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 143 T : Carmen Hein de Campos Salo de Carvalho 1. I: A L M P R N M F Desde a década de 70, o movimento feminista brasileiro vem lutando para obter reformas políticas e jurídicas no tratamento da violência doméstica. Neste período, várias estratégias foram utilizadas pelas feministas e vários avanço s na esfera da justiça criminal foram alcançados com o estabelecimento de políticas públicas especícas. Nesses quarenta anos de luta, importantes progressos podem ser perce-  bidos. Dentre os mais signicativos, é possível citar (a) a criação de Delegacias Especializadas no Atendimento a Mulheres (DEAMs) e sua incorporação como política pública; (b) a reforma da legislação com a inclusão da violência domés- tica como circunstância agravante ou qualicadora de crimes, sobretudo nos de lesão corporal; e consequentemente (c) a mudança na interpretação doutrinária e jurisprudencial dos crimes praticados com violência doméstica; (d) a alteração na interpretação doutrinária e jurisprudencial da tese da legítima defesa da honra  nos crimes de adultério; (e) a revogação de inúmeros tipos penais discrimina- tórios, como os crimes de atentado violento ao pudor, de atentado violento ao pudor mediante fraude, de sedução, de rapto violento ou mediante fraude e de rapto consensual, inclusive a revogação do próprio delito de adultério; (f) a modicação na redação do crime de estupro, englobando a anterior tipicidade do atentado violento ao pudor; (g) a revogação do dispositivo que permitia a ex- tinção da punibilidade com o casamento da vítima com seu ofensor nos crimes sexuais. Por outro lado, (h) a denição de inúmeras medidas protetivas, como o afastamento do cônjuge violento do lar, colaborou para fomentar uma nova cul- tura jurídica no que diz respeito à violência contra mulheres e meninas no Brasil. A trajetória de lutas, porém, foi consolidada com a publicação, em 2006, da Lei Maria da Penha. Fruto do esforço do movimento de mulheres brasileiro no sentido de sistematizar em um estatuto único as conquistas históricas do femi- nismo, a Lei 11.340/06 cria novas situações jurídicas que impõem mudanças de

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Criminologia feminista

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    Tenses atuais entre a criminologia feminista

    e a criminologia crtica: a experincia brasileira

    Carmen Hein de CamposSalo de Carvalho

    1. Introduo: A Lei Maria da Penha como Referencial Normativo do e para o Movimento Feminista

    Desde a dcada de 70, o movimento feminista brasileiro vem lutando para obter reformas polticas e jurdicas no tratamento da violncia domstica. Neste perodo, vrias estratgias foram utilizadas pelas feministas e vrios avanos na esfera da justia criminal foram alcanados com o estabelecimento de polticas pblicas especficas.

    Nesses quarenta anos de luta, importantes progressos podem ser perce-bidos. Dentre os mais significativos, possvel citar (a) a criao de Delegacias Especializadas no Atendimento a Mulheres (DEAMs) e sua incorporao como poltica pblica; (b) a reforma da legislao com a incluso da violncia doms-tica como circunstncia agravante ou qualificadora de crimes, sobretudo nos de leso corporal; e consequentemente (c) a mudana na interpretao doutrinria e jurisprudencial dos crimes praticados com violncia domstica; (d) a alterao na interpretao doutrinria e jurisprudencial da tese da legtima defesa da honra nos crimes de adultrio; (e) a revogao de inmeros tipos penais discrimina-trios, como os crimes de atentado violento ao pudor, de atentado violento ao pudor mediante fraude, de seduo, de rapto violento ou mediante fraude e de rapto consensual, inclusive a revogao do prprio delito de adultrio; (f) a modificao na redao do crime de estupro, englobando a anterior tipicidade do atentado violento ao pudor; (g) a revogao do dispositivo que permitia a ex-tino da punibilidade com o casamento da vtima com seu ofensor nos crimes sexuais. Por outro lado, (h) a definio de inmeras medidas protetivas, como o afastamento do cnjuge violento do lar, colaborou para fomentar uma nova cul-tura jurdica no que diz respeito violncia contra mulheres e meninas no Brasil.

    A trajetria de lutas, porm, foi consolidada com a publicao, em 2006, da Lei Maria da Penha. Fruto do esforo do movimento de mulheres brasileiro no sentido de sistematizar em um estatuto nico as conquistas histricas do femi-nismo, a Lei 11.340/06 cria novas situaes jurdicas que impem mudanas de

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    rumo no campo jurdico. Tais alteraes enfrentam inmeras e notrias resis-tncias pelo atores da cena jurdica, sobretudo por serem os espaos das justia, notadamente aqueles que entrecruzam direito de famlia e direito penal, no m-nimo conservadores para no afirmar genericamente serem efetivamente regi-dos por uma racionalidade androcntrica e sexista.

    A Lei Maria da Penha, portanto, define verdadeira mudana conceitual e operacional no entendimento do tratamento das violncias contra mulheres no Brasil, motivo pelo qual so injustificveis omisses e ausncias no enfrentamento destes problemas latentes, sejam na esfera do direito material, do direito proces-sual e, no que diz respeito a esse trabalho, da criminologia e da poltica criminal.

    2. Principais Inovaes Trazidas pela Lei Maria da Penha

    A Lei Maria da Penha considerada pelas Naes Unidas um exemplo de legislao efetiva para o tratamento da violncia domstica contra mulheres. Dentre inmeros motivos, o acolhimento no corpo da Lei dos tratados interna-cionais de direitos humanos das mulheres, a conceituao da violncia contra mulheres com o uma violncia de gnero e a perspectiva de tratamento integral.

    A integralidade no tratamento da violncia domstica prevista na Lei Maria da Penha diz respeito aliana entre as medidas assistenciais, as de preveno e as de conteno da violncia, alm do vnculo da esfera jurdica com os servios de assistncia em rede.

    Diferentemente da expectativa tradicional dos atores do campo jurdico-penal, a Lei 11.340/06 estabelece um catlogo extenso de medidas de natureza extra-penal que amplia a tutela para o problema da violncia contra mulheres e, ao mesmo tempo, transcende os limitados horizontes estabelecidos pela dog-mtica jurdica. Dentre as medidas destacam-se (a) os programas de longo prazo como planejamento das polticas pblicas, promoo de pesquisas e estatsticas, controle da publicidade sexista; (b) as medidas emergenciais como a criao de cadastro de programas assistenciais governamentais nos quais as mulheres em situao de violncia domstica tenham prioridade de assistncia, sobretudo quando h risco sua integridade fsica e psicolgica, e a previso de remoo ou de afastamento do trabalho de forma prioritria quando a servidora pblica vtima ou sua integridade fsica e psquica encontra-se em risco; e (c) as medi-das de proteo ou conteno da violncia como criao de programas de aten-dimento ou proteo, fornecimento de assistncia judiciria gratuita, possibili-dade de atendimento por equipe multidisciplinar (CAMPOS, 2008).

    Desta forma, o estatuto se desvincula daquele campo nominado exclusi-vamente como penal e cria um sistema jurdico autnomo que deve ser regido por regras prprias de interpretao, de aplicao e de execuo da Lei. Guias interpretativas que, necessariamente, devem seguir os instrumentos normativos

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    internacionais que consolidaram os direitos das mulheres. Conforme previsto, na interpretao desta Lei, sero considerados os fins sociais a que ela se destina e, es-pecialmente, as condies peculiares das mulheres em situao de violncia domstica e familiar (art. 4, Lei 11.340/06).

    A combinao das medidas de natureza penal e extrapenal estabelece, por-tanto, uma nova proposta de poltica para as mulheres. Poltica que ultrapassa o terreno estrito da poltica criminal. Assim, no campo das polticas criminais e extrapenais, inmeras inovaes podem ser destacadas.

    (a) Limitao da tutela penal para as mulheres. Ao criar mecanismos para coibir e prevenir a violncia domstica e familiar contra a mulher, a Lei definiu formas de tutela penal exclusiva para as mulheres vtimas de violncia. A excluso da possibilidade de proteo aos homens causou, inclusive, inmeras reaes, sob o argumento de que a Lei 11.340/06 seria inconstitucional em razo da violao do princpio constitucional da igualdade. No entanto trata-se de tese argumen-tativamente dbil, que tende a ser refutada pelos Tribunais Superiores, em razo de ser comum na experincia legislativa nacional ps-Constituio de 1988 a in-corporao de instrumentos normativos que podem ser considerados como de efetivao positiva da igualdade material, ainda que impliquem, aparentemente em desigualdade formal (p. ex. Estatuto do Idoso e Estatuto da Criana e do Adolescente, no que tange ao fator etrio, e Lei que define os crimes resultantes de preconceito de raa ou de cor, no que diz respeito questo racial e tnica).

    (b) Criao normativa da categoria violncia de gnero. A Lei Maria da Penha, seguindo as orientaes das normativas internacionais e sobretudo em conformidade com o disposto na Conveno Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violncia contra a Mulher (Conveno de Belm do Par), con-ceituou normativamente violncia de gnero. A conceituao significativa pois rompe com a tradio jurdica de incorporao genrica da violncia de gnero nos tipos penais incriminadores tradicionais. A nova conceituao define essa violncia como violao dos direitos humanos das mulheres e dispe sobre as suas formas (artigos 5, 6 e 71). A Lei 11.340/06 no cria, porm, novos tipos pe-

    1 Art. 7. So formas de violncia domstica e familiar contra a mulher, entre outras: I a violncia fsica, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou sade corporal; II a violncia psicolgica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuio da auto-estima ou que lhe pre-judique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas aes, comportamentos, crenas e decises, mediante ameaa, constrangimento, humilhao, manipulao, isolamento, vigilncia cons-tante, perseguio contumaz, insulto, chantagem, ridicularizao, explorao e limitao do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuzo sade psicolgica e autodeterminao; III a violncia sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relao sexual no desejada, mediante intimidao, ameaa, coao ou uso da fora; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impea de usar qualquer mtodo contraceptivo ou que a force ao matri-mnio, gravidez, ao aborto ou prostituio, mediante coao, chantagem, suborno ou manipulao; ou que

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    nais incriminadores da violncia de gnero, mas exemplifica diversas situaes que caracterizam essa violncia e estabelece a condio de violncia domstica como circunstncia de agravamento ou qualificao das penas nos crimes espe-cficos2.

    (c) Redefinio da expresso vtima. Questo relevante que parece des-percebida na literatura jurdica sobre a Lei Maria da Penha a da intencional mudana provocada pela expresso mulheres em situao de violncia doms-tica em contraposio ao termo vtimas de violncia . A mudana operada pela Lei (de vtima de violncia para mulheres em situao de violncia) mais do que um mero recurso lingustico e tem por objetivo retirar o estigma contido na categoria vtima. Alis o termo indica a verdadeira complexidade da situao de violncia domstica, para alm dos preceitos classificatrios e dicotmicos do direito penal ortodoxo (p. ex., sujeito ativo e passivo, autor e vtima). A expresso mulheres vtimas de violncia foi muito utilizada pelo feminismo na dcada de 1980 e, de certo modo, seu uso aconteceu de forma acrtica. O prprio feminismo revisitou esta questo e percebeu que esta forma de adjetivao colocaria as mu-lheres na posio de objeto da violncia, sem autonomia (ou com autonomia re-duzida) e no lugar de um no-sujeito de direitos. A crtica fez, inclusive, com que algumas feministas americanas utilizassem o termo mulheres sobreviventes da violncia domstica (HOFF, 1990; HAGUE & MULLENDER: 2005). No entanto essa categoria no ganhou muitas adeptas no Brasil3. A expresso mulheres em situao de violncia foi igualmente contestada por autores que justificam que o termo remeteria ao do menor em situao irregular, circunstncia que indi-caria a mulher como um sujeito deficitrio em sua capaciadade jurdica. No en-tanto, superando as crtica, a expresso mulheres em situao de violncia foi consolidada e indica a recuperao da condio de sujeito. Ao mesmo tempo, a expresso permite perceber o carter transitrio desta condio, fato que projeta o objetivo da Lei, que a superao da situao momentnea de violncia em que vivem estas mulheres.

    limite ou anule o exerccio de seus direitos sexuais e reprodutivos; IV a violncia patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure reteno, subtrao, destruio parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econmicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; V a violncia moral, entendida como qualquer conduta que configure calnia, difamao ou injria.

    2 Neste sentido, exemplar a incluso, pela Lei Maria da Penha, do pargrafo 9 no art. 129 do Cdigo Penal, que trata da leso corporal: se a leso for praticada contra ascendente, descendente, irmo, cnjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relaes domsticas, de coabitao ou de hospitalidade (Redao dada pela Lei n 11.340, de 2006). Alm disso as incluses do inciso IV no art. 313 e da alnea f no inciso II do art. 61, ambos do Cdigo Penal.

    3 Suely de Almeida utiliza a expresso em seu livro Femicdio (1997).

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    (d) Excluso dos atos de violncia domstica do rol dos crimes conside-rados de menor potencial ofensivo. At o advento da Lei Maria da Penha, os crimes de leso corporal de natureza leve e de ameaa, os mais recorrentes nos casos de violncia domstica (como ser demonstrado), por fora da categori-zao realizada pela Lei 9.099/95, eram enquadrados no conceito de infrao de menor potencial ofensivo. A Lei 9.099/95, conhecida como Lei dos Juizados Espe-ciais, regulamentou comando constitucional (art. 98, inciso I, Constituio) que determinava a criao de varas especiais para processamento e julgamento clere de demandas de menor gravidade, no mbito civil e penal. No que tange juris-dio criminal, seguindo a linha despenalizadora, a referida Lei criou institutos diversificacionistas que possibilitam ao autor do fato submeter-se a determina-das condies para no responder ao processo penal os institutos criados so a composio civil, a transao penal e, para delitos de mdio potencial ofensivo, a suspenso condicional do processo. Neste sentido, fato que foi muito criticado pelo movimento feminista, o agressor poderia aceitar a transao penal como instituto despenalizador voltado para o acusado, constituindo-se direito p-blico subjetivo e, durante perodo determinado pelo juiz, cumprir determina-das exigncias como, p. ex., comunicar ausncia da Comarca por mais de 30 dias, comunicar mudana de residncia, indenizar a vtima ou realizar prestaes ou servios comunitrios. Ao fim do perodo, se cumpridos os requisitos, operada a extino da punibilidade. A Lei Maria da Penha proibiu expressamente a inci-dncia da Lei 9.099/95 nos casos de violncia domstica4, sobretudo em face da crtica feminista universalizao da aplicao de prestaes comunitrias (con-tribuies financeiras entidades filantrpicas, conhecidas vulgarmente como penas de cestas bsicas) como resposta judicial s violncias praticadas contra mulheres. Situao que foi projetada igualmente para as modalidades de sano previstas na Lei5. Ademais, diferentemente do que acontecia na vigncia da Lei 9.099/95, houve a limitao das possibilidade de renncia representao nos crimes de leso corporal de natureza leve6. Outrossim, a no-incidncia da Lei dos Juizados Especiais Criminais operou importante mudana nos cdigos de interpretao, pois, para alm das questes simblicas, a excluso da adjetiva-o da violncia domstica como infrao de menor potencial ofensivo permitiu compreender estas formas de agresso como penalmente relevantes.

    4 Art. 41. Aos crimes praticados com violncia domstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, no se aplica a Lei no. 9.099, de 26 de setembro de 1995.

    5 Art. 17. vedada a aplicao, nos casos de violncia domstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta bsica ou outras de prestao pecuniria, bem como a substituio de pena que implique o pagamento isolado de multa.

    6 Art. 16. Nas aes penais pblicas condicionadas representao da ofendida de que trata esta Lei, s ser admitida a renncia representao perante o juiz, em audincia especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denncia e ouvido o Ministrio Pblico.

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    (e) Previso de a companheira ser processada nos casos de relaes ho-moerticas. A Lei Maria da Penha, ao estabelecer os critrios gerais para definir as espcies diversas de violncia domstica e familiar contra mulheres, incluiu a possibilidade de processamento da mulher que, no mbito das relaes homoe-rticas, agride sua parceira. Segundo o pargrafo nico do art. 5, as relaes pes-soais enunciadas neste artigo independem de orientao sexual. O estatuto incorpora as constatataes alcanadas pelos estudos feministas de que as relaes homos-sexuais entre mulheres igualmente podem ser violentas e que esta situao de violncia, mesmo entre mulheres, reproduz a mesma lgica dessaa violncia de gnero, circunstncia que legitima a interveno protetiva.

    (f) Inovao nas medidas cautelares de proteo. Inegavelmente a previ-so de vrias medidas autnomas de proteo trazidas pela Lei 11.340/06 cons-tituem um dos seus aspectos mais inovadores. Diferentemente da lgica do pro-cesso penal, na qual as prises provisrias adquirem o papel de medida cautelar por excelncia para proteo da vtima contra a reiterao delitiva, a Lei Maria da Penha ofereceu uma srie de possibilidades para alm da priso cautelar embora a priso preventiva seja mantida como possibilidade. Neste sentido, a Lei criou duas espcies de medidas, voltadas ofendida e ao agressor. Dentre as medidas protetivas de urgncia que obrigam o agressor, o art. 22 prev (a) a suspenso da posse ou restrio do porte de armas, (b) o afastamento do lar, do-miclio ou local de convivncia com a ofendida; (c) proibio de aproximao da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mnimo de dis-tncia entre estes e o agressor; (d) proibio de contato com a ofendida, seus fa-miliares e testemunhas por qualquer meio de comunicao; (e) proibio de fre-quentar lugares a fim de preservar a integridade fsica e psicolgica da ofendida; (f) restrio ou suspenso de visitas aos dependentes menores; (g) prestao de alimentos provisionais ou provisrios. Em relao s medidas voltadas mu-lher, o art. 23 estabelece a possibilidade de (a) encaminhamento da ofendida e dos seus dependentes a programa oficial ou comunitrio de proteo ou de aten-dimento; (b) reconduo da ofendida e a de seus dependentes ao domiclio, aps afastamento do agressor; (c) afastamento da ofendida do lar, sem prejuzo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos; (d) separao de corpos. Conforme indicam as pesquisas, as medidas de proteo so os procedimentos mais solicitados pelas mulheres, demonstrando o acerto legal de sua previso.

    (g) Criao dos Juizados de Violncia Domstica e Familiar com compe-tncia civil e penal. A previso de Juizado Especial com competncia para pro-cessar e julgar as matrias cveis e penais que envolvam violncia domstica , inegavelmente, no campo jurdico uma das maiores inovaes da Lei 1.340/06. A demanda surgiu a partir de problemas concretos enfrentados pelas mulhe-res, que percorriam vrios caminhos e inmeras esferas burocrticas para tentar

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    resolver problemas decorrentes de uma nica situao geradora: a violncia do-mstica. Se a situao de violncia que deflagra a demanda jurdica, o movi-mento de mulheres entendeu como inconcebvel a fragmentao na prestao jurisdicional, com a construo de uma trajetria no mbito criminal (a partir do registro da ocorrncia na Delegacia de Polcia e, posteriormente, a processuali-zao nas Varas Criminais) e outra no mbito civil (processo nas Varas de Fam-lia). A propsito, importante perceber que mesmo quando havia a incidncia da Lei 9.099/95 nos problemas de violncia domstica e familiar contra mulheres, a previso da composio civil no abrangia a possibilidade de definio de ques-tes entendidas como extrapenais, como a separao judicial, guarda dos filhos, alimentos entre outras. Com a Lei Maria da Penha, a violncia contra mulheres passa a ser tratada como um problema complexo, originado em uma relao afetiva marcada pela desigualdade de gnero, cuja complexidade o direito deve responder de forma minimamente satisfatria. Desde o ponto de vista do movi-mento de mulheres, era injustificvel cindir artificialmente a situao, como se as questes de famlia e criminais fossem instncias distintas da relao afetiva que as originou. Logicamente a racionalidade jurdica, atravs dos detentores dos discursos autorizados (doutrina e jurisprudncia), refutou (e ainda refuta) radicalmente esta aproximao do problema em uma nica esfera jurisdicional, visto ser inconcebvel para dogmtica ortodoxa a superao das fronteiras da ju-risdio civil e criminal. A grande questo, porm, que o movimento feminista, a partir da Lei Maria da Penha, realizou um choque de realidade no campo jur-dico, impondo que as formas e os contedos do direito tenham correspondncia com a realidade dos problemas sofridos pelas mulheres. Contrariramente tra-dio do pensamento jurdico, a partir da reforma legal, o sistema jurdico que necessita se adequar realidade e no o contrrio. Especificamente em relao violncia contra mulheres, a possibilidade de que, na mesma esfera jurisdicio-nal, de forma concentrada e com economia de atos, possam ser resolvidas ques-tes penais e de famlia representa importante inovao e, em termos pragmti-cos, significa efetividade dos direitos.

    De todas as inovaes trazidas pela Lei 11.340/06, os pontos centrais de enfrentamento entre a Criminologia Crtica, em seu vis minimalista, e a Cri-minologia Feminista foram as alteraes nos tipos penais incriminadores (au-mento de penas) e nas circunstncias de aumento das sanes (agravantes) e a obstruo dos institutos diversificacionistas (composio civil, transao penal e suspenso condicional do processo). Essas reformas especficas provocaram diversas reaes dos criminlogos crticos, para alm das crticas explicitadas decorrentes do pensamento jurdico conservador.

    Dentre os argumentos mais comuns, o de que ao se propor aumento de penas e ao se obstruirem medidas diversificadoras, estar-se-ia consolidando uma viso punitivista da administrao da justia que se aproximaria dos movimentos

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    poltico-criminais maximalistas, notadamente esquerda punitiva (KARAM, 2001: 11-15) ou das teses retributivas (BATISTA, 2007), fato que, em consequn-cia, converteria os grupos feministas em empresrios morais atpicos (SCHEE-RER, 1986).

    No entanto trs questes merecem reflexo. A primeira a de que os atos de violncia contra as mulheres, em sua maioria, podem ser traduzidos no que o direito penal e a criminologia caracterizam como criminalidade tradicional, ou seja, tais condutas implicam danos concretos, praticados por e contra pessoas de carne e osso7, em que so afetados bens jurdicos tangveis, palpveis, como vida, integridade fsica e liberdade sexual. Encontram-se, pois, no rol daque-las condutas que as polticas criminais alternativas derivadas da criminolo-gia crtica e atualmente identificadas como direito penal mnimo ou garantismo entendem como lcita a criminalizao. Conforme destaca Larrauri, so bienes jurdicos tradicionales del derecho penal mnimo (LARRAURI, 2007: 58) e, diferen-temente do que projetado atualmente como poltica criminal punitivista, no inovam ampliando as hipteses de criminalizao com a criminalizao da mera desobedincia, com a antecipao da pena aos atos preparatrios, com a criminalizao de condutas que violam bens jurdicos abstratos, p. ex. A con-cluso, portanto, a de que a mera especificao da violncia de gnero para hipteses de condutas criminalizadas j existentes no produz o aumento da represso penal, sendo compatvel inclusive, conforme explicitado, com pautas poltico-criminais minimalistas.

    No plano processual, no se pode esquecer que a Lei Maria da Penha in-viabilizou inmeros mecanismos diversificacionistas como a composio civil, a transao penal e a suspenso condicional do processo. Neste aspecto, inegvel que, no plano da criminalizao secundria, h maior incidncia do sistema for-mal de controle social. Todavia, embora se tenha cincia de constituir o processo penal uma pena em si mesmo, reitera-se a ideia de que a Lei 10.340/06 impe a criao de um sistema processual autnomo que no pode ser interpretado den-tro das categorias ortodoxas da dogmtica jurdica, ou seja, no pode ser qualifi-cado exclusivamente como penal ou civil. Trata-se, conforme destacado, de um novo modelo que tende a superar esta lgica binria, inclusive porque os temas abordados transcendem os problemas tradicionais das jurisdies penal ou civil.

    A segunda questo relevante, superando o debate normativo sobre a justifica-o prpria do direito penal e ingressando no campo emprico da criminologia, a de que o nmero de prises efetivamente realizadas em decorrncia da Lei Maria da Penha no permite afirmar que o estatuto colabore com o aprisionamento mas-sivo, de modo a no caracterizar faticamente a viso punitivista oraculada.

    7 Neste sentido, sustenta Ferrajoli que o principio de lesividad permite considerar bienes slo a aquellos cuya lesin se concreta en un ataque lesivo a otras personas de carne y hueso (FERRAJOLI, 1995: 478).

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    A terceira questo diz respeito efetividade da Lei Maria da Penha em di-minuir as violncias contra as mulheres e os eventuais custos da restrio dos direitos dos acusados em optar por mecanismos processuais diversificacionistas (composio civil, transao penal ou suspenso condicional do processo). Frise--se, contudo, que no existem dados que permitam afirmar que o afastamento desses institutos contribua para o aumento da aplicao da pena de priso, so-bretudo em razo de a Lei no proibir sua converso em pena restritiva de di-reitos. O debate est diretamente relacionado ao problema central desse artigo, expresso na tenso entre o excessivo encarceramento decorrente do punitivismo denunciado pela Criminologia Crtica e o alto ndice de violncia contra as mu-lheres exposto pela Criminologia Feminista.

    3. Criminologia Crtica e Criminologia Feminista: Perspectivas de Vanguarda nas Cincias Criminais

    Como possvel perceber, a Lei Maria da Penha representou o momento timo da consolidao das lutas do movimento feminista no Brasil. A Lei consa-gra a longa caminhada do movimento feminista para dar visibilidade aos pro-blemas de violncia domstica e criar mecanimos legais e institucionais para conter as agresses contra mulheres. Com a Lei 11.340/06, as demandas do mo-vimento feminista so inseridas no centro das polticas pblicas brasileiras.

    No entanto, se a Lei 11.340/06 efetivamente merece ser festejada como a grande conquista do movimento feminista, como instrumento de positivao dos direitos das mulheres, no plano poltico-criminal tem produzido forte tenso entre duas perspectivas criminolgicas de vanguarda: a criminologia feminista e a criminologia crtica. Ambas as perspectivas criminolgicas (criminologia fe-minista e criminologia crtica) se estruturam originalmente como discursos de denncia e se consolidam posteriormente como perspectivas poltico-criminais.

    A criminologia crtica, aps o criminological turn operado pelo paradigma do etiquetamento, possibilitou que o foco de anlise criminolgico fosse am-pliado da viso atomizada no criminoso, prprio da (micro)criminologia etio-lgica, para os mecanismos institucionais que definem os processos de crimina-lizao. Com a crtica criminolgica, o prprio sistema de punitividade passa a ser o objeto de investigao, sobretudo os mecanismos seletivos de definio das condutas punveis (criminalizao primria), os critrios desiguais de incidncia das agncias de controle sobre as populaes vulnerveis (criminalizao secun-dria) e os instrumentos perversos que transformam a execuo das penas em fontes de reproduo de estigmas. A partir do diagnstico da seletividade intrn-seca ao sistema penal, as distintas correntes que se identificam sob o rtulo cri-minologia crtica projetaram inmeras aes no campo poltico, em sua grande maioria voltadas constrio das hipteses de criminalizao e superao da

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    forma carcerria de penas. As tendncias crticas apresentaram, ao longo das dcadas de 80 e 90, uma srie de propostas poltico-criminais (polticas criminais alternativas) que abrange desde a reforma e a humanizao dos sistemas penais sua abolio. Dentre as principais, destacam-se as correntes minimalistas (rea-lismo de esquerda, realismo marginal e garantismo penal) e abolicionistas.

    A criminologia feminista, porta-voz do movimento feminista no campo de investigao sobre o sistema penal, permitiu ao malestream criminolgico com-preender a lgica androcntrica que define o funcionamento das estruturas de controle punitivo. Ao trazer a perspectiva das mulheres para o centro dos estu-dos criminolgicos, a criminologia feminista denunciou as violncias produzi-das pela forma mentis masculina de interpretao e aplicao do direito penal. O sistema penal centrado no homem (androcntrico) invariavelmente produziu o que a criminologia feminista identificou como dupla violncia contra a mulher. Em um primeiro momento, invisibiliza ou subvaloriza as violncias de gnero, ou seja, as violncias decorrentes normalmente das relaes afetivo-familiares e que ocorrem no ambiente domstico, como so a grande parte dos casos de ho-micdios, leses corporais, ameaas, injrias, estupros, sequestros e crceres pri-vados nos quais as mulheres so vtimas. No segundo momento, quando a mu-lher sujeito ativo do delito, a criminologia feminista evidenciou o conjunto de metarregras que produzem o aumento da punio ou o agravamento das formas de execuo das penas exclusivamente em decorrncia da condio de gnero.

    Elena Larrauri percebeu de forma muito perspicaz esta dupla violncia pu-nitiva contra as mulheres, seja no papel de vtima ou de autora da violncia, em todos os mbitos de incidncia do controle penal punitivo: na elaborao das normas penais pelo Legislativo, na aplicao do direito pelos Tribunais e na exe-cuo das sanes pelo Executivo (LARRAURI, 1996: 13-26).

    Os estudos que possibilitaram criminologia crtica identificar a seletivi-dade do sistema penal foram realizados pela Escola de Chicago, notadamente Sutherland em White Collar Criminality. Segundo Sutherland, nas concluses da pesquisa, the theories of the criminologists that crime is due to poverty or to psycho-pathic and sociopathic conditions statistically associated with poverty are invalid be-cause, first, they are derived from samples which are grossly biased with respect to socio-economic status; second, they do not apply to the white-collar criminals; and third, they do not even explain the criminality of the lower class, since the factors are not related to a general process characteristic of all criminality8 (SUTHERLAND, 1940:12).

    Assim, a Escola de Chicago altera o olhar tradicional da criminologia e insere no campo de investigao os processos que imunizam determinados

    8 As teorias criminolgicas baseadas nas teses de que o crime deriva da pobreza ou de patologias psquicas as-sociada pobreza so invlidas porque, primeiro, so derivadas de amostras manifestamente tendenciosas em relao ao nvel socioeconmico; segundo, no se aplicam aos criminosos de colarinho branco; terceiro, no so suficientes para explicar a criminalidade das classes inferiroes, pois os fatores apontados no derivam de uma caracterstica geral de todo o processo de criminalizao (SUTHERLAND, 1940:12, traduo livre).

  • Tenses atuais entre a criminologia feminista e a criminologia crtica: a experincia brasileira

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    segmentos sociais da incidncia das agncias punitivas. Trata-se de mudana de perspectiva que abdica de olhar a criminalidade e concentra-se na criminalizao. Lola Anyar de Castro, parafraseando o clssico da literatura marxista, sintetiza esta mudana de paradigma ao referir que a grande misria da Criminologia [po-sitivista] de ter sido somente uma Criminologia da misria. (CASTRO, 1983: 75).

    Sutherland nomina, portanto, uma espcie de criminalidade que era invi-sibilizada pelos mecanismos formais e informais de seletividade penal: a cri-minalidade dos poderosos. A partir dos seus estudos, o fenmeno crime passa a ser compartilhado por todos os atores sociais que habitam o espao pblico, independentemente de sua posio social.

    A questo que se os estudos da Escola de Chicago definiram uma nova forma de olhar o problema criminal, operando verdadeiro giro criminolgico, as pesquisas da criminologia feminista no mnimo causam impacto similar. Se Sutherland ir universalizar o crime para todos os atores do espao pblico, o pensamento feminista demonstrar que existem formas cruis de violncias no espao privado. Diferentemente do que a tradio do pensamento patriarcal demonstra, no mbito da vida privada e familiar as pessoas no se encontram em plena segurana. Pelo contrrio, na vida domstica que formas brutais de violncia so perpetradas e perpetuadas.

    As consequncias dos saberes crticos e feministas so para o pensamento criminolgico arrasadoras e irreversveis. No entanto possvel dizer que no plano epistemolgico so saberes complementares na desconstruo da raciona-lidade etiolgica que fundamenta a criminologia ortodoxa e na ampliao dos horizontes de investigao (objeto) e das formas de abordagem (mtodo). Os conflitos entre os modelos criminolgicos ocorrero, porm, no plano poltico--criminal, com a tenso entre os distintos projetos que orientam as agendas cr-ticas e feministas. Projetos que podem ser identificados na constante resistncia da criminologia crtica aos processos de criminalizao e amplicao dos nveis de punitividade social (punitivismo) e na incessante luta da criminologia femi-nista para reduo dos altos ndices de violncia contra a mulher.

    A pergunta cuja resposta permitiria harmonizar crtica e feminismo igual-mente no plano poltico-criminal seria: possvel estabelecer pautas de ao que viabilizem a reduo das violncias privadas contra as mulheres e das violncias pblico-institucionais contra as populaes vulnerveis (femininas e masculinas)?

    Antes de enfrentar a questo terica importante visualizar a concretude dos problemas das violncias no Brasil.

    4. O Problema da Criminologia Crtica no Brasil: O Grande Encarceramento em Nmeros

  • Carmen Hein de Campos e Salo de Carvalho

    154

    A atividade legislativa no Brasil, aps a promulgao da Constituio de 1989, ampliou as hipteses de criminalizao (primria) e enrijeceu o modo de execuo das penas, ou seja, paralelamente criao de inmeros novos tipos penais houve substancial alterao na modalidade de cumprimento das sanes. O resultado desta experincia poltico-criminal foi a dilatao do input e o es-treitamento do output do sistema punitivo, fato que provocou aumento vertigi-noso nos ndices de encarceramento. O exemplo mais significativo da tendncia punitivista que orientou a poltica criminal brasileira das ltimas dcadas foi a edio da Lei 8.072/90, a qual aumentou as penas dos delitos classificados como hediondos e, no que diz respeito execuo penal, estabeleceu vedao da pro-gresso de regime9, aumento de prazo para livramento condicional e obstruo de comutao e de indulto aos crimes nela dispostos.

    No obstante a ampliao das hipteses de aplicao e da execuo das penas privativas de liberdade, em matria processual penal as alteraes no Cdigo fomentaram o alargamento da criminalizao secundria. Assim, no apenas as possibilidades de priso cautelar foram (re)estruturadas v.g. priso temporria (Lei 7.960/89) e novas espcies de inafianabilidade e vedao de li-berdade provisria (Leis 7.716/89, 8.072/90, 9.034/95 e Lei 9.455/97) , como foi criada modalidade de execuo de pena sem o trnsito em julgado de sentena condenatria (Lei 8.038/90), denominada execuo penal antecipada.10

    Nota-se, portanto, que a poltica legislativa contribuiu significativamente para o incremento dos ndices de encarceramento, cujos resultados podem ser sintetizados da seguinte forma: (a) criao de novos tipos penais a partir do novo rol de bens jurdicos expressos na Constituio (campo penal); (b) am-pliao da quantidade de pena privativa de liberdade em inmeros e distintos

    9 A obstaculizao do processo de desinstitucionalizao progressiva da pena estabelecida pela Lei dos Crimes Hediondos foi uma das principais causas do aumento da taxa de encarceramento no pas. No obstante algumas decises monocrticas isoladas que reputavam junto com a doutrina como inconstitucional a Lei 8.072/90, sobretudo a partir da edio da Lei 9.455/97 (Lei dos Crimes de Tortura), o Supremo Tribunal Federal (STF), com o intuito de pacificar a matria, emitiu a Smula 698 no se estende aos demais crimes hediondos a admissibilidade de progresso de regime de execuo da pena aplicada ao crime de tortura. No entanto, mesmo aps a publicao da Smula 698, a 1 Turma do STF decidiu em dois Habeas Corpus (HC 87.623 e HC 87.452), unanimidade, afastar a proibio da progresso de regime em casos de extorso mediante sequestro (art. 159, 1 CP) e de trfico ilcito de entorpecentes (art. 12 c/c art. 18, III da Lei 6.368/76), respectivamente. Com o julgamento do HC 82.959 pelo Pleno, por maioria de votos o STF entendeu, aps 16 anos de vigncia, pela inconstitucio-nalidade do 1 do art. 2 da Lei dos Crimes Hediondos (STF, Tribunal Pleno, Habeas Corpus 82.959/SP, Rel. Min. Marco Aurlio de Mello, j 23.02.06).

    10 O Superior Tribunal de Justia, em 2005, revisou a posio que admitia cumprimento de pena sem o trnsito em julgado de sentena penal condenatria execuo penal antecipada (STJ, 6 Turma, Habeas Corpus 25.310, Rel. Min. Paulo Medina, DOU 02.02.05). At a reviso do posicionamento, os Tribunais entendiam que a interposio de Recursos Federais (Especial e Extraordinrio) contra acrdo condenatrio no suspendia os efeitos da deciso, conforme disciplina o art. 27, 2, da Lei 8.038/90. O Entendimento havia sido pacificado na Smula 267 do STJ (a interposio de recurso, sem efeito suspensivo, contra deciso condenatria no obsta a expedio de mandado de priso).

  • Tenses atuais entre a criminologia feminista e a criminologia crtica: a experincia brasileira

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    delitos (campo penal); (c) sumarizao do procedimento penal, com o alarga-mento das hipteses de priso cautelar (priso preventiva e temporria) e di-minuio das possibilidades de fiana (campo processual penal); (d) criao de modalidade de execuo penal antecipada, prescindindo o trnsito em julgado da sentena condenatria (campo processual e da execuo penal); (e) enrijeci-mento da qualidade do cumprimento da pena, com a ampliao dos prazos para progresso e livramento condicional (campo da execuo penal; (f) limitao das possibilidades de extino da punibilidade com a exasperao dos critrios para indulto, graa, anistia e comutao (campo da execuo penal); (g) am-pliao dos poderes da administrao carcerria para definir o comportamento do apenado, cujos reflexos atingem os incidentes de execuo penal (v.g. Lei 10.792/03) (campo penitencirio).

    O diagnstico normativo possibilita dizer que o Brasil, nas duas ltimas d-cadas, aderiu ao punitivismo, tendncia poltico-criminal que obstaculiza a con-solidao da democracia nos pases ocidentais, sobretudo nos pases da Amrica Latina que lograram superar os perodos de Ditaduras civis-militares.

    Desta forma, se at os anos 80 os representantes da criminologia crtica la-tino-americana, em conjunto com inmeras correntes da sociedade civil e com os movimentos sociais organizados, concentraram esforos para superar a pol-tica criminal autoritria imposta pelo terrorismo de Estado, aps o processo de redemocratizao enfrentam novo e paradoxal problema: apresentar alternati-vas ao processo gradual e constante de densificao dos nveis de punitividade.

    A primeira e mais ntida resposta ao punitivismo, entendido neste trabalho como sinnimo de altas taxas de encarceramento, seria a tentativa de criar con-dies para uma reforma geral no quadro legislativo, atingindo todas as fases da persecuo criminal, da investigao policial execuo da pena, orientada pelos princpios de subsidiariedade e de interveno mnima.

    Todavia, apesar de se entender correta a necessidade de racionalizao e de ressistematizao do quadro geral dos delitos, das sanes, dos proce-dimentos e da execuo (law in books), igualmente possvel afirmar que as mudanas devem operar, de igual forma e com intensidade, na cultura dos atores jurdicos (law in action). Isto porque ao longo do processo de formao do grande encarceramento nas duas ltimas dcadas, inmeras hipteses con-cretas de estabelecimento de filtros minimizadores da prisionalizao foram obstaculizadas pelo prprio Poder Judicirio, nitidamente influenciado pela racionalidade punitivista11.

    11 Em relao ao tema, verificar algumas importantes investigaes atuais: Associao dos Magistrados Brasileiros (AMB, 2006: 18-20); Instituto Brasileiro de Cincias Criminais, 2007: 24-41); Instituto Latino-Americano das Naes Unidas para Preveno do Delito e Tratamento do Delinquente (2006: 24/5); Azevedo (2005: 18-78).

  • Carmen Hein de Campos e Salo de Carvalho

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    A fuso entre a adoo do populismo punitivo pelo Poder Judicirio e a tradio inquisitria da cultura dos atores do sistema punitivo elevou super-lativamente as taxas de punitividade. Os dados sobre encarceramento so re-veladores:

    Tabela 01: Presos por 100.000 Habitantes no Brasil entre 1994 e 2010

    Ano Populao Presos Presos/100.000 hab.

    1994 147.000.000 129.169 87,87

    1995 155.822.200 148.760 95,47

    1997 157.079.573 170.207 108,36

    2000 169.799.170 232.755 137,08

    2001 172.385.826 233.859 135,66

    2002 174.632.960 239.345 137,06

    2003 176.871.437 308.304 174,31

    2004 181.581.024 336.358 185,24

    2005 184.184.264 361.402 196,22

    2006 186.770.562 401.236 214,83

    2007 183.965.854 419.551 228,06

    2008 189.612.214 451.219 238,10

    2009 189.612.214 473.626 247,35

    2010/1 191.480.630 494.237 258,11

    Fonte: Censos Penitencirios (Ministrio da Justia) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica.

    Segundo o informe do Departamento Penitencirio Nacional (DEPEN), re-lativo ao primeiro semestre do ano de 2010, a populao carcerria atingia o nmero de 494.237. Com base no ndice populacional apontado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), o Brasil teria atingido o ndice de 258,11 presos por 100.000 habitantes.

    Ao ser analisada a curva do aumento da populao carcerria, nota-se que a opo poltico-criminal de recrudescimento dos aparelhos do sistema penal tem obtido xito no incremento do punitivismo. Dados que desde o ponto de vista da crtica criminolgica tomam dimenses preocupantes.

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    Grfico 1: Presos por 100.000 Habitantes no Brasil entre 1994 e 2010

    87,87 95,47108,36

    137,08 135,66 137,06

    174,31185,24

    196,22214,83

    228,06238,1 247,35

    258,11

    0

    50

    100

    150

    200

    250

    300

    1994 1995 1997 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

    ndice de Encarceramento

    Fonte: Censos Penitencirios (Ministrio da Justia) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica.

    Na comparao dos ndices apresentados pelo Brasil com os dos pases da Comunidade Europeia, percebe-se que o grau de encarceramento (nmero de presos por 100.000 habitantes) supera em grande medida pases como Por-tugal (109), Espanha (148), Frana (92), Itlia (77), Inglaterra (148) e Alemanha (92), aproximando-se de pases do Leste como Azerbaijo (211,9), Litunia (239), Moldvia (227) e Polnia (230). Os pases mencionados so ultrapassados ape-nas pela Estnia (322), Georgia (302), Ucrnia (332) e, notoriamente, pela Rs-sia (613), pas com a maior densidade populacional encarcerada do continente (ICPS, 2010).

    Em relao aos pases da Amrica do Sul, o Brasil superado em nmero de presos por 100.000 habitantes pela Guiana Francesa (365), Suriname (356), Chile (297) e Guiana (260). Todos os demais pases do continente apresentam nveis de encarceramento inferiores aos dos brasileiros: Argentina (140), Bolvia (80), Colmbia (135), Equador (134), Paraguai (95), Peru (141), Uruguai (202) e Venezuela (79) dados relativos ao binio 2006-2008 (ICPS, 2010).

    Os Estados Unidos, segundo dados de 2007 apresentados pelo Federal Bu-reau of Prisons, permanecem com a maior taxa de encarceramento mundial (758), atingindo o nmero absoluto entre presos provisrios e definitivos de 2.298.041 encarcerados ICPS, 2010; BUREAU OF JUSTICE ESTATISTICS, 2007: 04).

    Ademais do acrscimo constante das taxas de prisionalizao, nota-se que a maior parte do encarceramento masculino nacional decorre de prtica de delitos patrimoniais, ou seja, refletem o carter econmico da poltica de excluso so-cial. Segundo dados do Departamento Penitencirio Nacional (DEPEN), 16,8% dos presos no Brasil resultam de imputaes de crimes patrimoniais no-vio-lentos como furto, estelionato e receptao; 24,46% decorrem de crimes patri-moniais praticados com violncia ou grave ameaa, fundamentalmente roubo; dos quais 12,88% seriam decorrentes de crimes contra a vida e 3,68% por crimes sexuais. Note-se que 15,73% da populao encarcerada masculina fruto de en-volvimento com trfico de drogas (DEPEN, 2010).

    O contingente de mulheres presas, embora infinitamente menor que o mas-culino, tem crescido proporcionalmente com maior fora na ltima dcada. E o que chama ateno a grande quantidade de presas por envolvimento com comrcio de drogas ilegais (48,31%). Em relao aos crimes patrimoniais no--violentos, a proporo de mulheres presas de 11,3%, crimes patrimoniais praticados com violncia ou grave ameaa 10,96% e crimes contra a vida 7,33% (DEPEN, 2010).

  • Carmen Hein de Campos e Salo de Carvalho

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    Frente a esta realidade, um dos principais problemas colocados pela cri-minologia crtica brasileira nas ltimas dcadas o da possibilidade de gerar condies polticas e sociais para a diminuio dos ndices de punitividade e, paralelamente, diminuir as distores em matria de seletividade da populao masculina e feminina vulnervel.

    5. O problema da criminologia feminista no Brasil: a violncia contra as mulheres em nmeros

    Apesar de existirem inmeros centros de apoio mulher vtima de vio-lncia no Brasil (servios pblicos, privados e instituies do terceiro setor), os dados quantitativos, principalmente sobre violncia domstica, ainda carecem de maior sistematizao para alm, logicamente, do srio problema que o alto ndice de invisibilidade (cifra oculta) desta forma peculiar de delito. Em razo de os nmeros levantados pelas instituies de defesa dos direitos das mulheres serem normalmente circunscritos ao levantamento regional de Esta-dos ou Municpios, os dados quantitativos de maior consistncia esto vincu-lados sistematizao realizada pela Ouvidoria da Secretaria Especial de Po-lticas para as Mulheres, notadamente em relao aos atendimentos prestados pela Rede de Atendimento Mulher em Situao de Violncia, instrumentalizada pela Central de Atendimento Mulher. Entende-se, para uma das finalidades que este artigo se prope (mapear em nmeros os problemas principais enfrentados pela Criminologia Crtica e Criminologia Feminista), que os dados oficiais registra-dos pela Secretaria de Polticas para as Mulheres fornecem uma dimenso geral e confivel do quadro das violncias contra a mulher no Brasil.

    A Central de Atendimento Mulher um servio de utilidade pblica em m-bito nacional destinado a atender gratuitamente mulheres em situao de vio-lncia. O servio foi implantado em carter experimental em novembro de 2005, a partir de acordo entre a Secretaria de Polticas para as Mulheres e o Ministrio da Sade, objetivando criar canal de comunicao constante e ininterrupto com as mulheres em situao de violncia. Aps a experincia e a efetivao do ser-vio, foi oficialmente incorporado s polticas pblicas do Governo Federal com a publicao do Decreto Presidencial 7.393/10.

    Embora o principal servio prestado seja o de orientao e de encaminha-mento atravs de linha telefnica (Ligue 180), a Central de Atendimento tam-bm pode ser acessada atravs de e-mail, carta, fac-smile ou pessoalmente. A principal preocupao da Secretaria foi criar mecanismo gil de acesso infor-mao e para denncia de violncias contra a mulher, em horrio integral e sem interrupes (24h/dia, sete dias por semana).

    Nota-se que o servio preencheu importante lacuna porque, segundo dados da Secretaria de Polticas para as Mulheres (SPM), entre abril de 2006 e dezembro

  • Tenses atuais entre a criminologia feminista e a criminologia crtica: a experincia brasileira

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    de 2010, a Central de Atendimento Mulher prestou 1.658.294 atendimentos (SPM, 2010: 05). Comparando os nmeros desde a criao do sistema em 2005 at de-zembro de 2009, houve aumento de 1.890% de denncias no perodo. De igual forma, a Ouvidoria da Secretaria de Polticas para as Mulheres, a partir de 2003, passou a receber denncias diretamente, sendo registrados 2.551 casos. Impor-tante referir que o registro numrico contabilizado aquele realizado na primeira demanda, embora seja comum sua reiterao ou o seu acompanhamento12.

    Conforme frisado anteriormente, tem-se cincia de que os dados no rela-tam com preciso o nmero de violncias praticadas contra mulheres no Brasil, inclusive porque notrio na literatura especializada o alto nmero de casos no-registrados (cifra oculta). Todavia os nmeros permitem dimensionar a gra-vidade do problema e projetar polticas de preveno e represso.

    Neste sentido, a criao dos referidos mecanismos de acesso informao e denncia, com investimentos em tecnologia e com capacitao de pessoal para atendimento e acolhimento de vtimas da violncia domstica, efetivamente in-centiva a criao de uma cultura de visibilidade das violncias praticadas contra mulheres. Fatos que, inclusive, explicam o constante aumento no nmero de casos registrados pela Secretaria especializada. Assim, a criao e ratificao de instrumentos normativos, como a Lei Maria da Penha e o Pacto Nacional pelo Enfrentamento Violncia Domstica e Familiar contra a Mulher, contribuem muito para ampliar a visibilidade e construo de uma nova linguagem para o enfrentamento da violncia contra mulheres.

    Neste sentido, os dados de registro de violncia contra a mulher tabulados pela Ouvidoria da Secretaria de Polticas para as Mulheres podem ser apresen-tados da seguinte forma.

    Tabela 02: Registros Total de Atendimentos (2005-2010)

    Ano Registros de Violncia Contra a Mulher

    20062007

    46.423

    2007 204.514

    2008 271.212

    2009 401.729

    12 Importante ainda ressaltar que muitas pessoas demandam mais de uma vez. Em geral, contabilizamos apenas a primeira demanda, pois quem demandou em 2004, por exemplo, ao procurar a Ouvidoria novamente, ter seu registro de 2004, que ser atualizado no mesmo relatrio. Assim, os nmeros trabalhados so referentes quantidade de registros e no ao nmero total de demandas recebidas. Por este motivo, alguns atendimentos chegam a durar meses (SPM, 2009: 17).

  • Carmen Hein de Campos e Salo de Carvalho

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    2010 734.416

    Total 1.658.294Fonte: Ouvidoria da Secretaria de Polticas para as Mulheres

    Segundo as informaes do Relatrio de 2009 da Ouvidoria da Secretaria de Polticas para as Mulheres, dos 401.729 registros 51,72% ocorreram atravs de e-mail, 22,26% atravs do link da Ouvidoria no site da Secretaria e 20,46% atravs de telefonema, diretamente ao nmero dos rgos da Secretaria que re-cebem denncia (1,15%) ou pelo servio especial Ligue 180 (19,31%).

    Em relao ao tipo de atendimento, do total apresentado em 2009, foram registradas 32,09% denncias (relatos de ocorrncia de algum crime contra a mulher), 29,5% pedidos de informao ou orientao (demandas de esclareci-mentos sobre legislao e direitos da mulher, rede de atendimentos, polticas e aes da Secretaria entre outras), 18,82% solicitaes (pedidos de providncias ou intervenes da Ouvidoria ou da Secretaria), dentre outros (sugestes, elo-gios, convites e reclamaes) (SPM, 2009: 17). Em 2010, do total de 734.416 regis-tros, 40,5% foram de denncias, 17,8% solicitaes, 16,5% informaes, dentre outros (SPM, 2010: 05).

    Quanto aos tipos de denncia das agresses mais frequentemente relatadas, embora a tipologia utilizada no corresponda necessariamente estrutura do tipo penal incriminador previsto no Cdigo Penal ou na Legislao Especial e Com-plementar, a Secretaria de Polticas para as Mulheres classifica as violncias da seguinte forma: ameaa, assdio moral, discriminao, violncia domstica, vio-lncia sexual, trfico de pessoas, violncia fsica, crcere privado, violncia psicol-gica, violao dos direitos humanos das presas, apologia ao crime e perseguio13.

    13 Ameaa: quando algum promete um mal futuro, injusto e grave que, para se consumar, depende da vontade do agente. O crime admite todos os meios de execuo (por escrito, oral, gestos, smbolos, etc). A ameaa pode se voltar tambm contra terceira pessoa ou coisa pela qual a vtima tenha afeio (famlia, etc.)

    Assdio Moral: so todos aqueles atos e comportamentos provindos do patro, gerente, superior hierrquico ou dos colegas, que traduzem uma atitude de contnua e ostensiva perseguio que possa acarretar danos rele-vantes s condies fsicas, psquicas e morais da vtima.

    Discriminao: toda a distino, excluso ou restrio baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exerccio pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos poltico, econmico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo.

    Violncia Domstica: so as leses corporais praticadas contra 4 categorias de pessoas: 1) contra parentes prximos (ascendentes, descendentes, irmos); 2) contra cnjuges ou companheiros em unio estvel; 3) contra quem conviva ou tenha convivido com o agente; e 4) contra pessoa que seja hspede ou coabite com o agente.

    Violncia Sexual: violncia sexual pode ser definida como qualquer tipo de atividade de natureza ertica ou sexual, que desrespeita o direito de escolha de um dos envolvidos. a penetrao genital, oral ou anal, por alguma parte do corpo do agressor ou por objeto, utilizando a fora e/ou sem o consentimento da vitima.

    TrficodePessoas: consiste em promover, intermediar ou facilitar a entrada no pas, ou a sada, de pessoa para exercer a prostituio (internacional). O trfico interno de pessoas visa promover, intermediar ou facilitar o transporte, o recrutamento ou o alojamento de pessoa que venha a exercer a prostituio.

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    A partir desta categorizao das violncias contra a mulher, dos 401.729 re-gistros em 2009, a incidncia ocorreu nas seguintes propores:

    Tabela 03: Espcies de Denncia (2009)

    Espcie de Violncia Contra a Mulher Percentual

    Violncia Domstica (2007) 9,95%

    Discriminao 6,47%

    Violncia Sexual 1,49%

    Perseguio 0,5%

    Violncia Psicolgica 1,49%

    Crcere Privado 48,76%

    Violao dos Direitos das Presas 1,99%

    Ameaa 3,48%

    Assdio Moral 3,98%

    Apologia ao Crime 2,49

    Trfico de Mulheres 9,95%

    Outros 9,45%

    Total 100%

    Fonte: Ouvidoria da Secretaria de Polticas para as Mulheres

    Dos relatos de violncia no perodo apontado (2006-2010), os dados reve-lam que os agressores so, na sua maioria, os prprios companheiros, fato que refora a tese histrica demonstrada pelo movimento feminista e comprovada

    Violncia Fsica: a ofensa integridade corporal ou sade fsica ou mental do ser humano. A integridade corporal diz respeito a alterao fsica do corpo (amputaes, feridas, manchas, inchaos, etc). A ofensa sade a debilitao funcional do organismo (doena), seja fisiolgica ou mental, podendo incluir tambm o agrava-mento de doena j existente.

    CrcerePrivado: o confinamento em um cmodo isolado particular (...). ViolnciaPsicolgica: entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuio da

    auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas aes, comportamentos, crenas e decises, mediante ameaa, constrangimento, humilhao, manipulao, iso-lamento, vigilncia constante, perseguio contumaz, insulto, chantagem, ridicularizao, explorao e limita-o do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuzo sade psicolgica e autodeterminao.

    ViolaodosDireitosHumanosdasPresas: violao da dignidade da pessoa humana e o acesso ao pleno aos direitos fundamentais, tendo em vista as particularidades da mulher encarcerada.

    ApologiaaoCrime: defender, louvar, elogiar publicamente crime ocorrido ou criminoso. Perseguio: ato de perseguir pessoa de forma ostensiva e contumaz. (SPM, 2009: 13-14)

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    pela criminologia feminista de que a violncia contra a mulher fundamental-mente violncia praticada por pessoas prximas e no por desconhecidos em-bora esta seja a imagem deflagrada nas campanhas de pnico moral, sobretudo em relao aos crimes sexuais (estupro).

    A constatao consolidada nos dados da Secretaria de Polticas para as Mu-lheres validada pela mais recente pesquisa da Fundao Perseu Abramo, reali-zada no perodo de agosto de 2010, ocasio em que foram ouvidas 2.365 mulhe-res e 1.181 homens com idade superior a 15 anos, nos 25 Estados da Federao. Na pesquisa de opinio pblica intitulada Mulheres Brasileiras e Gnero no Espao Pblico e Privado (2010), que atualiza investigao anloga realizada em 2001, constatou-se que no pas em mdia uma em cada cinco mulheres (18%) sofre ou sofreu algum tipo de violncia de parte de algum homem, conhecido ou desconhecido. Os nmeros demonstram a constncia das violncias, pois na pesquisa de 2001 o percentual era praticamente idntico (19%). Segundo o relatrio final, ao serem especificadas formas de violncias distintas das agresses fsicas e sexuais, como violncia psquica, o nmero de mulheres que afirmam ter sido vtimas aumenta para duas em cada cinco mulheres (40%). Dentre as violncias citadas prepon-deram formas variadas de controle ou cerceamento (24%), violncia psquica ou verbal (23%), restando ameaas e violncias fsicas propriamente ditas com percentual de 24%.

    A pesquisa da Fundao Perseu Abramo (2010) revela ainda que alm do alto nmero de ameaas sofridas, em mdia 13% das consultadas, uma em cada dez (10%) teria sido efetivamente espancada ao menos uma vez na vida (12% na pesquisa de 2010 e 11% em 2001). E considerando a ltima ocasio da ocorrncia, o contingente de mulheres representado em ambos os levantamentos revela que a mdia de agresses contra as brasileiras permanece altssimo, a dizer, uma a cada 24 segundos ou cinco mulheres agredidas a cada 2 minutos.14

    Dado importante e que permite projetar minimamente as cifras ocultas nos casos de violncia de gnero so relativos aos recursos utilizados pelas mulheres para auxlio aps sofrerem violncias. Na investigao, as mulheres agredidas informam que aps as agresses frequentemente pedem auxlio para familia-res prximos, com destaque para as mes e irms. Este procedimento seria o utilizado em dois teros dos casos. Em nenhuma das modalidades de violncia pesquisadas o nmero de denncias prestadas autoridade policial ou judicial supera um tero dos casos.

    Embora incipiente na tradio das investigaes criminolgicas brasileiras, algumas pesquisas de vitimizao realizadas por agncias pblicas fornecem

    14 Na pesquisa realizada em 2001 o nmero de mulheres espancadas era de uma a cada 15 segundos ou 8 mulheres a cada 2 minutos. Embora a incidncia tenha diminudo, as taxas de violncia seguem extremamente altas.

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    importantes elementos de anlise. Pesquisa nacional realizada no perodo de 08 a 28 de fevereiro de 2011 pelo DataSenado (2011) intitulada Violncia Do-mstica e Familiar Contra a Mulher, entrevistou 1.352 mulheres e concluiu que mais de 50% entendiam no ser tratadas com respeito pelos seus maridos ou companheiros. O mesmo percentual de entrevistadas (50%) informou conhe-cer alguma mulher que j havia sofrido algum tipo de violncia domstica e familiar, sendo a violncia fsica preponderante em mais de 70% dos casos. contrastante o fato de que cerca de 80% das entrevistadas informarem nunca ter sofrido violncia domstica ou familiar, o que sugere a hiptese de que h ver-gonha em ser reconhecida com uma mulher agredida. Do universo que havia sido vtima, 60% dos agressores foram maridos ou companheiros. Em relao s denncias, o medo do agressor seria a principal causa do silncio (65%) (DA-TASENADO, 2011).

    Nas anlises sobre a atuao do sistema Judicirio, o Relatrio Anual do Con-selho Nacional de Justia (2010), no item sobre a eficcia da Lei Maria da Penha, informa dados de vitimizao semelhantes aos apresentados anteriormente. Segundo o Relatrio, em 2010 existiam 43 Juizados de Violncia Domstica e Familiar contra a Mulher. Nestes juizados especializados havia em andamento 328.964 processos, tendo sido proferidas 108.882 decises judiciais desde a en-trada em vigncia da Lei (CNJ: 2010, 15). No que se refere aos crimes com maior incidncia, leses corporais e ameaas so citadas como prevalentes, como de-monstram os dados das pesquisas anteriormente mencionadas.

    Tabela 04: Dados sobre a Judicializao da Violncia Domstica no Brasil (2010)

    Juizados Especializados de Violncia Domstica e Familiar contra a Mulher

    43

    Processos em Andamento nos Juizados

    328.964

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    Crimes (ou Contravenes) com Maior Incidncia

    Leso CorporalAmeaaDanoCrimes contra a Honra: Injria e DifamaoInvaso a domiclioDesobedinciaAtentado violento ao pudorEstuproContravenes Penais: Vias de Fato e Perturbao do Sossego

    Sentenas Proferidas 108.882

    Prises Decretadas 11.659

    Medidas Protetivas Deferidas 96.098

    Processos em Tramitao 216.011

    Estados com maior quantidade de processos

    Rio de JaneiroRio Grande do SulMinas Gerais

    Fonte: Conselho Nacional de Justia

    Dados sobre a formalizao processual dos registros relativos violncia domstica no Estado do Rio Grande do Sul permitem dimensionar a lacuna entre comunicao e processualizao. O Ministrio Pblico do Rio Grande do Sul (MPRS) informa que nas 140 comarcas do Estado, no perodo de 27/11/2008 a 31/12/2010, foram cadastrados 36.904 procedimentos referentes Lei Maria da Penha. Dos procedimentos, 14.280 (38,7%) referem ameaas e 9.472 (25,7%) le-ses corporais contra esposas e companheiras. No perodo haviam sido solicita-das 13.966 (37,8%) medidas protetivas, sendo concedidas 10.301 (27,9%). Dentre as medidas protetivas deferidas computam-se 16.368 (44,4%) ordens de proibi-o de aproximao, 13.678 (37,1%) ordens de proibio de contato e 516 ordens de prises do agressor (1,4%) (MPRS, 2010).

    Por fim, registra-se que no Juizado de Violncia Domstica e Familiar da cidade de Porto Alegre, capital do Estado do Rio Grande do Sul, tramitam hoje mais de 16 mil processos referentes Lei Maria da Penha. O perfil das vtimas,

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    como na grande maioria dos casos nacionais, predominantemente constitudo por mulheres pobres e socialmente vulnerveis15.

    Os nmeros apresentados pelas distintas pesquisas revelam paradoxo de difcil resoluo, pois ao mesmo tempo em que h uma crescente judicializao na busca da democracia nas relaes de gnero no mbito domstico e familiar, notrio o alto ndice de invisibilidade da violncia domstica (cifras ocultas), fato decorrente em grande medida pelo temor das vtimas em relao ao agres-sor. Paralelamente, o sistema de justia recebe nmero de denncias que dificil-mente tem capacidade de processar. Esta tenso entre crescente demanda, cifra oculta e incapacidade operativa do sistema em relao violncia contra mulhe-res parece, igualmente, reforar o paradoxo entre as perspectivas da Criminolo-gia Crtica e da Criminologia Feminista.

    6. Consideraes Finais: As Tenses Entre a Criminologia Crtica e a Criminologia Feminista (ou Possvel ser Feminista e Crtico/a ou Crtico e Feminista?)

    Retomamos a pergunta inicial formulada: possvel estabelecer pautas de ao que viabilizem a reduo das violncias privadas contra as mulheres e das violncias pblico-institucionais contra as populaes vulnerveis (femininas e masculinas)? Em outros termos, seria possvel compatibilizar as pautas poltico--criminais das Criminologias Feminista e Crtica?

    Conforme reconhecido pela academia internacional, o feminismo um dos mais importantes movimentos polticos e tericos das ltimas dcadas, tendo contribudo de forma decisiva para o avano das humanidades. Outrossim, a crtica feminista criminologia (ortodoxa e crtica) provocou verdadeira ferida narcsica, pois no apenas deu visibilidade violncia praticada pelos homens contra as mulheres, mas apresentou as metarregras sexistas que orientam a ela-borao, a aplicao e a execuo do direito (penal), bem como exps a lacuna das investigaes crticas em relao ao carter falocntrico do sistema penal. incompreensvel, portanto, que a criminologia tenha ignorado por dcadas as anlises feministas e que tenha se preocupado com esta nova forma de enfren-tar os problemas do sistema penal apenas quando em questo a necessidade de responsabilizao dos homens pelas violncias contra as mulheres. Isto tudo porque no aceitvel para um modelo de pensamento criminolgico que se intitule crtico o tradicional olhar androcntrico que demonstra complacncia com os danos provocados s mulheres quando atoras ou vtimas de delitos. A criminologia tem-se recusado a ouvir as mulheres, e quando o faz, no apoia

    15 Dados fornecidos diretamente pela Vara de Violncia Domstica, na ocasio do Frum pelo Fim da Violncia Domstica contra Mulheres, Porto Alegre, em 28/01/2011.

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    ou valoriza o projeto feminista, mas valoriza e legitima certas posies dentro do feminismo acadmico, posies que acomodam os interesses pessoais do crtico ou as pre-ocupaes tericas androcntricas, ou ambas. (LAURETIS,1994:232).

    Por outro lado, o feminismo criminolgico incorporou de maneira signifi-cativa as contribuies da criminologia crtica, inclusive avanando no debate sobre os riscos da utilizao do sistema penal por parte das mulheres (SMART, 1995; GELSTHORPE, 2002; LARRAURI, 2007).

    As anlises apresentadas apontariam para algumas impossibilidades de superao da tenso em razo de algumas incoerncias entre os discursos da Criminologia Feminista e da Criminologia Crtica.

    Todavia a perspectiva de elaborao de um sistema absolutamente coe-rente, sem contradies ou lacunas, pressupe a adoo de uma forma de pen-samento que no condiz com o perodo alm-da-modernidade. A vontade de sistema (vontade de verdade) trao caracterstico dos modelos cientficos mo-dernos que se sustentam pela elaborao de grandes narrativas. Modelos em crise e que no do conta da complexidade dos fenmenos contemporneos.

    Perspectivas que questionam a estabilidade no campo da coerncia cien-tfica parecem, portanto, responder de forma mais adequada aos problemas prtico-tericos da atualidade. Neste sentido, Sandra Harding (1993) chama a ateno para a necessidade de as categorias analticas feministas permanece-rem instveis e incoerentes, pois teorias com pretenso de coerncia no apenas no so adequadas ao mundo instvel e incoerente do Sculo XXI como criam obstculos intransponveis ao conhecimento e s prticas sociais. Aderindo ao argumento da autora, possvel sustentar que as hipteses de reinterpretao ou subverso da Criminologia tarefa ltima que tem sido realizada pela Cri-minologia Feminista so opes conceituais que criam dilemas insolveis ao feminismo, motivo pelo qual em vez da fidelidade ao princpio de que a coerncia terica um fim desejvel em si mesmo e a nica orientao vlida para a ao, podemos tomar como padro a fidelidade aos parmetros de dissonncia entre os pressupostos dos discursos patriarcais e dentro de cada um deles (HARDING, 1993: 13).

    Inevitvel, pois, acolher alguns desconfortos intelectuais, polticos e emo-cionais e considerar inadequados e mesmo derrotistas determinados tipos de solues luminosas que nos colocamos (HARDING, 1993: 13).

    Desde esta perspectiva, entendemos que a Lei Maria da Penha pode pro-porcionar uma importante agenda para a superao e o enfrentamento aberto das tenses apresentadas, sobretudo porque sua proposta ultrapassa o campo meramente repressivo e os maniquesmos determinados pela lgica binria das jurisdies cveis ou criminais. Neste aspecto entendemos crucial reforar a ideia de que estamos perante um novo modelo, regido por uma lgica diversa da forma mentis misgina que vem regendo o Direito na Modernidade. uma nova l-gica que se fundamenta na realidade vivida pelas pessoas que se envolvem em

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    conflitos, para alm das coerncias e plenitudes dos sistemas que s interessam aos que nutrem vontade de sistema.

    Assim, ao que tudo indica, ser feminista e crtica/o seria possvel apenas medida que formos nos submetendo complexidade e fragmentariedade da contemporaneidade. Instabilidades que se refletem em desconfortos tericos voluntariamente aceitos e, sobretudo, desejados, e que podem ser resumidos na tenso vontade de verdade versus vontade de desconforto.

    O debate proporcionado pela Lei Maria da Penha uma tima oportuni-dade para o exerccio dessa capacidade.

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