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1 UNIVERSIDADE DO OESTE DE SANTA CATARINA UNOESC CAMPI CHAPECÓ Julia Dambrós Marçal O TRANSCONSTITUCIONALISMO COMO MEIO DE FORTALECIMENTO DO SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS E A (IN)EXISTÊNCIA DE DIÁLOGO ENTRE OS ESTADOS E A CORTE DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA MESTRADO EM DIREITO CHAPECÓ 2014

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UNIVERSIDADE DO OESTE DE SANTA CATARINA UNOESC CAMPI CHAPECÓ

Julia Dambrós Marçal

O TRANSCONSTITUCIONALISMO COMO MEIO DE FORTALECIMENTO DO SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS E A (IN)EXISTÊNCIA DE

DIÁLOGO ENTRE OS ESTADOS E A CORTE DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA

MESTRADO EM DIREITO

CHAPECÓ 2014

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JULIA DAMBRÓS MARÇAL

O TRANSCONSTITUCIONALISMO COMO MEIO DE FORTALECIMENTO DO SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS E A (IN)EXISTÊNCIA DE

DIÁLOGO ENTRE OS ESTADOS E A CORTE DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Universidade do Oeste de Santa Catarina como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito, área de concentração Direitos Fundamentais Civis, sob a orientação da Professora Pós-Doutora Riva Sobrado de Freitas.

CHAPECÓ 2014

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JULIA DAMBRÓS MARÇAL

O TRANSCONSTITUCIONALISMO COMO MEIO DE FORTALECIMENTO DO

SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS E A (IN)EXISTÊNCIA DE

DIÁLOGO ENTRE OS ESTADOS E A CORTE DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Universidade do Oeste de Santa Catarina como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito, área de concentração Direitos Fundamentais Civis, sob a orientação da Professora Pós-Doutora Riva Sobrado de Freitas.

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________________ Presidente, Profª Pós-Doutora Riva Sobrado de Freitas Orientadora

_____________________________________________________ Prof. Doutor Matheus Felipe de Castro - UNOESC _____________________________________________________ Prof. Pós-Doutor José Querino Tavares Neto - UFGO

Aprovada em: ___/___/___

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AGRADECIMENTOS

Quiçá os agradecimentos que devem compor o fim de um trabalho que se prolongou por dois anos seja o momento de maior reflexão do pesquisador. Digo isto devido ao fato de a gratidão ter de florescer do cerne do indivíduo e de ser regada de tantos outros sentimentos que merecem ser externados – mesmo que de modo simplório - a pessoas que, desde a primeira infância, influenciaram de modo (in)direto a finalização de mais um ciclo e início de outro.

Este momento não se trata de pesquisa, paráfrases ou cientificidade; mas, do mesmo modo que estas; é imbuído de dificuldades de ordem tamanha no sentido de buscar os vocábulos mais adequados para fazer jus a todo o apoio recebido.

Primeiramente a gratidão deve ser externada à minha família, pois representa tudo o que tenho de melhor. À minha mãe, por ser o maior exemplo de força e humildade. És meu espelho e orgulho-me de ter chegado até aqui com teu apoio constante e principalmente por acreditar que mesmo diante das tormentas tudo iria dar certo. À minha irmã, pelo exemplo de dedicação, de pessoa e profissional. És meu referencial e também espelho-me muito em ti. À minha tia Vera, por ser a segunda mãe, somente tenho de agradecer por todo o esforço e doação em todos os períodos da minha vida. Ao Anderson, sobretudo pela compreensão em meus momentos de ausência.

À meu pai, in memoriam, que mesmo diante das dificuldades que a vida impunha e muito embora não tenha presenciado do plano terreno nenhuma das conquistas mais importantes que um filho pode ter, agradeço pelo amadurecimento que tive enquanto pessoa pelo tempo que Ele permitiu que estivesse conosco.

À Professora e orientadora de graduação Drª Daniela Menengoti Gonçalves Ribeiro por abrir meus olhos para o mundo do Direito Internacional e ser a maior responsável pelo caminho que escolhi seguir. Deixo aqui registrada minha gratidão, amizade e enorme apreço por tudo o que aprendi.

À meu chefe e colega de mestrado Neli Lino Saibo, pela oportunidade concedida profissionalmente, a qual foi preponderante para dar seguimento a esta nova etapa.

Às colegas de trabalho Taize e Caiane, agradeço pela amizade, companheirismo, solidariedade, compreensão, torcida e principalmente por me fazerem acreditar que o esforço diário valeria a pena. O apoio constante durante este período foi imprescindível para que esta etapa fosse concluída. Gratidão!

À Celer Faculdades, também estendo meu agradecimento especial na pessoa de D. Ioli e ao coordenador Vitorio, por terem me concedido a oportunidade de lecionar na instituição e nela ter vivido um ano de grande crescimento.

Aos meus orientandos Bruna, Cristiane, David, Marcelo, Patrícia e Rodrigo por terem confiado a mim a tarefa de orientá-los em seus trabalhos de conclusão de curso. Sou

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imensamente grata pela confiança, companhia e constantes trocas neste ano. Hoje mais do que nunca vejo que nosso convívio ao longo deste ano transcendeu a relação aluno-professor, para tornar uma relação de amizade. Acreditem, aprendi muito com vocês.

Aos acadêmicos das turmas 6º e 9º período 2014/1 e 2014/2 da Celer Faculdades por me fazerem acreditar que a docência vale a pena.

À minha orientadora Riva Sobrado de Freitas pelo préstimo nestes dois anos.

Aos professores que estiveram presentes na banca do projeto e na qualificação da dissertação – Daniela Menengoti, Matheus Felipe de Castro e Maria Cristina Pezzella - pelas contribuições e palavras de incentivo.

Por fim, aos colegas de mestrado, pois juntos passamos pelas mesmas angústias, cansaços, mas também por um crescimento único.

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“Soy... Soy lo que dejaron Soy toda la sobra de lo que se robaron

Un pueblo escondido en la cima Mi piel es de cuero, por eso aguanta cualquier clima

Soy una fábrica de humo. Mano de obra campesina para tu consumo

Frente de frío en el medio del verano El amor en los tiempos del cólera, mi hermano!

Soy el sol que nace y el día que muere Con los mejores atardeceres

Soy el desarrollo en carne viva Un discurso político sin saliva

Las caras más bonitas que he conocido Soy la fotografía de un desaparecido

La sangre dentro de tus venas Soy un pedazo de tierra que vale la pena

Una canasta con frijoles, soy Maradona contra Inglaterra Anotándote dos goles

Soy lo que sostiene mi bandera La espina dorsal del planeta, es mi cordillera

Soy lo que me enseñó mi padre El que no quiere a su patría, no quiere a su madre

Soy América Latina, un pueblo sin piernas, pero que camina Oye!

Tú no puedes comprar el viento Tú no puedes comprar el sol

Tú no puedes comprar la lluvia Tú no puedes comprar el calor

Tú no puedes comprar las nubes Tú no puedes comprar los colores Tú no puedes comprar mi alegría

Tú no puedes comprar mis dolores […]

Tengo los lagos, tengo los ríos Tengo mis dientes pa' cuando me sonrio

La nieve que maquilla mis montañas Tengo el sol que me seca y la lluvia que me baña

Un desierto embriagado con peyote Un trago de pulque para cantar con los coyotes

Todo lo que necesito, tengo a mis pulmones respirando azul clarito La altura que sofoca,

Soy las muelas de mi boca, mascando coca El otoño con sus hojas desmayadas

Los versos escritos bajo la noches estrellada Una viña repleta de uvas

Un cañaveral bajo el sol en Cuba Soy el mar Caribe que vigila las casitas

Haciendo rituales de agua bendita El viento que peina mi cabellos

Soy, todos los santos que cuelgan de mi cuello El jugo de mi lucha no es artificial

Porque el abono de mi tierra es natural […]

Trabajo bruto, pero con orgullo Aquí se comparte, lo mío es tuyo

Este pueblo no se ahoga con marullo Y se derrumba yo lo reconstruyo

Tampoco pestañeo cuando te miro Para que te recuerde de mi apellido

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La operación Condor invadiendo mi nido Perdono pero nunca olvido

Oye! Vamos caminando

Aquí se respira lucha Vamos caminando

Yo canto porque se escucha Vamos dibujando el camino

(Vozes de um só coração) Vamos caminando

Aquí estamos de pie Que viva la América!

No puedes comprar mi vida”

-- (Latinoamérica, Calle 13)

“… porque en realidad nuestro norte es el Sur”.1

1 TORRES-GARCÍA, Joaquín. Universalismo Constructivo. Buenos Aires: Poseidón, 1941.

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RESUMO

O trabalho objetiva verificar duas questões essenciais: 1) se o diálogo entre os Estados e o Sistema Interamericano de Direitos Humanos pode constituir um meio de fortalecimento da promoção e proteção dos direitos positivados no Pacto de San José da Costa Rica; e 2) se o diálogo é realizado de forma efetiva entre a Corte Interamericana e os Estados que aceitaram sua competência contenciosa. O marco teórico escolhido para dar desenvolvimento à pesquisa, sobretudo no que se refere ao “diálogo”, trata-se da tese desenvolvida por Marcelo Neves denominada “transconstitucionalismo”, o qual pode ser compreendido como um constitucionalismo relativo à (soluções de) problemas que se apresentam simultaneamente em diversas ordens jurídicas por meio de conversações (seja por meio da incorporação de sentidos normativos extraídos de outras ordens jurídicas, pelo intejudicialismo, etc). Para a verificação da (in)existência de diálogo/conversações, optou-se por realizar o estudo de oito sentenças de casos submetidos à jurisdição da Corte de San José, os quais versam sobre a análise da responsabilidade dos Estados pelos atos perpetrados durante a ditadura militar, bem como da supervisão de cumprimento de tais decisões. Neste sentido, foi realizada a escolha dos seguintes casos: 1) “Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) vs. Brasil”; 2) “Ticona Estrada y Otros vs. Bolivia”; 3) “Almonacid Arellano y otros vs. Chile”; 4) “Contreras y otros Vs. El Salvador”; 5) “Velásquez Rodríguez vs. Honduras”; 6) “Goiburú y Otros vs. Paraguay”; 7) “Loayza-Tamayo vs. Peru”; e, por fim, 8) “Gelman Vs. Uruguay”. A partir do estudo realizado, verificou-se que todos os Estados que figuraram no pólo passivo da demanda foram condenados no âmbito internacional. Também concluiu-se que a Corte IDH mostra-se aberta ao diálogo no momento em que faz referência em suas sentenças a precedentes de outros sistemas de proteção de direitos humanos e ainda por conta da análise de julgados das Cortes Constitucionais e legislações dos Estados Latino Americanos, utilizando-os como ratio decidendi. Por outro lado, constatou-se uma desídia na postura dos Estados condenados quando não cumpriram ou tardaram demasiadamente o cumprimento das obrigações fixadas nas sentenças ditadas pela Corte. Esta situação demonstra que os países pouco estão abertos para a realização de um diálogo efetivo com a Corte Interamericana, e tal conjuntura faz com que seja postergada, cada vez mais, a possibilidade de fortalecer o Sistema Interamericano de Direitos Humanos e concretizar os anseios positivados no Pacto de San José da Costa Rica, o qual tem como maior desiderato consolidar no continente americano as instituições democráticas, a liberdade pessoal e a justiça social.

Palavras-chave: América Latina. Transconstitucionalismo. Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Corte Interamericana.

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RESUMEN

El trabajo tiene como objetivo comprobar dos cuestiones esenciales: 1) si el diálogo entre los Estados y el Sistema Interamericano de Derechos Humanos puede ser un medio de fortalecer la promoción y protección de los derechos positivados el Pacto de San José, Costa Rica; y 2) si el diálogo se lleva a cabo de manera efectiva entre la Corte Interamericana y los Estados que han aceptado su competencia contenciosa. Ha sido elegido el marco teórico para el análisis del “diálogo” la tesis defendida por Marcelo Neves llamada “transconstitucionalismo”, lo cual puede ser entendido como un constitucionalismo relativo a (soluciones) de problemas que son encontrados simultáneamente en diferentes órdenes jurídicas, por medio de conversaciones (con la incorporación de significados normativos de diferentes órdenes, por el intejudicialismo, etc.). Para la verificación de la (in)existencia de diálogo/conversaciones, ha sido elegido el estudio de ocho sentencias de casos sometidos a la jurisdicción de la Corte de San José, los cuales se refieren sobre el análisis de la responsabilidad de los Estados por los atos cometidos durante la dictadura militar, así como la supervisión de cumplimiento de las decisiones. En este sentido, fue realizada la elección de los siguientes casos: "1) “Gomes Lund y otros (Guerrilha do Araguaia) vs. Brasil”; 2) “Ticona Estrada y Otros vs. Bolivia”; 3) “Almonacid Arellano y otros vs. Chile”; 4) “Contreras y otros Vs. El Salvador”; 5) “Velásquez Rodríguez vs. Honduras”; 6) “Goiburú y Otros vs. Paraguay”; 7) “Loayza-Tamayo vs. Peru”; e, por fim, 8) “Gelman Vs. Uruguay”. A partir del estudio, ha sido verificado que todos los Estados fueron condenados internacionalmente. También se concluyó que la Corte está abierta al diálogo cuando face referencia en sus sentencias a casos de otros sistemas de protección de derechos humanos y cuando realiza el análisis de juzgados de Cortes Constitucionales y legislaciones de los Estados Latinoamericanos; utilizándolos como ratio decidendi. Por otr lado, ha visto que existe una desidia en la postura adoptada por los Estados condenados cuando no cumplen o tardan demasiadamente el cumplimiento de las obligaciones fijadas en las sentencias. Esta situación demostró que los Estados están poco abiertos para la realización de un diálogo efectivo con la Corte Interamericana, postergando, cada vez más, la posibilidad de fortalecer el Sistema Interamericano de Derechos Humanos y concretizar los deseos positivados en el Pacto de San José de Costa Rica, lo cual tiene como objetivo consolidar en el continente americano las instituciones democráticas, la libertad personal y la justicia social.

Palabras-clave: Latinoamérica. Transconstitucionalismo. Sistema Interamericano de Dierechos Humanos. Corte Interamericana.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

§ parágrafo

AGU Advocacia Geral da União

ADPF Arguição de descumprimento de Preceito Fundamental

CADH Convenção Americana sobre Direitos Humanos

CAN Comunidade Andina

CEDH Convenção Europeia dos Direitos do Homem

CEJIL Centro pela Justiça e o Direito Internacional

CONADE Comitê Nacional de Defesa da Democracia

CORTE IDH Corte Interamericana de Direitos Humanos

DIDH Direito Internacional dos Direitos Humanos

DINA Dirección de Inteligencia Nacional

DNAT Direção Nacional de Assuntos Técnicos

DSN Doutrina de segurança nacional

DOP Dirección de Orden Público

EUA Estados Unidos

FMLN Frente Farabundo Martí para la Liberación Nacional

HC Habeas Corpus

MERCOSUL Mercado Comum do Sul

MRTA Movimento Revolucionário Túpac Amaru

nº número

NAFTA North American Free Trade Agreement ou Tratado Norte-Americano de Livre Comércio

NCL Novo Constitucionalismo Latino Americano

OEA Organização dos Estados Americanos

ONU Organização das Nações Unidas

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O.P.M. Organización Política Militar

ORPA Organización Revolucionaria del Pueblo en Armas

p. página

PIDCP Protocolo Facultativo I do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos

REsp Recurso Especial

SID Sistema de Informação de Defesa

SIDH Sistema Interamericano de Direitos Humanos

STJ Superior Tribunal de Justiça

STF Supremo Tribunal Federal

TPI Tribunal Penal Internacional

TEDH Tribunal Europeu de Direitos Humanos

TRF Tribunal Regional Federal

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A aprovação da presente dissertação não significará o endosso da Professora Orientadora, da Banca Examinadora e da Universidade do Oeste de Santa Catarina à ideologia que a fundamenta ou que nela é exposta.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 15 1. A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS HUMANOS ............................... 21 1.1 Direitos de primeira dimensão ..................................................................................... 23

1.1.2 Direitos de segunda dimensão .................................................................................. 24 1.1.3 Direitos de terceira dimensão ................................................................................... 25

1.2 O estado moderno e a construção da soberania ............................................................ 26 1.2.1 Globalização ............................................................................................................. 28 1.2.2 A internacionalização dos direitos humanos ............................................................ 30 1.2.3 O indivíduo como sujeito de direito internacional ................................................... 38 1.2.4 Direitos humanos e justiça internacional: o sistema global e os sistemas regionais de proteção ........................................................................................................................ 39 1.2.5 A necessidade de efetivação do direito humano fundamental ao acesso à justiça no âmbito internacional .......................................................................................................... 44

1.3 O Transconstitucionalismo (Marcelo Neves) ................................................................. 54 1.3.1 A constituição transversal do estado constitucional ................................................. 56 1.3.2 Transconstitucionalismo entre direito internacional público e direito estatal .......... 62 1.3.3 Transconstitucionalismo entre ordens jurídicas estatais .......................................... 65 1.3.5 Transconstitucionalismo pluridimensional dos direitos humanos ........................... 68

2. O SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS E A JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO NOS ESTADOS LATINO AMERICANOS ................................................ 70 2.1 A necessidade de (re) pensar a América Latina ............................................................ 70

2.1.1 Sistema Interamericano de Direitos Humanos ......................................................... 78 2.1.2 A Convenção Americana sobre Direitos Humanos.................................................. 80 2.1.2 A Comissão Interamericana de Direitos Humanos .................................................. 80 2.1.3 A Corte Interamericana de Direitos Humanos ......................................................... 83

2.2 O reconhecimento da jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos e o status dos tratados internacionais no ordenamento jurídico brasileiro ............................ 85

2.2.1 Conflito entre as decisões da Corte de San José e o Supremo Tribunal Federal .... 86 2.3 Perfil dos casos submetidos à Corte Interamericana de Direitos Humanos ............... 87

2.3.1 Ponto em comum – Ditadura Militar na América latina e seus períodos históricos 89 2.3.2 Argentina: 1976-1983 .............................................................................................. 90 2.3.3 Bolívia: 1964-1982 ................................................................................................... 92 2.3.4 Brasil: 1964-1985 ..................................................................................................... 93 2.3.5 Chile: 1973-1990 .................................................................................................... 100 2.3.6 El Salvador: 1979-1991 .......................................................................................... 104 2.3.7 Honduras :1963-1990 ............................................................................................. 106 2.3.8 Uruguai: 1973-1985 ............................................................................................... 107 2.3.9 Paraguai: 1954-1989 .............................................................................................. 110 2.3.10 Peru: 1980-2000 ................................................................................................... 112

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3. ANÁLISE DE CASOS: A (IN) EXISTÊNCIA DE DIÁLOGO E AS PERSPECTIVAS PARA O FORTALECIMENTO DO SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS ......................................................... 115 3.1 Caso 1. Gomes Lund e Outros (Guerrilha do Araguaia) vs. Brasil ........................... 115

3.1.1 Caso 2.Ticona Estrada y Otros vs. Bolivia............................................................. 126 3.1.2 Caso 3.Almonacid Arellano y otros vs. Chile ........................................................ 130 3.1.3 Caso 4. Caso Contreras y otros Vs. El Salvador .................................................... 136 3.1.4 Caso 5. Caso Velásquez Rodríguez vs. Honduras ................................................. 141 3.1.5 Caso 6. Caso Goiburú y Otros vs. Paraguay .......................................................... 144 3.1.6 Caso 7.Caso Loayza-Tamayo vs. Peru ................................................................... 149 3.1.7 Caso 8. Caso Gelman Vs. Uruguay ....................................................................... 153

3.2 O exemplo da Argentina ................................................................................................ 157 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 160 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 166

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INTRODUÇÃO

Os temas relacionados aos direitos humanos tornaram-se objeto de preocupação e de

maior estudo na sociedade internacional, após as inúmeras atrocidades cometidas em face dos

indivíduos durante a Segunda Guerra Mundial, sobretudo quando revelações das barbáries

sórdidas perpetradas vieram a conhecimento público, nas suas mais diversas formas.

Fora neste momento que um sentimento latente apoderou-se da consciência dos povos

para uma racionalidade voltada à indagações sobre como criar mecanismos de proteção aos

direitos dos seres humanos, pois o mundo não mais desejava que as violações de outrora

voltassem a ocorrer.

O ano de 1945 pode ser considerado o marco do fim de uma era e início de outra.

Inaugura-se, pois, a conjugação de esforços de países para lograr objetivos comuns: preservar

as futuras gerações da tragédia da guerra; reafirmar a fé nos direitos humanos; promover o

progresso; a paz e a segurança internacional.

Com o término da segunda grande guerra fora criada a Organização Internacional que

hodiernamente mais possui Estados membros (ONU), e aventou-se uma mudança

paradigmática do direito que abalou então a estrutura dos países: está-se a falar do advento do

chamado “direito internacional dos direitos humanos”.

Neste momento da história foi dado início a um período de profunda integração dos

países, haja vista que passaram a redigir com frequência declarações, convenções e tratados

internacionais, contemplando os mais diversos temas. Inegável, portanto, que a labuta dos

Estados em unirem-se em prol de objetivos comuns positivados em instrumentos

internacionais, representa um importante passo (primeiro) para a tentativa de mudança de uma

realidade marcada por ofensas àqueles direitos mais intrínsecos que os indivíduos possuem.

No entanto, é cediço que a simples criação de documentos internacionais que visam

proteger e promover direitos, de per si, não são suficientes para que exista a cristalização de

sua eficácia. Do mesmo modo, tão somente a ratificação de tais documentos no ordenamento

jurídico interno dos Estados também é insuficiente para que exista a proteção dos direitos que

estão neles positivados.

É devido a esta conjuntura que o direito internacional dos direitos humanos vem a

ganhar cada vez mais espaço nas agendas de discussões políticas e na academia, porquanto

surgem duas faces de uma nova era - idealismo e realismo.

Ora, se neste momento houve uma preocupação no âmbito global (ONU) de

conquistar a proteção dos direitos humanos, após a positivação da Declaração Universal de

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1948, os Estados passaram a amadurecer a ideia de que, se existissem Organizações no

ambiente regional, a eficácia destes direitos poderia ser lograda de melhor modo,

principalmente no que diz respeito ao acesso facilitado dos indivíduos para apresentar

denúncias em face do violador, já que, com o movimento de internacionalização, o indivíduo

passou a ser sujeito de direito internacional.

Mesmo que de modo breve, o panorama narrado permite declarar algo visível: a

profunda integração da sociedade mundial revela que problemas relacionados a direitos

humanos tornaram-se insuscetíveis de serem tratados somente por uma ordem jurídica, seja

ela de natureza estatal ou internacional.

De fato, o desenvolvimento da sociedade revela que os Estados possuem inúmeras

assimetrias, diferenças históricas e culturais, no entanto, têm entre si a existência de

problemas comuns relacionados a violações de direitos humanos que atingem

concomitantemente seus territórios.

Como meio de delimitação do tema, a análise do gênero direitos humanos será neste

estudo voltada para o continente americano, o qual é marcado por retrocessos a respeito da

temática, mas também por avanços, exemplo disto é a criação e ratificação de diversos

instrumentos internacionais, entre eles: a Carta da Organização dos Estados Americanos

(1948); Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem; Convenção Americana

sobre Direitos Humanos (1969); Protocolo Adicional à Convenção Americana em matéria de

Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1988), entre outros.

Contudo, muito embora exista o reconhecimento formal destes direitos, torna-se

imperioso analisar o papel do Sistema Interamericano (enquanto Organização no âmbito

regional) e dos Estados na defesa, promoção e proteção dos direitos humanos.

A escolha para o estudo ser delimitado no território latino-americano deriva da

necessidade de fomentar maiores reflexões aos indivíduos de voltarem o olhar para a

relevância desta região dentro da história regional/mundial, e estarem atentos às

problemáticas e conquistas alcançadas na temática de estudo.

Portanto, neste momento justifica-se a relevância da pesquisa: 1) na atitude de

repensar os direitos humanos na América Latina, visando priorizar construções teóricas e

jurisprudenciais que reflitam os anseios da região, situação esta que não será encontrada a

partir de reproduções meramente eurocêntricas (por vezes deveras contraditórias à realidade

desta região); e 2) devido ao fato de o meio acadêmico – todavia – ter maior interesse na

produção de temáticas relativas ao Sistema Europeu de Direitos Humanos e não ao Sistema

Interamericano de Direitos Humanos.

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Ou seja, o objetivo geral ganha contornos na necessidade de análise da América

Latina, desdobrando-a em meio a um reencontro do reconhecimento do latino enquanto latino;

no mister de repensar a América Latina dentro do seu próprio tempo, com o estudo de seus

problemas e na busca de respostas para solucioná-los por meio de conversações, isto é, um

diálogo baseado na alteridade visando conhecer o “outro”. No entanto, somente é possível

conhecê-lo quando se compreende o meio onde se vive e aceita ser possível aprender com a

experiência de outrem.

É a partir deste panorama que surge a indagação para o problema da pesquisa: o

diálogo entre ordens jurídicas diversas pode ser considerado um meio para o fortalecimento

do Sistema Interamericano e de seus respectivos Estados membros na proteção dos direitos no

continente americano?

Para buscar responder este questionamento, a pesquisa terá como marco teórico a tese

denominada “transconstitucionalismo” desenvolvida pelo professor Doutor Marcelo Neves.

Esta tese é fruto de debates do autor na qualidade de Jean Monnet Fellow no Instituto

Universitário Europeu por volta dos anos de 1999/2000, e, ulteriormente, apresentado como

tese para o concurso de professor titular de direito constitucional da Faculdade de Direito da

Universidade de São Paulo, realizado em maio de 2009.

O transconstitucionalismo pode ser compreendido como um constitucionalismo

relativo à (soluções de) problemas jurídico-constitucionais que se apresentam

simultaneamente em diversas ordens por meio de conversações (seja por meio da

incorporação de sentidos normativos extraídos de outras ordens jurídicas, pelo

interjudicialismo, etc).

Ele rejeita o estatalismo, o internacionalismo, o supranacionalismo, o

transnacionalismo, bem como o localismo como solução dos problemas constitucionais, haja

vista a necessidade de existência de “pontes de transição” para que ocorra de maneira efetiva

“conversações constitucionais” entre as diversas ordens jurídicas, com o consequente

rompimento do dilema “monismo/pluralismo”. Este pensamento busca afastar-se do

provincianismo constitucional do direito estatal para mirar a ordem jurídica do “outro” com

base na alteridade e no aprendizado recíproco.

Com a breve exposição do marco teórico, esta pesquisa propõe os seguintes objetivos

específicos: (1) dissertar sobre o transconstitucionalismo e seu âmbito de abrangência; (2)

determinar o alcance de atuação da Corte Interamericana e (3) avaliar os casos julgados pela

Corte de San José para determinar se o diálogo pode ser um meio de fortalecimento do

Sistema Interamericano e dos Estados.

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Para alcançar estes objetivos, a pesquisa fora dividida em três capítulos relacionados

respectivamente com os três objetivos alhures expostos.

No primeiro capítulo realizar-se-á uma fundamentação dos direitos humanos baseada

em sua historicidade e suas sucessivas dimensões (primeira, segunda e terceira) demonstrando

como foram concebidos, tendo como marco temporal o século XVIII em meio ao contexto das

grandes Revoluções Francesa e Americana, até a concepção contemporânea no Estado de

Direito das sociedades tecnológicas.

Posteriormente, perpassa-se ao estudo da soberania estatal, devido a sua importância

para a temática, notadamente em razão da transformação de seu conceito para a busca de uma

maior proteção dos direitos humanos, a partir do momento em que os Estados encontraram-se

dispostos em um plano horizontalizado e com limitações dentro de uma lógica de ceder parte

de sua soberania para instituições de caráter supranacional.

Após, a atenção será voltada para o fenômeno da globalização como fator

preponderante para o desaparecimento das fronteiras entre os países e intensificação dos

intercâmbios no âmbito econômico, cultural e jurídico com influências recíprocas. De suma

importância também a realização de um ensaio acerca da internacionalização dos direitos

humanos; da característica ímpar que os indivíduos passaram a ter enquanto sujeitos de direito

internacional; da criação do sistema global e sistemas regionais de proteção dos direitos

humanos e da necessidade de efetivação do direito de acesso à justiça no âmbito internacional.

Para finalizar o primeiro capítulo, discorrer-se-á acerca do marco teórico da pesquisa:

a tese desenvolvida por Marcelo Neves denominada “transconstitucionalismo” com o objetivo

de traçar os pilares do diálogo para análise dos capítulos subsequentes.

No segundo capítulo propor-se-á um ensaio acerca da necessidade de (re)pensar a

América Latina, no sentido de priorizar construções teóricas que representem as experiências

históricas e culturais da região, para que não exista uma perda da identidade do “ser

latinoamericano” com o forte eurocentrismo existente na cultura popular e jurídica.

Posteriormente, o estudo focará na análise do Sistema Interamericano de Direitos Humanos,

com o fito de demonstrar o contexto histórico de sua implantação, estrutura, funcionamento e

composição, com especial desvelo para seus dois principais órgãos: a Comissão e a Corte

Interamericana.

Cumpre informar que até o dia 10 de outubro de 2013 (dia da propositura do projeto

desta dissertação) a autora realizou uma pesquisa em 153 sentenças de mérito julgadas pela

Corte Interamericana, com a finalidade de identificar um perfil temático.

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Verificou-se que há certa variedade de casos propostos nos 25 anos de existência da

Corte de San José, aqui destacam-se: i) direito de propriedade; ii) massacres/conflitos

armados; iii) tortura e detenção arbitrária; iv) omissão das garantias no processo judicial; v)

fertilização in vitro; vi) violação à liberdade de pensamento/expressão/consciência/religião;

vii) omissão estatal na investigação de crimes; viii) discriminação na vida privada e familiar,

ix) interceptação ilegal de linhas telefônicas; x) condições inumanas e degradantes em

internação em hospital/falta atenção médica, xi) sobre pena de morte, etc.

Contudo, de uma forma muito mais expressiva encontrou-se sentenças que

condenaram os Estados por violações cometidas pela polícia/exército durante o período

ditatorial e no início do processo de redemocratização (29 casos de condenações em face da

Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Paraguai,

Peru, República Dominicana e Venezuela).

Uma vez identificado o perfil de casos julgados pela Corte de San José, fez-se a

escolha de oito casos a serem analisados nesta pesquisa, os quais serão objeto de estudo no

terceiro capítulo com a aplicação do marco teórico da pesquisa.

Com a identificação do perfil, ainda no segundo capítulo buscar-se-á fazer uma breve

análise sobre o período ditatorial que assolou a América Latina nas décadas de 60 a 80, com

especial enfoque para Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, El Salvador, Honduras, Uruguai e

Paraguai. Ressalta-se, desde logo, que a abordagem realizada nos tópicos deste capítulo não

possui pretensões de estudo tal qual um historiador faria. Em primeiro lugar porque o objetivo

do trabalho não é este; em segundo lugar, pois o desiderato é demonstrar que a América

Latina possui e passa por problemas comuns em razão de ter vivenciado períodos marcados

por violações e retrocessos muito semelhantes; em terceiro lugar, porque devido à recentidade

dos fatos a bibliografia é escassa.

A partir da delimitação teórica realizada nas duas primeiras partes da pesquisa, no

terceiro capítulo realizar-se-á a análise de oito sentenças proferidas pela Corte

Interamericana, assim dispostas: 1) “Gomes Lund e Outros (Guerrilha do Araguaia) vs.

Brasil”; 2) “Ticona Estrada y Otros vs. Bolivia”; 3) “Almonacid Arellano y otros vs. Chile”;

4) “Caso Contreras y otros Vs. El Salvador”; 5) “Caso Velásquez Rodríguez vs. Honduras”;

6) “Caso Goiburú y Otros vs. Paraguay”; 7) “Caso Loayza-Tamayo vs. Peru”; 8) “Caso

Gelman Vs. Uruguay”, visando estudar se a Corte de San José realiza diálogo com outras

ordens jurídicas para, posteriormente, verificar se os Estados condenados na instância

internacional cumprem as obrigações definidas no decisum, com o desiderato de aferir se a

postura adotada pelos Estados é aberta ao diálogo ou não.

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O método de abordagem utilizado fora o dedutivo, tendo em vista que a pesquisa

busca estabelecer por meio do estudo de casos julgados pela Corte IDH a (in)existência de

diálogo entre ordens jurídicas diversas, a partir da aplicação da tese Transconstitucionalismo

de Marcelo Neves.

Outrossim, foram adotados os métodos histórico, comparativo e monográfico de

procedimento e a investigação de pesquisa bibliográfica e jurisprudencial. Ressalta-se, por

conseguinte, que todas as traduções de material estrangeiro foram feitas pela autora e que o

estudo não tem por escopo central esgotar o debate, mas sim, apenas dar um passo inicial de

reflexão sobre a importância do diálogo na América Latina.

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1. A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS HUMANOS

O mundo atual caracteriza-se por inúmeras privações, destituições e opressões,

exemplo disto é a persistência da pobreza, das necessidades mínimas não satisfeitas, da

violação de liberdades básicas, omissão da condição das mulheres, ameaças ao meio

ambiente, problemas na vida econômica e social, etc. Muitas dessas privações podem ser

encontradas tanto em países ricos como em países pobres (SEN, 2010).

O desrespeito aos direitos humanos torna-se cada vez mais evidente, seja em razão da

existência de guerras civis; pela corrupção; ocorrência de desastres ecológicos; por razões

políticas; religiosas, além do grande fluxo de refugiados e movimentos migratórios (HÖFFE,

2005).

As manifestações negativas e repletas de violações a direitos dos indivíduos

desencadeiam a reflexão sobre como minimizar os problemas existentes na sociedade

mundial. A partir de 1945 o tema concernente aos direitos humanos ganhou grande relevo na

academia e acabou por produzir grandes mudanças na área do direito internacional e na

legislação interna dos Estados (GUERRA, 2008).

Tal situação consubstancia-se na codificação das normas internacionais com a maior

valorização da pessoa humana, no entanto, em que pese tenha havido significativos avanços,

inúmeras violações aos direitos humanos seguem ocorrendo concomitantemente em vários

Estados (GUERRA, 2008).

Norberto Bobbio (1992) sustenta que quando a temática relacionada aos direitos do

homem é abordada, é necessário sempre ter em mira que a teoria e a prática percorrem

caminhos com velocidades diversas e, por vezes, desiguais, porquanto fala-se muito entre

juristas, filósofos, eruditos e políticos sobre a temática muito mais do que se conseguiu fazer

na prática para que sejam efetivamente protegidos.

O tema encontra-se, de fato, em um paradoxo, pois ao passo em que se evidencia cada

vez mais sua incorporação em textos legais nacionais e internacionais, por outro lado sua

realização transformou-se quase em uma utopia, tendo em vista as inúmeras violações e

desrespeito por parte da sociedade e dos Estados (BARRETTO, 2010).

Para Sidiney Guerra (2008, p. xviii) “embora os problemas sejam de difícil solução e

não haja uma “fórmula mágica”, é certo que uma série de medidas devem ser tomadas pelos

diversos atores sociais e não apenas creditar esse papel para os Estados”.

Muito embora os termos direitos humanos e direitos fundamentais sejam comumente

utilizados como sinônimos, a sua distinção é deveras necessária. Na dimensão

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empírica/historicista, os direitos fundamentais são direitos humanos, todavia, é necessário

fazer um corte epistemológico com a finalidade de distingui-los e compreender em qual plano

jurídico cada um atua (GUERRA FILHO, 2001).

Por direitos fundamentais, consideram-se os direitos do ser humano reconhecidos e

positivados na esfera constitucional do direito positivo de determinado Estado; já os direitos

humanos guardam relação com os documentos de direito internacional, independentemente de

sua vinculação com determinada ordem constitucional (SARLET, 2009).

Como se vê, direitos humanos não se confundem com os direitos fundamentais, haja

vista estes serem mais restritos por dependerem da positivação constitucional, ao passo que

aqueles são mais abrangentes (esfera internacional) (SAYEG, 2011) por guardar relação com

um conjunto de valores básicos e históricos relativos aos seres como condição fundante da

vida. Em sua dimensão universal, constitui uma construção teórica sustentada nas identidades

comuns a todos os povos (MORAIS, 2002).

O fato é que o reconhecimento dos direitos humanos em documentos internacionais dá

maior segurança às relações na sociedade. Caso não houvesse este reconhecimento,

certamente os valores éticos existentes no cerne de cada indivíduo tardariam para se impor na

vida coletiva (COMPARATO, 2013).

Segundo Gregorio Peces Barba (1987, p. 11-14):

Os direitos fundamentais são um conceito histórico do mundo moderno que surge progressivamente a partir do advento da modernidade. Os direitos fundamentais supõem a resposta do Direito às necessidades básicas dos indivíduos e das comunidades e são, na cultura jurídica e política moderna, um instrumento de organização social que favorece o desenvolvimento moral das pessoas. Os direitos fundamentais podem ser definidos como a faculdade que o direito atribui às pessoas e aos grupos sociais, expressão de suas necessidades no que se refere à vida, à liberdade, à igualdade, à participação política ou social, ou a qualquer outro aspecto fundamental que afete o desenvolvimento integral das pessoas em uma comunidade de homens livres, exigindo o respeito ou a atuação dos demais homens, dos grupos sociais e do Estado e com garantia dos poderes públicos para restabelecer seu exercício em caso de violação ou para realizar sua prestação.

Neste sentido aduz José Querino Neto: “Os direitos fundamentais, são, acima de tudo,

fruto de conquistas históricas dos mais diversos setores da sociedade, nomeadamente, dos

movimentos sociais, minorias, e não podem ser vistos como concessão, mas emancipação”.

(NETO, 2008, p. 71)

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Para Matheus Felipe de Castro (2001, p. 7924-7925):

A proteção de direitos humanos fundamentais teria surgido na história da humanidade como maneira de conter o poder do Estado, sempre propenso ao abuso e à arbitrariedade, dentro de certos limites fixados pela lei, colaborando para conformar muito mais do que uma simples nova ordem política da sociedade, mas consolidando, decisivamente, a própria civilização burguesa.

A mutação histórica sofrida pelos direitos humanos fundamentais, fez com que se

começasse a falar na existência de três gerações de direitos (muito embora exista quem

defenda a existência de uma quarta, quinta ou até mesmo sexta gerações) (SARLET, 2009).

Importante ressaltar que a doutrina faz críticas ao termo gerações de direitos. Ingo

Wolfgang Sarlet (2009) afirma que esta expressão pode ensejar a falsa impressão da

substituição gradativa de uma geração por outra, ao passo que o termo dimensões dá entender

que os direitos humanos fundamentais não se substituem com o passar do tempo, pelo

contrário, adensam-se (SAYEG, 2011).

Ressalte-se, todavia, que tal discordância reside tão somente à esfera terminológica,

não afetando o conteúdo das gerações ou dimensões de direitos. Por tais razões, optou-se por

fazer utilização da terminologia dimensões de direitos nos próximos tópicos.

1.1 Direitos de primeira dimensão

Como dito alhures, a mudança histórica dos direitos humanos determinou a aparição

de sucessivas dimensões de direitos. No âmbito das primeiras Constituições escritas, os

direitos humanos nasceram com o pensamento liberal-burguês no bojo da atmosfera

iluminista, a qual inspirou as revoluções do século XVIII (SARLET, 2009).

Fora no contexto histórico das Revoluções Francesa2, Americana e Latinoamericana

que surge a primeira dimensão de direitos, própria do constitucionalismo clássico do Estado

Moderno, reduzida basicamente aos direitos individuais (CARÍAS, 1997).

A primeira dimensão foi marcada pela afirmação dos direitos dos indivíduos frente ao

Estado, como uma forma de defesa e autonomia individual. Logo, o perfil ideológico desta

dimensão é de cunho individualista (SARLET, 2009).

2 O lema revolucionário da Revolução Francesa em 1789 exprimiu os três princípios cardeais dos direitos fundamentais, profetizando inclusive até mesmo sua sequência histórica e sua gradativa institucionalização: liberdade, igualdade, fraternidade. In: BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 15 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2004, p. 562.

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Os direitos humanos da Declaração de Virgínia (1776) e da Declaração Francesa

(1789) são considerados direitos de primeira dimensão, pois baseiam-se na inspiração

individualista e considerados inerentes aos indivíduos, isto é, naturais, tendo em vista que

precedem o contrato social (LAFER, 1988).

Para Norberto Bobbio (2004), esta dimensão corresponde aos direitos de liberdade ou

de um não agir do Estado que inauguram a fase constitucional no Ocidente. Encontram-se na

categoria do status negativo, os quais ressaltam os valores políticos e a nítida separação entre

a sociedade e o Estado. São direitos que valorizam primeiramente o homem-singular - o

homem das liberdades abstratas (BONAVIDES, 2004).

1.1.2 Direitos de segunda dimensão

O período entre as duas guerras mundiais3 foi marcado pela Revolução Bolchevique e

do Socialismo Marxista na Rússia. Nesta época, buscou-se desenvolver uma conciliação do

liberalismo democrático com os direitos que asseguram um nível de vida adequado perante a

crítica realizada pelo marxismo, a qual afirmava que os direitos individuais e políticos eram

considerados somente "liberdades formais" do Estado capitalista e burguês. Durante este

período era dada ênfase nas situações de graves desigualdades e injustiça social existentes no

século XIX e no início do século XX (ALCALÁ, 2003).

Desta maneira, a matriz ideológica individualista caracterizada pelos direitos de

primeira dimensão, sofreu um amplo processo de erosão e impugnação nas lutas sociais do

século XIX (LUÑO, 1991), cujos reflexos podem ser vistos nas Constituições de Weimar,

Mexicana e Soviética (CARÍAS, 1997).

Estes movimentos reivindicativos evidenciaram a necessidade de completar o catálogo

dos direitos e liberdades da primeira dimensão com uma onda de direitos econômicos, sociais

e culturais, os quais alcançaram sua paulatina consagração jurídica e política quando da

substituição do Estado Liberal de Direito pelo Estado Social de Direito (LUÑO, 1991).

Os direitos de segunda dimensão, também chamados de “direitos sociais”, fizeram

nascer a consciência de que a proteção da realidade social era tão importante quanto

salvaguardar o indivíduo. Esta concepção fez surgir a ideia de que os direitos fundamentais

não se restringem aos direitos de liberdade (BONAVIDES, 2004).

3 1ª guerra mundial: 1914-1918. 2ª guerra mundial: 1939-1945.

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A distinção entre ambas as dimensões se mostra evidente, pois enquanto os direitos de

primeira dimensão são caracterizados pela defesa das liberdades do indivíduo, os quais

exigem uma autolimitação e a não ingerência dos poderes públicos na esfera privada; os

direitos de segunda dimensão, correspondentes aos direitos econômicos, sociais e culturais,

traduzem-se em direitos de participação, os quais requerem uma política ativa dos poderes

públicos visando garantir seu exercício e se realizam por meio das técnicas jurídicas de

prestações e por meio dos serviços públicos (LUÑO, 1991).

1.1.3 Direitos de terceira dimensão

A consciência de um mundo dividido entre as nações desenvolvidas e

subdesenvolvidas deu lugar a uma nova dimensão dos direitos até então desconhecida

(BONAVIDES, 2004).

Surgiu o que se denomina de direitos de terceira dimensão (no fim do século XX),

conhecidos como direito dos povos, direitos solidários ou direitos de toda a humanidade, entre

os quais se encontra o direito ao meio ambiente são ou livre de contaminação, o direito ao

desenvolvimento, à paz (ALCALÁ, 2003), de propriedade sobre o patrimônio comum da

humanidade e o direito de comunicação (BONAVIDES, 2004).

Para Pérez-Luño (1991), a terceira dimensão de direitos humanos complementa as

anteriores, posto que se apresenta como uma resposta ao fenômeno da denominada

“contaminação das liberdades” (liberes’ pollution), termo utilizado por alguns setores da

teoria social anglo-saxônica que aludem à erosão e degradação que aflige os direitos

fundamentais com os usos de novas tecnologias. Isto é justificado, pois a revolução

tecnológica redimensionou as relações do ser humano com seu contexto.

Esta dimensão contribuiu para redimensionar a própria imagem do homem enquanto

sujeito de direitos. As novas condições de exercício dos direitos humanos determinaram uma

nova forma de ser cidadão no Estado de Direito das sociedades tecnológicas, do mesmo modo

que a mudança do Estado Liberal ao Estado Social de Direito configurou também formas

diferentes de exercer a cidadania (LUÑO, 1991).

Dotados de teor de humanismo, tais direitos cristalizaram-se no fim do século XX

enquanto direitos que não se destinam à proteção específica do indivíduo ou de um grupo,

pois o destinatário é o gênero humano (BONAVIDES, 2004).

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A terceira dimensão não poderia sequer ter sido imaginada quando os direitos de

segunda dimensão foram propostos. Tais exigências nascem em razão da mudança das

condições sociais e quando o desenvolvimento técnico permite satisfazê-los (BOBBIO, 2004).

Partindo destas premissas, é possível afirmar que o futuro irá revelar outras dimensões

de direitos humanos, sobretudo pelo fato de o universo ser ilimitado (SAYEG, 2011).

A partir do exposto, muito embora tenha sido possível verificar que os direitos

humanos tenham origem na concepção jusnaturalista e iluminista desenvolvidas no continente

europeu entre os séculos XVII e XVIII, foi somente a partir do século XX com as

problemáticas existentes no mundo pós-moderno é que o homem passou a figurar em

primeiro plano e passou a existir um pensamento mais crítico sobre a forma pela qual se darão

efetividades a estes direitos (MAZZUOLI, 2010).

Se no plano teórico há dificuldades para a conceituação, Fábio Konder Comparato

(2013, p. 71) questiona: “como reconhecer a vigência efetiva desses direitos no meio social,

ou seja, o seu caráter de obrigatoriedade?”. E ainda, existe uma hierarquia normativa ente

direitos humanos e direitos fundamentais? O direito internacional prevalece sobre o direito

interno? Como resolver eventuais conflitos entre estes ramos do direito?

Tais questionamentos correspondem às perguntas secundárias que esta pesquisa

objetiva verificar, para contextualizar e responder o problema da pesquisa proposto.

1.2 O estado moderno e a construção da soberania

O tema relativo à soberania4 é um dos conceitos mais complexos e debatidos na teoria

do Estado e do direito internacional, notadamente em razão de seu conceito ser

demasiadamente abstrato (HÄBERLE; KOTZUR, 2011).

A soberania é considerada uma das principais características do Estado Moderno,

tendo sido empregada teoricamente pela primeira vez em 1576 em Les Six Livres de la

République, de Jean Bodin. Antes disso, a construção do conceito baseava-se no poder de

forma absoluta e perpétua, adstrito às leis divinas e naturais (MORAIS, 2002).

4 A soberania tem como expoente o francês Jean Bodin (autor do livro Os seis livros da República, em 1576) publicado em meio a guerras religiosas ocorridas na França. Trata-se de um livro escrito dentro de um contexto de transnacionalismo, momento pelo qual Bodin busca valorizar a soberania e fazer dela uma chave mestra. Para Bodin, a soberania não pode ser limitada por nenhuma lei humana, tampouco pelas leis de seus predecessores. (BADIE, 1999)

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Historicamente a soberania era entendida como o poder do Estado de impor suas

decisões, editar leis e executá-las dentro do seu território (MAZZUOLI, 2002). No entanto,

fora com o término da guerra dos trinta anos entre católicos e protestantes (século XVII,

1618-1648) que a soberania passou a ter um novo conceito (BREMER, 2013).

O fim do conflito com a vitória dos protestantes deu origem à assinatura dos Tratados

de Müster e Osnabrück, os quais além de abranger temas políticos e religiosos, fizeram com

que eclodisse uma nova ordem territorial/religiosa e equilibrou os poderes nas relações

interestatais (BREMER, 2013).

De Wetfalia até hoje ocorreu grande avanço do direito internacional, notadamente a

partir do surgimento de limitações da soberania entre os sujeitos da sociedade internacional

(BREMER, 2013).

Para Dallari (1999, p. 23) a soberania “é uma das bases da ideia de Estado Moderno,

tendo sido de excepcional importância para que este se definisse, exercendo grande influência

prática nos últimos séculos”.

Apesar de o conceito de soberania ter sofrido grande mudança com os tratados de

Westfalia, uma nova transformação ocorreu a partir da proteção “universal” dos direitos

humanos, com a positivação no artigo 2º, parágrafo primeiro da Carta das Nações Unidas

(1945)5 (HÄBERLE, 2011).

A concepção hodierna de soberania está vinculada estreitamente com o tema relativo

aos direitos humanos, porquanto a partir do momento em que o Estado comete determinados

atos contra os indivíduos, pode vir a ser condenado por um Tribunal Internacional por suas

condutas (CANÇADO TRINDADE, 2002).

A soberania possui especial relevância na área das relações internacionais, tendo em

vista que os Estados encontram-se dispostos dentro de um plano horizontalizado, isto é, de

forma igual em sua convivência relacional (MORAIS, 2002).

Com as modificações da concepção da soberania, a qual passou a ser entendida como

um poder passível de sofrer limitações, uma nova lógica começou a ser empregada, sobretudo

a partir do surgimento de instituições de caráter supranacional (por exemplo: Comunidade

Econômica Europeia, União Europeia, NAFTA, Mercosul, CAN, etc) com a aplicação de

normas jurídicas de direito internacional para que Cortes de Justiça supranacionais passassem

5 Artigo 2. A Organização e seus Membros, para a realização dos propósitos mencionados no Artigo 1, agirão de acordo com os seguintes Princípios: 1. A Organização é baseada no princípio da igualdade de todos os seus membros.

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a apreciar os atos praticados pelos Estados, seja na matéria relativa a direitos humanos,

acordos comerciais, alianças militares, emissão de moeda, etc. (MORAIS, 2002).

A União Europeia, por exemplo, compartilha de um sentimento de responsabilidade

pelo futuro, do bem-estar de todos e de buscar soluções para os conflitos que se apresentam.

No entanto, caminha de modo rudimentar quando encontra obstáculos no caminho, como por

exemplo, na relutância em abandonar a antiga soberania (BAUMAN, 2006).

Para que os processos de integração6 se consolidem é necessário que exista apoio

jurídico-institucional profundo com órgãos supranacionais, quando os Estados acabam por

transferir determinadas competências e poderes para defender e melhorar os interesses

comuns, mas mantendo o atributo da soberania, visando defender sua individualidade e forma

de governo (ARBUET-VIGNALI, 2004).

A transferência de faculdades – típicas da supranacionalidade – respeita, por um lado,

as diversidades dos Estados membros, no entanto, a vigência da ordem comunitária integrada

exige coerência e harmonia jurídica, motivo pelo qual, os Estados estão obrigados a assegurar

a vigência de normas comunitárias dentro de seus limites territoriais (OCAMPO, 2007).

É importante que os sistemas aproximem-se harmoniosamente7 com a subordinação à

uma ordem supranacional coordenada de acordo com princípios comuns. Nas palavras de

Mireille Delmas-Marty (2004, p. 306) “como nuvens que, levadas por um mesmo sopro, se

ordenassem aos poucos guardando seu ritmo próprio, suas formas próprias”.

1.2.1 Globalização

Esclarecido o desenvolvimento dos direitos humanos e sua relação com a soberania,

cumpre ressaltar que devido ao fato de o mundo hodierno cada vez mais possibilitar que as

relações humanas sejam transnacionais; faz-se necessário dissertar breves considerações sobre

a globalização para, ulteriormente, analisar o impacto que este fenômeno causou nas relações

entre os Estados e no desenvolvimento de uma nova ramificação no Direito Internacional.

O termo globalização é bastante onipresente na sociedade atual. Miguel Carbonell

(2003, p. 01) afirma que “parece ser um conceito que chegou para ficar”, pois não há reunião 6 O Estado somente existe porque se integra de modo constante, trata-se de um processo de união entre os

homens. In KELSEN, Hans. O estado como integração: um confronto de princípios. Tradução de Plínio Fernandes Toledo. São Paulo: Martins Fontes, 2003. 7 “A harmonização não quer dizer a unificação. Ela admite diferenças e as põe em ordem”. (DELMAS-MARTY, Mireille. Por um direito comum. Tradução de Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 256).

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de políticos ou de acadêmicos onde pelo menos um dos participantes não faça referência aos

"desafios" da globalização. Dentro deste contexto, é possível afirmar que o maior problema

encontrado quando se fala em globalização é a ausência de conhecimento do interlocutor

sobre o que se está referindo.

A ideia da globalização perpassa toda a história da humanidade e é encontrada no

âmago do indivíduo, sobretudo na vontade de transcender os limites pessoais e territoriais.

Por tal motivo, é possível encontrar a globalização ainda na época pré-histórica, no momento

em que homens e mulheres nômades buscavam lograr uma melhor vida em outras localidades

(SILVA, 2007).

Em que pese exista várias teorias que associam a ideia da globalização à época antiga,

há um consenso de que ela está situada no século XV com o surgimento do capitalismo (por

volta do fim da idade média e o começo da idade moderna). Por isso, fala-se em globalização

do capital, cujo marco inicial corresponde a descoberta da América em 1492 e pela utilização

das rotas marítimas para as Índias em 1498 (SILVA, 2007).

A globalização expressa uma nova era de expansão do capitalismo, pois envolve

diversas civilizações, culturas e também desafia práticas consolidadas e interpretações

sedimentadas (IANNI, 2001).

O processo de globalização propiciou a expansão cultural que ultrapassou as fronteiras

nacionais (LUCAS, 2010) e acabou por realizar, segundo Boaventura de Souza Santos (2001),

a compressão tempo-espaço, ou seja, o processo social pelo qual os fenômenos se aceleram

acabaram se difundindo pelo globo.

De acordo com José Querino Tavares Neto (2007, p. 76) “a globalização não produz

efeitos apenas no âmbito econômico, mas também, de forma contundente, no âmbito cultural

e político”.

Aos poucos as fronteiras existentes entre os mundos passaram a desaparecer;

alteraram-se os significados das nações e embaralhou-se o mapa do mundo prenunciando

horizontes até então desconhecidos. Ocorreu também a redução do significado da soberania

nacional, no momento em que o Estado viu-se obrigado a aceitar diretrizes advindas de

centros de poder regionais e mundiais (IANNI, 2001).

Além disto, todos os povos estão sendo desafiados pelos novos dilemas, facilidades,

tensões e antagonismos existentes (IANNI, 2001). Trata-se de um processo incerto e

ambivalente que afeta os mais diversos setores da vida social, política e econômica do mundo

(MORAIS, 2010).

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O século XX proporcionou uma crescente complexidade nas relações internacionais. A globalização, em sua perspectiva de mercado que se processa em sentido político, econômico, social e cultural, produziu profundas transformações na estrutura do Estado e do Direito (NETO, 2007, p. 76)

Atualmente o conceito de globalização tem sido indicado quase como um sinônimo de

“tecnologia”, porquanto a informática que outrora era vista como um instrumento relacionado

à técnica e ao setor industrial particular, a partir da década de 80 passou a repercutir na vida

econômica, política e cultural da sociedade. Com isto, os indivíduos passam a explorar de

modo positivo as potencialidades existentes no mundo hodierno, muito embora sua

repercussão seja indeterminada (LÉVY, 2001).

Manuel Castells (2001) aduz que com o passar do tempo foi sendo estabelecida uma

nova estrutura social – “sociedade em rede” - a qual oferece inúmeras oportunidades, mas também

desafios. Seu futuro é incerto, pois está submetida a dinâmicas contraditórias que opõe de um

lado a face obscura e de outro algumas fontes de esperança.

A oportunidade de maior acesso como uma das consequências da globalização

conjuga-se com o "direito à informação", o qual não é compreendido somente como o "direito

a ser informado", mas como o direito de ter acesso a determinadas informações públicas e

privadas (RODOTÁ, 2008).

Para Manuel Castells (2005, p. 68) “diferentemente de qualquer outra revolução, o

cerne da transformação que estamos vivendo na revolução atual refere-se às tecnologias da

informação, processamento e comunicação”.

Com isto, a globalização passou a produzir uma maior exposição das políticas interna

e internacional com a maior participação dos sujeitos e atores internacionais (SOUZA, 2010).

Uma das consequências da globalização é o fato de que se Estados litigam entre si ou

mantêm relações por meio de intercâmbio econômico e cultural, cada vez mais vislumbra-se

que nenhum país vive sua própria história sem ter influência de outros (HÖFFE, 2005). Por conseguinte, a globalização não pode ser concebida como um fato acabado, pois

sua marcha generaliza-se, sofre mutações, aprofunda-se dia após dia (SILVA, 2007) e

maximiza interconexões no espaço, projetando-se ao infinito (MORAIS, 2010).

1.2.2 A internacionalização dos direitos humanos

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31

A história da humanidade é marcada por vários fatores nefastos, entre eles a guerra

pode ser considerado como o mais antigo. Muito embora ao longo dos séculos as guerras

limitavam-se a uma determinada região, a Idade Moderna no continente europeu passou a

abranger um caráter global que foi fortalecido durante as duas grandes guerras (HÖFFE,

2005).

O conflito bélico protagonizado pela humanidade ocorrido na “Europa das Luzes”, que

séculos atrás exportava aos outros continentes os ideais de liberdade e igualdade (valores do

constitucionalismo clássico), converteu-se em um cenário gélido e cinza (PIZZOLO, 2012).

A segunda guerra mundial diferiu para primeira grande guerra não somente pelo

número de países envolvidos e pela duração do conflito, mas, sobretudo, pela exorbitância de

indivíduos que se tornaram vítimas das ações perpetradas pelos Estados. Calcula-se que 60

milhões de pessoas foram mortas entre 1939-1945 (seis vezes mais do que no conflito do

começo do século), sendo a maioria civis (na 1ª guerra mundial a maioria das vítimas era

militares). Além disto, a segunda guerra mostrou a subjugação de povos considerados

inferiores e o poder que o homem mostrou ter de destruir toda a vida da Terra com o

lançamento da bomba de Hiroshima e Nagasaki (respectivamente em 6 e 9 de agosto de 1945)

(COMPARATO, 2013).

A confusão e destruição causada deixaram milhões de refugiados, incapazes de prever

um futuro no momento em que estavam em campos para pessoas desalojadas. Com o término

da guerra passaram a ser revelados alguns dos horrores deliberadamente praticados pelos

alemães que deixaram os indivíduos em choque. As fotografias tiradas quando da libertação

dos judeus, mostraram as consequências do anti-semitismo e das atrocidades cometidas

(HUNT, 2009).

Deste modo, o anti-semitismo, o imperialismo e o totalitarismo, um após o outro

demonstraram que a dignidade humana precisa de nova garantia, somente encontrável em

novos princípios políticos e em uma nova lei na terra, em que tenha vigência e alcance toda a

humanidade (ARENDT, 1989).

O fim da guerra concretizou um velho sonho do continente, relacionado a uma Europa

unida por um “direito comum” a partir de um processo de integração regional. As

Constituições sancionadas com o pós guerra de países como França, Itália e Alemanha

afastaram a visão da soberania estatal absoluta, estando assim, consolidada a abertura para o

direito internacional (PIZZOLO, 2012).

Segundo Fábio Konder Comparato (2013, p. 226): “as consciências se abriram, enfim,

para o fato de que a sobrevivência da humanidade exigia a colaboração de todos os povos, na

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reorganização das relações internacionais”. Isso porque, a humanidade passou a compreender

mais do que nunca o valor da dignidade humana, aprofundando a afirmação histórica dos

direitos humanos.

A partir deste momento nasceu a terminologia Direito Internacional dos Direitos

Humanos (DIDH), cunhada quando da positivação da Carta das Nações Unidas (1945) com

alusão a direitos e liberdades fundamentais do homem e com o fim precípuo de preservar a

paz mundial (BIDART CAMPOS, 1990).

Até o surgimento do DIDH, os problemas relacionados a direitos humanos eram de

competência reservada de cada Estado, o qual resolveria de acordo com seu critério. Contudo,

hodiernamente não mais se resolve deste modo, porquanto o DIDH assumiu para si a

problemática, celebrou tratados e inclusive pôs este tema para o conhecimento e decisão de

tribunais supraestatais (BIDART CAMPOS, 1990).

Essa internacionalização consistiu em uma mudança vital na essência do direito

internacional, tendo produzido um impacto no campo do domínio reservado dos Estados, ao

introduzir elementos novos e até certo ponto perturbadores no direito interno. O direito

internacional dos direitos humanos corresponde a uma complementação ao direito interno,

não o substitui, mas depende dos órgãos domésticos para que seja cumprido. Também

diferencia-se do direito internacional, pois enquanto este tem como objetivo também atender

os interesses particulares; aquele desperta a consciência idealista, humanitária dos indivíduos

em todos os âmbitos do mundo (SEPÚLVEDA, 1988).

O Direito Internacional deve buscar constituir uma sociedade jurídica que possua

condições de coordenar a política internacional conforme a subsidiariedade normativa dos

ordenamentos estatais. Deste modo, estar-se-á de um lado concedendo um pouco de poder

supranacional a órgãos centralizados, e de outro, permitindo que seja mínimo o recurso a

intervenções coercitivas.

Por este motivo, Danilo Zolo (2010, p. 417) propõe a expressão “direito supranacional

mínimo” às relações de competências normativas dos Estados nacionais e de órgãos

supranacionais. Segundo o autor “este direito deixaria um amplo espaço às funções da

domestic jurisdiction, sem pretender substituí-la ou sufocá-la com organismos normativos ou

judiciários supranacionais”. Assim ocorreria uma “regionalização policêntrica” do Direito

internacional.

Um “direito supranacional mínimo” não deve significar uma inércia da comunidade

internacional diante de inúmeros problemas que hodiernamente assolam o mundo como um

todo, haja vista que isoladamente os Estados nacionais pouco conseguem fazer para resolvê-

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los. Sendo assim, necessário se faz que exista uma colaboração recíproca entre os agentes

políticos internacionais para estreitar a concentração de poderes em órgãos supranacionais,

como um modo de responder os problemas existentes em decorrência da globalização (ZOLO,

2010).

Com o fim da Segunda Guerra Mundial em 1945 os Estados vencedores reuniram-se e

criaram quiçá a Organização Internacional mais conhecida do mundo: a chamada Organização

das Nações Unidas (ONU) com a finalidade de preservar as futuras gerações do “flagelo da

guerra” (GUERRA, 2008).8

O termo “Nações Unidas” foi criado pelo então presidente estadunidense Franklin

Roosevelt e utilizado pela primeira vez em 1942 quando 26 países assumiram o compromisso

de continuar lutando contra as potências do Eixo, no entanto, a Organização passou a existir

oficialmente em 24 de outubro de 1945 após a ratificação da Carta das Nações Unidas pelos

Estados Unidos, França, Reino Unido, China, a antiga União Soviética e os demais países

signatários (ONU, s.d.a).

A criação das Nações Unidas em 1945, bem como de diversos organismos

internacionais passaram a interferir no plano internacional com bastante frequência e

propiciaram o desenvolvimento da internacionalização do comércio, do capital, de empresas

transnacionais e também de mecanismos jurídicos alternativos para a resolução de conflitos

como a arbitragem comercial internacional (MENEZES, 2005).

O fenômeno da globalização foi um dos responsáveis para a abertura deste novo

panorama mundial influenciando as inter-relações de caráter internacional, transnacional e

cosmopolita com um novo desenho de sociedade (MENEZES, 2005).

Para que a ONU pudesse atingir os fins a que foi criada, foram concebidos seis órgãos

principais, quais sejam: 1) Assembleia Geral, 2) Conselho de Segurança, 3) Conselho

Econômico e Social, 4) Conselho de Tutela, 5) Corte Internacional de Justiça e 6)

Secretariado.

8 “Nós, os povos das Nações Unidas, decididos: a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra que por duas vezes, no espaço de uma vida humana, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade; a reafirmar a nossa fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, assim como das nações, grandes e pequenas; a estabelecer as condições necessárias à manutenção da justiça e do respeito das obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional; a promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de um conceito mais amplo de liberdade; e para tais fins: a praticar a tolerância e a viver em paz, uns com os outros, como bons vizinhos; a unir as nossas forças para manter a paz e a segurança internacionais; a garantir, pela aceitação de princípios e a instituição de métodos, que a força armada não será usada, a não ser no interesse comum; a empregar mecanismos internacionais para promover o progresso económico e social de todos os povos [...]”

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A Assembleia Geral é composta por todos os Estados-membros da ONU (atualmente

conta com 193 países), os quais têm direito a voz e voto nos assuntos que são tratados em

pauta. O principal objetivo é discutir temáticas relativas à paz, segurança, aprovação de novos

membros, direitos humanos, cooperação internacional, etc. (ONU, s.d.b).

O Conselho de Segurança tem o fim precípuo de manter a paz e segurança

internacionais. Diferentemente da Assembleia Geral, é formado por 15 membros, sendo cinco

deles permanentes (Estados Unidos, Grã-Bretanha, França, Rússia e China), os quais têm

poder de veto; os outros dez membros não são permanentes e tampouco tem direito a veto.

Deste modo, se o Conselho de Segurança verificar a existência de qualquer ameaça à paz ou

ato de agressão realizará reuniões com posterior aprovação de resoluções ou decidirá quais

medidas deverão ser tomadas para restabelecer a paz e segurança internacionais.

O poder de veto pode ser explicado pelo seguinte caso concreto. A Síria vive uma

guerra civil desde março de 2011. Devido ao fato de estar ocorrendo inúmeras violações aos

direitos humanos dos indivíduos deste país, o Conselho de Segurança passou a realizar

reuniões com o objetivo de votar uma resolução para julgamento do Estado perante o Tribunal

Penal Internacional pelos crimes de guerra cometidos.

No momento da votação Rússia e China vetaram a resolução, enquanto os demais

países membros do Conselho votaram a favor. Em razão de Rússia e China serem membros

permanentes e possuírem o poder de veto, a resolução não pode ser aprovada.

Neste meio tempo, os EUA passaram a enviar armas e munições para os rebeldes

sírios que estavam lutando contra o Estado, e a Rússia passou a enviar armamento às forças

do ditador sírio Assad, fomentando ainda mais a guerra que tomou proporções extremamente

complicadas.

Em virtude de situações como a narrada o Conselho de Segurança tem sido alvo de

várias críticas, posto que, por vezes não consegue entrar em um consenso (notadamente entre

os membros permanentes) para censurar guerras; não há observância do princípio da

imparcialidade e age por interesses nacionais ou ainda políticos (HÖFFE, 2005).

Segundo Höffe (2005, p. 387):

Aqui se poderia até afirmar que o mundo dos Estados ainda se encontra na “Idade Média”, quando os senhores feudais normalmente eram mais poderosos que o próprio poder central. No entanto, os senhores feudais de hoje, os membros do Conselho de Segurança, são parte integrante do próprio poder central.

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Verifica-se, portanto, que membros do Conselho de Segurança que deveriam zelar

pelo respeito aos direitos humanos, paz mundial e segurança internacional, em verdade

acabam agindo de modo totalmente contrário a estes preceitos, votando ou vetando resoluções

de acordo com seus próprios interesses, e, por vezes, fomentando ainda mais as guerras já

existentes.

O Conselho Econômico e Social é o terceiro órgão da ONU e é responsável por

coordenar o trabalho econômico e social da Organização e das demais instituições integrantes

do sistema global de proteção dos direitos humanos (ONU, s.d.b).

O Conselho de Tutela, por sua vez, realiza a supervisão dos territórios que buscam

estabelecer um governo próprio e protege a autodeterminação dos povos. O último território

que foi tutelado por este Conselho foi no Palau, localizado no Pacífico. Em razão disto, em 19

de novembro de 1994 o órgão suspendeu suas atividades (ONU, s.d.b).

O principal órgão judiciário da ONU é a Corte Internacional de Justiça criada em

1945 e possui sede em Haia (Holanda). É composta por 15 juízes eleitos pela Assembleia

Geral e pelo Conselho de Segurança. Seu principal objetivo é apresentar soluções para

conflitos impetrados pelos Estados e emitir pareceres que são submetidos pelos órgãos das

Nações Unidas (ONU, s.d.b).

Por fim, o último órgão é o Secretariado, que tem o escopo de administrar as forças de

paz, preparar relatórios, sensibilizar a opinião pública sobre o trabalho das Nações Unidas,

realizar conferências, etc. O seu atual chefe é o Secretário Geral sul-coreano Ban-Ki moon

nomeado pela Assembleia Geral (ONU, s.d.b).

Embora a criação da ONU tenha sido de extrema importância para sociedade

internacional, a qual se deparou com graves violações a direitos humanos a partir das

barbáries cometidas durante a Segunda Guerra Mundial, não está isenta a críticas. Höffe segue

afirmando que tendo as Nações Unidas o fim precípuo de promover o respeito aos direitos

humanos, sua eficiência não se mostra muito grande:

Há muito tempo, desde o primeiro terço do século XX, existem tratados internacionais contra o tráfico de mulheres e contra o trabalho forçado, de forma que, atualmente, não seria o caso de nos sentirmos orgulhosos destes tratados, mas sim de sua execução. Entretanto, as Nações Unidas não tomam providências eficazes nem contra as violações destes tratados, tampouco contra os desrespeitos a seus próprios acordos na área de direitos humanos. (...) Não se pode afirmar que as Nações Unidas sejam um fracasso. Um olhar justo identificará pelo menos três serviços – aqui mais, ali menos – prestados pela ONU. Não se pode deixar de mencionar a contribuição prestada ao aprimoramento do Direito Internacional, bem como à sua codificação. [...] Além disto, ocasionalmente, as Nações Unidas prestam seu contributo como um fórum global de negociações, visando a civilização das

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relações internacional. Sobretudo seu objetivo principal, o repúdio a guerra, não é atingido nem de longe. (HÖFFE, 2005, p. 387-389)

Ainda quanto à crítica às Nações Unidas, José Querino Tavares Neto (2008, p. 72)

afirma:

Ao menos merece reservas a pretensa representação universal das Nações Unidas, quer pela sua composição, quer pela projeção excessiva, para não dizer autoritária, do Conselho de Segurança da ONU e sua famigerada composição e regimento. Da importância das Nações Unidas e dos Estados para a efetivação dos direitos humanos não há qualquer equívoco, mas projetar-lhes condição sine qua non, no campo da construção teórica e proteção dos direitos humanos, não passa de uma sublevação de expectativas. De um lado, enquanto não houver uma alteração nos estatutos, e, portanto, da ontologia e teleologia das Nações Unidas, e conseqüentes alterações de ordem estrutural, inclusive sua localização geográfica, padeceremos de efetividade e legitimidade dos direitos humanos universais; de outro, a urgência de o Ocidente (re) considerar sua superioridade e prepotência cultural. Não se trata de concorrência pelo monopólio mas de concorrência para finalidade em face do esgotamento, hoje observado, das metanarrativas e da ausência de referencial emancipatório, decorrentes principalmente da pulverização do poder e do processo de globalização.

Três anos após a criação da ONU, a Assembleia Geral aprovou a Declaração Universal

de Direitos Humanos (1948). Para a elaboração do documento, as Nações Unidas criaram uma

comissão de pensadores e escritores, os quais representavam diferentes correntes de

pensamentos para buscar estabelecer uma fundamentação dos direitos humanos

(BARRETTO, 2010).

Basicamente, os argumentos que foram analisados pela comissão podem ser divididos

em dois grupos: 1) sustentavam que a fundamentação dos direitos humanos deveria basear-se

em uma concepção historicista, pois o indivíduo vive em um processo histórico sujeito a

mudanças; 2) aduziam que os direitos humanos seriam direitos naturais, isto é, anteriores e

superiores à sociedade (BARRETTO, 2010).

Devido as divergências para chegar a uma fundamentação, o processo de aprovação da

declaração foi bastante complexo. John Humphrey, professor da Universidade Canadense de

McGill preparou uma minuta, sendo que somente após 83 reuniões e 170 emendas o rascunho

foi sancionado para ser votado. Em 10 de dezembro de 1948 a Assembleia Geral aprovou a

chamada “Declaração Universal dos Direitos Humanos” com 48 votos a favor e oito

abstenções (HUNT, 2009).

Sobre referida Declaração, José Querino Tavares Neto (2008, p. 72) afirma:

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A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, da ONU, é o grande documento político-ideológico, mas não elucidatório, da discussão contemporânea dos direitos humanos. Mesmo assim podemos afirmar sua contribuição, juntamente com o avanço do processo integratório europeu (relativizado atualmente), para a institucionalização e internacionalização dos direitos humanos como elemento-chave de interpretação das sociedades do pós-Guerra.

Com o processo de internacionalização dos direitos humanos, dezenas de convenções

foram criadas pelas Nações Unidas ou por organizações regionais, sendo que mais de uma

centena foi aprovada pela Organização Internacional do Trabalho (COMPARATO, 2013).

Neste sentido, a proteção internacional dos direitos humanos no sistema onusiano

concedeu ao indivíduo um status diferenciado, sobretudo concretizado na possibilidade de

adotar medidas para conter os abusos perpetrados pelos Estados (GUERRA, 2008).

Com a presença da ONU e anos após com o advento das organizações regionais,

gradualmente iniciou-se a elevação dos direitos humanos a nível internacional com o escopo

de criar ações para vigiar o status destes direitos no âmbito interno dos Estados e ainda com a

possibilidade de condenar os países violadores (SEPÚLVEDA, 1988).

No plano internacional prevalece o entendimento de que existe a supremacia da norma

imperativa de direito internacional geral (jus cogens), tanto é que a Convenção de Viena sobre

os Direitos dos Tratados de 1969 declara em seu artigo 53 serem nulos os tratados que

estejam em conflito com alguma norma imperativa de direito internacional geral. Por

consenso, normas internacionais de direitos humanos são consideradas jus cogens

(COMPARATO, 2013).

Em razão disto, Constituições que foram criadas após a 2ª Guerra Mundial possuem

normas que declaram que normas de direitos humanos possuem status de norma

constitucional, entretanto, o Brasil veio de encontro a esta tendência, tendo em vista que após

a promulgação da Emenda Constitucional n. 45/2004 que introduziu o §3º no artigo 5º da

Constituição, trouxe a redação de que (COMPARATO, 2013, p. 74), somente “os tratados e

convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados em cada Casa do

Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos respectivos membros, serão

equivalentes às emendas constitucionais” (BRASIL, 1988).

Para Fábio Konder Comparato (2013, p. 75) esta situação trata-se de um “retrocesso

[...] imposto pelo grupo oligárquico dominante, o qual, submetido à crescente pressão

internacional, não quis abrir mão do seu tradicional privilégio de impunidade ao desrespeitar

os direitos humanos dos mais fracos e pobres”.

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Nesta senda, vislumbra-se ser mais fácil subscrever tratados de direitos humanos do

que efetivá-los. Esta situação é demonstrada no fato de que há constantes conferências

internacionais com temáticas relativas, por exemplo, à escravidão. Inclusive a ONU chegou a

adotar uma Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura, do Tráfico de Escravos

e das Instituições e Práticas Análogas à Escravatura em 1956, no entanto, estima-se que exista

cerca de 27 milhões de escravos no mundo atualmente. No mesmo sentido foi aprovada a

Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou

Degradantes em 1984 porque em verdade a tortura não desapareceu mesmo quando sua forma

judicial foi abolida ainda no século XVIII e hoje é empregada dentro das forças militares dos

Estados Modernos (HUNT, 2009).

1.2.3 O indivíduo como sujeito de direito internacional

Para o direito internacional clássico, nunca o homem foi considerado sujeito

internacional, tendo em vista que esta qualidade era reservada aos Estados, às Organizações

Internacionais ou às entidades sui generis, como o Vaticano (BIDART CAMPOS, 1990).

A concepção clássica sustentava que os indivíduos eram considerados somente objeto

do direito internacional, em outras palavras, a teoria negava a subjetividade jurídica

internacional do indivíduo, porquanto o considerava somente como sujeito de direito interno

(LEÓN, 2008).

Entretanto, no início do século XX surgiu a doutrina jusinternacionalista que

sustentava a personalidade do indivíduo como sujeito de direito internacional, resgatando as

reflexões e a visão dos fundadores do Direito Internacional (notadamente os escritos de F. de

Vitoria, F. Suárez, H. Grotius, A. Gentili, S. Puferdorf, C. Wolff), que o concebiam como um

ordenamento universal (CANÇADO TRINDADE, 2003).

Esta doutrina jurídica refletia o processo histórico da emancipação dos indivíduos da

tutela exclusiva do Estado, contradizendo categoricamente a teoria positivista clássica que

sustentava que os indivíduos eram simples objetos do ordenamento jurídico internacional

(CANÇADO TRINDADE, 2003).

Ainda no século XX, duas situações foram extremamente relevantes para haver a

mudança da situação da subjetividade jurídica internacional do indivíduo. A primeira refere-

se à sentença do Tribunal Militar Internacional de Nüremberg e a segunda foi a opinião

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consultiva da Corte Internacional de Justiça (CIJ) sobre a reparação de danos sofridos ao

serviço da Organização das Nações Unidas (ONU) (LEÓN, 2008).

O Tribunal de Nüremberg fora criado com o fim específico de julgar os indivíduos que

cometeram crimes internacionais durante a segunda guerra mundial (membros do Eixo).

Neste momento, viu-se necessário reconhecer a subjetividade e responsabilidade jurídica

internacional do indivíduo. A sentença do Tribunal refutou o positivismo extremo e

demonstrou que os indivíduos podiam ser sancionados por crimes sob a égide do direito

internacional.

Contudo, mister ressaltar que o reconhecimento dos direitos individuais não abrange

somente a possibilidade de o indivíduo ser responsabilizado internacionalmente, mas também

de poder reivindicá-los, tornando possível a consolidação de sua plena capacidade

postulatória (CANÇADO TRINDADE, 2002).

Dentro deste panorama é que se passou a vincular a subjetividade internacional dos

indivíduos. Logo, em caso de violação de direitos humanos tornou-se plenamente justificado o

acesso do indivíduo à jurisdição internacional para fazer valer seus direitos, inclusive contra

o próprio Estado (CANÇADO TRINDADE, 2003).

1.2.4 Direitos humanos e justiça internacional: o sistema global e os sistemas regionais de

proteção

O Juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos Manuel Ventura Robles (2005),

entende por acesso à justiça a possibilidade de toda pessoa, independente de sua condição

econômica, acessar um sistema para a resolução de conflitos visando reivindicar seus direitos.

Desta forma, para se esclarecer um fato, é possível auxiliar-se dos meios previstos pelo

ordenamento jurídico nacional e internacional para sua respectiva resolução.

No âmbito universal e interamericano, adotaram-se uma série de tratados

internacionais que além de estabelecer os direitos humanos com base na dignidade humana,

fixaram a necessidade de proteção de tais direitos de modo que quem se veja afetado possa

reclamar a violação judicialmente (IIDH, 2009).

É sabido que os direitos humanos podem ser protegidos tanto em âmbito interno

quanto internacional, contudo, quando tais direitos não são protegidos no âmbito doméstico, o

sistema internacional entra em atuação por meio do sistema global ou regional de proteção

dos direitos humanos (HEYNS, 2006).

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No que se refere ao sistema global de proteção dos direitos humanos, a Declaração

Universal dos Direitos Humanos constitui o texto básico para analisar os mecanismos de

proteção da ONU e de todos os demais textos que por ela foram inspirados. A partir deste

momento, de maneira progressiva foi reconhecida a capacidade do indivíduo de recorrer às

Nações Unidas e registrar suas queixas, em caso de violação de seus direitos com a criação de

mecanismos de supervisão à margem da vontade do Estado transgressor (LEÓN, 2008).

O Protocolo Facultativo I do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos

(PIDCP), permite que os indivíduos que aleguem ter sido vítimas de alguma violação dos

direitos garantidos no Pacto, documentem as comunicações ou queixas individuais perante o

Comitê de Direitos Humanos. É exigido que o demandante seja a própria vítima da violação

(pessoa física) ou seu representante legal, razão pela qual não é permitida a actio popularis. A

vítima tem de ser exclusivamente uma pessoa física, pois caso exista alguma queixa com

fundamento em algum dos direitos encontrados no PIDCP proveniente de pessoas jurídicas o

Comitê de Direitos Humanos não irá receber a queixa. Uma vez aprovada a admissibilidade

da comunicação realizada, passa-se à segunda fase dos procedimentos, na qual é analisado o

mérito da comunicação (LEÓN, 2008).

Após a criação no sistema global, aos poucos foi amadurecendo a ideia de criação de

sistemas regionais de proteção aos direitos humanos para facilitar o acesso do indivíduo.

Quando foi instaurado o primeiro sistema regional (europeu), as Nações Unidas questionaram

sua implementação, no entanto, os benefícios obtidos são amplamente aceitos atualmente,

pois permitem que sejam adotados mecanismos de cumprimento que se coadunam melhor

com as condições locais do que o sistema de proteção global (universal) (HEYNS, 2006).

Os sistemas regionais de proteção estão ao lado do sistema global, os quais possuem

como desiderato internacionalizar os direitos humanos particularmente na Europa, América e

África (PIOVESAN, 2011).

Cada um destes sistemas possui aparato jurídico próprio. A necessidade de proteção

dos direitos humanos na Europa surgiu em decorrência das atrocidades cometidas durante a

Segunda Guerra Mundial. Após todos os abusos perpetrados durante este período o continente

europeu experimentou um momento de reconstrução, e, na esteira da Declaração de 1948 da

ONU é que se pretendeu tomar medidas para assegurar os direitos ali previstos no âmbito

humanitário (GUERRA, 2011).

Uma das consequências do processo de integração europeia foi a criação de uma

Convenção, contudo, diferentemente do que ocorre nos sistemas regionais interamericano e

africano, o sistema europeu abrange uma região relativamente homogênea no que diz respeito

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a instituição do regime democrático e de Estado de Direito. Porém, com a inclusão dos países

do Leste Europeu os quais possuem maior diversidade e heterogeneidade comparando com a

Europa Ocidental, o sistema europeu passou a abarcar o desafio de enfrentar situações de

graves e sistemáticas violações aos direitos humanos nos incipientes regimes democráticos

ainda em construção (PIOVESAN, 2011).

Entre os sistemas regionais, a Corte Europeia é a que traduz maior experiência de

justicialização de direitos humanos e por ser o sistema mais consolidado exerce forte

influência sobre os demais (PIOVESAN, 2011).

A chamada “Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das

Liberdades Fundamentais” é o tratado que rege o sistema regional europeu, a qual fora

concluída em Roma no ano de 1950 (MAZZUOLI, 2010).

Esta Convenção é composta por três partes. Na primeira são elencados os direitos e

liberdades fundamentais – civis e políticos – (Titulo I, artigos 2º a 18); na segunda parte a

Convenção regulamenta a estrutura e funcionamento da Corte Europeia (Título II, artigos 19 a

51); e, por fim, na terceira parte são estabelecidas disposições diversas, tais como: os poderes

do Comitê de Ministros, requisições ao Secretário-Geral do Conselho da Europa, entre outros

(Título III, artigos 52-59) (GUERRA, 2011).

Há quem afirme que a Convenção Europeia foi e continua sendo o mais importante

documento europeu de direitos, pois o texto vigora há mais de 50 anos e ao realizar sua

análise, verifica-se o grande interesse e preocupação com os direitos humanos (GUERRA,

2011).

Desde sua primeira decisão em 1960, a Corte Europeia proferiu mais de 1.600

sentenças, acabando por influenciar tribunais do mundo todo e modificado a vida de inúmeros

cidadãos (MAZZUOLI, 2010).

Após o Protocolo n. 11 foi conferido aos indivíduos, grupos de indivíduos e ONGs

acesso direto a Corte Europeia, momento em que podem apresentar uma petição caso ocorra

violação a direito constante na Convenção Europeia. Salienta-se que antes do Protocolo n. 11,

somente os Estados-Partes e a Comissão podiam submeter casos à Corte Europeia, contudo,

eventualmente as denúncias chegavam à Corte (PIOVESAN, 2011).

Muito embora esta inovação tenha trazido um grande avanço, acabou por constituir

um desafio em razão do excessivo aumento de demandas submetidas à Corte. A título

exemplificativo, Flávia Piovesan (2011) cita que na década de 60, apenas 10 decisões foram

proferidas pela Corte Europeia; na década de 70 foram 26 decisões; na década de 80 foram

proferidas 169 decisões, e nos anos 90, mais de 800 decisões foram proferidas.

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Nos termos do artigo 20 da Convenção Europeia, a Corte é composta de um número

de juízes igual ao número de Estados-partes na Convenção, com mandato de seis anos. De

acordo com informações do próprio site da Corte, esta atualmente conta com 48 juízes.9

No que concerne aos requisitos de admissibilidade de um caso perante a Corte

Europeia o artigo 35 da Convenção regente dispõe o seguinte (EUROPEAN COURT OF

HUMAN RIGHTS):

1. O Tribunal só pode ser solicitado a conhecer de um assunto depois de esgotadas todas as vias de recurso internas, em conformidade com os princípios de direito internacional geralmente reconhecidos e num prazo de seis meses a contar da data da decisão interna definitiva. 2. O Tribunal não conhecerá de qualquer petição individual formulada em aplicação do disposto no artigo 34° se tal petição: a) For anónima; b) For, no essencial, idêntica a uma petição anteriormente examinada pelo Tribunal ou já submetida a outra instância internacional de inquérito ou de decisão e não contiver factos novos. 3. O Tribunal declarará a inadmissibilidade de qualquer petição individual formulada nos termos do artigo 34° sempre que considerar que: a) A petição é incompatível com o disposto na Convenção ou nos seus Protocolos, é manifestamente mal fundada ou tem caráter abusivo; ou b) O autor da petição não sofreu qualquer prejuízo significativo, salvo se o respeito pelos direitos do homem garantidos na Convenção e nos respetivos Protocolos exigir uma apreciação da petição quanto ao fundo e contanto que não se rejeite, por esse motivo, qualquer questão que não tenha sido devidamente apreciada por um tribunal interno. 4. O Tribunal rejeitará qualquer petição que considere inadmissível nos termos do presente artigo. O Tribunal poderá decidir nestes termos em qualquer momento do processo.

Se a petição for declarada inadmissível não pode ser objeto de apelação, a decisão da

Corte será definitiva. Por outro lado, caso a petição seja declarada admissível, as partes serão

cientificadas e a Corte buscará uma solução amistosa; caso seja inexitosa, são fixados prazos

para apresentação de memoriais e a Corte decidirá a necessidade de ser realizada uma

audiência. Por fim, se a Corte decidir que há violação a um ou mais artigos da Convenção,

poderá determinar a compensação pecuniária à vítima. A decisão final da Corte é transmitida

ao Comitê de Ministros que serão responsáveis na supervisão da execução da sentença

(PIOVESAN, 2011).

Se, como dito anteriormente, o sistema regional europeu apresenta-se como o mais

consolidado dos sistemas regionais, o sistema africano é o mais recente e incipiente. A

história deste sistema revela a complexidade do continente devido às peculiaridades culturais

advindas após o processo de descolonização (PIOVESAN, 2011).

9 Sobre a atual composição da Corte, acessar: < http://www.echr.coe.int/ECHR/EN/Header/The+Court/The+Court/Judges+of+the+Court/>.

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A Carta Africana entrou em vigência em 21 de outubro de 1986 após atingir o número

mínimo de ratificações necessárias (PEREIRA, 2007), O documento é constituído de três

partes: a primeira trata dos direitos e dos deveres; a segunda discorre acerca das medidas de

salvaguarda (composição e organização da Comissão Africana dos Direitos do Homem e dos

Povos; competências; do processo perante a Comissão e dos princípios); por fim, a terceira

parte explicita as disposições diversas (GUERRA, 2011).

Consoante o disposto no artigo 30 da Carta, a Comissão Africana dos Direitos

Humanos e dos Povos é "encarregada de promover os direitos humanos e dos povos e de

assegurar a respectiva proteção na África” (AFRICAN COMMISSION ON HUMAN AND

PEOPLES’ RIGHTS).

Embora não tenha caráter jurisdicional, posto que suas decisões não possuem caráter

obrigatório, a Comissão possui grande importância na estrutura da União Africana, pois

exerce funções diversificadas (GUERRA, 2011).

Compete-lhe apreciar comunicações interestatais, bem como petições submetidas por

indivíduos ou ONGs que denunciem violação aos direitos humanos enunciados na Carta.

Quanto à petição, esta deve preencher os requisitos de admissibilidade, entre eles destaca-se o

prévio esgotamento dos recursos internos, exceto nos casos de demora injustificada

(PIOVESAN, 2011).

Diferentemente da Convenção Europeia e da Convenção Americana, a Carta Africana

não estabeleceu em sua redação original uma Corte Africana, mas somente a Comissão, que

não tem o poder de adotar decisões juridicamente vinculantes (PIOVESAN, 2011).

No entanto, algumas ONGs, em particular a Anistia Internacional defenderam a

criação de uma Corte para complementar as funções da Comissão. Então, em 1998 foi

adotado o Protocolo à Carta Africana, objetivando a criação da Corte Africana dos Direitos

Humanos e dos Povos, localizada na Etiópia. O Protocolo entrou em vigor em 2004, contudo,

até o ano de 2010, dos 53 Estados partes da Carta Africana, somente 24 haviam ratificado o

Protocolo. Por conseguinte, o reconhecimento da jurisdição da Corte Africana pelos Estados

da região é um dos desafios empreendidos pelo sistema africano (PIOVESAN, 2011).

A Corte é composta por 11 juízes, nacionais dos Estados que compõe a União

Africana, os quais deverão ter conduta ilibada e preencher os critérios de qualificação no

campo de direitos humanos (GUERRA, 2011).

Possui competência para apreciar casos submetidos pela Comissão Africana, pelos

Estados ou pela Organização Intergovernamental Africana, não olvidando que indivíduos e

ONGs também poderão submeter casos diretamente à Corte, desde que haja declaração

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formulada pelo Estado para esse fim, consoante previsão dos artigos 5º, §3º, e 34, §6º do

Protocolo.

Como um dos objetos da pesquisa é a Corte Interamericana de Direitos Humanos, ela

será estudada de modo mais aprofundado no segundo capítulo.

1.2.5 A necessidade de efetivação do direito humano fundamental ao acesso à justiça no

âmbito internacional

A atual concepção dos direitos humanos surgiu como produto do cristianismo, do

direito natural, bem como dos pensamentos filosóficos. As ideias de tais pensamentos

possuíam como ponto em comum, a necessidade de limitação e controle dos abusos de poder

perpetrados pelo Estado (MORAES, 2011).

No momento em que foi abordada a temática relativa à internacionalização dos

direitos humanos, verificou-se que após a Segunda Guerra Mundial o indivíduo passou a ter

subjetividade internacional, isto é, surgiu a possibilidade dele ser responsabilizado por seus

atos internacionalmente e ainda adquiriu o direito de acessar – ter acesso à justiça - Cortes

Internacionais com a finalidade de fazer valer seus direitos contra os atos cometidos pelo

Estado.

Pois bem, no vernáculo, a expressão justiça apresenta dois sentidos: o primeiro dá a

noção de “ideal”, “valor ético”; e o segundo faz referência ao conjunto de órgãos estatais que

compõem o Poder Judiciário. Nesse passo, pode ocorrer confusão quando se propõe tratar da

questão do acesso à justiça, pois há risco de haver ambiguidade da expressão (SANTOS,

2005).

Importante destacar que a expressão acesso à justiça é de difícil definição e determina

dois objetivos básicos do sistema jurídico: 1º) o sistema pelo qual as pessoas podem resolver

seus litígios sob a proteção do Estado, e 2º) devem produzir resultados que sejam não

somente individual, mas também socialmente justos (CAPELETTI; GARTH, 2002).

Entretanto, nem sempre o acesso à justiça teve estas finalidades. Mauro Cappelletti e

Garth (2002) lembram que nos estados liberais burgueses dos séculos XVIII e XIX, as formas

usadas para solução dos litígios civis refletiam uma filosofia individualista dos direitos, e o

acesso à proteção judicial significava tão somente o direito de propor ou contestar uma ação.

Em que pese tradicionalmente o acesso à justiça tenha sido entendido mais como uma

prerrogativa do Estado do que um direito fundamental dos indivíduos, tal entendimento

alterou-se nas últimas décadas e vem tomando força a ideia do acesso à justiça como um

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direito fundamental. A importância do acesso à justiça com esta característica é devido ao fato

de dar conteúdo material à igualdade formal mediante a exigibilidade de outros direitos, bem

como a resolução de conflitos entre particulares, ou entre particulares e o Estado. Por esta

razão, o acesso à justiça permite dar efetividade a direitos civis, políticos, econômicos, sociais

e culturais, abrindo o caminho para reclamar pelo seu cumprimento e assim garantir a

igualdade e a não discriminação (COMJIBD, 2010).

Malgrado o significado da expressão acesso à justiça tenha variado no tempo devido a

influências de natureza política, religiosa, sociológica e filosófica (CARNEIRO, 1999) acabou

por adquirir grande importância nas últimas décadas, passando a ser reconhecido como o mais

fundamental dos direitos humanos, no sentido de que torna possível sua materialização

(ANNONI, 2008).

Assim, o acesso à justiça não é somente um direito humano, mas também uma forma

de se efetivar os demais direitos, em razão de ser por meio dele que se podem reclamar

eventuais violações, de acordo com o reconhecimento dos direitos pela Constituição de um

Estado, pelo direito internacional dos direitos humanos ou pelos direitos de caráter privado

(IIDH, 2009).

O acesso à justiça é um direito humano fundamental em um sistema democrático que

tenha por objeto garantir os direitos de todos igualmente, posto que quando outros direitos são

violados, o acesso à justiça constitui a via para reclamar seu cumprimento ante os tribunais e

garantir a igualdade perante a lei (KOHEN; HAYDÉE, 2006).

O direito em estudo possui caráter instrumental que se traduz em uma função social,

pois conta com mecanismo de solução de conflitos que visa alcançar a paz social evitando a

autotutela ou a busca da justiça com as próprias mãos (IIDH, 2011).

Nesta senda, é de grande importância destacar que tal direito não pode ser visto como

mero direito de acesso ao Poder Judiciário, pois ao se falar em acesso à justiça está-se a falar

em acesso à ordem jurídica justa; desta forma, somente haverá o pleno acesso à justiça

quando toda a sociedade alcançar uma situação de justiça. Por conseguinte, este direito deve

ser encarado como a realização do direito material, do acesso à efetiva satisfação da pretensão

dos cidadãos e como garantia real de acesso ao bem da vida que irá satisfazer suas

necessidades (CÂMARA, 2002).

Não somente se deve postular um acesso à justiça, mas sim que este acesso seja

efetivo, pois de nada valeria proclamar que as pessoas possuem tal direito, se na realidade dos

fatos essa possibilidade é reduzida. Logo, os indivíduos devem ter uma verdadeira e real

possibilidade de acessar à jurisdição (LUGARO, 2003).

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Os magistrados são agentes da concretização multidimensional dos direitos humanos,

incumbindo-lhes satisfazer o direito natural correspondente à dignidade da pessoa humana,

porquanto esta é a tarefa a ser realizada diante dos conflitos que lhes são submetidos, devendo

atender a expectativa da sociedade quanto à efetivação da justiça (SAYEG; BALERA, 2011).

Por outro lado, a justiça indiferente e alienada que desconsidera a pessoa humana,

deixando de satisfazer a dignidade do indivíduo é inaceitável, pois afronta a lei universal da

fraternidade quando os direitos humanos não são concretizados (SAYEG; BALERA, 2011).

Torna-se incontestável a relevância da tarefa do Poder Judiciário na aplicação dos

direitos humanos, isto porque, a partir do momento em que a decisão judicial contrariar

referidos direitos, tornar-se-á repulsiva, sórdida e corresponderá materialmente ao nada

jurídico por impor obstáculo à satisfação da dignidade da pessoa humana (SAYEG;

BALERA, 2011).

Desta forma, não existe controvérsia em torno da obrigação do Estado para promover

políticas públicas orientadas a facilitar o acesso à justiça (PNUD, 2005).

Um dos princípios que operam o acesso à justiça é a acessibilidade que pressupõe a

existência de pessoas capazes de estarem em juízo, sem impedimento de ordem financeira,

utilizando de forma adequada os instrumentos legais judiciais e extrajudiciais existentes com

o fim de possibilitar a efetivação dos direitos individuais e coletivos que organizam uma

sociedade (CARNEIRO, 1999).

É evidente que um dos componentes a tornar algo acessível é o conhecimento dos

direitos existentes e da maneira pela qual deverão ser utilizados. É neste momento que surge o

direito à informação, o qual é considerado ponto de partida e de chegada para que o acesso à

justiça, tal como é preconizado, seja real e alcance a todos. É ponto de partida porque sem ele

uma série de direitos não seriam sequer reclamados (campo individual), e ponto de chegada,

na medida em que eventuais direitos reclamados e obtidos fossem realidade para poucos

(campo coletivo) (CARNEIRO, 1999).

No Brasil são evidentes os obstáculos que devem ser ultrapassados para que o acesso à

justiça seja efetivado em sua totalidade, destacam-se aqui somente os que dizem respeito ao

fator tempo, formalismo exacerbado e os de natureza econômica.

Deste modo, se há dificuldades para efetivação do acesso à justiça no âmbito estatal,

quiçá o acesso à justiça no âmbito internacional encontre maiores percalços, muito embora

exista o reconhecimento da subjetividade do indivíduo internacionalmente.

Neste sentido, faz-se mister sustentar a necessidade de ampliar o direito à informação

dos indivíduos de que quando há uma violação a um direito humano seu, positivado no Pacto

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de San José da Costa Rica, o qual o Brasil é signatário, surge então a possibilidade de poder

acessar à instância internacional para fazer valer seus direitos.

A ideia de acesso à justiça está intimamente relacionada com o conceito de

desenvolvimento, senão vejamos.

Antigamente a avaliação do progresso de uma população levava em consideração

apenas a dimensão econômica – Produto Interno Bruto (PIB) per capita - enquanto hoje, leva

em conta três dimensões básicas do desenvolvimento humano: 1) renda, 2) saúde e 3)

educação, visando oferecer um contraponto e desvencilhando-se do viés puramente

econômico (PNUD, s.d.a).

Por meio das ideias lançadas por um dos mais influentes economistas da atualidade, o

indiano Amartya Sen (Prêmio Nobel de Economia em 1998), o conceito de desenvolvimento

passou a abranger inúmeros elementos, dentre eles, o direito humano ao acesso à justiça, o

qual deve envolver a proteção regulamentar dos direitos dos cidadãos, à informação dos

indivíduos sobre os direitos que possuem, no aconselhamento jurídico, nos mecanismos legais

de resolução de litígios acessíveis e eficazes, sejam ou não de titularidade estatal, etc. (PNUD,

2005).

O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) criado pelo paquistanês Mahbub ul Haq

teve a colaboração do economista indiano Amartya Sen. O IDH avalia que o desenvolvimento

de uma população deve ser aferido não somente pela dimensão econômica, mas também pelas

características sociais, culturais e políticas que influenciam a qualidade da vida humana.10

O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)11 lançou o Relatório

de Desenvolvimento Humano (RDH) em 1990 no seguinte contexto mundial: na Alemanha o

Muro de Berlim estava prestes a cair. No leste europeu, a União Soviética estava em vias de

se dissolver. Na África do Sul, o regime do apartheid acabara de libertar Nelson Mandela. No

Chile, Augusto Pinochet abandonara o poder. No Oriente Médio, o Iraque estava prestes a

10 DESENVOLVIMENTO HUMANO E IDH. Pnud. Disponível em: <http://www.pnud.org.br/idh/>. Acesso em: 28 abr. 2012. 11 O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) é a rede global de desenvolvimento da Organização das Nações Unidas, presente em 177 países e territórios. Seu mandato central é o combate à pobreza. Trabalhando ao lado de governos, iniciativa privada e sociedade civil, o PNUD conecta países a conhecimentos, experiências e recursos, ajudando pessoas a construir uma vida digna e trabalhando conjuntamente nas soluções traçadas pelos países-membros para fortalecer capacidades locais e proporcionar acesso a seus recursos humanos, técnicos e financeiros, à cooperação externa e à sua ampla rede de parceiros [...] Em 1990, o PNUD introduziu em todo o mundo o conceito de desenvolvimento humano sustentável, que promove a adoção de políticas públicas cujo foco está voltado às pessoas – e não a acumulação de riquezas – como propósito do desenvolvimento. Para aferir o grau de desenvolvimento humano sustentável de uma sociedade, o PNUD utiliza o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), criado pelo professor Amartya Sen, ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 1998. Disponível em: < http://www.pnud.org.br/SobrePNUD.aspx>. Acesso em: 27 abr. 2012.

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invadir o Kuwait. Em Pequim, os estudantes manifestavam-se a favor de reformas políticas.

As bolsas de valores de Xangai e Shenzhen foram abertas e a expressão “Consenso de

Washington” acabara de ser cunhada (RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO

2010).

Fora nestas circunstâncias que o primeiro Relatório de Desenvolvimento Humano

apelou com eloquência e humanidade uma abordagem diferente acerca da economia e do

desenvolvimento.

No RDH de 1999, Amartya Sen discorreu o seguinte em seu prefácio:

Devo reconhecer que não via no início muito mérito no IDH em si, embora tivesse tido o privilégio de ajudar a idealizá-lo. A princípio, demonstrei bastante ceticismo ao criador do Relatório de Desenvolvimento Humano, Mahbub ul Haq, sobre a tentativa de focalizar, em um índice bruto deste tipo – apenas um número -, a realidade complexa do desenvolvimento e da privação humanos. [...] Mas, após a primeira hesitação, Mahbub convenceu-se de que a hegemonia do PIB (índice demasiadamente utilizado e valorizado que ele queria suplantar) não seria quebrada por nenhum conjunto de tabelas. As pessoas olhariam para elas com respeito, disse ele, mas quando chegasse a hora de utilizar uma medida sucinta de desenvolvimento, recorreriam ao pouco atraente PIB, pois apesar de bruto era conveniente. [...] Devo admitir que Mahbub entendeu isso muito bem. E estou muito contente por não termos conseguido desviá-lo de sua busca por uma medida crua. Mediante a utilização habilidosa do poder de atração do IDH, Mahbub conseguiu que os leitores se interessassem pela grande categoria de tabelas sistemáticas e pelas análises críticas detalhadas que fazem parte do Relatório de Desenvolvimento Humano. (RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 2010)

Em um primeiro momento o IDH foi considerado radical para a época, no entanto,

hoje é quase que universalmente aceito que o bem-estar de um indivíduo não pode ser

avaliado somente pelo dinheiro. Logicamente que o rendimento é sim fator deveras

importante, haja vista que sem recursos econômicos o progresso é difícil de ser alcançado,

contudo, também deve ser avaliado se as pessoas conseguem ter vidas longas e saudáveis, se

têm oportunidades para receber educação e se são livres para utilizarem os seus conhecimen-

tos (DESENVOLVIMENTO HUMANO E IDH).

O conceito de Desenvolvimento Humano criado por Haq e Sen além de computar o

PIB per capita leva em consideração a longevidade e a educação. A renda é medida pelo PIB

per capita; a educação é mensurada pelo índice de analfabetismo, bem como pela taxa de

matrícula; e a longevidade utiliza números de expectativa de vida ao nascer. Todas estas três

dimensões variam de zero a um (DESENVOLVIMENTO HUMANO E IDH).

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Com o passar dos anos o IDH tornou-se referência mundial e é um dos objetivos de

Desenvolvimento do Milênio das Nações Unidas.12 O conceito de desenvolvimento humano

do PNUD afetou drasticamente uma geração de responsáveis por políticas e especialistas da

área concernente ao desenvolvimento de todo o mundo, pois constituiu uma oportunidade

para rever as realizações e os desafios do desenvolvimento humano aos níveis global e

nacional, como também para fazer análise das suas implicações nas políticas e investigações

futuras (RELATÓRIOS DE DESENVOLVIMENTO HUMANO, s.d.a).

Na questão relacionada ao acesso à justiça, o PNUD parte do princípio de que este é

um direito humano fundamental para garantir o direito ao desenvolvimento.

Tradicionalmente, o conceito de acesso à justiça tem sido limitado a considerar formas,

materiais logísticos e instrumentos que são disponibilizados às pessoas que frequentam o

sistema de justiça como "usuários" (computador, local, comunicações, transporte, etc.).

Entretanto, hoje o acesso à justiça possui um conceito muito mais amplo e envolve, entre

outros aspectos, a obrigação do Estado de proteger e garantir o exercício dos direitos das

pessoas como “titulares de direitos” em condições de igualdade e sem discriminação, baseada

no sexo, raça, etnia, idade, política, ideologia e crenças religiosas, bem como a aplicação da

justiça rápida e completa, situação esta que implica que os detentores de direitos obtenham

uma resolução justa de suas pretensões em um prazo razoável, de maneira imparcial e em

conformidade com os critérios e procedimentos estipulados pela lei (WAGNER, 2007).

A partir do reconhecimento e exigência de direitos, as pessoas gozarão de melhores

possibilidades de acesso à justiça, especialmente os setores mais vulneráveis como mulheres,

crianças, adolescentes, indígenas e famílias de baixa renda (PNUD PARAGUAY, 2007).

Os magistrados são agentes da concretização multidimensional dos direitos humanos,

incumbindo-lhes satisfazer o direito natural correspondente à dignidade da pessoa humana,

porquanto esta é a tarefa a ser realizada diante dos conflitos que lhes são submetidos, devendo

atender a expectativa da sociedade quanto à efetivação da justiça (SAYEG; BALERA, 2011).

Por outro lado, a justiça indiferente e alienada que desconsidera a pessoa humana,

deixando de satisfazer a dignidade do indivíduo é inaceitável, pois afronta a lei universal da

fraternidade quando os direitos humanos não são concretizados (SAYEG; BALERA, 2011).

Torna-se incontestável a relevância da tarefa do Poder Judiciário na aplicação dos

direitos humanos, isto porque, a partir do momento em que a decisão judicial contrariar

referidos direitos, tornar-se-á repulsiva e sórdida e corresponderá materialmente ao nada

12 DESENVOLVIMENTO HUMANO E IDH. Pnud. Disponível em: <http://www.pnud.org.br/idh/>. Acesso em: 28 abr. 2012.

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jurídico por impor obstáculo à satisfação da dignidade da pessoa humana (SAYEG;

BALERA, 2011).

Desta forma, não existe controvérsia em torno da obrigatoriedade do Estado para

promover políticas públicas orientadas a facilitar o acesso à justiça (PNUD, 2005).

Para Amartya Sen, a teoria do desenvolvimento tem como pressupostos as notáveis

mudanças da esfera econômica, mormente quando fora estabelecido o regime democrático

durante o século XX, quando conceitos concernentes aos direitos humanos e liberdade política

fizeram parte da retórica prevalecente (SEN, 2010).

Hodiernamente, as pessoas vivem em média muito mais tempo do que do passado, o

comércio e as comunicações estão mais interligados do que jamais estiveram. Em

contrapartida, o mundo atual também possui inúmeras privações, destituições e opressões,

exemplo disto é a persistência da pobreza, das necessidades mínimas não satisfeitas, da

violação de liberdades básicas, omissão da condição das mulheres, ameaças ao meio

ambiente, problemas na vida econômica e social, etc. Muitas dessas privações podem ser

encontradas tanto em países ricos como em países pobres (SEN, 2010).

Para o economista indiano, o ponto central de todo o processo de desenvolvimento

envolve a superação dos problemas citados alhures, tanto que defende a teoria de que o meio

para combater estes males é por meio do reconhecimento das diferentes formas de liberdade

como um comprometimento social (SEN, 2010).

Destarte, a expansão da liberdade é vista como o principal fim e o principal meio do

desenvolvimento, consistente na eliminação das privações das liberdades. Para Amartya Sen o

objetivo do desenvolvimento se dá pela eficácia de liberdades específicas e na promoção de

outras liberdades, exemplo disto é o fato de que as liberdades econômicas e políticas se

reforçam reciprocamente (SEN, 2010).

Mister salientar que o economista analisa de uma maneira sistemática as atividades

econômicas, sociais e políticas, demonstrando a inter-relação entre as liberdades

instrumentais, quais sejam: oportunidades econômicas, liberdades políticas, facilidades

sociais, garantias de transparência e segurança protetora, conforme será visto a seguir:

(1) As liberdades políticas incluem os direitos civis consistentes nas oportunidades

que os indivíduos têm de escolher quem deve governar; abrange também a possibilidade de

fiscalizar as autoridades, de ter expressão política, de ter uma imprensa sem censura, entre

outros. (2) As facilidades econômicas fundam-se nas oportunidades que os sujeitos têm para

utilizar os recursos econômicos com propósitos de produção, troca ou consumo. (3) As

oportunidades sociais baseiam-se nas disposições nas áreas de educação e saúde. (4) As

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garantias de transparência envolvem as necessidades de sinceridade que as pessoas podem

esperar umas das outras, e possuem um papel de inibidor da corrupção, da irresponsabilidade

financeira e de transações ilícitas. E por fim, (5) a segurança protetora visa impedir que a

população seja reduzida à miséria, incluindo benefícios aos desempregados, distribuição de

alimentos em casos de crises de fome coletiva ou em casos emergência para os necessitados

(SEN, 2010).

De relevância destacar que dentre as liberdades instrumentais citadas acima, o acesso

à justiça está contido nas liberdades políticas, pois esta possui importância direta para a vida

humana associada às capacidades básicas dos indivíduos de participação social (SEN, 2010).

Nesta senda, a liberdade envolve tanto os processos que permitem as ações/decisões,

como também as oportunidades reais que as pessoas têm, observando sempre suas

circunstâncias pessoais e sociais. Conseguintemente, a privação de liberdade pode surgir tanto

por processos inadequados – como, por exemplo, violação do direito ao voto - ou de

oportunidades impróprias que algumas pessoas têm para realizar o mínimo do que gostariam

(SEN, 2010).

As liberdades citadas anteriormente tendem a contribuir para que uma pessoa possa

viver mais livremente, no entanto, também possui efeito de complementar umas às outras.

Logo, a afirmação de que a liberdade não é apenas o objetivo principal do desenvolvimento,

mas também seu principal meio - relaciona-se aos encadeamentos entre os mais diversos tipos

de liberdades, pois ao apresentar inter-relação entre si contribuem para a promoção de outros

tipos de liberdade (SEN, 2010).

O direito ao desenvolvimento foi discutido pela primeira vez nas Nações Unidas como

um direito humano na 33ª Sessão da Comissão de Direitos Humanos em 1977. No entanto,

somente na Assembleia Geral das Nações Unidas em 1986 que fora lançada a “Declaração

sobre o Direito ao Desenvolvimento”, que assevera o seguinte em seu preâmbulo:13

Tendo em mente os propósitos e os princípios da Carta das Nações Unidas relativos à realização da cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e para promover e encorajar o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião; Reconhecendo que o desenvolvimento é um processo econômico, social, cultural e político abrangente, que visa o constante incremento do bem-estar de toda a população e de todos os indivíduos com base em sua participação ativa, livre e significativa no desenvolvimento e na distribuição justa dos benefícios daí resultantes;

13 DECLARAÇÃO SOBRE O DIREITO AO DESENVOLVIMENTO 1985. Dhnet. Disponível em: < http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/spovos/lex170a.htm>. Acesso em: 17 mai. 2012.

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Considerando que sob as disposições da Declaração Universal dos Direitos Humanos todos têm direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e as liberdades consagrados nesta Declaração possam ser plenamente realizados [...] [Grifo nosso]

O texto da Declaração trata-se de um reflexo da relação conjunta das políticas

internacionais da época em que as Nações Unidas procuravam neutralizar as polaridades

Norte/Sul e Leste/Oeste. Esta Declaração pode ser considerada pouco eficaz na perspectiva de

apresentar compromissos internacionais exigíveis, por não haver previsão de sanção em caso

de descumprimento de determinada disposição. Em contrapartida, a Declaração é sim

importante, no sentido de tratar o direito ao desenvolvimento como um direito humano; por

estabelecer sua dimensão coletiva, individual, internacional e interna; e por prever princípios

para a implementação do processo de desenvolvimento (SOUZA, 2010).

Ao passo que a Declaração citada acima visa promover a aproximação do direito ao

desenvolvimento com os direitos humanos, também considera o desenvolvimento como um

sistema em que os direitos humanos devem ser integralizados, se possível, em um único

processo (SOUZA, 2010).

No mesmo norte, a “Declaração e Programa de Ação de Viena da Conferência

Mundial de Direitos Humanos” de 1993 expõe o seguinte acerca do desenvolvimento e

liberdades:14

A democracia, o desenvolvimento e o respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais são conceitos interdependentes que se reforçam mutuamente. A democracia se baseia na vontade livremente expressa pelo povo de determinar seus próprios sistemas políticos, econômicos, sociais e culturais e em sua plena participação em todos os aspectos de suas vidas. Nesse contexto, a promoção e a proteção dos direitos humanos e liberdades fundamentais, em níveis nacional e internacional, devem ser universais e incondicionais. A comunidade internacional deve apoiar o fortalecimento e a promoção da democracia e o desenvolvimento e respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais no mundo inteiro. [grifo nosso]

Tais documentos confirmam o direito ao desenvolvimento como um direito humano,

fazendo com que este se torne um paradigma ético capaz de orientar a ordem internacional

(SOUZA, 2010).

Muito embora a prosperidade econômica contribua para que as pessoas levem uma

vida mais livre e realizada, também o fazem uma maior educação, melhores serviços de

14 DECLARAÇÃO E PROGRAMA DE AÇÃO DE VIENA 1993. Dhnet. Disponível em: < http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/viena/declaracao_viena.htm>. Acesso em: 17 mai. 2012.

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saúde, atenção médica e outros fatores que influenciam casualmente nas liberdades efetivas

das que realmente gozam as pessoas. Estes “desenvolvimentos sociais” devem ser

considerados diretamente como “avanços do desenvolvimento”, haja vista que contribuem

para que as pessoas tenham uma vida mais longa, mais livre e mais proveitosa (SEN, 1998).

Diante do exposto, pode-se entender o direito ao desenvolvimento como um direito

dos indivíduos, da humanidade e dos Estados, o qual possui caráter multidimensional, onde os

aspectos civis, econômicos, sociais, culturais e políticos são indivisíveis e complementares

entre si. O desenvolvimento ainda deve ser considerado um direito humano exigível, por meio

de uma convergência de interesses sob diferentes aspectos. Sua promoção deve ser vista como

dever dos Estados no âmbito interno e internacional, em um contexto de interdependência e

globalização (SOUZA, 2010).

A análise do desenvolvimento deve ser compreendida sistematicamente de acordo com

os papéis das diferentes instituições e suas interações. Amartya Sen busca em sua obra

compreender e investigar a estrutura inter-relacionada, para posteriormente extrair lições para

o desenvolvimento, porquanto a liberdade nada mais é que um conceito inerentemente

multiforme, que envolve considerações sobre processos e oportunidades (SEN, 2010).

Para que haja uma efetividade dos mais diversos tipos de liberdades, não há

necessidade de haver somente a atuação estatal, ou então de organizações, instituições

governamentais, comunitárias, meio de comunicações, mas também é necessário que os

indivíduos utilizem de sua capacidade participativa. Trata-se de uma relação de mão dupla,

pois “ter mais liberdade melhora o potencial das pessoas para cuidar de si mesmas e para

influenciar o mundo”, questões estas - consideradas por Amartya Sen - centrais para o

processo de desenvolvimento (SEN, 2010).

Inúmeros desafios terão de ser enfrentados, mas não de maneira individual (somente

no âmbito doméstico ou internacional), pois um depende da efetiva atuação do outro, e

infelizmente o maior prejudicado das deficiências existentes no sistema judiciário como um

todo é o indivíduo, que fica a mercê de toda a delonga existente, e que mesmo após muito

tempo e custo consegue lograr que o Estado seja condenado, sofrerá por mais um período para

o cumprimento ou descumprimento da sentença proferida no âmbito internacional.

Ressalte-se que tanto o sistema global quanto os sistemas regionais de proteção de

direitos humanos nunca possuirão eficácia por completo, se os países não solucionarem as

deficiências existentes na legislação interna, tais como a ineficácia do poder judiciário e a

inoperância do aparato estatal.

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Ademais, partindo do requisito que para acessar – por exemplo - a Corte Interamericana

de Direitos Humanos é necessário que o indivíduo tenha esgotado todos os recursos no âmbito

doméstico, é possível afirmar, desde logo, que caso o sistema nacional não garanta um efetivo

acesso à justiça - entendido não somente como o direito de petição, mas sim que a tutela jurisdicional seja prestada de forma

efetiva, rápida e sem dilações indevidas - o direito humano fundamental de acesso à justiça ficará

prejudicado perante a Corte de San José.

Deste modo, se existir uma ineficácia do direito humano ao acesso à justiça no âmbito

interno, por consequência tal direito será afetado também na esfera internacional, não

ocorrendo somente a violação de um direito do indivíduo, mas também de todos os demais

bens da vida que ele pode vir a pleitear, bem como o desenvolvimento da sociedade será

prejudicado pela privação desta liberdade individual chamada acesso à justiça.

1.3 O Transconstitucionalismo (Marcelo Neves)

Estabelecidas as premissas relacionadas à evolução histórica dos direitos humanos; a

forma como ocorreu a modificação do conceito de soberania estatal por influência destes

direitos; o modo pelo qual o processo de globalização propiciou um novo olhar sobre o

mundo hodierno; a importância da internacionalização dos direitos humanos e de como o

acesso à justiça no âmbito internacional pode promover o desenvolvimento de uma nação, o

presente tópico visa discorrer acerca do marco teórico escolhido para dar desenvolvimento ao

estudo.

A tese de Marcelo Neves denominada transconstitucionalismo foi publicada em 2009

e aos poucos vem ganhando destaque no cenário constitucional brasileiro. Para tanto o autor

utiliza-se de fundamentos luhmannianos para definir pressupostos teóricos, tal qual de uma

constituição transversal.

Com o processo de globalização, atividades relacionadas à preservação do meio

ambiente, seguridade social, bem-estar econômico e proteção aos direitos humanos passaram

a ter influência dentro do contexto mundial. Esta situação fez com que formas jurídicas,

políticas e organizações humanas transcendessem os limites estatais (HÖFFE, 2005),

possibilitando um olhar para o “outro”, por vezes, baseado na alteridade.

Acerca da alteridade, assim leciona José Querino Tavares Neto:

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A temática da alteridade sempre ocupou lugar privilegiado na problemática do conhecimento. Trata-se da relação que transcende a perspectiva de sujeito cognoscente, que apreende a realidade como objeto cognoscível visto o conhecimento ser, de um lado, condicionado pelo sistema de valores de referência daquele que conhece e sua capacidade cognitiva pelos sentidos; de outro, pela complexidade do objeto que se conhece ou se dá a conhecer [...] O liame passa pela necessidade de considerarmos a alteridade como elemento cimentar para a (re)construção de uma sociedade mais humana (NETO, 2008, p. 67-71)

Os estados nacionais possuem problemas de tal magnitude que surge a exigência de

uma cooperação internacional com o fim de coordenar políticas a nível regional e global

combinadas mutuamente (HABERMAS , 2008).

Este processo de maior interdependência entre os Estados acabou por ocasionar

reflexos no âmbito jurídico, pois a partir do século passado constitucionalistas de diferentes

países começaram a preocupar-se com os novos desafios de um direito constitucional que

transcendeu as fronteiras dos Estados para diversas ordens jurídicas, inclusive aquelas que

não possuem natureza estatal (NEVES, 2009).

Para que houvesse o surgimento da Constituição em sentido moderno, dois problemas

de fundamental importância tiveram de ocorrer: i) as exigências de direitos fundamentais ou

humanos em uma sociedade de ampla heterogeneidade social e ii) controle interno e externo

do poder (NEVES, 2009).

Com a maior integração da sociedade mundial, os dois problemas citados acima

tornaram-se impossíveis de serem tratados por somente uma ordem jurídica, devido ao fato de

serem relevantes para mais de um Estado e ainda para órgãos não estatais que são instados a

oferecer respostas para a sua solução. Tal fato implica na realização de uma relação

transversal entre diversas ordens jurídicas sobre problemas constitucionais comuns (NEVES,

2009).

É a partir deste panorama que é criado o conceito de transconstitucionalismo, o qual

pode ser entendido como uma forma de solução de problemas jurídicos que ocorrem em

diversas ordens jurídicas. Nas palavras de Marcelo Neves (2009, p. XXII): “um problema

transconstitucional implica uma questão que poderá envolver tribunais estatais, internacionais,

supranacionais e transnacionais (arbitrais), assim como instituições jurídicas locais nativas, na

busca de sua solução”.

Referido autor ao tratar acerca desta teoria leva em consideração não somente a

exigência funcional e pretensão normativa de uma racionalidade transversal entre ordens

jurídicas, mas discorre também os aspectos negativos dos ditos “entrelaçamentos

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transconstitucionais”, por exemplo, quando um problema envolver práticas anticonstitucionais

presentes em ordens de Estados tipicamente constitucionais.

À guisa de introdução, ressalte-se que o transconstitucionalismo rejeita o estatalismo,

o internacionalismo, o supranacionalismo, o transnacionalismo, bem como o localismo como

solução dos problemas constitucionais, haja vista a necessidade de existência de “pontes de

transição” para que ocorra de maneira efetiva “conversações constitucionais” entre as diversas

ordens jurídicas, com o consequente rompimento do dilema “monismo/pluralismo.

Nesta senda, destaca-se que a existência de uma pluralidade de ordens jurídicas sob a

égide do transconstitucionalismo implica na relação complementar entre identidade e

alteridade, porquanto as ordens envolvidas na solução do respectivo problema constitucional

acabam por reconstruir sua identidade por meio do entrelaçamento transconstitucional, com

observações recíprocas entre elas (NEVES, 2009).

O intercâmbio e aprendizado recíproco com racionalidades diversas dá-se com os

entrelaçamentos promotores da racionalidade transversal.A devida compreensão desses

pressupostos teóricos é imprescindível para a conceituação de Constituição transversal e

transconstitucionalismo, que supõe não somente acoplamentos estruturais, mas também

entrelaçamentos como “pontes de transição”, pois, caso contrário, permanecerá existente o

constitucionalismo provinciano e autossuficiente (NEVES, 2009).

1.3.1 A constituição transversal do estado constitucional

A Constituição transversal pressupõe que a política e o direito estejam vinculados no

plano reflexivo para que sejam realizadas observações recíprocas. Tem-se de um lado a

Constituição jurídica como uma estrutura de normatização e de outro a Constituição política

como estrutura decisória sobre processos de tomada de decisão coletivamente vinculante. Esta

transversalidade possibilita maior aprendizado para um ou ambos ou sistemas (NEVES,

2009).

Deste modo, a Constituição não deve ser entendida somente como um filtro de

influências recíprocas entre sistemas autônomos, mas sim, como “instância da relação

recíproca e duradoura de aprendizado e intercâmbio de experiências com as racionalidades

particulares já processadas, respectivamente, na política e no direito”. (NEVES, 2009, p. 62).

Por tal motivo, é necessária a ocorrência de entrelaçamentos como “pontes de transição” entre

os sistemas para que possa ser desenvolvida uma racionalidade transversal.

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A comparação constitucional, ou de maneira mais precisa, a comparação dos textos

constitucionais é um meio para o desenvolvimento do Estado constitucional. A comparação

constitucional não deve esgotar no texto, mas sim o constitutional law in the books deve

avançar a um law in public action (NEVES, 2009).

Na sociedade mundial o sistema jurídico é multicêntrico, ou seja, no centro estão os

juízes e tribunais de uma determinada ordem jurídica; deste modo outras ordens jurídicas

acabam por constituir uma periferia. Exemplificando: para o judiciário brasileiro, juízes e

tribunais de outros Estados ou ordens jurídicas internacionais, supranacionais e transnacionais

apresentam-se como periferia e vice-versa. No entanto, esta situação deve importar em

observação mútua, buscando aprendizado recíproco sem definir o primado de uma das ordens

como ultima ratio jurídica (NEVES, 2009).

Mesmo com tais disputas existe a incorporação de normas de outra ordem jurídica sem

a ocorrência de qualquer intermediação de diálogos entre tribunais, somente com a

incorporação de sentidos normativos extraídos de outras ordens jurídicas e muito embora

exista uma multiplicidade de ordens diferenciadas – cada qual com suas próprias normas

jurídicas, atos jurídicos, procedimentos e dogmática – tal situação não implica isolamento

recíproco (NEVES, 2009).

É a partir deste momento que se fala em conversação ou diálogo entre Cortes que

podem ocorrer em vários níveis, tais quais: entre o Tribunal de Justiça das Comunidades

Europeias (supranacional) e os tribunais dos Estados-membros; entre o Tribunal Europeu de

Direitos Humanos (internacional) e as Cortes nacionais, etc. (NEVES, 2009).

Apesar de os chamados “empréstimos constitucionais” não serem novos, todavia é um

assunto bastante debatido. A expressão já demonstra sua significância no sentido de tratar-se

da importação de regras da Constituição de determinado país para a Constituição de outro, no

entanto, o “empréstimo” também pode ocorrer no âmbito jurisprudencial ou ainda na

importação de ideias e teorias constitucionais de modo horizontal (entre ordens nacionais) ou

vertical (ordem jurídica nacional e internacional) (SILVA, 2010).

Segundo Gozaíni, (1998) a jurisdição local deve acompanhar o direito internacional

dos direitos humanos com as disposições internas existentes. Para Flávia Piovesan (2012),

este fortalecimento mútuo entre os sistemas é de extrema importância, haja vista ser possível

identificar quais são as potencialidades e debilidades de cada sistema, para que juntos pensem

em estratégias de aprimoramento constitucional dos Estados e regional dos Sistemas de

Proteção de Direitos Humanos.

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Para Peter Häberle (2003) é necessário que exista uma "sociedade aberta" em que os

direitos fundamentais e humanos remetam não somente ao Estado e seus respectivos cidadãos,

mas também a outros. A concepção de “sociedade” está estritamente vinculada à exegese da

Constituição.

A grande quantidade de número de tratados internacionais e a adesão pelos Estados

demonstra que a realidade nacional busca cada vez mais acompanhar a sociedade em uma

perspectiva internacional. A internacionalização do Direito Constitucional juntamente com a

Constitucionalização do Direito Internacional elucida a necessidade de harmonia normativa e

as novas perspectivas vivenciadas pela sociedade hodierna.

A comunidade internacional tem apoiado o singular fenômeno da generalização do

raciocínio judicial, posto que tende a ser frequente que os tribunais de um país invoquem

considerações de tribunais estrangeiros para fundamentar suas próprias decisões (VALADÉS,

2003).

O trabalho da jurisprudência constitucional implica que onde o texto constitucional de

seu país não alcance, observe comparativamente ao seu redor. Trata-se de um progresso do

Estado por meio do encadeamento de dar e receber de outro país como uma forma de

desenvolvimento (HÄBERLE, 2003).

O método comparativo no tempo e no espaço possui a seguinte tríade: i) textos, ii)

teorias e iii) sentenças constitucionais. A evolução do Estado constitucional forma uma

síntese variável entre a referida tríade, haja vista que, por vezes basta o simples texto de uma

Constituição recente para elucidar certa situação, em outro caso a ajuda pode partir de teorias

e assim sucessivamente (HÄBERLE, 2003).

A forma mais relevante de transversalidade entre ordens jurídicas é a que perpassa os

juízes e tribunais, seja interjudicialmente ou não. Essa dita conversação que perpassa

fronteiras e ordens jurídicas possui como ideia principal a cooperação, no entanto, são

inevitáveis certos conflitos e o próprio potencial de disputa. O maior impasse é encontrado na

forma pela qual se dará a respectiva solução sem que exista a imposição top down na relação

entre ordens, pois não cabe falar de uma estrutura hierárquica entre elas (NEVES, 2009).

Em uma sociedade transnacional, esta interação normativa possibilita maior

comunicação jurídica entre o internacional – global – e o local; esta situação pode ser

entendida como uma relação transnormativa entre o Direito Internacional e Direito Interno

(MENEZES, 2005).

Acerca da transnormatividade Wagner Menezes (2005, p. 203) assevera:

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As regras internacionais passam ora por um processo de transnacionalização, atravessando fronteiras e emergindo nos ordenamentos nacionais, ora por um processo de modelação em foros internacionais, onde essas normas são reproduzidas pelos Estados, alterando, com isso, substancialmente, a relação do Direito Internacional com o Direito Interno. A relação deixa, portanto, de ser dualista ou distante para adquirir cada vez mais uma dimensão transnormativa.

Referido autor aduz que o conceito de transnormatividade, bem como da elaboração

de um Direito Transnacional transforma o cenário atual em razão de ampliar as formas de

interação entre o Direito Internacional e o Direito Interno.

Para que seja possível definir quais as questões constitucionais ensejam o

transconstitucionalismo, é necessário que a visão do direito constitucional estritamente ligado

ao constitucionalismo clássico, isto é, Constituição associada tão somente a determinado

Estado, seja afastada. Isso porque, certos problemas normativos geraram a abertura do

constitucionalismo para além do Estado, exemplo disto, são os problemas relacionados a

direitos humanos ou fundamentais que ultrapassaram fronteiras, tornando o direito

constitucional estatal uma instituição limitada para enfrentá-los e solucioná-los (NEVES,

2009).

A questão primordial do transconstitucionalismo refere-se em precisar quais são os

problemas constitucionais existentes nas diversas ordens jurídicas, e a forma pela qual se dará

soluções fundadas a partir do entrelaçamento entre elas (NEVES, 2009).

Assim, um mesmo problema de direitos fundamentais, por exemplo, pode apresentar-

se perante uma ordem estatal, local, internacional, supranacional e transnacional ou perante

mais de uma dessas ordens, o que implica cooperações e conflitos, exigindo aprendizado

recíproco (NEVES, 2009).

A intenção de enfrentar os problemas constitucionais isoladamente permaneceria

desestruturada, fazendo-se necessário um diálogo transconstitucional de forma eficaz para

estruturar respostas adequadas para problemas constitucionais que surgem na sociedade

mundial hodierna (NEVES, 2009).

Entre os dias 07 a 11 de outubro de 2013 a Corte Interamericana desenvolveu um

painel de discussão no 48 Período Extraordinario de Sesiones15 com o tema Diálogo

jurisprudencial y control de convencionalidad. Una mirada comparada, demonstrando a

pertinência e atualidade da temática acerca do diálogo.

Durante a abertura da discussão o Juiz da Corte Interamericana Eduardo Ferrer Mac-

Gregor aduziu que este é um tema de enorme transcendência tanto para a região latino-

15 Os vídeos da íntegra dos painéis de discussão podem ser encontrados no seguinte link: <http://www.corteidh.or.cr/index.php/es/al-dia/galeria-multimedia>.

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americana quanto para as demais. Ressaltou que o diálogo não se deve reduzir ao diálogo

jurisprudencial16 (transjudicialismo), mas sim nos casos em que as decisões de cortes

constitucionais de outros Estados são invocadas não só como obter dicta, mas como

elementos construtores da ratio decidendi (NEVES, 2009, p. 167).

O resultado das prestações recíprocas a partir da relação transconstitucional impõe o

fechamento da cadeia interna de validação para a construção de norma para cada ordem

jurídica. Assim, a abertura normativa não irá quebrar a consistência interna jurídica, mas sim

como concretização jurídica adequada à pluralidade de ordens envolvidas. A pretensão

“imperialista” de uma das ordens envolvidas em face das outras torna avesso o aprendizado

normativo recíproco para a solução de casos semelhantes (NEVES, 2009).

Danos ambientais, violações a direitos humanos e fundamentais, os efeitos do

comércio, das finanças internacionais e a criminalidade transnacional são apenas alguns

exemplos de casos cotidianos comuns que atingem o nível reflexivo de diversas ordens

constitucionais. Contudo, o problema encontrado está na resposta a ser dada nas ordens

jurídicas envolvidas, a qual deve ser dada conforme o código binário (lícito/ilícito) (NEVES,

2009).

Em outras palavras, a conformidade ou desconformidade ao direito (licitude ou

ilicitude) em relação a um mesmo caso, apresenta-se diferentemente perante uma pluralidade

de ordens jurídicas. Por isto cada qual irá invocar seus critérios para a resolução dos casos e a

tendência é o surgimento de colisões, daí por que a busca de “pontes de transição” é

fundamental. Certamente, essas “pontes” como modelos de entrelaçamentos para uma

racionalidade transversal entre ordens jurídicas não são construídas permanentemente e de

modo estático, pois o transconstitucionalismo possui como característica o dinamismo

(NEVES, 2009).

O relacionamento entre critérios normativos e atos jurídicos para aprendizados

recíprocos é intensamente circular no contexto do transconstitucionalismo da sociedade

mundial, pois a cada novo caso as estruturas das respectivas ordens precisam rearticular-se

consistentemente para possibilitar uma solução complexamente adequada à sociedade, sem

atuar destruindo a ordem concorrente ou cooperadora, mas antes contribuindo para estimulá-

la a estar disposta ao intercâmbio em futuros “encontros” para enfrentamento de casos

comuns (NEVES, 2009).

16 Disponível em: < http://vimeo.com/album/2565106/video/76720365>.

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Logo, a característica maior do transconstitucionalismo entre ordens jurídicas é ser um

constitucionalismo relativo à (soluções de) problemas jurídico-constitucionais que se

apresentam simultaneamente em diversas ordens, por meio da “conversação” constitucional.

Com o entrecruzamento entre ordens jurídicas impera-se a construção de “pontes de

transição” que levem seriamente os problemas constitucionais básicos enfrentados (NEVES,

2009).

Tenha-se em mira, no entanto, que nem sempre as diversas ordens jurídicas estarão

dispostas a colaborar com o transconstitucionalismo, muitas vezes por desconhecer questões

que ultrapassam as fronteiras estatais e por não admitirem que a Constituição em sentido

moderno possui a racionalidade transversal entre direito e política (NEVES, 2009).

Malgrado siga existindo ordens jurídicas que não abrangem o transconstitucionalismo,

seu desenvolvimento não pode ser simplesmente excluído, o importante é que se possa criar

aos poucos uma relação de aprendizado com essas ordens dentro dos limites existentes na

assimetria vivenciada pela sociedade mundial (NEVES, 2009).

Isoladamente, as ordens estatais, internacionais, supranacionais, transnacionais e

locais, são incapazes de oferecer respostas adequadas para os problemas normativos da

sociedade mundial, por isso o transconstitucionalismo parece ser a alternativa mais

promissora para a fortificação de sua dimensão normativa (NEVES, 2009).

O transconstitucionalismo serve de alternativa ao modelo clássico de

constitucionalismo com suas fragilidades para enfrentar aos problemas mundiais não com

perspectivas unilaterais, mas sim com soluções adequadas para os problemas enfrentados

atualmente. É deste modo que se conseguirá, diante de um problema constitucional, abrir

maiores pluralidades de perspectivas para sua solução, adequando-as ao respectivo sistema

jurídico (NEVES, 2009).

Embora o transconstitucionalismo ainda se encontre em um plano ainda limitado da

sociedade mundial, tem-se desenvolvido rapidamente em alguns sistemas jurídicos. Esta

limitação ocorre, mormente pela persistência do provincianismo constitucional do direito

estatal. Não se objetiva aqui sustentar a eliminação de toda a dogmática de determinada

ordem jurídica estatal, mas sim frisar que existem problemas intraestatais de suma relevância

para a sociedade mundial e que a abertura dos problemas às diversas ordens incrementa a

teoria do direito transconstitucional (NEVES, 2009).

Tendo em vista que contemporaneamente a sociedade internacional possibilita uma

maior inter-relação do Direito Internacional com o Direito Interno, ocorre uma transposição

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das normas internacionais a serem aplicadas no âmbito doméstico, fazendo com que o Direito

passe a ter caráter mais universal (MENEZES, 2005).

O Direito do âmbito doméstico ajusta-se às regras internacionais, influenciando o

próprio sistema e ideologia do Estado. Esta situação fica evidente, pois ao passo que antes os

problemas estatais eram discutidos dentro de seu território, hodiernamente estes mesmos

problemas acabam quebrando fronteiras e barreiras e passam a ser discutidos

internacionalmente através de organizações e “também por instrumentos jurídicos de

transposição normativa e acabam sendo absorvidos pelos ordenamentos jurídicos internos

como um direito estatal” (MENEZES, 2005).

1.3.2 Transconstitucionalismo entre direito internacional público e direito estatal

Importante reportar que na relação entre ordens jurídicas internacionais e ordens

jurídicas estatais, frequentemente ocorrem “casos-problemas jurídico-constitucionais cuja

solução interessa, simultaneamente, às diversas ordens envolvidas” (NEVES, 2009, p. 131).

Para buscar uma maior concretude e visualização de situações que envolvam o

transconstitucionalismo não somente no plano teórico, mas sim prático, abaixo serão citados

alguns exemplos de como ocorre este novo modelo constitucional.

Já que os problemas constitucionais passaram a ter relevância simultânea para duas ou

mais ordens jurídicas, afastando-se do modelo provinciano estatalista é que o Tribunal

Constitucional Federal alemão leva em conta as decisões do Tribunal Europeu de Direitos

Humanos (TEDH), porém não está vinculado a elas. Isto significa que a jurisprudência do

TEDH serve como um meio auxiliar para interpretar e delimitar a amplitude dos direitos

fundamentais, desde que não levem à redução ou limitação da proteção dos direitos

fundamentais prescritos na Lei Fundamental. Por tal motivo, caso exista algum tipo de

negação às decisões ou normas do TEDH por parte dos tribunais estatais, estar-se-ia ferindo o

grau de integração europeu. Em razão de a unilateralidade possuir efeitos destrutivos é que a

jurisprudência constitucional alemã invoca o artigo 53 da Convenção Europeia dos Direitos

do Homem (CEDH)17 (NEVES, 2009).

17 Nenhuma das disposições da presente Convenção será interpretada no sentido de limitar ou prejudicar os direitos do homem e as liberdades fundamentais que tiverem sido reconhecidos de acordo com as leis de qualquer Alta Parte Contratante ou de qualquer outra Convenção em que aquela seja parte. In: ORGANIZACIÓN DE LOS ESTADOS AMERICANOS. Convenção europeia de direitos humanos. Disponível em: < http://www.oas.org/es/cidh/expresion/showarticle.asp?artID=536&lID=4>. Acesso em: 24 jan. 2013.

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Diferentemente do Tribunal Constitucional alemão – que busca utilizar a jurisprudência da CEDH

somente como meio auxiliar de interpretação - o Tribunal Constitucional da Áustria entende que as normas

da CEDH têm aplicação imediata no âmbito interno, sustentando que a Convenção integra o

texto constitucional austríaco. Esta posição do Tribunal Austríaco demonstra uma maior

disposição para o diálogo transconstitucional, a qual remonta à Constituição austríaca de

1920. Ainda no âmbito europeu, salienta-se que o Conselho Constitucional francês também

aponta para uma abertura de “conversação” com o Tribunal Europeu de Direitos Humanos

(NEVES, 2009).

De grande relevância destacar que o transconstitucionalismo entre ordem internacional

ou estatal ocorre também no Sistema Interamericano de Direitos Humanos – instituído pela

Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH) - e as Constituições dos Estados-

membros que a ratificaram. A relevância neste caso não envolve simplesmente a imposição

das decisões da Corte aos tribunais nacionais, mas pelo fato de que os Estados reveem sua

jurisprudência à luz das decisões da Corte Interamericana demonstrando o diálogo para as

questões que envolvem a proteção dos direitos humanos (NEVES, 2009).

Na relação entre o Estado Brasileiro e a Corte de San José, destaca-se a colisão entre o

artigo 7º, nº 7 da Convenção Americana18 com o artigo 5º, inciso LXVII19 da Constituição

brasileira. Referida norma brasileira permitia a prisão civil do depositário infiel,20 estando de

encontro com o disposto na Convenção (NEVES, 2009).

Quando o Brasil ratificou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e o Pacto

Internacional dos Direitos Civis e Políticos em 1992, iniciou-se o debate sobre a possibilidade

de revogação da parte final - “depositário infiel” - do inciso LXVII do artigo 5º da

Constituição Federal, bem como de toda a legislação infraconstitucional que possuía

18 “Artículo 7. Derecho a la Libertad Personal [...] 7. Nadie será detenido por deudas. Este principio no limita los mandatos de autoridad judicial competente dictados por incumplimientos de deberes alimentarios”. 19 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel”. 20 Ressalte-se que as legislações mais avançadas em matéria de direitos humanos fazem proibição expressa de qualquer tipo de prisão civil que decorra de descumprimento de obrigações contratual, exceto o caso do alimentante inadimplente. (MENDES, Gilmar Ferreira. A evolução da jurisprudência do STF envolvendo prisão civil do depositário infiel no Brasil: a supralegalidade dos tratados internacionais de direitos humanos. In: BAEZ, Narciso Leandro Xavier, CASSEL, Douglas (org.). A Realização e a Proteção Internacional dos Direitos Humanos Fundamentais. Joaçaba: Editora Unoesc, 2011, p. 56).

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fundamento direto ou indireto sobre a temática. A discussão abrangeu também sobre qual

status constitucional teria os tratados de direitos humanos (MENDES, 2011).

O impasse foi solucionado a partir do julgamento do Recurso Especial (RE)

466.343/SP, do RE 349.703/RS e do Habeas Corpus (HC) 87.585/TO, em que o Supremo

Tribunal Federal decidiu em 3 de dezembro de 2008, por maioria, que os tratados e

convenções sobre direitos humanos, quando não aprovados nos termos procedimentais do art.

5º, §3º, da Constituição Federal, têm hierarquia supralegal (NEVES, 2009), ou seja, não

teriam natureza infraconstitucional diante de seu caráter especial em relação aos demais atos

normativos, e também não poderiam afrontar a Constituição, portanto, teria lugar especial no

ordenamento jurídico para que seu valor não seja subestimado no contexto do sistema de

proteção dos direitos humanos (MENDES, 2011).

Em outra situação, no caso julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos

Yatama vs. Nicarágua, o assunto da lide abrangia à participação democrática de membros da

comunidade indígena que eram filiados ao partido Yatama que acabaram sendo proibidos de

candidatar-se à eleição municipal de 5 de novembro de 2000 pela decisão do Conselho

Supremo Eleitoral da Nicarágua. Em sua sentença, a Corte Interamericana de Direitos

Humanos além de condenar o Estado da Nicarágua a indenizações por danos materiais e

imateriais, determinou que o Estado realizasse reforma de sua lei eleitoral (NEVES, 2009).

Ressalte-se que ainda existem experiências em sentido inverso dos exemplos descritos

acima, como em situações em que a norma internacional de proteção dos direitos humanos

apresenta-se como restrição a direitos fundamentais da Constituição estatal (NEVES, 2009).

Esta colisão ocorre entre a Constituição brasileira e o Estatuto de Roma do Tribunal

Penal Internacional (TPI),21 ratificado pelo Brasil pelo Decreto Legislativo nº 112, de 2002.

Ao passo que o artigo 77, nº 1, alínea b,22

do Estatuto de Roma, prevê a prisão perpétua, esta

pena é proibida conforme o art. 5º, inciso XLVII, alínea b da Constituição Federal brasileira.

Muito embora o Brasil esteja submetido à jurisdição do Tribunal Penal Internacional após a

introdução da Emenda Constitucional nº 45/2004, o diploma brasileiro prevê que a vedação

21

“A competência do Tribunal restringir-se-á aos crimes mais graves, que afetam a comunidade internacional no seu conjunto. Nos termos do presente Estatuto, o Tribunal terá competência para julgar os seguintes crimes: a) O crime de genocídio; b) Crimes contra a humanidade; c) Crimes de guerra; d) O crime de agressão”. In: BRASIL. Estatuto de Roma. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4388.htm>. Acesso em: 13 out. 2014. 22 Artigo 77 - 1. Sem prejuízo do disposto no artigo 110, o Tribunal pode impor à pessoa condenada por um dos crimes previstos no artigo 5o do presente Estatuto uma das seguintes penas: b) Pena de prisão perpétua, se o elevado grau de ilicitude do fato e as condições pessoais do condenado o justificarem.

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de penas de caráter perpétuo trata-se de cláusula pétrea, portanto, não pode ser abolida

(NEVES, 2009).

Diante deste impasse, caso seja imposta uma solução unilateral, certamente não será a

maneira mais adequada para a solução do caso. Por este motivo, a jurisdição constitucional

brasileira realiza a “entrega” do criminoso já condenado pelo Tribunal Penal Internacional ou

do suposto criminoso a ser processado, somente se a pena de prisão perpétua estatuída pelo

Estatuto de Roma seja comutada a uma pena de no máximo 30 anos – pena máxima privativa

de liberdade admitida no Brasil (NEVES, 2009).

Trata-se de uma solução que leva em conta a mediania, sem admitir extremos que

conduz a um aprendizado recíproco entre o TPI e o Estado brasileiro.

Estes exemplos demonstram claramente a necessidade de se superar o

constitucionalismo provinciano para resolução dos problemas constitucionais existentes nos

Estados, pois não somente estes podem equivocar-se com questões constitucionais, mas

também os órgãos internacionais (NEVES, 2009).

Ademais, o diálogo e aprendizado recíprocos podem ser vistos como a melhor saída

para a resolução dos problemas que são apresentados com o desenvolvimento de cada

sociedade.

1.3.3 Transconstitucionalismo entre ordens jurídicas estatais

De maneira mais usual a “conversação” constitucional ocorre entre as Cortes de

diversos Estados no momento em que fazem referência a decisões de Tribunais de outros

Estados. Estas situações fazem com que ideias constitucionais migrem de uma ordem jurídica

para outra, na forma de entrecruzamento de problemas no nível jurisdicional (NEVES, 2009).

A harmonização dos tribunais - mesmo que expressada de modo invisível - é

considerada um modelo eficaz, em razão da troca de informações mútuas e de reuniões

comuns para análise de graus de convergência ou divergência de uma jurisprudência para com

a outra (DELMAS-MARTY , 2004).

A migração de ideias não se refere simplesmente ao “transjudicialismo”, ou seja,

referências recíprocas de decisões entre Tribunais diversos, mas sim, nos casos em que as

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decisões de cortes constitucionais de outros Estados são invocadas não só como obter dicta,23

mas como elementos construtores da ratio decidendi24

(NEVES, 2009).

Os exemplos citados a seguir dão conta da importância de decisões de outras Cortes

por influenciarem concretamente o aprendizado por parte dos Estados.

No ano de 1997 no julgamento do caso Printz v. United States, o Justice Stephen

Breyer, sustentou que a experiência das cortes e dos sistemas jurídicos estrangeiros pode

“lançar uma luz empírica nas consequências de diferentes soluções para um problema jurídico

comum” (NEVES, 2009, p. 168).

Dois anos após, novamente o Justice Breyer no caso Knight v. Florida embora não

tenha admitido o caráter vinculante do direito estrangeiro, citou várias cortes no julgamento

de dois prisioneiros que estavam no corredor da morte por mais de vinte anos (NEVES,

2009).

Por sua vez, a Justice Ruth Bader Ginsburg afirmou durante uma palestra que havia

certa tendência de considerar as decisões estrangeiras como ratio decidendi, mas recentia a

disposição da Suprema Corte dos Estados Unidos para o intercâmbio constitucional (NEVES,

2009).

Neves afirma (2009) que o diálogo entre jurisdições está ocorrendo de forma crescente

em toda parte do mundo e ao invés de alguns serem “doadores” e outros “receptores” do

direito, esta situação transformou-se em diálogo.

Quiçá a Corte Constitucional que está mais aberta ao diálogo transconstitucional seja

Corte sul-africana, posto que o art. 39, nº 1, alíneas b e c, da Constituição da África do Sul

estabelece que qualquer corte ou tribunal africano, ao interpretar a declaração constitucional

de direitos (artigo. 7º a 39), não só “deve considerar o direito internacional” (alínea b), mas

também “pode considerar o direito estrangeiro” (alínea c) (NEVES, 2009).

A Corte sul africana no caso State v. Makwanyane fez referência às decisões do

Tribunal Europeu de Direitos Humanos, Suprema Corte dos Estados Unidos, Suprema Corte

do Canadá, Tribunal Constitucional alemão, Suprema Corte indiana, Tribunal Constitucional

húngaro e do Tribunal de Apelação da Tanzânia, assim como levou em consideração

julgamentos de duas cortes de Estados-membros dos Estados Unidos (Corte da Califórnia e de

Massachussetts). Agiu, portanto, de forma aberta para outras ordens jurídicas e cortes

constitucionais, devendo ser considerada um modelo do transconstitucionalismo (NEVES,

2009).

23 Obter dicta corresponde aos argumentos expostos na decisão como forma de juízos acessórios. 24 Ratio decidendi são os fundamentos jurídicos que sustentam a decisão.

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No entanto, a conversação constitucional não se limita de forma abrangente à África

do Sul, pois entre os anos de 1950 e 2004, 3.629 julgamentos proferidos pela Suprema da

Corte da Índia foram baseados em direito estrangeiro, perfazendo 24,6% do total de suas

decisões. Tribunais também de outros países como Zimbábue, Israel, Nova Zelândia e Irlanda

não utilizam somente o direito estrangeiro como também precedentes de tribunais de outros

países com força de convencimento (NEVES, 2009).

A experiência alemã, bem como de outros tribunais supremos europeus ocidentais

também invocam precedentes de outros Estados em suas decisões, mesmo sendo conhecidos

por terem tradições jurídicas bastante arraigadas (NEVES, 2009).

O Brasil ganhou certo destaque no julgamento do HC 82.424/RS em que o STF

caracterizou como crime de racismo a publicação de livro com conteúdo antissemítico

(negação da existência do holocausto). Durante os votos dos ministros, precedentes,

jurisprudências, bem como dispositivos constitucionais e legislação de estados estrangeiros

foram realizados de maneira mais ampla que a jurisprudência nacional (NEVES, 2009),

conforme pode ser verificado na ementa a seguir colacionada:25

EMENTA: HABEAS CORPUS. PUBLICAÇÃO DE LIVROS: ANTI-SEMITISMO. RACISMO. CRIME IMPRESCRITÍVEL. CONCEITUAÇÃO. ABRANGÊNCIA CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. LIMITES. ORDEM DENEGADA. 1. Escrever, editar, divulgar e comerciar livros "fazendo apologia de idéias preconceituosas e discriminatórias" contra a comunidade judaica (Lei 7716/89, artigo 20, na redação dada pela Lei 8081/90) constitui crime de racismo sujeito às cláusulas de inafiançabilidade e imprescritibilidade (CF, artigo 5º, XLII) [...] 4. Raça e racismo. A divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo meramente político-social. Desse pressuposto origina-se o racismo que, por sua vez, gera a discriminação e o preconceito segregacionista. [...] 6. Adesão do Brasil a tratados e acordos multilaterais, que energicamente repudiam quaisquer discriminações raciais, aí compreendidas as distinções entre os homens por restrições ou preferências oriundas de raça, cor, credo, descendência ou origem nacional ou étnica, inspiradas na pretensa superioridade um povo sobre o outro, de que são exemplos a xenofobia, "negrofobia", "islamafobia" e o anti-semitismo. [...] 9. Direito comparado. A exemplo do Brasil as legislações de países organizados sob a égide do estado moderno de direito democrático igualmente adotam em seu ordenamento legal punições para delitos que estimulem e propaguem segregação racial. Manifestações da Suprema Corte Norte-Americana, da Câmara dos Lordes da Inglaterra e da Corte de Apelação da Califórnia nos Estados Unidos que consagram entendimento que aplicam sanções àqueles que transgridem as regras de boa convivência social com grupos humanos que simbolizem a prática de racismo. (Grifo nosso)

25 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Habeas Corpus n. 82.424/RS. Disponível em: < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=79052>. Acesso em: 23 jan. 2013.

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O transconstitucionalismo no âmbito brasileiro pende para um diálogo com o

constitucionalismo alemão e estadunidense, contudo, é necessário que a invocação frequente

de jurisprudência destes países e de outras ordens jurídicas não acabe por constituir um

“colonialismo” na cultura jurídica brasileira (NEVES, 2009).

Para André de Carvalho Ramos (2011) o Supremo Tribunal Federal raramente abre as

portas para o diálogo especialmente com a Corte Interamericana de Direitos Humanos. O

autor sustenta a necessidade de se realizar um giro copernicano sobre a aplicação dos tratados

internacionais na matéria de direitos humanos, bem como a interpretação que é realizada a

eles na jurisdição internacional. O próximo passo do STF, portanto, deve ser na maior

valorização do Direito Internacional dos Direitos Humanos.

O julgamento da Arguição de descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 153

trata-se do mais recente exemplo de como a interpretação das normas nacionais estão

desconectadas das normas internacionais (RAMOS, 2011). Tal situação será vista mais

detalhadamente no segundo capítulo.

Por conseguinte, importante restar claro que o transconstitucionalismo não envolve

somente à invocação de precedentes jurídico-constitucionais de outras ordens jurídicas, mas

também a avaliação da prática dos juízes e tribunais de outros Estados, tendo como ponto de

partida a abertura do constitucionalismo estatal para outras ordens jurídicas e não a negação

(NEVES, 2009).

1.3.5 Transconstitucionalismo pluridimensional dos direitos humanos

Violações a direitos humanos são problemas que perpassaram todos os tipos de ordens

no sistema jurídico mundial de níveis múltiplos: ordens estatais, internacionais,

supranacionais, transnacionais e locais (NEVES, 2009).

Um dos pontos centrais do constitucionalismo refere-se às diversas interpretações que

podem ser dadas a uma norma jurídica para a resolução de um caso em concreto. Esta

situação faz com que surjam inúmeras controvérsias, sobretudo quando muitas das ordens

normativas do sistema jurídico mundial são avessas à ideia de direitos humanos como direitos

válidos para toda e qualquer pessoa (NEVES, 2009).

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Em meio a este contexto, o transconstitucionalismo pluridimensional dos direitos

humanos corta transversalmente ordens jurídicas diversas, instigando colisões e cooperações

recíprocas (NEVES, 2009).

Em situações que envolvem direitos humanos nem o “modelo de resistência”,

tampouco o de “convergência” mostram-se apropriados para um efetivo

transconstitucionalismo, mas sim o modelo de “articulação”, ou, em outras palavras, o

“entrelaçamento transversal entre ordens jurídicas”, de modo que elas sejam capazes de

aprender com as experiências recíprocas visando a solução dos problemas jurídico

constitucionais A alternativa de “convergência” ou “resistência” carrega elementos potenciais

de autodestruição da própria ordem constitucional ou de heterodestruição de outras ordens

jurídicas (NEVES, 2009).

O transconstitucionalismo na matéria concernente a direitos humanos vai além da

invocação de precedentes e normas de outras ordens jurídicas, pois há casos em que decisões

de tribunais cortam transversalmente ordens jurídicas diversas, com força vinculante

(NEVES, 2009).

Nesta senda, de relevância é a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos,

no julgamento do caso Yanke Axa vs. Paraguai, em que a questão travada era sobre o direito

de propriedade sobre territórios das comunidades indígenas Yakye Axa e Sawhoyamaxa. A

CIDH acabou por desvincular-se do conceito jurídico de propriedade privada, levando em

conta a noção cultural de “propriedade ancestral” das comunidades indígenas sobre os

respectivos territórios, sedimentada historicamente em suas tradições (NEVES, 2009).

A Corte de San José deixou em segundo plano um direito fundamental assegurado

constitucionalmente no plano estatal, e decidiu favoravelmente aos direitos de comunidade

local extraestatal sobre o seu território, para assegurar direitos humanos garantidos no nível

internacional (NEVES, 2009).

Ressalte-se que este entrelaçamento (conforme descrito no exemplo acima) não seria

possível se as diversas ordens jurídicas não estivessem dispostas a ceder para determinadas

questões existentes em outras ordens normativas. No âmbito de um transconstitucionalismo

positivo é necessário o aprendizado recíproco com a experiência do outro, o nativo em sua

autocompreensão (NEVES, 2009).

O transconstitucionalismo, portanto, mostra-se como direito constitucional do futuro

com um grande grau de interdisciplinaridade (NEVES, 2009).

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2. O SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS E A JUSTIÇA

DE TRANSIÇÃO NOS ESTADOS LATINO AMERICANOS

“[…] con su esperanza dura el sur también existe […]”

-- Mauro Benedetti

2.1 A necessidade de (re) pensar a América Latina

Os países da América Latina como um todo construíram suas histórias em uma

dualidade interessante: de um lado, todos possuem colonizações espanholas ou portuguesas, o

que lhes dá certa identidade, e de outro, seus processos históricos de inserção autônoma no

cenário internacional e regional foram o maior motivo para o acirramento de grandes

diferenças (COSTA, 2010).

Com a viagem de Colombo à América, o contato entre dois mundos completamente

distintos alcançou proporções jamais imaginadas. Esta situação pode ser exemplificada na

reação de Colombo ao pisar em terras americanas (12/10/1492), pois ora considerou os

indígenas como “iguais”, mas somente no plano divino (enquanto filhos de Deus); e ora os

considerou como seres inferiores, no momento em que impôs sua vontade por meio da

violência e da autoridade quando os nativos se opunham em dar suas riquezas para os

colonizadores. Com as sucessivas negativas dos indígenas, os seus “descobridores” passaram

a escravizá-los e a utilizar o sistema de encomiendas (envio de um grupo de índios para

trabalhar gratuitamente para os colonos). Segundo José Carlos Moreira da Silva Filho (2012,

p. 347-348) Cristóvão Colombo “pretendeu-se impor ao índio um ‘outro ser’, ou

simplesmente desconsiderá-lo. A propagação da fé e a escravidão: duas faces da mesma

moeda”.

Para demonstrar esta situação e também o extermínio perpetrado pelos europeus, basta

verificar que às vésperas da conquista a população mexicana26 era de aproximadamente 25

milhões, já no ano 1600 a população passou a ser de apenas um milhão. Os números

demonstram o genocídio ocorrido dos povos americanos, não somente físico, mas também

cultural (FILHO, 2012).

26 Os astecas, em que pese toda a sua índole violenta e dominadora, quando subjugavam uma outra cultura, antes de destruir seus livros, estudavam-os e os incorporavam, como se viu no mito e Quetzalcóatl. Não foi o que aconteceu em relação aos europeus com a tradição asteca, que lhes havia sido oferecida como uma homenagem e, em troca, o povo náhuatl foi chacinado e humilhado culturalmente. (FILHO, 2012, p. 371)

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Para buscar uma “libertação” da cultura colonizadora, por volta do século XIX

iniciou-se na América um processo de integração apresentada por Simón Bolívar – militar e

político venezuelano, conhecido como “El Libertador” 27 - o qual pregava a necessidade de independência da

América Espanhola do então Império Espanhol. O movimento foi marcado pela luta pela

liberdade da América Latina iniciado em 1809 com a rebelião de Chuquisaca, na Bolívia, até

1824 com a batalha de Ayacucho, no Peru (GUMUCIO, 2008).

Em razão de a América Latina possuir profundas similaridades históricas e culturais,

existiu a ideia de criação de uma Pátria Grande integrada, sendo que muitos projetos foram

realizados para integrar o continente latino no sentido físico, logístico e culturalmente

(GUMUCIO, 2008).

Bolívar justificava sua luta em 1815 sob o argumento de que os crioulos eram vítimas

da discriminação espanhola e que, portanto, os europeus monopolizaram os principais cargos

da administração colonial. Tal argumento pode ser comprovado no fato de que de 170

virreyes - pessoa que governava um território no lugar do rei, com a mesma autoridade e poderes - tão somente quatro

haviam nascido na América (POZO, 2009).

El libertador propunha a integração da América mirando a seguinte estrutura e

características: 1) existência de um órgão de consulta entre os Estados-membros que deveria

definir uma política externa comum; 2) criação de órgão com poderes para interpretar tratados

para elucidar dúvidas dos Estados-membros; 3) criação de um Juízo Conciliador e Arbitral

para solucionar os litígios existentes entre os Estados; 4) criação de órgão mantenedor,

administrador e controlador que teria de dispor de força armada confederada (OLIVEIRA,

2009).

Vê-se, portanto, que o modelo proposto por Bolívar visava a integração dos territórios

após a independência, além da aproximação política e econômica com a criação de uma zona

de livre comércio (OLIVEIRA, 2009).

Ao ser cessada a possibilidade de recolonização dos Estados latino-americanos e uma

vez enfraquecido o perigo de intervenção por parte das potências europeias, as ideias do

Confederalismo Bolivariano começaram a declinar. A tentativa de integração política dos

Estados passou a ser substituída por ideais mais pragmáticos centrados em uma política de

aproximação gradual e de colaboração entre os Estados para a materialização de certos

objetivos comuns (SANTOS, 2008).

27 Por tal motivo, tornou-se mundialmente respeitado como gênio político, líder e figura mítica dessa época. Além de Simón Bolívar, José de San Martín teve proeminente atuação nas revoluções, outros três patriotas merecem destaque por imaginarem uma pátria americana para os hispanoamericanos, são eles: Miranda, Sucre, O’Higgins e Artigas.

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Exemplo da manifestação deste novo rumo foi a primeira Conferência Internacional

Americana, realizada em Washington entre outubro de 1889 e abril de 189028. Segundo o

Instituto Interamericano de Estudos Jurídicos Internacionais, a Conferência de Washington foi

precursora da OEA:

En esta reunión, a la cual concurrieron delegaciones de todas las repúblicas entonces existentes en América, con excepción de la República Dominicana, nace el Sistema Interamericano y con él la primera expresión de la moderna organización internacional regional. En efecto, por resolución adoptada en la Conferencia el 14 de abril de 1890, se creó la ‘Unión Internacional de las Repúblicas Americanas’, teniendo como órgano permanente la ‘Oficina Comercial de las Repúblicas Americanas’ [...].29

Entre os objetivos da integração sul-americana, destacam-se: a inclusão social,

desenvolvimento humano, sustentável, integral e fortalecimento da governabilidade

democrática (GUMUCIO, 2008). Em que pese exista vários objetivos, alguns problemas

fazem com que a integração tarde a se concretizar, entre eles destacam-se os relativos à

pobreza e à desigualdade.

Diferentemente da Europa, a América Latina não possui tantos problemas culturais

como os lá existentes, tais como: nacionalismo exacerbado, regionalismos e incorporações de

nações muçulmanas a um grupo de tradição cristã. A cultura latina aliou-se à cultura

indígena, africana, sendo que tais situações contribuem demasiadamente para o processo de

integração (GUMUCIO, 2008).

A época colonial da América do Sul marcou o início dos intercâmbios culturais,

comerciais muito embora as conjunturas estivessem sob o domínio do Império inglês. No

entanto, com os recentes processos de globalização, os intercâmbios passaram a ocorrer de

forma mais intensa não somente intracontinentais como com outras regiões do mundo

(GUMUCIO, 2008).

A partir destas premissas, é possível de pronto afirmar que o contexto latino americano

- se examinado sob o viés da colonização – é marcado pela dominação interna e submissão externa de

seus indivíduos (WOLKMER; FAGUNDES, 2013a).

28 As conferências que se seguiram à primeira Conferência procuraram aperfeiçoar as modalidades de cooperação dos Estados participantes, assim como estabelecer mecanismos econômicos que facilitassem o intercâmbio comercial. Foram elas: a) a Conferência do México, em 1901; b) a Conferência do Rio de Janeiro, em 1903; c) a Conferência de Buenos Aires, em 1910; d) a Conferência de Santiago, em 1923; e) a Conferência de Havana, em 1928; f) a Conferência de Montevidéu, em 1933; g) a Conferência de Lima, em 1938; h) a Conferência de Bogotá, em 1948; e i) a Conferência de Caracas, em 1954. 29 INSTITUTO INTERAMERICANO DE ESTUDIOS JURÍDICOS INTERNACIONALES, 1969, p. 433-434.

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Esta situação queda-se evidente desde a superioridade espanhola sobre as culturas

astecas, maias e incas, até a utilização dos europeus da “conquista” da América Latina como

trampolim para obter uma “vantagem comparativa” (DUSSEL, 2003).

O fato é que a América Latina é a região das veias abertas, pois desde seu

“descobrimento” tudo foi transformado em capital europeu, acumulando-se hoje nos centros

de poder (GALEANO, 2002).

Atualmente a América Latina vive uma difícil realidade: problemas relacionados à

pobreza, à marginalização social no sentido de fome, desemprego, déficits educacionais,

carências sanitárias, temor, entre tantos outros. O responsável de grande parte destas

problemáticas é o saque colonialista que ocorre desde explorações econômicas até a violação

das soberanias institucionais (NEUMAN, 1995).

Não é necessário fazer maiores digressões quanto aos perfis localistas, já que a

concepção divide os países centrais e periféricos. Os Estados Unidos, por exemplo, exercem a

liderança de uma “Nova Ordem Internacional” que implica em um regime mundial de

assimetria e interdependência. A perseguição à soberania tanto institucional quanto territorial

é exercida pelo País Central em colaboração com certas instituições, tais como, a ONU e a

OEA (NEUMAN, 1995).

Com o passar dos séculos, os latinos acabaram se acostumando com a herança do

reciclado colonialismo na exploração de matéria prima e importação de produtos elaborados

de todo o tipo. O mesmo ocorreu com as tecnologias, leis e teorias, tendo-se assumido

acriticamente que elas serão úteis para a realidade latino americana (FAJARDO, 2010).

Neste sentido José Carlos Moreira da Silva Filho afirma (2012, p. 341-342):

É certo que as matrizes teóricas utilizadas pelos nossos juristas e operadores provêm do pensamento primeiro-mundista, inclusive o núcleo dos apontamentos críticos para a superação de discursos obsoletos nesta área. Mas também é certo que só aqui, no mundo periférico, estes saberes adquiriram um caráter extremamente peculiar e cruel, implicando uma prática de extermínio em massa e de segregação social em escalas sem precedentes.

A não valorização da América Latina pelos próprios latinos é demonstrada por

Virgílio Afonso da Silva (2010), por exemplo, na maior propensão dos brasileiros a estudos

que vem dos Estados Unidos e da Europa do que dos vizinhos latinos, sendo que esta situação

não ocorre somente no âmbito jurídico, mas também político, social e cultural.

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Este quadro pode ser aferido ainda que empiricamente por meio da mídia,30 pois se

encontram nos jornais brasileiros mais informações sobre o continente europeu do que da

América do Sul. A mesma situação ocorre no meio acadêmico, pois é disponibilizado e

estudado mais autores estadunidenses e europeus do que latinos. Além disto, o número de

publicações a respeito da Corte Europeia é mais expressivo do que publicações sobre a Corte

Interamericana (SILVA, 2010).31

Não se pretende aqui afirmar que seja de todo negativo o estudo de temas,

“importação” de teses, ideias, doutrinas e julgados do norte, pois o diálogo com tais países é

sim de extrema relevância.

No entanto, as teorias elaboradas no Norte foram criadas justamente para analisar as

realidades do Norte e não necessariamente servem para analisar as realidades do Sul. A

sociologia que é estudada e importada pela América Latina por meio das Universidades tem

como centro a Europa, porém estas teorias ignoraram as experiências e saberes que se

produzem no Sul em seus múltiplos contextos, povos e culturas. Esteriotipou-se então como

"inferiores" determinados povos a partir de uma suposta superioridade construída para

legitimar o colonialismo (FAJARDO, 2010).

É dentro deste contexto que Eduardo Galeano (2002, p. 13-14) afirma que inclusive

“perdemos o direito de chamarmo-nos americanos. Agora, a América é, para o mundo, nada

mais do que os Estados Unidos: nós habitamos, no máximo, numa sub-América, numa

América de segunda classe, de nebulosa identificação”.

30 “Na primeira semana de junho de 2009, o maior jornal do país - a Folha de São Paulo - publicou apenas 6 textos sobre a América do Sul, totalizando 1968 palavras. Nessa primeira semana, em 4 dias não houve notícia alguma da região. Apenas para se ter uma idéia do que isso significa, o mesmo jornal publicou, no mesmo período, 10 textos sobre a Inglaterra, totalizando 3818 palavras. Ou seja: sobre um único país europeu, houve praticamente o dobro de conteúdo informativo. Sobre a Coréia do Norte, foram publicados 5 textos, totalizando 1751 palavras, quase o mesmo espaço dedicado, no mesmo período, a todos os países da América do Sul. Dentre as notícias sobre a América do Sul, não havia nenhuma notícia sobre o Chile, o Uruguai, o Paraguai e o Equador”. In: SILVA, Virgilio Afonso da. Integração e diálogo constitucional na América do Sul. In BOGDANDY, Armin Von; PIOVESAN, Flávia; ANTONIAZZI, Mariela Morales (Orgs.). Direitos humanos, democracia e integração jurídica na América do Sul, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 524. 31 “[...] não há pretensões estatísticas. O intuito é apenas apresentar alguns indícios da situação atual da produção acadêmica brasileira. Foram feitas duas pesquisas, ambas na base de dados de periódicos publicados em português (excluídos os artigos publicados em jornais não acadêmicos): a primeira usou como termo de busca "corte interamericana"; a segunda, os termos "tribunal europeu" e "corte européia". Em ambos os casos, a pesquisa não se limitava ao título dos trabalhos, ou seja, abrangia também campos como "assunto". O resultado foi o seguinte: Corte Interamericana – 43 artigos; Tribunal Europeu/Corte Europeia - 54 artigos [...]A produção em nível de pós-graduação de uma das principais faculdades de direito do país - a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - também é sintomática. Uma pesquisa por "Corte Interamericana" no banco de dados de teses dessa faculdade retorna apenas 3 obras”. In: SILVA, Virgilio Afonso da. Integração e diálogo constitucional na América do Sul. In BOGDANDY, Armin Von; PIOVESAN, Flávia; ANTONIAZZI, Mariela Morales (Orgs.) Direitos humanos, democracia e integração jurídica na América do Sul, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 526-527.

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Enrique Dussel (1966) acredita que os pensadores comprometidos com a realidade

latino americana devem indagar sobre a relevância da região na história mundial e

compreender o problema nada recente acerca da identidade cultural. Se os pensadores - sobretudo os latinos – estiverem alheios a esta problemática, seja por ignorância ou por indiferença,

acabarão por manifestar sua alienação ideológica ou europeia.

É necessário, portanto, que exista um reencontro do latino americano com seu próprio

solo cultural, contudo, isto pressupõe o desmascaramento do eurocentrismo na filosofia e

também a desconstrução da história da filosofia desde a perspectiva eurocêntrica

(BEORLEGUI, 2004).

A enfermidade eurocêntrica é aquela que leva a pensar que sua particularidade

demonstra o universal, por onde deverão passar, de um modo ou de outro, todos os povos da

terra. Logo, faz-se necessário ampliar os horizontes e não temer tratar sobre os problemas

próprios da América Latina (DUSSEL, 2007).

Distanciar-se do pensamento eurocêntrico não significa descartar ou ignorar as

possibilidades de emancipação social da modernidade ocidental, denota assumir o nosso

tempo, da América Latina, como um tempo que revela uma característica transicional inédita,

porquanto temos problemas modernos para os quais não há soluções modernas. E muito

embora os problemas modernos referentes à igualdade, liberdade e fraternidade persistam, as

soluções modernas propostas pelo liberalismo e pelo marxismo já não servem mais

(SANTOS, 2010).

Quanto mais tardar para que os indivíduos abram os olhos para este panorama, aos

poucos ocorrerá a extinção da personalidade cultural e os valores humanos constitutivos para

as gerações vindouras (DUSSEL, 1966).

Com base nisto é que se faz necessário realizar um giro descolonizador, insistindo-se

na necessidade de partir de novas bases de reflexão que não sejam meramente imitativas ou

com comentários à filosofia política europeia-americana (DUSSEL, 2007).

Os países latinoamericanos têm o dever de demonstrar que o seu chamado

“subdesenvolvimento” não é mental e que devem integrar-se de modo homogêneo, buscando

defender a idiossincrasia e os interesses da região (NEUMAN, 1995).

Wolkmer e Melo (2013b, 2013c, p. 10) sustentam: “há que se priorizar construções

teóricas e opções metodológicas que reflitam os anseios de nossas próprias experiências

histórico-jurídicas, e que sejam aptas para revelar a originalidade e a identidade do “ser”

latino-americano”. Por conseguinte, o atual desafio para a América Latina está em buscar

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pontos hermenêuticos de complementaridade com o “sistema-mundo”, sem, entretanto, perder

sua identidade.

No âmbito constitucional da América Latina começaram a ocorrer mudanças rumo a

um novo paradigma com a queda dos regimes militares durante a segunda metade da década

de 80. Destaca-se, pois, quatro características formais deste novo constitucionalismo: i) seu

conteúdo inovador <<originalidade>>; ii) amplitude das normas; iii) capacidade de conjugar

elementos tecnicamente complexos com uma linguagem acessível; e iv) o despertar do poder

constituinte perante as mudanças constitucionais (VICIANO PASTOR; MARÍNEZ

DALMAU, 2011).

Entretanto, foi no fim da década de 90 e no transcorrer dos anos 2000 que o

constitucionalismo latino distanciou-se ainda mais do constitucionalismo clássico europeu,

com a criação de facetas na Constituição da Venezuela (1999); Equador (2008) e Bolívia

(2009), ao formarem as bases do Novo Constitucionalismo Latino Americano (NCL) (MELO,

2011).

O constitucionalismo transformador da Bolívia e do Equador foi impulsionado,

sobretudo pelos movimentos indígenas, pelo nacionalismo dos recursos naturais e pela

construção de Estados Plurinacionais (SANTOS, 2010).

O NCL tem como fim priorizar construções teóricas que contemplem as pretensões

histórico-jurídicas da região e não meramente buscar a reprodução da cultura eurocêntrica

repleta de ambiguidades. Esta nova visão do constitucionalismo deriva da identidade sul

americana caracterizada pelas comunidades indígenas e dos povos originários dos Andes, os

quais fazem com que o estereótipo de “inferioridade” dos povos colonizados seja

definitivamente substituído (WOLKMER; MELO, 2013b).

O NCL assumiu sua pluralidade (MELO, 2011) com a apropriação criativa das classes

populares de instrumentos para avançar o marco do Estado liberal e da economia capitalista.

Buscou reconhecer os direitos coletivos das mulheres; dos indígenas e dos afro-descendentes;

a promoção da democracia participativa; reformas legais orientadas para o fim da

discriminação sexual e étnica; o controle nacional dos recursos naturais, entre tantos outros

exemplos que configuram o uso contra hegemônico de instrumentos e instituições

hegemônicas (SANTOS, 2010).

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Exemplificando. As Constituições do Equador e da Bolívia consagram o princípio do

buen vivir32 (Su mak Kawsay ou Suma Qamaña) como paradigma normativo da ordem social

e econômica. A Constituição equatoriana também consagra os direitos da natureza entendida

segundo a cosmovisão andina da Pachamama.33 Tais exemplos definem que o projeto de país

deve orientar-se por caminhos muito distintos dos que conduziram as economias capitalistas

do mundo hodierno (SANTOS, 2010).

Também é possível encontrar o enriquecimento do “patrimônio comum do Direito

Constitucional”, o qual avança exatamente onde o constitucionalismo europeu estagnou (na

proteção ambiental/valorização das diversidades étnicas e culturais) (MELO, 2011).

A refundação do Estado pressupõe um constitucionalismo de novo tipo, distinto do

constitucionalismo moderno que foi concebido pelas elites políticas com o objetivo de

constituir um Estado com características onde as diferenças étnicas, culturais, religiosas ou

regionais não são suprimidas (SANTOS, 2010).

Essa cultura “libertadora” demonstra a real identidade da América Latina com

ideologia pluralista e bolivariana, a qual aos poucos vem desvencilhando-se dos valores

antropocêntricos para fundar-se nas cosmovisões dos povos indígenas (WOLKMER; MELO,

2013b, 2013c). Preocupa-se também com a recepção das convenções internacionais de

direitos humanos e busca critérios de interpretação mais favoráveis para os indivíduos

(VICIANO PASTOR; MARTÍNEZ DALMAU, 2011).

32 Constituição do Equador: “Decidimos construir una nueva forma de convivencia ciudadana, en diversidad y armonía con la naturaleza, para alcanzar el buen vivir, el sumak kawsay”. Disponível em: < http://www.asambleanacional.gov.ec/documentos/constitucion_de_bolsillo.pdf>. Acesso em 15 jan. 2014. Constituição da Bolívia: “Artículo 8. I. El Estado asume y promueve como principios ético-morales de la sociedad plural: ama qhilla, ama llulla, ama suwa (no seas flojo, no seas mentiroso ni seas ladrón), suma qamaña (vivir bien), ñandereko (vida armoniosa), teko kavi (vida buena), ivi maraei (tierra sin mal) y qhapaj ñan (camino o vida noble)”. Disponível em: < http://pdba.georgetown.edu/Constitutions/Bolivia/bolivia09.html>. Acesso em: 15 jan. 2014. 33 Constituição do Equador: “Capítulo séptimo Derechos de la naturaleza: Art. 71.- La naturaleza o Pacha Mama, donde se reproduce y realiza la vida, tiene derecho a que se respete integralmente su existencia y el mantenimiento y regeneración de sus ciclos vitales, estructura, funciones y procesos evolutivos. Toda persona, comunidad, pueblo o nacionalidad podrá exigir a la autoridad pública el cumplimiento de los derechos de la naturaleza. Para aplicar e interpretar estos derechos se observaran los principios establecidos en la Constitución, en lo que proceda. El Estado incentivará a las personas naturales y jurídicas, y a los colectivos, para que protejan la naturaleza, y promoverá el respeto a todos los elementos que forman un ecosistema. Disponível em: < http://www.asambleanacional.gov.ec/documentos/constitucion_de_bolsillo.pdf>. Acesso em 15 jan. 2014. Constituição da Bolívia: “Preámbulo: Cumpliendo el mandato de nuestros pueblos, con la fortaleza de nuestra Pachamama y gracias a Dios, refundamos Bolivia.”. Disponível em: <http://pdba.georgetown.edu/Constitutions/Bolivia/bolivia09.html>. Acesso em: 15 jan. 2014.

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Logo, é necessário, respeitar não somente nossas estruturas político-democráticas,

econômicas, mas principalmente a consciência do nosso povo (DUSSEL, 1973).

Faz-se necessário recomendar ao trabalhador intelectual em ter consigo instrumentos

necessários para o exercício de sua ação, tais como: os idiomas estrangeiros; os métodos

europeus-estadunidenses; o hábito científico respectivo exigente de si mesmo, mas, sobretudo,

transformar a pesquisa da América Latina como um todo sociocultural, a fim de discernir uma

antropologia, uma ciência política, um humanismo que permita aos dirigentes e políticos

construir uma sociedade mais justa e adequada às exigências concretas latinas (DUSSEL,

1973).

Por todos os motivos expostos, um dos objetivos específicos da presente pesquisa é

chamar a atenção para a necessidade de volver la mirada para a América Latina e tê-la como

objeto de preocupação nas pesquisas, com a tentativa de demonstrar a necessidade da maior

valorização do “ser latino americano”.

É imprescindível que aos poucos seja ultrapassada a barreira de inferioridade

intrínseca existente no pensamento dos indivíduos e superar a ideia eurocêntrica e

colonizadora que é imposta há séculos. Em razão do exposto é que o objeto do estudo do

transconstitucionalismo é o Sistema Interamericano e não o Sistema Europeu de Direitos

Humanos.

2.1.1 Sistema Interamericano de Direitos Humanos

Antes de adentrar no estudo acerca da forma e organização do Sistema Interamericano

de Direitos Humanos, mister demonstrar brevemente o contexto histórico da região que

abrange este sistema regional.

Flávia Piovesan (2011) destaca a existência de dois períodos que marcaram o contexto

latinoamericano: i) os regimes ditatoriais e ii) a transição política de tais regimes à

democracia.

O primeiro período que assolara os Estados da região fora marcado por inúmeras

violações de direitos e liberdades, bem como por execuções sumárias, desaparecimentos

forçados, torturas, prisões ilegais, perseguições políticas, abolições de certos tipos de

liberdades, entre outros. Em que pese os países latinos tenham abolido o regime ditatorial, a

problemática hodierna consiste em consolidar o regime democrático com o efetivo respeito

aos direitos humanos, porquanto a região é caracterizada tanto pelo elevado grau de

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desigualdade social, quanto pela cultura de violência e impunidade no âmbito doméstico

(PIOVESAN, 2011).

Os Estados Americanos, em exercício de sua soberania e no âmbito da Organização

dos Estados Americanos (OEA), adotaram uma série de instrumentos internacionais que se

converteram na base de um sistema regional de promoção e proteção dos direitos humanos,

conhecido como o Sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH). Este sistema

reconhece e define estes direitos e estabelece obrigações tendentes a sua promoção e

proteção, criando órgãos destinados a velar por sua observância (CORTE IDH, s.d.a).

Os Estados que reconheceram a competência da Corte são:34 Argentina, Barbados,

Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Guatemala, Haiti,

Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Suriname,

Uruguai e Venezuela35 (CORTE IDH, s.d.a).

Este sistema regional é composto por quatro principais instrumentos: 1) Carta da

Organização dos Estados Americanos (1948); 2) Declaração Americana dos Direitos e

Deveres do Homem (1948); 3) Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969) e 4)

Protocolo Adicional à Convenção Americana em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e

Culturais, conhecido como Protocolo de San Salvador (1988) (MAZZUOLI, 2011).

Possui dois órgãos internacionais de supervisão dos Estados: a Comissão

Interamericana de Direitos Humanos (sede em Washington, D.C.) e a Corte Interamericana de

Direitos Humanos (sede em San José, Costa Rica), os quais serão vistos separadamente a

seguir.

Ressalte-se, no entanto, a importância de explanar acerca da Convenção Americana

de Direitos Humanos, instrumento de maior importância neste sistema.

34 Não obstante a sua importância na consolidação do regime de liberdade individual e de justiça social no Continente Americano, alguns países como os Estados Unidos (que apenas assinou) e o Canadá, ainda não ratificaram a Convenção Americana e, ao que parece, não estão dispostos a fazê-lo. (MAZZUOLI, 2011, p. 21) 35 Cumpre informar que no mês de setembro de 2012 a Venezuela anunciou que deixou a Convenção Americana de Direitos Humanos. A alta comissária da ONU, Navi Pillay, advertiu que esta decisão pode trazer sérios problemas para a proteção dos direitos humanos no país e na região. Pillay considera ainda que esta ação vai de encontro a todas as resoluções adotadas pelo Conselho de Direitos Humanos. Alfredo Romero, diretor da ONG Foro Penal Venezolano, considera que a decisão de Hugo Chávez viola a Constituição Venezuelana, pois nela estão contemplados os direitos inerentes ao ser humano. Desta forma, Chávez acabou por bloquear o acesso das vítimas à Corte Interamericana de Direitos Humanos. Para mais informações acessar: <http://www.conectas.org/midia/conectas-na-midia-ebc>; <http://www.amnesty.org/es/news/ruptura-venezuela-corte-regional-ddhh-afrenta-victimas-2012-09-12>.

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2.1.2 A Convenção Americana sobre Direitos Humanos

No mês de novembro de 1969 foi celebrado em San José na Costa Rica a Conferência

Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos. Nela, os delegados dos Estados

Membros da OEA redigiram a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, a qual entrou

em vigor em 18 de julho de 1978, com o desiderato de salvaguardar os direitos essenciais do

homem no continente americano (CORTE IDH, s.d.b).

As proteções existentes na Convenção Americana são um complemento do direito

interno dos Estados membros, isso significa que os Estados têm competência originária

(primária) para proteger os direitos humanos fundamentais dos indivíduos que estão dentro do

seu território e que, somente na hipótese de falta de amparo ou de proteção muito aquém é

que o SIDH irá atuar no caso em concreto (MAZUOLLI, 2011).

Para atingir sua finalidade no sentido de conhecer as violações aos direitos humanos, a

Convenção implantou dois órgãos competentes para: 1) a Comissão Interamericana de

Direitos Humanos e 2) a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CORTE IDH, s.d.b), as

quais serão estudadas separadamente a seguir.

Entre os direitos encontrados na Convenção destacam-se: direito à vida, direito à

liberdade, direito à liberdade de consciência, religião, pensamento e expressão, direito à

nacionalidade, direito à igualdade perante a lei, direito à proteção judicial, entre outros. Por

conseguinte, o Estado-parte da Convenção possui a obrigação de adotar as medidas legais

para conferir efetividade a estes e outros enunciados alhures (PIOVESAN, 2011).

2.1.2 A Comissão Interamericana de Direitos Humanos

A Comissão Interamericana foi criada na Resolução III da Quinta Reunião de

Consultas de Ministros de Relações Exteriores celebrada em Santiago no Chile em 1959, com

o fim de sanar a carência de órgãos especificamente encarregados de velar pela observância

dos direitos humanos no SIDH. Segundo o artigo 112 da Carta da Organização dos Estados

Americanos, a função primordial da Comissão é a de “promover a observância e a defesa dos

direitos humanos e servir como órgão consultivo da organização nesta matéria” (CORTE

IDH, s.d.a).

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos é constituída por sete membros de

alta autoridade moral e reconhecido saber em direitos humanos; possui como fim precípuo a

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promoção, observância e proteção dos direitos da pessoa humana no continente americano.

(GUERRA, 2011) Os membros são eleitos por um período de quatro anos, podendo ser

reeleitos apenas uma vez. (PIOVESAN, 2011)

Para atingir o fim a que foi criada, cabe à Comissão fazer recomendações aos

governos dos Estados-partes; prever adoção de medidas à proteção dos direitos humanos;

preparar estudos e relatórios; solicitar informações aos governos acerca da efetiva aplicação

da Convenção e ainda submeter um relatório anual à Assembleia Geral da Organização dos

Estados Americanos (PIOVESAN, 2011).

No entanto, uma das principais competências da Comissão é receber e examinar as

petições encaminhadas por indivíduos ou entidade não governamental legalmente conhecida

em um ou mais Estados membros com relatos de violações a direitos humanos previstos na

Convenção Americana, nos termos do artigo 44.36 (MAZZUOLI, 2011).

Cabe aqui ressaltar que diferentemente do que ocorre no sistema europeu, é vedada no

sistema interamericano a possibilidade de a pessoa litigar diretamente à Corte por seus

direitos que foram violados no âmbito doméstico, posto que primeiramente deve-se provocar

a Comissão (GUERRA, 2011).

Deste modo, a Comissão realiza funções de dimensão “quase judicial”, pois recebe

denúncias de particulares ou organizações e examina se estão presentes os requisitos de

admissibilidade da petição, consoante dispõe o artigo 46 da Convenção Americana (CORTE

IDH, s.d.a).

Para que a petição seja admitida pela Comissão, alguns pressupostos devem ser

observados, entre eles: a) devem ter sido esgotados ou interpostos recursos na jurisdição

interna; b) a denúncia deve ser apresentada dentro do prazo de seis meses, a partir da data em

que a suposta vítima tenha sido notificada da decisão definitiva no âmbito doméstico; c) a

matéria da petição não pode estar pendente em outro processo de solução internacional; d) a

petição deve conter o nome, a nacionalidade, a profissão, o domicílio, bem como a assinatura

da(s) pessoa(s) ou do representante legal da entidade que submeter a petição (GUERRA,

2011).

A admissibilidade está vinculada a obrigatoriedade de a parte denunciante relatar se

houve efetivamente o esgotamento dos recursos na jurisdição interna ou alguma das suas

exceções. Esta regra é justificada pelo fato de que o Direito Internacional é subsidiário ao

36 Artigo 44 - Qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou entidade não-governamental legalmente reconhecida em um ou mais Estados-membros da Organização, pode apresentar à Comissão petições que contenham denúncias ou queixas de violação desta Convenção por um Estado-parte.

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direito interno dos Estados, por isso é conferido aos Estados a oportunidade de reparar a

violação de determinado direito causada à vítima, antes de tornar-se parte passiva nas Cortes

Internacionais. Com isto objetiva-se fortalecer o direito interno como um instrumento de

proteção e garantia (GALLI, 2000).

Neste sentido, afirmam Maria Carolina Florentino Lascala e Riva Sobrado de Freitas

(2012, p.100):

Ressalta-se ainda que a proteção internacional dos direitos humanos é complementar e subsidiária, com o principal propósito de suprir lacunas, pois já cabe ao sistema jurídico-normativo nacional a tarefa de promover esta proteção no plano interno.

Por vezes sustenta-se que a regra dos recursos internos tem favorecido certo equilíbrio

entre o direito internacional e a soberania do Estado, contudo, tal regra não é absoluta, haja

vista que em um teste da eficácia dos recursos internos na aplicação da regra em análise das

circunstâncias, tem levado a dispensar a regra do esgotamento – ou a abrandá-la – em

diversos casos. A título exemplificativo, em um caso relativo à República Dominicana no ano

de 1989, a Comissão ressaltou que o Estado-parte deveria fornecer “recursos judiciais

eficazes”. No mesmo ano no Suriname, a Comissão demonstrou que os recursos internos no

país eram inteiramente ineficazes (CANÇADO TRINDADE, 1997).

A partir do momento em que a Comissão recebe a petição ou comunicação, na qual

são apontadas violações aos direitos humanos deverá proceder da seguinte forma:

a) Solicitar informações ao governo do Estado ao qual pertence a autoridade apontada como responsável pela violação alegada, caso seja reconhecida sua admissibilidade; b) Prestadas as informações ou transcorrido o prazo fixado sem que sejam recebidas, verificar se existem motivos da petição; c) Poderá declarar a inadmissibilidade ou improcedência da petição ou comunicação, com base em informações ou provas supervenientes; d) Poderá com o conhecimento das partes e se o expediente não tiver sido arquivado, proceder exame do assunto exposto na petição ou comunicação; e) Poderá pedir aos Estados interessados qualquer informação pertinente e colocar-se à disposição das partes interessadas para se chegar a uma solução amistosa sobre o assunto. (GUERRA, 2011, p. 186)

A Comissão deverá, de maneira amistosa, buscar uma solução para o caso e se lograr

êxito, redigirá um relatório que será encaminhado ao peticionário e ao Estado para depois ser

transmitido para publicação. O relatório deve conter a exposição dos fatos de forma concisa e

da solução que fora alcançada (GUERRA, 2011).

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O trâmite da denúncia perante a Comissão possui em regra menos formalismo jurídico

que os sistemas de justiça nacionais; um exemplo para demonstrar tal fato é que a parte

peticionária não necessita constituir advogado para apresentar uma denúncia de um caso

individual perante a Comissão. Tanto pode ser apresentada pela vítima quanto por algum

familiar ou alguém que a represente (GALLI, 2000).

Se o Estado não solucionar o caso de maneira amistosa, compete à Comissão dirigir

uma petição para a Corte de San José para que seja processado e julgado.

2.1.3 A Corte Interamericana de Direitos Humanos

A Corte Interamericana de Direitos Humanos tem sede em San José na Costa Rica. É

uma instituição judicial autônoma da Organização dos Estados Americanos, cujo objetivo é a

interpretação e aplicação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (conhecida

também como Pacto de San José) e de outros tratados concernentes ao mesmo assunto. A

Corte é um dos três Tribunais regionais de proteção dos direitos humanos juntamente com a

Corte Europeia de Direitos Humanos e a Corte Africana de Direitos Humanos e dos Povos

(CORTE IDH, s.d.a).

A Corte Interamericana foi criada pela Convenção Americana sobre Direitos

Humanos, adotada na conferência especializada reunida em San José - Costa Rica em 1969. A

Convenção entrou em vigor em 1978 e a Corte iniciou suas funções em 1979. (CORTE IDH,

s.d.a) A primeira opinião consultiva foi realizada em 1980 e somente sete anos mais tarde foi

emitida a primeira sentença (MAZZUOLI, 2011).

É composta por sete juízes37 nacionais de Estados membros da OEA eleitos pelos

Estados partes da Convenção e possui essencialmente duas funções: consultiva e contenciosa

(PIOVESAN, 2011).

A função consultiva retrata que qualquer membro da OEA, seja parte ou não da

Convenção, pode solicitar o parecer da Corte a situações de interpretação da Convenção ou de

outro tratado com tema concernente à proteção dos direitos humanos que seja aplicável aos

Estados americanos38 (PIOVESAN, 2011).

37 Roberto F. Caldas; Humberto Antonio Sierra Porto; Manuel E. Ventura Robles; Eduardo Vio Grossi; Diego García-Sayán; Alberto Pérez Pérez e Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot. Disponível em: <http://www.corteidh.or.cr/index.php/es/acerca-de/composicion>. Acesso em: 05 set. 2014. 38

Dentre os pareceres emitidos pela Corte, destaca-se um que fora realizado pelo México, em que a Corte considerou que quando um Estado não notifica o preso estrangeiro de seu direito à assistência consular, há uma

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A função contenciosa trata do mecanismo pelo qual a Corte determina se um Estado

incorreu em responsabilidade internacional por ter violado algum dos direitos consagrados ou

estipulados na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CORTE IDH, s.d.a).

Na hipótese de a Corte reconhecer a ocorrência da violação, determinará quais

medidas serão tomadas para a restauração do direito violado e ainda pode condenar o Estado a

uma justa compensação à vítima (PIOVESAN, 2011).

As decisões são definitivas, inapeláveis e obrigatórias para os Estados que

reconheceram a competência contenciosa da Corte de San José por se tratar de um tribunal

internacional supranacional (MAZZUOLI, 2011).

Cabe também à Corte realizar o controle de convencionalidade39 (RAMOS, 2011). De

acordo com Humberto Nogueira Alcalá (2012) o controle de convencionalidade concentrado

constitui um mecanismo utilizado pela Corte Interamericana em sede contenciosa ou

consultiva, por meio do qual determina a compatibilidade ou incompatibilidade do direito

interno ou dos atos de agentes de um Estado parte com o direito e jurisprudência

internacional. A sentença da Corte ordena o Estado a modificar, suprimir ou derrogar normas

de direito interno e práticas contrárias aos direitos e garantias existentes na Convenção

Americana sobre Direitos Humanos e os tratados complementares do sistema (corpus iuris

interamericano).

A necessidade do controle de convencionalidade nacional é afirmado pela Corte

Interamericana em grande número de casos, por exemplo: La Cantuta (2006), Boyce vs.

Barbados (2007); Fermín Ramírez e Raxcacó Reyes (2008), Heliodoro Portugal (2008),

Manuel Cepeda Vargas (2010); Comunidad Indígena Xákmok Kásek (2010), Rosendo Cantú

(2010), Ibsen Cárdenas y otro (2010), Gomes Lund (2010); Cabrera Garcia-Montiel Flores

(2010). Esta multiplicidade de sentenças permite aferir a existência de um direito processual

transnacional consuetudinário, afirmativo do controle de convencionalidade no Sistema

Interamericano (SAGUËS, 2011).

Em rigor, a obrigação dos juízes locais de não aplicar o direito doméstico oposto ao

Pacto de San José ou à jurisprudência da Corte IDH não emerge de nenhum artigo da

Convenção. Os Estados, segundo o Pacto, somente se comprometeram a cumprir as sentenças

proferidas pela Corte nos processos em que sejam parte (artigo 69), no entanto, trata-se de

violação do direito ao devido processo legal. O Estado mexicano embasou seu pedido devido aos vários casos de presos mexicanos condenados à pena de morte nos Estados Unidos. (PIOVESAN, 2011, p. 137-138 e 140) 39 Já internamente, o STF e os juízos locais devem também zelar pelo cumprimento dos dispositivos convencionais e expurgar as normas internas que conflitem com as normas internacionais de direitos humanos. (In RAMOS, André de Carvalho. Crimes da ditadura militar: a ADPF 153 e a Corte Interamericana de Direitos Humanos, p. 177).

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uma interpretação mutativa por adição feita pela Corte com o objetivo de fortalecer o Sistema

Interamericano, incluindo a autoridade da própria Corte (SAGUËS, 2011).

Para o direito internacional, os atos internos são expressões da vontade do Estado, no

entanto, tais atos têm de ser compatíveis com a ordem internacional, sob pena de o Estado ser

responsabilizado internacionalmente. Deste modo, não pode o Estado descumprir determinada

obrigação internacional utilizando a justificativa de que o ordenamento jurídico doméstico

não permite. Caso assim o faça, pode ser coagido a reparar os danos causados (RAMOS,

2011).

Exemplificando, se o Brasil sofrer uma condenação perante a Corte Interamericana de

Direitos Humanos e, após a sentença, não cumprir suas obrigações sustentando que a norma

constitucional ou o entendimento jurisprudencial brasileiro assim não permite; para o direito

internacional tal justificativa é inócua e o Estado será responsabilizado novamente no âmbito

internacional pela violação da obrigação de cumprir em boa-fé seus compromissos, de acordo

com o disposto no artigo 63 da Convenção Americana de Direitos Humanos40 (RAMOS,

2011).

Por fim, necessário ressaltar que quando Corte de San José profere sentença

condenatória em face do Estado brasileiro, não há necessidade de a sentença internacional ser

homologada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), isso porque, a necessidade de

homologação refere-se às sentenças estrangeiras oriundas de Estado estrangeiro e não de

organização internacional – como é o caso da Corte Interamericana.

2.2 O reconhecimento da jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos e o status dos tratados internacionais no ordenamento jurídico brasileiro

O Brasil ratificou a Convenção Americana de Direitos Humanos em 1992 com o

processo de redemocratização do país, no entanto, o pedido de aprovação do reconhecimento

da jurisdição obrigatória da Corte de San José fora encaminhada ao Congresso somente em

08.09.1998. Neste mesmo ano o Brasil enviou nota ao Secretário-Geral da OEA reconhecendo

a jurisdição obrigatória da Corte Interamericana (RAMOS, 2011).

40 Artigo 63 - 1. Quando decidir que houve violação de um direito ou liberdade protegidos nesta Convenção, a Corte determinará que se assegure ao prejudicado o gozo do seu direito ou liberdade violados. Determinará também, se isso for procedente, que sejam reparadas as consequências da medida ou situação que haja configurado a violação desses direitos, bem como o pagamento de indenização justa à parte lesada.

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No que concerne ao status dos tratados internacionais no ordenamento jurídico

brasileiro, faz-se necessário salientar que no julgamento do HC 79.785/RJ o STF decidiu que

os tratados de direitos humanos que não forem aprovados pelo Congresso Nacional no rito

especial ditado pelo artigo 5º, §3º da Constituição Federal41 possui natureza supralegal, ou

seja, estão abaixo da Constituição, mas acima de toda e qualquer lei. De modo contrário, caso

o tratado tenha sido aprovado segundo o rito especial, ele será equivalente à emenda

constitucional.

2.2.1 Conflito entre as decisões da Corte de San José e o Supremo Tribunal Federal

É cediço que o STF é guardião da Constituição brasileira e, consequentemente dos

direitos fundamentais nela positivados. Já a Corte Interamericana é guardiã da Convenção

Americana (Pacto de San José) no âmbito no Sistema Interamericano e, consequentemente

dos direitos humanos nela positivados. Portanto, ambos têm o dever de proteção dos direitos

humanos fundamentais.

Deste modo, indaga-se: quando não há uma harmonia de entendimentos entre a Corte

nacional e a internacional, como o conflito pode ser resolvido?

Para André de Carvalho Ramos (2011) não há conflito insolúvel, posto que ambos os

tribunais têm a incumbência de proteger os direitos humanos, os conflitos seriam meramente

aparentes.

Referido autor (2011) propõe dois instrumentos para combater este conflito. O

primeiro trata-se exatamente do diálogo que deve existir entre as cortes, de modo a existir

uma fertilização cruzada entre os tribunais. No entanto, caso este diálogo seja ausente ou

insuficiente, propõe a aplicação da teoria do “duplo controle” ou “crivo de direitos humanos”:

Reconhece a atuação em separado do controle de constitucionalidade (STF e juízos nacionais) e do controle de convencionalidade (Corte de San José e outros órgãos de direitos humanos no plano internacional). Os direitos humanos, então, no Brasil possuem uma dupla garantia: o controle de constitucionalidade nacional e o controle de convencionalidade internacional. [...] Esse duplo controle parte da constatação de uma verdadeira separação de atuações, na qual inexistiria conflito real entre as decisões porque cada Tribunal age em esferas distintas e com fundamentos diversos. [...] De um lado o STF, que é o guardião da Constituição e exerce o controle de constitucionalidade. Por exemplo, na ADPF 153 (controle abstrato de

41 Artigo 5º, §3º: Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

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constitucionalidade), a maioria dos votos decidiu que a anistia aos agentes da ditadura militar é a interpretação adequada da Lei da Anistia e esse formato amplo de anistia é que foi recepcionado pela nova ordem constitucional. De outro lado, a Corte de San José é a guardião da Convenção Americana de Direitos Humanos e dos tratados de direitos humanos que possam ser conexos. Exerce, então, o controle de convencionalidade. Para a Corte Interamericana, a Lei da Anistia não é passível de ser invocada pelos agentes da ditadura. [...] Com base nessa separação, vê-se que é possível dirimir o conflito aparente entre uma decisão do STF e da Corte de Santa José. No caso da ADPF 153 houve o controle de constitucionalidade. No caso Gomes Lund, houve o controle de convencionalidade. A anistia aos agentes da ditadura, para subsistir, deveria ter sobrevivido intacta aos dois controles, mas só passou [...] por um, o controle de constitucionalidade. Foi destroçada no controle de convencionalidade. [...] teses defensivas não convenceram o controle de convencionalidade e dada a aceitação constitucional da internacionalização dos direitos humanos, não podem ser aplicadas internamente. (RAMOS, 2011, p. 217-218)

Ademais, retorna-se ao que foi dito no tópico sobre o transconstitucionalismo acerca

da necessidade da interpretação não ser nacionalista e alheia aos parâmetros internacionais,

pois assim, estar-se-ia negando a fundamentalidade dos direitos humanos e tornando os

tratados internacionais em documentos meramente retóricos (RAMOS, 2011).

2.3 Perfil dos casos submetidos à Corte Interamericana de Direitos Humanos

Esclarecidas as funções da Comissão e da Corte Interamericana, vislumbrou-se

verificar quais os problemas de violações de direitos humanos mais comuns julgados pela

Corte, com o objetivo de traçar um perfil para, ulteriormente, fazer análise das sentenças.

Prisões arbitrárias, desaparecimentos forçados, execuções sumárias, torturas,

genocídios, abusos sexuais e censura são apenas alguns exemplos do cenário vivido nos

países latino americanos durante o século XX.

Já fora afirmado alhures que Flávia Piovesan (2011) ressalta dois períodos marcantes

no contexto histórico latino-americano: i) os regimes ditatoriais e ii) a transição política de

tais regimes à democracia. As crises manifestadas na América Latina durante as décadas de

70 e 80 nada mais são do que resquícios de crises vivenciadas em outros continentes, (LEAL,

1997), pois durante este período vários países foram governados por militares, os quais

usurparam o poder e buscaram eliminar a subversão esquerdista com o fim de restabelecer a

“ordem” em seus respectivos territórios (MEZAROBBA, 2010).

Se a história confirma que um dos pontos em comum de violações a direitos humanos

vivenciado nesta região diz respeito ao período ditatorial, tornou-se imperioso saber se o

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perfil dos casos propostos e julgados pela Corte Interamericana condizem com o que a

história até então demonstra.

Até o dia 10 de outubro de 2013 foi realizada análise de 153 sentenças de mérito

julgadas pela Corte. Verificou-se que há certa variedade temática de casos propostos nos 25

anos de sua existência, aqui destacam-se as principais questões: i) direito de propriedade;42ii)

massacres/conflitos armados;43iii) tortura e detenção arbitrária;44

iv)omissão das garantias no

processo judicial;45v) fertilização in vitro;46

vi) violação à liberdade de

pensamento/expressão/consciência/religião;47vii) omissão estatal na investigação de crimes;48

viii) discriminação na vida privada e familiar,49 ix) interceptação ilegal de linhas telefônicas;50

x) condições inumanas e degradantes em internação em hospital/falta atenção médica,51xi)

sobre pena de morte52, etc.

Entretanto, de uma forma muito mais expressiva encontrou-se condenações de crimes

que envolvem, sobretudo, o desaparecimento forçado cometido pela polícia/exército durante a

ditadura militar e a transição democrática dos Estados (29 casos – condenações contra

Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Paraguai,

Peru, República Dominicana e Venezuela).

Outra questão relevante dentro desta temática também diz respeito à invalidação das

leis de anistia em detrimento do direito à justiça e à verdade,53

42

Cf Caso Pueblo Indígena Kichwa de Sarayaku vs. Ecuador; Caso Salvador Chiriboga vs. Ecuador; Caso de la Comunidad Mayagna (Sumo) AwasTingni vs. Nicaragua; Caso Comunidad Indígena Yakye Axa vs. Paraguay; Caso Comunidad Indígena XákmokKásek vs. Paraguay; Caso del Pueblo Saramaka vs. Surinam. 43

Cf Caso Masacres de Río Negro vs. Guatemala; Caso Masacre de las Dos Erres vs. Guatemala; Caso Masacre Plan de Sánchez vs. Guatemala; Caso de la Comunidad Moiwana vs. Surinam. 44

Cf Caso Tibi vs. Ecuador; Caso Fleury y Otros vs. Haití; Caso YvonNeptune vs. Haití; Caso Juan Humberto Sánchez vs. Honduras; Caso López Álvarez vs. Honduras; Caso Cabrera García y Montiel Flores vs. México; Caso Vélez Loor vs. Panamá; entre outros. 45

Cf Caso Acosta Calderón vs. Ecuador; Caso Suárez Rosero vs. Ecuador; Caso Maritza Urrutia vs. Guatemala; Caso Castillo Petruzzi y Otros vs. Perú; Caso Barreto Leiva vs. Venezuela. 46

Cf Caso Artavia Murillo y otros (Fertilización in vitro) Vs. Costa Rica. 47

Cf Caso La Última Tentación de Cristo (Olmedo Bustos y otros) vs. Chile; Caso IvcherBronstein vs. Perú; Caso Palamara Iribarne vs. Chile. 48

Cf Caso López Álvarez vs. Honduras; Caso Kawas Fernández vs. Honduras; Caso González y Otras (Campo Algodonero) vs. México; Caso Fernández Ortega y Otros vs. México; Caso Radilla Pacheco vs. Estados Unidos Mexicanos; Caso Rosendo Cantú y Otra vs. México; Caso Genie Lacayo vs. Nicaragua; entre outros. 49

Cf Caso Servellón García y Otros vs. Honduras. 50

Cf Caso Escher y Otros vs. Brasil; Caso Tristán Donoso vs. Panamá. 51

Cf Caso XimenesLopes vs. Brasil; Caso Vera Vera y Otra vs. Ecuador. 52

Cf Caso Boyce y Otros vs. Barbados; Caso Fermín Ramírez vs. Guatemala; Caso Raxcacó Reyes vs. Guatemala; Caso Hilaire, Constantine y Benjamin y otros Vs. Trinidad y Tobago. 53 Nesta direção, destacam-se: a) sentença da Corte Suprema de Justiça do Chile de 24 de setembro de 2009; b) sentença do Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela de 10 de agosto de 2007 (sustentando a tese de que o desaparecimento forçado de pessoas é delito permanente, sendo exceção ao princípio da irretroatividade da lei penal, merecendo observância as obrigações dos Estados concernentes aos tratados de direitos humanos, ainda que inexista legislação interna sobre a matéria); c) sentença da Corte Suprema de Justiça do Paraguai de 05 de maio de 2008; d) sentença da Corte Suprema de Justiça da Argentina de 02 de novembro de 1995 (apontando às

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Uma vez identificado o perfil dos casos julgados pela Corte de San José, vislumbra-se

analisar se o diálogo pode ser encarado como uma alternativa ao modelo clássico de

constitucionalismo para o enfrentamento e resolução de problemas comuns, bem como

analisar o impacto da jurisprudência da Corte Interamericana no âmbito doméstico dos

Estados.

Para tanto, foram selecionadas oito sentenças da Corte IDH relativas ao julgamento de

fatos ocorridos durante a ditadura militar de diferentes Estados, os quais serão analisados no

terceiro capítulo.

2.3.1 Ponto em comum – Ditadura Militar na América latina e seus períodos históricos

Verificando-se que desde a época da colonização a América Latina possui inúmeras

similitudes históricas e culturais, outro “ponto em comum” vivenciado pela região ocorreu nas

décadas de 1960 e 1980, o qual configurou um terrorismo de grande escala (PADRÓS, 2009).

Segundo Caggiola (2011, p. 09): “as consequências desse período são sentidas até hoje

[...] A principal delas foi a eliminação, pela repressão, de boa parte ou, em alguns países, da

maioria das lideranças políticas de esquerda – ou simplesmente progressistas, sindicais,

estudantis e intelectuais”.

Os interesses dos Estados Unidos (EUA) e dos aliados internos na região, somado à

expansão particular do capitalismo desde o fim da 2ª Guerra Mundial produziram um efeito

desagregador nas estruturas sociais e o esgotamento de algumas economias. A doutrina de

segurança nacional (DSN) implantada na região durante a ditadura militar também estimulou

políticas de privatizações, desnacionalizações, abertura das economias nacionais aos grandes

monopólios internacionais e de endividamento externo (PADRÓS, 2009).

As tensões sociais estiveram presentes dentro no contexto da Guerra Fria pelo impacto

da Revolução Cubana. Este panorama mundial fez com que setores dominantes

desenvolvessem uma percepção de insegurança a partir da ameaça do "comunismo

internacional". Os valores defendidos por estes setores abrangiam a democracia, os cristãos e

os ocidentais, e, do outro lado, existia os valores do ateísmo, marxismo e do totalitarismo

(PADRÓS, 2009).

De modo interessante Caggiola (2011, p. 09-10) descreve parte do contexto:

consequências do “jus cogens” em relação aos crimes contra a humanidade). In PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e diálogo entre jurisdições. Revista Brasileira de Direito Constitucional – RBDC, n. 19 – jan./jun, p. 67-93, 2012.

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A história desse período, em geral e em cada país, ainda está para ser feita, embora já existam sobre ele numerosos livros de denúncia, análises e reportagens jornalísticas de fôlego, filmes, romances e peças teatrais. Parece que os historiadores paralisaram diante do que, às vezes, torna-se indescritível. Algo semelhante aconteceu com o holocausto judeu durante a Segunda Guerra Mundial: as análises históricas de conjunto, as que realmente revelaram a trama de interesses, contradições e até cumplicidades existentes estiveram de esperar mais de três décadas depois do fim dos acontecimentos, quando a maioria dos responsáveis diretos ou indiretos já estava morta ou praticamente esquecida.

Quiçá seja por esta situação que poucas bibliografias são encontradas sobre a temática.

As rupturas e os enfrentamentos internos que tomaram conta da América Latina

durante as décadas de 1970, 1980 e 1990 deixaram feridas profundas que, todavia não

cicatrizaram. O impacto das ditaduras e os conflitos internos repercutiram negativamente em

vários âmbitos: político, social, econômico e jurídico (CANTON, 2011).

A seguir será analisada brevemente a história ditatorial de alguns países da América

Latina, buscando identificar, por conseguinte, suas similitudes.

2.3.2 Argentina: 1976-1983

“Es porque soy tan testaruda que todavía insisto en cambiar el mundo”

-- Mercedes Sosa

“Yo vengo a ofrecer mi corazon, mi corazón latinoamericano”

-- Mercedes Sosa

Por volta da década de 1970 a Argentina passou por uma violência política

generalizada, no entanto, fora em 24 de março de 1976 que as forças armadas derrubaram o

governo de Isabel Martínez de Perón por meio do documento chamado Acta para el proceso

de reorganización nacional. A partir deste documento o Congresso Nacional, as legislaturas

provinciais e os governos municipais foram dissolvidos; ocorreu a remoção dos membros da

Corte Suprema de Justiça da Nação; suspensas as atividades políticas e as atividades de

trabalhadores e empresários (PARENTI; PELLEGRINI, 2009).

O processo de reorganização nacional fez com que grande parte da população

argentina fosse eliminada, exemplo disto são as estimativas feitas pelo Centro de Estudos

Legais e Sociais (CELS), as quais informam que o número de pessoas assassinadas chegou a

10 mil e cerca de 2,5 milhões de argentinos (10% da população de 1976) foram exilados na

tentativa de fugir das repressões (CAGGIOLA, 2011).

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O governo militar anunciou entre seus propósitos restituir os valores essenciais que

servem de fundamento para a condução integração do Estado, enfatizando o sentido de

moralidade, idoneidade e eficiência; erradicar a subversão e promover o desenvolvimento

econômico da vida nacional com o objetivo de assegurar a posterior instauração de uma

democracia adequada à realidade e exigências de solução e progresso do povo Argentino

(PARENTI; PELLEGRINI, 2009).

Entre 1976 e 1983 funcionaram na Argentina 362 campos de concentração, locais

onde passaram mais de 30 mil pessoas, entre ativistas, opositores ou simples testemunhas

incômodas dos sequestros que eram realizados diariamente. A grande maioria destas pessoas

nunca mais foi encontrada (CAGGIOLA, 2011).

Nas palavras de Caggiola (2011, p. 59):

A tortura chegou a níveis tão elevados, que o temor a ela era mais forte nos militantes resistentes do que o medo de morrer: a patológica reação dos “montoneros” remanescentes, por exemplo, foi viver permanentemente com uma cápsula de cianureto na boca, para engoli-la e morrer rapidamente caso estivessem na iminência de ser detidos.

A ditadura militar argentina chegou ao fim em 1983 em meio a um grande desprestígio

social em decorrência das violações aos direitos humanos; pela crise econômica e também por

conta da derrota à Grã Bretanha na guerra pelas ilhas Malvinas em 1982 (PARENTI;

PELLEGRINI, 2009).

Com a queda do regime militar vislumbrou-se uma reação penal aos crimes cometidos

separadas em fases: 1ª fase – “persecução penal limitada”: neste momento foram anuladas as

autoanistias e foi organizada a persecução penal definida pelo governo do presidente Raúl

Alfonsín; 2ª fase – “etapa da impunidade” – tentava impedir o cumprimento das condenações;

3ª fase – “superação da impunidade” – as investigações passaram a tramitar no judiciário

(PARENTI; PELLEGRINI, 2009).

É possível afirmar que o surgimento de normas de direito penal internacional e o

advento do direito internacional dos direitos humanos fizeram com que as normas de

invalidação de impunidade tomassem o cenário para a afirmação da imprescritibilidade das

ações penais dos delitos cometidos durante a ditadura (PARENTI; PELLEGRINI, 2009).

Também foi criada uma comissão com o desiderato de investigar os crimes cometidos.

Enquanto alguns setores sustentavam a necessidade de uma comissão parlamentária, o então

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Presidente Alfonsín argumentava que deveria ser criada uma Comissão Nacional sobre o

Desaparecimento de Pessoas (CONADEP)54 (PARENTI; PELLEGRINI, 2009).

A luta contra as atrocidades cometidas durante o período ditatorial argentino fez surgir

algumas associações, no princípio, 14 mulheres tornaram a público o desaparecimento de seus

filhos pelo terrorismo cometido pelo Estado argentino. A associação ficou conhecida como

Madres de la Plaza de Mayo e posteriormente surgiram as Abuelas de Plaza de Mayo e a

associação Hijos por la identidad, por la justicia contra el olvido y el silencio de Argentina.

Tais associações realizam denúncias dos governos militares; visam a reconstrução da

verdade; a reparação das violações e o fim da impunidade. Os movimentos são realizados em

espaços públicos justamente para ganhar maior visibilidade das autoridades (CAGGIOLA,

2011).

2.3.3 Bolívia: 1964-1982

O golpe de Estado ocorrido na Bolívia foi encabeçado pelo General René Barrientos

(Vice Presidente da República do Dr. Víctor Paz Estensoro) em 04 de novembro de 1964.

Este golpe de Estado marcou não somente um período de submissão da economia boliviana

aos interesses do capital estrangeiro, mas também pela repressão ao movimento trabalhista e

democrático (CAGGIOLA, 2011).

No governo no General René Barrientos os serviços de inteligência foram

assessorados pelo criminoso de guerra nazista Klaus Barbie que atuava sob o nome Klaus

Altmann. Em 1967 iniciou uma grande operação militar repressiva do exército boliviano com

o apoio ativo dos Estados Unidos mediante a CIA e a coordenação de inteligência dos os

demais países sul americanos que utilizaram as táticas de contrainsurgência desenvolvidas no

Vietnã (ASOFAMD, 2007).

A situação da Bolívia nesta época foi bastante crítica, sobretudo com o grande número

de violações a direitos humanos. Entre 19 de julho e 01 de novembro de 1970, foi realizada

ordem de execuções sumárias; o exército utilizou mais de mil efetivos apoiados pelos Estados

Unidos com helicópteros, bombas de napalm e aviões para enfrentar 67 jovens combatentes,

dos quais somente oito sobreviveram, entre eles três chilenos que receberam asilo, sob o

governo de Salvador Allende (ASOFAMD, 2007).

54 Foi criada pelo presidente Alfonsín mediante o decreto 187/83 de 15 de dezembro de 1983.

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A partir de 1970, os familiares das pessoas executadas e desaparecidas criaram uma

organização pioneira na América Latina, cujas ações em defesa da liberdade e da vida de seus

entes queridos foi intensamente perseguida (ASOFAMD, 2007).

Por volta dos anos 80 quando o processo democrático vinha ocorrendo na Bolívia,

ocorreu um novo golpe de Estado liderado pelo General Luis García Meza. O Palácio

Presidencial foi tomado pelas forças militares e a Presidente interina Constitucional - senhora

Lidia Gueiler - foi obrigada a renunciar. A sede da Central Obrera Boliviana, na qual o

Comitê Nacional de Defesa da Democracia (CONADE) se reunia foi assaltada e seus

dirigentes foram presos. O candidato a presidente pelo Partido Socialista Marcelo Quiroga

Sata Cruz foi executado, os meios de comunicação foram ocupados, alguns foram destruídos e

outros totalmente controlados. Neste contexto, milhares de pessoas foram detidas sem o

cumprimento dos requisitos constitucionais (CORTE IDH, 2008).

Em 1982 com a finalidade de recuperar a democracia, foi acordada a investigação dos

crimes cometidos pelo governo do General Luis Cargía Meza (CORTE IDH, 2008).

Em dezembro de 2013 o Plenário da Câmara boliviana aprovou pela primeira vez na

história da democracia do país, um projeto de lei para a criação de uma Comissão da Verdade,

encarregada de identificar os responsáveis das violações a direitos humanos, esclarecimento e

determinação das desaparições forçadas de pessoas ocorridas durante a ditadura desde 03 de

novembro de 1964 a 10 de outubro de 1982 (BOLIVIA, 2013).

Em 2014 não há maiores informações sobre instauração de Comissão da Verdade.

2.3.4 Brasil: 1964-1985

Auge da Guerra Fria. Década de 60. O mundo dividido em dois blocos – Estados

Unidos (capitalismo ocidental) e União Soviética (socialismo). O mundo transforma-se e vê-

se ameaçado pela competição armamentista que se instalara (COUTO, 2003).

1962: mísseis nucleares soviéticos são encontradas na ilha socialista vizinha dos

Estados Unidos – Cuba. Tal situação dá início a chamada Crise dos Mísseis que quase

desencadeia a 3ª Guerra Mundial (COUTO, 2003).

A bipolarização do mundo não deixa dúvidas de que os Estados Unidos não

admitiriam o surgimento de uma nova “Cuba”, sobretudo pelo fato de que várias empresas

estadunidenses tinham grandes investimentos no Brasil, enquanto outras planejavam ter se

isso fosse possível (FICO, 2008).

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Analisando sob o viés da geopolítica, o Brasil era visto pelo governo dos EUA como

um país continental, com grandes possibilidades de crescimento econômico, mas,

militarmente era pouco importante (FICO, 2008).

1964: Brasil vive uma forte instabilidade política, em março deste ano a esquerda

passa a temer um possível golpe da direita, e a direita teme um autogolpe do então presidente

João Goulart (Jango). Como dito acima, em razão de a América Latina ser uma área de

influência dos EUA, tal governo acompanhou o que estava a ocorrer no Brasil de maneira

próxima, porquanto a instável democracia populista tornaria-se vulnerável ao comunismo

soviético. Se Washington não admitia a existência de outra Cuba, jamais aceitaria o país mais

populoso, economicamente mais importante da América do Sul e com dimensões continentais

tornar-se aliado dos países socialistas (COUTO, 2003).

20 de dezembro de 1963. O então Presidente estadunidense Lyndon Johnson diz ao

senador Mike Mansfield: “preciso sentar e conversar com você sobre o que está acontecendo

no Brasil. Não creio que você saiba como é séria a situação”. A partir deste diálogo

historiadores afirmam que o Presidente soube com antecipação do golpe militar que viria a

ocorrer três meses depois no Brasil (31 de março de 1964) (COUTO, 2003).

30 de março de 1964, 21h30min, hora de Washington. O Presidente John diz para seu

assessor: “Com certeza, se explodir nesta noite, você saberá amanhã de manhã”. Reedy, o

assessor responde-lhe: “É verdade. E então vamos precisar de uma reação. Mas, se não

explodir nesta noite, acho que devemos ficar no já previsto” (COUTO, 2003).

Noite de 30 de março de 1964. O Presidente João Goulart estava em seus aposentos da

residência oficial no Rio de Janeiro, Palácio Laranjeiras. Deveria discursar para cerca de dois

mil sargentos e suboficiais das Forças Armadas que estavam no salão do Automóvel Clube na

Cinelândia. Juntamente com Jango estavam o deputado Tancredo Neves (líder do governo na

Câmara) e Raul Ryff (secretário de imprensa da presidência). Ambos buscavam convencer o

presidente a não comparecer na reunião, pois sua presença iria jogar lenha na crise militar que

assolara o país (GASPARI, 2002).

No entanto, os esforços de Tancredo e Raul não foram suficientes, pois o presidente

decidiu ir à reunião junto às forças armadas. Jango estacionou seu carro em frente ao

Automóvel Clube e quando ingressou no local já estavam no vigésimo discurso da noite.

Neste momento os ouvintes passaram a falar aos gritos: “manda brasa, presidente!”. Mais ou

menos no mesmo horário o telegrama do consulado americano em São Paulo já chegara à

Casa Branca, informando que “duas fontes ativas do movimento contra Goulart dizem que o

golpe contra o governo do Brasil deverá vir nas próximas 48 horas” (GASPARI, 2002).

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Jango passou a improvisar o discurso, acabou por recorrer ao populismo e aduziu,

apontando para os sargentos, que eles eram o elo entre as Forças Armadas e o povo, além

disto, acusou os opositores de difamação. No meio militar, o fato de o presidente estar no

encontro dos sargentos é visto como um ato contra a hierarquia e a disciplina. Tratava-se,

portanto, da faísca para detonar o golpe (COUTO, 2003).

Ao avaliar as consequências de suas declarações, Goulart afirmou para o jornalista

Antonio Callado que o máximo que poderia acontecer a ele seria a possibilidade de ser

deposto; ele não renunciaria, tampouco se suicidaria. – Referindo-se à renúncia de Jânio

Quadros e ao suicídio de Getúlio Vargas (CHIAVENATO, 1994).

Quando Jango retornou ao Palácio, o Presidente dos EUA Lyndon Johnson recebeu

um telefonema informando sobre a necessidade de organizar navios, tanques e suprimentos,

pois o “assunto” brasileiro poderia “estourar” a qualquer momento (GASPARI, 2002).

31 de março de 1964, Juiz de Fora, Minas Gerais. Olympio Mourão Filho – general

açodado vai à rua com equipamentos e tropas do Exército sob seu comando, tendo como

destino o Rio de Janeiro e o objetivo de derrubar o governo. Não houve resistência, o

presidente constitucional João Goulart deixa o governo e exila-se no Uruguai, assim inicia-se

a era de poder das Forças Armadas (COUTO, 2003) Goulart de pronto percebeu que não

contava com apoio militar, diversamente do que havia garantido o seu chefe do Gabinete

Militar, general Assis Brasil (FICO, 2008).

3 de abril de 1964, Washington (EUA). Thomas Mann, subsecretário de Estado para

Assuntos Interamericanos fala para o presidente Johnson: “Espero que você esteja tão feliz

com o Brasil quanto eu” (COUTO, 2003).

O apoio dos Estados Unidos pode ser verificado também pela operação chamada

Brother Sam iniciada em março de 1964:

consistia em apoio logístico ao golpe. Inclusive um porta-aviões – o Forrestal – seis destróieres, quatro petroleiros, navio para transporte de helicópteros, esquadrilha de aviões de caça. Cerca de cem toneladas de armas leves e munições foram reunidas numa base militar de Nova Jersey para serem trazidas de avião. A historiadora americana Phyllis Parker descobriu os documentos da operação na Biblioteca Lyndon Johnson, no Texas. Publicou em 1976. Eles demonstram que os Estados Unidos se mobilizaram para apoiar a intervenção militar no Brasil, inclusive para participar diretamente da possível luta interna. (COUTO, 2003, p. 25-26)

Para Fico (2008, p. 101) “a Operação Brother Sam não foi pouca coisa”. Além do

envio de ajuda de armamento, apoio financeiro, material e técnico, acabou por comprometer

seus idealizadores durante todo o período ditatorial. Com a deposição de Goulart, os Estados

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Unidos passaram a agir de forma com que a comunidade internacional não visse o

afastamento do então presidente brasileiro como mais um rotineiro golpe militar ocorrido na

América Latina.

9 de abril de 1964, Brasília. Os militares publicam o primeiro ato institucional, dando

início formal ao regime autoritário, baseado no binômio segurança nacional/desenvolvimento,

modelo que também passa a ocorrer em vários países latino-americanos. (COUTO, 2003)

11 de abril de 1964, Brasília. Humberto de Alencar Castello Branco, principal líder da

linha militar, é eleito pelo congresso como Presidente da República. Neste momento o poder

civil adormece em longa agonia (COUTO, 2003).

Segundo Chiavenato “entre 1964 e 1984, a ditadura destruiu a economia,

institucionalizou a corrupção e fez da tortura uma prática política. [...] Alienou as novas

gerações, tornando-as incapazes de entender a sociedade em que vivem” (CHIAVENATO,

1994, p. 05).

Após a redemocratização o Brasil assumiu uma postura voltada à promoção do direito

internacional a partir do momento em que reconheceu a jurisdição de mecanismos

internacionais (RAMOS, 2011).

Exemplo disto foi o reconhecimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos,

Tribunal Penal Internacional, Comitês de tratados internacionais de direitos humanos, Órgão

de Solução de Controvérsias da Organização Mundial do Comércio, Tribunal Permanente de

Revisão do Mercosul. Também ocorreu uma mudança no entendimento do STF acerca na

natureza dos tratados internacionais como supralegal ou constitucional (RAMOS, 2011).

O regime militar resistiu por muito tempo até reconhecer a situação jurídica dos

desaparecidos, sendo que somente com a adoção da Lei n. 9.140/9555 é possível afirmar a

existência de um marco para o reconhecimento da responsabilidade do Estado pelo

assassinato de opositores do governo de outrora.

Por meio desta lei também fora criada uma Comissão Especial que tinha por finalidade

proceder o reconhecimento de pessoas desaparecidas. Sua atribuição foi ampliada pela Lei n.

10.875/2004 por abranger também as pessoas que tenham cometido suicídio na iminência de

serem presas ou em decorrência de sequelas psicológicas resultantes de atos de torturas

praticados por agentes do poder público.

55 Art. 1o São reconhecidos como mortas, para todos os efeitos legais, as pessoas que tenham participado, ou tenham sido acusadas de participação, em atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961 a 5 de outubro de 1988, e que, por este motivo, tenham sido detidas por agentes públicos, achando-se, deste então, desaparecidas, sem que delas haja notícias.

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97

Em 2001 o Ministério da Justiça criou a Comissão de Anistia por meio da Medida

Provisória n. 2.151, com o desiderato de julgar em caráter administrativo pedidos de

indenização de indivíduos que foram impedidos de exercer suas atividades econômicas por

motivação política (BRASIL).

Em relação à Lei de Anistia, em outubro de 2008 o Conselho Federal da Ordem dos

Advogados do Brasil56 interpôs ADPF 153 no STF, requerendo a interpretação do parágrafo

único do artigo 1º da Lei n. 6.683/1979 conforme a Constituição Federal. (RAMOS, 2011)

O Procurador-Geral da República, senhor Roberto Gurgel Monteiro Santos, sustentou

que a argüição deveria ser julgada improcedente, pois caso a tese da ADPF fosse acatada,

seria rompido o compromisso realizado na década de 70 (RAMOS, 2011).

Em 29.04.2010, o STF julgou a ADPF 153, por sete votos a dois57, interpretando pela

constitucionalidade da Lei de Anistia. O “ineditismo” deste caso refere-se ao fato de ser a

primeira vez que uma ação é tramitada no STF concomitantemente a um processo

internacional com objeto semelhante na Corte Interamericana de Direitos Humanos. Trata-se

do caso “Gomes Lund”, conhecidamente como Guerrilha do Araguaia (RAMOS, 2011) o qual

será estudado no terceiro capítulo.

Para o STF em razão de o Judiciário não deter competência para reescrever leis de

anistia, eventual mudança somente poderia ser feita pelo poder legislativo e se modificações

do tempo e da sociedade assim impuserem (PIOVESAN, 2011).

Ademais, importante ressaltar que os ministros: Eros Grau, Cármen Lúcia, Ellen

Gracie, Marco Aurélio, Gilmar Mendes58e Carlos Britto59, em nenhum momento da decisão

citaram a Convenção Americana sobre Direitos Humanos para auxiliar na reflexão sobre a

extensão da anistia aos agentes da ditadura, tampouco fora mencionado a jurisprudência

56 O Conselho Federal da OAB tinha entre seus advogados o Professor Fábio Konder Comparato, donde invocaram os preceitos fundamentais constitucionais da isonomia (art. 5º, caput), direito à verdade (art. 5º, XXXIII) e os princípios republicano, democrático (art. 1º, parágrafo único) e da dignidade humana ( art. 1º, III). In RAMOS(2011, p. 180). 57 Votos vencedores: Eros Grau (relator), Cármen Lúcia, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso. Votos vencidos : Ricardo Lewandowski e Ayres Britto. 58 No RE 466. 343/SP Gilmar Mendes foi decisivo para a mudança de orientação do STF quanto ao estatuto dos tratados de direitos humanos, que, agora, ao menos possuem o estatuto supralegal. No RE 511.961/SP, o Min. Mendes discorreu, em seu voto, longamente sobre a Opinião Consultiva 05 da Corte Interamericana de Direitos Humanos, tendo seguido seu entendimento (derrubando a obrigatoriedade do diploma de jornalismo para o exercício essa profissão). Porém, seu voto na ADPF 153 repetiu várias omissões vistas nos votos dos outros ministros. (RAMOS, 2011) 59 A pesar de não ter existido um “Diálogo de Cortes” a conclusão do voto do Min. Carlos Britto se assemelha ao que já é precedente consolidado nos órgãos internacionais e na Corte Interamericana de Direitos Humanos: não cabe anistia aos violadores graves de direitos humanos, ou na linguagem do ministro, aos autores de crimes hediondos e assemelhados. (RAMOS, 2011).

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consolidada da Corte Interamericana acerca na inaplicabilidade das leis de anistia aos agentes

da repressão política (RAMOS, 2011).

Por outro lado, o Ministro Celso de Mello reconheceu que tratados internacionais de

direitos humanos poderiam auxiliar no deslinde da ação:

O Brasil, consciente da necessidade de prevenir e de reprimir os atos caracterizadores da tortura, subscreveu, no plano externo, importantes documentos internacionais, de que destaco, por sua inquestionável importância, a Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1984; a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, concluída em Cartagena em 1985, e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), adotada no âmbito da OEA em 1969, atos internacionais estes que já se acham incorporados ao plano do direito positivo interno de nosso País (Decreto nº 40/91, Decreto nº 98.386/89 e Decreto nº 678/92). (STF, 2013)

Ademais, o Ministro mencionou a jurisprudência interamericana dos casos Barrios

Altos, Loayza Tamayo e Almonacid Arellano, todos julgados pela Corte de San José. Em que

pese tenha feito este diálogo, relatou que tais decisões não eram semelhantes ao que estava

sendo julgado, pois aquelas tratavam de leis de autoanistia e que a situação discutida no caso

brasileiro era um acordo político entre a ditadura e a oposição (RAMOS, 2011).

Esta situação demonstra que o diálogo não foi realizado de forma integrada, conforme

será visto a partir da análise do entendimento da Corte Interamericana nos julgamentos dos

crimes da ditadura militar.

De modo muito semelhante foi o voto do Ministro Cezar Peluso, pois fez menção à

jurisprudência da Corte Interamericana, mas interpretou justamente com o objetivo de afastar

sua aplicação (RAMOS, 2011).

Por fim, o Ministro Lewandowski foi o único que mostrou a verdadeira face do

diálogo, pois além de expor a obrigação do Estado em investigar e punir criminalmente os

autores das violações ocorridas durante o regime ditatorial, citou a necessidade de cumprir a

interpretação dos direitos constantes no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e

trouxe a interpretação da Corte de San José dos casos Goiburu e outros, caso Balderón García;

caso Masacre de Pueblo Bello e caso do Masacre de Mapiripán para realizar o diálogo entre

as Cortes (RAMOS, 2011).

Embora tenha sido louvável o diálogo realizado pelo ministro Lewandowski, acabou

por julgar procedente em parte a ADPF e chegou a afirmar que caberia a cada juízo antes de

dar início a persecução penal, interpretar se a conduta do agente foi política e os meios

perpetrados não foram atrozes (RAMOS, 2011).

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Mesmo o Estado tendo reconhecido sua responsabilidade pela morte dos

desaparecidos, tão somente esta medida não se faz satisfatória, sobretudo no que diz respeito à

reparação dos familiares das vítimas. Fora justamente a ausência de interesse do Estado na

elucidação do passado que ensejou o ajuizamento de uma petição para o Sistema

Interamericano de Direitos Humanos (BRAGATO, et. al, 2012).

Segundo Flávia Piovesan (2011) houve uma denegação do direito à justiça às vítimas,

demonstrando que a transição brasileira trata-se de um processo aberto e incompleto.

É possível verificar que os avanços do Brasil quanto ao direito internacional dos

direitos humanos ocorreram de forma mais profunda no sentido formal (aprovação dos

tratados), mas não quanto à interpretação dos direitos neles contidos. O que há hoje é um

silêncio sobre a interpretação dada pelo próprio direito internacional, consubstanciado na

observação do intérprete autêntico, por exemplo, da Corte Interamericana de Direitos

Humanos. O Brasil está, portanto, “manco” nessa área (RAMOS, 2011).

Essa interpretação nacional desconectada da interpretação internacional destrói a própria essência da internacionalização dos direitos humanos, que consiste em impedir que as paixões de momento das maiorias – mesmo aquelas entronizadas nos órgãos judiciais máximos – possam sacrificar os direitos de todos. Por isso, a proteção de direitos humanos passou a ser tema internacional em especial após a Carta da Organização das Nações Unidas de 1945 e a Declaração Universal de Direitos Humanos (1948). (RAMOS, 2011, p. 213)

Exemplo do atraso no reconhecimento por parte do Brasil é possível verificar pelo

próprio ano de ratificação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Enquanto a

maioria dos Estados ratificou entre as décadas de 70 e 80,60 o Brasil, foi o último, porquanto

reconheceu somente em 1992.

Para tentar desenvolver de melhor modo esta transição, cabe salientar que a partir da

Lei n. 12.528/2011 foi criada a Comissão Nacional da Verdade com o objetivo de apurar as

graves violações de direitos humanos ocorridas entre 18 de setembro de 1964 e 5 de outubro

de 1988.

A Comissão tem percorrido de norte a sul do Brasil desde julho de 2012; já realizou 71

audiências e colheu dezenas de depoimentos de vítimas (CNV, s.d.a).

60

Argentina 1984, Bolívia 1979, Colômbia 1973, Costa Rica 1970 Chile 1990, El Salvador 1978, Equador 1977, Guatemala 1978, Haiti 1977, Honduras 1977, Jamaica 1978, México 1981, Nicarágua 1977, Panamá 1978 Paraguai 1989, Peru 1978, Uruguai 1985, Venezuela 1977, República Dominicana 1978, Suriname 1987, Trinidad e Tobago 1991. Disponível em: < http://www.corteidh.or.cr/index.php/es/mapa-interactivo>. Acesso em: 09 set. 2014.

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100

Para a Comissão Nacional da Verdade o objetivo de seus trabalhos não é somente "a

afirmação da justiça, mas também preparar a reconciliação nacional [...] como dever

elementar da solidariedade social e imperativo de decência, reclamados pela dignidade de

nosso país" (CNV, 2014a).

Os trabalhos da Comissão da Verdade têm surtido efeitos, tanto é que em 31.08.2014

foi enterrado o corpo do primeiro desaparecido político, Sr. Epaminondas Oliveira, 43 anos

após sua morte. O laudo oficial do Exército informava que a vítima havia falecido por anemia

e insuficiência renal, no entanto, a tortura sofrida pelo Sr. Epaminondas torna pouco crível a

versão oficial de morte natural, isso porque após a identificação dos restos mortais, o médico

legista Aluísio Trindade afirmou que não há como ratificar o laudo do Exército (CNV,

2014c).

2.3.5 Chile: 1973-1990

“Sólo le pido a Dios que la guerra no me sea indiferente

Es un monstruo grande y pisa fuerte

toda la pobre inocencia de la gente”.

-------- Violeta ParraVioleta ParraVioleta ParraVioleta Parra

No início da década de 70 o Chile vivia uma grande polaridade ideológica e com

posturas intransigentes ao enfrentamento armado como solução para a crise existente na

política e na sociedade (DALBORA, 2009).

O regime militar chileno se instalou em 1973 após derrubar o governo democrático de

Salvador Allende (GARRETÓN, s/a). No dia 11 de setembro do referido ano foi declarado

Estado de Sítio em todo o território; o Parlamento foi dissolvido; os chefes das Forças

Armadas e da Polícia assumiram o poder Executivo e Legislativo, tendo o presidente da Junta

Militar (Augusto Pinochet) assumido o posto de Presidente da República (PEREIRA, 2011).

Nas primeiras semanas após o golpe, Pinochet implantou a chamada “caravana da

morte”, que consistia na detenção sistemática de ativistas políticos em campos de

concentração; utilização de tortura e assassinato dos opositores (CAGGIOLA, 2011).

As forças armadas com a denominada doutrina de segurança nacional utilizaram como

justificativa os procedimentos de uma guerra sem limites jurídicos e sem escrúpulos com a

subversão marxista, segundo uma fraseologia que vinha sendo externada pelos oficiais dos

Estados Unidos com o triunfo da Revolução Cubana (DALBORA, 2009).

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Dezenas de milhares de prisioneiros chegaram aos campos de concentração, sendo que

o regime militar começava a aplicar uma política repressiva de caráter institucional,

sistemática e massiva que perseguia o extermínio da esquerda chilena, qualificada dentro da

doutrina de segurança nacional como o "inimigo interno". (BRINKMANN, 1999)

O estado de sítio em grau de comoção ficou declarado até o dia 10 de setembro de

1975 (porquanto não existiam forças rebeldes organizadas), então a aplicação da legislação

em tempo de guerra prolongou-se até o dia 10 de setembro de 1977. Com esta conjuntura

política muitos indivíduos foram condenados à pena de morte ou à privação de liberdade;

outros foram detidos sem serem julgados por um tribunal, submetidos à tortura ou ainda

expulsos do país (PEREIRA, 2011).

O poder judiciário não somente renunciou sua tarefa de defender os direitos humanos

dos cidadãos como também favoreceu a impunidade dos crimes cometidos ao afirmar que os

tribunais em tempo de guerra não estavam submetidos a sua superintendência, isto é, os

conselhos de guerra estavam sob supervisão exclusiva do Chefe do Exército, o General

Augusto Pinochet (BRINKMANN, 1999).

O regime perseguiu indivíduos opositores inclusive no exterior, exemplo disto, é o

caso do general Prats que foi assassinado em Buenos Aires. Outra situação foi o caso dos

assassinatos de Allende, Orlando Letelier e de sua secretária Ronnie Moffit na capital dos

EUA pelo agente Manuel Contreras (CAGGIOLA, 2011).

Passados os primeiros meses de repressão, em 14 de junho de 1974 Pinochet criou

formalmente a Dirección de Inteligencia Nacional (DINA), a qual se converteu no mais

temido instrumento repressivo da ditadura. As detenções passaram a ser mais seletivas

especialmente dos militantes do Movimiento de Izquierda Revolucionaria (MIR), os quais

foram submetidos a brutais torturas em prisões clandestinas (BRINKMANN, 1999).

Em que pese a existência de inúmeras denúncias, protestos nacionais e internacionais,

a DINA seguiu fazendo desaparecer opositores do regime e o governo manteve sua posição

oficial de negar os fatos (BRINKMANN, 1999).

O rejeição internacional que provocava as múltiplas denúncias sobre os horrendos

métodos de tortura praticados nos centros de detenção clandestinos da DINA, levou o General

Augusto Pinochet a adotar medidas de mudanças: em 1977 decretou a dissolução da DINA,

no entanto, a repressão política não diminuiu substancialmente, haja vista que somente foram

modificados alguns de seus métodos (BRINKMANN, 1999).

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Diante da evidência de não ser possível ocultar os crimes e, deste modo, garantir a

impunidade dos responsáveis, o governo tomou uma decisão que marcou fundamentalmente a

problemática dos direitos humanos (BRINKMANN, 1999).

Em 19 de abril de 1978 foi publicado no Diário Oficial o Decreto Lei n. 2.191,

conhecido como Ley de Amnistía do Governo militar. Referido decreto concede:

amnistía a todas las personas que, en calidad de autores, cómplices o encubridores hayan incurrido en hechos delictuosos, durante la vigencia del Estado de Sitio, comprendida entre el 11 de septiembre de 1973 y el 10 de marzo de 1978, siempre que no se encuentren actualmente sometidas a proceso o condenadas. (CHILE, 1978)

Com o controle dos meios de comunicação, o regime militar chamou a população para

pronunciar-se por meio de um plebiscito sobre uma nova proposta de Constituição Política.

Ela foi aprovada em 11 de setembro de 1980 com 67% de votos a favor, em um processo que

a oposição definiu como "farsa democrática", pois as autoridades tinham como objetivo dar

um manto de legitimidade a seu regime repressivo e assegurar o exercício do poder durante os

próximos oito anos (BRINKMANN, 1999).

Embora a Carta Constitucional declarasse que os homens nascem livres e iguais em

dignidade e direitos foram legalizados diversos mecanismos de repressão. A certeza de que

Pinochet objetivava permanecer no poder, contribuiu para que as forças de oposição se

organizassem para por fim à ditadura. Primeiro de modo bastante incipiente, mas cada vez

com maior vigor foi gerando uma mobilização social que abarcaria setores sindicais e

estudantis. Em várias populações de Santiago a partir de 1978 começaram a ser criados

"comitês de base" de direitos humanos. Os objetivos eram lutar pelo direito à vida, à

liberdade, ao trabalho e à saúde, denunciar as violações destes direitos e defender os

indivíduos (BRINKMANN, 1999).

A partir de 1983 passaram a surgir estratégias para colocar fim à ditadura, entretanto,

fora somente em 5 de outubro de 1988, após a realização de um plebiscito, que o povo

chileno majoritariamente decidiu que o general Pinochet não deveria continuar sendo o

governante do país (BRINKMANN, 1999).

A derrota do ditador no plebiscito trouxe como consequência uma radicalização dos

tribunais de justiça em favor da cessação definitiva de todos os processos relacionados à

violação a direitos humanos tendo sido aberto caminho para as eleições presidenciais e

parlamentárias no dia 14 de dezembro de 1989 (BRINKMANN, 1999).

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103

Em 21 de agosto de 1990 o governo chileno ratificou a Convenção Americana sobre

Direitos Humanos que em seu artigo 25 consagra o direito à justiça em relação aos atos que

violem os direitos fundamentais das pessoas. Também foi reconhecida a competência da

Corte Interamericana de Direitos Humanos, mas com a reserva de que o reconhecimento

referia-se aos fatos posteriores à data de ratificação (BRINKMANN, 1999).

Patricio Aylwin Azocar foi o primeiro presidente chileno a assumir o governo após o

restabelecimento da democracia no país no ano de 1990. Em uma publicação feita para o

Instituto Interamericano de Derechos Humanos afirmou que teve a honra de encabeçar uma

das tarefas que a sociedade chilena tinha pendente: esclarecer a verdade sobre o que havia

passado nas décadas anteriores em fazer justiça na matéria de direitos humanos (AZOCAR,

1995).

Afirmou que por um lado, havia as famílias das vítimas, as organizações de direitos

humanos e os partidos políticos que haviam ganhado a eleição, os quais afirmavam ser

condição fundamental da reconciliação nacional conhecer a verdade e fazer justiça. Por outro

lado, setores vinculados ao antigo regime, especialmente as forças armadas, não ocultavam

seu descontentamento, alegando que voltar ao passado seria criar um conflito na sociedade

chilena que poderia ter consequências sem precedentes (AZOCAR, 1995).

Nestas circunstâncias, o Governo tinha de tomar uma decisão política: levar adiante

uma investigação ou aceitar colocar um ponto final ao debate. Para o então presidente, o

Governo não poderia deixar de esclarecer a verdade, pois esta era a base necessária e

indispensável para lograr um reencontro dos chilenos em uma sociedade pacífica, sem estar

baseada em uma mentira ou com uma desconfiança recíproca do que outrora fora cometido

(AZOCAR, 1995).

O primeiro passo seria encontrar pessoas de suficiente prestígio nacional para

constituir uma comissão, no entanto, surgira um problema adicional: no ano de 1988 havia

sido promulgado no país uma lei de anistia que perdoava praticamente todas as violações a

direitos humanos cometidas anteriormente à esta data. Esta lei estava vigente e impugnava a

possibilidade de construir uma comissão e fazer uma investigação que fosse contrária ao

disposto pela lei (AZOCAR, 1995).

Em 25 de abril foi então realizado o Decreto n. 255 que criou a Comisión Nacional de

Verdad y Reconciliación no Chile, cujo objetivo principal era contribuir com o esclarecimento

global da verdade sobre as mais graves violações a direitos humanos cometidas no período de

11 de setembro de 1973 e 11 de março de 1990. (DDHH) Ou seja, a comissão foi criada para

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esclarecer a verdade e não para julgar os culpados, porquanto não poderia assumir funções

jurisdicionais (AZOCAR, 1995).

Após ser decidido quais pessoas fariam parte da Comissão, iniciaram-se os trabalhos.

Nos relatórios a Comissão conta com os organismos do Estado, sobretudo as instituições das

forças armadas, pois responderam aos requerimentos e informações. Ulteriormente, a

Comissão passou a estudar casos individuais (cerca de 3.400 casos), nos quais formou-se a

convicção de que realmente haviam violações a direitos humanos. A Comissão achou

necessário fazer um novo informe, relatando a verdade de cada caso com nome e sobrenome

das vítimas que foram mortas ou desaparecidas como consequência da violação e uma breve

relação das circunstâncias em que ocorreram (AZOCAR, 1995).

Em março de 1991 o Presidente dirigiu uma mensagem ao país destacando que em

torno de 2000 casos havia existido violação a direitos humanos, dos quais, cerca de 1000

correspondiam a pessoas desaparecidas. Em virtude de tais dados, foi enviado ao Congresso

um projeto de lei para criar uma Corporación Nacional de Reparación y Reconciliación que

teria como desiderato outorgar indenizações às famílias das vítimas, consistentes em pensões

para os familiares diretos (viúvas, filhos pais) e conceder bolsas de estudo para os filhos das

vítimas. Referida Lei fora devidamente aprovada pelo Congresso.

Nas palavras do Presidente (1995, p. 116):

Por eso yo me atrevo, en calidad de Presidente de la República, a asumir la representación de la nación entera para, en su nombre, pedir perdón a los familiares de las víctimas. Por eso también pido solemnemente a las fuerzas armadas y de orden y a todo los que hayan tenido participación en los excesos cometidos que hagan gestos de reconocimiento del dolor causado y colaboren para aminorarla.

A Comissão da Verdade vem possuindo um papel determinante e demonstra

claramente o compromisso do governo chileno em esclarecer a verdade para a população.

Atualmente, mantém página no seguinte sítio: <http://www.ddhh.gov.cl/index.html>, onde

são realizadas atualizações sobre o trabalho desenvolvido.

2.3.6 El Salvador: 1979-1991

El Salvador sofreu uma das guerras civis mais cruentas e atrozes da América

Latina (VENTURA, 2009), pois durou doze e anos e vitimou cerca de 75 mil pessoas, número

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bastante alto se considerar que o país à época tinha uma população de apenas cinco milhões

de habitantes (BUERGENTHAL, 1996).

A guerra ocorreu dentro do contexto da Guerra Fria com o apoio dos Estados Unidos

ao governo salvadorenho, o qual dava grande assistência militar e econômica, chegando a

superar seis milhões de dólares (BUERGENTHAL, 1996).

Por outro lado uma aliança de cinco grupos insurgentes de esquerda Frente Farabundo

Martí para la Liberación Nacional (FMLN) recebeu importante ajuda de Cuba, Nicarágua,

União Soviética e outros países do bloco soviético, sobretudo em armamento e treinamento

militar (BUERGENTHAL, 1996)

As causas da guerra civil são próprias do desenvolvimento histórico, social e político

do país: a extrema concentração da riqueza em grupos oligárquicos; a distribuição injusta da

terra; os altos índices de pobreza; desemprego; exclusão social e falta de políticas públicas

para a satisfação dos direitos econômicos e sociais das grandes maiorias e as fraudes eleitorais

de 1972 e 1977 (VENTURA, 2009).

Nos anos 70 o contexto de polaridade política fez com que surgisse no Estado uma

situação de ingovernabilidade e emergisse a opção revolucionária. O golpe de Estado ocorreu

em 15 de outubro de 1979. Em janeiro de 1981 instalou-se uma guerra civil aberta quando o

Comando Central do FMLN anunciou a Ofensiva Geral Militar contra o regime. As

transformações sofridas pelo conjunto da estrutura social salvadorenha foram muito

profundas, tendo a economia se transformado rapidamente em uma "economia de guerra" e

"para a guerra" (BENÍTEZ-MANAUT, 1990).

A violência avançou pelos campos do país, invadiu as aldeias, destruiu estradas e

pontes, arrasou as fontes de energia, chegou às cidades, destruiu famílias e recintos sagrados;

golpeou a justiça e a administração pública. A violência converteu-se em destruição e morte

(COMISIÓN DE LA VERDAD PARA EL SALVADOR, 1993).

O conflito bélico que se instalou neste pequeno país foi marcado pelos magnicídios do

arcebispo monsenhor Óscar Arnulfo Romero e de seis sacerdotes jesuítas; massacres de

milhares de campesinos indefesos nas zonas rurais; assassinatos seletivos de sindicalistas,

professores, estudantes, sacerdotes, religiosos e catequistas; execuções sumárias com

requintes de barbárie perpetradas pelas forças militares dos bandos enfrentados ou pelos

temíveis esquadrões da morte; o encarceramento e a tortura de milhares de indivíduos em

centros clandestinos de detenção e os desaparecimentos forçados de pessoas especialmente de

meninos e meninas que foram sequestrados durante as operações militares (VENTURA,

2009).

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Quando a Guerra Fria começou a perder a força, ficou evidente que o governo não

seria capaz de derrotar o FMLN; tampouco o FMLN conseguiria derrotar o governo,

notadamente pelo fato de que seus respectivos patrocinadores não mais teriam interesse

político e recursos econômicos para apoiá-los (BUERGENTHAL, 1996).

Ninguém ganhava a guerra, todos perdiam, até o momento em que governos de países

amigos, organizações internacionais que acompanhavam os acontecimentos no pequeno país

da América Central contribuíram em algumas reflexões. Javier Pérez de Cuéllar, então

Secretário Geral das Nações Unidas, juntamente com os presidentes da Colômbia, Espanha,

México e Venezuela ajudaram na resolução do conflito (COMISIÓN DE LA VERDAD

PARA EL SALVADOR, 1993).

Após doze anos de conflito armado, em 16 de janeiro de 1992 foi firmado um Acordo

de Paz que pôs fim às hostilidades. Pouco antes, em 27 de abril de 1991 foi decidida a criação

de uma Comissão da Verdade com o escopo de investigar os graves fatos de violência

ocorridos (CORTE IDH, 2011).

A Comissão da Verdade registrou mais de 22 mil denúncias durante o período de

janeiro de 1980 a julho de 1991. Mais de sete mil denúncias foram recebidas diretamente nos

escritórios da Comissão e as demais chegaram por intermédio de instituições governamentais

e não governamentais. 60% do total correspondem a execuções extrajudiciais (COMISIÓN

DE LA VERDAD PARA EL SALVADOR, 1993).

As denúncias de forma coincidentes indicam que ela se originou em uma concepção

política onde consideravam algumas pessoas como opositor político, subversivo e inimigo. As

pessoas que postulavam ideias contrárias às oficiais corriam risco de serem eliminadas

(COMISIÓN DE LA VERDAD PARA EL SALVADOR, 1993).

As testemunhas atribuíram quase 85% dos casos aos agentes do Estado, a grupos

paramilitares e a esquadrões da morte. Os efetivos das Forças Armadas foram acusadas em

quase 60% das denúncias (COMISIÓN DE LA VERDAD PARA EL SALVADOR, 1993).

2.3.7 Honduras :1963-1990

Desde sua independência em 1821, Honduras vive em um permanente estado de

instabilidade política, marcada por fatores incidentais como a ausência de domínio sobre seu

território (COMISIÓN DE VERDAD, 2012).

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Uma rápida revisão da história hondurenha permite identificar oito derrubadas de

governo pelas forças armadas no século XIX. Os governos de Dionisio de Herrera em 1827;

José Trinidad Cabañas em 1855; Santos Guardiola em 1862; Francisco Montes em 1963; José

María Medina em 1872; Céleo Arias em 1874; Ponciano Leiva em 1876 e Domingo Cásquez

em 1893 (COMISIÓN DE VERDAD, 2012).

Entre os anos de 1981 e 1984 produziram no Estado vários casos de pessoas que foram

sequestradas e posteriormente desapareceram com ações que eram imputadas às Forças

Armadas de Honduras (CORTE IDH, 1988).

O golpe de Estado como instrumento de controle social e político por parte das elites

empresariais repete-se ao reeditar as conspirações com a cúpula contra o Governo do

Presidente José Manuel Zelaya Rosales (COMISIÓN DE VERDAD, 2012).

2.3.8 Uruguai: 1973-1985

O fim da década de 1960 marcou o Uruguai pela superação de ideias e valores

progressistas/humanistas enraizados nas décadas anteriores de tradições políticas liberais. O

mítico Uruguai, outrora visto e chamado como a “Suíça da América” tornou-se vítima da pior

experiência de sua história (PADRÓS, 2009).

O período compreendido de 13 de junho de 1968 até 26 de junho de 1973 foi marcado

pela aplicação sistemática de Medidas Prontas de Seguridad, inspirado no marco ideológico

da Doutrina de Segurança Nacional, quando o Presidente eleito Juan María Bordaberry

assumiu o poder com o apoio das Forças Armadas, dando início a um período de ditadura

cívico-militar que se prolongou até 1985 (CORTE IDH, 2013).

Na década de 70 foram estabelecidas operações transnacionais na região com o

objetivo de eliminar grupos de guerrilheiros no contexto de uma campanha contrainsurgente

que justificava expandir o campo de ação além dos limites territoriais (CORTE IDH, 2013).

Em 1960, havia sido criada a Conferência dos Exércitos Americanos - uma

organização de segurança hemisférica inspirada na doutrina da segurança nacional, os quais se

reuniam em sessões secretas para discutir possíveis estratégias e acordos de atividades

conjuntas (CORTE IDH, 2013).

Em fevereiro de 1974 foi realizada uma reunião em Buenos Aires com a participação

de oficiais da segurança policial da Argentina, Chie, Uruguai, Paraguai e Bolívia para o

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estabelecimento de um plano de cooperação. No mesmo ano, também passaram a discutir a

ideia de criar uma rede continental de informação anti-comunista (CORTE IDH, 2013).

Em 1975 a cooperação de inteligência militar formalizou a denominada Operación

Cóndor, que facilitou a criação de estruturas paralelas que atuavam de forma secreta e com

grande autonomia. Esta operação foi muito sofisticada e organizada, pois contava com

treinamentos constantes, sistemas de comunicação avançado, centros de inteligência e

planejamento estratégico com a finalidade de aperfeiçoar e receber os prisioneiros

estrangeiros (CORTE IDH, 2013).

Em 1977 ocorreram operações de colaboração entre Paraguai, Argentina e Uruguai

momento em que foi dado início a uma segunda onda de repressão dirigida contra grupos de

esquerda que tinham vínculos nestes países, fazendo traslado de prisioneiros em aviões

militares para o intercâmbio de detentos (CORTE IDH, 2013).

Ademais, as operações clandestinas incluíram em muitos casos a apropriação de

crianças, muitas delas recém nascidas em cativeiro onde seus pais eram executados. As

mulheres grávidas que estavam presas eram mantidas vivas até o momento em que dessem à

luz para depois entregar as crianças para famílias de militares ou polícias (CORTE IDH,

2013).

Com o término da ditadura militar em 1984, no ano subsequente o Dr. Julio María

Sanguinetti assumiu o primeiro governo democrático em uma eleição com severas restrições,

em razão de alguns candidatos terem sido impedidos de participar (ADRIASOLA, 2011).

Em 08 de maio de 1985, o Parlamento democraticamente eleito criou a Lei n. 15.737

que anistiou todos os delitos políticos, comuns e militares conexos, cometidos a partir de 1 de

janeiro de 1962. No entanto, alguns crimes foram excluídos da anistia de acordo com o artigo

5º da Lei supra:

Quedan excluidos de la amnistía los delitos cometidos por funcionarios policiales o militares, equiparados o asimilados, que fueran autores, coautores o cómplices de tratamientos inhumanos, crueles o degradantes o de la detención de personas luego desaparecidas, y por quienes hubieren encubierto cualquiera de dichas conductas. (URUGUAY, 1985)

A partir do momento em que foi decidido não incluir os membros da ditadura dentro

da Lei de Anistia, quando fora reinstaurada a democracia começaram a ser realizadas as

primeiras denúncias penais por parte das vítimas da tortura e por familiares de desaparecidos

(ADRIASOLA, 2011).

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Entretanto, quando as Forças Armadas passaram a receber as primeiras intimações

judiciais, adotaram uma posição de desacato institucional. O Comandante Chefe do Exército

manifestou que nenhum militar iria se apresentar perante o Poder Judiciário. Neste contexto, o

Parlamento aprovou a Lei 15.848, denominada de Caducidad de la Pretensión Punitiva del

Estado. Segundo o artigo 1º 61 desta lei foi reconhecido como prescrita a pretensão punitiva

do Estado devido a lógica de los hechos. Pela redação ficou extinta a pretensão penal do

Estado contra funcionários policiais e militares e equiparados pelos delitos cometidos até o

dia 1 de março de 1985 (ADRIASOLA, 2011).

Contra esta lei foi interposto um primeiro recurso de inconstitucionalidade, nesta

ocasião por maioria de três votos a Corte entendeu que a lei se tratava de uma amnistía

encubierta, sendo então declarada inconstitucional. Em poucos meses e simultaneamente com

as eleições nacionais de 2009 foi proposta mediante plebiscito a nulidade da Lei n. 15.848,

situação esta que foi rechaçada pelo corpo eleitoral (ADRIASOLA, 2011).

A Lei n. 15.848 passou de uma primeira etapa de anistia absoluta até uma etapa de

inaplicabilidade em virtude da declaração de inconstitucionalidade. Nesta última etapa foram

respeitados os princípios da irretroatividade da lei penal, como a matéria de prescrição da

ação penal. A maioria das sentenças não sustentou a regra ius cogens para aplicar nos delitos

de lesa humanidade e, por este motivo, referida lei foi objeto de diversas críticas negativas

vindas de organização internacionais62 (ADRIASOLA, 2011).

Em 09 de agosto de 2000 foi criada por uma Resolução do Presidente da República a

Comisión para la Paz atendendo a necessidade de dar os passos necessários para determinar a

situação dos detidos/desaparecidos durante o regime de fato, por se tratar de uma obrigação

ética do Estado e uma tarefa imprescindível para preservar a memória histórica do Estado

(COMISIÓN PARA LA PAZ, 2003).

61 Artículo 1º.- Reconócese que, como consecuencia de la lógica de los hechos originados por el acuerdo celebrado entre partidos políticos y las Fuerzas Armadas en agosto de 1984 y a efecto de concluir la transición hacia la plena vigencia del orden constitucional, ha caducado el ejercicio de la pretensión punitiva del Estado respecto de los delitos cometidos hasta el 1º de marzo de 1985 por funcionarios militares y policiales, equiparados y asimilados por móviles políticos o en ocasión del cumplimiento de sus funciones y en ocasión de acciones ordenadas por los mandos que actuaron durante el período de facto. 62

Informe 29/92 de la Comisión Interamericana de Derechos Humanos (CIDH), por el cual se declaró que la Ley de Caducidad es incompatible con el artículo XVIII (derecho de justicia) de la Declaración Americana de Los Derechos y Deberes del Hombre, y los artículos 1, 8 y 25 de la Convención Americana sobre Derechos Humanos. Así mismo, el Comité de DDHH de Naciones Unidas dispuso la condena del Estado Uruguayo durante su 51º período de sesiones. Allí adoptó la comunicación 322/88, del 9 de agosto de 1994, en la que manifiesta que “el Comité reafirma su posición de que amnistías por violaciones graves de los DDHH y las leyes tales como la Ley de Caducidad son incompatibles con las obrigaciones de todo Estado parte, en virtud del Pacto de Derechos Civiles y Políticos. (ADRIASOLA, 2011, p. 333-334)

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Os integrantes trabalharam como uma Comissão da Verdade, tal qual aquelas

existentes em outros Estados latino americanos. Trabalha com a recopilação de antecedentes e

colheitas de provas; entrevistas com testemunhas, militares, etc., e já obteve conclusões que

demonstram a detenção clandestina de vários cidadãos uruguaios em território estrangeiro,

bem como o desaparecimento de indivíduos e a morte em decorrência das torturas ou

execuções.

Em 27 de outubro de 2011 foi promulgada a Lei n. 18.831 intitulada Pretensión

Punitiva del Estado: Restablecimiento para los delitos cometidos en aplicación del

terrorismo de Estado hasta el 1º de marzo de 1985. Em 2011 o Poder Executivo aprovou a

resolução n. 323/2011 por meio da qual revogaram a aplicação do artigo 3º da Ley de

Caducidad.

2.3.9 Paraguai: 1954-1989

Assim como os outros países latinos o Paraguai também passou por décadas difíceis

durante o período ditatorial representado pelo governo do general Alfredo Stressner. Em que

pese exista muitas similitudes com a experiência vivenciada pelos países vizinhos, o Paraguai

possui algumas singularidades (PA, 2008).

A primeira característica que o difere refere-se ao fato de que o general Stroessner

chegou ao poder em maio de 1954, ou seja, muitos anos antes que nos demais países. A

segunda diferença é que esta ditadura não pode ser considerada uma interrupção abrupta tal

como ocorreu no Uruguai e no Chile, por exemplo. A ditadura de Stroessner sucedeu a outros

regimes autoritários que o precederam (PA, 2008).

Uma terceira característica do governo de Stroessner é que, malgrado tenha sido um

regime militar, houve uma grande tentativa de aparentar e conservar todas as formalidades de

uma democracia. Essa aparência incluía convocar pontualmente eleições (muito embora

fossem fraudulentas) (PA, 2008).

A ditadura do General Alfredo Stroessner no Paraguai começou com um golpe de

Estado em 1954 e se prolongou por 35 anos, até o golpe militar encabeçado pelo General

Andrés Rodríguez. Pouco tempo depois, Stroessner fugiu até o Brasil. Tal ditadura se

caracterizou pela vigência de um permanente estado de sítio, pois a Constituição Nacional

facultava o Poder Executivo a renová-lo a cada noventa dias. Este estado de sítio criou um

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clima de insegurança e de temor que lesionava ostensivamente a observância dos direitos

humanos (CORTE IDH, 2006).

Uma das características mais graves do regime stronista foi seu caráter totalitário que

controlou o comportamento da maioria da população paraguaia em todo o território nacional e

em menor medida sobre os cidadãos paraguaios no exterior. O regime foi totalitário porque

exerceu seu domínio sobre o conjunto da sociedade paraguaia abrangendo os âmbitos público

e privado (COMISIÓN).

O regime stronista elevou o terrorismo de Estado a uma forma de governo com uma

política de Estado permanente. As ações empreendidas e planificadas previamente revelam a

existência de modus operandi ordenados e cumpridos de forma sistemática, revelando que

seus agentes tinham treinamento e experiência na perpetração de violações a direitos humanos

(COMISIÓN).

A participação do Estado paraguaio é uma aliança continental anticomunista durante a

guerra fria e permitiu o regime a receber apoio de seus aliados para a estruturação do aparato

repressivo e para a implementação a nível nacional da Doctrina de la Seguridad Nacional,

que estendeu desde os Estados Unidos como modelo hegemônico (COMISIÓN).

O aparato repressivo recebeu assessoria permanente estadunidense que começou com

a criação da Direção Nacional de Assuntos Técnicos (DNAT) em 1956 (COMISIÓN).

Durante a ditadura existiu uma prática sistemática de detenções arbitrárias, torturas e

tratamentos cruéis, desumanos, degradantes e assassinato de indivíduos considerados

"subversivos" ou contrários ao regime (CORTE IDH, 2006).

Os Tribunais de Justiça negavam receber ou tramitar recursos de habeas corpus, com

o objetivo de não investigar e sancionar as violações de direitos humanos durante a ditadura

paraguaia. A meados da década de 70 iniciou um processo repressivo bastante duro por um

espaço de tempo de três anos. Em abril de 1976, a polícia revelou a existência de um suposto

movimento político-militar subversivo e clandestino chamado Organización Política Militar

(O.P.M.) operando em Asunción (CORTE IDH, 2006).

A partir deste momento desencadeou o mais vasto operativo policial anti subversivo

documentado, porquanto em pouco tempo milhares de pessoas foram privadas de sua

liberdade para averiguações realizadas pela O.P.M. (CORTE IDH, 2006).

Nas décadas de 70 e 80 ocorreram várias modalidades de desaparições: a) as vítimas

eram detidas por pessoas vestidas de civil e os familiares não mais as viam; b) as pessoas

eram detidas nas ruas e posteriormente levadas a prisões; c) muitos cidadãos paraguaios

também desapareciam na Argentina (CORTE IDH, 2006).

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Uma das características do fim da ditadura do Paraguai é que se tratou de um golpe

dado contra um regime ditatorial cívico-militar pelos próprios militares, isto significa que se

tratou de um auto golpe liderado pelo general Andrés Rodríguez, braço direito do ditador

durante todo o regime. (COMISIÓN) Neste momento iniciou um inédito período de abertura

política e de liberdades públicas irrestritas (PA, 2008).

A Comissão da Verdade e Justiça teve início com uma petição da sociedade civil ao

Parlamento Nacional, especialmente das associações de vítimas da ditadura e das

organizações de direitos humanos quando a ditadura de Stroessner cessou. A Comissão

buscou estabelecer a verdade e a justiça sobre os fatos ocorridos no país basicamente durante

a ditadura stronista (1954-1989) (COMISIÓN).

Foi realizada a colheita de declarações e entrevistas com 2.059 pessoas. Sob o lema

quien olvida, repite, a Comissão organizou várias audiências públicas nacionais e

internacionais com espaços para a recuperação da memória coletiva (COMISIÓN).

Em matéria de educação, as atividades da Comissão foram diversas, entre elas a

matéria Autoritarismo en la historia reciente del Paraguay, como parte do programa de

estudos do Ministério da Educação e Cultura para os alunos do terceiro ciclo da educação

escolar básica, cátedra desenhada e elaborada pela Comissão (COMISIÓN).

A Comissão da Verdade e Justiça ainda segue trabalhando para desentranhar as

violações dos direitos humanos cometidas durante a ditadura (PA, 2008).

2.3.10 Peru: 1980-2000

A maior porcentagem de violações a direitos humanos cometidas no Peru ocorreu no

final do conflito interno que se iniciou em 1980 e se prolongou até a primeira metade dos anos

90. Este conflito baseou-se em um enfrentamento entre os grupos subversivos Sendero

Luminoso e do Movimento Revolucionário Túpac Amaru (MRTA) contra o Estado peruano

(CORIA, 2009).

O conflito foi caracterizado por ter sido um dos mais longos, generalizados e

sangrentos que ocorreram no Peru e também porque o número de mortos superou amplamente

o de qualquer outro conflito interno em que se tenha visto no país (CORIA, 2009).

Os anos que precederam o conflito interno estiveram caracterizados por instabilidades

políticas/sociais e com o enfraquecimento da ainda jovem democracia peruana. Após as

profundas transformações das décadas anteriores ao terremoto político que significou o

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reformismo militar (1968-1975), o país parecia estar encaminhado a consolidar um Estado

nacional moderno e democrático. Tal situação quedou-se verificada com a convocação em

1979 de uma assembleia constituinte que elaborou a Constituição que foi aprovada neste

mesmo ano (CORIA, 2009).

Após a realização das investigações da Comisión de la Verdad y Reconciliación

Nacional, pode-se constatar que o conflito interno iniciou em pleno reinado de um regime

democrático, com liberdade de imprensa e política inclusiva.

Neste contexto, o dia 17 de maio de 1980, na véspera das eleições presidenciais, um

grupo terrorista chamado Sendero Luminoso, também conhecido como Partido Comunista del

Perú – Sendero Luminoso (PCP-SL) dirigiu-se à localidade de Chuschi onde roubou e

queimou objetos que seriam utilizados na eleições presidenciais do dia seguinte. Este seria o

primeiro ato de guerra realizado por Sendero Luminoso e a partir dele desencadeou uma onda

de violência cada vez maior (CORIA, 2009).

A partir de 1983 foi intensificada a resposta estatal contra a violência de Sendero

Luminoso, o qual demonstrou de maneira brutal as exclusões e discriminações sociais e

políticas. Já em 1985 o Sr. Alan García assumiu a Presidência da República e identificou

algumas das causas sociais que possibilitaram e alimentaram o conflito armado interno, entre

eles, a extrema desigualdade. Em razão disto, foram adotadas algumas medidas para frear a

estratégia da luta, mas não conseguiram lograr o objetivo (CORIA, 2009).

O grande marco do combate das forças armadas e policiais incorreu em graves

violações aos direitos humanos, tais como: a tortura nos interrogatórios, maus tratos e

tratamentos desumanos. Produziu-se um distanciamento entre o Estado e a população,

ocasionando uma má imagem das autoridades policiais e militares (CORIA, 2009).

Em 1990 em meio a uma crise econômica gerada por uma grande inflação, Alberto

Fujimori assumiu a Presidência da República Peruana. Desde o começo advertiu que carecia

de uma estratégia distinta para lutar contra a subversão, por tal motivo, o Estado seguiu

recorrendo a métodos inconstitucionais e violadores dos direitos humanos (CORIA, 2009).

No entanto, no dia 05 de abril de 1992, Alberto Fujimori deu um golpe de Estado, o

chamado autogolpe para instaurar um “governo de emergência e restauração nacional” com

fundamento no Decreto Lei nº 25418 (CORIA, 2009).

Com as derrotas progressivas dos movimentos terroristas, foi promulgada uma nova

Constituição em 1993, cuja aprovação popular se viu assegurada com a captura dos principais

lideres terroristas, fato que contribuiu para a pacificação do país. (CORIA, 2009)

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Foi deste modo que se constituiu um governo autoritário cuja política contrasubversiva

possibilitou a limitação das forças policiais e militares na luta interna (CORIA, 2009).

Os crimes cometidos foram de diversas naturezas: detenções arbitrárias, genocídio,

desaparecimentos forçados, torturas, assassinatos, sequestros e execuções extrajudiciais,

cometidos em sua maioria como parte de uma estratégia de luta contra a subversão (CORIA,

2009).

Exemplos como estes demonstram como a então nova democracia peruana não soube

utilizar recursos legítimos para fazer frente à subversão, mas sim, submeteu a leis que não

condizem com um Estado respeitoso aos direitos humanos de seus cidadãos, e, ao mesmo

tempo, demonstram a incapacidade do Estado para fazer frente ao terrorismo (CORIA, 2009).

Após a renúncia de Alberto Fujimori da presidência no ano 2000, foi instalado no Peru

um governo de transição (de novembro de 2000 a julho de 2001), liderado por Valentin

Paniagua, com o escopo de organizar eleições transparentes, garantir o devido processo legal

nas ações judiciais que haviam sido instauradas por denúncias de corrupção contra agentes

políticos do fujimorismo, bem como devolver o poder a um novo governo democraticamente

eleito (ARCE, 2010).

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3. ANÁLISE DE CASOS: A (IN) EXISTÊNCIA DE DIÁLOGO E AS PERSPECTIVAS PARA O FORTALECIMENTO DO SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS

“El miedo seca la boca, moja las manos y mutila.

El miedo de saber nos condena a la ignorancia;

el miedo de hacer nos reduce a la impotencia.

La dictadura militar, miedo de escuchar,

miedo de decir, nos convirtió en sordomudos.

Ahora la democracia, que tiene miedo de recordar,

nos enferma de amnesia; pero no se necesita

ser Sigmund Freud para saber que no hay alfombra

que pueda ocultar la basura de la memoria”.

-- Eduardo Galeano, La Desmemoria.

3.1 Caso 1. Gomes Lund e Outros (Guerrilha do Araguaia) vs. Brasil

No dia 07 de agosto de 1995 o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e

a Human Rights Watch/Americas apresentaram uma petição à Comissão Interamericana de

Direitos Humanos em nome das pessoas desaparecidas durante a Guerrilha do Araguaia no

Brasil (CORTE IDH, 2010).

Em março de 2001, no uso das atribuições conferidas pelo Pacto de San José, a

Comissão Interamericana expediu relatório com recomendações para o Brasil. No dia 21 de

novembro de 2008 o Estado foi notificado para que apresentasse informações sobre as ações

executadas com a finalidade de provar a implementação do que outrora fora recomendado

pela Comissão (CORTE IDH, 2010).

O Estado brasileiro solicitou duas prorrogações de prazos para apresentar informações,

no entanto, os prazos findaram sem que o Estado demonstrasse uma “implementação

satisfatória” (CORTE IDH, 2010).

Em razão disto, a Comissão submeteu o caso à jurisdição da Corte Interamericana,

cujo objeto tratava-se da verificação da responsabilidade do Estado brasileiro pela detenção

arbitrária, tortura e desaparecimento forçado de 70 indivíduos membros do grupo denominado

“Guerrilha do Araguaia” entre os anos de 1972 e 1975 (CORTE IDH, 2010).

A Guerrilha do Araguaia era um movimento de resistência ao regime militar que

buscava a construção de um exército popular de libertação, sendo integrado em 1972 por

cerca de 70 pessoas (em sua maioria jovens) membros do Partido Comunista do Brasil

(CORTE IDH, 2010).

Pelo levantamento histórico realizado, a Corte assim informou:

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Entre abril de 1972 e janeiro de 1975, um contingente de entre três mil e dez mil integrantes do Exército, da Marinha, da Força Aérea e das Polícias Federal e Militar empreendeu repetidas campanhas de informação e repressão contra os membros da Guerrilha do Araguaia. Nas primeiras campanhas, os guerrilheiros detidos não foram privados da vida, nem desapareceram. Os integrantes do Exército receberam ordem de deter os prisioneiros e de sepultar os mortos inimigos na selva, depois de sua identificação; para isso, eram “fotografados e identificados por oficiais de informação e depois enterrados em lugares diferentes na selva”. No entanto, após uma “ampla e profunda operação de inteligência, planejada como preparativo da terceira e última investida de contra-insurgência”, houve uma mudança de estratégia das forças armadas. Em 1973, a “Presidência da República, encabeçada pelo general Médici, assumiu diretamente o controle sobre as operações repressivas [e] a ordem oficial passou a ser de eliminação” dos capturados. No final de 1974, não havia mais guerrilheiros no Araguaia, e há informação de que seus corpos foram desenterrados e queimados ou atirados nos rios da região. Por outro lado, “[o] governo militar impôs silêncio absoluto sobre os acontecimentos do Araguaia [e p]roibiu a imprensa de divulgar notícias sobre o tema, enquanto o Exército negava a existência do movimento” (CORTE IDH, 2010, p. 33).

Em outubro de 1980, abril de 1991 e janeiro de 1993, os familiares das vítimas

fizeram várias campanhas com o objetivo de conseguir informações, sendo então encontrados

indícios de corpos enterrados em cemitérios clandestinos (CORTE IDH, 2010).

A Comissão Interamericana alegou em sua inicial que a prática de desaparecimento

forçado é um crime contra a humanidade e que a Guerrilha do Araguaia possui uma particular

transcendência histórica pelos seguintes motivos (CORTE IDH, 2010, p. 30):

os fatos ocorreram em um contexto de prática sistemática de detenções arbitrárias, torturas, execuções e desaparecimentos forçados perpetrado[s] pelas forças de segurança do governo militar, nos quais os agentes estatais […] utilizaram a investidura oficial e recursos outorgados pelo Estado para [fazer] desaparecer a todos os membros da Guerrilha do Araguaia.

Os autores dos crimes ocultaram as provas dos delitos; quando solicitados davam

informações contraditórias sobre os paradeiros das vítimas e agiram deliberadamente com o

intuito de fazer com que os familiares não tivessem informações das vítimas, escapando

assim, de toda a punição (CORTE IDH, 2010).

Em que pese a Comissão Interamericana tenha reconhecido o fato de o Estado ter

pagado indenizações aos familiares, entendeu que estes ainda não tinham informações

mínimas sobre o acontecido (40 anos após o início dos fatos) (CORTE IDH, 2010).

Os representantes da Comissão afirmaram que o extermínio da guerrilha constituiu um

dos episódios mais sangrentos do regime ditatorial, porquanto grande número de indivíduos

ficou sob custódia do Estado antes de desaparecerem. Alegaram que as supostas vítimas

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ficaram isoladas por tempo prolongado, sem comunicação, sendo tratadas de modo cruel e

desumano (CORTE IDH, 2010).

Salientaram que o modus operandi permite deduzir que as supostas vítimas sofreram

torturas e que em razão de os restos mortais não terem sido localizados, pugnaram para que a

Corte declarasse a responsabilidade agravada do Estado brasileiro pela “violação dos direitos

ao reconhecimento da personalidade, à vida, à integridade e à liberdade pessoal, consagrados,

respectivamente, nos artigos 3, 4, 5 e 7 da Convenção Americana, em relação com o artigo 1.1 63 do mesmo tratado” (CORTE IDH, 2010, p. 31).

Durante a audiência pública, o Brasil afirmou que por meio da Lei n. 9.140/95

reconheceu sua responsabilidade pelas mortes e desaparecimentos forçados da Guerrilha. Em

decorrência desta afirmação a Corte concluiu que não há controvérsia de que entre os anos

1972 e 1974 agentes estatais foram responsáveis pelo desaparecimento forçado de 62 pessoas

e que passadas décadas somente foram identificados os restos mortais de duas vítimas

(CORTE IDH, 2010).

Muito embora o Estado tenha reconhecido a culpa pelo ocorrido, afirmou que está

impossibilitado de investigar e punir os responsáveis pelos desaparecimentos forçados diante

da existência da Lei de Anistia (n. 6.683/79) e que, devido a isto, juridicamente não há

possibilidade de os familiares e a sociedade brasileira conhecer a verdade sobre o ocorrido

(CORTE IDH, 2010).

Em 2010, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela improcedência da ADPF nº 153 e

confirmou a validade interna da referida lei por sete votos contra dois, ao entender pela

constitucionalidade da interpretação do parágrafo 1º do artigo 1º.64 (CORTE IDH, 2010).

Em razão da existência desta lei é que o Brasil não investigou ou sancionou os

responsáveis pelas violações cometidas durante a ditadura militar. Para o Ministro Relator, a

lei de anistia deve ser interpretada em conjunto com a realidade e momento histórico

vivenciado à época e não à realidade atual (CORTE IDH, 2010).

63 Artigo 1º - Obrigação de respeitar os direitos 1. Os Estados-partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma, por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social. 64 Art. 1º É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares. § 1º - Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política.

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Contudo, para a Corte Interamericana a interpretação que foi conferida à Lei de

Anistia trata-se de um obstáculo à garantia do direito de acesso à justiça e do direito à

verdade, sendo que tal situação acaba por criar uma concretização da impunidade por conta

dos efeitos vinculantes e eficácia erga omnes da decisão (CORTE IDH, 2010).

Não obstante a interpretação feita pela mais alta Corte do Estado brasileiro, a Corte de

San José entende que a aplicação de leis de anistia é contrária às obrigações contidas na

Convenção e na jurisprudência da Corte Interamericana, isso porque em casos de execução e

desaparecimento forçado, os artigos 8 e 2565 da Convenção estabelecem que os familiares das

vítimas têm o direito de que as mortes ou desaparecimentos sejam investigados pelo Estado.

Além disto, nenhuma norma de direito interno pode impedir que o Estado cumpra esta

obrigação, pois tais violações a direitos humanos tratam-se de crimes contra a humanidade e,

por serem imprescritíveis, não pode ser concedida anistia (CORTE IDH, 2010).

Reiterados foram os pronunciamentos do Sistema Interamericano de Direitos

Humanos acerca da incompatibilidade das leis de anistia com as obrigações convencionais

dos Estados, exemplo disto são as decisões em face da Argentina,66 Chile67 El Salvador,68

Haiti,69 Peru70 e Uruguai71 (CORTE IDH, 2010).

A Comissão (2010, p. 55) recordou que:

se pronunciou em um número de casos-chave, nos quais teve a oportunidade de expressar seu ponto de vista e cristalizar sua doutrina em matéria de aplicação de leis de anistia, estabelecendo que essas leis violam diversas disposições, tanto da Declaração Americana como da Convenção. Essas decisões, coincidentes com o critério de outros órgãos internacionais de direitos humanos a respeito das anistias, declararam, de maneira uniforme, que tanto as leis de anistia como as medidas

65 Artigo 8º - Garantias judiciais 1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. Artigo 25 - Proteção judicial 1. Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais. 66 Cf. CIDH. Relatório nº 28/92, Casos 10.147; 10.181; 10.240; 10.262; 10.309, e 10.311. Argentina, de 2 de outubro de 1992, pars. 40 e 41. 67 Cf. CIDH. Relatório nº 34/96, Casos 11.228; 11.229; 11.231, e 11.282. Chile, 15 de outubro de 1996, par. 70, e CIDH. Relatório nº 36/96. Chile, 15 de outubro de 1996, par. 71. 68 Cf. CIDH. Relatório nº 1/99, Caso 10.480. El Salvador, de 27 de janeiro de 1999, pars. 107 e 121. 69 Cf. CIDH. Relatório nº 8/00, Caso 11.378. Haiti, de 24 de fevereiro de 2000, pars. 35 e 36. 70 Cf. CIDH. Relatório nº 20/99, Caso 11.317. Peru, de 23 de fevereiro de 1999, pars. 159 e 160; CIDH. Relatório nº 55/99, Casos 10.815; 10.905; 10.981; 10.995; 11.042 e 11.136. Peru, 13 de abril de 1999, par. 140; CIDH. Relatório nº 44/00, Caso 10.820. Peru, 13 de abril de 2000, par. 68, e CIDH. Relatório nº 47/00, Caso 10.908. Peru, 13 de abril de 2000, par. 76. 71 Cf. CIDH. Relatório nº 29/92. Casos 10.029, 10.036 e 10.145. Uruguai. 2 de outubro de 1992, pars. 50 e 51.

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legislativas comparáveis, que impedem ou dão por concluída a investigação e o julgamento de agentes de [um] Estado, que possam ser responsáveis por sérias violações da Convenção ou da Declaração Americana, violam múltiplas disposições desses instrumentos.

A Corte reiterou que “o desaparecimento forçado tem caráter permanente e persiste

enquanto não se conheça o paradeiro da vítima ou se encontrem seus restos, de modo que se

determine com certeza sua identidade” (CORTE IDH, 2010, p. 45).

Desde a primeira sentença proferida pela Corte fora destacada a importância em punir

as violações de direitos humanos, sobretudo quando se fala no crime de desaparecimento

forçado de pessoas que há muito alcançou o caráter de jus cogens (CORTE IDH, 2010).

A interpretação feita à Lei de Anistia afetou o direito dos familiares de serem ouvidos

por um magistrado tal como estabelece o artigo 8.1 da Convenção Americana.72 Ademais, ao

aplicar a Lei de Anistia o Estado descumpriu sua obrigação de adequar o direito interno,

conforme dispõe o artigo 2 da Convenção Americana.73 (CORTE IDH, 2010).

A Corte entende que as autoridades internas estão sujeitas ao império da lei e,

portanto, devem aplicar as disposições vigentes no ordenamento jurídico interno, contudo, a

partir do momento em que um Estado é parte de um tratado internacional, todos seus órgãos

estão obrigados a zelar para que a Convenção não seja enfraquecida pela aplicação de normas

internas contrárias ao seu desiderato (CORTE IDH, 2010).

Partindo desta ideia, tem-se que o Poder Judiciário, em todas suas instâncias, tem a

obrigação internacional de exercer um “controle de convencionalidade” ex officio entre as

normas internas e a Convenção Americana. Importante destacar que o judiciário não deve

estar atento somente ao tratado, mas também à interpretação que a Corte Interamericana

conferiu a ele na qualidade de último intérprete (CORTE IDH, 2010).

No caso “Guerrilha do Araguaia” a Corte entendeu que o controle de

convencionalidade não foi exercido pelo judiciário brasileiro e que o Supremo Tribunal

Federal não considerou suas obrigações derivadas do Direito Internacional estabelecidas nos

artigo 8 e 25 da Convenção Americana (CORTE IDH, 2010).

72 Artigo 8. Garantias judiciais 1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. 73 Artigo 2. Dever de adotar disposições de direito interno Se o exercício dos direitos e liberdades mencionados no artigo 1 ainda não estiver garantido por disposições legislativas ou de outra natureza, os Estados Partes comprometem-se a adotar, de acordo com as suas normas constitucionais e com as disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades.

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A Corte declarou ainda que as disposições da Lei de Anistia são incompatíveis com o

conteúdo do Pacto de San José por impedir a investigação e sanção das violações de direitos

humanos. Afirmou que tal lei carece de efeito jurídico e não pode seguir representando “um

obstáculo para a investigação dos fatos do presente caso, nem para a identificação e punição

dos responsáveis, e tampouco podem ter igual ou semelhante impacto a respeito de outros

casos de graves violações” (CORTE IDH, 2010, p. 113).

A Corte reconheceu a responsabilidade do Estado pelos fatos descritos na denúncia

oferecida pela Comissão e decidiu por unanimidade que o Brasil deve: 1) conduzir

investigação penal dos fatos para determinar as responsabilidades penais e aplicar as sanções

correspondentes; 2) determinar o paradeiro das vítimas desaparecidas e, se for o caso,

identificar e entregar os restos mortais aos familiares; 3) oferecer tratamento médico,

psicológico ou psiquiátrico que as vítimas requeiram e pagar o montante em dinheiro; 4)

realizar ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional dos fatos; 5)

continuar as ações de capacitação e implementação de programa ou curso permanente e

obrigatório sobre direitos humanos para as Forças Armadas; 6) adotar medidas para tipificar o

crime de desaparecimento forçado; 7) continuar desenvolvendo iniciativas de informações

sobre a Guerrilha do Araguaia e de outras violações de direitos humanos perpetradas durante

o regime militar; 8) pagar indenização por dano material, imaterial e restituição de custas e

gastos e 9) realizar uma convocatória em jornal de circulação nacional e um da região onde

ocorreram os fatos por um período de 24 meses (CORTE IDH, 2010).

Na parte final da sentença a Corte dispôs que dentro do prazo de um ano, a partir da

notificação, o Estado deverá apresentar ao Tribunal um informe sobre as medidas adotadas

para o seu cumprimento (CORTE IDH, 2010).

Para o juiz ad hoc Roberto Figueiredo Caldas, o julgamento do caso Guerrilha do

Araguaia possuiu importância transcendental para o Brasil, sobretudo para o Poder Judiciário,

pois trata-se de caso inédito de decisão de tribunal internacional oposta à jurisprudência

nacional pacificada (CORTE IDH, 2010).

Nas palavras do Juiz Roberto Figueiredo Caldas:

se aos tribunais supremos ou aos constitucionais nacionais incumbe o controle de constitucionalidade e a última palavra judicial no âmbito interno dos Estados, à Corte Interamericana de Direitos Humanos cabe o controle de convencionalidade e a última palavra quando o tema encerre debate sobre direitos humanos. É o que decorre do reconhecimento formal da competência jurisdicional da Corte por um Estado, como o fez o Brasil Para todos os Estados do continente americano que livremente a adotaram, a Convenção equivale a uma Constituição supranacional atinente a Direitos Humanos. Todos os poderes públicos e esferas nacionais, bem

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como as respectivas legislações federais, estaduais e municipais de todos os Estados aderentes estão obrigados a respeitá-la e a ela se adequar. Mesmo as Constituições nacionais hão de ser interpretadas ou, se necessário, até emendadas para manter harmonia com a Convenção e com a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos. De acordo com o artigo 2º da Convenção, os Estados comprometem-se a adotar medidas pala eliminar normas legais e práticas de quaisquer espécies que signifiquem violação a ela e, também ao contrário, comprometem-se a editar legislação e desenvolver ações que conduzam ao respeito mais amplo e efetivo da Convenção

No entendimento do referido juiz, é necessário desvencilhar-se do positivismo

exacerbado com a finalidade de conceder maior respeito aos direitos dos indivíduos e findar o

círculo de impunidade que circunda o Brasil. Para tanto, faz-se necessário que o Direito e a

Justiça mostrem que práticas desumanas não mais podem ser repetidas e que não serão

esquecidas (CORTE IDH, 2010).

Em razão de ainda não ter sido realizada a Supervisão do Cumprimento de Sentença

pela Corte Interamericana, buscar-se-á analisar por meio de informações colhidas em sítios

oficiais e bibliografias quais as medidas que o Brasil está tomando para cumprir a decisão

proferida pela Corte Interamericana.

Quando foi anunciada a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos acerca

do caso Gomes Lund (Guerrilha do Araguaia), alguns ministros do Supremo Tribunal Federal

refutaram veementemente a sentença internacional (GOMES; MAZZUOLI, 2011).

Para o Ministro Marco Aurélio:

O governo está submetido ao julgamento do STF e não pode afrontá-lo para seguir a Corte da OEA. É uma decisão que pode surtir efeito ao leigo no campo moral, mas não implica cassação da decisão do STF. Quando não prevalecer a decisão do Supremo, estaremos muito mal. É uma decisão tomada no âmbito internacional, não no interno. Na prática [a decisão da Corte] não terá efeito nenhum. (ESTADÃO, 2010) (Grifo nosso)

Para o Ministro Cezar Peluso: “A decisão da Corte só gera efeitos no campo da

Convenção Americana de Direitos Humanos (...) caso as pessoas anistiadas sejam

processadas, é só recorrer ao STF. O Supremo vai conceder habeas corpus na hora”.

(ESTADÃO, 2010)

No mesmo sentido o ex-ministro do STF Nelson Jobim afirmou que a decisão da Corte

Interamericana “é meramente política e sem efeito jurídico. O processo de transição no Brasil

é pacífico, com histórico de superação de regimes, não de conflito” (O GLOBO, 2010).

Para Luiz Flávio Gomes e Valério Mazzuoli (2011) as declarações dos ministros

acima citadas, do ponto de vista jurídico são equivocadas, porquanto estão partindo da

premissa de um ordenamento jurídico dualista, no qual o direito interno não tem relação com

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a ordem internacional, sendo que esta posição já fora superada há décadas pela doutrina

internacionalista.

Tendo o STF assumido esta postura, está a destoar das atitudes dos países vizinhos

(Argentina e Chile) que cumprem há vários anos as decisões da Corte Interamericana e vem

harmonizando sua jurisprudência com a do âmbito internacional (GOMES; MAZZUOLI,

2011).

É necessário desvencilhar da ideia de que a jurisdição internacional e nacional são

independentes, pois o que deve existir é uma relação de interdependência com o objetivo de

dar força e vida à proteção dos direitos humanos. É possível afirmar, portanto, que as relações

entre o direito interno e internacional são relações dialógicas (GOMES; MAZZUOLI, 2011).

Importa observar que nessa fase internacionalista do Estado, do Direito e da Justiça, o princípio do domestic affair (ou da não ingerência), que limitava o direito internacional à relação entre Estados no contexto de uma sociedade internacional formal, evoluiu para o do international concern, que significa que o gozo efetivo, pelos cidadãos de todos os Estados, dos direitos e liberdades fundamentais, passa a ser verdadeira questão de direito internacional. [...] tal significa que agora temos também juízes internacionais para tutelar nossos direitos violados, e não mais apenas juízes internos a exercer esse tipo de proteção. (GOMES; MAZZUOLI, 2011, p. 56-57)

As relações dialógicas tratam-se exatamente da articulação da legislação nacional com

a internacional. (GORDILLO, et al. 2007) O operador do direito não pode estar alheio a este

novo modelo de interação do conjunto internacional, constitucional e infraconstitucional, bem

como a jurisprudência interna e internacional (GOMES; MAZZUOLI, 2011).

Apesar do posicionamento do STF que desrespeitou a força obrigatória das decisões

da Corte IDH, em 2011 foi criada a Lei n. 12.528 que criou a Comissão Nacional da Verdade

com o objetivo de apurar as violações de direitos humanos ocorridas entre 18 de setembro de

1946 e 5 de outubro de 1988. A Comissão é composta por sete membros74 designados pelo

Presidente da República dentre brasileiros que tenham reconhecida idoneidade, conduta ética

e que estejam dispostos a atuar na defesa da democracia, da institucionalidade constitucional e

com o respeito aos direitos humanos (BRASIL, 2011).

74 1) Gilson Dipp (Vice presidente do Superior Tribunal de Justiça); 2) José Carlos Dias (Advogado criminalista, durante a ditadura advogou em defesa de presos políticos, atuando diretamente na Justiça Militar); 3) José Paulo Cavalcanti Filho (advogado, foi secretário-geral do Ministério da Justiça e Ministro (interino) da Justiça, no governo José Sarney; 4) Maria Rita Kehl (Doutora em psicanálise, foi editora do Jornal Movimento, um dos mais importantes veículos da imprensa alternativa durante a Ditadura); 5) Paulo Sérgio Pinheiro (doutor em Ciência Política, foi secretário de Estado de Direitos Humanos no governo Fernando Henrique Cardoso ; 6) Pedro Dallari (Advogado, Doutor e Livre-Docente em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da USP); 7) Rosa Maria Cardoso da Cunha (advogada, doutora em ciência política e professora universitária).

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A Comissão Nacional da Verdade possui um sítio na internet

(http://www.cnv.gov.br/index.php) onde atualiza as informações descobertas sobre o período

ditatorial, disponibilizam depoimentos colhidos nas audiências públicas; quase que

diariamente lançam notícias sobre os trabalhos realizados; divulgam a agenda de trabalhos;

disponibilizam transmissões ao vivo; emitem relatórios, etc.

Deste modo, embora não tenha sido realizada a supervisão do cumprimento de

sentença, tem-se que o Brasil já editou lei sobre a Comissão Nacional da Verdade (Lei

12.528/11) e a Lei sobre acesso à informação (Lei 12.527/11); também iniciou a busca de

localização dos restos mortais dos desaparecidos por meio do Grupo de Trabalho do Araguaia

(GTA) (RAMOS, 2011) e também publicou a sentença da Corte Interamericana.75

No que se refere ao diálogo, por ora a análise irá se restringir na análise das

“conversações” realizadas na sentença de mérito proferida pela Corte de San José.

No Direito Internacional a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos

Humanos foi precursora do entendimento sobre a gravidade e do caráter continuado do

desaparecimento forçado de pessoas. Tal ato é caracterizado pela privação da liberdade do

indivíduo, seguido da falta de informação sobre seu (CORTE IDH, 2010).

A Corte entende que o desaparecimento forçado trata-se de uma violação de múltiplos

direitos existentes na Convenção Americana, pois a vítima queda-se em estado de desproteção

tendo alcançado o caráter de jus cogens (CORTE IDH, 2010).

O diálogo feito pela Corte inicia ao afirmar que a obrigação de investigar e punir as

graves violações a direitos humanos é afirmada pelos sistemas internacionais de direitos

humanos. No sistema universal – o Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas

estabeleceu que os Estados têm o dever de investigar as violações ao Pacto Internacional de

Direitos Civis e Políticos.76 Considerou em sua jurisprudência ulteriormente que a

investigação e julgamento tratam-se de medidas de extrema necessidade quando há violações

a direitos humanos.77 Especificamente nos casos de desaparecimentos forçados entendeu o

Comitê que os Estados devem elucidar o que ocorreu com as vítimas e fazer justiça (CORTE

IDH, 2010).

75 Cf http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2011/06/brasil-publica-sentenca-da-oea-sobre-guerrilha-do-araguaia 76 Cf. C.D.H., Caso Larrosa versus Uruguai. Comunicação 88/1981, Decisão de 25 de março de 1983, par. 11.5, e C.D.H., Caso Gilboa versus Uruguai. Comunicação 147/1983, Decisão de 1 de novembro de 1985, par. 7.2. 77 Cf. C.D.H., Caso Sathasivam versus Sri Lanka. Comunicação nº 1436/2005, Decisão de 8 de julho de 2008, par. 6.4; C.D.H., Caso Amirov versus Federação Russa. Comunicação nº 1447/2006, Decisão de 2 de abril de 2009, par. 11.2, e C.D.H., Caso Felipe e Evelyn Pestaño versus Filipinas. Comunicação No.1619/2007, Decisão de 23 de março de 2010, par. 7.2.

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Já a Corte Europeia de Direitos Humanos considera que violações ao direito à vida ou

a integridade pessoal implica na obrigação do Estado em realizar uma investigação eficaz78

(CORTE IDH, 2010).

Menciona também o Sistema Africano quando a Comissão Africana sustentou que a

falta de adoção de medidas que garantam que os autores dessas violações sejam punidos

constitui uma violação das obrigações internacionais dos Estados79 (CORTE IDH, 2010).

No sistema universal, o Secretário-Geral das Nações Unidas no Relatório do Conselho

de Segurança intitulado “O Estado de Direito e a justiça de transição nas sociedades que

sofrem ou sofreram conflitos”, afirmou o seguinte: “os acordos de paz aprovados pelas

Nações Unidas nunca pod[e]m prometer anistias por crimes de genocídio, de guerra, ou de

lesa-humanidade, ou por infrações graves dos direitos humanos” (CORTE IDH, 2010).

O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos já ressaltou que as

anistias ou medidas análogas fazem com que se perpetrem a impunidade, constituindo um

obstáculo para o direito à verdade, sendo incompatível com as obrigações dos Estados

(CORTE IDH, 2010).

No entanto, cumpre ressaltar que o diálogo não se resume somente no

transjudicialismo entre os sistemas global e regionais de proteção a direitos humanos, pois a

Corte também cita que vários estados da Organização dos Estados Americanos (OEA) por

meio de seus tribunais de justiça declararam sem efeito as leis de anistia.

É o caso, por exemplo, da Corte Suprema de Justiça da Nação Argentina que no “Caso

Simón” declarou que a lei de anistia constituía um obstáculo normativo para a investigação e

condenação de fatos de violações aos direitos humanos (CORTE IDH, 2010).

No Chile, a Corte Suprema de Justiça anulou no caso “Lecaros Carrasco” a “sentença

absolutória anterior e invalidou a aplicação da anistia chilena prevista no Decreto-Lei nº

2.191, de 1978, por meio de uma sentença de substituição” (CORTE IDH, 2010).

A Suprema Corte de Justiça do Uruguai ao julgar a Lei de Caducidade da Pretensão

Punitiva do Estado afirmou o seguinte (CORTE IDH, 2010):

[ninguém] nega que, mediante uma lei promulgada com uma maioria especial e para casos extraordinários, o Estado pode renunciar a penalizar atos delitivos. […] No

78 Cf. E.C.H.R., Case of Aksoy v. Turkey. Application nº 21987/93, Judgment of 18 December 1996, para 98; E.C.H.R., Case of Aydin v. Turkey. Application nº 23178/94, Judgment of 25 September 1997, para 103; E.C.H.R., Case of Selçuk and Asker v. Turkey. Applications Nos. 23184/94 and 23185/94, Judgment of 24 April 1998, para 96, e E.C.H.R., Case of Keenan v. United Kingdom. Application nº 27229/95, Judgment of 3 April 2001, para 123. 79 Cf. A.C.H.P.R., Case of Mouvement Ivoirien des Droits Humains (MIDH) v. Côte d’Ivoire, Communication nº 246/2002, Decision of July 2008, paras. 97 and 98.

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entanto, a lei é inconstitucional porque, no caso, o Poder Legislativo excedeu o marco constitucional para acordar anistias [porque] declarar a caducidade das ações penais, em qualquer hipótese, excede as faculdades dos legisladores e invade o âmbito de uma função constitucionalmente atribuída aos juízes, pelo que, independentemente dos motivos, o legislador não podia atribuir-se a faculdade de resolver que havia operado a caducidade das ações penais em relação a certos delitos.80

Por fim, a Corte Constitucional da Colômbia em julgamento ressaltou que é necessário

evitar a aplicação de disposições internas de anistia pelos seguintes motivos:

Figuras como as leis de ponto final, que impedem o acesso à justiça, as anistias em branco para qualquer delito, as autoanistias (ou seja, os benefícios penais que os detentores legítimos ou ilegítimos do poder concedem a si mesmos e aos que foram cúmplices dos delitos cometidos), ou qualquer outra modalidade que tenha como propósito impedir às vítimas um recurso judicial efetivo para fazer valer seus direitos, foram consideradas violadoras do dever internacional dos Estados de prover recursos judiciais para a proteção dos direitos humanos.81

Visualiza-se, portanto, que órgãos internacionais de proteção de direitos humanos e

várias cortes nacionais de países latino americanos pronunciaram a incompatibilidade das leis

de anistia com as obrigações internacionais dos Estados (CORTE IDH, 2010).

A partir do exposto e atentando-se – sobretudo - na postura do STF após a condenação

do Brasil no âmbito do sistema interamericano, é possível perceber que a tradição do direito

brasileiro de abrir-se ao diálogo é deveras complicada. Quiçá seja em razão do próprio

problema cultural que assola o país no fato de estar verdadeiramente de costas para a América

Latina e por não ter a tradição de estudar bibliografias e decisões dos países vizinhos além dos

instrumentos internacionais que subscreveu há muito tempo.

Em suma, a Corte IDH rememorou o primeiro caso contencioso sentenciado há mais

de 20 anos sobre o desaparecimento forçado e ressaltou que a caracterização deste delito pode

ser aferida em alguns instrumentos internacionais, como decisões das Nações Unidas82, pela

jurisprudência da Corte Europeia de Direitos Humanos83 e de outros tribunais nacionais dos

Estados americanos84 (CORTE IDH, 2010).

80 Suprema Corte de Justiça do Uruguai, Caso de Nibia Sabalsagaray Curutchet, nota 242 supra, Considerando III.2, par. 13 (tradução da Secretaria da Corte Interamericana). 81 Corte Constitucional da Colômbia, Revisão da Lei 742 de 5 de junho de 2002, Expediente nº LAT-223, Sentença C-578/02, de 30 de julho de 2002, seção 4.3.2.1.7 (tradução da Secretaria da Corte Interamericana). 82 Cf. C.D.H., Caso de Ivan Somers versus Hungria, Comunicação nº 566/1993, Decisão de 23 de julho de 1996, par. 6.3; . C.D.H., Caso de E. e A.K. versus Hungria, Comunicação nº 520/1992, Decisão de 5 de maio de 1994, par. 6.4, e C.D.H., Caso de Solorzano versus Venezuela, Comunicação nº 156/1983, Decisão de 26 de março de 1986, par. 5.6. 83 Cf. E.C.H.R., Case of Kurt v. Turkey, Application nº 15/1997/799/1002, Judgment of 25 May 1998, paras. 124 a 128; E.C.H.R., Case of Çakici v. Turkey, Application nº 23657/94, Judgment of 8 July 1999, paras. 104 a 106; E.C.H.R., Case of Timurtas v. Turkey, Application nº 23531/94, Judgment of 13 June 2000, paras. 102 a 105; E.C.H.R., Case of Tas v. Turkey, Application nº 24396/94, Judgment of 14 November 2000, paras. 84 a 87, e

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126

A Corte demonstrou fazer um profundo diálogo com o sistema global e regional de

proteção a direitos humanos, mantendo uma postura aberta para o aprendizado recíproco.

3.1.1 Caso 2.Ticona Estrada y Otros vs. Bolivia

No dia 09 de agosto de 2004, o Defensor do Povo da Bolívia apresentou uma petição à

Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre o desaparecimento forçado de Renato

Ticona Estrada.

Em outubro de 2006 a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, no uso de suas

atribuições aprovou relatório, no qual apresentou recomendações para o Estado realizar, no

entanto, a Bolívia não demonstrou de modo satisfatório seu cumprimento. Em razão disto, a

Comissão no dia 27 de julho de 2007 decidiu submeter o caso à jurisdição da Corte

Interamericana (CORTE IDH, 2008).

A demanda refere-se ao desaparecimento forçado de Renato Ticona Estrada no dia 22

de julho de 1980 quando foi detido por uma patrulha do exército próximo a um posto de

fiscalização de Cala-Cala em Oruro (Bolívia) juntamente com seu irmão, quando estavam

indo a visitar o avô enfermo (CORTE IDH, 2008).

Posteriormente, agentes estatais tiraram seus pertences, golpearam e os torturaram.

Após os transladaram para a guarnição onde os deixaram nos escritórios do Serviço Especial

de Segurança (SES), também conhecido como Dirección de Orden Público (DOP), sendo

entregues ao chefe do órgão. Esta fora a última vez que Hugo Ticona ou qualquer outro

familiar teve conhecimento do paradeiro de Renato Ticona (CORTE IDH, 2008).

E.C.H.R., Case of Cyprus v. Turkey, Application nº 25781/94, Judgment of 10 May 2001, paras. 132 a 134 e 147 a 148. 84 Cf. Superior Tribunal de Justiça da República Bolivariana da Venezuela, Caso Marco Antonio Monasterios

Pérez, sentença de 10 de agosto de 2007 (declarando a natureza pluriofensiva e permanente do delito de desaparecimento forçado); Suprema Corte de Justiça da Nação do México, Tesis: P./J. 87/2004, “Desaparecimento forçado de pessoas. O prazo para que opere a prescrição não se inicia até que apareça a vítima ou se determine seu destino” (afirmando que os desaparecimentos forçados são delitos permanentes e que se deve começar a calcular a prescrição a partir do momento em que cessa sua consumação); Câmara Penal da Corte Suprema do Chile, Caso Caravana, sentença de 20 de julho de 1999; Plenário da Corte Suprema do Chile, Caso de desaforamento de Pinochet, sentença de 8 de agosto de 2000; Tribunal de Apelações de Santiago, Chile, Caso Sandoval, sentença de 4 de janeiro de 2004 (todos declarando que o delito de desaparecimento forçado é contínuo, de lesa-humanidade, imprescritível e não anistiável); Câmara Federal de Apelações do Tribunal Penal e Correcional da Argentina, Caso Videla e outros, sentença de 9 de setembro de 1999 (declarando que os desaparecimentos forçados são delitos contínuos e de lesa-humanidade); Tribunal Constitucional da Bolívia, Caso José Carlos Trujillo, sentença de 12 de novembro de 2001; Tribunal Constitucional do Peru, Caso Castillo

Páez, sentença de 18 de março de 2004 (declarando, em virtude do ordenado pela Corte Interamericana, no mesmo caso, que o desaparecimento forçado é um delito permanente até que se determine o paradeiro da vítima), e Corte Suprema do Uruguai, Caso Juan Carlos Blanco e Caso Gavasso e outros, sentenças de 18 de outubro de 2002 e de 17 de abril de 2002, respectivamente.

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127

Quando os pais dos irmãos Ticona Estrada tiveram conhecimento da detenção,

buscaram diversas autoridades e instituições estatais para saber algo sobre o paradeiro, mas

não lograram nenhuma resposta (CORTE IDH, 2008).

Fora somente com a informação dada por uma assistente social que os pais souberam

que Hugo Ticona estava muito ferido e que agentes estatais o haviam transferido para uma

clínica em estado físico deplorável como consequência da tortura que havia sofrido. Após 28

anos dos fatos, Renato Ticona segue desaparecido sem que se tenha conhecimento de seu

paradeiro ou da localização de seus restos (CORTE IDH, 2008).

A alegada impunidade destes fatos deriva dos 27 anos transcorridos pela denegação da

justiça que os familiares de Renato Ticona têm vivido e pela falta de reparação pelos danos

produzidos como consequência da perda de um ente querido (CORTE IDH, 2008).

O Estado reconheceu que em 1980 o processo democrático que estava sendo

promovido na Bolívia foi interrompido por um golpe de Estado liderado pelo General Luis

García Meza. Foi instaurado um regime de repressão, no qual forças militares e grupos

paramilitares efetuaram graves violações aos direitos humanos, sendo que o ambiente de

impunidade favoreceu a prática sistemática de detenções ilegais, torturas e desaparecimentos

forçados (CORTE IDH, 2008).

Renato Ticona no momento do desaparecimento tinha 25 anos, era bacharel em

humanidades e trabalhava como professor de música na Escola Mariano Baptista. Para a

Corte o desaparecimento forçado é caracterizado pela privação da liberdade de uma ou mais

pessoas, qualquer que seja sua forma, cometida por agentes do Estado ou por pessoas ou

grupos de pessoas que atuem com a autorização, apoio ou aquiescência do Estado (CORTE

IDH, 2008).

A Corte destaca e passa a dialogar no momento em que cita que existem instrumentos

internacionais85 que trazem outros elementos que constituem o desaparecimento forçado, tais

como: a) a privação da liberdade; b) a intervenção direta de agentes estatais; c) a negativa de

reconhecer a detenção e de revelar o paradeiro da pessoa interessada (CORTE IDH, 2008).

Contudo, não há diálogo com eventuais sentenças proferidas pelos outros sistemas

regionais de proteção de direitos humanos (sistema europeu ou africano), porém há referência

a estudos feitos pela Organização das Nações Unidas - Conselho Econômico e Social das

85

Cfr. Consejo Económico y Social de las Naciones Unidas, Informe del Grupo de Trabajo sobre la Desaparición Forzada o Involuntaria de Personas, Observación General al artículo 4 de la Declaración sobre la Protección de Todas las Personas contra las Desapariciones Forzadas de 15 de enero de 1996. (E/CN. 4/1996/38), párr. 55; y Convención Internacional para la Protección de Todas las Personas contra las Desapariciones Forzadas. Organización de las Naciones Unidas. Art 2.

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128

Nações Unidas sobre o Informe del Grupo de Trabajo sobre la Desaparición Forzada o

Involuntaria de Personas e à sentenças já proferidas pela Corte Interamericana em casos

análogos, tais como: Caso Myrna Chang Vs. Guatemala; Caso Trujillo Oroza Vs. Bolivia;

Caso Carpio Nicolle y otros Vs. Guatemala; Caso Masacre de Mapiripán Vs. Colombia; Caso

Blake Vs. Guatemala; Caso Baena Ricardo y otros Vs. Pananá; Caso Velásquez Rodríguez

Vs. Honduras. Fondo; Caso Loayza Tamayo Vs. Perú, entre outros.

No entanto, há que se destacar – conforme exposto no primeiro capítulo - que o diálogo não se

resume no simples fato de um Tribunal citar entendimentos de outras Cortes, mas também em

verificar se o Estado condenado cumpriu com as determinações impostas na sentença.

Por unanimidade a Corte de San José dispôs que: 1) o Estado deve continuar com a

tramitação do processo penal seguido pelo desaparecimento forçado de Renato Ticona Estrada

e que seja concluído de modo breve; 2) investigar os fatos ocorridos a Hugo Ticona Estrada,

além de identificar, julgar e sancionar os responsáveis com brevidade; 3) proceder a busca de

Renato Ticona Estrada de maneira efetiva; 4) publicar no Diário Oficial e em outro Diário de

ampla circulação nacional parágrafos da sentença e os pontos resolutivos; 5) implementar de

modo efetivo convênios de prestação de tratamento médico e psicológico para os familiares

dos irmãos Ticona Estrada; 6) adotar dentro de um prazo razoável, recursos humanos e

materiais necessário para o Conselho Interinstitucional para o Esclarecimento de

Desaparecimentos Forçados e 7) efetuar pagamento de indenização por danos materiais e

imateriais para os familiares (CORTE IDH, 2008).

Na supervisão de cumprimento de sentença feito em 23 de fevereiro de 2011 (três

anos após a sentença), em relação à primeira obrigação86 o Estado informou que o Ministério

Público implementou ações para concluir o processo judicial após a localização do envolvidos

no desaparecimento das vítimas, inclusive já tendo ocorrido a condenação dos envolvidos

Roberto Melean Rendón, René Veizaga Vargas, Willy Valdivia Gumucio, Eduardo García

Alba e Alfredo Sanabria o Saravia, em 8 de janeiro de 2008 (no mesmo ano da publicação da

sentença da Corte Interamericana) (CORTE IDH, 2011).

Os familiares informaram que muito embora tenham os réus sido condenados, a

sentença proferida contra Willy Valdivia Gumucio e Alfredo Sanabria o Saravia ainda não foi

executada, diante da fuga dos condenados (CORTE IDH, 2011).

Em que pese tal situação, a Corte valorou as atitudes tomadas pelo Estado para

cumprir sua obrigação internacional de investigar e sancionar os responsáveis. Ressaltou que

86 1) o Estado deve continuar com a tramitação do processo penal seguido pelo desaparecimento forçado de Renato Ticona Estrada e que seja concluído de modo breve.

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até o momento da supervisão do cumprimento, a sentença do tribunal boliviano não havia

adquirido caráter de coisa julgada, motivo pelo qual a Corte Interamericana estima que o

Estado obteve avanços significativos no cumprimento desta medida de reparação. Como

houve uma sentença condenatória, a Corte entendeu que a obrigação de investigar os fatos do

desaparecimento de Renato Ticona Estrada foi concluída (CORTE IDH, 2011).

Quanto à segunda obrigação87o Estado informou que no dia 7 de setembro de 2009 foi

realizada uma representação formal contra René Veizaga Vargas pelo cometimento do delito

de tortura contra a vítima e que está sendo realizado o reconhecimento do lugar onde

ocorreram os fatos em Cala Cala (Oruro), local onde os irmãos foram torturados (CORTE

IDH, 2011).

A Corte sustentou que o Estado deve intensificar esforços e realizar todas as ações

pertinentes para avançar nas investigações sobre os fatos ocorridos a Hugo Ticona (CORTE

IDH, 2011).

Quanto à terceira obrigação88

o Estado informou que a comissão de fiscais

encarregados do caso abriram investigação do delito de desaparecimento forçado de pessoas,

sendo o objetivo principal da investigação dar cumprimento a sentença internacional (CORTE

IDH, 2011).

A Corte observou que embora o Estado tenha realizado diligências para cumprir o que

fora disposto na sentença, as medidas tomadas ainda não são suficientes para concluir a busca

de Renato Ticona. Salientou que o Estado deve realizar uma busca efetiva para que os

familiares possam conhecer o destino da vítima desaparecida, com a finalidade de ser aliviada

a angústia e o sofrimento causados (CORTE IDH, 2011).

A respeito da quarta obrigação89

o Estado informou que as publicações foram

realizadas nos dias 07 e 08 de junho de 2009, na Gaceta Oficial e também no periódico de

circulação nacional La Razón. A Corte entendeu que o Estado deu cumprimento total a este

ponto resolutivo (CORTE IDH, 2011).

Sobre a quinta obrigação90

o Estado informou que o Ministério das Relações

Exteriores realizou atos para implementar os convênios de saúde. Ressaltou que fez um

87 2) deve investigar os fatos ocorridos a Hugo Ticona Estrada, além de identificar, julgar e sancionar os responsáveis com brevidade. 88 3) deve proceder a busca de Renato Ticona Estrada de maneira efetiva. 89 4) publicar no Diário Oficial e em outro Diário de ampla circulação nacional parágrafos da sentença e os pontos resolutivos. 90

5) implementar de modo efetivo convênios de prestação de tratamento médico e psicológico para os familiares dos irmãos Ticona Estrada.

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requerimento para o Ministério para dar conta do trabalho realizado e que oportunamente será

entregue (CORTE IDH, 2011).

A Corte destaca que o Estado não informou concretamente sobre as ações que tem

realizado para dar cumprimento a esta medida e cobrou do Estado uma postura mais efetiva

para a satisfação desta obrigação (CORTE IDH, 2011).

Em relação à sexta obrigação91

o Estado indicou que o Ministério Justiça passou a

desenvolver o Proyecto Constibución al ejercicio Pleno de los Derechos Humanos y el

Fortalecimiento de la Democracia, que tem por fim contribuir para a reparação dos Direitos

humanos e fortalecimento da democracia na Bolívia, por meio do esclarecimento de casos de

desaparecimentos forçados pela violência política no período de 1964 a 1982 (CORTE IDH,

2011).

A Corte valorou os progressos dados pelo Estado e considera que são suficientes as

ações realizadas para dar cumprimento a este ponto resolutivo da sentença (CORTE IDH,

2011).

Por fim, a sétima obrigação que consistia no dever do Estado pagar indenização por

danos materiais e imateriais para os familiares das vítimas, o Estado afirmou que procedeu a

transferência da quantia determinada pela Corte para as contas pessoais dos familiares, na

quantia integral e sem reduções de cargas fiscais. A Corte concluiu que o Estado cumpriu

integralmente o pagamento de indenização (CORTE IDH, 2011).

Portanto, de sete obrigações estabelecidas na sentença, a Corte entendeu que o

Estado deu cumprimento total as obrigações dos pontos resolutivos n. 1, 4, 6 e 7 (CORTE

IDH, 2011).

3.1.2 Caso 3.Almonacid Arellano y otros vs. Chile

Em 1998 Mario Márquez Maldonado e Elvira del Rosario Gómez Olivares

apresentaram uma petição para a Comissão Interamericana, tendo como objeto os fatos que

ocasionaram a execução do senhor Almonacid Arellano por militares. Em 2002, a Comissão

declarou admissível a petição e em 2005 apresentou uma denúncia perante a Corte

Interamericana (CORTE IDH, 2006).

Os fatos remontam o ano de 1976 quando o Chile vivia sob o regime militar que

derrocou o governo do Presidente Salvador Allende. A repressão generalizada dirigida às

91 6) adotar dentro de um prazo razoável, recursos humanos e materiais necessário para o Conselho Interinstitucional para o Esclarecimento de Desaparecimentos Forçados.

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131

pessoas que o regime considerava como opositoras operou-se deste dia até o fim do governo

militar em 10 de março de 1990. Esta repressão esteve caracterizada por uma prática massiva

e sistemática de fuzilamentos, execuções sumárias, torturas, privações arbitrárias da liberdade,

desaparecimentos forçados e outras violações a direitos humanos cometidas por agentes do

Estado (CORTE IDH, 2006).

A época mais violenta de todo o período repressivo corresponde aos primeiros meses

do governo de fato. Das 3.197 vítimas identificadas de execuções e desaparecimentos

forçados que ocorreram em todo o governo militar, 1.823 foram produzidas no ano 1973

(CORTE IDH, 2006).

No dia 16 de setembro do referido ano o senhor Almonacid Arellano foi detido em seu

domicílio por militares, os quais dispararam um tiro na vítima. O senhor Arellano acabou

falecendo no Hospital Regional de Rancagua no dia 17 de setembro de 1973 (CORTE IDH,

2006).

A Corte considera que existem evidências suficientes para sustentar que a execução

extrajudicial cometida por agentes estatais em prejuízo do senhor Almonacid Arellano

(militante do Partido Comunista) era considerado uma ameaça e faleceu mediante a utilização

de um padrão sistemático e generalizado contra a população civil, constituindo assim, um

crime de lesa humanidade (CORTE IDH, 2006).

A ausência de punição dos autores deriva da promulgação do Decreto Lei n.

2.191/1978, mediante o qual concedeu anistia nos seguintes termos (CORTE IDH, 2006):

Considerando: 1°- La tranquilidad general, la paz y el orden de que disfruta actualmente todo el país, em términos tales, que la conmoción interna ha sido superada, haciendo posible poner fin al Estado de Sitio y al toque de queda en todo el territorio nacional; 2°- El imperativo ético que ordena llevar a cabo todos los esfuerzos conducentes a fortalecer los vínculos que unen a la nación chilena, dejando atrás odiosidades hoy carentes de sentido, y fomentando todas las iniciativas que consoliden la reunificación de los chilenos; 3°- La necesidad de una férrea unidad nacional que respalde el avance hacia la nueva institucionalidad que debe regir los destinos de Chile. La Junta de Gobierno ha acordado dictar el siguiente Decreto ley: Artículo 1°- Concédese amnistía a todas las personas que, en calidad de autores, cómplices o encubridores hayan incurrido en hechos delictuosos, durante la vigencia de la situación de Estado de Sitio, comprendida entre el 11 de Septiembre de 1973 y el 10 de Marzo de 1978, siempre que no se encuentren actualmente sometidas a proceso o condenadas. Artículo 2°- Amnistíase, asimismo, a las personas que a la fecha de vigencia del presente decreto ley se encuentren condenadas por tribunales militares, con posterioridad al 11 de septiembre de 1973. Artículo 3°- No quedarán comprendidas en la amnistía a que se refiere el artículo 1°, las personas respecto de las cuales hubiere acción penal vigente en su contra por los delitos de parricidio, infanticidio, robo con fuerza en las cosas, o con violencia o intimidación en las personas, elaboración o tráfico de estupefacientes, sustracción de

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menores de edad, corrupción de menores, incendios y otros estragos; violación, estupro, incesto, manejo em estado de ebriedad, malversación de caudales o efectos públicos, fraudes y exacciones ilegales, estafas y otros engaños, abusos deshonestos, delitos contemplados en el decreto ley número 280, de 1974, y sus posteriores modificaciones; cohecho, fraude y contrabando aduanero y delitos previstos en el Código Tributario., Artículo 4°- Tampoco serán favorecidas con la aplicación del artículo 1°, las personas que aparecieren responsables, sea en calidad de autores, cómplices o encubridores, de los hechos que se investigan en proceso rol N° 192-78 del Juzgado Militar de Santiago, Fiscalía Ad Hoc.

A denegação da justiça em prejuízo da família do senhor Almonacid Arellano deriva

da aplicação do Decreto Lei de autoanistia expedido pela ditadura militar como auto perdão

em benefício de seus membros. O Estado manteve em vigor esta lei mesmo após a ratificação

da Convenção Americana, sendo que os Tribunais chilenos a declararam constitucional sendo

até então aplicada (CORTE IDH, 2006).

O diálogo realizado pela Corte é aferido ao citar o caso “Kolk y Kislyiy v. Estonia”

julgado pela Corte Europeia de Direitos Humanos. Neste caso os senhores Kolk e Kislyiy

cometeram crimes em 1949, tendo a Corte Europeia entendido que se tratava de crimes de

lesa humanidade à luz do direito internacional (CORTE IDH, 2006).

Segundo o corpus iuris do Direito Internacional, um crime de lesa humanidade é em si

mesmo uma grave violação aos direitos humanos e afeta toda a humanidade. No caso

“Prosecutor v. Erdemovic” o Tribunal Internacional para a ex Yuguslavia indicou que:

[l]os crímenes de lesa humanidad son serios actos de violencia que dañan a los seres humanos al golpear lo más esencial para ellos: su vida, su libertad, su bienestar físico, su salud y/o su dignidad. Son actos inhumanos que por su extensión y gravedad van más allá de los límites de lo tolerable para la comunidad internacional, la que debe necesariamente exigir su castigo. Pero los crímenes de lesa humanidad también trascienden al individuo, porque cuando el individuo es agredido, se ataca y se niega a la humanidad toda. Por eso lo que caracteriza esencialmente al crimen de lesa humanidad es el concepto de la humanidad como víctima.92

Em razão de o indivíduo e a humanidade serem vítimas desta espécie de crime, a

Assembleia Geral das Nações Unidas desde 1946 tem sustentado que os responsáveis de tais

atos devem ser sancionados para que sejam protegidos os direitos humanos e as liberdades

fundamentais. Ademais, com a condenação dos responsáveis é possível fomentar a confiança,

92 Cfr. Tribunal Penal Internacional para la ex Yugoslavia, Prosecutor v. Erdemovic, Case No. IT-96-22- T, Sentencing Judgment, November 29, 1996, at para. 28. “Os crimes de lesa humanidade são graves atos de violência que atingem os seres humanos no que há de mais essencial: sua vida, sua liberdade, seu bem estar físico, sua saúde e/ou sua dignidade. São atos desumanos que devido a sua extensão e gravidade vão além dos limites do tolerável para a comunidade internacional, a qual deve exigir punições. Os crimes de lesa humanidade também transcendem ao indivíduo, pois quando este é agredido, ataca-se e nega-se toda a humanidade. Por isto é que é caracterizado como crime de lesa humanidade o conceito da humanidade como vítima”. (Tradução livre)

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estimular a cooperação entre os povos e contribuir para a paz e segurança internacionais

(CORTE IDH, 2006).

Na Resolução n. 3074 (XXVIII) de 1973 das Nações Unidas a Assembleia Geral assim

afirmou:

Los crímenes de guerra y los crímenes de lesa humanidad, dondequiera y cualquiera que sea la fecha en que se hayan cometido, serán objeto de una investigación, y las personas contra las que existan pruebas de culpabilidad en la comisión de tales crímenes serán buscadas, detenidas, enjuiciadas y, en caso de ser declaradas culpables, castigadas. […] Los Estados no adoptarán medidas legislativas ni tomarán medidas de otra índole que puedan menoscabar las obligaciones internacionales que hayan contraído con respecto a la identificación, la detención, la extradición y el castigo de los culpables de crímenes de guerra o de crímenes de lesa humanidad.93

As Resoluções 827 e 955 do Conselho de Segurança da ONU, juntamente com os

Estatutos dos Tribunais para a ex Yuguslavia (artigo 29) e Ruanda (artigo 28), impõem uma

obrigação a todos os Estados membros das Nações Unidas de cooperar plenamente com os

Tribunais na investigação e persecução de pessoas acusadas de ter cometido sérias violações

ao Direito Internacional, incluídos os crimes contra a humanidade (CORTE IDH, 2006).

A adoção e aplicação de leis que outorgam anistia por crimes de lesa humanidade

impede o cumprimento das obrigações aceitas. O Secretário Geral das Nações Unidas, em seu

relatório sobre o estabelecimento do Tribunal Especial para Serra Leoa afirmou o seguinte:

[a]unque reconocen que la amnistía es un concepto jurídico aceptado y una muestra de paz y reconciliación al final de una guerra civil o de un conflicto armado interno, las Naciones Unidas mantienen sistemáticamente la posición de que la amnistía no puede concederse respecto de crímenes internacionales como el genocidio, los crímenes de lesa humanidad o las infracciones graves del derecho internacional humanitário.94

No caso ora analisado a Corte IDH entendeu que foi cometido contra o Sr. Almonacid

Arellano um crime de lesa humanidade. Partindo desta certeza, caberia a Corte analisar a

aplicabilidade do Decreto Lei n. 2.191 que anistia este crime e se o Estado deixou de cumprir

com sua obrigação derivada do artigo 2 da Convenção por manter vigente essa normativa

(CORTE IDH, 2006).

93 Cfr. O.N.U., Principios de cooperación internacional en la identificación, detención, extradición y castigo de los culpables de crímenes de guerra, o de crímenes de lesa humanidad adoptados por la Asamblea General de las Naciones Unidas en su resolución 3074 (XXVIII) 3 de diciembre de 1973. 94 Cfr. O.N.U., Informe del Secretario General sobre el establecimiento de un Tribunal para Sierra Leona, S/2000/915 de 4 de octubre de 2000, párr. 22.

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O artigo 1 do Decreto Lei n. 2.191 concede uma anistia geral a todos os responsáveis

de "fatos delituosos" cometidos desde o dia 11 de setembro de 1973 ao dia 10 de março de

1978. Embora o artigo 3 deste Decreto Lei exclua da anistia uma série de delitos, a Corte

verificou que o crime de lesa humanidade de assassinato não figura na lista existente no artigo

3 do referido Decreto95 (CORTE IDH, 2006).

A Corte Interamericana afirmou em várias oportunidades que:

[e]n el derecho de gentes, una norma consuetudinaria prescribe que un Estado que ha celebrado un convenio internacional, debe introducir en su derecho interno las modificaciones necesarias para asegurar la ejecución de las obligaciones asumidas. Esta norma aparece como válida universalmente y ha sido calificada por la jurisprudencia como un principio evidente (“principe allant de soi”; Echange des populations grecques et turques, avis consultatif, 1925, C.P.J.I., série B, no. 10, p. 20). En este orden de ideas, la Convención Americana establece la obligación de cada Estado Parte de adecuar su derecho interno a las disposiciones de dicha Convención, para garantizar los derechos en ella consagrados.96

Leis de anistia conduzem a perpetuação da impunidade dos crimes de lesa humanidade

e são manifestamente incompatíveis com a letra e o espírito da Convenção Americana. Por se

tratar de uma violação da Convenção, gera responsabilidade internacional do Estado (CORTE

IDH, 2006).

Segundo o entendimento da Corte Interamericana, o Decreto Lei n. 2.191 carece de

efeitos jurídicos e não pode seguir representando um obstáculo para a investigação e sanção

dos autores dos fatos que constituem o caso (CORTE IDH, 2006)

Desde que o Chile ratificou a Convenção Americana em 21 de agosto de 1990,

manteve vigente o Decreto Lei n. 2.191 (por 16 anos), sem observar as obrigações

consagradas na Convenção. O artigo 2 da Convenção impõe uma obrigação legislativa de

95

Decreto Lei n. 2.191 Atículo 1º. Concédese amnistía a todas las personas que, en calidad de autores, cómplices o encubridores hayan incurrido en hechos delictuosos, durante la vigencia de la situación de Estado de Sitio, comprendida entre el 11 de Septiembre de 1973 y el 10 de marzo de 1978, siempre qu eno se encuentren actualmente sometidas a proceso o condenadas. [...] Artículo 3º. No quedarán comprendidas en la amnistía a que se refiere el artículo 1º, las personas respecto de las cuales hubiere acción penal vigente en su contra por los delitos de parricidio, infanticidio, robo con fuerza en las cosas, o con violencia o intimidación en las personas, elaboración o tráfico de estupefacientes, sustracción de menores de edad, corrupción de menores, incendios y otros estragos; violación, estupro, encesto, manejo en estado de ebriedad, malversación de caudales o efectos públicos, fraudes y exacciones ilegales, estafas y otros engaños, abusos deshonestos, delitos contemplados en el decreto ley número 280, de 1974, y sus posteriores modificaciones; cohecho, fraude y contrabando aduanero y delitos previstos en el Código Tributário. 96 Cfr. Caso Garrido y Baigorria. Reparaciones (art. 63.1 Convención Americana sobre Derechos Humanos). Sentencia de 27 de agosto de 1998. Serie C No. 39, párr. 68; Caso Baena Ricardo y otros. Sentencia del 2 de febrero de 2001. Serie C Nº 72, párr. 179.

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135

suprimir toda violação à Convenção. Por tais razões, a Corte entende que o Estado não

cumpriu com os deveres impostos pelo artigo 2 da Convenção Americana, por manter

formalmente dentro de seu ordenamento um Decreto Lei contrário à sua letra e espírito

(CORTE IDH, 2006).

Quando um Estado ratifica um tratado internacional o Poder Judiciário deve exercer

uma espécie de “controle de convencionalidade” entre as normas jurídicas internas que

aplicam nos casos concretos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CORTE

IDH, 2006).

O poder judiciário chileno aplicou o Decreto Lei n. 2.191 e, deste modo, deixou

impunes os responsáveis da morte do Senhor Almonacid Arellano e impediram que os

familiares exercessem o direito de serem ouvidos por um Tribunal competente, independente

e imparcial (CORTE IDH, 2006).

A Corte dispôs por unanimidade que: 1) o Estado deve assegurar que o Decreto Lei n.

2.191 não siga representando um obstáculo para as investigações da execução extrajudicial do

senhor Almonacid Arellano e para a identificação e sanção dos responsáveis; 2) assegurar que

o Decreto Lei n. 2.191 não siga representando um obstáculo para a investigação, julgamento e

sanção dos responsáveis de outras violações similares ocorridas no Chile; 3) efetuar o

pagamento das custas e gastos no prazo de um ano; e 4) realizar publicação da sentença em

um prazo de seis meses.

Na supervisão de cumprimento de sentença em relação à primeira obrigação, o

Estado informou que em outubro de 2007 foi reaberta a investigação judicial pela morte do

senhor Almonacid e juntou cópia do projeto de lei de reforma ao Código de Justiça Militar, no

entanto, o Estado não juntou cópia das decisões e atuações levadas a cabo com relação à

investigação (CORTE IDH, 2010).

Para a Corte, o Estado deveria apresentar a documentação completa para ser realizada

a verificação do cumprimento das obrigações dispostas da sentença. A Corte considera que a

informação apresentada demonstra um princípio de cumprimento por parte do Chile de suas

obrigações internacionais, mas o Tribunal aguarda a informação completa e atualizada

(CORTE IDH, 2010).

Sobre a segunda obrigação97 o Estado indicou que havia estudado diversas vias para

dar cumprimento a este ponto da sentença e informou que em maio de 2008 estava em

tramitação um projeto de lei destinado a interpretar o artigo 93 do Código Penal, com o

97

2) O Estado deve assegurar que o Decreto Lei n. 2.191 não siga representando um obstáculo para a investigação, julgamento e sanção dos responsáveis de outras violações similares ocorridas no Chile.

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136

objetivo de que a anistia, o indulto e a prescrição não fossem aplicados nos casos de crimes de

guerra, genocídio e lesa humanidade. Alegou que com este projeto pretende ditar uma norma

interpretativa para precisar o verdadeiro sentido e alcance das atuais normas internas

relacionadas com a responsabilidade penal à luz do Direito Internacional dos Direitos

Humanos (CORTE IDH, 2010).

A Corte ressaltou que o Estado deu o primeiro passo para cumprir com seu dever de

assegurar que o Decreto Lei não continue representando um obstáculo para proteger o direito

à garantia e proteção judicial no Chile, no entanto, a Corte observou que o projeto de lei

passou a tramitar em maio de 2008, sendo que mais de dois anos depois tal projeto ainda se

encontra em tramitação no Senado. Tendo em vista que esta medida de reparação deveria ser

cumprida dentro de um prazo razoável, a Corte insta o Estado a adotar medidas necessárias

para dar efetivo cumprimento a esta obrigação (CORTE IDH, 2010).

Com relação à terceira obrigação98, o Estado informou que em 30 de maio de 2007

efetuou pagamento da quantidade ordenada pela Corte. Em razão de não existir nenhuma

objeção do representante das vítimas, a Corte concluiu que o Chile cumpriu com o disposto

neste ponto resolutivo.

Por fim, em relação à quarta obrigação99

o Estado comunicou a realização da

publicação no Diário Oficial do Chile e no Diário "La Nación" nos dias 14 e 13 de maio de

2007. A Corte concluiu que o Chile cumpriu com o disposto neste ponto.

No fim do cumprimento de sentença a Corte entendeu que o Estado deu cumprimento

aos pontos 3, 4, deixando em aberto as obrigações sob n. 1 e 2.

3.1.3 Caso 4. Caso Contreras y otros Vs. El Salvador

Nos dias 16 de novembro de 2001 e 4 de setembro de 2003 a Comissão Interamericana

recebeu petições ajuizadas pela Asociación Pro-Búsqueda de Niños y Niñas Desaparecidos e

pelo Centro por la Justicia y el Derecho Internacional (CEJIL) relatando o desaparecimento

de Gregoria Herminia, Serapio Cristian, José Rubén Rivera Rivera, Gregoria Herminia,

Serapio Cristian e Julia Inés Contreras (CORTE IDH, 2011).

A Comissão declarou admissíveis as petições e emitiu resolução concedendo ao

Estado de El Salvador um prazo de dois meses para que informasse sobre as medidas adotadas

para dar cumprimento às recomendações (CORTE IDH, 2011).

98

3) efetuar o pagamento das custas e gastos no prazo de um ano. 99

4) realizar publicação da sentença em um prazo de seis meses.

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137

Diante da falta de apresentação de informação por parte do Estado, no dia 28 de junho

de 2010 a Comissão apresentou para a Corte Interamericana uma demanda contra El Salvador

(CORTE IDH, 2011).

A demanda versa sobre os desaparecimentos forçados ocorridos entre os anos de 1981

e 1983 das crianças Gregoria Herminia, Serapio Cristian e Julia Inés Contreras, Ana Julia e

Carmelina Mejía Ramírez e José Rubén Rivera Rivera por parte de membros de diferentes

organizações militares no contexto de "Operativos de Contrainsurgência" durante o conflito

armado ocorrido em El Salvador (CORTE IDH, 2011).

O Estado reconheceu durante uma audiência celebrada pela Comissão Interamericana

que no contexto do conflito armado que ocorreu no país entre os anos de 1980 e 1991 foram

produzidos padrões sistemáticos de desaparecimentos forçados de crianças e jovens em

diferentes regiões, mas especialmente aquelas afetadas em maior medida por enfrentamentos

armados e operativos militares (CORTE IDH, 2011).

Alguns soldados declararam que desde 1982 recebiam ordens de levar qualquer

criança que encontrassem durante o ataque a posições inimigas. (CORTE IDH, 2011)

Segundo a prova recebida nos autos, os possíveis destinos das crianças depois da

separação de sua família podem ser classificados da seguinte forma: 1) adoções por meio de

um processo formal dentro do sistema judicial, sendo que a maioria foi adotada por famílias

estrangeiras, principalmente dos Estados Unidos, França e Itália; 2) adoções de fato por

famílias salvadorenhas sem nenhuma formalização; 3) casos de adoção de fato por parte de

militares que incluíram estas crianças em suas famílias como filhos; 4) crianças que cresceram

em orfanatos, nos quais os encarregados não tentaram encontrar os parentes dos menores; 5)

crianças que cresceram em instalações militares; 6) vítimas de tráfico ilegal (CORTE IDH,

2011).

Segundo a Asociación Pro-Búsqueda havia 881 denúncias de crianças desaparecidas

durante o conflito armado, das quais 363 foram localizadas com ou sem vida. Destes casos foi

possível produzir o reencontro dos familiares de 224 jovens (CORTE IDH, 2011).

Comprovou-se também que muitas crianças desaparecidas eram registradas com

informação falsa ou com os dados alterados, sendo que esta situação irradia efeitos em dois

sentidos: 1) para a criança lhe é impossibilitado buscar sua família e conhecer sua identidade e

2) à família de origem é obstaculizado o exercício dos recursos legais para restabelecer a

identidade biológica, o vínculo familiar e fazer cessar a privação de liberdade (CORTE IDH,

2011).

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A Corte já estabeleceu em sua jurisprudência que a separação de crianças de sua

família constitui, sob determinadas condições, uma violação de seu direito à família

reconhecido no artigo 17 da Convenção Americana (CORTE IDH, 2011).

Nos casos de desaparecimento forçado é imprescindível que as autoridades fiscais e

judiciais atuem de forma pronta e imediata, ordenando medidas oportunas e necessárias

dirigidas à determinação do paradeiro da criança. No presente caso a obrigação é reforçada

pelo fato de que as vítimas eram crianças no momento dos fatos, motivo pelo qual o Estado

tinha o dever de assegurar que fossem encontradas de forma mais breve possível (CORTE

IDH, 2011).

Segundo a Corte, transcorreram aproximadamente 30 anos desde os desaparecimentos

forçados das vítimas sem que nenhum de seus autores materiais ou intelectuais tenham sido

identificados e processados (CORTE IDH, 2011).

Desde o momento em que iniciaram as investigações foi verificada a falta de

diligência e seriedade. O não cumprimento do dever de iniciar uma investigação ex officio; a

ausência de linhas claras e lógicas; a negativa de proporcionar informação relacionada com as

operações militares e a falta de diligência no desenvolvimento das investigações por parte das

autoridades permite a Corte concluir que os processos internos em sua integralidade não

constituíram recursos efetivos para determinar ou localizar o paradeiro das vítimas, tampouco

para garantir os direitos de acesso à justiça e de conhecer a verdade, mediante a investigação e

eventual sanção dos responsáveis (CORTE IDH, 2011).

Segundo a Comissão, até a data da sentença somente foi estabelecido o paradeiro de

Gregoria Herminia Contreras. Quanto às circunstâncias do desaparecimento das demais

vítimas ainda não foram esclarecidas e os responsáveis não foram identificados e sancionados

(CORTE IDH, 2011).

Ao final a Corte de San José dispôs por unanimidade as seguintes obrigações para o

Estado de El Salvador cumprir: 1) continuar de modo eficaz as investigações e abrir as que

forem necessárias com a finalidade de identificar, julgar e sancionar todos os responsáveis dos

desaparecimentos forçados das vítimas, bem como de outros delitos conexos; 2) efetuar a

busca de maneira breve e eficaz para determinar o paradeiro das vítimas; 3) adotar todas as

medidas adequadas e necessárias para a restituição da identidade de Gregoria Herminia

Contreras, incluindo seu nome e sobrenome, bem como demais dados pessoais; 4) conceder

tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico às vítimas que solicitarem; 5) realizar a

publicação da sentença; 6) realizar ato público de reconhecimento de sua responsabilidade

internacional dos fatos julgados; 7) dar nome a três escolas; uma com o nome de Gregoria

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Herminia, Serapio Cristian e Julia Inés Contreras; outra com o nome de Ana Julia e Carmelina

Mejía Ramírez e uma terceira com o nome de José Rubén Rivera Rivera; 8) realizar

documentário sobre o desaparecimento forçado de crianças durante o conflito armado em El

Salvador com menção específica a este caso; 9) adotar medidas pertinentes e adequadas para

garantir que a sociedade salvadorenha tenha acesso público, técnico e sistematizado aos

arquivos que contenham informações úteis e relevantes para a investigação das violações aos

direitos humanos cometidas durante o conflito armado; 10) efetuar pagamento de indenização

por dano material, imaterial para as vítimas e pagar valor relativo as custas e gastos

processuais.

A Corte também dispôs que dentro do prazo de um ano contado da notificação da

sentença, o Estado deve informar as medidas adotadas para dar cumprimento às obrigações

acima determinadas.

Em relação a primeira obrigação100 o Estado informou que enviou a sentença para a

Fiscalía General de la República que é o órgão responsável para investigar os fatos, no

entanto, tal órgão não relatou a existência de resultados recentes sobre o caso. Deste modo, o

Estado não tinha elementos específicos sobre a investigação ou uma mudança da situação dos

processos em aberto.

A Corte demonstra preocupação com o fato de o Estado ter se limitado a informar que

não tinha elementos sobre as investigações mesmo quase dois anos após a sentença ter sido

proferida. Trata-se de uma situação de total impunidade das violações apuradas no caso.

Quanto à segunda obrigação101o Estado informou que havia localizado duas vítimas

do caso: os jovens José Rubén Rivera Rivera e Serapio Cristian Contreras. Já em relação à

vítima Julia Inés Contrerás a Comissão Nacional de Busca realizou entrevistas com

familiares, informantes, sendo então localizada uma pessoa que acreditavam ser Julia Inés

Conteras, no entanto, a prova de DNA descartou esta possibilidade. Com relação às irmãs Ana

Julia e Carmelina Mejía, tem sido realizadas entrevistas para buscar um início de prova sobre

sua localização.

A Corte valorou os esforços realizados pelo Estado no sentido de buscar as vítimas e

pelo fato de ter encontrado José Rubén Rivera Rivera, mas solicita o cumprimento completo

desta obrigação.

100 1) continuar de modo eficaz as investigações e abrir as que forem necessárias com a finalidade de identificar, julgar e sancionar todos os responsáveis dos desaparecimentos forçados das vítimas, bem como de outros delitos conexos. 101

2) efetuar a busca de maneira breve e eficaz para determinar o paradeiro das vítimas.

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140

Quanto à terceira obrigação102 o Estado informou que foi promovido um processo

judicial para a modificação da identidade de Gregoria Herminia Recinos Contreras. Deste

modo, a Corte considera que o Estado cumpriu totalmente com sua obrigação.

Sobre a quarta obrigação103o Estado informou que em março de 2011 deu início as

medidas de atenção à saúde em benefício dos familiares das vítimas por meio do atendimento

em três hospitais da rede pública localizados em regiões do país que correspondem aos

lugares de residência das famílias.

Os representantes dos familiares das vítimas reconheceram os avanços na atenção

médica, no entanto, expressaram que continuam enfrentando obstáculos para receber atenção

prioritária. Algumas pessoas informaram que tiveram problemas em relação a entrega dos

medicamentos receitados pelos especialistas, pois tiveram de adquirir com os próprios

recursos. Em razão do exposto, a Corte continuará supervisionando o cumprimento desta

medida de reparação.

Acerca da quinta obrigação104 o Estado informou que em março de 2012 publicou em

diário de circulação nacional e no Diário Oficial o resumo da sentença.

Pela informação disponível a Corte entende que o Estado cumpriu totalmente a

obrigação, mas manterá em aberta a obrigação de publicar o resumo oficial da sentença em

um meio informativo de circulação interna das Forças Armadas de El Salvador.

Sobre a sexta obrigação105o Estado informou que reconheceu a responsabilidade pelos

atos no dia 29 de outubro de 2012 no parque "Antonio José Cañas" na cidade de San Vicente,

realizado em uma cerimônia pública com a presença de altos funcionários públicos e pelas

vítimas do caso. Tal ato foi televisionado e transmitido em tempo real por meio do Canal 10

da Televisão Nacional.

A Corte considerou que o ato realizado pelo governo salvadorenho foi apropriado e

proporcional à gravidade das violações e tem efeito na recuperação da memória das vítimas e

no reconhecimento de sua dignidade. Portanto, considerou este ponto resolutivo como

cumprido.

102

3) adotar todas as medidas adequadas e necessárias para a restituição da identidade de Gregoria Herminia Contreras, incluindo seu nome e sobrenome, bem como demais dados pessoais. 103

4) conceder tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico às vítimas que solicitarem. 104

5) realizar a publicação da sentença. 105

6) realizar ato público de reconhecimento de sua responsabilidade internacional dos fatos julgados.

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141

Para a sétima obrigação106

o Estado informou que foram realizadas reuniões com os

representantes das escolas com propostas iniciais. A Corte valorou o fato de o Estado estar

realizando ações para dar cumprimento a presente medida de reparação, mas adverte que a

obrigação permanece em aberto.

Sobre a oitava obrigação107 o Estado informou que iniciou o planejamento para a

produção do documentário e que irá garantir a participação das vítimas e seus representantes

nele.

A Corte valorou as ações até então tomadas pelo Estado, mas alertou para que tome

todas as medidas para efetivar o cumprimento da medida.

Quanto à nona obrigação108o Estado sustentou que a aprovação da Lei de Acesso à

Informação Pública que entrou em vigência em 8 de abril de 2011 garante o acesso à

informações úteis sobre os fatos. No entanto, a Corte entendeu que a informação concedida

pelo Estado é insuficiente para analisar se esta obrigação foi efetivamente cumprida, sendo

mantido, portanto, a supervisão desta medida.

Em relação à décima obrigação109o Estado informou que os valores foram pagos no

ano de 2013. Os representantes das vítimas, por sua vez, afirmaram que o Estado não cumpriu

o prazo determinado pela Corte, sendo necessário que pague os valores correspondentes pelo

período que ficou em mora. A Corte acatou a fundamentação dos representantes determinando

que o Estado indique em que mês irá realizar o pagamento dos valores.

Por fim, a Corte declarou que de 10 obrigações o Estado deu cumprimento total

somente as obrigações 2, 3, 5 e 6. Determinou, por fim, que El Salvador adote as medidas

necessárias para dar efetividade aos pontos pendentes de cumprimento.

3.1.4 Caso 5. Caso Velásquez Rodríguez vs. Honduras

A secretaria da Corte de San José recebeu uma denúncia contra o Estado de Honduras

no dia 7 de outubro de 1981 com o relato do desaparecimento de Velásquez Rodrigues. Em

106 7) dar nome a três escolas; uma com o nome de Gregoria Herminia, Serapio Cristian e Julia Inés Contreras; outra com o nome de Ana Julia e Carmelina Mejía Ramírez e uma terceira com o nome de José Rubén Rivera Rivera. 107

8) realizar documentário sobre o desaparecimento forçado de crianças durante o conflito armado em El Salvador com menção específica a este caso. 108

9) adotar medidas pertinentes e adequadas para garantir que a sociedade salvadorenha tenha acesso público, técnico e sistematizado aos arquivos que contenham informações úteis e relevantes para a investigação das violações aos direitos humanos cometidas durante o conflito armado. 109

10) efetuar pagamento de indenização por dano material, imaterial para as vítimas e pagar valor relativo às custas e gastos processuais.

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várias oportunidades a Comissão solicitou informações sobre os fatos denunciados, no

entanto, diante da falta de resposta do Governo, a Comissão, por força do artigo 42 de seu

regramento, presumiu como verdadeiros os fatos denunciados (CORTE IDH, 1988).

Em 1983 o governo pediu reconsideração, argumentando que estava fazendo todas as

diligências para esclarecer o paradeiro de Velásquez. Muito embora o governo tenha

apresentado informações, a Comissão entendeu que elas não eram suficientes para elucidar o

caso e submeteu a demanda para a Corte IDH no dia 24 de abril de 1986 (CORTE IDH,

1988).

Segundo a denúncia apresentada à Comissão, Manfredo Velásquez era estudante da

Universidade Nacional Autônoma de Honduras, tendo sido preso de forma violenta e sem

ordem judicial por indivíduos da Dirección Nacional de Investigación e do G-2 (Inteligência)

das Forças Armadas e Honduras. Sua prisão ocorreu em Tegucigalpa em 12 de setembro de

1981 durante a tarde (CORTE IDH, 1988).

A Comissão declara que várias testemunhas manifestaram que Ángel Manfredo foi

levado com outras pessoas para a II Estação da Força de Segurança Pública localizadas no

Bairro El Manchén de Tegucigalpa, onde foi submetido a duros interrogatórios sob tortura e

acusado de supostos delitos políticos (CORTE IDH, 1988).

De acordo com o depoimento testemunhal, a prática de desaparições forçadas era

realizada a partir de sequestros que seguiam um mesmo padrão: eram utilizados automóveis

sem placas ou com placas falsas. Os sequestradores utilizavam perucas, bigodes falsos ou

então rostos cobertos. Eram seletivos, pois as pessoas inicialmente eram vigiadas e

posteriormente era planejado o sequestro utilizando micro ônibus. Algumas vezes as vítimas

eram sequestradas em seu domicílio ou então nas ruas.

Um ex integrante das Forças Armadas afirmou a existência de prisões clandestinas e

de lugares selecionados para enterrar os indivíduos que eram executados. Também referiu que

dentro de sua unidade havia um grupo torturador e outro que fazia os interrogatórios.

O depoimento testemunhal e os documentos apresentados no processo demonstram

três pontos principais: 1) a existência em Honduras durante os anos 1981 a 1984 de uma

prática sistemática e seletiva de desaparições, com amparo ou com a tolerância do poder

público; 2) que Manfredo Velásquez foi vítima desta prática, tendo sido sequestrado,

torturado, executado e sepultado de forma clandestina por agentes das Forças Armadas de

Honduras; 3) que nesta época os recursos legais disponíveis em Honduras não foram idôneos,

nem eficazes para garantir os direitos à vida, liberdade e integridade pessoal.

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143

Na história da violação aos direitos humanos, os desaparecimentos não são uma

novidade. Seu caráter sistemático e reiterado não era utilizado somente para fazer com que o

indivíduo desaparecesse momentânea ou permanentemente, mas também gerava um estado de

angústia, insegurança e temor. Embora esta prática possua caráter mais ou menos universal,

na América Latina apresentou-se nos últimos anos com uma intensidade excepcional.

(CORTE IDH, 1988)

A preocupação com a prática do desaparecimento de pessoas é demonstrada pela

criação de um Grupo de Trabalho da comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas,

mediante resolução 20 (XXXVI) de 29 de fevereiro de 1980; e constitui uma atitude concreta

de censura e repúdio generalizados por uma prática que já havia sido objeto de atenção no

âmbito universal pela Assembleia Geral, pelo Conselho Econômico e Social, bem como pela

Subcomissão de Prevenção de Discriminações e Proteção às minorias. Os relatórios realizados

por estes órgãos mostram preocupação para que esta prática seja cessada e sejam aplicadas

sanções aos responsáveis (CORTE IDH, 1988).

Segundo a Corte o desaparecimento forçado de seres humanos constitui uma violação

múltipla e continuada de vários direitos reconhecidos na Convenção que os Estados estão

obrigados a respeitar e garantir (CORTE IDH, 1988).

A Corte IDH declarou que Honduras está obrigada a pagar uma justa indenização aos

familiares da vítima e que a quantia desta indenização será fixada no caso de o Estado

hondurenho e a Comissão não encontrem um acordo em um período de seis meses contados

da data da sentença (CORTE IDH, 1988).

Embora não tenha sido encontrado no sítio da Corte IDH o cumprimento da sentença,

foi localizada resolução feita no dia 15 de janeiro de 1988 de que o Sargento José Isaías

Vilorio que iria prestar declaração como testemunha foi assassinado no dia 05 de janeiro de

1988. Também foi recebida informação de que o senhor Miguel Angel Pavón Salazar que

compareceu em setembro de 1987 na Corte de San José para prestar depoimento nos casos

Velásquez Rodríguez, Fairén Garbi e Solís Corrales e Godínez Cruz também fora assassinado.

Segundo informações, outras testemunhas que prestaram declarações à Comissão

Interamericana também sofreram ameaças de morte.

Devido a esta situação, a Corte considerou que o assassinato de testemunhas constitui

uma primitiva e desumana expressão dos mais repudiáveis métodos que ofende a consciência

americana e os valores do Sistema Interamericano.

Dispôs ainda que segundo o artigo 63.2 da Convenção, em casos de extrema gravidade

e urgência no sentido de evitar danos irreparáveis às pessoas, a Corte poderá tomar medidas

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144

que considere pertinentes. Deste modo, diante dos assassinatos ocorridos a Corte entende que

o governo de Honduras adote as medidas necessárias para prevenir novos atentados contra as

testemunhas que já compareceram ou tenham sido citadas para comparecem à Corte em

relação aos casos contenciosos de Velásquez Rodriguez, Fairén Garbi e Solís Corrales, bem

como no caso Godínez Cruz. Também obrigou o Estado hondurenho a utilizar de todos os

meios necessários para investigar estes crimes, identificar os culpados e aplicar as sanções

previstas no direito interno.

3.1.5 Caso 6. Caso Goiburú y Otros vs. Paraguay

No dia 06 de dezembro de 1995 e 31 de julho de 1996 a Secretaria da Comissão

Interamericana recebeu denúncias da Global Rights e CIPAE (Comité de Iglesias para

Ayudas de Emergencia) sob o n. 11.560, 11.665 e 1.667, por violações supostamente

cometidas por agentes estatais entre os anos de 1974 e 1977 no Paraguai (CORTE IDH,

2006).

Em 19 de outubro de 2004 no 121º período ordinário de sessões a Comissão aprovou o

relatório de "Admisibilidad y fondo" nº 75/04, mediante o qual recomendou ao Estado a

adoção de uma série de medidas para sanar as violações cometidas (CORTE IDH, 2006).

Em dezembro do mesmo ano a Comissão enviou o relatório para o Estado e concedeu

um prazo de dois meses para que informasse as medidas adotadas para dar cumprimento às

recomendações formuladas. Em 8 de fevereiro de 2005 o Estado requereu uma prorrogação de

prazo para informar sobre as medidas adotadas. Concedida a protelação, o Paraguai

apresentou somente um relatório e solicitou um novo adiamento de três meses (CORTE IDH,

2006).

Novamente a Comissão concedeu prazo, no entanto, em 7 de junho de 2005 após

escutar o parecer dos peticionários, decidiu submeter o caso à jurisdição da Corte diante da

falta de cumprimento por parte do Estado das recomendações (CORTE IDH, 2006).

O processo versa sobre a detenção ilegal, arbitrária, tortura e desaparecimento forçado

dos senhores Agustín Goiburú Giménez, Carlos José Mancuello Bareiro e dos irmãos Rodolfo

Feliciano e Benjamín de Jesús Ramírez Villalba, supostamente cometidas por agentes estatais

(CORTE IDH, 2006).

Segundo a demanda, o senhor Augustín Goiburú Giménez era um médico paraguaio,

filiado ao Partido Colorado e fundador de um grupo político opositor ao ditador Stroessner

Matiauda. No dia 09 de fevereiro de 1977 o senhor Giménez foi detido arbitrariamente na

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145

Argentina possivelmente por agentes estatais paraguaios ou por pessoas que atuavam com sua

aquiescência. Após ser capturado, foi levado ao Departamento de Investigação da Polícia de

Assunção, sendo torturado e mantido incomunicável (CORTE IDH, 2006).

Para a Corte Interamericana o desaparecimento de Goiburú Giménez é um caso que

mostra uma ação coordenada entre as forças de segurança paraguaia e argentina dentro da

Operación Cóndor, pois seu desaparecimento marca o modus operandi nos quais paraguaios

desapareciam na Argentina durante a ditadura militar (CORTE IDH, 2006).

Já o senhor Carlos José Mancuello Bareiro era um cidadão paraguaio que estudava

engenharia na Argentina e trabalhava na empresa representante da marca Mercedes Benz no

Paraguai. Foi detido no dia 25 de novembro de 1974 na aduana paraguaia quando iria

ingressar para Argentina com sua esposa Gladis Ester Ríos de Mancuello e sua filha de oito

meses (CORTE IDH, 2006).

O senhor Carlos José Mancuello Bareiro esteve detido em uma pequena cela do

Departamento de Investigações da Polícia, sendo posteriormente levado para a Guardia de

Seguridad onde esteve detido em 1975. O senhor Carlos foi submetido a intensos

interrogatórios e torturas, especialmente nos primeiros meses de sua detenção ilegal, tal como

a prática denominada pileteada (consistente na imersão do preso em uma bacia com água,

sangue e dejetos humanos até o afogamento, em muitas ocasiões) (CORTE IDH, 2006).

Em relação aos irmãos Benjamín e Rodolfo Ramírez Villalba foi apurado no processo

que no dia 23 de novembro de 1974 eles foram detidos. Benjamín na fronteira paraguaia e o

Rodolfo na cidade de Asunción.

O senhor Rodolfo Ramírez Villalba trabalhava no Paraguai em um mercado de

produtos naturais, mas, posteriormente, viajou para a Argentina com o objetivo de estudar e

trabalhar, momento em que conseguiu emprego em uma companhia de perfurações de

petróleo e tornou-se técnico em instalação de poços petrolíferos. Já o senhor Benjamín

Ramírez Villalba era contador público (CORTE IDH, 2006).

Os irmãos eram acusados de pertencer a um grupo terrorista que preparava um

atentado contra Stroessner supostamente liderado pelo médico Goiburú, sendo que estiveram

detidos no Departamento de Investigações (CORTE IDH, 2006).

No dia 25 de novembro de 1974 os irmãos Benjamín e Rodolfo foram detidos e

permaneceram assim durante vinte e dois meses, durante os quais foram submetidos a torturas

e desapareceram de forma similar ao senhor Carlos José Mancuello Bareiro (CORTE IDH,

2006).

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146

Para a Corte este caso tem uma particular transcendência histórica, porquanto os fatos

ocorreram em um contexto de prática sistemática de detenções arbitrárias, torturas, execuções

e desaparecimentos perpetrados pelas forças de segurança e inteligência da ditadura de

Alfredo Stroessner, no marco da Operação Cóndor. Os graves fatos marcam o caráter

flagrante, massivo e sistemático da repressão que a população foi submetida em escala

interestatal, pois as estruturas de segurança foram coordenadamente desatadas contra as

nações a nível transfronteiriço pelos governos ditatoriais envolvidos (CORTE IDH, 2006).

Os tribunais nacionais da Argentina, Chile e Espanha que abriram processos penais

contra pessoas envolvidas na Operación Cóndor caracterizaram o seu desenvolvimento como

uma relação ilegítima estabelecida entre governos e serviços de inteligência de diferentes

países (CORTE IDH, 2006).

Foi considerado que a Operación Cóndor era uma espécie de "terror internacional" por

se tratar de uma ação criminosa terrorista organizada e coordenada no interior e exterior.

Inclusive a organização estava dirigida contra a ordem constitucional de cada um dos Estados

membros, ao coordenar ações com o objetivo de fazer ações para suprimir e/ou manter a

supressão das instituições representativas sustentada pelo poder exercido por autoridades

hierárquicas militares, civis e policiais (CORTE IDH, 2006).

Reiteradamente a Corte tem afirmado que o desaparecimento forçado de pessoas

constitui um ato ilícito que gera uma violação múltipla e continuada de vários direitos

protegidos pela Convenção Americana, pois coloca a vítima em um estado sem defesa,

acarretando outros delitos conexos (CORTE IDH, 2006).

A responsabilidade internacional do Estado é agravada quando o desaparecimento

forma parte de um padrão sistemático ou prática aplicada ou tolerada pelo Estado. Trata-se de

um delito de lesa humanidade que implica em um crasso abandono dos princípios essenciais

que se fundamenta o Sistema Interamericano (CORTE IDH, 2006).

Após analisar os fatos e provas constantes nos autos a Corte dispôs, por unanimidade,

que o Estado deve: 1) realizar imediatamente diligências para ativar e completar efetivamente

em um prazo razoável a investigação para determinar as responsabilidades intelectuais e

materiais dos autores dos fatos cometidos em prejuízo dos senhores Agustín Goiburú

Giménez, Carlos José Mancuello Bareiro, Rodolfo Ramírez Villalba e Benjamín Ramírez

Villalba; 2) proceder de imediato a busca e localização das vítimas e se encontrarem seus

restos, deverá entregá-los com a maior brevidade possível aos familiares; 3) em um prazo de

seis meses deve fazer um ato público de reconhecimento de responsabilidade; 4) publicar em

um prazo de seis meses no Diário Oficial e em outros diários de ampla circulação nacional os

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147

fatos provados na sentença; 5) promover tratamento adequado para os familiares das vítimas;

6) construir em um prazo de um ano um monumento em memória das vítimas; 7)

implementar em um prazo razoável programas permanentes de educação em direitos humanos

dentro das forças policiais paraguaias, em todos os níveis hierárquicos; 8) adequar a

tipificação dos delitos de tortura e de desaparecimento forçado de pessoas contidas nos artigos

236 e 309 do Código Penal e as disposições aplicáveis ao Direito Internacional dos Direitos

Humanos; 9) pagar os familiares das vítimas no prazo de um ano indenização por dano

material, moral, além de custas e gastos gerados no âmbito interno e no processo internacional

perante o SIDH (CORTE IDH, 2006).

Na supervisão de cumprimento da sentença feito em 19 de novembro de 2009 (três

anos após a sentença), em relação à primeira obrigação110 o Estado alegou que os processos

penais estão tramitando no judiciário. Destacou ainda que não se faz necessária a adoção de

nenhuma medida de caráter diplomático para a resolução do caso (CORTE IDH, 2009).

Quanto à segunda obrigação111, o Estado informou que a Comissão da Verdade e

Justiça investigou diversos lugares onde eram praticadas detenções ilegais, torturas e

execuções extrajudiciais e que em virtude de algumas denúncias feitas em 2009 foram

realizadas investigações para a busca e localização das vítimas desaparecidas pela Equipe de

Trabalho para Medicina Forense, pelo Ministério Público e pela Fiscalização do Meio

Ambiente, os quais resgataram dois restos humanos completos, de sexo masculino, mas que

ainda não foram identificados totalmente, pois a tecnologia para identificação dos ossos

ósseos e a tomada de mostras comparativas dos descendentes deve ter um nível de tecnologia

que hoje o Estado não possui (CORTE IDH, 2009).

Em que pese as alegações do Estado, os peticionários manifestaram durante a

audiência que o Estado paraguaio jamais iniciou alguma busca e localização dos

desaparecidos, posto que os restos ósseos encontrados recentemente foram concretizados

somente por meio do esforço da família Goiburú (CORTE IDH, 2009).

A Comissão valorou o relatório prestado pelo Estado, mas considerou que eram

necessárias mais informações sobre a forma como estão sendo realizadas as identificações dos

restos mortais das supostas vítimas (CORTE IDH, 2009).

110

1) Realizar imediatamente diligências para ativar e completar efetivamente em um prazo razoável a investigação para determinar as responsabilidades intelectuais e materiais dos autores dos fatos cometidos em prejuízo dos senhores Agustín Goiburú Giménez, Carlos José Mancuello Bareiro, Rodolfo Ramírez Villalba y Benjamín Ramírez Villalba. 111

2) Proceder de imediato à busca e localização dos senhores Agustín Goiburú Giménez, Carlos José Mancuello, Rodolfo Ramírez Villalba y Benjamín Ramírez Villalba e se encontrarem seus restos, deverá entregá-los com a maior brevidade possível aos familiares

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148

A Corte considerou que tendo transcorrido mais de três anos desde a sentença, o

Estado não evidenciou avanços significativos na busca dos restos das vítimas, ficando esta

determinação em aberto (CORTE IDH, 2009).

Quanto à terceira obrigação112 o Estado alegou que a Cancillería Nacional elaborou

uma minuta de texto de reconhecimento de responsabilidade e desagravo, o qual foi aprovado

pelas autoridades do Ministério do Interior, no entanto, a Corte compreendeu que há um

atraso para concretizar esta medida e que após três anos foi realizada apenas uma minuta.

Referida obrigação foi mantida em aberto (CORTE IDH, 2009).

A respeito da quarta obrigação113 a Corte entendeu que a medida foi cumprida

satisfatoriamente.

Sobre a quinta obrigação114, o Estado aduziu que fez carnês por meio dos quais os

familiares das vítimas têm acesso a todos os serviços públicos de saúde e à medicação de

maneira gratuita, no entanto, devido a dificuldade para a entrega dos carnês, a Ministra da

Saúde proferiu comunicado para que os familiares das vítimas retirassem o documento na

sede do ministério.

Sobre esta obrigação os familiares afirmaram durante a audiência que o Estado

ofereceu cartões somente nas últimas semanas de 2009 quando então foi marcada a audiência

pela Corte com o objetivo de demonstrar que estavam cumprindo com o que fora determinado

(CORTE IDH, 2009).

A Comissão congratulou o Estado por ter realizado carnês médicos, porém entendeu

que o atraso para cumprir esta medida é preocupante, pois mais de três anos após a sentença

os familiares todavia não tiveram um tratamento médico e psicológico adequado (CORTE

IDH, 2009).

Em relação à sexta obrigação115

o Estado informou que a municipalidade de Asunción

ofereceu às famílias das vítimas praças públicas para a construção dos monumentos dos

desaparecidos, no entanto, os familiares afirmaram que até o momento da audiência nenhum

monumento havia sido construído e que somente após o Estado ter sido convocado para a

audiência é que passaram a conversar sobre a construção dos monumentos (CORTE IDH,

2009).

112

3) em um prazo de seis meses deve fazer um ato público de reconhecimento de responsabilidade e de desagravo. 113

4) publicar em um prazo de seis meses no Diário Oficial e em outros diários de ampla circulação nacional os fatos provados na sentença. 114

5) promover tratamento adequado para os familiares das vítimas. 115

6) construir em um prazo de um ano um monumento em memória das vítimas.

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A Corte recordou que a sentença dispunha um prazo de um ano para a execução desta

medida de reparação, sendo que transcorridos mais de três anos, não foram verificadas ações

pertinentes e suficientes para a construção do monumento que deve incluir o nome das

vítimas (CORTE IDH, 2009).

Para a sétima obrigação que consistia na necessidade de o Estado implementar

programas permanentes de educação em direitos humanos dentro das forças policiais

paraguaias em todos os níveis hierárquicos, o Estado comunicou que implementou programas

educativos e estabeleceu cursos destinados a oficiais, suboficiais e subcomissários (CORTE

IDH, 2009).

A Corte valorou positivamente os avanços realizados pelo Estado e considerou que foi

dado cumprimento a esta medida de reparação (CORTE IDH, 2009).

Para a oitava obrigação116

o Estado salientou que no dia 20 de maio de 2009 foi

apresentado ao Parlamento um projeto de lei para realizar a reforma normativa. A Corte

valorou a vontade do Estado, mas alertou para que seja dado cumprimento integral a esta

obrigação (CORTE IDH, 2009).

Sobre a nona obrigação117o Estado afirmou que possui a soma da segunda parcela do

pagamento e que foi autorizado a efetuar o pagamento pelo Decreto n. 2.539, somente está

esperando o acordo dos familiares das vítimas acerca da determinação dos valores a cada um

deles. Para a Corte Interamericana o Estado demonstrou o cumprimento da obrigação de

modo satisfatório (CORTE IDH, 2009).

Tem-se, portanto, que o Estado cumpriu integralmente somente três obrigações do

total de sete, demonstrando sua desídia com a sentença da Corte IDH e direitos das vítimas.

Tal situação é confirmada pelo fato de que o Paraguai somente passou cumprir poucas das

determinações somente quando fora marcada a audiência para supervisionar o cumprimento

da sentença. Não houve, portanto, diálogo efetivo (CORTE IDH, 2009).

3.1.6 Caso 7.Caso Loayza-Tamayo vs. Peru

Em 12 de janeiro de 1995 a Comissão Interamericana de Direitos Humanos submeteu

à Corte Interamericana um caso contra a República do Peru, sustentando que no dia 6 de

116

8) adequar a tipificação dos delitos de tortura e de desaparecimento forçado de pessoas contidas nos artigos 236 e 309 do Código Penal e as disposições aplicáveis ao Direito Internacional dos Direitos Humanos. 117

9) pagar os familiares das vítimas no prazo de um ano indenização por dano material, moral, além de custas e gastos gerados no âmbito interno e no processo internacional perante o sistema interamericano.

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fevereiro de 1993 a senhora María Elena Loayza Tamayo, professora da Universidad San

Martín de Porres, foi presa junto com o senhor Ladislao Alberto Huamán Loayza, por um

membro da Divisão Nacional contra o Terrorismo da Polícia Nacional do Peru, em um imóvel

localizado na rua Mitobamba, em Lima (CORTE IDH, 1997).

De acordo com a Ley de Arrepentimiento, aprovada pelo Decreto Lei nº 25.499,

Angélica Torres García, conhecida como “Mirtha”, capturada no dia 5 de fevereiro de 1993,

acabou por denunciar a senhora María Elena Loyaza Tamayo. (CORTE IDH, 1997)

Em razão da denúncia o Estado, sem a expedição de ordem da autoridade judicial

prendeu no dia seguinte a senhora Loayza Tamayo por supostamente ser colaboradora do

grupo subversivo Sendero Luminoso (CORTE IDH, 1997).

Durante 10 dias a senhora María Elena ficou proibida de se comunicar com sua família

e advogados, os quais tampouco foram informados do lugar onde estava detida. Sua família

ficou sabendo da detenção somente no dia 8 de fevereiro de 1993 por meio de uma chamada

anônima (CORTE IDH, 1997).

A vítima foi torturada, sofreu ameaças e violentada sexualmente, para que alegasse

formalmente que pertencia ao Partido Comunista do Peru. A princípio negou que pertencia ao

grupo, mas após ser torturada foi levada até à imprensa vestindo um traje de terrorista,

momento em que alegou ter cometido delito de traição à pátria. (CORTE IDH, 1997)

Durante a época da detenção existiu no Peru uma prática generalizada de tratamentos

cruéis, desumanos e degradantes com a finalidade de investigar os delitos de traição à pátria e

terrorismo (CORTE IDH, 1997).

Para Corte IDH a infração do direito à integridade física e psíquica das pessoas é uma

classe de violação que tem diversas conotações de grau e que abarca desde a tortura até outro

tipo de vexames ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, cujas sequelas físicas e

psíquicas variam de intensidade segundo os fatores endógenos e exógenos que deverão ser

demonstrados em cada situação concreta (CORTE IDH, 1997).

O diálogo é verificado quando na sentença a Corte Interamericana cita que a Corte

Europeia de Direitos Humanos manifestou que, ainda que não existam lesões, os sofrimentos

no âmbito moral, acompanhados de turbações psíquicas durante os interrogatórios podem ser

considerados tratamentos desumanos. O caráter degradante se expressa em um sentimento de

medo, ânsia e inferioridade com o fim de humilhar, desagradar e de romper a resistência física

e moral da vítima (Case of Ireland v. the United Kingdom, Judgment of 18 January 1978,

Series A no. 25. párr. 167) (CORTE IDH, 1997).

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151

Além disto, esta situação seria agravada pela vulnerabilidade da pessoa ilegalmente

detida (cf. Case Ribitsch v. Austria, Judgment of 4 December 1995, Series A no. 336, párr.

36), pois todo uso da força que não seja estritamente necessário pelo próprio comportamento

da pessoa detida constitui um atentado à dignidade humana em violação ao artigo 5 da

Convenção Americana (CORTE IDH, 1997).

A Corte decidiu que o Estado: 1) tome as medidas necessárias para reincorporar a

senhora María Elena no serviço docente em instituições públicas; 2) assegure à senhora María

o pleno gozo de seu direito à aposentadoria, incluindo o tempo transcorrido desde o momento

de sua detenção; 3) adote todas as medidas de direito interno para assegurar que nenhuma

resolução que tenha sido emitida no processo produza efeito legal perante o foro civil; 4)

obrigação de adotar as medidas de direito interno necessárias para que os Decretos Lei n.

25.475 (Delito de Terrorismo) e nº 25. 659 (delito de traição à pátria) estejam conforme o

disposto na Convenção Americana; 5) investigue os fatos, identifique, sancione seus

responsáveis e adote as disposições necessárias de direito interno para assegurar o

cumprimento desta obrigação (CORTE IDH, 1997).

No dia 16 de junho de 1999 a senhora María Elena Loayaza Tamayo comunicou a

Corte IDH informando que no dia 14 de junho de 1999 a Sala Penal “C” da Corte Suprema de

Justiça da República do Peru proferiu uma resolução declarando “inexecutável” a sentença de

reparações proferida pela Corte Interamericana. Solicitou, portanto, que a Corte de San José

adotasse medidas que assegurassem o cumprimento da sentença. (CORTE IDH, 1999)

A vítima também solicitou à Assembleia Geral da OEA que considere a suspensão do

Peru da Organização até que as obrigações sejam cumpridas, além de ser realizado um

relatório com o objetivo de informar várias Organizações Internacionais sobre a postura do

Estado peruano (CORTE IDH, 1999).

A Comissão informou que é um dever do Estado cumprir com as obrigações

convencionais de boa fé, princípio este disposto no artigo 31 da Convenção de Viena sobre o

Direito dos Tratados de 1969; que ao ratificar a Convenção Americana, os Estados Partes

contraem obrigações de proteção a todos os indivíduos que estão sob sua jurisdição; que as

sentenças da Corte devem ser acatadas de forma imediata e integral e devem incorporar no

ordenamento jurídico interno dos Estados para serem executáveis (CORTE IDH, 1999).

Em uma nova supervisão de cumprimento da sentença realizada no ano de 2011,118 ou

seja, 14 anos após a decisão, ficou esclarecido o seguinte (CORTE IDH, 2011):

118 Cabe aqui ressaltar que ao longo dos anos 2000 e 2001 algumas resoluções foram feitas pela Corte IDH solicitando ao Estado o devido cumprimento da sentença.

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152

Sobre a primeira obrigação119, o Estado informou que a vítima foi realocada como

docente na Escola Nacional Superior de Arte Dramático a partir do dia 18 de janeiro de 2002,

tendo como jornada de trabalho 15 horas semanais de aulas, no entanto, o contrato foi

rescindido em 01 de agosto de 2006.

A Corte IDH rememorou que a vítima no momento de sua detenção trabalhava em três

instituições educativas, sendo que a senhora Loayza Tamayo somente confirmou que o Estado

cumpriu a reintegração em uma das instituições e ainda está pendente o pagamento de suas

remunerações que deixou de perceber desde o período em que esteve detida. Deste modo, o

Estado cumpriu somente parcialmente esta obrigação (CORTE IDH, 2011).

Quanto à segunda obrigação 120, o Estado não informou de modo detalhado os

requisitos para que a vítima seja assegurada no pleno gozo de seu direito a aposentadoria pelo

Decreto Lei nº 19990, estando em aberto, portanto, esta obrigação (CORTE IDH, 2011).

Sobre a terceira obrigação121 o Estado juntou cópia da resolução emitida em 28 de

maio de 1999 pela Sala Superior Penal Corporativa Nacional para Casos de Terrorismo, que

declarou inexecutável a sentença proferida pela Sala Especial da Corte Superior de Justiça de

Lima de 10 de outubro de 1994 que condenou a vítima a 20 anos de pena privativa de

liberdade pelo delito de terrorismo; bem como cópia dos ofícios solicitando a anulação dos

antecedentes policiais, judiciais e penais da senhora Loayza Tamayo. Diante das informações

do Estado e do não pronunciamento da vítima de situação contrária, a Corte IDH entendeu por

satisfeita esta determinação (CORTE IDH, 2011).

Acerca da quarta obrigação122

o Estado informou que a reforma legislativa realizada

adequou a legislação interna à Convenção Americana, entretanto, a Corte de San José

entendeu que somente a existência de uma norma não garante por si só sua aplicação de

maneira adequada, sendo necessário que sua interpretação jurisdicional e manifestação estatal

encontrem-se ajustadas com o mesmo fim que objetiva o artigo 2 da Convenção (CORTE

IDH, 2011).

119 1) tome as medidas necessárias para reincorporar a senhora María Elena no serviço docente em instituições públicas. 120 2) assegure à senhora María o pleno gozo de seu direito à aposentadoria, incluindo o tempo transcorrido desde o momento de sua detenção. 121 3) adote todas as medidas de direito interno para assegurar que nenhuma resolução que tenha sido emitida no processo produza efeito legal perante o foro civil. 122 4) adotar as medidas de direito interno necessárias para que os Decretos Lei n. 25.475 (Delito de Terrorismo) e nº 25. 659 (delito de traição à pátrica) estejam conforme o disposto na Convenção Americana.

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153

Na quinta obrigação123 o Estado afirmou que não foi cumprida diante da prescrição

dos crimes. A Corte sustentou que a prescrição somente ocorreu devido as omissões

processuais eivadas de má fé e negligência cometidas. A Corte pugnou, portanto, para que o

Estado informe por quais razões ocorreu a prescrição dos crimes (CORTE IDH, 2011).

Por fim, a Corte IDH entendeu que o Estado somente cumpriu com as obrigações sob

n. 1, 3 e 4 do total de cinco condenações (CORTE IDH, 2011).

3.1.7 Caso 8. Caso Gelman Vs. Uruguay

No dia 21 de janeiro de 2010 a Comissão Interamericana de Direitos Humanos

apresentou uma demanda contra a República Oriental do Uruguai em relação ao caso Juan

Gelman, María Claudia García de Gelman e María Macarena Gelman García (CORTE IDH,

2011).

Os fatos alegados pela Comissão referem-se ao desaparecimento forçado de Maria

Claudia García Iruretagoyena de Gelman em 1976 quando fora detida em Buenos Aires

enquanto estava em avançado estado de gestação (CORTE IDH, 2011).

Presume-se que ela foi transladada ao Uruguai onde teria dado luz a sua filha que fora

entregue a uma família uruguaia. Tais atos a Comissão ressalta que foram cometidos por

agentes estatais uruguaios e argentinos durante a Operación Cóndor (CORTE IDH, 2011).

A Comissão alegou que houve a supressão da identidade e nacionalidade de Maria

Macarena Gelman García Iruretagoyena, filha de María Claudia García e Marcelo Gelman e a

denegação da justiça, consubstanciada na impunidade e o sofrimento causado às famílias

como consequência da falta de investigação dos fatos, julgamento e sanção dos responsáveis

em virtude da Lei n. 15.848, também conhecida como Ley de Caducidad de la Pretensión

Punitiva del Estado promulgada em 1986124 pelo governo democrático do Uruguai (CORTE

IDH, 2011).

A Corte entende que nos casos de desaparecimento forçado de pessoas há violação do

direito ao reconhecimento da personalidade jurídica, reconhecido no artigo 3 da Convenção

Americana, pois deixa a vítima em uma situação de indeterminação jurídica que impossibilita,

123

5) investigue os fatos, identifique, sancione seus responsáveis e adote as disposições necessárias de direito interno para assegurar o cumprimento desta obrigação. 124 O Uruguai é Estado parte da Convenção Americana desde o dia 19 de abril de 1985 e reconheceu a competência contenciosa da Corte nesta mesma data.

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obstaculiza ou anula a possibilidade da pessoa ser titular ou exercer de forma efetiva seus

direitos em geral (CORTE IDH, 2011).

Os atos cometidos contra María Claudia García podem ser qualificados como uma das mais

graves e reprováveis formas de violência contra a mulher, pois afetaram gravemente sua

integridade pessoal e estiveram claramente baseados em seu gênero (CORTE IDH, 2011).

Os danos lhe causaram sofrimentos físicos e psicológicos, pois teve de permanecer

com sua filha em um centro clandestino de detenção, onde usualmente eram escutadas

torturas infligidas a outros detentos e não sabia qual seria o destino que seria dado a sua filha

quando fossem separadas. Esta situação constitui, pois, uma grave forma de vulneração de sua

integridade psíquica. (CORTE IDH, 2011)

A forma pela qual (pelo menos durante um tempo) foi interpretada e aplicada a Lei de

Caducidade adotada no Uruguai, afetou a obrigação internacional do Estado de investigar e

sancionar os crimes cometidos em face de María Claudia García e de María Macarena

Gelman além do ocultamento de identidade ao impedir que os familiares das vítimas fossem

ouvidos por um juiz, conforme dispõe o artigo 8.1 da Convenção Americana (CORTE IDH,

2011).

Em razão disto, as disposições da Lei de Caducidade que impedem a investigação

e sanção de graves violações de direitos humanos carece de efeitos jurídicos e não pode seguir

representando um obstáculo para a investigação dos fatos que circundam o caso (CORTE

IDH, 2011).

Ademais, o fato de a Ley de Caducidad ter sido aprovada em um regime

democrático não lhe concede automaticamente legitimidade perante o Direito Internacional,

pois a existência de um regime democrático não garante, de per si, o permanente respeito do

Direito Internacional, incluindo o Direito Internacional dos Direitos Humanos (CORTE IDH,

2011).

Deste modo, ao aplicar referida lei (que por seus efeitos constitui uma lei de

anistia) impedindo a investigação dos fatos e a identificação, julgamento e eventual sanção

dos possíveis responsáveis de violações, não cumpre a obrigação de adequar o direito interno

do Estado, conforme dispõe o artigo 2 da Convenção Americana (CORTE IDH, 2011).

As anistias ou figuras análogas tem sido um dos obstáculos alegados por alguns

Estados para investigar e sancionar os responsáveis de violações graves aos direitos humanos.

A Corte Interamericana, os órgãos das Nações Unidas e outros organismos universais e

regionais de proteção dos direitos humanos pronunciaram-se acerca da incompatibilidade das

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155

leis de anistia com o direito internacional e as obrigações internacionais dos Estados (CORTE

IDH, 2011).

A Corte Interamericana já estabeleceu que são incompatíveis as disposições de

anistia, de prescrição e o estabelecimento de excludentes de responsabilidade que pretendam

impedir a investigação e sanção dos responsáveis das violações como tortura, execuções

sumárias, extralegais, arbitrárias e os desaparecimentos forçados (CORTE IDH, 2011).

Por fim, a Corte dispôs por unanimidade que: 1) em um prazo razoável o

Estado deve conduzir eficazmente a investigação dos fatos a fim de determinar as

responsabilidades penais e administrativas que a lei prevê; 2) continuar e acelerar a busca e

localização imediata de María Claudia García Iruretagoyena ou de seus restos mortais e, em

seu caso, entregá-los a seus familiares após prévia comprovação genética de filiação; 3)

garantir que a Ley de Caducidad de la Pretención Punitiva del Estado não volte a representar

um obstáculo para a investigação dos fatos; 4) realizar em um prazo de um ano, um ato

público de reconhecimento de responsabilidade internacional pelos fatos do presente caso; 5)

colocar em um espaço do edifício do Sistema de Informação de Defesa (SID) com acesso ao

público, em um prazo de um ano, uma placa com a inscrição do nome das vítimas e de todas

as pessoas que estiveram detidas ilegalmente neste lugar; 6) publicar dentro de um prazo de

seis meses em meio físico e virtual a sentença de mérito e reparações; 7) implementar um

programa permanente de direitos humanos dirigido aos agentes do Ministério Público e Juízes

do Uruguai; 8) adotar em um prazo de dois anos medidas para garantir o acesso técnico e

sistematizado à informação acerca das graves violações de direitos humanos ocorridas durante

a ditadura militar e 9) pagar indenização por dano material e imaterial às vítimas.

Quanto à primeira e terceira obrigações125o Estado informou que em 27 de outubro

de 2011 foi promulgada a Lei n. 18.831 intitulada Pretensión Punitiva del Estado:

Restablecimiento para los delitos cometidos en aplicación del terrorismo de Estado hasta el

1º de marzo de 1985. Também informou que em 2011 o Poder Executivo aprovou a resolução

n. 323/2011 por meio da qual revogaram a aplicação do artigo 3º da Ley de Caducidad.

Além disto, em 27 de outubro de 2011 o juiz penal deu início ao processo pelo

homicídio de María Claudia García de Gelman e que até o momento cinco pessoas estariam

sendo processadas pelos fatos do caso.

125 1) em um prazo razoável o Estado deve conduzir e levar a término eficazmente a investigação dos fatos a fim de determinar as responsabilidades penais e administrativas que a lei prevê.

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A Corte observa que na investigação dos fatos do Caso Gelman o Estado iniciou ações

para processar os cinco suspeitos, no entanto, o processo ainda está nas fases iniciais, tendo as

vítimas um acesso restrito ao conteúdo das ações processuais.

Quanto ao decreto feito pelo Estado acerca da Ley de Caducidad, a Corte entendeu

que representa uma vontade clara e concreta de cumprir a sentença e que o Estado adotou

todas as medidas e ações necessárias para que os efeitos que esta Lei produziu durante mais

de duas décadas não representam mais um obstáculo para as investigações dos fatos

constitutivos de graves violações a direitos humanos.

Quanto à segunda obrigação126

o Estado informou que estão sendo realizadas

escavações por uma equipe de antropólogos na busca dos restos das vítimas desaparecidas. A

Corte valorou o esforço do Estado em realizar diligências para identificar as pessoas

desaparecidas, mas continuará supervisionando o cumprimento desta medida.

Com relação à quarta127 e quinta obrigação

128 o Estado informou que realizou ato

público no dia 21 de março de 2012 com a participação dos três poderes na presença de María

Macarena Gelman García Iruretagoyena e Juan Gelman. Também afirmou que foi realizada a

colocação no antigo edifício do Servicio de Información de Defensa ("SID") uma placa em

memória das vítimas do processo e todas as outras vítimas do terrorismo do Estado que

estiveram privadas da liberdade. A Corte considerou que os atos realizados satisfazem

plenamente a finalidade imposta na sentença.

Sobre a sexta obrigação129

o Estado informa que publicou a sentença no Diário Oficial

e nas páginas da internet da Presidência da República, Ministério das Relações Exteriores e

no Ministério da Educação e Cultura. Destacou que também foi publicada nos diários de

ampla circulação nacional, como "El país" e “La República" o resumo oficial da sentença. A

Corte valorou positivamente e declarou cumprido este ponto resolutivo.

Quanto à sétima obrigação130o Estado informou que já existem programas de

capacitação em matéria de direitos humanos, sendo que a Comissão interinstitucional dedica-

126 2) o Estado deve continuar e acelerar a busca e localização imediata de María Claudia García Iruretagoyena ou de seus restos mortais e, em seu caso, entregá-los a seus familiares após prévia comprovação genética de filiação. 127 4) deve realizar em um prazo de um ano, um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional pelos fatos do presente caso. 128 5) colocar em um espaço do edifício do Sistema de Informação de Defesa (SID) com acesso ao público, em um prazo de um ano, uma placa com a inscrição do nome das vítimas e de todas as pessoas que estiveram detidas ilegalmente neste lugar. 129 6) dentro de um prazo de seis meses o Estado deve publicar em meio físico e virtual a sentença de mérito e reparações. 130 7) implementar um programa permanente de direitos humanos dirigido aos agentes do Ministério Público e Juízes do Uruguai.

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se a incluir tais programas em cursos ou módulos sobre a devida investigação e julgamento

dos fatos do desaparecimento de pessoas, bem como a interpretação do Direito à luz dos

Direitos Humanos.

A Corte constatou que a organização de cursos de direitos humanos destinados a

funcionários do Poder Judiciário e do Ministério Público é insuficiente, posto que não há

informação sobre o caráter permanente do programa, tampouco há o plano de estudos e

conteúdos dos cursos. Portanto, a Corte solicita ao Estado que em seu próximo relatório dê

informações mais precisas e detalhadas com relação ao cumprimento desta medida.

Quanto à oitava obrigação131 informou que está atualizando a investigação histórica

disponível na página eletrônica da Presidência da República do Uruguai, no entanto, a Corte

compreendeu que não há informações precisas e detalhadas sobre o cumprimento desta

medida.

Sobre a nona obrigação132

a Corte constatou que o Estado efetuou os pagamentos da

quantia fixada a título de danos materiais e imateriais, bem como o pagamento das custas e

gastos.

A Corte concluiu, portanto que o Estado deu cumprimento integral às seguintes

obrigações: 4, 5, 6 e 9, ou seja quatro de nove.

A Corte resolveu que a República do Uruguai deve continuar adotando todas as

medidas necessárias para dar efetivo e pronto cumprimento dos pontos pendentes.

3.2 O exemplo da Argentina

Embora o presente capítulo tenha objetivado analisar as decisões proferidas pela

Corte Interamericana e o posterior cumprimento das sentenças por parte dos Estados, faz-se

imperioso relatar a situação peculiar do caso da Argentina.

Referido país sofreu duramente com os crimes cometidos durante a ditadura

militar - conforme já relatado no segundo capítulo - entretanto, não foi condenado pela Corte de San José

pelos atos praticados durante este período.

O fato de a Argentina não ter sido condenada internacionalmente deriva dos

grandes avanços legislativos sobre a anistia, pelas investigações e condenações dos militares.

Esta situação é um importante exemplo de como um país pode aos poucos evoluir no processo 131 8) adotar em um prazo de dois anos medidas para garantir o acesso técnico e sistematizado à informação acerca das graves violações de direitos humanos ocorridas durante a ditadura militar. 132 9) pagar indenização por dano material e imaterial às vítimas.

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de redemocratização sem a necessidade de uma imposição de mudança por meio de sentença

de um Tribunal Internacional. Em razão disto, a Argentina pode ser considerado o país que

mais avançou na matéria referente à justiça de transição na América Latina, no entanto,

destaca-se, que o processo não foi simples de ser conquistado.

Antes de abandonar o poder, os militares promulgaram uma anistia sobre seus próprios

comportamentos, contudo, quando Dr. Alfonsín assumiu o primeiro governo democrático,

criou uma comissão especial chamada CONADEP com a finalidade de recompilar todas as

informações possíveis sobre o destino dos detidos, desaparecidos e de outros crimes

cometidos durante a ditadura. Além disto, mediante a lei 23.040 o Congresso revogou a Lei n.

22.924 (anistia) considerando-a inconstitucional e nula por pretender dar o perdão de crimes

perpetrados pelo governo militar desde 1967 a 1983 (YACOBUCCI, 2011).

De todos os atos do processo de redemocratização o mais significativo foi o

julgamento dos responsáveis pelos crimes cometidos durante a ditadura militar. Exemplo

disto foi a condenação de Videla, Massera e Agosti (representantes iniciais de cada uma das

forças armadas no governo de fato). O julgamento pelos juízes da Câmara Federal teve um

valor inigualável tendo em vista que embora as instituições militares ainda tinham um poder

eficaz de reação, avançou democraticamente neste sentido (YACOBUCCI, 2011).

Entretanto, neste meio tempo foram criadas duas leis pelo Congresso argentino

conhecidas como "punto final" (23.492) e "obediencia debida" (23.521) as quais encerravam a

possibilidade de dar prosseguimento ao julgamento penas dos crimes da ditadura. Além disto,

durante o governo do Dr. Menem - representante do Partido Justicialista - foi manifestada a

necessidade de dispor o indulto dos condenados pelos crimes da ditadura. Estes atos fez com

que fossem encerrados os círculos sobre as vias judiciais de progresso para a investigação e

julgamento dos graves delitos ocorridos durante a década de 70 e 80 (YACOBUCCI, 2011).

Para romper com esta situação, a Corte Suprema Argentina causou uma mudança de

paradigma ao pronunciar-se no caso Arancibia Clavel que, a partir do momento em que o país

conferiu hierarquia constitucional aos tratados internacionais sobre direitos humanos (artigo

75, inciso 22 da Constituição) a temática deve ser vista de modo diverso. Já no caso Simon, a

Corte Suprema analisou a validade e eficácia das leis de “obediencia debida” e “punto final”.

O Tribunal entendeu que tais leis apresentavam sérios problemas, pois não seria possível

admitir que as regras de obediência militar pudessem ser utilizadas para eximir a

responsabilidade do conteúdo ilícito das ordens. Sustentou ainda que o direito argentino

sofreu modificações fundamentais que impõem a revisão das leis, com fundamento no artigo

75, inciso 22 da Constituição, o qual não autoriza o Estado a tomar decisões sem observar a

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possibilidade de persecução penal de crimes de lesa humanidade. Ademais, que o Estado

assumiu em 1994 após a promulgação da nova Constituição uma nova observância ao direito

internacional, sobretudo à ordem jurídica interamericana. Por estas razões, a Corte declarou a

inconstitucionalidade das leis acima citadas para dar efetivo cumprimento aos tratados

internacionais na matéria de direitos humanos (YACOBUCCI, 2011).

Já no caso Mazzeo julgado em 2007, a Corte Argentina declarou inconstitucional o

indulto ao general Riveros que havia cometido crimes de lesa humanidade. (YACOBUCCI,

2011)

De acordo com um artigo publicado por Luiz Flávio Gomes no ano de 2011, a

Suprema Corte da Argentina julgou a invalidade da lei de anistia e quase 500 ex-militares,

policiais e civis estão presos pelos crimes cometidos durante o período ditatorial.

A reabertura de processos por crimes cometidos durante a década de 70 demanda um

grande esforço institucional, notadamente no plano judicial. Foram proferidas importantes

condenações por estes delitos e ainda seguem outras investigações. Desta forma, supera-se

aos poucos a situação de impunidade que haviam sido tomadas contrariando os compromissos

assumidos pela República Argentina. A experiência indica que as respostas institucionais

frente a atos graves de subversão ou terrorismo nunca devem abandonar o caminho do direito

(YACOBUCCI, 2011).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta dissertação teve como objetivo analisar se o diálogo entre ordens jurídicas

diversas pode ser considerado um meio para o fortalecimento do Sistema Interamericano e

dos Estados na proteção dos direitos humanos no continente americano.

Para tanto, utilizou-se como teoria base a obra Transconstitucionalismo de Marcelo

Neves, que, em síntese, trata-se de um constitucionalismo relativo à (soluções de) problemas

jurídico-constitucionais que se apresentam simultaneamente em diversas ordens por meio de

conversações (seja por meio da incorporação de sentidos normativos extraídos de outras

ordens jurídicas, pelo interjudicialismo, etc.).

Constatou-se no primeiro capítulo que a maior integração da sociedade mundial

impulsionada – sobretudo - pelo advento da globalização, compeliu os sujeitos internacionais a

atentarem-se às várias transformações ocorridas no mundo, tanto a nível global quanto

regional. Tais mudanças foram desde a relativização de conceitos que outrora eram

considerados absolutos até a necessidade de alterações substanciais dos sistemas jurídicos

com o fim precípuo de adequação à nova realidade hodierna.

Com as atrocidades cometidas nas duas grandes guerras mundiais, desencadeou-se um

processo de reflexão dos Estados no sentido de criar mecanismos de proteção aos direitos

humanos, para que barbáries tais como as ocorridas não voltassem mais a sobrevir. É neste

contexto que surge o importante processo de internacionalização dos direitos humanos,

considerado grande marco histórico para a sociedade mundial, devido à afirmação do

indivíduo como sujeito de direito internacional e na criação de sistemas de proteção aos

direitos humanos.

A importância da criação destes sistemas é inegável, sendo que a aceitação das

jurisdições contenciosas por parte dos Estados transforma-se em um grande passo rumo a uma

maior promoção e proteção dos direitos humanos. No entanto, a simples aceitação da

jurisdição de Cortes Internacionais por parte dos Estados não significa dizer que, de pronto,

existirá proteção destes direitos de modo satisfatório.

Por esta razão, é que se objetivou realizar um estudo visando identificar se os Estados

dialogam com os sistemas internacionais, sobretudo após sofrerem condenações.

No segundo capítulo buscou-se realizar um estudo sobre a América Latina, com a

intenção de despertar no leitor a necessidade de ser promovida maior atenção e valorização de

construções teóricas, históricas, culturais e jurisprudenciais da região, bem como de entender,

ainda que de modo breve, os anseios e aspirações aqui existentes.

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A importância do desenvolvimento deste viés na pesquisa deriva do desconhecimento

que os latinos têm de sua – nossa - própria história em seus múltiplos conceitos. Quedar-se

alheio aos nossos problemas resulta na utilização do que é produzido no Norte como

paradigma/modelo, com a consequente legitimação da herança do colonialismo.

Entretanto, para que esta situação seja alterada, faz-se necessário que exista um

reencontro do latino americano com o seu próprio solo cultural e que seja realizada uma

desconstrução do eurocentrismo, porquanto a produção feita no Norte, fora criada para

analisar a realidade nortenha, de acordo com seus problemas e necessidades.

Sabe-se que a realidade histórica e cultural dos países do Norte e do Sul são

consubstancialmente distintas, sobretudo pelo processo de desenvolvimento que tais regiões

tiveram e ainda têm. Não há como comparar um continente que, por exemplo, tem a Grécia

antiga como berço da cultura ocidental e uma América que teve sua cultura dizimada pelo

processo de colonização no século XV.

Deste modo, não há possibilidade de acriticamente aplicar teorias que foram lá

criadas para resolver os problemas aqui existentes, diante de toda uma diferença no processo

de desenvolvimento civilizatório.

Ao realizar tais afirmações, não se pretende ter uma postura absolutamente

negacionista com o que é criado no eixo Europa/Estados Unidos, mas sim, analisar o que é lá

produzido de forma crítica e tendo sempre em mente que vivemos em solo cultural distinto, o

qual possui uma riqueza de conhecimento de la gente que deve ser explorada, mas que se

encontra adormecida diante do esquecimento do latino de que vive em solo latino.

Repise-se, não se pretendeu aqui afirmar que o debate com os europeus não seja

importante. A discussão possui extremo significado, notadamente por serem eles os maiores

contribuintes da dogmática do direito, contudo, é necessário afastar-se do pensamento de que

somente o debate com o Norte é evoluído e desprezar o que é aqui produzido.

Por estes motivos é que o objeto de estudo limitou-se à análise do Sistema

Interamericano (para conhecer a história e realidade aqui existente) e não ao Sistema Europeu

ou Africano, embora se possa aprender muito com tudo o que foi produzido por estes.

Ademais, com a identificação de um ponto comum histórico vivenciado pela região

latina – ditadura militar – foi possível perquirir que, ainda há uma dificuldade de consolidação da

democracia e respeito aos direitos humanos em razão do legado desta época. Diante disto, o

Sistema Interamericano, cujo desenvolvimento ocorreu em meio a este período, possui uma

importância transcendental cujos efeitos são sentidos até hoje.

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Nesta senda, o terceiro e último capítulo limitou-se a analisar oito sentenças, bem

como a supervisão de cumprimento realizada pela Corte Interamericana de cada uma delas

(exceto do caso Guerrilha do Araguaia, pois a supervisão não se encontra disponível no sítio

oficial). Verificou-se que nenhum dos Estados cumpriu de maneira integral as obrigações

impostas na decisão internacional, mas foi possível identificar um grau médio de

cumprimento dos seguintes países: Bolívia,133 Chile,134 Peru135 e Uruguai,136 e grau mínimo

dos Estados de El Salvador137 e Paraguai.138

Esta ausência de cumprimento foi verificada inclusive em obrigações que seriam

executadas de modo mais fácil - por exemplo, dar nome a escolas com o nome das vítimas; realizar medidas de atenção à

saúde em benefício dos familiares das vítimas ou efetuar pagamento de indenização tempestivamente -, isto demonstra que não

está ocorrendo um diálogo de um modo efetivo dos Estados com a Corte Interamericana.

Ressalta-se que tendo em vista a análise ter sido limitada ao estudo de menos de uma

dezena de casos, não é possível afirmar de modo absoluto, que os Estados não dialogam com

a Corte Interamericana. Pelo contrário, a conclusão lograda pela inexistência de diálogo por

parte dos países diz respeito tão somente às decisões relativas às violações cometidas durante

a ditadura militar, porquanto os países insistem em colocar obstáculos para não cumprir o

decisum em sua forma integral.

De outro modo, é possível afirmar que a Corte Interamericana mostra-se aberta ao

diálogo baseado na alteridade, buscando aprender com outros sistemas de proteção aos

direitos humanos e também com as Cortes Constitucionais e legislações dos Estados Latino

Americanos.

Dito de outro modo, após a análise dos casos, é possível dividir a situação

didaticamente do seguinte modo: (1) a Corte Interamericana faz um profundo diálogo com

outras ordens jurídicas, inclusive utilizando precedentes e documentos internacionais como

ratio decidendi e (2) os Estados condenados não demonstram ter uma postura aberta ao

diálogo com a Corte IDH.

Neste momento, torna-se importante fazer uma breve consideração acerca do

comportamento do Brasil neste contexto, haja vista que o diálogo com Cortes Constitucionais

de países latino americanos ou com a Corte de San José é praticamente inexistente.

133 Cumpriu: 4 de 7 obrigações. 134 Cumpriu: 2 de 4 obrigações. 135 Cumpriu: 3 de 5 obrigações. 136 Cumpriu: 4 de 9 obrigações. 137 Cumpriu: 4 de 10 obrigações. 138 Cumpriu: 3 de 9 obrigações.

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Em verdade, a tradição do direito brasileiro não está pautada no olhar baseado na

alteridade com os países vizinhos. O Brasil está, de fato, de costas para a América Latina no

momento em que venda os olhos para experiências vivenciadas muito parecidas com as suas

nos Estados limítrofes, não somente no que diz respeito às retrações, mas também nos

desenvolvimentos obtidos nas mais diversas áreas.

Agindo assim, o Brasil nega inclusive o preceito constitucional disposto no artigo 4º,

parágrafo único que dispõe: “a República Federativa do Brasil buscará a integração

econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de

uma comunidade latino-americana de nações”.

É possível afirmar que, quiçá o problema seja cultural, no sentido de talvez os

brasileiros não enxergarem que estão na América Latina ou ainda pelo fato de não se

reconhecerem como latinos. A interlocução deve ser realizada inicialmente com seus

semelhantes, sendo que o primeiro passo para realizar tal feito reside na atitude do brasileiro

admitir que é um “ser” latino americano e passar a realizar provocações reflexivas, tais quais:

por que estudar ainda nas matérias iniciais dos cursos de Direito somente a filosofia produzida

por europeus? Por que não há tradição nos cursos de Direito de estudar autores latinos e

julgados das Cortes Constitucionais de países vizinhos? Por que não conhecer a história da

América Latina? Por que não valorizar o conhecimento que é aqui produzido?

A atitude negacionista do Brasil nestes aspectos demonstra que nosso país está de

costas para a América Latina e de frente para o Norte. Ademais, dentro do cotidiano da

técnica jurídica prática é possível verificar que o judiciário brasileiro não realiza o controle de

convencionalidade das leis domésticas que estejam contrárias ao Pacto de San José da Costa

Rica. Esta situação nada mais é do que resultado da inexistência em alguns cursos de

graduação em Direito das disciplinas de direitos humanos e direito internacional.

O estudo desenvolvido pelo professor José Ricardo Cunha139 com magistrados do

Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro elucida esta situação, pois 84% dos juízes

entrevistados afirmaram que não tiveram qualquer educação formal em direitos humanos e

59% declararam conhecer apenas superficialmente os sistemas da ONU e da OEA. Trata-se,

portanto, de uma invisibilidade dos direitos humanos e do direito internacional.

Portanto, a falta de conhecimento destas matérias, seja devido a uma ausência de

cultura jurídica voltada ao âmbito internacional ou devido a uma postura mais conservadora

139 Cf http://www.surjournal.org/conteudos/artigos3/port/artigo_cunha.htm

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do direito interno, faz com que as sentenças da Corte Interamericana não sejam cumpridas e

aumente-se em demasia a possibilidade de violações ao Pacto de San José.

O panorama ora relatado pode ser visto com maior concretude após a condenação do

Brasil pela Corte Interamericana no caso Guerrilha do Araguaia, no momento em que alguns

dos ministros do Supremo Tribunal Federal declararam que tal sentença não teria efeitos no

ordenamento jurídico brasileiro.

A postura da Suprema Corte brasileira retrata uma concepção que nega os preceitos do

direito internacional e a obrigação que o país aceitou de cumprir as decisões quando

reconheceu a competência da Corte Interamericana. Por exemplo, o Ministro Marco Aurélio

afirmou que a decisão da Corte da OEA somente surte efeito ao leigo no campo moral, na

prática não tem efeito algum; para o Ministro Cezar Peluso a decisão da Corte IDH somente

gera efeitos no campo do Pacto de San José e não no Supremo Tribunal Federal; já Nelson

Jobim sustentou que a decisão da Corte Interamericana é meramente política e não tem efeito

jurídico.

Ora, não é preciso realizar maiores digressões para se perceber que este

posicionamento é preocupante, sobretudo quando se busca defender a necessidade de

concretização de diálogo.

Neste sentido, ressalta-se que o transconstitucionalismo somente irá ocorrer quando

um Estado passar a admitir que seu ordenamento jurídico possui debilidades e que pode

aprender com a experiência do outro, a partir de uma relação de complementaridade e de

reconstrução de sua identidade, mas sempre de forma crítica para que não seja ocasionada

uma “colonização jurídica”. Entretanto, quando um país não se mostra aberto ao diálogo, a

lógica do transconstitucionalismo queda-se fracassada.

Assim como em 1945 as "consciências" se abriram para uma realidade dos direitos

humanos, faz-se necessário que especificamente no Brasil exista uma abertura também de

consciência ao direito internacional, tanto nos currículos de graduação, especialização e

concursos públicos, para que, aos poucos, esta cultura jurídica que até então está voltada ao

direito interno e ao que é produzido na Europa (posto que, no âmbito do STF é possível

verificar uma maior propensão a estudos de teses e diálogo interjurisdicional com europeus),

realize-se um giro para um olhar mais regionalizado.

Volvendo à discussão acerca das inexecuções das sentenças, mister salientar que a

“culpa” pelo não cumprimento das decisões proferidas pela Corte de San José, não pode ser

atribuída somente aos Estados. Explica-se isto, pois a Corte Interamericana possui

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mecanismos ineficazes para a cobrança do cumprimento das obrigações impostas no decisum,

ou seja, o poder coercitivo é falho.

Exemplificando. No momento em que um Estado é condenado pela Corte de San José,

esta estipula um prazo para que o país apresente por escrito e documentalmente o

cumprimento das obrigações, sendo aberta a possibilidade para as vítimas ou representantes

realizarem observações nas provas enviadas pelo Estado. Quando a Corte IDH verifica que

houve uma inexecução por parte do Estado, a Convenção Americana prevê a possibilidade de

enviar esta informação para a Assembleia Geral da OEA, onde os Estados membros poderão

utilizar-se de determinados meios para gerar o constrangimento do Estado transgressor para

cumprir suas obrigações, seja por meio de pressão política ou por sanções de caráter

econômico. Em que pese exista essa possibilidade, tal mecanismo ainda não foi empregado.

Deste modo, tem-se, de um lado, que as sentenças da Corte Interamericana são

obrigatórias, mas a própria Corte não possui ou não utiliza os instrumentos existentes para

forçar os Estados a executarem a decisão.

Também não se pretende afirmar que toda e qualquer decisão da Corte Interamericana

seja correta e isenta de críticas, porém, faz-se necessário que exista uma harmonia e

conjugação de esforços dos Estados, organizações internacionais e supranacionais para

garantir os direitos humanos de forma integral e de repará-los quando existir violação. Trata-

se da interpretação e aplicação do princípio pro homine.

Conclui-se que o diálogo pode ser considerado um meio de fortalecimento do Sistema

Interamericano de Direitos Humanos, no entanto, se em um momento da história os Estados

reuniram-se com o objetivo comum de criar sistemas para a proteção aos direitos humanos - a

partir dos casos estudados no terceiro capítulo - foi possível aferir que a ausência de comprometimento dos

Estados faz com que não exista a proteção e reparação do que outrora fora idealizado.

É necessário, por conseguinte, desconstruir a ideia de que jurisdição nacional e

internacional são independentes, e sim, concretizar a relação de interdependência para que se

possa efetivar a proteção dos direitos humanos de modo conjunto por meio de uma relação

dialógica.

Torna-se imperioso, portanto, que ocorra uma mudança de paradigmas culturais desde

a base nos cursos jurídicos, porquanto o direito não pode trabalhar somente com a perspectiva

da constitucionalidade. Deve abrir sua cosmovisão para o controle de convencionalidade e

conquistar o habitus de internalização de fontes para buscar mecanismos para a efetivação dos

direitos humanos fundamentais.

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