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A ORGANIZAÇÃO CAPITALISTA DO TRABALHO “INFORMAL” O caso dos catadores de recicláveis* Antônio de Pádua Bosi Introdução Notadamente, as reflexões geográficas regis- tradas em revistas e livros acadêmicos têm consi- derado os catadores como parte de três temas mais amplos, relacionados a debates sobre (a) formas alternativas de geração de renda para trabalhado- res ditos “excluídos” (Santos, 2002; Dias, 2002), RBCS Vol. 23 n. o 67 junho/2008 Este artigo é resultado parcial da pesquisa “A organiza- ção capitalista do trabalho ‘informal’: um estudo sobre os catadores de recicláveis do Extremo Oeste do Pa- raná”, desenvolvida com o apoio material e financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científi- co e Tecnológico — CNPq. Na fase do levantamento e da produção de dados, essa pesquisa contou com as contribuições dos alunos inscritos na Iniciação Cientí- fica: Cíntia Fiorotti, Sônia Pelisser, Maralice Maschio, Fernando Henrique de Souza Paz e Francisco Voll. * (b) construção de “novos sujeitos” (Couto, 2000; Adissi, 2003; Gorbán, 2004) e (c) saúde pública (Ferreira, 2001; Porto et al., 2004). No campo das ciências humanas e sociais, as duas primeiras abor- dagens têm sido predominantes e, não raras vezes, são apresentadas articuladamente a partir de uma visão que percebe o trabalho dos catadores como “marginal” ao processo de acumulação de capital (Cesconeto, 2002). Essa interpretação geralmente tende a apreender o catador como um “trabalha- dor por conta própria” que negocia livremente o produto de seu trabalho. 1 Algumas dessas aborda- gens, quando lidam com o trabalho dos catadores organizados em cooperativas, chegam a conceituá- lo como alternativo à economia de mercado e à lógica da produção capitalista, enxergando-o como uma nova expressão da resistência e da sobrevi- vência de uma numerosa população trabalhadora socialmente excluída e que vive na informalidade (Rodrígues, 2002). Artigo recebido em outubro/2007 Aprovado em janeiro/2008

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A ORGANIZAÇÃO CAPITALISTADO TRABALHO “INFORMAL”O caso dos catadores de recicláveis*

Antônio de Pádua Bosi

Introdução

Notadamente, as reflexões geográficas regis-tradas em revistas e livros acadêmicos têm consi-derado os catadores como parte de três temas maisamplos, relacionados a debates sobre (a) formasalternativas de geração de renda para trabalhado-res ditos “excluídos” (Santos, 2002; Dias, 2002),

RBCS Vol. 23 n.o 67 junho/2008

Este artigo é resultado parcial da pesquisa “A organiza-ção capitalista do trabalho ‘informal’: um estudo sobreos catadores de recicláveis do Extremo Oeste do Pa-raná”, desenvolvida com o apoio material e financeirodo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científi-co e Tecnológico — CNPq. Na fase do levantamentoe da produção de dados, essa pesquisa contou com ascontribuições dos alunos inscritos na Iniciação Cientí-fica: Cíntia Fiorotti, Sônia Pelisser, Maralice Maschio,Fernando Henrique de Souza Paz e Francisco Voll.

*

(b) construção de “novos sujeitos” (Couto, 2000;Adissi, 2003; Gorbán, 2004) e (c) saúde pública(Ferreira, 2001; Porto et al., 2004). No campo dasciências humanas e sociais, as duas primeiras abor-dagens têm sido predominantes e, não raras vezes,são apresentadas articuladamente a partir de umavisão que percebe o trabalho dos catadores como“marginal” ao processo de acumulação de capital(Cesconeto, 2002). Essa interpretação geralmentetende a apreender o catador como um “trabalha-dor por conta própria” que negocia livremente oproduto de seu trabalho.1 Algumas dessas aborda-gens, quando lidam com o trabalho dos catadoresorganizados em cooperativas, chegam a conceituá-lo como alternativo à economia de mercado e àlógica da produção capitalista, enxergando-o comouma nova expressão da resistência e da sobrevi-vência de uma numerosa população trabalhadorasocialmente excluída e que vive na informalidade(Rodrígues, 2002).

Artigo recebido em outubro/2007Aprovado em janeiro/2008

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Este retrato acerca dos catadores parece es-tar bastante difundido, embora, num âmbito tam-bém relativamente disseminado das ciências huma-nas e sociais, haja uma discussão que interroga arelevância e a validade teórica da distinção entretrabalho (e mercado de trabalho) “formal” e “infor-mal” (Noronha, 2003; Tavares, 2004) e, num planoainda mais complexo, as noções de “inclusão” e“exclusão” social (Ribeiro, 1999). A despeito dessequestionamento, a cata de recicláveis geralmente temsido apreendida como uma modalidade de trabalho“autônomo”, uma “invenção” do próprio trabalha-dor, uma “oportunidade” em meio às reconhecidasmudanças no mundo do trabalho responsáveis peloencolhimento do número de empregos “formais”.O extremo desta abordagem é sintetizado por Rey-nals, que traduz a cata de recicláveis como “umaatividade que não exige capital ou contatos prévios,podendo ser iniciada a qualquer momento” (Rey-nals, 2002). Numa vertente moderada desta visão,encontramos ainda reflexões sobre a construção deuma nova identidade mais assentada no espaçodo que no trabalho, conforme sugere Gorbán:

Como conseqüência, um número cada vez maior depessoas perdeu suas fontes tradicionais de remuneração,encontrando-se diante da necessidade de buscar alterna-tivas. Neste contexto, a rua constituiu-se como umespaço dentro do mercado de trabalho que parecia abrirsuas portas aos trabalhadores desempregados. Assim, otrabalho dos catadores aparece como uma das diversasformas que hoje fazem da rua seu lugar de trabalho(2004, pp. 10-11).

Portanto, no conjunto desses raciocínios, otrabalho do catador não tende a ser apreendido einterpretado como trabalho explorado, que geramais-valia e que é organizado e articulado, em largamedida, em função do processo de acumulaçãode capital.

Por outro lado, a perspectiva que vê o traba-lho do catador integrado ao circuito de acumula-ção de capital tem recebido investimentos tímidose exageradamente abstratos (Gonçalves, 1999; Lealet al., 2003), já que o esforço de teorização presentenesses estudos termina por esmorecer a parca den-sidade da investigação empírica que os escoram.Soma-se a esse aspecto a ausência de qualquer exa-me sobre a rotina da cata de materiais recicláveisque tome o catador no contexto das relações soci-ais vivenciadas por ele, ou que sirva para proble-

matizar as dimensões constitutivas desse tipo detrabalho, tais como a natureza da composição darenda e do tempo gasto nessa atividade.

Investindo noutra direção, concordo em defi-nir a cata de recicláveis como trabalho capitalista eo lixo reciclável como mercadoria, desde que istoseja encarado como problema, do qual se partepara a investigação, e não como um dado que anteci-pa os resultados da pesquisa e da reflexão. Partindodas experiências dos catadores de recicláveis, discu-tirei a relação entre o trabalho considerado informale o processo de acumulação de capital relacionadocom o setor de reciclagem no Brasil. A principal hi-pótese a ser explorada indica que o trabalho dos ca-tadores de recicláveis no Brasil está integrado aoprocesso acumulação de capital e que a suposta si-tuação de exclusão dos catadores (desempregado,baixa escolaridade, faixa etária elevada) o qualificapara esse tipo de ocupação. Além disso, apesar daausência de contratos de trabalho e de pagamentoem forma de salário na rotina dos catadores, torna-se importante indagar quais as articulações existentesentre o trabalho dos catadores e o capital envolvi-do no empresariamento da reciclagem, de modo arevelar como são realizadas e reproduzidas histori-camente as condições do trabalho dos catadores.

O surgimento da cata de recicláveis

A existência de pessoas que vivem do lixonão é recente no Brasil. Elas estiveram presentes noregistro do poeta Manuel Bandeira, em 1947, quan-do escreveu “O Bicho”, denunciando o fato depessoas viverem “catando comida entre os detri-tos” (Bandeira, 1993, p. 222). Entretanto, os per-sonagens de Bandeira não eram catadores de reci-cláveis. Eles reviravam o lixo a procura de comidae não de material descartado que pudesse ser rea-proveitado como mercadoria. Cerca de trinta anosdepois, o dramaturgo Plínio Marcos retomaria adenúncia de Bandeira escrevendo a peça de teatro“Homens de Papel” (Marcos, 1978). Nela, salien-tou os conflitos entre Berrão, que comprava e re-vendia papel para reciclagem, e diversos catadoresque recolhiam o material em sacos. Na rotina diáriada catação de papel, os catadores tentavam dispu-tar com Berrão o controle sobre o trabalho.

Os catadores mencionados por Plínio Marcosjá atuavam como trabalhadores, pois recolhiam

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materiais recicláveis para outra pessoa, que os re-vendia para as recicladoras. Porém, ainda não ti-nham se espalhado por todo o país. Concentravam-se nas grandes cidades, restringindo-se à cata depapel, de garrafas de vidro e de sucata de metal,estando longe de se constituírem como uma daspopulações trabalhadoras mais numerosas da atuali-dade do mundo do trabalho. Sua presença pareciaser percebida apenas pelos poetas e dramaturgos.Na década de 1970, as pesquisas acadêmicas nãolhes tinham ainda capturado como objeto de es-tudo. As parcelas desocupadas da força de traba-lho – ou precariamente ocupadas – eram apresen-tadas como um fator complementar ao capitalismobrasileiro e não compunham, como hoje, mais dametade da população economicamente ativa do país(IBGE, 2004). Eram trabalhadores que atuavam nocusto da alimentação e em bens e serviços propria-mente urbanos, tais como quaisquer tipos de servi-ço autônomo que ajudassem na reprodução da for-ça de trabalho empregada, no sentido de barateá-la(Oliveira, 1976). Eram sapateiros, técnicos em ele-trônica, vendedores ambulantes de utensílios domés-ticos e todo tipo de trabalhadores que reparavambens de consumo. Os serviços e os artigos produ-zidos por esse tipo de trabalhador encontravammercado entre trabalhadores assalariados e de em-prego fixo, colaborando de modo indireto para oaumento da taxa de mais-valia (Prandi, 1978). Con-tudo, não foram essas as características que defini-ram a existência dos catadores de recicláveis comoforça de trabalho numericamente expressiva emmeados da década de 1980.

Quando os catadores fizeram-se visíveis nasgrandes cidades, era possível quantificá-los em mi-lhares. Estima-se que, no ano de 2005, a população decatadores no Brasil tenha ultrapassado 1 milhãode trabalhadores (UnB, 2005).2 O crescimento des-sa força de trabalho foi bastante intenso nos últi-mos quinze anos. Se considerarmos, por exemplo,que no ano de 1999 existiam cerca de 300 mil tra-balhadores envolvidos com a cata de recicláveis, oaumento percebido em relação ao ano de 2005 foisuperior a 240%. O surgimento e o crescimentodessa força de trabalho encontram paralelo nou-tros países da América Latina. Na Argentina, exis-tem cerca de 30 mil catadores somente na cidadede Buenos Aires (Gorbán, 2004). Na Colômbia,estimam-se aproximadamente 300 mil catadoresespalhados pelo país (Rodrigues, 2002). Com rela-

ção ao crescimento dessa força de trabalho no Brasil,pode-se projetá-lo retrospectivamente para a déca-da de 1980, se computarmos como evidência acriação de diversas associações de catadores nascapitais e em algumas grandes cidades. Portanto,quando os catadores tornaram-se realidade comoforça de trabalho por volta da segunda metade dadécada de 1980, sua posição não foi de comple-mentaridade, tal como eram definidos os trabalha-dores autônomos na década de 1970. De outromodo, a expansão histórica desse setor guarda re-lação estreita com a ampliação da população decatadores, tornando-se possível e viável como ne-gócio lucrativo somente quando encontrou nume-roso contingente de trabalhadores, desocupados ousemi-ocupados, convertível em catadores.

A estruturação do setor de reciclagem no delixo. Neste caso, três fatores tornariam a reciclagempouco atraente para a lógica do capital: a produ-ção e a assimilação de um novo comportamentodiante do lixo (o que tem sido chamado de “cons-ciência ecológica”), o desenvolvimento de uma le-gislação ambiental voltada para tal questão e o inves-timento em todo o país para que as empresas(públicas ou privadas) recolhessem seletivamente olixo (Von Zuben, 2005). Além disso, os programaspioneiros de coleta seletiva datam de meados da dé-cada de 1980, mas não se generalizaram antes de mea-dos da década de 1990. Portanto, essas condiçõesnão foram estabelecidas antes do ingresso de mi-lhares de trabalhadores na cata de recicláveis.3 Quan-to à periodização acerca da consolidação do setorde reciclados no Brasil, os dados indicam os últi-mos 25 anos, em Brasil, desde o seu início, tevecomo base de sustentação os próprios catadores,porque não encontrou uma solução mais barata derecolhimento e seleção dos materiais recicláveis. Paraque a reciclagem pudesse se estabelecer sem a pre-sença dos catadores teria sido necessário que a se-paração de resíduos fosse realizada por meio deuma coleta seletiva de lixo em ampla escala. Istopoderia ter sido feito pelas empresas que recolhemo lixo, desde que as residências ou as empresas queparticipassem dessa coleta tivessem separado anteci-padamente os tipos especial a partir de meados dadécada de 1995. Como rápida exemplificação, valelembrar que o Brasil assumiu, em relação a esseperíodo, posição de destaque tanto à quantidadedo material reciclado, como ao volume do fatura-mento atingido nesse negócio. No caso de plásticos

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(principalmente PET), em 2003, o índice de reci-clagem (quantidade de plástico consumida que éreciclada) do Brasil (16,5%) só foi menor do queos apresentados pela Alemanha (31,1%) e pela Áus-tria (19,1%). Naquele mesmo ano, o faturamentoatingido com os plásticos girou em torno de 1,22bilhão de reais (Cempre, 2005c). Contudo, comoalerta Varussa, “os ‘campeonatos’ vencidos pelo Brasilnão são em todas as áreas da reciclagem, voltando-se para as áreas mais rentáveis, como pode ser con-cluído se observarmos os baixos índices de re-ciclagem de resíduos orgânicos”, setor em que “opaís continua incipiente: menos de 1,5% é reutiliza-do na produção de fertilizantes e 8% dos resíduossólidos urbanos são reciclados, bem abaixo, porexemplo, dos Estados Unidos da América que re-ciclam 59,3%” (Varussa, 2006, p. 18).

Por outro lado, além desse fator que eviden-cia os termos históricos da relação entre a recicla-gem e os catadores, também cabe ressaltar que nãoé razoável determinar a composição dessa forçade trabalho pela existência de tecnologias disponí-veis para a reciclagem de materiais descartados dia-riamente em toneladas. Tais tecnologias já estavamdisponíveis no mercado (talvez não do ponto devista do custo-benefício do investimento a ser rea-lizado). Havia, desde a década de 1970, know-howpara a reciclagem (em grande escala) de papel, pa-pelão e de resíduos plásticos, fundamentalmenteembalagens plásticas, PET e PVC (Neto et al., 2005;Faria e Forlin, 2002). No caso do alumínio e dosplásticos no Brasil, é verdadeiro que só houve oque reciclar após, principalmente, a substituição devasilhames de vidro pelos confeccionados de PETe de alumínio, o que ocorreu em meados da déca-da de 1980. Porém, os recursos técnicos e tecnoló-gicos para a transformação desses tipos de resíduosem matéria-prima para novos vasilhames já exis-tiam. Nos Estados Unidos, as latas de alumínio co-meçaram a ser recicladas em 1968, apenas cincoanos após a sua introdução no mercado (Cempre,2005b). Assim, ao contrário do que se pode pen-sar, foi uma força de trabalho numerosa de cata-dores que tornou tais tecnologias viáveis para se-rem empregadas, possibilitando a expansão donegócio da reciclagem no Brasil.

Pelo que é possível concluir desses dados, areciclagem no Brasil só tornou-se possível em grandeescala quando o recolhimento e a separação dosresíduos se mostraram uma tarefa viável e de bai-

xo custo, isto é, realizável por trabalhadores cujaremuneração compensasse investimentos de tecno-logia para o surgimento do setor de produção dematerial reciclado. Qualquer que fosse a organiza-ção desse tipo de trabalho, sua taxa de lucro deveriacompetir com preços determinados, por exemplo,pelo mercado mundial responsável por derivadosde petróleo (PET, PVC e demais embalagens plás-ticas) e pela produção de alumínio e de celulose.Nestes termos, explica-se por que essa força de tra-balho surgiu composta de trabalhadores sem con-trato e com uma produtividade que pudesse serdefinida pelo pagamento por produção: uma po-pulação desancada do mercado de trabalho e sematributos para retornar às ocupações formais. Estesfatores garantiram, em grande parte, o crescimentodo setor de reciclagem de modo a tornar os preçosdos materiais reciclados cada vez mais próximos dosmateriais não reciclados, o que efetivamente pôdeser verificado nos últimos anos da década de 1990.Compreendidas sinteticamente a dinâmica e as ca-racterísticas da expansão do setor de produção dereciclados no Brasil, e sua dependência de uma forçade trabalho fundamental no recolhimento e na se-leção dos materiais recicláveis, cabe compreender,de maneira mais aprofundada, o surgimento dessaforça de trabalho na década de 1980.

A formação da “superpopulação relativade trabalhadores” na atualidade

A primeira formulação sobre a “superpopu-lação relativa de trabalhadores” expressou-se empi-ricamente a partir do exame histórico e sociológi-co acerca da formação do capitalismo na Inglaterra.Karl Marx percebeu a constituição de um contin-gente importante e numericamente expressivo detrabalhadores sem ocupação fixa que seria parteintegrante do funcionamento do capitalismo (Marx,1988). Esta superpopulação relativa tendia a aceitarcondições de trabalho e de remuneração sempre maisrebaixadas do que as praticadas em fábricas e em-pregos regulares. Este fator integrou-se à lógica docapitalismo agindo como elemento central na acu-mulação de capital porque não só fornecia o con-tingente requerido pelo capital (quando necessáriofosse), mas também porque mantinha os custoscom a força de trabalho a níveis próximos e atéabaixo de sua simples reprodução. Contrariando

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argumentos de que essa população resultava de cri-ses conjunturais da economia capitalista, Marx de-fendeu a idéia de que eles estavam completamenteintegrados à acumulação de capital (Idem, p. 191).Assim, tal conceito fixou-se nas experiências dosdesocupados industriais ou que afluíam para as ci-dades em busca de empregos tipicamente indus-triais. Por esse motivo, tornou-se mais comum erecorrente nas análises acadêmicas o termo “exér-cito industrial de reserva” do que “superpopulaçãorelativa de trabalhadores”. Também por esse mo-tivo, tornou-se mais importante examiná-la naquiloque ela tivesse de funcional em relação à produçãocapitalista, ora ocupada, ora desocupada. Nessecontexto histórico, perdeu sentido e força o aspec-to destacado por Marx, de uma superpopulaçãorelativa de trabalhadores que pudesse ser ocupadaem tarefas que não exigissem qualificação técnica.4

Essa dimensão da utilização da força de tra-balho foi discutida e aprofundada nas décadas de1960 e 1970, tendo como terreno histórico o capi-talismo na América Latina, a partir do qual foi de-senvolvido o conceito de “massa marginal” (Nun,1978). Os trabalhadores caracterizados como massamarginal comporiam um extrato estagnado da su-perpopulação relativa, sem qualificação ou ocupa-ção definida. Seu perfil era informado principal-mente pelo trabalho “por conta própria” e “pelosassalariados dos setores menos modernos, onde ascondições de trabalho são mais rigorosas, as leissociais têm escassa aplicação e as remuneraçõesoscilam em torno do nível de subsistência” (Idem,p. 130). Comparativamente ao período de 1985 a2005, quando os catadores se tornaram numerica-mente significativos no Brasil, a massa marginal,considerada nas décadas de 1960 e 1970, era defato notadamente minoritária no âmbito da confi-guração da força de trabalho. Todavia, essa propor-ção foi alterada ao longo das duas décadas seguin-tes. Do ponto de vista da estruturação do mercadode trabalho no Brasil durante essas décadas, o cres-cimento de uma superpopulação relativa de traba-lhadores deu-se tanto como segmento “estagnado”,voltado para ocupações sem qualificação profissio-nal, como no sentido de um exército de reserva.Compondo um mesmo processo histórico, esta du-pla expansão não teve (e não tem) razões demográ-ficas, mas se relaciona com nítidas mudanças nopadrão de produção e de acumulação capitalistas –identificadas desde meados da década de 1970 – e

que se caracterizam, principalmente, pela generali-zação dos traços mais comuns do trabalho infor-mal (ausência de direitos trabalhistas, flexibilizaçãoda jornada etc.) para grande parte do mundo dotrabalho. Em apertada síntese, é o que afirma Nun,ao retomar o tema da massa marginal à luz dasatuais dinâmicas do capitalismo:

[. . .] em face dos diversos processos de acumulação queora se superpõem e se combinam e que já não podemser concebidos como meros momentos de transiçãorumo a um único grande processo no qual todos acaba-riam por se dissolver, os mecanismos de geração dasuperpopulação relativa se pluralizam e varia tambéma funcionalidade de seus efeitos conforme o setor. Éassim que os desocupados são o componente mais dra-mático e visível desse processo, mas de modo algum oúnico (Nun, 2000, p. 49).

Desse prisma, o aumento da informalidadeno trabalho (e nas relações que o regem) não impli-cou sua retirada do circuito de acumulação capita-lista, nem tampouco alterou substancialmente suasubordinação ao capital. Muitos estudos vêm apon-tando isso em relação à chamada “reestruturaçãoprodutiva” que atingiu muitas profissões conside-radas “estáveis”, tais como bancários (Laranjeira,1997; Segnini, 1999), operários calçadistas (Navar-ro, 1998) e metalúrgicos do setor automotivo (Mar-celino, 2004). Revelando uma dinâmica diferente, aarticulação entre “formal” e “informal” nesse pro-cesso levou a que certas funções produtivas fos-sem externalizadas, terceirizadas e recontratadas(Martins e Ramalho, 1994), sem perderem sua fina-lidade de gerar valor para o capital.5 Essa articula-ção foi ainda mais acentuada no contexto das mu-danças na legislação trabalhista brasileira, realizadasdurante a década de 1990, que suprimiram e rela-xaram muitos direitos ligados ao trabalho (Bosi,2003). Até certo ponto, essas medidas foram res-ponsáveis pela introdução de traços da informali-dade no setor considerado formal (Hirata, 1993;Antunes, 1999; Alves, 2000), ao mesmo tempo emque formalizaram antigas relações de trabalho consi-deradas ilegais. As costureiras informam um dessescasos mais visíveis. Desde a década de 1970, muitasmulheres costuraram para confecções (geralmentemicro e pequenas empresas terceirizadas por médiase grandes empresas) sem nenhum tipo de contratode trabalho (Abreu, 1986). Na maioria dos casos,essa situação de trabalho “informal” e “ilegal” foi

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legalizada à medida que essas trabalhadoras passa-ram a ser empregadas por intermédio de cooperati-vas de mão-de-obra (Piccinini, 2004), isentadas demuitos encargos trabalhistas que foram flexibilizadosao longo da década de 1990. Tem razão, neste senti-do, Francisco de Oliveira, quando observa que “hoje,o trabalho informal — que já perdeu como con-ceito sua capacidade heurística — não é o ‘outro’do trabalho formal ou com carteira: ele é agora omodelo para o que ainda resta de trabalho comrelações formalizadas” (Oliveira, 2004, p. 11).

Na conformação desse processo é precisocontabilizar também a contínua conversão de ho-mens, mulheres, velhos, jovens e crianças em forçade trabalho. Longe de desaparecer, o trabalho orga-nizado pelo capital tem sido uma condição de so-brevivência cada vez mais universal, principalmente,conforme indicado acima, se forem percebidas asarticulações entre ocupações informais e formasmodernas e globalizadas de produção, consideradasformais. Assim, ao lado do crescimento e da externa-lização de “velhas” ocupações por meio da terceiri-zação, subcontratação e jornadas temporárias, sazo-nais e parciais, alinham-se ao surgimento de “novas”ocupações, tais como teleoperadores6 (Braga, 2006),moto-táxi e sacoleiros (Cardin, 2006), igualmentemarcadas pela “informalidade” do trabalho7 .

Os catadores que formaram uma força detrabalho cada vez mais visível em todo o país apartir de meados da década de 1980 estão inseridosnesse processo. Não foram catadores desde sem-pre, e esta ocupação não foi resultado de uma livreescolha. A maioria dos catadores teve uma profis-são (ou mais de uma), a qual não pôde mais serexercida, fosse pela determinação do mercado, fossepor incapacidade física em função de seu envelhe-cimento como força de trabalho. Nesse sentido, oscatadores que foram entrevistados em quatro cida-des do Oeste do Paraná,8 entre os anos de 2002 e2005, apresentaram trajetórias ocupacionais bastantecomuns no que se refere ao ingresso na catação derecicláveis como única possibilidade de trabalho,seja para sobreviver exclusivamente dela, seja enca-rando-a como atividade fundamental na comple-mentação da renda.

Trajetórias ocupacionais dos catadores

No conjunto dos casos pesquisados, os cata-dores constituíram trajetórias ocupacionais marca-

das pela precariedade das ocupações, o que se de-veu basicamente à falta de qualificação para o traba-lho urbano ou à perda desta. Grande parte dessescatadores nasceu e cresceu no campo. O aprendi-zado para o trabalho seguiu a agricultura, a suino-cultura e, em menor escala, a pecuária, indepen-dentemente se tinham a propriedade da terra ou seeram empregados. Os que migraram para a cidadefizeram-no saindo, na maioria dos casos, ainda nainfância ou no final da adolescência. Portanto, quan-do chegaram a uma dessas quatro cidades, desem-penharam todo tipo de ocupação que não exigiaqualificação profissional e cuja aprendizagem dis-pensasse a escola.

Sobre isso, apesar da instrução ser valorizadapor muitos catadores como um meio de garantirmelhores condições de vida para seus filhos, ne-nhum dos entrevistados alentou a expectativa deretomar os estudos para tentar outro tipo de ocupa-ção. Com relação à catação de recicláveis, o conhe-cimento mais útil referiu-se às operações matemá-ticas básicas para a conferência da pesagem e dopagamento do material recolhido. Assim, quantifi-cadas as informações sobre a escolaridade doscatadores, o quadro formado é fortemente mar-cado por uma baixíssima instrução. Dos 91 entre-vistados, 14 catadores nunca freqüentaram a esco-la, 33 deles não completaram o primeiro ciclo doensino fundamental, 25 não chegaram a completaro segundo ciclo do ensino fundamental e apenas 2catadores concluíram o ensino médio.

Entretanto, essa formação escolar tipificadacomo insuficiente não explica sozinha o processopelo qual os entrevistados se tornaram catadores.Para muitos deles, outros fatores influenciaram esseprocesso, tais como o envelhecimento ou a perdaparcial e acidental da capacidade física para serempregado. Nesse sentido, a trajetória ocupacionalde Dulce Schimidt, 58 anos, é ilustrativa. Nasceuno município de Lageado, no Rio Grande do Sul,e lá morou com a família até os 12 anos. Antes dese tornar catadora, Dulce trabalhou como bóia-fria no Estado do Rio Grande do Sul e em Casca-vel/PR, onde se casou e começou uma família deoito filhos. Mudou-se para Realeza/PR e depoispara o Paraguai, onde morou durante 21 anos tra-balhando como bóia-fria e cuidando dos filhos.Fixada em Marechal Cândido Rondon há mais dedez anos, Dulce começou a catar recicláveis em 2000,depois de não conseguir mais se empregar no campo

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ou no trabalho de doméstica, atividade que ocupouquando mais nova.

A idade de Dulce é representativa de grandeparte dos catadores entrevistados. Cerca de 70%destes concentram-se entre 31 e 60 anos. Conside-rando uma faixa de idade mais avançada, entre 41e 60 anos, encontramos quase 50% dos catadoresentrevistados. Com alguma cautela é possível suge-rir, a partir desses dados, que a força de trabalhoenvolvida com a catação de recicláveis de fato mos-tra-se envelhecida. Este fator, mesmo ponderandoque muitos desses trabalhadores se tornaram cata-dores antes dos 40 anos de idade, pode ter sidodecisivo no momento do ingresso nessa ocupação.À idade, adicionam-se os casos dos trabalhadoresque já exerceram alguma profissão e que o ingres-so na cata de recicláveis é atribuído a algum tipo deperda de capacidade física exigida no antigo empre-go. Questionado sobre sua trajetória ocupacional,Izaltino Fuzi, 45 anos de idade, autodenominadoprimeiro catador de Marechal Cândido Rondon,responsabilizou sua condição de catador a um aci-dente sofrido quando trabalhava no Paraguai comoserralheiro. Aposentado por invalidez com cercade 30 anos de idade, foi assim que Izaltino deci-frou sua vida:

Eu nasci em Paraíso do Norte/PR e vim pra Rondoncom seis meses de nascido, vou fazer 46 anos agora diadezesseis. Mas trabalhei em firma, na Copagril (coope-rativa agrícola), né? Trabalhei na Caramuru veículos,num monte de firma. Aí, depois, comecei a catar pape-lão. Depois que fui acidentado comecei a catar papelão.

Há também casos de catadores jovens quetiveram uma trajetória ocupacional caracterizadapor atividades temporárias, informais e sem exi-gência de escolaridade. A situação narrada por GeniSolange, entrevistada em 2002, quando tinha 34anos, é emblemática:

Moramos em Cascavel, moramos em Chaparral, fazen-da, né? Moramos em Vila Nova, moramos em bastanteinteriorzinho, né? Depois viemos pra cidade (Toledo).[. . .] É por falta de estudo que eu não tenho, que eu nãotrabalho. Porque eu estudei pouco, porque logo que amãe acidentou eu fui trabalhar pra cuidar dela. Eutrabalhava de doméstica, né? Trabalhava nas granjasassim, né? Na Granja da Sadia ali embaixo, daqui praquem vai pra Ouro Verde. Eu trabalhei ali muito tem-po com uma mulher, pra pagar o aluguel dela [sua mãe],pra pagar as continha dela.

A curta trajetória de Geni Solange revela umaalta rotatividade ocupacional atribuída às necessida-des da família e à baixa escolaridade, que é vistacomo um impedimento para conseguir trabalho.Geni foi doméstica, operária de granjas terceiriza-das da Sadia, voltou a ser doméstica e finalmentecomeçou a catar recicláveis. Neste percurso aindainacabado, é relevante o fato de que, tanto seu tra-balho nas granjas da Sadia como o de catar reciclá-veis relacionam-se diretamente com as indústriasalimentícia e de reciclagem. Neste sentido, a tra-jetória de Geni Solange indica como diversas ocu-pações tomadas por “informais” estão articuladasa complexas redes de produção de mercadorias, oque já foi constatado por outros estudos (Martinse Ramalho, 1994).

De maneira geral, os depoimentos indicamque o despreparo dos catadores para ocupaçõesurbanas guarda relação com os antecedentes ruraisque lhes formaram como trabalhadores até então,evidenciando um processo de acumulação de ca-pital regional que tem deixado profundas marcasnas vidas de muitos trabalhadores no Oeste doParaná nas duas últimas décadas do século XX.Trata-se de uma rápida, continuada e brutal con-centração fundiária regional, que tem provocado odesaparecimento de pequenas propriedades ruraise, com isso, a perda das condições de sobrevivênciade centenas de famílias. Seja em função da inacessi-bilidade às tecnologias que dominam a produçãoagrícola na região atualmente, seja pela desapropria-ção das terras causada pela barragem de Itaipu(Souza, 1998), a perda da propriedade e dos mo-dos de vida que lhes eram correspondentes é de-terminada por escolhas econômicas fora da alçadadas famílias, forçando-as a buscar trabalho nou-tros lugares. Muitos relatos dos catadores entrevis-tados apontam para esta situação. É o caso de Iral-do Miller, 60 anos, nascido em Sobradinho, no RioGrande do Sul. Quando tinha três anos de idade,migrou para o município de Toledo. Iraldo relataque o pai comprou uma colônia (alguns hectaresde terra vendidos por colonizadora que atuou noOeste do Paraná) e lá montou uma pequena fábricade pré-moldados (mosaicos, tanques, caixas-d’água),que eram vendidos noutras cidades do Paraná e doestado de São Paulo. Quando seu pai estava “em-balado” no negócio, desentendeu-se com o sócio emontou um alambique ilegal que funcionou porquatro anos. A dificuldade de manter ilegalmente o

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negócio fez com ele vendesse a colônia e se mu-dasse com toda a família para Porto Mendes/PR.Lá comprou outro pedaço de terra e organizou aprodução de leite, além da criação de porcos e daplantação para subsistência, período que durou atéo alagamento de Porto Mendes pelo lago de Itai-pu, quando recebeu indenização pela perda de suasterras. Ao que parece, a indenização não foi sufi-ciente para adquirir outra propriedade, fato quemotivou a separação da família. Esgotada a possi-bilidade de sobreviver com os pais e irmãos, Iral-do casou-se e iniciou sua história longe do pai:

Lutei pra ver se conseguia um emprego. Não consegui.Não tinha emprego, nem em Marechal, Toledo e Casca-vel. Daí a única alternativa era ir pro Paraguai. Terrasobrando, lutei, consegui terra e fui lutando. A gentetinha pra viver e tal. Mas também chegou uma épocaque os grande, já apoderando, né?, vinha incomodandoo pequeno, comprando aqui, comprando lá. No fimacabei perdendo. Sabe, o grande ele comprou, pagou.Se não pagou, não paga mais. Daí foi indo. A doençame surpreendeu né?. E daí tive que vender meio ba-ratinho as coisas pra pagar as contas. Daí eu vi que nãotinha mais saída, porque não tinha mais o ganho prasobreviver lá. Daí me baldeei pra cá [Marechal CândidoRondon].

A história de Iraldo evidencia a expropriaçãosofrida com a intensidade histórica que caracterizao Oeste do Paraná e que foi verificada também emoutros depoimentos. Estes elementos relacionadoscom a trajetória ocupacional desses catadores indi-cam que seu envolvimento na cata de reciclávelaconteceu depois de uma razoável experiência comoutras ocupações, em tentativas incessantes de em-pregar-se, bem como após a perda parcial ou com-pleta das condições de sobrevivência ligadas, emsua maioria, ao trabalho no campo. Nesse sentido,no que se refere aos catadores entrevistados, a “re-estruturação produtiva” observada no Brasil nãoos afetou diretamente. Poucos catadores experi-mentaram relações de trabalho menos instáveis, comregistro em carteira e jornada de trabalho sistemá-tica. Entretanto, o fato de que se tornaram traba-lhadores informais, como grande parte da popula-ção economicamente ativa do país durante essesúltimos trinta anos, reflete uma dimensão extrema-mente relevante do processo de mudanças no atualmundo do trabalho, visível no exame sobre as traje-tórias ocupacionais desses catadores: eles tornaram-se trabalhadores sob o signo da informalidade.

Nesta perspectiva, quando os catadores sãopensados como força de trabalho, eles apresentamum perfil caracterizado pela baixa escolaridade, idadeavançada e por uma qualificação profissional con-siderada inadequada para grande parte dos empre-gos existentes tanto do setor industrial como dosetor de serviços. Contudo, estes três fatores não têmtransformado tais catadores (entendidos como for-ça de trabalho) em “excluídos” do mundo do tra-balho. Tampouco os converteu em desnecessáriospara o capital. Ao contrário, é noutra direção queapontam os dados problematizados nesta análise,ao revelarem como a estruturação do negócio dareciclagem necessitou estritamente de trabalhado-res cada vez mais expropriados ao longo de suastrajetórias ocupacionais. No processo histórico emque esses trabalhadores perderam suas condiçõesde trabalho (uns mais rapidamente do que outros),foram concomitantemente “qualificados” para acatação de recicláveis. Juntos com outros trabalha-dores presentes na região que expressam um perfilsemelhante (carpidores de jardins e lotes, chapas, dia-ristas, carroceiros etc.), os catadores têm formadouma “superpopulação relativa de trabalhadores” que,atualmente, é recrutada e ocupada aparentemente soba forma de “trabalho por conta própria” ou “autô-nomo”. Isto significa dizer que são acionados paraocupações cujo trabalho, embora não seja vendidosob a forma de salário e de uma jornada sistemáti-ca, tem sua organização realizada pelo capital.

A organização capitalistado trabalho dos catadores

Nas quatro cidades pesquisadas, não há indús-trias de reciclagem instaladas. Todo o material reci-clável recolhido é prensado e encaminhado para asempresas que reciclam papelão, papel, alumínio,vidros e plásticos. No caso do Paraná, são cinco asrecicladoras de papel cadastradas no Cempre (Com-promisso Empresarial para Reciclagem). Se estenúmero for comparado à constatação de que acatação de reciclável é uma realidade em mais de200 municípios paranaenses que estão relacionadosao Projeto “Paraná Ambiental”,9 caminha-se parauma caracterização dessas recicladoras como for-madoras de um oligopsônio.

Uma evidência disso pode ser encontrada naseriação dos valores praticados por programas de

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coleta seletiva no período de fevereiro de 2000 afevereiro de 2005, em algumas cidades do país. OGráfico 1 foi construído a partir dos valores pagos

Os dados indicam uma curva ascendente atéo ano de 2003, que se estabilizou nos três anos se-guintes, até outubro de 2005. A partir de 2000,quando o valor pago por tonelada de alumínio re-ciclável era de R$1.750,00, houve aumentos de 8,5%em 2001, de 15,8% em 2002 e de 36% em 2003,permanecendo este preço congelado até 2005.Contudo, se deflacionados os valores referidos aoperíodo de 2003 a 2005, verifica-se uma quedanesses preços pagos pelo alumínio reciclável.

Um dos determinantes que pode explicar aqueda dos preços a partir de 2003 é o aumento, jáobservado e discutido, do contingente de catado-res no país que, cada vez mais, viu-se compelidopela concorrência a disputar espaço no mercadode alumínio descartado. Esta disputa, além de sig-nificar menos material reciclável per capita para ocatador, tem sido agravada pelo fato de que a ra-zão entre latas de alumínio produzidas e latas dealumínio recicladas está chegando ao seu limite.Dados da Associação Brasileira de Alumínio (Abal)destacam que, em 2003, o índice de reciclagem daslatas de alumínio foi de 89%, o maior do mundo,atingindo 95,7% em 2004.

Outro fator que determina esse tipo de declí-nio é sazonal e tem relação com o mercado inter-

por tonelada limpa e prensada de latinhas de alu-mínio em São Paulo (a única referência que nospermitiu a realização de uma seriação).

nacional do alumínio e as variações no seu preçoprovocadas, principalmente, pela atual política cam-bial brasileira. A mais recente variação foi registradaem meados de 2005, quando a baixa do dólar emrelação ao Real tornou a compra do alumínio es-trangeiro (bem como de papel e de plásticos) maisvantajosa do que o alumínio reciclado no país. Essemovimento gerou uma reação das recicladoras dealumínio, que diminuíram o preço de compra delatas de alumínio limpas e prensadas em até 40%(Zero Hora, 2005). Este tipo de oscilação, que geral-mente é logo percebida pelos catadores, atinge tam-bém os compradores de recicláveis conhecidoscomo “sucateiros”, isto é, pessoas que comprammaterial recolhido e selecionado pelos catadores empequena quantidade e revendem-no em grandesquantidades para as recicladoras. Sobre essa variaçãoocorrida em 2005, Leonardo Ávila, 21 anos, proprie-tário de um ferro-velho na cidade de Porto Alegre,lamenta que “baixou tudo. Estão pagando menos”.Como explicação, afirma que “os compradores nosdizem que estão pagando menos porque perde-ram o interesse no produto, mas na real a gentesabe que é por causa do preço do dólar” (Idem).

Avaliando esses dados, uma das conclusõespossíveis reforça o caráter oligopsônico dos preços

Gráfico 1Valores Pagos por Alumínio Reciclável (São Paulo)*

* Valores pagos por toneladas limpas e prensadas.Fonte: Dados recolhidos no site http://www.cempre.org.br/ (acessado em 17 nov. 2005).

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pagos pelos recicláveis, fato que restringe quase quecompletamente a margem de manobra que oscatadores (associados em cooperativas ou não)teriam para negociar o preço de seu trabalho. Alémdisso, existem situações em que o material recolhi-do percorre mais de um comprador que, prova-velmente, reduz ainda mais o preço pago aoscatadores com o objetivo de manter a margem delucro sobre os recicláveis comprados. É o caso, porexemplo, de José Américo, um dos compradoresna cidade de Guaíra:

Eu revendia [papel] pros Polaco de Umuarama (PR).Ferro-velho eu vendia pro Marcinho, um senhor lá deUmuarama também. Aí esse parou de mexer com fer-ro-velho, só mexia com carro batido. Aí eu passei avender pro João Tokato, de Assis (PR). [. . .] O alumí-nio eu vendo pro Toninho de Maringá (PR), e a recicla-gem de plástico e papel eu vendo pro Valdir lá de Ron-don (outro comprador).

José Américo, que já foi catador, revela umtrajeto relativamente complexo percorrido pelos re-cicláveis até o destino das recicladoras. Tal trajetoparece confirmar que a compra de recicláveis porparte das recicladoras é realmente realizada em gran-des quantidades, fato que exclui pequenos depósi-tos e sucatas das negociações diretas com as reci-cladoras. Cabe registrar que esta dispersão geográficado circuito de comercialização dos recicláveis é aforma pela qual se materializa uma cadeia produti-va complexa e estruturada que garante a extraçãodo trabalho dos catadores a preços baixíssimos. Eeste processo de depreciação dos preços pagos pelomaterial recolhido é percebido pelos catadores,como fica explicitado no relato do próprio JoséAmérico.

Hoje nós tá na fase mais fraca do mundo, mais fracaque teve até hoje. Já cheguei a pagar pelo papel 0,22centavos pro pessoal, pros carrinheiros [catadores]. Masconforme eles [outros compradores] baixa pra mim eutenho que baixar pra eles [catadores], senão não sobre-vive.

Nesse contexto, praticamente não há concor-rência de preços entre os compradores de reciclá-veis. Assim, se em alguns casos os catadores pare-cem escolher entre um ou outro comprador, omotivo não se deve a um preço melhor pelo reci-clável, mas se explica por outros fatores tais comoo adiantamento de dinheiro na forma de gêneros

alimentícios, o recolhimento do material feito pelocomprador (alguns catadores acondicionam os re-cicláveis em suas próprias moradias como formade “economizar” tempo na entrega desse material)e a cessão do carrinho de recicláveis. Porém, mes-mo esse tipo de procedimento não é visto comovantajoso por todos os catadores. Muitos recusamtais vantagens quando se vêem diante das contra-partidas cobradas pelos compradores como, porexemplo, defasar em até 20% o valor que já foraadiantado ao catador, referente ao material re-ciclável. Nessas situações, podem-se tomar taisfatores menos como vantagens para os catadores emais como recursos desenvolvidos pelos compra-dores para definir um contingente fixo e freqüen-te de trabalhadores. Sendo este o contexto, é maisdo que plausível afirmar que a organização do tra-balho dos catadores é determinada a partir dospreços pagos pelos recicláveis, fator que sugere aadoção de uma abordagem sobre a jornada e a ren-da dos catadores absolutamente articulada ao pre-ço dos recicláveis.

As informações sobre os rendimentos doscatadores obtidas nas entrevistas foram levantadasa partir de indagações feitas a eles considerando,inicialmente, a possibilidade de que houvesse maisde uma fonte na composição de tais rendimentos.Com essa preocupação de não perder componen-tes da sobrevivência dos catadores, a adoção deum conceito amplo de rendimentos auxiliou so-bremaneira esta tarefa.10 Dessa forma, tornou-sepossível definir a renda média dos catadores con-seguida com a cata de recicláveis, sem deixar esca-par outras atividades e recursos que compusessemos seus rendimentos.

Analisando os dados da Tabela 1, a primeirainformação relevante indica que 65 catadores con-seguem uma renda inferior ao salário mínimo,11 oque representa 71,4% do universo dos entrevista-dos. Com relação aos catadores que recebem valo-res superiores ao salário mínimo, é preciso consi-derar que, em sua grande maioria, esse segmentotrabalha acompanhado de seu cônjuge ou filho,possuindo, não raras vezes, dois ou mais carrinhos.É o caso de Izaltino Fuzi, que consegue aproxima-damente R$700,00 mensais (pouco mais de 2 salá-rios mínimos). Ele aluga três carrinhos para cata-dores e tem outros três, que são conduzidos porele, a mulher e um dos filhos. Mas este caso não érepresentativo da maioria.

A ORGANIZAÇÃO CAPITALISTA DO TRABALHO “INFORMAL” 111

No geral, a renda média dos catadores en-trevistados não supera o salário mínimo. Entre osentrevistados há os que computam a aposentado-ria ou pensão como renda e que se tornaramcatadores porque o benefício recebido do INSSnão era suficiente para suas despesas. Seu Ivo Ram-bo ilustra esta situação. Com 63 anos de idade,mora com um filho e a nora. Depois de aposenta-do recorreu à cata de recicláveis. Há também situa-ções em que a cata de recicláveis alinha-se a outraocupação. A esse respeito, Amélia Alves, 40 anos,moradora de Foz do Iguaçu, disse que é catadora eartesã. Maria Taborda, 43 anos, também de Fozdo Iguaçu, identificou-se como lavadeira e catado-ra. Além de tudo isso, muitos dos catadores entre-vistados contam com programas sociais, federais emunicipais, de complementação de renda tais comobolsa escola, vale gás e cestas básicas distribuídaspelas prefeituras.

A renda conseguida apenas com a cata derecicláveis foi indicada por muitos catadores. Con-siderando o catador e seu carrinho, poucos atingi-ram ou superaram o salário mínimo. Quando istoaconteceu, verificaram-se condições de trabalhobaseadas em extensas jornadas trabalhadas e numaclientela definida (moradores que guardam mate-riais recicláveis para determinado catador). Porém,

as situações mais comuns são outras. Entre os cata-dores que trabalham uma média de 8 horas diárias,Juruema Nulwin, 46 anos, casada e mãe de seis fi-lhos, é um caso emblemático. Ela consegue entreR$150,00 e R$200,00 mensais catando, principal-mente, papel e papelão, o que representa recolheraproximadamente mais de uma tonelada de reci-clados por mês.12 Nesse sentido, a percepção demuitos catadores indica que a tendência nos próxi-mos anos será a de intensificar o trabalho devido auma concorrência que só faz aumentar. Sobre isso,o relato de Dulce Schimidt é exemplar:

Naquele tempo em que eu comecei catar papel [1999]tinha menos catador de papel. Daí era vantagem por-que a gente tirava mais e agora, hoje, tá menos, né? Agente tira menos porque tem mais gente passando. [. . .]Naquele tempo tirava mais porque a gente andava poucotempo e já tinha bastante papel no carrinho.

Enfrentando essa realidade, os catadores es-forçam-se de diversas maneiras para atingir umarenda com capacidade de suprir suas necessidades,o que permite concluir que a quantidade per capitade trabalho despendida diariamente é determinada,principalmente, pela necessidade de renda. Mesmocontabilizando outras fontes de renda tais comoaposentadoria, pensão, bolsa escola, vale gás, cesta

Renda Média*

Até 100,00

De 101,00 a 200,00

De 201,00 a 300,00

De 301,00 a 400,00

De 401,00 a 500,00

De 501,00 a 600,00

Acima de 601,00

Não soube dizer

Total

Catadores

8

17

40

4

10

2

8

2

91

Percentual

8,8

18,8

43,9

4,4

10,9

2.2

8,8

2,2

100%

* Os valores estão em Reais. Na época da aplicação dos questionários sobre renda o Salário Mínimo equivalia a R$300,00. Osdados contidos na tabela não expressam a renda média per capita, pois muitos dos catadores entrevistados trabalham em família.Essa foi uma das principais dificuldades que tornaram nossas tentativas de quantificação per capita da renda impraticáveis.

Tabela 1Rendimento Médico da Cata de Recicláveis

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básica, quando indagados sobre a jornada diária detrabalho destinada à catação de recicláveis, os cata-dores apontaram para uma ocupação bastante ro-

Mais de 90% dos catadores trabalham jorna-das acima de 6 horas diárias e mais de 65% traba-lham jornadas superiores a 8 horas diárias. Questio-nados sobre a freqüência dessas jornadas de trabalho,mais de 80% responderam que trabalham seis diasda semana. Indagados sobre por que não traba-lham menos tempo, as respostas se uniformizaram:não se recebe o suficiente. Além de ter sua exten-são determinada pela quantidade de material reco-lhido, a jornada trabalhada tem sua distribuição, aolongo do dia e da noite, norteada por variáveis quenão são controladas pelos catadores. Juruema Nul-win oferece um panorama bastante complexo dessajornada de trabalho:

Você tem que sair primeiro do que o lixeiro [gari], né? Éque os rapaz sai cedo, 6 e meia ocê acorda e o lixeiro játá passando, aí ocê vai catar o que? Já pegou tudo né?Ocê não acha papelão, ocê não acha litro, ocê não achanada. [. . .] Que nem hoje é quarta-feira, né? Hoje eradia de ir pro lado do Primavera [bairro de MarechalCândido Rondon], que daí tem o Lixo Bom [programade coleta seletiva municipal], tem o lixeiro, né? Ocêtem que passar bem antes dele, desse caminhão passar.Aqui ele passa na segunda, aí ocê tem que passar antesdas 2 horas pra catar, porque senão ele cata e ocê nãoacha nem agulha no lixo, né? [. . .] Quando chove, daítem dias que não dá pra saí. Daí aquele dia ocê não feznada. Ontem de manhã só fiz uma carga. De tarde

tinizada e semelhante ao trabalho assalariado, exe-cutado em jornadas diárias superiores a 6 horas,conforme se pode interpretar na Tabela 2.

Tabela 2Jornada de Trabalho

Horas trabalhadas por dia

Menos de 5 horas

De 6 a 7 horas

De 8 a 9 horas

De 10 a 11 horas

Mais de 12 horas

Não soube dizer

Total

Catadores

6

23

30

15

15

2

91

Percentual

6,7

25,2

32,9

16,5

16,5

2,2

100%

choveu. Bem na hora que nós ia saí começou chover.Hoje também não deu pra ir. Vamos ver amanhã.

As difíceis condições para a cata de reciclá-veis são marcadas também por uma concorrênciaquase insuportável para os catadores. Além de nãose realizar nos dias chuvosos, a produção de cadacatador depende, principalmente, (a) de um bomrelacionamento com moradores das cidades, (b)do conhecimento dos pontos mais promissorespara a cata e (c) de se anteciparem aos seus própriospares e ao caminhão do lixo. A concorrência dealguns lojistas também afeta a rotina de trabalhodos catadores, na medida em que as lojas passam avender papel e papelão diretamente para os inter-mediários. Esta situação foi destacada, dentre mui-tos catadores, por Alberto Nering, 62 anos, cata-dor em Guaíra:

Eu reclamei com ele [seu Zé, empresário que compraos recicláveis em Guairá], porque antes eu entregava nabase de três, quatro mil quilos. Mas só que agora, nosmercado, nas loja, o povo tão tudo segurando pra ven-der pro seu Zé, e os mesmos doze centavos que ele tapagando pra nóis, ele paga pra eles (comerciantes elojistas). Eu falei que enquanto ele estiver comprandodas lojas, é claro que não vai sobrar nada pra gente. Eleme falou que no fim do mês ainda dá pra comprar umacarninha, então eu falei que dava, mas daí, a gente só ia

A ORGANIZAÇÃO CAPITALISTA DO TRABALHO “INFORMAL” 113

conseguir tirar uns trinta conto por mês. Imagine, vaificar ainda mais difícil.

Pressionados por esse quadro, os catadorestendem não só a estenderem suas jornadas de tra-balho como também a intensificá-las. Desse modo,o árduo e prolongado trabalho dos catadores en-contra sua principal razão de ser na composição deuma renda mensal que seja suficiente para sua so-brevivência. Esta conexão entre jornada e rendarevela que a organização dessa modalidade de tra-balho obedece a uma lógica que tem sido histori-camente determinada, em larga medida, pelos com-pradores e pelas recicladoras que se apropriamindiretamente do trabalho dos catadores. Este fatotende a garantir, do ponto de vista do capital quecontrola o negócio de recicláveis, o sistemático ecada vez mais intenso retorno dos catadores paraas ruas em busca de papel, papelão e alumínio. Emsíntese, pode-se afirmar que os catadores realizamseu trabalho em contextos de permanentes pressõesexercidas por diversos sujeitos sociais como os atra-vessadores, os lojistas, as recicladoras, além da pró-pria concorrência enfrentada devido ao “excesso”de trabalhadores envolvidos na cata de recicláveis.

Conclusão

A realidade dos catadores aqui examinada ediscutida ajuda a esclarecer sobre a natureza do seutrabalho. Subordinado, integrado e requerido peloprocesso de acumulação de capital, o trabalho doscatadores traz, como força produtiva, a marca dasrelações capitalistas de produção. Sua organizaçãoacontece determinada pelo capital envolvido nonegócio da reciclagem, embora a relação social deexploração sobre o trabalho não apareça formali-zada em contratos que fixem jornadas e salários.Nesse contexto, a autonomia dos catadores identi-ficada noutros estudos (Couto, 2000; Cesconeto,2002; Dias, 2002; Rodrígues, 2002; Adissi, 2003;Gorbán, 2004) precisaria ser, no mínimo, relativi-zada. É evidente que o trabalho dos catadores pro-move mudanças no cenário urbano, imprimindodisputas em torno do recolhimento dos materiaisrecicláveis (Schamber et al., 2002), motivando rea-ções dos poderes públicos que tentam contê-lo oudiscipliná-lo (Adissi, 2003; Dias 2002) e “resignifican-do” espaços tais como a rua (Gorbán, 2004). Mas

quando essas hipóteses são apresentadas como asúnicas chaves (mesmo referidas às dinâmicas da acu-mulação de capital como “pano de fundo”) paraa compreensão dos significados do trabalho doscatadores, perdem-se as articulações e os nexos como mundo do trabalho e com as dimensões maisamplas deste que alcançam e envolvem todos ostrabalhadores, como tentei problematizar.

Nesse sentido, deslindar os fios que ligam ca-pital e trabalho nas suas formações históricas atuaisainda contém forte poder de explicação acerca domundo dos trabalhadores e das mudanças ocorri-das nele, tão discutidas e realçadas pelas ciênciashumanas e sociais nesses últimos trinta anos. Dessemodo, não se trata apenas de reconhecer a organi-zação capitalista do trabalho “informal”, mas deperceber como esse tipo de organização também“resignifica” e condiciona as experiências e as prá-ticas dos diversos sujeitos implicados nesse proces-so. Uma visão assim orientada, não deixará de cali-brar a autonomia dos catadores a partir de comoeles percebem e vivenciam, por exemplo, certaspressões como aquela exercida pela necessidade darenda. Afinal, as ocupações tidas como “informais”vêm ganhando relevância no mundo do trabalhoexatamente porque têm sido acionadas como for-ma de produção preferencial do capital e não comoescolha exclusiva dos trabalhadores. A estruturaçãodo setor de reciclagem no Brasil a partir do apro-veitamento de uma numerosa população trabalha-dora excedente – que num aparente paradoxo tevesuas qualidades recusadas pelo “mercado” – é umtraço constitutivo das atuais relações de trabalho euma evidência importante desse processo. Por issomesmo, a informalidade, bem como seu crescimen-to funcional, precisa ser percebida como um resul-tado, ainda inconcluso, das relações de forças his-toricamente estabelecidas em torno da organizaçãodo trabalho.

Notas

Cabe salientar que o próprio conceito de “trabalhadorpor conta própria” e sua alegada independência e auto-nomia em relação ao processo de acumulação de capi-tal já foram solidamente criticados (Oliveira, 1976;Prandi, 1978).É importante frisar que essa força de trabalho está pre-sente em quase todas as cidades do país. Recente pesqui-sa divulgada pelo Ministério das Cidades referente ao

1

2

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ano de 2004 indica que existem catadores de materiaisrecicláveis em aproximadamente 85% das cidades quecompuseram a amostragem estudada (Brasil, 2006).Diferentemente do Brasil, nos Estados Unidos não seestabeleceu uma força de trabalho especializada na co-leta e seleção de material reciclável. Esse trabalho deve-se às campanhas e aos programas de coleta seletiva quemobilizam cerca de 10 milhões de habitantes dos Esta-dos Unidos (Cempre, 2005b).A este respeito é elucidativa a reflexão de Marx sobre arazão que motiva a escolha da mecanização da produ-ção ou da utilização de quantidades expressivas de for-ça de trabalho. Onde há excesso de força de trabalho, aintrodução de tecnologia poupadora de trabalho geral-mente é retardada (Marx, 1988, p. 20).Cabe ressaltar também que, em regra, a externalizaçãodessas funções produtivas é marcada pela precariza-ção dos contratos de trabalho — cujos principais traçossão a diminuição dos encargos sociais e a quebra dovínculo empregatício direto e da isonomia salarial.Trata-se de uma força de trabalho geralmente jovem,com escolaridade superior (completa ou em curso),“disponível” para jornadas de 6 horas extremamenteintensificadas, distribuídas num dia de trabalho corres-pondente a 24 horas, sete dias por semana, o que impli-ca um fortíssimo turnover.A ocupação de moto-táxi é preenchida por jovens, ge-ralmente com baixa escolaridade, mas proprietários demotocicletas, “disponíveis” para longas jornadas de tra-balho que cruzam o dia e a noite. Já a ocupação desacoleiro é preenchida, na maioria dos casos, por ho-mens e mulheres de diversas profissões, que perderamsuas condições no mercado de trabalho legal.Foram entrevistados 91 catadores, entre 2004 e 2005,pertencentes a quatro cidades: Marechal CândidoRondon (41.339 habitantes), Guairá (28.348 habitan-tes), Toledo (100.715 habitantes) e Foz do Iguaçu(279.620 habitantes).Projeto estadual que prevê, dentre outras medidas vol-tadas para a “recuperação do meio ambiente”, a separa-ção do lixo reciclável a partir de convênios estabeleci-dos com prefeituras com o objetivo de instalar a coletaseletiva em determinados bairros (Cesconeto, 2002, pp.69-71).Esse conceito foi tomado emprestado da sociologia dotrabalho: “Os rendimentos são o conjunto dos meios,monetários ou não, que permitem a uma populaçãoabastecer-se no mercado, de acordo com as suas neces-sidades solváveis” (Naville, 1973, p. 133).O Salário Mínimo equivalia a R$300,00 no período darealização das entrevistas.Este cálculo foi realizado a partir de informações doscatadores. Os valores de referência para venda do quilode papel/papelão e do alumínio no ano de 2005 eramde R$0,15 e R$0,28, respectivamente.

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RESUMOS / ABSTRACTS / RESUMÉS 191

A ORGANIZAÇÃO CAPITALISTADO TRABALHO “INFORMAL”: OCASO DOS CATADORES DERECICLÁVEIS

Antônio de Pádua Bosi

Palavras-chave: Catadores; Trabalhoinformal; Trabalho precarizado; Reci-cláveis; História social do trabalho.

Este artigo discute o trabalho dos ca-tadores de recicláveis no Brasil no perío-do de 1985 a 2005. O material analisadocompõe-se de fontes bibliográficas e da-dos levantados nas cidades de Foz doIguaçu, Toledo, Guaíra e Marechal Cân-dido Rondon, localizadas no Oeste doParaná. Contrariamente às leituras quegeralmente mostram o trabalho doscatadores como uma atividade “infor-mal”, não subordinada diretamente apatrão ou empresa, as informações le-vantadas e problematizadas nesta pesqui-sa indicam que a organização desse tra-balho é realizada a partir dos interessesdo capital mobilizado na compra, nareciclagem e na comercialização de todomaterial recolhido por esses catadores. Ahipótese aqui desenvolvida sugere que otrabalho dos catadores de recicláveis noBrasil está integrado ao processo acumu-lação de capital e que a suposta situaçãode exclusão dos catadores o qualifica paraesse tipo de ocupação.

THE CAPITALIST ORGANIZA-TION OF “INFORMAL” WORK:THE RECYCLED GARBAGEPICKERS CASE

Antônio de Pádua Bosi

Keywords: Recycled garbage pickers;Informal work; Precarious work;Recycled; Social work history.

This article discusses the work of re-cycled garbage pickers in Brazil be-tween 1985 and 2005. The research wasdone using bibliography sources andstatistics information from the follow-ing cities: Foz do Iguaçu, Toledo,Guaíra and Marechal Cândido Rondon.These cities are located in the west ofParaná state. Contrary to the mostcommon view that shows these work-ers as informal workers or autonomousworkers, not under a boss or a business,the collected information to this re-search indicates that the organizationof this kind of work is done from theinterests of the capital in the purchase,recycling, and trade of all materialscollected by these workers. Thus, top-ics such as income and working hoursare not determined exclusively by theworkers. The idea developed in this ar-ticle suggests that the work of recycledgarbage pickers in Brazil is linked tothe accumulation of capital and thatthe social exclusion of these workers(unemployment, low-education, highage group) qualify them for this kindof occupation.

L’ORGANISATION CAPITALISTEDU TRAVAIL “INFORMEL”:LE CAS DES RAMASSEURSDE DÉCHETS RECYCLABLES

Antônio de Pádua Bosi

Mots-clés: Ramasseurs; Travail infor-mel; Travail précaire; Déchets recyclables;Histoire sociale du travail.

Cet article aborde le travail des ramas-seurs de déchets recyclables au Brésil dansla période de 1985 à 2005. Le matérielanalysé se compose de sources bibliogra-phiques et de données des villes de Fozdo Iguaçu, Toledo, Guaíra et MarechalCândido Rondon, situées à l’ouest del’État de Paraná. Contrairement auxinterprétations qui, généralement, mon-trent le travail des ramasseurs comme uneactivité “informelle”, qui n’est pas di-rectement subordonnée à un patron ouune entreprise, les informations obtenueset analysées dans cette recherche indi-quent que l’organisation de ce travail estréalisée à partir des intérêts du capitalmobilisé dans l’achat, le recyclage et lacommercialisation de tout le matériel ra-massé. L’hypothèse que nous dévelop-pons ici suggère que le travail des ra-masseurs de déchets recyclables au Brésilest intégré au processus d’accumulationde capital et que la supposée situationd’exclusion des ramasseurs les qualifie àce genre d’occupation.