1 um estudo crÍtico sobre a proteÇÃo dos
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UM ESTUDO CRÍTICO SOBRE A PROTEÇÃO DOS CONHECIMENTOS
TRADICIONAIS ASSOCIADOS À BIODIVERSIDADE1
Letícia Kolton Rocha2
RESUMO: A proteção dos conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade ganhou, na última década, grande destaque na agenda internacional, especialmente no que concerne à sua exploração econômica pelo Setor biotecnológico. A presente pesquisa, em função da própria natureza do tema, valeu-se de conhecimentos de outras Áreas como, por exemplo, das Ciências Biológicas e Sociais, além dos pertinentes conhecimentos jurídicos nos ramos do Direito Ambiental, do Constitucional, da Propriedade Intelectual. O foco principal foi a análise da Convenção sobre Diversidade Biológica, diploma jurídico que se destaca, no plano internacional, pela proteção dos conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade, e da Medida Provisória 2.186-16 de 23 de agosto de 2001 que, em nível federal, disciplina as diretrizes estabelecidas por essa Convenção. Conjuntamente, examinou-se a proteção de tais conhecimentos à luz do regime dos direitos de propriedade intelectual. Como resultado, verificou-se a carência de instrumentos jurídicos eficazes na proteção desses bens imateriais, bem como a necessidade de rever os fundamentos do Direito da Propriedade Intelectual.
INTRODUÇÃO
No contexto da Globalização e do surgimento de novas tecnologias, como a
Informática e a Biotecnologia Moderna, a sociedade preocupou-se com sistemas jurídicos
eficazes para proteção do produto intelectual, havendo legislação específica que disciplina os
direitos autorais, de programas de computador, de cultivares, da propriedade industrial
(marcas e patentes, desenho industrial, indicações geográficas).
Atualmente, com o despertar do interesse pela riqueza e pela diversidade dos
conhecimentos tradicionais, que são manifestações da inteligência humana, produzidas
coletivamente, há recentes debates e discussões acerca da proteção de tais conhecimentos. Se
há sistemas jurídicos para a proteção do produto intelectual, justifica-se questionar se tais
sistemas estão aptos a proteger os conhecimentos tradicionais.
1 Artigo extraído do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, aprovado, com grau máximo, pela banca examinadora composta pela Orientadora Professora Helenara Braga Havancini, Professora Clarice Beatriz da Costa Söhngen e Professor Plínio Melgaré, em 11 de dezembro de 2009. 2 Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Estado do Rio Grande do Sul. Contato: letí[email protected]
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Na presente pesquisa, pretende-se analisar a proteção jurídica dos conhecimentos
tradicionais associados à biodiversidade, bem como a relação entre esses conhecimentos e o
regime dos direitos de propriedade intelectual vigente.
Em primeiro plano, objetivando uma melhor compreensão da temática, serão
abordados os aspectos conceituais dos termos conhecimento tradicional e biodiversidade. Em
seguida, será analisada a relevância dos conhecimentos tradicionais para a exploração
econômica da biodiversidade no âmbito da Biotecnologia Moderna.
Serão apresentados, na seqüência, os instrumentos jurídicos que emergiram na esfera
internacional e no ordenamento jurídico brasileiro, especificamente na esfera federal, para
assegurar a proteção dos conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade. Para isso,
serão examinados a Convenção sobre Diversidade Biológica, a Medida Provisória n.º 2.186-
16 de 23 de agosto de 2001 e os artigos 215, 216 e 231 da Constituição Federal vigente.
Num último momento será discutida a problemática referente à exploração econômica
dos conhecimentos tradicionais no âmbito dos direitos de propriedade intelectual, em especial
do sistema de patentes. Nesse ínterim, serão feitas algumas considerações acerca das
controvérsias em torno do termo biopirataria. Por fim, serão citadas as medidas apontadas
pela doutrina para o enfrentamento do problema.
Advirta-se, desde logo, a característica interdisciplinar da pesquisa, em função da
própria natureza do tema. Os pontos de vista trazidos à colação não se limitam aos
conhecimentos jurídicos. Os conhecimentos de outras Áreas, como por exemplo, das Ciências
Biológicas e Sociais, contribuem para o desenvolvimento da investigação.
1 CONHECIMENTOS TRADICIONAIS ASSOCIADOS À
BIODIVERSIDADE E A SUA RELEVÂNCIA NO CONTEXTO DA
BIOTECNOLOGIA MODERNA
1.1 ASPECTOS CONCEITUAIS: BIODIVERSIDADE E CONHECIMENTO
TRADICIONAL
Diversidade biológica, ou biodiversidade3, é um dos termos científicos mais
3 GERMAN-CASTELLI, Pierina. Diversidade Biocultural: Direitos de Propriedade Intelectual versus
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conhecidos e divulgados, na atualidade. Contudo, seu conceito não é muito bem
compreendido, até mesmo por alguns cientistas4.
De acordo com Andy Dobson, biodiversidade é “A soma de todos os diferentes tipos
de organismos que habitam uma região, tal como o planeta inteiro, o continente africano, a
Bacia Amazônica, ou nossos quintais” 5. No documento Estratégia Global de Biodiversidade
está consignada a seguinte definição: “Biodiversidade é a totalidade de gens, espécies e
ecossistemas de uma região” 6.
Há, também, definições que contemplam as interações entre os organismos, as
populações e os ecossistemas, responsáveis pela preservação da estrutura e do funcionamento
em conjunto7. Nesse sentido, está o conceito adotado pela Organização não-governamental
brasileira WWF-Brasil8, que integra a rede mundial de preservação da natureza World
Wildlife Fund (WWF)9.
Na esfera jurídico-internacional, destaca-se o conceito elencado no art. 2º da
Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB)10, adotado pela Organização Mundial de
Propriedade Intelectual (OMPI)11:
Diversidade biológica significa a variabilidade de organismos vivos de todas as origens, compreendendo, dentre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte; compreendendo ainda a diversidade dentro de espécies, entre espécies e de ecossistemas.
O ordenamento jurídico brasileiro seguiu a tendência da CDB e adotou o conceito de
diversidade biológica em sentido amplo. O art. 2º da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, que
instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (Snuc) está em
Direitos dos Recursos Tradicionais. Seropédica, Rio de Janeiro, 2004.. Disponível em <http://www.ufrrj.br> Acesso em 07 jul. 2009. Página da Organização não-governamental brasileira WWF – Brasil. Disponível em <http://www.wwf.org.br> Acesso em 30 mai. 2009. 4 LEWINSOHN, Thomas Michael. A Evolução do Conceito de Biodiversidade. Disponível em: <http://www.comciencia.br>. Acesso em 25 mai. 2009. 5 DOBSON, Andrew P. Conservation and Biodiversity. New York: Scientific American Library, 1996, p 132. 6 INSTITUTO DE RECURSOS MUNDIAIS; UNIÃO MUNDIAL PARA A NATUREZA; PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O MEIO AMBIENTE. A estratégia global da biodiversidade:guia para aqueles que tomam decisões. Curitiba: Fundação O Boticário de Proteção à Natureza. 1992, p 12. 7 Id., Ibid, 2009.
8 WWF – BRASIL. Disponível em http://www.wwf.org.br/wwf_brasil Acesso em 07 jul. 2009. 9 WWF – World Wild Life. Disponível em http://www.worldwildlife.org Acesso em 07 jul. 2009. 10 BRASIL. Convenção sobre Diversidade Biológica. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto/1998/anexos/and2519-98.pdf>Acesso em: 25 mai. 2009. 11 WIPO. The World Intellectual Property Organization (WIPO). Disponível em <http://www.wipo.int/> Acesso em: 25 mai. 2009.
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conformidade com a terminologia adotada pela CDB12.
Para efeitos de definição, adota-se o conceito disposto pela CDB, porque se trata de
uma definição de referência mundial projetada por essa Convenção e adotada pela
Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI).
Analisado o aspecto conceitual do termo biodiversidade, segue-se o exame da
expressão conhecimentos tradicionais.
Segundo a OMPI, a expressão comporta dois sentidos. O conhecimento tradicional
pode referir-se, em sentido amplo, ao conhecimento, à criação, às inovações e às expressões
culturais resultantes da atividade intelectual no campo industrial, científico, literário que
foram, em regra, transmitidos de geração em geração, e que são geralmente considerados
como pertencentes a um determinado povo ou ao seu território, em constante evolução, em
resposta a um ambiente em mudança13. O conhecimento tradicional, em sentido estrito, por
sua vez, alcança apenas os conhecimentos agrícola, ambiental, medicinal. Nesse caso, são
excluídas do conhecimento tradicional as músicas, cantos, narrativas que são abrigadas pela
categoria expressões do folclore14.
Feitas as considerações acerca dos aspectos conceituais dos termos conhecimento
tradicional e biodiversidade, será abordada a expressão conhecimento tradicional associado à
biodiversidade15.
Na CDB não foi adotada uma definição para conhecimento tradicional associado à
biodiversidade. As suas diretrizes reportam-se a conhecimento, a inovações e a práticas das
comunidades locais e indígenas, com estilo de vida tradicionais relevantes à conservação e à
utilização sustentável da diversidade biológica16. De acordo com Nurit Bensusan17 e Juliana
Santilli18, conhecimento tradicional associado à biodiversidade é o conhecimento das
comunidades tradicionais sobre o uso da flora, da fauna e de microorganismos19.
12 SANTILLI, Juliana. Sociambientalismo e novos direitos: proteção jurídica à biodiversidade biológica e cultural. São Paulo: Peirópolis. 2005. p. 104. 13 Intellectual property needs and expectations of traditional knowledge holders, op. cit, p.25. 14 The World Intellectual Property Organization (WIPO). Disponível em <http://www.wipo.int/> Acesso em: 03 nov. 2009. 15 Intellectual property needs and expectations of traditional knowledge holders, 2001, p.25. 16 ROHRMANN, Carlos Alberto e SIQUEIRA, Lyssandro Norton. Patentes e conhecimentos tradicional associado à biodiversidade. Direito Público: Revista. Jurídica da Advocacia-Geral do Estado MG. Belo Horizonte v. 4. n. ½. p. 292., p.11-30, Jan./Dez., 2007, p.11. 17 BENSUSAN, Nurit. Biodiversidade, recursos genéticos e outros bichos esquisitos. In: RIOS, Aurélio Virgílio Veiga e IRIGUARY, Carlos Teodoro Hugueney (orgs). O Direito e o Desenvolvimento Sustentável: curso de direito ambiental. São Paulo: Peirópolis, 2005, p.49. 18 SANTILLI, Juliana, 2007, p.192. 19 BENSUSAN, Nurit. Biodiversidade, recursos genéticos e outros bichos esquisitos. In: RIOS, Aurélio Virgílio Veiga e IRIGUARY, Carlos Teodoro Hugueney (orgs). O Direito e o Desenvolvimento Sustentável: curso de direito ambiental. São Paulo: Peirópolis, 2005, p.49.
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Na Medida Provisória (MP) n.º 2.186-16, de 23 de agosto de 2001, pela qual foram
instituídas as normas brasileiras de proteção aos objetos jurídicos mencionados na CBD20,
está definido o conceito de conhecimento tradicional associado em seu art. 7º, inciso II: “é a
informação ou a prática individual ou coletiva de comunidade indígena ou de comunidade
local, com valor real ou potencial, associada ao patrimônio genético”21.
Paulo de Bessa Antunes asseverou que o conceito de conhecimento tradicional
estabelecido na MP não é de fácil compreensão22. De fato, as comunidades tradicionais não
detêm o conhecimento específico sobre o uso do patrimônio genético; é por meio do manejo
dos recursos biológicos que elas, indiretamente, detêm o conhecimento sobre esse patrimônio.
Sendo assim, entende-se que o legislador quis referir-se ao uso que as comunidades fazem da
biodiversidade que as cerca. Esse uso é considerado como manipulação, domesticação e
alteração das espécies da flora e da fauna23.
1.2 OS CONHECIMENTOS TRADICIONAIS ASSOCIADOS À BIODIVERSIDADE E A
BIOTECNOLOGIA MODERNA.
1.2.1 A Biotecnologia Moderna e a Valorização Econômica da Biodiversidade
O século XXI é o século da Biotecnologia; consoante entendimento de Laymert
Garcia dos Santos, “vivemos na ‘era’ da biotecnologia”24. Em virtude do vasto conhecimento
sobre a manipulação genética25, apostou-se que a Biotecnologia seria um dos campos mais
bem-sucedidos na contemporaneidade26.
Historicamente, a Biotecnologia implica o uso de organismos para realização de uma
tarefa ou de uma função, como por exemplo, para preparação de pães, de bebidas alcoólicas,
de queijo com o uso de bactérias; para o aumento da fertilidade do solo, a partir de
microrganismos de resíduos orgânicos. Assim, constata-se que ela é utilizada pelo homem
20 BARBOSA, Denis Borges. Biodiversidade, patrimônio genético e propriedade intelectual. Disponível em:<http://denisbarbosa.> Acesso em: 15 ago. 2009, p.1 21 BRASIL. Medida Provisória n.º 2.186-16, de 23 de agosto de 2001. Disponível em: https://www.planalto.gov.br. Acesso em 12 set. 2009. 22 ANTUNES, Paulo de Bessa, 2002, p.118. 23 MARTINS, Letícia da Costa (et all). A Convenção sobre Diversidade Biológica: repartindo benefícios e protegendo recursos. Revista de Direito Ambiental. 2008. n. 51, p. 141-165, 2008, p.150. 24 SANTOS, Laymert Garcia dos. Desencontro ou "malencontro"? Os biotecnólogos brasileiros em face da sócio e da biodiversidade. Novos estud. - CEBRAP [online]. n.78, pp. 49-57, 2007, p 49.Disponível em:http://www.scielo.br. Acesso em: 16 de jun. 2009. 25 RIFKIN, Jeremy. O século da biotecnologia.. São Paulo: MAKRON Boocks. 1999, p.9. 26 ARBIX, Glauco. Biotecnologia sem fronteiras. Novos estud. - CEBRAP [online]. n.78, pp. 49-57, 2007, p 49.Disponível em:http://www.scielo.br. Acesso em: 16 de jun. 2009.
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desde o início da História27.
Ocorre que, com desenvolvimento da técnica do DNA recombinante que permitiu a
transferência de material genético entre organismos vivos, possibilitando a obtenção de
produtos e de substâncias por meio de novas técnicas genéticas28, houve um avanço nas
atividades biotecnológicas que conduziu à denominada “Revolução Biotecnológica29”, ou
Biotecnologia moderna. Pode-se definir o termo Biotecnologia moderna, a partir de um
conceito específico e exato, qual seja, é a aplicação de organismos vivos ou de seus
componentes que envolve a manipulação de ácido desoxirribonucleico (ADN)30.
Com a expansão da Biotecnologia Moderna, “a biodiversidade passou a ser valorizada
não apenas pela sua observância ambiental, mas também pelo seu valor econômico real ou
potencial, vez que é matéria-prima da biotecnologia”31. O motivo fundamental que contribuiu
para a discussão recente acerca da problemática da preservação da biodiversidade foi o
surgimento da possibilidade de manipulação da vida ao nível genético, potencializando
largamente o uso e a aplicação da biodiversidade, bem como atraindo importantes segmentos
econômicos e industriais32.
Pode-se afirmar que os recursos genéticos e, por consequência, a biodiversidade,
depositária desses recursos, são fundamentais para o desenvolvimento das atividades
biotecnológicas, nos diversos setores da economia33. A biodiversidade, não só a tecnologia,
torna-se, sob o ponto de vista econômico, uma questão estratégica34.
Nesse cenário, sobressai-se o Brasil, dentre outros países, em razão de sua diversidade
biológica que passou a ser alvo de intensa preocupação, em razão do avanço da
Biotecnologia35. Por sua riqueza diversificada, a Amazônia brasileira “torna-se um campo
percorrido por legiões de homens da ciência, mas também por industriais e governantes
27 RIVERO, Azpiroz; Ruiz, Martínez H. S.; (et all). Aplicación de la biotecnología en los recursos genéticos forestales.Revista Chapingo. Serie ciencias forestales y del ambiente. Ene-jun., 2003. Disponível em: <http://redalyc.uaemex.mx> Acesso em 4 jun. 2009. 28 ALBAGLI, Sarita, 1998, p. 08. 29 KREUZER, Helen e MASSEY, Adrianne. Engenharia Genética e Biotecnologia. 2 ed.. Porto Alegre: Artmed. 2002, p 17. 30 RIVERO, Azpiroz; Ruiz, Martínez H. S.; ( et all),op cit.,2003, p.19. 31 ARCANJO, Francisco Eugênio Machado; PÉREZ, Héctor Leandro Arroyo Pérez. Como combater a Biopirataria utilizando a Lei de Patentes Estadunidense. Revista de Direitos Difusos, São Paulo, v. 38, n. [?], p. 39-53, jul./ago. 2006, p 39. 32 ALBAGLI, Sarita, 1999, p.08. 33 GERMAN-CASTELLI, Pierina2004, p.46; STEFANELLO, Alaim Giovani Fortes. A propriedade intelectual como instrumento jurídico internacional de exploração: a luta do direito socioambiental contra a biopirataria. Revista de Direito da ADVOCEF. Ano 1. n.º 1, p.185-197,. Ago 2005. Londrina, p.187. 34 MAGALHÃES, Vladimir Garcia. O patenteamento de moléculas biológicas naturais nos EUA e na União Européia. Revista da Faculdade de Direito USP, São Paulo, v. 101, p. 873-900, janeiro/dezembro 2006, p.890. 35 ARAÚJO, Ana Valéria, 2002, p.86.
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nacionais e internacionais36”
1.2.2 A Relevância dos Conhecimentos Tradicionais Associados à Biodiversidade
Compreendida a nova concepção de valorização econômica da biodiversidade em
virtude dos avanços da atividade biotecnológica, nesse contexto, será examinada a relevância
do conhecimento tradicional.
Da mesma forma que a diversidade biológica, a diversidade cultural possui um valor
imensurável para a presente e para as futuras gerações, na medida em que constitui um
repositório de informação obtida ao longo dos séculos37, há uma íntima relação entre
conhecimento tradicional e diversidade biológica38.
Os povos indígenas, bem como as comunidades tradicionais, a partir do manejo
tradicional desses recursos, apesar de não terem o conhecimento da biodiversidade em nível
genético39, tornam-se alvos de pesquisadores, podendo abreviar anos de pesquisas, o que
significa economia de gastos e de trabalho40. Torna-se mais fácil e eficaz iniciar os estudos a
partir de plantas e de animais utilizados secularmente por comunidades tradicionais do que, de
forma aleatória, procurar na flora e na fauna alguma espécie que detenha um princípio ativo41.
Estudos comparativos entre o método etnodirigido e o aleatório sustentam a hipótese
de que a partir dos conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade, atividade
denominada por Aline Ferreira de Alencar como etnobioprospecção, aumenta-se a eficácia do
rastreamento de plantas com propriedades medicinais.
Michael J. Balick, em um estudo comparativo, afirma que o pesquisador, ao utilizar o
método etnodirigido, obtém um número maior de espécies com propriedades medicinais, se
comparado com o método aleatório42. Esse estudo envolveu dois grupos de plantas: plantas
aleatórias de Honduras e de Belize (18 espécies) e plantas identificadas por Dom Eligio Panti
como “plantas poderosas”, com potencial valor terapêutico, (20 espécies). De acordo com os
resultados da pesquisa, verificou-se uma diferença superior a 400% em favor do grupo de
36 OLIVEIRA, Liziane Paixão Silva a. Globalização e Soberania: o Brasil e a biodiversidade amazônica. Brasília: Fundação Milton Campos: Conselho de reitores das universidades brasileiras, 2002. p 58. 37 GERMAN-CASTELLI, Pierina, 2004, p.26 38 SANTILLI, Juliana2007, p.85. 39 MACIEL, Maria Aparecida M. (et al),2002, p.435. 40 ARAÚJO, Ana Valéria. Acesso a recursos genéticos e proteção aos conhecimentos tradicionais associados. In: LIMA, André (Org.) O direito para o Brasil socioambiental. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2002, p.88. 41 STEFANELLO, Alaim Giovani Fortes, 2005, p.187. 42 BALICK, Michael J. Ethnobotany and the identification of therapeutic agents from the rainforest. In: CHADWICK, Derek J., MARSH, Joan. (Eds.) Bioactive Compounds from Plants. Wiley: [?] 1990, p 30.
8
“plantas poderosas”. Considerando que tal estudo não apresenta relevância estatística,
(P=0,101)43, Balick entende que estudos com maior número de espécies de plantas, bem como
com melhor controle de vieses possam ser úteis para se concluir que a associação do
conhecimento tradicional aumenta a eficácia no reconhecimento de plantas com propriedades
medicinais44.
Walter Lewis e Levis Lewis (memory) asseveraram que embora o pequeno número de
espécies utilizadas, bem como os resultados sem relevância estatística, há uma aparente
tendência de que a seleção de amostras, a partir dos conhecimentos tradicionais, facilita a
descoberta de espécies terapêuticas45.
Os pesquisadores Letícia Borges da Silva46, Juliana Santilli47, Chidi Oguamanam48,
Aline Ferreira de Alencar49, em que pesem as considerações feitas acerca do estudo de Balick,
afirmam que nesse estudo foi demonstrado que, a partir dos conhecimentos tradicionais
associados à biodiversidade, a eficácia do rastreamento de plantas com propriedades
medicinais aumenta em mais de 400%, desconsiderando a ausência de significância estatística
da pesquisa.
De acordo com os resultados da pesquisa comparativa Ethnobotany in the search for
vasoactive herbal medicines elaborada por Donald Slish, Hiroko Ueda, Rosita Arvigo e
Michael Balick, em 1998, com um número de espécies (63 espécies), nenhuma das amostras
advindas das espécies selecionadas aleatoriamente apresentou propriedade vasoativa,
enquanto no grupo identificado pelo curandeiro tradicional destacaram-se seis amostras com
essa propriedade (13%), provenientes de quatro espécies diferentes, representando uma
diferença entre ambos os grupos com relevância estatística (p < 0,05).50
Em outro estudo The efficiency of random versus ethno-directed research in the
evaluation of Sinai medicinal plants for bioactive compound realizado por Ishrak Khafagi e
Ahmed Dewedar, em 1999, foram comparados dois grupos de espécies. Pela amostragem
etnodirigida identificaram-se 20 espécies (83,3%) com atividade antimicrobiana, enquanto no
43 Id., Ibid, p.28. 44 Id.,Ibid.,.1990, p.29. 45 LEWIS, Walter H. e LEWIS, P. Elvin Memory. Medicinal plants as sources of new therapeutics. Ann. Missouri Bot. Gard. 82: 16-25. 1995. p 18. 46 SILVA, Letícia Borges da, 2005, p.376. 47 SANTILLI, Juliana. A biodiversidade e as comunidades tradicionais. Disponível em: <http://homologa.ambiente.sp.gov> Acesso em: 12 jul. 2009. 48 OGUAMANAM, Chidi. Localizing intellectual property in the globalization epoch: the integration of indigenous knowledge. Indiana Journal of Global Legal Studies; Summer 2004; 11,2; Academic Research Library. P. 135-169 p. 140 49 ALENCAR, Aline Ferreira de, 2009. 50 SLISH D.F.1;Ueda H, 1999, p.163.
9
outro grupo foram identificadas 15 espécies (41,7%), representando uma diferença com
relevância estatistística51.
As pesquisas colacionadas corroboram o entendimento da estreita relação entre
comunidades tradicionais e biodiversidade.
2. A PROTEÇÃO JURÍDICA DOS CONHECIMENTOS TRADICIONAIS
ASSOCIADOS À BIODIVERSIDADE
2.1 A CONVENÇÃO SOBRE DIVERSIDADE BIOLÓGICA
A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) destaca-se, no cenário
internacional, como um novo código de conduta aplicável ao uso e à exploração da
diversidade biológica, bem como à utilização dos conhecimentos tradicionais associado à
biodiversidade52.
A CDB tem como objetivos principais a conservação da diversidade biológica, a sua
utilização sustentável, bem como a repartição dos benefícios advindos da utilização dessa
biodiversidade de forma justa e eqüitativa: seu tripé de sustentação53. Esses objetivos estão
apontados em seu artigo 1º. Entretanto, na realidade, a Convenção é projetada para além dos
três objetivos básicos indicados, uma vez que envolve, também, outras matérias, dentre elas o
conhecimento tradicional54. Numa perspectiva socioambiental, esse diploma jurídico protege
a biodiversidade e garante instrumentos de proteção aos conhecimentos das populações
tradicionais55.
Em seu preâmbulo, é reconhecida a dependência entre os recursos biológicos e as
comunidades locais, a relevância do conhecimento tradicional para a conservação da
diversidade biológica, bem como a repartição dos benefícios derivados da utilização desse
conhecimento. Nesse sentido, Eliane Moreira esclarece: "Como medida de proteção da
biodiversidade, foi criada a Convenção da Diversidade Biológica (CDB) que em seu bojo
51 KHAFAGI IK, Dewedar A. 2000. The efficiency of random versus ethno-directed research in the evaluation of Sinai medicinal plants for bioactive compounds. J Ethnopharmacol 71: 365-376. 52 CASTRO, Caterine Vasconcelos de. A proteção do conhecimento tradicional dos povos indígenas sob a concepção do pluralismo jurídico. 2007. Dissertação ( Mestrado em Direito? Relações Internacionais) –Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2007, p.152. 53 MARTINS, Letícia da Costa, et al. A convenção sobre diversidade biológica: repartindo benefícios e protegendo recursos. Revista de Direito Ambiental. São Paulo. V. 13. nº 51. p. 141-165 jul./set. 2008.. p. 143 54 CRUZ, Rodrigo de la. Conocimientos tradicionales e el derecho consuetudinario. Disponível em:<http://www.rimisp.org/>.Acesso em: 29 jul. 2009 55 SILVA, Letícia Borges da, 2005, p. 378..
10
provê mecanismos de proteção da biodiversidade, dos povos tradicionais sobre seus
conhecimentos e cristaliza o reconhecimento da estreita dependência entre um e outro"56.
Entretanto, Paulina e Francisco Barbosa afirmam que há muitos entraves para
concretização das diretrizes propostas na CDB: políticos, institucionais, técnicos, econômicos,
legais, sociais57. Nessa mesma vertente, Luiz Magno Pinto Bastos Júnior ressalta a
dificuldade de efetivar os princípios estabelecidos na Convenção, em razão da falta de política
dos países influentes no cenário mundial, dentre eles os Estados Unidos, que ainda não a
ratificaram, bem como a linguagem genérica do diploma legal que remete a posterior
implementação por meio de Conferências58, na Oitava Conferência, ficou estabelecida como
meta, para 2010, a constituição dessas regras. Ademais, CDB não prevê mecanismos de
sanção para o descumprimento de suas diretrizes59.
Não se pode deixar de trazer à baila o posicionamento crítico acerca dos limites da
tutela estabelecida pela Convenção às populações tradicionais.
Os líderes indígenas Lorenzo Muelas e Sebastião Manchineri afirmam que a causa da
proteção dos conhecimentos tradicionais relacionados à biodiversidade é econômica, não
cultural. Ademais, asseveram que não há mecanismo algum que garanta a proteção integral
das comunidades indígenas. Sugerem, portanto, um sistema protetivo com base em suas
próprias normas, leis, costumes: um regime sui generis, ou, pelo menos, que entendam as
regras propostas para garantir sua efetiva participação60.
2.1.1 O Acordo TRIPS e a Proteção dos Conhecimentos Tradicionais Associados à
Biodiversidade
56 MOREIRA, Eliane.op. cit.p. 03. . 57 BARBOSA. Paulina M. Maia e BARBOSA, Francisco. A biodiversidade aquática. In BARBOSA, Francisco. Ângulos da Água: desafio da integração. Belo Horizonte: UFMG. 2008, p.27. 58 BASTOS JUNIOR, Luiz Magno Pinto,2001, p.211. 59 SANTILLI Juliana. A proteção jurídica aos conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade. In RIOS, Aurélio Virgílio Veiga e IRIGARY, Carlos Teodoro Hugueney. O Direito e o Desenvolvimento Sustentável: curso de direito ambiental. São Paulo: Peirópolis. 2005. p.74. 60 MUELAS, Lorenzo. Acesso a los recursos de la biodiversidad y pueblos indígenas. Diversidad biológica y cultural. In García dos Santos, L et al. Diversidad biológica y cultural: Retos y propuestas desde América Latina. Instituto Latinoamericano de Servicios Legales Alternativoss (ILSA) / Grupo Semillas / Instituto de Gestión Ambiental / WWF: Colômbia. 1998, p 180. Disponìvel em:< http://ilsa.org.co m> Acesso em: 17 de set. de 2009. BENSUSAN, Nurit; BAYLÃO, Raul Di sergi. A questão da proteção dos conhecimentos tradicionais associados aos recursos genéticos nos fóruns internacionais. In: BENSUSAN Nurit; LIMA, André (Orgs.). Quem cala consente? Subsídios para a proteção aos conhecimentos tradicionais. São Paulo: Instituto Socioambiental, 2003, p.179/180.
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Convém tecer alguns comentários a respeito do Acordo TRIPS61 que constitui,
atualmente, o instrumento internacional mais importante no tocante à proteção de bens
imateriais como invenções, modelos, marcas, informações confidenciais e outros ativos
intangíveis62.
Trata-se de um sistema desenvolvido no âmbito da criação da Organização Mundial
do Comércio (OMC) e tem por objetivo proteger a propriedade intelectual63. Eliane Moreira
assevera que “No sistema vigente, a cada forma de conhecimento produzido corresponde uma
modalidade de propriedade intelectual que deve recompensar o labor do seu criador, com
vistas a incentivá-lo (...)”64.
Ocorre que os países desenvolvidos, representados pelos interesses das empresas
globais, ignoram o valor dos conhecimentos tradicionais como criação e transformação do
que se encontra no estado de natureza. Identificam, tão-somente, os esforços inovadores
individuais produzidos em laboratórios científicos que desenvolvem fármacos, cosméticos,
produtos agrícolas, a partir de recursos genéticos tradicionalmente utilizados pelas
comunidades tradicionais65. Para Denis Borges Barbosa, o status jurídico dos conhecimentos
tradicionais foi ignorado pelo modelo patrimonialista, isso porque tais conhecimentos e
criações são gerados fora do mercado ou do desenvolvimento industrial66. Como afirma
Daniel Gervais67, o conhecimento tradicional é um desafio para o Acordo TRIPS.
A parte II do Acordo TRIPS elenca as modalidades de propriedade intelectual, dentre
elas estão as patentes. Essa modalidade está disciplinada nos artigos 27 a 34 do Acordo
TRIPS. O artigo 27.1 enumera os requisitos necessários para concessão de patente, quais
sejam, novidade, inventividade e aplicação industrial. O Acordo não define esses termos,
apenas, destaca as expressões “não óbvio” (para o requisito “passo inventivo”) e “utilizável”
(para o requisito “passível de aplicação industrial”).
Em princípio, o conhecimento tradicional associado à biodiversidade satisfaz o critério
61 GUISE, Mônica Steffen. Comércio Internacional, Patentes e Saúde Pública. Curitiba: Juruá. 2007. WADSCHEER, Clarissa Bueno. Patentes e conhecimento tradicional. Curitiba: Juruá. 2009. 62 BARBIERI, José Carlos e CHAMAS, Cláudia Inês. O Acordo Sobre Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS) e as Políticas Públicas de Saúde e de Defesa da Biodiversidade. REAd., 59. Vol. 14. N° 1. Jan-abr. 2008. 63 ALBUQUERQUE, Roberto Chacon de. Qual é o conflito entre a Convenção da Biodiversidade (CDB) e o Acordo relativo aos direitos de propriedade intelectual (Acordo TRIPS)? Revista da ABPI n. 69. março/abril. 2004. p 36-46. p 39. 64 MOREIRA, Eliane, 2009, p.11.. 65 CASTRO, Caterine Vasconcelos de, 2007, p.15. Nesse sentido: SHIVA, Vandana, 2001, p.32. 66 BARBOSA, Denis Borges. Uma Introdução À Propriedade Intelectual. 2 ed. rev. atual. Disponìvel em: < http://denisbarbosa.addr.com>Acesso em: 03 de setembro de 2009. 67 GERVAIS, Daniel.TRIPS, DOHA and traditional knowledge. Disponìvel em: <http:///publications/TRIPS,>Acesso em: 08 de set. de 2009.
12
legal relativo à aplicação industrial, uma vez que utilizável. No entanto, não preenche os
demais requisitos, a saber: a novidade em razão de estar disponível ao público e o passo
inventivo em virtude da transmissão do conhecimento pelas gerações68. Cabe salientar que
muitos conhecimentos tradicionais sequer têm aplicação industrial direta, ainda que utilizados
para desenvolver produtos e processos que tenham aplicação. Nesse caso, não há
preenchimento de nenhum dos requisitos69.
Eliane Moreira afirma que “problemas reais, no entanto, parecem se impor ao
enquadramento desse direito como direito patentário, posto que esse pressupõe requisitos
inafastáveis, dos quais o mais complexo de ser aplicado ao caso em questão é a novidade70”.
Daniel Gervais salienta que muitas formas de conhecimentos tradicionais, visto que muito
antigas, não se qualificam no bojo do sistema71.
Nesse contexto, Airton Guilherme Berger Filho levanta algumas inadequações do
sistema patentário as limitações das populações tradicionais para acessar o sistema, em razão
dos altos custos e da exigência de capacitação técnica para registro de patentes; o fato de tais
direitos não levarem em conta leis consuetudinárias já existentes no âmbito das populações; o
reduzido tempo de proteção (vinte anos, tempo médio adotado) para garantir direitos
intelectuais vinculados ao “patrimônio cultural” desenvolvido e conservado por diversas
gerações72.
Entretanto, há entendimento contrário ao ora preconizado que defende a proteção dos
conhecimentos tradicionais no bojo dos direitos da propriedade intelectual. A Organização
The Center for International Environmental Law (CIEL) é um exemplo. Apesar de
reconhecer os limites do atual sistema dos direitos de propriedade intelectual para proteção do
saber tradicional, ela preconiza que esse sistema pode ser uma ferramenta valiosa para a tutela
dos conhecimentos tradicionais73.
O que se que deixar claro, em um primeiro momento, é, tão-somente, que as regras de
proteção da propriedade intelectual pautadas pelo Sistema TRIPS, embora editado
posteriormente à CDB, silenciam quanto à proteção do conhecimento tradicional associado à
68 KURUK, Paul, 2009. 69 SANTILLI, Juliana, 2007, p.210. 70 MOREIRA, Eliane, 2009, p.14. 71 GERVAIS, Daniel2009, p.13. 72 BERGER FILHO Airton Guilherme. O conflito entre as normas de repartição de benefícios do acesso aos recursos genéticos e o sistema internacional de propriedade intelectual. P 12. (15 p) Disponìvel em;< http://www.diritto.it/> Acesso em: 14 ago. 2009. 73 DOWNES, David. Using intellectual property as a tool to protect traditional knowledge: recommendations for next steps. CIEL Discussion Paper prepared for the Convention on Biological Diversity Workshop on Traditional Knowledge Madrid, November 1997. Disponìvel em;<http://www.ciel.org/> Acesso em: 14 ago. 2009.
13
biodiversidade74.
2.2 O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO: LEGISLAÇÃO FEDERAL E
CONSTITUIÇÃO
2.2.1 A Medida Provisória
Por meio de medida provisória, a União instituiu as normas brasileiras de proteção aos
objetos jurídicos mencionados na CBD75. Assim, no ordenamento jurídico brasileiro, em nível
federal, o acesso aos conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade está disciplinado
pela Medida Provisória 2.186-16, de 23 de agosto de 200176. A MP dispõe sobre o acesso aos
componentes do patrimônio genético, bem como sobre o acesso ao conhecimento tradicional
a ele associado77.
Entretanto, Letícia Borges da Silva critica a MP por seu caráter formal, “seria
lamentável que ainda estivessem a biodiversidade e os conhecimentos tradicionais brasileiros
‘protegidos’ apenas por uma medida provisória, mais de dez anos após a ratificação da
CDB”78. Paulo de Bessa Antunes, nesse mesmo posicionamento, lamenta que a matéria esteja
redigida por uma simples medida provisória e não por uma lei. Salienta que o sistema da MP
é burocrático e incapaz de assegurar a proteção jurídica dos conhecimentos tradicionais79.
Juliana Santilli entende que a proteção das populações tradicionais, especialmente, dos
seus conhecimentos no bojo da Medida Provisória é limitada, vez que não reconhece as
características peculiares dessas comunidades, ignorando seus costumes, seu direito próprio.
Nesse ínterim, a autora propõe a construção de um regime sui generis, pautado pelo
pluralismo jurídico, que será analisado no capítulo a seguir80.
Cristiane Derani, por sua vez, entende ser inconstitucional a MP, ora examinada. Para
a jurista, é inconstitucional o contrato proposto pelo diploma legal que prevê, de um lado, o
acesso ao conhecimento tradicional associado à biodiversidade e, de outro, a repartição de
benefícios. Nos moldes da MP, o patrimônio cultural brasileiro está inserido nas relações
74 ALBUQUERQUE, Roberto Chacon de, 2004, p.44. 75 BARBOSA, Denis Borges. Biodiversidade, patrimônio genético e propriedade intelectual. http://denisbarbosa.addr.com/trabalhospi.htm Acesso em: 15 de agosto de 2009 P. 1 76MOREIRA, Eliane. Conhecimentos tradicionais e sua proteção, 2009.. 77 BRASIL. Medida Provisória n.º 2.186-16, de 23 de agosto de 2001. Disponível em: https://www.planalto.gov.br. Acesso em 12 set. 2009. 78 SILVA, Letícia Borges da. 2005, p.385. 79 ANTUNES, Paulo de Bessa, 2002, p.168. 80 SANTILLI, Juliana, 2007, p.190.
14
privadas de consumo e, portanto, passível de apropriação por meio da propriedade privada.
Essa sistemática viola os artigo 215, 216 e 231 da Constituição Federal que serão analisados
no próximo item81.
2.2.2 A Tutela Constitucional
A proteção do conhecimento tradicional associado à biodiversidade encontra, no
ordenamento jurídico brasileiro, amparo constitucional. Os artigos 215, §1º, 216 e 231 da
Constituição Federal vigente ensejam um arcabouço jurídico amplo e propício à proteção do
conhecimento tradicional82.
O conhecimento tradicional em comento integra o patrimônio cultural brasileiro e,
portanto, encontra proteção nos artigos 215 e 216 da Constituição Federal de 1988 que
tutelam tal patrimônio. O artigo 216 define patrimônio cultural, bem como os meios utilizados
para sua proteção assegurada pelo parágrafo primeiro, do art. 21583.
Rompeu-se com a visão elitista de caracterizar somente como objeto de preservação
cultural as manifestações da classe dominante. Houve uma ampliação desse conceito; o
patrimônio cultural não se limita aos bens de natureza material84. Como bem entende Juliana
Santilli, vislumbra-se uma orientação pluralista e multicultural do texto constitucional na
definição de patrimônio cultural que contempla a noção de que este alcança bens referentes
aos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira85. Verifica-se que o conteúdo do
patrimônio cultural do Brasil engloba os bens materiais e imateriais. Para Sandra Cureau, o
patrimônio, como acumulação contínua de bens diversificados das comunidades, abarca desde
obras de arte até bens de natureza imaterial.86
Ademais, observa-se que o art. 216, em seus incisos, enumera exemplificativamente
um rol de elementos pertencentes ao patrimônio cultural87. O patrimônio cultural imaterial é
contemplado nos dois primeiros incisos e, em parte, no terceiro inciso do mencionado
81 DERANI, Cristiane. Patrimônio genético e conhecimento tradicional associado: considerações jurídicas sobre seu acesso. In: André Lima. (org.). O Direito para o Brasil Socioambiental. Porto Alegre: Sergio Fabris, 2002. p 145-167. 82 ANTUNES, Paulo de Bessa. op. cit. p.115-117. 83 AGUINAGA, Karyn Ferreira Souza. 2009. 84 FERNANDES, José Ricardo Oriá. A cultura no ordenamento constitucional brasileiro: impactos e perspectivas. ARAÚJO, José Cordeiro de et al. (Org.). In: Ensaios sobre impactos da Constituição federal de 1988 na sociedade brasileira. Brasília: Câmara dos Deputados. 2008. p. 203-219. v. 1. p. 213-214 85 SANTILLI, Juliana, 2007, p.75. 86 Id., Ibid p.729. 87 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada. 2007. 7ª Edição. P. 2150. 2976 p.
15
dispositivo88.
De acordo com Carlos Frederico Marés de Souza Filho, “(...) as manifestações de arte,
formas e processos de conhecimento, hábitos, usos, ritmos, danças, processos de
transformação e aproveitamento de alimentos etc. 89” integram esse patrimônio. Não é outro o
entendimento de Juliana Santilli90.
Para Clarissa Bueno Wandscheer, a cultura das comunidades tradicionais (indígenas,
afro-brasileiras, de seringueiros, de ribeirinhos, de quilombolas) está perfeitamente adequada
ao entendimento contido no parágrafo primeiro, do artigo 215 da Constituição brasileira que
reconheceu a multiculturalidade. Assim, conclui a autora, que os conhecimentos tradicionais
gozam de proteção constitucional91.
Desta forma, os conhecimentos tradicionais integram o patrimônio cultural na
qualidade de bens de natureza imaterial e, portanto, gozam de proteção constitucional92.
3 A EXPLORAÇÃO ECONÔMICA DOS CONHECIMENTOS TRADICIONAIS
ASSOCIADOS À BIODIVERSIADE E O SISTEMA DE PATENTES
3.1 A EXPLORAÇÃO ECONÔMICA DOS CONHECIMENTOS TRADICIONAIS
ASSOCIADOS À BIODIVERSIDADE
A exploração econômica da biodiversidade e dos conhecimentos tradicionais
associados a ela sempre esteve presente na realidade dos países considerados megadiversos -
países ricos em biodiversidade e sociodiversidade93, dentre eles o Brasil94. Um exemplo
emblemático é o da seringueira (Heveabrasiliensis), árvore nativa da Amazônia, utilizada para
a produção de borracha pelo povo da região, tornando-se uma das principais atividades
econômicas do País entre o final do século XIX e o início do século XX. No final daquele
século, ingleses exportaram sementes da seringueira, levando-as para a África e para a Ásia,
88 AGUINAGA, Karyn Ferreira Souza, 2009. 89 SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Bens Culturais Proteção Jurídica. Porto Alegre: Unidade Editorial. 1997. p 32 90 SANTILLI, Juliana, 2007, p.78. 91 WADSCHEER, Clarissa Bueno2009, p.177. 92 LACERDA ARAÚJO, Nizete ; LEAL, A. F. ; OLIVEIRA, D. A. . Conhecimentos Tradicionais e Patrimônio Cultural Imaterial: Formas de Proteção. Montes Claros - MG: Universidade Estadual de Montes Claros, 2007 (Cartilha). p 14. Disponível em:< unimontes.br> Acesso em: 25 jul. 2009. 93 ABRANTES, Joselito Santos. Bio(Sócio)Diversidade E Empreendedorismo Ambiental Na Amazônia. 2003. Garamond: Rio de Janeiro. P 36. 142 p 94 ABREU, Kamila Assis de. A valoração da biodiversidade e a biopirataria. Revista Jurídica da Faculdade 2 de Julho. Ano 1. Número 1. Outubro de 2007. Salvador – Bahia. p 35-58. p 36.
16
hoje grandes produtores e fornecedores mundiais da matéria-prima95. Como afirma Fábio da
Silva, a árvore já conhecida dos índios da região só ganhou importância quando foi atrelada
ao desenvolvimento industrial europeu e norte-americano96.
A exploração econômica da biodiversidade, bem como dos conhecimentos tradicionais
faz parte da história de alguns países e de algumas populações. Atualmente, subsiste essa
exploração, porém, sob um novo paradigma. Com a evolução da Biotecnologia, os caçadores
de plantas foram substituídos pelos exploradores de genes que, acobertados pelos direitos de
propriedade intelectual, exploram o conhecimento tradicional97.
3.1.1 A Exploração Econômica Dos Conhecimentos Tradicionais Associados À
Biodiversidade No Âmbito Do Sistema Patentes
A desigual distribuição espacial da biodiversidade (recursos genéticos) e dos recursos
tecnológicos para manipulação genética divide e polariza a geopolítica mundial entre países
do Norte e do Sul. Enquanto aquela está situada, em sua grande maioria, nos ecossistemas
tropicais do Hemisfério Sul (países em desenvolvimento), esses se concentram nos países de
economia avançada (países do Norte)98. Nesse cenário emerge a cobiça pela biodiversidade e
pelo conhecimento tradicional associado a ela que, sob o manto do sistema de proteção da
propriedade intelectual, em especial, do sistema de patentes, vêm sendo explorados99.
Para melhor compreender a questão, torna-se relevante abordar noções gerais sobre os
direitos de propriedade intelectual e sobre o sistema de patentes.
A propriedade intelectual, como ramo do Direito Civil, tutela os bens oriundos do
intelecto humano, ou seja, a criação artística, científica e literária e a criação voltada à
indústria. Esse ramo do Direito pode ser dividido em duas grandes Áreas, a saber: direito
autoral e direito industrial. Enquanto a primeira versa sobre a proteção das criações de caráter
artístico-científico (arte, pintura, escultura, teses, dissertações, livros), a segunda tutela as
criações de aplicação industrial e compreende a proteção de invenções, segredos industriais,
95 ABREU, Kamila Assis de.2007, p.36.. WANDSCHEER, Clarissa Bueno, 2009, p.23. 96 SILVA, Fábio Romero de Oliveira e. Abordagem histórico-cultural na Amazônia, formação cultural e o olhar do visitante sobre a região. Trabalho apresentado à disciplina de Cultura e Civilização, professor António Nuno Rosmaninho Rolo como condição de Avaliação. Universidade de Aveiro. Depart. de Economia, gestão e engenharia industrial. Mestrado em gestão e desenvolvimento do turismo discip.: cc – cultura e civilização. Aveiro – Portugal. Fevereiro/2007. p 13. Disponìvel em: http://www.projetosintonia.com/ Acesso em: 29 ago. 2009. 97 RIFKIN. Jeremy, 1999, p.51. 98 ALBAGLI, Sarita, 1998. 99 RIFKIN. Jeremy, op. cit., p 52.
17
desenhos industriais, marcas, nomes de domínio, indicações de procedência e geográficas100.
No que se refere ao objeto tutelado, os direitos de propriedade intelectual buscam
proteger o produto da atividade criadora, ou seja, a idéia expressa. Não se protege a idéia em
si, tampouco o suporte sobre o qual a criação é exteriorizada. É a criação expressa,
independente do seu suporte, que é o objeto do direito de propriedade intelectual101.
Aos detentores do produto da atividade criadora são garantidos os direitos de
propriedade sobre esse produto102. Como afirma Denis Borges Barbosa, o direito subjetivo
sobre o invento, sobre uma obra literária torna-se propriedade por meio de uma restrição legal
de direitos e de liberdades, que decorre de uma exclusividade criada juridicamente; no caso
das invenções, por exemplo, procede da concessão de patente103.
A patente é um título de privilégio concedido pelo Estado, mediante ato administrativo
por instituição especializada, que reconhece o direito de exploração de forma exclusiva e
temporária de uma invenção – produto ou processo – que atenda os requisitos novidade,
atividade inventiva e aplicação industrial. Para Arnaldo Rizzardo, a concessão de patente
protege o titular do invento contra a utilização não autorizada de terceiros104.
Não restam dúvidas de que o sistema de patentes representa uma necessidade na busca
incessante de aprimoramento e de evolução tecnológica e social, representando, quando bem
aplicado e interpretado, um importante instrumento de desenvolvimento da sociedade105.
Ocorre que a proteção dada por esse sistema é questionável nas situações em que estão
presentes os conhecimentos tradicionais, na medida em que o sistema tutela somente os
direitos dos detentores de tecnologia, ainda que o produto da atividade criadora esteja
amparado em tais conhecimentos106.
Vandana Shiva afirma que a concepção de valor, no sistema de propriedade intelectual,
está vinculada ao capital. Em conseqüência disso, o valor intrínseco das fontes (recursos
biológicos e conhecimento tradicional) é ignorado, sendo concebidas como matérias-
100 SCUDELER. Marcelo Augusto. A função social da propriedade intelectual. In: VELÁZQUEZ, Victor Hugo Tejerina (Org.) Propriedade intelectual: setores emergentes e desenvolvimento. Piracicaba: Equilíbrio. 2007. P 36-38 (p 35-54). RIZZARDO, Arnaldo2004, p.36-38. 101 BASSO, Maristela, 2000, p.54. 102 GANDELMAN, Marisa. Poder e conhecimento na economia global: o regime internacional da propriedade intelectual da sua formação às regras de comércio atuais. Editora Record, 2004. p 55. 103 BARBOSA, Denis Borges. Uma introdução à propriedade intelectual. Disponìvel em:<HTTP, denisbarbosa,adrr.com> Acesso em 15 out. 2009. 104 RIZZARDO, Arnaldo,. 2004, p.751. 105 BARCELLOS, Milton Lucídio Leão. A importância dos sistemas nacional e internacional de patentes no Estado contemporâneo. In: WACHOWICZ, Marcos, ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva (Coord.). Direito da propriedade intelectual: estudos em homenagem ao Pe. Bruno Jorge Hammes. Juruá: Curitiba. 2006. P 257. 106 BOFF, Salete Oro., 2009., p.69
18
primas107. Na atividade de bioprospecção, em que se utiliza o conhecimento tradicional na
busca de componentes ativos da flora e da fauna, identifica-se que o conhecimento das
comunidades tradicionais relacionados à diversidade biológica é reduzido à matéria-prima.
Torna-se oportuno, neste momento, distinguir duas situações que envolvem a
exploração dos conhecimentos tradicionais no sistema de patentes. Em determinados casos, a
essência do objeto da patente é o conhecimento tradicional em si. Nesse caso, há uma ligação
estrita entre a invenção e o conhecimento tradicional. Em outra hipótese, o conhecimento
tradicional é o princípio para identificação dos componentes úteis e para avaliação de sua
eficácia. Aqui, não há, necessariamente, o vínculo entre o objeto da patente e o conhecimento
tradicional; entretanto este último é muito importante para o resultado final da atividade
inventiva108.
Quando o conhecimento tradicional associado à biodiversidade é utilizado para a
produção do bem tutelado pelos direitos de propriedade intelectual, devem ser observadas as
diretrizes traçadas pela CDB que garantem a participação das populações tradicionais, bem
como a repartição dos benefícios. Nesse cenário, questiona-se a relação entre o Acordo TRIPS
e a CDB, já que as diretrizes dessa Convenção não estão sendo observadas109. Segundo
Roberto Chacon de Albuquerque, a eficácia da CDB fica prejudicada frente à expansão
inadequada do sistema de patentes110.
Ademais, há que se relembrar que a CDB e o Acordo TRIPS são observados de forma
desigual, na esfera internacional. Embora a CDB, assim como o Acordo TRIPS, sejam
juridicamente vinculativos, uma vez que constituem um compromisso firmado
internacionalmente, há diferença entre os dois instrumentos internacionais quanto à
obrigatoriedade no cumprimento de seus preceitos111. O descumprimento do Acordo TRIPS
está sujeito a sanções, a processos, enquanto a CDB não prevê mecanismos sancionatórios
107 SHIVA, Vandana, 2001, p.32. Nesse mesmo sentido ABREU, Kamila Assis de. A valoração da biodiversidade e a biopirataria. Revista Jurídica da Faculdade 2 de Julho. Ano 1. Número 1. Outubro de 2007. Salvador – Bahia. p 35-58. p 47. TRIPS não exclui a patenteabilidade de plantas e animais. 108 CARVALHO, Nuno Pires de. From the Shaman’s Hut to the Patent Office: In Search of a TRIPS-Consistent Requirement to Disclosethe Origin of Genetic Resources and Prior Informed Consent. Wash, U. J. L. & POL’Y. 2004. 145-146 (112/184 p) 109 CARR, Jonathan. Agreements that divide: trips vs. CDB and proposals for mandatory disclosure of source and origin of genetic resources in patent applications. J. of transnational law & policy. V 18:1. p 131-154. p 138-139. 110 ALBUQUERQUE, Roberto Chacon de, 2004, p.44. Nesse sentido, Maristela Basso. BASSO, Maristela, 2005, p.81. 111 TRIPS versus CBD: Conflicts between the WTO regime of intellectual property rights and sustainable biodiversity management Issue no. 1, April 1998 GAIA/GRAIN http://www.grain.org/briefings/?id=24#
19
para o descumprimento de seus preceitos112. Isso porque o Acordo TRIPS foi concebido na
OMC que promove e supervisiona as regras sobre comércio internacional, dotada de
mecanismos de solução de controvérsias. Acresce a isso, a não ratificação, por parte dos
Estados Unidos, da CDB, um país sede de empresas que lideram o desenvolvimento de
tecnologia, pioneiro no sistema de patentes113.
Na hipótese de exploração em que o conhecimento tradicional corresponde ao próprio
objeto das patentes, não só se questionam os preceitos da CDB, mas os próprios fundamentos
dos direitos de propriedade intelectual. Para Vladimir Garcia Magalhães, nos países
desenvolvidos, desconstruiu-se a essência histórica dos direitos de patentes, um processo de
desvirtuamento desse ramo do Direito que se apropria do saber tradicional e dos recursos
naturais. É um “novo direito de propriedade intelectual e de patentes” construído para garantir
lucros reais e potenciais de empresas sediadas nos países desenvolvidos114. É o que Maristela
Basso denomina de “uma expansão inadequada de proteção patentária”115.
Como afirma Vanda Shiva, o atual sistema de propriedade intelectual não só nega as
inovações acumuladas coletivas das comunidades tradicionais, como também se transforma
em instrumento de apropriação dos bens comuns intelectuais e biológicos dessas
comunidades116, contrariando os próprios fundamentos dos direitos de propriedade intelectual
– a proteção do produto da atividade criadora117. Maristela Basso critica o modelo de proteção
dos direitos de propriedade intelectual e desafia um novo modelo de proteção dos direitos de
propriedade intelectual que possa recompensar e proteger os saberes tradicionais, bem como
diminuir as vulnerabilidades dos países em desenvolvimento118.
3.1.2 Casos de Exploração dos Conhecimentos Tradicionais Sob o Sistema de Patentes.
Para fins de vislumbrar a problemática disposta no item anterior, citam-se alguns
casos emblemáticos de exploração econômica dos conhecimentos tradicionais por meio do
sistema patentário.
Três casos encontrados na literatura revisada de conhecimentos tradicionais
associados à biodiversidade (andiroba, curare, nim) foram confrontados com a base de dados
112 SANTILLI, Juliana. Acesso aos recursos genéticos e aos conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade: aspectos jurídicos. P 18-19. 46 p. 113 BRAND, Ulrich., 2009. 114 MAGALHÃES, Vladimir Garcia, 2005, p.120. 115 BASSO, Maristela, 2005, p 81. 116 SHIVA, Vandana. 2005, p.323-324. 117 BASSO, Maristela, 2000, p.54. 118 BASSO, Maristela, op. cit., p. 112.
20
ESP@CENET, um banco de dados de patentes que foi elaborado pelo Gabinete Europeu de
Patentes119.
No que se refere às sementes da andiroba, que fornecem um óleo amarelo utilizado
pelos indígenas, dentre outras finalidades, para repelir os insetos120, há diversos registros de
patentes que envolvem tais sementes, dentre eles, estão as de n.º wo2009033237121 e n.º
BR9800437122.
Quanto ao curare, utilizado pelos nativos da região do Alto Solimões na caça como
anestésico para obtenção de relaxamento da muscular esquelética 123, há registros de patentes
relacionadas ao curare, especificamente às suas propriedades relaxante muscular e anestésica,
respectivamente, patente n.º US5410040124 e patente n.º JP10139763125. Nesses casos, os
componentes ativos foram sintetizados e a aplicação industrial descrita pelos inventores é
aquela já conhecida pelos nativos.
O nim126, por sua vez, utilizado como medicamento (antibactericida/anti-
inflamatório), que, também, mostrou-se útil como pesticida natural e há centenas de anos vem
sendo usada pelos camponeses para fins de evitar praga na lavoura. Há casos de patentes
associadas ao nim127, cuja utilidade prescrita coincide com o conhecimento tradicional, a
saber: patente n.º MXPA04010891128 (relacionada à propriedade pesticida da árvore), patente
n.º NZ552573129 (composição que inclui o óleo de nim para o tratamento de feridas).
3.2 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA DA BIOPIRATARIA
No contexto da exploração econômica dos conhecimentos tradicionais no âmbito do
sistema de patentes, não se pode deixar de comentar a prática internacional comumente
conhecida como biopirataria130.
Há registros na literatura de que a palavra biopirataria foi empregada, pela primeira
vez, no início da década de 90, pela organização não-governamental Rural Advancement
119 ESP@CENET. Disponível em http://ep.espacenet.com Acesso em 15 jul. 2009. 120 MIRANDA, JORGE Babot. Amazônia: Área Cobiçada. Porto Alegre: AGE., 2005, p.121. 121 ESP@CENET. Disponível em http://v3.espacenet.com Acesso em 15 jul. 2009. 122 ESP@CENET. Disponível em http://lp.espacenet.com Acesso em 15 jul. 2009. 123FRIEDMAN, Meyer, FRIEDLANDA, Gerald W. As dez maiores descobertas da medicina. Companhia das letras: São Paulo.2000. P 168: RIFKIN, Jeremy, 1999, p.52. 124 ESP@CENET http://v3.espacenet.com Acesso em 15 jul. 2009. 125 ESP@CENET http://v3.espacenet.com Acesso em 15 jul. 2009. 126 SANTILLI, Juliana, 2007. p. 201. 127 SHIVA, Vandana., 2001, p.96-97. RIFKIN. Jeremy, 1999, p.52-53. 128 ESP@CENET http://v3.espacenet.com Acesso em 15 jul. 2009. 129 ESP@CENET http://v3.espacenet.com Acesso em 15 jul. 2009. 130 RIBEIRO, Wagner Costa. A Ordem Ambiental Internacional. São Paulo: Contexto. 2005. P 123.
21
Foundation International (RAFI), hoje, The Action Group on Erosion, Technology and
Concentration (ETC-group) ao alertar sobre o fato de que recursos genéticos e conhecimentos
tradicionais estavam sendo patenteados sem autorização dos países provedores dos
recursos131.
Não existe uma definição internacionalmente aceita do que significa a palavra
“biopirataria”, tampouco um instrumento jurídico internacional que utilize esse termo. O
ordenamento jurídico brasileiro, por sua vez, também não faz menção. Diante dessa omissão,
diversas organizações e autores buscam dar-lhe um conteúdo que permita definir seu alcance
e suas limitações132. Entretanto, ainda não há entendimento uníssono a respeito133.
Inicialmente, é relevante destacar a definição ampla de biopirataria consignada no
relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a investigar o tráfico de
animais e de plantas silvestres brasileiros, a exploração e comércio ilegal de madeira e a
biopirataria no País:
(...) biopirataria lato sensu, que engloba, portanto, a exploração e o comércio ilegais de madeira, o tráfico de animais e plantas silvestres e a biopirataria stricto sensu, entendida esta última como o acesso irregular ao patrimônio genético nacional e aos conhecimentos tradicionais associados134.
O entendimento de Juliana Santilli acerca da biopirataria coaduna-se com a concepção
stricto sensu consignada no relatório. A autora complementa a definição entendendo que o
acesso é irregular quando está em desconformidade com os princípios da CDB135. Por outro
lado, o autor Luiz Magno Pinto Bastos Júnior136 e O ETC GROUP137 distanciam-se dessa
concepção, uma vez que entendem configurada a biopirataria quando há apropriação dos
recursos genéticos ou dos conhecimentos tradicionais.
Francisco Eugênio Machado Arcanjo e Héctor Leandro Arroyo Pérez138, Vanda Shiva
131 WANDESCHEER,Clarissa Bueno, 2008, p.339..DUTFIELD, Graham. Repartindo Benefícios da Bioversidade: Qual o Papel do Sistema de Patentes? In: Ana Flávia Barros Platiau, Marcelo Dias Varella, Marie Angèle Sanson-Hermitte. Diversidade biológica e conhecimentos tradicionais. P 79. 2004. 132 MULLER Manuel Ruiz. ¿Cómo prevenir y enfrentar la biopiratería? Una aproximación desde Latinoamérica. p 2. Disponível em http://www.indecopi.gob.pe Acesso em 15 out. 2009 133 ALENCAR, Aline Ferreira, 2009. 134 BRASIL. Comissão Parlamentar de Inquérito Destinada a Investigar o Tráfico de Animais e Plantas Silvestres Brasileiros, a Exploração e Comércio Ilegal de Madeira e a Biopirataria no País – CPIBIOPI Disponível em http://www.camara.gov.br/internet/comissao/index/cpi/Rel_Fin_CPI_Biopirataria.pdf Acesso em 27 set. 2009. 135 SANTILLI, Juliana, 2007, p.198-199. 136 BASTOS JUNIOR, Luiz Magno Pinto, 2001, p.210. 137 ETC GROUP. Captain Hook, the Cattle Rustlers, and the Plant Privateers: Biopiracy of Marine, Plant, and Livestock Continues May/June 2000. Disponível em http://www.etcgroup.org. Acesso em: 27 de set. 2009. 138 ARCANJO, Francisco Eugênio Machado e PÉREZ, Héctor Leandro Arroyo, 2006, p.44.
22
e Elizabeth Bravo139 entendem que a biopirataria caracteriza-se pelo uso do regime dos
direitos de propriedade intelectual para legitimar a propriedade exclusiva sobre os
conhecimentos tradicionais e sobre a biodiversidade. Nota-se que esses autores não se referem
a recursos genéticos, tão-somente, mas à biodiversidade. A Iniciativa Andino Amazônica para
la Preservación de la Biopiratería, por outro lado, amplia o rol de condutas que caracterizam
a biopirataria140:
La biopiratería es el acceso, uso y/o aprovechamiento ilegal, irregular y/o inequitativo de recursos biológicos y sus derivados, así como de los conocimientos tradicionales de los pueblos indígenas asociados a ellos, en especial mediante el uso de la propiedad intelectual, con la finalidad de irrogarse derechos exclusivos sobre ellos.
Jorge Babot Miranda genericamente define biopirataria como sendo “o desvio ilegal
das riquezas naturais, (flora, fauna e águas) e do conhecimento das populações tradicionais
sobre a utilização dos mesmos 141”.
Há também quem limite biopirataria à atividade que envolva a biodiversidade,
excluindo a diversidade cultural (conhecimentos tradicionais). Nesse sentido, Pat Mooney142,
autoridade sobre biodiversidade agrícola e sobre questões das novas tecnologias, Rodrigo
Carneiro Gomes, delegado de Polícia Federal143, Celso Antônio Pacheco Fiorillo e Adriana
Diaféria144 entendem que a biopirataria envolve a apenas a biodiversidade. O Dicionário
Houassis adotou um conceito nessa mesma linha145 .
Por fim, destaca-se o posicionamento isolado do geógrafo Carlos Walter Porto
Gonçalves que diferencia os termos biopirataria e etnobiopirataria. Para o autor, enquanto a
apropriação da biodiversidade configura biopirataria, a apropriação do conhecimento
associado a ela configura etnobiopirataria. Nesse caso, biopirataria não alcança os
conhecimentos tradicionais146.
139 BRAVO, Elizabeth. El acesso a recursos genéticos y la legalización de la biopiratería. In ALIER, Joan Martinez. Ecología política. Barcelona: Icaria Editorial. 2005. P 71. (71/82 p) 140 BIOPIRATERÍA. Iniciativa Andino Amazónica para La preservación de la biopiratería. Disponível em http://www.biopirateria.org/ Acesso em: 27 de setembro de 2009. 141 MIRANDA, JORGE Babot. Amazônia: área cobiçada. P 116. Porto Alegre: AGE. 2005. (224 p) 142 MOONEY. Pat Roy. The Parts of Life Agricultural Biodiversity, Indigenous Knowledge, and the Role of the Third System p 184. Disponível em http://www.etcgroup.org Acesso em: 23 de setembro de 2009. 143 GOMES, Rodrigo Carneiro. O controle e a repressão da biopirataria no Brasil. Revista IOB de Direito Penal e Processo Penal. nº 49. Abril/maio de 2008. p 82. 81/90 P 144 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco e DIAFÉRIA, Adriana, 1999, p.66. 145 HOUAISS, Antônio e VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro Objetiva, 2001, p. 457. 146 PORTO-GONÇALVES , Carlos Walter. Temporalidades amazônicas: uma contribuição à Ecologia Política.
23
Como se depreende dos posicionamentos acima colacionados, há muitas controvérsias
em torno do termo “biopirataria”. No entanto, essas controvérsias não alteram o cenário atual
onde estão inseridos os conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade, uma
realidade histórica de lutas coloniais marcadas pela exploração de riquezas nativas em
benefício do colonizador que ainda persiste147.
3.3 AS PROPOSTAS JURÍDICAS PARA COIBIR A EXPLORAÇÃO ECONÔMICA DOS
CONHECIMENTOS TRADICIONAIS ASSOCIADOS À BIODIVERSIDADE
3.3.1 Revisão do TRIPS: uma Proteção Preventiva.
Há propostas formuladas perante a Organização Mundial do Comércio (OMC) com a
finalidade de revisar o artigo 27 do Acordo.
O Brasil, dentre outros países, propôs a inclusão de condições ao requerente de uma
patente que envolva o conhecimento tradicional, objetivando compatibilizar o Acordo TRIPS
e a CDB. São elas: divulgação da fonte e do país de origem dos conhecimentos tradicionais
associados à biodiversidade, a prova do consentimento prévio e informado dos detentores
desse conhecimento, bem como da repartição justa e eqüitativa de benefícios, de acordo com
a legislação nacional do país de origem. Dessa forma, embora de forma limitada, já que não se
trata de uma proteção positiva, mas preventiva, garantir-se-ia a proteção dos conhecimentos
tradicionais frente ao regime patentário148.
Ocorre que há muitas críticas dirigidas às condições estabelecidas na proposta. Nuno
Pires de Carvalho critica as condições formais de patenteabilidade, objeto da proposta de
revisão do TRIPS (o certificado de origem, as provas de consentimento e de repartição de
benefícios). O autor aduz que as patentes não são certificados de bom comportamento, mas de
comportamento inventivo. Ainda afirma que tais condições distanciam-se dos fundamentos do
Acordo TRIPS, porquanto permite a violação ao princípio da não discriminação entre os
campos de tecnologia, previsto no artigo 27.1 do TRIPS, tendo em vista que haveria
requisitos diferenciados para determinado tipo de patente. Assim sendo, defende um regime
Desenvolvimento e Meio Ambiente, n. 17, p. 21-31, jan./jun. 2008. Editora UFPR p. 27. 147 RIFKIN, Jeremy, 1999, p.51. 148 IPRSONLINE. The relationship between the trips agreement and the convention on biological diversity and the protection of traditional knowledge (submission by Brazil, Bolivia, Cuba, Dominican Republic, Ecuador, India, Thailand, Peru and Venezuela to the trips council on 28 may 2003) Disponìvel em: http://www.iprsonline.org. Acesso em: 18 set. 2009.
24
sui generis de proteção, desvinculado do sistema de patentes149.
Caterine Vasconcelos de Castro afirma que embora o âmbito da OMC, pautado pelos
interesses econômicos, não seja o foro ideal para a proteção dos conhecimentos tradicionais
associados à biodiversidade, a emenda ao artigo 27 representaria algum avanço para essa
proteção, tendo em vista o caráter vinculativo do Acordo TRIPS150. Não se pode negar a
relevância da medida para fins de prevenir a concessão ilegítima de patentes sobre elementos
dos conhecimentos tradicionais associados151.
3.3.2 Proteção Positiva por meio do Sistema de Patentes
Muito embora, o atual quadro jurídico dos direitos de propriedade intelectual não
contemple a proteção do conhecimento tradicional, há proposta de flexibilização dos
requisitos necessários para a concessão de patente para alcançar o conhecimento tradicional
associado à biodiversidade152. A Organização Mundial da Propriedade Intelectual
(OMPI/WIPO) filia-se a essa medida153.
Os critérios novidade, inventividade e utilidade não estão definidos de forma uniforme
no Acordo TRIPS e, portanto, não há uma vinculação nacional. Por conseguinte, esses
critérios podem ser adaptados por meio das legislações nacionais para abarcar os
conhecimentos tradicionais154. Carlos Correa, referindo-se à possível flexibilização do
requisito novidade, destaca a concepção mais flexível adotada pelo Convênio da The
International Union for the Protection of New Varieties of Plants (UPOV).
É importante citar a ressalva feita por Carlos Correa acerca da eficácia dos direitos das
comunidades tradicionais à luz do sistema de propriedade intelectual. A posição do autor, in 149 CARVALHO, Nuno Pires de. From the Shaman’s Hut to the Patent Office: In Search of a TRIPS-Consistent Requirement to Disclosethe Origin of Genetic Resources and Prior Informed Consent. Wash, U. J. L. & POL’Y. 2004. p128-183.112/184 p. 150 CASTRO, Caterine Vasconcelos de, 2007, p.101. 151 WIPO. Comité Intergubernamental sobre Propiedad Intelectual y Recursos Genéticos, Conocimientos Tradicionales y Folclore. Proyecto de análisis de carencias en materia de protección de los conocimientos tradicionales. Documento preparado por la secretaría. 2008. Disponible eem: http://www.wipo.int/. Acesso em: 18 set. 2009. 152 WIPO. Comité Intergubernamental sobre Propiedad Intelectual y Recursos Genéticos…2009./ 153 WIPO. Intergovernmental Committee on Intellectual Property and Genetic Resources, Traditional Knowledge and Folklore. Seventh session. Geneva, november 1 to 5, 2004. Recognition of traditional knowledge within the patent system. Document prepared by the secretariat. P 4. 8 p. http://www.wipo.int/ 154 WIPO. Comité Intergubernamental sobre Propiedad Intelectual y Recursos Genéticos, Conocimientos Tradicionales y Folclore. Proyecto de análisis de carencias en materia de protección de los conocimientos tradicionales. Documento preparado por la secretaría. 2008. p 11. 45 p. DispoNìvel em:http://www.wipo.int/. Acesso em: 19 set. 2009.
25
verbis:
Cualquiera sea la forma que se adopte para la protección de ciertos componentes de los CT mediante los DPI, los poseedores de los títulos (ya sean comunidades o individuos) deben enfrentar un serio obstáculo, a saber, los costos de adquisición de los derechos (cuando el registro es necesario, tal como en el caso de patentes, diseños industriales y marcas de fábrica o de comercio) y, de manera más general, el ejercicio efectivo de los derechos. Los procedimientos administrativos y judiciales son, por lo general, largos y costosos. La disponibilidad de la protección a través de los DPI para los CT puede ser, por consiguiente, de poca o ninguna importancia para aquellos que puedan reclamar derechos sobre los CT pero no hacerlos valer en la práctica155.
Correa ainda salienta que os direitos exclusivos outorgados pelo sistema de patentes
podem restringir, em vez de promover o uso dos conhecimentos tradicionais156. Nesse
contexto, entende-se que o sistema de patentes prejudicaria o modo como se produz o
conhecimento tradicional.
Em contraposição a essa forma legal, considerada incompatível com as
particularidades dos conhecimentos tradicionais, defende-se o regime sui generis de proteção
dos conhecimentos tradicionais associados157.
3.3.3 Um Regime Sui Generis de Direitos Intelectuais Coletivos
Uma alternativa apontada pela doutrina é a proteção dos conhecimentos tradicionais
associados à biodiversidade por meio de um regime de proteção sui generis.
Nos Países do Sul, decepcionados com os encontros internacionais, cuja tendência é
favorecer o regime de propriedade intelectual, passaram a ser estudadas novas medidas em
suas legislações nacionais, ao invés de esperarem uma moldura legal internacional158. Nesse
ínterim, nasceu o regime legal desenhado por pesquisadores da Rede do Terceiro Mundo
(Third World Network), dentre eles Gurdial Singh Nijar, com o intuito de proteger os
conhecimentos tradicionais na esfera nacional159. Nessa perspectiva, o regime outorgaria às
comunidades tradicionais, sobre seus conhecimentos coletivos, algo semelhante aos direitos
155 CORREA, Carlos M., Los conocimientos tradicionales y la propiedad intelectual: Cuestiones y opciones acerca de la protección de los conocimientos tradicionales. p 12. 30 p. Disponível em< www.biodiversidadla.org>; Acesso em 25 out. 2009./ 156 CORREA, Carlos M. 2009. 157 CASTRO, Caterine Vasconcelos de, 2007, p.02. 158 SANTOS, Laymert Garcia dos, 2005, p.158-162. 159 CASTRO, Caterine Vasconcelos de, op cit, p. 02.
26
de propriedade160.
Atento à natureza e características específicas dos conhecimentos tradicionais, o
regime sui generis busca a proteção do conhecimento tradicional em si, não se limita à
proteção do conhecimento tradicional frente à sua exploração econômica, como, por exemplo,
a alternativa proposta de revisão do Acordo TRIPS, anteriormente abordada161.
No entender de Vandana Shiva, o regime sui generis é uma alternativa para atender à
proteção dos conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade, uma vez que, conforme
já abordado, esses conhecimentos restaram marginalizados no contexto dos direitos de
propriedade intelectual. Entretanto, a autora ressalva que a solução para coibir a exploração
econômica está no foro onde ela se desenvolve, ou seja, no sistema de propriedade intelectual
perverso. Para a autora, não basta a introdução de um regime de proteção sui generis; o
sistema de propriedade intelectual tem que ser revisto conjuntamente162.
No cenário nacional, Juliana Santilli também defende o regime de proteção sui
generis. Segundo a autora, um regime jurídico verdadeiramente sui generis e apropriado para
a proteção dos conhecimentos tradicionais deve ser construído à luz do pluralismo jurídico
para que seja reconhecida a diversidade jurídica existente nas sociedades tradicionais. O
instrumento jurídico para que atenda às especificidades e às particularidades dos
conhecimentos tradicionais tem que se desvincular da concepção monista de que o Estado é a
única fonte de direito. Nesse contexto, o papel do Estado deve estar voltado para a garantia do
respeito às formas de organização e representação dos povos tradicionais, bem como para
assegurar o equilíbrio nas relações entre as partes para autorização de acesso aos
conhecimentos tradicionais163.
Carlos Correa, por sua vez, ressalta dificuldades teóricas e práticas para a construção
desse regime sui generis, dentre elas: um regime que alcance o conhecimento tradicional em
sentido amplo (folclore, conhecimento tradicional associado à biodiversidade) ou regimes
específicos adaptados à natureza de cada matéria a ser protegida; o alcance dos direitos que
são conferidos (direito de exclusão incompatíveis quando um conhecimento é utilizado por
mais de uma comunidade tradicional; direito de obter uma remuneração que pode ser
incompatível com os valores dessas comunidades); os possuidores de títulos (indivíduos,
160 CORREA, Carlos M, 2009. 161 CORREA, Carlos M,2009. 162 SHIVA, Vandana. The Basmati Battle And its Implications for Biopiracy and Trips. 2001.Disponìvel em:< http://www.globalresearch.ca/>. Acesso em 18 out. 2009. 163 SANTILLI, Juliana, 2005, p 232.
27
comunidades); a duração; os modos de aquisição164.
Ademais, salienta Carlos Correa que a eficácia da proteção do conhecimento
tradicional em nível nacional é muito limitada, tendo em vista o contexto onde se insere a
exploração dos conhecimentos tradicionais, consequência da geopolítica mundial divida e
polariza entre países do Norte e do Sul, como já salientado. O autor, portanto, aponta como
solução, em um primeiro momento, até que se esclareça a construção de um regime de
proteção interno eficaz e respeitado internacionalmente, a proteção preventiva, em nível
internacional, para coibir a exploração econômica dos conhecimentos tradicionais.
Daniel Gervais, por sua vez, afirma que as características peculiares do conhecimento
tradicional dificultam a adoção imediata de uma proteção positiva. Entende que essa proteção
ainda não está madura, razão pela qual se deve, primeiramente, buscar uma proteção
preventiva no plano internacional. Nessa perspectiva, sugere a adoção de uma declaração
sobre os conhecimentos tradicionais que pode ter o efeito de tornar oficial determinadas
interpretações do Acordo TRIPS, como por exemplo, a possibilidade dos Estados-Membros,
com apoio no artigo 62 do TRIPS, impor a formalidade de analisar base de dados de
conhecimentos tradicionais para averiguar eventuais compatibilidades entre a invenção e o
conhecimento e, portanto, negar o registro de patentes em razão dos requisitos essenciais da
patente165.
Considerando o contexto de globalização em que se insere a problemática da proteção
dos conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade, é oportuno destacar a posição de
Lizst Vieira, que consolida a posição dos autores que aponta o caminho internacional para
coibir a exploração dos conhecimentos tradicionais: “Mas o essencial é que somente através
da cooperação internacional de todos os autores participantes do processo de globalização
podemos esperar soluções166”.
CONCLUSÃO
No atual cenário da Biotecnologia, pautado pela exploração econômica dos recursos
biológicos e genéticos, emerge o conhecimento tradicional associado à biodiversidade como
uma estratégia utilizada pelas indústrias que incorporaram a rota biotecnológica, conforme
164 CORREA, Carlos M. ,2009. 165 GERVAIS, Daniel, 2009, p. 20-21.. 166 VIEIRA, Liszt. Cidadania e globalização. 7.ed. Rio de Janeiro: Record, 2004, p.122. (142 p)
28
demonstrado nas pesquisas colacionadas no item que tratou da relevância do conhecimento
tradicional no contexto da Biotecnologia Moderna.
Primeiramente, convém ressaltar que a discussão jurídica sobre a proteção dos
conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade é complexa, visto que se trata de um
tema específico e atual, além de ser globalizado porque interessa desde as grandes empresas
transnacionais produtoras de fármacos, de cosméticos, às mais distantes e não tão-conhecidas
populações tradicionais. Algumas questões que tornam complexa a discussão: a dificuldade
do modelo clássico do Direito Positivo Ocidental, produzido pelas fontes estatais e fundado
em diretrizes liberal e individualista, em tratar a diversidade cultural e os sujeitos coletivos; a
dinâmica e a livre circulação de idéias e informações, ou seja, as peculiaridades e o contexto
cultural onde se inserem os detentores dos conhecimentos tradicionais dificultam o
estabelecimento de um padrão geral a ser aplicado a todos, indistintamente; os próprios
provedores desse conhecimento veem de forma ambígua a proteção de tais conhecimentos,
pois se por um lado buscam-se mecanismos para disciplinar a comercialização desses
conhecimentos, por outro, busca-se, de forma firme, a preservação da cultura dessas
populações que passam por sérios riscos de extinção; a geopolítica mundial polarizada entre
países do Norte e do Sul, cenário em que se insere a questão da proteção dos conhecimentos
tradicionais associados à biodiversidade.
Destaca-se, no contexto internacional, a Convenção sobre Diversidade Biológica
(CDB), que afirma a importância de respeitar e de proteger o conhecimento tradicional. No
entanto, verificou-se que existem muitos entraves para sua concretização. Isso porque,
tratando-se de uma Convenção-quadro, a sua implementação decorre de medidas a serem
adotadas em Conferência das Partes. Nessas reuniões, muitas decisões importantes por
motivos políticos e por interesses divergentes são proteladas para futura Conferência. O tema
referente à utilização dos conhecimentos tradicionais é um exemplo, sua discussão foi
remetida para a 10ª Conferência, que ocorrerá em 2010. A não-ratificação pelos Estados
Unidos dessa Convenção, também interfere, uma vez que é um país que lidera o
desenvolvimento na Área da Biotecnologia. Acresce a isso, a inexistência de mecanismo de
pressão ou sanção internacional, diferentemente do Acordo TRIPS, que no bojo da
Organização Mundial do Comércio, encontra-se respaldo por medidas coercitivas.
Apesar de a proteção dos conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade
encontrar amparo na Constituição Federal, sua regulamentação, na esfera infraconstitucional,
ainda encontra um posicionamento tímido. A matéria é disciplinada por uma medida
provisória, um instrumento legislativo não tão adequado para tratar um tema complexo e de
29
grande relevância, que sofreu diversas reedições e atualmente encontra-se em vigor pela
Medida Provisória n.º 2.186-16 de 23 de agosto de 2001. Tal medida provisória é muito
criticada pela doutrina, em razão de sua imprecisão, de seu caráter burocrático e não-
democrático.
Considerando as fragilidades da proteção jurídica dos conhecimentos tradicionais
associado à biodiversidade, seja na esfera internacional, seja na brasileira, analisou-se, a
relação entre esses conhecimentos e o regime dos direitos de propriedade intelectual.
Verificou-se que o sistema atual que tutela a propriedade intelectual não alcança a proteção
dos conhecimentos tradicionais, visto que, em virtude de suas características peculiares
(transmitidos de geração em geração, disponíveis ao público, muitos deles não tem aplicação
industrial direta), tais conhecimentos não preenchem os requisitos necessários para a
concessão da patente - modalidade de propriedade intelectual que mais se afina com os
conhecimentos tradicionais.
Além de os conhecimentos tradicionais não estarem conferidos pela proteção dada
pelo sistema de propriedade intelectual, esses conhecimentos estão relegados à condição de
matéria-prima, cenário propício para sua exploração econômica no bojo do próprio sistema.
Nesse momento, questiona-se essa “nova” aplicação e interpretação dada aos direitos de
propriedade intelectual, incompatíveis com os seus próprios fundamentos: garantir ao criador
a proteção do produto de sua criação.
Diante disso, há uma necessidade urgente de garantir os direitos intelectuais aos
detentores dos conhecimentos tradicionais por meio de mecanismos jurídicos, positivos ou
preventivos, nas esferas internacional e nacional, atentos às particularidades e ao contexto
cultural em que são desenvolvidos, bem como revisitando os fundamentos da Propriedade
Intelectual para rever sua interpretação e aplicação.
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