de empréstimos desagradou amplos setores da esquerda brasileira -

incluindo o PTB - que acusava um suposto entreguismo por parte de JK.

As políticas de estabilização surtiram um efeito bastante aterrorizante naqueles anos, gerando

insatisfação entre os trabalhadores e também nas classes mais altas. Juscelino, acusado de “vender a

soberania internacional aos banqueiros internacionais e ao FMI” abandona o plano de estabilização,

rompendo com o Fundo Monetário Internacional em junho de 1959 angariando uma onda de apoio

proveniente de diversos grupos políticos. Por exemplo, a óbvia reconciliação com o PTB no campo

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econômico acontece a partir daí. Decorre ainda desta decisão o apoio do Partido Comunista Brasileiro que

vinha ressurgindo no plano público, apesar de permanecer na ilegalidade. E por último até mesmo a cúpula

militar e a poderosa FIESP - Federação das Indústrias de São Paulo se postaram em apoio à decisão do

presidente.

Pode-se dizer que Juscelino Kubitschek foi, ao longo da maior parte de seu governo, um sucesso de

popularidade. Muito graças a seu discurso e plataforma nacionalistas unidos à sensação de sucesso

econômico causada pelo bem estar do consumo e por uma suposta modernidade simbolizada por Brasília, o

presidente gozava do apoio da população em geral, e especificamente do movimento nacionalista. Segundo

pesquisa do IBOPE realizada na Guanabara, em 1961, o governo de Juscelino tinha ampla aceitação popular.

Apenas 9% dos entrevistados julgavam-no mau ou péssimo enquanto os demais 91% dividiam suas opiniões

entre ótimo (22%), bom (35%), regular (31%) e não sabe julgar (3%). Entretanto, sua alta popularidade

apontada nesta pesquisa não foi suficiente para que o PSD vencesse as eleições de 1960.

6.1. AS ELEIÇÕES DE 1960;

Ao longo de 1959 surgiram às candidaturas ao cargo de presidente para as eleições de 1960. A

situação dentro do PSD era complicada, já que se dizia que o então presidente Juscelino Kubitschek,

incapacitado de candidatar-se a reeleição, pensava mais no ano e 1965 do que em 1960, quando as próximas

eleições aconteceriam. Receavam os pessedistas que a quase obrigatoriedade de uma política de austeridade

seria extremamente desgastante para o próximo presidente, o que poderia manchar a imagem do partido caso

ele viesse a vencer nas urnas.

Contudo, o General Henrique Teixeira Lott, militar respeitado e fundamental para a manutenção da

ordem no governo de Juscelino Kubitschek foi escolhido representante do PSD nas eleições, repetindo a

fórmula de sucesso de 55 com um vice do PTB. Mais uma vez João Goulart sairia como vice-presidente,

embora enfrentasse grande resistência por parte de alguns setores conservadores do PSD e por parte de

alguns membros da cúpula militar.

A UDN - cogitada por alguns pessedistas como possível parceira antes do lançamento da

candidatura oficial de Lott – ficou dividida entre o líder do setor tido como chapa-branca, Juraci Magalhães,

e Jânio Quadros, lançado e apoiado pela “Banda de Música” da UDN – setor daquele partido conhecido

historicamente por tecer criticas ferozes ao getulismo. Magalhães foi então preterido pelo partido, que

preferiu formar a coligação UDN-PDC-PL (Partido Libertador)- PTN (Partido Trabalhista Nacional)-PR

(Partido Republicano) em apoio a Jânio, projetado na vida política de São Paulo por sua eficiência

administrativa e graças a sua independência em relação aos partidos políticos, com os quais conseguia, no

entanto, manter excelentes relações. Ponto fundamental este, já que Jânio aceitou se juntar aos udenistas

mediante sua independência partidária.

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Para Fausto, “desde os primeiros tempos da campanha o favoritismo de Jânio se tornou evidente. Ele

reunia as esperanças da elite antigetulista, do setor da classe média que esperava a chamada moralização dos

costumes políticos e se via atingida pela alta do custo de vida, assim como da grande maioria dos

trabalhadores” (FAUSTO, 2000, p. 241). No entanto, desde a campanha para a presidência, Jânio

apresentava dificuldades em se relacionar com a UDN, já que prometia intervencionismo e protecionismo

para a economia do país, aproximando-se muitas vezes de teses defendidas pela esquerda brasileira,

nomeadamente pelo PTB. A visita que fez a Cuba em março de 1960, demonstrando simpatia pelo

socialismo implantado no país, agravou ainda mais o quadro de crise entre os aliados.

No lado pessedista Lott acabou se revelando um candidato desastroso, pois “falava mal em público e

tentava assumir artificialmente o discurso getulista” (FAUSTO, 2000, p.241) conseguindo desagradar

setores mais exaltados do PSD e do PTB. Com a desilusão da campanha de Lott, a reação da população foi a

criação da chapa Jan-Jan, Jânio presidente, Jango para vice, ambos efetivamente eleitos em outubro de 1960.

Com votação histórica, Quadros foi eleito com expressivos 48% dos votos contra 32% de Lott,

enquanto Jango conseguiu 36% e o candidato udenista a vice, Milton Campos, angariou 33% dos votos.

Após muito tempo distante do poder a oposição se elegia, embora com bancada minoritária no Congresso

Nacional. Em pouco tempo se instalaria um conflito entre o Executivo e o Legislativo.

7. 1961...

Jânio Quadros era o novo símbolo de esperança política brasileira. Com a fé renovada, o Brasil

depositava sua esperança no discurso de um homem que parecia estar além das intrigas partidárias,

moralmente acima da política brasileiros. Seria o primeiro presidente, em 31 de janeiro de 1961, a tomar

posse em Brasília. Na manhã seguinte, o diário de notícias “Folha de São Paulo” exaltava o presidente com

notícias de Lisboa e dos Estados Unidos, que saudavam o mais novo Presidente da República 10.

A manchete daquele dia 1º de fevereiro, em meio a tantas notícias importantes, se destacava ainda

mais pelo seu conteúdo: “Festas e Lágrimas em Brasília na posse de Jânio e despedida de JK”. O jornal

ainda trazia a seguinte frase, indicando a suposta força reformadora do recém-investido Presidente: “Jânio,

em mensagem à nação, diz que seu governo será rude e áspero”.

Após ter seu discurso transmitido para todo o Brasil pela “Voz do Brasil”, as expectativas em relação

ao governo de Jânio apareciam na edição do supracitado periódico no dia seguinte. A pretensa agressividade

política destacada na primeira página se conciliava, naquela edição da Folha, a uma coluna que falava sobre

a provável tranquilidade do governo de Quadros, que teria recebido “um país magnífico para governar”. A

10

http://acervo.folha.com.br/fsp/1961/02/01/2/

10

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notícia, que mesclava otimismo com um clima de cobrança, fazia crer que o governo de Jânio tinha como

única alternativa e como maior possibilidade o sucesso.

Apesar das árduas críticas, até mesmo Jânio tratava o Governo anterior como histórico. Agora

presidente, em Brasília sob o palanque junto a JK e Jango, Jânio juraria servir o Brasil como “escravo da

liberdade” do povo brasileiro. Contudo, o mandato de Jânio Quadros seria mais turbulento do que

prometiam os primeiros dias após o início do novo ano político, em 31 de Janeiro de 1961.

8. O GOVERNO DE JÂNIO QUADROS:

O novo Presidente da República se mostrava, cada vez mais, um sujeito controverso. Se no princípio

era possível dizer que as forças políticas pareciam amplamente favoráveis à sua gestão, elas estas foram

gradualmente se voltando contra o mandato de Jânio, que ia se mostrando um homem bastante eloquente,

mas também um líder pouco capaz.

Contudo, não se pode dizer que sua campanha de moralização política e social não tenha tido

sucesso. Se Jânio Quadros foi acusado de se ocupar de questões que não deveriam ser da alçada da

presidência - como a proibição das rinhas de galos e do uso de biquínis em praias - também instaurou

inquéritos que visavam investigar a própria máquina pública. Mesmo João Goulart, seu vice-presidente,

chegou a ser inquirido, mas sem desdobramentos práticos.

Apesar de cumprir uma agenda que em parte seguia algumas das expectativas da UDN, o que se

sucedeu com o passar dos meses foi um afastamento do Presidente de muitos membros de seu antigo

partido, que se tornaram ferozes no ataque a seu governo. Situação que se tornou ainda mais grave desde que

Jânio se aproximara de Leonel Brizola, o jovem e impetuoso Governador do Rio Grande do Sul “já então

visto pela direita conservadora como um “enfant terrible” por ações como a estatização da American

Foreign Power 11, realizada poucos dias após assumir seu mandato em Porto Alegre” (TAVARES, 2011, p.

17).

Apesar desta aproximação, segundo Christiane Jalles de Paula em artigo produzido para o CPDOC

12, o Presidente desenvolvia internamente uma política alinhada com os Estados Unidos, apesar de sua

11

Gigante do fornecimento energético norte americana. 12

Que pode ser conferido on-line pelo link:

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política externa seguir uma linha independente, parecendo ignorar os constrangimentos colocados pelos

americanos em relação aos países comunistas.

Foi naquele ano que foi lançada a “Aliança para o Progresso”, iniciativa do Governo dos EUA que

prometia investir 20 milhões de dólares em países da América Latina após assinado um tratado no Uruguai,

em Punta del Leste. Cuba, que havia mandado uma comitiva, se negou a assinar o tratado. Che Guevara,

líder do grupo, em seu retorno a Cuba fez uma breve escala em Brasília. Contudo, sua rápida passagem foi o

suficiente para causar uma grande polêmica, uma vez que Jânio Quadros eleito, sobretudo, por sua

identificação com a direita conservadora, decidiu condecorar Guevara, homem forte da Cuba comunista,

com nada mais, nada menos, do que a Ordem do Cruzeiro do Sul, a mais alta condecoração brasileira

atribuída a cidadãos estrangeiros. Jânio se mostraria ainda contrário às ações militares organizadas pelos

Estados Unidos contra Cuba, que recentemente se tornara inimiga dos vizinhos do norte por se declarar

comunista.

No plano político-econômico Jânio buscava uma solução para os problemas herdados do governo JK,

optando por um pacote de estabilização bastante ortodoxo. Contudo, essas medidas não foram suficientes

para aplacar os ânimos da oposição. Carlos Lacerda, um dos líderes udenistas, atacava o presidente com a

mesma força que usara para apoiá-lo meses antes. Quadros, que em seus primeiros passos tomava medidas

de maneira quase imperiais, tropeçava cada vez mais quando o assunto era referente à plataforma de apoio

política, uma vez que PTB e PSD dominavam o Congresso. Quanto à sua base de apoio, Jânio parecia não se

preocupar em procurar a liderança udenista no Senado, e sua simpatia pela ideia de reforma agrária

preocupavam ainda mais os setores conservadores.

Tendo deixado descontentes seus antigos aliados, funcionários públicos e militares, o clima político

do governo Jânio Quadros só se tornaria mais desfavorável em agosto de 1961. Após condecorar Ernesto

Che Guevara, o udenista Carlos Lacerda, então Governador do Estado da Guanabara, daria um forte golpe

simbólico em Jânio Quadros homenageando no Rio de Janeiro o líder anticastrista Manuel Antonio de

Varona. Em tempos de Guerra Fria, a simples entrega das chaves da cidade do Rio de Janeiro a um membro

da resistência contra o comunismo em Cuba simbolizava um racha no Brasil, uma vez que os setores

políticos mais conservadores e a grande maioria dos militares se sentiam ali representados pela jogada

política de Lacerda que mostrava ao mundo que haveria resistência àqueles atos de simpatia pelos inimigos

vermelhos.

Dias depois, em 24 de Agosto, Lacerda protagonizou outro ataque à presidência de Jânio, acusando-

o de planejar um golpe. Informado, pelo Ministro da Justiça Oscar Pedroso Horta, de que Jânio pretendia

encabeçar uma reforma constitucional, o Governador da Guanabara foi rapidamente à imprensa acusar

Pedroso Horta de tê-lo convidado a participar de um golpe organizado pelo Presidente com o auxílio da

12

http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/Jango/artigos/VicePresidenteJanio/O_segundo_mandato_e_a_crise_sucessoria

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esquerda (MOREIRA, 2010, 88) 13. Hélio Silva, na sua História da República Brasileira, transcreve o trecho

mais veemente da fala de Lacerda: ...“A crise, pois, resume-se numa trama palaciana, de homens medíocres,

tentando resolver por meios ilegítimos as dificuldades do regime brasileiro. O motivo do nosso protesto é a

esperança de que o barulho de tantas vozes acorde a consciência pública do Presidente da República, que jaz

adormecido no ermo de Brasília” 14.

No dia seguinte, 25 de Agosto de 1961, Jânio Quadros renunciou à Presidência da República dando

poucas explicações

9. A DISPUTA PELO PODER

Certamente a saída de Jânio Quadros suscitou uma série de dúvidas. Sua carta de renúncia, apesar de

eloquente e em de se remeter sentimentalmente à carta testamento de Getúlio, era não apenas bastante vaga,

mas também desprovida de mecanismos que provocassem empatia no povo brasileiro. A confusão

provocada pela saída de Jânio, contudo, não deixava espaço para muito debate, uma vez que gerou um

quadro de caos político no país. No mesmo dia da renúncia, um Leonel Brizola em furor pelo manifesto de

Jânio, que se dizia pressionado pela oposição, convidava o ex-presidente, de quem se aproximara naquele

ano, a resistir no Rio Grande do Sul.

A situação era, contudo, ainda mais grave. João Goulart, vice-presidente, era quem deveria assumir a

presidência. A Constituição de 1946 não deixava dúvidas. Caso Jango estivesse no Brasil no dia da renúncia

de Quadros, o que não aconteceu, certamente a situação política seria menos grave. Mas não foi o que

aconteceu. O vice-presidente fora especialmente designado para seguir em missão junto à delegação

econômica enviada aos países do Leste europeu e da Ásia, incluindo a República Popular da China,

comunista desde 1949.

Grande inimigo político da direita brasileira, por ser visto como herdeiro do trabalhismo de Getúlio,

por ser também - como o ex-presidente gaúcho - chamado de demagogo e populista e tomado, por vezes,

como um homem próximo ao comunismo, Jango não teria tanta facilidade para assumir a presidência que

era, por direito, sua. Seus opositores, temerosos de que Jango assumisse a presidência nos quatro anos que

restavam para o fim daquele mandato, começaram a agir tão logo Jânio anunciou sua renúncia.

Após a queda de Jânio, Ranieri Mazzili, presidente da Câmara dos Deputados, assumiu o poder.

13

A dissertação de Bruno de Oliveira Moreira pode ser acessa pelo seguinte link: http://www.ppgh.ufba.br/wp-

content/uploads/2013/09/De-Herois-a-Tiranos.pdf 14

A citação de Hélio Silva foi retirada do texto “Há 50 anos a renúncia de um presidente da República marcou a história política

do país”, de autoria de Marcondes Sampaio e pode ser acessado aqui:

http://www2.camara.leg.br/comunicacao/institucional/noticias-institucionais/ha-50-anos-a-renuncia-de-um-presidente-marcou-a-

historia-republicana-do-pais.

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Submetendo-se aos grupos civis e militares mais conservadores, Mazzilli enviou mensagem ao

Congresso Nacional comunicando que os três ministros militares manifestaram-lhe a “inconveniência” do

regresso de Goulart ao Brasil. “A crise política, portanto, estava deflagrada” (FERREIRA, 1997, 152).

A partir de então, como em um jogo de xadrez, começaram as movimentações pró e contra Jango. De

acordo com Jorge Ferreira, “Com o apoio de alguns coronéis e generais alocados em postos-chaves no

estado do Rio Grande do Sul e o protesto popular, o governador deu início ao movimento conhecido como

Campanha da Legalidade” (idem).

O Ministro da Marinha Vice-Almirante Sylvio Heck, o Ministro da Guerra Marechal Odylio Denyse

o Ministro da Aeronáutica Brigadeiro do Ar Gabriel Grün Moss lançaram um manifesto contra a posse de

João Goulart na presidência. No dia 26, o país amanheceu em estado de sítio não oficial e Mazzilli surgiu

como escolha oficial de uma junta militar.

Do Rio Grande do Sul, Brizola começava a fazer contatos com o General Machado Lopes, que em

primeiro momento não se posicionou em relação à questão, declarando-se, como soldado, ao lado do

exército (FERREIRA, 1997, 152), ao contrário de Artur da Costa e Silva, que rapidamente se colocou em

oposição a Leonel Brizola e a Jango. As notícias provenientes do Rio de Janeiro eram mais animadoras

Henrique Teixeira Lott, herói legalista de 1955, agora reformado, mas ainda muito respeitado no âmbito

político e militar, não apenas se postara definitivamente contra a tentativa de golpe, mas também orientou

Brizola a procurar líderes militares que seriam plenamente favoráveis à legalidade: entre eles os coronéis

Roberto Osório e Assis Brasil e o general Pery Bevilacqua.

Em manifesto público que levou Odílio Denys a decretar sua prisão, Lott conclamou:

“(...) todas as forças vivas do país, as forças da produção e do pensamento, os estudantes e os

intelectuais, os operários e o povo em geral, para tomar posição decisiva e enérgica no respeito à

Constituição, em preservação integral do regime democrático brasileiro, certo, ainda, de que os meus

camaradas das Forças Armadas saberão portar-se à altura das tradições legalistas que marcam a sua

história no destino da Pátria.” (LOTT, apud FERREIRA, 1997, p. 7). 15

Lacerda era um líder fundamental da movimentação contra Jango. Sua eloquência contra a legalidade

ia de encontro a amplos setores sociais, indo inclusive contra a vontade de seu próprio partido ao defender a

intervenção militar contra Goulart. No estado governado pelo udenista foi empreendida uma intensa censura

às rádios: a polícia, comandada pelo governador, passou a controlar e censurar todas as rádios da Guanabara.

No Rio Grande do Sul, Leonel Brizola travava uma guerra imagética contra Carlos Lacerda.

Mostrava jornais do estado da Guanabara repletos de espaços em branco, resultado da censura imposta pelo

governador Carlos Lacerda. Trabalhando com imagens antagônicas, contrapondo o Rio Grande do Sul livre

ao resto do país, particularmente a Guanabara, submetido ao arbítrio, às imagens da TV Piratini repercutiram

com grande impacto.

15

A referência primária de onde Jorge Ferreira retirou este texto é: O Semanário, no 277, 19 a 25 de setembro de 1961, p. 12.

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Leonel Brizola sabia, no entanto, que precisava chegar à maioria dos lares brasileiros e isto só

poderia ser feito através da radiodifusão. No dia 27 de Agosto, segundo ordens de Brizola, a Rádio Guaíba

foi tomada e transferida para os porões do Palácio Piratini, estando estrategicamente protegida pelas

brigadas rio-grandenses. Naquele momento três outras grandes cadeias radiofônicas, Farroupilha, Difusora e

Capital, já tinham suas portas fechadas pelo Governo Federal por sua colaboração com a causa do

Governador do Rio Grande. A Cadeia Radiofônica da Legalidade, conhecida também como Cidadela da

Legalidade, transmitia ininterruptamente, durante as 24h do dia, e era retransmitida por mais de 100 outras

rádios por todo o Brasil.

Segundo Jorge Ferreira, “os clamores de Brizola para que a população reagisse e defendesse a posse

de Goulart encontraram imediata adesão e entusiasmo. No pavilhão de exposições Mata-borrão, na esquina

da Avenida Borges de Medeiros com a Rua Andrade Neves, cedido pelo governo estadual, foi instalado o

Comitê Central do Movimento de Resistência Democrática, órgão unificador de dezenas de outros comitês”

(FERREIRA, 1997, p. 152).

Nesse ínterim a rádio-escuta do governo estadual interceptou ordens da Junta Militar para que o III

Exército e a FAB bombardeassem o Palácio Piratini. Um regime de caos e desespero se instauraria com as

declarações de um Leonel Brizola claramente emocionado. Jorge Ferreira nos dá um relato de como pode ter

sido esta cena:

Sentindo-se acuado e sem alternativas políticas, o governador acionou os microfones da Rede da

Legalidade. Sentando-se à mesa de um estúdio improvisado, Brizola, com uma das mãos, segurou o

microfone e, com a outra, uma metralhadora portátil. Ao seu redor, jornalistas e funcionários civis e

militares corriam, de um lado para outro, com revólveres presos à cintura. Alguns poucos

conseguiram manter a ponderação. (FERREIRA, 1997, 2).

Naquela ocasião, José Machado Lopes, Comandante do III Exército, comunicara que iria ao Palácio

Piratini. Sua ida causou imensa agitação e angústia em meio aos apoiadores do Movimento da Legalidade,

temerosos de que o Comandante decidisse depor Brizola, provocando assim uma Guerra-Civil. Sua decisão,

no entanto, seria apoiar o governardor do Rio Grande do Sul dando moral às tropas legalistas e equilibrando

o jogo político-estratégico.

LISTA DE REPRESENTAÇÕES:

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ANDRÉ FRANCO MONTORO16 nasceu no dia 16 de julho de 1916, na cidade de São Paulo, filho de André de

Bois Montoro e de Tomásia Alijostes Montoro.

Bacharelou-se na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) em 1938, licenciando-

se, nesse mesmo ano, em filosofia e pedagogia. Professor universitário, entre 1938 e 1940 na PUC-SP, foi

também secretário-geral do Serviço Social da Secretaria de Justiça de São Paulo, e procurador do estado de

São Paulo de 1940 a 1950.

Em 1947, filiou-se ao Partido Democrata Cristão (PDC), que ajudou a criar. Elegeu-se vereador em

1950, mas não chegou a concluir o mandato. Seus biógrafos contam que Montoro deixou de vez a Casa em

1952 para protestar contra a venda e compra de votos que deveriam eleger o presidente da mesa.

Em 1954 concorreu ao posto de deputado estadual e se elegeu. De forma meteórica tornou-se o

presidente da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo de 1955 a 1956. Também não concluiu este

mandato, deixando o cargo em 1959 para concorrer à Câmara Federal, onde se tornou líder do Partido

Democrata Cristão.

Foi um dos mais eminentes políticos do PDC desde a década de 1950 até seu fechamento, na década

de 1960. Teve ao seu lado na Democracia Cristã políticos como Jânio Quadros, Juarez Távora, Jarbas

Passarinho e Plínio de Arruda Sampaio, uma geração do PDC que alavancou o partido, multiplicando

significativamente sua representatividade nas legislaturas a partir de 1954.

Durante seu mandato como deputado estadual, Franco Montoro representou o Brasil e o PDC no

Congresso Internacional da Democracia Cristã, grupo político em enorme expansão mundial na época,

sendo uma referência na Itália pós-Mussolini e crescente também na América Latina. Montoro se destaca

nacionalmente neste período por tratar da integração econômica e política dos países latino-americanos.

Sua carreira política ficou marcada pela moderação. Influenciado, sobretudo pelo catolicismo, seguia

os preceitos da democracia cristã em conformidade como os ensinamentos da encíclica “Rerum Novarum”

de Leão XIII. Acreditava que a vertente seguida pela sociedade deveria ser um meio termo, não perdendo

nem para o totalitarismo do comunismo nem para um capitalismo selvagem.

Teve um papel de destaque na crise política causada pela renúncia do presidente Jânio Quadros já

que estava na comitiva que acompanhava o vice-presidente João Goulart em viagem a China.

ARY DEMÓSTENES DE ALMEIDA nasceu em 1920 na cidade de Anápolis, Goiás, chegou a estudar três anos

de medicina, mas acabou se formando na Faculdade de Direito de Goiás, instituição na qual foi docente

posteriormente. Ingressou na vida política sendo eleito deputado estadual pela UDN para a 3ª Legislatura

(1955-59) do Estado de Goiás. Não participou da 4ª Legislatura (1959-63), mas integrou o Gabinete do

governador Mauro Borges, eleito em 1961, com o cargo de Secretário de Estado17.

16 http://acervo.estadao.com.br/noticias/personalidades,franco-montoro,711,0.htm 17

Fonte: http://al.go.leg.br/deputado/perfil/deputado/1568

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COMANDANTE DA POLÍCIA DE GOIÁS: Conforme houve a escalada do conflito a missão do comandante de

polícia foi basicamente proteger as autoridades que se abrigavam no Palácio das Esmeraldas. Também ficou

a cargo do comandante de polícia dar apoio militar a quaisquer assuntos internos de segurança em Goiás,

como eventuais atentados e mesmo atividades de inteligência.

TENENTE CORONEL JOSÉ AUGUSTO SILVEIRA É um tenente-coronel do Exército que tem a função de

auxiliar o vice-presidente. Esse auxílio vai desde serviços administrativos simples até consultas de caráter

militar. Na situação de crise do gabinete, desempenhará um papel fundamental como conselheiro de João

Goulart especialmente em assuntos militares.

CORONEL DIOMÁRIO MOOJEN: Comandante da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, teve um papel

crucial na contensão de possíveis invasões. “Ele teve uma participação leal, serena e destemida no episódio,

permanecendo ao lado do governador, comandante supremo da Brigada Militar, o que fez os cadetes

vibrarem nas trincheiras...” disse seu colega, coronel Bento. Elogios são tecidos a esta personalidade até hoje

em dia, inclusive referido como “A personificação de nossa [Rio Grande do Sul] Polícia Militar”18.

DIRCEU ANTÓNIO DI PASCA nasceu na década de 1930 e foi ao longo de sua vida política um dos principais

homens de confiança de João Goulart.

Em 1942, dada a entrada do Brasil na II Guerra Mundial, foi convocado por decreto presidencial para

o serviço ativo do Exército como 2.° tenente de Infantaria. Di Pasca, no entanto, não chegou a atravessar o

Continente pela Guerra, tendo sido enviado para a reserva naquele mesmo ano.

Em 1943 formou-se na Faculdade de Medicina da UFRGS, mas sua atuação mais brilhante se daria

em outro campo.

Em 1953, Dirceu Di Pasca é nomeado Auxiliar I no Escritório de Propaganda e Expansão Comercial

do Brasil em Paris, França. Sua ascensão é rápida e em 1961, o ano do Movimento da Legalidade, Dirceu Di

Pasca é Subchefe do Escritório Comercial do Brasil em Paris e acompanha o então vice-presidente João

Goulart como seu assistente. Di Pasca será um dos poucos a permanecer por toda a viagem ao lado de Jango,

desde que este recebe a notícia de que Jânio houvera renunciado.

18 https://www.brigadamilitar.rs.gov.br/Multimidea/Internet/Banner/RevistaLegalidade.pdf

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FLÁVIO ARISTIDES FREITAS HAILLIOT TAVARES (IMPRENSA) nasceu em Lajeado, Rio Grande do Sul, em

1934. Apesar da formação católica conservadora Flávio destaca-se como personalidade militarizada e

envolvida ao movimento de esquerda partidária.

Na juventude, foi eleito presidente da União Estadual dos Estudantes do Rio Grande do Sul.

Formado em Direito pela universidade federal de seu estado natal, nunca exerceu a profissão ligada ao

setor jurídico.

Flávio seguiu carreira jornalística, tornando-se no inicio da década de 60 comentarista político do jornal

Última Hora. Ligado ao governo do estado e aliado de Leonel Brizola, participou diretamente da Campanha

Da Legalidade pela posse de João Goulart.

FLORIANO MAYA D’ÁVILA19 nasceu em São Gabriel - RS, em 10 de outubro de 1905. Em 1937, presidiu o

Grêmio Universitário Tobias Barreto da Faculdade de Direito de Porto Alegre e em 1939 fez-se bacharel em

Direito pela mesma faculdade. Ingressou no Ministério Público através do primeiro concurso realizado em

1941, atuando como Promotor Público nas Comarcas de Rio Pardo, Encruzilhada do Sul, Bagé e Porto

Alegre. Como Promotor atuou no famoso caso Gaffrée, em Bagé, 1944. Em 1956 foi nomeado membro

suplente do Conselho Superior do Ministério Público. Durante o período de 19.02.1959 a 05.07.1962,

exerceu o cargo de Procurador-Geral. Foi candidato a Deputado Federal em 1962 pelo PTB, alcançando a

suplência.

FRANCISCO DE PAULA BROCHADO DA ROCHA nasceu em Porto Alegre no ano de 1910. Criado por uma

família fortemente engajada na vida política, sendo seu pai e irmão prefeitos da cidade de Porto Alegre,

diplomou-se em Direito pela Faculdade de Direito de Porto Alegre no ano de 1932.

Durante seu período de graduação participou da Revolução de 1930, nesse episódio sofreu um grave

acidente que levou à perda de seu pé. Tal engajamento político levou-o a ser nomeado, em 1946, Secretário

de Educação e Cultura do Rio Grande do Sul. Em 1947 foi eleito para a Assembleia Legislativa do estado

pelo PSD.

Posteriormente, em 1959, com a posse de Leonel Brizola ao governo estadual, Brochado assumiu a

chefia da Secretaria de Segurança Pública e pouco tempo depois tornou-se titular da pasta do interior e

justiça. Devido a suas funções é fundamental para a Campanha da Legalidade, sendo interlocutor entre o

movimento e os setores nacionalistas do III Exército.

19 http://www.mprs.mp.br/memorial/exprocurador?id=26

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GABRIEL DE MIRANDA OBINO nasceu em Porto Alegre no ano de 1910. Criado por uma família fortemente

engajada na vida política, sendo seu pai e irmão prefeitos da cidade de Porto Alegre, diplomou-se em Direito

pela Faculdade de Direito de Porto Alegre no ano de 1932.

Durante seu período de graduação participou da Revolução de 1930, nesse episódio sofreu um grave

acidente que levou à perda de seu pé. Tal engajamento político levou a ser nomeado, em 1946, Secretário de

Educação e Cultura do Rio Grande do Sul. Em 1947 foi eleito para a Assembleia Legislativa do estado pelo

PSD.

Posteriormente, em 1959, com a posse de Leonel Brizola ao governo estadual, Brochado assumiu a

chefia da Secretaria de Segurança Pública e pouco tempo depois se tornou titular da pasta do interior e

justiça. Devido a suas funções, é fundamental para a Campanha da Legalidade sendo interlocutor entre o

movimento e os setores nacionalistas do III Exército.

JERÔNIMO DIX-HUIT ROSADO MAIA20 formou-se em Medicina pela Faculdade de Medicina da Bahia, em

1935. Décimo-oitavo filho do farmacêutico português Jerônimo Rosado, conhecido por estabelecer uma

ordem numérica aos seus filhos através do nome (Oitava, Treizième, Dix-sept, Dix-huit, Dix-neuf, Vingt e

Vingt-un são alguns nomes) sendo o sistema único no Brasil no plano da onomástica, segundo Luís Câmara

Cascudo, biógrafo de Dix-huit Rosado.

Ingressou na política em 1945, como deputado estadual, juntamente com seu irmão, Dix-Sept

Rosado, que ganhou a eleição do mesmo período para prefeito de Mossoró. Foi nomeado médico da Polícia

Militar do Rio Grande do Norte, além de ser o primeiro integrante do quadro de saúde da corporação e

também primeiro diretor. Foi o primeiro coronel médico da Polícia Militar.

Constituinte estadual em 1947, da bancada da UDN, participou ativamente dos trabalhos que

elaboraram a Carta Constitucional daquele ano. Em 1950, era eleito primeiro secretário da Casa, no período

ordinário. Em 1950, com o rompimento de Dix-sept e seus irmãos com a UDN, elegeu-se deputado federal

pela legenda do PR, em coligação com o PSD e PSP, com expressiva votação. Em 1954, foi reeleito e em

1958, no governo Dinarte Mariz, foi escolhido para disputar a única vaga ao Senado da República,

derrotando o ex-governador José Augusto Varela, que tinha como suplente um outro ex-governador, Sílvio

Pedroza.

Durante seu mandato como senador, de 1959 a 1966, foi destacado para integrar a comitiva do vice-

presidente João Goulart para visitar uma série de países de inclinação comunista.

20 http://tribunadonorte.com.br/news.php?not_id=186247

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IRINEU BORGES DO NASCIMENTO (SECRETÁRIO DE PLANEJAMENTO GO): Nascido em 1924, Irineu

formou-se em Engenharia Civil na Escola de Ouro Preto (MG) e foi nomeado secretário de planejamento do

governo estadual de Mauro Borges, do PSD, empossado em 1961. Amigo e alinhado politicamente com o

governador de Goiás, o Doutor Irineu defendeu a posse de João Goulart ao lado de Mauro e Brizola, em

nome da lei e da ordem constitucional, embora em seu âmago talvez não nutrisse tanta simpatia pelo

“próximo” presidente da república.

JOÃO BELCHIOR MARQUES GOULART nasceu no dia 1 de março de 1919 na cidade de São Borja, Rio

Grande do Sul. Jovem empreendedor e de diferenciada condição financeira graduou-se em Direito pela

universidade federal de seu estado natal em 1939.

Apesar da formação universitária, João Goulart, ou "Jango" como ficou popularmente conhecido,

escolheu por seguir a carreira política. Filho de Vicente Rodrigues Goulart - um estancieiro e coronel da

Guarda Nacional - foi apresentado ao círculo político desde a infância devido à forte influência regional de

seu pai. Dentre os amigos de seu progenitor destaca-se Getúlio Vargas, que em 1946 convidou

João Goulart para integrar o Partido dos Trabalhadores do Brasil (PTB), iniciando assim a jornada de Jango

como homem público. Posteriormente João Goulart candidata-se para a Assembleia legislativa, em 1947 e

para a Câmara dos Deputados em 1950, em ambas as eleições Jango é eleito com relevante número de

votos.

A carreira de deputado, no entanto, foi interrompida rapidamente, visto que João Goulart renunciou

de seu cargo para exercer a função de Secretário de Estado de Interior do Rio Grande do Sul na gestão de

Ernesto Dorneles. Contudo, a pedido de Vargas, em 1953, Goulart abdicou de seu cargo no governo estadual

e assume como Ministro do Trabalho do governo de Getúlio. Tal escolha foi realizada visto que Jango ao

longo de sua vida pública, lutou pela melhoria da qualidade de vida da população de baixa renda e construiu

forte vinculo com o movimento sindical brasileiro, sendo entendido como um conciliador entre as partes

envolvidas.

Em 1955, posteriormente ao governo de Vargas, João Goulart integrou a chapa PTB/PSD fortemente

ligada ao falecido presidente e foi eleito vice-presidente da república do governo Juscelino Kubitschek. Já

em 1960 foi eleito novamente vice-presidente, porém dessa vez como oposição ao governo, que tinha como

presidente Jânio Quadros, apoiado pela chapa PDC/UDN.

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Um ano após a recente eleição, Jango assim com o restante da população brasileira, foi surpreendido

com a renúncia de Jânio Quadros. João Goulart, portanto, deveria assumir como presidente da república,

porém encontrou uma resistência ligada a alguns setores militares e das elites que entendiam Jango como

uma ameaça comunista ao Estado brasileiro. A partir dessa postura radical e não constitucional, emergiu o

movimento pela legalidade, liderado por Leonel Brizola, a fim de defender a posse de Goulart.

JOSÉ MACHADO LOPES nasceu em 1900 no Rio de Janeiro. Aos 13 anos iniciou sua formação militar no

Colégio Militar do Rio de Janeiro. Posteriormente se especializou em engenharia na Escola Militar do

Realengo.

Oficial de posição neutra, mas fiel à disciplina militar, à legalidade e a ordem, foi injustamente

punido em 1922 acusado de participação no levante tenentista de 5 de Julho, ao qual era opositor. Como

pena foi transferido para a 5ª Região Militar, em Curitiba. Após seu retorno a terra da Guanabara cursou a

Escola do Estado-Maior do Exército e em 1935 combateu a Intentona Comunista.

Posteriormente, Lopes destacou-se ao integrar a Força Expedicionária Brasileira (FEB) na II Guerra

Mundial. Participou e comandou os ataques, em 1945, a Monte Castelo na Itália. Ao retornar ao Brasil foi

enviado pelo presidente Dutra em 1946 ao Ceará como interventor federal, a fim de assegurar a realização

de eleições posteriores ao período Vargas.

MAURO BORGES nasceu em 1920 na cidade de Rio Verde, Goiás. Filho de Pedro Ludovico Teixeira,

presenciou durante sua formação toda a movimentação e articulação da Revolução de 1930, da construção

de Goiânia e da resistência ao movimento paulista de 1932.

Apesar dessa criação, Mauro Borges escolhe por seguir carreira militar, entrando para a Escola

Militar do Realengo em 1938. Ao inicio da década de 50, contudo, Borges, então Tenente-Coronel do

exército, é promovido a coronel e vai para a reserva.

Em 1958, a partir de experiências políticas no governo Kubistchek que permitiram o maior

envolvimento com a vida pública, Mauro Borges é eleito deputado federal com o apoio do seu pai. Porém,

antes do fim de seu mandato, em 1961, Borges é eleito governador do estado de Goiás.

A frente do governo, Borges destaca se pela modernização na administração pública estadual.

Entretanto, a renúncia inesperada do presidente Jânio Quadros conturbou o cenário político brasileiro.

Mauro Borges, aliado a Leonel Brizola, apoiou imediatamente o movimento da campanha pela legalidade

que visava assegurar a posse do então vice-presidente João Goulart. Devido à proximidade entre Goiás e

Brasília, a postura de suporte de Borges torna-se fundamental para o movimento.

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MOACYR AQUISTAPACE: Secretário de Segurança Pública do Estado do Rio Grande do Sul de 04/01/1960 a

31/08/1962, Moacyr Avelar Aquistapace foi responsável pelo comando da polícia do estado do Rio Grande

do Sul, bem como responsável por zelar pela segurança das vidas dos cidadão que se encontrassem sob esta

jurisdição.

PERI CONSTANT BEVILACQUA nasceu no dia 9 de junho de 1899, no Rio de Janeiro, cursou a Escola Militar

do Realengo, no Rio de Janeiro, formando-se em 1919. Fez ainda o curso da Escola de Aperfeiçoamento de

Oficiais em 1925 e o da Escola de Estado-Maior do Exército (1926-1929). Foi oficial-de-gabinete da Junta

Governativa Provisória, que governou o país entre a deposição do presidente Washington Luís em 24 de

outubro de 1930 e 3 de novembro, quando a Getúlio Vargas, chefe da vitoriosa Revolução de 1930, assumiu

o poder.

Em 1938, tornou-se oficial-de-gabinete do ministro da Guerra, general Eurico Dutra, exercendo a

função até 1940. Entre este ano e 1943 participou da defesa do litoral brasileiro, parte do esforço de guerra

do governo durante a Segunda Guerra Mundial. Comandante do Grupamento de Oeste da Artilharia de

Costa da 1ª RM, no Rio de Janeiro, entre 1948 e 1952, em 1956 cursou a Escola Superior de Guerra. Em

1961, recebeu o comando da 3ª Divisão de Infantaria, em Santa Maria (RS) 21.

RIVADÁVIA XAVIER NUNES (SECRETÁRIO DE SEGURANÇA PÚBLICA GO) Secretário de Segurança Pública

do estado de Goiás durante o governo de Mauro Borges. Foi fundamental no combate aos conflitos entre as

oligarquias e posseiros no norte do estado , devido a recém valorização de terras provinda da construção de

Brasília. Como secretário de segurança contribuiu para reformulação da polícia civil e para a construção do

novo arquivo da mesma. Durante a campanha da legalidade, foi fundamental para a construção do esquema

de segurança do estado de Goiás, participando tanto do projeto de proteção no Palácio das Esmeraldas

quanto na apreensão de todas as armas e munições existentes nos estabelecimentos comercias de Goiânia,

colocando-as sob custódia do Batalhão Anhanguera da Polícia Militar do Estado de Goiás. Com relação à

política, ficou marcado na história goiana devido aos seus trabalhos prestados como consultor jurídico da

Assembleia do estado.

LEONEL DE MOURA BRIZOLA nasceu em Carazinho, Rio Grande do Sul, em 1922. Filho de família

camponesa de baixa renda, estudou em Passo Fundo e em Viamão, e posteriormente graduou em 1949 na

Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

21

Fonte: http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/Jango/biografias/peri_bevilacqua

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Brizola inicia sua carreira política com a filiação ao PTB em 1945, partido ao qual funda de imediato a

primeira agremiação juvenil, a "Ala Moça". Posteriormente, com o apoio de seu partido e impulsionado por

Getúlio Vargas, é eleito para a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, exercendo tal função a partir

de 1947.

Durante esse período Leonel Brizola tem uma relevante derrota política ao perder as eleições de 1951 para

prefeito de Porto Alegre. Porém, em 1954 retorna como deputado estadual a assembleia legislativa e no ano

seguinte disputa novamente as eleições para a prefeitura da capital gaúcha, e dessa vez consagrasse

vitorioso.

Em 1958 Leonel é eleito Governador do Rio Grande do Sul com mais de 55% dos votos válidos, reflexo da

personalidade expansiva, conquistadora e incisiva de Brizola. Durante seu mandato o Brasil é surpreendido

com a renuncia de Jânio Quadros e com a movimentação para não permitir a posse do então vice-presidente

João Goulart, cunhado de Brizola. Nesse cenário que Leonel organiza a campanha da legalidade para

garantir a manutenção constitucional e portanto a posse de Goulart, colocando-se como oposição a setores

dos militares e das elites conservadoras.

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SAMPAIO, Marcondes. Há 50 anos, a renúncia de um presidente da República marcou a História

Política do País. Acessível em:

http://www2.camara.leg.br/comunicacao/institucional/noticias-institucionais/ha-50-anos-a-renuncia-de-um-

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