1081-organizacao mundial do comercio

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    PAULO ESTIVALLET DE MESQUITA

    A OgzM C

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    MINISTRIODASRELAESEXTERIORES

    Ministro de Estado Embaixador Luiz Alberto Figueiredo Machado

    Secretrio-Geral Embaixador Eduardo dos Santos

    FUNDAOALEXANDREDEGUSMO

    Presidente Embaixador Jos Vicente de S Pimentel

    Instituto de Pesquisa de

    Relaes Internacionais

    Diretor Embaixador Srgio Eduardo Moreira Lima

    Centro de Histria e

    Documentao Diplomtica

    Diretor Embaixador Maurcio E. Cortes Costa

    Conselho Editorial da

    Fundao Alexandre de Gusmo

    Presidente Embaixador Jos Vicente de S Pimentel

    Membros Embaixador Ronaldo Mota Sardenberg

    Embaixador Jorio Dauster Magalhes

    Embaixador Gonalo de Barros Carvalho e Mello Mouro

    Embaixador Jos Humberto de Brito Cruz

    Ministro Lus Felipe Silvrio Fortuna

    Professor Clodoaldo Bueno

    Professor Francisco Fernando Monteoliva Doratioto

    Professor Jos Flvio Sombra Saraiva

    A Fundao Alexandre de Gusmo, instituda em 1971, uma fundaopblica vinculada ao Ministrio das Relaes Exteriores e tem a fnalidade

    de levar sociedade civil informaes sobre a realidade internacional esobre aspectos da pauta diplomtica brasileira. Sua misso promovera sensibilizao da opinio pblica nacional para os temas de relaesinternacionais e para a poltica externa brasileira.

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    Braslia, 2013

    PAULO ESTIVALLET DE MESQUITA

    A OgzM C

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    Direitos de publicao reservados

    Fundao Alexandre de GusmoMinistrio das Relaes ExterioresEsplanada dos Ministrios, Bloco HAnexo II, Trreo70170-900 Braslia DFTelefones: (61) 2030-6033/6034Fax: (61) 2030-9125Site: www.funag.gov.brE-mail: [email protected]

    Equipe Tcnica:

    Eliane Miranda Paiva

    Fernanda Antunes Siqueira

    Gabriela Del Rio de Rezende

    Guilherme Lucas Rodrigues Monteiro

    Jess Nbrega Cardoso

    Vanusa dos Santos Silva

    Projeto Grfco:

    Daniela Barbosa

    Programao Visual e Diagramao:

    Grfca e Editora Ideal Ltda.

    Impresso no Brasil 2014

    M582 Mesquita, Paulo Estivallet de.

    A Organizao Mundial do Comrcio / Paulo Estivallet de Mesquita. Braslia :

    FUNAG, 2013.

    105 p. - (Em poucas palavras)

    ISBN 978-85-7631-472-1

    1. Comrcio internacional. 2. Globalizao da economia. 3. Acordo Geral

    sobre Tarifas e Comrcio (Gatt). 4. Organizao Mundial do Comrcio (OMC).I. Ttulo. II. Srie.

    CDD 382

    Bibliotecria responsvel: Ledir dos Santos Pereira, CRB-1/776.

    Depsito Legal na Fundao Biblioteca Nacional conforme Lei n 10.994, de 14/12/2004.

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    Paulo Estivallet de Mesquita

    Embaixador, ingressou na carreira diplomtica em 1984 e

    atualmente o Diretor do Departamento Econmico do Ministriodas Relaes Exteriores. Serviu em Roma/FAO, Santiago e naDelegao Permanente junto OMC em Genebra. Ps-Graduadoem Administrao pela cole Nationale dAdministration (Paris).Engenheiro Agrnomo pela Universidade Federal do Rio Grandedo Sul.

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    S

    I. Introduo ....................................................................................9

    II. A teoria do comrcio internacional ............................................11

    III. Os primrdios do comrcio mundial ..........................................17

    3.1. A Revoluo Comercial e a primeira onda de globalizao ...17

    3.2. A segunda onda de globalizao o Liberalismo .................20

    3.3. A desglobalizao ..............................................................22

    IV. O sistema de comrcio multilateral o GATT .............................25

    4.1. As regras do GATT .................................................................27

    4.2. As excees ..........................................................................32

    4.3. O GATT como organizao internacional ...............................37

    4.4. Os resultados das Rodadas do GATT .....................................39

    4.5. Do GATT OMC: a Rodada Uruguai .......................................41

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    V. A OMC .......................................................................................47

    5.1. A OMC como organizao internacional ................................47

    5.2. Os acordos tradicionais ........................................................49

    5.3. Os novos acordos .................................................................64

    5.4. Os novos temas ....................................................................73

    5.5. Soluo de Controvrsias ......................................................80

    5.6. Reviso de Polticas Comerciais ............................................83

    VI. A OMC: um balano ....................................................................87

    VII. Concluso: o futuro da OMC ......................................................95

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    II

    O comrcio internacional uma das reas em que mais

    claramente sobressai a necessidade da cooperao entre os

    pases. Ainda que aes unilaterais possam ser vantajosas

    o que est longe de ser bvio quando se considera oconjunto dos interesses especficos em cada pas , a

    experincia demonstra que essas vantagens podem ser

    anuladas por medidas equivalentes adotadas pelos demais.

    O equilbrio resultante inferior ao que pode ser obtido com

    cooperao, ou seja, com a disposio para vincular-se a

    regras mutuamente acordadas.A negociao dessas regras pode ser feita bilateralmente;

    diferenas entre o que aplicado a diferentes pases,

    no entanto, geram custos de administrao e perda de

    eficincia. A melhor maneira de assegurar a uniformidade

    das regras atravs de um sistema multilateral, do qual

    participem, idealmente, todos os demais pases.

    Ainda assim, a poltica comercial oferece instrumentos

    para alterar a distribuio de recursos dentro de cada pas,

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    o que gera resistncias perda de autonomia que decorreria

    dos acordos comerciais. A poltica internacional de cadapas uma extenso da poltica domstica. As vantagens

    decorrentes da proteo do mercado domstico so

    concentradas, ao passo que os benefcios so distribudos

    de forma difusa. Persiste, em muitos pases, a ideia de que

    o mercado domstico um patrimnio dos produtores

    como na stira de Bastiat sobre a petio dos fabricantesde velas ao Parlamento francs para solicitar a proteo do

    Estado contra a concorrncia desleal de um rival estrangeiro,

    o sol. Isso explica em parte a evoluo relativamente lenta

    da regulamentao do comrcio internacional.

    A criao da Organizao Mundial do Comrcio OMC,

    em 1995, constitui um marco nesse processo. Apesar de

    todas as vicissitudes por que tem passado a economiamundial e da persistncia de um considervel ceticismo em

    relao s vantagens de um sistema liberal para o comrcio

    internacional, a OMC consolidou-se como a administradora

    do conjunto fundamental de regras para o comrcio

    internacional: o sistema de comrcio multilateral.

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    IIA

    A ideia de que a distribuio das riquezas sobre aTerra desigual e que o comrcio uma maneira de teracesso a produtos escassos antiga. Segundo Plato,

    seria impossvel fundar uma cidade num local onde nohouvesse necessidade de importar nada e, para importar,seria necessrio produzir no apenas aquilo de quenecessita, mas tambm aquilo que demandado por seusfornecedores.

    A noo de que a especializao pode ser vantajosamesmo quando existe produo local, no entanto, surgeapenas com a publicao de A Riqueza das Naes, deAdam Smith, em 1776. Smith descreveu, pela primeira vez, anoo de vantagens comparativas: se um pas estrangeiropode-nos fornecer um produto a custo menor do que ns,melhor adquiri-lo com parte da produo de nossa prpriaindstria empregada de uma maneira na qual tenhamos

    alguma vantagem. Smith chega a essa concluso comouma decorrncia lgica do princpio da diviso do trabalho,

    ao observar que nenhuma famlia prudente produz aquilo

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    que mais barato comprar (o alfaiate no tenta fabricar

    seus prprios sapatos, mas os compra do sapateiro; osapateiro no tenta fabricar suas prprias roupas, mas as

    compra do alfaiate). Adiantando-se s crticas baseadas

    na diferenciao entre vantagens comparativas estticas

    e dinmicas, Smith notava que se as vantagens de um

    pas sobre o outro so naturais ou adquiridas no tem

    importncia nesse contexto. Smith deduz que as restries importao so, no melhor dos casos, inteis: se o

    produto domstico pode ser adquirido a custo to baixo

    quanto o estrangeiro; a regulamentao evidentemente

    intil; se no pode, deve ser, em geral, prejudicial.

    O modelo clssico das vantagens comparativas descrito

    por David Ricardo em 1817 vai alm do bom senso intuitivo

    de Smith. Ricardo demonstrou que o que interessa no soos custos (ou vantagens comparativas) absolutos, e sim as

    diferenas relativas. Se no pas A o preo de dois queijos

    equivale a uma garrafa de vinho e, no pas B, a relao

    de trs queijos para cada garrafa de vinho, o vinho

    relativamente mais barato no primeiro pas. Vale a pena

    para o pas A especializar-se na produo de vinho evend-lo no pas B, onde cada garrafa adicional pode ser

    trocada por mais queijos. Inversamente, convm ao pas B

    especializar-se na produo de queijos e obter o vinho

    mais barato no pas A. Pouco importa que o pas A tenha

    custos de produo absolutos mais baixos tanto para vinhos

    como para queijos; vantajoso concentrar-se na produo

    de vinho e importar queijos. A diferena de produtividadeentre os dois pases far com que A tenha renda mais alta

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    Em resposta a um matemtico que o desafiou a indicar

    uma proposio nas cincias sociais que fosse verdadeirasem ser trivial, Samuelson ofereceu a teoria das vantagens

    comparativas: que ela logicamente verdadeira no

    precisa ser explicado a um matemtico; seu carter

    no trivial atestado pelos milhares de pessoas importantes

    e inteligentes que nunca conseguiram entend-la por si

    mesmos, ou acreditar nela depois de ela lhes ser explicada.A teoria das vantagens comparativas no pode ser

    refutada formalmente. Os argumentos contrrios buscam,

    de maneira geral, questionar sua aplicabilidade realidade,

    buscando demonstrar que se trata de um modelo simplista

    e que circunstncias especficas como rendimentos

    crescentes, concorrncia imperfeita, diferenas de custos de

    mo de obra ou fatores dinmicos tornam suas conclusesinvlidas. At agora, nenhuma das alternativas propostas

    demonstrou maior capacidade explicativa ou de previso.

    Uma proporo considervel dos economistas e

    ainda maior dos empresrios, dos polticos e do pblico

    aceita que a teoria pode explicar os padres de comrcio

    (quem exporta o qu), mas questiona a ideia de que aespecializao beneficie a todos os envolvidos. Se o setor

    primrio, por exemplo, tiver menor potencial de crescimento

    relativo no longo prazo, pode ser desvantajoso favorecer a

    especializao nesse setor. citada com frequncia, nesse

    contexto, a lei de Kaldor, que estipula que o crescimento do

    PIB tem uma correlao positiva com o crescimento do setor

    industrial. Kaldor, no entanto, postula que essa correlao

    advm de ganhos de produtividade em funo de economias

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    A Organizao Mundial do Comrcio

    de escala, o que dificilmente se coaduna com mercados

    domsticos fechados.

    O debate no facilitado pelo fato de que a evoluo

    das vantagens comparativas de cada pas afetada ao longo

    do tempo por um grande nmero de fatores progresso

    tcnico, instituies, educao, acumulao de capital.

    A concentrao da produo em setores considerados menos

    nobres ou promissores atribuda operao das vantagenscomparativas pode, na verdade, ser causada pela falta de

    investimento em educao ou infraestrutura. A direo da

    causalidade pode ser difcil de determinar: um pas tem

    renda baixa porque exporta produtos primrios, ou exporta

    produtos primrios porque sua renda baixa?

    O modelo ricardiano no prev que um pas crescer

    mais, ou menos, se se especializar na produo dos bens

    nos quais detenha vantagem comparativa; ele prev apenas

    que seu nvel de produo ser maior do que se no houver

    especializao.

    A viso predominante nos organismos multilaterais (na

    OMC, no Banco Mundial, na Organizao para Cooperao e

    Desenvolvimento Econmico OCDE, no Fundo MonetrioInternacional FMI) de que existe uma correlao positiva

    entre abertura comercial e taxa de crescimento econmico.

    A orientao dessas organizaes, no entanto, nem sempre

    completamente neutra. difcil fazer comparaes

    estatisticamente significativas entre pases e entre diferentes

    perodos de tempo. Alm disso, necessrio distinguir entre

    o crescimento do comrcio internacional devido a fatores

    como a reduo de custos de transporte e o crescimento

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    devido liberalizao comercial. O efeito de demanda da

    China nas ltimas duas dcadas, por exemplo, teve efeitossemelhantes sobre o comrcio de pases com grande

    diversidade de orientaes de poltica comercial.

    O fato de ningum ter conseguido desenvolver uma

    explicao melhor nos ltimos dois sculos no significa

    que ela no exista. Alm disso, a economia no uma

    cincia exata: mesmo modelos slidos como a lei de ofertae procura so desmentidos em determinados casos. A teoria

    das vantagens comparativas o equivalente a um bom

    mapa: por melhor e mais preciso que ele seja, no pode, por

    definio, ser um retrato idntico realidade. Serve como

    guia geral, mas as pessoas de bom senso no se furtam a

    alterar a rota em funo de caractersticas do terreno. Ainda

    assim, cabe ter presente que o que passa por bom sensoso, muitas vezes, as preocupaes e interesses prticos de

    determinados setores da sociedade.

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    IIIO p

    3.1. A R C p

    gz

    O incio da globalizao do comrcio, entendida como oestabelecimento de fluxos comerciais entre todas as regies

    do mundo, remonta ao sculo XVI, com as navegaes

    ibricas. Uma data marcante a da chegada dos primeiros

    galees espanhis, com prata mexicana, em Manila, em

    1571: pela primeira vez, todos os continentes estabeleceram

    fluxos diretos entre si. O comrcio intraeuropeu e intra-

    -asitico era muito maior do que o comrcio intercontinental

    situao que, de resto, permanece vlida at hoje. Ainda

    assim, o perodo posterior a 1500 viu o incio da criao de

    uma economia verdadeiramente global.

    A expanso do comrcio nesse perodo indissocivel do

    poderio militar. Nas palavras de um dos Governadores-Gerais

    da Companhia das ndias Ocidentais holandesa, no sepode fazer guerra sem comrcio, nem comrcio sem guerra.

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    No existe lugar para a noo do comrcio como atividade

    mutuamente benfica: o poder utilizado para obter ganhospor meio do saque e da extrao de rendas monopolistas. Nos

    sculos XVI e XVII no existe um regime para o comrcio, no

    sentido de um conjunto de regras, normas e procedimentos

    que regularizam os comportamentos e controlam seus

    efeitos. A vantagem comparativa determinante a violncia.

    Em alguns momentos, verificou-se reduo na intensidadedos conflitos e a coexistncia de fluxos concorrentes de

    comrcio, como a rota do Cabo, dominada pelos portugueses

    no sculo XVI, e a rota do Mar Vermelho, pelos turcos. Um

    arranjo baseado num impasse militar no , no entanto,

    comparvel a um acordo.

    Nesse perodo, que coincide com os primrdios doDireito Internacional Pblico, Hugo Grotius escreveu tanto

    em defesa da liberdade dos mares (Mare Liberum) e, por

    extenso, do direito de romper os monoplios ibricos,

    como do apresamento de naus portuguesas e do confisco

    de suas cargas (De Indis) e como corolrio, da imposio de

    monoplios holandeses. A predominncia dos aspectos

    utilitrios e subjetivos sobre a noo de direito fica clara

    quando se v o empenho com que a Holanda buscou impor

    seus prprios monoplios, chegando ao ponto de destruir

    ou deslocar populaes inteiras. Em resposta s frequentes

    invocaes pelos holandeses da doutrina de Grotius, George

    Downing reclamou que com essa gente, mare liberum

    nas costas inglesas, mas mare clausumna costa da fricae nas ndias Orientais.

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    A Organizao Mundial do Comrcio

    O primeiro tratado comercial significativo entre Estados

    o de Methuen (1703), evocado tanto por Adam Smith comopor David Ricardo. Pelo tratado, a Inglaterra comprometia-

    -se a dar preferncia de um tero nas tarifas aplicveis

    aos vinhos portugueses em relao aos vinhos franceses,

    em troca da eliminao da proibio importao de

    manufaturas de l inglesa por Portugal. A Inglaterra abriu

    mo de mercado na Frana e disps-se a pagar mais pelosvinhos portugueses, para melhorar sua balana comercial

    com Portugal e obter acesso ao ouro do Brasil. um tratado

    de clara inspirao mercantilista, baseado na confuso,

    apontada por Adam Smith, entre numerrio e riqueza.

    O Tratado era suficientemente apreciado na Inglaterra para

    impedir a aprovao pelo Parlamento da clusula de nao

    mais favorecida contida no Tratado de Utrecht com a Franade 1713.

    Nos tratados comerciais de inspirao mercantilista,

    as preocupaes principais eram o acesso aos mercados

    coloniais (diretamente, como no Tratado de Utrecht entre

    a Inglaterra e a Espanha, ou indiretamente, como no caso

    de Methuen), a eliminao de proibies e o tratamentocomparativo em relao a outros pases (preferncias, da

    perspectiva do beneficirio; discriminao, da perspectiva

    dos demais). O nvel das tarifas aplicadas, bem como

    sua liberalizao, recebia, de maneira geral, tratamento

    secundrio.

    A preocupao com a discriminao deu origem

    proliferao, a partir do final do sculo XVII, de clusulas

    de nao mais favorecida, ou NMF. A clusula NMF obriga os

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    contratantes extenso recproca de quaisquer privilgios e

    vantagens concedidos a terceiros. Quando essa extenso de van-tagens refere-se tanto ao passado como ao futuro, diz-

    -se que a clusula NMF incondicional. Nos casos em que

    a extenso de vantagens futuras condicionada a novas

    concesses por parte do beneficirio, a clusula NMF dita

    condicional.

    Em tese, a universalizao de clusulas NMF em acordosbilaterais poderia levar a uma uniformizao das condies

    aplicveis ao comrcio. Se os pases A e B concluem um

    acordo, as mercadorias dos dois pases sero beneficiadas

    por preferncias recprocas. A vantagem para cada um,

    no entanto, consiste no acesso preferencial para suas

    exportaes; a preferncia exclusiva concedida ao outro

    pas gera uma perda, na medida em que leva a adquirirbem mais caros do que se houvesse maior concorrncia. Se

    o pas A concluir posteriormente um acordo com o pas C, o

    primeiro ser beneficiado por um mercado ampliado para

    suas exportaes (B e C) e poder adquirir as mercadorias

    mais baratas em B ou C. Nessas condies, B ter interesse

    em tambm concluir um acordo com C, para compensar aperda do acesso preferencial ao mercado de A com o acesso

    ao mercado de C e para ampliar suas fontes de suprimento.

    3.2. A g gz L

    A assinatura do Tratado de Comrcio Anglo-Francs

    de 1860 (tambm conhecido como Cobden-Chevalier, do

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    A Organizao Mundial do Comrcio

    nome de seus dois principais propositores) teve o efeito

    de propagar, por meio de clusula NMF, a liberalizao docomrcio na Europa. A Inglaterra havia adotado uma poltica

    de livre-comrcio unilateral a partir da revogao das

    Corn Laws, em 1846. O Parlamento francs era dominado

    por interesses protecionistas, mas Napoleo III julgou que

    um acordo comercial com a Inglaterra teria consequncias

    polticas positivas, num momento em que a situao eratensa na Europa central. Pelo acordo, a Inglaterra reduziu o

    nmero de produtos franceses sujeitos a tarifas a apenas 48

    e reduziu a tarifa incidente sobre o vinho. A Frana aboliu

    todas as proibies e comprometeu-se a no impor tarifa

    superior a 30% (ou 25% depois de cinco anos de vigncia do

    acordo). Na prtica, a maioria das tarifas situava-se na faixa

    de 10 a 15 por cento.Os efeitos sistmicos do acordo foram muito mais

    amplos do que sua importncia para os dois signatrios,

    as duas maiores economias europeias poca. Enquanto a

    Inglaterra manteve sua poltica de livre-comrcio em relao

    a terceiros, a Frana reduziu as tarifas apenas para os

    produtos ingleses. Para superar a desvantagem em relaoaos produtos ingleses no mercado francs, os demais pases

    europeus apressaram-se a buscar acordos semelhantes com

    a Frana, todos com a clusula NMF. Assim, a Frana concluiu

    acordos com a Blgica em 1861, a Zollverein liderada pela

    Prssia em 1862, a Itlia em 1863, a Sua em 1864, Noruega,

    Espanha e Pases Baixos em 1865 e a ustria em 1866. Em

    um perodo de 15 anos, 56 acordos foram assinados, com amaioria das tarifas entre 8 e 15 por cento, com um mximo

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    de 25 por cento. O comrcio foi liberalizado a um ponto

    que somente seria alcanado novamente no final da RodadaTquio do Acordo Geral de Tarifas e Comrcio GATT. O mpeto

    liberalizante comeou a arrefecer no final da dcada de 1870

    a Frana elevou substancialmente suas tarifas em 1892 ,

    mas o comrcio manteve-se razoavelmente livre de barreiras

    at a ecloso da I Guerra Mundial. Este teria sido um dos

    fatores propulsores da segunda onda de globalizao.

    3.3. A gz

    O sistema europeu de comrcio da segunda metade do

    sculo XIX terminou de forma abrupta em agosto de 1914,

    com a ecloso da I Guerra Mundial. O regime de economiade guerra baseou-se em tarifas altas, proibies, quotas e

    controles cambiais, tudo voltado para proteger as indstrias

    consideradas vitais para a segurana nacional e para

    preservar divisas.

    Embora o terceiro dos Catorze Pontos de Woodrow Wilson

    defendesse a remoo de todas as barreiras econmicase o estabelecimento da igualdade de condies comerciais

    entre todas as naes, no havia disposio ou mesmo

    condies para restaurar a poltica comercial do pr-Guerra.

    O Pacto da Sociedade das Naes transformou a igualdade

    de condies pleiteada por Wilson em tratamento

    equitativo do comrcio de todos os Membros, levando em

    conta as necessidades especiais das regies devastadas

    pela Guerra. Na prtica, no havia disciplina internacional.

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    A Organizao Mundial do Comrcio

    No perodo imediatamente aps a I Guerra Mundial,

    no houve nenhum esforo significativo para restaurar arede de acordos anteriores, ou para estabelecer um regime

    de disciplinas multilaterais. Os prprios EUA elevaram

    significativamente suas tarifas em 1922, com a Tarifa

    Fordney-McCumber. Em 1927, um encontro de notveis

    a Conferncia Econmica Mundial conclamou a aes

    unilaterais, bilaterais ou coletivas para estabilizar e reduzir(standstill e rollback) barreiras comerciais e restaurar a

    efetividade da clusula NMF. Essa recomendao acabaria

    sendo endossada por vrios pases, o que encorajou a

    Liga das Naes a examinar a possibilidade de promover

    negociaes tarifrias multilaterais. A crise de 1929, no

    entanto, sepultou essas esperanas.

    O que ocorreu a partir de 1929 foi uma desagregaodo regime comercial mundial de propores inditas, tanto

    pela rapidez como pela extenso. A deflao, o aumento

    do desemprego e a crise financeira levaram rpida

    propagao de medidas unilaterais para tentar insular o

    mercado domstico da deflao. Como consequncia, em 1932

    o comrcio mundial, em valor, havia cado 40% em relaoa 1929.

    Houve, nesse perodo, uma multiplicao de ins-

    trumentos de controle econmico. Ademais das medidas

    tradicionais tarifas, quotas e proibies , multiplicaram-

    -se os sistemas de licenciamento, os controles cambiais e os

    acordos de comrcio administrado. As burocracias estatais

    expandiram-se e aumentou significativamente o alcance e

    o detalhamento da regulao do comrcio internacional

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    IVO GATT

    A experincia traumtica dos anos 1920 e 1930 marcou

    profundamente a reconstruo da ordem internacional aps

    a II Guerra Mundial. A viso predominante era de que ounilateralismo havia contribudo para agravar e prolongar

    a Grande Depresso. Na esfera monetria e financeira, isso

    resultou na criao do Fundo Monetrio Internacional e do

    Banco Mundial para administrar taxas de cmbio e financiar

    a reconstruo.

    Na rea comercial, a resposta foi o esforo paraestabelecer uma Organizao Internacional do Comrcio

    (OIC). J em 1943, o Departamento de Estado havia preparado

    um documento sobre as bases para o comrcio no ps-

    -Guerra. Em dezembro de 1945, quando os EUA j haviam

    chegado a um acordo com o Reino Unido sobre os princpios

    fundamentais, os EUA convidaram os aliados a negociar um

    acordo multilateral para a reduo recproca de tarifas sobreo comrcio de bens. A proposta foi endossada pelo Conselho

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    Econmico e Social da ONU (ECOSOC), que adotou resoluo

    em fevereiro de 1946 convocando uma conferncia aConferncia das Naes Unidas sobre Comrcio e Emprego

    para elaborar a carta constitutiva de uma Organizao

    Internacional do Comrcio.

    O projeto de Carta constitutiva da OIC ficou conhecido

    como a Carta de Havana, por ter sido aprovado em

    maro de 1948 na capital cubana. A OIC teria um escopoque iria alm da poltica comercial strictu sensu: havia

    captulos sobre emprego, acordos de produtos de base,

    prticas empresariais restritivas e investimentos. Submetido

    vrias vezes aprovao do Congresso norte-americano, o

    documento foi rejeitado. Em dezembro de 1950, o Presidente

    Truman anunciou que no mais buscaria a aprovao do

    Congresso para a OIC, acabando definitivamente comqualquer possibilidade de entrada em vigor da Carta.

    Com isso, o principal instrumento de regulamentao do

    comrcio internacional ficou sendo o GATT, um acordo

    provisrio negociado em 1947, em Genebra, durante a

    terceira das quatro reunies do Comit Preparatrio da OIC.

    As clusulas gerais do GATT inspiraram-se em larga medidano captulo do projeto de Carta constitutiva da OIC que

    tratava de regras comerciais, o qual, por sua vez, tinha sido

    fortemente influenciado por acordos comerciais bilaterais,

    principalmente aqueles negociados pelos EUA depois de 1934.

    A inspirao do GATT era antiprotecionista, mas sem chegar

    a ser livre-cambista. Os objetivos mais amplos, estipulados

    no prembulo, so o aumento dos padres de vida, o pleno

    emprego, o crescimento da renda e da demanda efetiva,

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    A Organizao Mundial do Comrcio

    a plena utilizao dos recursos e a expanso da produo

    e do intercmbio de bens. A liberalizao do comrcio e ano discriminao so descritas como meios para alcanar

    aqueles objetivos, e no como fins em si mesmas.

    4.1. A g GATT

    Os instrumentos de poltica comercial visam, de maneira

    geral, a aumentar os preos e/ou reduzir a quantidade dos

    produtos importados por meio de tarifas, quotas ou outros

    tipos de barreiras importao ou, alternativamente, a

    reduzir os preos e aumentar a oferta domstica por meio

    de subsdios. Nos dois casos, as condies de concorrncia

    so distorcidas de forma a aumentar a participao daproduo domstica no consumo: no primeiro, com preo de

    equilbrio maior do que ocorreria se o mercado fosse aberto

    s importaes; no segundo, o preo pode ser igual ao do

    mercado internacional, ou mesmo menor, o que equivale

    a um subsdio exportao. No limite, as importaes

    so proibidas e os preos no mercado domstico socompletamente desvinculados do mercado internacional.

    O GATT admite a proteo do mercado domstico.

    A ideia, no entanto, de que essa proteo seja moderada,

    previsvel e permita o funcionamento, ainda que de maneira

    atenuada, do princpio das vantagens comparativas.

    Isso se traduz em quatro regras gerais: (1) clusula

    de nao mais favorecida, para equalizar as condies de

    concorrncia entre os fornecedores externos; (2) tratamento

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    nacional, para que, uma vez superados os obstculos na

    fronteira, o produto importado no seja discriminadoem relao ao domstico; (3) proteo exclusivamente

    por meio de tarifas e (4) transparncia, para assegurar

    previsibilidade. Essas quatro regras gerais so detalhadas

    ou complementadas por uma srie de artigos destinados a

    impedir ou, pelo menos, disciplinar as medidas protecionistas

    mais comuns no perodo entreguerras.

    4.1.1. A clusula NMF

    A clusula de nao mais favorecida constitui uma

    das duas vertentes do princpio da no discriminao: os

    produtos de qualquer origem devem estar sujeitos ao mesmo

    tratamento, na fronteira do pas importador, em relao

    ao pagamento de tarifas e taxas e a outras formalidades.

    So admitidas algumas excees, em especial para unies

    aduaneiras e acordos de livre-comrcio. Em princpio,

    possvel burlar a clusula NMF por meio de subdivises

    tarifrias como a tarifa alem de 1902, que tinha umaposio para gado malhado ou pardo, criado a pelo menos

    300 metros acima do nvel do mar e, durante pelo menos um

    ms por ano, a mais de 800 metros acima do nvel do

    mar , por tarifas sazonais que afetam distintamente os

    Hemisfrios Norte e Sul, devido defasagem das colheitas,

    por restries aplicveis a portos de entrada, etc. Naprtica, h menos interesse em beneficiar uma mercadoria

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    A Organizao Mundial do Comrcio

    importada em detrimento de outra do que em beneficiar o

    produto domstico em detrimento do importado.

    4.1.2. O tratamento nacional

    Uma vez cumpridas as exigncias e pagos os tributos

    devidos na importao, as mercadorias importadas nopodem receber tratamento menos favorvel do que as

    mercadorias domsticas em relao a tributos, regulamentos

    e normas tcnicas ou requisitos de comercializao. Essa

    igualdade a segunda vertente da no discriminao

    denominada de tratamento nacional.

    O primeiro componente da igualdade que a cobrana

    dos impostos internos como o ICMS e o IPI, no caso

    brasileiro no exceda o montante cobrado dos produtos

    domsticos. Essa exigncia necessria para preservar a

    regra geral de proteo por meio de tarifas: se fosse possvel

    elevar de forma diferenciada os impostos internos apenas

    para os produtos importados, a consolidao de tarifas

    como limite mximo de proteo perderia sentido. Essaigualdade aplica-se no apenas a produtos idnticos, mas

    tambm a similares ou concorrentes, como diferentes tipos

    de destilados. Os tributos internos aplicveis cachaa, por

    exemplo, devem ser comparveis aos aplicveis vodca

    importada.

    O tratamento nacional abrange todas as exigncias

    aplicveis venda de um bem, inclusive regulamentos

    tcnicos, etiquetagem, crdito, transporte, distribuio,

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    utilizao. A lista de medidas vedadas longa e crescente,

    por se tratar de uma rea que interfere com polticasdomsticas e, por isto mesmo, se presta alegao de que

    o objetivo no comercial:

    restries a produtos nocivos sade importados,

    como cigarros, mais rigorosas do que para os produtos

    locais;

    avaliao de conformidade mais rigorosa por

    exemplo, testar uma proporo maior dos produtos

    importados do que dos produtos domsticos;

    limites publicidade;

    diferentes condies de crdito (prazos, taxas);

    condies diferenciadas de venda, como restries a

    quantidades, tipo de loja, promoes.

    Pela regra do tratamento nacional, no possvel impor

    propores mnimas em quantidade, volume ou valor

    de partes domsticas na montagem de produtos finais ou,

    no comrcio domstico, condicionar a venda de produtos

    importados venda de determinada quantidade de produtos

    domsticos. A exigncia de contedo local equivalente tantoa uma quota uma restrio da quantidade importada como

    uma proporo da quantidade do produto domstico

    como a uma taxa, na medida em que o importador obrigado a

    adquirir o produto domstico mais caro para ter o direito

    importao. Pela mesma lgica, tambm no possvel

    exigir a exportao de algum produto como condio parapermitir a importao.

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    seja determinado de forma arbitrria pela aduana. Por isso,

    os procedimentos para classificao e determinao devalor das mercadorias importadas devem igualmente ser

    publicados e administrados de forma imparcial.

    4.2. A x

    O GATT contm vrias excees pautadas pelo realismo em especial, pela realidade da poltica norte-americana dadcada de 1940. Em 1947, um senador norte-americanoprops suspender as negociaes em Genebra at quea Comisso de Comrcio Internacional (USITC) tivesseanalisado o impacto que tarifas mais baixas teriam sobre

    a economia norte-americana. O Departamento de Estadonegociou com o Senado a rejeio da proposta, em troca deuma vlvula de escape uma salvaguarda que permitiriaelevar tarifas se, por circunstncias imprevistas, o aumentodas importaes de um produto causasse dano indstriadomstica. Essa clusula de salvaguarda foi incorporadaipsis literis no GATT. O artigo que estabelece a proibio

    geral de restries quantitativas contm uma exceo feitasob medida para atender os requisitos da legislao agrcolanorte-americana. Com base no Agricultural Adjustment

    Act de 1933, os produtores norte-americanos de lavourasbsicas (basic crops) recebiam, em troca da participaoem programas de controle de oferta, preos de sustentaorelacionados aos preos vigentes no perodo anterior I Guerra Mundial superiores, em decorrncia da deflao

    do ps-Guerra, aos preos mundiais.

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    emergncia nas relaes internacionais. Ela foi invocada

    algumas vezes ao longo da histria. Em 1982, a ComunidadeEconmica Europeia CEE, a Austrlia e o Canad

    suspenderam as importaes provenientes da Argentina

    em funo do conflito das Malvinas. Os EUA aplicaram

    um embargo comercial Nicargua em 1985. A CEE fez a

    mesma coisa com a Iugoslvia em 1991. A Sucia buscou

    utilizar a mesma clusula, nos anos 70, para a proteo desua indstria de calados, com o argumento de que seria

    necessrio manter capacidade autctone de fabricao

    para assegurar o fornecimento a seu exrcito na hiptese

    de conflito militar e de bloqueio s importaes. A Sucia

    acabou retirando, no entanto, as medidas antes que elas

    fossem examinadas por um painel.

    A regra de que a proteo deve-se dar apenas por meiode tarifas e de que no deve haver proibies pode

    conflitar com uma grande diversidade de objetivos no

    comerciais. Nenhum pas obrigado a admitir a importao

    de bens considerados lesivos moral ou sade como

    entorpecentes, por exemplo. razovel impor, em certos

    casos, proibies ao comrcio; em outros, exignciasqualitativas, como a conformidade com padres sanitrios ou

    normas tcnicas. Para lidar com essas questes, o GATT-47

    tem um artigo de excees gerais. Ele permite, entre

    outras hipteses, a imposio de medidas necessrias

    proteo da moral pblica, da vida humana, animal ou

    vegetal, proteo de tesouros histricos e artsticos e

    conservao do meio ambiente. A condio bsica que asmedidas no sejam aplicadas de forma discriminatria nem

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    constituam uma restrio disfarada ao comrcio. No se

    pode alegar, por conseguinte, que os cigarros estrangeirosso prejudiciais sade: para restringir a importao,

    necessrio que medidas equivalentes sejam aplicadas aos

    cigarros fabricados no pas. A noo de restrio disfarada

    ao comrcio passa, muitas vezes, por uma avaliao quanto

    possibilidade de o objetivo ser alcanado por meio de uma

    medida alternativa, menos restritiva.Com o passar do tempo, tendncia regulamentao

    crescente dos bens acabou levando multiplicao das

    situaes de conflito entre os objetivos descritos no Artigo XX

    e a liberdade de comrcio. Isto acabou estimulando a

    elaborao de disciplinas mais extensas e detalhadas na

    OMC, em particular no que se refere a normas e regulamentos

    tcnicos.

    Alm das excees previstas no GATT, outras foram

    agregadas com o tempo, em particular no que se refere

    agricultura e aos produtos txteis.

    O GATT permitia quotas para produtos agrcolas, desde

    que vinculadas a programas de limitao da produo. As

    primeiras rodadas de negociaes comerciais realizadaspouco contriburam para a liberalizao do comrcio

    agrcola. Como as principais distores eram no tarifrias, a

    consolidao e reduo de tarifas agrcolas, quando ocorria,

    tinha pouco efeito concreto. Ainda assim, a concesso

    de uma quota com tarifa reduzida para manteiga pelos

    EUA, na Rodada de Annecy, acabaria por ser considerada

    excessiva, levando o Secretrio de Agricultura a impor, por

    obrigao legal, uma proibio importao de manteiga

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    o que redundaria no primeiro caso de autorizao de

    suspenso de concesses por uma parte contratante(no caso, a Holanda) a outra por violao do GATT.

    Em 1955, o Japo ingressou no GATT e conseguiu resguardar

    suas quotas de importao no seu Protocolo de Acesso. No

    mesmo ano, os EUA obtiveram um waiver(derrogao das

    regras) para legislao que obrigava a imposio de restries

    s importaes de alguns produtos agrcolas, mesmo emviolao s obrigaes internacionais dos EUA. Em 1956,

    j havia indicaes de que os seis pases que negociavam

    a criao da Comunidade Econmica Europeia pretendiam

    estabelecer uma poltica agrcola protecionista e voltada

    para a autossuficincia. Assim, ao final da primeira dcada

    de vigncia do GATT, as disciplinas aplicveis ao comrcio de

    produtos agrcolas, que nunca haviam sido muito fortes,encontravam-se ainda mais debilitadas, a ponto de gerar a

    impresso de que a agricultura estava excluda do GATT.

    O setor txtil tem sido, desde a Revoluo Industrial,

    um dos mais acessveis para pases que comeam a se

    industrializar. Com isso, h uma sucesso de concorrentes,

    o que tende a gerar reaes protecionistas nos pasescom indstrias j estabelecidas. Os EUA, ainda nos anos 30,

    impuseram ao Japo acordos de restrio voluntria

    de exportaes (VERs voluntary export restraints).

    Nos anos 50, Japo, Hong Kong, China, ndia e Paquisto

    foram obrigados a restringir suas exportaes para os

    EUA. Em 1961, os EUA impuseram um Arranjo de Curto

    Prazo, sucedido no ano seguinte por um Arranjo de

    Longo Prazo, para regular os volumes e o crescimento

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    A Organizao Mundial do Comrcio

    das exportaes de tecidos de algodo daqueles pases. Aos

    poucos, mais produtos e pases foram sendo adicionados.A partir de 1974, o comrcio de txteis e vesturio passou a

    ser regido pelo Acordo Multifibras (AMF). Foram estabelecidas

    quotas que restringiam o acesso ao mercado dos pases que

    enfrentavam dificuldades em funo do rpido crescimento

    das importaes de txteis. O Acordo Multifibras conflitava

    frontalmente com a regra de eliminao de restriesquantitativas e com a clusula de nao mais favorecida,

    j que cada pas fornecedor negociava quotas individuais.

    Como no caso da agricultura, os txteis nunca foram

    formalmente excludos do GATT, mas um conjunto de regras

    especficas tornavam as disciplinas do GATT inoperantes

    nesses setores.

    4.3. O GATT gz

    O acordo do GATT entrou em vigor em 1de janeiro de

    1948, com 23 partes contratantes entre as quais o Brasil ,

    por meio de um Protocolo de Aplicao Provisria, queestipulava que a Parte II do GATT que abrangia, entre outras

    questes, tratamento nacional e direitos antidumping seria

    aplicada na mxima extenso compatvel com a legislao

    existente. Quanto a OIC entrasse em vigor, a Parte II seria

    substituda pelos dispositivos correspondentes da Carta de

    Havana.

    Quando os EUA anunciaram que no submeteriam a

    Carta de Havana ao Congresso, em 1950, os signatrios

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    do GATT denominados de partes contratantes ficaram

    com um acordo provisrio, mas sem uma instituio paraadministr-lo. Por uma feliz coincidncia, tambm havia

    um secretariado provisrio procura de uma organizao.

    A Conferncia da ONU sobre Comrcio e Emprego, que lanou

    as negociaes da Carta de Havana, havia estabelecido uma

    comisso provisria para a Organizao Internacional do

    Comrcio, a ICITO, que passou a funcionar, como Secretariadodo GATT, at a criao da OMC.

    O Protocolo de Aplicao Provisrio era conhecido como

    a clusula do vov (grandfather clause). Com base nessa

    clusula, o Brasil manteve em vigor, durante vrios anos,

    impostos internos que discriminavam contra o produto

    importado, com base em uma lei de 1945. Os EUA a utilizaram

    para dispensar o teste de dano para a imposio de direitoscompensatrios e antidumping contra bens importados,

    com base em uma lei do mesmo ano.

    Em que pesem essas deficincias originais, o GATT

    gradualmente consolidou-se como uma organizao inter-

    nacional de facto. Ademais das rodadas de negociaes,

    as partes contratantes comearam a reunir-se para discutira implementao do acordo. Estabeleceu-se, em 1960, um

    Conselho de Representantes que se reunia de forma regular

    e tomava decises, por consenso. Para indicar decises

    coletivas o equivalente a resolues do GATT falava-se

    em PARTES CONTRATANTES, em letras maisculas. Com o

    tempo, os mecanismos institucionais foram expandidos e

    consolidados. O cargo de Secretrio-Executivo da ICITO foi

    transformado em Diretor-Geral do GATT em 1965, em um

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    A Organizao Mundial do Comrcio

    reconhecimento implcito de que o acordo tambm era uma

    organizao. Nos anos 60 foram criados comits temticosespecficos como o Comit de Comrcio e Desenvolvimento,

    estabelecido em 1965 em resposta realizao, no ano

    anterior, da primeira sesso da Conferncia das Naes

    Unidas sobre Comrcio e Desenvolvimento (Unctad). No

    mesmo ano foi incorporada a Parte IV ao GATT, que estipula,

    entre outros objetivos e compromissos, que as partescontratantes desenvolvidas deveriam priorizar a reduo de

    barreiras comerciais s exportaes das partes contratantes

    em desenvolvimento, sem esperar reciprocidade total por

    isso. A linguagem , no entanto, de carter exortatrio, ou

    seja, no estabelece obrigaes comparveis, do ponto de

    vista jurdico, s do texto original do GATT.

    4.4. O R GATT

    Entre 1947 e 1961 foram realizadas cinco rodadas de

    negociaes para reduzir tarifas (denominadas de Genebra,

    Annecy, Torquay, Genebra e Dillon). As negociaes eramfeitas por listas de produtos, com pedidos e ofertas de

    cada pas. Como havia a expectativa de reciprocidade,

    as negociaes privilegiavam os principais fornecedores.

    No faria sentido oferecer uma vantagem a um pequeno

    exportador, que teria pouco a oferecer em troca, e estender

    em seguida a concesso tarifria aos grandes fornecedores

    pela clusula de nao mais favorecida. Esse mecanismoconcentrava a negociao entre os maiores pases. Sem

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    moeda de troca, os pequenos no tinham como obter

    abertura para seus produtos, mas em compensao tambmno eram obrigados a fazer concesses. Acabavam, assim,pegando carona (free riding) nas concesses negociadaspelos maiores. Mesmo para os grandes, no entanto, omtodo era ineficiente. Com isso, com exceo da rodadaoriginal, em que os cortes tarifrios foram da ordem de 20%,nas trs rodadas seguintes o corte mdio nas tarifas foi deapenas 2,3%, e de 8% na Rodada Dillon.

    Na Rodada Kennedy (1964-1967), o mtodo tradicionalde pedidos e ofertas foi abandonado em favor de umameta de reduo linear de tarifas para produtos industriais(50%). A meta foi alcanada em muitos setores, mas noem reas consideradas sensveis como txteis, calados,

    produtos qumicos e ao. Foi aprovado tambm o CdigoAntidumping, o primeiro acordo adicional sobre disciplinasdo GATT.

    A Rodada Tquio (1973-1979) introduziu a frmulasua para reduo de tarifas, uma construo matemticaque (1) estabelece um teto mximo para as novas tarifas e(2) efetua cortes proporcionalmente maiores nas tarifas

    iniciais mais elevadas. Em funo deste efeito, umafrmula de harmonizao, ou seja, que reduz a dispersodas tarifas iniciais. O resultado final foi uma reduo mdiade um tero nas tarifas dos pases industrializados. Aofinal da Rodada, a tarifa mdia para bens industriais era deapenas 4,7% naqueles pases. Novamente, no entanto, houveconsidervel flexibilidade para excluir setores sensveis.

    Na Rodada Tquio houve o primeiro esforo significativo

    para enfrentar as barreiras no tarifrias. O resultado foram

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    acordos sobre subsdios e medidas compensatrias, barreiras

    tcnicas, licenciamento de importaes, valorao aduaneira,compras governamentais e um novo acordo antidumping.Foram tambm concludos acordos simplificados deacompanhamento de mercado para aeronaves civis,carne bovina e produtos lcteos. Esses acordos eramplurilaterais, ou seja, voluntrios, e valiam apenas paraas partes contratantes que os subscreviam. Eram chamados,informalmente, de cdigos. A maioria desses cdigosforam transformados em acordos multilaterais na RodadaUruguai. Os arranjos sobre carne bovina e produtos lcteosforam encerrados. Apenas os acordos sobre comprasgovernamentais e sobre aeronaves civis foram mantidoscomo acordos plurilaterais na OMC.

    4.5. D GATT OMC: R Ug

    O GATT teve um sucesso inegvel, tanto em termos deliberalizao comercial como de criao de um sistemaefetivamente multilateral. O nmero de partes contratantes

    passou de 23 em 1947 para 50 no final da Rodada Kennedy,vinte anos mais tarde, e dobrou novamente na dcadaseguinte. As redues tarifrias ajudaram a manter taxaselevadas de crescimento do comrcio internacional emtorno de 8%, em mdia, nas dcadas de 1950 e 1960.O comrcio internacional de manufaturas, como proporoda produo mundial, triplicou entre 1945 e 2000.

    O GATT repousava, no entanto, sobre bases precrias:

    tratava-se de um acordo provisrio, que nunca foi ratificado

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    pelo Congresso norte-americano. O bom desempenho do GATT

    deveu muito supremacia econmica e disposio dos EUApara liderar a liberalizao comercial. Sem competidores,

    os EUA podiam defender uma clusula de nao mais

    favorecida incondicional como entronizada no artigo I do

    GATT. A preponderncia norte-americana e sua disposio

    para acomodar os interesses de seus aliados europeus

    acabou resultando, no entanto, em seletividade contrria aosinteresses dos pases em desenvolvimento: setores como

    txteis e agricultura foram virtualmente excludos do GATT.

    A impossibilidade de obterem a liberalizao nos mercados

    de seu interesse e o pessimismo em relao contribuio do

    comrcio exterior para o desenvolvimento levaram os pases

    em desenvolvimento a concentrarem esforos, primeiro,

    na reforma das relaes econmicas internacionais e, emseguida, na obteno de tratamento especial e diferenciado,

    que consistia, na maioria das vezes, em isenes totais

    ou parciais em relao s regras. Com essa margem de

    manobra (policy space), muitos pases em desenvolvimento

    (PEDs) puderam industrializar-se, explorando at o limite

    as polticas de substituies de importaes. No fundo,

    era um sistema de duas velocidades, em que os pases

    desenvolvidos tinham mais obrigaes, mas tambm mais

    benefcios, do que os pases em desenvolvimento.

    Em meados dos anos 80, comeou a ficar claro que o

    GATT seja como arranjo institucional, seja como conjunto de

    regras no era mais adequado ou suficiente para regular o

    comrcio multilateral. O sucesso das primeiras dcadas emque o crescimento do comrcio internacional ultrapassou

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    de longe o crescimento do produto bruto mundial deu

    lugar a tenses crescentes, com a multiplicao derestries cinzentas (i.e., no expressamente proibidas,

    mas tampouco previstas no GATT), aumento no nmero de

    controvrsias nem sempre resolvidas, devido natureza

    no compulsria dos mecanismos de resoluo e crticas,

    de diversas orientaes, aos desequilbrios do sistema.

    Algumas dessas tenses refletiam o prprio sucesso do GATT:com a reduo de tarifas, os pases comearam a recorrer

    a outras medidas, no tarifrias, para se protegerem da

    concorrncia externa. As mudanas estruturais na economia

    mundial tambm desempenharam um papel. A partir do

    incio dos anos 70 os EUA comearam a apresentar dficits

    comerciais e, a partir de 1980, dficits em conta corrente.

    O aumento das exportaes de produtos industriais por partedo Japo e de pases em desenvolvimento asiticos e latino-

    -americanos gerou modificaes importantes nos padres

    de produo e comrcio. Com isso, aumentou a presso

    dos EUA por reciprocidade, que se dirigiu prioritariamente

    para os setores mais competitivos da economia norte-

    -americana: servios e alta tecnologia neste caso, vinculada

    a demandas crescentes por proteo da propriedade

    intelectual. O crescimento da produo agrcola europeia

    tambm produziu, no incio dos anos 80, um acirramento

    da concorrncia: o custo dos programas de apoio nos

    EUA foi multiplicado por seis entre 1982 e 1986, atingindo

    US$ 26 bilhes; o gasto com os principais programas da

    Poltica Agrcola Comum (PAC) dobrou entre 1981 e 1986,de 11 para 22 bilhes de Unidades Monetrias Europeias

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    (ECUs). Isto levou os EUA a reconsiderarem as vantagens

    do policy spacepara concesso de subsdios agrcolas queos EUA haviam imposto a seus scios no GATT atravs do

    waiveragrcola de 1955.

    Por sua vez, os pases em desenvolvimento ressentiam-

    -se da multiplicao de restries a suas exportaes: acordos

    voluntrios de restrio (VRAs), proliferao de medidas

    antidumping e de direitos compensatrios, sucessivasprorrogaes e extenses das quotas sobre produtos txteis,

    perda de mercados de exportao devido s exportaes

    subsidiadas de produtos agrcolas pelos EUA e pela

    Comunidade Europeia (CE). As aspiraes de reforma das

    relaes econmicas internacionais tambm se frustraram

    aps um perodo inicial de realizaes com a criao do G-77

    e da Unctad, e com a adoo na II Conferncia, em 1968, doSistema Geral de Preferncias, primeira medida concreta de

    flexibilizao da clusula NMF em favor dos PEDs.

    A insatisfao generalizada com o status quo, somada

    crescente disposio para utilizar medidas unilaterais

    (como a Seo 301 da Lei de Comrcio dos EUA) para forar

    a abertura de mercados e mesmo mudanas legislativas emoutros pases, resultaria no lanamento de mais uma rodada

    de negociaes comerciais em 1986, em Punta del Este. Alm

    da pauta tradicional de liberalizao do comrcio de bens,

    a Rodada Uruguai trataria tambm do estabelecimento de

    regras sobre propriedade intelectual e comrcio de servios.

    Em contrapartida ao atendimento dessa demanda dos

    pases desenvolvidos, a Rodada deveria tambm tratar da

    incorporao (ou reincorporao) do comrcio de txteis e

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    de produtos agrcolas ao sistema multilateral e de regulao

    das medidas de salvaguarda. Alm disso, seria feito umreexame do funcionamento do sistema do GATT, inclusive

    em relao aos aspectos institucionais e ao mecanismo de

    soluo de disputas.

    O objetivo era concluir as negociaes em quatro anos,

    expectativa que se revelou excessivamente otimista. Em

    1988, em Montreal, e em Bruxelas, em 1990, as confernciasministeriais terminaram sem acordo em relao s

    negociaes agrcolas. Alguns avanos provisrios foram,

    no entanto, obtidos, na forma de colheita antecipada

    dos resultados da Rodada em particular, modificaes no

    sistema de soluo de controvrsias e o estabelecimento

    do mecanismo de reviso de polticas comerciais. No final

    de 1992, os EUA e a Unio Europeia chegaram a um acordo(conhecido como acordo de Blair House) que serviria de

    base para o resultado das negociaes agrcolas. Em 1993,

    as demais questes pendentes foram sendo resolvidas e,

    no final do ano, foram apresentadas como um pacote

    final, na forma do Projeto Dunkel, apresentado pelo ento

    Diretor-Geral do GATT. Assim, depois de quase oito anos denegociaes, muitas idas e vindas e vrios desencontros,

    o acordo que concluiu a Rodada Uruguai e estabeleceu a

    OMC foi assinado em Marraqueche, em abril de 1994. A OMC

    comeou a funcionar oficialmente em 1de janeiro de 1995.

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    VA OMC

    Os resultados da Rodada Uruguai foram amplos,profundos e, em boa medida, revolucionrios. O sistemado GATT baseava-se em um acordo de statusinferior a um

    tratado internacional (em virtude do Protocolo de AplicaoProvisria), limitado ao comrcio de bens e mesmo nessecaso, com setores excludos , com um mecanismo de soluode controvrsias que dependia do consentimento da partereclamada e com um arranjo institucional precrio. O acordode Marraqueche, que estabeleceu a OMC, transformou osistema de comrcio multilateral de maneira radical.

    5.1. A OMC gz

    A criao da Organizao Mundial do Comrcio (OMC)deu, finalmente, base jurdica slida para o sistema de

    comrcio multilateral. A extino das derrogaes histricas(grandfather clause, waivers agrcolas), a obrigatoriedade

    de subscrio de todos os acordos por todos os Membros,

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    a instituio de um mecanismo compulsrio de soluo

    de controvrsias constituem um conjunto de mudanas degrande alcance, que transformaram a face do sistemade comrcio multilateral.

    Como organizao internacional, a OMC tem personalidadejurdica prpria, distinta da de seus Membros. A OMC foiestabelecida por um tratado que define seus objetivos,

    funes, estrutura e mtodos para tomada de decises. Osacordos temticos aprovados na Rodada Uruguai constituemparte integrante do acordo constitutivo da OMC.

    Os objetivos podem ser resumidos na inteno dedesenvolver um sistema comercial multilateral integrado,mais vivel e durvel, baseado no GATT, nos resultadosdas rodadas de liberalizao comercial anteriores e nos

    resultados da Rodada Uruguai.As funesabrangem a administrao dos acordos e dos

    mecanismos de soluo de controvrsias e de reviso depolticas comerciais. Alm disso, a Organizao serve comofrum de negociaes comerciais multilaterais.

    A estrutura da OMC tem, no pice, a Conferncia

    Ministerial, que se rene a cada dois anos. No dia a dia,o rgo decisrio mximo o Conselho Geral, integradopelos Representantes Permanentes de todos os Membros.O Conselho Geral tambm se rene como rgo de Soluode Controvrsias e como rgo de Reviso de PolticasComerciais. Abaixo do Conselho Geral esto os Conselhosde Comrcio de Bens, Comrcio de Servios e TRIPS. Abaixo

    destes, por sua vez, h cerca de quatro dezenas de Comits,Subcomits e Grupos de Trabalho, que administram acordosespecficos ou mesmo aspectos distintos de um mesmo

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    acordo. Essa estrutura servida pelo Secretariado, dirigido

    por um Diretor-Geral.

    A OMC manteve a prtica de tomada de decisespor consenso que prevalecia no GATT. O acordo prev apossibilidade de decises por votao; para emendas, necessrio o voto de 2/3 dos Membros, como no GATT. possvel tambm adotar interpretaes dos acordos, com

    um qurum mais elevado (3/4 dos Membros). A clusula denao mais favorecida considerada ptrea: somente podeser modificada por unanimidade. Na prtica, a possibilidadede votao remota.

    5.2. O

    5.2.1. O GATT 1994

    Ao final da Rodada Uruguai, foi adotada uma srie deacordos (entendimentos e decises) que interpretame, em certos casos, modificam substancialmente artigosespecficos do GATT. Esses acordos tratam de taxas deimportao, empresas estatais, restries comerciaispor problemas com o balano de pagamentos, acordosregionais de comrcio, derrogao de obrigaes (waivers)e renegociao de tarifas consolidadas. O conjunto dessesacordos, juntamente com as decises tomadas pelas PARTESCONTRATANTES do GATT ao longo do tempo, os protocolos

    de acesso e os protocolos referentes s listas de tarifas decada membro passaram a constituir, juntamente com otexto original do GATT (o GATT 1947), um novo documento

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    de base o GATT 1994. O GATT 1994 , portanto, o GATT

    1947, ampliado por um conjunto de acordos especficos esubstancialmente melhorado pela revogao do Protocolo deAplicao Provisria. Do ponto de vista formal, no entanto,o GATT 1947 foi extinto.

    5.2.2. Os acordos sobre bens

    Alm do GATT 1994, diversos outros acordos regu-lamentam em detalhe procedimentos especficos depoltica comercial. O objetivo mais amplo disciplinar asmedidas que podem ser utilizadas como barreiras notarifrias ao comrcio. Os acordos que elaboram e refinam

    o GATT tratam de barreiras tcnicas (TBT), medidas deinvestimento relacionadas ao comrcio (TRIMS), subsdiose direitos compensatrios, antidumping, regras de origem,licenciamento de importaes, salvaguardas, inspeo pr--embarque e compras governamentais. Alguns deles haviamsido objeto de acordos plurilaterais na Rodada Tquio. NaRodada Uruguai, todos tornaram-se multilaterais, ou seja,

    obrigatrios para todos os Membros da OMC. A nica exceo o Acordo sobre Compras Governamentais.

    5.2.2.1. Acordo sobre Barreiras Tcnicas

    ao Comrcio (TBT)

    Os produtos modernos esto sujeitos a nmero crescente

    de normas (em princpio, voluntrias) e regulamentos

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    (obrigatrios) que especificam caractersticas (e.g., funes,

    dimenses, formas, materiais), requisitos de segurana(como resistncia ao fogo, ausncia de substncias

    nocivas), compatibilidade com outros produtos (e.g., para

    evitar interferncia de equipamentos de radiofrequncia),

    cores, smbolos descritivos. A multiplicidade de padres

    em diferentes mercados como os sistemas de cores para

    televiso analgica ou para a televiso digital elevam oscustos do comrcio e podem, no limite, inviabiliz-lo. Na

    maioria dos casos, esses requisitos tm justificativa tcnica;

    muitas vezes, no entanto, so feitos sob medida para

    beneficiar o produto domstico.

    O GATT 1947 continha apenas referncias genricas a

    regulamentos e normas tcnicas, em particular no Artigo III,

    que veda a imposio de requisitos distintos produtosimportados e domsticos, e no Artigo XX, que trata de

    medidas para preservar a sade humana, animal e vegetal.

    A multiplicao das barreiras tcnicas acabaria levando,

    na Rodada Tquio, negociao de um acordo plurilateral,

    que foi expandido, melhorado e transformado em acordo

    multilateral na Rodada Uruguai.O Acordo TBT busca assegurar que normas e regulamentos

    tcnicos, assim como procedimentos de certificao e

    avaliao de conformidade (os mtodos para determinar

    que os produtos atendem s normas e regulamentos)

    no criem obstculos desnecessrios ao comrcio como,

    por exemplo, por meio de testes mais rigorosos para os

    produtos importados. Para tanto, estabelece a obrigao

    de no discriminao (NMF e tratamento nacional). Alm

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    disso, determina que os regulamentos tcnicos no devem

    ter por objetivo ou efeito criar obstculos desnecessriosao comrcio internacional, ou seja, no devem restringiro comrcio alm do necessrio para alcanar um objetivolegtimo. O Acordo exemplifica como objetivos legtimos asegurana nacional, a proteo da sade ou da seguranahumanas, da vida ou da sade animal ou vegetal, ou domeio ambiente. Em sntese, o esprito do Acordo TBT queos pases podem adotar as medidas que consideraremnecessrias para sua prpria proteo, desde que o faam(1) de maneira no discriminatria, (2) com base emanlises cientficas e tcnicas apropriadas e (3) que nocriem obstculos desnecessrios ao comrcio. Na medidado possvel, os pases devem adotar padres internacionais.

    natural que os pases que se encontram na fronteirado progresso tcnico produzam maior quantidade deregulamentos tcnicos e, por conseguinte, exeram maiorinfluncia na determinao dos padres internacionaisaprovados em organizaes como a ISO, o Codex Alimentarius,a UIT, a IEC. Por outro lado, a forte presuno de que ospadres devem basear-se em critrios cientficos constituem

    uma defesa importante para os pases em desenvolvimentocontra medidas discriminatrias.

    5.2.2.2. Acordo sobre medidas de investimento

    relacionadas ao comrcio (TRIMS)

    Os anos 70 e 80 foram um perodo de grande expanso

    do investimento direto estrangeiro. Ainda havia, no entanto,

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    muitos setores em que o acesso era restrito, para proteo

    das empresas nacionais. A abertura ao investimentoestrangeiro foi sendo feita de maneira gradual, muitas

    vezes sujeitas a condies, como compromissos em relao

    a determinados percentuais de contedo local no produto

    final, exigncias de exportao de determinada proporo

    da produo e mesmo neutralidade em matria de divisas

    (as importaes eram condicionadas obteno de divisas pormeio da exportao). Essas medidas contrariavam os Artigos III

    (tratamento nacional) e XI (restries quantitativas) do GATT,

    ao condicionarem a importao aquisio de produtos

    locais. De maneira semelhante s medidas de rea cinzenta

    da poca, alegava-se que no eram medidas expressamente

    proibidas pelo GATT. Em 1982, os EUA pediram um painel

    contra a lei de investimentos do Canad de 1973 (Foreign

    Investment Review Act FIRA), que estipulava requisitos

    desse tipo. O painel condenou os requisitos de contedo

    local, mas no, surpreendentemente, os compromissos de

    exportao.

    Na Rodada Uruguai foi concludo um acordo no qual,

    alm de reiterar-se a vedao de exigncia de contedo

    domstico, fica explicitada a proibio de exigncia de

    desempenho exportador, ou seja, de exportao de uma

    parcela da produo. O acordo no inova: ele apenas

    esclarece o alcance das disciplinas do GATT. Para reforar

    esse carter didtico, o acordo contm uma lista ilustrativa

    de medidas relacionadas a investimentos que so proibidas.

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    5.2.2.3. Acordo sobre Subsdios e

    Medidas Compensatrias

    Os subsdios so, juntamente com as tarifas e as quotas,instrumentos bsicos da poltica comercial. Assim comoas tarifas so utilizadas para elevar o preo dos produtosimportados; os subsdios servem para reduzir o preo do

    produto domstico. Nos dois casos, o propsito alterara relao de competitividade entre produtos nacionais eestrangeiros, em favor dos primeiros. Esse objetivo tambmpode ser buscado em outros mercados, por meio desubsdios exportao. Se um produto subsidiado causardano indstria domstica do pas importador, este podeaplicar direitos compensatrios, ou seja, taxas que anulam

    o montante do subsdio.Apesar de sua bvia relevncia para o comrcio e da

    ampla utilizao dos subsdios por quase todos os pases,o GATT original estabeleceu disciplinas pouco estritas emrelao a subsdios. A disputa por divisas no ps-Guerralevou rapidamente, no entanto, a um acirramento daconcorrncia por mercados. Em consequncia, acordou-

    -se, em 1955, proibir os subsdios exportao paraprodutos industrializados a partir de 1958. Continuarama ser tolerados, no entanto, os subsdios exportao deprodutos primrios.

    Na Rodada Tquio foi negociado um acordo plurilateralpara disciplinar tanto o emprego de subsdios como

    a imposio de direitos compensatrios o Cdigo deSubsdios e Medidas Compensatrias. Os signatrios do Cdigo

    comprometeram-se a apenas impor direitos compensatrios

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    se, alm dos subsdios, fosse determinado que os produtores

    locais haviam sido prejudicados (teste de dano).O Brasil, que comeava a expandir suas exportaes demanufaturados em boa medida com o apoio de subsdios aderiu ao Cdigo para ter direito a esse teste de dano.

    Nem sempre simples identificar se uma medidaconstitui um subsdio e, ainda mais, determinar seu

    montante o que indispensvel para o clculo dos direitoscompensatrios. Em ordem decrescente de clareza, podem--se mencionar transferncias de recursos do Governo parauma empresa, especialmente se vinculadas ao volumede produo; o fornecimento de bens ou servios comoenergia eltrica abaixo do custo de produo; a reduo ouiseno de impostos diretos ou indiretos; o compromisso de

    compra de determinado volume de produo pelo Governo;a concesso de emprstimos em condies mais favorveisdo que a empresa obteria no mercado; a construo deinfraestrutura; operaes no mercado de capitais emcondies favorecidas; o fornecimento de servios abaixo docusto para os empregados das empresas.

    Em todos os casos, um elemento necessrio para

    a existncia do subsdio a especificidade, ou seja, seudirecionamento a um setor ou empresa. Uma reduogeneralizada na alquota do imposto de renda, por exemplo,no altera, em princpio, as condies de competitividade.Se a reduo restrita a um setor, ou vinculada exportao,existe subsdio.

    A determinao do montante do subsdio depende,entre outros fatores, de deciso sobre se ele medido pelocusto para o Governo ou pelo benefcio para o recipiendrio.

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    Se um banco oficial concede um emprstimo a uma taxa

    superior a seu custo de captao, mas inferior taxa que aempresa poderia obter no mercado, haveria um benefcio,mas no um custo.

    O Acordo sobre Subsdios e Medidas Compensatrias daOMC estabeleceu, pela primeira vez no GATT, uma definio desubsdio: necessrio que haja uma contribuio financeira

    do Governo (em qualquer forma, inclusive reduo deimpostos) e, simultaneamente, um benefcio. Os subsdios exportao, ou os que dependem da utilizao de bensdomsticos em detrimento dos importados, so proibidos.Os subsdios produo especficos, ou seja, dirigidosa uma indstria, setor ou regio, so acionveis, isto ,podem dar margem imposio de direitos compensatrios

    se, em uma investigao, concluir-se que causam dano aosconcorrentes. A categoria de subsdios verdes referia-se acertos tipos de subsdios que no seriam acionveis mesmoque fossem especficos e se comprovasse dano. Incluam--se nesse caso subsdios para P&D, subsdios ambientaise regionais. Essa categoria expirou, no entanto, em 2000 eno foi renovada. Por ltimo, subsdios considerados

    como no especficos no podem ser objeto de medidascompensatrias.

    Para direitos compensatrios, o ASMC estabelece umasrie de requisitos processuais e substantivos. O requisitobsico que se demonstre a existncia de subsdio, dano indstria domstica e relao causal entre o subsdio eo dano. O clculo do montante de subsdio deve ser feitotomando o mercado como base de referncia, o que, na

    prtica pode oferecer dificuldades significativas.

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    5.2.2.4. Acordo Antidumping

    O dumping um conceito que abrange distintas

    realidades. A primeira delas a discriminao de preos,

    ou seja, a prtica de preos diferenciados estratgia

    corrente de maximizao de lucros por empresas que atuam

    em diversos mercados. Tambm se denomina dumping,

    no entanto, a venda de produtos abaixo do seu preo decusto (underselling) que tambm prtica normal sob

    determinadas situaes, em especial em setores com

    elevada proporo de custos fixos nos custos totais e a

    venda a preos extremamente reduzidos, visando a eliminar

    a concorrncia (preo predatrio). A lgica econmica e

    jurdica de cada uma dessas prticas distinta. Apenas a

    ltima constitui, de fato, uma prtica desleal, no sentido de

    que feita com a inteno de distorcer o mercado.

    A noo de que importaes a baixo custo decorrem de

    vantagens ou prticas desleais vem, no entanto, de longe.

    O Canad adotou legislao antidumping em 1904, seguido

    de perto pelo outros Domnios britnicos (Nova Zelndia,

    Austrlia e frica do Sul) e pelos EUA. A lei norte-americanade 1921 serviu de base para o Artigo VI do GATT 1947. Esse

    artigo permite aplicar direitos antidumping sobre produtos

    importados desde que se comprove a ocorrncia simultnea

    dos seguintes elementos: 1) dumping (em qualquer das

    formas mencionadas acima); 2) dano material ou ameaa de

    dano material indstria domstica, ou atraso significativo

    para o estabelecimento de uma indstria domstica; e

    3) relao de causalidade entre o dumping e o dano.

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    Na Rodada Kennedy foi negociado um primeiro acordo

    plurilateral sobre antidumping, substitudo na Rodada Tquiopelo Cdigo Antidumping. Na Rodada Uruguai, esse Cdigo

    foi, como os demais, multilateralizado, ou seja, passou a

    ser de adeso obrigatria para todos os membros da OMC.

    O Acordo Antidumping segue a mesma lgica do Artigo VI:

    necessrio demonstrar a existncia de dumping, dano e nexo

    causal entre os dois. O Acordo consolida, no entanto, umasrie de regras em relao ao mtodo para determinao

    da existncia de dumping, os critrios a serem levados em

    considerao na anlise de dano, os procedimentos para o

    incio e para a conduo de investigaes, a implementao

    e durao de medidas antidumping e os critrios de

    reviso de medidas antidumping por painis de soluo

    de controvrsias.

    At os anos 80, o nmero de pases que aplicavam

    antidumping era limitado basicamente EUA, CEE, Canad,

    Austrlia, Nova Zelndia e frica do Sul. A adoo do Acordo

    Antidumping coincidiu com aumento notvel no nmero

    de pases que aplicam direitos antidumping, o que guarda

    relao com o processo de abertura comercial nos pases em

    desenvolvimento. Historicamente verifica-se uma correlao

    inversa entre o nvel de proteo comercial (tarifa mdia e

    outros instrumentos) e a utilizao de direitos antidumping.

    Mais do que seguir uma lgica econmica clara, as

    medidas antidumping, como outros instrumentos de defesa

    comercial, obedecem necessidade de vlvulas de escapepara as presses da liberalizao comercial.

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    5.2.2.5. Acordo sobre Regras de Origem

    Regras de origem so os critrios utilizados para definir

    o pas de origem de um bem. Esses critrios costumam

    estipular uma determinada proporo de valor adicionado a

    um produto, ou uma transformao substancial, que pode

    ser determinada, por exemplo, por mudana na descrio

    do produto na nomenclatura tarifria o chamado saltotarifrio , ou pela descrio de processos especficos de

    elaborao.

    As regras de origem adquirem maior importncia no

    caso dos acordos preferenciais, de vez que constituem a

    base para o enquadramento no tratamento mais favorvel.

    O acordo sobre regras de origem da OMC no se aplica,

    no entanto, aos acordos regionais ou aos esquemas

    preferenciais unilaterais, como o SGP, que dispem de ampla

    liberdade para estabelecer suas prprias regras. O acordo

    da OMC aplica-se primordialmente s regras de origem

    no preferenciais; as regras de origem preferenciais so

    mencionadas em um anexo, que trata principalmente de

    transparncia.Se a clusula NMF fosse aplicada de forma absoluta na

    OMC, a origem de um bem no teria importncia. Na prtica,

    no entanto, algumas polticas resultam em discriminao:

    nos casos de salvaguardas, antidumping e direitoscompensatrios, por exemplo, as investigaes e a aplicaode eventuais sobretaxas so feitas de forma direcionada.Se for possvel evitar o pagamento de uma sobretaxa pormeio de transbordo em um terceiro pas, possivelmente

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    acompanhado de alguma alterao sem consequncia,

    as medidas de defesa comercial se tornariam sem efeito.O mesmo ocorre no caso das quotas, aplicadas principalmentea produtos agrcolas. O Acordo prev que as regras de origemdeveriam ser harmonizadas at 1998, mas a divergncia deinteresses em relao a um grupo limitado de produtos temimpedido a concluso do processo.

    5.2.2.6. Acordo sobre Licenciamento de Importaes

    Os procedimentos utilizados para determinar a legalidadedas importaes em sentido amplo a exatido dos dadosdeclarados pelo importador em relao s mercadorias

    importadas, assim como sua conformidade com a legislaopertinente podem-se prestar imposio de exigncias,custos ou atrasos na importao, que atuam como barreirasno tarifrias. Os artigos VIII e X do GATT estipulam requisitosde simplificao e transparncia desses procedimentos. NaRodada Tquio, foi negociado um cdigo plurilateral sobrelicenciamento de importaes, que foi transformado em

    acordo multilateral na Rodada Uruguai.Ademais de elaborar e complementar as regras bsicas

    aplicveis ao licenciamento, como a aplicao neutra e imparcial

    dos procedimentos, a simplicidade e a transparncia das

    regras, o Acordo estabelece requisitos substantivos objetivos,

    como prazos mximos para a concesso de licenas (entre

    10 e 60 dias, segundo o tipo de licena).

    A relevncia dos procedimentos burocrticos na

    importao para a eficincia das operaes levou negociao

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    de um acordo sobre facilitao do comrcio, concludo

    em dezembro de 2013. Esse acordo complementa o Acordode Licenciamento de Importaes e estabelece obrigaesadicionais em relao a procedimentos aduaneiros.

    5.2.2.7. Acordo sobre Salvaguardas

    O Artigo XIX do GATT previa a possibilidade de elevar astarifas aplicveis a produtos que, por motivos imprevistos,tivessem um aumento significativo de importaes, de formaque causasse ou ameaasse causar srio dano indstriadomstica. Embora a lgica seja comumente percebidacomo poltica, faz sentido, do ponto de vista econmico,

    que o ajuste estrutural decorrente do comrcio internacionalocorra de forma gradual, uma vez que a realocao decapital e mo de obra no ocorre de forma automtica. Comtempo, a indstria domstica pode (1) investir e tornar-semais competitiva ou (2) reduzir seu nvel de produo etransferir mo de obra e capital (por meio da extenso dosperodos de amortizao, por exemplo) de forma gradual.

    No GATT, no entanto, as partes contratantes preferiramtrocar a complexidade dos conceitos subjetivos do ArtigoXIX pela eficincia prtica das medidas de rea cinzenta(em particular, das restries voluntrias s exportaesde bens como ao e automveis).

    O Acordo sobre Salvaguardas da OMC proibiu

    explicitamente todas as medidas cinzentas e estabeleceuprocedimentos mais detalhados para a abertura deinvestigaes com vistas imposio de salvaguardas.

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    O Acordo estabelece critrios para determinao do que

    constitui dano indstria domstica, assim como parmetrospara as medidas a serem aplicadas s importaes e prazosmximos para sua utilizao. As salvaguardas no podemser aplicadas de forma discriminatria, a no ser emcircunstncia excepcionais.

    5.2.2.8. Acordo sobre Inspeo Pr-embarque

    Alguns pases na grande maioria, PMDRs utilizamos servios de grandes empresas para efetuar inspees,nos portos de expedio, das mercadorias importadas.A inspeo inclui verificao da mercadoria e da docu-

    mentao, classificao aduaneira e avaliao do valordas mercadorias, ou seja, trata-se de uma terceirizao deservios normalmente efetuados pela alfndega nos pasesimportadores. O objetivo reduzir fraudes e corrupo, emespecial em pases que no dispem de infraestrutura fsicae humana adequada. O acordo da OMC sobre inspeo pr--embarque basicamente reitera que os princpios e obrigaes

    da OMC como no discriminao, transparncia, mtodosde valorao aduaneira aplicam-se quelas operaes.

    5.2.2.9. Acordo sobre Compras Governamentais

    O Artigo III do GATT, que impe a obrigao de concedertratamento nacional aos bens importados, exclui

    explicitamente as aquisies do Governo para fins no

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    comerciais. O Acordo Geral sobre o Comrcio de Servios

    GATS contm uma exceo equivalente do GATT para ascompras do Governo. Por consideraes de eficincia, oupara a obteno de financiamento, muitos pases costumamabrir, mesmo na ausncia de obrigaes nesse sentido, seusmercados para fornecedores estrangeiros. A relevncia dopoder de compra do Estado como instrumento de polticaindustrial tem levado, no entanto, a grande maioria dospases em desenvolvimento a buscar preservar essapossibilidade e, consequentemente, a resistir negociaode obrigaes de acesso a mercados nessa rea.

    Na Rodada Tquio, um grupo de 12 pases (includosos ento 9 membros das Comunidades Europeias)decidiu negociar um cdigo plurilateral sobre compras

    governamentais. A participao limitada acabou levando renegociao do cdigo, durante a Rodada Uruguai,como acordo plurilateral o nico acordo desse tipo comobrigaes comerciais sob a OMC. O acordo conta com 42membros, includos os 28 integrantes da Unio Europeia.

    O Acordo no se aplica a todas as compras governamentaisdos signatrios. Cada participante lista as entidades centrais,

    subnacionais ou outras (como autarquias e empresasestatais) cobertas. No caso dos EUA, por exemplo, o acordoaplica-se s compras de 37 estados. Aplicam-se igualmentelimiares de valores para as aquisies de maneira geral,130 mil DES (direitos especiais de saque) para bens e5 milhes de DES para servios de construo.

    A ampliao do nmero de signatrios do Acordo deCompras Governamentais uma das prioridades dos grandes

    pases desenvolvidos. Na Declarao que lanou a Rodada

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    ou seja, integrados ao GATT. Isso implicava, basicamente,

    a eliminao das quotas sob o Acordo Multifibras. Essademanda foi aceita, mas com um prazo de implementao

    de dez anos. Durante esse prazo, as quotas seriam

    eliminadas em quatro etapas em 1de janeiro de 1995,

    de 1998, de 2002 e de 2005. O acordo tambm estabeleceu

    uma salvaguarda transitria, mais fcil de invocar que as

    salvaguardas normais. Em que pese s crticas ao ritmode implementao (o Acordo permitiu que a maior parte

    do valor do comrcio somente fosse integrado no final do

    perodo), todos os produtos txteis e de vesturio passaram

    a ser regidos exclusivamente pelas regras da OMC no prazo

    previsto. O Acordo sobre Txteis e Vesturio deixou, assim,

    de viger em 1de janeiro de 2005.

    5.3.2. Acordo sobre Agricultura

    A concluso das negociaes agrcolas da Rodada Uruguai

    resultou em um conjunto de regras sobre todos os aspectos

    do comrcio de produtos agrcolas inclusive com listasconsolidadas de tarifas, consolidao e reduo do montante

    de subsdios exportao e limites aos subsdios domsticos.

    A par disso, foi adotado um acordo para regulamentar a

    aplicao de medidas sanitrias e fitossanitrias. Embora

    o resultado em termos de liberalizao efetiva do comrcio

    agrcola tenha sido modesto, o fato que, pela primeira

    vez em quase cinco dcadas, o comrcio agrcola foiefetivamente subordinado a regras multilaterais.

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    O Acordo sobre Agricultura estabelece disciplinas no

    apenas para os instrumentos de poltica comercial, mastambm para as polticas domsticas. A opo por esse

    enfoque tem consequncias que se estendem no tempo,

    na medida em que cristaliza os parmetros do processo de

    reforma da agricultura. A partir da Rodada Uruguai, todas

    as negociaes teriam que tratar tanto de poltica comercial

    quanto de polticas domsticas. interessante notar que o enfoque adotado no Acordo

    sobre Agricultura (AsA) representa apenas uma dentre

    diversas alternativas possveis para a reforma do comrcio

    agrcola. Poder-se-ia, por exemplo, limitar os compromissos

    a subsdios exportao e a acesso a mercados. Se fossem

    suficientemente ambiciosos, esses compromissos acabariam

    por exercer presso, indiretamente, sobre as polticas depreos mnimos e de estoques nacionais.

    A estrutura do Acordo sobre Agricultura reflete as trs

    reas em que se deram as negociaes, a saber, acesso a

    mercados, concorrncia nas exportaes e apoio domstico.

    Em acesso a mercados, o dispositivo principal o Artigo

    4:2 do AsA, que estipula que os Membros no mantero, norecorrero nem revertero a nenhuma medida do tipo das

    que foram convertidas em direitos aduaneiros ordinrios.

    Este o requisito de tarificao de todas as medidas

    no tarifrias. Uma nota de p de pgina exemplifica as

    medidas como quotas, direitos variveis, preos mnimos

    e esclarece que se incluem outras medidas similares,

    ou seja, que a lista no exaustiva. A nota abrange todas

    as medidas, mesmo aquelas mantidas com base em

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    derrogaes especficas para determinados pases. Ou seja,

    nem os protocolos de acesso nem o waiver agrcola dosEUA podem ser invocados para justificar a manuteno de

    medidas no tarifrias.

    Foram mantidas, no entanto, duas excees ao princpio

    da tarificao. A primeira, menos importante, a chamada

    clusula do arroz, que permitiu o adiamento da tarificao

    do arroz no Japo, na Coreia e nas Filipinas, e da carne deovinos e caprinos em Israel. A segunda, mais significativa,

    a chamada salvaguarda especial (SSG), prevista no Artigo 5

    do AsA. A salvaguarda especial permite a imposio de

    tarifas adicionais com base em gatilhos de preo e de volume.

    De certa forma, a SSG constitui uma relquia, comparvel

    aos direitos variveis aplicados em funo do preo

    internacional. Ao contrrio das salvaguardas clssicas,nenhuma investigao e nenhuma determinao de dano

    so necessrias.

    Outra reminiscncia do passado so as quotas tarifrias

    para acesso mnimo ou corrente. O acesso mnimo

    refere-se a situaes em que, mesmo aps a implementao

    da tarificao e das redues tarifr