07022012013127 não sei o nome

18
7/23/2019 07022012013127 Não Sei o nome http://slidepdf.com/reader/full/07022012013127-nao-sei-o-nome 1/18  Web - Revista SOCIODIALETO  www.sociodialeto.com.br Bacharelado em Linguística e Licenciatura em Letras  UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras  UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486  Volume 1  Número 6  fevereiro 2012 Homenagem ao Prof. Dr. Ataliba Teixeira de Castilho 1 PERGUNTAS RETÓRICAS: UMA ESTRATÉGIA ENCOBERTA DE “NÃO-RESPOSTA” Simone Muller Costa (PPGLINGUISTICA-UFJF / IFSEMG) [email protected] Sonia Bittencourt Silveira (UFJF) [email protected] Resumo: Nosso objeto de estudo são respostas evasivas, mais especificamente, o que denominamos de não-respostas”. Foi observado que, nos contextos analisados, os respondentes constróem respostas “insatisfatórias” em relação ao que foi  posto ou pressuposto pela pergunta. Para a geração e análise dos dados, utilizamos uma abordagem qualitativa e interpretativa, em consonância com uma perspectiva teórico-metodológica interacional nos estudos do discurso. Os resultados desse estudo mostram que as  práticas discursivas de “não-respostas” devem ser analisadas de modo situado, sequencia mentel, sem ignorar, contudo, as opções oferecidas pela língua, limitadas por contingências macro-contextuais operantes em cada situaçao particular de uso da linguagem. Nossa análise chama a atenção para o uso de  perguntas retóricas nas respostas como um tipo de evasão encoberta com duas funções principais nos tipos de atividades estudados: (1) o de mudar o foco da pergunta; e (2) o de contestar o ponto de vista ou a relevância da informação implicados na pergunta. Palavras-chave: Perguntas retóricas; evasão; atividade de responder. Abstract: Our object of study is what we call “non-answers”, more specifically, evasive answers. We have observed that, in some contexts, the respondents  built “unsatisfactory” answers in relation to what had been asserted or presupposed by the questions performed. We have adopted a qualitative and interpretative approach for the generation and analysis of the data, which are consistent with the theoretic- methodological perspectives of an interactional approach in studies of discourse. The results of this study show that discursive practices of “non-answers” must be analyzed in a situated way, sequentially, without ignoring, however, that the options that the language offers are limited by macro contextual contingences that operate on the language use in each social encounter. Our analysis calls attention to the use of rhetoric questions in answers as a kind of covert evasion with two main functions in the contexts studied: (1) that of changing the focus of the question; and (2) that of contesting the point of view or the relevance of the information held on the question. Key-words: rhetorical question; evasion; answering activity. 1. Introdução O presente trabalho busca analisar a ocorrência de respostas evasivas, por nós denominadas “não-respostas”, em dois tipos de atividade (cf. Levinson, 1992 e Sarangi,

Upload: anonymous-bzeqbwm

Post on 18-Feb-2018

217 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: 07022012013127 Não Sei o nome

7/23/2019 07022012013127 Não Sei o nome

http://slidepdf.com/reader/full/07022012013127-nao-sei-o-nome 1/18

 

W e b - R e v i s t a S O C I O D I A L E T O •   w w w . s o c i o d i a l e t o . c o m . b r

Bacharelado em Linguística e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande

M e s t r a d o e m L e t r a s •   U E M S / C a m p o G r a n d e

ISSN: 2178-1486 •   Volume 1 •   Número 6 •   fevere iro 2012

Homenagem ao Prof. Dr. Ataliba Teixeira de Castilho

PERGUNTAS RETÓRICAS: UMA ESTRATÉGIA ENCOBERTA DE“NÃO-RESPOSTA” 

Simone Muller Costa (PPGLINGUISTICA-UFJF / IFSEMG) [email protected]  

Sonia Bittencourt Silveira (UFJF)[email protected]  

Resumo: Nosso objeto de estudo são respostas evasivas, mais especificamente, o que denominamos de“não-respostas”. Foi observado que, nos contextos analisados, os respondentes constróem respostas“insatisfatórias” em relação ao que foi  posto ou pressuposto pela pergunta. Para a geração e análise dosdados, utilizamos uma abordagem qualitativa e interpretativa, em consonância  com uma perspectivateórico-metodológica interacional nos estudos do discurso. Os resultados desse estudo mostram que as

 práticas discursivas de “não-respostas” devem ser analisadas de modo situado, sequenciamentel, semignorar, contudo, as opções oferecidas pela língua, limitadas por contingências macro-contextuaisoperantes em cada situaçao particular de uso da linguagem. Nossa análise chama a atenção para o uso de

 perguntas retóricas nas respostas como um tipo de evasão encoberta com duas funções principais nostipos de atividades estudados: (1) o de mudar o foco da pergunta; e (2) o de contestar o ponto de vista oua relevância da informação implicados na pergunta.

Palavras-chave: Perguntas retóricas; evasão; atividade de responder.

Abstract:  Our object of study is what we call “non-answers”, more specifically, evasive answers. Wehave observed that, in some contexts, the respondents  built “unsatisfactory” answers in relation to what

had been asserted or presupposed by the questions performed. We have adopted a qualitative andinterpretative approach for the generation and analysis of the data, which are consistent with the theoretic-methodological perspectives of an interactional approach in studies of discourse. The results of this studyshow that discursive practices of “non-answers” must be analyzed in a situated way, sequentially, without

ignoring, however, that the options that the language offers are limited by macro contextual contingencesthat operate on the language use in each social encounter. Our analysis calls attention to the use ofrhetoric questions in answers as a kind of covert evasion with two main functions in the contexts studied:

(1) that of changing the focus of the question; and (2) that of contesting the point of view or the relevanceof the information held on the question.

Key-words: rhetorical question; evasion; answering activity.

1.  Introdução

O presente trabalho busca analisar a ocorrência de respostas evasivas, por nós

denominadas “não-respostas”, em dois tipos de atividade (cf. Levinson, 1992 e Sarangi,

Page 2: 07022012013127 Não Sei o nome

7/23/2019 07022012013127 Não Sei o nome

http://slidepdf.com/reader/full/07022012013127-nao-sei-o-nome 2/18

 

W e b - R e v i s t a S O C I O D I A L E T O •   w w w . s o c i o d i a l e t o . c o m . b r

Bacharelado em Linguística e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande

M e s t r a d o e m L e t r a s •   U E M S / C a m p o G r a n d e

ISSN: 2178-1486 •   Volume 1 •   Número 6 •   fevere iro 2012

Homenagem ao Prof. Dr. Ataliba Teixeira de Castilho

2000): duas audiências de conciliação, realizadas no PROCON de uma cidade minerira

e uma entrevista televisiva do programa “Roda Viva”, com o ex-ministro da Educação,

Paulo Renato. Dentre os vários tipos de “não-respostas” encontradas, focalizamos, um

tipo especial de evasão “encoberta”, realizada através de perguntas retóricas.

A atividade de responder é analisada como sendo projetada por uma pergunta ou

outra ação que crie para um dos participantes o papel discursivo de respondente. As

respostas podem ser vistas como “insatisfatórias” se considerados o posto ou

 pressuposto da pergunta. Adotamos como ponto de partida analítico os seguintes

aspectos a partir dos quais o par pergunta-resposta pode ser analisado: (a) a existência

de algum tipo de relação entre a natureza da pergunta e as não-respostas produzidas; (b)

de que modo o tipo de contexto institucional pode influenciar a produção de respostas

evasivas; e (c) as razões pessoais/profissionais que podem contribuir para a formulação

de “não-respostas”. Essas questões são analisadas a partir de uma abordagem qualitativa

e interpretativista de dados reais de fala e de modo compatível com os pressupostos

teóricos da Sociolingüística Interacional e da Análise da Conversa, etnometodológica.

Os resultados de nossa pesquisa mostram a relevância em se adotar como ponto

de partida aquilo que os participantes mostram ser relevante em seus atos de

fala,realizados em uma situaçao real de fala-em-interaçao. A atividade discursiva da

evasão só pode ser identificada sequencialmente, como a não-produção de uma ação

tornada relevante pela primeira parte deste par - a pergunta. A categoria “não-resposta” 

vem entre aspas devido ao pressuposto, por nós adotado, segundo o qual o quer que se

faça após a primeira parte do par, a pergunta, deve ser interpretado como uma resposta(e.g. o silêncio pode ser visto como uma resposta). Desse modo, “não-resposta”  é

concebida como uma resposta que não atende ao posto ou pressuposto da pergunta.

Ressaltamos, contudo, que uma abordagem situada das “não-respostas” não exclui a

necessidade de se pensar nos fatores macro-contextuais (e.g sócio-contextuais,

ideológicos, etc) que podem influenciar o uso da evasão no discurso. Nos contextos

estudados, as “não-respostas”  foram utilizadas, principalmente, em situações em que

Page 3: 07022012013127 Não Sei o nome

7/23/2019 07022012013127 Não Sei o nome

http://slidepdf.com/reader/full/07022012013127-nao-sei-o-nome 3/18

 

W e b - R e v i s t a S O C I O D I A L E T O •   w w w . s o c i o d i a l e t o . c o m . b r

Bacharelado em Linguística e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande

M e s t r a d o e m L e t r a s •   U E M S / C a m p o G r a n d e

ISSN: 2178-1486 •   Volume 1 •   Número 6 •   fevere iro 2012

Homenagem ao Prof. Dr. Ataliba Teixeira de Castilho

uma resposta direta/aberta poderia causar danos à imagem do respondente ou causar-lhe

ainda algum prejuízo material (e.g para o consumidor ou fornecedor de bens e serviços,

no PROCON).

 Nas seções subsequentes, introduzimos as noções fundamentais a este estudo: a

atividade de responder, incluindo respostas e “não – respostas”; dentre as últimas o tipo

clássico denominado respostas evasivas e o subtipo de evasão - evasão por meio do uso

de pergunta retórica dentro da resposta.

2.  Atividade de Responder

Considerando-se a relação sequencial entre perguntas e respostas, a segunda

 parte do par é vista como uma tentativa de resposta, ou seja, aquilo que se diz ou se faz

em uma posiçao subsequente à primeira parte deste par de ações. De acordo com a

noção de relevância condicional, nos termos da Análise da Conversa, é a primeira parte

do par que torna relevante a ocorrência de uma segunda parte, bem como sua

classificação enquanto ação discursiva. Assim, se uma dada ação é formulada/percebidacomo pergunta, cria-se a expectativa de que ela irá projetar, em uma segunda posição,

uma açâo que será enquadrada como “resposta”. É a partir da resposta dada que

 podemos verificar se a primeira parte foi mesmo entendida/tratada como pergunta pelo

endereçado. Deste modo, a relevância de um dado enunciado, no par Pergunta-

Resposta, decorre da relação mútua entre as partes do par.

Embora a ação de perguntar projete uma resposta, muitas vezes, as respostas nãoocorrem nos turnos adjacentes, mas sim em turnos de fala subsequentes e distantes das

 perguntas. Por isso, preferimos adotar a noção de posição proposta por Schegloff (1987,

apud Levinson, 2007), a qual estabelece que a resposta a uma pergunta não precisa estar

necessariamente adjacente a ela. No entanto, as respostas devem manter relação

semântico-pragmática com o que foi perguntado.

Page 4: 07022012013127 Não Sei o nome

7/23/2019 07022012013127 Não Sei o nome

http://slidepdf.com/reader/full/07022012013127-nao-sei-o-nome 4/18

 

W e b - R e v i s t a S O C I O D I A L E T O •   w w w . s o c i o d i a l e t o . c o m . b r

Bacharelado em Linguística e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande

M e s t r a d o e m L e t r a s •   U E M S / C a m p o G r a n d e

ISSN: 2178-1486 •   Volume 1 •   Número 6 •   fevere iro 2012

Homenagem ao Prof. Dr. Ataliba Teixeira de Castilho

Em nossa análise, tentamos nos guiar, principalmente, pela tipologia de

respostas de Clayman (2001) e pelas tipologias de práticas evasivas, propostas por

Clayman (2001) e Galasinski (1996). Por isso, na seção seguinte, abordaremos, de

maneira breve, essas teorias.

2.1 Tipos de respostas e “não-respostas” 

Para distinguir respostas de “não-respostas”, Clayman (2001) apoia-se no

conceito de “adequação”. Este autor propõe um conjunto de critérios que permitiriam a

classificação das “respostas” como adequadas (respostas) e não-adequadas (não-

respostas) 

2.1.1 Tipos de respostas

Clayman (2001) estabelece como critério  para sua classificação das “respostas”

a idéia de “adequação”. Assim, as respostas, para serem consideradas adequadas, devem

se enquadrar em algum dos tipos:

(a) resposta com trajetória indireta –  começam com uma unidade de fala que não pode

ser, em si mesma, ser uma resposta possível, mas que é parte de uma fala maior que

 pode ser vista, no todo, como uma resposta.

(b) r esposta mínima +elaboração -  começa com uma unidade de fala que fornece a

informação alvo colocada pela pergunta de forma mínima, depois segue uma fala que a

esclarece e elabora (e.g.pergunta sim/não).

(c) resposta com a relevância da pergunta - uma palavra-chave da pergunta é retomada

na resposta.

Page 5: 07022012013127 Não Sei o nome

7/23/2019 07022012013127 Não Sei o nome

http://slidepdf.com/reader/full/07022012013127-nao-sei-o-nome 5/18

 

W e b - R e v i s t a S O C I O D I A L E T O •   w w w . s o c i o d i a l e t o . c o m . b r

Bacharelado em Linguística e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande

M e s t r a d o e m L e t r a s •   U E M S / C a m p o G r a n d e

ISSN: 2178-1486 •   Volume 1 •   Número 6 •   fevere iro 2012

Homenagem ao Prof. Dr. Ataliba Teixeira de Castilho

(d) resposta com retomada anafórica - uso de palavras de referência anafórica, tais

como:  pronomes, alguns verbos, frases, porque. São palavras muito dependentes da

 pergunta, pois é na pergunta que elas adquirem referência.

Quando a resposta não atende a esses critérios, somos convocados a examinar o

que tradicionamente tem sido rotulado como “evasão”, porque foge ao posto ou

 pressuposto da pergunta. Esta “fuga” pode levar aquele que pergunta a reintroduzi-la

com o objetivo de forçar o respondente (em nossos dados, entrevistado ou parte em

litigio) a oferecer a informação solicitada.

2.1.2 Tipos de “não-respostas” 

Dentre a literatura existente sobre o tema da evasão (Bull, 1994; Clayman, 2001;

Galasinski, 1996; Bavelas et al , 1988),destacamos como contribuição teórica e analitica,

 para este estudo, os trabalhos de Clayman (2001) e Galasinski (1996). Segundo esses

autores, o interlocutor pode não oferecer a resposta projetada por uma dada pergunta ou

mesmo não oferecer qualquer resposta. Quando não há uma resposta satisfatória1

,ocorre o que eles denominam evasão. A evasão, segundo esses autores, pode se realizar

 por meio de práticas “abertas” ou “encobertas”. Dentro desses dois grupos apresentam-

se vários subtipos de estratégias evasivas, como veremos a seguir.

2.1.2.1 R espostas evasivas “abertas” 

Dentre os subtipos oferecidos por Clayman, 2001 e Galasinski, 1996,

selecionamos e adaptamos alguns tipos , relevantes ao nosso estudo, considerando a

 principal característica da “evasão”: 

1Esse julgamento deriva-se do fato de que aquele que pergunta poder mostrar, em turno subsequente, suasatisfação ou não com a resposta, quando não pode reformular/reapresentar a pergunta. 

Page 6: 07022012013127 Não Sei o nome

7/23/2019 07022012013127 Não Sei o nome

http://slidepdf.com/reader/full/07022012013127-nao-sei-o-nome 6/18

 

W e b - R e v i s t a S O C I O D I A L E T O •   w w w . s o c i o d i a l e t o . c o m . b r

Bacharelado em Linguística e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande

M e s t r a d o e m L e t r a s •   U E M S / C a m p o G r a n d e

ISSN: 2178-1486 •   Volume 1 •   Número 6 •   fevere iro 2012

Homenagem ao Prof. Dr. Ataliba Teixeira de Castilho

(a) solicitação de evasão  –  o respondente pede permissão para mudar a agenda

tópica da pergunta;

(b) solicitação de divergência  –   o respondente procura justificar a evasão em

função de sua divergência com o posto ou pressuposto da pergunta;

(c)  transferência responsabilidade resposta - o respondente atribui a outrem o

dever de resposta;

(d) desvalorização da pergunta -  o respondente contesta a relevância da

 pergunta, os dados que ela contém, etc;

(e) desconhecimento da resposta - o respondente diz que é impossível responder

o que lhe foi perguntado, seja por razões de tempo, falta de dados

apropriados, etc;

(f)  recusa explícita - o respondente declara que não vai responder o que lhe foi

 perguntado;

(g) resposta por implicatura - o respondente constrói uma resposta indireta.

2.1.2.2 R espostas evasivas “encobertas” 

Como o próprio nome sinaliza, tratamos aqui das respostas em que o

respondente usa de algum artifício para se evadir da resposta. Por exemplo:

(a) mascaramento - o respondente utiliza repetição de palavras e pronomes anafóricos

 para mascarar que as respostas são substancialmente resistentes.

(b) paráfrase- o respondente parafraseia a pergunta, reformulando-a a sua maneira.

(c) expansão do escopo da pergunta- o respondente oferece uma resposta, ampliando o

contexto da pergunta.

(d) mudança do foco da pergunta- o respondente foge ao que era focal na pergunta, em

termos de posto ou de pressuposto.

Page 7: 07022012013127 Não Sei o nome

7/23/2019 07022012013127 Não Sei o nome

http://slidepdf.com/reader/full/07022012013127-nao-sei-o-nome 7/18

 

W e b - R e v i s t a S O C I O D I A L E T O •   w w w . s o c i o d i a l e t o . c o m . b r

Bacharelado em Linguística e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande

M e s t r a d o e m L e t r a s •   U E M S / C a m p o G r a n d e

ISSN: 2178-1486 •   Volume 1 •   Número 6 •   fevere iro 2012

Homenagem ao Prof. Dr. Ataliba Teixeira de Castilho

Com a análise dos dados do PROCON e de uma entrevista televisiva com políticos,

identificomos um quinto subtipo de evasão encoberta que não havia sido, até então, tratado

como tal na literatura sobre “evasão”,  por nós denominado “evasão por meio do uso de

 perguntas retóricas”.  Nessas práticas de evasão, os respondentes utilizam perguntas retóricas

 para não responderem o que lhes foi perguntado. Lembramos que o presente trabalho terá como

foco essa última estratégia de produção de resposta evasiva encoberta, descrita e analisada de

forma mais a miúde a seguir. 

(e) Evasão por meio do uso de perguntas retóricas

Frank (1990) destaca que estudos apontam que embora a maioria dos falantes

reconheça a existência de “perguntas  retóricas” e seja capaz de fornecer exemplos

dessas perguntas, a análise de dados de fala espontânea tem apontado a dificuldade de

serem definidas de forma a dar conta dos seus diferentes usos. Tradicionalmente,

entende-se como perguntas retóricas aquelas perguntas em que não há a expectativa de

resposta. No presente trabalho, estamos considerando que há dois tipos de perguntas

retóricas: (1) perguntas que não apresentam nenhum tipo de resposta, conforme adefinição tradicional de perguntas retóricas, e o tipo identificado neste trabalho - (2)

 perguntas feitas pelo respondente e respondidas por ele mesmo.

As “perguntas retóricas” são inerentemente complexas por apresentarem

diversidade e imprecisão em suas definições, o que torna difícil, portanto, uma

identificação precisa e confiável desse fenômeno. Não há um consenso entre os

estudiosos sobre a função das “perguntas retóricas” e uma teoria consistente e única

ainda está longe de ser alcançada.

Estudos mostram que as “perguntas retóricas” podem ser utilizadas com a

função argumentativa de convencer/persuadir. Deste modo, elas são comuns em

contextos em que a principal meta comunicativa é a de conquistar adesão a pontos de

vista (Anzillotti, 1982 apud Frank, 1990). Segundo pesquisadores da área da psicologia

Page 8: 07022012013127 Não Sei o nome

7/23/2019 07022012013127 Não Sei o nome

http://slidepdf.com/reader/full/07022012013127-nao-sei-o-nome 8/18

 

W e b - R e v i s t a S O C I O D I A L E T O •   w w w . s o c i o d i a l e t o . c o m . b r

Bacharelado em Linguística e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande

M e s t r a d o e m L e t r a s •   U E M S / C a m p o G r a n d e

ISSN: 2178-1486 •   Volume 1 •   Número 6 •   fevere iro 2012

Homenagem ao Prof. Dr. Ataliba Teixeira de Castilho

(Cacioppo & Petty, 1982 apud Frank, 1990), os efeitos persuasivos das “perguntas

retóricas” são muito superiores aos efeitos persuasivos das asserções.

Frank (op. cit) conclui que há contextos que favorecem o uso desse tipo de

 pergunta. Assim, por essas perguntas terem como função primária a persuasão, elas são

encontradas em frequência maior em conversas marcadas por conflito2 real ou potencial.

O autor conclui ainda que uma teoria universal que dê conta das formas e funções das

“perguntas retóricas” está longe de ser produzida/alcançada e que muitos dos trabalhos

realizados sobre essas construções foram baseados em dados de fala monitorada e não

em dados reais de fala.

Em nossos dados, observamos a ocorrência de tais perguntas nas respostas, o

que constitui uma prática de evasão encoberta, pois ao usá-las, em nenhum momento, o

locutor tenta explicar sua “não-resposta” ou demonstra que não dará a resposta

esperada.

A seguir, veremos como se dá o uso estratégico/persuasivo das perguntas

retóricas para evasão nos tipos de atividade (Levinson, 1992 e Sarangi, 2000) por nós

analisados: uma entrevista do programa Roda Viva e duas audiências de conciliação

realizadas no PROCON de uma cidade mineira.

3.  Análise dos dados

Conforme foi dito, encontramos em nossos dados uma estratégia de evasão não

apontada na literatura - a evasão por meio de perguntas retóricas. Por isso, no presente

trabalho, analisaremos algumas ocorrências desse tipo de evasão.

2  Conflito é aqui entendido como “a incompatibilidade, percebida ou real, de valores, expectativas,

 processos ou resultados entre duas ou mais partes sobre questões substantivas ou relacionais " (Ting-Toomey, 1994, p. 360).

Page 9: 07022012013127 Não Sei o nome

7/23/2019 07022012013127 Não Sei o nome

http://slidepdf.com/reader/full/07022012013127-nao-sei-o-nome 9/18

 

W e b - R e v i s t a S O C I O D I A L E T O •   w w w . s o c i o d i a l e t o . c o m . b r

Bacharelado em Linguística e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande

M e s t r a d o e m L e t r a s •   U E M S / C a m p o G r a n d e

ISSN: 2178-1486 •   Volume 1 •   Número 6 •   fevere iro 2012

Homenagem ao Prof. Dr. Ataliba Teixeira de Castilho

Vejamos alguns exemplos de uso de perguntas retóricas nas respostas durante as

audiências de conciliação do PROCON e a entrevista no “Roda Viva”. 

Exemplo (1):

09 Ana /então/ uma bomba elétrica estaria dentro da garan[ t i a, né? ]101112131415

José [é o que o ca]rafalou comigo. tem jeito de você prever, pre- prever alguma

coisa aqui? não, não, não, aconteceu. É uma coisa- uma parteelétrica? é igual ignição e cabo de vela, que tem que trocar (0.8) ocarro começou a::rodar, corrente (0.5) parou (0.2) eu vou- omecânico vai prever na HORA que ele vai ver o carro? não vai 

1617

Ana a parte elétrica aqui eu não concordo não. a maioria dessascoisas aqui, é::, =

1819

20

Pedro =igual correia dentada, tu- tudo bem, é desgaste, mas serebenta, e essas coisas assim, tá dentro tá onde, tá onde, onde

que tá? Tá dentro do motor, né?[ e o quê que vai acontecer? ]

O que está em jogo, neste segmento de fala, é a disputa daquilo que pode ser

considerado coberto pela garantia e aquilo que o mecânico pode analisar quando vistoria

um carro usado,para recomendar ou não sua compra. Assim, ao ser perguntado pela

mediadora sobre a cobertura de um item específico (então/ uma bomba elétrica estaria

dentro da garan[ t i a, né?]),o que mais parece um pedido de confirmação, Joséreformula a pergunta retirando o foco “aquilo que a garantia cobre” (linha 9) para a

 possibilidade ou não de identificação dos defeitos quando se compra um carro usado

“tem jeito de você prever, pré- prever alguma coisa aqui?”e “o mecânico vai prever na

 HORA que ele vai ver o carro? (linhas 11 a 15).

 Audiência: Ok Veículos Participantes: José (consumidor), Ana (mediadora) e Pedro (amigo do consumidor)

 Problema: Como definir, na prática, o que está coberto pela garantia,considerando-se o que dispõe o Código de Defesa do Consumidor (CDC)

Page 10: 07022012013127 Não Sei o nome

7/23/2019 07022012013127 Não Sei o nome

http://slidepdf.com/reader/full/07022012013127-nao-sei-o-nome 10/18

 

W e b - R e v i s t a S O C I O D I A L E T O •   w w w . s o c i o d i a l e t o . c o m . b r

Bacharelado em Linguística e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande

M e s t r a d o e m L e t r a s •   U E M S / C a m p o G r a n d e

ISSN: 2178-1486 •   Volume 1 •   Número 6 •   fevere iro 2012

Homenagem ao Prof. Dr. Ataliba Teixeira de Castilho

10 

Vemos que o reclamante, ao formular a pergunta, o faz de forma a pressupor

uma resposta negativa evidente, já que está enquadrando os problemas apresentados

 pelo carro comprado como “invisíveis”, categoria esta usada no CDC como um dos

fatores que podem garantir ao consumidor uma futura reparação ou troca do produto.

Um outro aspecto das perguntas retóricas merece nossa atenção: o fato de serem,

geralmente, respondidas por quem as formula, conforme podemos ver à linha 15 (:não

vai).

Esse mesmo fenômeno pode ser identificado, mais adiante, na fala de Pedro,

amigo do reclamante que o acompanha nessa audiência. Às linhas 19 e 20: “tá onde, tá

onde, onde que tá? Tá dentro do motor, né?” e “quê que vai acontecer?”. Sua fala

aparece como uma evasão à avaliação, feita pela mediadora à fala de José, de que a

 parte elétrica não estaria coberta pela garantia (linhas 16-17), já que não parece ter uma

opinião clara sobre os itens que estariam cobertos pela garantia, objeto da pergunta. Ao

evadir-se, Pedro aparentemente deseja dar sustentação/continuidade ao argumento de

José de que há problemas que não se podem  prever, usando como exemplo “a correia

dentada” que, embora seja passível de desgaste, faz parte do motor, logo estaria coberta

 pela garantia que, segundo o reclamado, cobre apenas “motor e caixa”.

Há, portanto, o uso de perguntas retóricas em ambos os casos para direcionar a

argumentação, evadindo-se de uma pergunta/comentário para a qual ou não se tem uma

resposta direita ou não é interessante, do ponto de vista argumentativo, oferecer uma

resposta “satisfatória”. 

Exemplo (2):

 Audiência: Rui Pedreiro Participantes: Jorge (mediador) e Lúcia (reclamante)Tópico: o acordado entre Lúcia e Rui

01 Jorge Pelo aco- pelo que ele tinha com- falado com a senhora, iria ser feito é

Page 11: 07022012013127 Não Sei o nome

7/23/2019 07022012013127 Não Sei o nome

http://slidepdf.com/reader/full/07022012013127-nao-sei-o-nome 11/18

 

W e b - R e v i s t a S O C I O D I A L E T O •   w w w . s o c i o d i a l e t o . c o m . b r

Bacharelado em Linguística e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande

M e s t r a d o e m L e t r a s •   U E M S / C a m p o G r a n d e

ISSN: 2178-1486 •   Volume 1 •   Número 6 •   fevere iro 2012

Homenagem ao Prof. Dr. Ataliba Teixeira de Castilho

11 

0203

a casa ia ser entijolada, batido a laje e, e emboçada[e feito] o piso?

040506

Lúcia [ e l e ] ele falou que ia me dar a casa no ponto pra mim MORAR, pramim MORAR. se ele não ia fazer o piso, se ele não ia rebocar, comoé que eu ia morar? 

Jorge, o mediador, inicia seu turno de fala fazendo um reparo ao tipo de

“acordo” existente entre Lúcia, a reclamante, e Rui, o reclamado. Como não foi firmado

um acordo, por escrito, o mediador tenta estabelecer o tipo de combinação verbal

existente entre as partes. Tendo ouvido a versão do reclamado, segundo a qual este teria

se comprometido apenas em “entijolar e a bater a laje”  e feito, como um favor, o

emboço e o piso, o mediador submete à reclamante esta versão na forma de uma

 pergunta do tipo sim/não. Lúcia não confirma, nem desconfirma a lista de ações

realizadas, segundo o pedreiro. Escolhe responder com uma pergunta retórica (linhas 5 e

6) em que defende que o acordo era entregar a casa “no ponto pra mim MORAR” (linha

4), Logo, por implicatura, o reclamado teria ainda que fazer, por exemplo, o reboco.

Entretanto, a forma como a reclamante enquadra sua versão do “acordo”, não conbribui

 para a formulação objetiva do mesmo, serve apenas para refutar o argumento inicial do

reclamado de que o compromisso era apenas o de “entijolar e fazer a laje”.  

 Na entrevista com o Ministro Paulo Renato, ou seja, no contexto político, as

 perguntas retóricas também foram frequentes, observem:

Exemplo (3):

1234567

Edor.: e eu gostaria de saber então ... antes de mais nada ... pracomeçar ... eh ...qual é a situação da reforma do Ensino Médio ?eh ... eu sei que há apenas cinco estados até agora ...infelizmente apresentaram os seus progra ... planos de reformasque seria fundamental pra terem acesso ao dinheiro ... eh ... oempréstimo do BIRD ... esses estados são São Paulo Ceará BahiaPernambuco e Goiás gostaria então que o senhor começasse dizendo

 Entrevista “Roda Viva”  Participantes: Um dos entrevistadores (Edor) e o ministro Paulo Renato (MPR)

 Problema: As mudanças propostas pela Reforma do Ensino Médio 

Page 12: 07022012013127 Não Sei o nome

7/23/2019 07022012013127 Não Sei o nome

http://slidepdf.com/reader/full/07022012013127-nao-sei-o-nome 12/18

 

W e b - R e v i s t a S O C I O D I A L E T O •   w w w . s o c i o d i a l e t o . c o m . b r

Bacharelado em Linguística e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande

M e s t r a d o e m L e t r a s •   U E M S / C a m p o G r a n d e

ISSN: 2178-1486 •   Volume 1 •   Número 6 •   fevere iro 2012

Homenagem ao Prof. Dr. Ataliba Teixeira de Castilho

12 

 No exemplo (3), o entrevistador quer que o ministro Paulo Renato comente as

mudanças propostas por ele para o Ensino Médio  –  “ qual é a situação da reforma do

 Ensino Médio?”  (linha 2) e “quais são os programas que a reforma do ensino médio

tem feito?” (linha 8).

O ministro inicia seu turno de fala (linhas 9 a 11) produzindo um tipo de evasão

 previsto nas tipologias de Clayman (2001) e Galasinski (1996) que denominamos de

“solicitação de evasão”, em que o respondente pede permissão para mudar a agenda

tópica da pergunta (linhas 9 e 10) - “... eu queria começar com uma análise do primeiro

dado  que você mencionou”. Trata-se, portanto, de uma evasão anunciada ou em que o

respondente pede permissão para falar de outro assunto, não focalizado na pergunta,

mas mencionado antes de forma prejudicial para a imagem do governo e retomado por

8 quais são os programas que a reforma do ensino médio tem feito? 

91011121314

MPR: eu ... eu queria começar com uma análise do primeiro dado quevocê mencionou porque eu acho que é muito sintomático ... eu viesse dado … de 18 a 24 anos apenas 40% das crianças ... dos  jovens estão na escola … nós temos a mania no Brasil deenfatizarmos os dados piores possíveis não é ... e eu gostaria deenfatizar outros dados ...

15 Edor: humhum

1617

1819202122232425262728293031

MPR: 96% das crianças de 7 a 14 anos estão na escola e 85% dos jovensde 15 a 17 anos estão na escola ...é claro que nós temos ainda

uma baixa proporção de jovens no ensino médio e no ensinosuperior..por quê? porque há ainda no Brasil ... nós temos umaherança ... de uma situação em que poucos jovens concluíam oEnsino Fundamental e concluíam já numa idade muito avançada quandonós assumimos o governo ... apenas 50% das crianças concluíam oensino fundamental e levava doze anos pra concluir... isto jámelhorou ...hoje temos 63% que estão concluindo e estão levando emmédia dez anos ... o que acontecia antes ... eles terminavam numaidade onde não podiam continuar estudando, tinham que ir promercado de trabalho não é ... então ... anh ... se nós tomamos só18 a 24 anos.. a proporção é baixa por quê? Porque justamenteesses jovens não tiveram a oportunidade de concluir o EnsinoFundamental e o Médio na idade adequada pra continuar estudando ... Agoraisso vem mudando radicalmente no Brasil ...

Page 13: 07022012013127 Não Sei o nome

7/23/2019 07022012013127 Não Sei o nome

http://slidepdf.com/reader/full/07022012013127-nao-sei-o-nome 13/18

 

W e b - R e v i s t a S O C I O D I A L E T O •   w w w . s o c i o d i a l e t o . c o m . b r

Bacharelado em Linguística e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande

M e s t r a d o e m L e t r a s •   U E M S / C a m p o G r a n d e

ISSN: 2178-1486 •   Volume 1 •   Número 6 •   fevere iro 2012

Homenagem ao Prof. Dr. Ataliba Teixeira de Castilho

13 

ele às linhas 11 e 12  –  “de 18 a 24 anos apenas 40% das crianças ... dos jovens estão

na escola”- e explicitamente escolhe falar de dados positivos para a imagem do governo

 –  “96% das crianças de 7 a 14 anos estão na escola e 85% dos jovens de 15 a 17 anos

estão na escola”. O ministro vale-se de perguntas retóricas para introduzir “escusas”3 

 para o dado por ele enquadrado como “negativo”. Nas linhas 17 a 19, ele introduz, na

forma de pergunta, qual seria a causa do baixo percentual de jovens de 18 a 24 anos

matriculados –  “éclaro  que nós temos ainda uma baixa proporção de jovens no ensino

médio e no ensino superior..por quê? ”  A causa apontada desresponsabiliza o Governo

ou sua gestão no Ministério da Educação: seria uma “herança” da situação em que

 poucos jovens concluíam o segundo grau ou o faziam já em idade avançada. Através

desse recurso, ele assume o controle sobre a agenda tópica (aquilo sobre o que se fala

num encontro) e expõe seu ponto-de-vista, tendo como uma de suas metas

comunicativas afastar de sua gestão qualquer responsabilidade pelo problema.

Exemplo (4):

12

Edort como? como saber? como economista que gosta de mostrar osíndices.. ((rindo))

3 MPR agora vamos ver ... agora eu vou ser economista..4 Eort Me mostra os índices... Por que há menos?5 MPR Agora eu vou ser economista não é?6 Edor Como provar que há menos?..há menos

789101112

MPR vamos lá...Em SP, antes do Fundef ... eh.... dos 568 municípios deSP, apenas 68.. eh... dos 648 municípios, apenas 68 tinham redemunicipal de ensino fundamental. Todos os demais tinham que gastar25% da arrecadação em educação e não tinham escolas. Onde é quegastavam esse dinheiro? Pavimentavam a rua na frente da escola...construíam ginásio de esporte.. compravam carro pro prefeito..

3 Escusa, segundo Sottt & Lyman (1968), é um tipo de explicação em que se atribui a terceiros ou a

fatores externos a responsabilidade por um problema.

 Entrevista “Roda Viva” 

 Participantes: Um dos entrevistadores e o ministro Paulo Renato Problema: Como provar que o Fundef diminuiu a corrupção? 

Page 14: 07022012013127 Não Sei o nome

7/23/2019 07022012013127 Não Sei o nome

http://slidepdf.com/reader/full/07022012013127-nao-sei-o-nome 14/18

 

W e b - R e v i s t a S O C I O D I A L E T O •   w w w . s o c i o d i a l e t o . c o m . b r

Bacharelado em Linguística e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande

M e s t r a d o e m L e t r a s •   U E M S / C a m p o G r a n d e

ISSN: 2178-1486 •   Volume 1 •   Número 6 •   fevere iro 2012

Homenagem ao Prof. Dr. Ataliba Teixeira de Castilho

14 

 No exemplo (3), o ministro argumenta que com a implantação do seu programa

 para o Ensino Fundamental, denominado Fundef, a corrupção diminuiu. Com isso, o

entrevistador pede ao ministro que prove que, de fato, houve uma redução na corrupção

e que mostre que há menos corrupção com a implantação do Fundef (“Como provar que

há menos?”, linha 6). Assim, ao construir sua argumentação, Paulo Renato defende que

o Fundef possibilitou um controle maior do dinheiro destinado à educação e para

fundamentar sua resposta, ele fala sobre como o dinheiro da educação, no passado,

 poderia ser gasto- “Onde é que gastavam esse dinheiro?” (Linhas 10 e 11). Entretanto,

não consegue provar que essa situação, de fato, mudou, isto é, que o dinheiro da

educação não continua sendo gasto para esses fins. Assim, a pergunta retórica e a sua

resposta subsequente, ao contrapor passado e presente, comprovam o que ministro

defende: agora há um controle maior do dinheiro da educação e, consequentemente,

menos corrupção. No entanto, o ministro usa estrategicamente as perguntas retóricas e

não prova, com números, conforme proposto pelo entrevistador, que há menos

corrupção.

4.  Considerações finais 

Com a análise dos dados, descobrimos uma prática de evasão muito importante

que não foi contemplada nas tipologias de Galasinski (1996) e Clayman (2001): evasão

 por meio do uso de perguntas retóricas. Cabe destacar que não encontramos na

literatura nenhuma referência a essa prática de evasão. Entretanto, em nossos dados,

respostas que utilizavam essa estratégia de evasão foram muito frequentes.

A ocorrência desse tipo de recurso discursivo, no PROCON e na entrevista com

Paulo Renato, parece atender a uma meta comunicativa de ordem interacional: a defesa

de uma imagem positiva para o respondente, já que são usadas quando as perguntas que

lhe são endereçadas podem ser enquadradas como algum tipo de ameaça ou provocação.

Page 15: 07022012013127 Não Sei o nome

7/23/2019 07022012013127 Não Sei o nome

http://slidepdf.com/reader/full/07022012013127-nao-sei-o-nome 15/18

 

W e b - R e v i s t a S O C I O D I A L E T O •   w w w . s o c i o d i a l e t o . c o m . b r

Bacharelado em Linguística e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande

M e s t r a d o e m L e t r a s •   U E M S / C a m p o G r a n d e

ISSN: 2178-1486 •   Volume 1 •   Número 6 •   fevere iro 2012

Homenagem ao Prof. Dr. Ataliba Teixeira de Castilho

15 

O destaque dado às  perguntas retóricas: evasivas, justifica-se primeiro, porque

elas foram muito recorrentes nas atividades analisadas; segundo, porque não tinham

sido apontadas por nenhum autor como um possível tipo de evasão nas respostas;

terceiro, porque, embora elas pareçam exercer a função de direcionar o discurso, podem

adquirir funções específicas em diferentes contextos.

 Notamos que, as  perguntas retóricas  podem ser utilizadas como recurso

argumentativo, mais precisamente como uma estratégia usada para orientar os

argumentos para uma dada conclusão (cf. Koch, 1995) ou para sustentar um dado

argumento.O ex-ministro utilizou perguntas retóricas em suas respostas, ou em seu

 papel discursivo de respondente, principalmente, para ter possibilidade de refocalizar e

de mostrar/falar sobre o que lhe seria conveniente, esta seria uma forma de resistir ao

controle que os entrevistadores detêm sobre os entrevistados, porque em tese, controlam

a agenda tópica prevista para o encontro. No PROCON, essas perguntas foram usadas

 principalmente para desafiar a parte oponente, na tentativa de desqualificar os

argumentos da outra parte, posicionando-os como irrelevantes ou questionando a

racionalidade dos mesmos. Nas audiências de conciliação, no PROCON, desqualificar

os argumentos do outro está a serviço da atribuição ou refutação da responsabilidade

 pelo problema que deu origem à reclamaçao.

Há, entretanto, a necessidade de se aprofundar a investigação, nos contextos,

estudados, fazendo-se necessário incluir outros tipos de atividades em futuras pesquisas

sobre o tema. Principalmente, seria importante investigar, de forma mais sistemática, as

razões discursivas que levam o respondente a evadir-se da resposta. Por exemplo,Bavelas et al  (1998) mostra que os políticos optam pela evasão em entrevistas por causa

da natureza das perguntas que são utilizadas pelos entrevistadores. Segundo esses

autores, as perguntas utilizadas nessas entrevistas exigem um posicionamento claro por

 parte dos respondentes, o que pode comprometer a imagem pública que querem

resguardar. Entretanto, se os políticos não produzem uma resposta, são julgados

Page 16: 07022012013127 Não Sei o nome

7/23/2019 07022012013127 Não Sei o nome

http://slidepdf.com/reader/full/07022012013127-nao-sei-o-nome 16/18

 

W e b - R e v i s t a S O C I O D I A L E T O •   w w w . s o c i o d i a l e t o . c o m . b r

Bacharelado em Linguística e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande

M e s t r a d o e m L e t r a s •   U E M S / C a m p o G r a n d e

ISSN: 2178-1486 •   Volume 1 •   Número 6 •   fevere iro 2012

Homenagem ao Prof. Dr. Ataliba Teixeira de Castilho

16 

negativamente. Esta parece ser a razão pela qual, no discurso politico, haja uma

 preferência pelas evasões “encobertas”. 

Do mesmo modo, acreditamos que as “não-respostas”, nos contextos políticos e

nas audiências de conciliação do PROCON, aqui analisados, o uso de evasões

encobertas pode decorrer do tipo de perguntas utilizadas: perguntas “  embaraçosas”.

Com isso, respostas claras a esse tipo de perguntas pode ocasionar prejuízos à imagem

do entrevistado/respondente. Há, nestes contextos, uma constante negociação do que

mostrar e do que esconder em termos informacionais, o que justificaria a “evasão” ser

uma prática discursiva relevante quando um dos participantes, cria para um outro a

“obrigação” de responder, pelo simples fato de tê-lo posicionado no papel discursivo de

“respondente”. 

 No caso do programa “Roda Viva”, o entrevistador pergunta sobre aquilo que

 julga que o telespectador tenha o direito de ser informado. As perguntas podem

focalizar questões relativas ao exercício do cargo de Ministro. Responder de forma clara

e objetiva  pode, entretanto, não ser a melhor opção “política”. No PROCON, as

 perguntas feitas pelo mediador, por exemplo, podem ter como meta estabelecer/atribuir

responsabilidades pelos danos/prejuízos do consumidor. Há aqui, via de regra,

interesses conflitantes: o consumidor deve apresentar argumentos que responsabilizem o

reclamado e a este cabe, por vezes, refutar os argumentos do reclamante.

Uma das razões, então, para o uso frequente de respostas evasivas em nossos

dados, pode ser a tentativa de evitar respostas que produzam danos morais ou materiaisaos respondentes. Do ponto de vista discursivo, são usadas, principalmente, para mudar

ou reformular o foco da pergunta, seja por discordar do que é posto ou pressuposto pela

mesma, seja para proteger os interesses do respondente.

Referências Bibliográficas:

Page 17: 07022012013127 Não Sei o nome

7/23/2019 07022012013127 Não Sei o nome

http://slidepdf.com/reader/full/07022012013127-nao-sei-o-nome 17/18

 

W e b - R e v i s t a S O C I O D I A L E T O •   w w w . s o c i o d i a l e t o . c o m . b r

Bacharelado em Linguística e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande

M e s t r a d o e m L e t r a s •   U E M S / C a m p o G r a n d e

ISSN: 2178-1486 •   Volume 1 •   Número 6 •   fevere iro 2012

Homenagem ao Prof. Dr. Ataliba Teixeira de Castilho

17 

BAVELAS, Janet et al. Political Equivocation: A Situational Explanation.  Journal ofLanguage and Social Psychology: 1988. p. 137- 145.

BULL, Peter. On identifying questions, replies and non-replies in political interviews.Journal of Language and Social Psychology 13 (2), 1994. p. 115 – 13.

CLAYMAN, Steven. Answers and evasions. Language in Society (30), 2001. p. 403 – 

442.

COSTA, S. M. Práticas discursivo-interacionais de “não-resposta”: evadir-se ounão da pergunta em contextos institucionais. 2010. 175f. Dissertação (Mestrado emLinguística) –  Universidade Federal de Juiz de Fora/ Faculdade de Letras.

FRANK, Jane. You call that a rhetorical question? Forms and Functions of RhetoricalQuestions in Conversation. Journal of Pragmatics (14), 1990. p. 723-738

GALASINSKI, D. Deceptiveness of evasion.TEXT, v.16, n 1, 1996. p. 1-22.

KOCH, Ingedore Villaça. A Inter-ação pela linguagem, São Paulo: Contexto, 1995. 

LEVINSON, S. Activity types and Language. IN:______Drew, P & Heritage,J.(eds.). Talk at Work. Interaction in institutional settings. Cambridge, CambridgeUniversity Press, 1992.

LEVINSON, Stephen C. A Estrutura Conversacional. In: Pragmática. Trad. LuisCarlos Borges e Aníbal Mari. São Paulo: Martins Fontes, 2007[1983]. p. 361- 475.

SARANGI S. Activity types, discourse types and interactional hybridity. IN: Sarangi S,Coulthard M.(eds.) Discourse and Social L if e . London: Pearson, 2000. p. 1-27.

SCOTT, M.B, & LYMAN, S.M. Accounts. American sociological Review , v.33, 1968. p. 46-62.

SILVEIRA, S.B. & COSTA,S.M.. Rhetoric questions in answers: a covert way to evade

from questions. 12

th

 International Conference on Pragmatics. IPrA, Manchester, UK,2011.

TING-TOOMEY, S. Managing intercultural conflicts effectively. In L. Samovar & R.Porter (Eds.), Intercultural communication: A reader.  Belmont, CA: Wadsworth,1994. p.360-372.

Referências recomendadas:

Page 18: 07022012013127 Não Sei o nome

7/23/2019 07022012013127 Não Sei o nome

http://slidepdf.com/reader/full/07022012013127-nao-sei-o-nome 18/18

 

W e b - R e v i s t a S O C I O D I A L E T O •   w w w . s o c i o d i a l e t o . c o m . b r

Bacharelado em Linguística e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande

M e s t r a d o e m L e t r a s •   U E M S / C a m p o G r a n d e

ISSN: 2178-1486 •   Volume 1 •   Número 6 •   fevere iro 2012

Homenagem ao Prof. Dr. Ataliba Teixeira de Castilho

18

DREW, P.; HERITAGE, J. Analyzing talk at work. In: Talk at work . New York:Cambridge University Press, 1992.

GOFFMAN, E. A. “Footing”. In: RIBEIRO, Branca Telles & GARCEZ, Pedro M.(orgs.) Sociolingüística interacional. 2 ed. São Paulo, Loyola, 2002. p. 107-148.

SACKS, H.; SCHEGLOFF, E.; JEFFERSON, G. A simplest systematics for theorganization Of turn-taking in conversation. In: Language (50), 1974. p.696-735.

SCHEGLOFF, Emanuel. S  Sequence organization in interaction: A primer inconversation analysis. volume 1. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2007.

 p.1-12.

Recebido Para Publicação em 29 de dezembro de 2011.

Aprovado Para Publicação em 23 de janeiro de 2012.