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1. Introdução; 2. Ideologia neocapitalista, burocracia e processo de burocratização: uma colocação; 3. Burocracia, ideoloeia neocapitalista e classe social; 4. Localização da burocracia na dinâmica das classes sociais; 4. Conclusão. Maria de Lourdes Manzini Covre** * Este texto compõe o capítulo 1 da tese de mestrado apresentada ao Departamento de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. ** Professora do Departamento de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Rev. Adm. Emp., 1. INTRODUÇÃO Para a compreensão do tema em estudo, a formação e a ideologia do administrador de empresas, necessário se faz uma abordagem da conceituação de ideologia neocapitalista, associada à de burocracia, uma vez que os administradores são ou serão futuros componentes da máquina burocrática e, por conseqüência, incorpo- radores desta ideologia, da qual, por outro lado, os cursos de administração são centros criadores e prováveis transmissores. Por ideologia neocapitalista, em uma primeira apro- ximação, compreende-se um conjunto de doutrinas que ajudam a compor a nova ideologia burguesa, na situação pós-liberal. Essas teorias se propõem como sendo explicações substitutivas à teoria marxista. Apresentam interpretações das transformações estru- turais ocorridas na economia capitalista contemporâ- nea em termos de urna solução socializante, e, por este prisma, em graus distintos, a "ótica marxista da luta de classes é obscurecida ou deformada em favor de uma concepção idealista do Estado, da intervenção pública e do planejamento": No conjunto destas transformações são apontadas: a ascensão do Estado intervencionista, a influência crescente da burocracia. o desenvolvimento da tecno- logia e a conseqüente valorização da função dos técni- cos. Torna-se necessário, porém, verificar se as inter- pretações dadas a estas mudanças dão conta do real, em suas determinações essenciais. Parece-nos que o centro da questão, nas teorias referidas, está na pre- tensa eliminação da relação de-propriedade ou relação de exploração. Assim, com a chamada separação en- tre propriedade e controle da propriedade, afirmam que se torna impossível falar em classe economicamen- te dominante, tal como na concepção marxista. O es- quema de democratização do capital, ou seja, a distri- . buição do capital sob forma acionária, e a atuação em- presarial burocratizada composta de um quadro geren- cial, viriam substituir a contradição principal entre proprietários e não-proprietários. Paralelamente. o Estado intervencionista teria como escopo a realizaçao de uma democracia social, funcionando a ação estatal também no sentido de melhor distribuir a renda social. Desta forma. estaria justificada a sua intervenção na economia e a utilização de técnicas de planejamento, com a finalidade de criar melhores condições de bem- estar coletivo, promovendo-se a justiça social. Portan- to, a atuação da burocracia no Estado e na empresa com funções de planejamento e controle, formando uma supraclasse, viria compor este novo contexto so- cial. Acatar tais formulações traz implícita a idéia de que o modo de produção capitalista estaria desmoro- nando, e torna possível falar no surgimento de outro.. o chamado modo de produção tecnocrático.a Por modo de produção e sua transformação, fixou Marx o seguinte: "na produção social da sua existên- cia, os homens estabelecem relações determinadas, ne- cessárias, independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forças produtivas materiais. O conjunto destas relações de produção constitui a estru- 43 Rio de Janeiro, 20(1): 43-61, jan/mar. 1980 ._---- ---- ----- -- --- Uma discussão teorica ideologia neocapitalista e processo de burocratizaçaõ

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1. Introdução;2. Ideologia neocapitalista, burocracia e

processo de burocratização: umacolocação;

3. Burocracia, ideoloeia neocapitalista eclasse social;

4. Localização da burocracia nadinâmica das classes sociais;

4. Conclusão.

Maria de Lourdes Manzini Covre**

* Este texto compõe o capítulo 1 da tesede mestrado apresentada ao

Departamento de Ciências Sociais daFaculdade de Filosofia, Letras e

Ciências Humanas da Universidade deSão Paulo.

** Professora do Departamento deCiências Sociais da Faculdade de

Filosofia, Letras e Ciências Humanas daUniversidade de São Paulo.

Rev. Adm. Emp.,

1. INTRODUÇÃO

Para a compreensão do tema em estudo, a formação ea ideologia do administrador de empresas, necessáriose faz uma abordagem da conceituação de ideologianeocapitalista, associada à de burocracia, uma vez queos administradores são ou serão futuros componentesda máquina burocrática e, por conseqüência, incorpo-radores desta ideologia, da qual, por outro lado, oscursos de administração são centros criadores eprováveis transmissores.

Por ideologia neocapitalista, em uma primeira apro-ximação, compreende-se um conjunto de doutrinasque ajudam a compor a nova ideologia burguesa, nasituação pós-liberal. Essas teorias se propõem comosendo explicações substitutivas à teoria marxista.Apresentam interpretações das transformações estru-turais ocorridas na economia capitalista contemporâ-nea em termos de urna solução socializante, e, por esteprisma, em graus distintos, a "ótica marxista da lutade classes é obscurecida ou deformada em favor deuma concepção idealista do Estado, da intervençãopública e do planejamento":

No conjunto destas transformações são apontadas:a ascensão do Estado intervencionista, a influênciacrescente da burocracia. o desenvolvimento da tecno-logia e a conseqüente valorização da função dos técni-cos. Torna-se necessário, porém, verificar se as inter-pretações dadas a estas mudanças dão conta do real,em suas determinações essenciais. Parece-nos que ocentro da questão, nas teorias referidas, está na pre-tensa eliminação da relação de-propriedade ou relaçãode exploração. Assim, com a chamada separação en-tre propriedade e controle da propriedade, afirmamque se torna impossível falar em classe economicamen-te dominante, tal como na concepção marxista. O es-quema de democratização do capital, ou seja, a distri- .buição do capital sob forma acionária, e a atuação em-presarial burocratizada composta de um quadro geren-cial, viriam substituir a contradição principal entreproprietários e não-proprietários. Paralelamente. oEstado intervencionista teria como escopo a realizaçaode uma democracia social, funcionando a ação estataltambém no sentido de melhor distribuir a renda social.Desta forma. estaria justificada a sua intervenção naeconomia e a utilização de técnicas de planejamento,com a finalidade de criar melhores condições de bem-estar coletivo, promovendo-se a justiça social. Portan-to, a atuação da burocracia no Estado e na empresacom funções de planejamento e controle, formandouma supraclasse, viria compor este novo contexto so-cial. Acatar tais formulações traz implícita a idéia deque o modo de produção capitalista estaria desmoro-nando, e torna possível falar no surgimento de outro..o chamado modo de produção tecnocrático.a

Por modo de produção e sua transformação, fixouMarx o seguinte: "na produção social da sua existên-cia, os homens estabelecem relações determinadas, ne-cessárias, independentes da sua vontade, relações deprodução que correspondem a um determinado graude desenvolvimento das forças produtivas materiais. Oconjunto destas relações de produção constitui a estru-

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Rio de Janeiro, 20(1): 43-61, jan/mar. 1980

._---- ---- ----- -- ---Uma discussão teorica ideologia neocapitalista e processo de burocratizaçaõ

tura econômica da sociedade, a base concreta sobre aqual se eleva uma superestrutura jurídica e política e àqual correspondem determinadas formas de consciên-cia social. O modo de produção da vida material con-diciona o desenvolvimento da vida social, política e in-telectual em geral. Não é a consciência dos homens quedetermina o seu ser; é o seu ser social que, inversamen-te, determina a sua consciência. Em certo estágio dedesenvolvimento, as forças produtivas materiais da so-ciedade entram em contradição com as relações deprodução existentes ou, o que é a sua expressãojurídica, com as relações de propriedade no seio dasquais se tinham movido até então. De formas de de-senvolvimento das forças produtivas, estas relaçõestransformam-se no seu entrave. Surge então umaépoca de revolução social. A transformação da baseeconômica altera, mais ou menos rapidamente, toda aimensa superestrutura. Ao considerar tais alterações énecessário sempre distinguir entre a alteração material- que se pode comprovar de maneira cientificamenterigorosa - das condições econômicas de produção, eas formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas oufilosóficas. Em resumo, as formas ideológicas pelasquais os homens tomam consciência deste conflito,levando-o às suas últimas conseqüências".'

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Há que se discutir se essas transformações consti-tuem uma revolução social nos termos acima ou seexatamente é ao nível dessas teorias que se podeapreender uma nova fase da ideologia dominante. En-fatizamos ainda que são nas formas ideológicas que oshomens tomam consciência dos conflitos e das contra-dições.

Seguindo esta linha de pensamento, afirmamos que aessência do modo de produção capitalista se mantém,uma vez que essas transformações estruturais, emboracontraditórias, tornaram-se necessárias para atenderao fim básico do capitalismo, que é o lucro. Na reali-dade, estas transformações possibilitam melhores con-dições para a acumulação de capital, 4 e caracterizam aterceira e última fase do sistema capitalista: a fase mo-nopolísta.'

Nossa discussão, tendo como núcleo a ideologianeocapitalista, requer a compreensão do processo deburocratização, visto ser este um aspecto da relevânciada mesma ideologia. Note-se que a burocracia vemconstituir .uma camada social que é a expressão maisacabada dessa ideologia na fase capitalista atual." Daperspectiva de nosso estudo, a abordagem de uma con-duz intrinsecamente à apreeensão da outra, no sentidode que o corpo burocrático só se constitui como tal sepossui uma visão de mundo centrada nesta ideologia, aqual encontra aí sua melhor expressão, conforme jáafirmamos.

Genericamente, observa-se uma burocracia estatalcomposta pelo funcionalismo público, e outra empre-sarial constituída pela estrutura gerencial. Nesta colo-cação a burocracia aparece com pertencimento tanto àinfra-estrutura (empresas), como à superestrutura (Es-tado), o que entra em choque com as formulações

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teóricas mais reconhecidas de burocracia, onde seupertencimento específico é supra-estrutural. 7

Certos autores afirmam ser indispensável a existên-cia de várias burocracias, isto é, há necessidade demais de um conceito para cobrir diferentes realidades."É uma questão por resolver. De nossa perspectiva, ointeresse específico é demarcar teoricamente a buro-cracia empresarial, situando os administradores e téc-nicos de empresa no conjunto das relações de classessociais. Para tanto, necessária faz-se uma análise doconceito de burocracia e de sua conexão com a ideolo-gia pós-liberal burguesa.

Retendo que as transformações estruturais discrimi-nadas pela ideologia neocapitalista se relacionam narealidade ao processo de acumulação capitalista, dis-corremos de início sobre algumas teorias que a nossover compõem ou colaboram par a formulação daquelaideologia. Através destas, poder-se-á detectar os traçosideológicos da visão de mundo dos alunos/administra-dores estudados e sua formação escolar. Esses concei-tos são posteriormente recompostos e recolocados emoutro nível interpretativo, possibilitando a elaboraçãoteórica da posição real e contraditória de tais adminis-tradores.

2. IDEOLOGIA NEOCAPITALISTA,BUROCRACIA E PROCESSO DEBUROCRA TIZAÇÃO:UMA COLOCAÇÃO

Na corrente de contribuições que ordenaram o desen-volvimento das teorias próprias da ideologia burguesapós-liberal, há com efeito destaques de importânciaconsiderável na formulação dessa ideologia.

Neste sentido, partimos de Weber, como o teóricoclássico da burocracia. Nele está a origem de teoriasposteriores que têm vinculação com a ideologia neoca-pitalista. As colocações weberianas fomentam formu-laçõesposterioresdistintas, mas que retêm como essencialo desmoronamento da luta de classes. Não se pretendeexaurir todos os aspectos dessas teorias, mas enfatizar al-gumas linhas representativas que, da perspectiva destetrabalho, são pertinentes. Assim, examinamos, do pontode vistamencionado, as teorias de 1.Bumham sobre a so-ciedade gerencial, de Galbraith sobre a tecnoestrutura, ede Crozier sobre burocraciae disfunção.

2.1 Max Weber

A inspiração para a ideologia neocapitalista está sub-jacente à riqueza do pensamento weberiano. A buro-cracia é categoria básica para Weber. Opõe-se em de-terminado sentido à classe social, encobrindo as re-lações entre classes, que são substituídas pelo autor emtermos de relações de autoridade. Esta burocracia ex-pressa a forma mais nítida de seu tipo ideal: a domi-nação racional legal, que ele por sua vez vincula ao ca-pitalismo.

A teoria weberiana sobre burocratização dá-nossubsídios para, de certa perspectiva, pensar em um ca-pitalismo industrial em constituição também nospaíses periféricos, permitindo caracterizar, em parte,

um processo de burocratização em formação no Bra-sil, calcado no chamado controle racional. Daí, pode-se compreender, num determinado sentido, a prolife-ração de cursos de administração nos últimos 10 anos,visando atender à necessidade de compor uma buro-cracia especializada, ou seja, de incorporar um contin-gente técnico-científico crescente, exigido pelo proces-so do desenvolvimento capitalista.

Para Weber, a categoria explicativa do capitalismo,a racionalidade formal, permite conceber o capitalis-mo como sistema racional, se pensado em termos decoerência na relação dos meios e dos fins visados. A,burocracia surge como expressão dessa racionalidade ecatacteriza-se pelo predomínio do formalismo. Daí anecessidade de regulamentos e normas escritas queprevêem os vários processos de relacionamento, in-formação e decisão na hierarquia burocrática, divisãohorizontal e vertical do trabalho e impessoalidade norecrutamento dos quadros. De forma mais sistemáti-ca, a burocracia traçada por Weber tem as seguintescaracterísticas:

1. Atribuições de funcionários fixadas oficialmentepor regras ou disposições administrativas.

2. Hierarquia de funções integradas em um sistema demando, de tal modo que em todos os níveis há uma su-pervisão dos inferiores pelos superiores.

3. Atividades administrativas manifestadas e baseadasem documentos escritos.

4. As funções pressupondo aprendizado profissional,com treinamento especializado.

5. O trabalho do funcionário exigindo que ele se con-sagre inteiramente ao cargo que ocupa (dedicação ple-na e tarefas específicas). .

6. Acesso à profissão sendo ao mesmo tempo acesso auma tecnologia particular (jurisprudência, ciência co-mercial, ciência administrativa).

Em complementação a estas características, obser-vamos a descrição da posição do funcionário, do buro-crata, que consta do seguinte:

1. O cargo é uma profissão (exige conhecimentos espe-cializados, a sua ocupação é um dever específico de fi-delidade - a serviço de um fim objetivo, impessoal, enão de uma pessoa, em troca da garantia de uma exis-tência assegurada).

2. O funcionário goza de prestígio social ante o subal-terno (prestígio garantido por estatuto especial, quelhe confere certos direitos, consagrados por regula-mento).

3. É normalmente nomeado por uma autoridade supe-rior.

4. A estabilidade do emprego é segura, embora nuncase reconheça o "direito de possessão" do cargo.

5. O burocrata recebe remuneração, salário fixo, regu-lar, retiro na velhice por meio de pensão.

6. Correspondendo a ordenação hierárquica das auto-ridades, o funcionário está colocado em um escalão se-gundo sua remuneração.?

Esta burocracia estabelece relações de autoridade, eé a expressão da eficiência, da lógica, da "razão téni-ca". Seus componentes devem atuar sine ira et studio,escoimados de quaisquer sentimentos, mantendo clara aseparação entre o homem e o cargo. É importante res-saltar ainda do pensamento weberiano que "( ... ) ogrande instrumento de superioridade da administraçãoburocrática é este: o saber profissional especializado,cujo caráter imprescindível está condicionado peloscaracteres da técnica e da economia modernas de pro-dução de bens, sendo completamente indiferente quetal produção seja na forma capitalista ou socialista".'?

Esta citação ilustra como o modelo de burocraciaweberiano se pretende neutro. A metodologia weberia-na, em sua posição inicial, é de motivação subjetiva;parte de juízo de valor, como é o caso da racionalidadeformal, mas ao desenvolver-se, no modelo montado deexplicação da realidade, reveste-se de neutralidade.Referindo-se a essa perspectiva weberiana, afirmaTragtemberg: "Se os juízos de valor aparecem ex-cluídos da ciênca, esta, para não perder seu carátercientífico, só justifica a eficácia dos meios, mas nãofunda a legitimidade dos fins" .ll

O modelo weberiano de burocracia permite-nos ca-racterizar a realidade social do capitalismo, embora se-ja insuficiente para explicá-la, ou seja, para apreendersuas determinações essenciais; ou ainda, se a burocra-cia é identificada à racionalidade formal, resta a inda-gação: a quem serve esta racionalidade?

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O destaque dado ao saber profissional especializadoe a formulação de que o saber técnico é neutro e poderealizar-se tanto sob o socialismo como no capitalis-mo, importando tão-somente sua eficiência, dá mar-gem à interpretação de que a burocracia tem um poderpróprio, podendo ser autônoma e servir a si própria,poder este legitimado pelo conhecimento.

No texto Parlamentarismo e Governo numa Alema-nha reconstruir/a, Weber salienta a incompatibilidadeentre burocracia e a atuação parlamentar real. Ressal-ta o aspecto nocivo à democracia da burocracia a opo-sição entre a "mente dirigente" e o "espírito em movi-mento" e a mentalidade do funcíonárío.» Esta ambi-güidade em Weber é retomada por vários autores. H.Jacoby interpreta-o no sentido de que apesar da "ad-miração pela precisão do funcionamento da adminis-tração burocrática com seu conceito sólido a respeitoda própria durabilidade, seu tema principal sempre foia necessidade de uma resistência à burocratização dasociedade" .13

Indagamos se esta ambigüidade no pensamento we-beriano não estaria vinculada a uma época de valorescontraditórios, visto que Weber vivencia o período de

Ideologia neocapitalista e burocratização

desmoronamento da ideologia burguesa liberal e deconstituição da nova ideologia burguesa pós-liberal.

Esta ambigüidade permite indagações tais como:uma vez que Weber identifica burocracia à racionali-dade formal do capitalismo, não estaria ele no limite,ao ver o "perigo" burocrático, negando o sistema ca-pitalista? Ou a montagem do modelo burocrático, talcomo é apresentada, em sua eficiência, durabilidade eneutralidade científica, não é uma forma de pretenderdiluir a luta de classes?

Essas indagações e outras deixadas pelas fissuras dopensamento weberiano levam-nos a teorias de autorespós-weberianos.

2.2 A sociedade gerencial

Nunca é demais explicitar que, para Weber, "o instru-mento capital da superioridade da administração bu-rocrática é a especialização, e a impossibilidade abso-luta de dispensá-la é condicionada pela técnica e eco-nomia modernas de produção de bens. Pouco importaque esta seja organizada de maneira capitalista ou so-cialista, pois se o socialismo quer chegar às mesmas

. realizações, significa que ele será obrigado a aumentarde maneira enorme a importância da burocracia espe-cializada" .14

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Isto nos remete à idéia, em Weber, de que a revo-lução no século XX seria "não dos operários, mas simdos funcionários" ,15 aspecto teórico esse exploradopor Burnham.

Em The Managerial revolution, James Burnhamchega a colocar a burocracia como uma classe social, oque provocou muita polêmica a partir da década de 40.Apesar da fragilidade da teoria, ela deixou sua marca einfluências posteriores, Burnham identifica os gerentesa uma nova classe média revolucionária contra o capi-talismo, como o fora a burguesia na sua luta contra aaristocracia e contrao feudalismo. Assim se expressa:"Sob esta interpretação, dizer que atualmente umacerta classe social, outra que não a burguesia, está lu-tando pelo poder e que ganhará esta disputa significanada-mais do que a predição que em um tempo compa-rativamente curto a sociedade estará organizada deforma nova e diferente" que colocará a classe em ques-tão na posição de classe dominante, que presidirá opoder e o privilégio. "16

Segundo o autor, configura-se uma nova ordem so-cial que não é nem capitalista, nem socialista, mastrata-se de uma sociedade gerencial. O poder desta no-va classe dominante está fundado no conhecimento eno monopólio da tecnologia. Desenvolve-se a partir daseparação entre propriedade e controle dos meios deprodução, controle este que estaria passando para ostecnólogos ou gerentes, ou, em termos atuais, para osburocratas especializados." Na medida em que o Esta-do, nesta nova ordem, tende a ser cada vez mais o pro-prietário dos meios de produção, e sendo o Estadocontrolado por estes gerentes, eles teriam o poder eco-nômico.

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"Os gerentes exercerão seu controle sobre os meiosde produção e ganharão preferência na distribuiçãodos produtos, não diretamente, mas através de seucontrole do Estado, o qual, por sua vez, possuirá econtrolará os instrumentos de produção. O Estado, ouseja, as instituições que o compõem serão, se desejar-mos colocar desta forma, 'propriedade' dos gerentes.E isto será o bastante para colocá-los na posição declasse dominante. "18

Nesta nova ordem social, não haveria ideologia dolucro empresarial, substituída por razões técnicas, co-mo maior produtividade e maior eficiência. "Quandoestas relações terminarem, a necessidade de lucro ter-minará também. Com a ajuda da direção estatal cen-tralizada, fluxo financeiro controlado, monopólio es-tatal do comércio exterior, trabalho compulsório,preços e salários controlados independentemente dequalquer competição livre de mercado, setores da eco-nomia ou toda a economia podem ser dirigidas paraobjetivos outros que não o lucro. A economia geren-cial não é mais um sistema de lucro. "19

Este Estado gerencial inclui Estados imbuídos de si-tuações e de ideologia distintas, como a Alemanha na-zista, a Rússia stalinista e os Estados Unidos sob oNew Deal, que não atuam de forma capitalista, porquenão buscam o lucro. Assim, afirma: "O Governo nãosó não tem lucro como, ao contrário, atua normal eadequadamente no mundo contemporâneo naquiloque é prejuízo do ponto de vista capitalista (... ). Entre-tanto, quando se retém que o Governo é agora o maiornegócio de todos, na esfera estritamente econômica,bem como em outras, a habilidade por ele demonstra-da em continuar atuando com prejuízo é intolerável doponto de vista do capitalismo e mostra que o funciona-mento do Governo na economia é implicitamente o deuma instituição não-capitalista" .20

Apesar da formulação simplista de Burnham, cujacrítica está incluída mais adiante, encontramos nestateoria a formulação-limite da burocracia em termos deuma classe gerencial, um dos traços indicativos daideologia pós-liberal. As pedras angulares destestraços são a divisão e o controle da propriedade, quepropiciam poder aos gerentes; um Estado que assumeperdas para o bem da coletividade, haja vista a não-necessidade do lucro; e, ainda, a superioridade de umaadministração "racional", "neutra", centrada em umgrupo social que se legitima pelo conhecimento.

2.3. A tecnoestrutura

Mais próximo de Weber, cujo enfoque de burocraciaestá na linha das relações de autoridade," defrontamo-nos com um destacado expoente da ideologia burguesapós-liberal. J .K. Galbraith, e com sua teoria de tec-noestrutura, a do poder compensatório."

A afirmação de Weber de que "o instrumento de su-perioridade da administração burocrática é o saberprofissional especializado" encontra-se enfatizada eexplorada em suas teorias.

Sua tecnoestrutura teoricamente também está fun-dada na "separação entre propriedade do capital econtrole da empresa, desde que o empresário não maisexiste como pessoa individual na empresa industrialamadurecida" ,23 ou seja, na grande empresa moderna.A teoria estabelece como premissa que o controle ema-na das mãos dos técnicos, dos especialistas que elabo-ram e/ou têm acesso à informação e ao poder de deci-são. As decisões não são tomadas individualmente,são o resultado do esforço coordenado de um grupo, apartir das inúmeras informações dos diversos técnicosespecializados.

Em relação a este tipo de tomada de decisão nas mo-dernas organizações econômicas, manifesta-se o au-tor: "De modo típico, valem-se do conhecimentocientífico e especializado, da experiência e das infor-mações acumuladas e do sentido intuitivo de muitaspessoas. Isto é, norteados por outras informações quesão reunidas, analisadas e interpretadas por profissio-nais que utilizam um equipamento altamente técnico.A decisão final será informada apenas se ela se valersistematicamente de todos aqueles cujas informaçõessão relevantes (... ). Adicionalmente, deverá existir ummecanismo para verificar a contribuição de cada pes-soa quanto à relevância e fidedignidade, à medida queessa contri buição é aplicada à decisão. ' '24

As tomadas de decisão desse tipo, segundo o autor,tornam-se necessárias no contexto atual da grandeindústria, porque a produção ligada à alta tecnologianão pode permitir-se erros. Por conseguinte, há neces-sidade do máximo de eficiência na previsão e planeja-mento, no sentido de garantir, por exemplo, mão-de-obra, mercado para a produção, etc.

A hierarquia dessa grande empresa vai da junta depresidentes, diretores, chefes de departamentos, etc.,aos especialistas, técnicos e outros funcionários. É aeste contingente técnico e aos outros funcionários queo autor faz referência especial, em termos de um poderao qual a própria cúpula estaria submetida. Isto por-que, para a tomada de decisões finais, estaria na de-pendêricia das informações e conhecimentos daqueles.

"Este último grupo é muito grande, estendendo-sedesde o mais graduado dos funcionários da companhiaaté encontrar-se, no perímetro externo, com os empre-gados de escritório e fábrica, cuja função é amoldar-semais ou menos mecanicamente às instruções e à rotina.Este grupo compreende todos aqueles que trazem co-nhecimentos especializados, talento ou experiência, àstomadas de decisões do grupo. Este, e não a adminis-tração, é a inteligência orientadora, o cérebro da em-presa. Não existe um nome para todos aqueles queparticipam das tomadas de decisões em grupo ou para aorganização que formam. Proponho chamar a essa or-ganização de tecnoestrutura.' '25

o autor sem dúvida traz uma contribuição, no senti-do de refletir-se sobre este contingente técnico, decerta forma autônomo, com determinado poder devi-do a seu conhecimento especializado, o qual constitui-ria aquele que verdadeiramente controlaria a grande

empresa, respondendo por seu destino, desde que é asua "inteligência orientadora". Retomamos a discus-são dessa teoria em tempo oportuno para verificar ailusão que ela encerra.

2.4 Burocracia e disfunção

Outros autores pós-weberianos, trabalhando tambémcom relação de autoridade, apreendem a burocraciaem termos de disfunções, as quais carecem de soluçõesem termos de serem geradoras de rotina, de opressão.Nesta linha se encontra Crozier .26

Referindo-se à ambigüidade do pensamento webe-riano, afirma que este fato levou a teoria sociológicade nossa época a conceber a burocracia como um bempor sua racionalidade, ou como um mal que dominaráo mundo, tendendo na sua maioria para a segunda po-sição. Daí resulta o pessimismo sócio-político do sécu-lo XX quanto à burocracia, sendo citados como exem-plos o pensamento de Trotsky, Rosa Luxemburg e W.Mills. Para Crozier, deve-se buscar soluções para aproblemática da burocracia, ao invés de tê-la como ummal inevitável. Nota-se, neste sentido, um distancia-mento de Weber, o qual, apesar da "admiração" pelaburocracia (conforme H. Jacoby), temia o seu avanço.

Crozier critica o modelo weberiano, porque a seuver a eficácia de uma organização não se resume nacombinação de impessoalidade e hierarquia. Há neces-sidade de que a organização tenha vida, isto é, de queseus subordinados sejam estimulados a tomar posiçõesnas decisões que hão de cumprir. Ao dar ênfase às re-lações sociais mais pessoais, com estímulo às decisões,revela a face da ideologia de integração à empresa.

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Crozier analisa duas grandes empresas francesas,exemplos da moderna organização, altamente raciona-lizadas, com uma burocracia bem desenvolvida.

Voltado para as características dessas organizações,concentra sua atenção no exame da repartição de po-der e nas estratégias usadas pelos indivíduos ou gruposneste empreendimento de luta pelo poder. Observa queem nossa época a função diretiva e as relações de po-der deixaram de ser intocáveis. Inclui os própriosoperários no corpo burocrático, pelo menos em termosde tendência. Afirma que as organizações modernasrevelam alto nível de precisão, como exigência estrutu-ral dos grandes monopólios, e também possuem umsistema burocrático de tendência centralizadora e im-pessoal que são formas de acabar com o arbítrio e dereduzir os riscos. Declara ao mesmo tempo ser im-possível acabar com toda a incerteza. "O protagonistado processo é a racionalização que tem como eixo a in-certeza. "27 Assim, este mínimo de risco aparece comofator de possível autonomia e jogo de poder no inte-rior do corpo burocrático. (Neste sentido, mesmo osoperários dessas grandes organizações poderiam ser-vir-se dela para fazer valer seus interesses.) Processa-se, entretanto, um círculo vicioso, no qual cada umadestas situações de incerteza .intensifica a impessoali-dade e a centralização.

Ideologia neocapitalista e burocretização

Segundo o autor, o esquema interpretativo utilizadonão se funda nas relações passivas dos agentes, mas emsuas reações ativas de busca de poder. Conclui quemesmo que este comportamento burocrático seja ri-tualista, constitui "um excelente meio de manter nassociedades modernas certos valores individualistas deum mundo pré-industrial" ,28 o que para o autor pareceser dar sentido ao trabalho, participando de uma obracomum.

Quanto à rigidez da burocracia, diz ser uma formaeficaz de proteger o indivíduo, no sentido de que: "Emuma sociedade e em um momento dado, em que os in-divíduos se encontram muito vulneráveis, será ne-cessário, para assegurar-lhes proteção, recorrer acírculos viciosos burocráticos, Donde se pode deduzirque a rigidez tende e tenderá cada vez mais a atenuar-se nas sociedades mais industrializadas, pois os in-divíduos estão, nelas, cada vez menos vulneráveis àsconseqüências dos conflitos e aos riscos de fracassopor moverem-se em um regime social muito mais ágil emuito mais complexo" .29

Em termos comparativos com Weber, apresenta-secomo "mais realista que o rei". Retrocede em termosde apreensão da realidade, com a imagem traçada daburocracia como forma de poder moderno positivapara todos, desde que solucionadas'as suas disfunções.Em Weber, o fenômeno é mais complexo, tanto as-sim que dá margem à discussão no sentido de a buro-cracia ser dominação ou instrumento.

48"Em princípio, Max Weber descreveu a burocracia

como uma instituição racional e eficaz para o alcancede determinadas metas, que trabalha a favor daquelesque tenham fixado as metas. Mas, por outro lado, as-sinalou em repetidas ocasiões que a burocracia se ane-xa cada vez mais às esferas da vida social, independen-te do dono que tenha. Sua conclusão foi que aindaque a organização burocrática coloque nas mãos dequem dela disponha o poder técnico mais desenvolvi-do, isto não quer dizer nada sobre o efeito que pode tera burocracia enquanto tal em suas concepções dentrodo quadro social em que opere. Neste sentido utilizou-se da expressão servidor dominante. "30

Estão presentes na teoria do fenômeno burocráticode Croziercomponentes da chamada filosofia da pro-dutividade, tais como: idéia de co-participação de to-dos pela distribuição de poder; crítica à impessoalida-de (em Weber), no sentido de que se deve estimular osagentes da organização a serem ativos, para que a or-ganização tenha vida; influência nas decisões de podere detenção de certa autonomia de baixo para cima, de-vido às incertezas; atuações essas que permitem um ti-po de "democracia possível". Esses aspectos tornam oautor um representante eloqüente da ideologia neoca-pitalista.

3. BUROCRACIA, IDEOLOGIANEOCAPlT ALIST A E CLASSE SOCIAL

Trata-se de desmistificar, neste item, a autonomia daburocracia, tal como pretendida em graus diversos pe-

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los teóricos antes examinados, Decorre que esta pre-tensa "autonomia", na forma colocada, é um dostraços mesmos da ideologia neocapitalista. Neste senti-do, realizamos preliminarmente a análise crítica dosaspectos mais importantes da "nova" ideologia bur-guesa, e, em seguida, ainda que de forma incipiente,caberá discutir e questionar sobre a posição real da bu-rocracia no conjunto das relações sociais básicas.

3.1 Uma primeira premissa crítica básica: colocaçãode classe social

As teorias sociedade gerencial, tecnoestrutura e buro-cracia livre de suas disfunções utilizam-se de categoriasque, antes de explicar a realidade, a encobrem.

A existência de uma burocracia especializada é umarealidade e o aumento crescente de sua influência nasociedade contemporânea é um fato. É preciso averi-guar o que significa este poder e delimitar o seu âmbitodecisório. A colocação de que este poder é "neutro","apolítico", porque fundado no conhecimento, trazimplícita a possibilidade de uma posição histórica au-tônoma, situação essa que precisa ser revista e reelabo-rada em termos de sua posição no conjunto das re-lações sociais básicas.

A burocracia weberiana explica uma faceta do siste-ma capitalista, mas não abrange todo o sistema. Comoobjeto da teoria gerencial, não é classe social, nem su-jeito da história, tal como a pretende inadequadamen-te Burnham. Há que colocá-la mais como uma catego-ria social, conforme veremos adiante, e com tal nãopossui sustentação para uma posição histórica autôno-ma, que é a condição de classe social. Enquanto cate-gorias teóricas de Galbraith e Crozier, apresentam umgrau de autonomia também irreal, "socializante", econstituem expressão das mais elaboradas da ideologiaburguesa pós-liberal.

A nosso ver, apesar da insuficiência da teoria declasses marxista, presente nos debates acirrados entreestruturalistas e historicistas, ainda não se encontrououtro instrumento mais eficaz de explicação da reali-dade social capitalista.

De momento, acatamos a posição de Stavenhagen,de Quenão podemos confundir uma posição ocupacio-nal (a dos gerentes, tecnólogos) com uma posição declasse. Só podemos definir classe diante do processo deprodução, isto é, relativo ao antagonismo capital-trabalho. Realmente, ao nível ocupacional, está ha-vendo a ascensão de uma "nova classe média" , se pen-sada em termos de estratificação em geral. Entretanto,classe social só pode ser definida numa teoria de clas-ses, isto é, em relação aos meios de produção, e nestesentido "representam as contradições internas funda-mentais do sistema e são forças que levam à transfor-mação radical deste. A base do antagonismo, da con-tradição está (... ) na posição diferencial das classescom respeito aos meios de produção e que permite quea mais-valia produzida por uma delas seja apropriadapela outra" .31

Portanto, burocratas, gerentes e tecnólogos nãoconstituem classe social, não têm a autonomia preten-dida, mas configuram urna categoria. Trata-se, deinício de não identificá-los a uma classe social. Por ou-tro lado, também é insuficiente confiná-los a uma ca-tegoria profissional, conforme a formulação de Stave-nhagen (pelo menos no texto acima). Recolocá-los emseu devido papel na dinâmica das relações de classe é oproblema que abordaremos adiante. Para comporuma formulação teórica, aceitamos de momento a dePoulantzas de que "por categorias sociais podemosentender, mais particularmente, conjuntos sociais co-mo efeitos pertinentes', que podem tornar-se, comoLenine demonstrou, em forças sociais cujo traço dis-tintivo repousa na sua relação específica e sobredeter-minada com outras estruturas além das econômicas;(este) é nomeadamente o caso da burocracia, nas suasrelações com o Estado" .32

3.2 Crítica à ideologia da co-participação

Wright Mills é um pós-weberiano que incorporou al-guns aspectos da teoria das classes sociais, no nível dasrelações de dominação. A interpretação que faz dessacategoria gerencial, burocrática até onde se estende seupoder decisório, pelo menos na hierarquia empresa-rial, alcança um certo teor explicativo. As relações deautoridade, tal como colocadas por Crozier e Gal-braith, encontram aqui certa recolocação.

Segundo Mills, os white collars estão dispostos emdiferentes posições na hierarquia organizacional, gra-duados de acordo com o seu cargo, o qual lhes conferediferentes graus de poder para tomar iniciativas, pla-nejar e executar tanto o próprio trabalho como o dosoutros, mas sempre dependentes de níveis superiores.

o interesse está em saber a que nível participam dasdecisões. O autor refere-se a participação em doisníveis, quais sejam: o nível de produção e o das deci-sões políticas da empresa. Nos escalões referentes aoprocesso de produção as decisões são mais autônomas,e aí encontra-se meia aproximação com a tecnoestrutu-ra de Galbraith. Entretanto, as decisões de maior im-portância, as referentes aos interesses da corporaçãoao nível macroestrutural, são de âmbito dos escalõesde cúpula. O importante está em que o processo demobilização nos primeiros assemelha-se ao de buro-cratização, isto é, tempo de trabalho e eficiência, en-quanto nos segundos os elementos dos escalões dacúpula são escolhidos por sua relação com a proprie-dade.

Sob esta interpretação, estaria definida uma posiçãodos gerentes e de outros membros da burocracia orga-nizacional diante da contradição capital-trabalho. Au-tores como W. Mills;" P. Baran.>' P. Sweezy" defi-nem-se pró-capital. Trata-se de assalariados de altonível servindo ao capital, e neste sentido estaria des-mistificada a neutralidade do poder burocrático. A ra-cionalidade formal serviria a um grupo social que nãoos próprios burocratas, dispostos numa ascensão ra-cional até níveis decisórios extremados, Seguindo a li-nha de pensamento desses teóricos,· poder-se-ia afir-

mar que, na realidade, a burocracia especializada, do-tada de administração racional, constitui a forma maisbem acabada de exploração e de maximização de lu-cros por aqueles que detêm o capital. A separação dapropriedade e o controle dos meios de produção signi-ficaram maior eficiência da ação empresarial e maiorconcentração do poder de propriedade, no qual váriasempresas compartilham da mesma direção e poucosmanobram várias corporações, utilizando-se do co-nhecimento fornecido por esta hierarquia gerencial.

Observa Mills que, neste estágio do capitalismo, a"propriedade não se situa tanto sobre coisas pos-suídas, mas no domínio da experiência e na manipu-lação dos que não as possuem", e que "a gerência é oethos dos altos círculos - concentrar o poder em pou-cas mãos, e dar aos subordinados a impressão de queeles também participam (... ), mantendo um controlerígido sobre os outros, mas não os dominar, e sim àssuas experiências" .36

Esta elaboração teórica de Mills tem um mérito in-discutível no que diz respeito à crítica da ideologia daco-participação da maioria dos funcionários da empre-sa, traço ideológico tão caro a Crozier como a Gal-braith.

Por outro lado, sua idéia da relação desigual nashierarquias organizacionais, estendida ao nível ma-croestrutural, revela sua concepção de elite do poder,entendida como sendo os "altos" da organização, for-mada pela elite empresarial, militar e política em que"a sociedade se torna um entrelaçamento complicadode hierarquias públicas e privadas e, em sua base, seto-res cada vez mais numerosos são controlados e mano-brados" .J7

49

Endossamos Mills nesta sua abrodagem crítica àideologia da co-participação na empresa; entretanto, édiscutível seu conceito de elite do poder, cuja críticamais específica será feita oportunamente. Por ora, pa-ra que haja coerência com a perspectiva deste traba-lho, há que se recuperar, de certa forma, o conceito declasse social. A crítica que Sweezy faz ao autor serve-nos neste sentido. Ele se expressa nos seguintes termos,depois de ir reduzindo os três "grandes domínios",dos políticos, dos militares e das companhias, ao úl-timo: "( ... ) os fatos simplesmente não se ajustam àteoria de Mills, de três (ou duas) elites que se reúnempara formar uma elite geral. O que temos nos EstadosUnidos é uma classe dominante, com suas raízes pro-fundamente crivadas no 'aparelho de apropriação',que é o sistema de companhias. Para compreender estaclasse dominante - sua metafísica, seus objetivos esua moral- precisamos estudar não certos 'domínios'da vida norte-americana, definidos como forem, mastodo o sistema do capitalismo monopolista" .38

3.3. Uma crítica mais sistemática dos traços básicos daideologia neocapitalista

Estas teorias referentes à ideologia neocapitalista, comseu aspecto "socializante", servem para escamotear o

Ideologia neocapitalista e burocratização

domínio do capital monopolista.v Estas teses, de umaracionalidade superior, de uma tecnologia, quer ma-quinária, quer organizatória neutra", falseiam a irra-cionalidade no que concerne à vida humana e, no dizerde Marcuse, encobrem que "o a priori tecnológico éum a priori político" .40

Poderíamos dizer que Weber negligencia que este "apriori tecnológico é um a priori político" ao identificar"racionalidade formal" com capitalismo, e se distan-cia de seu diálogo com Marx, em que este enfoca ooposto, ou seja, que a economia contemporânea é ba-sicamente irracional, "irracionalidade que resulta deuma contradição entre o progresso tecnológico ració-nal das forças produtivas e as cadeias da propriedadeprivada, do lucro privado e da anarquia da pro-dução" .41

50

Em nosso estudo, o que podemos buscar em Webere em seu modelo de burocracia são as características epressupostos teóricos que permitam classificar, de cer-ta perspectiva, a nossa burocracia em formação, onosso administrador em formação e o grau de "racio-nalidade formal" alcançado no atual estágio de desen-volvimento brasileiro, na faixa que demarcamos. Istosignifica que as teorias de Weber e dos outros autoresrepresentantes mais diretos da ideologia neocapitalistasão instrumentos pelos quais podemos delimitar onível de incorporação, pelos nossos administradores,dessa ideologia burguesa pós-liberal. Subjacente, per-manece o diálogo com Marx, quanto à explicação daatuação, quanto aos fins desta burocracia especializa-da, quanto à consciência que pode ter a mesma da nos-sa realidade social, e quanto ao papel histórico quevem assumindo ou pode assumir na sociedade brasilei-ra.

Pelo fato de que estas teorias explicitam os própriostraços ideológicos passíveis de compor a visão de nos-so administrador em estudo, é que discorremos sobreum mínimo de suas posturas teóricas. Por outro lado,procuramos contrapormo-nos a tais "teorias", bus-cando conceitos que nos auxiliem a compor uma po-sição em face desta ideologia e da burocracia. Posiçãoesta que retenha, em última instância, que o capitalis-mo se define pelo seu sistema de propriedade, e que ascontradições deste têm na ideologia um campo impor-tante para a tomada de consciência do conflito,

Ao utilizarmos ideologia, fazemo-lo como "forma'de consciência social", correspondente a uma estrutu-ra econômica determinada.v bem como no sentidogramsciano de "cimento" que une toda estrutura so-cial e permeia as relações sociais, seja na infra-estrutura - as relações de produção, ou na superestru-tura - as relações de poder, no sentido de manter opredomínio da classe dominante, como visão de mun-do organizativa desta classe." Neste sentido, podemosapreender a ideologia neocapitalista. A burocracia es-pecializada, como espressão dessa ideologia, atua nosdois níveis: no primeiro, como componente do quadrogerencial da empresa, e principalmente no segundo, noBstado," a cujas outras funções específicas foramacrescidas a intervenção pública e o planejamento.

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Esta ideologia neocapitalista apresenta-se como aexpressão de uma "revolução" ,45 e tem elaboradostraços distinguíveis em ambos os níveis estruturais,conforme vistos nas teorias comentadas, não sendomais que uma "nova" ideologia burguesa. Os seuscriadores seriam realmente aquilo que Gamsci denomi-na intelectuais orgãnícos,« ainda da própria classeburguesa. Embora expressem os interesses do grandecapital, não estiveram ou estão ligados diretamente aeste, mas sim a certas forças culturais, e constituem"não somente aquelas forças culturais que eram e sãoa expressão subalterna do grande capital, mas que seantecederam a estes interesses, e foram por isso critica-dos" .47 Há que se pensar que "as ideologias burguesasse desenvolveram no curso de processos inicialmentecombatidos pelos centros de decisão existentes, quesão conservadores por natureza" .48

Observemos mais uma vez, e de forma mais sintéti-ca, estes traços ideológicos.

Ao nível econômico, desmoronam-se as relações deprodução capitalista, desde que a posse privada dosmeios de produção perdem o seu significado real, coma separação da direção e da propriedade da empresa,bem como com a qualificação gradual da mão-de-obrae sua incorporação numa espécie de "nova classe", nacomposição de uma empresa "cooperativista". Infun-de-se à indústria um novo sentimento de responsabili-dade social, que caminha paralelo à não-necessidadede lucro.

Ao nível político, as relações de poder também so-frem um abalo, em termos de ser um Estado capitalis-ta, que representa os interesses fundamentais da classeburguesa. O desenvolvimento do Estado intervencio-nista, ou seja, a intervenção governamental em âmbi-tos diversos, como planejamento econômico, ser-viços de bem-estar, de instituições de defesa dos consu-midores, a par da revitalização dos sindicatos em no-vas bases e com novas funções, cria a imagem de umEstado que reduz a importância tradicional da riquezaprivada e assegura a supremacia da justiça social, e deuma "nova democracia" .

Detenhamo-nos na perspectiva ideológica do níveleconômico, que diz respeito a uma participação cres-cente dos técnicos e operários qualificados na direçãoda empresa, devido a:

1. Separação do controle e da propriedade da empresa.

2. Um novo tipo de empresa "esclarecida" que podedispensar o lucro.

Esta tese da co-participação refere-se à "ideologiada integração do trabalhador na empresa, que se apegaao desenvolvimento de novos tipos de relação entre di-rigentes e trabalhadores, no quadro de novos sistemasde organização e de remuneração do trabalho, ou àpromoção dos trabalhadores a uma 'corresponsabili-dade' na persecução de objetivos da produção da em-presa capitalista, ou, finalmente, à transformação dostrabalhadores em poupadores e co-acionistas" ,49

Em parte, já observamos criticamente este traço daideologia da co-participação. Trata-se, na realidade,de formas de manter a auenação operaria e de aumen-tar a sua exploração com as novas conquistas da tecno-logia. Elabora-se a chamada "filosofia da produtivi-dade" ,50 de economizar o tempo de trabalho, de pren-der o operário à empresa.

Um conceito imprescindível para a compreensãodeste fenômeno é o de mais-valia relativa; dada a suaimportância, transcrevemos alguns excertos do pró-prioMarx.

"Suponhamos agora uma jornada de trabalho cujaextensão e cuja repetição em trabalho necessário e emtrabalho excedente sejam dadas. As linhas a-c, ou sejaa-b-c, representam, por exemplo, um dia de trabalhode 12horas; o segmento a-b, 2 horas de trabalho exce-dente. Como aumentar a produção de mais-valia, istoé, como prolongar o trabalho excedente, sem prolon-gar a-c ou independentemente de qualquer prolonga-mento de a-c? (... ) A extensão do trabalho excedentede b-c para b'«:', de 2 para 3 horas, é evidentementeimpossível, se ao mesmo tempo não for contraído otrabalho necessário de a-b para a'sb', de 10 para 9 ho-ras. À prolongação do trabalho excedente correspon-derá a redução do trabalho necessário, ou parte dotempo de trabalho que o trabalhador até agora utiliza-va realmente em seu benefício transforma-se em tempode trabalho para o capitalista. O que muda não é a du-ração da jornada de trabalho, mas seu modo derepartir-se em trabalho necessário e trabalho excedente(... ). Com o valor desses meios de subsistência tem-seo valor de sua força de trabalho, e dado o valor de suaforça de trabalho tem-se a duração diária do trabalhonecessário. Obtém-se a magnitude do trabalho exce-dente, subtraindo-se da jornada de trabalho o tempode trabalho necessário. (... ) Dada a duração do dia detrabalho, o prolongamento do trabalho excedente temde ser decorrência de se haver contraído o tempo dotrabalho necessário, e não o contrário, essa contraçãoser uma decorrência do prolongamento do trabalhoexcedente. Em nosso exemplo, o valor da força de tra-balho deve diminuir realmente (... ) (de modo que) seproduza em 9 horas a mesma quantidade de meios desubsistência que antes se produzia em 10. Isto, porém,é impossível sem aumentar a produtividade do traba-lho (... ). É mister que se transformem as condiçõestécnicas e sociais do processo de trabalho, a fim de au-mentar a força produtiva do trabalho. Só assim podecair o valor da força de trabalho e reduzir-se a parte dodia de trabalho necessária para produzir esse valor.Chamo de mais-valia absoluta a produzida pelo pro-longamento do dia de trabalho e de mais-valia relativaa decorrente da contração do tempo de trabalho ne-cessário e da correspondente alteração na relaçãoquantitativa entre ambas as partes componentes dajornada de trabalho (... ). O valor de uma mercadorianão é determinado apenas pela quantidade de trabalhoqUI;!lhe dá a última forma, mas também pela quantida-de de trabalho contida em seus meios de produção(... ). Poupança de trabalho por meio de desenvolvi-mento da produtividade do trabalho não tem como

fim atingir, na produção capitalista, a redução da jor-nada de trabalho. Seu objetivo é apenas reduzir o tem-po de trabalho requerido para produzir determinadaquantidade de mercadoria. Que o trabalhador produzaagora, em uma hora, 10 vezes mais mercadorias queantes, precisando de 10 vezes menos tempo de trabalhopara produzir cada unidade, não impede de nenhummodo que o capitalista continue fazendo-o trabalhar12 horas, para produzir, nessas 12 horas, 1.200 unida-des, em vez das 120 anteriores. Sua jornada de traba-lho pode mesmo ser simultaneamente prolongada, demodo a produzir, em 14horas, 1.400 unidades. "51

A exata dimensão do conceito acima deixa maistransparente as formulações da ideologia neocapitalis-ta. Sob estas formulações e proposições encontram-seos meios de programar melhor, num certo períodomédio, os custos da produção e os custos do trabalho,no qual a previsão do salário aparece como fatorbásico da grande empresa.v Neste sentido, registra-seuma tendência a "remunerar a força de trabalho nãoem função de seu valor, mas sobretudo em função desua integração na organização de produção, no inte-rior da empresa. Tende-se, assim, a remunerar não ovalor da força de trabalho mas a sua capacidade derendimento; não o custo individual e social exigíveispara a formação da força de trabalho, mas o trabalhoque esta fornece em função das necessidades cambian-tes da empresa" .53

Afirma Trentin que surge assim uma nova forma deremuneração, que é a dos "postos de trabalho", queimplica a destruição da qualificação profissional. Emsuma, a ideologia da divisão entre controle e proprie-dade da empresa pretende a superação do conflito en-tre classes pela subtração do salário às leis do merca-.do.

51

Para poder fazer operar a sua teoria do lucro, Tren-tin foi elaborar a teoria de uma empresa "sem capita-listas" ,54 que acaba com aqueles que "recebem lucros,e aqueles que recebem salários", colocando-os sob omesmo título de repartição de ganhos de uma empresacooperativista, de atuação de um corpo gerencial bu-rocrático, que é outra faceta do mesmo fenômeno.

Examinemos criticamente este aspecto da ideologia.De início esses gerentes, burocratas que "controlam"a empresa, tendem a estar próximos aos proprietáriosem termos de aspirações, por respeito às instituições depropriedade e a outros valores sociais (até mesmo pelaformação semelhante, ou a mesma procedência esco-lar). Mas isto não constitui o essencial. O rebatimentodesta tese da empresa "pensante", cooperativa, que"pode dispensar o lucro", está na própria lógica eco-nômica do mercado, ou seja, "as decisões dos admi-nistradores terão de ser justificadas em termos de mer-cado, assim como a falência no mercado frustrará to-do tipo de ambição pessoal, e ameaçará privar os ad-ministradores de sua função administrativa" .55

Na realidade o modo de administrar "moderno",em suas determinações últimas, não difere de seus an-teriores. A busca ao lucro era primordial, como o é

IdeologÚl neocapitalista e burocratização

atualmente. e a oposição podutividade-Iucratividadenão tem sentido. VIncula-se à colocação na nova ideo-logia da diferença entre as empresas geridas profissio-nalmente e as administradas pelo proprietário, em ter-mos de oposição entre duas formas de distribuição delucro. Nesta colocação confere-se às primeiras maiorênfase na distribuição dos dividendos, em atendimentoao acionista, e maior interesse demonstrado pelo bem-estar do empregado e da comunidade. Nas segundas,haveria uma opção de distribuição de dividendos me-nores, devido a um maior investimento na empresa eque diz respeito ao seu crescimento.

Na verdade, benefícios extra-salariais e de bem-estarpara a comunidade podem ser uma necessidade do ca-pital, ou uma forma de prender o empregado especiali-zado à empresa. Ao mesmo tempo, há necessidade de,a longo prazo, se distribuir grande parte do lucro aosacionistas, porque de outro modo a reinversão dos lu-cros na companhia, aumentando o seu valor, eleva emconseqüência o valor das ações.

52

Enfim, "numa economia capitalista, o crescimentonunca se poderá opor como meta à acumulação do ca-pital e à realização de lucros. (... ) O administrador'moderno' responsável terá provavelmente como metaum lucro 'razoável', ao invés de sua maximização acurto prazo. Com este procedimento, não estará igno-rando as pressões do mercado, nem agindo de modotão diferente de seus predecessores do século XIX. Osdividendos não podem ser demasiadamente baixos,pois futuramente se tornará difícil atrair compradorespara as ações e o administrador 'responsável' presumi-velmente desejará que exista uma ampla margem de se-gurança entre a sua empresa e as ameaças de uma to-mada de controle ou o tribunal de insolvência" .56

Neste sentido, conforme Marx, são as leis do capita-lismo que se impõem às determinações individuais.

"O capitalismo sujeita todos os capitalistas indivi-duais às leis imanentes da produção capitalista comoleis externas coercitivas. A competição força-o conti-nuamente a estender seu capital a fim de mantê-lo (... ).Empenhado fanaticamente em conseguir a expansãodo valor, ele (o capitalista) impele inexoravelmente osseres humanos. à produção pela própria produção,proporcionando o desenvolvimento da produtividadesocial e a criação daquelas condições materiais de pro-dução que podem, sozinhas, constituir bases reais deum tipo superior de sociedade, cujo principal funda-mento é o desenvolvimento livre e integral de cada in-divíduo (... ) aquilo que no avarento assume o aspectode mania, é no capitalista o resultado do mecanismosocial do qual ele é apenas a roda da direção. "57

Em suma, mais do que nunca a humanidade poderiaviver o "reino da abundância", graças aos conheci-mentos tecnológicos alcançados, mas encontra-se pre-sa às cadeias das leis do mercado capitalista. Destaforma, aqueles conhecimentos e a gerência profissio-nal do capital resultam na forma mais adequada deacumular, e refletem de modo mais eficaz a racionali-dade de mercado do que a administração anterior.

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"O lucro permanece não somente o produto de umarelação de exploração e, portanto, uma contradiçãopermanente entre capacidade de produção e capacida-de de consumo.como também a medida - e, ao mes-mo tempo, O limite - da eficiência capitalista, do pon-to de referêricia necessário para a avaliação da rentabi-lidade. (... ) (Enfim), o critério da produtividade máxi-ma substituiria aquele da rentabilidade máxima. "58

Paralelamente, esta ideologia reivindica um planeja-mento por parte do Estado que mantenha o equilíbriodos vários poderes (sindicatos, partidos, etc.), de for-ma a forçar e a assegurar estas condições de produtivi-dade máxima, de processo de acumulação a longo pra-zo.

Em conclusão, esta nova ideologia burguesa, vistado ponto de vista crítico, assume e exprime a contra-dição básica do desenvolvimento capitalista - aqueleexistente entre o desenvolvimento das forças produti-vas e a natureza das relações de produção. Ela procuradar uma "interpretação superficial e falsa dessa con-tradição e propõe uma solução que se revela, no limite,como utópica e reacionária. Entretanto, exprimetambém a tentativa de vastas camadas de 'intelectuaisda produção', de técnicos, no sentido de adquiriremuma autonomia cultural e ideológica, bem como umaautonomià política diante do sistema" .59

A posição dessa burocracia, que vimos tentando de-linear, se apresenta sob a perspectiva infra-estrutural,em sua atuação nas empresas privadas e públicas, eiva-da da contradição básica do sistema. Contradição estaque lhe permeia o comportamento e a consciência -de busca de autonomia e de presa do sistema - que re-vela o seu nível de alienação.

A discussão crítica sobre a ideologia neocapitalista éimprescindível para posicionarmos nosso objeto deanálise - os administradores em formação/cursos deadministração - desde que, enquanto ideologia domi-nante, ela permeia as relações sociais, quer ao nível su-perestrutural ou infra-estrutural. Quanto à posição e àatuação da burocracia na superestrutura, a pro-blemática de um planejamento por parte do Estado,que se remete à sua posição em relação ao sistema so-cial global, ou no conjunto das classes sociais, é o quediscutiremos a seguir.

4. LOCALIZAÇÃO DA BUROCRACIA NADINÂMICA DAS CLASSES SOCIAIS

Até então, vimo-nos referindo à burocracia da empre-sa utilizando-nos de autores nos quais não se evidenciadistinção entre burocracias. Por outro lado, autorescomo Poulantzas, Althusser e Gramsci deixam claroque o caráter específico daburocracia é seu pertenci-mento à supra-estrutura. Enfocam o estudo da buro-cracia e do processo de burocratização como fenôme-nos "políticos" , que explicam por meio de determina-<iascategorias teóricas por eles criadas.

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Sob esse prisma, os administradores em formaçãoque vamos focalizar, que são ou serão participantes deuma burocracia, estão deslocados teoricamente. Comoadministradores, fazem parte da burocracia organiza-cional (para usar uma nomenclatura) e pertencem àinfra-estrutura, ou seja, ao mundo da produção. Nestesentido, é de indagar-se: participam da burocracia?Pertencem a uma burocracia?

Em Weber, o conceito, com toda a sua caracteri-zação, refere-se tanto à burocracia estatal como à em-presarial. Pode-se concluir que são duas dimensões domesmo fenômeno? Esta é uma questão em aberto.

Cremos válida a discussão nos termos dos autoresacima, na consideração da burocracia como fenômenopolítico, por dois motivos:

1. Por uma pertinência direta à outra faceta de nos-so objeto, os cursos de administração. Visto que, co-mo esclarecimento teórico, estes se constituem, con-forme afirmamos antes, em transmissores prováveis epossíveis criadores da ideologia neocapitalista. Quemcria e veicula teoria e ideologia nestes cursos que for-mam administradores são professores, coordenado-res, etc. Enfim, um corpo de intelectuais. São compo-nentes de uma categoria social, nos termos de Gramsci- "funcionários da classe dominante na superestrutu-ra". Eis que a compreensão da escola de adminis-tração de empresas, situada que está na superestrutu-ra, nos remete à discussão de pelo menos algumas des-tas formulações teóricas.

2. De forma indireta, pelos administradores situa-dos na máquina burocrática empresarial. Ou seja, háque se pensar no possível entrelaçamento das duas di-mensões burocráticas: estatal e empresarial, o qual vaidesde possíveis pressões da burocracia empresarial naorientação da filosofia da universidade, da escola emgeral, a formas mais amplas. Formas estas que estãona dependência da dinâmica do poder entre as classessociais básicas. Ambas as dimensões burocráticas sãoexpressões da ideologia dominante - burguesa pós-liberal - e sofrem as contradições específicas da mes-ma. Ambas podem conjuntamente participar do mes-mo destino histórico, ou seja, sua possível transfor-mação em forças sociais.

Uma vez aceitos estes motivos, indaga-se:

a) por que a "ótica marxista da luta de classes é obscu-recida ou deformada em favor de uma concepção idea-lista de Estado, de intervenção pública e de planeja-mento"?

b) por que sob a ótica da luta de classes e de uma revo-·lução socialista se instautou uma "nova" ideologiaburguesa, e uma "revolução deformada", a pretensarevolução tecnocrática? Qual é o papel da burocraciano contexto global?

4.1 Burocracia ou burocracias?

Poulantzas defende a unidade da burocracia, e nestesentido critica Whight Mills, quando este classifica aburocracia como os "altos" das cúpulas organizacio-nais, por sua ligação com a propriedade, conforme foireferido anteriormente.

Assevera que é por uma reação crítica à teoria mar-xista ao nível político que surgem as teorias das elites(em diferentes níveis, Burnham, W. Mills e outros), re-ferentes ao problema do determinismo econômico.Aqui se insere a crítica específica a W. Mills, em ter-mos da substituição de classe dominante por elite dopoder. Para Mills, classe dominante é uma expressãocheia de conotações indesejáveis.

'''Classe' é um termo econômico; 'dominante', épolítico. A expressão encerra, portanto, a teoria deque uma classe econômica domina politicamente. Essaexplicação simplista pode não ser por vezes autêntica,mas não desejamos tê-la implícita nos termos que usa-mos para definir nossos problemas. Procuramos for-mular as teorias explicitamente, usando expressões desentido mais preciso e unilateral. A expressão 'classedominante', com suas conotações políticas habituais,não atribui autonomia bastante à ordem política e seusrepresentantes, e nada diz sobre os militares. É per-ceptível, a esta altura, que não consideramos adequa-da a opinião simplista de que os homens da alta econo-mia tomam, unilateralmente, todas as decisões de im-portância nacional. Sustentamos que o 'determinismoeconômico', deve ser complementado pelos determi-nismos 'político' e 'militar'. Pois que os altos agentesde cada um desses domínios têm freqüentemente umapreciável grau de autonomia, e somente pelos proces-sos complexos da coalizão tomam e põem em práticaas decisões mais importantes. São essas as razões prin-cipais pelas quais preferimos 'elite do poder' e não'classe dominante' como frase caracterizadora das al-tas rodas quando consideradas em termos de poder. "60

53

Poulantzas critica Mills colocando que, se ele pre-tendia apreender as relações da burocracia no nível es-pecificamente político, não o conseguiu. Os "altos"das várias hierarquias constituem um centro unifica-dor, que seria o do grupo de rendas altas e portanto"essa concepção que queria superar o chamado deter-minismo econômico marxista e examinar o funciona-mento autônomo da burocracia parece precisamentediluir o problema em um sobredeterminismo econôrni-CO".61

Cremos que, se Mills não apreendeu o especifica-mente político da burocracia, suas reformulaçõesteóricas não estão entretanto invalidadas para se com-preender a diversificação burocrática dentro da orga-nização empresarial. E ainda há que observar que seMills tende a um "scbredeterminismo econômico",como o acusa Poulantzas, este, por sua vez, não conse-gue livrar-se de certa tendência ao voluntarismo, con-forme veremos.

Estas teorias das elites, segundo Poulantzas, têmuma concepção de Estado como mero instrumento da

Ideologia neocapitalista e burocratização

classe dominante. Assim sendo, não lhes é possívelapreender a certa autonomia que a burocracia possuiem relação a esta classe. Também confundem "poderde Estado" com "aparelho de Estado", tomando estecomo fundamento do poder, o que, em conseqüênciaconferiria um poder próprio à burocracia de Estado.

Explicita Poulantzas que o específico da burocraciaé sua ligação com a classe política, em termos de apa-relho de Estado, e não de poder de Estado. Neste senti-do, ela é a própria expressão dos interesses políticos daclasse dominante ou de fração dela. A sua relativa au-tonomia está na dependência do lugar do Estado noconjunto de forças de uma formação social e de suasrelações complexas com as classes ou frações de clas-ses. Retomamos, em parte, esta discussão mais à fren-te.

Enfatizando o problema da unidade e coesão dessacategoria social que é a burocracia, argumenta Pou-lantzas que as teorias das "elites políticas" concebema burocracia em termos de uma pluralidade de fontesde poder. "Acaso poder-se-á dizer que os 'altos sindi-calistas', o 'alto pessoal' de todos os partidos políticosimportantes, os 'altos gerentes' dos monopólios, os'altos burocratas' do Estado - que constituem, segun-do estas teorias, categorias dirigentes ao mesmo título_ apresentam uma unidade política? "62

54

Por outro lado, encontramos em Lefort" posiçaooposta a uma só conceituação de burocracia. Chamaatenção para o fato de que um só conceito nem semprevem cobrir todos os tipos de burocracia. Neste sentido,caracteriza a burocracia do Estado, a burocracia dasorganizações e a burocracia do partido de massa.

Enfim, como ficamos em nossa análise dos adminis-tradores, da nossa burocracia ligada às organizaçõesque basicamente estão vinculados a empresas privadasou estatais, ou seja, que são "agentes" da infra-estrutura?

o próprio Poulantzas fornece uma possível indi-cação, através do que denomina "homologias" do bu-rocratismo. Segundo o autor, o burocratismo ou buro-cratização e a burocracia são fenômenos próprios doEstado capitalista, e neste sentido diz que se coloca nonível dos clássicos (Marx, Lenine, Engels), 64 em que"o fenômeno burocrático é um fenômeno especifica-mente político (... ). Evidentemente que, localizado noconjunto de uma formação capitalista, ele apresentahomologias, sob o seu aspecto de burocratismo comomodelo normativo ideológico de organização, com or-ganização nos diversos setores dessa formação: empre-sas - organização de trabalho, domínio cultural -'burocratização da cultura', etc. ( ... ) Essas homolo-gias são devidas, nesse caso, à dominância dum mode-lo ideológico sobre o conjunto" .65

Portanto, para Poulantzas, é o burocratismo que"atribui à burocracia, no funcionamento do aparelhode Estado, o seu caráter de unidade, e assim a constituicomo categoria específica: é ele, fusão da ideologia do-minante e das estruturas do Estado capitalista, que

Revista de Administração de Empresas

permite à burocracia, a despeito das divergências depertencimento de classe das suas diversas camadas,funcionar como categoria social' '66

Enfim, como possível saída teórica, ficamos com aexplicação de que, a partir da "dominância do modeloideológico sobre o conjunto", a burocratização se es-tende às organizações de toda a sociedade. Há entre-tanto que se ressalvar do autor que não se verifica, denossa perspectiva, distinção entre duas regiões na su-perestrutura: uma ideológica e outra jurídico-política,mas sim a existência de apenas uma, distinguindo-se aías dimensões ideológicas e jurídico-politíca.st

Refletindo sobre burocracia e ideologia, há que sepensar que a ideologia dominante é "vivenciada" epropagada de forma intensa através da burocracia (nasua atuação nos vários aparelhos, e em outras esferas),e a burocracia só existe a partir da incorporação dessaideologia.

Cabe ainda enfocar como se realiza a relação orgâ-nica entre burocracia e as classes sociais, ou de queforma ela surge como expressão máxima dessa ideolo-gia dominante.

4.2 Burocracia e classes sociais

Numa primeira aproximação crítica do fenômeno bu-rocrático, colocando a relação burocracia e classes so-ciais, recorremos a Stavenhagen para definir uma teo-ria das classes sociais. A seu ver, a burocracia referidaem termos da ascendência de novas camadas médiasconfinava-se à categoria profissional, o que é insufi-ciente na presente discussão, qual seja, a busca da vin-culação orgânica entre burocracia e classes sociais.

Por outro lado, as formulações teóricas de Poulant-zas a esse respeito também são insuficientes para o queobjetivamos. Retomemos a sua definição de categoriasocial, que é dada "como conjuntos com 'efeitos perti-nentes', que podem tornar-se, conforme Lenine, emforças sociais cujo traço distintivo repousa na sua re-lação específica e sobredeterminada com outras estru-turas além das econômicas; este é nomeadamente o ca-so da burocracia, nas suas relações com o Estado, edos intelectuais nas suas relações com o ideológico."

Firma o autor que, como categoria, a questão da bu-rocracia não tem lugar específico nas relações (quercomo classe, quer como fração de classe) que definemas classes ao nível das relações de produção. Estamosacordes quanto à afirmação de não haver "um impac-to direto no engendramento da burocracia por fatoreseconômicos". Mas há que existir, da nossa perspecti-va, um tipo de vínculo indireto entre sua formação e asrelações de produção.

Por sua origem de classe não é possível compreendê-la,desde que o autor esclarece que a burocracia enquanto ca-tegoria específica tem ela própria pertencimento de clas-se, mas que o seu funcionamento particular não dependedeste pertencimento de classe, antes do funcionamentoconcreto do Estado e da posição deste no conjunto das re-

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laçõescomplexas de classese de fraçõesde classes, referi-das em última análise à fraçãohegemõníca.e

o que parece ser a sua indicação mais próxima dessarelação está explícito no conceito de efeitos pertinen-tes.

"Pode-se dizer que esta presença (a de classe social)existe quando a relação com as relações de produção,o lugar no processo de produção se reflete sobre os ou-tros níveis pelos efeitos pertinentes. Estes 'efeitos per-tinentes', aliás, podem ser localizados tanto nas estru-turas políticas e ideológicas, quanto nas relações so-ciais, políticas e ideológicas de classe. Designar-se-ápor 'efeitos pertinentes' o fato de que o reflexo do lu-gar no processo de produção sobre os outros níveisconstituirá um elemento novo, que não pode ser inseri-do no quadro típico que estes níveis apresentariam semeste elemento. Assim, este elemento transforma os li-mites dos níveis (de estruturas ou de luta de classe) nosquais ele se reflete pelos efeitos pertinentes, e não podeser inserido numa simples variação destes limites.' '69

A compreensão deste conceito nos remete á pro-blemática maior da teoria do autor, que é a separaçãoentre o domínio das estruturas e o domínio das práti-cas. O conceito dos efeitos pertinentes diz respeito aosreflexos "inovadores" e a um domínio de um sobre ooutro, mas não permite maiores esclarecimentos parao que objetivamos. Está preso à limitação teórica maisampla, limitação esta referente à separação entrepráticas e estruturas, em que as classes sociais e a lutade classes ficam alijadas das estruturas, para se situa-rem nas práticas. A burocracia, como categoria socialque tem seu relacionamento específico com a classedominante, em termos de seu aparato de Estado,também está restrita ao domínio das práticas.

"O problema é muito importante: as classes expres-sam sempre práticas de classe e estas práticas não sãoestruturas: a prática política não é a superestrutura doEstado, nem a prática econômica as relações de pro-dução. E ainda mais exatamente, a classe social é umconceito que indica os efeitos do conjunto das estrutu-ras, da matriz de um modo de produção ou de umaformação social sobre os agentes que constituem osseus apoios: esse conceito indica, pois, os efeitos da es-trutura global no domínio das relações sociais. Nestesentido, se a classe é um conceito, não designa umarealidade que possa ser situada nas estruturas. Designao efeito de um conjunto de estruturas dadas, conjuntoque determina as relações sociais como relações declasse. O que quer dizer que a classe social não podeser vista teoricamente como uma estrutura regional ouparcial da estrutura, a título, por exemplo, de que asrelações de produção, o Estado ou a ideologia consti-tuem efetivamente suas estruturas regionais. E isto nãoporque o efeito das estruturas - a classe - não possaconstituir uma estrutura, ou porque a classe é o "con-creto empírico" - o grupo - enquanto as estruturassão seu conceito: mas porque entre o conceito de clas-se, que expressa relações sociais, e os conceitos que ex-pressam estruturas não existe homogeneidade teóri-ca. "70

Em outro texto, em que trata de classes sociais,n háum certo avanço, entretanto, também com restrições.Ao definir nas relações de classes a posição dos "téc-nicos", assalariados portadores de conhecimento,"trabalhadores não-produtivos", ressalta que somen-te os critérios econômicos não são suficientes para de-finir uma posição de classe.

Critica a posição de Marx como ambígua para clas-sificá-los, denominando-os "aristocracia operária" -"( ... ) a ciência tenderia a fazer parte das forças produ-tivas, e os técnicos deveriam por via indireta do traba-lhador coletivo ser considerados como fazendo parteda classe operária" (Fundamento da crítica da econo-mia política) - ou como não fazendo parte da classeoperária.

(... ) ciência não é uma força produtiva: sua apli-cação tão-somente entra no processo de produção. Es-tas aplicações ademais não contribuem senão para oaumento e a realização da mais-valia e não para a suaprodução direta" (O Capitah."

O autor opta pela segunda posição, em que afirmanão serem produtores de mais-valia diretamente, masauxiliares na retenção do sobretrabalho.

Em termos de sua adscrição de classe afirmatambém que o critério econômico não é suficiente,fazendo-se necessários critérios políticos e ideológicos,ou seja, pertencer ou não à "aristocracia operária" de-pende da efetiva prática política, depende da sua cons-ciência de classe. Neste sentido indaga: "qual é suaconsciência de classe e qual é sua posição política con-creta no seio da empresa? Com efeito, do ponto de vis-ta da divisão do trabalho, esse grupo tem, em geral,uma posição ambígua, porque duplicada: contribuin-do cada vez mais para a produção da mais-valia, essegrupo está, ao mesmo tempo, revestido de uma 'auto-ridade' especial na vigilância do processo de traba-lho" .73

55

Em suma, há um avanço teórico, desde que as cate-gorias possuem adscrição de classe (aristocraciaoperária é uma camada especial, mas é uma camadaespecial da classe operária, ou pequena burguesia,uma fração da classe burguesa). Afirma que "os 'inte-lectuais' ou 'burocracia' são (... ) categorias sociaisparticulares, mas têm uma adscrição de classe burgue-sa ou pequeno-burguesa" .74

Entretanto, a ênfase dada pelo autor à necessidadede critérios ideológicos e políticos para definir perten-cimento de classe revela sua tendência voluntarista.E, neste sentido, encontra críticas pertinentes como ade que "A identidade proposta pela categoria social é,em si mesma, ideológica; são outros critérios que de-vem explicar sua divisão interna (pela adscrição declasse). Não obstante, Poulantzas privilegia o ide-ológico (ideologia de Estado) para conceituar a catego-ria social, e o mesmo critério para distinguir distintasadscrições de classes. Enfim, se podemos nos conten-tar com uma conceituação apenas teórica de categoria,

Ideologia neocapitalista e burocnuização

o problema da adscrição de classe é eminentementeconcreto, supõe a análise do processo histórico.' '75

Observe-se também Fernando Henrique Cardoso,colocando como é falso o problema da separação, ouautonomia, ou autonomia relativa do econômico emface do político, e que o autor (Poulantzas), na tentati-va de eliminar o "economicismo" e o "historicismo",tende ao "ideologismo" e ao "politicismo" , afirman-do que "A classe não é um atributo que se define porcritérios, por mais sutis que eles sejam, ainda que in-corporem 'dimensões' políticas e ideológicas (... ); épreciso compreender as classes por seu lugar na divisãosocial do trabalho. Esta resulta, por sua vez, do pro-cesso social de produção que, nas sociedades capitalis-tas (utilizando-se da frase de Poulantzas), 'significa,ao mesmo tempo e num mesmo movimento, divisãoem classes, exploração e luta de classes'. "76

56

Dentro dos limites teóricos descritos, Poulantzasmarca relativa autonomia da burocracia, decorrenteda relativa autonomia do Estado, de forma a agir, porvezes, aparentemente contra os interesses da classe do-minante, mas, na realidade sem atingir o seu poderpolítico. Lefort também ressalta esta relativa autono-mia da burocracia (para ele a do Estado, desde queaborda "várias burocracias"), em sua relação com aclasse dominante. Afirma: "A burocracia está 'nor-malmente' a serviço da classe dominante, posto que aadministração dos assuntos públicos no marco de umdado regime supõe sempre a preservação de seu estatu-to, sua manutenção, mas como ela mesma não é umasimples seção dessa classe, pode operar contra algunsde seus interesses, pelo pouco que um equilíbrio dasforças sociais lhe permita, e adquirir portanto uma au-tonomia relativa. A configuração das relações sociaisdita-lhe sempre os limites de seu poder. É, em uma pa-lavra, um corpo especial na sociedade. Especial por-que o que caracteriza a sua função é a manutenção daestrutura estabelecida"."

Não nos apresenta também este autor um esquemaexplicativo claro de como se realiza essa ligação, em-bora destaque que o "que caracteriza sua função seja amanutenção da estrutura estabelecida" .

Uma dimensão explicativa, que da perspectiva destetrabalho possibilitaria empreender a vinculação orgâ-nica entre burocracia e classes sociais, está nas formu-lações de Gramsci. É preciso transfigurar a burocraciaem íntelectuaís,» tal como os entende o autor. Os inte-lectuais distinguem-se como agentes sociais da superes-trutura, em sua função de organizar a dominação deuma classe.

Não se constituem.em um grupo autônomo.» embo-ra possuam certa autonomia em relação à classe querepresentam. Estão mais vinculados a classes sociaisespecíficas no mundo da produção. As categorias deintelectuais mais importantes e as mais complexasconstituem-se a partir das classes fundamentais aonível econômico.

"Cada grupo social, ao nascer no terreno origináriode uma função essencial no mundo da produção econô-

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mica, cria conjunta e organicamente uma ou mais ca-tegorias de intelectuais que lhe dão homogeneidade econsciência da própria função, não somente no campoeconômico, como também no social e no político. "80"Os empresários - se não todos, pelo menos uma eli-te deles - devem possuir a capacidade de organizar asociedade em geral, em todo o seu complexo organis-mo de serviços, inclusive o estatal, em vista da necessi-dade de criar as condições mais favoráveis à expansãoda própria classe; ou, pelo menos, devem possuir a ca-pacidade de escolher os 'prepostos' (empregados espe-cializados) a quem confiar esta atividade organizativanas relações gerais exteriores à fábrica. Pode-se obser-var que os intelectuais 'orgânicos' que cada nova clas-se cria consigo e elabora em seu desenvolvimento pro-gressivo são, no mais das vezes, 'especializações' de as-pectos parciais da atividade primitiva do tipo socialnovo que a nova classe deu à luz"!' "Formam-se as-sim, historicamente, certas categorias especializadaspara o exercício da função intelectual, em conexãocom todos os grupos sociais, mas em especial com osmais importantes, e sofrem elaborações mais extensase complexas em conexão com o grupo social dominan-te. "82 Em termos gramscianos, eles são os "fun-cionários da superestrutura", ou seja, "os intelectuaissão os 'comissários' do grupo dominante para oexercício das funções subalternas da hegemonia e dogoverno político" .83

Enfim, constituem-se em uma categoria social, co-mo já dissemos, e possuem uma autonomia relativacom referência ao grupo dominante a que estão vincu-lados; em parte por sua origem social, já que em suamaioria são das classes auxiliares (portanto com "cer-ta" autonomia estrutural), e basicamente porque co-mo "funcionários" da superestrutura não são merosagentes passivos da classe que representam, assim co-mo a superestrutura não é mero reflexo da infra-estrutura. Sua relação com o mundo de produção é"mediatizada" , como veremos.

Eles se distinguem por serem os que elaboram, di-fundem e veiculam a ideologia que permite a manuten-ção da estrutura, e desta forma realizam o vínculo en-tre infra-estrutura e superestrutura, a serviço da classeque representam e com a qual mantêm uma vinculaçãosocial íntima.

Para melhor esclarecer, remetemo-nos primeiro àsua noção de "bloco histórico": "a estrutura e a supe-restrutura formam um 'bloco histórico', isto é, o con-junto complexo, contraditório e discordante das supe-restruturas é o reflexo do conjunto das relações sociaisde produção (... ). O raciocínio se baseia na necessáriareciprocidade entre estrutura e superestrutura (recipro-cidade que é precisamente o processo dialético re-al)".84 Por outro lado, "a relação entre os intelec-tuais e o mundo da produção não é imediata, como é ocaso nos grupos sociais fundamentais, mas é 'mediati-zada' , em diversos graus, por todo o contexto social epelo conjunto da superestrutura, do qual os intelec-tuais são precisamente os 'funcionários'. Poder-se-iamediar a 'organicidade' dos diversos estratos intelec-tuais, sua mais ou menos estreita conexão com um gru-

po fundamental, fixando-se uma graduação das fun-ções e das superestruturas de baixo para cima (da baseestrutural para cima)" .85

Ao nível político deste bloco histórico, isto é, em suasuperestrutura, destacam-se os conceitos da sociedadecivil e da sociedade política, ou seja, a sua noção deEstado ampliado desdobra-se em SC e SP. A socieda-de política aparece como o Estado no sentido estrito, oque exerce o monopólio da coerção, e a sociedade ci-vil, como o exercícío da hegemonia.

"Por enquanto pode-se fixar dois grande 'planos'superestruturais: o denominado 'sociedade civil' (istoé, o conjunto de organismos chamados comumente de'privados') e o da 'sociedade política ou Estado', aosquais correspondem a função de 'hegemonia' que ogrupo dominante exerce em toda sociedade e aquela de'domínio direto' ou de comando, que se expressa pre-cipuamente no Estado e no governo 'jurídico'. Estasfunções são precisamente organizativas e conectivas.Os intelectuais são os 'comissários' do grupo domi-nante para o exercício das funções subalternas da he-gemonia social e do governo político: 1) no consenso'espontâneo' dado pelas grandes massas da populaçãoà orientação impressa pelo grupo fundamental domi-nante à vida social, consenso que nasce 'historicamen-te' do prestígio (e, portanto, da confiança) que o gru-po dominante obtém, por causa de sua posição e desua função no mundo da produção; 2) no aparato dacoerção estatal que assegura 'legalmente' a disciplinados grupos que não 'consentem' nem ativa nem passi-vamente, mas que é constituído para toda a sociedade,na previsão dos momentos de crise no comando e nadireção, nos quais fracassa o consenso espontâneo."86

É dado destaque pelo autor ao nível da sociedade ci-vil. É neste nível que se elabora e se funde a ideologiadominante e que se configura como um "modo de vi-da" , como a "cultura" , pois esta ideologia se manifes-ta desde a sua concepção mais elaborada, que é a fi-losófica, transpondo-se no senso comum, na reli-gião, etc. Gramsci enfatiza a hegemonia ou direçãocultural, ou seja, a atuação da sociedade civil, desdeque é esta que permite uma explicação do domínio daclasse fundamental, sem ser pelo mecanismo fatalistado economicismo. O aparato essencial da hegemoniada classe dominante está no monopólio intelectual.

Para este fim, deve-se criar um bloco ideológico, de-senvolvendo uma verdadeira "política" em relaçãoaos intelectuais de outras camadas, de forma a atraí-los, torná-los subordinados. Neste bloco ideológico éfundamental a atuação dos intelectuais orgânicos, quesão os intelectuais-chave da hegemonia, que devem seros criadores mais diretamente responsáveis pela elabo-ração de uma concepção filosófica geral (ideologia) etambém pela formulação de um programa escolar.Mediante este esquema, a classe fundamental age he-gemonicamente em relação às classes auxiliares e àsclasses subalternas.

A ideologia, aqui, tem por pedra angular uma filo-sofia que é transmitida a várias camadas sociais, em

termos de senso comum, folclore, etc., no sentido demanter a estrutura social. Ela aparece, por vezes, como sentido de "cimento" que mantém a coesão do cor-po social. Cremos que o conceito de ideologia do autorextravasa a interpretação que lhe confere Poulantzascomo sendo a de "ocultar as contradições reais, re-construir, no plano imaginário, um discurso relativa-mente coerente que sirva de horizonte ao 'vivido' dosagentes, dando forma às suas representações segundoas relações reais e inserindo-as na unidade das relaçõesde uma tormacão.':»

Na realidade, esta "ideologia historicamente orgâni-ca", nos termos de Gramsci, é criada, veiculada pelosdenominados intelectuais orgânicos, e transforma-seem instrumento que torna possível àqueles exercerem afunção de dirigir e de organizar subalternamente a so-ciedade, de manipular as massas segundo uma concep-ção de mundo da classe fundamental, com todas ascontradições implícitas da mesma.

Em síntese, o conceito de hegemonia, tal como apa-rece em Gramsci, é o que melhor explicita a vinculaçãoentre intelectuais (burocracia) e classes sociais, especi-ficamente com a classe dominante. Éo exercício da fun-ção de hegemonia, em especial (bem como da funçãocoercitiva), que torna os intelectuais "funcionários daclasse dominante na superestrutura" , ou seja, que per-mite o domínio político dessa classe dominante. Háque se reter que esta hegemonia refere-se exatamente à"direção ideológica" da sociedade. Daí se poderapreender a ligação intrínseca entre ideologia e intelec-tuais (burocracia), em que aquela existe na medida emque é criada, veiculada a outras camadas, por estes in-telectuais. E estes (os intelectuais) persistem enquantoexercerem estas funções supra-estruturais, principal-mente a de hegemonia.

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5. CONCWSÃO

A definição teórica do objeto de estudo em questão écomplexa e defronta-se com vazios da própria teoriasociológica. A definição da burocracia "em específi-co" serve-nos em parte. Define-se como categoria so-cial, e está referida, ao nível superestrutural, pelo quevimos, por Poulantzas e por Gramsci. Para aquele, aburocracia tem sua especificidade no fato de servir co-mo "aparelho" de Estado da classe dominante. Paraeste, os burocratas, se transfigurados em intelectuaisno sentido que o autor lhe confere, exercem funções deEstado - hegemônicas ou coercitivas - na defesa dosinteresses da classe ou fração de classe hegemônica,como "funcionários da classe dominante na superes-trutura", realizando o vínculo orgânico entre infra esupra-estrutura. Enquanto componente desta catego-ria social possuem certa autonomia, devido a pertenci-mentos de classes distintas, mas sobretudo por nãopossuírem uma ligação mecânica com a classe que re-presentam, assim como a superestrutura não é simplesreflexo da infra-estrutura. Há que enfatizar, aí, o con-ceito de hegemonia. Este permite o domínio da classefundamental, sem ser pelo relacionamento imediatocom o econômico, mas no sentido de os intelectuais se-rem seus "funcionários na superestrutura", ou seja,

Ideologia neocapitalista e burocratização

seus representantes e defensores de interesses de classe,com função de "direção ideológica". Isto nos permitesituar uma face do nosso objeto de estudo: os cursosde administração na escola de administração de em-presas como organismos pertinentes a esta "direçãoideológica" , a esta hegemonia. Serve-nos também pa-ra compreender o processo de burocratização em geralna sociedade brasileira.

Por outro lado, os administradores, como compo-nentes ou futuros componentes da burocracia empre-sarial, só podem ser pensados neste nível marginal-mente, em seus possíveis entrelaçamentos com as bu-rocracias estatais, de participação do mesmo destinohistórico. Enquanto administradores propriamenteditos se constituem em agentes da infra-estrutura,atuando nas empresas privadas e públicas, e assim sen-do, são definidos por suas relações com o processo deprodução. Aí também, embora os possamos colocarcomo "assalariados de alto nível" (Sweezy, Stavenha-gen, Trentin e outros), fica-se com a questão de se "as-salariado produtivo" ou "assalariado não-pro-dutivo': "trabalhador não-direto". As obras de Marxtambém não são claras quanto a esse aspecto. NosFundamentos da crítica à economia política, e tam-bém no capítulo 4 (inédito) de O Capital, a idéia dotrabalhador coletivo" nos leva a enquadrá-los co-mo "trabalhador produtivo"; em O Capital propria-mente dito, colocamo-lo como "não-produtivo". Éuma questão em aberto.

58Quanto a um conceito de burocracia, referido a si-

tuações distintas, como ficam situados os administra-dores entre estas duas concepções, enquanto compo-nentes de uma burocracia (conceito supra-estrutural) eatuando na infra-estrutura? De momento, tambémacatamos Poulantzas, ainda que com as ressalvas colo-cadas, com sua explicação das "homologias do fenô-meno de burocratização". Por esta via, estes adminis-tradores, constituindo uma burocracia de organi-zação, participam da classificação burocracia pelas"homologias" do burocratismo, ou seja, pela exten-são da ideologia dominante em toda sociedade, comseus traços, dentre os quais está um modelo de organi-zação que é o da burocratização. Esta é outra questãoem aberto.

Essa ideologia dominante é exatamente a ideologianeocapitalista, de que nossos administradores são in-corporadores, e sobre cujos traços mais específicosprocuramos discutir, em termos de poder colocar taisadministradores (técnicos, engenheiros, etc) no con-junto de relações de classes como portadores da fun-ção do capital, ou como sendo por seu intermédio,do corpo gerencial, que se extrai de forma mais eficaza mais-valia, mas especificamente a mais-valia relati-va, dadas as condições tecnológicas.

Cremos que a forma de vinculação histórica dessenível de burocracia (na infra-estrutura) e da burocraciade Estado vai depender da intensidade da ideologia do-minante e da situação concreta de cada formação so-cial específica, e há que apreender, em cada uma des-

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sas situações históricas, as contradições que caracteri-zam a posição desses administradores.

Em síntese, no capítulo 2, em que objetivamos com-preender o processo de burocratização global na socie-dade brasileira, e no 3, na apreensão teórica da for-mação do administrador, o conceito de burocraciaaparece mais amiudamente no seu sentido específico- superestrutural. Nos capítulos seguintes, em que li-damos mais com a ideologia do administrador em si,aparece mais no sentido estrito, de burocracia empre-sarial.

Quanto ao uso da ideologia neocapitalista, em-pregamo-la em todo o texto não como uma "nova"ideologia, mas como a ideologia burguesa, adapta-da à etapa monopolista do capital, cujas especificida-des nos referimos. Primordialmente pelo predomí-nio da "razão técnica" - na empresa; técnica ma-quinária, corpo gerencial ou técnica organizatória;e no Estado, ênfase no planejamento, ou seja, uso detécnicas sociais várias. É um tipo de "racionalidade"criada por um tipo de intelectual específico, basica-mente o que Gramsci denomina de intelectual "orgâni-co", e legitimadora do domínio do capitalismo mono-polista.

I Trentin, Bruno. A Ideologia do neocapitalismo. In: Pereira, Luís.Perspectivas do capitalismo moderno. Rio de Janeiro, Zahar, 1971.p. 101,2. O grifo é nosso.

2 Veja Martins, Carlos E. Tecnocracia e capitalismo. São Paulo,Ed. CEBRAP, Brasiliense, 1974. Observe também a crítica a estetexto de Luis Alfredo Galvão, em Sociologia imaginária ou imagi-nação sociológica? (Debate e Crítica, São Paulo, (4) nov. 1974).

3 Marx, Karl. Contribución a la crítica de la economía política.Prefácio, p. 37-8. (Comunicacion, série B, n. 5).

4 Sweezy, Paul M. Teoria do desenvolvimento capitalista. Rio deJaneiro, Zahar, 1973. Segundo o autor, existem mudanças quantita-tivas e não qualitativas, havendo persistência e mesmo aumento dataxa de acumulação. "Disso se segue que a centralização em si, re-duzindo o número e aumentando o volume dos segmentos, terá oefeito de elevar a taxa de acumulação obtida de um determinado to-tal de mais-valia. O monopólio intensifica esse efeito, transferindo amais-valia dos capitalistas menores para os maiores" (p. 305-6)."Significa ainda que a economia do trabalho se torna mais do quenunca o objetivo da tecnologia capitalista e que a taxa de introduçãode novos métodos será disposta de tal forma que reduzirá ao mínimoa perturbação dos valores de capital existentes. (... ) Conseqüente-mente, o monopólio intensifica a taxa de fluxo de trabalhadores pa-ra o exército da reserva industrial e reduz a saída do capital recém-acumulado, proporcionado pelo progresso tecnológico" (p. 307-8).

5 Lenine. O Imperialismo, fase superior do capitalismo. Obras esco-gidas. Buenos Aires, Editorial Problemas, 1964. t. 2, p. 433-5. "Hámeio século, quando Marx escreveu O Capital, a livre-concorrênciaera, para a maior parte dos economistas, uma 'lei natural'. A ciênciaoficial procurou aniquilar, mediante a conspiração do silêncio, aobra de Marx, que tinha demonstrado, com uma análise teórica ehistórica do capitalismo, que a livre-concorrência engendra a con-centração da produção e que esta concentração, num certo grau deseu desenvolvimento, conduz ao monopólio. Agora o monopólio éum fato. (... ) Os fatos demonstram que as diferenças entre os diver-sos países capitalistas, por exemplo no que se refere ao protecionis-mo e ao livre-cambismo, consistem unicamente em diferenças não-essenciais quanto á forma de monopólios ou ao momento de suaaparição, mas que o engendramento do monopólio pela concen-tração da produção é uma lei geral e fundamental da fase atual dodesenvolvimento capitalista. No que se refere á Europa, pode-se fi-xar com bastante exatidão o momento em que o novo capitalismoveio substituir definitivamente o velho: princípios do séc. XX. (... )Assim, pois, o resumo da história dos monopólios é este: 1) 1860 a1880, ponto culminante de desenvolvimento da livre-concorrência.Os monopólios não constituem senão germens apenas perceptíveis;2) Depois da crise de 1873, longo período de desenvolvimento doscartéis, os quais ainda constituem uma exceção, não são ainda sóli-dos, representam um fenômeno passageiro; 3) Auge de fins do sécu-lo XIX e crise de 1900a 1903: os cartéis convertem-se numa das ba-ses de toda a vida econômica. O capitalismo transformou-se em im-perialismo."

6 O exame de determinadas teorias sobre burocracia demonstra isto,conforme veremos. Por outro lado, alguns dados da análise do estu-do que empreendemos com relação aos administradores conduzem ámesma conclusão.

7 Formulações teóricas de Poulantzas, N. Poder político y clases so-ciales en el Estado capitalista. México, Argentina, Espanha, SigloVeinteuno, 1972; Althusser, L. Ideologie et appareits ideologiauesd'Etat. La Pensée, juin 1970; Gramsci, A. Os Intelectuais e a orga-nização da cultura. Rio de Janeiro, Civ. Bras., 1978.

8 Lefort, C. Que es la burocracia. Ruedo Ibérico, 1970.

9 Weber, Max. Economia y sociedad. México, Fondo de CulturaEconómica, 1964. v. 2, p. 716-23. Grifo nosso.

10 Id. ibid. v. I, p. 178.

11 Tragtemberg, M. Burocracia e ideologia. São Paulo, Ática, 1974.p.116.

12 Weber, Max. Parlamentarismo e Governo numa Alemanha re-construída. São Paulo, Abril, 1974. (Coleção Pensadores). Nestetexto, a preocupação do autor parece ser como fazer "parar" a bu-rocracia, como ela é prejudicial á democracia. Suas indagações: "I)Como se poderia preservar qualquer resquício de liberdade 'indivi-.dualista', em qualquer sentido? Afinal de contas, é uma ilusão fla-grante acreditar que sem as conquistas da época do Direito do Ho-mem qualquer um de nós, até mesmo os mais conservadores, poderácontinuar vivendo sua vida. 2) Em vista da crescente indispensabili-dade da burocracia estatal e de sua correspondente ampliação de po-der, como poderá haver qualquer garantia de que permanecerão emexistência forças que possam conter e controlar eficazmente a tre-menda influência desta camada? Mesmo neste sentido limitado, co-mo será a democracia de todo possível? 3) Uma terceira pergunta, ea mais importante de todas, levanta-se em face de considerações so-breas limitações inerentes á burocracia propriamente dita. Pode serfacilmente notado que a eficiência da burocracia tem limitações de-finidas no domínio público e governamental, assim como na econo-mia privada. A 'mente' dirigente, o 'espírito em movimento' -aquele do empresário aqui e do político ali - diferem substancial-mente da mentalidade do funcionário da administração pública."

13 Jacoby, Henry. La burocratizacion dei mundo. México, Argenti-na, Espanha, Siglo Veinteuno, 1972. p. 223.

14 Weber, M. Economia y sociedad. t. I. p. 128. Apud Freund, Ju-lien. Sociologia de Max Weber. Rio de Janeiro.Forense, 1970.

15 Weber, M. Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro, Zahar, 1964.p.67.

16 Burnham, James. The Managerial revolution. 2 ed. Blooming-ton, Indiana University Press, 1960. p. 63.

17 Vamo-nos utilizar do termo burocracia especializada (que sob oenfoque weberiano parece tautológico, desde que o burocrata é um"especialista"), no sentido mesmo dessa especialização, para dife-renciar os graus de burocracia, de "especialistas" e de funcionárioscomuns ou subalternos.

18 Burnham, J. op. cit. p. 72.

19 Id. ibid. p. 130.

20 Id. ibid. p. 106-7.

21 Destacamos Galbraith. Entretanto, outros autores são tambémrepresentativos desta linha pós-weberiana, em graus distintos detransferência do enfoque das relações de classe para as relações deautoridade (em diferentes níveis). Por exemplo: Dahrendorf, R. Lasclases sociales y su conflito en la sociedad industriai. Madrid, Edi-ciones Rialph, 1962;Aron, R. Novos temas da sociologia contempo-rânea, a luta de classes. Lisboa, Ed. Presença, 1964.

22 Galbraith, J. K. A teoria do poder compensatório. In: Capitalis-mo. Rio de Janeiro, Zahar, 1964, p. 104. Elabora aí a idéia de umcentro de poder do consumidor, como necessidade de uma contra-partida das camadas dominadas para um possível diálogo numa so-ciedade de empresas gigantes, e que é bem coerente com a nova ideo-logia burguesa.

23 Galbraith, J .K. O Novo Estado industrial. Rio de Janeiro, Civ.Bras., 1969. p. 81. .

24 Id. ibid. p. 70-1.

25 id. ibid. p. 81.

26 Além de Crozier (EI Fenómeno burocrático), nesta linha estáMerton, R. Burocratic structure and personality. Social Forces,1940. t. 28.

27 Crozier, Michel. EI Fenómeno burocrático. Buenos Aires, Amor-rotu. v. 2, p. 33.

28 Id. ibid. p. 100.

29 Id. ibid. p. 100.

30 Jacoby, H. op. cit. p. 237.

31 Stavenhagen, R. Estratificação e estrutura de classes. In:Luckács, G. et alii. Estrutura de classes e estratificação social. Riode Janeiro, Zahar, 1969. p. 134.

32 Poulantzas, N. Poder político y clases sociales en el Estado ca-pitalista. México, Argentina, Espanha, Siglo Veinteu~o. p. 98.

33 Mills, W. A Nova classe média. Rio de Janeiro, Zahar, 1969.

34 Baran, P. A. & Sweezy, Paul M. Capitalismo monopolista. Riode Janeiro, Zahar, 1966.

35 Sweezy, P. Ensaios sobre o capitalismo e o socialismo. Rio de Ja-neiro, Zahar, 1965. capo 2.

36 Mills, W. op. cit. p. 100-1.

37 Id. ibid. p. 97. Postura semelhante á de MilIs é encontrada no tex-to de Duverger As Modernas tecnodemocracias. (Rio de Janeiro,Paz e Terra, 1975), onde este relaciona burocracia com as novas oli-garquias. Afirma ter Galbraith elaborado a melhor proposta dosneoliberais para explicar a estrutura ocidental e a nova oligarquiaeconômica. Critica-o em termos de que "minimizou o papel dos ca-pitalistas na tecnoestrutura", pois eles continuam a ter a última pa-lavra, e a tecnoestrutura não foi considerada a não ser dentro de ca-da empresa. Afirma: "as tecnoestruturas deste primeiro nível estãomais ou menos coordenadas e relacionadas com um segundo nívelpor uma espécie de tecnoestrutura superior constituída pelos gruposdirigentes das firmas gigantes, dos holdings, das sociedades finan-ceiras, dos bancos comerciais, que detêm o controle da maioria dasempresas importantes. Existe mesmo um terceiro nível, formado pe-los principais acionistas de um conjunto de firmas gigantes, de hol-dings, de sociedades financeiras, de bancos comerciais associados aseus 'experts', 'conselheiros' e administradores. Esta tecnoestrutura

Ideologia neocapitalista e burocratização

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suprema corresponde, na oligarquia do neocapitalismo, aos prínci-pes de sangue da antiga aristocracia".

38 Sweezy, P. op. cit. p. 211-2.

39 Não se trata de uma nova ideologia, mas sim da reformulação depressupostos da ideologia liberal burguesa que melhor legitimem osinteresses do capital, na sua fase monopolista. Luis Pereira, em Ca-pitalismo, notas teóricas. (Livr. Duas Cidades. p. 54), afirma: "a es-pecificidade da ideologia neocapitalista, distinta da liberal, está cen-trada na concepção de que a história (inclusive e sobretudo a econo-mia) precisa ser dirigida". Nesta "nova" qualificação destaca trêselementos: a intervenção estatal na economia, o fortalecimento dostécnicos (agentes macroordenadores) e o reconhecimento dos cha-mados direitos sociais. André Vachet, em L'Idéologie liberale (Edi-tion Anthropos), especifica a ideologia liberal, em seu conteúdológico, o que nos permite inferir um posicionamento para a "nova"ideologia burguesa. Afirma que a ideologia liberal tem sua existên-cia firmada na imbricação ou na relação orgânica entre seus trêsfundamentos lógicos: o naturalismo, o individualismo e o raciona-lismo. O racionalismo (expressão do que é artificial, de construçãoabstrata, de regularidades, do cálculo formal) encontra sua plenitu-de porque norteado por valores humanos do naturalismo (esponta-neidade, emoção, posse, felicidade contra fins transcendentais) e pe-lo individualismo (liberdade individual sobre a estrutura coletiva).Entretanto, estes três fundamentos estariam em tensão permanente,desde que são categorias que se opõem. Tendem a levar a um impas-se histórico real, e a recair em um dos três fundamentos. Inferimosnós que, na etapa capitalista monopolista, a quebra da relação orgâ-nica destes três fundamentos é mais que evidente. Sua ênfase se dáno racionalismo, o qual, despido dos outros elementos, se centra na"razão técnica", e como conseqüência temos a importância em nos-sa época da técnica, da atuação burocrática e do Estado planejadorcomo novas formas de legitimação do poder dominante.

40 Marcuse, H. Ideologia da sociedade industrial. Rio de Janeiro,Zahar. 1967. p. 150.

41 Gerth, H. & Mills, W. Max Weber: ensaios de sociologia. Rio deJaneiro, Zahar. 1971. p. 66.

6042 Veja, nas páginas 43-44, nota 3, citação de Marx. Também des-tacamos o seguinte de The German Ideology. Marx, K. & Engels, F.Moscow, Progress Publishers, 1968. p. 37): "A estrutura social e oEstado nascem continuamente do processo vital de invidíduos deter-minados, mas não são idênticos às representações que estes in-divíduos, ou outros, deles se façam; antes são idênticos á sua exis-tência real, pela qual agem, produzem materialmente, pela qual sãoativos sem limites, pressuposições e condições materiais determina-dos independentemente de sua vontade ( ... ). É evidente que ( ... ) asrepresentações são expressões conscientes - reais ou ilusórias - desuas ligações e atividades reais, de sua produção econômica e de suaorganização social e política."

43 O sentido de ideologia para Gramsci fica melhor esclarecido aofinal desta exposição, p. 59-60.

44 Ficamos com a noção de Estado de Gramsci, ou seja: sociedadepolítica + sociedade civil, e suas funções de hegemonia e coerção.Em Porttelli, H. Gramsci y el bloque histórico. México, Argentina,Espanha, Siglo Veinteuno, 1973. capo 1.

45 Queremos ressaltar afirmações de alguns autores que nos infor-mam sobre esta "revolução". Afirma Lefêbvre (Introdução à mo-dernidade. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1969. p, 274) que esta revo-lução que monetariza e caricaturiza a revolução total é a própria re-volução tecnocrata. Esclarecemos melhor. A "crise" da sociedadeburguesa ou ainda do capitalismo liberal, que atinge seu apogeu nasguerras mundiais, teria por caminho levar à revolução, isto é, ao so-cialismo. O fascismo é uma forma encontrada pela burguesia parareter o processo. De tal forma, afirma Elias Diaz (Estado de direito esociedade democrática. Lisboa, Iniciativas Editoras), que o saldo da"crise" em termos de Welfare State, sociedade de consumo e, con-comitantemente. a atuação dos "tecnocratas" e o império da técni-ca, são de resíduo fascista. Daí o ethos autoritário de pós-guerra, e apredominância da personalidade autoritária (intolerante, confor-mista e dogmática) em detrimento da personalidade democrática.(Barbú, Z. Psicología de la democracia y de la ditadura, Buenos Ai"

Revista de Administração de Empresas

res, Paidós), e também dos especialistas sine ira et studio, e mesmode uma nova humanidade, o espécime "cibernantropo" de que dizLefêbvre, imitador do autônomo, em substituição ao "antropos"(Lefêbvre, H. Contra os tecnocratas. Portugal, Moraes Ed., p.194). O "cibernantropo" admira o autônomo, lamenta-se de suasfraquezas humans, orienta-se pela racionalidade técnica: é "uma ca-ricatura de antogestão".

46 Gramsci, A. Os intelectuais e a organização de cultura. Rio deJaneiro, Civ. Bras., 1978. Os intelectuais não têm uma ligação dire-ta com a classe dominante, são seus funcionários na superestruturae, em sua maior parte, se originam das classes auxiliares. O exemploclaro está em Croce, que, como afirma Gramsci, nunca pertenceu anenhum partido, nunca teve uma atuação política direta, e no entan-to pode ser considerado como o intelectual orgânico da ascensão docapitalismo italiano.

47 Há que se observar o temor que o New Deal provocou em seuinício como um temor ao socialismo. Afirma Trentin que A AliançaTécnica, a Tecnocracia (constituídas entre 1921 e 1929) e, num planomais científico, a escola do Trend of Economics (1924) reúnem ho-mens de orientações, origens e níveis tão diversos como T. Veblen,H. Scott e S. Chase, J.M. Clark, R. Tgwell, S. Slichter e GeorgesSoule. Entre estes homens e seus escritos existiam, porém, pontoscomuns e sobretudo preocupações comuns. E é nestas que encontra-mos a essência das doutrinas neocapitalistas atuais, assim como a ir-remediável contradição que conferiu ambivalência política a todasas experiências políticas que essas doutrinas influenciaram, a co-meçar pela política do New Dea!. Trentin, B. op. cit. p. 112.

48 Id. ibid. p. 119.

49 Id. ibid. p. 108.

50 Os antecedentes desta "filosofia da produtividade" podem serencontrados em teóricos da chamada teoria da administração, Tay-lor, Fayol, mas principalmente Elton Mayo, com Sua Escola das Re-lações Humanas. Veja-se, neste sentido, Tragtenberg, Maurício. op.cit. p. 72-89.

51 Marx, Karl. O Capital. Rio de Janeiro, Civ. Bras. 1971, livro I,v. I, p. 359-69.

52 A exploração da mais-valia se intensifica com a concentraçãoeconômica. Há "transferência da mais-valia dos capitalistas meno-res para os maiores" e o uso crescente da tecnologia, como econo-mia de trabalho, aumenta o exército da reserva industrial, e é retidoo capital auferido pelo progresso tecnológico. Sweezy, P. op. cit. p.306-7.

53 Trentin, B. op. cit. p. 103.

54 Id. ibid. p, 115.

55 Blackburn, Robin. O Novo capitalismo. Trad. Rattner, H. p.6.mimeogr. Observe-se também, neste sentido, Baran P. & Sweezy,Paul M. Capitalismo monopolista. capo A Sociedade anônima gi-gante. Rio de Janeiro, Zahar, 1966. Ainda com referência à caracte-rização de empresa "moderna" e ao tipo de administração que elacomporta, Marx faz três observações em relação à sociedade porações: 1) Uma enorme expansão da escala de produção e das empre-sas, que eram impossíveis para os capitais individualmente ( ... ). 2)Capital ( ... ) está aqui diretamente dotado da forma de capital socialem contraposição ao capital privado, e suas empresas assumem aforma de empresas sociais em contraposição às empresas indivi-duais. É a abolição do capital como propriedade privada dentro doslimites da própria produção capitalista. 3) A transformação do capi-talista atual num simples gerente, administrador do capital de outraspessoas, e dos proprietários do capital em meros donos, meros capi-talistas do dinheiro. Apud Sweezy, P. op. cit. p. 287-8.

56 Blackburn, R. op. cit. p. 8-9.

57 Marx, K. EI Capital. Buenos Aires, Fondo de Cult. 1964. v. I,seção 3, p. 499.

58 Trentin, B. op. cit. p. 117.

59 Id. ibid. p. 119.

60 Mills, W. A iütte do poder. Rio de Janeiro, Zahar. p.328.

61 Poulantzas, N. op. cito p. 431.

62 Id. ibid. p. 430

63 Lefort, C. op. cito p. 227 e sego

64 Poulantzas, N. op. cito p. 458. Valendo-se das colocações da bu-rocratização feitas por Marx, Engels, Gramsci, Lenine e Weber,chega a uma definição geral seguinte: "o búrocratismo representauma organização hieráquica, por delegação de poder, do aparelhode Estado, que tem efeitos particulares sobre o seu funciona~ento.É em regra geral, correlativo: 1) Da axiomatização do sistemajuridico em regras -leis abstratas, gerais, formais e estritamente re-gulamentadas, distribuindo os domínios de atividade e de competên-cia (Engels, Weber). 2) Da concentração das funções e da centrali-zação administrativa do aparelho (Marx, Engels, Gramsci). 3) Docaráter impessoal das funções do aparelho de Estado (Marx, We-ber). 4) Do modo de retribuição dessas funções através de remune-rações fixas (Marx, Weber). 5) Do modo de recrutamento dos fun-cionários por cooptação ou designação a partir do topo ou ainda apartir de um sistema particular de concurso (Marx, Weber). 6) Daseparação entre a vida privada do funcionário e a sua fun~ão pú~li-ca a sua 'repartição' (Marx, Weber). 7) Duma ocultação sistemáticad; saber do aparelho, ou seja, do segredo burocrático relativamenteàs classes (Marx, Engels, Lenine, Weber). 8) Duma ocultação do sa-ber no próprio interior do aparelho, guardando as suas cúpulas aschaves da ciência (Lenine)".

65 Poulantzas, N. op. cito p. 450-6.

66 Id. ibid. p. 459.

67 Veja Pereira, L. op. cito p. 40.

68 Cremos que a variável "origem de classe" não deve ser totalmen-te descartada. Há, sim, que se reter a mesma como mais uma va-riável que, embora não-determinante, no conjunto é explicativa.

69 Poulantzas, N. op. cit. p. 90.

70 Id. ibid. p. 75-6.

71 Poulantzas, N. As classes sociais. Estudos Cebrap 3, São Paulo,Ed: Cebrap, jan. 1973.

72 Poulantzas, N. As classes cit. p. 11-2.

73 Poulantzas, N. As classes cit , p. 17.

74 Poulantzas, N. As classes cit. p. 23.

7S Fernandes, Heloisa. Política e segurança. São Paulo, Alfa-Ome-ga, 1974. p. 23.

76 Cardoso. F. H. Althusserianismo ou marxismo. A propósito doconceito de classes em Poulantzas, comentários em Estudos Cebrap3, São Paulo, 1973. p. 84.

77 Lefort, C. op. cito p. 228.

78 Gramsci. op. cito p. 7. Os intelectuais em Gramsci não têm a con-cepção vulgar do intelectual; a sua noção ampliada não está limita-da ao conceito do "grande intelectual". "Quais são os limites'máximos' da acepção de 'intectual'? É possível encontrar umcritério unitário para caracterizar igualmente todas as diversas e va-riadas atividades intelectuais e para distingui-Ias, ao mesmo tempo ede modo essencial, das dos outros agrupamentos sociais? O erro me-todológico mais difundido, ao que me parece, consiste em se ter bus-cado este critério de distinção no que é intrínseco às atividades inte-lectuais, ao invés de buscá-lo no conjunto de relações no qual estasatividades estão inseridas (e portanto, os grupos que se personifi-cam) ( ... ) Todos os homens são intelectuais. Poder-se-ia dizer: masnem todos os homens desempenham na sociedade a função de inte-lectuais. Quando se distingue entre intelectuais e não-intelectuais,na realidade, faz-se referência tão-somente à função social da cate-goria profissional dos intelectuais. Isto é, leva-se em consideração adireção sobre a qual incide o peso maior da atividade profissional es-pecífica. Se é na elaboração intelectual, ou no esforço muscular-ner-voso. Isto significa que, em se falando de intelectuais, é impossívelfalar de não-intelectuais, porque não existem não-intelectuais. Masa própria relação entre o esforço de elaboração intelecto-cerebral e oesforço muscular-nervoso não é sempre igual. Por isso, existemgraus diversos de atividade específica intelectual e não se pode sepa-rar o homo faber do homo sapiens. Concluindo: todo homem, fo-ra de sua profissão, desenvolve uma atividade intelectual qualquer,ou seja, é um filósofo, artista, homem de gosto, participa de umaconcepção do mundo, possui uma linha consciente de conduta mo-rai, contribui assim para manter ou para modificar uma concepçãode mundo, para promover novas maneiras de pensar".

79 A colocação de autonomia dos intelectuais está presente na pro-posição mannheimiana da "síntese das perspectivas" e que constituio oposto da formulação de. Gramsci. Mannheim, K. Ideologia yutopía. Madrid. Aguillar, 1958.

80 Gramsci. op. cito p. 3.

81 Id. ibid. p. 4.

82 Id. ibid. p. 8-9.

83 Id. ibid. p. l l ,

84 Gramsci, A. EI Materialismo histárico y la filosofía de BenedettoCroce. Buenos Aires, Nueva Visión, 1973, p. 46-7.

85 Gramsci, A. Os Intelectuais cito p. 10.

86 GramscivA. Os Intelectuais cit. p. IO-ll.

87 Poulantzas, N. Poder político cit. p. 265.

88 Marx, K. EI Capital. México, Argentina, Espanha, Siglo Veiuteu-no, 1974. p. 79. Livro I, capo 4 (inédito).

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Ideologia neocapitalista e burocrattzação