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  Educar , Curitiba, n. 29, p. 191-205, 2007. Editora UFPR 191  A prática docente no contexto da sala de aula frente às reformas curriculares Classroom teaching practice facing curriculum reform Giseli Barreto da Cruz * RESUMO  No present e texto, busco refletir acerca da importa nte posição a ser assumi- da pelos professores nos processos que desencadeiam reform as curriculares. Tendo em vista que a implementação de propostas vol tadas para o contexto da sala de aula depende diretamente do papel exercido pelo profes sor, chamo atenção para a necessidade do seu protagonismo desde a fase da concepção. Para tanto, organizo a argumentação em dois grandes pontos: no primeiro, discuto o lugar histori camente ocupado pelo docente no decorrer das refor- mas, recorrendo à perspectiva defendida e experimentada pelo inglês Lawrence Stenhouse, baseada na crença na capacidade de os professores se desenvol- verem profissionalmente com base na pesquisa, desenvolvendo currículo.  No segundo ponto, procur o eviden ciar que a prátic a docente se constitu i em um exercício que transcende a dimensão técnica, não podendo ser assumida tão-somente como o atendimento às prescrições curriculares desenvolvidas  por outros. Recorro, nesse ponto, ao pensame nto de autores como Gauthier e Mellouki, Giroux, Vorraber Costa e Moreira para demarcar o caráter de mediação que marca a prática docente em sala de aula.  Palavras-chav e:  prática docente; reforma curricula r; papel do professor . ABSTRACT This text seeks to reflect on the central role teachers should play in proces- ses leading to curriculum reform. Bearing in mind that the implementation of  proposals focussing on the classroom context is directly depe ndent on the role played by the teacher, we would like to stress the need for this player * Doutora em Educação pela PUC-Rio.

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  • Educar, Curitiba, n. 29, p. 191-205, 2007. Editora UFPR 191

    A prtica docente no contexto da sala deaula frente s reformas curriculares

    Classroom teaching practice facingcurriculum reform

    Giseli Barreto da Cruz*

    RESUMO

    No presente texto, busco refletir acerca da importante posio a ser assumi-da pelos professores nos processos que desencadeiam reformas curriculares.Tendo em vista que a implementao de propostas voltadas para o contextoda sala de aula depende diretamente do papel exercido pelo professor, chamoateno para a necessidade do seu protagonismo desde a fase da concepo.Para tanto, organizo a argumentao em dois grandes pontos: no primeiro,discuto o lugar historicamente ocupado pelo docente no decorrer das refor-mas, recorrendo perspectiva defendida e experimentada pelo ingls LawrenceStenhouse, baseada na crena na capacidade de os professores se desenvol-verem profissionalmente com base na pesquisa, desenvolvendo currculo.No segundo ponto, procuro evidenciar que a prtica docente se constitui emum exerccio que transcende a dimenso tcnica, no podendo ser assumidato-somente como o atendimento s prescries curriculares desenvolvidaspor outros. Recorro, nesse ponto, ao pensamento de autores como Gauthiere Mellouki, Giroux, Vorraber Costa e Moreira para demarcar o carter demediao que marca a prtica docente em sala de aula.Palavras-chave: prtica docente; reforma curricular; papel do professor.

    ABSTRACT

    This text seeks to reflect on the central role teachers should play in proces-ses leading to curriculum reform. Bearing in mind that the implementation ofproposals focussing on the classroom context is directly dependent on therole played by the teacher, we would like to stress the need for this player

    * Doutora em Educao pela PUC-Rio.

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    to take on a leading role from the start of any such project. To this end, thetext puts forward two major arguments: the first one discusses the placehistorically occupied by teachers in school reforms, taking as a startingpoint Lawrence Stenhouses views on teachers professional developmentbased on research Carried out in the context of curriculum development. Thesecond argument put forward the point that teaching practice transcends thetechnical dimension, often going beyond limits set by external curricularprescriptions. This point is supported by arguments developed by a numberof authors such as Gauthier and Mellouki, Giroux, Vorraber Costa e Moreirawhose vision of the teachers role is that of mediators between differentplayers and pressures affecting classroom practice.Key-words: teaching practice; curriculum reform; teachers role.

    1. Introduo

    Falar de prtica docente em sala de aula falar de um saber-fazer doprofessor repleto de nuances e de significados. Implica falar que os profes-sores possuem saberes profissionais cheios de pluralidade (TARDIF, 2000)que vm tona no mbito de suas tarefas cotidianas. No s saberes, mas,tambm, sensibilidades cultivadas ao longo de sua formao e atuao queorientam sua ao no contexto de uma sala de aula. Falar de prtica docenteexige, portanto, que falemos de sujeitos que possuem um ofcio (ARROYO,2000), o saber de uma arte, a arte de ensinar, e que produzem e utilizamsaberes prprios de seu ofcio no seu trabalho cotidiano nas escolas.

    Nesse sentido, os professores ocupam uma posio central em rela-o s propostas curriculares. So eles os principais atores sujeitos sociaisque exercem a funo de mediao da cultura e dos saberes escolares. Porque, ento, as reformas curriculares insistem em desconsiderar ou agregarum valor secundrio ao papel do professor, mesmo reconhecendo ser eleum sujeito fundamental para o processo de sua implementao? Apesar docampo educacional registrar uma multiplicidade de estudos sobre subjetivi-dade, identidade, carreira, processos de formao e constituio de saberesdocentes, as polticas educacionais tentam, mas no conseguem efetiva-mente, favorecer que os que atuam na escola participem do processoreformativo, subsidiando a formulao de propostas curriculares.

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    sobre o papel do professor, no contexto da sala de aula, comomediador do saber escolar, na perspectiva do currculo, que desejo fazeruma reflexo neste trabalho.

    2. Qual o lugar devido prtica docente nos processos de reformas curriculares?

    De um modo geral, os tericos das questes do currculo esto aten-tos importncia do papel do professor no processo de implementao dasreformas, chamando, sempre que possvel, ateno para esse fato. Entre-tanto, a atuao do professor ainda se d em uma perspectiva secundria.

    Le Shulman (1997), falando em um encontro de professores, enfatizaa necessidade das reformas educacionais considerarem os professores comoaliados. O autor sinaliza, pelo menos, cinco aspectos em torno dessa ques-to: primeiro, os professores enfrentam um enorme desafio quando tentamser profissionais responsveis em meio ao turbilho de encaminhamentoscomuns ao perodo de implantao de uma reforma; segundo, o magistriose constitui em uma profisso de alto nvel de exigncia intelectual, tcnicae emocional; terceiro, para que qualquer reforma funcione no s os alunosdevem aprender, mas tambm os professores e, para tanto, ao menos seisprincpios devem ser considerados (atividade, reflexo, colaborao, tem-po, paixo e cultura); quarto, formao prvia e formao em servio pre-cisam ser igualmente cuidadas na formao docente; e quinto, as reformas,tal como vm sendo encaminhadas, dificultam a atuao do professor e,conseqentemente, afetam o seu xito.

    No decorrer da sua argumentao, Shulman defende que qualquerreforma deve respeitar o saber dos profissionais. O que necessariamenteno acontece. Pelo contrrio, segundo o autor, as reformas so marcadaspela separao entre concepo e fazer e organizao rgida, elaborada distncia e desconectada da prtica cotidiana da sala de aula.

    Candau (1999), discorrendo sobre as reformas educacionais da atua-lidade na Amrica Latina, chama ateno para as palavras de ordem quemarcam as propostas que se tentam pr em prtica nos diferentes contex-tos: () descentralizao, qualidade, competitividade, eqidade, reformacurricular, transversalidade, novas tecnologias, dentre outras de carter

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    mais secundrio. (p. 29) Observa-se que, de um modo geral, elas apontampara o ofcio do professor. Mas, ainda assim, o mestre desse ofcio nogalga uma posio mais privilegiada na conduo da mudana. Pelo contr-rio, como sinaliza Candau (p. 31), h uma distncia significativa entre aspropostas oficiais e o dia-a-dia das escolas e os dilemas que os professoresenfrentam no encaminhamento de seu trabalho.

    A inteno de Candau, nesse texto, a de questionar o sentido dodiscurso presente nas reformas, a maneira como ele vem sendo construdo,quem so os seus principais atores e quais os seus eixos estruturantes.Entretanto, a autora, no decorrer de sua argumentao, acaba levantandosuspeita sobre a unanimidade em torno desse discurso, assentado nas pro-postas do Banco Mundial, e defendendo uma outra reforma, seguindo nadireo apontada pela educadora argentina Adriana Puigrs (1997). Umaoutra reforma, cujo apoio estaria firmado nas pessoas e o eixo central nasquestes relativas identidade, s condies de trabalho e profissionalizaodos professores. Isto significa colocar os professores no seu lugar de di-reito, isto , o de principais protagonistas desse processo.

    Olhando para o contexto da prtica pedaggica, para onde as refor-mas se dirigem, e falando como algum que atua nesse contexto, possvelafirmar que existem estratgias variadas por parte dos curriculistas, dosrepresentantes dos rgos centrais e dos governantes, representantes eproponentes de polticas pblicas, no sentido de envolver os docentes noprocesso de concepo, implantao e implementao das propostas. To-davia, o esforo nfimo diante do alcance que se espera com os novosredimensionamentos curriculares. O movimento das reformas, via de re-gra, marcado de cima para baixo, quando o contrrio representaria algica mais vivel. Pois no seio da sala de aula que o conhecimentocurricular, alvo das propostas, vai se desenvolver de forma mais direta esistemtica e so os professores, mestres do ofcio de ensinar, os sujeitossociais mais importantes no encaminhamento desse processo. O movi-mento que emana do microcontexto da sala de aula pode representar, en-to, um caminho mais vivel para a consolidao de mudanas educacionais.

    Esta idia nos remete ao pensamento de Lawrence Stenhouse (1975),um estudioso das questes de currculo e que se tornou uma referncia,tanto no que tange ao papel do professor frente s reformas curricularesquanto idia de professor pesquisador. Suas reflexes se situam nas d-cadas de 60 e 70 na Inglaterra e se baseiam na crena na capacidade de osprofessores se desenvolverem profissionalmente com base na pesquisa,desenvolvendo currculo.

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    Para Stenhouse, a pesquisa deveria ser a base do ensino dos profes-sores, tendo como foco central o currculo, uma vez que por seu inter-mdio que se transmite o conhecimento na escola. De acordo com o quepropunha Stenhouse (1975), as reformas precisariam incluir em seu interioro desenvolvimento profissional dos professores como pesquisadores desuas prprias prticas, que fazem de suas salas de aula tpicos laboratriosde ensino.

    Em 1966, quando o sistema educacional ingls vivia as expectativasde implementao de uma reforma curricular, Stenhouse, trabalhando noSchools Council for Curriculum and Examinations (Conselho Escolar deCurrculo e Avaliao), assumiu a direo do Humanities Project, voltadoespecificamente para jovens estudantes das escolas secundrias. A onda dereforma educacional da Inglaterra, na dcada de 60, atenta s escolas queofereciam um currculo menos denso, cujos alunos, em geral, no erampreparados para nveis mais avanados, instituiu tal Conselho com a finali-dade de respaldar a reforma nas reas do currculo e de avaliao. A im-plantao do Conselho de Escola representava a necessidade de investir emuma concepo diferenciada da natureza do conhecimento escolar e, con-seqentemente, como o conhecimento deveria ser trabalhado junto aos pro-fessores e aos estudantes. Stenhouse, na condio de representante de umrgo central, vai trabalhar no contexto da sala de aula, junto aos seusprofessores, com o projeto de humanidades, assumindo como pressupos-tos de sua ao os princpios que informam a relao entre ensino e pesqui-sa, e tendo como objeto de trabalho curricular as questes humanitrias decarter controvertido que atravessavam diretamente a vida cotidiana dosestudantes dessas escolas1.

    Trata-se de uma experincia que leva em conta o fato de que os pro-fessores produzem em suas prticas uma riqueza de conhecimentos queprecisa ser, juntamente com as suas vivncias, assumida como ponto departida de qualquer processo de aperfeioamento de seu trabalho e de mu-dana curricular.

    Stenhouse acreditando na capacidade dos professores, potencializadapela mtua colaborao entre eles e os pesquisadores acadmicos de elabo-rar um currculo em contnuo desenvolvimento e reavaliao, que contri-

    1 Para aprofundamento da temtica, ver: ELLIOTT, J. The teachers role in curriculumdevelopment: an unresolved issue in english attempts at curriculum reform. In: The curriculumexperiment: meeting the challenge of social change. Buckingham: Open University Press, p17-41, 1998.

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    busse para a emancipao dos sujeitos que convivem na escola, vai paraalm do Humanities Project, vinculado Schools Council for Curriculumand Examinations, e funda o C.A.R.E. (Center for Applied Research inEducation Centro de Pesquisa Aplicada Educao), na Universidade deEast Anglia, na Inglaterra, na dcada de 70, trabalhando para que a pesquisafosse a base do ensino dos professores de todos os nveis, e no s daUniversidade.

    J. Elliott (1998), que foi discpulo de Stenhouse, fez parte da suaequipe, ajudando a desenvolver o projeto curricular experimental sobrequestes humanitrias diversas e controvertidas e foi um dos diretores doC.A.R.E., considera que o modelo de desenvolvimento curricular deStenhouse supe uma compreenso de conhecimento profissional e de suasrelaes com a prtica educativa completamente distinto do modelo daracionalidade tcnica, j que o atrela aos docentes mais do que aos pesqui-sadores especializados.

    Elliott (1998) destaca que para Stenhouse os professores so talvezas pessoas mais capazes de elaborar um currculo que contribua, de fato,para a emancipao dos alunos enquanto sujeitos sociais. Pois ele parte deuma concepo de currculo entendido como um conjunto de procedimen-tos hipotticos, do qual poderiam se valer os professores para transformaridias educativas em aes educativas. Nessa direo, o currculo se con-figura em um processo que exige do professor conhecimentos, sensibilida-de, capacidade de reflexo e dedicao profissional, j que tem em vista oencaminhamento do ensino/aprendizagem adequado ao ritmo e s peculia-ridades do aluno.

    Elliott enfatiza, ainda, que, segundo Stenhouse, no h desenvolvi-mento curricular sem desenvolvimento de professores. O currculo meiode desenvolvimento profissional na medida em que pode ser recriado pelosprofessores mediante o confronto com as questes comuns sala de aula.

    Dessa forma, tanto Stenhouse quanto Elliott se opunham frontalmen-te idia de currculo como listagem de contedos a serem desenvolvidospelo professor com seus alunos atravs de um plano racional em que con-tedos e mtodos eram concebidos como instrumentos para inculcar nosalunos conhecimentos previamente elaborados.

    importante dizer que, em funo de suas idias e investidas prti-cas, Stenhouse se situa na contracorrente dos estudos em Educao pre-dominantes nas dcadas de 60 e 70, fortemente marcados por uma con-cepo de currculo vinculado orientao tecnicista. A teoria educacionalse configurava em um campo cada vez mais acadmico e de convergncia

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    de uma multiplicidade de orientaes tericas, assumindo para si a respon-sabilidade de apontar princpios orientadores para a prtica, reduzindo estaa uma atividade meramente tcnica. O carter tcnico da educao reforaa clssica separao entre quem planeja a educao e quem a faz. Portanto,aos professores caberia a aplicao de currculos pensados por outros,assumindo um papel que, no dizer de Elliott (1998), continua representan-do uma questo no resolvida nas diferentes ondas de reformas curriculares.

    3. Prtica docente, um exerccio para alm da tcnica

    A escola possui uma misso cultural, tornando-se elemento-chave paraa articulao de interesses, de gostos e de socializao de aspectos histri-cos, sociais e culturais, sendo os professores os seus catalizadores, acele-rando ou retardando o processo. A atuao do professor estratgica, exer-cendo um papel de tradutor da idia oficial para o contexto da prtica.

    Nessa perspectiva, a prtica docente no contexto da sala de aula nopode ser encarada como um exerccio meramente tcnico, marcado peloatendimento s prescries curriculares desenvolvidas por outrem. Os as-pectos que perpassam o ofcio do professor so mltiplos e complexos,inviabilizando qualquer tentativa de reduo da sua ao.

    O ofcio do professor implica no manejo de tcnicas, mas no sisso. Trata-se de um misto de habilidades que no podem ser engessadasnesse quesito. Diversas questes instigam o trabalho cotidiano do profes-sor exigindo reflexo, anlise de situaes e tomada de posio. As tcni-cas, sejam elas de que tipo for, sero sempre meios para o professor articu-lar conhecimentos gerais e disciplinares com vistas aprendizagem de seusalunos. Falamos, portanto, de um trabalho de mediao em que o profes-sor, mais do que um tcnico, representa um tradutor e um difusor do co-nhecimento. Nesse processo de mediao, se revelam as nuances de seuofcio em que ele, a partir das anlises dos fundamentos sociais e culturaisdo currculo, encaminha a sua ao no contexto da sala de aula, fazendo ainterpretao e a crtica, produzindo e organizando conhecimentos, identi-ficando e escolhendo tcnicas e mtodos pedaggicos para a socializaodas experincias de aprendizagem de seu grupo de ensino.

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    No plano da formao e do exerccio profissional, o que caracteriza oprofessor no exclusivamente o domnio de uma disciplina, mas o de umconjunto de conhecimentos, que chamamos de saber docente (TARDIF,2000), que inclui uma gama no s de saberes, mas tambm de prticasrelativas ao ofcio de ensinar. Nessa direo, o ofcio do professor implicaum saber fazer que assegure a aprendizagem da disciplina e a transmissodo que lhe confiado pela via das diretrizes curriculares e que, inevitavel-mente, expressa uma determinada concepo de mundo.

    Nesse sentido, o professor tem uma importante funo social a exer-cer. Gauthier e Mellouki (no prelo), em artigo ainda no publicado2, desen-volvem uma interessante abordagem do professor como mediador, herdei-ro, crtico e intrprete da cultura, exercendo o papel de intelectual na escolae na sociedade. Argumentam que pelo menos trs razes sustentam a inser-o do professor na categoria de intelectuais: o trabalho de quem ensina de natureza intelectual, no podendo ser reduzido s suas dimenses ins-trumentais e tcnicas; existem condies ideolgicas e prticas indispens-veis ao exerccio do ensino como trabalho intelectual; e o professor contri-bui, atravs das abordagens pedaggicas que adota e utiliza, com a produ-o e legitimao de interesses polticos, econmicos e sociais de certosgrupos sociais em detrimento de outros.

    Giroux (1997), em conhecido ensaio, j trabalhava com a tese doprofessor como intelectual em contraposio de professor como tcnico.Nesse texto em especial3, aponta que as reformas educacionais dos anos90 representam para os professores, de um lado, uma ameaa e, de outro,um desafio. Trs motivos traduzem o clima de ameaa das reformas: pri-meiro, elas demonstram pouca confiana na capacidade dos professoresde se constiturem como lderes intelectuais; segundo, elas ignoram o papeldos professores no que tange formao para a cidadania; e terceiro, elasreduzem a atuao dos professores ao status de tcnico.

    Diante do carter ameaador das reformas curriculares, Giroux des-taca que a melhor postura dos professores reside em assumi-las como umdesafio. O desafio de encarar um processo de autocrtica em relao natureza e finalidade da sua formao e atuao para, ento, unir-se ao

    2 Artigo estrangeiro intitulado Lenseignant et son mandat: Mdiateur, hritier,interprte, critique aprovado para publicao na Revista Cientfica Educao e Sociedaden. 87.

    3 GIROUX, Henry. Professores como intelectuais transformadores. In: Os professo-res como intelectuais: rumo a uma pedagogia crtica da aprendizagem. Porto Alegre: ArtesMdicas, p.157-164, 1997.

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    debate pblico com os crticos, enfatizando a posio estratgica que ocu-pam e organizar-se coletivamente para, dentre outras coisas, lutar por me-lhores condies de trabalho. Nessa direo, a postura de dispor-se aodebate representa o eixo central da luta dos professores, o que implica nodesenvolvimento de uma perspectiva terica que redefina a natureza dacrise educacional e fornea as bases para uma viso alternativa formaoe atuao docentes.

    A ameaa de desvalorizao e desabilitao do trabalho docente preci-sa ser vencida pela assuno do desafio dos professores se assumirem eserem assumidos como intelectuais transformadores. Conceber o trabalhodos professores como intelectual implica reconhecer e questionar sua na-tureza socialmente construda e o modo como se relaciona com a ordemsocial, assim como analisar as possibilidades transformadoras implcitasno contexto social das aulas e do ensino. O intelectual crtico aquele queparticipa ativamente do esforo de desvelar o oculto e desvendar a origemhistrica e social daquilo que se apresenta como natural.

    Para Giroux, a categoria de intelectual particularmente representati-va no processo de luta contra o desenvolvimento crescente de ideologiasinstrumentais que enfatizam uma abordagem tecnocrtica para a formaoe atuao docentes porque possibilita, ao menos, trs contribuies: a ofer-ta de uma base terica capaz de romper com a marca de que o exercciodocente algo meramente tcnico; o esclarecimento dos tipos e condiesideolgicas e prticas necessrias para que os professores atuem comotpicos intelectuais; e a definio do papel que os professores desempe-nham na produo e legitimao de interesses polticos, econmicos e sociais.

    A considerao do professor no s como intelectual, mas como inte-lectual transformador, cuja tnica est em tornar o pedaggico mais pol-tico e o poltico mais pedaggico (GIROUX, 1997, p. 163), favorece areflexo sobre os princpios que estruturam a vida prtica em sala de aula,bem como a anlise crtica das condies que organizam as prticas ideo-lgicas e materiais de ensino, firmando o professor na posio central queocupa, junto ao aluno, no processo de aprendizagem, alvo das reformas.

    Tal aspecto refora a crena que desenvolvemos de que, no contextoda sala de aula, o professor possui uma misso que no se desenvolveapenas atravs de um exerccio tcnico. A misso do professor implica,entre outras coisas, na divulgao da cultura junto s geraes mais jovens,na perspectiva de que aquele que detm um poder simblico e institucionalpara conduo das formas culturais de pensar e agir em sociedade. Dessaforma, dependendo do modo como o professor lida com o seu papel, o seu

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    trabalho pode representar uma ameaa ou no conservao do status quo.Um exerccio para alm da tcnica.

    O carter poltico-cultural que atravessa o trabalho pedaggico nosremete discusso encaminhada por Vorraber Costa (1998) acerca da rela-o entre currculo e poltica cultural. No decorrer do texto, a autora, ins-pirada nas perspectivas ps-estruturalistas e ps-modernas no que tange srelaes entre cultura, conhecimento, saber e poder e ancorada nas discus-ses geradas pelos estudos culturais, busca examinar o currculo escolarcomo um terreno privilegiado de poltica cultural e perpassado por mlti-plos elementos que esto implicados em relaes de poder. Nessa direo,procura analisar a escola e seu currculo como um espao marcado pelaproduo, circulao e consolidao de significados.

    Dentre as concepes exploradas por Vorraber Costa, a de currculo particularmente representativa no contexto da argumentao que busca-mos construir neste trabalho. Para a autora,

    o currculo e seus componentes constituem um conjunto articulado enormatizado de saberes, regidos por uma determinada ordem, estabelecidaem uma arena em que esto em luta vises de mundo e onde se produzem,elegem e transmitem representaes, narrativas, significados sobre as coisase seres do mundo. (VORRABER COSTA, 1998, p. 41)

    Embora a inteno da autora seja a de tomar a noo de poder comocentral nessa concepo, para evidenciar que quem tem fora determina asrepresentaes sociais de sua cultura particular, nos limitamos aqui apenasa demarcar a atuao do professor como algo determinante para a consoli-dao da prtica curricular no contexto da sala de aula. O professor, comoum dos atores/sujeitos sociais do processo educativo, detm uma viso demundo, sociedade, educao e homem que influenciar diretamente no tipode encaminhamento que impor sua prtica pedaggica.

    Em funo disso que temos reafirmado, no decorrer deste trabalho,a idia de que o professor ocupa uma posio estratgica. A sala de aula,lugar de sua atuao, se situa entre as diretrizes da escola e as do sistema deensino. Dificilmente as propostas dispensam a ao docente, uma vez queo professor exerce o papel central de tradutor da idia oficial para o contex-to da prtica.

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    Todavia, historicamente, as reformas curriculares vm enfrentandoum fosso entre implantao e implementao. As polticas educacionaispropem a implantao de novas estratgias de organizao do conheci-mento escolar, que no chegam a serem implementadas efetivamente nocontexto da sala de aula porque, via de regra, tendem a considerar a aodocente numa perspectiva bastante restritiva.

    Amaral (2003), em recente texto intitulado Conflito contedo/formaem pedagogias inovadoras: a pedagogia de projetos na implantao da es-cola plural, procura discutir a dificuldade enfrentada por professores noprocesso de implementao de propostas pedaggicas inovadoras no quese refere relao forma/contedo. Parte do pressuposto de que falsa adicotomia entre contedo e forma. Mas reconhece que existe uma tensono meio dos professores no que se refere necessidade de conciliarmetodologias ativas com contedos formais e necessrios formao doaluno. O texto decorre de uma pesquisa realizada pelo GAME Grupo deAvaliao e Medidas educacionais da UFMG em escolas municipais deBelo Horizonte, MG, no decorrer do ano de 1999, voltada para o movimen-to da escola plural.

    A autora, aps discutir os pressupostos que perpassam a idia deinterdisciplinaridade, bem como os princpios e as caractersticas dos pro-jetos de trabalho, concepes nucleares da proposta da escola plural, ela-bora uma anlise sobre como os professores que atuam na escola pluralvm lidando com os projetos de trabalho. Nessa direo, sinaliza que aconcepo de conhecimento subjacente pedagogia de projeto ainda nofoi suficientemente internalizada pelos professores, os sujeitos que lidamdiretamente com a organizao do conhecimento escolar, o que gera noimaginrio do corpo docente, de um modo geral, a representao de que aose trabalhar com projetos rompe-se com o contedo formal. Tal represen-tao obstaculiza a implementao da proposta. Pois, para os professores,repensar os contedos adquire contornos de abandon-los, criando umafalsa dicotomia entre projeto de trabalho e contedo, a ponto de se forjar acrena de que a opo por contedos representaria uma traio idia daescola plural.

    A situao da rede municipal de Belo Horizonte no muito diferentedas demais redes de ensino diante das suas polticas de reformas educacio-nais. O estranhamento experimentado pelos professores deve-se em gran-de parte pelo seu distanciamento do processo de concepo da proposta epela ausncia de um programa de formao continuada articulado s reaisnecessidades da prtica pedaggica.

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    Os professores precisam participar mais do processo de reformulaocurricular. importante e necessrio que eles assumam uma das posiesde sujeitos construtores das diretrizes curriculares, como condio para ofavorecimento de um trajeto menos conflituoso entre o que se prope e oque se faz.

    Moreira (1998), ao discutir a crise da teoria curricular crtica, procu-ra evidenciar que a desestrutura da sociedade atual como um todo repercu-te no campo da educao, estremecendo as bases dos estudos curriculares.O currculo, ao se voltar para as relaes entre o conhecimento escolar e aestrutura de poder na sociedade mais ampla, sofre de forma aguda as in-certezas que marcam o campo.

    Todavia, Moreira busca examinar as contradies e os impasses queperpassam o pensamento curricular visando indicar novas possibilidadesdiante das crises. Para tanto, retoma a trajetria da teoria curricular crticano Brasil, evocando os principais estudos a seu respeito, e sinaliza que umdos aspectos crticos da Teoria Curricular Crtica, que vem se insinuandona produo acadmica, est no distanciamento entre o que se formalizateoricamente e o que, de fato, acontece no contexto cotidiano das escolas,reforando o fosso entre o currculo formal e o currculo em uso. Residenesse movimento o ponto que nos interessa: a teoria no se transforma emao porque conta com propostas que no so satisfatoriamente compreen-didas pelos professores.

    A prtica cada vez mais vem alcanando posio central, tanto narediscusso do currculo, como da Educao de um modo geral. precisoassumir a centralidade da prtica, considerando professores e alunos, aquelesque nela atuam, como sujeitos nucleares do processo de teorizao do currculo.

    Nessa direo, Moreira sugere aos curriculistas que atuem nas dife-rentes instncias da prtica curricular e desenvolvam investigaes da pr-tica com os que nela atuam para subsidiar a formulao de polticas decurrculo, favorecer a renovao pedaggica e promover o avano da teo-ria. Trata-se, portanto, de considerar o lugar central do professor diante daprtica curricular a partir de uma concepo de trabalho docente que impli-ca em um saber fazer para alm da tcnica.

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    4. Para finalizar

    Ter clareza acerca do papel cultural da escola algo importante enecessrio. No entanto, preciso, alm disso, definir a maneira como essepapel apontado nos programas escolares e nas prticas dos professores.Mais do que definir o contedo cultural que integrar os programascurriculares, preciso sinalizar as orientaes ou os princpios que guiaroas escolhas culturais dos professores. Como sero desenvolvidas as prti-cas culturais e como ser encaminhado o processo de avaliao? Quais soas abordagens pedaggicas apropriadas para favorecer o desenvolvimentocultural no meio escolar? Quais os espaos e tempos apropriados para pr-ticas dessa natureza? Questes desse tipo precisam integrar os programasde reformas curriculares. Estas, por sua vez, no podem ser encaminhadaspor um grupo seleto e distante do contexto onde a prtica pedaggica sedesenvolve. Os professores, como intrpretes e crticos da cultura, pos-suem conhecimentos que lhes permitem participar de um processo de de-finio do papel e da perspectiva cultural do ensino que ministram.

    Diferentemente disso, a onda de reformas nos ltimos anos no temdeixado muito tempo para que os professores assimilem as modificaesintroduzidas pelas propostas oficiais. As mudanas encaminhadas, justa-mente por no contarem com a participao direta dos professores no seuprocesso de elaborao, encontram neles prprios tpicos obstculos suaimplementao. Se, por um lado, existem alteraes na dinmica curricularque agradam aos professores, por outro existem modificaes que no sobem aceitas. Principalmente aquelas que interferem diretamente nas suasrotinas de trabalho.

    Vivemos sob as expectativas de propostas que buscam alterar a estru-tura escolar, tais como: ciclos em lugar de srie; avaliao continuada emlugar de aprovao ou reprovao; classes de acelerao e/ou reorientaoda aprendizagem buscando atacar a distoro srie/idade e as dificuldadesgeneralizadas de aprendizagem; o ensino por competncias; o ensino comtemas transversais; o trabalho com projetos educativos, e assim por diante.Nem todas as propostas so nocivas e buscam atravancar o trabalho peda-ggico, cuja especificidade reside na aprendizagem do aluno. Pelo contr-rio, algumas delas apontam para direes bem interessantes. Todavia, odistanciamento entre a sua concepo e o envolvimento do professor acabase constituindo em um elemento crucial para determinar seu sucesso oufracasso.

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    Como diz Arroyo (2000), preciso repor os mestres no lugar de des-taque que lhes cabe. O professor, que mais parece um cata-vento que gira merc da ltima vontade poltica e da ltima demanda tecnolgica, preci-sa ser visto como sujeito central em qualquer processo de reformulaocurricular. Isto porque a atuao do professor implica na articulao deuma gama de saberes construdos no cotidiano do seu exerccio profissio-nal, a partir dos quais ele interpreta, compreende e orienta qualquer investidacurricular no contexto de sua sala de aula.

    REFERNCIAS

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    Texto recebido em 22 jun. 2006Texto aprovado em 14 nov. 2006

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