100 anos assembleia de deus

21
Gedeon Alencar Assembleia de Deus Origem, implantação e militância (1911-1946) São Paulo / 2010

Upload: guilherme-nunes-silva

Post on 05-Jul-2015

438 views

Category:

Documents


2 download

TRANSCRIPT

Page 1: 100 Anos Assembleia de Deus

Gedeon Alencar

Assembleia de DeusOrigem, implantação e militância (1911-1946)

São Paulo / 2010

Page 2: 100 Anos Assembleia de Deus

Dados Internacionais de Catalogação na PublicaçãoCIP-Brasil. Catalogação na fonte

A368a Alencar, Gedeon Assembleia de Deus – origem, implantação e militância (1911-1946) / Gedeon Alencar ._ São Paulo: Arte Editorial, 2010 192 p.: 14x21cm

ISBN 978-85-98172-85-9

1. Assembleia de Deus 2. Assembleia de Deus no Brasil 3. Daniel Berg 4. Pentecostalismo I. Título

CDD 230

Copyright © 2010 por Ar te Editorial. Todos os direitos reservados.

Coordenação editorial e projeto gráfico: Magno PaganelliRevisão: João Guimarães1ª Edição: julho / 2010

Publicado no Brasil por Ar te Editorial

Rua Parapuã, 574 - Itaberaba02831-000 - São Paulo - [email protected]

Page 3: 100 Anos Assembleia de Deus

Apresentação, pelo Prof. Dr. Leonildo Silveira Campos. . .9INTRODUÇÃO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19Um parêntese pessoal • Justificativa do período (1911-1946)

1. PENTECOSTALISMO: ORIGEM, TEORIASE CRESCIMENTO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27

A ORIGEM (MARGINAL) DO PENTECOSTALISMO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .29Um filho de escravo perturba o mundo evangélico • Babel ouPentecostes, a mensagem se espalhou

REFERENCIAIS TEÓRICOS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32Três ideias clássicas sobre religião no Século 20 • Weber – ocarisma e os adeptos • Niebuhr – a igreja dos deserdadosrenasce sempre? • Tillich – o “princípio protestante” estáperdido? • Três visões sobre o pentecostalismo brasileiro •Leonard – um pentecostalismo sem leitura bíblica não teráfuturo • Beatriz de Souza – o ajuste urbano • Cartaxo Rolim– alienação sacral

CRESCIMENTO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42ESTATÍSTICAS: ALÉM DA TEORIA, UMA ESTIMATIVA COMPROVADORA . . . . . 45TABELA 1: Estimativas do crescimento do pentecostalismo . . . . . . . . 45

PRIMEIRA FASE: PENTECOSTALISMO ASSEMBLEIANO BRASILEIRO

2. A IMPLANTAÇÃO DA “SEITAPENTECOSTISTA” – 1911-1930. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47

PRIMEIRA FASE: A IMPLANTAÇÃO DA SEITA PENTECOSTISTA (1911-1930). . . 48SEGUNDA FASE: A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA IGREJA (1930-1946) . . . . 50TERCEIRA FASE: A OFICIALIZAÇÃO DA DENOMINAÇÃO (1946 EM DIANTE). . . 51OS SUECOS VISIONÁRIOS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54Daniel Berg (1884-1963), o operário • Gunnar Vingren (1879-1933), o líder • O estilo Vingren-Vingren

DISSIDÊNCIA E OFICIALIZAÇÃO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60

SUMÁRIO

Page 4: 100 Anos Assembleia de Deus

6 ASSEMBLEIA DE DEUS – ORIGEM, IMPLANTAÇÃO E MILITÂNCIA

TABELA 2: Versão assembleiana e versão batista da divisão. . . . . . . . . . . 61O nome “Assembleia de Deus” • A expansão aleatória

TABELA 3: A expansão da AD em seus primeiros anos. . . . . . . . . . . . . . 69TABELA 4: Quadro estatístico da Igreja em Belém (1911-1914). . . . . . . . . 71Batismos na AD Belém (1911-1914) • A crise da borracha ajudana expansão da AD

JORNAIS: O PRINCÍPIO DA MODERNIDADE. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76A experiência pioneira de 1917: A Voz da Verdade • Som Alegre:uma dissidência carioca? • Uma palavra oficial: Boa Semente(1919-29) • As ênfases teológicas do Boa Semente

TABELA 5: Tabulação do Jornal Boa Semente (1919-1929). . . . . . . . . . . 79As singularidades da mensagem pentecostal

IGREJAS CALVINISTAS CRESCEM MENOS QUE IGREJAS ARMINIANAS?. . . . . . . 85

SEGUNDA FASE: PENTECOSTALISMO ASSEMBLEIANO BRASILEIRO

3. A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA IGREJA – 1930-1946 . . . . 89AD – UM PROJETO BRASILEIRO? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90Qual a ligação da Ad no Brasil com a dos EUA? • A Igreja Filadélfiade Estocolmo é quem sustenta. E decide • Os missionários vêm daSuécia e não dos EUA • A ausência de registro norte-americanosobre a AD no Brasil • AD norte-americana versus AD brasileira •“Projeto brasileiro”? Que projeto?

TABELA 6: “Igrejas sédes” e pastores em 1931 . . . . . . . . . . . . . . . . . 106O ETHOS SUECO-NORDESTINO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107O ethos sueco nordestino: uma visão sociológica • O ethos sueconordestino: uma visão teológica

O “MENSAGEIRO DE PAZ” COMO CONSOLIDAÇÃO DA IGREJA . . . . . . . . . .113TABELA 7: As ênfases teológicas nos textos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .116AS CONVENÇÕES. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116TABELA 8: As Convenções da AD . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 118A Convenção de 1930: os suecos “entregaram” ou os brasileiros“tomaram”? • A versão sueca das “Igrejas Livres” e a construçãoda autonomia brasileira • Primeira (e única) dissidência teológica?

OS MINISTÉRIOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127Paulo Macalão: o alijado que estabeleceu um estilo

Page 5: 100 Anos Assembleia de Deus

SUMÁRIO 7

A CHEGADA DE NOVAS IGREJAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 132A dissidência da cura: Cruzada nacional de Evangelização • Oque é a AD na década de 50?

4. CARACTERÍSTICAS DO PENTECOSTALISMOASSEMBLEIANO BRASILEIRO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137

ALGUMS CARACTERÍSTICAS DO PENTECOSTALISMO ASSEMBLEIANO. . . . . . . . . . . . . . . . . 1391. A “síndrome de marginal” 2. O discurso de negação do mundo eo escatologismo 3. A aversão a mudanças (ou “Não destruam nossosmitos”) 4. Liderança diversificada, doutrinação homogênea 5.Sistema eclesiástico assembleiano: episcopalismo vitalício

NADA MAIS BRASILEIRO QUE UM ASSEMBLEIANO: OMISSO E FELIZ. . . . . . . . . . . . . . . . . 150UMA IGREJA ALÉM DA “NORMALIDADE”. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 152

CONSIDERAÇÕES FINAIS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 155ABREVIATURAS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 157REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 159

ANEXO 1: Pesquisa nas fontes primárias. . . . . . . . . . . . . 171ANEXO 2: Presença missionária estrangeira no Brasil. . . 181ANEXO 3: Convocação da Convenção de 1930 em Natal. . 185ANEXO 4: Comparação entre as

versões históricas assembleianas. . . . . . . . . . . 187

Page 6: 100 Anos Assembleia de Deus

90 ASSEMBLEIA DE DEUS – ORIGEM, IMPLANTAÇÃO E MILITÂNCIA

(Convenção em Natal e todas as demais; relação suecos xbrasileiros x norte-americanos; semente do divisionismoministerial e expansão da igreja em todo o país etc.) e externas(crise nas bolsas, Getúlio Vargas, Estado Novo, SegundaGuerra Mundial), mas, resolvendo bem ou mal todos osdesafios que ela teve, a AD alcançou todos os Estados e sefortaleceu por todo o país.

Neste capítulo trataremos das relações entre suecos ebrasileiros, suecos e norte-americanos e brasileiros-suecos-norte-americanos. As relações institucionais dos líderes, porquea igreja (seguidores, batizados, construtores e mantenedores)não participa dessa tensão. É necessário entender comofuncionavam as convenções, e a partir delas, como ocorreu odesembocar do processo de fracionamento dessa igreja emministérios distintos, fraternos e, em determinadas ocasiões,inimigos.

AD – UM PROJETO BRASILEIRO?

Qual a ligação da AD no Brasil com a dos EUA?

“A influência dos EUA foi intensa” (Campos Jr, 1995:139,grifo do autor).

“A AD mantém estreitos laços com as igrejas pentecostaisnorte-americanas, das quais depende quase totalmente emtermos de educação teológica, que embora incipiente noBrasil, começa a se fortalecer pelo estabelecimento de váriosseminários e institutos bíblicos para a preparação depastores. Acresce uma gama de literatura traduzidaamplamente difundida principalmente por meio da CPAD eEditora Betânia” (Bittencourt Filho, 1985:35, grifo do autor).

“O pentecostalismo estava apenas na sua infância quandochegou ao Brasil um fator importante para sua autoctonia”(Freston, 1994:75).

Page 7: 100 Anos Assembleia de Deus

A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA IGREJA 91

Esta afirmação de que o pentecostalismo brasileiro é umproduto made in EUA está dentro da categoria de “estereótipossociológicos” (Fry, 1975:84). Tornou-se senso comum e, severdade ou não, ninguém se preocupa em comprovar. Onde,quando e como se deu esta influência intensa? Quais osestreitos laços – teológicos, econômicos, culturais? Como sedeu esta dependência total da educação teológica?

O contexto da frase de Campos Jr. é a questão da músicados negros norte-americanos, a sua espontaneidade de ritmose instrumentos, algo muito repetido nas análises sobre opentecostalismo brasileiro, mas esta “espontaneidade” é muitomais um exercício hermenêutico dos observadores. A AD,desde o início, teve uma postura muito conservadora quantoao corpo. Até hoje, qualquer tipo de dança é reprimida e,liturgicamente (apesar de criticar muito as outrasdenominações de “frias e não darem liberdade ao Espírito”),o padrão de culto assembleiano é bem fechado e definitivo:em grande número de igrejas,127 cantam-se somente os hinosda Harpa Cristã dentro daquela música “sagrada como eraantigamente”;128 o ritual na tribuna é previsível; aparticipação é domesticada.129 Aquele estilo das igrejas negrascom dança e cânticos “negros espirituais” (gospel),caracterizados pelos improvisos, pessoas batendo palmas edançando no culto, “confirmando” ou perguntando algo aopregador, nunca se constituiu padrão assembleiano brasileiro.

127 Estamos nos referindo às ADs tradicionais, e não às autônomas/independentes.128 Fazer um arranjo musical em estilo popular de samba ou rock é um sacrilégio

inaceitável na cultura assembleiana. Sobre o conceito de sacralidade na hinologiabrasileira, ver Música Sacra, mas Nem Tanto, de Milton Rodrigues Jr. (ArteEditorial, 2010).

129 Talvez para um pesquisador que assiste a três “cultos públicos”, duas “reuniões deoração” a participação “espontânea”, se comparada à Igreja Anglicana e muitomais à Católica, é algo extraordinário, mas se o pesquisador assistir a reuniõesdurante alguns anos, em comunidades assembleianas diversas, vai perceber a“ritualização da espontaneidade”.

Page 8: 100 Anos Assembleia de Deus

92 ASSEMBLEIA DE DEUS – ORIGEM, IMPLANTAÇÃO E MILITÂNCIA

Temos que restringir esta “espontaneidade” com a possibilidadede qualquer um (analfabeto, letrado, empregada doméstica ou apatroa) dar um testemunho, falar ou pregar. Todos têm a liberdade,em quaisquer momentos do culto, de – numa linguagem queCorten (1996:12) chama de “intervenção anárquica da palavra”,e os assembleianos de “glorificação a Deus” – dar glórias, aleluias,falar em línguas, chorar, rir, gritar. No mais, tudo segue muitobem definido e restritivo: vestimenta, ritmos, postura, liderança,ritos, interditos etc. O culto começa apenas com uma oração, depoisse canta apenas três hinos da Harpa Cristã, depois se faz apenasuma leitura bíblica, e dá-se oportunidade para o conjunto desenhoras/jovens/crianças e alguns testemunhos. Há décadaso culto “guiado” pelo Espírito Santo realiza-se – apenas –assim. E ninguém se atreve a mudar. Nem o Espírito.

Já Bittencourt fala da educação teológica, pelo fato de oprimeiro seminário teológico brasileiro ter sido fundado, em1958, por um pastor que chegara dos EUA.130 Precisamos situaresta questão de modo mais claro, pois, nos primeiros anos,muitos alunos, ao se inscreverem nesse curso e noutros quesurgiram a partir de então, foram “disciplinados” por suasigrejas e, em geral, os “formados em teologia” tinham muitadificuldade de se inserirem no ministério pastoral. Educaçãoteológica sempre foi rechaçada, apesar (e também por isso) devir dos EUA. Durante décadas, seminários foram tratadospejorativamente como “Fábricas de Pastores”131 e rejeitados por

130 IBAD – Instituto Bíblico das Assembleias de Deus, fundado em 1958 pelo Pr.João Kolenda Lemos, brasileiro, descendente de alemães. Sua esposa, Ruth DorisLemos (falecida em 2009), pastora assembleiana, é norte-americana. Hoje sãoconsiderados heróis, mas durante anos foram tratados como “desviados, rebeldes”e não foram excluídos da AD porque, embora no Brasil, permaneceram filiadosà AD nos EUA.

131 Esta é uma expressão corriqueira nos meios assembleianos, usada ainda hoje. NaAta da 9ª Sessão da 18ª Convenção em Santo André, em 1966, o pr. AnselmoSilvestre, de Belo Horizonte, se posicionou contra a proposta de criação deseminários, que ele chama de “Fábrica de pastores”, pelo perigo de alguns ficaremcom as cabeças cheias e o coração vazio”.

Page 9: 100 Anos Assembleia de Deus

A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA IGREJA 93

irem contra a “tradição da Assembleia”, e porque essa igrejanasceu e cresceu sem a existência deles.132 Ademais, quantosseminários foram fundados por missões norte-americanas133

(e quantos norte-americanos estiveram, ou estão, dirigindo ouformando pastores assembleianos?), algo muito comum, porexemplo, na tradição batista e presbiteriana.

Apesar de os suecos terem chegado ao Brasil vindos dosEUA, eles não foram enviados por alguma missão134 ou igrejanorte-americana, portanto, institucionalmente eles não têmnenhuma ligação com aquele país. Os suecos eram autônomos,mesmo que Gunnar Vingren fosse originalmente um pastorbatista; como ele diz em seu diário, ao seu despedir de suaigreja, já não era mais membro de nenhuma denominação,“apenas da denominação do céu”. Não há nenhum texto nosjornais e nenhum indício nas biografias de alguma ligação dosmissionários com a igreja de H. Durham, da qual sãooriginariamente membros, e que os “abençoa” na hora dapartida. E nenhum missionário norte-americano foi enviadopara supervisionar e lhes dar qualquer tipo de suporte.

Na biografia de J. P. Kolenda, um alemão que veio para oBrasil em 1904, com seus pais (depois foi morar nos EUA e lá

132 Hoje, ironicamente, a educação teológica virou febre na AD. Todos os ministériostêm, hoje, uma “Faculdade Teológica”, mesmo que ineficaz, com carência debiblioteca e quadro docente funcionando precariamente.

133 Se os EUA tivessem investido em educação teológica no Brasil, talvez hojetivéssemos algo pelo menos parecido com uma universidade digna deste nome,no meio assembleiano, equivalente ao Mackenzie (Presbiteriano) ou UMESP(Metodista). Temos hoje a Escola de Educação Teológica da Assembleia de Deus– EETAD, em Campinas-SP, que não é projeto da AD norte-americana, mas foium sonho do missionário Bernard Jonhson, norte-americano, que a implantoue a sustentou. É uma escola teológica por correspondência para atingir os rincõesdeste país, onde o ensino regular não chegou.

134 Um dos entrevistados falou de uma Missão Norte-americana que sustentava osmissionários suecos no Brasil, mas não há nenhum registro ou indício históricodesta missão. Da sueca, sim. Léonard (1988:72) ao analisar a AD, diz que ela estáligada à Missão Escandinava.

Page 10: 100 Anos Assembleia de Deus

94 ASSEMBLEIA DE DEUS – ORIGEM, IMPLANTAÇÃO E MILITÂNCIA

se tornou pastor da AD), há um trecho bem significativo paraentendermos a questão suecos-norte-americanos-brasileiros.Trata-se de uma fala de Noel Perkins, Diretor de Missões daAD nos EUA, em 1938. Perkins convidou J.P. Kolenda para sero “representante das ADs nos EUA, a fim de fazer umasondagem da situação” (Brenda, 1984:85):

“Temos um problema no Brasil. Precisamos de um homemcom experiência, preferencialmente alguém que fale alíngua, para ir ao Brasil e investigar certas condiçõesexistentes e depois nos aconselhar quanto ao modo deprocedermos” (grifo do autor).

Mas qual é o problema?

“Os missionários suecos tinham objeções à ida ao Brasilde missionários norte-americanos das ADs. Achavam que,visto serem eles os pioneiros, tendo chegado primeiro aoBrasil, aquele país deveria ser considerado campo deles”(idem, 86).

Então, segundo Perkins, o Departamento de Missões tinhaas seguintes opções:

1) “aceitar o pedido dos missionários suecos e recomendarque os missionários135 das Assembleias de Deus da Américado Norte no Brasil deixassem o país e fossem redistribuídosem outros países sul-americanos;

2) recomendar que os missionários norte-americanosorganizassem uma obra separada no Brasil, ligada às

135 Americanos no Brasil em 1938? Lawrence Olson chegou em 07/09/38. Read(1967:135) fala de Frank Stalter em 1934, do qual já se disse, é o único registro.Quais são os outros? Onde estão? Em nossa pesquisa foram encontrados os nomesde Paul Aemis e John Aemis, mas eles “aparecem” sem nenhum dado ou informaçãoalém do registro que eram norte-americanos. Sobre eles não há qualquer registronos jornais, na História e os pastores entrevistados não os conheceram. Já em1962, segundo Read (1965:130), existem aqui oito casais de norte-americanos.

Page 11: 100 Anos Assembleia de Deus

A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA IGREJA 95

Assembleias de Deus norte-americanas, independente daobra ali existente;

3) Achar um meio de cooperar com a obra existente dasAssembleias de Deus, da qual os missionários suecos eramos pioneiros e edificar uma só obra forte das Assembleiasde Deus no Brasil” (Brenda, 1984:85; grifo do autor).

J.P. Kolenda, que foi pastor no Brasil de 1939 a 1952 (quandofoi enviado à Alemanha com função idêntica), sugeriu aoDepartamento de Missões a terceira opção e assim, parece teracontecido, pelo menos nos primeiros anos. Depois daSegunda Guerra Mundial, com a perspectiva de vencedores eresponsáveis (?) pelo mundo, a postura norte-americanamudou.136

“Em 1934, o Sr. Frank Stalter e esposa foram indicadospela Junta Norte-americana para trabalharem no Brasil, eempenharam-se mais na fundação de igrejas no solobrasileiro. Os missionários foram pioneiros em muitaspartes dos Estados de São Paulo e Minas Gerais, onde foraminstrumento para a multiplicação de igrejas” (Read,1967:123).

Esta informação do Read (1967:123) sobre o missionárioFrank Stalter e sua esposa, é desconhecida em qualquer livro dehistória da AD, nos jornais ou demais livros. Se este missionárionão tivesse aparecido no livro do Read, seria completamentedesconhecido e se tornado mais um capítulo dos silêncios dahistória assembleiana. Na ata da 10ª Sessão da Convenção Geral,realizada em Recife, em 1938, há um registro de que uma cartaestava sendo enviada aos EUA, tratando do missionário Franke seu caso, sem entrar em detalhes.

136 “Após a Segunda Guerra Mundial, a atenção norte-americana em geral, emissionária (católica protestante) em particular se volta para a América Latina,impulsionada pelo novo papel internacional americano” (Freston, 1996:72).

Page 12: 100 Anos Assembleia de Deus

96 ASSEMBLEIA DE DEUS – ORIGEM, IMPLANTAÇÃO E MILITÂNCIA

“Foi lida a carta que a convenção propôs fosse enviadapara o secretário da missão “The General Council of theAssemblies of God (...) e explicado pelo presidente o seuconteúdo cujo carta foi aprovada unanimemente (...) Aconvenção deliberou também que uma comissão compostapor Virgilio Smith e Gustavo Bergstron escrevesse uma cartaa Frank Stalter dando ciência do assunto” (a grafia originalfoi mantida)

O que fica implícito?

1. Este missionário foi enviado pela AD nos EUA sem o“consentimento” dos suecos?

2. Aqui chegando, trabalhava como “autônomo” sem lhes darsatisfação?

3. Seu ministério financeiramente mais confortável estavaameaçando os suecos?137

4. As Atas não detalham a questão, mas o mal-estar é patenteem ambos os lados.

A Igreja Filadélfia de Estocolmo é quem sustenta. E decide.

“A gestão financeira da igreja sofria indirectamente com obloqueio cambial, pelo que as ofertas monetárias da Suéciaestavam suspensas devido ao estado de guerra”138 (Barata,1999:37).

“A Igreja Filadélfia, em Estocolmo, sabe que não é suficienteo sustento que recebo de lá. Mas estes queridos irmãos

137 J.P. Kolenda, quando chegou ao Rio de Janeiro em 1942, alugou um apartamentona praia de Copacabana e importou um Chevrolet dos EUA. (Brenda, 1984:89)Alguns entrevistados insinuaram que o estilo arrogante e opulento dos norte-americanos contrastava com a simplicidade e pobreza dos suecos, mas GunnarVingren teve um carro entre 1925 e 1930 no Rio de Janeiro. (Vingren, 1973:188)Um entrevistado informou que Paulo Leivas Macalão, a princípio, condenava ouso de automóveis. Não sabemos o por quê.

138 O período é a década de 1940, portanto, durante a Segunda Guerra Mundial.

Page 13: 100 Anos Assembleia de Deus

A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA IGREJA 97

têm tantos missionários para ajudar, que é um milagrepoderem fazer tanto. Que Deus os abençoe” (Vingren,1073:197).

Gunnar Vingren registrou em seu diário o envio de oferta daIgreja Filadélfia de Estocolmo para seu sustento e a construçãode templos, ou seja, fica claro que sua ligação (e dependência) écom esta igreja. Nada mais óbvio que quem sustentafinanceiramente também tome as decisões. A Convenção de 1930foi uma demonstração da dependência da liderança sueca noBrasil a Lewis Pethrus, pastor da Igreja Filadélfia de Estocolmo.“Todos os assumptos foram discutidos com inteira liberdade,tanto pelos trabalhadores brasileiros, como pelos missionários,fazendo-se ouvir sempre, o Pastor Lewis Pethrus, da Suécia”(MP, nº 1, 1o/1930, grafia original mantida).

Na Convenção de 1930, uma das questões foram os prédios,templos e casas de oração, que foram comprados com dinheirosueco e doados aos brasileiros.

Há um registro sintomático no jornal Boa Semente nº 64(9/1926), de uma “Convenção de Missionários Suecos noBrasil”. O texto jornalístico tem muitos problemas, pois nãoinforma a data exata, local, participantes e objetivo. Numanota (BS, nº 58, 3/1926), diz simplesmente que o Dr. Flanklimchegou ao Brasil. Quem era?139 Veio de onde e com qualobjetivo? Depois, o jornal noticia a convenção “já” realizada.A convenção ocorreu para decidir o quê? Existe algum outroregistro dela?140 A biografia do Vingren também fala dessa

139 Ruth Carlson, em entrevista (Recife, 07.02.00), informa que ele foi um pastorauxiliar de Pethrus, e provavelmente o responsável pelo Departamento de Missõesda Filadélfia.

140 Na introdução da biografia de Daniel Berg há um registro sobre um livro escritopelo Dr. Franklin chamado Entre pentecostais e santos abandonados na Américado Sul. Trata-se um relato cobrindo seis meses da viagem que ele fez entre o Brasile Argentina. Mas nem mesmo os descendentes suecos souberam informar algosobre sua existência.

Page 14: 100 Anos Assembleia de Deus

98 ASSEMBLEIA DE DEUS – ORIGEM, IMPLANTAÇÃO E MILITÂNCIA

convenção e acrescenta apenas que ela aconteceu no Rio deJaneiro. Se foi redigida alguma ata, ela se perdeu, porqueninguém tem qualquer informação a respeito, nem mesmo osdescendentes dos suecos no Brasil. Mas a despeito da ausênciade documentos, fica muito claro que havia uma estrutura depoder sueco que liderava a AD no Brasil, e talvez tenha sidoessa reunião que ocasionou o levante dos brasileiros para“convocar” a Convenção de 1930.141 O jornal não diz como e opor que de os brasileiros terem sido dela alijados, mas parece-me óbvio: a reunião era de suecos com esse enviado de lá.

A Missão Sueca sustenta, além dos missionários suecos, ocolombiano Clímaco Bueno e havia também um evangelistabrasileiro recebendo salários dos EUA (Vingren, 1973:105).Como isso se realizava, não se sabe ao certo e não há ondepesquisar. Enfim, a ligação e sustento oficial registrados osvinculam à Igreja Filadélfia. Igreja Filadélfia de Estocolmo,originalmente foi uma igreja batista que se pentecostalizou,mas nunca veio a ser Assembleia de Deus como diversospesquisadores e pastores da AD142 confundem. Manteve-secomo uma “igreja livre”, congregacional, pentecostal, até hoje.143

Portanto, nada mais óbvio que a Igreja Filadélfia deEstocolmo, que mantém os missionários, decida seus rumos.No Brasil, ela sustenta e tenta decidir, porém, parece nãoconseguir exatamente o que queria.

Os missionários vêm da Suécia e não dos EUA

“O missionário Daniel Berg veio ao nosso encontro no porto,quando chegamos no navio que nos trouxe de Nova Iorque

141 Ver anexo o texto da Convocação dos brasileiros.142 Alguns entrevistados, ao se referirem à origem da AD, falam da Igreja do Pr.

Pethrus como sendo a AD na Suécia.143 Conforme jornal mensal recebido pela misssionária Rute Carlson (entrevista, 8/

02/00, Olinda-PE).

Page 15: 100 Anos Assembleia de Deus

A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA IGREJA 99

a Belém (Pará), pois esse era o único caminho de viagem,via Estados Unidos”. (Vingren, 1987: 23)

Os dois primeiros missionários, Berg e Vingren, como elesmesmos assumem, foram contaminados pela “febre dos EUA”,mas aqui se evidencia puramente uma questão econômica;os demais usam os EUA apenas como passagem.

Em 1930, temos (ver Anexo nº 2, p. 175) suecos, poloneses,finlandeses e nenhum norte-americano. Oficialmente, os doisprimeiros norte-americanos são O.S. Boyer e Virgilio Smith, quejá estavam no Brasil desde 1927 como missionários da Igreja deCristo.144 No Nordeste, em contatos com a Assembleia, recebem obatismo com o Espírito Santo, retornam aos EUA, desligam-sede suas igrejas e, filiados agora à AD nos EUA, voltam aoBrasil em 1940, já pautados no “acordo Kolenda-EUA”.

Os demais, se não suecos de nascimento, são “pentecostaissuecos de doutrina”, por exemplo, Nills Taranger, norueguês,que chegou ao Brasil em 1946, depois de 16 anos de pastoradona Suécia. Eurico Bergston, finlandês, poucos meses antesde morrer (quando foi entrevistado), fez questão de dizer queo “segredo do crescimento da AD no Brasil foi a firmeza dadoutrina dos suecos.145

A ausência de registro norte-americano sobre a AD no Brasil

“Essa história da AD no Brasil viver atrás dos norte-americanos hoje é bobagem, os norte-americanos é quemdeveriam vir atrás de nós para aprenderem evangelizar,porque enquanto a AD nos EUA tem 2 milhões de membros146

144 Não é a Igreja de Cristo nascida em 1932 em Mossoró, a primeira dissidência daAD, nem alguma das diversas Igrejas de Cristo que levam este nome atualmente.

145 Entrevista com pastor de 78 anos, no dia 14/08/98.146 Se o chute é exagerado em relação ao Brasil (25 milhões) acerta em relação aos EUA

que segundo estimativas tem um número de membros aproximados. (Burgess, 1988)

Page 16: 100 Anos Assembleia de Deus

100 ASSEMBLEIA DE DEUS – ORIGEM, IMPLANTAÇÃO E MILITÂNCIA

nós temos 25 milhões. Eles é que deveriam aprender denós!” (pastor, 82 anos).

“Por que o Brasil? É inexplicável o fato de o Espírito deDeus haver eleito o então desconhecido e inóspito país sul-americano para abençoar a sua Igreja com o “sopro” que,de algumas década a esta parte, desperta a atenção deevangélicos do mundo inteiro (...) Como resultado destabênção singular, milhões de membros e congregados emtodas as regiões do Brasil, passaram a constituir a maiorcomunidade de fé pentecostal da Terra”. (3a história,Oliveira, 1998:13) (grifo do autor).

O discurso ufanista da AD brasileira hoje, de que é a maiorigreja pentecostal do mundo, é completamente desconhecidofora do Brasil.147 Não há um verbete sequer sobre a AD noBrasil no Dicionary of Pentecostal and Charismatic Movements(Burgess, 1988); há apenas pequenas biografias de Gunnarde Vingren e Daniel Berg148 (onde, evidentemente, citam a ADdo Brasil), mas muita informação sobre Lewis Pethrus149 (diversasfotos) e o movimento pentecostal da Suécia. Aliás, há diversosverbetes sobre diferentes países que, quantitativamente, sãomenos importantes.

Stanley Horward Frodsham (1941) em seu With SignsFollowing – the story of the pentecostal revival in the twentiethcentury, em seus 24 capítulos, dedica amplo espaço à França,Venezuela, Chile, China e até o Egito. O vigésimo segundocapítulo é sobre a América do Sul – e nenhuma frase sobre oavivamento pentecostal no Brasil. Por quê?

147 AD parece estar inserida nesta síndrome brasileira de querer ser o centro domundo. Maior futebol, maior rio, maior carnaval, afinal Deus é brasileiro!

148 Op. cit. 872.149 Op. cit. 721.

Page 17: 100 Anos Assembleia de Deus

A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA IGREJA 101

O “Anointed to serve “ the story of the Assemblies of God”,de William W. Menzies (1971) não cita – apenas citação – umaúnica vez Berg, Vingren ou a “maior igreja pentecostal domundo”.

Stolll (1999), em Is Latina América turning protestant? Thepolitics of evangelical growth, escreve um livro sobre ofenomenal crescimento do protestantismo (leia-se,pentecostalização) na América Latina, mas ironicamente,nenhum capítulo sobre o Brasil, aliás nada sobre a AD noBrasil. Seria justificável se o Brasil não representasse (emquase todos os aspectos estatísticos) mais da metade daAmérica Latina.150

O Livro Latinoamérica en Llamas – historia y creencias delmovimiento religioso más impresionante de todos los tiempos(Deiros, 1994) se refere à AD brasileira duas vezes: 1. quandofala do crescimento do pentecostalismo informando que ela temnove milhões de adeptos em 1984 (citando Wagner 1987),151 e2. informando que foi fundada pelos norte-americanos deorigem sueca.

A História da Igreja Cristã (1979) tem dois apêndices sobrea AD. O primeiro escrito por J. Roswell Flower, Secretário Geral,sobre a AD no EUA e o segundo por Joanyr de Oliveira sobre aAD no Brasil e em Portugal. São dois textos curtos sem maiorespretensões, mas muito significativos em suas discrepânciasteológicas/institucionais dessas igrejas que têm o mesmo nome,mas constituições diversas e até mesmo contraditórias.

Aliás, sobre a AD em Portugal acontece algo ainda maiscurioso: a história da AD no Brasil registra (1a história, Conde,1960:36) o nascimento dessa igreja como fruto do trabalho

150 Ouvi de um professor, que pede para omitir seu nome, que numa conversa comSotll, este o questionou sobre a ausência do Brasil em seu livro, ao que ele respondeuque a mesma se deu por não saber ler português, daí sua dificuldade de pesquisa.

151 Estatística, aliás, questionável.

Page 18: 100 Anos Assembleia de Deus

102 ASSEMBLEIA DE DEUS – ORIGEM, IMPLANTAÇÃO E MILITÂNCIA

missionário assembleiano brasileiro (em 1913 foi enviado o1º missionário e em 1921, o segundo), mas os portuguesesdão o mérito da mensagem pentecostal aos suecos.152

Enfim, é sintomático que essa ausência de registros sobrea AD se dê em material publicado pela imprensa pentecostalnorte-americana. Talvez isso seja um bom parâmetro paraentendermos a presunção etnocêntrica dos norte- americanos.

AD norte-americana versus AD brasileira

“Quando o Concílio Geral (título abreviado do Concílio Geraldas Assembleias de Deus) veio a existir, em Hot Springs,Estado de Arkansas, em abril de 1914, já havia entre osparticipantes um consenso doutrinário (...) com os temasda santidade wesleyana e de Keswick. Diante de umapergunta sobre as crenças pentecostais, E. N. Bell, membrodo Executivo e primeiro presidente geral (posteriormentechamado de superintendente geral), assim começou suaresposta...” (Horton, 1996:21).

152 Em todas as histórias da AD, numa tentativa de consolidar o “espírito missionário”da igreja, fala-se em José Plácido da Costa, o primeiro missionário brasileiroenviado a Portugal. No entanto, só depois vem um “silêncio” inexplicável. Qualo resultado dessa missão? Nenhuma palavra. Na história da AD em Portugal,Línguas de Fogo (1999:7,9) traz uma foto do mesmo e diz que: “AD, que antes sechamara no Brasil e nos Estados Unidos da América de “Missão da Fé Apostólica”,iniciou-se precariamente em Tondela, Portugal, no ano de 1913, e, definitivamente,em 1924 muito ao sul, na cidade de Portimão (...) na capital do país, por meio domissionário Jack Härdstedt, e em 1934 organizava-se a primeira Assembleia deDeus em Lisboa”, portanto, não fala do missionário Plácido nem da atuação deBerg, mas dá o mérito ao sueco. Mas uma revista chamada Panorama Pentecostal(sem data e editora) tem uma reportagem sobre o início do movimento pentecostalnaquele país e diz que José Plácido, ao chegar em Portugal, em 1913, foi convidadopara pastorear uma Igreja Batista e aceitou, permanecendo nela até 1930, quandofoi visitado por Daniel Berg “ será esta a razão do silêncio sobre este missionárioem todos os registros históricos? Recebi cópias xerográficas dessa revista, faltandodiversas folhas e as datas, e apesar das diversas tentativas, não conseguimos asreferências bibliográficas da mesma.

Page 19: 100 Anos Assembleia de Deus

A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA IGREJA 103

Por razões óbvias, toda comparação é deficiente, no entanto,a comparação de uma igreja brasileira com outra igreja latino-americana, em tese, estaria mais próxima da verdade, pois,evidentemente, seria forçada a mesma comparação entre aigreja de uma favela brasileira e uma megaigreja da metrópole.Acrescente-se ainda que este exercício é, de fato, meracomparação, sem uma análise mais aprofundada.

Dois bons exemplos são os livros já citados Siembra ycosecha – reseña histórica de la Asambleas de Dios de Méxicoy Centroamérica153 (Walker, 1990) e Historia da las Asambleasde Dios del Perú (Hildago, 1989). Todas essas igrejas fundadaspela missão norte-americana têm sua história parecida erepetitiva em todos os países: um casal de missionários vemao país implantar a denominação e, talvez, o único estiloidêntico aos suecos no Brasil é a manutenção do poder emsuas mãos, algo, aliás, que causou problemas diversos. Masduas ênfases distintivas são evidentes: a educação teológicae a institucionalização. Preocupam-se os norte-americanos emfundar escolas teológicas e em alguns casos antes mesmo daigreja, de construí-la nos moldes norte-americanos.

Os livros de história da AD no Brasil privilegiamfenomenologicamente a história carismática, ou seja, obatismo no Espírito Santo, as curas, as manifestações de dons,livramentos de perseguição, as revelações, as fundações deigrejas (mesmo escondendo as brigas dos ministérios) e nãose reportam em nenhum momento a este modelo de instituiçãoimportado, pelo contrário até o depreciam.

Ademais, nunca esse modelo norte-americano foi cogitadopelos suecos. E, posteriormente, já nas mãos de brasileiros, ocoronelismo eclesiástico jamais permitiu a implantação deinstâncias de poder que se lhe viessem rivalizar. Exatamente

153 Nesse livro estão inclusos os seguintes países: México, El Salvador, Nicarágua,Guatemala, Honduras, Costa Rica, Belice e Panamá.

Page 20: 100 Anos Assembleia de Deus

104 ASSEMBLEIA DE DEUS – ORIGEM, IMPLANTAÇÃO E MILITÂNCIA

por este ethos sueco-nordestino é que nunca se cogitou dainclusão do ministério feminino,154 que a AD nos EUA temdesde seu início, a liberação dos costumes, a educação teológicaou mesmo uma estrutura administrativa nacional com osistema congregacional de autonomia das igrejas locais.

A AD norte-americana nasceu do encontro fraterno de igrejasautônomas (Hurlbut, 1979), na sua maioria batistas (portanto,congregacionais), brancas (portanto, segregacionistas) e declasse média (Freston 1994, Niebuhr, 1992), que têm em comuma doutrina pentecostal (mesmo que tivessem em comum tambémo racismo). Estabelece-se a partir de uma estrutura eclesiásticaracionalizada (Weber), com um status já estabelecido e umadoutrina previamente conhecida.155 O carisma, neste caso, jáse inicia rotinizado. Já há uma direção nacional legalizada erequerida, por isso seu crescimento não é fenomenal como naépoca de seu nascimento nem o é hoje.

A melhor exemplificação disto é o livro Teologia Sistemática– uma perspectiva pentecostal (Horton, 1996). Uma série deartigos sobre os mais diferentes temas da teologia escrito pordiversos professores156 das Faculdades Teológicas Norte-americanas da AD. O primeiro capítulo Panorama Histórico éexcepcional para nosso estudo. Nele se dá o desenvolvimento

154 Ruth Carlson (entrevista 8/02/00, Olinda-PE) informa que até hoje a IgrejaFiladélfia não admite mulher no pastorado e, quando é perguntada sobre umadesavença ocorrida com duas missionárias e Bruno Skolimowsky, no Ceará (Rego,1942:78), ela lembra que foi por causa “destas duas que a Missão não mais envioumoças solteiras”. Inversamente, nos EUA a liderança pentecostal negra era, emgrande parte, composta por mulheres (Freston, 1993; Hollengewer, 1972).

155 Hollenweger (1976) publicou uma Declaração de Fé das Assembleias de DeusNorte-americanas apontando, inclusive, as diferenças que esta tem com adeclaração das ADs no Brasil. Por sua visão teológica, ele insiste em ver “afinidadese diferenças teológicas” em ambas. No entanto, as diferenças ou afinidadesocorrem – ou ocorreram – ocasionalmente. Esta declaração – ou qualquer outra– nunca foi objeto de discussão em qualquer Convenção no Brasil.

156 Quase todos Ph.D em teologia, algo impossível de ser feito pela AD no Brasil pelaausência de professores assembleianos com esta titulação.

Page 21: 100 Anos Assembleia de Deus

A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA IGREJA 105

institucional da igreja: a organização do Concílio, o cargo desuperintendente (desde 1914), as controvérsias teológicas sobrea “segunda bênção” e a tensão entre os “pentecostais norte-americanos” e “pentecostais afro-americanos” (Horton, 1996:18),quando os primeiros enfatizam a escatologia, e os segundos areconciliação (o livro, aliás, é um primor de dissimulação daquestão racista). Questões – repetindo, que nunca foramdiscutidas ou tiveram alguma importância na AD brasileira.

AD brasileira é, inicialmente, a soma do visionarismo dedois suecos, adesão emocionada de dezoito batistas por causade uma cura e da glossolalia e, majoritariamente, de católicosmarginalizados do “catolicismo devocional” (Rolim, 1979),portanto acostumados com uma igreja conservadora,carismática, centralizada, clerical, com um discurso dogmático.Não há – nem se faz necessário? – uma diluição do poder,uma estrutura administrativa, uma tradição teológica; háapenas uma liderança carismática para “transmitir a visão”.

“Projeto brasileiro”? Que projeto?

Se os brasileiros têm projeto nacional, ele é inviabilizadopor um detalhe significativo: além de assumir o “trabalho” deforma genérica, como consta nos livros de história oficial, elesprecisavam mesmo assumir as principais igrejas, o que nãoaconteceu pelo que se nota na tabela acima. Na Convenção de1930, segundo a versão oficial, os suecos “entregam” a direçãodo trabalho aos brasileiros. Mas entregam o quê, já quepermanecem na liderança das principais igrejas? Se não são asprincipais é porque ainda não cresceram o suficiente; masfatalmente serão, pois se encontram nas principais cidades.