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não sei sentil-o . . . . lá não sei em que parte da alma é que se sente. .. Puzeram ao meu sentimento do meu corpo uma mortalha de chumbo... Para que foi que nos contastes a vossa historia? Segunda. — Já não me lembro. . . Já mal me lembro que a contei. . . Parece ter sido ha tanto tempo!... Que somno, que somno absorve o meu modo de olhar para as cousas!... O que é que nós queremos fazer? o que é que nós temos idéa de fazer?—já não sei se é fallar ou não fallar. Primeira. — Não fallemos mais. Por mim, cança-me o esforço que fazeis para fallar... Dóe me o intervallo que ha entre o que pensaes e o que dizeis... A minha consciência boia á tona da somnolencia apavorada dos meus sentidos pela minha pele... Não sei o que é isto, mas é o que sinto... Preciso dizer phrases confusas, um pouco longas, que custem a dizer. . . Não sentis tudo isto como uma aranha enorme que nos tece de alma a alma uma teia negra que nos prende ? Segunda. — Não sinto nada... Sinto as minhas sensações como uma cousa que se não sente... Quem é que eu estou sendo?... Quem é que está fallando com a minha voz?... Ah, escutae... Primeira e Terceira. — Quem foi ? Segunda. — Nada. Não ouvi nada... Quiz fingir que ouvia para que vós suppozesseis que ouvíeis e eu pudesse crer que havia alguma cousa a.ouvir... Oh, que horror, que horror intimo nos desata a voz da alma, e as sensações dos pensamentos, e nos faz fallar e sentir e pensar, quando tudo em nós pede o silencio e o dia e a inconsciência da vida. . . Quem é a quinta pessoa neste quarto que estende o braço e nos interrompe sempre que vamos a sentir ?. . Primeira. — Para quê tentar apavorar-me ?... Não cabe mais terror dentro de mim... Peso excessivamente ao collo de me sentir. Afundei-me toda no lodo morno do que suppo- nho que sinto. Entra-me por todos os sentidos qualquer cousa que m'os pega e m'os vela. Pesam as pálpebras a todas as minhas sensações. Prende-se a lingua a todos os meus sentimentos. Um somno fundo colla uma ás outras as idéas de todos os meus gestos. . . Porque foi que olhastes assim?... Terceira. — (numa ror: muito lenta e apagada) — Ah, é agora, é agora... Sim, acordou alguém... 11a gente que acorda... Quando entrar alguém tudo isto acabará .. Até lá façamos por crer que todo este horror íoi um longo somno que fomos dormindo. . . E' dia j á . . . Vae acabar tudo. . . E de tudo isto fica, minha irmã, que só \ ós sois feliz, porque acreditaes no sonho... Segunda. — Porque ó que m'o perguntaes ? Porque eu o disse? Não, não acredito. . . I 111 gallo canta. A luz, como que subitamente, augmenta. As trez veladoras quedaiu-se silenciosas e sem olharem umas para as outras. Não muito longe, por uma estrada, um vago carro geme o chia. tfotÀaíitfettik''iÃjrÁ^uvu ih >Át»> t» 11/1-1 Outubro, ti) IH. y

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não sei sent i l -o . . . .lá n ã o sei em que p a r t e da a lma é que se s e n t e . . . P u z e r a m ao m e u sen t imen to do m e u corpo uma m o r t a l h a de c h u m b o . . . P a r a que foi que nos c o n t a s t e s a vossa h i s t o r i a ?

Segunda . — J á n ã o me l e m b r o . . . J á mal me l embro que a con te i . . . Pa rece ter sido j á ha t a n t o t e m p o ! . . . Que somno, que somno absorve o meu modo de o lhar p a r a as c o u s a s ! . . . O que é que nós queremos faze r? o que é que nós t emos idéa de f a z e r ? — j á não sei se é fallar ou não fal lar .

Primeira . — Não fallemos mais . P o r mim, cança-me o esforço que fazeis p a r a f a l l a r . . . Dóe me o in terval lo que ha entre o que pensaes e o que d i z e i s . . . A minha consciência boia á t ona da somnolencia apavorada dos meus sent idos pela minha p e l e . . . Não sei o que é i s to , mas é o que s i n t o . . . Prec iso dizer p h r a s e s confusas, um pouco longas , que cus t em a d ize r . . . Não sent is tudo is to como uma a r a n h a eno rme que nos tece de alma a a lma u m a te ia n e g r a que nos p rende ?

Segunda . — Não sinto n a d a . . . S in to as m inhas sensações como u m a cousa que se não s e n t e . . . Quem é que eu es tou s e n d o ? . . . Quem é que es tá fal lando com a m i n h a v o z ? . . . Ah, e s c u t a e . . .

Primeira e T e r c e i r a . — Quem foi ? Segunda . — N a d a . Não ouvi n a d a . . . Quiz fingir que ouvia p a r a que vós suppozesse i s

que ouvíeis e eu pudes se crer q u e havia a lguma cousa a . o u v i r . . . Oh, que hor ro r , que hor ro r in t imo nos de sa t a a voz da a lma, e as sensações dos p e n s a m e n t o s , e nos faz fallar e sent i r e pensa r , q u a n d o tudo em nós pede o silencio e o dia e a inconsciência da v i d a . . . Quem é a qu in t a pessoa nes te q u a r t o que es tende o braço e nos in t e r rompe sempre que v a m o s a sent i r ? . .

Pr ime ira .— P a r a quê t e n t a r apavora r -me ? . . . Não cabe mais t e r ro r den t ro de m i m . . . Peso excess ivamente ao collo de me sen t i r . Afundei-me t o d a no lodo morno do que suppo-n h o que s in to . E n t r a - m e por todos os sen t idos qua lquer cousa que m 'os pega e m 'os vela . P e s a m as pá lpeb ra s a t o d a s as minhas sensações . P rende-se a l ingua a todos os meus sen t imen tos . Um somno fundo colla u m a ás ou t r a s as idéas de t odos os meus g e s t o s . . . P o r q u e foi que o lhas tes a s s i m ? . . .

T e r c e i r a . — (numa ror: muito lenta e apagada) — Ah, é agora , é a g o r a . . . Sim, acordou a l g u é m . . . 11a gen te que a c o r d a . . . Quando e n t r a r a lguém tudo is to acabará . . A t é lá façamos por crer que todo es te ho r ro r íoi um longo somno que fomos d o r m i n d o . . . E ' dia j á . . . Vae acaba r t u d o . . . E de tudo is to fica, minha i rmã, que só \ ós sois feliz, po rque ac red i taes no s o n h o . . .

Segunda . — P o r q u e ó que m'o p e r g u n t a e s ? P o r q u e eu o d i s s e ? Não, não ac red i to . . .

I 111 gallo canta. A luz, como que subitamente, augmenta. As trez veladoras quedaiu-se silenciosas e sem olharem umas para as outras.

Não muito longe, por uma estrada, um vago carro geme o chia. tfotÀaíitfettik''iÃjrÁ^uvu ih >Át»> t»

11/1-1 Outubro, ti) IH.

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