1 17 - livro - redacao escrevendo com prática

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  • REDAOESCREVENDO COM PRTICA

  • JOO JONAS VEIGA SOBRALLicenciado em Letras, Professor de Portugus Instrumental

    na Faculdade de Cincias Econmicas de So Paulo,Professor de Redao no Colgio Comercial

    lvares Penteado e Escola Tcnica Oswaldo Cruz

    REDAOESCREVENDO COM PRTICA

    2000

    Edio Digital

    Iglu Editora

  • Copyright by Joo Jonas Veiga Sobral Copyright 1995 by Iglu Editora Ltda.

    Editor responsvel:Jlio Igliori

    Reviso:Maria Aparecida Salmeron

    Composio:Real Produes Grficas Ltda.

    Capa:Osmar das Neves

    Todos os direitos reservados

    IGLU EDITORA LTDA.Rua Dulio, 386 Lapa05043-020 So Paulo-SPTel.: (011) 873-0227

  • AGRADECIMENTOS

    A Deus pelo dom de ensinar.Ao meu editor pela confiana no trabalho.Ao professor Manuel Jos Nunes Pinto pela fora e incentivo.

  • DEDICATRIA

    Para minha me, figura forte, fantstica e bela a quem amo.Para Eliana, a quem a vida presenteou-me como mulher e amiga.Para meus alunos, companheiros de gostosas jornadas.Para meus colegas de trabalho, que muito me ajudaram.Para o Zngari, meu mestre sempre.

  • Esta uma declarao de amor; amo a lngua portuguesa.Ela no fcil. No malevel. E, como no foi profundamentetrabalhada pelo pensamento, a sua tendncia a de no ter sutile-zas e de reagir s vezes com um pontap contra os que temeraria-mente ousam transform-la numa linguagem de sentimento e dealerteza. E de amor. A lngua portuguesa um verdadeiro desa-fio para quem escreve. Sobretudo para quem escreve tirando dascoisas e das pessoas a primeira capa do superficialismo.

    s vezes ela reage diante de um pensamento mais complica-do. s vezes se assusta com o imprevisvel de uma frase. Eu gostode manej-la como gostava de estar montada num cavalo e gui-lopelas rdeas, s vezes lentamente, s vezes a galope.

    Clarice Lispector

  • APRESENTAO

    Para escrever no necessrio o dom da escrita, dos privile-giados, para escrever basta um pouco de tcnica e dedicao.

    Esta obra mostra os mecanismos que facilitam o trabalho daproduo escrita, por meio de teorias e exerccios prticos.

    Ao lado desses mecanismos, h textos consagrados de auto-res expressivos. Esses modelos certamente o auxiliaro na produ-o de seus textos. H, tambm, exerccios de enriquecimento dalngua e propostas de redaes retiradas de vestibulares, de textosde jornais, de tiras de quadrinhos e de letras de canes, recursosque subsidiaro o ato de redigir com eficcia.

    A nossa experincia no ensino de redao nos 2 e 3 grausfez com que tanto a exposio terica quanto as propostas detrabalho fossem didticas e prticas a fim de tornar o trabalho deredigir mais gostoso e eficiente.

    Acreditamos que Redao: escrevendo com prtica aliado adicionrios, gramticas e boas leituras, constituir-se- em materialindispensvel para aqueles que pretendam escrever de forma ade-quada.

    Finalizando, preciso de sua parte bastante dedicao paraconseguir xito no ato de redigir textos. Parafraseando o escritoralemo, GOETHE: O ato de redigir 10% de inspirao e 90%de transpirao; por isso, meu caro amigo, mos obra.

    Boas redaes!

    Joo Jonas Veiga Sobral

  • SUMRIO

    UNIDADE 1Incio de trabalho: escrevendo o texto ............................................. 15Exerccios ................................................................................................... 16

    UNIDADE 2Os mecanismos de coeso e coerncia textuais ............................. 21

    Captulo 1: A coeso .................................................................................... 22Exerccios ................................................................................................... 23

    Captulo 2: A coerncia .............................................................................. 25Exerccios ................................................................................................... 26

    UNIDADE 3A descrio ................................................................................................ 28

    Captulo 1: Descrio objetiva e subjetiva ............................................. 28Exerccios ................................................................................................... 29

    Captulo 2: Descrio sensorial ................................................................ 32Exerccios ................................................................................................... 33

    Captulo 3: Descrevendo a personagem: ............................................... 34a) Descrio fsica e psicolgica .......................................................... 34b) Critrios de seleo na composio da personagem .............. 38

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    c) Critrios de seleo em benefcio da mensagem ..................... 41Exerccios ................................................................................................... 42

    Captulo 4: Descrio de ambiente e paisagem................................... 43a) Descrio de paisagem...................................................................... 46b) Descrio de ambiente fechado .................................................... 47c) Descrio de cena ............................................................................... 48Exerccios ................................................................................................... 49Propostas de redao.............................................................................. 50

    UNIDADE 4A narrao.................................................................................................. 55

    Captulo 1: A tcnica narrativa ................................................................. 55Exerccios ................................................................................................... 57

    Captulo 2: O narrador ............................................................................... 60a) Narrador em 1 pessoa ...................................................................... 60b) Narrador em 3 pessoa ..................................................................... 60Exerccios ................................................................................................... 61

    Captulo 3: O discurso................................................................................. 62a) Discurso direto .................................................................................... 62b) Discurso direto e os verbos de locuo ....................................... 62c) Discurso indireto ................................................................................ 64d) Trocando os discursos ...................................................................... 64e) Discurso indireto-livre ....................................................................... 65Exerccios ................................................................................................... 66

    Captulo 4: Nveis de linguagem .............................................................. 70a) Linguagem formal .............................................................................. 70b) Linguagem informal ......................................................................... 70Exerccios ................................................................................................... 71

    Captulo 5: O tempo na narrativa ............................................................ 72a) Tempo psicolgico ............................................................................. 72b) Tempo cronolgico ........................................................................... 72Exerccios ................................................................................................... 74

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    Captulo 6: O enredo e sua estrutura ..................................................... 75Exerccios ................................................................................................... 78

    Captulo 7: A estrutura narrativa ............................................................. 82a) Manipulao ........................................................................................ 82b) Competncia ....................................................................................... 82c) Performance ............................................................................................ 82d) Sano ................................................................................................... 82Exerccios ................................................................................................... 83

    Captulo 8: A organizao do texto narrativo ...................................... 85a) Narrao objetiva ............................................................................... 85b) Narrao subjetiva ............................................................................. 85c) O conflito .............................................................................................. 89d) Aes da personagem ....................................................................... 91e) O fato novo .......................................................................................... 92Exerccios ................................................................................................... 93Propostas de redao ............................................................................. 94

    UNIDADE 5A dissertao ............................................................................................. 108

    Captulo 1: O texto dissertativo ................................................................ 108Exerccios ................................................................................................... 109

    Captulo 2: O ttulo e o tema no texto dissertativo ............................ 111Exerccios ................................................................................................... 112

    Captulo 3: O fato e a opinio .................................................................. 113Exerccios ................................................................................................... 113

    Captulo 4: O desenvolvimento da opinio .......................................... 115Exerccios ................................................................................................... 116

    Captulo 5: O planejamento do texto .................................................... 117Exerccios ................................................................................................... 118

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    Captulo 6: A organizao das idias ....................................................... 119Exerccios ................................................................................................... 120

    Captulo 7: Escrevendo o texto dissertativo .......................................... 121a) O pargrafo dissertativo ................................................................... 122b) Desenvolvimento do texto: 1) enumerao, 2) causa/

    conseqncia, 3) exemplificao, 4) confronto, 5) dadosestatsticos, 6) citaes ...................................................................... 123

    c) Concluso: 1) concluso-sntese, 2) concluso-soluo,3) concluso-surpresa........................................................................ 125

    Exerccios ................................................................................................... 127

    Captulo 8: A dissertao subjetiva .......................................................... 128Exerccios ................................................................................................... 130Propostas de redao.............................................................................. 135

    UNIDADE 6Apoio funcional ....................................................................................... 158

    Captulo 1: Acentuao grfica ................................................................. 159Exerccios ................................................................................................... 161

    Captulo 2: A crase ........................................................................................ 162Exerccios ................................................................................................... 165

    Captulo 3: O uso da vrgula...................................................................... 167Exerccios ................................................................................................... 169

    Captulo 4: O uso dos pronomes ............................................................. 171Exerccios ................................................................................................... 174

    Captulo 5: Concordncia verbal ............................................................. 175Exerccios ................................................................................................... 181

    Captulo 6: Concordncia nominal ......................................................... 179Exerccios ................................................................................................... 181

    Bibliografia...................................................................................................... 183

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    UNIDADE 1: INCIO DE TRABALHO:

    Escrevendo o texto

    Penetra surdamente no reino das palavras.Carlos Drummond de Andrade

    comum ouvir das pessoas frases como essas: Escrever mui-to difcil, Eu no sei escrever, Redao uma das matrias mais dif-ceis da escola e outras parecidas.

    Ser possvel, realmente, aprender a escrever ou um domnatural?

    As respostas para as duas perguntas so positivas: possvelaprender a escrever; e escrever , tambm, um dom natural.

    No entanto, mesmo escritores que possuem o dom naturalde escrever trabalham tecnicamente o texto. O trabalho de cor-reo e reescritura chega a ser rduo, porm o resultado com-pensador. Conclui-se, ento, que escrever uma tcnica e, dessaforma, pode ser aprendida.

    H em nossa literatura depoimentos de escritores sobre atcnica da escrita:

    Esta a terceira vez ou quarta vez que ponho o papel namquina e comeo a escrever: mas sinto que as frases pesam ousoam falso, e as palavras dizem de mais ou dizem menos e a escritasai desentoada com o sentimento.

    (Rubem Braga)

    Escrevo trezentas pginas, aproveito no mximo trinta.(Fernando Sabino)

    Voc ir escrevendo, ir escrevendo, se aperfeioando, pro-gredindo, progredindo aos poucos: um belo dia (se voc agentaro tranco) os outros percebem que existe um grande escritor.

    (Mrio de Andrade)

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    Percebemos pelos depoimentos que escrever no umatarefa fcil, e a reside sua graa: o desafio de escrever.

    maravilhoso ver no papel a concretizao de um pensa-mento, de um sonho, de uma idia.

    Para isso, preciso um pouco de tcnica na escolha da pala-vra, do estilo do texto, do ponto de vista; estes recursos tcnicossero trabalhados nos prximos captulos.

    Porm, antes, que tal comear o trabalho produzindo umtexto?

    EXERCCIOS

    1)Leia as duas belas crnicas de dois dos maiores cronistas brasi-leiros: Rubem Braga e Fernando Sabino. A seguir, elabore umaredao expressando sua vontade sobre como quereria o seutexto.

    MEU IDEAL SERIA ESCREVER...Rubem Braga

    Meu ideal seria escrever uma histria to engraada que aque-la moa que est doente naquela casa cinzenta, quando lesseminha histria no jornal, risse, risse tanto que chegasse a chorar edissesse ai meu Deus, que histria mais engraada. E ento con-tasse para a cozinheira e telefonasse para duas ou trs amigas paracontar a histria; e todos a quem ela contasse rissem muito e ficas-sem alegremente espantados de v-la to alegre. Ah, que minhahistria fosse como um raio de sol, irresistivelmente louro, quente,vivo, em sua vida de moa reclusa, enlutada, doente. Que ela mes-ma ficasse admirada ouvindo o prprio riso, e depois repetisse parasi prpria mas essa histria mesmo muito engraada!

    Que um casal que estivesse em casa mal-humorado, o maridobastante aborrecido com a mulher, a mulher bastante irritada como marido, que esse casal tambm fosse atingido pela minha hist-ria. O marido a leria e comearia a rir, o que aumentaria a irritaoda mulher. Mas depois que esta, apesar de sua m vontade, tomas-

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    se conhecimento da histria, ela tambm risse muito, e ficassem osdois rindo sem poder olhar um para o outro sem rir mais; e queum, ouvindo aquele riso do outro, se lembrasse do alegre tempode namoro, e reencontrassem os dois a alegria perdida de estaremjuntos.

    Que nas cadeias, nos hospitais, em todas as salas de espera, aminha histria chegasse e to fascinante de graa, to irresistvel,to colorida e to pura que todos limpassem seu corao com lgri-mas de alegria; que o comissrio do distrito, depois de ler minhahistria, mandasse soltar aqueles bbados e tambm aquelas pobresmulheres colhidas na calada e lhes dissesse por favor, se compor-tem, que diabo! eu no gosto de prender ningum! E que assimtodos tratassem melhor seus empregados, seus dependentes e seussemelhantes em alegre e espontnea homenagem minha histria.

    E que ela aos poucos se espalhasse pelo mundo e fosse conta-da de mil maneiras, e fosse atribuda a um persa, na Nigria, a umaustraliano, em Dublim, a um japons, em Chicago mas que emtodas as lnguas ela guardasse a sua frescura, a sua pureza, o seuencanto surpreendente; e que no fundo de uma aldeia da China,um chins muito pobre, muito sbio e muito velho dissesse: Nun-ca ouvi uma histria assim to engraada e to boa em toda aminha vida; valeu a pena ter vivido at hoje para ouvi-la; essa hist-ria no pode ter sido inventada por nenhum homem; foi comcerteza algum anjo tagarela que a contou aos ouvidos de um santoque dormia, e que ele pensou que j estivesse morto; sim, deve seruma histria do cu que se filtrou por acaso at nosso conheci-mento; divina.

    E quando todos me perguntassem mas de onde que voctirou essa histria? eu responderia que ela no minha, que eua ouvi por acaso na rua, de um desconhecido que a contava aoutro desconhecido, e que por sinal comeara a contar assim:Ontem ouvi um sujeito contar uma histria...

    E eu esconderia completamente a humilde verdade: que euinventei toda a minha histria em um s segundo, quando penseina tristeza daquela moa que est doente, que sempre est doentee sempre est de luto e sozinha naquela pequena casa cinzenta demeu bairro.

    (BRAGA, Rubem. Meu ideal seria escrever.... 200 CrnicasEscolhidas. Rio de Janeiro, Record, 1977.)

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    A LTIMA CRNICAFernando Sabino

    A caminho de casa, entro num botequim da Gvea paratomar um caf junto ao balco. Na realidade estou adiando omomento de escrever. A perspectiva me assusta. Gostaria de estarinspirado, de coroar com xito mais um ano nesta busca do pito-resco ou do irrisrio no cotidiano de cada um. Eu pretendia ape-nas recolher da vida diria algo de seu disperso contedo huma-no, fruto da convivncia, que a faz mais digna de ser vivida. Visavaao circunstancial, ao episdico. Nesta perseguio do acidental,quer num flagrante de esquina, quer nas palavras de uma crianaou num incidente domstico, torno-me simples espectador e per-co a noo do essencial. Sem mais nada para contar, curvo a cabe-a e tomo meu caf, enquanto o verso do poeta se repete na lem-brana: assim eu quereria o meu ltimo poema. No sou poeta eestou sem assunto. Lano ento um ltimo olhar fora de mim,onde vivem os assuntos que merecem uma crnica.

    Ao fundo do botequim um casal de pretos acaba de sentar-senuma das ltimas mesas de mrmore ao longo da parede de espe-lhos. A compostura da humildade, na conteno de gestos e pala-vras, deixa-se acentuar pela presena de uma negrinha de seustrs anos, lao na cabea, toda arrumadinha no vestido pobre, quese instalou tambm mesa: mal ousa balanar as perninhas curtasou correr os olhos grandes de curiosidade ao redor. Trs seresesquivos que compem em torno mesa a instituio tradicionalda famlia, clula da sociedade. Vejo, porm, que se preparampara algo mais que matar a fome.

    Passo a observ-los. O pai, depois de contar o dinheiro quediscretamente retirou do bolso, aborda o garom, inclinando-separa trs na cadeira, e aponta no balco um pedao de bolo sob aredoma. A me limita-se a ficar olhando imvel, vagamente ansio-sa, como se aguardasse a aprovao do garom. Este ouve, concen-trado, o pedido do homem e depois se afasta para atend-lo. Amulher suspira, olhando para os lados, a reassegurar-se da natura-lidade de sua presena ali. A meu lado o garom encaminha aordem do fregus. O homem atrs do balco apanha a poro dobolo com a mo, larga-o no pratinho um bolo simples amarelo-escuro, apenas uma pequena fatia triangular.

  • 19

    A negrinha, contida na sua expectativa, olha a garrafa decoca-cola e o pratinho que o garom deixou sua frente. Porque no comea a comer? Vejo que os trs, pai, me e filha, obe-decem em torno mesa a um discreto ritual. A me remexe nabolsa de plstico preto e brilhante, retira qualquer coisa. O pai semune de uma caixa de fsforos, e espera. A filha aguarda tambm,atenta como um animalzinho. Ningum mais os observa almde mim.

    So trs velinhas brancas, minsculas, que a me espeta capri-chosamente na fatia do bolo. E enquanto ela serve a coca-cola,o pai risca o fsforo e acende as velas. Como a um gesto ensaiado, amenininha repousa o queixo no mrmore e sopra com fora, apa-gando as chamas. Imediatamente pe-se a bater palmas, muitocompenetrada, cantando num balbucio, a que os pais se juntam,discretos: parabns pra voc, parabns pra voc... Depois a merecolhe as velas, torna a a guard-las na bolsa. A negrinha agarrafinalmente o bolo com as duas mos sfregas e pe-se a com-lo. Amulher est olhando para ela com ternura ajeita-lhe a fitinha nocabelo crespo, limpa o farelo de bolo que lhe cai ao colo. O paicorre os olhos pelo botequim, satisfeito, como a se convencer inti-mamente do sucesso da celebrao. De sbito, d comigo a obser-v-lo, nossos olhos se encontram, ele se perturba, constrangido vacila, ameaa abaixar a cabea, mas acaba sustentando o olhar eenfim se abre num sorriso.

    Assim eu quereria a minha ltima crnica: que fosse puracomo esse sorriso.

    (SABINO, Fernando. A companheira de viagem. 10 ed.Rio de Janeiro, Record, 1987, p. 169-71.)

    2)Leia o depoimento de Carlos Drummond de Andrade sobreComo comecei a escrever e imagine-se como um escritor desucesso dando o seu depoimento de como comeou a escrever.

    A por volta de 1910 no havia rdio nem televiso, e o cine-ma chegava ao interior do Brasil uma vez por semana, aos domin-gos. As notcias do mundo vinham pelo jornal, trs dias depois depublicadas no Rio de Janeiro. Se chovia a potes, a mala do correioaparecia ensopada, uns sete dias mais tarde. No dava para ler opapel transformado em mingau.

  • 20

    Papai era assinante da Gazeta de Notcias, e antes de aprendera ler eu me sentia fascinado pelas gravuras coloridas do suplemen-to de domingo. Tentava decifrar o mistrio das letras em redordas figuras, e mame me ajudava nisso. Quando fui para a escolapblica, j tinha a noo vaga de um universo de palavras que erapreciso conquistar.

    Durante o curso, minhas professoras costumavam passarexerccios de redao. Cada um de ns tinha de escrever umacarta, narrar um passeio, coisas assim. Criei gosto por esse dever,que me permitia aplicar para determinado fim o conhecimentoque ia adquirindo do poder de expresso contido nos sinais reuni-dos em palavras.

    Da por diante as experincias foram-se acumulando, semque eu percebesse que estava descobrindo a literatura. Alguns elo-gios da professora me animavam a continuar. Ningum falava emconto ou poesia, mas a semente dessas coisas estava germinando.Meu irmo, estudante na Capital, mandava-me revistas e livros, eme habituei a viver entre eles. Depois, j rapaz, tive a sorte deconhecer outros rapazes que tambm gostavam de ler e escrever.

    Ento, comeou uma fase muito boa de troca de experin-cias e impresses. Na mesa do caf-sentado (pois tomava-se cafsentado nos bares, e podia-se conversar horas e horas sem inco-modar nem ser incomodado) eu tirava do bolso o que escreveradurante o dia, e meus colegas criticavam. Eles tambm sacavamseus escritores, e eu tomava parte nos comentrios. Tudo comnaturalidade e franqueza. Aprendi muito com os amigos, e tenhopena dos jovens de hoje que no desfrutam desse tipo de amizadecrtica.

    (Como comecei a escrever. Carlos Drummond de Andrade.Apud Para Gostar de Ler, vol. 4, Ed. tica, 1992, pg. 6 e 7.)

  • 21

    UNIDADE 2: OS MECANISMOS DE COESO

    E COERNCIA TEXTUAIS

    O certo saber que o certo certo.Caetano Veloso

    O texto no simplesmente um conjunto de palavras; pois seo fosse, bastaria agrup-las de qualquer forma e teramos um.

    O ontem lanche menino comeu

    Veja que neste caso no h um texto, h somente um grupode palavras dispostos em uma ordem qualquer. Mesmo que colo-cssemos estas palavras em uma ordem gramatical correta: sujeito-verbo-complemento precisaramos, ainda, organizar o nvel semnticodo texto, deixando-o inteligvel.

    O lanche comeu o menino ontem

    O nvel sinttico est perfeito:sujeito = o lancheverbo = comeucomplementos = o menino ontem

    Mas o nvel semntico apresenta problemas, pois no pos-svel que o lanche coma o menino, pelo menos neste contexto.Caso a frase estivesse empregada num sentido figurado e emoutro contexto, isto seria possvel.

    Pedrinho saiu da lanchonete todo lambuzado de maionese,mostarda e catchup, o lanche era enorme, parecia que o lanchetinha comido o menino.

    A coeso e a coerncia garantem ao texto uma unidade designificados encadeados.

  • 22

    CAPTULO 1

    A COESO

    H, na lngua, muitos recursos que garantem o mecanismode coeso:

    * por referncia: Os pronomes, advrbios e os artigos so oselementos de coeso que proporcionam a unidade do texto.

    O Presidente foi a Portugal em visita. Em Portugal o presi-dente recebeu vrias homenagens.

    Esse texto repetitivo torna-se desagradvel e sem coeso.Observe a atuao do advrbio e do pronome no processo de eelaborao do texto.

    O Presidente foi a Portugal. L, ele foi homenageado.

    Veja que o texto ganhou agilidade e estilo. Os termos L eele referem-se a Portugal e Presidente, foram usados a fim detornar o texto coeso.

    * por elipse: Quando se omite um termo a fim de evitar suarepetio.

    O Presidente foi a Portugal. L, foi homenageado.

    Veja que neste caso omitiu-se a palavra Presidente, pois subentendida no contexto.

    * lexical: Quando so usadas palavras ou expresses sinni-mas de algum termo subseqente:

    O Presidente foi a Portugal. Na Terra de Cames foi home-nageado por intelectuais e escritores.

  • 23

    Veja que Portugal foi substituda por Terra de Camespara evitar repetio e dar um efeito mais significativo ao texto,pois h uma ligao semntica entre Terra de Cames e intelec-tuais e escritores.

    * por substituio: usada para abreviar sentenas inteiras,substituindo-as por uma expresso com significado equivalente.

    O presidente viajou para Portugal nesta semana e o ministrodos Esportes o fez tambm.

    A expresso o fez tambm retoma a sentena viajou paraPortugal.

    * por oposio: Empregam-se alguns termos com valor deoposio (mas, contudo, todavia, porm, entretanto, contudo)para tornar o texto compreensvel.

    Estvamos todos aqui no momento do crime, porm novimos o assassino.

    * por concesso ou contradio: So eles: embora, aindaque, se bem que, apesar de, conquanto, mesmo que.

    Embora estivssemos aqui no momento do crime, no vimoso assassino.

    * por causa: So eles: porque, pois, como, j que, visto que,uma vez que.

    Estvamos todos aqui no momento do crime e no vimos oassassino uma vez que nossa viso fora encoberta por uma nvoamuito forte.

    * por condio: So eles: caso, se, a menos que, contanto que.Caso estivssemos aqui no momento do crime, provavelmen-

    te teramos visto o assassino.

    * por finalidade: So eles: para que, para, a fim de, com oobjetivo de, com a finalidade de, com inteno de.

    Estamos aqui a fim de assistir ao concerto da orquestra muni-cipal.

  • 24

    EXERCCIOS

    1)Use os mecanismos de coeso textual nas frases a seguir:a) O presidente esteve na Frana ontem. O presidente disse na

    Frana que o Brasil est controlando bem a inflao.b) Comprei muitas frutas e coloquei as frutas na geladeira.c) Acabamos de receber dez caixas de canetas. Estas canetas

    devem ser encaminhadas para o almoxarifado.d) As revendedoras de automveis no esto mais equipando os

    seus automveis para vender os automveis mais caro. O clien-te vai revendedora de automveis com pouco dinheiro e, setiver que pagar mais caro o automvel, desiste de comprar oautomvel e as revendedoras de automveis tm prejuzo.

    e) Eu fui escola, na escola encontrei meus amigos que hmuito tempo no via, eu convidei alguns amigos da escolapara ir ao cinema.

    f) O professor chegou atrasado e ele comeou a ditar matriassem parar um instante, o professor meio estranho, ele malconversa com a classe, a classe no gosta muito do professor.

    g)Minha namorada estuda ingls. Minha namorada sempregostou de ingls.

    2)Ligue os perodos com auxlio de conjunes.a) Todos participaram das festas. Alguns no gostaram muito.b) Todos participaram das festas. Alguns gostariam de ter fica-

    do em casa.c) Estudamos muito para o vestibular. Conseguiremos a vaga

    tranqilamente.d) O ru no deps. No se sentia bem no dia.e) importante a contribuio de todos no revezamento de

    veculos. Possamos respirar um ar saudvel.f) O tempo vai passando, vamos ficando mais experientes.g)O fumo deveria ser proibido em locais pblicos. O fumo faz

    muito mal sade.h)Voc tenha tempo, aparea aqui para tomarmos um caf.i) Ela tem bastante dinheiro. Ela viajar nas frias.j) O professor de matemtica muito srio. O professor de

    redao um figuro.

  • 25

    CAPTULO 2

    A COERNCIA

    muito confusa a distino entre coeso e coerncia, aquientenderemos como coerncia a ligao das partes do texto como seu todo.

    Ao elaborar o texto, temos que criar condies para que hajauma unidade de coerncia, dando ao texto mais fidelidade.

    Estava andando sozinho na rua, ouvi passos atrs de mim,assustado nem olhei, sa correndo, era um homem alto, estranho,tinha em suas mos uma arma...

    Se o narrador no olhou, como soube descrever a perso-nagem?

    A falta de coerncia se d normalmente:Na inverossimilhana, falta de concatenao e argu-

    mentao falsa.

    Observe outra situao:

    Estava voltando para casa, quando vi na calada algo queparecia um saco de lixo, cheguei mais perto para ver o que acon-tecia...

    Ocorre neste trecho uma incoerncia pois se era realmenteum saco de lixo, com certeza no iria acontecer coisa alguma.

    Outro tipo de incoerncia: Ao tentar elaborar uma histria desuspense, o narrador escolhe um ttulo que j leva o leitor a con-cluir o final da histria.

  • 26

    Um milho de dlaresEstava voltando para casa, quando vi na calada algo que

    parecia um saco de lixo, ao me aproximar percebi que era umpacote...

    O que ser que havia dentro do pacote? Veja como o narra-dor acabou com a histria na escolha infeliz do ttulo.

    A incoerncia est presente, tambm, em textos dissertativosque apresentam defeitos de argumentao.

    Em muitas redaes observamos afirmaes falsas e inconsis-tentes. Observe:

    No fundo nenhuma escola est realmente preocupada com a quali-dade de ensino.

    Estava assistindo ao debate na televiso dos candidatos ao governode So Paulo, eles mais se acusavam moralmente do que mostravam suaspropostas de governo, em um certo momento do debate dois candidatosquase partem para a agresso fsica. Dessa forma, isso nos leva a concluirque o homem no consegue conciliar idias opostas por isso que o mundovive em guerras freqentemente.

    Note que nos dois primeiros exemplos as informaes soamplas demais e sem nenhum fundamento. J no terceiro, a con-cluso apresentada no tem ligao nenhuma com o exemploargumentado.

    Esses exemplos caracterizam a falta de coerncia do texto.Finalizando, tanto os mecanismos de coeso como os de

    coerncia devem ser empregados com cuidado, pois a unidadedo texto depende praticamente da aplicao correta desses meca-nismos.

    EXERCCIOS

    1) Imagine, para cada situao, uma complicao e uma soluo.a) Um rapaz deveria chegar s duas horas da tarde, na frente do

    colgio para um encontro com a namorada.b) Joo pediu o carro emprestado a um amigo e bateu em um

    poste.

  • 27

    c) Eliana, uma menina de 15 anos, esqueceu-se do horrio com-binado e chegou s trs da manh em casa, seus pais estavamfuriosos.

    2)Explique como poderamos solucionar estes problemas:a) Dois rapazes moram sozinhos em um apartamento, um deles

    encontrado morto no play-ground do prdio. A janela doapartamento estava aberta, na sala havia dois copos de usquee um tbua de frios, um dos quartos estava em ordem como seningum tivesse dormido no local; no outro, o amigo haviadormido.

    b) O marido desconfia que sua esposa o trai com seu chefe, umcolega mostra a foto dos dois, possveis amantes, em uma lojade roupas ntimas femininas.

    3)D um argumento para cada proposio.a) O menor de 18 anos deve ser punido pelos crimes cometidos.b) Qual a principal conseqncia da violncia na TV, no com-

    portamento de crianas e adolescentes?c) A doao de rgos deveria ser obrigatria?

  • 28

    UNIDADE 3: A DESCRIO

    CAPTULO 1

    DESCRIO OBJETIVA E SUBJETIVA

    A Beleza, gmea da verdade, arte pura, inimi-ga do artifcio a fora e a graa na simplicidade.

    Olavo Bilac

    A descrio a representao, por meio de palavras, dascaractersticas de um objeto que as distinguem de outros.

    A descrio tem por objetivo transmitir ao leitor uma ima-gem do objeto descrito. Podendo ser:

    Objetiva: quando retratamos a realidade como ela .Subjetiva: quando retratamos a realidade conforme

    nossos sentimentos e emoo.

    Descrio objetiva:A cmoda era velha, de madeira escura com manchas pro-

    vocadas pelo longo tempo de uso. As trs gavetas possuem puxa-dores de ferro em forma de conchas, nas duas laterais h orna-mentos semelhantes queles de esculturas barrocas, os ps soredondos e ornamentados.

    Descrio subjetiva:Dona Cmoda tem trs gavetas. E um ar confortvel de

    senhora rica. Nas gavetas guarda coisas de outros tempos, s parasi. Foi sempre assim, dona Cmoda: gorda, fechada, egosta.

    (QUINTANA, Mrio, Sapo Amarelo, Porto Alegre MercadoAberto, 1984, p. 37).

    Como podemos observar, a cmoda foi descrita de duas ma-neiras diferentes.

  • 29

    Na primeira descrio houve um retrato fiel do objeto; j nasegunda, houve o ponto de vista do autor, o objeto foi descritoconforme ele o v.

    Observao:

    importante no confundir descrio e definio.Definir explicar a significao de um ser.Descrever retratar a partir de um ponto de vista.

    VEJA A DEFINIO DE UMA CMODA:

    CMODA: mvel guarnecido de gavetas desde a base at aparte superior.

    Note que na definio no h ponto de vista, o objeto des-crito de maneira geral, serviria para qualquer cmoda; j nasdescries prevaleceram a particularidade, cada cmoda foi des-crita de forma diferente, sob pontos de vista diferentes.

    EXERCCIOS

    1) Elabore uma descrio objetiva e subjetiva dos seguintes objetos:a) um armrio.b) um guarda-chuva.c) um caderno.d) uma caneta.

    2) Leia o texto de Carlos Drummond de Andrade, observe o pro-cesso descritivo e faa o mesmo com um animal perdido.

    ANNCIO DE JOO ALVES

    Figura o anncio em um jornal que o amigo me mandou,est assim redigido:

  • 30

    procura de uma besta A partir de 6 de outubro do anocadente, sumiu-me uma besta vermelho-escura com os seguintescaractersticos: calada e ferrada de todos os membros loco-motores, um pequeno quisto na base da orelha direita e crinadividida em duas sees em conseqncia de um golpe, cujaextenso pode alcanar de 4 a 6 centmetros, introduzido por umjumento.

    Essa besta, muito domiciliada nas cercanias deste comrcio, muito mansa e boa de sela, e tudo me induz ao clculo de quefoi roubada, assim que ho sido falhas todas as indagaes.

    Quem, pois, aprend-la em qualquer parte e a fizer entregueaqui ou pelo menos notcia exata ministrar, ser razoavelmenteremunerado. Itamb do Mato Dentro, 19 de novembro de 1899.(a) Joo Alves Jnior.

    55 anos depois, prezado Joo Alves Jnior, tua besta verme-lho-escura, mesmo que tenha aparecido, j p no p. E tu mes-mo, se no estou enganado, repousas suavemente no pequenocemitrio de Itamb. Mas teu anncio continua um modelo nognero, se no para ser imitado, ao menos como objeto de admi-rao literria.

    Reparo antes de tudo na limpeza de tua linguagem. Noescreveste apressada e toscamente, como seria de esperar de tuacondio rural. Pressa, no a tiveste, pois o animal desapareceu a6 de outubro, e s a 19 de novembro recorreste Cidade de Itabira.Antes, procedeste a indagaes. Falharam. Formulaste depois umraciocnio: houve roubo. S ento pegaste da pena, e traaste umbelo e ntido retrato da besta.

    No disseste que todos os seus cascos estavam ferrados; pre-feriste diz-lo de todos os seus membros locomotores. Nemesqueceste esse pequeno quisto na orelha e essa diviso da crinaem duas sees, que teu zelo naturalista e histrico atribuiu comsegurana a um jumento.

    Por ser muito domiciliada nas cercanias deste comrcio,isto , do povoado, e sua feirinha semanal, inferiste que no teriafugido, mas antes foi roubada. Contudo, no o afirmaste em tomperemptrio: tudo me induz a esse clculo. Revelas a a prudn-cia mineira, que no avana (ou no avanava) aquilo que noseja a evidncia mesma. clculo, raciocnio, operao mental edesapaixonada como qualquer outra, e no denncia formal.

  • 31

    Finalmente deixando de lado outras excelncias de tuaprosa til a declarao final: quem a aprender ou pelo menosnotcia exata ministrar, ser razoavelmente remunerado. Noprometes recompensa tentadora; no fazes praas de generosida-de ou largueza; acenas com o razovel, com a justa medida dascoisas, que deve prevalecer mesmo no caso de bestas perdidas eentregues.

    J muito tarde para sairmos procura de tua besta, meucaro Joo Alves do Itamb; entretanto essa criao volta a existir,porque soubeste descrev-la com decoro e propriedade, num diaremoto, e o jornal a guardou e tambm hoje a descobre, e muitosoutros so informados da ocorrncia. Se lesses os anncios deobjetos e animais perdidos, na imprensa de hoje, ficarias triste. Jno h essa preciso de termos e essa graa no dizer, nem essamoderao nem essa atitude crtica. No h, sobretudo, esse amor tarefa bem-feita, que se pode manifestar at mesmo num ann-cio de besta sumida.

    (ANDRADE, Carlos Drummond de. Fala, amendoeira. u. ed.Rio de Janeiro, Jos Olympio, 1978. p. 82-4.)

  • 32

    CAPTULO 2

    DESCRIO SENSORIAL

    um tipo de descrio, conhecida tambm por sinestsica,que se apia nas sensaes. A descrio sensorial torna o textomais rico, forte, potico; faz com que o leitor interaja com onarrador e com a personagem.

    As sensaes so:

    Visuais: relacionadas cor, forma, dimenses, etc.Era um olho amendoado, grande, dum azul celestial, de traos

    suaves...

    Auditivas: relacionadas ao som.O silncio tornara-se assustador, o zumbido do vento fazia

    chorar as janelas...

    Gustativas: relacionadas ao gosto, paladar.Tua despedida amarga, o sorrido irnico, insosso; deixaram-

    me angustiado.

    Olfativas: relacionadas ao cheiro.O cheiro de terra trazido pelo vento mido era prenncio de

    chuva.

    Tteis: relacionadas ao tato, contato da pele.As mos speras como casca de rvore, grossas, rspidas, secas

    como pedra.

    Veja o belssimo texto de Ceclia Meireles. Observe como asdescries sensoriais so trabalhadas.

  • 33

    NOITE

    mido gosto de terra,cheiro de pedra lavada, tempo inseguro do tempo! sobra do flanco da serra,nua e fria, sem mais nada.Brilho de areias pisadas,sabor de folhas mordidas, lbio da voz sem ventura! suspiro das madrugadassem coisas acontecidas.A noite abria a frescurados campos todos molhados, sozinho, com o seu perfume! preparando a flor mais puracom ares de todos os lados.Bem que a vida estava quieta.Mas passava o pensamento... de onde vinha aquela msica?E era uma nuvem repletaentre as estrelas e o vento.

    (MEIRELES, Ceclia. Obra Completa.Rio de Janeiro, Aguilar, 1967.)

    EXERCCIOS

    1)Retire do texto de Ceclia Meireles as descries sensoriais eclassifique-as.

    2) Faa uma descrio em que voc passe para o leitor todas as sensa-es que o objeto descrito proporciona. Pode ser uma paisagem,o rosto da amada, o amanhecer, o anoitecer, o mar, a chuva...

    3)Descreva uma paisagem em que o cheiro o seu ponto forte.4)Elabore uma descrio em que prevaleam as cores.

  • 34

    CAPTULO 3

    DESCREVENDO A PERSONAGEM

    A) A DESCRIO DE PERSONAGEM: FSICA E PSICOLGICA

    Ao descrever uma personagem, voc poder faz-lo de duasmaneiras:

    a) aspectos fsicos corpo, voz, roupa, andar, etc.

    A pele suave daquela menina era como pssego maduro,colhido da rvore, os olhos negros e redondos faziam par com oslongos e encaracolados cabelos, e o sorriso meigo dos lbios car-nudos eram um convite ao beijo.

    b) aspectos psicolgicos carter, estado de esprito, comporta-mento, etc.

    Era de uma bondade de fazer inveja, os olhos alegres brilha-vam como lamparinas em noite sem lua, a voz invadia os ouvidoscomo canto de flauta, se pudesse ficaria ali, prostrado a vida todaouvindo os ensinamentos do mestre.

    Importante:

    sempre bom comear sua descrio de personagemretratando primeiro um aspecto de carter geral e em segui-da mesclar descries fsicas e psicolgicas.

    Deve-se, contudo, seguir uma certa ordem na descrio.Se voc comear a descrever uma personagem pela cabeapor exemplo, procure descrever os cabelos, olhos, boca...sempre seguindo uma ordem lgica.

  • 35

    Veja algumas descries de personagens em que se mistu-ram os aspectos fsicos e psicolgicos:

    Stela era espigada, dum moreno fechado, muito fina de cor-po. Tinha as pernas e os braos muito longos e uma voz ligeira-mente rouca.

    (Marques Rebelo)

    Sou um aleijado. Devo ter um corao mido, lacunas nocrebro, nervos diferentes dos nervos dos outros homens. E umnariz enorme, uma boca enorme, dedos enormes.

    (Graciliano Ramos)

    minha amadaQue olhos os teusSo cais noturnosCheios de adeusSo docas mansasTrilhando luzesQue brilham longeLonge nos breus...

    (Vincius de Moraes)

    Leia, agora, um fragmento de texto descritivo em que a auto-ra descreve um professor e as sensaes que este provoca:

    OS DESASTRES DE SOFIA

    Qualquer que tivesse sido o seu trabalho anterior, ele o aban-donara, mudara de profisso e passara pesadamente a ensinar nocurso primrio: era tudo o que sabamos dele.

    O professor era gordo, grande e silencioso, de ombros con-trados. Em vez de n na garganta, tinha ombros contrados. Usa-va palet curto demais, culos sem aro, com um fio de ouroencimando o nariz grosso e romano. E eu era atrada por ele. Noamor, mas atrada pelo seu silncio e pela controlada impacinciaque ele tinha em nos ensinar e que, ofendida, eu adivinhara. Pas-

  • 36

    sei a me comportar mal na sala. Falava muito alto, mexia com oscolegas, interrompia a lio com piadinhas, at que ele dizia, ver-melho:

    Cale-se ou expulso a senhora da sala.Ferida, triunfante, eu respondia em desafio: pode me man-

    dar! Ele no mandava, seno estaria me obedecendo. Mas eu oexasperava tanto que se tornara doloroso para mim ser o objetodo dio daquele homem que de certo modo eu amava. No oamava como a mulher que eu seria um dia, amava-o como umacriana que tenta desastradamente proteger um adulto, com aclera de quem ainda no foi covarde e v um homem forte deombros to curvos. (...)

    (LISPECTOR, Clarice. A legio estrangeira. So Paulo, tica,1977, p. 11.)

    OBSERVE A ANLISE ESTRUTURALDO PROCESSO DESCRITIVO:

    aspectos gerais: Qualquer que tivesse sido o seu trabalhoanterior, ele o abandonara, mudara de profisso, e passara pesa-damente a ensinar no curso primrio: era tudo o que sabamosdele.

    aspectos fsicos: O professor era gordo, grande (...) deombros contrados.

    Usava palet curto demais, culos sem aro, com fio de ouroencimando o nariz grosso e romano.

    aspectos psicolgicos: E eu era atrada por ele. No amor,mas atrada pelo seu silncio e pela controlada impacincia queele tinha em nos ensinar e que, ofendida, eu adivinhara. Passei ame comportar mal na sala. Falava alto, mexia com os colegas,interrompia a lio com piadinhas...

    Note que cada caracterstica compe o tipo desejado; suapersonagem tomar a vida que voc quiser, ao escolher de manei-ra harmnica caractersticas fsicas e psicolgicas.

  • 37

    EXERCCIOS

    1)Leia os textos a seguir e faa as divises solicitadas:aspectos gerais:aspectos fsicos:aspectos psicolgicos:e outros:

    A fachada abria-se numa sucesso de portas envidraadas,refulgentes sob os reflexos dourados do sol e escancaradas tardeclida e ventosa, e Tom Buchanan, em seu trajo de montaria, acha-va-se de p, as pernas separadas, no alpendre fronteiro.

    Era um homem vigoroso, de trinta anos, cabelos cor depalha, boca um tanto dura e maneiras desdenhosas. Dois olhosvivos, arrogantes, estabeleceram domnio sobre o seu rosto, dando-lhe a aparncia de algum que estivesse sempre pronto a agredir.Nem mesmo o corte efeminado de suas roupas de montar conse-guia ocultar o enorme vigor daquele corpo; ele parecia encher assuas botas rebrilhantes at o ponto de forar os laos que as pren-diam na parte superior, e podia-se notar o grande feixe de mscu-los a retesar-se, quando seus ombros se moviam debaixo do casacoleve. Era um corpo capaz de levantar grandes pesos; um corpocruel. (F. Scott Fitzgerald)

    (O Grande Gatsby, 7 ed. Rio de Janeiro. Record. Apud. Traba-lhando com Descrio. Ana H. C. Belline. tica, p. 27.)

    RETRATO

    Eu no tinha este rosto de hoje,assim calmo, assim triste, assim magro,nem estes olhos to vazios,nem o lbio amargo.

    Eu no tinha estas mos sem fora,to paradas e frias e mortas;eu no tinha este coraoque nem se mostra.

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    Eu no dei por esta mudana,to simples, to certa, to fcil: Em que espelho ficou perdidaa minha face?

    (MEIRELES, Ceclia. Poesia. Rio de Janeiro,Agir, 1974, p. 19.)

    2)Faa o seu retrato.3) Invente uma personagem ou descreva um amigo.4)Baseando-se no texto Os desastres de Sofia, elabore um texto

    descritivo sobre um professor.

    B)CRITRIOS DE SELEO NA COMPOSIODA PERSONAGEM

    1) A ESCOLHA DO TIPO DE PERSONAGEM

    Ao produzir sua personagem, voc dever fazer a escolhaentre personagem linear ou complexa.

    Personagem linear aquela em que suas caractersticas so sim-ples e imutveis ao longo do texto, e personagem complexa aquelaque ao longo do texto vai mudando suas caractersticas.

    Personagem linear:

    Desde menino era arteiro, gostava de fazer maldades, torciarabo do gato, trocava nos potes sal por acar, acordava os outroscom estouro de bombinhas... quando adulto no melhorou mui-to, continuava a maltratar os filhos, castigava-os por nenhum moti-vo, batia na mulher; sempre bbado, desleixado, barba por fazer,roupas desalinhadas, largas; um homem asqueroso.

    Personagem complexa:

    Quando criana era tmido, submisso aos caprichos da me,sempre obedecendo s ordens do pai, na adolescncia com a mor-te dos pais herdou a fazenda; a vontade de enriquecer, o dinheiro

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    fcil e a bebida transformaram o rapaz num homem cruel, malpatro, e com a descoberta do adultrio da esposa, tornou-se oprprio diabo encarnado, mandou mat-la e ao amante, enterrou-os no chiqueiro, alimentou os porcos com carnes do corpo dosdois, a fazenda perdera o menino, a paz e o encanto.

    Perceba que as personagens descritas acima so diferentes. Aprimeira conservou seu jeito mal, seu carter nocivo; enquanto asegunda, devido a alguns acontecimentos em sua vida, foi-se trans-figurando, mudando sua conduta.

    2) A CONSTRUO DA PERSONAGEM

    Aps escolher o tipo de personagem que vai trabalhar emseu texto, voc ter que selecionar descries compatveis com ocarter. A escolha do tipo fsico, as caractersticas psicolgicas, asroupas, a maneira de andar, falar, devem obedecer um critrio deidentidade para que o leitor sinta a personagem profundamente.

    A PROFESSORA

    Um dia a professora organizou um passeio no campo, samoscedo, levando comida, mquina de retrato e violo, que ela tocavabem. Depois do almoo, debaixo de uma paineira, ela pegou oviolo e comeou a cantar. Eu e Micuim tnhamos nos afastadopara procurar gravat, de longe ouvimos a voz. Paramos e ficamosescutando. Era bonito demais. Eu queria elogiar, mas fiquei namoita. Quando notei que Micuim tambm estava gostando, arris-quei:

    Bonita voz, hein? Linda disse Micuim.Desistimos dos gravats e fomos nos chegando para a pai-

    neira. O ar limpo, o cheiro de campo, os passarinhos, a meninadasentada no cho em volta da professora, tudo isso me pegou deum jeito difcil de explicar, s sei que me senti muito feliz e comuma vontade forte de ficar perto da professora. Como quem no

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    quer nada, fui me imiscuindo, carambolando, forando, at con-seguir um lugar ao lado dela.

    Vendo-a de perfil, notei que os olhos dela no eram feios,como pareciam atrs das lentes grossas dos culos. Eram de umacor entre cinza e azul, o que confirmei uma hora que ela tirou osculos para enxugar os olhos. Quando reps os culos, olhoupara mim e me reconheceu.

    Joaquim Maria! Que bom voc estar aqui pertinho. Voctem um nome famoso. No pode deixar esse nome cair.

    Devo ter ficado corado, porque senti um calor nas orelhas.Isso acontecia sempre que uma mulher falava comigo. E as risadasdos colegas que estavam perto confirmaram que eu no estavanormal. Ela ps o brao em meu ombro e disse:

    Confio muito em voc, Joaquim Maria.Com o movimento de erguer o brao, ela espalhou para o

    meu lado um cheiro que eu nunca tinha sentido igual, cheiro desuor de mulher limpa. Nem sei o que respondi, acho que norespondi nada, fiquei s farejando aquele cheiro.

    Mas o encantamento durou pouco. Ela pegou novamente oviolo, que tinha ficado descansando no colo, e perguntou sealgum queria cantar. Umas meninas ensaiaram, no ficou amesma coisa, fizeram uma cantoria sem graa, que parecia noter fim. Uma hora l o Micuim, que tinha conseguido chegarperto tambm, e que era mais despachado do que eu, disseque era melhor a professora cantar. Ela cantou mais umas duasmsicas, uma que meu pai cantava s vezes, falava em luaresbrancos de prata, e enquanto ela cantava eu a olhei novamentede lado e decidi que era muito mais bonita que a moa que sal-tava do trapzio no circo e que tinha deixado saudades nameninada toda, chamava-se Solange Rosrio, vendia retratosautografados nos intervalos do espetculo, eu e meu irmo maisvelho compramos um de sociedade, mas meu pai acabou toman-do e escondendo ou rasgando, porque vivamos brigando porcausa dele.

    (VEIGA, Jos J. Di mais que quebrar a perna, Apud Curso Bsicode Redao, vol. 3, IBEP. Hermnio Sargentim, p. 27.).

    Note que ao montar as personagens, o autor deu a elas: aes,falas, pensamentos, sentimentos, caractersticas:

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    aes: ela pegou o violo, comeou a cantar

    falas: Joaquim Maria! Que bom voc est aqui pertinho.Voc tem um nome famoso. No pode deixar esse nome cair.

    sentimentos: ... s sei que me senti muito feliz e com umavontade forte de ficar perto da professora.

    caractersticas fsicas e psicolgicas: ... notei que os olhos delano eram feios, como pareciam atrs das lentes grossas dos culos.Eram de uma cor entre cinza e azul, o que confirmei uma horaque ela tirou os culos para enxugar os olhos.

    EXERCCIOS

    1)Baseando-se no texto lido, crie uma situao em que voc fiqueao lado de uma personagem. Descreva-a fsica e psicologicamen-te, mostre suas falas, suas aes e o sentimento que ela desperta.

    C)CRITRIOS DE SELEO NA CONSTRUODA PERSONAGEM EM BENEFCIO DA MENSAGEM:

    Agora que criou sua personagem, a outra preocupao escolher as descries que levaro o leitor a perceber o rumo dotexto, o propsito das descries; pois no se faz revelia todo umtrabalho de composio, cada passagem deve ter sua justificativa.

    Observe como o autor, no texto A professora, selecionoutodos os detalhes a fim de que o leitor percebesse a atrao que oaluno sentia pela professora:

    Eu e Micuim tnhamos nos afastado para procurar gravat,de longe ouvimos a voz. Paramos e ficamos escutando. Era bonitodemais.

    O ar limpo, cheiro de campo, os passarinhos, a meninadasentada no cho, em volta da professora, tudo isso me pegou deum jeito difcil de explicar, s sei que me senti muito feliz e comuma vontade forte de ficar perto da professora....

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    ... notei que os olhos dela no eram feios, como pareciamatrs das lentes grossas dos culos. Eram de uma cor entre cinza eazul....

    Com o movimento de erguer o brao, ela espalhou para omeu lado um cheiro que eu nunca tinha sentido igual, cheiro desuor de mulher limpa (...) fiquei s farejando aquele cheiro.

    ... enquanto ela cantava eu a olhei novamente de lado edecidi que era muito mais bonita que a moa que saltava dotrapzio no circo e que tinha deixado saudades na meninadatoda....

    Notou como todo o trabalho de descrio de aes, pensa-mentos, sentimentos e caractersticas remetem o leitor a percebero envolvimento do narrador-personagem com a professora; a cadamomento este envolvimento vai crescendo at o ponto dele esque-cer o primeiro amor.

    Sendo assim, importante saber que ao elaborar um textodescritivo, voc precisa criar uma personagem com todas as carac-tersticas voltadas para a mensagem que pretende passar com otexto.

    EXERCCIOS

    1)Faa duas descries de personagens: uma linear e outra com-plexa. No se esquea de que os traos fsicos ou psicolgicosdevem ter alguma influncia na caracterizao delas.

    2) Elabore um texto com uma das personagens descritas, procureutilizar as descries em benefcio da mensagem desejada, fazen-do com que o leitor gradativamente perceba o propsito do tex-to sem que voc mostre de modo explcito.

    Pode ser uma paixo, admirao ou mesmo dio pela perso-nagem; o importante selecionar as descries em benefciodo propsito do texto.

  • 43

    CAPTULO 4

    A DESCRIO DE AMBIENTE E PAISAGEM

    Espao o lugar fsico onde se passa a ao narrativa, e ambien-te o espao com caractersticas sociais, morais, psicolgicas, reli-giosas, etc.

    Ao descrevermos um ambiente fechado, escuro, sujo, desar-rumado, normalmente sugerimos um estado de angstia da perso-nagem, ou solido, ou desleixo... j lugares abertos, claros, colori-dos, sugerem felicidade, harmonia, paz, amor...

    Portanto o ambiente descrito em seu texto dever fazer comque o leitor perceba o rumo da histria.

    A Praa da Alegria apresentava um ar fnebre. De um case-bre miservel, de porta e janela, ouviam-se gemer os armadoresenferrujados de uma rede e uma voz tsica e aflautada, de mulher,cantar em falsete a gentil Carolina era bela, doutro lado da pra-a, uma preta velha, vergada por imenso tabuleiro de madeira,sujo, seboso, cheio de sangue e coberto por uma nuvem de mos-cas, apregoava em tom muito arrastado e melanclico: Fgado,rins e corao! Era uma vendedeira de fatos de boi. As crianasnuas, com as perninhas tortas pelo costume de cavalgar as ilhar-gas maternas, as cabeas avermelhadas pelo sol, a pele crestada,os ventrezinhos amarelentos e crescidos, corriam e guinchavam,empinando papagaios de papel. Um ou outro branco, levado pelanecessidade de sair, atravessava a rua, suando, vermelho, afoguea-do, sombra de um enorme chapu-de-sol. Os ces, estendidospelas caladas, tinham uivos que pareciam gemidos humanos,movimentos irascveis, mordiam o ar, querendo morder os mos-quitos. Ao longe, para as bandas de So Pantaleo, ouvia-se apre-goar: Arroz de Veneza! Mangas! Macajubas! s esquinas, nasquitandas vazias, fermentava um cheiro acre de sabo da terra eaguardente. O quitandeiro, assentado sobre o balco, cochilava a

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    sua preguia morrinhenta, acariciando o seu imenso e espalmadop descalo. Da Praia de Santo Antnio enchiam toda a cidade ossons invariveis e montonos de uma buzina, anunciando que ospescadores chegavam do mar; para l convergiam, apressadas echeias de interesse, as peixeiras, quase todas negras, muito gor-das, o tabuleiro na cabea, rebolando os grossos quadris trmulose as tetas opulentas.

    (AZEVEDO, Alusio de. O Mulato. Apud Curso de Redao,Harbra. Jorge Miguel, p. 67.)

    Note como todas as descries procuram mostrar para o lei-tor um ambiente em decadncia, miservel, fnebre:

    A praa da alegria apresentava um ar fnebre, de um case-bre miservel, de porta e janela, ouviam-se gemer os armadoresenferrujados de uma rede ...

    Os ces, estendidos pelas caladas, tinham uivos que pare-ciam gemidos humanos...

    Leia este belo texto de Rubem Braga:

    RECADO DE PRIMAVERA

    Meu caro Vincius de Moraes:Escrevo-lhe aqui de Ipanema para lhe dar uma notcia grave:

    A Primavera chegou. Voc partiu antes. a primeira Primavera,de 1913 para c, sem a sua participao. Seu nome virou placa derua; e nessa rua, que tem seu nome na placa, vi ontem trs garotasde Ipanema que usavam minissaias. Parece que a moda voltounesta Primavera acho que voc aprovaria. O mar anda virado;houve uma Lestada muito forte, depois veio um Sudoeste comchuva e frio. E daqui de minha casa vejo uma vaga de espumagalgar o costo sul da Ilha das Palmas. So violncias primaveris.

    O sinal mais humilde da chegada da Primavera vi aqui juntode minha varanda. Um tico-tico com uma folhinha seca de capimno bico. Ele est fazendo ninho numa touceira de samambaia,

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    debaixo da pitangueira. Pouco depois vi que se aproximava, mui-to matreiro, um pssaro-preto, desses que chamam de chopim.No trazia nada no bico; vinha apenas fiscalizar, saber se o outro jhavia arrumado o ninho para ele pr seus ovos.

    Isto uma histria to antiga que parece que s podia acon-tecer l no fundo da roa, talvez no tempo do Imprio. Pois estacontecendo aqui em Ipanema, em minha casa, poeta. Aconte-cendo como a Primavera. Estive em Blumenau, onde h moitas deazalias e manacs em flor; e em cada mocinha loira, uma espe-rana de Vera Fischer. Agora vou ao Maranho, reino de FerreiraGullar, cuja poesia voc tanto amava, e que fez 50 anos. O tempovai passando, poeta. Chega a Primavera nesta Ipanema, toda cheiade sua msica e de seus versos. Eu ainda vou ficando um poucopor aqui a vigiar, em seu nome, as ondas, os tico-ticos e as moasem flor. Adeus.

    (BRAGA, Rubem. Recado de Primavera,Record, setembro, 1980.)

    Note a beleza e preciso das descries, veja como o autorapresenta a primavera:

    O mar anda virado; houve uma Lestada muito forte, depoisveio um Sudoeste com chuva e frio. E daqui de minha casa vejouma vaga de espuma galgar o costo sul da Ilha das Palmas. Soviolncias primaveris.

    ... ontem vi trs garotas de Ipanema que usavam minissaias.O sinal mais humilde da chegada da primavera vi aqui junto

    de minha varanda. Um tico-tico com uma folhinha seca no bico.Ele est fazendo ninho numa touceira de samambaia, debaixo dapitangueira.

    O autor Rubem Braga em nenhum momento usou frases fei-tas para descrever a chegada da primavera:

    Os botes de rosa se abrem, O cu est mais azul. Prefe-riu trabalhar com o factual, com que estava vendo, mostrando quea simplicidade e originalidade so importantes no processo des-critivo. Alm disso, veja como realmente sentimos a chegada daprimavera, como as descries so pertinentes e como o final fazum belo arremate no texto.

  • 46

    EXERCCIOS

    1) Elabore duas descries de ambiente. Lembre-se de que a origi-nalidade tornar seu texto mais bonito, evite frases feitas, co-muns, repeties j desgastadas:a) Um local triste, desolado, abandonado.b) Um local alegre, festivo.

    A) DESCRIO DE PAISAGEM

    Alm de aplicar os recursos estudados nas lies anteriores,voc dever ficar atento perspectiva, sua posio diante doobjeto de sua descrio.

    Um esquema o ajudar a trabalhar este tipo de descrio:1 pargrafo: Mostra-se a localizao, ou outra referncia de

    plano geral:Era um belo jardim, aquele do casaro antigo.

    2 e 3 pargrafos: Mostra-se o elemento mais prximo doobservador. Pode-se generalizar e depois se aproximar de um selemento, ou ir detalhando por ordem.

    Flores de todas as cores enfeitavam o terreno de terra preta, saud-vel. Nas laterais espinheiros cortados simetricamente em forma de arcos; nocentro: crisntemos, lrios, rosas, dlias, uma infinidade de flores, e perdi-da entre elas pequenas violetas risonhas.

    4 pargrafo: Conclui-se mostrando a impresso que a paisa-gem causa em quem a v.

    Era de uma singeleza aquele jardim, adornava o velho casarorstico, enchia-o de paz, acalmava o corao aflito de qualquer um que ocontemplasse.

    EXERCCIO

    1)Seguindo o esquema dado, elabore uma descrio de uma pai-sagem de sua escolha. Como sugesto: o pr-do-Sol, uma lagoa,uma floresta, montanhas, jardim ...

  • 47

    B) DESCRIO DE AMBIENTE: ESPAO FECHADO

    Ao descrever um lugar fechado, um quarto, uma sala, umafrente de casa, usa-se o mesmo procedimento da descrio depaisagem. No entanto, importante perceber que esta descriodeve ser gradativa e original para que o leitor acompanhe o objetodescrito, essa descrio se assemelha a uma filmagem onde se levado a contemplar o objeto aos poucos.

    Cheguei a casa, abri a porta, estava uma desordem: jor-nais espalhados pelo cho, na mesa de centro um copo com umpouco de cerveja e bordas mordidas de pizzas num prato; naestante, coberta de p, livros remexidos, um rdio-relgio pis-cando com a hora atrasada e uma xcara de caf perdida entreportas-retratos.

    Perceba: ao entrar com o narrador na casa, nota-se toda abaguna, a desordem, comeando pelo cho, subindo para amesa de centro, terminando na estante. Tem-se um panoramatotal da casa.

    Observe a bela descrio de uma casa:

    Encosto a cara na noite e vejo a casa antiga. Os mveis estoarrumados em crculo, favorecendo as conversas amenas, umasala de visitas. O canap, pea maior. O espelho. A mesa redondacom o lampio aceso desenhando uma segunda mesa de luz den-tro da outra. Os quadros ingenuamente pretensiosos, no h afe-tao nos mveis, mas os quadros tm aspiraes de grandeza nasgravuras de mulheres imponentes (rainhas?) entre paves e escra-vos transbordando at o ouro purpurino das molduras. Volto aocanap de curvas mansas, os braos abertos sugerindo cabelos de-satados. Espreguiamento. Mas as almofadas so exemplares,empertigadas no encosto de palhinha gasta. Na almofada menorest bordada uma guirlanda azul.

    O mesmo desenho de guirlandas desbotadas no papel spiada parede. A estante envidraada, alguns livros e vagos objetos nasprateleiras penumbrosas. (TELLES, Lygia Fagundes. Ap. Missa doGalo. So Paulo, Summus, 1977.)

  • 48

    Note que neste caso no h uma enumerao em ordemlgica dos objetos descritos, pois como o texto trata-se de umarecordao, as imagens vo surgindo conforme as lembranas donarrador, dando maior veracidade ao texto.

    EXERCCIOS

    1)Faa duas descries:a) um quarto de um garotab) um quarto de uma empregada domstica

    2)Baseando-se no texto de Lygia Fagundes Telles, faa uma des-crio de uma casa ou cidade onde voc esteve h muito tem-po. Mostre suas recordaes das pessoas, do lugar em geral.

    3)Elabore um texto em que voc volta para uma cidade em quemorou quando jovem. Mostre como era e como est agora e oque tudo isso provoca em voc.

    C) DESCRIO DE CENA

    Conhecida tambm como descrio dinmica ou animada,esse tipo muito semelhante narrao; pois inclui pessoas, ani-mais, veculos em ao.

    O guarda-noturno caminha com delicadeza, para no assus-tar, para no acordar ningum. L vo seus passos vagarosos,cadenciados, cosendo a sua sombra com a pedra da calada.

    (O anjo da noite. Apud Magda Soares, Novo portugus atra-vs de textos, p. 40, A DESCRIO.)

    O texto, alm de belssimo, mostra uma perfeita descriode cena, detalhadamente vai retratando o andar macio do guarda-noturno.

  • 49

    FUNERAL

    Uma cena me ficou na memria com uma nitidez inapa-gvel. Parado no meio-fio duma calada, no Passo de la Reforma,vejo passar o enterro de um bombeiro que se suicidou. Os tam-bores, cobertos de crepe, esto abafados e soam surdos. No se ouvesequer um toque de clarim. Atrs dos tambores marcham algunspelotes. Os soldados de uniforme negro, gola carmesim, crepe nobrao, marcham em cadenciado silncio. E sobre um carro cobertode preto est o esquife cinzento envolto na bandeira mexicana.

    Plan-rata-plan! Plan-rata-plan! L se vai o cortejo rumo docemitrio. Haver outro pas no mundo em que um velrio sejamais velrio, um enterro mais enterro, e a morte mais morte?

    Plan-rata-plan! Adeus bombeiro. Nunca te vi. Teu nome nosei. Mas me ser difcil, impossvel esquecer o teu funeral. Plan-rat-plan!

    (VERSSIMO, rico. Mxico, apud J. F. Miranda,Arquitetura da redao.)

    O autor, neste fragmento, mostra, como se estivesse parado,a passagem de um enterro; perceba como a cena passa em seusmnimos detalhes.

    EXERCCIOS

    1)Descreva um quarto de adolescente, entre no quarto, d umpanorama geral, em seguida detalhe esse panorama, procuredar uma ordem lgica para sua descrio.

    2)Elabore um texto descritivo em que voc se lembra de algumlugar que lhe foi muito marcante. Lembre-se de mostrar suasimpresses sobre o lugar, no h necessidade de uma ordemnas enumeraes, porm procure enumerar de modo consci-ente para que o leitor percebe sua inteno.

    3)Descreva uma cena de assalto no centro da cidade.4)Descreva uma sada de escola.5)Descreva um dia de chuva no campo visto pela janela da casa.

  • 50

    PROPOSTAS DE REDAODESCRIO

    1)Elabore uma definio, uma descrio objetiva e uma subjetivade um lpis e um relgio.

    2)Complete as frases, formando um pargrafo descrito:a) era to bonitab) no era muito bonitac) tinha um fsico atlticod) era mau-carter.

    3)Redija os seguintes anncios usando os processos descritivosestudados:a) vendendo um vestido de noivab) um carroc) uma fazenda com casa e piscina.

    4)Observe a foto e descreva as cenas:

  • 51

    5)Descreva um intervalo na escola.

    6)Depois de muitos anos voc volta para o colgio em que estuda-ra quando criana. A sala est vazia, porm suas lembranas aospoucos vo trazendo de volta os amigos, professores, cadeiras,lousa, janelas, cortinas.... descreva este momento.

    7) Identifique os objetos descritos:a) mquina frigorfica adaptada a uma espcie de armrio

    onde se produz gelo, sorvetes, e onde se conservam alimen-tos, etc.

    b) instrumento com lentes que amplificam os objetos distantesdo observador e que lhe permitem uma viso ntida dos mes-mos.

    c) veculo de duas rodas, sendo a traseira acionada por um sis-tema de pedais que movimentam uma corrente trans-missora.

    8)Faa descries de objetos:a) uma tesourab) um avio

    9)a) Imagine dois estudantes: o primeiro possui agenda, ondemarca direitinho todos os seus compromissos, escolares ouno. Nunca esquece seu material para as aulas. Seus livros ecadernos so encapados, possuem etiquetas com seu nome,nmero e srie. No h nada rabiscado ou amassado. Osegundo justamente o contrrio: anota telefones de amigose compromissos escolares em papeizinhos soltos, nas pgi-nas de cadernos e livros (seus ou no). Est sempre procu-rando alguma coisa perdida.Anote em seu caderno outras caractersticas que voc imagi-nar sobre estas duas personagens.

    b) Agora, imagine os quartos do primeiro e do segundo estu-dante. Faa uma lista das caractersticas e selecione as queachar mais importantes para dar a idia do modo de ser decada um.

    c) Escreva um pargrafo mostrando cada quarto.

  • 52

    10) Os dois estudantes do exerccio anterior se conhecem. Poralgum motivo, ficam muito amigos. Um dia, um vai visitar ooutro.Escreva dois pargrafos diferentes:a) O estudante organizado descreve o quarto do estudante

    desorganizado.b) O estudante desorganizado descreve o quarto do estudante

    organizado.Mostre ao leitor as possveis sensaes e julgamentos que umestudante tem em relao ao quarto do outro.

    A DESCRIO NO VESTIBULAR

    11) Elabore textos descritivos seguindo as orientaes:a) (Faap-SP) Redija um texto em prosa sobre o seguinte

    tema: E o mundo ficou mais triste...b) (Fuvest) Suponha que voc foi surpreendentemente con-

    vidado para uma festa de pessoas que mal conhece. Conte,num texto em prosa, o que teria ocorrido, imaginando tam-bm os pormenores da situao. No deixe de transmitirsuas possvel reflexes e impresses. Evite expressesdesgastadas e idias prontas.

    c) (Unesp) Crianas na rua.d) (ITA-SP) A natureza esquecida.e) (Cesesp-PE) O dinheiro no compra tudo.f) (PUC-MG) Faa uma redao com o seguinte ttulo: Fim

    de festa.g)(FASP) Faa uma descrio, em prosa, em aproximada-

    mente 20 linhas sobre o tema: O dia-a-dia do paulistano.(Observao: se voc no for paulistano, adapte o tema suarealidade.)

    h)(PUCCAMP) A primeira frase da sua redao : Abriu osolhos e no conseguiu acreditar no que via. Continue aredao.

    i) (FATEC) Uma praa, quase garagem ao ar livre. rvores.Trs prdios. Encostado ao do meio, um grupo de mendi-gos. Ali seu ponto, seu pouso, seu repertrio.Voc tem que ir a um dos prdios e o caminho mais curto rente aos mendigos.

  • 53

    Escreva o que passa pela mente: misto de revolta contra asociedade, de medo de se envolver, de solidariedade, derepugnncia, de d.

    12) Faa uma descrio emotiva da cena abaixo.

  • 54

    13) Elabore um texto predominantemente descritivo baseando-sena imagem abaixo.

  • 55

    UNIDADE 4: A NARRAO

    CAPTULO 1

    A TCNICA NARRATIVA

    Entrou por uma porta, saiu pela outra, quemquiser que conte outra.

    Tradio popular

    A narrao uma forma de composio de textos que consis-te em relatar fatos ou acontecimentos com determinados persona-gens em local e tempo definidos.

    DOMINGO NO PARQUE

    O rei da brincadeira JosO rei da confuso JooUm trabalha na feira JosOutro na construo JooA semana passada, no fim da semana,Joo resolveu no brigar.No domingo de tarde saiu apressadoE no foi pra Ribeira jogarCapoeira.No foi pra l, pra Ribeira,Foi namorar.O Jos, como sempre, no fim de semanaGuardou a barraca e sumiu.Foi fazer, no domingo, um passeio no parque,L perto da Boca do rio.Foi no parque que ele avistouJuliana,

  • 56

    Foi que ele viuJuliana na roda com Joo,Uma rosa e um sorvete na mo.Juliana, seu sonho, uma iluso.Juliana e o amigo Joo.

    O espinho da rosa feriu ZE o sorvete gelou seu corao.O sorvete e a rosa JosA rosa e o sorvete JosOi danando no peito JosDo Jos brincalho JosO sorvete e a rosa JosA rosa e o sorvete JosOi girando na mente JosDo Jos brincalho Jos

    Juliana girando oi girandoOi na roda-gigante oi girandoOi na roda-gigante oi girandoO amigo Joo oi JooO sorvete morango vermelhoOi girando e a rosa vermelhaOi girando, girando vermelhaOi girando, girando olha a facaOlha o sangue na mo JosJuliana no cho JosOutro corpo cado JosSeu amigo Joo Jos

    Amanh no tem feira JosNo tem mais construo JooNo tem mais brincadeira JosNo tem mais confuso Joo.

    Como podemos observar, o texto acima um exemplo claroe bem-feito de um texto narrativo. Logo na primeira estrofe, oautor apresenta as personagens envolvidas e suas caractersticasbsicas. Em seguida mostra o tempo, o local e os fatos:

  • 57

    Personagens:

    Jos: sujeito brincalho, trabalhava na feira, nos finais desemana costumava ir ao parque encontrar sua namorada Julianapara se divertir.

    Joo: sujeito briguento, sempre arrumava confuso. Traba-lhava na construo civil, costumava ir Ribeira jogar capoeira.

    Tempo: um domingo.

    Local: um parque de diverses perto da Boca do rio.

    Fatos: Joo no final de semana resolveu no brigar, saiuapressado e foi para o parque namorar.

    Jos, como sempre, foi ao parque encontrar-se com sua namo-rada Juliana. Chegando, assustou-se: sua namorada Juliana e seuamigo Joo de mos dadas namorando.

    Aquela cena deixou Jos indignado e nervoso. Tomado pelaemoo e raiva pegou uma faca e matou a namorada e o amigo.

    Uma histria trgica, porm contada com muita delicadeza epoesia por Gilberto Gil, que por meio de metforas entre sorvete,rosa, morango e sangue relatou um belo drama.

    EXERCCIOS

    Leia o texto abaixo:

    UM HOMEM DE CONSCINCIA

    Chamava-se Joo Teodoro, s. O mais pacato e modesto doshomens. Honestssimo e lealssimo, com um defeito apenas: nodar o mnimo valor a si prprio. Para Joo Teodoro, a coisa demenos importncia no mundo era Joo Teodoro.

  • 58

    Nunca fora nada na vida, nem admitia a hiptese de vir a seralguma coisa. E por muito tempo no quis nem sequer o quetodos ali queriam: mudar-se para terra melhor.

    Mas Joo Teodoro acompanhava com aperto de corao odeperecimento sensvel de sua Itaoca.

    Isto j foi muito melhor, dizia consigo. J teve trs mdicosbem bons agora s um e bem ruinzote. J teve seis advogados ehoje no d servio para um rbula ordinrio como o Tenrio.Nem circo de cavalinhos bate mais por aqui. A gente que presta semuda. Fica o restolho. Decididamente, a minha Itaoca est-se aca-bando...

    Joo Teodoro entrou a incubar a idia de tambm mudar-se,mas para isso necessitava dum fato qualquer que o convencesse demaneira absoluta de que Itaoca no tinha mesmo conserto ouarranjo possvel.

    isso, deliberou l por dentro. Quando eu verificar quetudo est perdido, que Itaoca no vale mais nada de nada, entoarrumo a trouxa e boto-me fora daqui.

    Um dia aconteceu a grande novidade: a nomeao de JooTeodoro para delegado. Nosso homem recebeu a notcia como sefosse uma cacetada no crnio. Delegado, ele! Ele que no eranada, nunca fora nada, no queria ser nada, no se julgava capazde nada...

    Ser delegado numa cidadezinha daquelas coisa serissima.No h cargo mais importante. o homem que prende os outros,que solta, que manda dar sovas, que vai capital falar com o gover-no. Uma coisa colossal ser delegado e estava ele, Joo Teodoro,de-le-ga-do de Itaoca!...

    Joo Teodoro caiu em meditao profunda. Passou a noiteem claro, pensando e arrumando as malas. Pela madrugada botou-as num burro, montou no seu cavalinho magro e partiu.

    Antes de deixar a cidade foi visto por um amigo madrugador. Que isso, Joo? Para onde se atira to cedo, assim de

    armas e bagagens? Vou-me embora; respondeu o retirante. Verifiquei que

    Itaoca chegou mesmo ao fim. Mas, como? Agora que voc est delegado?

  • 59

    Justamente por isso. Terra em que Joo Teodoro chega adelegado, eu no moro. Adeus.

    E sumiu.(LOBATO, Monteiro. Cidades mortas. 7 ed.

    So Paulo, Brasiliense, 1956, p. 185-6.)

    1) Faa a seguinte diviso:a) Mostre o trecho em que o autor apresenta a personagem.b) Caracterize a personagem.c) Descreva o local em que se desenrolam os fatos.d) Faa um relato dos fatos desta histria.

    2) Elabore uma narrativa em que suas personagens disputemalgo. Esta histria deve ocorrer em local e tempo determina-dos pelo narrador.

  • 60

    CAPTULO 2

    O NARRADOR

    Ao produzir um texto, voc poder faz-lo de duas maneirasdiferentes, contar uma histria em que voc participa ou contaruma histria que ocorreu com outra pessoa. Essa deciso determi-nar o tipo de narrador a ser utilizado em seu texto.

    NARRADOR EM 1 PESSOA: Conhecido tambm pornarrador-personagem, aquele que participa da ao. ....

    Pode ser protagonista quando personagem principal da his-tria, ou pode ser algum que presenciou o fato, estando no mes-mo local.

    Exemplo: Narrador-protagonista.

    Era noite, voltava sozinho para casa, o frio estava insuport-vel, no havia ningum naquela rua sombria, ouvi um barulhoestranho no muro ao lado, assustei-me...

    Exemplo: Narrador 1 pessoa

    Estava debruado em minha janela quando vejo na esquinaum garoto magro roubando a carteira de um pobre velho...

    NARRADOR EM 3 PESSOA: Conhecido tambm pornarrador-observador, aquele que no participa da ao.

    Joo estava voltando para casa, noite, sozinho, quandoouviu, prximo ao muro, um barulho estranho.

  • 61

    EXERCCIOS

    1) Indique o tipo de narrador dos textos a seguir:a) Alguns homens aparecem na porta do restaurante com suas

    esposas.b) No meio do caminho resolvi parar, sentia-me mal, provavel-

    mente por causa do peixe que comi no almoo.c) O menino foi abrindo o caminho com um pedao de ferro.d) Quando cheguei dei de cara com minha me na sala.

    2)Passe para narrador-personagem:De madrugada o homem acordou com a chuva castigando otelhado de zinco do seu barraco. Rolou na cama, virou prolado, fingiu que no era com ele. Mas no tinha jeito de dor-mir. Experiente, o homem sabia que aquela chuva grossa e in-sistente era com ele mesmo.

    3)Elabore um pargrafo com narrador-observador (3 pessoa),seguindo a orientao:Um rapaz tentando pegar sua bola que caiu no quintal do vizi-nho. Este muito nervoso e tem um cachorro que adora mor-der bolas e dono de bolas.

  • 62

    CAPTULO 3

    O DISCURSO

    Para relatar as falas e os pensamentos das personagens, onarrador pode usar o discurso direto, o indireto e o indireto-livre.

    A) DISCURSO DIRETO

    O narrador reproduz exatamente o que a personagem falou.Exemplos:

    O professor chamou Joozinho e perguntou: Voc sabe por que Napoleo perdeu a guerra?

    A me olhou para o filho e disse: Coma essa sopa logo.

    B) DISCURSO DIRETO E OS VERBOS DE ELOCUO

    Normalmente, o discurso direto marcado pela presena dosverbos de elocuo, para indicar a pessoa e o modo como falou.

    A garota aproximou-se do namorado e perguntou: Quem era aquela menina com quem voc estava conver-

    sando no intervalo?O namorado retrucou: Deixe de ser ciumenta. Ser que no posso conversar com

    ningum?

    Esses verbos podem ser usados depois ou antes do enuncia-do, ou ainda intercalados nele. Dependendo da escolha, mudara pontuao.

  • 63

    Observe:1 posio antes da fala separa-se por dois pontos:O professor chamou Pedrinho e perguntou: Voc trouxe o trabalho hoje?

    2 posio depois da fala separa-se por vrgula ou travesso: lgico que gosto de voc, disse-me beijando a testa.3 posio intercalada separa-se por vrgula ou travesso. E quer saber, continuou ela, eu no vivo sem voc.

    IMPORTANTE:

    Ao escrever, voc dever escolher o verbo de elocuo quemelhor caracterize a fala da personagem. Sendo assim, seu textoser mais preciso.

    Veja alguns verbos de elocuo:dizer, perguntar, responder, exclamar, pedir, aconselhar, ordenar.Observe, agora, outros mais especficos:afirmar, declarar, indagar, interrogar, retrucar, replicar, negar,

    questionar, objetar, gritar, rogar, sussurrar, murmurar, balbuciar, cochi-char, segredar, esclarecer, sugerir, solucionar, comentar, propor, convidar,cumprimentar, repetir, estranhar, insistir, prosseguir, acrescentar, concor-dar, consentir, anuir, intervir, repetir, berrar, protestar, contrapor, descul-par, justificar-se, rir, sorrir, gargalhar, chorar, choramingar...

    OBSERVAO:

    O uso dos verbos de elocuo no obrigatrio, podendo onarrador omiti-lo com o propsito de deixar o texto mais dinmico.

    CONVERSINHA MINEIRA

    bom mesmo o cafezinho daqui, meu amigo? Sei dizer no senhor; no tomo caf. Voc o dono do caf, no sabe dizer?

  • 64

    Ningum tem reclamado dele no senhor. Ento me d caf com leite, po e manteiga. Caf com leite s se for sem leite. No tem leite? Hoje, no senhor. Por que hoje no? Porque hoje o leiteiro no veio. Ontem ele veio? Ontem no. Quando que ele vem? No tem dia certo no senhor. s vezes vem, s vezes no

    vem. S que no dia que devia vir, no vem. Mas ali fora est escrito Leiteria! Ah, isto est, sim senhor. Quando que tem leite? Quando o leiteiro vem.

    (Fernando Sabino)

    C) DISCURSO INDIRETO

    O narrador transmite com suas prprias palavras a fala dapersonagem.

    O professor chamou Joozinho e perguntou se ele sabia porque Napoleo havia perdido a guerra.

    A me olhou para o filho e disse para que ele comesse asopa logo...

    D) TROCANDO OS DISCURSOS

    Ao passar do discurso direto para o discurso indireto, ouvice-versa, deve-se efetuar algumas modificaes:

    a) Discurso direto primeira pessoaEles perguntaram: O que devemos fazer?Discurso indireto terceira pessoaEles perguntaram o que deviam fazer.

  • 65

    b) Discurso direto imperativoO professor pediu Venham ao quadro.Discurso indireto pretrito imperfeito do subjuntivoO professor pediu que fssemos ao quadro.

    c) Discurso direto futuro do presenteA me comentou Com calma, ganhar o presente.Discurso indireto futuro do pretritoA me comentou que com calma, ganharia o presente.

    d) Discurso direto presente do indicativoEle disse Eu escrevo a carta.Discurso indireto pretrito imperfeito do indicativoEle disse que escrevia a carta.

    e) Discurso direto pretrito perfeitoEle comentou No gostei daquele filme.Discurso indireto pretrito mais-que-perfeito.Ele comentou que no gostara do filme.

    E) DISCURSO INDIRETO-LIVRE

    Emprega-se o discurso indireto-livre para transmitir a falainterior da personagem; esta fala s vezes vem misturada falado narrador.

    Para que ocorra o discurso indireto-livre so necessrias trscondies:

    a) Narrador em 3 pessoa.b) Devem ser omitidos os verbos de elocuo (disse que,

    pensou que...)c) O narrador deve mostrar o que se passa na conscincia da

    personagem.

    Exemplos:Ele continuou a caminhar, mas sua vontade era voltar, pedir

    para que sua amada o perdoasse, para viverem como era antes.

    O corao batia forte. Com medo? Mas era uma briguinha tolasem maiores conseqncias.

  • 66

    Note que as primeiras frases pertencem ao narrador, noentanto as segundas so da personagem; entretanto, no h pala-vras que indiquem esta mudana, somente o contexto permiteobserv-la.

    Esse recurso torna a narrativa mais rpida e fluente, mostran-do tambm o domnio que o narrador possui sobre sua personagem.

    EXERCCIOSTIPOS DE DISCURSO

    1)Passe as frases para o discurso indireto:a) Ele reclamou: Devolva meu presente!b) O chefe disse: Fiquem tranqilos, tudo acabar bem.c) A filha respondeu me: Irei voltar tarde hoje.d) A moa questionou: E se nada der certo?e) O rapaz confirmou: Amanh seria o ltimo dia, mas o pra-

    zo foi prorrogado.f) O professor perguntou: Quem escondeu o lpis de Joo?g)A namorada reclamou: No posso ficar mais, meu pai no

    gosta que chego tarde.

    2)Passe para o discurso direto:a) Ela me disse que precisava ir embora cedo.b) O mdico indagou por que no trouxeram o paciente antes

    para a sala de cirurgia.c) O rapaz afirmou que j era tarde e que, se no se apressasse

    perderia o horrio do vo.d) A professora pediu s crianas que entrassem, pois a chuva j

    comeara a cair.e) Ele garantiu-me que aquela manobra tinha sido necessria.f) O policial perguntou quem era a testemunha do assalto.g)A menina pediu que no a deixassem sozinha naquela casa

    escura.

    3)Grife as passagens que apresentarem discurso indireto-livre:Nesse ponto as idias de Sinh Vitria seguiram o outro cami-nho, que pouco depois foi desembocar no primeiro. No era

  • 67

    que a raposa tinha passado no rabo a galinha pedrs? Logo apedrs, a mais gorda. Decidiu armar um mundu perto do po-leiro. Encolerizou-se. A raposa pagaria a galinha pedrs.Ladrona! Pouco a pouco a zanga se transferiu. Os roncos deFabiano eram insuportveis, no havia homem que roncassetanto. (Vidas Secas, Graciliano Ramos)

    4) Insira no texto, a seguir, o discurso indireto-livre:O rapaz foi ao encontro marcado mais cedo do que a horacombinada, estava ansioso para conhecer a garota que apenasconversara por telefone. Achou a situao engraada, nuncamarcara encontro com quem no conhecia fisicamente. Pare-cia que os quinze minutos que chegou adiantado no passa-vam, andava de um lado para o outro, cada moa que apareciaera um frio na barriga.

    5)Conte a histria a seguir de duas formas diferentes:a) com discurso direto e com verbos de elocuob) com discurso indireto

  • 68

    6) Imagine como deve ter sido odilogo entre Pedrinho e a Pro-fessora. Reproduza-o:

    7)Leia a histria abaixo, e em seguida reescreva-a em 3 pessoausando, tambm, o discurso indireto-livre. Faa as alteraesnecessrias.

    NINGUM

    A rua estava fria. Era sbado ao anoitecer mas eu estava che-gando e no saindo. Passei no bar e comprei um mao de cigar-ros. Vinte cigarros. Eram os vinte amigos que iam passar a noitecomigo.

    A porta se fechou como uma despedida para a rua. Mas aporta sempre se fechava assim. Ela se fechou com um som abafadoe rouco. Mas era sempre assim que ela se fechava. Um som queparecia o adeus de um condenado. Mas a porta simplesmente sefechara e ela sempre se fechava assim. Todos os dias ela se fechavaassim.

    Acender o fogo, esquentar o arroz, fritar um ovo. A gorduraestala e espirra ferindo minhas mos. A comida estava boa. Estavarealmente boa, embora tenha ficado quase a metade no prato.Havia uma casquinha de ovo e pensei em pedir-me desculpas porisso. Sorri com esse pensamento. Acho que sorri. Devo ter sorrido.Era s uma casquinha.

    Busquei no silncio da copa algum inseto mas eles j haviamtodos adormecido para a manh de domingo. Ento eu falei emvoz alta. Precisava ouvir alguma coisa e falei em voz alta. Foi s umafrase banal. Se houvesse algum perto diria que eu estava fican-do doido. Eu sorriria. Mas no havia ningum. Eu podia dizer o

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    que quisesse. No havia ningum para me ouvir. Eu podia rolar nocho, ficar nu, arrancar os cabelos, gemer, chorar, soluar, perdera fala, no havia ningum para me ver. Ningum para me ouvir.No havia ningum. Eu podia at morrer.

    De manh o padeiro me perguntou se estava tudo bom. Eusorri e disse que estava. Na rua o vizinho me perguntou se estavatudo certo. Eu disse que sim e sorri. Tambm meu patro meperguntou e eu sorrindo disse que sim. Veio a tarde e meu primome perguntou se estava tudo em paz e eu sorri dizendo que estava.Depois uma conhecida me perguntou se estava tudo azul e eusorri e disse que sim, estava, tudo azul.

    (VILELA, Luiz. Tremor de terra. 4 ed. So Paulo,tica, 1977, p. 93.)

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    CAPTULO 4

    NVEIS DE LINGUAGEM

    Leia esta tira:

    Observe como o autor conseguiu um efeito humorstico alter-nando o nvel de linguagem nos quadrinhos; nos dois primeiros, alinguagem usada apresenta um nvel formal, seguindo a normaculta; j no ltimo, o nvel de linguagem informal, semelhante agrias usadas diariamente. Podemos, ento, definir os nveis de lin-guagem da seguinte maneira:

    Linguagem formal: aquela que se caracteriza pela correogramatical, riqueza de vocabulrio, com ausncia de grias e ter-mos regionais.

    Linguagem informal: aquela que se caracteriza pela liberdadede expresso, sem convenes gramaticais. Esse tipo de linguagemgeralmente apresenta diminutivos e aumentativos com sentido afe-tivo ou pejorativo; apresenta grias, regionalismos, vcios lings-ticos e termos usados no dia-a-dia.

    Ambos os nveis so corretos nas circunstncias adequadas.O autor, ao trabalhar o texto, dever adequar a linguagem per-sonagem para que o texto seja verossmil, isto , parecido com arealidade.

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    Observe este exemplo:

    O rapaz posto para depor, o delegado olha-o com firmezae pergunta:

    O Senhor confessa que estava promovendo badernas no bar? No dot, nis tava bebendo uns birinaiti, at qui o dono

    dissi qui tava na hora di fech o istabelicimento, ento nisreclamamu e ele cume a jog gua nu cho e molh os pacotedi po qui eu ia lev pr patroa, fiquei invocado i dei uns catiri-papo nu vagabundo. Mas di leve.

    Como o senhor alega que a agresso foi, foi... de leve, odono do bar apresentou muitos hematomas no rosto?

    Ema o qu? Hematomas, escoriaes, ferimentos...

    Veja que o narrador usou linguagem formal, ele sempre se utili-zar dela. J as personagens usam a linguagem devida. Perceba queo delegado usou linguagem formal e o rapaz usou a linguageminformal para que o texto seja o mais prximo possvel da realidade.

    EXERCCIOS

    1)Procure nos jornais Folha de So Paulo e Notcias Populares, quepertencem mesma empresa, duas notcias do mesmo assunto.Indique qual jornal apresenta linguagem formal e qual apre-senta linguagem informal. Explique o porqu do uso diferentedo nvel de linguagem para cada jornal.

    2)Elabore uma narrao em terceira pessoa com discurso diretoenvolvendo personagens que utilizam nveis de linguagem dife