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As interpretações marxistas da crise atual - uma análise com base nas interpretações marxistas. As interpretações marxistas da crise atual - uma análise com base nas interpretações marxistas.As interpretações marxistas da crise atual - uma análise com base nas interpretações marxistas.As interpretações marxistas da crise atual - uma análise com base nas interpretações marxistas.As interpretações marxistas da crise atual - uma análise com base nas interpretações marxistas.As interpretações marxistas da crise atual - uma análise com base nas interpretações marxistas.As interpretações marxistas da crise atual - uma análise com base nas interpretações marxistas.As interpretações marxistas da crise atual - uma análise com base nas interpretações marxistas.TRANSCRIPT
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE ECONOMIA
DISSERTAO DE MESTRADO
AS INTERPRETAES MARXISTAS DA CRISE ECONMICA ATUAL:
UMA ANLISE COM BASE NA TEORIA DAS CRISES DE MARX
FLVIO FERREIRA DE MIRANDA
RIO DE JANEIRO
NOVEMBRO 2011
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE ECONOMIA
DISSERTAO DE MESTRADO
AS INTERPRETAES MARXISTAS DA CRISE ECONMICA ATUAL:
UMA ANLISE COM BASE NA TEORIA DAS CRISES DE MARX
FLVIO FERREIRA DE MIRANDA
ORIENTADOR: PROF. DR. REINALDO GONALVES
RIO DE JANEIRO
NOVEMBRO 2011
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FICHA CATALOGRFICA
M672 Miranda, Flvio Ferreira de.
As interpretaes marxistas da crise econmica atual : uma anlise com base
na teoria das crises de Marx / Flvio Ferreira de Miranda. 2011. 157 f. : il. ; 31 cm.
Orientador: Reinaldo Gonalves.
Dissertao (mestrado) Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Economia, Programa de Ps-Graduao em Economia, 2011.
Bibliografia: f. 153 - 157.
1. Marxismo. 2. Crise econmica. 3. Acumulao de capital. I. Gonalves,
Reinaldo. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Economia.
III. Ttulo.
CDD 335.412
F
4. Vacinas contra dengue e HPV. I. Chamas, Claudia Ins. II.
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Agradecimentos
Ao Prof. Reinaldo Gonalves, orientador desta dissertao, sempre disposto a
ajudar, paciente e com dicas valiosssimas que transcendem o escopo de um trabalho
como este e mesmo a vida acadmica.
Aos meus pais, Mrio e Mrcia, e ao meu irmo Rafael. Sem os quais no seria
possvel mesmo pensar em seguir carreira acadmica, mostrando-se sempre dispostos a
ajudar nos momentos mais difceis deste caminho que apenas se inicia.
Aos professores da Faculdade de Economia da UFF que me apresentaram
teoria social de Marx e marxistas, tanto em sala de aula, quanto em grupos de estudo:
Marcelo Carcanholo, grande inspirador e contribuinte deste trabalho; Joo Leonardo
Medeiros; Mario Duayer; Andr Guimares Augusto; Paulo Henrique Furtado; Lrida
Povoleri; e Alice Helga Werner.
Aos amigos Rmulo, Hugo, Bianca, Henrique, Maracajaro, Eduardo, Rodrigo,
Wellington, Paula e Renata, companheiros nos grupos de estudo, parceiros nesta
caminhada.
Aos professores e funcionrios do Instituto de Economia da UFRJ e Professora
Nazira Camely, da UFF, por ter se colocado a disposio para me ajudar em momentos
de grande aflio.
Ao Grupo T na Rua de teatro. Especialmente a Amir Haddad, grande
responsvel por uma linguagem teatral realmente popular e revolucionria e a Miguel
Campelo, mestre e fonte de inspirao para os primeirssimos passos nesta arte. No
esquecendo, contudo, dos demais integrantes desse grupo (muitos para citar) que no
apenas representou uma importantssima vlvula de escape nos momentos de tenso,
como abriu as portas de um novo mundo de possibilidades artsticas e de militncia
contra-hegemnica.
Aos meus alunos na Faculdade de Economia da UFF.
Aos meus grandes e verdadeiros amigos.
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AS INTERPRETAES MARXISTAS DA CRISE ECONMICA ATUAL:
UMA ANLISE COM BASE NA TEORIA DAS CRISES DE MARX
RESUMO: A crise que assola a economia mundial desde 2007 deu margem s mais
variadas interpretaoes a respeito de seu significado e de suas causas. Acredita-se,
contudo, que a teoria social de Marx corresponde, at os dias de hoje, a mais poderosa
ferramente terica em termos de capacidade explanatria dos fenmenos concretos.
Nesse sentido, pretende-se, neste trabalho, analisar como tericos sociais inspirados em
Marx avaliaram os acontecimentos recentes, em especial a forma histrica do processo
de acumulao de capital iniciado na dcada de 70 que culminou na crise atual. Em
especial, pretende-se analisar a forma como se utilizou a teoria de Marx, isto ,
comprovar se estas leituras foram capazes de aproveitar seu fecundo ponto de partida
terico em todo seu potencial explanatrio. Acredita-se que interpretar a crise atual a
partir da lgica de acumulao de capital fictcio, caracterstica desta fase histrica de
acumulao de capital, corresponda leitura marxista oferecida, dentre tantas, para a
crise atual, como maior capacidade explanatria. Para comprovar sintetiza-se a noo de
Marx sobre as crises cclicas do capitalismo, apresenta-se diferentes interpretaes
marxistas, para, posteriomente, avaliar qual delas utiliza melhor as categorias da Crtica
da Economia Poltica.
Palavras-chave: Marx, lei do valor, crises cclicas, capital fictcio
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MARXIST INTERPRETATIONS ON THE CURRENT ECONOMIC CRISIS:
AN ANALISIS BASED OS MARXS THEORY OF CRISIS
ABSTRACT:The economic crisis that began in 2007 gave rise to a variety fo
interpretations on its significancy and causes.However, we believe that till our days
Marxs social theory corresponds to the Best theoretical tool to understand concrete fenomenas.In this sense, we intend to anlise how social theorists inpired in Marx saw
the current developments, more specifically, the historical formo f accumulation of
capital that began in de 1970s and gave rise to this crisis.It is oura in to analise IF those theoristas were able to use marxian theory in its full explanatory potencial.We believe
that, in this sense, interpreting this crisis trhow the dialectical logic of fictitious capital
accumulation is the best way in terms of explanatory power. To prove it, we offer a
sinthesis of Marxian theorya of crises, presente different marxist explanations for this
crisis and, finally, check which of those interpretations fit best in Marxian theory.
Key-words: Marx, law of value, cyclical crisis, fictitious capital
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SUMRIO
Introduo.............................................................................................................................9
CAPTULO 1 As Crises Econmicas na Anlise de Marx ................................. .14
1.1 Contedo .............................................................................................................................. 15
1.1.1 Contedo em sua forma mais abstrata: a crise como possibilidade....... 21
1.1.2 Capital como barreira para o capital: a crise como realidade.....................26
1.1.2.1 Tendncia produo ilimitada de mercadorias......................................30
1.1.2.2 Tendncia ao aumento da massa consumidora.........................................37
1.1.2.3 Tendncia a restringir a realizao do valor produzido........................40
1.2 Causa e forma de manifestao.......................................................................................48
CAPTULO 2 Interpretaes Marxistas da Crise Atual ..................................... 52
2.1 A Crise a partir da lei de tendncia queda da taxa de lucro .......................... 53
2.1.1 A lei da queda da taxa de lucro como causa das crises em alguns autores marxistas................................................................................................................... ....................57
2.1.2 A lei da queda da taxa de lucro e a crise atual....................................................62
2.2 Problemas para realizao do valor produzido como causa da crise........... 66
2.2.1 Os "estagnacionistas"....................................................................................................66
2.2.1.1 A leitura "estagnacionista" da crise.................................................................76
2.2.2 A interpretao subconsumista de Michel Husson..........................................79
2.2.2.1 A crise nesta perspectiva subconsumista......................................................81
2.3 A financeirizao do capitalismo e sua crise .......................................................... 84
2.3.1 Sobre-acumulao de capital e financeirizao.................................................85
2.3.1.2 A crise do capitalismo financeirizado..............................................................92
2.3.2 A expropriao financeira e a financeirizao...................................................96
2.3.2.1 A crise da expropriao financeira................................................................101
2.4. A crise atual a partir da dialtica do capital fictcio ......................................... 103
2.4.1 A gnese dialtica do capital fictcio....................................................................104
2.4.1.1 Do capital mercantil ao capital fictcio.........................................................105
2.4.2 A crise do capital fictcio............................................................................................125
CAPTULO 3 Concluso: A teoria das crises de Marx e as leituras marxistas da crise atual ................................................................................................................... 134
3.1 A lei do valor de Marx: base para a anlise marxista das crises ................... 137
3.2 Formas de manifestao, contedo e causa das crises .................................... 143
3.3 Produo e apropriao de mais-valia: o cerne da questo ........................... 145
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3.4 A lgica de acumulao do capital fictcio: especificidade da crise atual....148
3.5 Sntese...........................................................................................................150
s
REFERENCIA BIBLIOGRFICAS .................................................................154
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Introduo
A crise que se iniciou no mercado imobilirio dos EUA em 2007, alastrou-se
pelo mercado financeiro mundial, devido ao fato de os ativos que puxaram a grande
expanso financeira da ltima dcada (bem como das duas dcadas precedentes)
flurem, em um sistema financeiro internacional cada vez mais livre a esse tipo de
restrio, por todo o globo, encontrando morada aonde quer que haja capital procura
de aplicao1. Em pouco tempo o setor produtivo foi contaminado, pela secagem dos
canais de crdito, reduo do consumo, desincentivo aos novos investimentos e mesmo
pelo envolvimento de grandes firmas industriais em complexos esquemas financeiros.
Enquanto, j em 2008, a variao percentual no PIB das economias do G7 indicava uma
leve retrao, os resultados do ano de 2009 patenteavam o rpido contgio global da
crise, atingindo mesmo as economias emergentes que vinham apresentando forte
crescimento nos anos anteriores, como Brasil (-0,64%), Rssia (-7,8%) e frica do Sul
(-1,68%).
A melhora nos indicadores econmicos ao longo do ano de 2010 fez com que
alguns analistas econmicos mais apressados decretassem o fim da crise e o incio de
uma nova fase de bonana. No entanto, a crise da dvida dos pases europeus emergiu,
mostrando a todos que os efeitos dessa crise econmica estavam longe de seu fim. Fica
cada vez mais claro que se trata no apenas de mais uma das crises financeiras que
irromperam nas trs ltimas dcadas e que puderam ser debeladas, aparentemente, por
meio da ao dos Bancos Centrais como provedores de liquidez ao sistema. Na verdade,
o que todos podem ver agora que essas crises foram resolvidas na medida em que
puderam ser adiadas e que, os acontecimentos recentes denotam o esgotamento de um
padro (ou regime, ou ciclo) de acumulao de capital, isto , de uma fase cclica de
expanso da acumulao de capital. Cada um dessas fases possui caractersticas
prprias, de acordo com as contingncias histricas, moldadas pelos problemas
engendrados pela fase expansiva anterior e manifestados em sua crise, momento em que
so criadas as condies para a retomada do processo de acumulao de capital, isto ,
para uma nova fase expansiva. Nesse sentido, pode-se dizer, com se pretende deixar
claro ao longo deste trabalho, que as sucessivas crises financeiras, cada vez mais
1 Para uma especificao detalhada da natureza desses ativos ver a seo 2.4 deste trabalho.
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freqentes a partir da dcada de 90, corresponderam a manifestaes preliminares do
esgotamento desta fase expansiva e que a soluo usual, o resgate do sistema financeiro
pelas autoridades monetrias, no poderiam ter feito mais do que adi-las ao mesmo
tempo em que permitiam o aprofundamento das contradies subjacentes a essa fase
especfica, na media em que permitiam a reproduo da lgica de acumulao de capital
fictcio. Os remdios usuais mostram-se incuos e, apesar disso, no se consegue propor
nada de novo que possa salvar o sistema financeiro.
Diante desse quadro pululam perguntas, que dizem muito mais do que as
respostas usuais sobre acontecimentos desse tipo. Apesar da ineficcia desse tipo de
ao, porque o resgate financeiro aparece como uma das principais alternativas
propostas pelos governos? Qual a funo social dos planos de austeridade impostos aos
pases que necessitam de socorro? claro que a resposta para tais perguntas deve partir
de uma correta caracterizao dessa crise, e mais ainda, de uma anlise cuidadosa do
sistema capitalista, em suas leis subjacentes de movimento. Acredita-se que uma
ferramenta poderosa, em termos de capacidade que a ferramenta terica mais poderosa,
em termos de capacidade explanatria, para se entender a realidade social do modo de
produo capitalista e mesmo o caminho metodolgico mais fecundo para a teoria
social, em geral, encontram-se na teoria de Marx. A teoria marxiana representa a nica
formulao terica sobre os determinantes do desenvolvimento (dialtico) do modo de
produo capitalista fundada em bases objetivas, como se pode perceber na teoria do
valor de Marx, fundada no trabalho humano em geral, na forma histrico-social da
necessidade eterna e imutvel que tem o ser humano de efetivar seu intercmbio com a
natureza. Como Marx afirma na famosa passagem da Crtica da filosofia do direito de
Hegel (2005): Ser radical tomar as coisas pela raiz. Mas, para o homem, a raiz o
prprio homem. Apesar da ao humana sempre pressupor a relao (estrutura) social,
esta no pode ser concebida sem os seres humanos. A descoberta do trabalho humano
em geral como fundamento do valor representa no s a resoluo do problema do valor
presente em economistas polticos clssicos como Smith e Ricardo, como tambm uma
crtica sociabilidade capitalista, sociedade na qual os indivduos estabelecem relao
atravs da troca dos produtos de seus trabalhos, ou seja, atravs do trabalho abstrato
(criador de valor). Encontra-se a a nica teoria sobre a origem do lucro, da riqueza na
forma capitalista e, conseqentemente, dos determinantes da acumulao de capital
fundamentada objetivamente. Qualquer teoria que busque a origem do valor fora do ser
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humano cai no fetiche de considerar que as relaes sociais surgem, reproduzem-se,
independentemente dos seres humanos.
Sob esta base Marx construiu sua anlise da dinmica capitalista. No entanto,
como se sabe, sua obra ensejou interpretaes das mais diversas e, muitas vezes,
conflitantes entre si. Como no poderia deixar de ser, em virtude da longa histria de
embates tericos no seio do marxismo, diversas leituras sobre a crise atual invocam
diferentes interpretaes da teoria de Marx. A pergunta bvia que emerge a seguinte:
Qual(is) dessa(s) leituras aproveita(m) a herana terica de Marx da melhor maneira
possvel, aproveitando o potencial explanatrio da mesma? Ou mesmo, quais delas
podem ser consideradas de fato como continuaes da obra terica de Marx, aplicao
da mesma aos desenvolvimentos contemporneos?
O presente trabalho procura responder a estas questes tendo por base uma
interpretao de Marx que se julga a mais correta, de modo a apresentar maior
capacidade explanatria frente ao objeto em questo: a economia capitalista. A leitura
em questo parte de uma caracterizao da teoria das crises cclicas do capitalismo em
Marx. Apesar de Marx no ter preparado um captulo sequer de O Capital para tratar
especificamente do tema, tendo em vista que o mesmo diz respeito ao processo cclico,
contraditrio, de acumulao de capital, pode-se dizer que todo o livro trata do tema.
exatamente esta a tarefa assumida no primeiro captulo deste trabalho: sintetizar o
argumento de Marx de forma que se possa oferecer uma teoria sobre as crises
econmicas que desmistifique seu contedo, para alm das muitas formas de
manifestao possveis para o fenmeno, e, a partir da, possa explicitar sua causa geral.
A interpretao particular para a crise atual defendida neste trabalho, como se
pretende demonstrar, procura estar em prefeito acordo com a teoria marxiana das crises
cclicas do capitalismo. Essa leitura baseia-se na lgica-dialtica de acumulao de
capital fictcio. O caminho escolhido para realizar a tarefa assumida neste trabalho foi o
de apresentar as propostas marxistas mais proeminentes de interpretao do capitalismo
contemporneo e, conseqentemente, da crise desta fase especfica de acumulao de
capital. O segundo captulo desta dissertao tem este objetivo, sendo dividido em
quatro sees, cada qual apresentando teoricamente perspectivas marxistas para o
capitalismo contemporneo e, posteriormente, a leitura dos fatos que culminaram na
crise atual a partir dessa base terica. Sendo assim, o captulo dividido em quatro
sees, na ordem que segue: a primeira sobre propostas que tm por base a lei de
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tendncia queda da taxa de lucro de Marx; em seguida, uma seo para autores que
entendem que o fato contraditrio de o capital criar, no curso de seu processo de
acumulao, problemas para a realizao da mais-valia produzida seja a causa das crises
econmicas em geral, e desta em particular; a terceira seo apresenta duas, dentre
muitas, interpretaes que entendem o que se convencionou chamar de processo de
financeirizao do capitalismo, como principal caracterstica do regime de acumulao
de capital contemporneo; e, finalmente, a ltima seo do segundo captulo apresenta a
perspectiva assumida neste trabalho, a que entende o capitalismo contemporneo, este
ciclo de acumulao de capital a partir da lgica do capital fictcio, como a resposta do
sistema aos problemas para a acumulao de capital na produo, que tornaram-se
evidentes a partir da crise da dcada de 1970.
Para mostrar a superioridade desta viso com relao s demais, escolheu-se
apontar o que deve possuir uma teoria sobre as crises econmicas e qual aspecto do
capitalismo contemporneo deve ser ressaltado, de forma a se aproveitar o potencial
explanatrio da teoria social de Marx. Ao longo desta exposio, no terceiro captulo
deste trabalho, ser demonstrado como a leitura aqui defendida apresenta-se como a
melhor opo dentre as demais. Acredita-se que a leitura marxista da crise atual deve
basear-se, rigorosamente, na lei do valor de Marx, de forma que seja capaz de
vislumbrar a contradio entre produo e apropriao da mais-valia como o motor do
comportamento cclico da acumulao de capital, o que possvel aps se ter clara a
separao analtica entre as formas de manifestao e o contedo do fenmeno. Por fim,
acredita-se que a correta acepo da categoria capital fictcio encaixa-se perfeitamente
nesta leitura, representando um aprofundamento da contradio entre o domnio social
da produo de mais-valia e a lgica privada de sua acumulao, alm de corresponder
forma de acumulao de capital que emergiu como grande vetor para a acumulao
em todas as suas formas e absorvedor do capital sem possibilidade de aplicao rentvel
na produo de mais-valia.
Reconhece-se que todas as leituras que aqui so apresentadas oferecem
importantes contribuies para que se possa entender essa fase atual do capitalismo,
bem como para o posicionamento da classe trabalhadora e dos bilhes de excludos do
processo de acumulao de riqueza no mundo. No entanto, a evoluo da teoria que se
coloca como crtica e, conseqentemente, da prtica que emerge desta apreenso da
realidade social, pressupe este tipo de debate. O que se quer mostrar que a leitura de
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Marx aqui oferecida e a interpretao da crise a partir da dialtica do capital fictcio
representam a ferramenta terica com melhor capacidade explanatria, dentre as demais
que sero expostas ao longo do trabalho, para se entender os acontecimentos recentes na
economia mundial.
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Captulo 1 As Crises Econmicas na Anlise de Marx
Neste captulo tem-se a inteno de destacar alguns elementos que se julga de
fundamental importncia para a concepo das crises econmicas na obra de Marx.
Apesar da carncia de um tratamento acabado e sistemtico do assunto pelo autor em
questo, sendo as crises o momento em que as contradies do modo de produo
capitalista se explicitam, pode-se argumentar que o tema esteja presente desde o incio
de O Capital, uma vez que o desvendar dos domnios causais subjacentes realidade
histrico-especfica do capitalismo o mote da obra, desenvolvendo-se dialeticamente as
categorias que explicam esta formao social do mais simples e abstrato ao mais
complexo e concreto. Sendo assim, tem-se o tema das crises de forma latente desde o
incio, ou seja, desde a contradio entre valor e valor-de-uso na anlise da mercadoria,
e de forma mais desenvolvida a partir da parte segunda do primeiro livro de O Capital,
momento no qual passa explicitamente a considerar o processo a que o capital diz
respeito.
Ademais, pode-se encontrar na obra de Marx alguns trechos em que fala
abertamente do tema, entre outros: o captulo XV de O Capital; o captulo XVII das
Teorias da Mais-Valia; e um trecho sobre o processo de circulao do capital no
captulo sobre o capital dos Grndrisse. Este primeiro captulo tem por base,
fundamentalmente, esses trs trechos da produo bibliogrfica de Marx, buscando-se, a
partir das indicaes de dois interpretes Ribeiro (2008) e Carcanholo (1996) ,
elementos dispersos nas obras de Marx que sirvam para demonstrar a necessidade das
crises econmicas a partir do desenvolvimento contraditrio do modo de produo
capitalista.
Nas crises os aspectos contraditrios dos dois plos de uma mesma relao se
manifestam violentamente e essa a nica forma possvel de restabelecer-se a unidade
necessria entre eles. As crises, portanto, so solues bruscas que restabelecem
transitoriamente a normalidade, ou seja, no so terminais consideradas em si mesmas
, no se deve esperar o fim do capitalismo como mera conseqncia de uma crise
econmica, que pelo contrrio o restaura, recolocando-o em seu curso normal
(contraditrio) de desenvolvimento. Isto significa dizer que as crises criam as condies
para um novo processo de acumulao de capital, o que denota seu carter cclico.
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Para comear, as crises aparecem como resultado do desenvolvimento das
contradies imanentes ao modo de produo capitalista. O carter contraditrio destas
relaes sociais fica patente no momento que eclodem as crises. Esse aspecto, por si s,
j indica a importncia que o estudo deste fenmeno representa para entender-se a
dinmica prpria do capitalismo. Nas palavras do filsofo Roy Bhaskar:
It might be conjectured that in periods of transition or crisis generative
structures previously opaque, become more visible to agents. And that this,
though it never yields quite the epistemic possibilities of a closure (even
when agents are self-consciously seeking to transform the social conditions
of their existence), does provide a partial analogue for the role played by
experimentation in natural science. (BHASKAR, 1998, p.48)
Seguem-se as indicaes de Ribeiro (2008) e Carcanholo (1996), no sentido de
que para o estudo das causas de um fenmeno, faz-se necessrio entender seu contedo.
Uma teoria marxista da crise deve, portanto, entender o contedo do fenmeno,
explicar a sua causa, e explicitar as formas pelas quais ele se apresenta na economia.
(CARCANHOLO, 1996, p. 173). Assim prossegue este captulo: a primeira seo tem
por objetivo entender o contedo das crises econmicas, identificando-o desde as
categorias mais gerais da anlise marxiana do modo de produo capitalista, onde as
crises aparecem apenas como possibilidade, para em seguida demonstrar como as leis
gerais desse modo de produo transformam o que antes era mera possibilidade em
nvel terico em realidade, isto , em resultado necessrio do funcionamento dessas leis;
em seguida pretende-se explicitar, na forma de concluso seo anterior, a causa
essencial do desenvolvimento contraditrio que culmina nas crises e, de maneira breve,
citar algumas possveis formas de manifestao, uma vez que nos captulos seguintes
trabalhar-se- diretamente com crise econmica em sua mais recente forma de
manifestao.
1.1 - Contedo
Antes de desenvolver apontamentos sobre as crises, Marx j concluiu o
enunciado da lei do valor em O Capital, isto , identificou o valor como relao social
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de igualao quantitativa entre os muitos trabalhos teis possveis de qualidades
diversas, sua forma de manifestao na troca por um equivalente geral, o valor de troca,
e sua forma de manifestao na troca tendo por equivalente em dinheiro, o preo,
analisando cuidadosamente o processo de produo e circulao do capital sem
considerar divergncia quantitativa entre preo e valor, at tratar do processo global de
acumulao capitalista (terceiro livro de O Capital), com o exame da interao
concorrencial dos capitais individuais para investigar a formao de uma taxa mdia de
lucro, ou seja, seguindo o caminho em direo forma mais concreta de manifestao
da mais-valia, o lucro. Neste ponto surge a categoria preo de produo, forma
transmutada do valor que indica que as mercadorias no se vendem necessariamente por
seus valores (individualmente consideradas, pois so vendidas por seus valores tendo-se
em vista a totalidade, ou seja, o somatrio dos preos de produo igual ao somatrio
dos valores das mercadorias), indicando a formao de uma taxa mdia de lucro, como
poro da mais-valia global que cada capital, individualmente considerado, se apropria.
O preo de produo, somatrio do preo de custo com o lucro mdio, indica que um
capital com composio orgnica superior composio mdia do capital social2, ou
seja, com maior razo entre capital constante e capital varivel, utilizando
proporcionalmente menos fora de trabalho, portanto, pode vender sua mercadoria
acima do valor da mesma, apropriando-se de maior massa de mais-valia do que ele
mesmo produziu, enquanto um capital de composio orgnica inferior apropria-se de
mais-valia em quantidade menor do que por ele produzida. Assim, a mais-valia de que
se apropriam os capitalistas no necessariamente a que gerada no processo de
produo particular que cada um comanda, mas a que lhe cabe como parte alquota do
capital global numa repartio uniforme da mais-valia produzida. Essa uma tendncia
que pode ser observada a este nvel de abstrao, tendo-se em vista a possibilidade de
que os capitais migrem de um ramo para outro em busca das taxas de lucro mais altas
possveis.
Aqui, do ponto de vista do lucro, os capitalistas so vistos como simples
acionistas de uma sociedade annima em que os dividendos se repartem
segundo percentagem uniforme, s se distinguindo os dividendos
2 O termo refere-se aqui totalidade do capital existente na sociedade, isto , ao somatrio dos muitos
capitais individuais, em nada se assemelhando noo burguesa de capital social to em voga ultimamente e que encerra um oximoro uma vez que capital supe a apropriao privada da mais-valia,
enquanto a expresso ps-moderna diz respeito a um bem comum que corresponde a uma vantagem em
termos de rendimento para os indivduos que fazem parte de um determinado grupo social.
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correspondentes a cada capitalista pela magnitude do capital que cada um
colocou no empreendimento comum, pela participao percentual que tem na
empresa, pelo nmero de aes que possui. Assim, regula-se inteiramente
pelo dispndio feito dentro do respectivo ramo o preo de custo, isto , a
parte do preo das mercadorias a qual substitui as fraes de valor do capital
consumida na produo e, por isso, necessariamente serve para compr-las de
volta. Mas, diversamente, o outro componente do preo das mercadorias, o
lucro acrescentado ao preo de custo, no se regula pela quantidade de lucro
que determinado capital produz em determinado ramo em dado tempo, e sim
pela quantidade de lucro que corresponde em mdia, em dado perodo, a cada
capital aplicado como parte alquota do capital global da sociedade
empregado em toda a produo. (MARX, 2006, V. 4, p. 211-212)
Ento, tendo-se em vista todo o capital social, quanto menor a composio
orgnica, maior a quantidade de mais-valia produzida e, portanto, maior a massa de
mais-valia que caber a cada parte alquota do capital total. No entanto, do ponto de
vista individual, aumentar a composio orgnica significa reduzir o preo de custo,
uma vez que todo o capital varivel circulante, enquanto grande parte do capital
constante transfere valor aos poucos, ao longo de muitos processos produtivos,
mercadoria. Desta forma, para o capitalista individual, poupar trabalho significa poder
apropriar-se de mais-valia extraordinria, isto , apropriar-se de mais valor do que foi
produzido, o que se expressa para ele como mera reduo de custos frente taxa de
lucro a que faz jus enquanto parcela do capital total. A origem do lucro assim
mistificada, uma vez que determinado por fatores externos a cada processo de
produo individualmente considerado. Ao capitalista parece que seu lucro no provm
do trabalho por ele mesmo empregado, embora a taxa mdia de lucro dependa da
explorao global do trabalho. Trabalho vivo no parece, portanto, ser fonte de lucro,
pelo contrrio, a economia de trabalho fonte direta de aumento do lucro para um
capitalista individual.
Para concluir a lei do valor e partir para a anlise completa de suas
conseqncias tendo-se em vista o processo global de acumulao capitalista, Marx
passa a considerar as influncias mais rasteiras, isto , mais superficiais, sobre os preos
de mercado, a interao entre oferta e demanda determinando os desvios com relao ao
valor de mercado (tempo de trabalho socialmente necessrio), ou ao preo de produo.
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Se a demanda for maior que a oferta os preos de mercado so regulados pelas
mercadorias produzidas nas piores condies; se a oferta for maior que a demanda os
preos de mercado regulam-se pelas mercadorias produzidas na melhores condies.
Assim, preos de mercado flutuam em torno do valor de mercado (ou dos preos de
produo, considerando-se o nvel de abstrao da tendncia igualao da taxa mdia
de lucro3) de acordo com as variaes entre oferta e demanda. Portanto, nada se pode
explicar com a relao entre a oferta e a procura sem antes conhecer a base sobre a qual
opera essa relao.
Qualquer que seja o modo como, de incio, os preos das diferentes
mercadorias reciprocamente se fixem ou regulem, a lei do valor governa o
movimento deles. Quando diminui o tempo de trabalho exigido para produzi-
las, caem os preos, quando aumenta, aumentam os preos, desde que no se
alterem as demais condies. (Ibid., p. 233)
Chega-se a lei da tendncia queda da taxa de lucro como conseqncia
necessria do progresso da produtividade social do trabalho no modo de produo
capitalista. Como se disse, a possibilidade de apropriar-se de maior massa de mais-valia
e de, desta forma, situar-se em uma posio vantajosa com relao aos demais capitais
concorrentes empurra cada capital, individualmente, ao aumento da produtividade, isto
, adoo de processos produtivos que utilizem proporcionalmente menos fora de
trabalho e mais meios de produo4, em especial capitais fixos. Em outras palavras, h
uma tendncia ao aumento da composio orgnica dos capitais individualmente
considerados (aumento relativo do capital constante frente ao varivel) e, como
resultado, do capital social, se essa alterao acontece, mais ou menos, em todos os
ramos decisivos. Ento, esse aumento progressivo do capital constante em relao ao
varivel deve, necessariamente, ter por conseqncia queda gradual na taxa geral de
lucro, desde que no varie a taxa de mais-valia ou o grau de explorao do trabalho pelo
capital. (Ibid., p. 282) Isto ocorre porque cada unidade do produto passa a conter
3 O que dissemos do valor de mercado estende-se ao preo de produo quando o substitui. O preo de
produo regulado em cada ramo, e tambm segundo as condies particulares. E ele o centro em
torno do qual giram os preos quotidianos de mercado, que nele tendem a nivelar-se dentro de
determinados perodos [...]. (MARX, 2006, V.4, p. 235-236) 4 Graas ao progresso da produtividade do trabalho social, quantidade sempre crescente de meios de
produo pode ser mobilizada com um dispndio progressivamente menor de fora humana. Este
enunciado uma lei na sociedade capitalista, onde o instrumental de trabalho emprega o trabalhador, e
no este o instrumental. (MARX, 2006, V. 2, p. 748)
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19
progressivamente menos trabalho e, portanto, menor massa de mais-valia, de forma que
como os preos so em ltima instncia governados pelo tempo de trabalho socialmente
necessrio, a lei de tendncia queda da taxa de lucro se expressa como conseqncia
do progresso da produtividade do trabalho social e pela afirmao da lei do valor, como
determinante ltimo dos preos das mercadorias.
A identificao dessa lei como tendncia do processo de acumulao de capital
no exclui que a massa de mais-valia, e conseqentemente de lucro, se elevem, pelo
contrrio, condio de existncia deste modo de produo que a massa de lucro
aumente, uma vez que ele ao mesmo tempo processo de acumulao5. Alm disso,
trata-se de uma lei cuja manifestao objetiva pode ser modificada por circunstncias
diversas. Os mesmos motivos que levam tendncia queda geram foras que atuam
em direes opostas. O processo global de acumulao de capital gera, como tendncia,
o aumento do grau de explorao da fora de trabalho, reduo dos salrios, queda no
valor dos elementos do capital constante, entre outros fatores contrrios tendncia
queda da taxa de lucro6. A predominncia ora para uma direo, ora para a outra,
obedece ao movimento cclico da economia capitalista. Diversos fatores atuam
incessantemente sobre o objeto em questo, a taxa de lucro. As mesmas causas que
concorrem para a tendncia queda, portanto, moderam a realizao dessa tendncia.
Assim, pode parecer arbitrria a escolha da queda da taxa de lucro para tendncia, j
que outros fatores atuam em sentido contrrio, isto , como contra-tendncias. Ou seja,
porque lei da queda tendncia e os fatores contrrios que levam ao aumento da taxa de
lucro so contra-tendncias e no o oposto? Levando-se a cabo um raciocnio acerca dos
limites dos fatores que atuam em direes contrrias, elimina-se a aparncia de
arbitrariedade na escolha. O aumento na composio orgnica da capital , em abstrato,
ilimitado, enquanto que os fatores que so listados por Marx como contrrios lei so
todos limitados7.
5 Ao progredir o processo de produo e de acumulao, cresce necessariamente tambm a massa de
trabalho excedente de que o capital se apropria e pode se apropriar, e, por conseguinte, a massa absoluta
do lucro obtido pelo capital da sociedade. Mas as mesmas leis da produo e da acumulao aumentam,
alm da massa, o valor do capital constante em progresso crescente, de maneira mais rpida que o do
capital varivel, que se converte em trabalho vivo. As mesmas leis geram, para o capital sociedade,
crescimento absoluto da massa de lucro e taxa cadente de lucro. (MARX, 2006, V. 4, p. 290) 6 Esses e alguns outros fatores contrrios queda da taxa de lucro esto listados no Captulo XIV do
Livro III de O Capital (Fatores contrrios lei). 7 Por exemplo, o aumento do grau de explorao da fora de trabalho no pode chegar ao ponto em que os
capitalistas se apropriam de todo o tempo de trabalho, mesmo assim, imaginando-se extremos, o limite
para o aumento da mais-valia absoluta a durao do dia, limite que nem o capital conseguiria transpor, e
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A terceira parte do livro III ento encerrada com um captulo sobre algumas
contradies internas lei da tendncia queda da taxa de lucro. neste captulo que o
tema das crises capitalistas abordado como em nenhum outro de O Capital, contudo
de maneira confusa, dando margens s mais diversas interpretaes sobre o fenmeno.
curioso que, a partir deste captulo, podem-se retirar citaes que corroboram
diferentes vises sobre as causas das crises no clssico debate marxista a esse respeito8,
a despeito de que descontextualizar pode ser um subterfgio para que as palavras soem
exatamente como se quer ouvi-las. No referido debate confuso entre causa e forma de
manifestao regra na maior parte dos casos. A esse respeito falar-se- com mais
cuidado, embora ainda com perigosa brevidade, mais a frente no texto.
Acredita-se poder argumentar que a forma de exposio, no que tange escolha
de primeiro enunciar por completo a lei do valor para depois analisar as crises, se deve
ao fato de que ciclos econmicos, e, portanto, crises, envolvem variao nos preos das
mercadorias de forma que estes podem divergir dos respectivos valores, no se podendo
estudar o tema em um nvel de abstrao no qual no se considera ainda possibilidade
da ocorrncia desse desvio. As mercadorias so vendidas por seus valores quando oferta
e procura se equilibram, no sendo possvel, portanto, a partir da hiptese de que as
mercadorias so trocadas por seus valores abordar um fenmeno que envolve a no
realizao de parte do produto e, consequentemente, da mais-valia produzida. Alm
disso, em O Capital fala-se em crises econmicas antes de tratar-se dos capitais cujo
ciclo de valorizao no penetra na esfera da produo, as chamadas formas
autonomizadas do capital, o que atesta o fato de que para Marx a explicitao das
tendncias subjacentes produo capitalista suficiente para atestar e demonstrar o
fato de que o processo de acumulao de capital, em sua totalidade, necessariamente
implica no aparecimento de situaes em que parte do capital social, ento em
quantidade excessiva com relao s possibilidades reais de valorizao, deve ser
destrudo, isto , nas crises.
Assim, para se falar de contedo e causa geral das crises econmicas no se faz
necessrio tratar dos capitais que habitam unicamente a esfera da circulao. No
entanto, na medida em que o desenvolvimento lgico-categorial se aproxima da
a reduo do valor da fora de trabalho no pode chegar zero. Por outro lado, o aumento do capital
constante sobre o varivel tende ao infinito. 8 Sobre o debate marxista acerca das causas das crises econmicas e para uma interpretao do mesmo
ver Carcanholo (1996).
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realidade concreta dos fenmenos faz-se necessrio o tratamento de todas as parties
do capital total, o que se pretende fazer no captulo seguinte.
Antes, comea-se a tratar do contedo do fenmeno da maneira mais geral
possvel, desenvolvendo-se a contradio interna mercadoria, valor e valor de uso,
ponto inicial da anlise da Marx do modo de produo capitalista. Da crise como
possibilidade, parte-se para a mesma como realidade, atravs das tendncias gerais do
capital em seu processo de acumulao, processo este que o constitui enquanto tal, uma
vez que o capital no pode ser entendido seno como processo de valorizao.
1.1.1 - Contedo em sua forma mais abstrata: a crise como possibilidade
A concepo marxiana de valor como equalizao de trabalhos teis de
qualidades diversas, uma relao quantitativa que denota a subordinao da produo
social a uma lgica estranhada; como elemento descortinado de maneira mais geral
como um dos plos constituintes da mercadoria, juntamente com o valor de uso,
formando uma relao contraditria, compreende o primeiro passo para a compreenso
das crises capitalistas.
Ao nvel de abstrao, com o qual Marx inicia seu estudo em O Capital,
produtores privados de mercadorias oferecem os produtos de seus trabalhos particulares
em troca dos produtos de trabalhos alheios. Dessa forma, o produto de cada indivduo
para si parte alquota da riqueza social, capaz de ser trocado por qualquer outra
mercadoria em quantidades determinadas pelo tempo de trabalho socialmente
necessrio contido na mercadoria, isto , pelo valor de troca da mercadoria,
manifestao do valor na troca.
As mercadorias, recordemos, s encarnam valor na medida em que so
expresses de uma mesma substncia social, o trabalho humano; seu valor ,
portanto, uma realidade apenas social, s podendo manifestar-se,
evidentemente, na relao social em que uma mercadoria se troca por outra.
(MARX, 2006, V. 1, p.69)
Podem ser, portanto, igualadas, comparveis umas as outras, como encarnaes
de trabalho humano em geral. Mas no haveriam de ser trocadas se no fossem
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diferentes quanto s suas propriedades materiais particulares, podendo ser aplicadas,
desta forma, satisfao de necessidades tambm particulares. A mercadoria, enfim,
objeto de desejo para o consumo humano por ser um valor de uso.
Com base neste argumento, pode-se agora assinalar que a dupla determinao da
mercadoria (valor e valor de uso) forma uma contradio. A objetividade do valor da
mercadoria (universal) se contrape objetividade do carter til da mercadoria
(particular), contradio essa que fica patente antes de tudo no fato de o valor de uso
ocultar, em lugar de revelar, o valor. Os dois plos so, portanto, determinaes
complementares da mercadoria que, ao mesmo tempo, se repelem como formas de
manifestao do seu contedo9.
O carter contraditrio da mercadoria, isto , ser unidade de plos antitticos,
valor e valor de uso, se patenteia, portanto, na circulao simples de mercadorias. Na
troca, passando do produtor para o consumidor, a mercadoria assume a forma da
categoria especfica conveniente ao ator da troca em cujo poder se encontra. , para
cada um, valor de troca (cujo fundamento o valor) ou valor de uso. Na circulao, a
realizao de uma categoria sempre a negao da outra.
Enquanto mercadoria, cada uma de suas formas agua, sua maneira, a ambio
de cada agente: um s v nela valor de uso; outro s v valor de troca, ou, descendo
realidade dos fenmenos, dinheiro (em prespectiva). A mercadoria dinheiro apresenta-
se, na relao entre os sujeitos envolvidos na troca, como medida para o trabalho
humano em geral. O trabalho concreto para a produo da mercadoria que assume a
funo social do dinheiro manifesta direta e concretamente o trabalho humano
abstrato10
. O dinheiro, um produto genuno da circulao, adquire nela um grau de
autonomia diante das mercadorias que expressam em seu corpo o valor que possuem. A
autonomia do dinheiro com relao s mercadorias no pode, entretanto, ser total, posto
que, mesmo que s idealmente, o dinheiro deve sempre manter relao com os valores
de uso aos quais serve de medida de valor valores de uso que com ele podem ser
adquiridos, levando o dinheiro novamente para a circulao.
9 Por exemplo: Admitamos que [...] se reduza metade [o tempo necessrio para a produo de um
casaco] [...] dois casacos passam a ter o valor de um, embora [...] o casaco tenha a mesma utilidade de
antes e o trabalho til nele contido continue sendo da mesma qualidade. (MARX, 2006, V. 1, p.67) 10
Reside justamente na dificuldade de compreender essas propriedades do dinheiro as interpretaes
equivocadas que o julgam ser, como dinheiro, valor e no forma fenomnica real da expresso relativa do
valor de outras mercadorias.
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23
Assim, a circulao simples de mercadorias, M-D-M, do ponto de vista de um
nico indivduo divide-se em dois atos: venda, M-D; e compra, D-M11
. Para ir de
encontro satisfao de seus carecimentos, um indivduo deve oferecer o produto de
seu trabalho no mercado, ao preo que j diz de imediato qual a parcela da riqueza
social que este produtor faz jus. Valor, como tempo de trabalho socialmente necessrio
para a produo de uma mercadoria, acha no preo forma de expresso quando a
mercadoria trocada por dinheiro. O valor, interno mercadoria, se expressa
externamente no preo12
da mercadoria. Para se apropriar do valor produzido, tem,
portanto, de vend-la. A manifestao externa s pode realizar-se externamente, isto ,
com a alienao da mercadoria por dinheiro. Para lhe dar um preo, basta igual-la ao
ouro13
idealizado. A fim de prestar a seu dono o servio de equivalente geral, tem ela de
ser substituda por ouro. (Ibid., p. 130)
Em M-D confrontam-se o produtor da mercadoria e o dono do dinheiro. Para
que este decida comprar, a mercadoria deve ser para ele um valor de uso,
[...] e o trabalho nela despendido tem de possuir, portanto, forma socialmente
til, ou de ser reconhecido como elemento da diviso social do trabalho. Mas
a diviso social do trabalho um organismo de produo que se formou e
continua a evolver, natural e espontaneamente, margem da conscincia dos
produtores de mercadorias. (Ibid., p. 133)
Dessa forma, novas necessidades podem ser criadas, bem como produtos que
satisfaziam determinada necessidade podem ser substitudos por outros. Alm disso, o
trabalho do produtor da mercadoria pode no ser confirmado socialmente pela venda se
as necessidades que sua mercadoria deve satisfazer encontrarem-se saciadas. No sendo
esse o caso, pode ainda haver alterao no tempo de trabalho socialmente necessrio
para a produo da mercadoria (valor de mercado), algo sobre o qual o produtor no tem
controle, fazendo com que o preo obtido no seja o inicialmente desejado.
11
Venda e compra coincidem imediatamente apenas na media em que representam uma transao entre
dois indivduos polarmente opostos, o comprador e o vendedor. 12
Nessa relao, pode o preo expressar tanto a magnitude do valor da mercadoria quanto essa magnitude deformada para mais ou para menos, de acordo com as circunstncias. A possibilidade de
divergncia quantitativa entre preo e magnitude de valor, ou do afastamento do preo da magnitude de
valor, , assim, inerente prpria forma preo. Isto no constitui um defeito dela, mas torna-a forma
adequada a um modo de produo em que a regra s se pode impor atravs de mdia que se realiza,
irresistivelmente, atravs da irregularidade aparente. (Ibid., p. 129) 13
No incio do Captulo III do Livro I de O Capital, captulo sob o qual se referencia a maior parte desta
subseo, Marx supe, para simplificar, que o ouro a mercadoria dinheiro. (Ibid., p. 121)
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Efetuada a venda, contudo, o dinheiro deixa de ser apenas ideal, mera medida do
valor, para tornar-se dinheiro real. O produtor pode, a partir da, partir para a segunda
etapa da metamorfose da mercadoria, D-M. Agora o produtor da mercadoria
inicialmente considerada que de posse do representante universal do valor, o dinheiro,
pode troc-lo por um valor de uso.
Tendo-se como referncia a troca direta de mercadorias, M-M, v-se que a troca
de mercadorias por intermdio do dinheiro rompe com limites individuais e locais,
dissociando os atos de compra e venda do ponto de vista de um indivduo. Mas s o faz,
no entanto, desenvolvendo todo um ciclo de espontneas conexes sociais,
incontrolveis pelos que intervm nas operaes. (Ibid., p. 139)
A existncia da mercadoria apenas enquanto unidade de valor e valor de uso,
essa contradio imanente, se expressa externamente na separao dos atos de compra e
venda, de maneira que o valor, expresso em dinheiro, adquire independncia relativa
com relao ao seu par dialtico. Nas palavras de Marx:
A identidade de venda e compra tem por conseqncia tornar intil a
mercadoria que, lanada na retorta alquimista da circulao, no vira
dinheiro, no a vende seu possuidor nem a compra, por conseguinte, o
possuidor do dinheiro. Essa identidade faz com que, terminado o processo de
compra e venda, se constitua um ponto de repouso, um intervalo na vida da
mercadoria, o qual pode durar mais ou menos tempo. Uma vez que a primeira
fase da mercadoria , ao mesmo tempo, venda e compra, esse processo,
embora parcial, autnomo. [...] Dizer que esses atos antitticos,
independentes entre si, possuem uma unidade interior equivale a dizer que
essa unidade interior transparece atravs de antteses externas. Se essa
independncia exterior dos dois atos interiormente dependentes por serem
complementares prossegue se afirmando alm de certo ponto, contra ela
prevalece, brutalmente, a unidade, por meio de uma crise. A contradio
imanente mercadoria, que se patenteia na oposio entre valor-de-uso e
valor, no trabalho privado, que tem, ao mesmo tempo, de funcionar como
trabalho social imediato, no trabalho concreto particular, que, ao mesmo
tempo, s vale como trabalho abstrato geral, e que transparece na oposio
entre a personificao das coisas e a representao das pessoas por coisas
essa contradio imanente atinge formas completas de manifestar-se nas
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fases opostas da metamorfose das mercadorias. Essas formas implicam a
possibilidade, mas apenas a possibilidade das crises. (Ibid., p. 140)
Se na contradio interna mercadoria, expressa de maneira externa pela
mediao do dinheiro na metamorfose das mercadorias, j possvel vislumbrar, da
forma mais abstrata possvel, o fenmeno das crises capitalistas, no se pode, contudo, a
partir da explicitar suas causas. A converso dessa possibilidade em realidade depende,
como lembra Marx, de um conjunto de condies ainda no presentes a este nvel da
anlise14
. Esse conjunto de condies diz respeito s leis que regem o movimento da
produo capitalista e seus resultados contraditrios que foram a separao entre valor
e valor de uso, exacerbando a contradio at o ponto em que a unidade interna s pode
ser recobrada de maneira violenta por meio de uma crise.
A este nvel de abstrao, isto , da circulao simples de mercadorias, o
objetivo final dos produtores privados a apropriao de valores de uso, a satisfao de
necessidades dadas, limitadas por natureza. A produo capitalista funda-se, contudo,
sobre a apropriao do valor, necessidade constitutiva do capital que , em si, ilimitada.
Uma lgica que se sobrepe aos indivduos como fora estranha, externa, subordinando
seus comportamentos a este objetivo primordial para esta forma social de produo. Sob
essa lgica determina-se o processo que desemboca em crises de maneira cclica, o da
acumulao capitalista. A contradio entre valor e valor de uso uma realidade no
modo de produo capitalista, mas a sua constatao apenas ao nvel da circulao
simples de mercadorias no mostra a subordinao do trabalho humano lgica
expansiva do valor, embora j demonstre o imperativo de seu reconhecimento social,
porm ainda no mbito da satisfao de necessidades diretamente humanas. Nesse
sentido, pode-se dizer que o modo de produo capitalista move-se pela satisfao de
necessidades coisais, que so apenas indiretamente humanas.
A mera possibilidade da crise, sua identificao da maneira mais abstrata
possvel a partir dos elementos at aqui desenvolvidos, no pode explicar porque os
plos antinmicos entram em conflito de tal forma que a crise surge pela necessidade de
se repor as condies em que repousam sua unidade. Explicar la crisis sobre la base de
14
No consideramos at agora nenhuma outra relao econmica entre os homens, alm da que se estabelece entre possuidores de mercadoria, e, nela, os homens s se apropriam do trabalho alheio
alienando o produto do prprio trabalho. (Ibid., p. 135-136)
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esto, su forma elemental, es explicar la existncia de la crisis mediante la descripcin de
su forma ms abstracta, es decir, explicar la crisis por la crisis. (MARX, 1975, p. 429)
Isso no significa que a forma abstrata no seja real, significa apenas que no
suficiente para explicar o aparecimento da crise. No haveria crise sem a separao
potencialmente conflituosa entre compra e venda. A crise no pode existir sem
manifestar-se ao mesmo tempo em sua forma simples. A esse respeito julga-se oportuno
reproduzir a advertncia de Pedro Lpez Diaz:
Nos encontramos, tericamente, frente a una condicin general como
possibilidad abstracta de la crisis en su connotacin fundamentalmente
mercantil. Queda claro que el proceso histrico del desarollo de la sociedad
nunca ha atravesado por una etapa tal que estuviera configurada por la
existencia de la produccin mercantil en si misma. El concepto de produccin
mercantil simple como abstraccin alude ms bien a las condiciones
primigenias y necesarias del punto de partida del capitalismo en su existencia
histrica, como una de sus condiciones generales que adquirirn fisonomia
propia con el trastocamiento del valor en plusvalor, es decir, en capital.
(DAZ, 1993, p. 32-33)
Para se constatar, portanto, o contedo das crises econmicas capitalistas em sua
forma mais desenvolvida, ou seja, como realidade ao invs de apenas possibilidade,
deve-se considerar o capital como barreira para o capital. Ou seja, deve-se demonstrar
como as leis que regem o processo global de acumulao capitalista, expressas como
necessidades que constrangem os capitalistas individuais por meio da concorrncia,
criam, ao mesmo tempo, barreiras para a acumulao de capital, manifestando-se
periodicamente de maneira aguda em crises. Este ser o objeto da prxima seo.
1.1.2 - Capital como barreira para o capital: a crise como realidade
A partir de um nvel lgico-categorial mais concreto, isto , considerando-se as
determinaes essenciais do processo de produo capitalista, ou seja, as leis que
regulam o seu movimento pode-se vislumbrar as crises como momentos necessrios do
processo global de acumulao de capital. A partir deste ponto de vista, percebe-se que,
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a despeito de no existir nenhum captulo que trate especificamente do fenmeno das
crises em O Capital, o tema perpassa toda a obra, na medida em que esta descortina as
tendncias gerais do modo de produo capitalista15
, cujo desenvolvimento
contraditrio desemboca periodicamente em crises, que nada mais so que solues
circunstanciais a restaurar a unidade nos momentos em que as contradies se
exacerbam para alm dos limites que permitem a reproduo das relaes essenciais
subjacentes a esta formao social. Em Teorias Sobre a Mais-Valia, Marx aponta que a
possibilidade das crises, que se evidncia na circulao simples de mercadorias, queda
demonstrada una vez ms, y ms desarollada, por la discrepancia entre el proceso de
produccin (directo) y el proceso de circulacin. (MARX, 1975, p. 435)
Um ponto importante a ser destacado na anlise marxiana que o estudo da
dinmica da sociedade fundada no capital , ao mesmo tempo, sua crtica a partir das
relaes sociais, formas de pensamento e reproduo, subjacentes. Crtica a uma forma
de sociabilidade fundada na lgica do valor, que subordina os sujeitos desde fora. Ou
seja, dado o carter mercantil da sociedade capitalista, a produo confronta seus
prprios sujeitos como fora autnoma, externa, estranha. Nesta formao social o
homem passa de sujeito a objeto de seu prprio produto.
A produo capitalista dirige-se satisfao das necessidades humanas apenas
indiretamente, de maneira subordinada lgica da apropriao de mais-valia16
,
conforme acima mencionado. Nas palavras de Marx:
O capital, cada vez mais, se patenteia fora social: tem o capitalista por
agente e no se relaciona mais com o que pode criar o trabalho de cada
indivduo; mas patenteia-se fora social alienada, autnoma, que enfrenta a
sociedade como coisa e como poder do capitalista por meio dessa coisa.
(MARX, 2006, V. 4, p. 344)
Sob o imperativo, em si mesmo ilimitado da apropriao do lucro, o modo de
produo capitalista tem a tendncia de desenvolver de maneira absoluta as foras
produtivas sociais, engendrando, ao mesmo tempo, relaes antagnicas de distribuio,
o que se patenteia em um conflito entre as condies de produo e realizao. Isto ,
um conflito entre o desenvolvimento das foras produtivas e as condies sociais de
15
Las condiciones generales de la crisis, [...], deben ser explicables a partir de las condiciones generales de la produccin capitalista. (MARX, 1975, p. 440) 16
Ou lucro, forma imediata de manifestao do excedente em valor.
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28
produo (unidade de produo e realizao). Desta forma, [n]o se produz riqueza
demais. Mas a riqueza que se produz periodicamente demais nas formas antagnicas
do capitalismo. (Ibid., p. 337)
Assim, tendo-se em vista todo o capital social, o processo da acumulao de
capital ergue barreiras a si prprio. Patenteia-se nas crises a existncia de capital
suprfluo, juntamente com populao suprflua. Ou seja, a incapacidade da
continuidade do processo de acumulao para todo o estoque de capital existente.
Essa pletora de capitais nasce das mesmas circunstncias que provocam a
superpopulao relativa, sendo, portanto, fenmeno que a completa, embora
ambas estejam em plos opostos, de um lado capital desempregado e, do
outro, populao trabalhadora desempregada. (Ibid., p. 330)
A paralisao, ou mesmo destruio, de parte do capital social contm as razes
da superao da crise, isto , da reposio das condies de acumulao de capital,
dando incio a um novo momento de prosperidade, denotando o carter cclico das
crises econmicas capitalistas. O processo que leva retomada da acumulao de
capital, no entanto, ocorre de maneira bastante traumtica (piora geral nas condies de
vida da populao), com luta feroz entre os capitais para decidir qual a parcela do
capital social ter de ser posta em ociosidade, isto , decidir quem vai carregar o fardo
da crise, o que em geral leva a uma maior centralizao do capital.
[...] quando no se trata mais de repartir os lucros e sim as perdas, procura
cada um reduzir ao mximo possvel a parte que tem nelas, transferindo-a
para os outros. As perdas so inevitveis para a classe. Quanto cada um ter
de suportar delas, at onde ter de nelas participar, problema a ser resolvido
pela fora e pela astcia, transformando-se a concorrncia em luta entre os
irmos inimigos. Positiva-se ento a contradio entre o interesse de cada
capitalista e o da classe capitalista, do mesmo modo que antes, por meio da
concorrncia, se impunha a identidade de interesses. (Ibid., p. 332)
As crises se resolvem pela destruio de parte do capital, at que o excesso, em
termos de possibilidade de valorizao, isto , da razo de ser do capital, tenha sido
eliminado. As perdas se distribuem de maneira desigual de acordo com as vantagens e
posies j conquistadas de cada um. No entanto, as contradies que desembocam em
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29
crises so por estas solucionadas apenas na medida em que so repostas. As crises se
apresentam como nica maneira possvel de ser restaurada a unidade de uma relao
cujos aspectos contraditrios de seus plos constitutivos exacerbaram-se alm da conta,
isto , alm da capacidade de reproduo da relao. Isto significa dizer que as crises
criam as condies para um novo processo de acumulao de capital e que o fazem
repondo as contradies que a geraram, possivelmente em maior nvel de complexidade,
isto , aprofundando-as.
As tendncias gerais do processo global de produo capitalista engendram,
portanto, resultados contraditrios que desembocam em crises. Estas tendncias gerais
afirmam-se para os capitalistas individuais como leis, como condies para a
manuteno de suas existncias enquanto tais, por meio da concorrncia. Da citao
anterior, depreende-se que concorrncia no se apresenta para os capitalistas de maneira
imutvel ao longo do ciclo, antes evoluem com este, de forma a incutir-lhes as
necessidades supremas do capital em seus diferentes estgios cclicos, que, conforme j
mencionado, assume forma de coisa estranha, externa, uma espcie de regulador
transcendente da prxis social. Assim, em momentos de crise a concorrncia
transforma-se em luta entre os irmos inimigos. De maneira geral concorrncia a
forma pela qual as tendncias imanentes do capital realizam-se como necessidades
externas. Conceptually, competition is nothing but the inner nature of capital, its
essential character, manifested and realized as the reciprocal action of many capitals
upon each other; immanent tendency realized as external necessity. (MARX, 1986, p.
341)
A mera constatao de que o contedo das crises econmicas consiste no fato de
que a produo capitalista engendra as condies que criam dificuldades a sua prpria
realizao, isto , de que a barreira efetiva da produo capitalista o prprio capital,
(MARX, 2006, V. 4, p.328) no explica o surgimento dessas condies como momentos
necessrios no processo de acumulao de capital. Para tanto, deve-se reproduzir os
argumentos utilizados por Marx para demonstrar que:
Os limites intransponveis em que se podem mover a manuteno e a
expanso do valor-capital, a qual se baseia na expropriao e no
empobrecimento da grande massa dos produtores, colidem constantemente
com os mtodos de produo que o capital tem de empregar para atingir seu
objetivo e que visam ao aumento ilimitado da produo, produo como
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30
fim em si mesma, ao desenvolvimento incondicionado das foras produtivas
sociais do trabalho. O meio desenvolvimento ilimitado das foras
produtivas sociais , em carter permanente, conflita com o objetivo
limitado, a valorizao do capital existente. (Ibid., p. 329)
Deve-se demonstrar, portanto, como as leis que regulam o modo de produo
capitalista geram uma tendncia superacumulao de capital, que sempre implica em
superproduo de mercadorias17
, isto , em termos concretos implica em queda da
atividade econmica, desemprego, acumulao de estoques invendveis de mercadorias
etc. Ou seja, demonstrar como essas legalidades criam, ao mesmo tempo e como
tendncia: produo ilimitada de mercadorias; aumento da massa consumidora; e
obstculos ao consumo. (RIBEIRO, 2008, p. 90) Resultados que denotam a coliso
entre as condies de produo das mercadorias e as condies de realizao dessa
produo, o que implica em dificuldades para a continuidade da acumulao de capital.
Em suma, as subsees seguintes pretendem demonstrar como:
No modo capitalista de produo, relativamente populao, desenvolve-se
em demasia a produtividade, e, embora sem atingir a mesma proporo,
aumentam os valores-capital (e no s o substrato material desses valores) de
maneira mais rpida que a populao. Os dois fatos colidem com a base
que, em relao riqueza crescente, cada vez mais estreita, e para a qual
opera essa produtividade imensa e com as condies de valorizao do
capital que se expande. Da as crises. (MARX, 2006, V. 4, p. 347)
1.1.2.1 - Tendncia produo ilimitada de mercadorias
Tomando-se por base a anlise de Marx, chega-se a concluso que o modo
capitalista de produo, para reproduzir-se, tem a tendncia de produzir mercadorias
ilimitadamente, quer destinem-se para consumo pessoal, quer sirvam como meios de
produo, incluindo-se ampliao da oferta da mercadoria fora de trabalho no
17 Superproduo de capital, no de mercadorias isoladas embora a superproduo de capital implique sempre superproduo de mercadorias , nada mais significa que superacumulao de capital. (MARX, 2006, V. 4, p. 330)
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mercado. Essa tendncia expanso da oferta ocorre tanto em termos da massa de
valores de uso disponveis no mercado, quanto em termos de valor. Alm disso, o
prprio capital enquanto mercadoria tende a expandir-se de maneira ilimitada, o que
redunda no fenmeno da superacumulao de capital, na j citada incapacidade de
valorizao para todo o estoque de capital da sociedade, isto , nas crises.
Pretende-se demonstrar brevemente os elementos da anlise marxiana que
permitem identificar como as leis que regem o modo de produo capitalista resultam
na tendncia produo ilimitada de mercadorias. Para tanto, deve-se resgatar
elementos presentes ao longo de toda a obra de Marx.
A sociedade capitalista necessita da produo constante de bens de consumo e
meios de produo. O capital s pode funcionar se dispuser de meios de produo e
fora de trabalho, colocando-os em ao conjuntamente de acordo com propores
tcnicas socialmente determinadas. A fora de trabalho constitui a nica mercadoria de
que dispe a maior parte da populao, despojada da propriedade imediata de seus
meios de vida (meios de subsistncia e produo) das mais variadas formas, que, por
isso, deve oferecer no mercado sua capacidade de trabalho a fim de adquirir os valores
de uso de que necessitam. Nos termos da circulao simples de mercadorias, do ponto
de vista do trabalhador, sua fora de trabalho valor, incapaz de satisfazer
imediatamente suas necessidades, devendo, portanto, ser trocada pelos bens de consumo
necessrios sua vida, condio para que possam continuar a oferecer no mercado a
nica mercadoria que possuem.
O modo de produo capitalista no s necessita e produz essas diferentes
classes de mercadorias, como o faz, e tem de fazer, de maneira sempre crescente. O
objetivo da produo capitalista a apropriao do maior volume possvel de trabalho
excedente. Segundo Marx:
Todo o carter da produo capitalista determinado pelo imperativo de
aumentar o valor-capital adiantado, de produzir, portanto, antes de tudo, a
maior quantidade possvel de mais-valia; em seguida pelo imperativo de
produzir capital, ou seja, de transformar mais-valia em capital. (MARX,
2006, V. 3, p. 89)
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A reproduo ampliada , portanto, a forma normal que o capital tem de
reproduzir-se. Para que possa haver reproduo ampliada deve-se no apenas repor os
meios de produo gastos, mas transformar parte da mais-valia em capital. Para tanto,
[...] parte do trabalho anual excedente tem de ser transformado para produzir
meios adicionais de produo e de subsistncia acima da quantidade
necessria para substituir o capital adiantado. Em suma, a mais-valia s pode
ser transformada em capital porque o produto excedente, do qual ela o
valor, j contm os elementos materiais de um novo capital. (MARX, 2006,
V. 2, p. 678)
Alm disso, lei, que se expressa por meio da concorrncia, a tendncia ao
aumento da composio orgnica do capital na tentativa da apropriao de mais-valia
extraordinria. Como se disse anteriormente, produzir uma mercadoria abaixo do tempo
de trabalho socialmente necessrio, isto , abaixo do seu valor de mercado uma
posio vantajosa, pois permite a realizao de um superlucro (a venda da mercadoria
acima do seu valor) e confere ao capitalista uma posio privilegiada com relao aos
seus concorrentes diretos em uma possvel guerra de preos em momentos em que a
demanda no for suficiente para a oferta disponvel do produto, de forma que o
capitalista que no acompanhar o progresso da produtividade do trabalho pode nesses
momentos sucumbir se o preo de mercado cair abaixo do seu preo de custo. O
aumento de produtividade permite, ao nvel individual, maior apropriao de mais-valia,
o que implica em concentrao do capital e ainda na centralizao do capital, quando os
capitais em piores condies so engolidos por aqueles que por motivos variados
conquistaram posies de destaque. Uma vez que o grau da produtividade do trabalho
[...] se expressa pelo nmero dos meios de produo que um trabalhador, num tempo
dado, transforma em produto, com o mesmo dispndio de fora de trabalho (Ibid., p.
725), preciso que haja sempre disponvel no mercado as mercadorias que servem de
meios de produo. O processo de acumulao em sua totalidade implica na
necessidade de que essas mercadorias estejam disponveis em escala crescente. Se, por
ventura, um capital em seu processo de reproduo no encontra disponvel no mercado
os meios de produo de que necessita, paralisa-se o seu ciclo, ficando impossibilitado
de exercer o imperativo que configura o seu ser, qual seja, valorizar-se.
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A produo dos elementos que compe o capital constante tambm produo
capitalista, de forma que a necessidade de haver disponvel quantidade sempre crescente
de meios de produo, para o processo global de acumulao, so satisfeitas por estar
esse setor sujeito s mesmas leis que impelem produo sempre crescente de
mercadorias, que se pretende apontar ao longo desta seo. Seria um obstculo depender
de modos de produo no capitalistas para obterem-se os meios materiais necessrios
produo e apropriao de mais-valia. A tendncia da produo capitalista, entretanto,
transformar, sempre que possa, toda produo em produo de mercadorias, e seu
principal instrumento para isto traz-la para seu processo de circulao. (MARX,
2006, V. 3, p.124)
Esse apetite crescente por meios de produo no curso do processo de
acumulao , por outro lado, apetite crescente pelo emprego de capital varivel. Apesar
da tendncia ao aumento da composio orgnica, a massa de trabalhadores empregados
tem de crescer, uma vez que o progresso da acumulao de capital que implica na
tendncia ao aumento da composio orgnica. Quanto maior o nmero de
trabalhadores que o capital emprega simultaneamente, isto , quanto mais ele troca
trabalho objetivado por vivo, maior a valorizao de uma s vez. No regime capitalista
o nmero de trabalhadores empregados cresce de maneira absoluta, embora decresa
relativamente18
. A mercadoria fora de trabalho deve, por isso, estar disponvel de
maneira constante e em escala crescente no mercado. Essa necessidade tambm
satisfeita pelo prprio processo de acumulao capitalista.
Segundo Marx, a lei geral, absoluta, da acumulao capitalista implica que
quanto maior a riqueza social, o capital em funo, sua fora de expanso e,
conseqentemente, a magnitude do proletariado, maior o exrcito industrial de reserva.
A fora de trabalho disponvel ampliada pelas mesmas causas que aumentam a fora
expansiva do capital. (MARX, 2006, V. 2, p. 748) A tendncia ao aumento da
produtividade, com o aumento da composio orgnica do capital, significa que um
dado estoque de capital necessita de um nmero decrescente de trabalhadores para ser
posto em movimento. A superpopulao relativa produto necessrio e ao mesmo
18
Um desenvolvimento das foras produtivas que diminusse o nmero absoluto dos trabalhadores, isto , capacitasse realmente a nao inteira a efetuar a produo em menor espao de tempo, acarretaria
revoluo, pois tornaria marginal a maior parte da populao. Mais uma vez, revela-se o limite especfico
da produo capitalista, e v-se que no de maneira alguma forma absoluta do desenvolvimento das
foras produtivas e da criao de riqueza, colidindo com este desenvolvimento, a partir de certo ponto. (Ibid., p. 343-344)
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tempo alavanca da produo capitalista. Em momentos de prosperidade massa crescente
de riqueza pode ser transformada em capital adicional, lanando-se a ramos de produo
antigos e novos, para isso grandes massas humanas tm de estar disponveis para
serem lanadas nos pontos decisivos, sem prejudicar a escala de produo nos outros
ramos. (Ibid., p. 735-736) Dessa forma a superpopulao relativa condio de
existncia do modo de produo capitalista, proporcionando a fora de trabalho a
servio das necessidades variveis de expanso do capital.
Alm disso, os mtodos utilizados para aumentar a produtividade so mtodos
para aumentar o trabalho excedente, isto , acelerar a acumulao de capital. A
concentrao do capital est limitada, contudo, pelo crescimento da riqueza social. A
acumulao gera, por outro lado, o acirramento da competio entre os capitais
individuais, a repulso recproca de muitos capitais individuais. (Ibid., 728-729) Os
capitais menores incapazes de acompanhar o progresso tecnolgico que implica, como
tendncia, que o volume da capital para que se possa engajar competitivamente em
atividades produtivas seja crescente, so engolidos pelos capitais maiores e mais aptos
realizao dos vultuosos investimentos necessrios. Isso significa a expropriao do
capitalista pelo capitalista, a transformao de muitos capitais pequenos em poucos
capitais grandes. (Ibid., p. 729) Juntem-se a isso os velhos e novos modos de
expropriao, de separao do trabalhador de seus meios de produo, e tem-se uma
tendncia ao aumento do nmero de pessoas que tm de oferecer sua capacidade de
trabalho ao capital como nica forma de manter sua existncia. O capital, em seu
processo de reproduo, repe constantemente as relaes de produo subjacentes,
dissolvendo formas pr-capitalistas, dissociando trabalhadores dos meios de produo,
colonizando atravs da circulao modos de produo arcaicos. Nesse sentido, o
captulo XXIV do primeiro livro de O Capital (A chamada acumulao primitiva) no
deve ser visto como simplesmente um captulo histrico, mera ilustrao, mas como um
momento do processo global de produo capitalista, constantemente repondo sua
lgica, isto , como parte do argumento terico de Marx.
Todo esse contingente de pessoas que so lanadas constantemente no mercado
de trabalho precisa consumir, para manterem-se vivas e suficientemente saudveis, de
forma que possam, potencialmente, exercer atividade laboral. A reproduo do sistema
capitalista necessita, portanto, da produo crescente de mercadorias bens de consumo.
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Quando a produo por meio de trabalho assalariado se torna geral, a produo
de mercadorias tem de ser forma geral da produo. Os trabalhadores tm de encontrar
venda, isto , na forma de mercadoria os meios de subsistncia de que necessitam. A
busca da mais-valia extraordinria, motor da inovao tecnolgica nos processos
capitalistas de produo, tem como conseqncia a queda no valor de cada unidade
produzida, uma vez que por meio desta um dispndio igual de trabalho humano, ceteris
paribus, se expressa em quantidade maior de produto. Desta forma, para realizar a
mesma massa de valor precisa-se, como tendncia, de quantidade crescente de valores
de uso. Sob essas condies, os capitalistas so obrigados, portanto, a lanar no
mercado uma quantidade sempre crescente de mercadorias.
J se observou que a produo capitalista tem por suas caractersticas imanentes
a tendncia a reproduzir-se de maneira ampliada e, portanto, a necessidade de realizar
quantidade crescente de valor, ao invs de constante. Isto , consumo produtivo sob
bases capitalistas tem por intuito fazer crescer o valor inicial e reproduzir o ciclo de
acumulao de um capital em maior escala. Por um lado, os meios de produo so
consumidos de forma que seu valor retirado da circulao apenas temporariamente,
sendo posteriormente relanado sob a forma de um valor de uso diverso. Por outro, com
relao ao consumo da fora de trabalho, o capitalista paga seu valor para receber seu
valor de uso (como qualquer outra mercadoria), que nesse caso criar valor novo, que
idealmente deve ser maior que o seu valor prprio. Assim, a necessidade no sistema
capitalista de que a produo de mercadorias seja sempre crescente satisfeita a partir
de suas prprias leis internas de funcionamento. (RIBEIRO, 2008, p. 95-96)
Alm disso, mesmo o consumo pessoal se enquadra na superproduo em
termos de valor, uma vez que a retirada do mercado do valor das mercadorias que se
destinam ao consumo pessoal implica na reproduo da fora de trabalho, isto , que se
possa lanar novamente a mercadoria fora de trabalho na circulao. E, esta ,
precisamente, a mercadoria capaz de criar mais-valor. (Ibid., p. 97)
O trabalho excedente que a classe trabalhadora fornece de graa ao capitalista
em um perodo torna-se capital no perodo seguinte. Isto o que se chama de produzir
capital com capital. (MARX, 2006, V. 2, p. 680) A acumulao de capital entra em
uma espcie de crculo vicioso, no sentido de que quanto mais se acumula, mais se
poder acumular, j que a condio para apropriar-se de trabalho vivo no pago a
propriedade sobre trabalho passado no pago. A concorrncia impele o capitalista a
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expandir continuamente seu capital, para conserv-lo, e s pode expandi-lo por meio da
acumulao progressiva. (Ibid., p. 690) O desenvolvimento da produtividade se torna o
principal meio pelo qual o capital se amplia, atravs da apropriao e direcionamento do
progresso cientfico, uma vez que todos os mtodos para elevar a produtividade do
trabalho so mtodos para aumentar a mais-valia. So, portanto, ao mesmo tempo
mtodos para produzir capital com capital ou mtodos para acelerar sua acumulao.
(Ibid., p.727) Como dito anteriormente, esse processo de concentrao de capital acaba
levando ao acirramento da concorrncia e, consequentemente, a um processo de
centralizao do capital, que aprofunda ainda mais a tendncia sobreacumulao de
capital, uma vez que dado o grau de explorao da fora de trabalho, a quantidade de
mais-valia produzida por um capital depende do nmero de trabalhadores empregados,
isto , da magnitude do capital. E, por fim, todas as molas da produo funcionam com
mais energia quanto mais aumenta sua escala com o montante do capital adiantado.
(Ibid., p. 708).
Para usar um termo que Marx usa ao tratar do capital portador de juros, pode-se
dizer que o modo de produo capitalista apresenta a tendncia superproduo
tambm da mercadoria-capital19
. Mercadoria esta que tem a peculiaridade de seu valor
de uso, a capacidade de gerar lucro a seu possuidor, no desaparecer com o consumo,
pelo contrrio, seu consumo no s conserva o valor e o valor de uso, como tambm os
acrescem. Alm disso, acumular, isto , reproduzir-se de forma ampliada uma
necessidade no modo de produo capitalista, pois como j se mencionou ficar parado,
ou seja, no acompanhar o progresso da produtividade, ou mesmo tomar sua dianteira,
no se expandir buscando novos espaos para valorizao, pode significar ao capitalista
individual a perda de seu capital. Portanto, uma vez que a reproduo ampliada a
forma tpica da reproduo capitalista, a mercadoria-capital produz a si prpria de
maneira crescente.
19
Marx utiliza o termo ao tratar do capital portador de juros na medida em que neste ponto do
desenvolvimento lgico categorial de seu argumento, o capital-dinheiro vira mercadoria. O dono do
dinheiro pode ced-lo, fazendo dele mercadoria, para receb-lo de volta, acrescido de mais-valia criada
pelo capitalista que recebeu o emprstimo e o aplicou produtivamente, tambm como capital. A
mercadoria capital , portanto, peculiar, uma vez que alienada no pelo seu valor, ou por expresso
deste, mas por uma parcela da mais-valia produzida pelo tomador, que assume a forma de juros. Alm
disso, o valor de uso dessa mercadoria produzir lucro, portanto este no desaparece com o seu consumo.
A mercadoria-capital pode inclusive tomar a forma de meios de produo. Mas todo capital emprestado, qualquer que seja a forma dele, como quer que a natureza do valor-de-uso modifique o modo de
devoluo, sempre forma particular do capital-dinheiro, pois o que se empresta ento sempre
determinada soma de dinheiro sobre a qual se calculam os juros. (MARX, 2006, V. 5, p.459)
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A superproduo da mercadoria capital est contida na j mencionada
superacumulao de capital, isto , a multiplicao do estoque existente de capital social
para alm da possibilidade de valorizao do mesmo. As dificuldades de realizao da
produo e, portanto, da valorizao do capital, bem como o aprofundamento das
tendncias que levam superacumulao de capital, ao considerar-se capitais que
habitam unicamente a esfera da circulao, sero tratadas mais a frente, cada qual a seu
tempo. Antes disso ser demonstrado como o capital possui a tendncia a criar um
nmero crescente de potenciais consumidores para seus produtos, a partir das leis
internas de funcionamento do modo de produo capitalista, as mesmas leis que geram a
tendncia produo ilimitada de mercadorias.
1.1.2.2 - Tendncia ao aumento da massa consumidora
claro que essa produo com tendncia crescente deve encontrar mercado, isto
, a apropriao da mais-valia produzida pressupe a realizao da produo. A
produo crescente faz necessria ento uma massa crescente de consumidores. O
capital possui, em resposta, a tendncia imanente a expandir-se geograficamente,
criando novos pontos de troca e, consequentemente, dissolvendo formas arcaicas de
produo, consumando a acumulao primitiva, isto , repondo as suas condies de
funcionamento de maneira constante, o que significa ao mesmo tempo o aumento
constante do nmero de pessoas que depende do salrio para sobreviver, adquirindo
seus meios de subsistncia atravs da circulao geral de mercadorias.
De forma similar ao que foi visto anteriormente, as necessidades do capital, as
barreiras que se erguem sua frente, tendem a ser ultrapassadas (mas, apenas na medida
em que so repostas em grau crescente de complexidade). Assim, do mesmo modo que
o capital tem tendncia a produzir quantidade sempre crescente de mais-valia, tem
tendncia complementar a criar mais pontos de troca. A esfera da circulao tende a ser
constantemente expandida pelas necessidades da produo capitalista, de realizao da
massa crescente de mais-valia. The tendency to create the world market is inherent
directly in the concept of capital itself. Every limit appears as a barrier to be overcome.
(MARX, 1986, p. 335)
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Observa-se, desta forma, uma tendncia ampliao do mercado para as
mercadorias j produzidas, uma espcie de expanso extensiva do capital. Contudo a
busca pela ampliao da massa consumidora no se restringe apenas ao seu alargamento
extensivo, atua tambm na criao de novas necessidades. Assim, trata-se em primeiro
lugar de criao de novas necessidades em lugares ainda no explorados completamente
pelo capital, atravs da propagao das necessidades de consumo existentes por uma
rea maior, e, em segundo lugar, da descoberta de novos valores de uso, ou seja, na
criao de necessidades inteiramente novas, o que caminha de par com a tendncia j
observada do aumento da produtividade. No curso do processo de acumulao de
capital buscam-se produtos qualitativamente novos que, como os outros, sejam veculos
de mais-valia.
Hence the exploration of the whole of nature in order to discover new useful
properties of things; the universal exchange of the products coming from the
most diverse climates and lands; new (artificial) modes of processing natural
objects to give them new use values. (Ibid., p. 336)
As razes do capital expandem-se, como tendncia, para todos os lados, ao
mesmo tempo em que buscam mais profundamente sua energia vital, o que tem claras
repercusses para as relaes de intercmbio entre as diferentes naes e para a
explorao desmedida da natureza. Note-se de passagem que a tendncia ao
esgotamento da natureza criando, consequentemente, problemas para a reproduo da
espcie humana imanente ao modo de produo capitalista, de forma que se pode
criticar a maior parte dos movimentos ecolgicos atuais pela falta de uma perspectiva
crtica com relao a este modo histrico-especfico de produo, e as relaes sociais
subjacentes a este, em suas reivindicaes20
.
Essa tendncia do modo de produo capitalista a universalizar suas formas de
reproduo, de forma a espalhar-se, tendencialmente, ao redor de todo o globo terrestre
satisfeita pela in