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  • Os jovens portugueses: ideias em Histria1

    Isabel Barca

    Resumo:

    O pensamento histrico de jovens portugueses tem sido objecto de anlises inten-sivas em diversos estudos que se inserem numa linha de pesquisa em cogniocontextualizada, que se desenvolveu com Dickinson & Lee (1978, 1984), Booth(1978) e Shemilt (1980, 1984). Neste artigo, as ideias de crianas e jovens so exami-nadas sob um enquadramento terico que procede destrina de conceitos essenciais natureza da Histria, rebatendo-se a ideia comum de que os jovens no sabemnada. As implicaes dos resultados desta investigao para o Ensino da Histriaso aqui discutidas no contexto das exigncias da sociedade de conhecimento actual.

    Palavras-chave:

    Pensamento histrico. Cognio. Jovens portugueses. Educao histrica. Histria-Estudo e ensino.

    Professora Associada da Universidade do Minho e coordenadora do grupo de Metodologiado Ensino da Histria e Cincias Sociais.

    Doutora em Ensino de Histria (History in Education) pela Universidade de Londres.

    PERSPECTIVA, Florianpolis, v. 22, n. 02, p. 381-403, jul./dez. 2004

    http://www.ced.ufsc.br/nucleos/nup/perspectivas.html

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    A Histria surgiu como disciplina curricular em funo de ideaisracionalistas e liberais que viam nela um elemento essencial na formaomoral e cvica dos jovens, num contexto de estado-Nao (NVOA,2000). E ainda hoje o Ensino da Histria continua a ser considerado comoum contributo para a cidadania. Contudo, este contributo assume pro-postas concretas diferenciadas j que tem sido intenso o debate entre di-versas correntes filosficas, polticas, historiogrficas e educacionais acercado que a Histria e o que se pretende socialmente com o seu ensino. Jno sculo XIX a polmica acerca da Histria, das quais Ranke, Marx, ouCroce so alguns dos expoentes maiores, era acesa. Assim, para uns aHistria era encarada como uma descrio singular do que realmente acon-teceu, com base nos documentos que deveriam ser sujeitos a uma rigorosacrtica externa e interna (perspectiva rankeana); para outros, ela era enten-dida como a anlise de um processo dialctico, com causalidades defini-das e generalizaes conducentes predictabilidade de diferentes estdiosda sociedade (perspectiva marxista); para outros, a Histria teria por objectoa compreenso dos significados do pensamento e da aco humana comrecurso re-criao mental das situaes (perspectiva de Croce).

    Estes diversos modelos epistemolgicos (GARDINER, 1984), a parde outros mais recentes como o estruturalista e os ps-estruturalistas(OLBARRI, 1995), tm-se reflectido no plano do ensino, sobretudo naseleco dos contedos programticos e no tipo de enfoque dado pelosmanuais e professores a esses contedos. Sob qualquer um destes modelos enuma perspectiva de ensino convencional, pressupe-se que bastar trans-mitir correctamente e com clareza as mensagens por vezes com o recursode episdios de vida de heris ou de povos para que, em funo docontacto com as lies da Histria, as dimenses cognitiva e formativa dosalunos fiquem garantidas. A preocupao com o como ensinar esgota-se a.

    possvel detectar, mesmo em discursos anteriores ao sculo XX,esta preocupao com o como ensinar no quadro de um ensino expositivo.Torgal (1996), por exemplo, d-nos conta da posio de Ceclia Schmidt,publicada em 1891 na Revista de Educao e Ensino, que defendia a selecode fontes histricas representativas de forma a motivar os jovens com opulsar da vida. Afirmava esta autora:

    No h talvez cincia mais prpria para entusiasmaros jovens do que a histria, mas a histria animada,plstica, cheia de personagens vivas, que pensem, falem,

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    gesticulem, obrem, se agitem, perante os olhosfascinados do nefito, em uma corrente viva e rpida,consoante com o pulsar juvenil do seu corao.(SCHMIDT apud TORGAL, 1996, p. 469-470).

    Durante os anos de 1960 e 1970 poder dizer-se que as intenesde motivar os alunos em Histria tomou a forma de propostas de apren-dizagem activa, em relao com dados da Psicologia Cognitiva e compreocupaes de interveno social. So exemplos prticos disso as fichasde documentos acompanhadas de guies de interpretao, as experinciasde histria ao vivo ou as sugestes de construo, pelos prprios alunos,de modelos materiais como mapas dinmicos ou reconstituio de stios.A este movimento no foram alheios os conceitos educativos de escolaaberta, relevncia social do currculo, motivao dos aprendentes, vindosdas correntes progressiva e romntica (TANNER; TANNER, 1980).Contudo, muitas destas propostas para o Ensino da Histria revestiam-sede um carcter prescritivo, carecendo de uma fundamentao especfica.Ensaiavam-se as experincias com os alunos, mas em Histria como nou-tros campos do saber, o seu grau de sucesso no era cartografado, o queconduziu a alguma frustrao e descrena nos mtodos activos. Emconsequncia, no mbito das propostas progressivas em Educao desen-volveu-se uma linha de pesquisa de cognio contextualizada (LIGHT;BUTTERWORTH, 1992), no sentido de procurar fundamentao paraprticas educacionais consistentes, em vrias disciplinas. Tambm o Ensi-no da Histria foi influenciado por esta pesquisa.

    Investigao em cognio histrica

    A pesquisa piagetiana sobre a aprendizagem e o processo de desenvol-vimento cognitivo veio a influenciar consideravelmente as propostas educa-cionais na segunda metade do sculo XX. Piaget e seus colaboradores tive-ram o mrito de encetar estudos de investigao sobre o pensamento decrianas e jovens, promovendo a implementao de metodologiasdiversificadas em funo das diferentes faixas etrias dos alunos. E assim,tambm em Histria, nas dcadas de 1970 e 1980, procurou-se atender aosestdios de desenvolvimento cognitivo dos alunos com base na fundamen-tao fornecida por estudos como os de Hallam (1970). Os resultados dapesquisa conduzida na ptica do modelo dos estdios de desenvolvimento

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    proposto por Piaget levaram Hallam a concluir que somente os adolescen-tes no perodo operacional formal (entre os 16,5 e os 18,2 anos) seriamcapazes de compreender os conceitos histricos, uma vez que estes se re-portam a problemas abstractos e distantes no tempo. A importncia atribu-da ao factor maturao em detrimento do factor interaco social,nestas concluses, poder ter-se revelado altamente nociva a nvel das con-cepes educativas quanto ao poder de interveno dos professores noprocesso de aprendizagem dos alunos. Saliente-se que o prprio Hallam(1975) criticou esta apropriao reducionista da sua teoria e defendeu oefeito de um ensino adequado na acelerao de cada estdio sequencial.

    Tambm Peel (1967, 1971), nos seus estudos sobre o pensamento his-trico dos alunos, criou uma categorizao das respostas dos adolescentes luz das noes piagetianas de operaes concretas versus formais, o que pa-rece tambm um tanto limitativo em termos de raciocnio histrico. Contu-do, chamou a ateno para a diferena existente entre um nvel explicativosimples e um nvel integrativo, de levantamento de novas possibilidades,caracterstico do pensamento criador. E ao examinar o processo como asrespostas concretas, descritivas ou centradas no contedo se desenvolviamno sentido de um padro formal, explicativo ou indicador de possibilida-des, Peel (1971) colocou a hiptese de outros factores serem tambm rele-vantes na aprendizagem: para alm das variveis individuais, haveria quetomar-se em linha de conta outros elementos que interferem na construodo pensamento histrico, como o assunto ou tpico especfico, a relaocom o conhecimento anterior, o tipo de perguntas colocadas.

    A preocupao com as fases de maturao cognitiva levou a algu-mas limitaes perniciosas ao ensino da Histria, como a de considerar-se que no seria possvel a jovens menores de 16 anos compreender estadisciplina, com contedos estranhos s experincias do quotidiano. E neste quadro, em conjuno com perspectivas epistemolgicas que de-fendiam a integrao dos saberes, que pode entender-se a deciso, emvrios pases ocidentais, de eliminar-se a Histria do currculo dos maisjovens, substituindo-se por uma rea de Cincias Sociais ou EstudosSociais. Em Portugal, esta tendncia vingou principalmente entre mea-dos da dcada de 1970 e toda a dcada de 1980. Outro reflexoreducionista da mesma preocupao situa-se na ideia de que facilitar aaprendizagem dos jovens consiste na manuteno de um ensino simplista,facilitista, sem desafios cognitivos. Esta convico parece assumir no

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    Ensino da Histria contornos contraditrios: se uns afirmam que a His-tria deve aprender-se a brincar, confundindo actividade fsica comactividade mental e contribuindo para uma viso fragmentada do passa-do, outros levam os seus alunos apenas a decorar uma verso histricaacabada, desprovida de sentido humano, o que poder igualmentecontribuir para uma viso fragmentada do passado. So posturasdecepcionantes para um entendimento de que a Histria deve sermotivadora, mas deve tambm contribuir para uma leitura crtica dopresente e reforar uma identidade saudvel, inclusiva.

    A preocupao em apontar caminhos para um Ensino da Hist-ria que constitua um desafio adequado ao pensamento histrico e sexigncias sociais conduziu a investigao para novos rumos, em al-guns pases. O Reino Unido representa uma histria de feliz conver-gncia entre a investigao e as prticas de aula de Histria. Em diver-sos estudos desenvolvidos desde finais dos anos de 1970, autores comoAlaric Dickinson, Peter Lee, Denis Shemilt, Martin Booth e Ros Ashby,entre outros, tm explorarado as concepes de crianas e jovens emsituao de tarefas desafiadoras no plano do raciocnio histrico. Par-tindo de uma conceptualizao fundamentada no debateepistemolgico, estes autores analisaram as ideias dos alunos em fun-o desses quadros conceptuais especficos e concluram que as crian-as aprendiam e gostavam da Histria, mesmo quando ela apareciadifcil como a Matemtica (SHEMILT, 1980). Dickinson e Lee (1978)criticaram abertamente a abordagem da pedagogia por objectivosgeneralistas, bem como a lgica dos estdios de desenvolvimento dateoria piagetiana, aplicada compreenso que as crianas tm da His-tria. Para as suas pesquisas, partiram de conceitos especficos da His-tria tais como explicao intencional, compreenso emptica e evi-dncia histrica, na linha defendida por Dray (1966), Danto (1965),Walsh (1967) ou Atkinson (1978). Os seus estudos exploratriosUnderstanding and Research (1978), com alunos dos 12 aos 18 anos, eMaking Sense of History (1984), com alunos dos 8 aos 18 anos, tiveramgrande impacto na investigao do pensamento histrico de crianas eadolescentes e nas concepes de ensino da Histria. Com base napesquisa emprica e tendo em conta critrios histricos, estes autores cria-ram um modelo de nveis conceptuais em progresso que variam entre

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    a) confuso e contedo, quando mostram confuso, espanto ou cinismo acerca do passado;b) explorao de pormenores, quando se centram em detalhes

    concretos sobre o passado; ec) explicao, quando usam a experincia e a imaginao para dar

    sentido a situaes passadas.

    Com o Projecto CHATA (Concepts de alunos dos 7 aos 14 anos deidade tem vindo a ser aprofundada, dentro do modelo de progressoproposto (LEE, 1997, 2001; LEE; ASHBY, 2000, 2001).

    Booth (1978, 1980, 1987) salientou, tambm, que na investigaosobre concepes dos alunos em Histria era necessrio ter em conta oraciocnio histrico, o qual exige um pensamento adutivo e divergente.Os estudos longitudinais, que levou a cabo de acordo com estes critrios,sugeriram que a inteligncia e os mtodos de ensino, e no a maturao,seriam os principais factores da progresso cognitiva em Histria.

    Do mesmo modo Shemilt, (1980) no programa longitudinal de-senvolvido com alunos dos 13 aos 16 anos o History 13-16 Project -que teve grande impacto na mudana de prticas de ensino em Ingla-terra, partiu da lgica da Histria acentuando que ela diferente dalgica das cincias da natureza. Os resultados do Projecto levaramShemilt a concluir que as crianas podiam manifestar um raciocniohipottico no campo da Histria sem necessitarem de um nveloperacional formal e que a compreenso dos mtodos e lgica daHistria, por parte dos alunos, podia ser desenvolvida por meio deum ensino adequado (mas no redutor). O mesmo autor (SHEMILT,1987, 2000), ao analisar alguns dados do Projecto, apresentou umacategorizao das ideias de adolescentes prxima da que foi apresen-tada por Dickinson e Lee. A convergncia de resultados observadanestas pesquisas paralelas deu lugar a uma atitude de confiana eoptimismo acerca dos princpios de cognio a inferir desta linhainvestigativa, expressa por Ashby e Lee em 1987.

    Assim, poder dizer-se grosso modo que o ensino de Histria no ReinoUnido assumiu um cariz inovador, que se reflecte nas propostasprogramticas actuais e na implementao de aulas centradas em trabalhoefectivo dos alunos, sob a inspirao da pesquisa em cognio histrica.Este caso, que poder ser inspirador de abordagens inovadoras de educa-o histrica, tem sido recentemente alvo de ateno em Portugal.

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    A pesquisa actual sobre cognio histrica de crianas e jovenstem-se desenvolvido tambm em pases como os Estados Unidos,com trabalhos, entre outros, de Wineburg (1991, 2000), que investigouos conceitos de evidncia e significncia; VanSledright (2002), que iden-tificou sentidos e fontes de conhecimento histrico; Barton (2001), queexplorou ideias sobre mudana e, em conjunto com Levstick(BARTON; LEVSTICK, 2001), sobre significncia. Na Espanha,Carretero tem liderado uma equipa de investigadores com estudosdiversos dentro do mesmo campo (CARRETERO; VOSS, 1994) eCercadillo (2001) desenvolveu um estudo comparativo de alunos es-panhis e ingleses acerca da significncia da Armada Invencvel. NoCanad, Seixas (2002) criou um centro de investigao sobre conscin-cia histrica, sediado na Universidade de Vancouver.

    Estes estudos, de natureza descritiva e, sobretudo qualitativa, tmsugerido que crianas e jovens constrem as suas concpes histricascom base em vrias fontes de conhecimento para alm da escola, como afamlia, o meio social envolvente e os media e que desenvolvem estratgiascognitivas especficas cuja lgica deve ser entendida pelos professores. Asinteraces socais e lingusticas, na linha de Vygotsky, desempenham umpapel importante na apropriao conceptual. A pesquisa inglesa sugereainda que existe uma progresso global, mas no linear, no pensamentohistrico das crianas e jovens; o nvel conceptual pode oscilar e algumascrianas mais novas podem revelar um nvel de elaborao semelhante aoutras mais velhas, e vice-versa. Por isso, deve-se atender, especialmente,s situaes concretas da aprendizagem.

    Estes estudos tm-se centrado na anlise de conceitos de segundaordem, isto , sobre a natureza da Histria. Contudo, os conceitos subs-tantivos (por exemplo, democracia ou revoluo) tm tambm merecidoa ateno de investigadores (LEINHARDT, BECK; STAINTON, 1994;CARRETERO; VOSS, 1994).

    Partindo de preocupaes semelhantes quanto ao Ensino da Hist-ria, em Portugal emergiu uma linha de pesquisa sobre cognio histricade crianas e adolescentes com o objectivo de trazer luz alguns sentidos,estratgias cognitivas e modelos de construo conceptual. Esta pesquisajustifica-se na medida em que torna-se necessrio que os professores co-nheam as concepes dos seus alunos para que possam modific-las.

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    Ideias histricas de jovens portugueses

    Com base num modelo de progresso conceptual inspirado na lite-ratura inglesa, Barca (2000) analisou as ideias tcitas de adolescentes (12 a19 anos de idade) sobre a provisoriedade da explicao em Histria. Esteconceito alimenta-se das discusses filosficas recentes em torno daobjectividade e de ponto de vista em Histria conduzidas por autores dediferentes escolas de pensamento: o perspectivismo na linha de Dray (1980);Van der Dussen e Rubinoff (1991); o neo-objectivismo crtico, com influ-ncia de Collingwood, mas tambm, de Popper (MARTIN, 1989,MCCULLAGH, 1984); o ps-modernismo, com base no linguistic turne influenciado por Foucault e Hayden White (RORTY, 1989; JENKINS,1991). Os resultados desta pesquisa sugeriram uma ideia frequente, entreos jovens, de uma Histria explicativa, multifactorial, crescendo por agre-gao de informao, sem consideraes de objectividade.

    Contudo, a pesquisa revelou tambm que existe uma variedade depadres de pensamento entre os jovens, apontando globalmente para umaprogresso com a idade e ano de escolaridade, mas no de uma formaabsoluta. Alguns alunos apresentam uma concepo de histria descritiva,como mostram as respostas do Paulo (14 anos, 9 ano)2

    Os portugueses conseguiram estabelecer um imprio martimo no oceano ndicoao longo do sculo XVI, tinham muita fora de vontade em descobrir rodeando africa por mar. Foi a partir da que os portugueses comearam a conquistar terras.Em meados do sculo XV, a rota terrestre era controlada pelos muulmanos. Em1488, Bartolomeu Dias dobrou o Cabo da Boa Esperana. Em 1498 a armada deVasco da Gama chega ndia, no sculo XVI, os portugueses j dominam a rota docomrcio das especiarias.

    Outros constrem uma explicao restrita, tendendo a privilegiarum factor para fornecer uma explicao correcta, como o caso doHermnio (13 anos, no 7 ano), que se concentrou num factor econmico:

    [Os portugueses conseguiram estabelecer um imprio martimo no oceano ndico]porque D. Joo tivera informaes sobre o oceano ndico de que l existia uma forte rotade comrcio de especiarias que faria muito jeito economia.

    Outros ainda constrem uma narrativa explicativa, multifactorial,utilizando a informao apresentada e alguns conhecimentos prvios, comoa Teresa de 17 anos, no 11 ano:

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    Podemos dizer que os portugueses conseguiram estabelecer um imprio martimoporque, por um lado, os povos da frica no tinham fora suficiente para combatercom os povos europeus (as armas). Os Portugueses tinham necessidade de arranjarespeciarias e tambm de conseguir um imprio maior, queriam tambm espalhar a f.Por outro lado, conseguiram, pois os grupos mais poderosos l existentes baseavam asua fora no comrcio terrestre, para eles o mar no era muito importante e, paraalm disto, eles no tinham equipamentos superiores aos povos europeus. Este esforopor conseguir o imprio deve-se moral dos grandes chefes portugueses e pelo sacrifciofeito pelo povo para defender a ptria.

    Dentro deste padro de pensamento claramente explicativo, a mai-or parte dos jovens valorizaram uma explicao multifactorial, sem preo-cupaes manifestas de objectividade; para alguns, porm, no basta agre-gar factos para se obter uma boa explicao: o ponto de vista do autor eos contextos culturais provocam a diversidade de perspectivas, e tal cons-titui uma ameaa objectividade. A neutralidade absoluta um conceitoreminescente do positivismo o ideal do conhecimento, quer seja pos-svel ou impossvel de se atingir. O Rui, de 17 anos, no 9 ano, por exem-plo, defendeu que a neutralidade pode ser alcanada por meio de consen-so entre os historiadores:

    Cada pessoa pensa sua maneira, forma as suas prprias opinies, da que hajadiferentes explicaes. Penso que devia fazer-se um estudo que juntasse pessoas autoriza-das para analisarem os factos existentes e assim terem a possibilidade de conseguir umaopinio completa, uma coisa imparcial, algo que pudesse ser neutral, e depois de analisa-rem os factos, eles iriam alcanar realmente uma concluso: so estas as razes!

    J o Mrio, de 13 anos, no 7 ano, mostrou-se mais cptico quanto auma explicao neutral:

    Cada historiador s mostra o lado dos factos que lhe interessa, uns a querer mostrarque os portugueses no eram to bons como pareciam, outros a dizer o contrrio etc.

    No [existe uma explicao melhor], porque cada uma delas s fala do que [oautor] acha mais importante e no em todos os factos.

    Uma ideia mais sofisticada, de tentativa de aceitao do ponto devista e implicando a consistncia com a evidncia e a refutao comocritrios de demarcao de uma explicao histrica, emergiu em algunsalunos do ensino secundrio (16-18 anos de idade). A Lurdes, de 17 anose no 11 ano, argumentou:

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    [Uma explicao pode ser melhor] se for mais explcita e justificada, de forma aquebrar os argumentos das outras.

    No h verdades definitivas e nada me garante que essa explicao no possaser posta em questo.

    Sublinhe-se que, tendo-se observado uma progresso por idade eano de escolaridade, alguns alunos mais novos mostraram ideias mais ela-boradas do que alguns alunos mais velhos e com mais escolaridade.

    Dentro das mesmas preocupaes com um ensino consistente coma multiplicidade de perspectivas que hoje se constatam em Histria, Gago(2001) explorou as concepes de alunos portugueses de 11-13 anos (5 e7 anos de escolaridade) sobre a varincia da narrativa histrica. Nestetrabalho, os alunos analisaram dois pares de narrativas em banda desenha-da, com vises diferentes sobre a invaso dos romanos e sobre a histriado vinho do Porto. Com resultados no muito divergentes dos das pes-quisas anteriores, os alunos apresentaram respostas que vo desdeindiscriminao de relatos de sentido diferente at conceitos mais elabora-dos sobre a diversidade de narrativas. O Diogo, de 12 anos, por exemplo, semelhana da posio do Rui no estudo sobre explicao provisriaem Histria, defendeu a busca de consenso para se obter uma verso:

    Os historiadores tm ideias diferentes sobre o mesmo tema, mas deviam chegartodos mesma concluso.

    J a Marta, tambm de 12 anos, pareceu reconhecer e aceitar queas narrativas variam porque os historiadores colocam diferentes ques-tes de investigao:

    Pode-se explicar [a existncia de verses diferentes] porque os historiadores levan-tam questes diferentes e a partir da fazem histrias diferentes.

    Esta resposta parece prxima de argumentos apresentados por al-guns filsofos da Histria como Atkinson (1978), que considerou a exis-tncia de muitos e diferentes nveis de explicao, no havendo por issopossibilidade de completamento, podendo aceitar-se em Histria di-versos pontos de vista no necessariamente incompatveis.

    Ribeiro (2002) estudou o pensamento arqueolgico de alunos de 11-12 anos (5 ano de escolaridade), com base num modelo inspirado emAshby e Lee (1987) e Cooper (1992). Em contexto de sala de aula, apsuma leitura silenciosa de algumas referncias no manual sobre o tema que

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    iam estudar (Povos recolectores e Romanizao), e sem qualquer leccionaoprvia desses temas, os alunos observaram um conjunto de artefactosarqueolgicos (genunos ou rplicas) e responderam a questes como:

    O que que os povos [recolectores/romanos] podiam fazer com estes objectos?Se encontrasses estes objectos numa escavao arqueolgica, o que poderias pensar

    sobre a vida quotidiana das comunidades recolectoras/ dos Romanos?O que gostarias de saber mais sobre estes objectos?

    A anlise das inferncias que os alunos fizeram sobre o passado suge-riu uma variedade de nveis conceptuais, desde uma concepo de passa-do ininteligvel, passando por esteretipos generalizados e compreen-so derivada do quotidiano, at um nvel de compreenso histrica res-trita. A resposta seguinte, por exemplo, sugere uma compreenso porcomparao com o quotidiano:

    A vida [dessas comunidades] era muito cansativa, porque no tinham isqueiros oufsforos, tinham de usar as pedras, no podiam simplesmente ir a um talho buscar carne,tinham de caar animais e muita coisa. [Gostaria de saber] para que realmente serviri-am [os objectos], como que eles os faziam.

    Algumas respostas parecem avanar para uma compreenso dopassado partindo da comparao com o presente, mas imaginando al-guns aspectos do passado de uma forma autnoma:

    Eu pensaria que no eram iguais a ns e no s: ns usamos utenslios de ferrocomo faca, garfo etc. Eles usavam pedras, osso, chifre, para se servirem da carne ou deoutras coisas. Eu gostaria de saber como eles caavam, da forma como viviam, como seabrigavam, e se eles se davam bem ou mal.

    O recurso dos jovens a analogias com o quotidiano e a valorescontemporneos foi patente, tambm, no estudo de Melo (2001) que es-tudou o conhecimento substantivo de alunos de 12-16 anos sobre a noode escravatura. Tambm Gonalves (2003) estudou conceitos substanti-vos sobre o 25 de Abril de 1974 com alunos de 14-16 anos a frequen-tarem o 9 ano de escolaridade, no contexto de uma experincia comrecurso internet na aula de Histria. Os alunos, em grupo, pesquisaram otema em stios seleccionados pelo professor, analisando diversas fontesprimrias e secundrias. Num primeiro momento de levantamento de ideiastcitas, apresentaram alguns conhecimentos gerais sobre a revoluo, asso-

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    ciando-a sobretudo a instaurao da democracia e a personagens comoJos Afonso, o cantor de interveno que deu origem senha de partida,Salgueiro Maia, o militar que dirigiu operaes no terreno, e Salazar, oinspirador do regime deposto. Contudo, estes conhecimentos prvios apa-reciam fragmentados e, por vezes, confusos. Aps o trabalho de pesquisa,os jovens revelaram ter aprofundado a sua compreenso dos factos,significncia e consequncias do 25 de abril, passando a associar a data de25 de Abril a ocorrncias e consequncias mais definidas, como instau-rao da democracia, abolio da censura, independncia das colnias emelhoria das condies de vida.

    O uso da televiso enquanto fonte de conhecimento de Histria dejovens a frequentar o 7 ano de escolaridade, com uma mdia de 12 anosde idade, foi objecto de anlise de Moreira (2003). As ideias dos alunosforam categorizadas em diferentes nveis de pensamento: se para uns amensagem televisiva foi encarada como simples Verdade, outros distin-guiram-na enquanto Conhecimento Certo/Errado ou Fico/Verdade eoutros identificaram a sua validade consoante o seu Autor (distinguindoentre Propaganda, Mentira e Verdade, ou reconhecendo diversos Pontosde Vista). Registe-se, como exemplos, os seguintes comentrios:

    VerdadeIsabel, 11 anos, meio urbano:

    O programa que mais me ajudou a aprender Histria foi a telenovela (brasileira)Terra Nostra porque, no 6 ano, quando estudei a inveno do telefone vi natelenovela como eram esses telefones e outras coisas. A TV no prejudica em nadaa minha aprendizagem de Histria. Muitas vezes vejo os programas, gravo-os eestudo a matria por eles.

    Conhecimento Certo e ErradoEmanuel, 13 anos, meio rural:

    O Boletim Meteorolgico, s vezes, no acerta no tempo [...] A televiso foi con-trariada na aula de Histria nas informaes que deram sobre a mudana domilnio, disseram que ia acabar o mundo e a professora disse que era mentira. Euvi num programa sobre o Egipto que os escravos que levavam a mmia erammortos para no dizerem o percurso certo do labirinto, mas no era verdade. ATV no nenhum gnio.

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    Conhecimento Fico e VerdadeCarlos, 12 anos, meio urbano:

    A TV inventa muitas coisas principalmente nos filmes (por exemplo a Princesado Nilo) para nos cativar. Mesmo nos filmes sobre pessoas que viveram anterior-mente talvez a histria no seja verdadeira, no se sabe.

    Autor Propaganda, Mentira e VerdadeJoana, 13 anos, meio urbano:

    Aprendo Histria com o Horizontes da Memria e outros programas porque rela-tam e mostram acontecimentos histricos importantes para o desenvolvimento dosnossos conhecimentos, por exemplo a Grcia Antiga. A televiso prejudica a minhaaprendizagem de Histria quando transmite factos que no so verdadeiros.

    Autor Ponto de VistaFrancisco, 12 anos, meio urbano:

    O programa Horizontes da Memria ensina-me Histria porque descreve omundo quase como era antigamente, por exemplo, a Grcia Antiga e o AntigoEgipto. Os filmes fictcios prejudicam a minha aprendizagem de Histria porqueos realizadores que os escrevem inventam, com as suas prprias ideias, as suasprprias histrias.

    A explorao do conhecimento tcito em contexto de sala de aula deHistria tem sido objecto de ateno na disciplina de Metodologia doEnsino da Histria, integrada nos cursos de mestrado e ps-graduaoem Superviso Pedaggica em Ensino da Histria, na Universidade doMinho. Concepes sobre democracia, concelho3 direito, Holocausto, Re-forma, Renascimento, sociedade, imagens da Mulher tm sido explora-das na perspectiva de se atender a uma mudana conceptual efectiva, fun-damentada e motivadora. O estudo sobre concepes de tempo(MARTINS, 2002), por exemplo, foi publicado no stio da Euroclio (As-sociao de Professores de Histria da Europa).

    No Brasil, a explorao de ideias dos alunos, na perspectiva de mu-dana conceptual em sala de aula, constituiu tambm uma experincia reali-zada no mbito do Seminrio Investigar em Ensino da Histria, no Cur-so de Ps-Graduao em Educao, orientado por Maria AuxiliadoraSchmidt (2003) e com a colaborao de Isabel Barca. Nesta experincia, os

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    participantes procederam ao levantamento do conhecimento tcito de seusalunos, em sala de aula, sobre um conceito de Histria e Cincias Sociaiscomo cidadania, revoluo, sociedade, pecuria, Movimento dos Sem Ter-ra. Este levantamento foi realizado em dois momentos de aula, utilizandoum instrumento construdo, especificamente para o efeito: num primeiromomento, anterior aprendizagem do conceito seleccionado, e num segun-do momento, no final da aula ou conjunto de aulas preparadas no decursodo seminrio e implementadas no terreno. As ideias apresentadas pelos alu-nos foram categorizadas e analisadas comparativamente em relao aos doismomentos de recolha de dados. Assim, a ttulo de exemplo, Compagnoni(2003) e outros exploraram as ideias de alunos de uma turma da 8 sriesituada em Araucria, no Paran, sobre o que ser cidado?. As respostasdadas no momento prvio revelaram que os alunos associavam a cidadania,por ordem decrescente: ao meio ambiente e numa viso individual, a ques-tes legais, a questes sociais, a uma questo patrimonial, econmica e pol-tica. Um nmero residual deu respostas sem sentido. Estes dados fornece-ram aos professores-investigadores algumas pistas para orientarem o dese-nho das aulas a implementar, nomeadamente quanto necessidade de aten-der a um enfoque no individualista de cidadania. Da anlise dos dadosrecolhidos nos dois momentos, o grupo tirou algumas concluses sobre oprocesso de aprendizagem do conceito cidadania, nomeadamente:

    A viso em relao ao coletivo foi ampliada, pois umagrande parte dos alunos percebeu a importncia deaes coletivas e no individuais, embora algunstenham continuado com a mesma viso individualistaaps a interveno. (COMPAGNONI, 2003, p. 11).

    Alm da pesquisa em cognio situada numa linha de anlise intensiva,h que referir o estudo quantitativo de Machado Pais (1999), integrado noProjecto Youth and history, uma sondagem escala europeia que envolveu 30000 alunos do 9 ano de escolaridade e alguns professores, de 27 pases(ANGVIK; BORRIES, 1997). Este estudo forneceu um retrato genrico decomo os jovens europeus encaram as aulas e os temas de Histria e permitiuestabelecer comparaes entre pases quanto a percepes sobre a Histria eo seu ensino. Assim, no que concerne a origem do conhecimento histrico,os jovens portugueses manifestaram maior agrado e confiana em relao amuseus e documentos, aparecendo a televiso tambm como uma das fon-

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    tes mais agradveis; as narrativas dos professores e os livros escolares foramconsideradas com menor agrado e os filmes de fico e romances histricoscomo menos dignos de confiana. Como Pais (1999) faz notar, as valoriza-es de alunos e professores no coincidem: para os alunos, os principaisobjectivos da Histria que aprendem so o conhecimento dos factos, aapreciao do patrimnio e tentarmos imaginar como ter sido o passa-do; para os professores, os principais objectivos da Histria que ensinamso uma explicao do mundo actual, o reconhecimento das tradies e oestudo do passado de uma forma divertida e fascinante. Comparando aspercepes em relao significncia do passado, os alunos de pases maisricos e secularizados mostram ser mais crticos ao extrair sentidos da Hist-ria do que os alunos de pases mais pobres e tradicionais, como Portugal,Espanha, Grcia, Turquia, Crocia e Bulgria (BORRIES, 2000). Enquantoestudo de natureza quantitativa, esta sondagem no nos fornece dados acer-ca das conceptualizaes subjacentes s respostas obtidas em itens de esco-lha mltipla. Contudo, constitui uma base de trabalho importante para futu-ras pesquisas de natureza qualitativa no sentido de serem encontradas algu-mas respostas s hipteses explicativas levantadas. No que diz respeito aosjovens portugueses, estas pesquisas esto presentemente em curso.

    Em sntese: a vasta pesquisa em cognio histrica hoje existente for-nece j, no seu conjunto, uma base slida para a nossa compreenso daconstruo conceptual dos alunos de vrios ciclos de escolaridade. Combase nesta compreenso, possvel traar alguns princpios de apropria-o conceptual em Histria, os quais podero constituir uma bssola paraos formadores na rea de Histria, nas suas vrias instncias.

    Propostas para a Educao Histrica

    Os tipos de estudos e experincias aqui descritos podem representarum caminho frutuoso para imprimir s aulas de Histria um sentido maisautntico, quer em termos do que se entende por Histria quer em termosdo que se entende por processo de aprendizagem. Mas este caminho sser frutuoso se for gratificante para quem o percorrer: os professorespodem por esta via dar contedo ao conceito de reflexividade e aprenderum pouco mais do mundo conceptual dos seus alunos, que inesgotvel;os alunos tm a oportunidade de ver as suas ideias prvias valorizadas esentir que so agentes de construo do seu conhecimento.

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    Cabe aqui perguntar: como conceptualizam os professores de His-tria esta problemtica?

    A pesquisa sobre o pensamento histrico de professores tem sugeridoque nem todos os adultos historicamente letrados, partida, demonstramum pensamento histrico actualizado. No estudo sobre concepes de pro-fessores acerca da Histria e do seu ensino, na regio do Alentejo, Magalhes(2002) apresentou aos participantes seis concepes distintas de Histria, queconstituam afirmaes de diversos tericos desde Ranke a Novick, noidentificados no questionrio. A autora encontrou uma maior adeso a con-cepes de Histria como cincia social e cincia global, prximas da visoestruturalista. No que concerne ao Ensino da Histria, houve adeso a enun-ciados referentes aprendizagem dos alunos e seu contexto, neutralidadedo professor e educao para a cidadania, dentro de um nvel de preocu-paes genricas. Tambm no estudo de Barca, Magalhes e Santos (2002)sobre as concepes de professores quanto ao Ensino da Histria, os pro-fessores participantes sugeriram perfis que vo de noes de senso comumou de preocupaes generalistas at uma atitude pontual de reflexo prag-mtica, sem suporte investigativo explcito.

    As concepes de futuros professores (alunos do 4 ano de licenci-atura em Ensino da Histria) sobre a compreenso de diferentes versesda Histria (BARCA, 2001) e sobre a natureza no imediata do conheci-mento histrico (BARCA, 2003) foram analisadas luz dos modelos decategorizao utilizados nos estudos sobre cognio de crianas e ado-lescentes. Os resultados sugerem que, entre os jovens adultos historica-mente letrados, observa-se a mesma diversidade de nveis de pensamen-to histrico, embora os nveis menos elaborados apresentem umafrequncia reduzida. Estes nveis vo de um pensamento descritivocentrado na informao ou privilegiando a memria directa dos actorese das testemunhas do passado, at um pensamento mais elaborado dereconhecimento da perspectiva em Histria ou de valorizao das expli-caes fornecidas pelos historiadores, por comparao com a que fornecida por actores e testemunhas directas.

    De toda esta pesquisa, pode concluir-se que as crianas, os jovens eos adultos apropriam-se de ideias sobre o passado em variados nveis deelaborao, no sendo a idade ou o grau de escolaridade garantia de umaconceptualizao avanada. Daqui retiram-se algumas sugestes para aeducao histrica dos jovens:

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    - Para a explorao adequada do pensamento histrico dos alu-nos necessrio que os professores desenvolvam reflexo em tornoda natureza da Histria, nomeadamente sobre conceitos e procedi-mentos metodolgicos especficos, e no apenas sobre contedos subs-tantivos. Sem a dimenso epistemolgica, corre-se o risco de promo-ver-se um imagem do passado incompatvel com os modelos tericosactualmente legitimados.

    - Os jovens constrem o conhecimento sobre o passado por refe-rncia ao presente e com suporte em vrias fontes de conhecimento, den-tro e fora da escola. Em vrios pases, a televiso constitui uma fonte deconhecimento a ter em conta, e no pode afirmar-se que as suas mensa-gens so sempre recebidas acriticamente pelos jovens. H que explorar deforma sistemtica as ideias que os jovens trazem para a aula, quer emrelao a conceitos substantivos quer em relao a conceitos ligados natureza da Histria, pois o professor s pode contribuir para a mudanase conhecer aquilo que quer mudar.

    - O pensamento histrico progride tendencialmente com a idade eo ano de escolaridade, mas apresenta oscilaes individuais e de grupoem funo de inmeros factores, entre eles as experincias e os contex-tos especficos. Sendo a aprendizagem situada, a qualidade dos momen-tos educativos relevante.

    - A pesquisa em cognio histrica no se fecha em si prpria: aexplorao de ideias e as tarefas a executar em sala de aula podem serinspiradas nos instrumentos utilizados no plano da investigao. A in-terpretao de explicaes e narrativas histricas divergentes, o cruza-mento de fontes, a utilizao de artefactos arqueolgicos ou a internetna aula podem socorrer-se dos materiais e questes criados em ambi-ente de pesquisa sistemtica.

    O caminho proposto no linear, porque exige da parte dos profes-sores um esforo de actualizao que nem sempre as instituies de for-mao oferecem. Cabe a estas, cabe-nos a ns, formadores de professo-res, uma parte da responsabilidade de uma educao histrica para estasociedade que exige nveis de leitura em profundidade dos sinais de umarealidade social contraditria e meditica.

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    Notas

    1 Nesta publicao manteve-se a lngua portuguesa de origem.

    2 Em Portugal, o 9 ano corresponde ao final da escolaridade bsica.O ensino secundrio abrange o 10, 11 e 12 anos de escolaridade.

    3 Concelho significa municpio.

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    Portuguese youth: ideas inHistory

    Abstract:

    The historic thinking of Portugueseyouth has been the object of intensiveanalysis in various studies that are partof a line of research in contextualizedcognition that were realized by Dickinson& Lee (1978, 1984), Booth (1978) andShemilt (1980, 1984). In this article, theideas of children and youth are examinedwithin a theoretical framework thatuntangles the essential concepts of thenature of History. The article questionsthe common idea that young peopleknow nothing. The implications ofthe results of this investigation forHistory Education are discussed in thecontext of the demands of the currentsociety of knowledge.

    Key words:

    Historical thinking, Cognition,Portuguese youth, History education,Teaching history.

    Los jvenes portugueses: ideasen Historia

    Resumen:

    El pensamiento histrico de los jvenesportugueses ha sido objeto de anlisisintensivas en estudios diversos que seincluyen en una lnea de investigacinen cognicin contextualizada y que seha desarrollado con los trabajos deDickinson & Lee (1978, 1984), Booth(1978) y Shemilt (1980, 1984). En esteartculo son analizadas las ideas denios y jvenes a partir de una perspec-tiva terica que procura descifrar losconceptos esenciales a la naturaleza de laHistoria, como tambin, refutar la ideacomn de que los jvenes no sabennada. Las implicaciones de los resulta-dos de esta investigacin para laEnseanza de la Historia se discuten enel contexto de las exigencias de la actualsociedad de conocimiento.

    Palabras clave:

    Pensamiento histrico. Cognicin.Jvenes Portugueses. Educacin Hist-rica. Historia- estdio y ensennza.

    Isabel BarcaDepartamento de Metodologia da Edu-cao da Universidade do Minho.Campus de GualtarBraga - PortugalCEP: 4710-057E-mail: [email protected]

    Recebido em: 28/03/2004

    Aprovado em:15/04/2004

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