07 - phyllis taylor pianka - uma surpresa do destino

74
Título: Uma surpresa do destino Autor: Phyllis Taylor Pianka Título original: The calico countess Dados da Edição: Editora Nova Cultural 1992 Género: Romance histórico Digitalização e correção: Nina Estado da Obra: Corrigida A ENCANTADORA JOVEM GUARDAVA UM SEGREDO EM SEU CORAÇÃO O conde de Berrington ficou intrigado. Todos sabiam que sua mãe havia morrido em um naufrágio, muitos anos atrás... Quem seria, então, a maltrapilha senhora que se atrevia a chamá-lo de filho? E quem era a jovem que a acompanhava? O conde recusou-se a acreditar que uma moça tão linda, de aparência inocente, pudesse ser cúmplice de uma embusteira! Ao decidir desvendar o mistério que a cercava, contudo, ele não imaginava que aprenderia o verdadeiro significado da palavra amor.... CAPITULO I 1

Upload: arlinda-rosenilda-gomes-dias

Post on 20-Jan-2016

45 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

Título: Uma surpresa do destinoAutor: Phyllis Taylor PiankaTítulo original: The calico countessDados da Edição: Editora Nova Cultural 1992Género: Romance históricoDigitalização e correção: NinaEstado da Obra: Corrigida

A ENCANTADORA JOVEM GUARDAVA UM SEGREDO EM SEU CORAÇÃOO conde de Berrington ficou intrigado. Todos sabiam que sua mãe havia morrido em um naufrágio, muitos anos atrás... Quem seria, então, a maltrapilha senhora que se atrevia a chamá-lo de filho? E quem era a jovem que a acompanhava? O conde recusou-se a acreditar que uma moça tão linda, de aparência inocente, pudesse ser cúmplice de uma embusteira! Ao decidir desvendar o mistério que a cercava, contudo, ele não imaginava que aprenderia o verdadeiro significado da palavra amor....

CAPITULO I

Naquele final de tarde, a cidade parecia impregnada pela fumaça escura proveniente das chaminés e pelo cheiro do lixo jogado nas ruas.

Emily Merriweather Harding enfiou as mãos nos bolsos do velho casaco de pele de castor, para protegê-las do frio, e seguiu em frente para procurar um abrigo. Será que a haviam encontrado? Ela havia feito um caminho cheio de voltas, mas ainda assim topara com o mesmo grupo de jovens arruaceiros. Não sabia se eles a tinham visto, pois a sorte prevalecera e Emily conseguira esconder-se atrás da barraca de um peixeiro até que os arruaceiros sumissem de vista.

1

Page 2: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

Agora, ao passar diante de uma porta aberta, sentiu cheiro de repolho cozido', e seu estômago se contraiu. Detestava repolho, mas estava com tanta fome que seria capaz de comer um prato cheio.

De repente, um homem saiu cambaleante de uma casa e ficou parado no meio da calçada olhando para Emily. Ao aproximar-se, ela notou que o sujeito estava com a barba por fazer e cheirava a uísque barato. Estaria mesmo embriagado, ou apenas fingindo? Será que ele a reconhecera? Emily já fora enganada, antes, e dessa vez decidiu não correr nenhum risco.

Levantou a gola do casaco e apressou o passo, atravessando a rua, tomando cuidado para não escorregar no calçamento de pedra molhado pela garoa. De vez em quando olhava para trás, mas não viu nenhum indício de que estivesse sendo seguida.

Tentou acalmar-se. Por quanto tempo teria de continuar vivendo assim, com medo de que Grimstead ou seus agentes a encontrassem? O temor de ser descoberta a impedia de procurar um emprego, e os poucos xelins que trazia na bolsa mal seriam suficientes para pagar mais três semanas de aluguel do quarto onde estava morando.

Maldito fosse Grimstead! Quantas vidas o miserável já não teria arruinado dessa mesma forma? Emily franziu o cenho. Não voltaria a trabalhar para Grimstead, e nem pagaria o dinheiro que ele afirmava que ela lhe devia! Mas se ele a encontrasse... Emily estremeceu. Outras mulheres mais jovens e mais bonitas haviam tido menos sorte que ela. Algumas estavam agora na Prisão Newgate.

Gritos distantes interromperam-lhe os pensamentos. Virou-se para trás para ver de que se tratava. O bando de arruaceiros a encontrara e aproximava-se dela com rapidez. Emily começou a correr, desesperada. A certa altura, avistou um portão de ferro que levava à uma passagem escura. O portão estava destrancado, e ela entrou na passagem sem pensar duas vezes.

De repente, um grito de mulher soou acima da algazarra dos arruaceiros. Curiosa, Emily arriscou um olhar e soltou um suspiro de alívio. Não era ela quem estava sendo perseguida, mas sim uma se-nhora idosa, usando um vestido sujo e rasgado, que ziguezagueava pela calçada tentando livrar-se dos arruaceiros. A mulher estava quase conseguindo escapar quando foi cercada por alguns dos jovens, bem em frente à passagem onde Emily se escondera.

Num impulso solidário, Emily deixou o medo de lado e abriu o portão, segurando a idosa senhora pelo braço. Antes que pudesse dar-se conta do que fazia, puxou-a para junto de si e enfrentou o bando de arruaceiros:

— Já chega! Será que vocês são assim tão covardes que só atacam aleijados e senhoras idosas? Sumam já daqui, ou chamarei a polícia!

Antes que os rapazes pudessem reagir, Emily fechou rapidamente a tranca do pesado portão de ferro. Agora não haveria meio de serem atacadas pelos arruaceiros!

Emily estava pensando no que faria em seguida quando a idosa senhora tocou-lhe o ombro e disse, seca:

— Mocinha, como ousa chamar-me de velha? Exijo que se desculpe agora mesmo!Emily foi pega de surpresa. Virou-se, observando a mulher com atenção. Logo sentiu o forte

cheiro de bebida alcoólica que emanava dela. Forçou um sorriso.— Desculpe-me, não tive intenção de ofendê-la. A senhora está bem?— Se estou bem? É claro que não! Qualquer imbecil pode ver que estou com frio e faminta, e que

preciso dos serviços de uma camareira! Eu... Acho que devo agradecê-la por livrar-me daqueles malandros, mas o que sugere que façamos agora?

Contendo a vontade de rir, Emily respondeu:— Talvez consigamos fugir deles, seguindo por essa passagem escura que vai dar na rua de trás.— Muito bem, então vá na frente. Eu a seguirei.— Acho que agora estamos seguras — declarou Emily, ao deixarem a passagem. — A senhora

pode encontrar o caminho de sua casa sozinha?— Minha casa? — A mulher pareceu estupefata. — Acha que sou tola, por acaso? É claro que

posso encontrar o caminho de casa! —Ela hesitou por um momento, antes de indagar: — Estamos em Brighton ou Exeter?

— Estamos em Londres, senhora.— Londres? Sendo assim, estou mais perto de casa do que pensava. Essa viagem tem sido um

verdadeiro martírio... Diga-me, mocinha, em que ano estamos?— Em mil oitocentos e catorze, é claro! Ouça, acho melhor a senhora ir para a minha casa, até

que possamos descobrir seu endereço correio.— Tolice! Não tenho tempo a perder.— Mas a senhora mesma disse que estava com frio e com fome.

Tenho um pouco de queijo e pão. Além disso meu quarto é bem aquecido, e mais seguro que essas ruas desertas.

2

Page 3: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

— Bem, se insiste... Mas só aceitarei para agradá-la. Será uma visita breve, pois preciso partir o quanto antes.

Não foi fácil levar a idosa senhora até a pensão na Meecham Street e subir os três lances de escada que levavam ao quarto onde Emily estava morando há cinco dias. A mulher estava muito fraca e desnutrida. Comeu o queijo e o pão vorazmente. A seguir, fitou Emily com ar altivo, perguntando:

— Por acaso você não tem um pouco de sherry para me oferecer?— Sherryl Oh, infelizmente o príncipe regente bebeu a última dose que eu tinha, quando veio

visitar-me hoje pela manhã — respondeu Emily, irónica, enquanto se afastava da mesa para pegar um pano limpo para cobrir o que restara do pão.

— E mesmo? Ah, gostaria de tê-lo encontrado... Não vejo Prinny desde que era menino...Emily custou a acreditar no que ouvira. Pensou em fazer um comentário tão maluco quanto o da

mulher mas, ao virar-se, viu-a cochilando com a cabeça apoiada nos braços, sobre a mesa.Desanimada, olhou em volta, observando as paredes manchadas do quarto, o colchão velho, o

guarda-roupa de portas rangentes onde estavam penduradas suas poucas vestimentas.Graças aos céus Henry não vivera o suficiente para vê-la em uma situação tão precária! Ele nunca

lhe deixara faltar nada, até cair doente. A enfermidade o fizera definhar aos poucos, e todo o dinheiro que possuíam fora gasto em tratamentos que, no final, não haviam obtido resultado positivo. Após a morte de Henry, não restara nada a Emily. Nada além de um título de nobreza...Ela entrelaçou os dedos, pensativa. Possuir um título sem o dinheiro para fazer-lhe jus, era o mesmo que tentar afastar a escuri dão com uma vela sem pavio. A prudência a ensinara a ocultar sua origem nobre, agora que vivia entre as classes sociais mais baixas. Voltou a olhar para a mesa, murmurando:

— E por falar em títulos de nobreza, o que farei com a senhora, caríssima "lady maltrapilha"?Não obteve resposta. A idosa senhora continuava dormindo. Emily tentou acordá-la para levá-la

até a cama, mas não conseguiu. Por fim, deixou-a onde estava. Deitou-se e adormeceu ao som dos roncos nem um pouco dignos de uma lady, ainda que maltrapilha.

De manhã, antes que a idosa senhora despertasse, Emily saiu do quarto e foi pedir um vestido emprestado para a esposa do senhorio. A simpática mulher lhe ofereceu um vestido velho e fora de moda, mas que pelo menos estava limpo e era muito melhor do que aquele que sua "hóspede" estava usando. Emily só não contava com a teimosia da idosa senhora.

— Você deve ter perdido o juízo para esperar que eu vista uma roupa usada e velha! — indignou-se ela.

— Talvez a senhora comece a pensar diferente quando sentir frio e não tiver outra coisa para vestir a não ser a roupa dos outros — retrucou Emily, também indignada. — Ou será que tem a intenção de viver às minhas custas até que algum outro tolo apareça para tentar ajudá-la?

— Minha querida, está claro que você não tem condições de sustentar nem a si mesma! É óbvio que não tenho intenção alguma de ficar aqui. Entretanto, sugiro que modere sua linguagem e lembre que está falando com uma dama.

Emily ficou mais curiosa que ofendida.— E a quem estou tendo a honra de me dirigir, exatamente? —ironizou.— Oh, Deus! — exclamou a mulher, impaciente. — Pensei que já soubesse, mocinha. Sou lady

Marguerite, condessa de Berrington.Estou a caminho de minha mansão aqui em Londres para encontrar-me com meu filho, James Carstairs, conde de Berrington.

— Oh, mas é claro! Como não percebi isso antes? — Emily continuou sendo irónica. — Perdoe-me, milady. Eu não sabia que estava na moda as damas saírem por aí vestidas como mendigas.

— Logo verá que estou dizendo a verdade, mocinha. Desculpo sua atitude por ter sido gentil ao convidar-me para passar a noite aqui. Será que agora poderia ter a gentileza de servir-me uma xícara de chá?

Durante dois dias a mulher que se dizia condessa permaneceu junto de Emily. No terceiro dia, Emily chegou à conclusão de que precisava tomar alguma providência, caso contrário ambas passariam fome dentro de pouquíssimo tempo. Num impulso, decidiu levar a idosa senhora à mansão do conde, de quem ela dizia ser mãe. Lorde Berrington tinha fama de intratável, e na única vez em que o vira Emily também ficara com essa impressão. Contudo, podia ser que ele demonstrasse algum sentimento e oferecesse ajuda à pobre Marguerite, tratando-se ou não da mãe dele. A possibilidade de que a idosa senhora fosse mesmo a condessa de Berrington era por demais re-mota, mesmo para alguém com uma imaginação muito fértil.

Quando Emily revelou sua ideia de acompanhá-la à mansão dos Berrington, Marguerite ficou exultante.

3

Page 4: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

— Você verá, minha querida! Farei com que a recompensem quando eu voltar a instalar-me em minha casa! — Ela observou Emily, com olhar crítico: — Hum... Você tem boa aparência. Meu filho é muito temperamental, coisa que desaprovo, mas no fundo é um bom homem. Ele logo perceberá que você é uma moça digna.

"Temperamental? Pois sim!", pensou Emily. Ouvira dizer que lorde Berrington, apesar de ser um partido muito disputado pelas jovens damas solteiras, tinha um génio insuportável. No fundo porém, até que seria divertido ver a expressão de espanto no rosto de lorde Berrington quando fosse apresentado à maltrapilha que afirmava ser sua mãe. Seria uma boa vingança pelo embaraço que ele a fizera passar há anos atrás, no castelo Heatherwood.

Emily olhou-se ao grande espelho a um canto do quarto. Examinou as suaves curvas de seu corpo, cobertas pelo vestido de veludo azul. Sem dúvida, ela havia crescido e se tornado adulta desde que vira lorde Berrington pela última vez. A possibilidade dele lembrar-se do incidente era muito remota. Mas a ideia de apresentá-lo a uma impostora parecia-lhe uma doce vingança.

Emily e Marguerite levaram duas horas para chegar à mansão dos Berrington, em Mayfair. A imponente construção de três andares, toda em tijolos vermelhos, era cercada por um belíssimo jardim.

Os olhos da suposta condessa encheram-se de lágrimas.— A mansão está quase como a deixei... — disse ela, com voz trémula. — Daqui posso ver que mudaram as cortinas do salão principal... O veludo azul que eu escolhi foi importado da França para combinar com o papel de parede chinês, que meu marido e eu compramos durante uma viagem que fizemos ao Oriente. Espero que James não tenha mandado trocá-lo, também. — Ela tocou o braço de Emily: — Oh, acabo de pensar em algo desagradável! Será que meu filho se casou durante minha ausência e agora sou apenas a condessa-mãe? Emily fitou-a, surpresa.

— Creio que não. Se lorde Berrington houvesse se casado, todos na cidade saberiam.Marguerite suspirou, aliviada.— Oh, graças aos céus! Não que eu seja contra a ideia de James arrumar uma esposa — afirmou

ela. — Creio que já é hora de meu filho se casar para dar continuidade ao nome da família. Mas sei que minha volta irá causar um grande choque a James, e reconquistar a afeição dele será difícil. Se além disso eu tivesse de enfrentar uma nora, a situação ficaria ainda mais complicada!

Emily experimentou um momento de insegurança. As palavras de Marguerite faziam sentido. Seria possível que ela realmente fosse...? Não, era improvável que essa senhora fosse mesmo lady Carstairs, condessa de Berrington! De qualquer modo, prometera ajudá-la, e agora não podia voltar atrás.

A mansão era cercada por grades de ferro. O portão estava fechado, para impedir a entrada de estranhos. O cordão da sineta para chamar o mordomo ficava fora do alcance da mão de Emily, que não era muito alta.

— Acho melhor tentarmos a entrada dos criados — sugeriu ela.— Tolice, usar a entrada dos criados não seria de bom tom. Espere um momento, vou pegar a

chave.Marguerite abaixou-se e ergueu uma das pedras do calçamento, próxima às grades. Apanhou a

chave que se encontrava escondida ali embaixo, inseriu-a na fechadura e abriu o portão. Depois, voltou a colocar a chave sob a pedra e limpou a poeira das mãos, dizendo:

— Emily, não fique aí parada parecendo uma estátua! Use a aldrava para bater à porta e chamar o mordomo.

Espantada demais para conseguir falar qualquer coisa, Emily fez exatamente o que a idosa senhora lhe ordenou. Antes mesmo que ela pudesse bater uma segunda vez, o mordomo, todo vestido de preto, abriu a porta.

No mesmo instante Marguerite deu um passo para trás, surpresa:— Oh! Mas você não é Emmet. Quem é você?O desconfiado mordomo fez menção de fechar a porta, como que receoso de que elas pudessem

invadir a casa, enquanto declarava:— Mendigos e andarilhos são recebidos à porta dos fundos, senhora.Marguerite colocou o pé na abertura da porta para impedir que o criado a fechasse.— Um momento! — pediu ela. — Diga-me seu nome, meu bom homem. Suponho que deva ser

novo aqui, e por isso o perdoo pela indelicadeza. Caso contrário, faria com que ò despedissem.O mordomo ficou tão surpreso com o comentário que permaneceu mudo por alguns instantes.— Vamos, diga logo como se chama, homem — insistiu Marguerite.— Meu nome é Fredericks, senhora. Trabalho para lorde Berrington há quase doze anos.— Compreendo... Vá chamar seu patrão, por gentileza.— Não posso, senhora. Por favor, vá embora, antes que eu seja obrigado a tomar uma atitude

4

Page 5: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

mais drástica.Emily sentiu a coragem reacender dentro de si diante de tanto es-nobismo. Dando o braço à

Marguerite, argumentou:— Fredericks, acho que ainda não entendeu a gravidade da situação. — A condes... ou melhor,

minha amiga... não é tão forte quanto quer parecer. Ela precisa sentar e descansar um pouco. Se lorde Berrington estiver em casa, peço-lhe que vá chamá-lo antes que seja tarde demais.

— Infelizmente, o patrão não se encontra em casa no momento.Se quiserem vê-lo, sugiro que deixem seus cartões e voltem mais tarde.Ele ergueu uma pequena bandeja de prata que trazia nas mãos enluvadas, onde esperava que elas deixassem os cartões. Marguerite empurrou a bandeja para o lado e fungou, indignada:

— Não estou com meus cartões no momento. Acho melhor esperarmos pela volta do conde.Dizendo isso ela entrou na casa, decidida. Começou a andar de um lado para outro no hall,

ainda de braços dados com Emily. Percebendo que não adiantaria nada tentar expulsá-las da mansão, o mordomo convenceu-as a acompanhá-lo até uma pequena saleta nos fundos da mansão.

— Traga-nos um pouco de sherry, Fredericks — ordenou Marguerite. — Depois pode se retirar, e não esqueça de avisar James sobre a minha presença assim que ele chegar.

— Pode estar certa de que farei isso, senhora. A propósito, como devo anunciá-la?— Diga apenas que a mãe dele voltou para casa — respondeu Marguerite.Foi como se ela houvesse dito que a princesa Caroline estava dançando nua em praça pública, tal

foi a expressão de perplexidade que estampou-se no rosto do mordomo.Ao perceber o quanto a situação parecia ridícula, Emily sentiu vontade de sair correndo da mansão

e desistir de ajudar a idosa senhora. Antes que pudesse fazê-lo, porém, Fredericks saiu da sala e fechou a porta, deixando as duas sozinhas.

Marguerite olhou ao redor e suspirou, comentando:— Fredericks não está nos tratando muito bem, não é mesmo?

Pelo que me lembro, costumávamos usar esta saleta para entrevistar futuros criados.Emily sentou-se numa cadeira de espaldar alto, acomodando os braços sobre a mesa que havia

bem no centro da sala.— Ora, que importância tem isso? Estamos aqui, não estamos?

Exatamente como a senhora queria! Agora, só Deus sabe o que lorde Berrington dirá quando a vir. Teremos sorte se escaparmos dessa aventura sem sermos presas.

— Não seja melodramática, minha jovem. James é meu filho, afinal. Não ousaria jogar-nos na rua.

— Mas se a senhora fosse mesmo a condessa, o mordomo a teria reconhecido.— Fredericks é novo na casa. Meu mordomo chamava-se Emmet.— Novo? Se ouvi bem, ele disse que trabalha aqui há doze anos!— Isso mesmo. Oh, onde está a bebida que pedi? Que mordomo mais incompetente!— Acho que ele deve estar pensando que já estamos bêbadas. Sua roupa está cheirando a álcool

— comentou Emily, desanimada. —A senhora deveria ter aceitado o vestido que lhe arrumei emprestado!

Marguerite replicou, altiva:— Admito que meu padrão de vida decaiu um pouco de alguns anos para cá, mas mesmo assim

ainda não cheguei ao ponto de usar roupas velhas e emprestadas. Além disso...Ela interrompeu a frase no meio, tentando identificar a causa da agitação do lado de fora da sala

onde se encontravam. Sua audição já não era muito boa devido à idade, por isso colocou a mão em concha atrás da orelha.

— Que barulheira é essa? — perguntou, intrigada. — Serão os criados, discutindo?Não sei — respondeu Emily. — Pensei ter ouvido alguém gri tar. Uma mulher, acho. Talvez seja melhor irmos averiguar o que aconteceu.

— Tem razão — concordou a idosa senhora, levantando-se da cadeira. — Se for preciso, repreen-derei os criados por essa balbúrdia.

— Talvez não seja bom interferir.— Tolice! Não irei admitir tal comportamento em minha casa.Antes que Emily tivesse chance de detê-la, Marguerite saiu da sala e foi em direção àcozinha, de

onde vinham vozes alteradas. Emily não teve outra escolha a não ser acompanhá-la.O mordomo e três outras pessoas, em pânico, cercavam um garo-tinho que parecia estar com

algum problema sério. Imediatamente, Marguerite meteu-se no meio deles e pegou o menino no colo. Só então Emily pôde ver que o rosto da criança estava azulado.

5

Page 6: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

Sem hesitar, Marguerite virou o menino de ponta-cabeça e deu-lhe uma forte batida nas costas. Um pequeno objeto redondo desalojou-se da garganta do garoto e saiu-lhe pela boca. Na mesma hora o menino começou a chorar.

Assustada, uma mulher pegou a criança no colo, mas o mordomo tranqúilizou-a:— Está tudo bem agora, Maggie. Veja, Michael está respirando normalmente.Maggie, que Emily deduziu ser a mãe do menino, soltou um longo suspiro de alívio,

exclamando:— Sim, graças a Deus ele está bem! A senhora salvou a vida de meu filho!Marguerite tocou-lhe o ombro.com gentileza.— Não foi nada, minha cara. — Em seguida, voltou-se para o mordomo com ar de

desaprovação: — Fredericks, espero que não tenha esquecido a bebida que pedi.— Eu a servirei, senhora. Se tiver a bondade de voltar para a saleta... Prefere sherry seco ou

doce?— Seco. E espanhol, de preferência, como aquele que costumávamos ter na adega.O mordomo fitou Emily com evidente surpresa. Ela deu de ombros, embaraçada. Não havia

como negar que Marguerite era uma grande entendida em bebidas alcoólicas.Quando Emily e a suposta condessa se preparavam para voltar à saleta, viram James Carstairs

entrar de repente na cozinha.— O que está acontecendo, Fredericks? Por que você não foi me receber à porta? — Ao notar a

presença de duas desconhecidas em sua casa, perguntou, irritado: — Quem são estas mulheres?Marguerite pareceu querer devorá-lo com o olhar. E então, sem que ninguém esperasse, ela se jogou

nos braços do conde de Berrington, envolvendò-o num abraço apertado. Em seguida, afastou-se um pouco para fitar-lhe o rosto, enquanto dizia entre lágrimas de emoção:

— James! Oh, James, meu filho! Não sabe o quanto esperei por esse momento! Sabia que acabaria por reencontrá-lo! Sabia que ficaríamos juntos novamente!

Lorde Berrington ficou perplexo.Emily observou a cena com indisfarçável divertimento. James Cars-tairs estava ainda mais belo que

na última vez em que o vira, quando ainda era um adolescente. Agora, tinha um ar mais independente e seguro de si. Os traços marcantes de seu rosto haviam adquirido uma maturidade que o tornava mais atraente que nunca. Os cabelos negros, ligeiramente ondulados, possuíam um brilho azulado, e os olhos, também negros, continuavam tão penetrantes quanto antes. "Não resta dúvida, ele se tornou um homem belíssimo", pensou Emily, sem conseguir parar de olhá-lo.

Lorde Berrington desvencilhou-se dos braços de Marguerite assim que foi possível. Afastou-se alguns passos, com evidente asco do cheiro de bebida barata que impregnava a roupa dela.

— Que diabo, quem é essa mulher, Fredericks? Que história absurda é essa? — indagou, furioso.

CAPITULO II

O mordomo empertigou-se e permaneceu em silêncio. Apenas seu olhar denunciava que estava confuso e apreensivo.

— Por gentileza, milorde, será que poderíamos falar a sós? — pediu, por fim, ao conde.Marguerite fungou, ajeitando o xale sobre os ombros numa demonstração de impaciência.— Francamente, James — disse ela —, você sempre foi meio distraído, mas não reconhecer sua

própria mãe é o cúmulo!Lorde Berrington pegou as luvas que havia jogado sobre a mesa da cozinha e bateu-as na coxa,

impaciente.— Mas que absurdo! — exclamou ele. — Que tipo de farsa é essa? A senhora é minha mãe

tanto quanto sou o pai da... do... —Hesitou, antes de concluir: —- Daquela estátua de Júpiter lá no salão principal! A mulher que se dizia condessa revirou os olhos:

— James, a estátua é de Hermes, e não de Júpiter. Você sempre confundiu os nomes.Por um momento ele pareceu ficar estarrecido, mas logo recobrou a compostura.— E você? — Voltou-se para Emily. — Por acaso é a duquesa de Heatherwood? — ironizou.Emily sorriu de modo furtivo:— Será que pareço assim tão velha, milorde? Asseguro-lhe que já tive o prazer de conhecer a

duquesa e permanecer algum tempo como convidada na casa dela, mas não posso dizer que somos amigas íntimas.

6

Page 7: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

Lorde Berrington ficou ainda mais irritado.— Por favor, saiam da minha casa.Fredericks pigarreou:— Milorde, há algo que preciso lhe dizer...— Não me interessa o que tem a dizer! — Ele hesitou um instante e voltou atrás: — Está bem...

Diga Fredericks, o que é?— Alguns minutos atrás, o pequeno Michael engasgou-se ao engolir uma ameixa inteira. E foi

graças aos cuidados dessa senhora que ele conseguiu escapar de morrer sufocado.James manteve-se a uma distância segura de Marguerite. Em silêncio, fitou a idosa senhora e

depois desviou o olhar para Emily, observando-lhe o rosto e as formas atraentes do corpo. Finalmente, declarou:

— Estamos agradecidos pelo que fez, senhora. — Em seguida, olhando para o mordomo, acrescentou: — Entretanto, isso não justifica a presença dessa mulher em minha casa, sem falar em seu comportamento inexplicável.

— Ora, por que eu teria necessidade de explicar meu comportamento? Se alguém deve uma explicação, esse alguém é você, James.Como pode dirigir-se à sua mãe de modo tão rude? — argumentou Marguerite.Lorde Berrington encarou-a como se estivesse prestes a explodir de raiva. Emily decidiu intervir:

— Milorde, reconheço que nossa visita é motivo de surpresa para o senhor, mas talvez eu possa esclarecer a situação. Conheci a condessa há dois dias atrás. Ela estava sendo perseguida por um bando de arruaceiros, e eu a ajudei. Vi que estava exausta e faminta, por isso a levei comigo para casa.

— Quanta generosidade de sua parte! — comentou lorde Berrington, irónico. — E agora espera terminar sua boa ação deixando-a sob meus cuidados? Não irei me surpreender se também esperar uma recompensa por isso!

— Compreendo que esteja confuso, mas não precisa descarregar sua ira em mim — disse Emily, com voz controlada. — Confesso que não sei se esta senhora é ou não sua mãe. Mas parece-me que não será difícil descobrir a verdade. Quanto a mim, asseguro-lhe que não quero nenhuma recompensa, como o senhor indelicadamente sugeriu.

— É o que veremos. — Lorde Berrington dirigiu-se a um lacaio uniformizado: — Traga-me a bolsa de moedas que está na gaveta da escrivaninha, na biblioteca. — A seguir, voltou-se para Emily e Marguerite: — Vejo que estão precisando de ajuda financeira, mas isso não justifica a atitude pouco recomendável que tiveram. Em reconhecimento ao que fizeram pelo menino Michael, contudo serei generoso.

O criado retornou com a bolsa de moedas e entregou-a ao conde. Ele espalhou as moedas sobre a mesa da cozinha, dizendo:

— Aqui está. Isso será suficiente para sustentá-las por alguns meses, desde que saibam usar o dinheiro com parcimônia.

Nenhuma das duas fez o menor gesto para pegar o dinheiro, mas Emily teve a impressão de ver Marguerite oscilar. Lorde Berrington continuava sério. Colocou todas as moedas de volta na bolsa e segurou-a diante do rosto da mulher que se dizia sua mãe.

— Pegue. Aceite e vá embora — disse ele.A princípio Emily pensou que Marguerits havia estendido a mão para pegar a bolsa, mas em vez

disso ela segurou o braço de James Carstairs. Ia dizer algo, mas antes de poder fazê-lo caiu no chão, desmaiada.

Emily ajoelhou-se junto dela, preocupada. Depois, ergueu o rosto para lorde Berrington, com expressão de censura:

— Veja só o que o senhor fez! Ela está muito fraca, mal consegue respirar!— Humpf! Aposto que isso faz parte de algum plano para despertar minha piedade — acusou

James Carstairs. — Minha cara, vocês deviam tentar a vida nos palcos. Sua representação é fantástica.Sabe que estou quase convencido de que ela desmaiou mesmo? — Ele dirigiu-se ao criado que fora buscar a bolsa de moedas: — Leve esta senhora para a biblioteca e acomode-a no sofá.

Por um momento Marguerite voltou a si e tentou levantar do chão, mas não teve forças. Parecia tão desprotegida quanto uma criança perdida. O criado ajudou-a a ficar de pé. Havia algo no olhar dela, algo no modo penetrante como olhou para lorde Berrington, que fez Emily estremecer. Existia uma certa semelhança entre os dois... Pela primeira vez começou a acreditar que a idosa senhora era realmente lady Marguerite Carstairs, mãe de James Carstairs, conde de Berrington.

Enquanto o criado conduzia Marguerite à biblioteca, Emily encarou lorde Berrington, declarando:

7

Page 8: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

— Fique sabendo que se acontecer alguma coisa à sua mãe, farei com que todos os jornais de Londres noticiem o escândalo!

— Por Deus, se continuar dizendo que esta mulher é minha mãe, serei o primeiro a querer oferecer uma história escandalosa aos jornais! Para sua informação, minha mãe está morta há quase dezessete anos! Ela faleceu num naufrágio, junto com meu pai, perto da costa italiana.

A voz de Emily soou trémula:— Seus pais estão mortos? Tem certeza disso, lorde Berrington?— É claro que tenho!— Sinto muito. Mas... Não é possível que tenha havido algum engano?Os olhos do conde estreitaram-se.— Ficaria satisfeita se eu lhe mostrasse os túmulos?— Sim, é claro que sim.Ele hesitou e levou a mão à gravata, arrumando-a.— Bem, eu o faria se pudesse, mas meus pais estão enterrados em Brighton.— Compreendo... — murmurou Emily.— Estou enganado, ou percebi um certo tom de descrença em sua voz?— Desculpe-me, mas estou tão convencida de que a mulher que ajudei é sua mãe que... —Ela

juntou as mãos num gesto de súplica.— Será que o senhor não consideraria nem mesmo a hipótese de haver um engano nessa história?

James Carstairs arqueou as sobrancelhas.— Ora, sua imaginação chega à beira do ridículo! — Acho que tem razão, mas como o senhor explica o fato de ela conhecer tão bem esta casa? Ela soube encontrar o esconderijo da chave do portão, e estava a par de que o senhor sempre troca o no me da estátua de Hermes. Diga-me uma coisa, o papel de parede do salão principal tem desenhos orientais?— Tem, por quê?— Seus pais o compraram durante uma viagem que fizeram ao Oriente?— Sim, mas...— E as cortinas eram de veludo azul, antes de mandar que a trocassem por aquelas vermelhas?— Sim, mas isso que você está dizendo não prova nada. É o tipo de informação que poderia ser

obtida com qualquer um.— Pois para mim significa muito. Acho que há algo de errado nessa história... — Ela não

conseguiu deixar de fitar os traços bemdelineados da boca e do queixo do conde, enquanto prosseguia: —Pense bem, milorde, há dezessete anos o senhor era apenas um menino. Pode ser que não tenha tomado conhecimento de todos os fatos...

— Chega! Se continuar insistindo nesta história ridícula, não responderei por meus atos! Minha mãe está morta, e pronto final!

— É possível. Mas nunca ouvi ninguém acusá-lo de não ser um homem caridoso. Mesmo que recuse a ideia de que Marguerite seja sua mãe, acredito que seu nobre coração permitirá que ela fique aqui por alguns poucos dias, até que esteja completamente recuperada.— Emily abriu os braços, indicando a extensão da cozinha. — Sua casa é enorme, milorde. Deve ter uns quinze quartos ou mais, sem mencionar as dependências dos criados.

Lorde Berrington levou a mão à testa, resmungando:— Está me colocando numa situação difícil, sabia? Mas, pensando bem... Levando em

consideração o que ela fez por Michael, acho que poderá permanecer aqui por alguns poucos dias.Emily suspirou, aliviada.— Muito obrigada. É realmente muita bondade sua, lorde Berrington.Ele chamou dois outros criados e ordenou-lhes:— Por favor, levem a senhora que está na biblioteca para a suíte rosa. Peçam à sra. Grover que

mande alguém para ajudá-la a despir-se.Depois de algum tempo Marguerite apareceu, amparada pelos dois criados. Pedira a eles que a

levassem até a cozinha antes de conduzi-la para o quarto. Ela sorriu para Emily, dizendo:— Está vendo, querida? Eu lhe disse que meu filho se lembraria de mim. James sempre foi um

bom menino. Quanto a você, obrigada por ter me ajudado.Emily aproximou-se dela e tomou-lhe a mão:— Não precisa me agradecer. A senhora ficará bem agora, condessa. Cuide de sua saúde e dê

algum tempo para que seu filho se acostume à sua volta.Assim que Marguerite se retirou, Emily inclinou a cabeça, despedindo-se do conde, e encaminhou-se para a porta. Num impulso, ele a seguiu e segurou-lhe o braço, indagando:

— Onde pensa que vai?

8

Page 9: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

— Vou voltar para o lugar de onde vim, é claro! Preciso descansar um pouco. Amanhã sairei para procurar emprego.

— Eu acho que não.— Desculpe, mas não entendi o que disse.— Só deixarei que aquela mulher fique em minha casa sob uma condição: terá de ficar também,

para cuidar dela e mantê-la bem longe das garrafas de bebida. Nenhum de meus criados tem qualifica ções para cuidar de uma senhora idosa.

— Mas eu não posso ficar aqui! Preciso arrumar um emprego o quanto antes!— Pois se for embora agora, terá de levá-la consigo.— Seja razoável, lorde Berrington. Se eu tivesse condições de cuidar dela jamais a teria trazido

até aqui, para sujeitá-la ao desdém do filho. — Ela ficou pensativa por alguns momentos, antes de acrescentar: — Estou começando a imaginar o tamanho do problema que lhe trouxemos, obrigando-o a pensar na ideia de ter de dividir todas as suas posses com alguém que diz ser sua mãe. Talvez eu pudesse entender sua relutância em admitir o parentesco se o senhor não tivesse onde cair morto, mas não resta dúvida de que é um homem muito rico... — Arrumou a saia, preparando-se para partir. — Com certeza seus criados são bem mais qualificados que eu para cuidarem da condessa. E se está tão relutante em permitir que ela fique, saiba que não está sendo nem um pouco gentil. Saiba também que, sendo ou não sua mãe, ela já conquistou minha estima.

— Tem uma língua bastante afiada, minha cara. Não sei o motivo que a levou a envolver-se nesta farsa ridícula, mas garanto que assim que descobrir farei questão de dar-lhe a punição que merece.

As palavras, apesar de ameaçadoras, não foram ditas num tom de quem pretendia cumprir o que dissera.

— Se sua intenção era ameaçar-me, asseguro-lhe que falhou drasticamente, milorde. Agora, se me dá licença, preciso ir. Adeus.

Lorde Berrington ficou parado, vendo-a caminhar pelo corredor em direção à porta de saída. Sentiu uma estranha inquietação. Ela estava com a razão, afinal. Ele era um homem rico, muito rico, e qualquer que fosse o objetivo da farsa, poderia terminar divertindo-se com tudo aquilo. Continuou a observá-la, notando com interesse os quadris movendo-se de um modo extremamente feminino sob o tecido do vestido longo.— Maldição! — resmungou para si mesmo.Não era de seu feitio deixar que uma mulher desse a palavra final numa discussão. Não a

deixaria sair daquela maneira. Parecia muito segura de si para alguém que se encontrava em situação difícil. Seria divertido derrotá-la em seu próprio jogo. No que dizia respeito a competições, ele era quase sempre imbatível e esta seria uma boa oportunidade para testar suas habilidades.

James Carstairs correu atrás de Emily e interceptou-a antes que ela pudesse passar pela porta. Encostou-se ao batente para impedi-la de sair.

— Onde pensa que está indo? — indagou ele, fingindo gentileza.— Não creio que este assunto seja da sua conta. Por favor, deixe-me ir.— Vá embora, se quiser, mas terá de carregar em sua consciência o fato de uma senhora idosa

ter sido posta na rua, pois é isso que farei assim que você sair.— O senhor não teria coragem! — exclamou Emily.Lorde Berrington percebeu que ela vacilava e procurou disfarçar seu ar de triunfo. Permaneceu

sério, fitando-a com olhos tão negros quanto a noite.Emily percebeu que havia sido derrotada e baixou a cabeça.Ele se deu por satisfeito e endireitou o corpo. Cruzou as mãos às costas como um general prestes

a revistar a tropa, e um leve sorriso curvou-lhe os lábios.Emily notou que lorde Berrington parecia divertir-se e encarou-o, irritada.— O senhor gosta mesmo de desafiar as pessoas, não é?— Para ser sincero, acho que não existe nada melhor que isso.

Além do mais, sempre acabo vencendo.— Oh! — exclamou ela, mais irritada ainda.— Bem, diga logo. Qual é sua decisão?Emily deu de ombros.— Parece que não tenho outra escolha a não ser ficar.Ele assentiu, inclinando a cabeça.— Uma decisão inteligente. Espero que a primeira coisa que faça seja garantir que sua amiga tome um bom banho e vista roupas decentes. Pedirei à governanta que vá buscar alguns vestidos que estão guardados no sótão.— Duvido que ela vá usá-los, milorde. Na única vez em que ofereci um vestido emprestado para a

9

Page 10: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

condessa, ela recusou-o com veemência.— Pois sugiro que encontre um modo de convencê-la a aceitar os vestidos providenciados pela

governanta. Não estou disposto a terem minha casa alguém que cheira como... como um gambá bêbado.

Emily não pôde conter o riso.— Está exigindo muito de mim, milorde!— Oh, sou eu quem está exigindo? Pelo que vejo, seu senso de justiça é um tanto falho. — Ele

olhou ao redor: — Não trouxeram bagagem?— A condessa não tem nenhuma. Quanto a mim, não tenho intenção de permanecer aqui por

muito tempo. Estou certa de que logo poderei deixar sua mãe sob a exclusividade de seus amorosos cuidados.

— Não adianta usar de ironia comigo, minha cara. Um dos criados a acomodará no quarto vizinho à suíte rosa. A sra. Grover irá ajudá-la assim que terminar de providenciar tudo para a... Maldição! Como devo chamar sua amiga?

— Que tal tentar chamá-la de "mamãe"?— Isso está além das minhas forças.Ele notou o sorriso que Emily tentava em vão disfarçar e surpreendeu-se com o brilho

encantador que viu nos olhos castanhos.— Bem, então por que não a chama de "condessa", como eu?— Eu jamais conseguiria fazê-lo! Bem, pensarei em algo mais apropriado, depois. Por falar

nisso, qual é o seu nome?Emily ficou tensa.— Pode me chamar de sra. Harding.— Senhora? Não me disse que era casada — comentou lorde Berrington, com evidente

desapontamento.— Do mesmo modo como o senhor também não me revelou seu estado civil — replicou ela.— Simplesmente porque não houve razão para isso.

/— Pois também não existe razão para eu apresentar-lhe um dossiê completo sobre mim! Mas caso isso o faça sentir-se melhor, saiba que sou viúva. Perdi meu marido há um ano.

— Minhas condolências. Não tive intenção de magoá-la.

Obrigada, mas não precisa se preocupar com meus sentimen tos. Já aceitei a morte de meu marido.

Emily esperou que lorde Berrington dissesse algo sobre seu próprio estado civil, mas ele permaneceu em silêncio.

— Se já terminou de me interrogar, gostaria de me retirar para o meu quarto, milorde. A condessa pode estar precisando de mim — disse ela, por fim.

— Naturalmente.Ele fez um sinal para que um dos criados a acompanhasse e afastou-se, sem dizer mais nada.O criado conduziu Emily por um longo corredor iluminado por delicadas lamparinas fixas às

paredes. Bem no final, abriu uma das portas e fez um gesto para que ela entrasse.— Esta é a suíte lilás, madame. A suíte rosa, onde a... O criado hesitou, embaraçado.— A condessa — completou Emily.— Bem... Sim, a suíte onde a condessa está instalada fica aqui

ao lado. Se desejar algo, puxe a cordinha da sineta ao lado da cama.Emily agradeceu e entrou no quarto, fechando a porta atrás de si.O aposento era belíssimo, todo decorado em tons de lilás, rosa e roxo. Um toque romântico

era dado por duas amplas portas de vidro que davam para uma sacada, de onde se podia avistar parte do belo jardim florido.

Na verdade, o fato de passar algum tempo ali ofereceria certas vantagens a Emily. O sr. Grimstead jamais pensaria em procurá-la ali. Estaria a salvo durante algum tempo... desde que tomasse o cuidado de manter-se a uma distância segura do conde.

— James Elliott Carstairs, conde de Berrington... — murmurou ela, pensativa.Fora interessante desafiá-lo, mesmo que por alguns momentos a conversa entre eles houvesse

beirado a hostilidade. No fundo, não podia censurá-lo por relutar em admitir que Marguerite era sua mãe.

Emily resolveu ir até o quarto da suposta condessa. Bateu à porta da suíte rosa e entrou, sem esperar pela resposta.

Foi recebida por uma bonita jovem de olhar vivaz que apresentou-se como Millie. A moça parecia muito tímida e mal encarou Emily quando falou com ela.

10

Page 11: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

— Oh, senhora, fui preparar o banho, e quando voltei sua amiga havia adormecido. Agora não sei o que fazer!

Nesse momento, Marguerite começou a roncar. Emily riu.— Não se preocupe, Millie. A condessa está exausta. Acho melhor deixarmos que ela durma

um pouco.Sim, senhora — respondeu a moça, retirando-se do quarto.

Emily estava em seu próprio quarto quando Millie bateu à porta, quase duas horas depois, para avisar que lorde Berrington a esperava na biblioteca.Ela mirou-se ao espelho e ficou espantada com a palidez de seu rosto. Beliscou as faces, para

dar-lhes um tom rosado, e depois seguiu Millie até a porta da biblioteca.James Carstairs estava concentrado em um livro de contabilidade quando Emily bateu à porta

e entrou.— Sente-se, sra. Harding — disse ele, sem se dar ao trabalho de erguer os olhos do livro.Emily ficou chocada com a indelicadeza do conde.

— Não precisa se preocupar em ficar de pé para me receber, milorde — declarou ela, irónica.Só então ele se deu conta de que havia sido indelicado.

— Minhas desculpas.Levantou-se e puxou uma cadeira para que ela se sentasse. Emily hesitou.

— Talvez o senhor prefira falar comigo mais tarde, quando terminar seu trabalho.— Não, pedi que nos servissem o chá aqui.Lorde Berrington cruzou as mãos às costas, de um modo que ela já percebera lhe ser peculiar, e

aproximou-se da lareira acesa. As chamas alaranjadas iluminaram parte do rosto másculo, atraente, criando um interessante jogo de luzes e sombras. Naquele momento, lorde Berrington parecia angelical e demoníaco ao mesmo tempo. Emily sentiu uma inexplicável vontade de descobrir qual das duas facetas predominava na personalidade dele.

Lorde Berrington apoiou a uma das mãos na cornija da lareira, enquanto fitava as chamas.— Estive pensando sobre o que aconteceu hoje... — disse, por fim, pensativo. — Ter essa

mulher em minha casa pode acabar me trazendo problemas.— Não posso afirmar que tal fato não irá lhe trazer algumas complicações — admitiu Emily. —

Se Marguerite for mesmo sua mãe, creio que não abrirá mão daquilo a que tem direito, pois pelo pouco que a conheço já percebi que é muito obstinada. Entretanto, ela confessou-me que tudo que mais deseja é passar seus últimos dias em casa, ao lado do filho que tanto adora.

— Que comovente! E por que ela foi escolher justo eu como vítima?Emily sentiu vontade de rir diante da atitude infantil do conde.— Bem, tenho a impressão de que os pais não têm muita chance de escolha quanto aos filhos,

assim como os filhos não podem escolher quem serão seus pais — comentou ela.— Concordo, mas agora não é hora de filosofar — disse lorde Berrington. — A senhora me

parece bastante inteligente. Supondo que tenha entrado por pura inocência nessa história absurda, sra. Harding, o que posso fazer para provar-lhe que sua amiga é uma impostora?

— Pois eu lhe respondo com outra pergunta, milorde. O que devo fazer para provar-lhe que ela não é uma impostora?

CAPITULO III

James voltou-se para ela com um olhar exasperado.— Não me faça perder a paciência, sra. Harding. Estou disposto a cooperar com essa farsa

somente por alguns dias, em consideração à idade e à enfermidade de sua amiga, além do fato de ela ter salvo a vida de Michael. — Lorde Berrington começou a andar de um lado para outro, impaciente. — Será que não entende que tenho outras obrigações? Gosto de receber convidados em minha casa, de vez em quando, apesar de ser difícil organizar tudo sem a ajuda de uma esposa. E como eu poderia explicar a presença dessa mulher aos meus amigos e sócios?

Emily sentiu uma inexplicável satisfação ao ouvi-lo afirmar, indi-retamente, que não era casado. Ao mesmo tempo, sentiu-se uma grande tola por estar tendo tal pensamento. Procurou esconder seus sentimentos, ocupando-se em observar um delicado tinteiro colocado sobre a escrivaninha.

— Por que preocupa-se em dar explicações, milorde? — indagou ela, evitando encarar lorde Berrington. — A condessa não precisa ser incluída na lista de seus convidados. Essa casa é tão

11

Page 12: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

grande que ninguém irá encontrá-la se ela ficar no quarto.— Seja sensata, sra. Harding. Acha que seria correto manter sua amiga confinada num quarto por

semanas a fio? Além do mais, não acho que ela concordaria com a ideia. Aposto que acabaria aparecendo no salão, fazendo-se de anfitriã da festa.

Emily riu.— Receio que tenha razão. Por certo ela apareceria usando uma tiara de diamantes, mesmo que

não se tratasse de um grande evento.Ao imaginarem Marguerite usando um vestido velho, meias rasgadas e uma tiara de diamantes,

ambos entreolharam-se por um instante e começaram a rir. De repente, Emily ficou séria e argumentou:— Devíamos nos envergonhar por estarmos zombando dela!

Quando a condessa estiver descansada e bem vestida, na certa pare cerá menos...— Vulgar? Extravagante? — sugeriu lorde Berrington.

. — Não era bem isso que eu queria dizer... — Ela suspirou. — Para dizer a verdade, não consigo pensar em uma única palavra que a descreva de modo adequado.

— Claro que não, sua amiga simplesmente dispensa descrições.— Lorde Berrington esfregou o queixo. — É claro que poderíamos recorrer à estratégia de dar-lhe uma enorme garrafa de sherry, para que dormisse durante todas as festas.

— Milorde!— Está bem, está bem, esqueça o que eu disse. Não resolveria nada, mesmo. Além do mais, creio

que seria necessário metade de minha adega para fazê-la dormir.Emily fitou-o, para verificar se ele estava brincando, mas não o viu sorrir.— Sinto muito por estarmos lhe causando tantos problemas, milorde, mas ainda assim não me

sinto na obrigação de pedir desculpas por ter trazido a condessa para casa. Meu instinto me diz que o senhor logo irá admitir que ela é sua mãe.

— Em seu lugar, eu não teria tanta certeza.— Meu instinto nunca falha, milorde.Lorde Berrington estudou com interesse o delicado rosto feminino, que transmitia beleza e

sinceridade em cada traço.— Perdoe-me a curiosidade, sra. Harding, mas se seu instinto é assim tão infalível, por que

acabou sendo forçada a procurar um emprego para sobreviver?Ela hesitou por um instante, antes de responder:— Não se pode ter controle de tudo na vida, não importando quão preparada a pessoa esteja para

enfrentar o inesperado.Pelo menos nisso nós concordamos. — Ele fez o comentárioem tom solidário e sentou-se perto de Emily, perguntando: — Por acaso faz ideia de quantas pessoas batem à minha porta dizendo que lhes devo dinheiro, quando na verdade não devo nada? Pode imaginar quantas pessoas vêm mostrar-me falsos documentos, nos quais consta que elas têm direito a uma parte de meus bens?

— Compreendo sua triste situação, lorde Berrington. Observando sua aparência maltratada, imagino que deve ter passado por grandes sofrimentos nos últimos anos.

Lorde Berrington voltou a ficar de pé e aproximou-se de um globo terrestre sobre uma mesinha de canto. Girou-o com impaciência.

— Não precisa ser tão sarcástica, sra. Harding. Eu não estava tentando despertar sua compaixão.— Peço que me perdoe, milorde. Não foi um comentário muito delicado de minha parte. Mas

ainda que eu não tenha a intenção de parecer grosseira, acho difícil sentir piedade de alguém que toma champanhe todo dia e dorme em lençóis de seda.

Ele fitou-a, surpreso, e sorriu.— Esteve bisbilhotando meu quarto, sra. Harding? Confesso que considero seu interesse uma

grande honra, mas devo dizer que quando lhe pedi para ficar e cuidar da... daquela mulher, não lhe dei liberdade para bisbilhotar minhas coisas. Lençóis de seda, pois sim!

— Foi apenas um modo de falar, milorde. De qualquer forma, a menos que já se tenha experimentado o sofrimento e a pobreza, é difícil imaginar o quanto isso pode afetar a personalidade de uma pessoa. Em comparação com o que sua mãe deve ter passado nos últimos anos, acredito que nossos problemas devem parecer tolos e corriqueiros.

— Pode até ser verdade, mas acho tal hipótese um tanto difícil, uma vez que minha mãe está morta há quase vinte anos.

Emily não estava convencida de que os pais do conde haviam realmente falecido. Ainda assim, sentiu-se na obrigação de demonstrar compreensão.

12

Page 13: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

— Se isso for verdade, aceite minhas sinceras condolências.— Obrigado. Suas palavras me comovem — retrucou ele, não fazendo nenhuma questão de

disfarçar a ironia.Emily levantou-se e caminhou em direção à porta, mas lorde Berrington alcançou-a e postou-se

diante dela. A proximidade de ambos pareceu o encher o ar de eletricidade. Apesar de não se tocarem, podiam sentir o calor de seus corpos agindo como um imã entre eles.

Emily sentiu-se perturbada e ergueu o rosto para encarar lorde Berrington, dizendo:— Essa conversa não está nos levando a lugar algum.— Pelo contrário — redarguiu ele, com voz firme —, creio que já fizemos um grande

progresso. — Acha mesmo, milorde? Pelo que sei, o senhor continua negando que a condessa é sua mãe.Ele sorriu de modo insinuante.— Admitir que ela é minha mãe seria pura loucura. O progresso ao qual me refiro diz respeito a

conhecer melhor o adversário, para armar estratégias de ataque.Os olhos de Emily brilharam pela expectativa do desafio.— Devo considerar suas palavras uma declaração de guerra, milorde? — perguntou, em tom

brincalhão.— Não acredito que o caso acabe virando uma guerra. O máximo que pode acontecer é

travarmos uma ou duas batalhas, talvez.Mas garanto-lhe desde já que a vitória será minha. — Lorde Berrington tomou as mãos de Emily entre as suas, olhando-a intensa mente. — Confesso que sentirei saudades dessa competição, quando mandar a senhora e sua amiga de volta ao lugar de onde vieram...

Com os polegares, ele traçou uma linha sobre a palma das mãos de Emily. Ficou espantado ao sentir a aspereza de calos recentes.

— O que é isso? — indagou, curioso. — O que aconteceu com suas mãos?Ela afastou-se de repente.— Não é nada — respondeu. — Se me dá licença, preciso ir ver se a condessa está precisando

de mim.Ele respirou fundo, irritado.— A senhora é certamente a mulher mais teimosa que já conheci! Há muita coisa que ainda não

me contou a seu respeito. Está escondendo algo, tenho certeza. Algo que está além de toda essa farsa sobre minha mãe. — Franziu a testa, confuso. — Maldição! Por queme sinto impelido a provar-lhe que aquela mulher não é minha mãe, sabendo que a senhora também pode ser uma impostora?

Emily escondeu as mãos nos bolsos do vestido para impedir que ele as segurasse novamente.— Acreditaria em mim se tivesse uma prova de que não somos impostoras, milorde?Lorde Berrington riu, incrédulo.— Claro. Mas não acredito que tenham uma prova convincente.— Se pelo menos pudéssemos encontrar alguém que tenha conhecido sua mãe... O senhor era

apenas um menino quando seus pais morreram, mas deve haver algum parente capaz de reconhecer sua mãe.

— A maioria de meus parentes já morreu. Minha mãe tinha um irmão mais novo, chamado Spencer, mas perdi o contato com ele há muitos anos. Creio até que já deve ter morrido.

— Tem de existir alguém. Um criado, um amigo...— Agora que mencionou isso... Acho que há uma pessoa que poderia lembrar-se dela: Hawkins

Willoughby, o antigo jardineiro da mansão. Ele aposentou-se há uns nove anos, e agora vive em uma casa perto de minha propriedade, no campo.

Emily encheu-se de esperanças.— Quando poderemos ir vê-lo?— É quase um dia de viagem daqui até lá. Mas talvez valha a pena, se houver uma chance de

resolvermos logo esse mistério.— Podemos ir amanhã?Lorde Berrington fitou-a em silêncio por um momento, antes de responder:— Depois de amanhã, talvez. Não fique tão ansiosa, sra. Harding. Quando a verdade vier à

tona, o jogo estará acabado para sua amiga e para a senhora, também.Emily ergueu o queixo, altiva.— Não sabe o quanto estou ansiosa para que isso aconteça, milorde. É a primeira vez que tenho

a oportunidade de unir uma mãe a seu único filho. E se o senhor não tiver mais nada a me dizer, acho melhor voltar para meu quarto.

— Como quiser. Mas... Não tenho a intenção de mantê-la aprisionada no quarto, sra. Harding. Enquanto estiver aqui, como minha convidada, tem todo direito de utilizar a biblioteca ou

13

Page 14: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

qualquer outro aposento, e é claro que irá sentar-se à mesa comigo durante as refeições. — Acrescentou, em tom amistoso: — Notei que a senhora parece gostar de tapeçarias. Se quiser dar uma olhada no salão de baile, no terceiro andar, encontrará muitas tapeçarias interessantes, além de vários quadros originais.

— É muito gentil de sua parte, lorde Berrington. Asseguro-lhe que já está sendo atencioso o suficiente. Não pretendo perturbar sua rotina.

Lorde Berrington fitou-a em silêncio por um longo instante. Em seguida, inclinou a cabeça em sinal de despedida e saiu da biblioteca.

Emily ficou confusa. James Carstairs, conde de Berrington,. era um cavalheiro muito estranho, sem dúvida... Primeiro ameaçara jogá-la na rua, junto com Marguerite, e agora lhe dava liberdade para conhecer todos os aposentos da mansão! O que ele estaria tentando fazer? Conquistar-lhe a simpatia, ganhar uma aliada contra a mulher que se dizia sua mãe?

Ela percebeu que precisaria tomar muito cuidado com lorde Berrington. Não poderia ceder aos encantos dele, nem revelar-lhe seu passado. Não forneceria ao conde armas que pudessem prejudicá-la; afinal, estavam em lados opostos do campo de batalha...Decidida, Emily deixou a biblioteca. Pretendia ir direto para seu quarto, no primeiro andar, mas

a curiosidade de ver as tapeçarias do salão de baile fez com que subisse mais um lance de escada.

Acima de sua cabeça, a belíssima cúpula do teto era adornada por pequenos vitrais coloridos. A luz do sol, que os atravessava, fez Emily sentir-se em meio a um arco-íris fragmentado. A beleza daquele detalhe da decoração era realmente de tirar o fôlego! Ela seguiu por um corredor até encontrar uma grande porta em forma de arco, que concluiu ser a entrada do salão.

Ao aproximar-se, notou que a porta estava entreaberta. Entrou discretamente no grande aposento e avistou uma jovem criada sentada ao piano. Depois de alguns instantes, a moça começou a can-tar. Apesar de seu talento para tocar piano deixar a desejar, sua voz era suave e segura, enchendo o salão com uma agradável melodia.

Emily calculou que a criada não deveria ter mais de dezoito anos. Usava um uniforme cinza e uma touca da mesma cor cobria-lhe parcialmente os cabelos pretos e lisos. Continuava cantando sem notar que havia outra pessoa no aposento.

Emily aproximou-se dela e tocou-lhe o ombro, dizendo:— Espere, deixe-me tocar enquanto você canta.A moça levantou-se tão rápido que esbarrou no teclado. Murmurou algo em francês e depois

desculpou-se, aflita.— Oh, senhora, perdoe-me! Eu... pensei que estivesse sozinha.

— Os olhos dela arregalaram-se de medo. — Por favor, não conte a ninguém que me viu aqui!Emily afagou-lhe o ombro de modo amistoso.— Pode ficar tranquila, não direi nada. Sua voz é tão bonita! Pensei que talvez pudesse

acompanhá-la ao piano enquanto canta. —Sorriu, tentando acalmá-la. — Meu nome é Emily Harding, e o seu?

— Yvette, senhora. Yvette Corday.Emily sentou-se ao piano, enquanto dizia:— Acho que reconheci a música que você estava cantando.A criada permaneceu calada. A princípio Emily tocou devagar, como que fazendo seus dedos

acostumarem-se ao teclado. Logo lembrou-se de todas as notas e a música começou a fluir natu -ralmente.Ela olhou para Yvette com um sorriso encorajador. Apesar de insegura, a moça começou a cantar. Não demorou muito para que am bas se envolvessem com a melodia, compartilhando-a de maneira harmoniosa.

Quando a música terminou, Emily levantou-se da banqueta com um sorriso de satisfação.— Formamos uma bela dupla, não acha? Sua voz é belíssima, Yvette. Já estudou música?— Oh, não, senhora. Tenho outras obrigações: varrer, tirar a poeira, sacudir os tapetes... Não

tenho tempo para estudar.— É uma pena.— Bem, se me dá licença, senhora, preciso terminar o serviço antes do jantar.Emily teve um sobressalto.— Santo Deus! Perdi completamente a hora! Preciso ir ver a condessa. — Tocou o ombro da

moça: — Obrigada por aceitar que eu tocasse piano para você. Talvez possamos fazer isso outra vez, qualquer dias desses.

— A senhora promete que não contará nada à sra. Grover? Ela me despediria no mesmo instante, tenho certeza.

Emily já estava na porta, mas voltou para tranquilizá-la:

14

Page 15: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

— Será nosso segredo. Pode confiar em mim.Minutos depois, ao entrar na suíte rosa, ela logo viu que a cama estava vazia. O xale de

Marguerite encontrava-se caído no chão.Emily atravessou o corredor e olhou para o andar de baixo, por cima do corrimão da escada,

mas não viu nem sinal da suposta condessa.Chamou Millie que, por sua vez, chamou outros criados.Depois de uma hora de intensa procura, Marguerite ainda não havia sido encontrada. Ninguém a

vira ou ouvira sua voz.Lorde Berrington acabou percebendo a agitação e puxou Emily de lado para pedir-lhe

explicações.— Importa-se de me dizer o que está acontecendo?Ela enfiou as mãos nos bolsos do vestido, num gesto defensivo.— Sinto muito, milorde. Lamento ter de lhe dizer isso, mas... mas sua mãe... desapareceu.Os olhos do conde adquiriram um brilho ameaçador.— Desapareceu? Há quanto tempo?— Não sei dizer ao certo, mas acho que há umas duas horas.— Humm... Talvez ela tenha se dado conta da loucura que estava fazendo e resolveu ir embora.

Por Deus, essa é a melhor notícia que recebo hoje!Emily lançou-lhe um olhar gélido.

Suas brincadeiras não são nada apropriadas, milorde! Se algo acontecer à condessa, a culpa será minha!_ Sua?! — Claro que sim! Afinal, fui eu quem a trouxe para cá. E o senhor mesmo me incumbiu de

cuidar dela.— De fato. Todavia, não creio que deva se preocupar com ela.

Vejamos... Os criados já foram procurá-la na adega?__ Duas vezes. Aliás, já procuramos por toda a casa. Pedi até que fossem olhar no jardim e no estábulo. Foram interrompidos pelo mordomo, que anunciou, pomposo:— Milorde, encontramos a condessa.Emily pulou da cadeira.— Ela está bem?— Sim, senhora, ela está muito bem.Lorde Berrington também pareceu aliviado ao indagar:— Onde a encontraram?— No sótão, senhor. E vestida de um modo muito estranho, se me permite dizer.— Como será que ela conseguiu chegar até lá? — espantou-se James.— Perguntamo-nos a mesma coisa, senhor. Ela puxou a escada para cima, depois de ter subido.

Foi por isso que demoramos tanto a encontrá-la — explicou Fredericks.— Leve-me até a condessa, por favor — pediu Emily ao mordomo. — Quero me certificar de

que ela está bem.Fredericks acompanhou Emily e lorde Berrington por dois lances de escada e depois por um

labirinto de corredores que conduzia a um quartinho cheio de artefatos de limpeza: panos de pó, espana-dores, vassouras, esfregões. Assim que entraram no aposento, Fredericks apontou para uma grande abertura no teto, à qual estava acoplada uma escada de armar.

— A condessa está lá em cima, mas tenham cuidado ao subir. A escada não está muito firme — avisou o mordomo.

James adiantou-se.Emily subiu na frente e James a seguiu.Encontraram a idosa senhora que se dizia condessa sentada em uma antiga cadeira, em meio a

estatuetas, quadros e caixas repletas de bugigangas. Ela estava usando um monstruoso chapéu roxo adornado com enormes penas coloridas, enquanto retirava quinquilharias de uma caixa.

— Oh, James, é você, querido! — exclamou Marguerite ao verlorde Berrington. — Acabei de encontrar alguns dos brinquedos que lhe pertenceram. Trouxeram-me tantas recordações boas! Lembra-se desse arlequim de madeira?

Emily notou que ele estreitava os olhos ao comentar num tom desconfiado:— Lembro-me do dia em que papai o esculpiu para mim.Marguerite riu.— Seu pai não tinha jeito para essas coisas, querido. Foi o jardineiro, Hawkins Willoughby,

quem esculpiu o arlequim para você, no seu quinto aniversário. — Ela procurou algo dentro da

15

Page 16: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

caixa. —Mas seu pai lhe deu esse apito de prata em forma de pássaro. Você costumava usá-lo em uma corrente em volta do pescoço. Lembro que quase nos deixou loucos, apitando sem parar o dia inteiro, tentando imitar o canto dos pássaros.

Emily fitou lorde Berrington, sentindo-se triunfante com o ar de espanto que viu no rosto dele. Cutucou-o e sussurrou:

— O que me diz agora, milorde? Não me diga que a condessa está inventando tudo isso!— Qualquer um poderia ter contado isso a ela — teimou ele, sem fazer o menor esforço para

proferir o comentário em voz baixa.Entretanto, se Marguerite o ouviu, preferiu ignorá-lo. Colocou a caixa sobre uma mesinha e ficou

de pé. Foi então que viram que ela estava vestida num sári multicolorido que, unido ao chapéu, tornava sua figura ainda mais extravagante. Eia notou o esforço que Emily estava fazendo para não rir e comentou:

— Ridículo, não é? Mas me traz tantas lembranças boas... Meu marido me trouxe esta roupa da índia, junto com alguns cortes de seda e outros suvenires. — Marguerite tirou o sári e olhou em volta, procurando algo. — Havia um vestido de brocado azul e prata que era meu preferido... Só que não estou conseguindo encontrá-lo...

— Fiquei preocupada com a senhora — disse Emily, segurando-lhe o braço. — Acho melhor descermos, agora.

Antes que a suposta condessa pudesse protestar, James segurou-a pelo outro braço.— A sra. Harding está certa. O jantar logo será servido, e a cozinheira detesta ver a comida

esfriar na mesa.Marguerite fungou, impaciente:— No meu tempo era o patrão quem dava as ordens, e não os criados! Muito bem, já que insistem,

vamos descer. Pegue aquela caixa de vestidos para mim, James. Pedirei à governanta que procure meu vestido de brocado mais tarde. Não é possível que ele tenha sumido!

Lorde Berrington lançou um olhar de resignação para Emily e fez o que Marguerite havia pedido. Assim que a suposta condessa foi entregue aos cuidados da camareira, Emily puxou lorde Berrington pelo braço até o corredor.

— Será que ainda tem coragem de negar que essa mulher é sua mãe, milorde? — perguntou, em tom acusador. — Como ela poderia saber todos aqueles detalhes sobre sua vida, se não fosse?

— Bem, admito que ela foi convincente, mas...— "Mas"? O senhor ainda tem dúvidas? Primeiro ela encontrou o sótão, uma façanha

impossível para qualquer pessoa que não conhecesse bem a casa, e depois disse coisas sobre a sua infância que até mesmo o senhor havia esquecido! Vamos, por que não admite de uma vez que...

— Não admito nada!Emily não conseguiu conter-se e riu da teimosia infantil do conde. James ficou encantado ao vê-la rir de modo tão espontâneo. Cruzou os braços e repetiu:

— Não admito nada, porque não há nada para admitir. Nada do que Marguerite disse é verdade.— Nem mesmo a existência do vestido de brocado azul e prata?Ele desviou o olhar e respirou fundo.— Não sei dizer — respondeu. — Eu era muito pequeno, não consigo lembrar se minha mãe tinha

um vestido assim.— E o sári?— Só me recordo de que meu pai viajou uma vez para a índia.— E o arlequim de madeira?— Ah! Essa partida eu ganhei! Ela estava errada. Foi mesmo meu pai quem esculpiu o brinquedo

para mim, e não o velho Willoughby.E ganhei o brinquedo quando fiz quatro anos, não cinco.

Lorde Berrington ficou tão satisfeito por ter descoberto algo a favor de seu argumento que Emily achou difícil encontrar um modo de contradizê-lo. Afastou uma mecha de cabelo que caíra em seu rosto e continuou a fitá-lo com ar divertido.

— Precisa levar em conta que a idade da condessa pode tê-la feito confundir os fatos, milorde — argumentou, por fim. — E quanto ao apito? Ela também estava errada a esse respeito?

James ficou em silêncio por algum tempo. Levou a mão ao bolso e pegou o pequeno pássaro de prata preso a uma delicada corrente.

— Refere-se a isso, sra. Harding?— Como posso saber? É mesmo um apito?Experimente soprar — sugeriu lorde Berrington, levando o pássaro de prata aos lábios de Emily.Ela soprou, e no mesmo instante ficou encantada com as melodiosas notas musicais que o

pequeno objeto emitiu. Antes que pudesse dizer algo, James levou o apito aos próprios lábios,

16

Page 17: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

soprando mais algumas notas. Em seguida, fitou Emily com tal intensidade que a fez perder o fôlego.

Emily se deu conta de que lorde Berrington não soprara o apito para ouvir as notas melodiosas, mas sim para, de um modo indireto e sensual, sentir o calor dos lábios dela junto aos seus.

CAPITULO IV

Embaraçada, Emily desviou o olhar no mesmo instante.— Com licença — murmurou, tentando controlar o tremor na voz —, mas preciso ir ver a

condessa.Ele tirou o apito dos lábios.— Como quiser, sra. Harding.Lorde Berrington também estava ciente de que algo acontecera entre eles. Uma espécie de

intimidade indefinível que fizera seu coração bater mais rápido por um momento. Antes que pudesse refletir mais sobre o que acontecera, a governanta apareceu, carregando vários vestidos nos braços.

— Com licença, sra. Harding — disse ela à Emily. — Ao mexer no armário do sótão, encontrei vários vestidos que podem lhe servir. Quanto à sua... amiga, ela já pegou todas as roupas que desejava. — E, voltando-se para lorde Berrington: — Milorde, encontrei o vestido de brocado azul e prata. Estava envolto em um manto de veludo.

James agradeceu a informação sem o menor entusiasmo. Emily olhou-o com um sorriso de triunfo e fez uma mesura repleta de ironia:

— Com licença mais uma vez, lorde Berrington. Vou ver se a condessa está precisando de mim.Sem esperar pela resposta, virou-se e seguiu a sra. Grover. James ficou parado, vendo-a afastar-se.

—Encontre-se comigo na biblioteca, às sete horas, para tomarmos um sherry, sra. Harding — disse ele de repente, em voz alta.E use um desses outros vestidos, pois qualquer um será melhor do que esse que está trajando.

Emily parou, já no final do corredor. Girou sobre os calcanhares, com as mãos na cintura e um olhar que denotava toda sua fúria. Quando lorde Berrington riu alto, ela ergueu o queixo, altiva, e desceu as escadas sem dizer nada.

James voltou a tocar o apito, fazendo as notas musicais ecoarem pelo corredor. Uma atitude infantil, mas que o fez sentir-se estranhamente feliz. Fora excitante desafiar Emily e sair vitorioso mais uma vez. Agir assim era muito mais seguro que deixar-se levar por impulsos que podiam tornar-se difíceis de controlar. Não restava dúvida de que, se quisesse ganhar esse jogo, teria de ficar em guarda e vigiar suas emoções.

Emily pegou-se olhando para o relógio a todo instante. Sua impaciência devia-se ao fato de a maioria dos vestidos terem ficado largos demais para ela. Se quisesse usar um deles no jantar, precisaria ajustá-los na cintura e no corpete.

Com o auxílio de Millie, decidiu-se por um traje de tecido esvoaçante num tom suave de rosa, com delicadas flores em tons de lilás e amarelo bordadas no decote. O toque final ficou por conta de um leque cor de ébano e luvas da mesma cor do vestido. Estava de pé no meio do quarto, enquanto Millie fazia os últimos ajustes na roupa.

— Só mais um ponto e ficará perfeito, senhora. — A criada arrematou a costura e cortou a linha com os dentes. — Pronto! — exclamou, satisfeita, afastando-se um pouco para olhar Emily. — Seme permite dizer, está bonita o suficiente para arrumar um marido.

Emily riu:— Obrigada pelo elogio, mas não estou procurando um marido.

— Aproximou-se do grande espelho e observou seu reflexo. — Você fez um bom trabalho, Millie. Há muito tempo não pareço tão apresentável.

— Desde que seu marido morreu? — ousou perguntar a criada.Emily ficou surpresa com a questão, mas logo lembrou-se de como as notícias sempre se

espalhavam rapidamente entre os empregados. Sorriu, ao responder:— Sim, desde que Henry me deixou viúva.

17

Page 18: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

— Bem, não se preocupe, senhora. Bonita como é, não ficará viúva por muito tempo.Emily pegou um xale de seda e jogou-o sobre os ombros. Não tenho dinheiro, Millie, nem

nada que me valorize.A criada aproximou-se dela.— Por Deus, senhora! Com a sua beleza, não precisa de dinheiro para conquistar um homem.

Perdoe-me a ousadia, mas até mesmo um tolo perceberia que a senhora é uma verdadeira dama, pertencente à nobreza.

Emily afastou-se do espelho e pegou o leque. Abanou-se, antes de indagar:— Você comentou isso com mais alguém?Millie corou.— Os criados costumam comentar essas coisas, senhora. Desejamos o melhor para nosso patrão.

Ele é um homem muito bom, apesar de mostrar-se genioso, às vezes. Não suportaríamos ver alguém magoá-lo.

— Asseguro-lhe que pode ficar tranquila a esse respeito, Millie.Não pretendo ficar aqui por muito tempo. Tenho de cuidar de minha própria vida, e ela não tem nada a ver com lorde Berrington.

A criada recobrou a auto-confiança e sorriu:— Desculpe, senhora, mas eu os ouvi discutindo como cão e gato no andar de cima. E minha santa

mãezinha costumava dizer que "Brigar é apenas um passo para o altar".Só então Emily se deu conta de que falara muito abertamente com a moça, que no fundo não

passava de uma estranha. Tentou consertar a situação, mostrando-se autoritária.— Pois acho que sua mãe está enganada, e eu apreciaria muito

se você e os demais criados parassem de fazer tais comentários. — Fechou o leque e usou-o para apontar a porta: — Será que poderia fazer a gentileza de ver se a condessa já está pronta?

— Sim, sra. Harding.A criada inclinou a cabeça e saiu.

Assim que Emily e Marguerite entraram na biblioteca, lorde Berrington fitou-as com surpresa. A transformação pela qual as duas haviam passado afetou-o mais que o esperado.

— A condessa parece muito melhor, não concorda, milorde? — perguntou Emily, sorrindo. — É impressionante como o vestido de brocado azul e prata lhe serviu direitinho — provocou ela.

— Está um pouco largo, não acha? — redarguiu ele.— Sua mãe está um pouco magra, sem dúvida por causa das dificuldades pelas quais passou nos

último anos.— Eu...A suposta condessa interrompeu-o:Não fique aí parado discutindo tolices, James. Sirva-nos um cálice de sherry. E eu agradeceria

se vocês parassem de falar a meu respeito como se eu não estivesse aqui.Lorde Berrington proferiu um resmungo incompreensível como pedido de desculpas e depois

ordenou que o mordomo servisse a bebida.Emily tentava imaginar o que ele estaria pensando. O olhar de James voltava-se de vez em quando

em sua direção e desviava-se assim que ela o fitava de volta. Vestida daquela maneira, Emily sentia-se novamente inserida no mundo ao qual já pertencera um dia. A elegância natural que fora forçada a reprimir quando trabalhara como costureira vinha à tona em cada gesto seu.

O mesmo parecia estar acontecendo com Marguerite, pelo menos até o segundo copo de sherry. Quando a suposta condessa mostrou-se disposta a tomar uma terceira dose, lorde Berrington declarou:

— Creio que está na hora de jantarmos.Marguerite colocou a mão em concha atrás do ouvido:— Será? Ainda não ouvi Emmet anunciar o jantar.— O nome do mordomo é Fredericks, minha senhora — disse o conde de Berrington. — Emmet

deixou nosso serviço há anos atrás.— Humpf! — fungou ela. — Quanta ingratidão! Logo ele, que sempre foi tão bem tratado aqui!

Muito bem, vamos logo com isso.Dê-me seu braço, James. Emily, siga-nos, querida.

lorde Berrington respirou fundo e fez o que Marguerite dissera.Para surpresa de todos, o jantar transcorreu muito bem. A refeição foi servida era uma pequena

sala íntima, e a mesa havia sido posta com toalha de linho, talheres de prata e porcelanas finas. Apesar de não haver flores enfeitando a mesa, detalhe que a suposta condessa não deixou de desaprovar, a luz das velas nos candelabros de prata serviu para suavizar o ambiente, tornando-o aconchegante.

18

Page 19: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

Após o jantar, dirigiram-se para a biblioteca. Logo que Marguerite sentou-se em uma poltrona próxima à lareira, sua cabeça começou a pender sob o peso do sono e ela acabou adormecendo ali mesmo.

Emily sentiu-se pouco à vontade. Uma espécie de intimidade pareceu envolvê-los depois que a condessa adormeceu. Era como se o jantar e tudo mais fizesse parte de uma familiar rotina doméstica. O agradável calor proveniente do fogo na lareira contribuía para acentuar ainda mais a atmosfera de intimidade.

Ela procurou disfarçar sua apreensão, levantando e aproximando-se uma harpa que havia em um canto do aposento.

— Belíssimo instrumento... — comentou, traçando com os dedos os contornos da coluna de madeira, esculpida artisticamente. Voltou-se para James: — É um Cousineau, de Paris, não é?

— Sim. Foi um presente do duque de Wellington à minha família.Emily dedilhou as cordas, produzindo um som melodioso. Lorde Berrington aproximou-se dela.— Você toca? — perguntou, curioso.— Um pouco.— Importa-se de tocar um pouco para mim? Há muito tempo não ouço música nesta casa.Ela percebeu um tom de lamento na voz do conde, o que a fez pensar que no fundo ele não era

tão auto-suficiente quanto queria deixar transparecer.— Eu adoraria tocar um pouco, mas antes devo avisar que estou sem muita prática. — Emily

sentou-se na banqueta e, num gesto inconsciente de elegância, ajeitou a saia do vestido em torno de si. — O que gostaria de ouvir?

— Qualquer coisa que a senhora tenha vontade de tocar.Ela permaneceu imóvel por um instante, com os dedos apoiados de leve nas cordas, e então

começou a tocar. Uma música suave tomou conta da sala. James reconheceu-a como sendo um trecho de uma das belas sinfonias de Beethoven. Enquanto ouvia a música, andava devagar de um lado para outro do aposento, parando a todo instante para olhar para Emily.

A luz das velas no candelabro colocado sobre um pedestal, atrás do instrumento, criava uma aura radiante em torno dos cabelos e do rosto delicado de Emily. Lorde Berrington sentiu-se como que hipnotizado pela encantadora imagem. Desejou que aquele momento pudesse durar para sempre, mas no mesmo instante uma voz interior lembrou-o da promessa que fizera a si mesmo: ficar em guarda, não se deixar levar pelas emoções. Respirou fundo e, aproximando-se de Emily, segurou-a pelos ombros e forçou-a a encará-lo.

— Já chega — disse ele. — Creio que está na hora de responderà minha pergunta. Quem é a senhora, na verdade?

Emily empertigou-se:— Não sei do que está falando, milorde.— Será? Sua representação já foi longe demais. É evidente que tudo isso não passa de uma

farsa, e não estou disposto a continuar aceitando que me façam de bobo.— Solte-me, por favor — pediu ela com voz trémula.

James fitou-lhe o rosto por um momento antes de abaixar as mãos Quando falou, seu tom de voz denunciava toda a intensidade de sua impaciência:

— Não deixarei que saia desta sala até revelar-me sua verdadeira identidade! Acha que sou algum idiota que não reconhece uma mulher refinada quando vê uma?

Emily levantou-se da banqueta e arrumou a saia do vestido com mãos trémulas, antes de voltar a encará-lo.

— Lorde Berrington, sei que o senhor merece mais que meu respeito pela consideração que vem demonstrando por sua mãe, diante de circunstâncias tão inusitadas. Sei o quanto deve estar sendo difícil aceitá-la depois de tantos anos, mas nunca o considerei um tolo.Pelo contrário, antes mesmo de conhecê-lo, já sabia que era um homem admirado por sua inteligência.

— É muito esperta, sra. Harding, mas não vai comprar-me com elogios. Estou esperando por sua resposta, e dessa vez quero a verdade!

— Está sugerindo que eu menti, antes?— Não deturpe minhas palavras. A senhora terá de contar-me a verdade de uma maneira ou de

outra, mais cedo ou mais tarde.Emily assentiu. Lorde Berrington tinha razão. Se ele soubesse de sua dívida para com o sr.

Grimstead ela estaria em apuros, mas não mais do que já estava agora. Decidiu revelar pelo menos parte da verdade.

— Muito bem, contarei o que deseja saber, já que insiste. Meu nome é Emily Harding.— Grande novidade!Emily cruzou os braços num gesto defensivo e prosseguiu:

19

Page 20: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

— Meu marido era Henry Chatsforth Harding, conde de Wallingford.James bateu a mão contra a perna.— Então é por isso! — exclamou. — Eu estava certo, afinal. A senhora está aqui sob falso

pretexto! Mentiu para mim, senhora...lady Wallingford!

— Não, não menti! Apenas não revelei toda a verdade!Emily atravessou a sala, parando perto da janela.— Desde que Henry se foi, precisei sustentar-me sozinha. Achei melhor esquecer meu título

enquanto estivesse convivendo com pessoas do povo, que não têm muita simpatia pela nobreza.— Humm, entendo... Quer dizer que ficou sem herança?— E endividada também, para ser mais precisa.— Não me diga que seu marido perdeu todo o dinheiro no jogo!Certamente que não! — replicou ela, ofendida. — Henry era um bom marido, um homem

respeitável!Emily agarrou-se à cortina, tentando suportar as tristes lembranças sem chorar.— Então, por quê...? — insistiu James.As lágrimas começaram a rolar pelo rosto dela.— Henry passou dois anos entre a vida e a morte. Gastamos todo nosso dinheiro em tratamentos

caríssimos, precisamos até vender as propriedades da família. Porém, tudo que os médicosconseguiram foi adiar a morte de Henry por algum tempo.

Lorde Berrington aproximou-se e ficou ao lado de Emily.— Imagino o quanto deve ter sofrido, e lamento o que aconteceu.James estava tão próximo que ela pôde sentir o perfume másculo que emanava de seu corpo. Ambos permaneceram algum tempo em silêncio, até que ele tocou-lhe o ombro e perguntou baixinho:— E depois, o que aconteceu? Foi forçada a deixar sua casa e vir para Londres?— Sim.— A senhora disse que seu marido morreu há um ano. Como temvivido desde então? Seus

amigos a ajudaram de alguma maneira?— Não. Eu nunca poderia exigir isso deles — respondeu Emily, lembrando-se de como todos

lhe haviam voltado as costas após a morte de Henry.Mas como poderia recriminá-los por isso? Afinal, tinham de cuidar de suas próprias vidas. Ela

torceu as mãos, num gesto nervoso, e completou:— Não foi fácil me sustentar, mas eu consegui. Encontrei trabalho. Agora, infelizmente, estou

desempregada. Preciso arrumar outro serviço.— Qual era seu trabalho? Por certo a senhora não tinha qualificações profissionais quando seu

marido morreu.Emily ficou tensa, com receio de acabar revelando sem querer que estava fugindo de Grimstead.— Não sou totalmente desprovida de talentos manuais, milorde.

Fui capaz de cuidar de mim mesma — respondeu, por fim.James imaginou-a sozinha e desamparada. A imagem provocou-lhe profunda inquietação, mas

ele repeliu o sentimento no mesmo instante:— Suponho que uma mulher bonita como a senhora não tenha tido muita dificuldade para

encontrar um protetor.Emily sentiu vontade de esbofeteá-lo, mas limitou-se a levar as mãos ao peito dele e empurrá-lo.— Não me julgue dessa maneira infame! — disse ela, indignada.

— É muita grosseria de sua parte sugerir tal coisa!Lorde Berrington agarrou-lhe os pulsos, segurando-os com firmeza, enquanto tentava

equilibrar-se depois do empurrão.— De fato, reconheço que minhas palavras foram ofensivas —admitiu ele. Com surpreendente

gentileza, acariciou-lhe as mãos. —Peço que me perdoe. Lembrei das circunstâncias sob as quais nos conhecemos e por um momento esqueci minhas boas maneiras.

Emily tentou se soltar, mas lorde Berrington continuou a segurá-la. A força que emanava dele era tão perturbadora quanto o modo como a olhava. Por fim, ela desistiu de tentar se soltar e argumentou, tentando ferir-lhe a dignidade:

— Pelo que vejo, suas boas maneiras só se aplicam a pessoas de sua própria classe social!— Não é bem assim — discordou lorde Berrington. — Conheço muitas pessoas simples que

valem muito mais que toda a nobreza junta. Tenho respeito e admiração por elas, tanto quanto tenho por meus amigos. Entretanto, não costumo ser nem um pouco gentil com as pessoas que tentam me enganar, sejam elas da nobreza ou não.

20

Page 21: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

E algo me diz que ainda está escondendo alguma coisa, lady Emily...Pode acreditar, irei descobrir o que é, mais cedo ou mais tarde. — Ele estreitou os olhos e acrescentou: — Não costumo me enganar, no que diz respeito a julgar as pessoas. No momento em que a vi, soube que não era quem fingia ser.

Ela recomeçou a lutar, tentando soltar as mãos, mas lorde Berrington a impediu de afastar-se. Emily ergueu o rosto para encará-lo, e seu olhar suplicante o convenceu a soltá-la. Ela afastou-se, rápida, escondendo as mãos trémulas às costas.

— Pelo que me lembro — disse Emily, ofegante —, o senhor acusou sua mãe e eu de estarmos representando. Por que não admite agora que estava errado? Se é tão bom assim em julgar o caráter das pessoas, deveria perceber que a condessa está dizendo a verdade. Quanto a mim, o que eu teria a ganhar fingindo ser o que não sou?

— Bem... A senhora está aqui, protegida sob meu teto, comendo minha comida e bebendo meu vinho.

Ela abaixou a cabeça e alisou o tecido do vestido emprestado.— E usando seu vestido, também? — perguntou, irónica.Após um instante, os dois caíram na risada. Quando ela parou

de rir, apontou o dedo em riste para lorde Berrington enquanto dizia:— Reconheça, milorde, estou aqui porque o senhor me convidou a ficar. Pensando bem, "convidou" não é o termo mais apropriado; melhor seria dizer "obrigou". Os olhos dele brilharam, denotando um súbito bom humor.— Muito bem, reconhecerei que a obriguei a ficar se a senhora admitir que, na verdade, não

menospreza a casa onde se encontra e nem o seu anfitrião.— Já que estamos sendo sinceros... Sim, admito que admiro sua casa e todo o requinte que há

nela. Emily fitou-o, fingindo inocência.

— Deixei de mencionar algo, milorde?— Lady Emily, a senhora tem o poder de acabar com minha paciência! Eu...Lorde Berrington foi interrompido por um ronco de Marguerite, que acordou de repente e

empertigou-se na cadeira.— Ouvi alguém falar em sherryl — indagou ela.

Os dois olharam-na, espantados. Haviam esquecido por completo que a suposta condessa estava ali. Emily tomou a iniciativa de responder:

— Nada de sherry, milady. Os criados já foram dispensados por hoje. A senhora deve ter sonhado.

— É possível... Também pensei ter ouvido um anjo tocando harpa.James fitou Emily e deu-lhe uma piscadela, comentando:— Parece- que foi promovida de atriz para anjo, milady.Ela olhou para o teto, num gesto de impaciência.— Tal mãe, tal filho! Não sei porque o senhor insiste em negar que é filho da condessa, se é

tão teimoso quanto ela!Marguerite tentou ficar de pé, mas ainda estava meio zonza por causa do vinho que tomara

durante o jantar. James segurou-a pelo braço para ajudá-la a levantar-se e ela acariciou-lhe o rosto com carinho.

— Meu menino... Como é bom estar em casa com você...Marguerite ajeitou a saia do vestido e aproximou-se do painel de madeira trabalhada que decorava a lateral de uma estante de livros.— Se não estou enganada, deve haver uma garrafa de sherry e alguns copos, aqui. — Ela

pressionou um pequeno ferrolho escondido e uma portinhola se abriu, revelando alguns copos de cristal.— Oh, onde está o sherryl Será que Emmet esqueceu de colocar a garrafa aqui dentro?

Emily lançou um olhar significativo para James, como se estivesse dizendo: "Viu só? Mais um ponto a favor da condessa!"

Ele retribuiu o olhar com um gesto de incompreensão e aproximou-se de Marguerite, explicando com extrema gentileza:

— Emmet não trabalha mais aqui, senhora. É Fredericks quem arruma este pequeno armário. Bebo muito raramente à noite, e não vejo razão para manter uma garrafa de sherry aí dentro.

— Você é igualzinho a seu pai, que Deus o tenha. Ele também não tinha o menor senso de hospitalidade! Mas não se preocupe, meu querido. Sua mãe está de volta para cuidar de tudo.

Marguerite virou-se e afastou-se alguns passos. Ao fazê-lo, uma ponta de linha da bainha de seu vestido ficou presa sob o sapato do conde.

21

Page 22: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

Percebendo o problema, James abaixou-se e puxou a linha, tentando cortá-la. Tornou a puxá-la, e quase toda a bainha descosturou-se, revelando que o vestido era comprido demais para Marguerite.

— Oh, aquela camareira desastrada! — exclamou ela, aflita. — Eu a mandei rematar melhor a costura, mas a sonsa não me ouviu!

Emily ficou em silêncio, pensativa. Não havia dúvida de que aquele era o vestido de brocado azul e prata que Marguerite havia descrito como um de seus preferidos. Mas era evidente, também, que a verdadeira condessa devia ter sido mais alta que a mulher que se encontrava parada à sua frente.

Emily olhou para lorde Berrington. Sabia que ele estava pensando o mesmo que ela: Marguerite poderia não ser a mãe dele...

CAPÍTULO V

— Acho melhor eu acompanhar a condessa até seus aposentos — murmurou Emily, tentando ocultar seu desapontamento e tristeza.

James segurou-lhe o braço.— Fique, por favor. Preciso conversar com a senhora.— Por que será que seu pedido não me surpreende? — ironizou ela.Lorde Berrington deu de ombros e puxou a cordinha da sineta para chamar Millie, que era a

única dentre os criados que ainda não havia se recolhido.Depois que Marguerite deixou a biblioteca acompanhada por Millie, James voltou-se para Emily:— Parece que finalmente a farsa acabou, provando que eu estava certo.— Sim, parece que sim... Cheguei a acreditar que Marguerite dizia a verdade. Tinha certeza de

que ela era sua mãe, mas agora...— Imagino como deve estar se sentindo, milady. Agora que o jogo terminou, devo confessar que

por um momento eu também pensei que Marguerite estivesse dizendo a verdade.— Oh, eu jamais teria imaginado! — exclamou Emily, surpresa.

— O senhor parecia tão convicto de que ela era uma impostora.— No fundo eu tinha algumas dúvidas, embora minha intuição me dissesse que não havia

nenhum laço de sangue entre nós. E eu confio em minha intuição, pelo menos até certo ponto.— O senhor afirma confiar em sua intuição, e ainda assim acreditou que eu fizesse parte da

farsa? Pensou mesmo que eu estivesse tentando enganá-lo conscientemente?— Bem... A senhora não foi franca comigo desde o início, lady Emily. Escondeu de mim que

pertencia à nobreza e só revelou a verdade quando eu a forcei. Para ser sincero, sei que continua escondendo algo, apesar de não fazer a mínima ideia do que possa ser.Não entendo por que a senhora insiste em não confiar em mim.

Lorde Berrington ficou em silêncio, esperando ouvir Emily admitir que ocultava um segredo. Tudo que ela fez, porém, foi baixar a cabeça, murmurando:

— Duvido que a história da minha vida o interesse, milorde. Afinal, acabamos de nos conhecer, não é mesmo?

— Sim, é claro, mas...Lorde Berrington interrompeu a frase no meio e teve um sobressalto, como se alguém o

houvesse espetado com um alfinete. "Emily". Esse nome lhe era familiar...Ele se aproximou de Emily. Segurou-lhe o queixo, com delicadeza e a fez erguer o rosto. Fitou-a

por um longo momento, antes de exclamar:— Ah, lembrei-me, finalmente! Seu nome de solteira era Emily Merriweather. A senhora era

filha do herdeiro do título dos Wilkensfield. Conhecemo-nos durante uma festa no castelo dos Heatherwood, em Cornwall.

Ela arregalou os olhos, espantada.— Então o senhor se recorda de mim, milorde?— Sim, vagamente. A senhora devia ter sete anos de idade, na época, e eu estava quase com

dezessete.Eu tinha nove anos, e o senhor havia acabado de fazer dezes seis — corrigiu Emily. — A festa foi dada justamente para comemorar seu aniversário, no dia dezessete de maio.

— Céus, ainda se lembra da data exata, milady?— Acredite, lorde Berrington, aquela data ficou gravada para sempre em minha memória.— É mesmo? Posso saber por quê?— O senhor realmente não sabe?

22

Page 23: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

— Não. Por acaso aconteceu algo de especial? Lembro apenas que ganhei uma sela de couro trabalhado de meu tutor e que o duque ea duquesa de Heatherwood deram-me um pente de prata. Se não me engano, o emissário russo também compareceu à festa com a esposa.— Lorde Berrington cruzou os braços, pensativo. — Isso mesmo...Recordo que o casal russo tinha uma jovem e bela criada que não Sabia falar nosso idioma. O nome dela era Natasha, ou algo parecido.

— Oh, eu sabia que se lembraria dela! Afinal, o senhor a seguia por toda parte, com os olhos vidrados de admiração.

— Que exagero! Por acaso ficou enciumada, lady Emily?— Enciumada? Milorde, tudo que senti naquela festa foi raiva.

Sim, raiva, porque o senhor zombou de mim na frente de todos os meus amigos!— Zombei da senhora? Mas eu mal a conhecia!— Por favor, não aumente a ofensa fingindo não lembrar-se da ocasião.Surpreso, James não sabia se deveria rir ou ficar irritado. Foi com certo esforço que procurou

manter uma expressão séria no rosto enquanto dizia:— Pela minha honra, juro que não me recordo de nenhum incidente desagradável ocorrido

naquele dia, lady Emily. Se a magoei de alguma maneira, sinto muitíssimo por isso.— Seu pedido de desculpas chegou um pouco tarde demais. Não sei se conseguirei aceitá-lo

depois de todos esses anos.— Pelo menos tenha a bondade de esclarecer-me — pediu lorde Berrington. — Minha memória

costuma ser muito boa, mas não consigo lembrar o incidente ao qual se refere. Por acaso derramei vinho em seu vestido? Roubei alguma boneca sua?

— Ora, francamente, eu já tinha nove anos! Acha que eu ainda perdia tempo com bonecas?— Então, conte-me de uma vez o que aconteceu! — pediu ele, mal contendo o riso.Emily hesitou por um instante, antes de indagar:— Lembra-se da brincadeira que fizemos naquele dia?James bateu a mão na testa, impaciente:— Tenha piedade de mim, lady Emily! Mal me lembro de ter estado naquela festa, quanto mais

de ter participado de uma brincadeira!— Bem... O jogo chamava-se "prémio ou castigo". Seu grupo estava perdendo e o senhor

seria o próximo a receber um castigo.Ela parou de falar, esperando que lorde Berrington se lembrasse sozinho do resto, mas tal não

aconteceu.— Continue — pediu James.— Seu... Seu grupo estava perdendo e o senhor seria o próximo a receber um castigo.— A senhora já disse isso. Continue, por favor. Está me matando de curiosidade!Emily respirou fundo.— O castigo que o senhor recebeu foi beijar uma menina do outro grupo.— Do seu grupo?Ela assentiu, embaraçada.— E então, cumpri o castigo como devia? — indagou lorde Berrington, com um sorriso

divertido. — Oh, espere um pouco... Agora estou me lembrando... Sim, cumpri o castigo! Beijei a criada dos russos, na boca!

— Exato. E aproveitou até o último instante!O sorriso de James desapareceu.— Não estou entendendo, lady Emily. Como isso pôde embaraçá-la? Nunca tinha visto um casal

se beijando antes?— Mas era a minha vez! — exclamou ela. — Eu era a próxima da fila! Eu deveria ter sido

beijada!James mordeu o lábio inferior, tentando conter o riso. Demorou alguns segundos para conseguir

recobrar a seriedade, e nesse meio tempo Emily sentiu a raiva crescer dentro de si.— Ria, se quiser, lorde Berrington! Mas se estivesse em meu lugar e houvesse passado pela

humilhação de ter sido desprezado em favor de uma criada, uma criada estrangeira ainda por cima, não teria esquecido o incidente assim tão facilmente! Fui humilhada por minhas amigas durante anos, depois daquilo!

— Mas foi apenas uma brincadeira. Não passávamos de crianças!— Isso não justifica nada. O insulto foi feito e permaneceu vivo na lembrança de todos...

principalmente na minha.James colocou as mãos sobre os ombros dela e, gentilmente, puxou-a para perto de si.

23

Page 24: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

Agora me lembro de tudo — murmurou. — Se ao menos tivesse me contado isso antes, milady, eu teria tido muito prazer em retratar-me desse erro imperdoável. Por outro lado... Admita que cumpri meu castigo. Se eu a tivesse escolhido, não teria cumprido um castigo, e sim recebido um prémio.

-— Oh! O senhor é muito atrevido, lorde Berrington! Acha que pode aplacar minha raiva com galanteios? Vi muito bem como ficou contente quando beijou Natasha! O senhor não tinha o direito de mudar as regras do jogo; era a minha vez, não a da criada russa!

— Talvez esteja certa, milady — disse lorde Berrington, em voz baixa. — Não vejo outra forma de retratar-me, a não ser implorando seu perdão. — Ele acariciou-lhe o rosto e acrescentou: — Adorarei cumprir meu castigo, ainda que tardiamente.

Antes que Emily pudesse reagir, lorde Berrington inclinou a cabeça e cobriu os lábios dela com os seus, enquanto a estreitava nos braços. O beijo foi infinitamente carinhoso, envolvente.

O bom-senso aconselhava Emily a afastar-se, mas a voz do coração a impelia a sucumbir ao calor dos lábios tentadores colados aos seus. Ela ficou surpresa ao ver que abraçava lorde Berrington com ansiedade, correspondendo ao beijo com paixão.

Finalmente o beijo terminou e, ainda de olhos fechados, Emily sentiu o calor da respiração de lorde Berrington junto à sua face, e, em seguida, o contato dos lábios dele em sua testa.

— Pare, milorde! — pediu ela com voz trémula. — Não tem o direito de aproveitar-se de mim!

— Não se trata de um direito, mas de uma obrigação...Emily tentou afastar-se mas lorde Berrington a beijou de novo,

fazendo-a ver que seria inútil resistir. Quando ele finalmente a soltou, Emily indagou, ofegante:— O que quis dizer com "obrigação"?Ele sorriu, bem-humorado.— Costumo pagar minhas dívidas. Fiquei lhe devendo algo no passado e agora sinto-me na

obrigação de pagar com juros. — Os olhos de lorde Berrington brilharam. — Muito bem, creio que já paguei os juros pelo primeiro ano de atraso do pagamento. Está pronta para receber os juros do segundo ano?

— Que pergunta mais tola! É claro que não! A propósito, o seu comportamento é indigno de um cavalheiro. Será que precisarei contratar os serviços de uma dama de companhia para proteger minha reputação?

— Corrija-me se eu estiver errado, lady Emily, mas a viuvez permite certas liberdades a uma mulher, não é mesmo? De qualquer modo, sob as circunstâncias atuais, duvido que a senhora precise de alguém para protegê-la.

— Isso significa que o senhor irá se comportar melhor daqui para a frente?— Oh, por favor, se pensa que a beijei apenas para me divertir...Ele sorriu de modo insinuante e deixou a frase incompleta. Indignada, Emily saiu correndo da biblioteca. Enquanto subia a escada podia imaginar lorde Berrington rindo, triunfante. Ele havia vencido mais uma batalha, e sabia disso.

Emily não tinha a menor dúvida de que Marguerite ela seriam postas na rua logo no dia seguinte. Portanto, foi com grande surpresa que ouviu, durante o café da manhã, lorde Berrington contar os planos que tinha em mente.

— Eu... eu não estou entendendo — disse Emily, quando ele terminou de explicar o que pretendia fazer. — O senhor já sabe que Marguerite é uma impostora. Por que deseja que continuemos aqui?

"Sim, por quê?", perguatou-se James em pensamento. Logo lhe veio a resposta: um único beijo havia sido suficiente para despertar-lhe sentimentos que nunca imaginara ser possível experimentar. Algumas poucas horas a sós com Emily haviam sido suficientes para fazê-lo pensar em formar uma família e ter herdeiros para o título que o pai lhe deixara. Tomou um gole de chá e declarou:

— Se isso a tranquiliza, milady, saiba que estou convencido de que não tem participação nessa farsa. Aceito o fato de que foi apenas iludida, devido à sua inocência.

— Quanta generosidade de sua parte! — exclamou ela, sarcástica.— Contudo, o problema ainda existe — comentou lorde Berrington, ignorando o comentário. —

O que iremos fazer com Marguerite? E por quê ela deu início a essa farsa, em primeiro lugar?— Talvez ela quisesse apossar-se das jóias que foram de sua mãe.— Duvido! Apesar de não parecer, Marguerite é bastante esperta e sabe que seria necessário mais

que meia dúzia de coincidências para convencer-me a deixá-la pôr as mãos nas jóias que pertenceram a minha mãe. — Ele inclinou-se para a frente, apoiando os cotovelos sobre a mesa:

24

Page 25: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

— Não quero que ela se vá sem antes descobrir sua verdadeira identidade e o que há por trás de toda essa história.

— Mas isso pode demorar meses!— Eu sei.— E o senhor espera que eu fique aqui todo esse tempo?— Seria assim tão difícil?Emily colocou as mãos sobre o colo, procurando disfarçar o tremor que havia nelas.— Sabe muito bem que não tenho dinheiro para pagar minha estadia, milorde. E não quero

permanecer aqui como convidada; não seria de bom tom.— Por que não se considera minha hóspede oficial? Auxilie a governanta a administrar a casa,

cuide das flores do jardim, escreva convites e notas de agradecimento, enfim, encarregue-se de detalhes desse tipo. E não precisa se preocupar com os comentários que as pessoas irão fazer. Tratarei de espalhar a notícia de que uma prima distante veio auxiliar-me, agora que estou cuidando pessoalmente de toda a administração de minha herança.

— O senhor faz tudo parecer tão fácil... Mas como pretende encaixar Marguerite nessa história?— Apesar de seu amor excessivo ao álcool e sua sinceridade extrema, Marguerite não ficará

deslocada em meio à sociedade londrina. Continue a tratá-la por "condessa". Se alguém perguntar, diremos que as senhoras vivem juntas no interior e vieram visitar-me por algum tempo.

— E quando Marguerite chamá-lo de "meu filho" em público?Lorde Berrington recostou-se no espaldar da cadeira.— Diremos que a idade prejudicou-lhe o raciocínio e que ela costuma dizer sandices de vez em

quando.— Não acredito que tenhamos chance de levar essa farsa adiante.— Pois eu, ao contrário, acho que temos boas chances de sucesso. E então? Está disposta a

ajudar-me?— Preciso pensar sobre o assunto — disse Emily, hesitante.Lorde Berrington observou-lhe a delicada curva dos lábios e lembrou-se de como sua boca se havia moldado perfeitamente à de Emily, na noite anterior. Só então se deu conta do quanto gostaria que ela ficasse.— Quer que eu implore sua ajuda? — perguntou ele meio a sério, meio brincando.— Está bem, irei ajudá-lo, milorde. Mas tenho a impressão de que estamos montando uma

armadilha na qual nós mesmos podemos acabar caindo.— Nesse caso, que seja uma armadilha digna de nós!— Oh, o senhor sempre tem uma resposta para tudo — observou

Emily, num tom brincalhão.— A senhora não é a primeira que me diz isso.Emily olhou para o relógio de parede.— Então responda, "sr. Sabe-tudo", onde está a condessa? Ela já deveria ter descido para o

desjejum.— Acredite, nem mesmo eu posso responder essa pergunta, pois Marguerite é imprevisível. A

propósito, já que diremos a todos que somos parentes, por que não deixamos a formalidade de lado e nos tratamos por nossos primeiros nomes?Emily aceitou a sugestão, depois de hesitar um pouco, e em seguida sugeriu que fossem procurar Marguerite. Encontraram-na na estufa, vinte minutos mais tarde.

— Oh, aí estão vocês, crianças! — saudou-os Marguerite. — Entrem, entrem. Andei examinando as plantas. Elas estão muito maltratadas! Como pôde permitir que isso acontecesse, meu querido?

James deu de ombros.— Pareceu-me perda de tempo e dinheiro manter a estufa em bom estado. Este era o domínio de

minha mãe, e quando ela se foi...— Eu sei, mas ainda assim você não deveria ter deixado que as pobres plantas morressem desse

jeito! Teremos de fazer algo por elas, o quanto antes.Lorde Berrington observou-a em silêncio por um instante, antes de dizer:— Cuidaremos das plantas mais tarde. Agora, precisamos conversar. Sabia que convenci lady

Emily a permanecer conosco por algum tempo.— "Lady Emily"? — A suposta condessa olhou para Emily com indisfarçável surpresa. — Que

história é essa de "lady"? Vocês andaram me escondendo alguma coisa?Antes que Emily pudesse responder, James ofereceu o braço para Marguerite.— Se a senhora fizer a gentileza de nos acompanhar à biblioteca, talvez possamos esclarecer todas

as suas dúvidas... e as minhas também — acrescentou ele.— James, estou com as mãos sujas de terra — disse a suposta condessa. — Vou lavá-las, e depois

25

Page 26: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

irei ao encontro de vocês.— Como preferir — respondeu lorde Berrington. — Pedirei a Fredericks que lhe mostre o

caminho até a biblioteca.Marguerite sorriu.— Meu querido, eu conheço o caminho! A biblioteca era meu lugar favorito nesta casa, lembra?

Como pude esquecer? — ironizou ele.Foi com uma inexplicável expressão de frustração que lorde Berrington ofereceu o braço a Emily

e acompanhou-a de volta ao interior da mansão.— Sei exatamente o que está pensando, Emily — comentou ele enquanto caminhavam. — Mas

você precisa levar em conta que um número infindável de pessoas pode ter dito a Marguerite que minha mãe gostava de ficar na biblioteca e que adorava lidar com as plantas da estufa.

— Sim, e suponho que as mesmas pessoas possam ter dado uma planta da casa para ela. Recorda-se de como Marguerite encontrou o sótão sem dificuldade? São coincidências demais para o meu gosto, porém... Eu gostaria de saber em quê acreditar.

— Acabaremos descobrindo a verdade, de uma maneira ou de outra. Marguerite não pode ter inventado toda essa história sozinha.Acredite-me, ela acabará se traindo em algum ponto, se tivermos paciência para esperar.

Duas horas depois, James já não se sentia tão seguro de si. A suposta condessa recebeu a notícia de que Emily também possuía um título de nobreza com mais satisfação que surpresa.

— Oh, desconfiei disso desde o dia em que nos conhecemos! A finesse é algo inato, tanto quanto a cor de nossos olhos e cabelos — comentou Marguerite, afagando a mão de Emily. — Isso torna as coisas mais fáceis, não é, minha querida? Fico tão feliz em saber que você também possui um título! — Voltou-se para James: — Não é maravilhoso, meu filho? Nós três assim, juntos? Seria embaraçoso retornar ao convívio da sociedade se Emily não tivesse boas maneiras.

— Bem... Não acha que está sendo um pouco precipitada, milady?—indagou lorde Berrington, dirigindo a Emily um olhar aflito.

Ela o socorreu, indagando:— James, você não havia sugerido irmos a Brighton, visitar o antigo jardineiro da mansão?— Oh, claro! O nome dele é Hawkins Willoughby. Creio que ele ainda se lembra de minha mãe.— James, você é péssimo para julgar as pessoas! — resmungou a idosa senhora que se dizia

condessa. — Hawkins era um excelente jardineiro, mas sempre foi meio cabeça-oca, nunca prestava muita atenção ao que acontecia à sua volta. De qualquer modo, será bom revê-lo. Ainda bem que Brighton não fica muito longe de Londres.

Lorde Berrington afrouxou um pouco a gola da camisa, que de repente lhe pareceu apertada.— Não pensei que a senhora fosse gostar da ideia de revê-lo — comentou. — O que acha de

irmos amanhã?— Amanhã? Filho, acho que os anos o tornaram muito impacien te! Será que não pode esperar

uma semana ou duas, até comprar mos algumas roupas de passeio?— Não. Partiremos amanhã mesmo. — Ele aproximou-se de Emily e disse em voz baixa, para

que Marguerite não ouvisse: — Será que ela pensa que sou assim tão idiota para dar-lhe tempo de arquitetar outro plano? — E, voltando a falar normalmente: — Emily, amanhã está bom para você?

— Sim, é claro.A suposta condessa suspirou.— Está bem, então! Vou pedir a Millie que arrume minha bagagem agora mesmo.

A casa de Hawkins Willoughby ficava na periferia de Brighton. O velho jardineiro ouviu uma batida à porta e foi receber os visitantes. James foi o primeiro a entrar na humilde casinha, dizendo:

— Willoughby, meu bom homem, espero que não o estejamos atrapalhando.— Oh, é o senhor, lorde Berrington. Que bom receber sua visita!

Veio acompanhado, não foi?Após alguns minutos de conversa sobre assuntos banais, James decidiu abordar a questão que

os levara até ali.— Willoughby, desde que chegamos fiquei esperando que reconhecesse esta senhora. —

Colocou a mão sobre o ombro de Marguerite. — Ela se lembra de você e dos dias em que cuidava dos jardins lá da mansão.

Willoughby piscou várias vezes, antes de responder:— É mesmo, senhor? Faz um bocado de tempo, mas nunca esqueci aqueles jardins. Tínhamos

belas roseiras...

26

Page 27: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

Lorde Berrington sorriu, sentindo-se vitorioso.— Não é possível que tenha se esquecido desta senhora — arriscou dizer. — Você a conhecia

tão bem!— Realmente, nunca esqueço um rosto, milorde. Algumas coisas já não me parecem muito claras

na lembrança, mas o rosto das pessoas... É disso que mais me recordo.James lançou um olhar de triunfo para Emily e sua voz adquiriu um tom convicto.— Está querendo dizer que não se lembra do rosto desta senhora, Willoughby?— Não, senhor, eu não disse isso.Lorde Berrington deu alguns passos impacientes pela sala e voltou a aproximar-se do velho

jardineiro.— Mas então... Vamos logo, meu bom homem! Você lembra ou não lembra dela?— Por favor, não fique aborrecido comigo, milorde. A verdade é que não posso ver o rosto da

senhora à qual se refere. — Willoughbyriu. — O senhor ainda não percebeu? Eu estou cego, milorde. Perdi a visão há dois anos.

CAPITULO VI

— Cego?! — exclamaram os três visitantes, em diferentes tons de surpresa.— Sim, cego — repetiu o jardineiro.— Não sabe o quanto lamento por isso, Willoughby — disse James. — Não imaginei que... Há

algo que se possa fazer?— Não, milorde. A não ser que encontre um jeito de devolver-me a juventude. Foi o peso dos

anos que me tirou a visão. Aconteceu aos poucos, e tive tempo para me acostumar à situação. Mas diga-me, milorde, quem é a senhora que se lembra de mim?

Lorde Berrington relatou toda a história do súbito reaparecimento da suposta condessa, concluindo:

— Apesar de eu não ter dúvidas de que ela é uma impostora, queria provar de uma vez por todas que estou certo. Ainda tenho um ou dois parentes vivos que poderiam reconhecê-la, mas infelizmente eles vivem na América.

Marguerite rompeu seu silêncio e intrometeu-se na conversa:— Como vai Hawkins? Acredito que não precise de seus olhos para verificar que sou mesmo a

condessa de Berrington. Lembra-se da folhagem que lhe pedi para plantar' sob o carvalho?— Sim, milady. Ela não conseguiu sobreviver. Eu bem que avisei que havia sombra demais

naquele lugar!— E as madressilvas que plantou perto da mesa que havia no jardim?— Elas atraíram abelhas, não foi? A senhora costumava tomar chá naquela mesa, mas depois

que as abelhas apareceram, pediu que eu tirasse as madressilvas e plantasse...— Rosas — completou Marguerite.— Sim. Rosas e lírios, para que florescessem juntos e enchessem o jardim de vida.James bateu as luvas contra a perna, num gesto de impaciência.— Chega! — exclamou. — Pense melhor, Willoughby. Você já está tratando esta impostora

como se, de fato, ela fosse minha mãe!Mas sabemos que isso não pode ser verdade. Minha mãe e meu pai estão enterrados no cemitério da igreja de São Nicholas!

— Sim, milorde, tem razão. Lembro-me do dia em que foram enterrados.Emily perguntou, esperançosa:— O senhor presenciou o enterro? Viu com seus próprios olhos o conde e a condessa serem

sepultados?— Vi, sim. Foi um dia muito triste — respondeu o velho jardineiro. — Todos ficamos condoídos

ao ver que lorde Berrington, ainda menino, já estava passando por tanto sofrimento.James deu alguns passos pela sala. Declarou, aflito:— Eu prezo muito a memória de meus pais, Willoughby. É por isso que não posso aceitar que

uma mulher qualquer queira tomar o lugar de minha mãe!Fez-se um silêncio constrangedor na sala da humilde casinha. Marguerite levantou-se e tocou o

ombro do velho jardineiro.— Está tudo bem, Hawkins. Nenhum de nós dois é jovem como antes. É estranho como as

coisas parecem fugir de nossa memória com o passar dos anos... Somente agora lembrei daquele

27

Page 28: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

verão, quando você plantou grama japonesa perto do terraço.— A senhora gostou muito do efeito, não foi, milady?Aquilo foi demais para James. Marguerite conseguira mesmo confundir Willoughby. O velho

jardineiro estava se dirigindo a ela como se fosse a verdadeira condessa!— Vamos embora — disse ele, tenso. — Está na hora de partirmos. Willoughby, obrigado por

tudo. Foi um prazer revê-lo.— O prazer foi todo meu, milorde... miladies... Espero que façam uma boa viagem de

regresso a Londres.Marguerite afagou-lhe o ombro, num gesto amistoso.— Aqueles jardins não são mais os mesmos sem você, Hawkins.Ele inclinou a cabeça e agradeceu, antes de acompanhá-los até a porta.Os três visitantes já estavam entrando na carruagem quando o jardineiro saiu de repente da

casa.— Milorde! Desculpe, senhor, mas só agora me lembrei!James terminou de ajudar a suposta condessa a subir na carruagem e voltou-se para o homem:

— Sim, o que foi, Willoughby?— Lembrei o que de fato aconteceu! O senhor não passava de um menino, e ninguém queria

fazê-lo sofrer ainda mais.Emily sentiu um calafrio. Ficou ao lado de James, perto o bastante para notar os músculos de

seu maxilar ficarem rijos.— Lembrou de algo importante, Willoughby?— Sim, milorde. Na época cheguei a pensar que estavam fazendo uma coisa muita errada com o

senhor, mas quem daria ouvidos a um simples jardineiro?James apertou com tanta força a maçaneta da porta da carruagem que as juntas de seus dedos

ficaram brancas. Com voz sufocada, perguntou:— Se houver algo mais que queira contar-me, Willoughby, ficarei muito satisfeito em ouvir.

De que se trata, afinal?— É sobre os túmulos, milorde. Foram colocadas duas lápides, uma ao lado da outra, à sobra

de um grande cedro, não é mesmo?— Sim — confirmou lorde Berrington.— Só que há apenas um túmulo de verdade, milorde: o de seu pai. O corpo de sua mãe nunca

foi encontrado depois do naufrágio.Colocaram outra lápide com o nome da condessa apenas para fazer o senhor entender que ela também havia morrido.

Todos permaneceram em silêncio por um longo tempo. Emily notou que James empalidecera. Segurou-lhe o braço, na tentativa de oferecer-lhe algum conforto, mas ele nem notou seu gesto. Quando finalmente conseguiu recuperar a voz, ele indagou, tenso:

— Quer dizer que o corpo de minha mãe nunca foi encontrado?O velho jardineiro hesitou antes de responder, temendo o efeito que suas palavras poderiam causar.— Bem... Procure entender, milorde... Setenta e duas pessoas morreram naquele naufrágio. É

quase impossível sua mãe ter sobre vivido.Depois de mais um longo momento de silêncio, Marguerite colocou a cabeça para fora da

janela da carruagem e afagou o ombro de James com a mão enluvada.— Nem todos morreram, meu filho. Fui salva e consegui voltar para casa.Quando retornaram à mansão, Marguerite subiu direto para a suíte rosa, afirmando que desejava

descansar um pouco. Lorde Berring-ton, mais nervoso e confuso que nunca, pediu a Emily que o encontrasse na biblioteca, dentro de uma hora.

Após ter tomado banho e trocado de roupa, ela passou o resto do tempo andando de um lado para outro, ansiosa, olhando para o relógio a todo instante.

Na hora marcada, foi encontrar James na biblioteca.— Pelo seu olhar, percebo que ainda não se convenceu de que Marguerite é mesmo sua mãe, não é?

— comentou Emily, acomodando-se numa poltrona. — E então, o que pretende fazer agora?— Tem alguma sugestão a me oferecer?— Bem... Se eu estivesse no seu lugar, acho que aceitaria o fato de Marguerite estar dizendo a

verdade.— Céus, Emily, faz ideia das consequências que isso traria? O título de condessa acarreta sérias

responsabilidades, sem mencionaruma grande magnitude de poder e riqueza! Marguerite assumiria uma posição importante demais, até que eu me casasse e ela passasse as responsabilidades do título à minha esposa.

— Sendo assim, acho que a solução para o seu problema é um casamento rápido — argumen-

28

Page 29: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

tou Emily, impaciente.Lorde Berrington franziu as sobrancelhas.— Sua sugestão é tão absurda quanto essa história toda!— Por acaso pretende deixar a linhagem dos Berrington morrer com você?— Eu não disse isso. É claro que pretendo me casar. Mas só quando encontrar uma dama que seja

digna de tornar-se a mãe de meu herdeiro!Emily riu alto.— A dama em questão não terá poder de decisão? Simplesmente terá de se curvar humildemente

à sua vontade de desposá-la?— Não deturpe minhas palavras. Você entendeu muito bem o que eu quis dizer.— Sim, entendi que você acredita que não existe uma única mulher digna de ter a "honra" de ser

sua esposa. Caso contrário já estaria casado, ou pelo menos comprometido com alguém.Ela sorria enquanto falava, mas ao mesmo tempo imaginava que havia um fundo de verdade no

que dizia.Ignorando o comentário, lorde Berrington mudou bruscamente de assunto:— Chamei-a aqui para avisar que precisarei deixar Londres por alguns dias. Meus criados

ficarão à sua disposição, para resolver qualquer problema que possa surgir.— Está bem, obrigada pelo aviso.Tentando controlar a irritação, Emily fez uma graciosa mesura e saiu da biblioteca sem dizer

mais nada.Horas depois, em seu quarto, enquanto tentava inutilmente pegar no sono, ela ouviu o barulho

da carruagem de lorde Berrington afastando-se da mansão. Sentiu um estranho vazio dentro de si.

Durante a ausência de James, Emily passava os dias ocupando-se dos afazeres domésticos, sendo tratada pelos criados com extrema cortesia. Todos a obedeciam com profundo respeito, como se ela fosse a própria dona da casa e não de uma hóspede temporária. De certa maneira, Emily teve de tomar para si as responsabilidades que cabiam à suposta condessa, pois tudo que Marguerite sabia fazer era tomar sherry o dia inteiro.

Emily sabia que beber demais não era bom para a saúde uma senhora de idade. A única maneira de conseguir afastar Marguerite da bebida seria aproveitando o interesse que ela demonstrava pela arte da costura.

Emily voltou ao sótão para dar uma espiada nas roupas que ainda estavam lá e ficou encantada ao descobrir mais três outros baús com vestidos de seda, veludo, cetim e brocado. Os modelos eram um pouco ultrapassados, mas com a ajuda da suposta condessa, que sabia costurar muito bem, poderia reformá-los.

Marguerite mostrou grande entusiasmo pela ideia.— Pense em estilo, minha querida, e não em moda — dizia ela a Emily enquanto reformavam os

vestidos. — Esta é a maneira fran cesa de pensar em roupas. A moda dura pouco tempo, mas o estilo é eterno.

As duas ocupavam-se o dia inteiro dos vestidos. Apenas à noite, nos momentos de solidão, os pensamentos de Emily voltavam-se para James, fazendo-a perceber o quanto sentia falta dele.

Lorde Berrington retornou uma semana mais tarde. Emily estava colhendo flores para fazer um arranjo quando o mordomo foi procurá-la.

— Com licença, milady. Devemos servir o jantar na sala principal, esta noite?Oh, acho que não será necessário, Fredericks. Lady Marguerite e eu preferimos usar a pequena mesa na biblioteca.— Mas o conde está de volta, milady. Pediu-me para avisá-la que as encontrará pouco antes do

jantar.Emily tentou manter a calma.— Está bem, Fredericks. Sendo assim, pode servir o jantar na sala principal. Peça à sra. Grover

para usar a toalha cor-de-rosa de linho e o candelabro dourado.O mordomo arqueou uma sobrancelha e assentiu, retirando-se em seguida."Por que dei uma ordem dessas?", pensou Emily, aflita, "Todos na casa sabem que o candelabro

dourado e a toalha cor-de-rosa de linho são usados apenas em ocasiões especiais. James irá pensar que fiquei empolgada com seu retorno!". Teve vontade de voltar atrás, mas tal atitude só serviria para chamar mais atenção. "Além do mais", concluiu, sorrindo, "o jantar será mesmo uma ocasião especial..."

À noite, Emily tomou um cuidado todo especial com sua toilette. Yvette ofereceu-se para pentear-lhe os cabelos e demonstrou ser muito hábil.

29

Page 30: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

— Pronto, milady — disse a jovem criada, segurando um espelho atrás de Emily para que ela pudesse ver-se de todos os ângulos ao espelho do toucador. — Oh, espere um momento! Está faltando o toque final! Encontrei um pente ornamentado no meio dos vestidos que a senhora e lady Marguerite arrumaram hoje.

Yvette retirou do bolso do avental uma pequena caixa de madeira contendo um pente em estilo espanhol, incrustado de pedras brancas e lilás.

— Não, Yvette... Acho que não devo usá-lo...— Claro que deve! É justamente ele que dará charme ao penteado!Emily riu da expressão ansiosa da moça.— Admito que o pente é encantador... Oh, está bem. Eu o usarei, mas só dessa vez. — Virou-

se na cadeira, para que a criada pudesse colocá-lo. — A condessa já está pronta?— Oui. Lady Marguerite me pediu para avisar que iria encontrá-la na biblioteca."Oh, céus! Espero que até eu chegar lá ela já não tenha bebido uma garrafa inteira de sherry",

pensou Emily.Olhou-se pela última vez ao espelho, agradeceu a atenção de Yvette e desceu. Fredericks abriu a

porta da biblioteca para ela e anunciou-a com sua voz de barítono.Lorde Berrington, que estava diante da janela olhando para fora, virou-se no mesmo instante e examinou-a da cabeça aos pés. Ficou tão encantado com o que viu que perdeu a fala por alguns instantes. Ela estava diferente, mais bonita que nunca. Seria por causa da maneira como o tecido vaporoso do vestido cor-de-rosa revelava os contornos sedutores de seu corpo? Ou seria em razão do brilho que havia em seus olhos, que o fitavam de uma maneira ao mesmo tempo inocente e insinuante?— Boa noite, Emily. Você está belíssima esta noite — disse James, por fim.Ela corou e sorriu, satisfeita com o elogio.— Permite que eu diga o mesmo a seu respeito? Parece que a viagem lhe fez muito bem.— Mesmo assim, senti muita falta do conforto de meu lar — respondeu lorde Berrington,

pensando que na verdade sentira falta da companhia de Emily. — Fredericks contou-me que você comandou os empregados como um general encarregado de um regimento. — Ele viu a expressão de assombro no rosto dela e tranquilizou-a: — Garanto que, vindas de Fredericks, tais palavras são um elogio. A mansão nunca esteve tão bem cuidada, e os criados estão muito satisfeitos.

— Obrigada. Espero que eu não tenha me excedido.— Por certo que não. A sra. Grover elogiou muito o modo como você a ajudou.Nesse momento, Marguerite deixou de lado o livro sobre jardinagem que estava lendo e

aproximou-se deles.— Meus queridos! Não é maravilhoso estarmos reunidos de no vo? James, não acha que Emily

está encantadora, hoje?Lorde Berrington voltou a fitar Emily. Sentia-se atraído por ela, como um homem ambicioso

diante de um tesouro imensurável. Sim, estava enfeitiçado pelo adorável encanto da jovem dama misteriosa. E quanto mais Emily escondia seu segredo, mais vontade ele sentia de descobri-lo. No entanto, a viagem que acabara de fazer ao vilarejo onde ela nascera havia sido infrutífera. Não descobrira nada de novo a respeito de Emily.

A suposta condessa tocou o braço de lorde Berrington, interrompendo-lhe os devaneios.— James, você me escutou? Vamos, diga a Emily o quanto ela está encantadora!Ele inclinou a cabeça.— Sim, realmente encantadora — murmurou. — E esses vestidos que Emily e a senhora estão

usando são muito bonitos. Onde os compraram?— Não os compramos, apenas reformamos os vestidos que encontramos no sótão. Não se

lembra deles, querido? Usei este aqui em Portman Square, no dia em que lady Montagu ofereceu uma festa para setecentos convidados, para inaugurar o salão de baile de sua mansão. Oh, mas é claro que você não pode se lembrar... Afinal, tinha apenas quatro anos na época, se não me engano.

Lorde Berrington olhou-a, desconfiado.— É um belo vestido. Espero que dessa vez a costura da bainha esteja bem feita.

Emily fez um sinal pedindo que ele não fosse indelicado, mas já era tarde demais. Marguerite sorriu.

— Está se referindo ao vestido de brocado azul e prata, James?Fiquei tão embaraçada quando a bainha descosturou... Mas o desagradável episódio tem uma explicação, da qual só me lembrei agora. Recorda-se daquela Temporada que sua tia Harriet passou conosco?

Ele fingiu que estava interessado na história e a suposta condessa prosseguiu:

30

Page 31: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

— Imagine só, sua tia e eu tivemos a ousada ideia de nos vestirmos de modo idêntico para o primeiro baile da Temporada. Foi uma verdadeira sensação! Parecíamos irmãs gémeas, apesar da nossa diferença de altura.

James fitou-a com expressão de quem não estava entendendo nada, e Marguerite irritou-se:— Meu filho, não seja tão distraído! Não percebe o que estou querendo dizer? O vestido que usei

outro dia era o de sua tia Harriet!O meu, que é idêntico, ainda deve estar escondido em algum canto do sótão.

Lorde Berrington deu um sorriso de puro ceticismo. E quem poderia culpá-lo por isso? A explicação de Marguerite era lógica, mas seria verdadeira? Além disso, muito tempo havia passado desde a noite em que a bainha do vestido se desfizera; tempo suficiente para que a suposta condessa inventasse uma explicação plausível...

Quando Emily virou-se para ajudar Marguerite a sentar-se em uma das poltronas, James viu o pente que ela estava usando nos cabelos. No mesmo instante, colocou seu cálice de sherry sobre uma mesinha e aproximou-se de Emily. Puxou-a para um canto da sala e, segurando-a pelos ombros, encarou-a.

— Já ouviu o velho ditado que diz "Quando os gatos não estão em casa, os ratos fazem a festa"? — indagou ele.— Não estou entendendo... — murmurou ela, confusa.— Não se faça de tola! — Lorde Berrington ergueu a mão e tirou-lhe o pente dos cabelos. — Diga-

me, Emily, como conseguiu ter acesso às jóias da família?

CAPITULO VII

Emily cruzou os braços, na defensiva, e argumentou:— Se está sugerindo que roubei o pente, está muito enganado!

Na verdade, foi Yvette quem o encontrou em meio aos vestidos que estávamos reformando. Pensei que fosse de pouco valor e resolvi usá-lo esta noite, já que combinava com meu vestido.

— Pouco valor? Essas pedras são diamantes e ametistas, minha cara! Foi um presente que minha mãe recebeu da princesa Isolda.

Marguerite pegou o pente das mãos de lorde Berrington.— Oh, eu havia esquecido desse pente! — exclamou ela. — Sim, James está certo, Emily, as

pedras são preciosas. Mas elas não têm muito valor. Também, não me admira! A princesa espanhola tinha fama de distribuir uma porção de presentes sem valor para os amigos. Fique com o pente, querida. É seu.

Marguerite entregou-lhe o objeto, mas Emily o devolveu a lorde Berrington no mesmo instante.— Obrigada, mas não posso aceitá-lo — disse.A suposta condessa balançou a cabeça.— Não seja tola, menina! É apenas um enfeite, as pedras não são muito valiosas.— Não é pelo valor que o estou recusando.— Por quê, então?Antes que ela pudesse confessar que ficara magoada com a acusação feita por James, Fredericks

apareceu para anunciar que o jantar estava servido. Sem dizer mais nada, Emily deixou a biblioteca com passos firmes.

O jantar acabou sendo um desastre. A comida estava excelente, mas a conversa limitou-se apenas a comentários banais entre a Marguerite e lorde Berrington. Quando a suposta condessa declarou que iria se recolher, Emily resolveu fazer o mesmo.

Quando ia sair da sala, porém, James a deteve.— Devo-lhe um pedido de desculpas, Emily. Acusei-a sem pensar. Sei que fui grosseiro e a

ofendi.Ele manteve o braço estendido contra a porta, paraimpedi-la de passar. Apesar de não haver

nenhum contato físico, Emily sentiu-se como que aprisionada, obrigada a permanecer onde estava.

— Eu... creio que posso entender sua preocupação... sua falta de confiança em mim. Mas asseguro-lhe que nunca roubei nada, nem de você nem de ninguém.

— Eu sei disso. Mas...— Mas?— Há tanta coisa sobre sua vida que ainda não me contou. Não vejo razão para lhe revelar

31

Page 32: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

detalhes sobre o meu passado, do mesmo modo que você não vê razão para confiar em mim. Primeiro se ausenta por uma semana sem me dizer onde vai, e depois me acusa de ladra!James cerrou os maxilares. Então ela também havia sentido sua falta! Será que Emily havia

questionado Fredericks para saber onde ele havia ido? Não, era pouco provável. Ela era orgulhosa demais para fazer perguntas desse tipo aos criados.

— Se está querendo saber onde estive, tudo que precisa fazer é perguntar — provocou-a.Lorde Berrington esperou que Emily o fizesse, mas ela apenas fitou-o em silêncio. "Que mulher

teimosa, meu Deus!", pensou ele. Decidiu acabar com o mal-entendido mostrando-se gentil:— Agora que Marguerite tornou-se mais apresentável, vocês não gostariam de acompanhar-me

em um passeio pelo parque, amanhã?— Eu... tenho certeza de que a condessa ficará encantada com o convite.— Ah, a condessa... E você?— Também ficarei satisfeita em poder sair um pouco. A que horas deseja que estejamos

prontas?— Acho que quatro horas da tarde é o ideal. As damas da sociedade costumam reunir-se no

parque a essa hora. Parece-me uma ótima oportunidade para vocês aparecerem em público.— Obrigada pelo convite. Informarei a condessa.Ela inclinou a cabeça ligeiramente e deu alguns passos. No último instante, virou-se para trás e

viu que ele ainda a observava.— É bom vê-lo em casa de novo, James — confessou em voz baixa.— Obrigado, Emily. Eu também senti saudades. A semana que passei em Cornwall pareceu-me uma eternidade.Ela ficou parada um instante, tentando assimilar o que lorde Berrington dissera. Cornwall? Por

que será que ele havia ido ao vilarejo onde ela morara? Seria apenas coincidência ou o conde fora investigar seu passado? Achou melhor não prolongar o assunto e, após desejar boa noite, retirou-se.

Resolveu passar pelo quarto de Marguerite. Encontrou-a diante do toucador, penteando os cabelos.

— O que foi, minha querida? — indagou a suposta condessa. —Você parece estar a ponto de explodir de contentamento!

— James nos convidou para passear com ele, amanhã, no Hyde Park!— Oh, finalmente! Emily, minha querida, estamos prestes a ser apresentadas à sociedade

londrina! Tem ideia do que isso significa?— Acho que a primeira coisa na qual precisamos pensar é em nossos chapéus. Não teremos

tempo para comprar chapéus novos.— Oh, não se aflija! Daremos um jeito. Há dezenas de chapéus no armário do sótão. Amanhã

cedo reformaremos alguns deles e ficaremos maravilhosas! Depois dos vestidos que reformamos, já vi que temos muito jeito para isso. — Marguerite ficou pensativa por alguns segundos, antes de comentar: — Esperei dezessete anos para voltar a Londres e reassumir meu lugar na sociedade... E agora o dia finalmente chegou... Por Deus, espero que não chova!

Para alegria de Marguerite e Emily, o sol brilhava quando a carruagem as deixou diante do portão de entrada do Hyde Park.

James ofereceu um braço a cada uma das damas, antes de adentrarem o parque onde várias outras pessoas passeavam em grupos. Olhando-o de soslaio, Emily notou o quanto ele estava atraente usando um casaco vermelho-escuro de abas longas, camisa branca, calça e botas pretas, lorde Berrington percebeu que Emily o fitava e voltou-se para ela, dizendo:

— Pelo que vejo, sou um cavalheiro de sorte: estou em companhia das duas damas mais belas de todo o parque. Nossa presença está chamando a atenção, já reparou?

A condessa cumprimentou um jovem casal e em seguida falou pelo canto da boca:— Sorria, James. É isso que esperam que façamos. É parte do preço que temos de pagar por

pertencemos à nobreza.No mesmo instante ele lançou um olhar maroto para Emily, que nial conseguiu conter o riso. Antes que pudessem comentar algo, foram interceptados por uma dama e três jovens que, aparentemente, eram suas filhas. A princípio, a mulher fez questão de ignorar Emily e Marguerite, mantendo os olhos fixos no rosto de lorde Berrington. Ele fez uma mesura.— Sra. Castorbridge... senhoritas... É um prazer revê-las. — A mãe das moças tocou-lhe o

braço:— Lorde Berrington, é um prazer encontrá-lo aqui no parque! Não vai nos apresentar suas

amigas?— É claro — disse ele. — Sra. Castorbridge, srta. Bertha, srta. Agatha, srta. Drucilla, quero que

32

Page 33: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

conheçam lady Marguerite e lady Wallingford.James notou que a dama esperava mais explicações sobre suas acompanhantes e acrescentou,

meio sem jeito:— Elas estão passando uma temporada em minha casa.— Oh, é mesmo? São parentes distantes? — indagou a sra. Castorbridge.Ele resmungou algo incompreensível, que a dama considerou como uma confirmação.— Imagine só! — exclamou a sra. Castorbridge. — Por um momento cheguei a pensar que o

senhor finalmente havia sido flechado pelo Cupido! — Ela riu, segurando o braço da filha mais velha. —Minha Bertha deve estar contente em saber que ainda tem chances de conquistar seu exigente coração, lorde Berrington.

A srta. Bertha lançou um olhar insinuante a James.Ele deu um sorriso sem graça e ajustou o nó da gravata, que de repente lhe pareceu apertado

demais.Só conseguiram se livrar da sra. Castorbridge e de suas filhas quando prometeram ir visitá-las na

quinta-feira seguinte. A suposta condessa aceitou o convite com ar arrogante.Depois de terem se afastado das damas, Emily comentou:— Lady Marguerite, a senhora não foi nem um pouco delicada com as damas, se me permite

dizer! Cheguei a pensar que não aceitaria o convite!— E por que eu deveria ser delicada? A sra. Castorbridge não passa de uma mãe desesperada, que

quer casar a filha com o primeiro bom partido que aparecer! Uma oportunista, isso sim!James olhou espantado para Marguerite e sussurrou para Emily, pelo canto da boca:— Ela sabe muito bem o que é ser oportunista!Emily repreendeu-o:— Cuidado com o que diz! Sua mãe não é surda!Lorde Berrington ia retrucar algo, mas foi impedido pela aproximação de três damas.

— Agora comporte-se... condessa — avisou ele, relutando antes de chamá-la pelo título de nobreza. — Essas damas são muito influentes no Almack's. Podem arrasar a reputação de alguém num piscar de olhos.

— Oh, é mesmo! — concordou Marguerite. — Emily, mantenha as costas eretas e, pelo amor de Deus, não as deixe perceber que não as reconhecemos!

A mais idosa das três damas beijou lorde Berrington no rosto, dizendo:— James, seu ingrato! Por onde tem andado todo esse tempo?

Mandei dois, ou melhor, três convites para que fosse às festas que ofereci em minha casa e você não apareceu!

— Como vai, princesa Esterhazy? — Ele cumprimentou-a com uma elegante mesura. — Para ser sincero, tenho andado muito ocupado ultimamente. Se eu ter aceito algum convite, com certeza teria sido o seu.

A outra dama, que James chamou de condessa Lieven, falou em seguida:— Oh, lorde Berrington, o Almack's é tão enfadonho sem a sua presença! As jovens damas da

sociedade têm sentido sua falta. Afinal, o senhor sabe que é o cavalheiro solteiro mais cobiçado de Londres!

— Como sempre, a senhora me deixa encabulado com seus elogios, milady. — Olhando de soslaio para Emily, acrescentou: — Mas, por estranho que pareça, há algumas damas que fazem questão manter-me à distância.

A condessa Lieven tocou-lhe o braço.— Qualquer dama solteira que queira mantê-lo afastado não deve estar em seu juízo perfeito,

milorde.Marguerite estreitou os olhos, mal contendo a vontade de dizer que James não era um produto à venda. Lady Jersey, a terceira dama, olhou para Emily antes de insinuar:

— Lorde Berrington, será que está pretendendo deixar de ocupar o primeiro lugar na lista dos bons partidos?

Pela primeira vez, Emily o viu corar.— Minhas desculpas, miladies — disse ele. — Esqueci de fazer as apresentações. Estas são lady

Wallingford e lady Marguerite, duas Parentes distantes.Emily prendeu a respiração. Sabia que a qualquer momento Marguerite poderia estragar tudo, afirmando que era mãe de James. Mas, por enquanto, tudo parecia sob controle. Lady Jersey voltou a dirigir-se a lorde Berrington:— Milorde, prometa-me que levará suas parentes ao chá que oferecerei na próxima semana, em

minha casa. Providenciarei para que recebam os convites hoje mesmo!James inclinou-se e beijou a mão da dama.— Obrigado pelo convite, milady. Será uma honra.

33

Page 34: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

A condessa Lieven, que parecia a mais desinibida das três, segurou o braço de Emily.— Lady Wallingford, desculpe-me a curiosidade, mas estive observando seu chapéu e achei-o

realmente encantador. Onde conseguiu encontrar um modelo tão bonito?— Obrigada, milady. Nós...Marguerite interrompeu-a no mesmo instante:— Desculpem-nos, mas acho que está na hora de voltarmos a andar. Não posso ficar parada de

pé, por muito tempo, porque meus joelhos começam a doer.— Compreendo — disse a condessa Lieven. — Bem, posso contar com sua presença na reunião

de sexta-feira?— Por certo que sim — afirmou James. E, voltando-se para Marguerite: — A não ser que os

joelhos de milady comecem a doer demais e não possamos comparecer...— Meus joelhos já estarão bons até sexta-feira, James — apressou-se em dizer a suposta condessa.

Ela sorriu para as três damas. —Espero que meu filho também concorde em oferecer uma festa muito em breve, para que possamos retribuir o convite.

— Seu filho?!Marguerite tornou a sorrir.— Oh, céus, eu disse isso? Bem, não adianta tentar cobrir o sol com uma peneira, não é

mesmo? Deveria ser uma surpresa, mas a notícia é boa demais para ser mantida em segredo! James é meu filho, sim. Há dezessete anos, o navio no qual eu viajava com meu marido naufragou, e fui dada como morta. Mas, felizmente, a providência divina fez com que eu me salvasse e voltasse para casa.

A princípio James ficou horrorizado com tal declaração. Em seguida, recuperando o auto-controle, tentou contornar a situação. Pegou a mão de Marguerite e pousou-a em seu braço, dizendo:

— Peço desculpas por lady Marguerite. Ela ainda está se recuperando de uma viagem exaustiva e por isso fala tudo que lhe vem à cabeça. Contudo, devo admitir que pode haver alguma verdade no que ela disse, mas ainda estou investigando o assunto.

Despediram-se apressadamente. James conduziu suas acompanhantes de volta à carruagem.— Pensei que houvéssemos combinado que iriam ser apresentadas como minhas parentes

distantes! — exclamou, furioso, assim que entraram no veículo.A suposta condessa inclinou-se para a frente e colocou a mão enluvada sobre o peito de lorde

Berrington.— Creio que você já é bem crescido para saber que uma mentira só leva a outra, James. Mais

cedo ou mais tarde teríamos de contar a verdade, não é mesmo? Melhor deixar tudo claro agora, do que ter de dar explicações embaraçosas depois.

— Não adianta chorar sobre o leite derramado, James — interveio Emily, tentando acalmá-lo. — Agora, tudo que nos resta a fazer é esperar por nossa ruína...

Marguerite riu:— Não seja tão pessimista, menina! A curiosidade surte um efeito incrível na sociedade. Aposto

que até o final da semana receberemos tantos convites que não poderemos dar conta de todos!

Dois dias depois do passeio que haviam feito pelo Hyde Park, Emily ajudava Marguerite a selecionar os convites que começaram a chegar. A suposta condessa segurava-os em forma de leque.

— Precisamos escolher bem — dizia ela. — Oh, esses aqui não interessam. São de comerciantes, imagine!

Num impulso, jogou os cartões no chão.Emily achou melhor recolhê-los para jogá-los no lixo. De repente, viu entre eles um cartão com

a assinatura de Grimstead, o homem que queria vê-la na prisão. Pensou que fosse desmaiar de susto. Será que ele descobrira que ela estava na mansão? Teria de fugir, antes que Grimstead mandasse alguém ir atrás dela! Tentou, sem sucesso, controlar o tremor das mãos.

— Com... com licença, condessa — disse num fio de voz, antes de deixar a sala.Subiu as escadas correndo e esbarrou em James que vinha descendo.— Que diabo...? Emily, espere! O que aconteceu? — perguntou ele, segurando-lhe o braço,

enquanto a observava com atenção. — Você está bem?— Eu... Sim, é claro. Com licença, eu... Por favor, deixe-me ir — pediu ela.— Não, a menos que me diga porque está com tanta pressa.Emily tentou sorrir.— Não é nada. Desculpe meu comportamento indelicado.James continuou segurando-lhe o braço.— Não precisa pedir desculpas. Mas ainda não me disse porque está tão aflita.

34

Page 35: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

Ao ver a angústia refletida nos olhos de Emily, ele lembrou-se da época em que tinha de dar explicações a seus professores quando não fazia a lição, e de como acabava ficando de castigo mesmo que a explicação fosse plausível. A lembrança desagradável o fez soltá-la de modo tão repentino que ela acabou derrubando os cartões que trazia nas mãos.

— Minhas desculpas, Emily. Não quis perturbá-la. Pode subir.Eu pegarei os cartões.

— Eu mesma pego, obrigada.Ela abaixou-se, rápida.Lorde Berrington também se abaixou para pegar um cartão que havia caído longe dos outros.

Leu o nome escrito nele antes de devolvê-lo para Emily.Ela agradeceu a gentileza e subiu correndo para o quarto. Ao fechar a porta, soltou um suspiro.— Meu Deus, o que falta me acontecer agora? — perguntou-se em voz alta.Por que James tivera de recolher logo o cartão enviado por Grimstead? Será que ele chegara a ler o

nome escrito no retângulo de papel?Começou a andar de um lado para outro, tentando acalmar-se.Afinal, por que estava tão aflita? Se Grimstead soubesse onde ela se encontrava, teria vindo

procurá-la pessoalmente, e não enviado um cartão! Além disso, como precaução, usara seu nome de solteira quando fora trabalhar no ateliê de costura dele; o. asqueroso homenzinho não conhecia sua verdadeira identidade. Por enquanto, continuava em segurança...

De repente, uma nova preocupação assaltou-lhe a mente. E se lorde Berrington descobrisse seu segredo? Até conseguia entender o motivo que o levara a questioná-la quando a vira correndo. Mas por que ele a soltara de maneira tão abrupta quando ela se mostrara incapaz de dar uma explicação plausível?

"Com certeza James deve ter imaginado que sou uma verdadeira pateta! Oh, Deus, onde encontrarei coragem para encará-lo de novo?"

Para sorte de Emily, Marguerite monopolizou a conversa durante o jantar, impedindo que James lhe fizesse perguntas embaraçosas.Emily notou que lorde Berrington apenas fingia estar interessado no que Marguerite dizia, e de

vez em quando lhe lançava um olhar intrigado.A senhora que se dizia condessa continuava falando, sem se dar conta da tensão ambiente.— Decidi usar o colar de esmeraldas na festa do dia vinte e cinco.

O que acha, da ideia, James?Ele pousou o garfo na borda do prato e respondeu, num tom perigosamente baixo:— Cuidado, milady, não abuse tanto de minha confiança...— Oh, James! Trata-se apenas de um colar, e não da coroa da rainha da Inglaterra! — Ela

apoiou os cotovelos sobre a mesa, sorrindo de modo maroto: — Além disso, não adianta tentar impedir-me de usá-lo. Encontrei a chave do cofre de jóias no velho esconderijo, dentro de um livro de poesias na biblioteca. Se eu quisesse, já teria aberto o cofre e pego todas jóias.

— Por que não pegou? — indagou lorde Berrington, em tom de desafio.— Pensei em fazê-lo, mas não me pareceu uma atitude correta, embora todas as jóias sejam

minhas... Com exceção daquele anelde safira e diamantes que pertenceu à sua avó paterna, claro. Lembro que ela estipulou em testamento que você deveria dar o anel de presente para sua noiva.

Emily olhou rapidamente para James e viu uma expressão de grande consternação estampada em seu rosto.

CAPITULO VIII

James afastou a cadeira para trás e levantou-se.— Com licença, senhoras, mas acabo de perder o apetite — disse, retirando-se da sala.— Ora, vejam só! — exclamou Marguerite, sorrindo. — Parece que James ficou aborrecido!— Isso a surpreende? — indagou Emily. — Às vezes, penso que a senhora o provoca

deliberadamente.A suposta condessa afagou-lhe a mão.— James sempre foi pretensioso e arrogante. É bom que ele leve um puxão de orelhas de vez em

quando.

35

Page 36: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

Após o jantar, Marguerite se retirou para o seu quarto. Emily permaneceu sentada por mais alguns minutos à mesa, tentando organizar seus sentimentos. Finalmente, tomando uma decisão, ergueu-se.

Exatamente como imaginara, encontrou James na biblioteca, lendo jornal. Ele fez menção de levantar quando a viu entrar, mas Emily fez um sinal para que permanecesse sentado.

— Espero não estar atrapalhando, James.— Claro que não. Na verdade, eu ficaria grato a qualquer um que pudesse afastar minha mente

do problema que venho enfrentando.— Refere-se à condessa? — perguntou Emily, acomodando-se numa poltrona.— Exato. Acho que me enganei ao pensar que poderia manter essa história entre nós, apenas.

Agora que Marguerite fez questão de estragar tudo, a situação poderá virar um caos.— Ainda não acredita nela?— Nem um pouco. E você?— Bem... Sim. Acredito que ela seja mesmo sua mãe. Existem algumas evidências que parecem

irrefutáveis. Marguerite sempre encontra explicação para tudo, mesmo que tardiamente.— Mas é esse o problema! Dê-lhe tempo suficiente para consultar alguém e ela sempre terá

uma resposta para tudo.— Mas quem é esse "alguém"?Ele deu. de ombros.— Se soubéssemos a resposta, minha querida Emily, o mistério estaria esclarecido.— Não entendo por que continua tão desconfiado! Depois da condessa ter dito que não pegou as

jóias, mesmo tendo encontrado a chave do cofre, imaginei que estivesse convencido de que ela é sua mãe.

— Não vê que esse gesto é pura esperteza da parte de Marguerite? Ela pode ter achado a chave por acaso, enquanto bisbilhotava os livros da biblioteca.

— Está bem, supondo que isso seja verdade e que Marguerite seja mesmo uma impostora, como você faz tanta questão de salientar, como explica o fato de ela não ter aberto o cofre e roubado as jóias?

— A resposta é simples: mandei trocar a fechadura do cofre, logo depois de vocês duas terem decidido ficar aqui! — Lorde Berrington fitou Emily por um instante, antes de indagar: — Mais um ponto para mim?

— Detesto admitir, mas acho que sim... — De repente, os olhos dela ficaram cheios de lágrimas. — Por que sempre que conseguimos dar um passo para a frente, acontece algo que nos faz retroceder três passos?

— Não acho que as coisas estejam tão ruins assim — objetou James. — Tem se olhado ao espelho ultimamente? Você mudou muito desde que chegou aqui, há duas semanas atrás. Naquele primeiro dia, pensei que era a mulher mais adorável que eu jamais conhecera. Hoje, porém, percebi que sua beleza só pode ser comparada ao desabrochar das flores na primavera, após um longo e rigoroso inverno.

— Você é muito gentil, James. Não sei o que dizer, exceto que lhe serei eternamente grata pela ajuda que ofereceu à condessa... e a mim.

— Ora, eu não fiz nada demais. Diga-me, como era sua vida, após a morte de seu marido?— Um completo vazio. Eu gostava muito de Henry, e quando ele se foi... /— Onde você vivia antes de vir para a minha casa? Fez novas amizades, depois de ficar vi\íva?— Eu morava num quarto de pensão, aqui mesmo, em Londres.

No que diz respeito a amizades, tenho alguns conhecidos, mas nenhum deles pode ser chamado de amigo.

— Como fez para se sustentar, já que seu marido não lhe deixou nenhuma herança? Pode ser franca, Emily. Eu não a recriminaria se dissesse que tem um protetor.

— Eu já lhe disse que não tenho protetor algum! Se me tem em tão baixa conta para supor uma coisa dessas, prefiro retirar-me de sua presença! — Ela levantou-se, acrescentando: — Se está tão interessado em saber como eu ganhava a vida, saiba que trabalhei como costureira.

James respirou fundo. Pôs-se de pé e se aproximou dela.— Emily, não consigo entender por quê reluta tanto em falar sobre seu passado.— Tenho meus motivos, e eles não são da sua conta!— Tudo que lhe diz respeito é da minha conta, Emily — argumentou lorde Berrington,

segurando-lhe o braço para impedi-la de sair correndo da biblioteca. — Mas se prefere não tocar mais nesse assunto, respeitarei sua vontade.Ela suspirou, aliviada por não ter que responder mais nenhuma Pergunta. James acariciou-lhe a mão.

— Gostaria de tocar um pouco de harpa para mim?

36

Page 37: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

Emily teria preferido ficar ali, junto dele, com a mão sendo acariciada daquela maneira, mas acabou por aceitar a sugestão.

— Que música gostaria de ouvir, James?— Toque a música que mais lhe agradar.Lorde Berrington sabia que aquilo que agradasse ao coração de Emily com certeza também

agradaria ao seu. No dia seguinte, Fredericks passou quase a manha inteira ocupado em receber os mensageiros que

traziam inúmeros convites enviados pelas famílias mais influentes de Londres.— Uma recepção bastante acolhedora para sua volta à sociedade, não acha, condessa? —

comentou Emily. — Espero que não esteja esquecida da reunião na casa de lady Jersey, na sexta-feira.

— Oh, sim. O chá será servido no jardim, pelo que ouvi dizer, e... Oh, meu Deus! Nossos chapéus! Precisamos pensar em algo inédito para usarmos! Talvez seja melhor fazermos uma visitinha a uma loja que conheço, na Oxford Street. Lá poderemos encontrar plumas, flores e outros adereços para chapéus.

— Mas, condessa... James disse que seria melhor comprarmos chapéus já prontos, lembra-se?— Nada disso! Os chapéus das lojas que existem por aí nem se comparam aos que nós mesmas

fazemos! — Marguerite puxou a corda da sineta para chamar os criados. Pedirei a Emmet... isto, é, a Fredericks, que mande preparar a carruagem para partirmos dentro de uma hora.

Emily suspirou. Preferiria passar o dia lendo ou tocando piano para Yvette cantar; estava impressionada com o desempenho da moça, depois de lhe dar algumas poucas lições de música. Não estava disposta, porém, a contrariar Marguerite, e aceitou ir com ela à loja.

Para surpresa de ambas, James ofereceu-se para acompanhá-las. Enquanto a carruagem circulava pelas ruas da cidade, Emily observava d rosto bonito de lorde Berrington. Qual teria sido o motivo que o levara a oferecer-se para acompanhá-las? Estaria com receio de que elas fossem gastar muito? Não, não era provável. Afinal, ele chegara a censurá-las algumas vezes por preferirem reformar os vestidos encontrados no sótão em vez de comprarem alguns novos.

James percebeu que Emily o observava e, como se lhe houvesse lido os pensamentos, sugeriu:— Vamos aproveitar para comprar alguns vestidos novos para vocês duas. A Regai Gowns fica

logo adiante.Emily prendeu a respiração. Aquela era a loja de Grimstead! Será que James sabia de alguma

coisa? Procurou aparentar calma ao indagar:— Você conhece essa loja?— Não exatamente — respondeu lorde Berrington. — Mas já ouvi algumas damas falarem bem

dela.Marguerite entrou na conversa:— De fato, lady Harrowby disse-me que a Regai Gowns tem vestidos belíssimos. Um pouco

caros, receio, mas será bom comprarmos alguns artigos de primeira qualidade. Passaremos por lá na volta.

Emily empertigou-se no assento. Tinha certeza de que seria reconhecida caso entrasse na loja. E se isso acontecesse, seria o fim de tudo. Nunca mais veria James. Precisou de todo seu auto-controle para sorrir, argumentando:

— É uma ótima ideia, mas acha que dará tempo, condessa? Precisamos voltar para casa o quanto antes, para começarmos a fazer os chapéus...

— Acho que tem razão, querida. Melhor deixarmos para comprar os vestidos num outro dia.Emily mal pôde disfarçar o alívio que sentiu. James olhou-a, in trigado, mas ela tranquilizou-o

com um sorriso. O modo como ele parecia sempre atento às suas atitudes, contudo, não contribuía em nada para mantê-la calma.

— O que vai fazer agora? — perguntou James na manhã seguinte, quando terminaram de tomar café e deixaram a mesa.

— Pensei em ir ao jardim, colher algumas flores para o vaso da sala de visitas — respondeu Emily.

— Ótimo. Vou com você para ajudá-la a trazê-las.— Não precisa se incomodar. A sra. Grover emprestou-me uma cesta para colocar as flores.— Não é incómodo nenhum. Além disso, estou precisando mesmo de um pouco de ar fresco.— Lembro que o ouvi dizer que tinha umas cartas importantes para responder ainda hoje.Lorde Berrington riu.— As cartas podem esperar. Diga-me, acha minha companhia tão indesejável assim?

37

Page 38: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

Não é que eu não aprecie sua companhia, James. Só não entendo porque você vem me mantendo... em observação, ultimamente. — Fitou-o com olhar intrigado: — Ainda desconfia de mim?

— É claro que não! Teria alguma razão para isso? Você tem sido sincera comigo, não tem? — Ele abriu a ampla porta de vidro que dava para o terraço. — Ainda não me respondeu, Emily.

Ela rítrtra provocação, mas sua voz saiu trémula quando disse:— Asseguro-lhe que há muitas coisas que não sabe a meu respeito. Coisas que nunca contei a

ninguém, tais como o nome do primeiro rapaz pelo qual me apaixonei, como foi meu casamento com Henry... Mas não acho que esses assuntos tenham algo a ver com você, assim como sua vida pessoal não me diz respeito.

— Humm... Quer dizer que não está nem um pouquinho curiosa para saber aonde vou, e quem vejo, quando não estou com você?

— Confesso que sinto curiosidade, mas nunca ousaria perguntar-lhe nada — respondeu ela, enquanto caminhavam do terraço até o jardim.

— Pois eu não sentiria o menor constrangimento em lhe perguntar esse tipo de coisa. E se quer saber, tenho estado em companhia de várias moças em idade de casar, cujas mães parecem desesperadas para me ter como genro.

— É mesmo? E já escolheu alguma candidata em particular, ou pretende formar um harém? — indagou Emily, num impulso incontrolável.

— Receio não estar preparado para o casamento, ainda. Não tenho tempo para essas coisas.Ela ergueu uma sobrancelha.— Mas desde que você voltou de viagem, quase não nos separamos! Não me parece que tenha

tão pouco tempo assim.— O fato de estarmos quase sempre juntos a incomoda?— Sabe muito bem que aprecio sua companhia, pelo menos quando você evita tocar em assuntos

pessoais ou discutir sobre sua mãe.— E você faz sempre questão de me perturbar com esse assunto.— Ora, James, até quando irá negar que ela é sua mãe? Precisa ao menos admitir essa

possibilidade!— Se um dia eu resolver admitir isso, garanto que você será a primeira a saber — ironizou ele.

— Admito, porém, que as histórias que Marguerite contou fazem certo sentido, apesar de serem improváveis. Também admito que eu era jovem demais quando perdi meus pais e que não me lembro deles direito.

— Está vendo? Está muito próximo de aceitar a realidade. Por que reluta tanto?Lorde Berrington sentou-se em um banco de pedra e a puxou pela mão, para que sentasse ao

lado dele.— A verdade é que não sinto nada por aquela mulher, Emily. Se ela fosse minha mãe, eu teria

sentido algo no primeiro momento em que a vi!Ele inclinou-se para a frente e apontou uma pata andando pelo jardim com uma fila de patinhos

seguindo-a em direção a um pequeno lago mais adiante.— Está vendo aquela cena? Se você colocar uma dúzia de outras patas num cercado, junto com

aqueles filhotes, ainda assim eles saberão reconhecer a própria mãe no mesmo instante. É algo instintivo, entende?

— Instinto! — exclamou Emily. — É isso que o faz relutar? Oh céus, não acredito no que estou ouvindo! O que me diz de todas as crianças adotadas que crescem sem nunca saber que foram deixadas pelos pais verdadeiros?

— Não é a mesma coisa. Se Marguerite fosse minha mãe, eu saberia.— Duvido! — Emily contestou. — Às vezes você se mostra tão bitolado!Lorde Berrington franziu as sobrancelhas.— Tenho a mente bastante aberta, Emily. E acho que está na hora de deixarmos esse assunto de

lado, ou acabaremos brigando mais uma vez.— Ótima ideia, mas isso não muda o fato de você estar errado.James irritou-se.— Pensei que tivéssemos vindo colher flores!— Quero flores cor-de-rosa, e estas são amarelas — disse ela, apontado para o canteiro diante

do banco.— Se não estou enganado, há flores cor-de-rosa no canteiro ao lado do terraço.— É seu instinto que está lhe dizendo isso?— Está muito irónica hoje, Emily. Espero que consiga controlar seu senso de humor na

recepção em casa de lady Jersey.

38

Page 39: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

Ela riu.— Não se preocupe, vou deixar que sua mãe se encarregue das piadas.— Não vou sair de perto de Marguerite nem por um segundo! Ficarei de clho nela, enquanto você

vigia as garrafas de sherry. Com a ajuda de Deus, acho que conseguiremos fazer com que a festa não se torne um escândalo! — comentou, lorde Berrington, bem-humo-rado.

No dia seguinte, quando Emily desceu as escadas pronta para ir à reunião, James fieou-surpreso. Ela mais parecia uma mocinha inexperiente, e não uma jovem mulher que já casara e enviuvara. O vestido cor de lavanda que Emily trajava era um que ele se lembrava vagamente de ter visto quando criança.

Ela viu que lorde Berrington a observava e sentiu-se pouco à vontade.— Há algo de errado com meu chapéu, James? Acha que está muito exagerado?— Está perfeito — respondeu ele, olhando para o chapéu de abas largas. — Mal posso acreditar

que as flores que o enfeitam sejam as mesmas violetas de seda que compramos naquela loja.— São realmente muito bonitas, não são? Mas é com as folhas de samambaia que estou

preocupada. Não acha que há folhas de mais em torno das flores?— Já lhe disse que está perfeito! — Ele segurou-lhe a mão, ajudando-a a descer o último

degrau da escada. — Lembro-me desse vestido... Minha mãe o usou em uma festa, um dia antes de partir com meu pai para a viagem de navio.

— Oh, James, sinto muito! Não sabia que iria esta roupa trazer-lhe recordações dolorosas.— Não se trata disso. Só estou impressionado com sua habilidade como costureira e com sua

adorável aparência...Emily recolheu a mão, relutante.— Permita-me dizer o mesmo de você, James.Ela também não deixara de notar o quanto ele estava bonito usando calça preta, casaco cinza-claro,

gravata branca de seda e lustrosos sapatos pretos.Lorde Berrington riu.— Está sugerindo que também sou hábil como" costureiro?— Eu só quis dizer que também está muito elegante.Ele fez uma mesura:— Estou profundamente emocionado com seu elogio, lady Emily...— E muito formal também... — completou ela, sorrindo e retribuindo a mesura.Nesse momento, Marguerite apareceu e a magia daquele momento de intimidade se rompeu.

CAPÍTULO IX

Marguerite estava mal-humorada quando a carruagem parou em frente à mansão de lady Jersey.Emily concluiu que a falta de entusiasmo dela devia-se ao fato de ainda não terem recebido convites para o Almack's.

Os três foram recebidos pelo mordomo e conduzidos ao agradável jardim da casa, onde muitos convidados já estavam reunidos. A bonita decoração fora feita em estilo chinês, com sombrinhas mul-ticoloridas espalhadas entre os arbustos verdejantes, num gracioso contraste de cores.

Marguerite sussurrou para Emily:— Olhe à nossa volta, querida. Não há nenhuma dama com um chapéu que se iguale aos

nossos!Em certo momento, Emily separou-se dos demais e começou a caminhar para o outro lado da

casa, a fim de conhecer o restante do jardim. A condessa Lieven interceptou-a no meio do caminho.

— Lady Emily, que bom vê-la novamente! Onde está a condessa?— Acho que ela está contando à duquesa uma de suas versões do naufrágio — respondeu Emily,

rindo. — Posso adivinhar isso pelos gestos teatrais que ela costuma fazer quando conta essa história.

— Interessante... — murmurou a condessa Lieven. — Vamos circular um pouco? — Sem esperar pela resposta de Emily, ela tornou-lhe o braço num gesto amistoso. — Tem ideia da sensação que vocês duas estão causando?

— Bem... Reconheço que é algo inusitado alguém ressuscitar do dia para a noite.— Oh, não estou me referindo a isso, querida! Falo sobre os chapéus que estão usando. Confesso

que são bem mais bonitos que os chapéus franceses que costumamos comprar.— É muita gentileza de sua parte, milady.— Tolice! Mas agora que consegui encontrá-la longe de lady Marguerite, talvez possa dizer-me

39

Page 40: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

onde conseguiram comprar essas belíssimas criações.Emily respirou fundo.— Lady Marguerite nunca me perdoará se eu lhe contar.— Imagino que sim, e não posso culpá-la por isso. — A condessa Lieven rodou a sombrinha

chinesa que estava segurando. — Mas sou muito discreta. Ela não vai ficar sabendo que você me contou. E se por acaso souber... Acha que alguns convites para o Almack's seriam suficientes para acalmá-la?

— Oh, a senhora é impossível, condessa! — comentou Emily, rindo. — Está bem, se é assim tão importante para a senhora saber onde lady Marguerite e eu conseguimos nossos chapéus, devo dizer-lhe que nós mesmas criamos os modelos.

A condessa Lieven arregalou os olhos, surpresa.— Está brincando comigo, milady? Espera mesmo que eu acredite numa história dessas?— Fazer chapéus é um passatempo muito agradável. Por que não vai nos visitar, um dia? Então

poderá ver que estou dizendo a verdade.— Quando? Amanhã?— Sim, se a senhora quiser.— Posso levar lady Jersey comigo?— É claro.James aproximou-se nesse momento, trazendo dois copos de limonada e um prato de

docinhos.— Oh, aí está você, Emily! Pensei que a houvesse perdido! — Em seguida, voltando-se para a

condessa Lieven, cumprimentou-a: —Milady, é um prazer revê-la.— Digo o mesmo, James. Você não se esqueceu da minha festa, não é?— Isso seria impossível, milady.— Ótimo. Não deixe de ir, e leve lady Emily e sua mãe com você.

— completou ela com uma piscadela e afastou-se.Quando os dois ficaram a sós, James fitou Emily por cima da borda do copo.— Muito esperto de sua parte — disse ele.— O quê?— Quando eu vinha me aproximando, ouvi você satisfazer a curiosidade da condessa Lieven

sobre os chapéus em troca de convites para o Almack's.Emily arregalou os olhos, indignada.— James, está me acusando de interesseira, por acaso? Eu teria contado a verdade mesmo que a

condessa não me houvesse oferecido nada! Realmente, sua imaginação só se iguala...— Ao meu charme? — ele completou, com um sorriso maroto.— Oh! Você é mesmo impossível! Por que não vai flertar com alguma debutante e me deixa

em paz?— Prefiro ficar de olho na minha mãe... ou melhor, em Marguerite.— Oh, eu sabia! Você já está começando a aceitar a ideia de que a condessa é mesmo sua mãe!

— exclamou Emily.— Não fique tão contente, foi apenas um deslize de minha parte— murmurou ele, embaraçado.Os dois retornaram para junto de Marguerite, que conversava com um grupo de convidados.Ao vê-los, a suposta condessa ficou de pé e pediu licença aos demais. Levando-os para um canto

mais reservado, disse baixinho:— Acho que está na hora de partirmos.— Mas só chegamos há uma hora — protestou James.Marguerite fitou-o, séria.— Seja sensato, meu filho. Causaremos mais sensação saindo agora, bem antes do término da

festa, não concorda?James olhou para Emily, à espera de que ela respondesse em seu lugar. Emily riu.

— Sua mãe tem razão. Vamos embora!

Os convites para o Almack's foram entregues por um mensageiro uniformizado, naquela mesma noite.

Mas foi apenas na manhã seguinte que Emily teve coragem de contar a Marguerite que iriam receber a visita da condessa Lieven e de lady Jersey. Felizmente, Marguerite estava de bom humor e não ficou zangada ao saber que a história dos chapéus fora revelada; na verdade, ficou até contente com a perspectiva de receber a visita de duas damas tão importantes.

À noite, durante o jantar, lorde Berrington fez Emily e a suposta condessa rirem muito ao comentar que a reunião das damas na sala de costura da mansão o fizera pensar num bando de crianças barulhentas brincando num pátio de escola.

40

Page 41: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

— Ora, você é como o resto dos homens, James, não entende dessas coisas — disse Marguerite, ao parar de rir. — Para se ter prestígio social, é preciso estar por dentro das últimas notícias — explicouela.

— Por dentro dos últimos mexericos, a senhora quer dizer.— Se fosse um grupo de homens reunidos no White's ou no Watier's, você chamaria a conversa

de discussão política e não pensaria em crianças barulhentas — argumentou a suposta condessa.Talvez a senhora tenha razão... Mas, mudando de assunto, estou com vontade de oferecer um pequeno jantar nos próximos dias. Poderíamos convidar lady Jersey, a condessa Lieven e algumas outras pessoas. O que acham da ideia?

Emily ofereceu-se de imediato para cuidar dos convites, e Mar-guerite sugeriu:— Podemos contratar Bernatelli, o violinista, para entreter os convidados.— Acho que já faz uns oito anos que Bernatelli morreu, senhora — riu lorde Berrington. — No lugar dele, podemos chamar o sr. Winslow de Grath, um excelente cantor e pianista.— Ótima ideia, James. A presença de um músico alegrará a noite —disse Emily, sorrindo. Mas, de repente, uma pequena ruga de preocupação surgiu-lhe na testa. — Por outro lado, não sei se...— O que foi? A ideia de ser a anfitriã do jantar não a agrada?—indagou lorde Berrington.— Bem... A ideia de ser anfitriã em sua casa é que me preocupa.

Aposto que acabaremos nos transformando em assunto de mexericos maldosos. — Ela olhou para Marguerite, que começava a cochilar de sono, e abaixou a voz ao comentar: — Era sua mãe quem deveria ocupar o lugar de anfitriã!

— Tolice! — resmungou lorde Berrington. — Se quiserem falar de nós dois, deixe que falem! Já deveríamos estar acostumados com isso depois das duas últimas semanas. Quando o jantar terminar, teremos sorte se estiverem falando de nós e não de Marguerite.

Para pânico de Emily, no dia do jantar tudo parecia estar dando errado. A suposta condessa acordou com uma terrível dor de garganta, o pianista machucou a mão e um dos criados derramou óleo de polir móveis bem no centro da toalha de mesa que iria ser usada.

Com os nervos à flor da pele, Emily mandou Marguerite para a cama, sob os cuidados de Millie. Arrumou outra toalha de mesa e mandou alguns criados colherem margaridas para enfeitar a casa. Agora restava-lhe apenas resolver o problema da ausência do músico. Resolveu ir à biblioteca, falar com James.

— Precisamos pensar em outro entretenimento — disse ele, ansioso, andando de um lado para outro. — Não precisa ser algo muito elaborado. Tudo que precisamos é de alguém que toque um pouco para os convidados, e... Oh, é claro! Por que não pensei nisso antes? Você poderá tocar harpa para nós!

Emily empalideceu.— Não pode estar falando sério, James! Sei tocar apenas algumas poucas peças!— Tolice, você é muito talentosa. Além disso, ainda tem três horas para treinar, até que os

convidados comecem a chegar.— Já vi que sua confiança em mim ultrapassa os limites da razão! — brincou ela.— Só agora percebeu isso? — respondeu lorde Berrington, fitando-a de um jeito que a deixou

embaraçada.Emily foi obrigada a aceitar a sugestão de tocar harpa, mas decidiu desforrar-se preparando

uma pequena surpresa...Ela não saberia dizer ao certo como, mas no final conseguiu organizar tudo. Pouco antes do

jantar, Marguerite sentiu-se melhor e apareceu bem a tempo de participar da recepção.A refeição transcorreu sem problemas. Contudo, a parte mais difícil da noite ainda estava por vir.

Emily havia acabado de tocar uma bela música popular na harpa, e estava recebendo os aplausos dos convidados. James parecia satisfeito, mas ao ver Emily fazer um sinal para Yvette, chamando a criada para juntar-se a ela, ficou apreensivo.

Yvette havia passado por uma grande transformação. Em vez do uniforme acinzentado, estava usando um belo vestido alaranjado, cujo decote exibia a tez clara de seus ombros. A evidente timidez da moça contribuía ainda mais para aumentar sua graciosidade.

— Que diabo, o que está acontecendo? — murmurou lorde Berrington ao ouvido de Emily. — O que é que Yvette está fazendo aqui, vestida desse jeito?

Ela ignorou a pergunta. Sorriu, demonstrando mais segurança do que na verdade sentia, e anunciou:

— Senhoras e senhores, apresento-lhes mademoiselle Yvette Corday!Houve um murmúrio geral de expectativa. Emily sussurrou para a criada:— Imagine que estamos sozinhas na sala de música, e tudo correrá bem.

41

Page 42: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

A moça forçou um sorriso e Emily tocou as notas iniciais de uma bela canção. No começo a voz de Yvette saiu um pouco trémula, mas com o andamento da música sua auto-confiança foi aumentando e a melodia acabou fluindo maravilhosamente.

Ao final, a plateia a aplaudiu com grande entusiasmo e pediu que ela cantasse outra canção. Yvette ficou em dúvida e olhou para Emily, que assentiu.

Após a segunda canção, Emily percebeu que havia subestimado o efeito que a voz de Yvette provocara nos convidados, pois todos exigiram que a moça cantasse outra vez.

Ao final da festa, depois que todos os convidados haviam ido embora, James mostrou-se satisfeitíssimo.

— Emily, você é uma preciosidade! O jantar foi perfeito. — Ele voltou-se para Marguerite e beijou-lhe a mão: — E a senhora comportou-se de modo impecável durante toda a noite. Meus parabéns!

— Oh, obrigada. Foi mesmo uma festa adorável, meu querido, mas tenho uma pequena reclamação a fazer. James, você precisa examinar as bebidas da adega! O vinho que me foi servido estava um horror! — reclamou a suposta condessa.

James ficou surpreso.— É mesmo? Pois o vinho que tomei estava excelente!— Talvez tenham servido vinho de safra diferente para a condes sa — interveio Emily. —

Resolverei o assunto amanhã, com Fredericks.— É muita gentileza de sua parte, querida — agradeceu Marguerite. — Oh, estou tão cansada... Se

me derem licença, vou levar uma garrafa de sherry para o meu quarto e tomar um golinho, antes de dormir. Boa noite, crianças.

Quando a suposta condessa deixou a sala, James lançou um olhar inquiridor para Emily.— Que bebida você mandou os criados servirem a ela, afinal? Não pode ter sido vinho, caso

contrário Marguerite teria pego no sono no meio do jantar!— Eu pedi à sra. Grover que misturasse bastante suco de groselha ao vinho. Imaginei que a

condessa não fosse notar a diferença.— Pensou que ela não fosse notar? Minha cara, nas veias de Marguerite corre vinho, e não

sangue! Aposto que ela já experimentou de tudo, desde aguardente até champanhe!— Oh, James, que maldade! Você não tem de que se queixar, a condessa comportou-se muito

bem durante toda a festa.— Você também, Emily — disse lorde Berrington, puxando-a para perto de si. — Agiu como uma

perfeita anfitriã... — Beijou-a de leve na testa, antes de acrescentar: — Exceto por um pequeno detalhe...

Emily ergueu o rosto para encará-lo:— Qual?— O susto que me deu quando chamou Yvette!Ela sorriu, satisfeita.— Yvette se saiu muito bem, não acha?— Bem demais! Ouvi o barão Falkenheim convidá-la para cantar na recepção que ele dará em

homenagem ao duque de Evanstoke. Acho que você terá de contratar outra criada antes do final do ano...

Emily afastou-se dele.— A tarefa de contratar empregados é sua, James. Afinal, será você quem terá de conviver

com eles. Quanto a mim, logo voltarei para meu lugar e para a vida que levava antes.— Nem pense nisso! Minha casa não poderia mais funcionar mais sem você.— Ora, James, a sra. Grover faz um excelente trabalho. Tudo que ela necessita é de uma ou duas

pessoas que a ajudem nos serviços mais difíceis. Há muitos empregados competentes que podem fazer isso.

— Sabe muito bem que não estou me referindo a serviços domésticos, Emily.— Será? Diga-me, quando se cansar do jogo que está fazendo com a condessa, que desculpa

arranjará para manter-me aqui em sua casa?Lorde Berrington deu um passo a frente, murmurando:— Não pensei que precisasse de uma desculpa...Emily engoliu em seco e indagou, cautelosa:— Está pensando em admitir que a condessa é mesmo sua mãe?— Para isso seria preciso um milagre — respondeu ele.— Não acredita em milagres?— Em alguns, mas não nesse. Por exemplo, eu consideraria um milagre conseguir conter a

vontade que estou sentindo de beijá-la...— Não! Não faça isso!

42

Page 43: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

— Por quê? A ideia não a agrada?Ela tornou a afastar-se dele.— Sabe que não é isso, James. Mas por que começar um relacionamento que não tem chances de

sobreviver? Sei que você ainda não confia em mim, e confesso que sua relutância em admitir que a condessa é sua mãe está me fazendo duvidar de seu senso de justiça.

Lorde Berrington levantou a mão para tocar-lhe o rosto, mas abaixou-a no mesmo instante.— Você não tem o direito de usar esse argumento contra mim, Emily. Se eu tivesse uma prova

concreta, seria o primeiro a admitir que Marguerite é minha mãe. Você questiona meu senso de justiça, não é? Pois diga-me, que mais posso fazer por Marguerite, além de tudo que já estou fazendo?

Oh, James, perdoe-me! É claro que tem razão. Você tem sido mais que generoso com nós duas. O problema é que minha vida tem sido muito difícil de um ano para cá, e devo começar a pensar em meu futuro. — Suspirou, entristecida. — Por enquanto, tudo que tenho a dizer-lhe é boa noite.

Lorde Berrington desejava poder confessar a Emily que a queria a seu lado para sempre, mas algo no fundo de sua mente lhe dizia que ela ainda lhe escondia algo de importante.

"Descobrirei seu segredo, nem que seja a última coisa que eu faça nesta vida, Emily!", jurou a si mesmo, em pensamentos, depois que ela o deixou sozinho.

Os dias seguintes passaram tranquilamente. Os encontros entre as damas interessadas em aprender a ornamentar chapéus ocorriam duas vezes por semana. Lady Jersey e a condessa Lieven haviam prometido manter as aulas em segredo, e cada vez que apareciam em público com uma de suas novas criações precisavam esforçar-se para não contar que elas mesmas as haviam confeccionado. Marguerite exultava com o sucesso dos chapéus de suas novas amigas.

Finalmente chegou a semana do Baile Romano que a condessa Lieven iria oferecer. Há dias Emily vinha trabalhando no vestido que iria usar, um modelo grego feito em tecido vaporoso cor de marfim, com detalhes em renda, que lhe deixava um dos ombros à mostra.

Marguerite fitou-a com admiração durante uma das provas do traje.— O vestido está perfeito, querida! Falta apenas um broche para ornamentá-lo. Talvez possamos

encontrar algo na nova loja de Cyril Montague.Emily relutou diante da ideia de ter que enfrentar a multidão que costumava aglomerar-se na

nova loja, mas a suposta condessa insistiu em ir até lá.Emily estranhou a insistência de Marguerite, e quando lorde Berrington fez questão de

acompanhá-las à loja, ela ficou ainda mais desconfiada. Será que os dois estavam tramando algo?

O mais intrigante de tudo era que James parecia não se importar mais em aparecer em público na companhia da suposta condessa. Será que isso fazia parte de alguma estratégia que o ajudaria a descobrir a verdadeira identidade de Marguerite?

No momento em que a carruagem parou em frente à loja de Cyril Montague, toda decorada com vasos de gerânios vermelhos, Emily notou que lorde Berrington e Marguerite pareciam apreensivos. Apesar de ficar ainda mais desconfiada, ela aceitou a ajuda que James lhe ofereceu para descer do veículo e deixou que ele a conduzisse à entrada da loja.

Foi então que, através da vitrina, Emily avistou um homem usando um chapéu preto enfeitado com uma. fita amarela. Era Grimstead! No mesmo instante, ficou paralisada de susto.

— O que aconteceu? — perguntou lorde Berrington. — Você está bem?— Eu... senti uma tontura repentina... — respondeu Emily, com voz fraca.Um calafrio percorreu-lhe o corpo. Será que James e Marguerite haviam descoberto sua ligação

com Grimstead e insistido em levá-la até a loja só para provocar um confronto entre os dois? Não, impossível, eles jamais seriam tão cruéis!

— Apóie-se em mim, Emily — disse lorde Berrington, preocupado. — Deveríamos ter seguido seu conselho em ficado em casa. Você tem trabalhado demais, ultimamente, deve estar cansada.

— Leve Emily de volta para a carruagem, meu filho — disse Marguerite. — Eu me juntarei a vocês daqui a pouco.

James pareceu meio receoso de deixá-la entrar sozinha na loja, mas acabou assentindo sem fazer nenhum comentário.

Assim que entraram na carruagem, ele tomou o rosto de Emily entre as mãos.— Ah, você já parece bem melhor. Deixou-me muito preocupado, sabia?Ela tentou sorrir ao argumentar:— Foi apenas um mal-estar passageiro, nada mais... James, não deveríamos deixar a condessa

sozinha.— Tem razão. Vou atrás dela e volto num minuto.

43

Page 44: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

Uma vez sozinha, Emily recostou a cabeça no encosto do banco aveludado da carruagem e suspirou.

Por sorte, Grimstead não a vira. Ah, se ao menos tivesse coragem de contar tudo a James... Mas não podia fazê-lo, pois temia perder seu respeito. Além disso, Grimstead jurara prejudicar as outras costureiras caso ela lhe causasse problemas... A única solução era arranjar dinheiro para saldar sua dívida com Grimstead, ou então fugir para um lugar afastado onde ele jamais pudesse encontrá-la!

Os tristes devaneios de Emily foram interrompidos pela chegada de Marguerite e lorde Berrington. Nenhum dos três passageiros da carruagem falou muito durante o caminho de volta à mansão.

CAPÍTULO X

Ao chegarem em casa, Emily entregou seu casaco a Fredericks e começou a subir a escada. Lorde Berrington chamou-a:

— Gostaria de falar com você na biblioteca. Por favor, venha.Algo na maneira com que ele pronunciou tais palavras a fez estremecer. Ela olhou para

Marguerite e a viu selecionar alguns pacotes de compras antes de encaminhar-se para a biblioteca.

— O que está acontecendo, James? Sei que você e a condessa estão tramando algo, desde hoje de manhã.

Ele forçou um sorriso.— Você é muito desconfiada, Emily. Temos algumas coisas para lhe mostrar, só isso.

Encontraram Marguerite sentada à mesa da biblioteca, com os embrulhos que selecionara diante de si. A idosa senhora sorriu para James, perguntando:

— Primeiro você?— Primeiro as damas, condessa — respondeu ele, com uma inclinação de cabeça.— Muito bem, então. Emily, minha querida, isto é para você —disse Marguerite, entregando-lhe

um dos embrulhos. — Abra-o. Mal posso esperar para ver sua reação!Emily olhou de um para o outro. Sem dizer nada, abriu o pacote com cuidado.— Sapatos! E justamente da cor que combina com meu novo vestido! — exclamou ela, quando

viu o conteúdo da caixa. — Mas eu não entendo! Por que estão me dando isso?A suposta condessa deu-lhe um beijo carinhoso no rosto.— É apenas um presente, minha querida. Pedimos que os sapatos fossem confeccionados

especialmente para você.— São lindos! Eu... não sei como agradecer...— Os sapatos são um presente da condessa — disse lorde Berrington, entregando-lhe um estojo de

veludo. — E este é o meu presente.— Mas o que é isso? Não posso aceitar... — protestou Emily.— Claro que pode. Nunca recuse um presente antes de vê-lo.Relutante, ela abriu o estojo e viu um belíssimo broche de pérolas e brilhantes. Olhou para lorde Berrington, que sorria satisfeito, e balançou a cabeça:— Você está brincando comigo, James?— Não.

Mas não posso aceitar um presente tão caro! Marguerite interveio:— Não seja tola, menina! É claro que pode! Agradeça a James e aceite logo o presente!Emily enrubesceu e murmurou, por fim:— Obrigada, James.— Só isso? — reclamou ele. — Não ganho nem um beijo?Emily tornou a corar e olhou para Marguerite.— Vá em frente, querida! — exclamou a mulher mais velha. —Não precisa de minha

permissão!James inclinou a cabeça e Emily roçou-lhe os lábios no rosto.— Obrigada — repetiu baixinho.— O prazer foi todo meu, não precisa agradecer.Mais tarde, sozinha em seu quarto, Emily teve de admitir para si mesma que ficara um tanto

decepcionada. Por um instante, pensara que James fosse pedi-la em casamento. É claro que o pensamento era ridículo. Ele tinha tudo para oferecer a ela, mas ela não tinha nada para oferecer-

44

Page 45: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

lhe em troca. A sociedade nunca o perdoaria por casar-se com uma pobretona, ainda por cima viúva e ameaçada de acabar seus dias na prisão.

Ela segurou o broche na palma da mão, e era como se o brilho que vira nos olhos de James quando ele lhe dera a jóia estivesse re-fletido em cada brilhante.

Certa tarde, enquanto a condessa cochilava e lorde Berrington tratava de negócios no centro da cidade, Emily saiu de carruagem. O dia do vencimento do aluguel de seu quarto na pensão estava próximo, e ela precisava tomar uma decisão. Detestava correr o risco de ser descoberta por Grimstead retornando à pensão, mas não podia abandonar suas coisas lá; talvez voltasse a precisar delas, algum dia.

Apenas quando o senhorio abriu a porta para recebê-la foi que ela se deu conta de que estava bem vestida demais para quem havia saído dali com roupas simples, há poucas semanas atrás.

O homem observou-a de cima a baixo, com olhar desconfiado.— Ora, se não é a sra. Merriweather! Minha mulher estava preocupada com a senhora.— Obrigada, sr. Jepson. É muita bondade de sua esposa estar preocupada comigo, mas estou

muito bem.— Sim, estou vendo.

— Vim aqui para devolver-lhe a chave e pegar minhas coisas. Meu aluguel vence amanhã, mas não vou mais precisar do quarto, pelo menos por enquanto, Quer dizer que a senhora conseguiu ganhar dinheiro?— Não, estou morando com amigos.— Oh, por falar nisso, um de seus "amigos" esteve aqui perguntando pela senhora, há alguns

dias. Ele estava muito ansioso para encontrá-la, pelo que percebi.Emily estremeceu diante do tom com que o senhorio pronunciou a palavra "amigo", mas

procurou manter-se calma.— Ele disse como se chamava? — indagou. — O senhor pode descrevê-lo?— Ele não disse o nome. Era gordo, e usava um chapéu preto com fita amarela. Não me pareceu

ser um cavalheiro.— E o que ele disse ao senhor?— Que iria voltar para procurá-la.— Se isso acontecer, diga a ele que fui embora de Londres, por favor.— Talvez eu me lembre de dar o recado se a senhora me der algum dinheiro...Emily suspirou e tirou algumas moedas da bolsa.— Isso é tudo que tenho, sr. Jepson.O homem resmungou, desapontado com a quantia que recebera.Quando Emily chegou à mansão, lorde Berrington já havia voltado. Ela pediu a um criado que

levasse a mala que trouxera para o quarto e dirigiu-se à biblioteca. Encontrou James andando de um lado para outro, parecendo preocupado.

— Onde esteve? — indagou ele assim que a viu. — Não sabe que pode prejudicar sua reputação, andando por aí desacompanhada?Deveria ter me consultado, antes.

— Não sabia que precisava de sua permissão para sair — retrucou ela, altiva.— Por Deus, Emily, como você deturpa minhas palavras! É claro que não precisa de minha

permissão para utilizar a carruagem e ir onde quiser. Fiquei preocupado com você, só isso. O cocheiro é experiente, mas uma dama sozinha é responsabilidade demais para ele. Onde você foi?

— Fui à pensão onde morava para pegar meus pertences. O aluguel do quarto vence amanhã.— Eu teria ido com você, se quisesse.— Preferi ir sozinha.- Está guardando segredos de novo, não é?

— Não. Trata-se apenas de uma parte de minha vida que não lhe diz respeito.— Pois eu quero que me diga respeito!— Sinto muito, mas é assim que tem de ser.— De que tem tanto medo, Emily? Diga-me! Juro que tentarei ajudá-la.— Ninguém pode me ajudar. É melhor esquecer.Ele segurou com força o espaldar de uma cadeira.— Você matou alguém, Emily?— Oh, James! Como pode dizer isso? Já não me conhece o suficiente para saber que eu nunca

faria uma coisa dessas?

45

Page 46: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

— Confesso que venho tentando conhecê-la melhor, mas você não me dá muita oportunidade. Pelo modo como age, acho que só um assassinato ou coisa parecida poderia fazê-la ter tanto receio de se abrir comigo. — Ele aproximou-se e tomou as mãos dela entre as suas. — Emily, eu me preocupo com você. Não deixarei que nada de mal lhe aconteça. Vamos, confie em mim.

Com os olhos cheios de lágrimas, ela balançou a cabeça num gesto de negação.Lorde Berrington fitou-a em silêncio por um longo instante. Em seguida, inclinou a cabeça

lentamente, até que seus lábios encontraram os dela. Beijou-a com carinho, e ao mesmo tempo com posses-sividade.

Emily precisou de toda sua força de vontade para afastar-se dele. Levou as mãos trémulas ao rosto, tentando recompor-se.

— Por... por favor, não faça isso comigo, James.— Minhas desculpas — disse ele, sério. — Devo entender que a profunda afeição que sinto por

você não é correspondida?Ela sentiu uma imensa vontade de tocá-lo, mas conteve-se no último instante, com receio de não

conseguir controlar-se mais.— Não seria honesta se dissesse que não correspondo a seus sentimentos. Mas encontros como o

nosso só acabam em problemas, será que não percebe? Na minha posição, não posso me ligar a ninguém!

Emily pegou as luvas e a bolsa que deixara sobre a mesa e dirigiu-se à porta. Antes de sair, virou-se para dizer algo, mas a dor que viu estampada nos olhos dele a impediu de falar.

Lorde Berrington observou-a deixar a biblioteca em silêncio e soltou um profundo suspiro de tristeza. Se Emily não estava disposta a confiar nele e revelar o motivo que a impedia de corresponder plenamente aos sentimentos que lhe dedicava, seria obrigado a descobrir por conta própria o segredo que ela escondia...

Durante os dois dias que se seguiram, Emily quase não viu lorde Berrington. Encontravam-se apenas durante as refeições, quando ele se mostrava distante, distraído. Até mesmo Marguerite chegou a notar que ele estava mais sério, retraído.

Na noite em que a carruagem os conduzia à mansão dos Lieven, para o Baile Romano, Marguerite comentou, ao vê-lo sorrir de um comentário engraçado que havia feito:

— Meu filho, é tão bom vê-lo contente outra vez! Cheguei a pensar que seu senso de humor houvesse desaparecido para sempre.

— Tive alguns problemas para resolver, sei que andei meio tenso. Mas garanto que nada irá aborrecer-me esta noite — respondeu ele. — Ainda mais estando eu em companhia de duas damas tão encantadoras!

A mansão Lieven estava toda iluminada por lanternas a gás, colocadas a intervalos regulares pelo jardim. Longas mesas, repletas de deliciosas iguarias, eram servidas por criados vestidos em estilo romano.

Emily entrou no salão de braço dado com lorde Berrington.— Estou me sentindo como se tivesse acabado de entrar em um mundo de sonhos — comentou

ela.— A decoração da festa combina com sua aparência, esta noite. Parece que você veio de um

outro mundo, o mundo dos deuses...— murmurou James.Marguerite puxou-lhe o braço.— Veja! Aquela não é a princesa Caroline, dançando com um turco de turbante vermelho, no

terraço?— Acho que sim — respondeu ele. — A propósito, lembre-se de prometeu comportar-se bem

esta noite e não fazer nada embaraçoso. Não exagere na bebida!— James, você está me ofendendo —- retrucou a suposta condessa, com altivez.— Só estou tentando evitar que passemos por um vexame.— Por acaso não tenho me comportado com dignidade nas últimas semanas, meu filho?Lorde Berrington foi salvo de ter que dar uma resposta pela aproximação da condessa Lieven.— Minhas queridas amigas! — exclamou a dama, saudando Emily e Marguerite. — Que bom que

vieram! E você está um charme, James. Se não estivesse tão enfeitiçado por lady Emily, confesso que hoje eu tentaria conquistá-lo! — brincou a idosa senhora.

Emily sorriu.— Condessa! Logo a senhora, uma mulher casada?— Oh, não faz mal nenhum flertar de vez em quando, não acha?

Venha, quero apresentar-lhe a duquesa de Carlton, que andou perguntando por você. Lady Marguerite, gostaria de nos acompanhar?

46

Page 47: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

Emily lançou um olhar de desamparo a James ao ser conduzida para o meio do salão pela condessa Lieven. Ele fez menção de segui-la, mas foi logo interceptado por uma dama acompanhada de sua jovem filha.

Uma pequena orquestra, posicionada na varanda, animava as pessoas que dançavam no jardim. Emily foi apresentada ao barão Von Kirken, amigo da duquesa de Carlton, que convidou-a para dançar. Era um homem bastante simpático, mas o modo como começou a flertar abertamente com ela deixou-a pouco à vontade.

Quando o barão a convidou para uma segunda dança, Emily bateu de leve no ombro dele com o leque, fingindo zanga.

— Francamente, milorde! Sabe muito bem que se eu dançar duas vezes seguidas com o senhor minha reputação ficará comprometida!

— Essa regra seria válida em Londres, minha cara. Mas, olhe a nossa volta! Estamos em Roma, não estamos?

— Sim, tem razão, mas lembre-se do que aconteceu ao Império Romano, mein HerrlEle fez uma mesura.— Como quiser, milady.Logo Emily foi convidada para outras danças, e assim a noite foi transcorrendo. Em dado

momento, ela conseguiu avistar James em meio à multidão de convidados.No mesmo instante ele pareceu pressentir que ela o observava e também fitou-a de longe,

lançando-lhe um sorriso estonteante. Emily percebeu que James se esforçava para aproximar-se dela, mas era difícil abrir caminho entre aquele mar de gente. Depois de um minuto, perderam-se de vista.

E onde estaria lady Marguerite? Emily começou a preocupar-se e resolveu ir procurá-la.De repente, sentiu alguém tocar em seu braço. Voltou-se, sobressaltada.— Oh, James! É você.— Quem mais pensou que fosse? Emily, a primeira dança deveria... deveria ter sido minha,

sabia?— Desculpe, mas você estava do outro lado do salão.— Você poderia muito bem ter esperado por mim. Dançaremos

a próxima valsa, então.— Já prometi a próxima valsa para sir Geoffrey.— Volte atrás, oras!— Não posso! Sabe que seria uma ofensa!— E quanto a mim? Posso... posso ficar ofendido, também!— Oh, você está parecendo uma criança mimada. — Ela fitou-o, desconfiada: — Por acaso andou

bebendo mais do que devia, James?— Apenas o suficiente para... para evitar algumas damas aborrecidas. E eu vi muito bem o

modo como... como o barão Von Kirken estava olhando para você. Parecia uma criança olhando com gulodice para um doce!

— Não seja ridículo, James! Diga-me, você viu a condessa? Estou preocupada com ela.— Não, não vi. E como sir Geoffrey parece ter esquecido que valsaria com você, talvez... talvez

fosse melhor irmos procurar Marguerite.Tudo que os dois tiveram de fazer foi seguir em direção à cantoria que vinha da sala de visitas.

Uma carruagem em estilo romano havia sido colocada a um canto do aposento, como parte da decoração da festa. Várias pessoas estavam agrupadas em volta do veículo, cantando alto e batendo palmas.

Emily olhou para a carruagem e ficou boquiaberta.— Céus, acho que também bebi mais do que devia! Devo estar imaginando coisas —

murmurou para si mesma. Em seguida, voltando-se para lorde Berrington, comentou: — Por um momento cheguei a pensar que sua mãe estivesse em cima daquela carruagem!

— Engraçado... Eu também pensei ter visto a mesma coisa... —disse ele.Emily empalideceu.— Oh, Deus, não pode ser! — Voltou a olhar para a carruagem.

— Olhe só para a condessa! Está sacudindo aquela folha de palmeira como se fosse um chicote! Por que ela não dormiu em uma poltrona depois de beber algumas taças de vinho, como sempre faz?

Emily e lorde Berrington observavam a cena, sem saber o que fazer, quando uma mulher subiu na carruagem e sentou-se na boleia ao lado de Marguerite, gritando:

— Vite, vite!Era a princesa Caroline, que estava vivendo separada do príncipe regente!

47

Page 48: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

Enquanto isso, a suposta condessa continuava agitando a folha de palmeira, chicoteando um cavalo imaginário.

Horrorizada, Emily abriu caminho em meio à multidão e tentou convencer Marguerite a descer do veículo.

— Ajude-me a tirá-la daqui, James! — pediu ela. — Precisamos por um fim nisso!Lorde Berrington foi auxiliá-la, mas a tarefa não era tão fácil quanto parecia. Ele estava zonzo e não

conseguia mover-se direito no meio de toda aquela gente. Por fim, conseguiram tirar Marguerite da carruagem, enquanto a princesa Caroline gritava:

— Não a levem embora! Quem irá chicotear os cavalos, agora?— James, vamos sair logo daqui! — implorou Emily, aflita. —Estou pressentindo que essa

festa vai terminar em escândalo!Vacilante, ele segurou o braço da suposta condessa e conduziu-a até a porta de saída, seguido

por Emily.— Ei! Es-espere um pou-pouco! — gaguejou Marguerite, entre risos. — Não posso sair assim,

sem meu cavalo!

Fredericks atendeu rapidamente ao chamado de Emily e ajudou-a a levar os dois personagens embriagados para a biblioteca.

— Peço desculpas pelo comportamento de milorde, lady Emily.Eu nunca o tinha visto bêbado desse jeito! — exclamou o mordomo, embaraçado.

— Não se preocupe com isso, Fredericks. Por favor, vá pedir à cozinheira que prepare um café bem forte para lady Marguerite e lorde Berrington.

A suposta condessa tentou fixar o olhar enevoado no rosto de Emily.— Você foi mu-muito indelicada com... com a princesa! Caroline é uma velha amiga minha!— A princesa Caroline é sua... sua amiga? — perguntou James, mal abrindo os olhos. — Então

a senhora logo será convidada para visitar o Kensington Palace. Talvez seja até apontada como...como a herdeira desaparecida do trono!

— Ou talvez o príncipe regente decida conquistar-me! — exclamou Marguerite, sem conseguir parar de rir. — Disseram-me que ele gosta de... de mulheres mais velhas...

Emily ficou furiosa.— Vejam só o modo como vocês estão falando! Nunca ouvi tantos absurdos em toda minha

vida! Parem com isso agora mesmo!Marguerite e James continuaram a rir. Emily foi até um canto da sala, onde havia um grande espelho montado numa estrutura de madeira entalhada. Arrastou o espelho até deixá-lo diante do sofá on de lorde Berrington e a suposta condessa estavam sentados.

— Olhem só para vocês dois! — ralhou Emily, indignada. — Não têm vergonha do que vêem?Marguerite bocejou. Recostando-se no sofá, adormeceu logo em seguida.James arregalou os olhos, parecendo ficar sóbrio de repente. Ficou de pé e olhou-se ao espelho.— Meu Deus! — exclamou, espantado. — Não posso acreditar no que vejo! Eu nunca havia me

dado conta, mas... Sou fisicamente parecido com Marguerite!— De fato, James. E o que é pior, esta noite você agiu exatamente como ela — disse Emily.

CAPÍTULO XI

James foi incapaz de afastar-se do espelho. Sua semelhança com a condessa assustou-o.— Não é verdade. Não pode ser verdade. Eu saberia se ela fosse minha mãe... não saberia?Emily fitou-o, compreensiva.— Pelo visto, você já está recuperando a sobriedade... Ah, veja, Fredericks já chegou com o

café. Acho bom você tomar um pouco.Lorde Berrington segurou com mãos trémulas a xícara que o mordomo lhe ofereceu antes de

deixar a biblioteca.— Estou me sentindo como se estivesse em um pesadelo... — comentou ele, após tomar um gole

da bebida fumegante.— Tudo isso é real, James. Você precisa encarar a realidade. Ficar embriagado não irá ajudá-lo a

resolver o problema. — Emily colocou mais um pouco de café na xícara e prosseguiu: — A verdadeé que já teve provas mais que suficientes de que Marguerite é sua mãe. Por que continua a negar

48

Page 49: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

isso?Ele terminou de tomar a segunda xícara de café e colocou-a sobre a mesa, suspirando.— Foi o vinho, ou eu vi mesmo Marguerite em cima de uma carruagem romana, fingindo dar

chicotadas em um cavalo invisível?— Você viu mesmo tudo isso.— Nesse caso, não preciso dizer mais nada. Minha mãe era uma dama, jamais se sujeitaria a

oferecer um espetáculo ridículo desses!— A pobreza modifica o comportamento das pessoas, James. A não é mais a mesma mulher

que era há dezessete anos.— A pobreza também modificou seu comportamento, Emily?— Claro que sim. Antes, eu não fazia ideia do extremo a que as pessoas podem chegar para

sobreviver.Lorde Berrington pressionou as mãos contra as têmporas.

— O seu caso é diferente — disse ele. — A pobreza não a fez esquecer sua boa educação. Nunca a vi agindo com deselegância...Céus, eu não deveria ter tomado todo aquele vinho... Minha cabeça está estourando. — Ele ficou de pé. — Lamento ter estragado a festa para você, Emily. O que não deve estar pensando de mim, agora?

"O que eu penso de você?", perguntou-se Emily, sorrindo com tristeza. Se confessasse o quanto o amava, iria sentir-se ainda mais arrasada quando ele descobrisse a verdade a seu respeito e passasse a desprezá-la.

— Penso que você está precisando de uma boa noite de sono —respondeu ela, por fim. — E a condessa também. Chamarei Millie e Fredericks para ajudá-los a subirem para seus quartos.

Quando Emily desceu para o café, na manhã seguinte, Fredericks informou que James havia saído. Como Marguerite ainda estava dormindo, ela sentou-se à mesa para tomar o desjejum sozinha.

Estava servindo-se de uma xícara de chá quando James entrou de repente na sala, carregando um enorme buque de lírios brancos. Ao vê-la, saudou-a com uma leve inclinação de cabeça.

— Emily, peço desculpas por meu comportamento de ontem à noite. — Entregando-lhe o buque, completou: — Aceite estas flores como sinal de meu arrependimento.

— Oh, são lindas, James! Obrigada.— Torno a pedir-lhe desculpas, Emily. Não sei o que aconteceu comigo. Nunca bebi daquele

jeito, antes!— O que o fez beber tanto?— Foi o fato de ter que aceitar Marguerite como minha mãe, suponho.— Tem certeza de que foi só isso?— Bem... Ver você nos braços de outros homens, dançando, também me fez perder o auto-

controle.— Ora, você deve estar brincando!

Não, não estou. — Lorde Berrington estreitou os olhos. Sentou- se e puxou a cadeira mais para perto da mesa. — Emily, acredita mesmo que Marguerite pode ser minha mãe?

— Eu... eu gostaria de poder dizer que sim, que tenho certeza absoluta. Muitas vezes não tenho a menor dúvida; outras vezes, porém, imagino se não estou querendo acreditar nela apenas poradmirar sua coragem e senso de humor. — Ela tomou um gole de chá e prosseguiu: — No fundo, só tenho certeza de uma coisa, James. Você não poderá continuar com essa dúvida por muito mais tempo. Terá de tomar, sem demora, a decisão de aceitá-la ou não como sua mãe.

Ele balançou a cabeça, desanimado.— Não posso. Há algo mais importante que preciso resolver primeiro.— O que pode ser mais importante do que entender-se com sua mãe?— Não posso falar ainda. Tenho um sério problema a resolver, antes de conversarmos a

respeito. Um problema que diz respeito a nós dois. Antes que Emily pudesse dizer qualquer coisa, lorde Berrington levantou-se e saiu.

As duas horas seguintes foram as piores da vida de Emily. Ela adivinhou que James iria pedi-la em casamento, mas sabia que não poderia aceitar o pedido a menos que lhe falasse sobre Cyrus Grimstead. E isso era impossível. Se Grimstead cumprisse as ameaças que fizera, a vida de muitas mulheres seria prejudicada...

49

Page 50: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

Emily estava arrumando algumas flores em um vaso da sala de visitas, procurando distrair-se, quando ouviu uma carruagem aproximar-se da casa. Ajeitou os cabelos, beliscou as faces para deixá-las coradas e afofou a saia do vestido florido que estava usando.

A porta foi aberta e ela virou-se, cheia de expectativa. Devia ser James, de volta da rua. Para sua decepção, contudo, foi Fredericks quem entrou no aposento.

— Com licença, milady. Há um cavalheiro que insiste em vê-la.— Ele entregou-lhe algum cartão?— Não, milady. E também não quis dizer o nome.— Nesse caso, creio que não é apropriado recebê-lo. O cavalheiro disse o que quer?— Eu perguntei, mas ele...Passos apressados soaram no corredor. O mordomo saiu correndo da sala e Emily o ouviu

dizer:Escute aqui, o senhor não pode ir entrando desse jeito!Ignorando os protestos de Fredericks, Cyrus Grimstead entrou na sala. Emily sentiu as pernas vacilarem, e precisou apoiar-se no espaldar de uma cadeira para conseguir continuar de pé.— Ah, aí está a senhora! — exclamou Grimstead. — Gostaria de lhe falar, se for possível.Ela sentiu que não tinha outra opção, a não ser conversar com o desagradável homenzinho.

Fez um sinal, indicando a Fredericks que podia deixá-los a sós. O mordomo retirou-se, relutante.

Grimstead ajustou a gravata e tirou o chapéu, dizendo:— Sábia decisão, senhora. Não se preocupe, não vou me demorar muito. Sabe que há mais de

um mês estou tentando encontrá-la?Foi difícil seguir seu rastro! Só espero que não tenha esquecido do dinheiro que está me devendo...

Emily falou rápido, na esperança de dispensá-lo antes que James voltasse.— Já lhe disse que não tenho como pagá-lo, sr. Grimstead. O senhor enganou a mim e às outras

costureiras que trabalham no seu ateliê. O preço que o senhor cobra pelas refeições e pelos quartos daquela espelunca que nem pode ser chamada de pensão é alto demais! Não sei como tem coragem de obrigar as costureiras a viverem desse jeito apenas para não perderem o emprego!

— Ora, a senhora nunca reclamou de nada enquanto esteve lá!Agora quero que pague logo o dinheiro que me deve e mais trinta por cento de juros pelos problemas que me causou.

Ela arregalou os olhos.— Onde o senhor pensa que conseguirei dinheiro para pagá-lo?

Esta casa não é minha. Não tenho nada de meu, a não ser algumas roupas velhas e uns poucos livros.

— Então é melhor ir se acostumando com a ideia de passar o resto de seus dias na prisão! — Grimstead riu. — Talvez consiga se dar bem, se um dos guardas gostar da senhora e arranjar-lhe outro tipo de ocupação...

— Oh! Saia já daqui, seu insolente!— Para dar-lhe outra chance de escapar? Não, minha cara. Ficarei aqui até que devolva meu

dinheiro, com juros!— Eu... Preciso de algum tempo para arranjar a quantia que o senhor está exigindo.— Não confio na senhora, mas... Vou lhe fazer uma proposta.

Convença suas amigas da nobreza a encomendarem vestidos em minha loja, e considerarei sua dívida paga.

Emily encarou-o em silêncio e ele prosseguiu:— Quero que sejam encomendados no mínimo seis ou sete vestidos de baile, em materiais caros

como seda, cetim, veludo, renda austríaca, brocado francês...— E como posso saber se o senhor considerará a dívida realmente paga?— Dou-lhe minha palavra de honra. — Grimstead riu, sarcástico. — A senhora terá quatro

semanas. Se dentro desse prazo os vestidos ficarem prontos e a senhora me mostrar as notas de compra com meu nome impresso no alto, considerarei a dívida paga.

— Está bem, verei o que posso fazer — murmurou Emily, desesperada para livrar-se logo do inescrupuloso comerciante.

— Ótimo! E se fugir outra vez de mim, não serei tão generoso quanto estou sendo neste momento, entendeu?

— Nossa conversa já está encerrada, sr. Grimstead. Agora vá embora!— Eu vou, mas se não começar a receber logo os pedidos dos vestidos, pode estar certa de que

voltarei.

50

Page 51: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

Quando Grimstead abriu a porta da sala encontrou Fredericks do lado de fora, pronto para acompanhá-lo até a saída.

Assim que os dois homens se afastaram Emily segurou a cabeça entre as mãos, em completo desespero. Grimstead a encontrara, e dessa vez ela não tinha a menor chance de fugir!

De repente, Emily ouviu som de passos no aposento. Ao abrir os olhos, viu James a seu lado. Ele tomou as mãos dela entre as suas, indagando:

— Por que não me contou antes?— Contar o quê? — murmurou Emily, tentando esconder sua aflição.— Por favor, chega de segredos. Está na hora de acabarmos com esse jogo. — Ele indicou com

um gesto de cabeça a porta que ligava a sala de estar à de jantar. — Eu estava atrás da porta, pude ouvirtudo. E tem mais, conheço Grimstead e sei que é um patife!

— Oh, James... Eu não queria envolvê-lo nessa história sórdida!O que vou fazer agora?

— Não se preocupe, eu pagarei o que você deve a Grimstead. Tudo que ele quer é o dinheiro. O homem é um jogador inveterado, deve estar precisando saldar dívidas de jogo.

Emily empalideceu.— Como sabe disso, James?— Andei fazendo algumas investigações.— Por quê? O que Cyrus Grimstead tem a ver com você?Lorde Berrington franziu as sobrancelhas.— Grimstead não tinha nada a ver comigo até o dia em que você deixou cair no chão o cartão

com o nome dele. Você estava tão assustada que desconfiei que Grimstead tivesse alguma ligação com seu passado. — Sua voz soou terna. — Não permitirei que ele a magoe mais, Emily. Deixe-me cuidar desse assunto para você.

— Não! Não posso deixar que assuma minha dívida!— É claro que pode! — Segurando o rosto dela entre as mãos, implorou: — Pelo amor de

Deus, conte-me a verdade, Emily. Que terrível segredo é esse que guarda escondido de mim desde que chegou à minha casa

Ela hesitou por um instante, mas acabou confessando a verdade.— Grimstead ameaçou-me. Disse que se eu contasse a alguém o que havia acontecido, iria

vingar-se de mim através das outras costureiras que ainda trabalham para ele. Não posso deixar que ele faça isso! Grimstead mandaria as costureiras para a prisão! — As lágrimas, contidas por tanto tempo, começaram a rolar em suas faces. — Será que não entende, James? Mesmo que eu pague o que devo a Grimstead, tenho certeza de que ele não me deixará em paz!

— Quantas mulheres trabalham para o miserável?— Nove. Sete costureiros são jovens, duas já são idosas. Não sei por quanto tempo elas ainda

irão resistir...Lorde Berrington abraçou-a.— Confie em mim, darei um jeito nisso.Ela deixou-se aconchegar ao peito dele por alguns segundos, mas depois afastou-se e indagou,

aflita:— Sei que tem boas intenções, James, mas como poderá ajudar?

Não há nada que você possa fazer. Se resolver enfrentar Grimstead de modo direto, as costureiras serão prejudicadas.

— Confie em mim — repetiu lorde Berrington. — Há várias maneiras de se vencer uma guerra, minha querida... Acho que herdeio instinto de sobrevivência de minha mãe.

— Sua mãe? James! Está insinuando que decidiu admitir que a condessa é mesmo sua mãe?Ele suspirou.— Bem... Conversei com meus advogados, e nenhum deles parece concordar comigo quando

digo que ela não é quem afirma ser.De qualquer modo, estou quase convencido a aceitá-la aqui em casa de modo permanente.

— Já deu a notícia a ela?— Ainda não estou preparado para fazer isso, agora. Pensei que talvez fosse uma boa ideia

oferecer um baile, dentro de uma ou duas semanas, para dar a notícia à sociedade. Creio que a condessa irá preferir algo assim, bem extravagante, em vez de um simples anúncio informal.

Emily ficou na ponta dos pés e beijou-o no rosto.— Sim, a condessa irá adorar a surpresa. Oh, estou tão feliz por vocês dois! Tenho certeza de

que não irá se arrepender dessa decisão, James!— Pois acho que irei me arrepender, sim, sempre que nós precisarmos tirá-la de alguma situação

embaraçosa ou afastá-la das garrafas de bebida.

51

Page 52: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

— Nós? Mas não posso ficar aqui por mais tempo, James. Preciso cuidar da minha vida, e...— Como minha esposa, você terá de ficar para sempre, Emily.Ela levantou o rosto para fitá-lo e murmurou, com voz trémula:— Como eu gostaria que isso pudesse acontecer... Mas ambos sabemos que é impossível.— Tolice! Eu te amo, Emily, não posso mais viver sem você.Ela forçou um sorriso.— Eu também te amo, James. Amo tanto que não posso permitir que se responsabilize por

meus problemas. Não posso me casar com você até encontrar uma maneira de me livrar de Grimstead.

— Então está na hora de começarmos a fazer planos para que Grimstead nunca mais a perturbe...

Ao terminar de falar, lorde Berrington inclinou-se e beijou-a apaixonadamente. Emily deixou-se ficar nos braços dele, experimentando a maravilhosa sensação de amar e ser amada.

— Por favor, diga que estamos juntos nisso — pediu James, emocionado. — Diga que, de agora em diante, tudo que fizermos será com a ajuda um do outro.

— Não posso lhe prometer nada, querido. Preciso de tempo para pensar.— Você já teve cinco minutos, tempo mais que suficiente para chegar a uma decisão. E então, o

que me diz?— Eu... Bem... Minha resposta é sim, estamos nisso juntos. Mas com uma condição, a de

mantermos nosso amor em segredo até que eu tenha conseguido livrar-me de Grimstead.— Nesse caso, precisamos nos livrar dele o quanto antes, meu amor!O plano para afastar Grimstead da vida de Emily começou a tomar forma logo no dia seguinte.

Nele foi incluído o grupo de senhoras que se reuniam para confeccionar chapéus, que agora já contava com sete membros. Para colocá-lo em prática, foi necessário contar às damas o que estava realmente acontecendo. James encarregou-se de fazê-lo, explicando o problema de Emily e o modo como pretendiam punir Grimstead. Ficou acertado que tudo giraria em torno da festa que seria dada no dia vinte e quatro, na mansão Berrington.

Marguerite demonstrou interesse imediato pela ideia:— Uma festa, James? Que ótimo! Espero que dessa vez seja uma festa dançante!— E será. Mas nada de gladiadores romanos ou carruagens na sala de estar! — exclamou ele,

rindo.Emily e James trocaram um olhar furtivo. Ambos pensavam no quanto Marguerite ficaria

encantada ao saber que a festa seria oferecida a ela, como uma homenagem ao seu retorno ao lar.

As outras damas também ficaram entusiasmadas com o plano, mas Emily duvidava que fossem capazes de mantê-lo em segredo. Ao revelar seus temores à condessa Lieven, esta lhe respondeu:

— Não precisa se preocupar, minha querida. Eu disse a elas que a primeira a dar com a língua nos dentes seria expulsa do nosso "Clube do Chapéu", e nenhuma delas está disposta a correr esse risco.A propósito, quando será nosso encontro com o sr. Grimstead?

— Amanhã — respondeu James, que participava da conversa. —Não temos tempo a perder. As senhoras irão à loja dele, não mais que duas de cada vez, e encomendarão os vestidos para a festa. Escolham modelos simples, mas os tecidos devem ser os mais caros da loja. Não esqueçam de mencionar que foi lady Emily Merriweather Harding quem indicou a loja. Certifiquem-se também de que os vestidos ficarão prontos no dia vinte e três. Eu pagarei todas as despesas, é claro.

Emily fitava lorde Berrington com ar de adoração enquanto ele contava o resto do plano, dizendo que havia enviado um homem de sua confiança para averiguar as noites em que Grimstead se ausentava da loja.

Quatro dias depois, James e Emily foram visitar as costureiras numa noite em que Grimstead estava ausente da loja.

Assim que entraram em contato com as costureiras, Emily deu-se conta de que, se não fosse pela ajuda de James, o plano estaria fadado ao fracasso antes mesmo de ser posto em ação.

As mulheres ficaram muito desconfiadas, e com razão. Depois de anos sofrendo ameaças de Grimstead, era natural que não confiassem em alguém que aparecia de repente dizendo que iria ajudá-las. Mas, felizmente, James conseguiu aplacar os temores de todas as costureiras.

— Compreendo que estejam com receio de perder o emprego —argumentou ele, a certa altura da conversa. — Mas será possível que exista situação pior que esta na qual se encontram agora? Providenciarei alojamentos melhores para vocês, de graça, e lhes arranjarei outro emprego em condições mais dignas. Não posso prometer que ficarão ricas, mas juro que quando tudo isso acabar vocês estarão em melhor situação do que agora.

52

Page 53: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

Fez-se silêncio na sala de costura. Emily sentiu medo. Será que as mulheres se recusariam a cooperar com o plano? Foi então que Flora, a mais velha das costureiras, levantou-se e declarou, decidida:

— Eu confio no senhor, lorde Berrington. Aceito sua proposta.Priscilla, a mais nova de todas, manifestou-se em nome das outras:— Todas nós aceitamos sua proposta, milorde. A esperança de uma vida melhor é tudo que nos

resta, e é isso que o senhor está nos oferecendo.

CAPÍTULO XII

Flora contou que todas as damas que faziam parte do "Clube do Chapéu" haviam encomendado vestidos para o dia vinte e três. Grimstead, entusiasmado, recusara outros serviços menos lucrativos para poder terminar os vestidos a tempo.

— Perfeito, era isso mesmo que eu esperava — disse James. O plano já está dando certo. Vocês estão dispostas a nos ajudar?

Todas as costureiras assentiram. James sorriu.— Muito bem, eu tomarei providências para que os tecidos sejam entregues assim que os

vestidos forem cortados. Deixem tudo bem escondido quando Grimstead estiver presente. E lembrem-se,guardem segredo se quiserem que o plano seja bem-sucedido.

— Fique tranquilo, milorde, faremos tudo direitinho — garantiuFlora.

Pouco depois, enquanto a carruagem os conduzia de volta à mansão, Emily recostou a cabeça no ombro de James e ele a abraçou de modo carinhoso.

— Quando penso em você e em todas aquelas mulheres sendo exploradas por Grimstead, sinto vontade de matá-lo — comentou ele.

— A morte seria uma saída fácil demais para Grimstead. —Emily acariciou-lhe as mãos. — Você é maravilhoso, querido, sabia?

— Pretendo lembrá-la disso sempre, de agora em diante — disse lorde Berrington, sorrindo.— Quer dizer que precisarei ser lembrada? Por acaso tem intenção de não se comportar

direito? — perguntou ela, fingindo zanga.— Não é isso, meu amor. Apenas tenho a impressão de que iremos discordar em alguns

assuntos, às vezes.— Pouquíssimas vezes, espero! Mas já vou avisando que sua mãe tomará meu partido, quando

discutirmos.— É, receio que sim. A menos que...— Sim?Ele riu.— Você esqueceu que a chave da adega fica sempre comigo?— James, você é impossível! — exclamou Emily, também começando a rir.— Pretendo oferecer outro tipo de distração a minha mãe. Já notou como ela esquece a

garrafa de sherry quando está ocupada?— É verdade.— Pois bem, estou pensando em mandar construir outra estufa.— Oh, a condessa irá adorar a ideia! Você é um bom filho, James. Lamento apenas que tenha

se mostrado tão infantil e demorado tanto tempo para finalmente admitir que a condessa é realmente sua mãe.

— Cuidado, querida... Você se encontra numa posição muito perigosa para ficar me lembrando de que às vezes ainda ajo como um menino.

— Ora, você sabe que é verdade. É tão teimoso quanto um me nino mimado, quando as coisas não acontecem do jeito que você quer!

— Então tudo que precisa fazer é deixar que as coisas aconteçam como eu quero...Lorde Berrington acariciou o queixo de Emily com dedos gentis e, erguendo-lhe o rosto, beijou-

a com paixão.Emily estremeceu e correspondeu à urgência dos lábios de James, que exploravam os seus de um

modo cada vez mais íntimo.

53

Page 54: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

Em seguida ela afastou-se um pouco e fitou-lhe os olhos, que estavam escuros de desejo. Murmurou, ainda meio sem fôlego:

— Mil perdões, querido. Reconheço que estava errada. Você não é mais um menino...— Estou contando os dias até poder dar-lhe provas mais concretas disso — insinuou ele, com

voz rouca.Emily enrubesceu.— Oh! Mas que cavalheiro mais ousado! — exclamou ela, fingindo estar chocada.

As costureiras terminaram o trabalho no dia vinte e dois. As cópias dos vestidos que James lhes havia encomendado também ficaram prontas a tempo. Emily ficou mais aliviada ao ver que pelo menos metade do plano já estava completo.

Na noite desse mesmo dia, todas as damas do "Clube do Chapéu" reuniram-se na mansão Berrington para provar os vestidos. Para surpresa geral, os vestidos e suas cópias precisaram apenas de alguns poucos ajustes para ficarem perfeitos.

As senhoras estavam admirando-se aos espelhos da sala de costura quando James entrou no aposento e parou de repente, surpreso:

— Céus! Por acaso iremos receber a visita da rainha? Senhoras, tanta beleza e elegância deixa-me sem fala — disse ele, fazendo uma galante mesura.

As damas retribuíram o cumprimento com risos divertidos. Emily sorriu, satisfeita.— Elas estão mesmo encantadoras, não estão, James?A condessa Lieven ajustou a saia de seu vestido e, ainda olhando-se ao espelho, perguntou:— Você veio nos trazer os recibos dos vestidos, James?— Sim, milady. Todos devidamente assinados. — Ele espalhou os papéis sobre a mesa. —

Senhoras, peguem os recibos que trazem seus nomes. Tomem cuidado para não trocá-los, para não termos problemas mais tarde.

Emily pegou o recibo de Marguerite e o seu. Examinou-os com atenção.— James, como conseguiu isso? — indagou, espantada. — A assinatura é perfeita! Eu poderia

jurar que foi o próprio Cyrus Grimstead quem assinou estes papéis!James riu.

— Asseguro-lhe que não fui eu quem falsificou a assinatura de Grimstead. Meu cavalariço indicou-me alguém para realizar o trabalho. É claro que ninguém pode saber disso, além de nós.

Todas as damas juraram guardar segredo sobre a falsificação, e em seguida lady Jersey indagou:

— Muito bem, James, o que devemos fazer quando o sr. Grimstead for entregar nossos vestidos, amanhã?

— É muito simples, milady. Já que as senhoras possuem cópias dos vestidos que encomendaram, tudo que precisam fazer é fingir surpresa e dizer a Grimstead que os vestidos já foram entregues e pagos no dia anterior. Se ele duvidar, mostrem-lhe os vestidos e os recibos!

O dia vinte e três finalmente chegou. Emily mal conseguira dormir à noite. Quando lorde Berrington desceu para o café da manhã, ela já o esperava à mesa.

— Estou muito preocupada, James. Há um detalhe no qual não pensamos.Ele sentou-se e apoiou o queixo nas mãos, pensativo.— A data de nosso casamento, talvez?— James, estou falando sério!— Eu também. O que acha de marcarmos a cerimónia para daqui a um mês?— Eu... eu não sei o que dizer...— Diga "sim", querida.— Não me confunda, James! Estou preocupada com as costureiras. O que Grimstead fará com

elas, quando descobrir o que fizemos com ele?— Primeiro responda minha pergunta. Aceita casar-se comigo no mês que vem?— Sim, desde que...— Nada de condições, Emily. Apenas responda, sim ou não?— Querido, você bem sabe que eu te amo de todo o coração, mas... — Ela pretendia pedir

algum tempo para pensar, mas ao ver o modo esperançoso como ele a fitava, voltou atrás: — Está bem, meu querido, aceito. Se é isso que deseja, casaremos dentro de um mês. Lorde Berrington abraçou-a com força.

— Oh, Emily, eu te amo tanto! Prometo que irei fazê-la feliz.— Você já me fez feliz, meu amor. Porém, confesso que ainda estou preocupada com as

costureiras.

54

Page 55: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

— Pois não precisa afligir-se mais. Mandei uma carruagem ir buscá-las e trazê-las para cá, assim que Grimstead sair para entregar os vestidos.

— Elas virão para a sua casa?— Sim. Há alguns quartos desocupados na ala destinada aos criados. Não são luxuosos, mas

garanto-lhe que são bem melhores que os quartos da espelunca onde elas estão morando. As costureiras poderão ficar aqui até que Grimstead seja detido por não poder pagar suas dívidas de jogo e os tecidos que encomendou para fazer os vestidos. Depois disso, darei um jeito de arrumar emprego è moradia fixa para elas.

— Quanto tempo você acha que Grimstead irá demorar para vir aqui, para entregar meu vestido e o da condessa?

— Não sei. Mas pode ter certeza de que ele não demorará muito.

Três horas depois, Emily ouviu a sineta da porta principal tocar. Sentiu o coração acelerar-se. O momento que tanto temia havia chegado. Respirou fundo, procurando controlar o nervosismo, e dirigiu-se ao hall de entrada.

James juntou-se a ela e fez sinal para que Fredericks abrisse a porta.Grimstead entrou na mansão e parou diante de Emily. Furioso, esbravejou:— Não conseguirá ir adiante com isso, madame! Eu a mandarei para a prisão antes que possa

se dar conta do que aconteceu!Emily fingiu inocência.— Não estou entendendo, sr. Grimstead. O que aconteceu?James interveio:— Sente-se, Grimstead. Você parece estar a ponto de ter um ata que apoplético.O homem aceitou a cadeira que o mordomo lhe ofereceu e tentou acalmar-se um pouco.

Emily sorriu, comentando:— O senhor parece bem melhor, agora. Ouça, se é com os vestidos que está preocupado, saiba

que o meu e o da condessa já foram entregues. Ficamos bastante satisfeitas com o serviço!Ele bufou, impaciente.Não mandei entregar vestido nenhum! A senhora e suas amigas me enganaram! Todas estão contando a mesma história ridícula! Como posso ter entregue os vestidos se eles ainda estão em minha carruagem? E não recebi dinheiro algum por eles!— Oh, deve haver algum engano, então. Os recibos estão devidamente assinados e os vestidos

ficaram perfeitos. — Emily voltou-se para o mordomo: — Fredericks, poderia ir buscar os vestidos e os recibos, por favor? Acho melhor mostrarmos ao cavalheiro que estamos dizendo a verdade.

— Pois não, milady.— Obrigada, Fredericks. — Ela tornou a dirigir-se a Grimstead.

— Enquanto o mordomo não vem, senhor, podemos discutir o cancelamento de minha dívida.O inescrupuloso comerciante saltou da cadeira e tentou agredi-la, mas James conseguiu detê-lo

a tempo.— Não pode fazer isso comigo, senhora! — gritou Grimstead. — Está tentando me enlouquecer?

Se eu não pagar os rolos de tecido que encomendei para os vestidos, acabarei na prisão. Tenha compaixão, por favor!

James, que o segurava pelo braço, indagou:— Como tem coragem de pedir compaixão depois do modo como tratou aquelas pobres

costureiras?— O que sabe a respeito das costureiras? — indagou Grimstead.

Pálido de raiva, ameaçou: — O senhor sentirá ainda mais pena delas depois que eu voltar à minha loja, milorde!

— As costureiras não estarão mais lá para serem maltratadas por você, Grimstead. Agora retire-se de minha casa, não há nada aqui que seja do seu interesse!

Emily e James ficaram parados, vendo o homenzinho asqueroso ir embora completamente arrasado.

— O que será de Grimstead, agora? — indagou ela.James abraçou-a.

55

Page 56: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

— Talvez ele pegue o pouco dinheiro que lhe resta e tente fugir.Mas será apenas uma questão de tempo até que a polícia o encontre.Você não precisa mais temê-lo, querida.

— Mal consigo acreditar que tudo acabou — suspirou Emily.— Ora, meu amor, nada acabou, esse é apenas o começo! — exclamou lorde Berrington. —

Fredericks disse-me que as costureiras já chegaram. Pedi a ele que as levasse ao salão principal para que a condessa possa conhecê-las.

— Sem mencionar a festa de amanhã — acrescentou ela, sorrindo. — Depois de tudo que aconteceu, quase acabei esquecendo disso.

— Aposto que a condessa não esqueceu. Imagino que ela ficará feliz quando souber que a festa será em sua homenagem.

— Você está mesmo convencido de que ela é sua mãe, James?— Ainda tenho algumas dúvidas, mas acho que estou fazendo a coisa certa. Vamos encontrar a

condessa, para apresentá-la às costureiras?

Assim que a porta do salão foi aberta pelo mordomo, as mulheres pararam de conversar. Havia um quê de expectativa no ar quando James, Emily e Marguerite entraram no aposento.

— Senhoras, gostaria de parabenizá-las pelo sucesso de nosso plano — disse James, fazendo uma elegante mesura. — Agora é apenas uma questão de tempo até que Grimstead receba a punição que merece. Lamento apenas que vocês não tenham tido a oportunidade de vê-lo pedir clemência.

As costureiras riram, e James prosseguiu:— Estão todas convidadas a permanecer em minha casa até providenciarmos um lugar onde

possam ficar de modo permanente. E agora, gostaria que conhecessem o restante de minha família...

Ele deu um passo para trás. Estava prestes a apresentar Marguerite quando Flora Bander, a mais idosa das costureiras, soltou uma exclamação de espanto.

— Margaret? Margaret McCarthy, é você? — Flora levantou e aproximou-se de Marguerite com os braços abertos. — Por Deus, é você mesma, minha amiga! Eu a reconheceria em qualquer lugar!

Marguerite encarou a costureira por um longo momento e, levando as mãos ao coração, caiu desmaiada.

Surpresa, Emily correu para socorrê-la enquanto as outras pessoas presentes na sala observavam a cena sem entender nada.

— Oh, sinto muito! Eu não quis assustá-la — desculpou-se Flora. — Apenas fiquei espantada ao revê-la, depois de tantos anos.— A senhora a conhece? — perguntou James, ansioso. — De onde?Antes que a idosa costureira pudesse responder, a suposta condessa recuperou a consciência.

Levantou-se, com a ajuda de Emily, murmurando:— O que aconteceu? Por um momento, tive estranhas visões...Flora Bander aproximou-se dela, cautelosa.— Desculpe-me, Maggie, eu não pretendia assustá-la. Você... você é Margaret McCarthy, que

trabalhou na casa do visconde de Addleborough, não é?A suposta condessa arregalou os olhos, e Flora continuou:— Depois você foi trabalhar como babá do filho de um conde, não foi? Isso aconteceu há

vinte anos, mais ou menos...A idosa senhora que se dizia mãe de James murmurou, com voz sufocada: ' — Margaret...

Margaret Elizabeth McCarthy...Ela aproximou-se de um grande espelho que havia na sala. Ficou olhando para sua imagem,

enquanto dizia baixinho:— Serei mesmo Margaret? Margaret McCarthy? Deus meu, acho que sim... E durante todo esse

tempo pensei ser lady Marguerite, condessa de Berrington...Ela tornou a desmaiar. James pediu aos criados que a levassem para o quarto e, pedindo licença

às costureiras, dirigiu-se para lá com Emily.A senhora que por tanto tempo acreditara ser uma condessa parecia frágil e desprotegida quando

James sentou-se numa cadeira ao lado de sua cama.Emily imaginou que seria melhor deixá-los a sós, mas quando fez menção de sair do quarto

James pediu:— Por favor, fique conosco, Emily.Ela aquiesceu, rezando para que a desagradável situação fosse resolvida da melhor forma

possível.

56

Page 57: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

James inclinou-se para a frente, com os cotovelos apoiados nos joelhos, e segurou as mãos da idosa senhora. Ficaram um momento em silêncio.

Duas grossas lágrimas rolaram pelo rosto de Margaret. James puxou um lenço do bolso e enxugou-as, dizendo, compreensivo:

— Está tudo bem, Margaret. Eu entendo.— James, eu não sabia... — murmurou a idosa senhora. — Por favor, acredite em mim, e

perdoe-me por tudo!— Eu acredito em você. E não há nada para ser perdoado, fique tranquila.— Era sua mãe quem deveria ter sobrevivido — lamentou-se Margaret. — A condessa era uma

mulher fascinante, e eu nunca fui na da... Nada! — Ela fechou os olhos por um momento. — Nunca esquecerei aquela noite horrível... Todos foram obrigados a abandonar o navio... Nosso bote salva-vidas virou... A condessa foi atingida na cabeça por um remo e...

James viu o horror estampado no rosto da idosa senhora e procurou acalmá-la:— Procure esquecer essas lembranças dolorosas agora, Margaret.

Se me der licença, irei chamar sua camareira. Você precisa descansar.— Sim, estou cansada... Muito cansada... Perdi tudo que tinha na vida... Preciso lhe dizer algo

muito importante, James.— Conversaremos depois, está bem?— Não. Preciso falar agora! Sempre sonhei em ser uma condessa, admito. E às vezes, quando

você ainda era menino, eu costumava imaginar que era o filho que sempre desejei ter. Durante as últimas semanas, acreditei que você fosse realmente meu filho. Mas agora o sonho acabou... Eu gostaria que você soubesse que é essa a perda que lamento, James, e não a perda do título que pertenceu a sua mãe.

Ele inclinou-se e beijou-a no rosto.— Não precisa chorar, Margaret. Estou muito feliz em tê-la de volta, a meu lado. Você será

sempre um membro muito estimado de minha família, eu lhe prometo.Os dois se abraçaram e Emily afastou-se um pouco, tentando esconder as lágrimas de emoção

que lhe banhavam as faces.

Depois de terem deixado Margaret aos cuidados de Millie, James e Emily foram conversar com Flora Bander.

A costureira contou-lhes que havia trabalhado na casa dos Ad-dleborough, em Kent, na mesma época em que Margaret era babá dos quatro filhos do visconde. As duas mulheres haviam se tornado boas amigas, mas acabaram perdendo contato quando Hora mudou de emprego.

Meses mais tarde, Flora ficara sabendo que Margaret também havia deixado a casa do visconde e fora trabalhar como babá na residência de um conde, em Londres. Depois de alguns poucos anos,o filho do conde havia sido enviado para um colégio interno. Margaret continuara trabalhando para a família, agora como dama de companhia da condessa, e partira com a patroa numa longa viagem de navio. Esta havia sido a última notícia que Flora tivera de Margaret em mais de dezessete anos.

Ao terminarem de ouvir a história, Emily e James chegaram à mesma conclusão: depois do naufrágio, Margaret ficara confusa e acabara assumindo, sem querer, a identidade de Marguerite, a verdadeira condessa...

Naquela noite, sozinhos na biblioteca após o jantar, Emily e lorde Berrington discutiram o episódio.

— O que aconteceu com Margaret parece pura fantasia, mas acredito em cada palavra que ela disse — disse James, depois de permanecer pensativo por alguns instantes.

— Agora consigo entender como ela sabia de tantos detalhes a respeito da mansão e de sua família — comentou Emily.

— Eu praticamente havia esquecido de Margaret. Mas, aos poucos, algumas lembranças estão voltando à minha mente... Ela e minha mãe eram muito parecidas, fisicamente. Até os nomes eram semelhantes... Recordo que Margaret adorava brincar de faz-de-conta. Ela fingia ser a rainha, e eu era um nobre cavalheiro que ela enviava em missões diplomáticas para países exóticos. Ah, como ela levava aquelas brincadeiras a sério, meu Deus! No final, acabou perdendo de vez a noção de realidade e assumiu o papel de condessa de Berrington...

— E agora, James, o que pretende fazer? — perguntou Emily.— A festa é amanhã. Você não poderá apresentar Margaret como sua mãe, agora que descobriu a verdade.

— Mas isso não significa que devo desprezá-la. De um modo ou de outro, passei a considerar Margaret como um membro de minha família. Na verdade, quando eu era criança passava mais

57

Page 58: 07 - Phyllis Taylor Pianka - Uma Surpresa Do Destino

tempo com ela do que com minha mãe. Eu a estimo, hoje, tanto quanto a estimava naquela época. Sendo assim, a única solução aceitável é pedir a Margaret que continue morando conosco. O que você acha, querida?

— A ideia é perfeita. Também aprendi a gostar muito de Margaret. Não fosse por ela, eu ainda estaria fugindo de Grimstead...

— E eu estaria levando uma vida entediante, esperando em vão por algo que a tornasse um pouco mais excitante.

— Como um jogo? Foi isso você que insinuou quando cheguei aqui. Só que agora o jogo acabou, James... — Emily aproximou-se dele, sorrindo. — Você precisa pensar em outro tipo de ocupação excitante para preencher sua vida. O que será, dessa vez? James beijou-lhe os lábios com ternura, antes de responder: — De preferência, algo que a faça ficar em meus braços para sempre, meu amor...

FIM

58