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CA ij SERIE LEITURAS JURÍDICAS PROVAS E CONCURSOS DIREITO ECONÔMICO Volume 29 Vicente Bagnoli 3- Edição Data de fechamento desta edição: 17-6-2008 SAO PAULO EDITORA ATLAS S.A. - 2008

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    SERIE LEITURAS JURDICAS

    PROVAS E CONCURSOS

    DIREITO ECONMICO

    Volume 29

    V icente Bagnoli

    3- Edio

    Data de fechamento desta edio: 17-6-2008

    SAO PAULO EDITORA ATLAS S.A. - 2008

  • 2005 by Editora Atlas S.A.

    1. ed. 2005; 2. ed. 2006; 3. ed. 2008

    Composio: Formato Servios de Editorao S/C Ltda.

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Bagnoli, VicenteDireito econmico / Vicente Bagnoli. - 3. ed. - So Paulo : Atlas, 2008. - (Srie leituras jurdicas: provas e concursos ; v. 29)

    Bibliografia.ISBN 978-85-224-5191-3

    Revista e atualizada de acordo com a Lei Complementar n2 123/06 e com as Leis nH 11.417/06,11.445/07 e 11.448/07.

    1. Direito administrativo 2. Direito administrativo - Brasil 3. Direito administrativo - Concursos - Brasil I. Ttulo. II. Srie.

    05-7992 CDU-34:33

    TODOS OS DIREITOS RESERVADOS - proibida a reproduo total ou parcial, de qualquer forma ou por qualquer meio. A violao dos direitos de autor (Lei na 9.610/98) crime estabelecido pelo artigo 184 do Cdigo Penal.

    Depsito legal na Biblioteca Nacional conforme Decreto n2 1.825, de 20 de dezembro de 1907.

    Impresso no Brasil/Prinfed in Brazil

    |tejEditora Atlas S.A.Rua Conselheiro Nbias, 1384 (Campos Elsios) 01203-904 So Paulo (SP)Tel.: (0__11) 3357-9144 (PABX)www.EditoraAtlas.com.br

    ndice para catlogo sistemtico:

    1. Direito econmico 34:33

  • Ao meu pai, Vicente Renato, que construiu e desempenha sua brilhante carreira profissional e acadmica para o bem-estar da sade humana, exemplo de que a seriedade, a determinao, a tica e a f so elementos necessrios para se conquistar algo verdadeiramente valioso - atender e auxiliar o prximo -, dedico este trabalho.

    minha famlia, alicerce da minha formao, presente em todos os momentos da minha vida, ddiva que Deus me proporcionou, agradeo por tudo.

  • A atividade econmica, em particular a da economia de mercado, no se pode realizar num vazio institucional, jurdico e poltico. Pelo contrrio, supe segurana no referente s garantias da liberdade individual e da propriedade, alm de uma moeda estvel e servios pblicos eficientes. A principal tarefa do Estado , portanto, a de garantir esta segurana, de modo que quem trabalha e produz possa gozar dos frutos do prprio trabalho e, conseqentemente, sinta- se estimulado a cumpri-lo com eficincia e honestidade. A falta de segurana, acompanhada pela corrupo dos poderes pblicos e pela difuso de fontes imprprias de enriquecimento e de lucros fceis fundados em atividades ilegais ou puramente especulativas, um dos obstculos principais ao desenvolvimento e ordem econmica.

    Centesimus Annus, Carta Encclica do Papa Joo Paulo II, 6. ed. So Paulo: Paulinas, 2004, p. 89.

    "Quando um povo durante muito tempo governado por autoridades injustas, todo ele acaba encarando a injustia como ordem.

    Salmo 125 - Comentrio 3, Bblia Sagrada. So Paulo: Paulus, 2002, p. 813.

  • Sumrio

    Nota, xi Introduo, 1

    1 Introduo ao Direito Econmico, 31.1 O surgimento do direito econmico, 3

    1.1.1 A Primeira Guerra Mundial, 31.1.2 A Repblica de Weimar, 61.1.3 A Constituio da Repblica de Weimar, 71.1.4 A constituio econmica de Weimar, 81.1.5 Crise na repblica: fim de Weimar e ascenso do

    Nazismo, 121.1.5.1 A crise da Bolsa de Nova York e a vitria do

    nacional-socialismo, 131.1.5.2 O estado total no ps-Weimar, 16

    1.2 O direito econmico, 171.3 Conceito de direito econmico: sujeito e objeto, 181.4 Ordem jurdico-poltico-econmica, 221.5 Poltica econmica, 241.6 Teorias do direito econmico, 261.7 Direito econmico e direito da economia: anlise econmica

    do direito e os princpios da economicidade e eficincia, 281.8 Direito econmico: fronteira entre pblico e privado, 311.9 Direito administrativo econmico, 32

  • v i i i Direito Econmico

    2 Direito Constitucional Econmico, 342.1 A constituio econmica, 342.2 Normas programticas, 362.3 Fontes do direito econmico, 372.4 Leis em direito econmico, 382.5 As constituies econmicas no Brasil, 39

    2.5.1 Constituio de 1824, 392.5.2 Constituio de 1891, 412.5.3 Constituio de 1934, 422.5.4 Constituio de 1937, 442.5.5 Constituio de 1946, 472.5.6 Constituio de 1967, 50

    3 A Ordem Econmica na Constituio Federal de 1988, 533.1 Aspectos gerais da constituio econmica, 533.2 Princpios gerais da atividade econmica, 62

    3.2.1 Art. 170: Ordem Econmica, 623.2.2 Soberania nacional, 643.2.3 Propriedade privada, 653.2.4 Funo social da propriedade, 653.2.5 Livre concorrncia, 653.2.6 Defesa do consumidor, 663.2.7 Defesa do meio ambiente, 663.2.8 Reduo das desigualdades regionais e sociais, 673.2.9 Busca do pleno emprego, 673.2.10 Tratamento favorecido para as empresas de pequeno

    porte, 683.2.11 Livre exerccio da atividade econmica, 683.2.12 Arts. 171 e 172, 683.2.13 Arts. 173 e 174: atuao do Estado no domnio

    econmico, 703.2.14 Arts. 175 a 181: outras formas de atuao do Estado

    no domnio econmico, 743.2.15 Art. 219: mercado interno, 743.2.16 Arts. 182 e 183: poltica urbana, 753.2.17 Arts. 184 a 191: poltica agrcola, fundiria e reforma

    agrria, 753.2.18 Art. 192: sistema financeiro nacional, 76

    4 Atuao do Estado no Domnio Econmico, 794.1 A empresa e o direito econmico: teoria da empresa, 79

  • Sumrio IX

    4.2 Teoria geral da regulao, 834.3 Agncias reguladoras: a regulao econmica, 86

    4.3.1 Surgimento das agncias reguladoras, 884.3.2 Agncias reguladoras no Brasil, 904.3.3 Caractersticas das agncias reguladoras, 924.3.4 Agncias reguladoras em espcie, 103

    4.3.4.1 ANATEL, 1044.3.4.2 ANP 1054.3.4.3 ANVISA, 1064.3.4.4 ANS, 1074.3.4.5 ANA, 1084.3.4.6 ANTAQ, 1084.3.4.7 ANTT 1094.3.4.8 ANEEL, 1104.3.4.9 ANCINE, 1114.3.4.10 DAC/ANAC, 1114.3.4.11 BACEN, 1134.3.4.12 SUSEP, 113

    4.3.5 Observaes finais acerca das agncias reguladoras, 114

    4.4 Parcerias Pblico-Privadas (PPPs), 1174.5 Atividade econmico-privada dos entes pblicos, 123

    4.5.1 Empresa pblica, 1244.5.2 Sociedade de economia mista, 126

    Direito da Concorrncia, 1285.1 Conceitos e fins do direito da concorrncia, 1285.2 Conceito de mercado relevante, 137

    5.2.1 Mercado relevante material, 1385.2.2 Mercado relevante geogrfico, 1415.2.3 Mercado relevante temporal, 144

    5.3 Tipos de mercado, 1455.3.1 Mercados perfeitamente competitivos, 1455.3.2 Mercados imperfeitamente competitivos, 146

    5.3.2.1 Mercados oligopolizados, 1475.3.2.2 Mercados monopolizados, 1485.3.2.3 Monopsnios e oligopsnios, 149

    5.4 Conceito de poder econmico e seu abuso, 1505.4.1 Poder econmico (poder de mercado) e posio

    dominante (participao de mercado): distino, 150

  • X Direito Econmico

    5.4.2 O poder econmico no mercado e seus reflexos na concorrncia, 153

    5.5 Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrncia, 1555.5.1 Conselho Administrativo de Defesa Econmica

    (CADE), 1565.5.2 Secretaria de Direito Econmico (SDE), 1585.5.3 Secretaria de Acompanhamento Econmico (SEAE),

    1605.6 Lei n2 8.884, de 11 de junho de 1994, 161

    5.6.1 Enfoque estrutural da lei (atos de concentrao), 1635.6.2 Enfoque repressivo da lei (condutas

    anticoncorrenciais), 1735.6.2.1 Crimes ordem econmica, 178

    6 Ordem Econmica Internacional, 1826.1 Ordem econmica internacional, 1826.2 Globalizao, 1876.3 Integrao, 193

    6.3.1 Unio Europia, 1946.3.2 Mercosul, 1976.3.3 UNASUL, 2006.3.4 TIAR, OEA, CEPAL, ALALC, MCCA, Pacto Andino,

    CAN, ALADI, NAFTA, CARICON, CAFTA, 2016.3.5 ALCA, 202

    7 Noes de Economia Aplicadas ao Direito Econmico: Breve Introduo Economia, 2087.1 Introduo economia, 208

    7.1.1 Noes gerais, 2087.1.2 Breve histrico do pensamento econmico, 2127.1.3 Alguns conceitos econmicos, 2197.1.4 Conceitos econmicos complementares, 226

    7.2 Eficincia econmica, 2277.3 Teorias microeconmica e macroeconmica bsicas, 231

    Questes, 235Bibliografia, 255

    ndice remissivo, 263

  • Nota

    A srie Leituras Jurdicas foi elaborada com o objetivo de proporcionar ao estudante e ao profissional de direito um estudo completo, atualizado e didtico sobre as diversas reas

    jurdicas. Os autores selecionados, com vasta experincia acadmica e profissional, oferecem ao leitor viso moderna do tema desenvolvido, conforme sua atuao profissional e acadmica. So especialistas, mestres e doutores com atuao na Magistratura, Ministrio Pblico, Advocacia e Procuradoria, familiarizados com as dvidas e anseios dos profissionais da rea jurdica, estudantes, candidatos a concursos pblicos e ao exame da Ordem dos Advogados do Brasil.

    Para o desenvolvimento de cada tema, o autor, utilizando-se de linguagem acessvel, sem prejuzo de contedo, esteve atento s grades curriculares dos cursos de graduao, aos programas e questes de concursos pblicos e exame de Ordem, observando as orientaes jurisprudenciais dos Tribunais Superiores.

    Ao mesmo tempo em que fonte de consulta para o esclarecimento de dvidas e reviso da matria, a obra poder, tambm, orientar e direcionar o leitor que est iniciando seus estudos jurdicos.

    Boas Leituras!Editora Atlas

  • Introduo

    Cada vez mais, o estudo do Direito Econmico se revela necessrio aos operadores do Direito, seja na atividade profissional, seja na atividade acadmica. O militante do Direito no se limita mais s questes estritamente legais. O conhecimento interdisciplinar das matrias jurdicas e a interface com as Cincias Sociais e, sobretudo, Econmicas exigem a noo de conjunto, pois s assim o profissional do Direito estar atento e apto a atuar na realidade jurdico-econmica que interfere diretamente no cotidiano de pessoas e Estados.

    O estudo do Direito Econmico rompe as barreiras nacionais do relacionamento jurdico entre os indivduos e se expande esfera da relao internacional entre naes, revelando-se a disciplina jurdica necessria para se interpretar o dia-a-dia dos fatos da vida pessoal, seus reflexos na convivncia nacional e internacional, trazendo com isso a questo da globalizao.

    A tem tica do Direito Econmico exige do seu estudioso a anlise da interveno do Estado na ordem econmica, seja como agente econmico, seja como fiscalizador, a fim de organizar a poltica econmica do Estado e evitar o abuso do poder econmico.

    Este livro est dividido em sete captulos, quais sejam: (i) Introduo ao Direito Econmico; (ii) Direito Constitucional

  • 2 Direito Econmico

    Econmico; (iii) A Ordem Econmica na Constituio Federal de 1988; (iv) Atuao do Estado no Domnio Econmico; (v) Direito da Concorrncia; (vi) Ordem Econmica Internacional; e (vii) Noes de Economia Aplicadas ao Direito Econmico: Breve Introduo Economia, que em conjunto permitem amplo conhecimento acerca do Direito Econmico e dos elementos bsicos das Cincias Econmicas para o estudante ou operador do Direito.

  • Introduo ao Direito Econmico

    1.1 O surgimento do direito econmico

    Ao analisar o surgimento do Direito Econmico, percebe-se que sua origem corresponderia s diversas situaes que esta- riam ligadas crise do direito tradicional, decorrncia de grandes guerras e ainda da interveno do Estado no domnio econmico.

    Certamente, diante dessa realidade se percebem diversas ocorrncias no decorrer da histria em que o Estado ocupou-se em atuar na economia de forma jurdica. Contudo, para interpretar o surgimento de um novo direito (o Direito Econmico), faz-se necessrio verificar em qual momento histrico inicia-se a juri- dicizao da poltica econmica para reconhecer o Direito Econmico como disciplina autnoma.

    Para tanto, nada mais apropriado do que estudar, ainda que sucintamente, a Repblica de Weimar e seu legado.

    1.1.1 A Primeira Guerra Mundial

    Com a criao de novas indstrias e o crescimento dos intercmbios internacionais, a economia do continente europeu

  • 4 Direito Econmico

    vivia constantes progressos, mas aos poucos as grandes potncias europias comeavam a disputar os territrios disponveis. Entende-se tal fato com o imperialismo dos anos d e l 8 7 1 a l 9 1 4 e as relaes internacionais dessa poca.

    Escreve Hannah Arendt (2004, p. 178):"As depresses dos anos 60 e 80 [do sc. XIX], que deram

    incio era do imperialismo, foraram a burguesia compreender pela primeira vez que o pecado original do roubo, que sculos antes tornara possvel o original acmulo de capital' (Marx) e gerara todas as acumulaes posteriores, teria eventualmente de ser repetido, a fim de evitar que o motor da acumulao parasse de sbito. Diante de tal perigo, que ameaava a nao inteira com um colapso catastrfico da produo, os produtores capitalistas compreenderam que as formas e leis do seu sistema de produo 'haviam desde o incio sido previstas para toda a terra" (inseriu- se o colchete).

    Enquanto a Inglaterra destacava-se por ser a maior detentora de capitais, a Frana dispunha de importantes formas de presso, decorrncia de seu poder econmico sobre diversos Estados. Diferentemente da Rssia, da Itlia e do Imprio Austro-Hngaro, que no tinham condies de com bater a hegem onia franco- britnica, a Alemanha, com o desenvolvimento de sua indstria exportadora, despontou como nao a oferecer uma concorrncia equilibrada s demais potncias. Mas os europeus tambm tinham dois novos concorrentes, um vindo da Amrica e outro do Oriente. Os Estados Unidos da Amrica e o Japo, em razo dos seus considerveis progressos econmicos e das fortes marinhas de guerra, passavam a ter im portante participao dentro de alianas e conferncias.

    O crescimento armamentista no incio de 1914 sinalizava que a paz era precria. No dia 28 de junho desse mesmo ano estoura a crise, com o assassinato, em Sarajevo, do arquiduque herdeiro do Imprio Austro-Hngaro, Francisco Ferdinando. Com esse fato, o Imperador da ustria tentou eliminar a influncia srvia nos Blcs, atitude endossada pela Alemanha, que em 3 de agosto declara guerra Frana. A Inglaterra, temerosa de que Frana e

  • Introduo ao Direito Econmico 5

    Rssia no conteriam a ameaa de uma possvel hegemonia alem, e assim perigosa aos interesses britnicos e ao equilbrio europeu, interfere no conflito em 4 de agosto.

    Inicia-se a Primeira Grande Guerra Mundial (1914-1918) com Frana, Rssia, Inglaterra, Srvia e Blgica (Entente) contra a Alemanha e o Imprio Austro-Hngaro. Com o decorrer dos tempos, outros pases vo se envolvendo no conflito.

    Evidentemente, os armamentos para os beligerantes tinham grande importncia, o que levou as naes a mobilizarem suas indstrias, representando uma verdadeira interveno do Estado na economia.

    Conforme escreve Paula A. Forgioni (1998, p. 77),"j no primeiro quartel do sculo XX tm lugar alguns acontecimentos que modificam a postura do Estado em face da regulamentao e conduo da economia. Em 1914, inicia-se a Primeira Grande Guerra. Os Estados vo divisando que, como disse Com- parato, as guerras no se ganham apenas nos campos de batalha. Verifica-se, pois, uma atuao no sentido de organizar a economia, direcionando-a para a guerra. Um surto de regulamentao estatal da atividade econmica se faz presente, no obstante tenha sido julgado por muitos como temporrio e eventual.

    Os bancos credores dos pases da Entente exercem grande presso na poltica do presidente norte-americano Wilson, que, com a destruio de navios de guerra de bandeira estadunidense, intervm no conflito em 2 de abril de 1917, defendendo a "liberdade e a democracia.

    Em meio guerra, despontam correntes pacifistas, na Sua, por exemplo, onde socialistas, como Lnin, defendiam a subordinao de tudo causa da revoluo proletria, j que a luta pela paz seria apenas a luta pela realizao do socialismo. Somavam-se a essas correntes pacifistas ideais de sindicalistas na Alemanha, na Frana e, principalmente, na Rssia. Com o tempo vo desencadear greves.

    A desagregao das potncias ligadas Alemanha, em razo de movimentos revolucionrios internos, e a ameaa da ofensiva

  • 6 Direito Econmico

    aliada contribuem para o enfraquecimento desses pases. Em 9 de novembro de 1918, com a abdicao de Guilherme I, proclamada, em Berlim, a Repblica Alem. O novo governo, logo em11 de novembro do mesmo ano, assina em Rethondes um armistcio, pondo fim Primeira Guerra Mundial.

    1.1.2 A Repblica de Weimar

    Antes mesmo da celebrao do armistcio, a Alemanha foi palco de diversas disputas internas que culminaram com a Repblica de Weimar. Ainda em outubro de 1918, os marinheiros de guerra no acatam a ordem para se lanarem ao mar em uma espcie de batalha final e rapidamente a grande maioria das foras navais adere revolta. Outro episdio foi a tentativa do Kaiser Guilherme I em salvar sua dinastia, fosse com a nomeao de seu filho, Max Baden, chefe de governo, fosse com a permanncia to-somente como rei da Prssia.

    Dias antes do armistcio de 11 de novembro de 1918, proclama-se na Baviera, na noite de 7 de novembro, uma Repblica Democrtica e Socialista por meio dos partidos de esquerda mais radicais, em especial o Spartakus, de Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo. Em conseqncia, os representantes do MSPD, partido socialista alemo, retiram-se do governo e convocam uma greve geral que culmina com a abdicao do imperador e a designao de Friedrich Ebert para chanceler. Aos 9 de novembro, o tambm membro do MSPD, Philip Scheidemann, proclama a Repblica do balco da chancelaria de Berlim. Sob a chefia de Friedrich Ebert, constitui-se o Conselho dos Delegados do Povo.

    O governo provisrio era integrado por representantes de diversos partidos, que apresentavam objetivos poltico-constitu- cionais distintos. Assim, o MSPD apresentava-se favorvel convocao de uma assemblia nacional constituinte para com isso estabelecer uma democracia parlamentar. J o Partido Social Democrtico Independente (USPD) defendia a im ediata proclamao da ditadura do proletariado e da socializao total da economia, descartando qualquer constitucionalizao formal da Repblica.

  • Introduo ao Direito Econmico 7

    No final de 1918, j com uma nova lei eleitoral, realizam-se eleies para formar o congresso dos representantes das provncias imperiais, que, eleito, vota em janeiro de 1919 pela convocao da assemblia nacional constituinte. Dias antes, entretanto, aps combates nas ruas de Berlim entre as foras policiais e os militantes do partido de esquerda Spartakus, ocorre a priso e execuo de seus lderes Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo, enfraquecendo significativamente o movimento esquerdista alemo. Em fevereiro de 1919, ocorrem as eleies constituintes, com os partidos socialistas obtendo 185 das 414 cadeiras.

    1.1.3 A Constituio da Repblica de Weimar

    O fim da Primeira Guerra Mundial coincide com o surgimento da Primeira Repblica Alem, instituda pela constituio elaborada e votada na cidade da Saxnia, Weimar.

    O momento histrico, portanto, no era nada favorvel, ou seja, o ps-guerra para uma nao derrotada e submetida s imposies dos vencedores.

    Conforme escreve Gilberto Bercovici (2004, p. 26),a Constituio de Weimar era um compromisso politicamente aberto de renovao democrtica na Alemanha. O difcil em sua anlise no dem onstrar suas incoerncias, mas definir qual seria a sada satisfatria no contexto complexo e contraditrio de uma sociedade industrial moderna nas condies alems do ps-Primeira Guerra Mundial.

    Em que pese o texto equilibrado e inovador da Carta de Weimar, a sociedade que amargava as grandes perdas humanas e econmicas da guerra teria dificuldades para aceitar a nova proposta de reconstruo, que demandava pacincia e amadurecimento pessoal, e das instituies democrticas. Tais exigncias ficam ainda mais difceis num perodo de crise.

    A Constituio da Repblica de Weimar tem logo no seu incio a declarao Deutsche Reich, ou seja, o Imprio Alemo uma Repblica. A contraditria declarao, pois retomaria a idia de

  • 8 Direito Econmico

    Imprio, suscitando a beligerncia do Estado, deve ser interpretada, entretanto, no sentido de unio do povo alemo.

    O projeto para a Constituio, conforme assinala Fbio Kon- der Comparato (Weimar: verso em meio eletrnico),foi redigido por Hugo Preuss, discpulo do historiador do direito e terico do antigo comunitarismo germnico, O tto v. Gierke. Desde a sua concepo, portanto, a Constituio de Weimar se estruturava contraditoriamente, procurando conciliar idias pr- medievais com exigncias socialistas ou liberais-capitalistas da civilizao industrial.

    Por 272 votos a favor, 75 contra e algumas abstenes, a Constituio de Weimar aprovada aos 31 de julho de 1919, tendo em sua primeira parte a organizao do Estado e na segunda a declarao dos direitos e deveres fundamentais.

    justam ente em sua segunda parte que a Constituio de Weimar apresenta sua inovao e contribuio ao mundo jurdico, pois no mais se limita a ser um instrum ento de defesa aos direitos e garantias do indivduo contra o Estado, campos que o Estado no podia invadir, nos moldes liberais at ento comuns s Cartas Constitucionais.

    Conforme discorre RudolfVon Ihering (1999,17- ed.), jurista do liberalismo, as pessoas tm direitos e devem lutar por eles. Porm, a partir da Constituio de Weimar, o Estado tem o dever de agir positivamente por meio de polticas pblicas e programas de governo na seara dos direitos sociais, quais sejam, educao, sade, trabalho, previdncia social, dentre outros. Revela, portanto, a exigncia de grupos sociais, e no mais indivduos isolados, a interveno do Estado na livre iniciativa da competio nos mercados e na redistribuio da renda pela forma de tributos, com polticas de investimentos e distribuio de bens.

    1.1.4 A constituio econmica de Weimar

    A Constituio de Weimar, alm de ser uma das primeiras constituies econmicas, certamente aquela que acaba influenciando as cartas constitucionais do perodo ps-Primeira Guerra

  • Introduo ao Direito Econmico 9

    Mundial e que consolida a constituio econmica nas Cartas do ps-Segunda Guerra.

    Entendem-se constituies econmicas aquelas Cartas que possuem em artigos esparsos de seu texto ou em ttulos ou captulos especficos temas econmicos, ou seja, atribuir ao tema econmico sentido jurdico. Da a configurao da ordem jurdico- econmica e suas modernas denominaes, ordem econmica e social, ordem econmica e financeira ou, to-somente, ordem econmica.

    Conforme escreve Washington Peluso Albino de Souza (2003, p. 207), a evoluo notada especificamente a partir das Constituies que se inspiraram na Carta de Weimar e, com mais freqncia, foi registrada naquelas que sucederam a Segunda Guerra Mundial.

    Importante observar que a Constituio de Weimar de 1919 vem na esteira de outros dois acontecimentos histricos que modificam a realidade jurdico-econmica: Constituio Mexicana e Revoluo Russa, ambas de 1917. A Carta mexicana, por exemplo, foi a primeira a atribuir a qualidade de direitos fundamentais aos direitos trabalhistas, alm das liberdades individuais e direitos polticos.

    Escreve Fbio Konder Comparato (Mxico, verso em meio eletrnico):

    A Constituio de Weimar, em 1919, trilhou a mesma via da Carta mexicana, e todas as convenes aprovadas pela ento recm-criada Organizao Internacional do Trabalho, na Conferncia de Washington do mesmo ano de 1919, regularam matrias que j constavam da Constituio mexicana: a limitao da jornada de trabalho, o desemprego, a proteo da maternidade, a idade mnima de admisso nos trabalhos industriais e o trabalho noturno dos menores na indstria.

    Diversas medidas inseridas na Carta mexicana de 1917, tanto no campo socioeconmico, quanto no poltico, passam a ter apoio da doutrina marxista constante na Declarao dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado, com a ecloso da Revoluo Russa.

  • 1 0 Direito Econmico

    Cumpre lem brar que, antes mesmo das Constituies do Mxico de 1917 e da Repblica de Weimar de 1919, o Papa Leo XIII promulga em 1891 a Encclica Rerutn novarum, a qual trata da condio dos operrios, e escreve Sua Santidade (10a ed., p. 10) que necessrio, com medidas prontas e eficazes, vir em auxlio dos homens das classes inferiores, atendendo a que eles esto, pela maior parte, numa situao de infortnio e de misria imerecida. Cem anos mais tarde, o Papa Joo Paulo II, em comemorao ao centenrio da Encdica de Leo XIII, promulga a Encclica Centesimus annus, na qual logo no incio o ento Sumo Pontfice (2004, p. 14 e 15) comenta a Encclica de seu predeces- sor: estava bem consciente do fato de que a paz se edifica sobre o fundamento da justia: o contedo essencial da Encclica foi precisamente a proclamao das condies fundamentais da justia na conjuntura econmica e social de ento.

    O captulo que instaura a vida econmica na Constituio de Weimar, art. 151, tem como princpio o limite liberdade de mercado a fim de preservar um nvel de existncia em ateno dignidade humana.

    Escreve Franz L. N eum ann (1983, p. 134) que a base da constituio econmica o art. 151, que apresenta o conceito de justia, o qual a concreta determinao acaba assegurando ao ordenamento econmico a finalidade de garantir a todos uma existncia digna. Apenas desta forma so garantidos os direitos capitalistas de liberdade e, portanto, os direitos de propriedade privada, de liberdade contratual e de indstria.

    J a funo social da propriedade, com a inovadora disposio a propriedade obriga, est no art. 153, alnea segunda. No tocante funo social da propriedade, alm de obrigar, a propriedade tam bm poderia ser desapropriada a qualquer mom ento pela lei, at mesmo sem indenizao, deixando de ser, portanto, um direito inviolvel.

    Como salienta Gilberto Bercovici (2004, p. 43), comentando Kirchheimer, "os tribunais alemes entendiam as relaes de propriedade nos mesmos moldes do liberalismo clssico do sculo XIX, protegendo os proprietrios contra as determinaes esta

  • Introduo ao Direito Econmico 1 1

    tais, vistas como ingerncias indevidas do Estado na autonomia individual.

    A observao apontada no causa estranheza se considerado que at os dias atuais m uitos juristas pensam o direito com a compreenso liberal do sculo XIX. Revela, portanto, a dificuldade de relacionar o direito com a economia, e mais, pensar o direito como algo coletivo e no individual.

    Os direitos trabalhistas e previdencirios passam a ser tratados a partir do art. 157 em esfera constitucional a ttulo de direitos fundamentais, destacando-se o dever do Estado em desenvolver a poltica de pleno emprego.

    No tocante ao Direito do Trabalho, algo at ento inusitado, pois a prpria relao laborai constitua um contrato civil entre empregador e empregado, merece destacar-se que a Constituio do Mxico de 1917, e em seguida a de Weimar, em 1919, acabam reconhecendo o que hoje se denomina hipossuficincia do trabalhador, a partir da desmercantilizao do trabalho, ou seja, a proibio de equiparar o trabalho a uma mercadoria, sujeita lei da oferta e da procura no mercado, tpica do sistema capitalista.

    Observa Fabio Konder Comparato (Mxico, verso em meio eletrnico):

    A Constituio mexicana estabeleceu, firmemente, o princpio da igualdade substancial de posio jurdica entre trabalhadores e empresrios na relao contratual de trabalho, criou a responsabilidade dos empregadores por acidentes de trabalho e lanou, de modo geral, as bases para a construo do moderno Estado Social de Direito. Deslegitimou, com isso, as prticas de explorao mercantil do trabalho, e portanto da pessoa humana, cuja justificao se procurava fazer, abusivamente, sob a invocao da liberdade de contratar.

    Dos arts. 165 e seguintes da Constituio de Weimar, tem- se a participao dos empregadores e empregados na regulao estatal da economia, que dar-se-ia por meio dos Conselhos de Empresa.

  • 1 2 Direito Econmico

    "Para Hermann Heller, os Conselhos representavam o pensamento mais original da Constituio. Na sua opinio, os Conselhos serviam para a participao dos trabalhadores, em igualdade com os em presrios, na direo da economia. Os Conselhos seriam uma forma de se alcanar a democracia econmica e o socialismo (BERCOVICI, 2004, p. 48).

    Carl Schimitt foi um crtico Constituio de Weimar, ressaltando que ela possua dois programas distintos, o de cunho poltico ocidental, aproximando-se do Estado Liberal burgus de 1789, e o poltico-social, que se identificava com os moldes soviticos. Em defesa da Constituio de Weimar tem-se o social- democrata Hermann Heller, que salientava os grandes avanos constitucionais consagrados pela carta no campo dos direitos sociais e da ordem econmica.

    1.1.5 Crise na repblica: fim de Weimar e ascenso do Nazismo

    Em 28 de junho de 1919, assinada a Paz de Versalhes, ratificada pela assemblia constituinte de Weimar em 9 de julho, pouco antes de aprovar a Constituio. Com o Tratado de Versalhes, que selou o fim da Primeira Guerra Mundial, a Alemanha ficou obrigada a arcar com indenizaes desproporcionais e insuportveis. Escreve Fbio Konder Comparato (Weimar, verso em meio eletrnico) que,"como advertiu Keynes, as potncias vencedoras criavam com isso as condies predisponentes de um futuro colapso financeiro da Repblica Alem, tornando impossvel a sua normal integrao no concerto europeu do ps-guerra. O fator desencadeante da bancarrota adveio dez anos aps, com o colapso da Bolsa de Nova York e a grande depresso mundial que se lhe seguiu. Abria-se, assim, o palco para a entrada em cena da barbrie nazista, que destruiu a Repblica de Weimar em poucas semanas, no incio de 1933.

    Em que pesem os aspectos positivos jurdico-econmicos da Constituio de Weimar, a conjuntura econmica mundial

  • Introduo ao Direito Econmico 1 3

    do perodo no contribuiu para a implementao da nova ordem social estabelecida na carta, conforme se observa a seguir. A crise mundial, a insatisfao generalizada da populao alem e o exrcito e a alta burguesia mostram-se mais fortes que a Repblica de Weimar.

    Conforme escreve Gilberto Bercovici (2004, p. 21),a experincia histrica da Repblica de Weimar (1918-1933) marcada por um sistema poltico que perde sua legitimidade e capacidade de funcionamento medida em que confrontado com crises profundas no tocante modernizao econmica, social e cultural. A situao scio-econmica de estagnao do perodo de Weimar, marcada por estas inmeras crises, impossibilitou a existncia de uma conjuntura que permitisse a realizao dos compromissos constitucionais sociais com o crescimento econmico. O questionamento da legitimidade poltica da Constituio foi agravado, portanto, com a crise econmica.

    O sentim ento anti-sem ita tam bm comea a surgir, a tribuindo a judeus e marxistas o insucesso alemo na guerra. O nacionalismo vai conquistando espao na sociedade e o Partido Nacional-Socialista Trabalhador Alemo (NAZI), liderado por Adolf Hitler, comea a despontar com um programa que denunciava judeus, marxistas e estrangeiros e prometia trabalho a toda a populao.

    1.1.5.1 A crise da Bolsa de Nova York e a vitria do nacional- socialismo

    Os Estados Unidos da Amrica foram os grandes beneficiados da guerra, pois se enriqueceram com as exportaes de matrias- primas e produtos industrializados para atender os mercados da Europa e tambm da sia e da Amrica do Sul.

    Aps um grande crescimento econmico norte-americano, a Europa no conseguia absorver os elevados estoques americanos de produtos e mercadorias, o que resultou na profunda Depresso de 1920 e 1921. Em meio a esse cenrio econmico, o republicano Warren Harding eleito presidente dos EUA, e, ligado ao grande

  • 1 4 Direito Econmico

    empresariado (big Business), abstm-se de qualquer interveno no domnio econmico, e receoso da concorrncia das indstrias europias e japonesas e do Canad na rea agrcola, eleva as tarifas protecionistas. Nos anos seguintes, de 1923 a 1929, o crescimento da produo industrial norte-americana atingiu 64%, com destaque tambm para a indstria de bens de consumo e a implantao do the american way oflife, cujo smbolo era o automvel. A indstria adotava como regra a produo em massa, pois a padronizao dos produtos, alm de facilitar a fabricao em srie, proporcionava o aumento da produtividade, com o emprego sistemtico da mecanizao.

    A concentrao de empresas ganhou destaque, e os trustes e as holdings dominaram a economia. Exemplos que podem ser citados so o caso da United States Steel Corporation, dependente do grupo Morgan e controladora de 60% da produo de ao, da General Motors e da Ford, detentoras de dois teros da indstria automobilstica, e, no mercado de refinao e distribuio de petrleo, a quase hegemonia da Standard Oil e da Socony e Vac- cum, do Grupo Rockfeller, e da Gulf Oil, do Grupo Mellon. As estruturas da economia capitalista aparentemente eram slidas. Os governos apenas atuavam com relao a problemas monetrios e aduaneiros, recusando-se a qualquer interveno econmica.

    Com o crescimento da capacidade da produo mundial, a concorrncia ficou bastante acirrada, e os pases industrializados, travando diversas guerras econmicas, constituem blocos internacionais que, alm de fixar quotas de produo, tambm repartiam mercados e delimitavam zonas de explorao. Nesse sentido, produtores franceses, alemes, belgas e luxemburgueses fundam em 1926 o Cartel do Ao, e em 1928 a Standard Oil of Newjersey, a Royal Dutch Shell e a Anglo-Iranian criam o Cartel Internacional do Petrleo.

    Em meio prosperidade, que erroneamente os americanos acreditavam permanente, no obstante pontos fracos da economia, como o desemprego agravado pela mecanizao das indstrias e a crise agrcola, resultado dos baixos preos das mercadorias e da conseqente impossibilidade de os agricultores adim- plirem seus emprstimos, desponta a crise causada tambm pela

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    superproduo e pelas especulaes. Entre 1925 e 1929, as cotaes em Wall Street cresceram duas vezes mais que a produo industrial, que, por sua vez, no registrava aumentos no consumo.

    No incio de outubro de 1929, banqueiros e investidores de Wall Street, temerosos com o resultado apresentado por diversos ndices e pelas estatsticas que revelavam baixa no preo do ferro, ao e cobre, mas, sobretudo, de produtos industriais, como o automvel, indicativo da prosperidade norte-americana, ordenaram a venda macia de aes. Contudo, o agravamento do pnico ocorreu em 24 de outubro, com o crack da Bolsa de Nova Iorque. Nessa data, conhecida como a Quinta-feira Negra, 16 milhes de ttulos foram lanados no mercado sem encontrar compradores.

    Os bancos americanos, em uma tentativa para superar as suas dificuldades, cessam a oferta de crditos aos outros pases e repatriam capitais investidos a curto prazo. A mobilidade de capitais, que outrora possibilitou a prosperidade de pases, agora revelava a face ruim e perigosa da interdependncia econmica. Exceo Unio das Repblicas Socialistas Soviticas (URSS), onde j no mais existiam os fundamentos econmicos do capitalismo internacional, o mundo inteiro sofre os efeitos da Crise de 29.

    Na Alemanha, os efeitos da Crise de 1929 tambm eclodiram. Neste ano, a fora motriz do capital organizado, o empresariado, declara seu descontentam ento com o modelo da Repblica de Weimar, em meio crise econmica, e passa a combater o aumento de salrios, as garantias dos trabalhadores e, sobretudo, o Estado Social.

    A Depresso de 29 e seu desenrolar nos anos 30 retratam a atmosfera poltica de Weimar. A Repblica de Weimar caiu em grande parte porque a Grande Depresso tornou impossvel m anter o acordo tcito entre Estado, patres e trabalhadores organizados que a mantivera tona funcionando. A indstria e o governo sentiram que no tinham escolha seno impor cortes econmicos e sociais, e o desemprego em massa fez o resto (HOBSBAWM, 2004, p. 139).

  • 1 6 Direito Econmico

    Escreve Gilberto Bercovici (2004, p. 64) que"o ataque do grande empresariado Constituio e ao Estado Social de Weimar foi a resposta s iluses reformistas da social- democracia alem. Ao invs da democracia econmica, o que os setores privilegiados buscavam era um Estado Forte que no interferisse demasiadamente no domnio econmico. No final da dcada de 1920, o capitalismo organizado alemo visava a transio no para o socialismo democrtico, mas para o Estado Total.

    Entende-se, portanto, que a Constituio de Weimar buscava a unidade do povo alemo por meio da Repblica, da a interpretao de Reich como a unio da Alemanha. J o nazismo almejava a supremacia do nacional-socialismo, significando o Reich como Imprio, ou seja, o regime nazista estaria acima at mesmo da prpria Alemanha.

    1.1.5.2 O estado total no ps-Weimar

    A crise econmica mundial decorrente da quebra da Bolsa de Nova York tambm representou a "p de cal na tentativa da Repblica de Weimar de instaurar o Estado Social. O resultado foi a aproximao do empresariado com os nacionais-socialistas e a ascenso do Nazismo. Prova disso, as eleies de 1932. Os nazis, Partido do Nacional-Socialismo, nessa ocasio conquistaram 230 assentos no Reichstag (Parlamento), o que correspondia a 37,3% dos votos. Tal fato foi possvel graas ao apoio dado pela burguesia, que, empobrecida, deixa os partidos moderados e deposita sua confiana no nacional-socialismo. Por influncia do ex-chanceler Von Papen, bastante ligado aos industriais alemes, o presidente Hindenburg nomeia em 1933 Adolf Hitler, que havia acatado os interesses da alta burguesia, para chanceler alemo.

    O governo nacional-socialista implantado pelo Fhrer introduziu um dirigismo estatal para controlar o trabalho e a produo, mas sem abalar as estruturas capitalistas do pas. Integrou os organismos agrcolas, industriais e comerciais para adequar a produo e viabilizar as diretrizes governamentais. O Estado tam

  • Introduo ao Direito Econmico 1 7

    bm fixava a jornada de trabalho, os salrios e as margens beneficirias das empresas, e suprimiu o direito de greve e a liberdade sindical. Os planos quadrienais se iniciam em 1933 com os objetivos prim ordiais de reduzir o desemprego e revitalizar a indstria e o rearmamento. O segundo plano quadrienal comea em 1937 com o intuito de tornar a Alemanha independente das importaes de matrias estratgicas, nacionalizando a produo de produtos sintticos, como carburantes, petrleo e borracha. O resultado foi surpreendente, e em 1939 a indstria alem j era a segunda maior do mundo. A organizao do Estado Alemo foi estabelecida por Hitler como a nova ordem para marcar mil anos de histria. Essa poltica foi implementada num Estado totalitrio, nacionalista e racista.

    O grande terico e defensor do nazismo foi Carl Schmitt, que ressaltava a soberania como sendo algo essencial para a afirmao da ordem. Neste sentido, soberano seria aquele que decidisse em estado de exceo.

    Gilberto Bercovici (2004, p. 67) observa que o Soberano, para Schmitt, tem o monoplio da deciso ltima, no que residiria a essncia da soberania do Estado. A soberania do Estado no consiste no monoplio da coero ou da dominao, mas da deciso.

    1.2 O direito econmico

    A Constituio de Weimar, e aquelas que nela se inspiraram ou sucederam, com mais freqncia, aps a Segunda Guerra, contriburam para tratar assuntos econmicos em sentido jurdico, trazendo a preocupao com a ordem jurdico-econmica e social, da expresses como ordem jurdico-econmica, ordem econmica e social, ordem econmica e ordem econmica e financeira integrarem a maioria das Cartas que sucederam o perodo nazi-fascista. Surge ento um novo Direito, a disciplina do Direito Econmico.

    No se pode falar, portanto, na runa da Constituio de Weimar. A Repblica, por conjecturas econmicas mundiais e pelas quais no estava preparada, caiu, mas a Constituio de Weimar deixou seu legado, legado daqueles que acreditavam

  • 1 8 Direito Econmico

    em seus princpios de democracia e participao e preocupao social.

    Ensina Fbio Konder Comparato (Weimar, verso em meio eletrnico):

    Apesar das fraquezas e ambigidades assinaladas, e malgrado sua breve vigncia, a Constituio de Weimar exerceu decisiva influncia sobre a evoluo das instituies polticas em todo o Ocidente. O Estado da democracia social, cujas linhas-mestras j haviam sido traadas pela Constituio mexicana de 1917, adquiriu na Alemanha de 1919 uma estrutura mais elaborada, que veio a ser retomada em vrios pases aps o trgico interregno nazi-fascista e a 2- Guerra Mundial. A democracia social representou efetivamente, at o final do sculo XX, a melhor defesa da dignidade humana, ao complementar os direitos civis e polticos que o sistema comunista negava com os direitos econmicos e sociais, ignorados pelo liberal-capitalismo. De certa forma, os dois grandes pactos internacionais de direitos humanos, votados pela Assemblia Geral das Naes Unidas em 1966, foram o desfecho do processo de institucionalizao da democracia social, iniciado por aquelas duas Constituies no incio do sculo.

    , portanto, no sculo XX, com o ps-Guerra (Segunda Guerra Mundial), que se tem a consolidao da atuao jurdica do Estado na economia, com a confirmao de um novo Direito que se faz presente na maioria das cartas constitucionais que seguem da Repblica de Weimar, o Direito Econmico.

    1.3 Conceito de direito econmico: sujeito e objeto

    Conforme observado nos itens anteriores, apenas no ps- Segunda Guerra Mundial que se tem a consolidao da importncia da atuao jurdica do Estado na economia, confirmando a necessidade de um novo Direito, o Direito Econmico.

    Observa Joo Bosco Leopoldino da Fonseca (2001, p. 9)que

  • Introduo ao Direito Econmico 1 9

    o Estado tinha de se valer de instrum entos jurdicos adequados para, por seu intermdio, dirigir a nova ordem que se impunha de modo crtico e que exigia tratam ento adequado. V-se, a partir da, que o Estado tinha de intervir na economia. O Estado no podia mais permitir que a crena na ordem natural da economia dirigisse os fenmenos econmicos.

    Nesse sentido, escreve Amrico Lus Martins da Silva (2002, p. 66) que,assim, aps a Segunda Guerra Mundial, surgiram realidades que exigiam do Estado a dedicao a direo da economia; esta nova funo do Estado reclamou a criao de um novo instrum ento jurdico mais adequado: quer no bloco socialista, quer no bloco ocidental, surgiu um conjunto de normas que tem por finalidade conduzir, regrar, disciplinar o fenmeno econmico. E, por conseqncia, surge tambm uma cincia que tem por contedo e por finalidade justam ente estudar esse conjunto de normas: o Direito Econmico.

    Interessante observar que possvel verificar a necessidade do Direito Econmico em Weber. A partir da anlise da ordem jurdica e da ordem econmica, Max Weber (2000, p. 209 e 210) assinala quea ordem jurdica ideal da teoria do direito no tem diretamente nada a ver com o cosmos das aes econmicas efetivas, uma vez que ambos se encontram em planos diferentes: a primeira, no plano ideal de vigncia pretendida; o segundo, no dos acontecimentos reais. Quando, apesar disso, a ordem econmica e a jurdica esto numa relao bastante ntima, porque esta ltima entendida no em seu sentido jurdico, mas no sociolgico: como vigncia emprica. O sentido da palavra ordem jurdica muda ento completamente. No significa um cosmos de normas interpre- tveis como logicamente corretas, mas um complexo de motivos efetivos que determinam as aes humanas reais. Cabe interpretar isso em seus detalhes.

  • 2 0 Direito Econmico

    Tem-se, portanto, uma nova fase do mundo jurdico-econ- mico e social, com a implementao de novas realidades e disciplinas jurdicas juntam ente com o Direito Econmico, tais como implementao de Blocos Econmicos, Direito do Consumidor, Direito Ambiental, Direito da Concorrncia, Agncias Reguladoras e uma nova forma de se preocupar com o abuso do Poder Econmico e control-lo.

    Nesse sentido, o entendimento de Max Weber (2000, p. 226), segundo o qual, o funcionamento de uma ordem econmica do tipo moderno no possvel sem uma ordem jurdica de carter muito especial, a qual, na prtica, s pode ser uma ordem estatal'.

    Verifica-se, ento, que o Direito Econmico instrum ento jurdico a dar segurana s prticas econmicas, garantindo a atuao do Estado e assegurando a ordem econmica e social.

    Escreve Joo Bosco Leopoldino da Fonseca (2001, p. 11)que

    "o Direito, enquanto cincia, se dedica ao estudo das relaes intersubjetivas, sob o aspecto normativo. Mas h ainda um outro aspecto, o formal, a configurar e delimitar cada campo de estudo. Como visto acima, o Direito pode estudar as normas que regem aquelas relaes sob vrios prismas. Um deles o da direo da poltica econmica pelo Estado. Ser este o aspecto que identificar e distinguir o Direito Econmico dos demais ramos jurdicos.

    Ao analisar o Direito Econmico, escreve Eros Roberto Grau (2003, p. 131 e 132):

    Pensar Direito Econmico pensar o direito como um nvel de todo social - nvel da realidade, pois - , como mediao especfica e necessria das relaes econmicas. Pensar Direito Econmico optar pela adoo de um modelo de interpretao essencialmente teleolgica, funcional, que instrumentar toda a interpretao jurdica, no sentido de que conforma a interpretao de todo o Direito. compreender que a realidade jurdica no se resume ao Direito formal. E conceb-lo - o Direito Econmico- como um novo mtodo de anlise, substancial e crtica, que o

  • Introduo ao Direito Econmico 2 1

    transforma no em Direito de sntese, mas em sincretismo metodolgico. Tudo isso, contudo, sem que se perca de vista o comprometimento econmico do Direito, o que impe o estudo da sua utilidade funcional.

    Amrico Lus Martins da Silva (2002, p. 76) define Direito Econmico como o conjunto das tcnicas jurdicas de que lana mo o Estado contemporneo na realizao de sua poltica econmica.

    Na definio de Fernando Herren Aguillar (SUNDFELD; VIEIRA, 1999, p. 270), Direito Econmico o direito das polticas pblicas econmicas, a regulao estatal da economia, influenciando, orientando, estimulando, restringindo o comportamento dos atores econmicos.

    Na conceituao de W ashington Peluso Albino de Souza (2003, p. 23),

    Direito Econmico o ramo do Direito que tem por objeto a juridicizao', ou seja, o tratam ento jurdico da poltica econmica e, por sujeito, o agente que dela participe. Como tal, o conjunto de normas de contedo econmico que assegura a defesa e harmonia dos interesses individuais e coletivos, de acordo com a ideologia adotada na ordem jurdica. Para tanto, utiliza-se do princpio da economicidade'.

    A partir dessas conceituaes do D ireito Econmico, em especial a de W ashington Peluso Albino de Souza, conclui-se que o Direito Econmico um ramo autnomo do Direito, visto que dispe de sujeitos, objeto, normas e campo prprios e interage em harmonia com os demais ramos do Direito. Seus sujeitos so os agentes econmicos que atuam no mercado, como empresas, grupos econmicos, Estados, organismos, seja nacional, seja internacional, pblico ou privado, e o prprio indivduo. Seu objeto a realizao da justia por meio de poltica econmica. Alm das normas tradicionais, h normas cujo contedo sempre econmico. So normas: programticas, que enunciam e orientam; premiais, que estimulam e incentivam; e objetivas, que definem as polticas pblicas. Quanto ao seu campo, o econmico, inclusive previsto na Constituio Federal de 1988, art. 2 4 ,1.

  • 2 2 Direito Econmico

    Verifica-se, portanto, que o Direito Econmico, ao se ocupar do direito do indivduo no mbito da sociedade e das relaes particulares na seara da coletividade, rompe a tradicional delimitao dos ramos do Direito em Privado e Pblico. Observa Washington Peluso Albino de Souza (2003, p. 28) que a defesa desses interesses baseia-se na sua harmonia, e de ambos cuida o Direito Econmico como um Direito de Sntese. A harmonia encontrada no Direito Econmico dos interesses tidos como privados e pblicos constitui o Direito como algo nico.

    1.4 Ordem jurdico-poltico-econmica

    A disciplina do Direito Econmico tem sua vertente na ordem jurdica e suas perspectivas poltico-econmicas. E, portanto, uma ordem jurdico-econmica ligada ordem poltica. Da a necessidade de analisar o Direito Econmico sob a ptica conjunta da ordem poltica, da ordem econmica e da ordem jurdica.

    A ordem poltica rene os elementos que definem sistemas e regimes polticos, que, por sua vez, estaro inseridos na Constituio. Uma vez includos no texto constitucional, passam a exteriorizar a ideologia poltica adotada pelo constituinte a ser seguida pelos governos daquela nao.

    J a ordem econmica constituda de princpios econmicos segundo valores da disciplina econmica que, em harmonia, apresentam uma concepo terica do modelo econmico (sistema econmico) ou a realidade do modelo econmico (regime econmico). Uma ordem econmica capitalista justificada pela obteno do lucro dentro de uma economia de mercado. A ordem econmica socialista, ainda que utilize os mesmos princpios do modelo capitalista, exceo evidente ao lucro e economia de mercado e seus aspectos concorrenciais, est centrada no planejamento da produo, da distribuio e do consumo. J a ordem econmica neoliberal procura harmonizar os elementos econmicos capitalistas e socialistas.

    Interessante observar a ordem econmica capitalista e a ordem econmica socialista sob a perspectiva de Alvin Toffler (1986, p. 37 e 38):

  • Introduo ao Direito Econmico 2 3

    "Na Rssia tam bm irrompeu a mesm a coliso entre foras da Primeira e da Segunda Onda. A Revoluo de 1917 foi a verso russa da Guerra Civil americana. No foi combatida primordialmente, como pareceu, pelo comunismo, mas uma vez mais pela questo da industrializao. Quando os bolcheviques eliminaram os ltimos vestgios que restavam da servido e da monarquia feudal, empurraram a agricultura para segundo plano e, conscientemente, aceleraram o industrialismo. Tornaram-se o partido da Segunda Onda.

    Prossegue Alvin Toffler (1986, p. 44), e, ao comentar o aparecimento da United States Steel, a primeira companhia resultante de uma concentrao de fundos inimaginveis em qualquer perodo anterior, destaca que:

    Com efeito, grandes companhias tornaram-se aspectos caractersticos da vida econmica em todas as naes industriais, inclusive sociedades socialistas e comunistas, onde a forma variava, mas a substncia (em termos de organizao) permanecia m uito semelhante.

    No que se refere ordem econmica neoliberal, verifica-se que num a sociedade proclamada pelos ideais neoliberais, em que paradoxalmente defende-se a globalizao e se proclama o triunfo do indivduo, do Iluminismo sobre a sociedade, observa- se a invaso de normas mercantis e da concorrncia liberal quase aos moldes smithianos, como pontos-chaves para a integrao e reconhecimento da sociedade.

    Como alternativa aos efeitos negativos da globalizao, pois ficou demonstrado que o capitalismo apresentava srios problemas de excluso social, e o modelo socialista comprovadamente fracassou, ganhou fora a terceira via, atualm ente denominada governana progressista, uma alternativa ao modelo neoliberal e social-democracia.

    Em que pese a existncia da ordem econmica, ela s ter fora cogente quando respaldada pela ordem jurdica, que lhe garantir legalidade e efetivao.

  • 2 4 Direito Econmico

    Por essa razo, a ordem jurdica o conjunto de normas da disciplina jurdica que, em harmonia, define a concepo terica e o Direito vigente. Ao estudar a ordem jurdica se faz necessria a interpretao do Direito como fenmeno cultural e, como assinala Joo Bosco Leopoldino da Fonseca (2001, p. 49), como fenmeno de linguagem:

    "O entendimento do Direito como ordem e como sistema surge desse pressuposto do Direito como linguagem. O Direito pode e deve ser entendido como comunicao de uma mensagem prescriti- va. Para que esta mensagem possa ser captada e tornada eficaz, necessrio que os elementos comunicativos estejam em posio de coerncia significativa, necessrio que haja um cdigo normativo a operar como isotopia significativa e prescritiva. Esse cdigo normativo, assentado num cdigo moral, a partir do momento em que adquire as qualidades de estabilidade e de fixidez, passa a apresentar-se como ordem ou como sistema.

    Assim, entende-se que a ordem jurdico-poltico-econmica enquanto conjunto legal infraconstitucional a poltica econmica posta em prtica, ao passo que a conjuno da ordem jurdico- econmica elaborada na esfera de um a ordem poltica que reflete seu momento histrico significa a ideologia adotada para aquela poltica econmica.

    1.5 Poltica econmica

    O fenmeno da poltica pode ser analisado sob diversos aspectos, tais como arte, cincia e ideologia. Trata-se tambm do governo e sua administrao do dia-a-dia do relacionamento das pessoas dentro do Estado, at a organizao, administrao e insero do Estado num campo global.

    O estudo da poltica revela a busca da aplicao realidade humana dos pensamentos tidos como ideais, encontrados num mundo do dever-ser. Essa aplicao ocorre por meio da ao poltica. Nesse sentido, a poltica, numa anlise mais concreta, a organizao dos homens em busca de objetivos viveis. Portanto, os elementos que constituem e definem a poltica so institui

  • Introduo ao Direito Econmico 2 5

    es e ideologias, ou seja, os elementos estruturais para a implementao de aes polticas (instituies) e as idias motoras corporificadas em polticas econmicas para a consecuo de seu objetivo (ideologias).

    A Cincia Econmica e sua aplicao na disciplina das condutas humanas subordinada direo estatal permitiu o relacionamento entre poltica e economia. Esse fato, entretanto, tem incio com o pensamento liberal clssico que se destaca no sc. XIX, concebendo o fenmeno econmico como sistema fechado de relaes espontneas no mercado, no se admitindo o Estado como direcionador da atividade econmica: o exerccio da atividade econmica pelo indivduo livre permitiria que a economia auto-regulasse os mercados para o bem da sociedade.

    A crise e o decorrente fracasso dos ideais liberais com a conseqente concentrao de empresas e capitais asseguraram um poder econmico jamais visto esfera privada, fazendo o grande corte entre uma minoria controladora das empresas e dos capitais e a grande maioria da populao proletria. O direcionamento da economia era feito pelo poder privado.

    Entretanto, por uma srie de acontecimentos, tais como a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e mais tarde a Crise da Bolsa de Nova Iorque (1929) e a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a atuao do Estado na conduo da economia passa a ser algo constante, inclusive inserida nas Constituies dos ps-Guerras, influncia das Constituies do Mxico (1917) e da Repblica de Weimar (1919) e at mesmo da Revoluo Russa (1917), bem como da Encclica Rerum novarum (1891). O Estado realiza seu dirigismo da economia por meio de polticas econmicas.

    Desponta, assim, o interesse do Direito nas polticas econmicas, seja enquanto Estado emanando normas destinadas a reger a economia, seja a Cincia Jurdica ocupando-se do conjunto sistemtico dessas normas.

    Escreve Joo Bosco Leopoldino da Fonseca (2001, p. 24)que

    essa nova relao jurdica, esse conjunto normativo formalmente novo, a reger um fenmeno que se apresenta como novo em sua

  • 2 6 Direito Econmico

    configurao, deve ser estudada por um ramo novo do Direito. O Direito Econmico vem a ser justam ente esse conjunto normativo que rege as medidas de poltica econmica encetadas pelo Estado, como tambm a cincia que estuda aquele sistema de normas voltadas para a regulao da poltica econmica.

    1.6 Teorias do direito econmico

    O estudo do Direito Econmico revela que at pouco tempo no existia um consenso, nem mesmo uma definio nica, de sua conceituao. A disciplina do Direito Econmico no seria diferente das demais, ganha autonomia a partir da evoluo dos valores na ordem jurdica. A disciplina ora em anlise caracteriza- se por tratar juridicamente questes poltico-econmicas.

    Diferentemente das disciplinas jurdicas tidas como tradicionais, cuja consolidao ocorreu luz das sociedades dos sculos XIV ao XVIII, o Direito Econmico desperta como necessidade para a construo de uma nova sociedade, marcada pelas mudanas socioeconmicas do sculo XIX e pela ocorrncia de uma Guerra Mundial no incio do sculo XX. Esse novo direito desponta como o instrum ento jurdico capaz de responder s necessidades para uma realidade cujas solues anteriores j no so suficientes.

    A partir de ento, os estudiosos posicionam-se acerca da evoluo do Direito Econmico.

    O Direito Econmico considerado para alguns pelo seu sujeito, dividindo-se entre a empresa e o Estado. No tocante empresa", o Direito da Empresa, a includas as organizaes no governamentais (ONGs), cuja conceituao ampla, torna difuso o objeto do Direito Econmico, comprometendo sua aceitao como disciplina com campo especfico e normas prprias. J no que se refere ao Estado, o Direito da Interveno do Estado no Domnio Econmico coloca o Direito Econmico como sub-ramo do Direito Administrativo e ainda deixa de considerar a ao econmica de agentes privados.

  • Introduo ao Direito Econmico 2 7

    O Direito Econmico tomado pelo seu objeto centraliza-se nos fatos da realidade econmica, disciplinando-os juridicamente. Neste caso o que se verifica so diversas hipteses de Direito Econmico, como o Direito Econmico da Produo, da Circulao, do Consumo, do Planejamento, ou seja, institutos do Direito Econmico, o que descaracterizaria o Direito Econmico como disciplina autnoma.

    Aos que tomam o Direito Econmico pelo sentido de suas normas, destacam-se as normas que visam garantia da segurana e da ordem, normas que, juridicamente disciplinadas, definem os fins a serem alcanados pela atividade econmica e normas que apresentam os meios para se atingir os fins buscados pela poltica econmica.

    Tomar o Direito Econmico pela Funo de Dirigir a Economia atribui ao Direito Econmico a finalidade de orientar o processo econmico a partir de regulamentao da economia dirigida.

    J o Direito Econmico tomado pelo Sistema Econmico implica o tratamento da poltica econmica definida na ideologia adotada.

    Quanto ao Direito Econmico tomado pelo Poder Econmico, refere-se manifestao do poder econmico pblico e privado, mas, sobretudo, importa-se com a atuao do Estado em relao ao poder econmico privado.

    O Direito Econmico tomado pelas Diversas Espcies de Economia implicaria na diviso do Direito Econmico em um Direito Econmico Privado, ligado microeconomia, e um Direito Econmico Pblico, relativo macroeconomia.

    Por fim, o Sentido de Economicidade que toma o Direito Econmico significaria o conjunto de normas que vincula entidades econmicas pblicas e privadas aos objetivos pretendidos pela ordem econmica.

    Certamente chegado o momento de se elaborar uma Teoria Geral do Direito Econmico, tom ando seus elementos fundamentais de conceituao, sujeito, objeto, peculiaridades, a fim de

  • 2 8 Direito Econmico

    satisfazer aos objetivos da Justia diante do tratamento jurdico da realidade econmica.

    Nesse sentido, Washington Peluso Albino de Souza (2003, p. 41) escreve acerca de uma Teoria Geral do Direito Econmico:

    Adiantando-nos, de certo modo, nesta direo registramos, em nosso conceito, o destaque para o tratam ento jurdico da poltica econmica como elem ento fundam ental na caracterizao das suas normas tpicas; a inviabilidade da diviso entre Direito Pblico e Direito Privado; a ampliao dos tipos dos sujeitos da relao jurdica; a desnecessidade da sano penal tradicional na efetivao de suas normas; o destaque para o entendimento do seu contedo; a identificao dos seus fundamentos, princpios, regras e normas; o afastamento das linhas de considerao da macro e microeconomia; a definio do seu campo de ao; a flexibilidade hermenutica para a qual oferecemos o instrum ento da economicidade; a possibilidade de afirmao enquanto Direito Positivo, que garantimos com o princpio da ideologia constitucionalmente adotada, e assim por diante.

    1.7 Direito econmico e direito da economia: anliseeconmica do direito e os princpios da economicidade e eficincia

    A Cincia Econmica assume grande importncia diante do contedo econmico do Direito, da explicar o ato e o fato econmico disciplinado pelo Direito, sobretudo no campo da poltica econmica. Essa crescente interao entre Economia e Direito culmina nas anlises e interpretaes jurdico-econmicas.

    Entretanto, at 1960, a anlise econmica do direito restrin- gia-se basicamente anlise econmica do direito antitruste (concorrencial) . A aplicao da teoria econmica ao direito, portanto, tem incio com os trabalhos do economista Ronald H. Coase, The problem of social cost (1960), e do jurista Guido Calabresi, Some thoughts on risk distribution and the law of torts (1961), e consolida- se com Richard A. Posner, Economic analysis oflaw (1973).

  • Introduo ao Direito Econmico 2 9

    A 'Anlise Econmica do Direito, para uns tambm Economia Aplicada ao Direito, ou ainda Law and Economics, implica na anlise de atos e fatos de acordo com as regras da Cincia Econmica, o que resultar naquilo economicamente certo. Essa informao, entretanto, passada ao jurista, que faz ponderaes scio-jurdico-econmicas, a fim de se concluir o justo. A deciso do jurista, portanto, no se detm ao certo econmico obtido a partir de expresses m eram ente matemticas; visa o certo-justo das teorias econmicas aplicadas realidade social jungida s normas jurdicas, baseando-se, dessa forma, no princpio da economicidade.

    O princpio da economicidade definido assim por Joo Bosco Leopoldino da Fonseca (2001, p. 35):

    O princpio da economicidade o critrio que condiciona as escolhas que o mercado ou o Estado, ao regular a atividade econmica, devem fazer constantemente, de tal sorte que o resultado final seja sempre mais vantajoso que os custos sociais envolvidos. Nessas escolhas, estaro sempre presentes os critrios da quantidade e da qualidade, de cujo confronto resultar o ato a ser praticado. As aes econmicas no podem tender, a nvel social, somente obteno da maior quantidade possvel de bens, mas melhor qualidade de vida. E este um dos aspectos enfatizados pela conhecida teoria da anlise econmica do Direito, a par da importncia conferida ao critrio da eficincia.

    Neste sentido, o Estado, para implantar sua poltica econmica, deve atentar para o princpio da eficincia", seja exercendo uma atividade econmica, seja normatizando a atividade econmica, seja estimulando, favorecendo ou planejando a atividade econmica.

    Tanto que a prpria Constituio de 1988, a partir da redao dada pela Emenda Constitucional n- 19, de 1988, estampa em seu art. 37 que a administrao pblica direta e indireta dos Poderes da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios obedecer ao princpio da eficincia.

  • 3 0 Direito Econmico

    Entretanto, o princpio da eficincia comumente observado pela anlise econmica da atividade empresarial, pela qual a empresa obriga-se a compatibilizar sua gesto econmica ao aproveitamento eficiente dos meios humanos e materiais de que dispe, a fim de minimizar custos de produo e potencializar a escala da produo, alcanando o valor mximo possvel, a partir da diferena entre custos e vantagens auferidas.

    A Escola de Chicago destacou-se com Richard Posner no aprofundamento da aplicao do princpio da eficincia, por meio da Anlise Econmica do Direito.

    Escreve Pedro Mercado Pacheco (1994, p. 27) que a Anlise Econmica do Direito, com um ente tida a aplicao da teoria econmica na explicao do direito, a aplicao das categorias e instrum entos tericos da teoria microeconmica neoclssica em geral e de um de seus ramos desenvolvidos no sculo XX, a economia do bem-estar, particularmente na explicao e avaliao das instituies e realidades jurdicas.

    Conforme escreve Washington Peluso Albino de Souza (2003, p. 57),resumindo, diremos que a 'Economia Aplicada ao Direito' deve ser tomada como o estudo da Cincia Econmica voltada para a explicao do contedo econmico do Direito. Interessa a todos os ramos do Direito e fundamental para a elaborao, a interpretao e os julgamentos baseados na legislao sobre assuntos econmicos.

    Seu significado aumenta-se para o Direito Econmico, visto como as normas deste sempre tm contedo econmico.

    O Direito, portanto, preocupa-se com a realidade econmica e atua sobre ela, resultando no Direito da Economia e no Direito Econmico.

    Enquanto positivador da realidade econmica, ou seja, ingressando no prprio Direito Positivo, elaboram-se leis jurdicas para regulamentar a atividade econmica. Essa legislao de assuntos econmicos consagrada pela expresso Direito da Economia.

  • Introduo ao Direito Econmico 3 1

    J o Direito Econmico no se ocupa apenas de legislaes de cunho econmico; uma disciplina autnoma que versa sobre o campo poltico-econmico, apresentando regras prprias, princpios especficos e normas distintas dos demais ramos do Direito.

    1.8 Direito econmico: fronteira entre pblico e privado

    O Direito com um ente tem seus ramos divididos no meio acadmico entre Pblico e Privado. Essa definio ganha fora ainda no sculo XIX, no auge das idias do liberalismo econmico que acabam impregnando o pensamento jurdico. O Direito Pblico limitava-se estruturao e funcionamento das polticas do Estado, enquanto o Direito Privado se ocupava das questes relativas atividade econmica.

    Com os acontecimentos histricos da prim eira metade do sculo XX, ganha destaque a necessidade de o Estado estar presente na atividade econmica, juntam ente com o agente privado. O Direito passa a juridicizar a economia, e no apenas a legali- z-la: surge o Direito Econmico.

    O Direito Econmico no se enquadra na definio tradicional do Direito, pois, ao mesmo tempo em que Pblico, j que a poltica econmica definida pelo Estado interessa coletividade, tambm Privado, dada a relevncia da iniciativa privada na realidade econmica do Estado. A definio tradicional do Direito est desatualizada no contexto scio-jurdico-econmico atual.

    O Direito Econmico, portanto, reflete a interdisciplina- ridade do Direito com suas prprias disciplinas, estivessem elas definidas como Pblicas ou Privadas, e ainda com cincias afins, como a Econmica e a Social. Da alguns autores como Joo Bosco Leopoldino da Fonseca (2001, p. 32) e Washington Peluso Albino de Souza (2003, p. 108) definirem o Direito Econmico como o Direito de Sntese, com implicaes tanto no setor pblico quanto no setor privado.

  • 3 2 Direito Econmico

    1.9 Direito administrativo econmico

    Atualmente, d-se grande repercusso ao estudo do Direito Administrativo Econmico, no qual estaria inserida a anlise da ordem econmica constitucional, agncias reguladoras e defesa da concorrncia.

    Do aparecimento do termo Direito Administrativo Econmico percebe-se um aparente conflito entre as escolas do Direito Econmico e do Direito Administrativo, sobretudo para aqueles que entendem o Direito Econmico como Direito Pblico, da um ramo do Direito Administrativo.

    O Direito Administrativo ganha significado a partir do Estado de Direito, pois na poca do Absolutismo o soberano era a lei, o soberano era o Estado. Com o Estado de Direito, ainda que o Estado praticasse ao econmica, ela deveria restringir-se s questes para sua administrao. O Liberalismo reservou ao Estado apenas o necessrio para seu funcionamento, deixando ao agente privado toda a atividade econmica. O Neoliberalismo admitiu a extrapolao do Direito Administrativo quando o Estado praticasse atividade econmica para sua gesto.

    Mas onde estaria a interface do Direito Administrativo com o Direito Econmico, que justificaria a inexistncia do Direito Administrativo Econmico em razo de campos e objetivos distintos, embora prximos? Utiliza-se para essa anlise o exemplo apontado por Washington Peluso Albino de Souza (2003, p. 69):

    At ao ato de criao dessas empresas [empresas pblicas, sociedades de economia mista, para que o Estado execute atividade econmica como agente privado], portanto, iniciativa e aos procedimentos da sua institucionalizao e sua fiscalizao, estamos no terreno do Direito Administrativo, ajustado ideologia neoliberal. Mas, no momento em que essas empresas comeam a atuar como sujeitos da atividade econmica e como instrum entos do exerccio da Poltica Econmica para que se cumpram os princpios da ideologia constitucionalmente adotada, j estamos em terreno do Direito Econmico, de modo nenhum

  • Introduo ao Direito Econmico 3 3

    capaz de se confundir com o do Direito Administrativo (inseriu- se o colchete).

    Diante do exposto, entende-se que o Direito Administrativo Econmico no uma disciplina autnoma do Direito, tampouco um ramo do Direito Administrativo. Trata-se do estudo terico da aplicao prtica conjunta do Direito Administrativo com o Direito Econmico, a partir da interveno do Estado na ordem econmica em conformidade com o regime jurdico-econmico adotado pela poltica econmica do Estado.

  • Direito Constitucional Econmico

    O estudo do Direito Econmico exige a abordagem do Direito Constitucional Econmico. Em que pese no se tratar de disciplina autnoma, o Direito Constitucional Econmico implica na anlise das normas jurdicas inseridas no contexto constitucional que trata da poltica econmica do Estado, elaborada a partir da ideologia adotada.

    Na esfera do Direito Constitucional Econmico, tem-se em conseqncia uma Constituio Econmica, na qual o Estado associa a Ordem Jurdica Ordem Econmica.

    2.1 A constituio econmica

    A partir da Constituio da Repblica de Weimar (1919), as Cartas que a sucederam, notadamente as do Ps-Segunda Guerra Mundial, incorporaram em seus artigos, captulos ou ttulos temas econmicos.

    Tal fato decorre da exigncia em se reconhecer que o Estado deve se ocupar de temas econmicos em sede constitucional, a fim de controlar positivamente os efeitos econmicos e atribuir segurana jurdica m atria, e assim evitar crises como a da Quebra da Bolsa de Nova Iorque em 1929. O Estado integra a

  • Direito Constitucional Econmico 3 5

    Ordem Jurdica Ordem Econmica, resultando na Ordem Ju- rdico-Econmica.

    Pode-se observar em diversas Cartas, inclusive nas brasileiras a partir de 1934, expresses que refletem essa, at ento, nova realidade: Ordem Econmica, Ordem Socioconmica, Ordem Econmica e Financeira, dentre outras.

    O assunto econmico tratado juridicamente, ou seja, a juridicizao de tem as econmicos em sede constitucional. Assinala Joo Bosco Leopoldino da Fonseca (2001, p. 50): A Constituio econmica se corporifica precisamente no modo pelo qual o Direito pretende relacionar-se com a Economia, a forma pela qual o jurdico entra em interao com o econmico.

    No se deve acreditar, entretanto, que exista exclusivamente uma Constituio Econmica para tra tar da organizao e funcionamento da economia, isoladamente das demais disposies constitucionais. A Constituio Econmica parte do todo Constitucional, sendo-lhe reservados ttulos ou captulos dentro desta. Tanto que a Constituio Federal de 1988 separa a ordem econmica da ordem social, em que pese toda ordem jurdica ser social, um a vez voltada ordenao social. Outrossim, a Constituio Econmica tem seu contexto no que est disposto na Constituio Poltica, no se admitindo conflitos entre os princpios adotados por uma e por outra. A Constituio Econmica fundamenta-se na democracia e no Estado de Direito.

    Cumpre observar a classificao das constituies econmicas em estatutrias (ou orgnicas) e diretivas (ou programticas ou doutrinais). Constituies estatutrias ou orgnicas so as que definem o estatuto do poder como instrum ento do governo, enunciando competncias e regulando processos. Tais constituies no indicam a ordem econmica, apenas afirmam as normas econmicas. Constituies diretivas ou programticas ou doutrinais so aquelas que, alm de significar instrum ento de governo, enunciam diretrizes, programas e fins a serem realizados pela sociedade e pelo Estado. Essas constituies enunciam os fins da poltica pblica e postulam a implantao de uma ordem econmica.

    Neste sentido, escreve Eros Roberto Grau (2003, p. 67):

  • 3 6 Direito Econmico

    Da referirmos uma Constituio Econmica estatutria - que estatui, definindo os estatutos da propriedade dos meios de produo, dos agentes econmicos, do trabalho, da coordenao da economia, das organizaes do capital e do trabalho - e uma Constituio Econmica diretiva (ou programtica) - que define o quadro de diretrizes das polticas pblicas, coerentes com determinados objetivos tambm por ela enunciados.

    2.2 Normas programticas

    As constituies que seguem a Carta de Weimar de 1919 caracterizam-se por ter em seu corpo a Constituio Econmica. Mais que isso, essas constituies, via de regra, so diretivas ou programticas, pois definem as diretrizes das polticas pblicas, em conformidade com a transformao do Direito e das funes a serem desempenhadas pelo Estado.

    Apresentam, portanto, alm das estticas normas estruturais ou de organizao que se caracterizam por fixar o direito, normas dinmicas direcionadas ao futuro, com fora jurdica vincu- lante imediata e com o objetivo de criar um novo quadro jurdico ao cidado. So estas as normas programticas.

    Escreve Joo Bosco Leopoldino da Fonseca (2001, p. 57) acerca das normas programticas:

    Atravs delas, o legislador maior traa rumos a serem seguidos e metas a serem alcanadas, fixando princpios bsicos que nortearo a iniciativa do legislador ordinrio e exigiro do administrador e do juiz o seu acatamento e aplicao nos atos de concretizao das normas, lembrando-se sempre de que a finalidade intrnseca das normas programticas a de criar uma nova realidade poltica, econmica e social.

    Para Fbio Nusdeo (2001, p. 203),em essncia, os dispositivos de carter explicitamente econmico nas constituies modernas tm por finalidade deixar assentada a possibilidade jurdica de o Estado se fazer presente no processo

  • Direito Constitucional Econmico 3 7

    econmico - dentro, claro, de limites e condies -, sem ofensa ordem constitucional, cuja essncia permanece liberal.

    Tais dispositivos so denominados pelos constitucionalistas de normas programticas, justam ente por apontarem para um programa, para objetivos a serem colocados e implementados.

    O Ttulo VII da Constituio Federal de 1988 possui diversos artigos que so normas programticas, como, por exemplo, o art. 170.

    2.3 Fontes do direito econmico

    A fonte de Direito significa a fonte de regras obrigatrias dotadas de vigncia e de eficcia. Para isso, faz-se necessria a existncia de um poder em condies de especificar o que devido, a fim de exigir o seu cumprimento, sob pena de sanes.

    Nos diversos momentos da histria e entre diferentes pases no se observa uma uniformizao nas formas de elaborar o Direito. O que se faz, geralmente, distinguir a civil law e a common law. Esses dois tipos de ordenamento jurdico se diferenciam porque a civil law, da tradio romanstica, ou seja, das naes latinas e germnicas, caracteriza-se pela expresso do Poder Legislativo, atribuindo valor secundrio s outras fontes do Direito, como a jurisdio e os usos e costumes jurdicos. J a common law, da tradio anglo-americana, atribui ao Direito valor preponderante nos usos e costumes e na jurisdio, atribuindo menor importncia ao trabalho dos parlamentos, caracterizando-se, portanto, um Direito misto, costumeiro e jurispru- dencial.

    Observa-se na atualidade uma aproximao entre a civil law e a common law, ou seja, pases da tradio latina aceitando com mais freqncia a jurisprudncia e a analogia, enquanto os pases de tradio anglo-americana passam a legislar com mais intensidade.

    No caso do Direito Econmico, entretanto, deve-se destacar como fonte auxiliar, ou subsidiria, de Direito, a Cincia Econmica. Justifica-se, uma vez que a norma em Direito Econmico

  • 3 8 Direito Econmico

    tem como contedo obrigatrio e original o fato econmico, que explicado pela Economia.

    O portuna a observao de W ashington Peluso Albino de Souza (2003, p. 134):

    O que se pretende, ao recorrer Cincia Econmica como 'fonte auxiliar do direito, , to-somente, ter os indicativos do cientificamente certo, e, recebendo-os, formular as diferentes opes da norma', sem nenhum compromisso formal de ado- t-los.

    [...]Nessa precisa medida, portanto, a Economia funciona como

    sua fonte auxiliar, pois os motivos finais da deciso sero po- ltico-econmicos, e no simplesmente econmicos, para que a deciso ou sua apreciao tenha fundamento ou conseqncia jurdica.

    Os aspectos pelos quais se consideram fontes do Direito Econmico so os mais variados. Pode-se considerar fonte de Direito uma circular do Banco Central ou uma portaria de Agncia Reguladora, uma vez detentoras de fora normativa e cogente e com reflexos na economia. Assim, tambm, podem-se considerar como fonte de Direito Econmico os atos jurdicos geradores de direitos e obrigaes praticados por empresas privadas ou pelo Estado no exerccio da atividade econmica.

    2.4 Leis em direito econmico

    Ao estudioso do Direito tradicional causam estranheza as particularidades das leis em Direito Econmico, se comparadas s dos demais ramos da Cincia Jurdica.

    Inicialmente, as leis em Direito Econmico devem ter contedo econmico, disciplinados pela poltica-econmica do Estado, a fim de efetivar a ideologia constitucionalmente adotada. No se trata de leis de Direito da Economia, ou seja, uma mera legislao de tema econmico. No caso do Direito Econmico, a partir do certo econmico valoriza-se o justo, para s ento se ter uma

  • Direito Constitucional Econmico 3 9

    lei. Em outras palavras, a lei em Direito Econmico juridiciza a poltica econmica correspondente ideologia adotada.

    A natureza da lei em Direito Econmico relaciona-se natureza da realidade econmica, bastante dinmica. Por essa razo, a lei em Direito Econmico dotada de flexibilidade e mobilidade, a fim de acompanhar as alteraes da poltica econmica causadas pelo dinamismo da realidade econmica. Certo que os mtodos legislativos costumeiros no contribuem para o Direito acompanhar a realidade econmica, da utilizar-se em Direito Econmico standards jurdicos (uma lei mais abrangente e genrica que permite adaptaes realidade), flexibilidade (ajustar a aplicao realidade), mobilidade (atender a solues num patam ar definido) e subsidiariedade (conciliar para a garantia poltico-econmica).

    A lei em Direito Econmico caracteriza-se por ser lei progra- mtica, estipulando as normas da poltica econmica adotada, dirigidas ao objetivo determinado com a projeo dos resultados que pretende obter.

    2.5 As constituies econmicas no Brasil

    Tratar-se- no presente item to-somente dos aspectos constitucionais econmicos contidos nas cartas brasileiras, e eventuais legislaes do perodo que merecem destaque, desde a Carta outorgada de 1822 at a do perodo ditatorial de 1967 (1969). Quanto ordem econmica na Constituio Federal de 1988, ser analisada em maiores detalhes em item especfico.

    2.5.1 Constituio de 1824

    A Constituio Imperial de 1824, outorgada, consolida a independncia poltica do Brasil e rene em seu teor o contexto histrico do perodo, qual seja, a ideologia liberal de influncia inglesa, adotada desde a abertura dos portos com a vinda da Famlia Real portuguesa.

    Alm de ressaltar o valor da pessoa hum ana detentora de direitos naturais e a limitao do poder poltico, inclusive do

  • 4 0 Direito Econmico

    prprio Estado, a atuao legal do Estado consistiria em garantir a liberdade das pessoas. Tal qual os documentos revolucionrios da poca, como a Declarao de Direitos de Virgnia (1776) e a Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado (1789), tem como grandes princpios a liberdade, a igualdade e legalidade.

    A ideologia poltico-econmica a do liberalismo de Adam Smith, devendo o Estado estar ausente da economia, deixando que essa se regulasse livremente pela lei da oferta e da procura, inclusive com a liberdade total do homem para escolher o que melhor lhe interessar.

    Entretanto, o trabalho escravo ainda era mantido, no sendo os escravos sequer considerados cidados brasileiros, sem direitos, em que pese constiturem a maior fora de trabalho e de capital investido no desenvolvimento da atividade econmica. Certamente essa situao desagradava os interesses britnicos, que tinham relaes comerciais com o Brasil e observavam um potencial mercado consum idor de seus produtos alijado pelo sistema escravocrata.

    Mas o poder econmico tambm se refletia no poder poltico, ao passo que apenas cidados com determinada renda anual lquida podiam votar em eleies primrias, valor superior para eleies de deputados, senadores e membros dos Conselhos de Provncia e valor ainda mais alto para o candidato poder ser eleito.

    O art. 179, por sua vez, retrata bem as disposies da Constituio e seu reflexo do perodo, conforme disposto no Ttulo 8-, Das Disposies Geraes, e Garantias dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidados Brazileiros (conforme original):

    Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidados Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurana individual, e a propriedade, garantida pela Constituio do Imprio, pela maneira seguinte.

    [...]XXII - garantido o Direito de Propriedade em toda a sua

    plenitude. Se o bem publico legalmente verificado exigir o uso, e emprego da Propriedade do Cidado, ser elle prviamente indemnisado do valor delia. A Lei marcar os casos, em que ter

  • Direito Constitucional Econmico 4 1

    logar esta unica excepo, e dar as regras para se determinar a indemnisao.

    [...]XXIV - Nenhum genero de trabalho, de cultura, industria, ou

    commercio pde ser prohibido, uma vez que no se opponha aos costumes pblicos, segurana, e saude dos Cidados.

    XXV - Ficam abolidas as Corporaes de Officios, seus Juizes, Escrives, e Mestres.

    XXVI - Os inventores tero a propriedade das suas descobertas, ou das suas produces. A Lei lhes assegurar um privilegio exclusivo temporrio, ou lhes remunerar em resarcimento da perda, que hajam de soffrer pela vulgarisao.

    [...] (conforme original)Verifica-se, portanto, a inviolabilidade dos direitos indivi

    duais ou naturais, assegurando o direito de propriedade em sua plenitude e, em caso de desapropriao, que seja mediante indenizao, liberdade de indstria e comrcio, extino das corporaes de ofcio e propriedade sobre inventos.

    2.5.2 Constituio de 1891

    A primeira Constituio Republicana do Brasil, promulgada em 1891, com seus ideais federalistas trouxe grandes mudanas no campo poltico sob a influncia da Carta dos Estados Unidos da Amrica. Contudo, no campo econmico permaneceu de inspirao liberal econmica, com a manuteno da ideologia que ditava a ordem econmica do Pas. Em que pese o liberalismo econmico j ser criticado em outras partes, como nos prprios Estados Unidos da Amrica com o Sherman Act de 1890 (Lei Antitruste), o Brasil ainda no havia acordado para a necessidade das mudanas socioeconmicas.

    Em que pese a abolio da escravido, a continuidade da ideologia econmica foi mantida, conforme se verifica nos seguintes artigos:

  • 4 2 Direito Econmico

    Art. 72. A Constituio assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade dos direitos concernentes liberdade, segurana individual e propriedade, nos termos seguintes:

    [] 17. O direito de propriedade m antm -se em toda a sua

    plenitude, salva a desapropriao por necessidade ou utilidade pblica, mediante indenizao prvia.

    [] 24. garantido o livre exerccio de qualquer profisso moral,

    intelectual e industrial. 25. Os inventos industriais pertencero aos seus autores,

    aos quais ficar garantido por lei um privilgio temporrio, ou ser concedido pelo Congresso um prmio razovel quando haja convenincia de vulgarizar o invento.

    Os direitos fundamentais liberdade, inclusive da livre iniciativa e da propriedade, continuavam assegurados. J os direitos sociais continuavam sem ateno do constituinte.

    2.5.3 Constituio de 1934

    A crtica ao modelo do liberalismo, feita por muitos que tratavam da questo operria, como Marx, Engels e o Papa Leo XIII, com sua Encclica Rerum Novarum de 1891, influenciou determi- nantemente as Constituies do Mxico de 1917 e da Repblica de Weimar de 1919, como tambm a Revoluo Russa de 1917.

    No contexto jurdico-brasileiro, o perodo de 1930 a 1934 contou com im portantes legislaes econmicas que iniciam a passagem do liberalismo das constituies anteriores para a fundamentao da tendncia inicial estatizante e reguladora do modelo neoliberal das Cartas vindouras.

    A Constituio de 1934 vem na esteira de acontecimentos mundiais que influenciaram demasiadamente o perodo, em especial a Constituio da Repblica de Weimar, que tratava de direitos

  • Direito Constitucional Econmico 4 3

    socioeconmicos, e a experincia da Guerra Mundial. Assim, pela primeira vez o Brasil tem em sua Carta a sistematizao de grupo de artigos que consistiro na Constituio Econmica.

    Neste sentido, o Ttulo IV da Constituio de 1934 cuidava Da Ordem Econmica e Social, e dispunha:

    Art. 115. A ordem econmica deve ser organizada conforme os princpios da Justia e as necessidades da vida nacional, de modo que possibilite a todos existncia digna. Dentro desses limites, garantida a liberdade econmica.

    Pargrafo nico. Os Poderes Pblicos verificaro, periodicamente, o padro de vida nas vrias regies do Pas.

    Art. 116. Por motivo de interesse pblico e autorizada em lei especial, a Unio poder monopolizar determinada indstria ou atividade econmica, asseguradas as indenizaes, devidas, conforme o art. 112, ne 17, e ressalvados os servios municipalizados ou de competncia dos Poderes locais.

    Art. 117. A lei promover o fomento da economia popular, o desenvolvimento do crdito e a nacionalizao progressiva dos bancos de depsito. Igualmente providenciar sobre a nacionalizao das empresas de seguros em todas as suas modalidades, devendo constituir-se em sociedades brasileiras as estrangeiras que atualmente operam no Pas.

    Pargrafo nico. proibida a usura, que ser punida na forma da Lei.

    [...]Art. 120. Os sindicatos e as associaes profissionais sero

    reconhecidos de conformidade com a lei.Art. 121. A lei promover o amparo da produo e estabele

    cer as condies do trabalho, na cidade e nos campos, tendo em vista a proteo social do trabalhador e os interesses econmicos do Pas.

    [...]Art. 122. Para dirimir questes entre empregadores e em

    pregados, regidas pela legislao social, fica instituda a Justia

  • 4 4 Direito Econmico

    do Trabalho, qual no se aplica o disposto no Captulo IV do Ttulo I.

    Com isso, ficava marcado o novo direcionamento ideolgico do Estado brasileiro, segundo o qual a justia, a liberdade, a igualdade e a segurana so tomadas como atributos concretos do homem, cujos objetivos a serem alcanados so a existncia digna, o padro de vida e condies de trabalho.

    2.5.4 Constituio de 1937

    Inspirada no Golpe de Estado, a Constituio de 1937 refletia o perodo histrico internacional daquele momento, mas nem tanto da realidade poltica e social brasileira. Decorre de idias de fascismo, corporativismo, nacionalismo e at de um aparente liberalismo e rene a temtica econmica em artigos que integravam o ttulo Da Ordem Econmica, conforme se destaca a seguir:

    Art. 135. Na iniciativa individual, no poder de criao, de organizao e de inveno do indivduo, exercido nos limites do bem pblico, funda-se a riqueza e a prosperidade nacional. A interveno do Estado no domnio econmico s se legitima para suprir as deficincias da iniciativa individual e coordenar os fatores da produo, de maneira a evitar ou resolver os seus conflitos e introduzir no jogo das competies individuais o pensamento dos interesses da Nao, representados pelo Estado. A interveno no domnio econmico poder ser mediata e imediata, revestindo a forma do controle, do estmulo ou da gesto direta.

    Art. 136. O trabalho um dever social. [...][...]Art. 138. A associao profissional ou sindical livre. Somen

    te, porm, o sindicato regularmente reconhecido pelo Estado tem o direito de representao legal...

    Art. 139. Para dirimir os conflitos oriundos das relaes entre empregadores e empregados, reguladas na legislao social, instituda a Justia do Trabalho, ...

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    [...]Art. 140. A economia da populao ser organizada em cor

    poraes, e estas, como entidades representativas das foras do trabalho nacional, colocadas sob a assistncia e a proteo do Estado, so rgos deste e exercem funes delegadas de Poder Pblico.

    Art. 141. A lei fomentar a economia popular, assegurando-lhe garantias especiais. Os crimes contra a economia popular so equiparados aos crimes contra o Estado, devendo a lei cominar-lhes penas graves e prescrever-lhes processos e julgamentos adequados sua pronta e segura punio.

    [...]Art. 144. A lei regular a nacionalizao progressiva das

    minas, jazidas m inerais e quedas d'gua ou outras fontes de energia assim como das indstrias consideradas bsicas ou essenciais defesa econmica ou militar da Nao.