069 anexos aulas 35915 2013-08-30 pratica para defensoria publica aulas com 3h processo penal 083013...

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www.cers.com.br PRÁTICA PARA DEFENSORIA PÚBLICA Processo Penal Marcelo Uzeda 1 PROFESSOR MARCELO UZEDA MEMORIAIS Art. 404. Ordenado diligência considerada imprescindível, de ofício ou a requerimento da parte, a audiência será concluída sem as alegações finais. (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008). Parágrafo único. Realizada, em seguida, a diligência determinada, as partes apresentarão, no prazo sucessivo de 5 (cinco) dias, suas alegações finais, por memorial, e, no prazo de 10 (dez) dias, o juiz proferirá a sentença. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008). Art. 403. Não havendo requerimento de diligências, ou sendo indeferido, serão oferecidas alegações finais orais por 20 (vinte) minutos, respectivamente, pela acusação e pela defesa, prorrogáveis por mais 10 (dez), proferindo o juiz, a seguir, sentença. (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008). (...) § 3 o O juiz poderá, considerada a complexidade do caso ou o número de acusados, conceder às partes o prazo de 5 (cinco) dias sucessivamente para a apresentação de memoriais. Nesse caso, terá o prazo de 10 (dez) dias para proferir a sentença. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008). Enunciado adaptado da FGV Gisele foi denunciada, com recebimento ocorrido em 31/10/2010, pela prática do delito de lesão corporal leve, com a presença da circunstância agravante, de ter o crime sido cometido contra mulher grávida. Isso porque, segundo narrou a inicial acusatória, Gisele, no dia 01/04/2009, então com 19 anos, objetivando provocar lesão corporal leve em Amanda, deu um chute nas costas de Carolina, por confundi-la com aquela, ocasião em que Carolina (que estava grávida) caiu de joelhos no chão, lesionando-se. O fato foi observado à distância por Luana. A vítima, muito atordoada com o acontecido, ficou por um tempo sem saber o que fazer, mas foi convencida por Amanda (sua amiga e pessoa a quem Gisele realmente queria lesionar) a noticiar o fato na delegacia. Sendo assim, tão logo voltou de um intercâmbio, mais precisamente no dia 18/10/2009, Carolina compareceu à delegacia e noticiou o fato, representando contra Gisele. Por orientação do delegado, Carolina foi instruída a fazer exame de corpo de delito, o que não ocorreu, porque os ferimentos, muito leves, já haviam sarado. Luana compareceu na delegacia é reconheceu Gisele através de uma fotografia levada pela vítima. O Ministério Público, na denúncia, arrolou Amanda e Luana como testemunhas. Em seu depoimento, feito em sede judicial, Amanda disse que não viu Gisele bater em Carolina e nem viu os ferimentos, mas disse que poderia afirmar com convicção que os fatos noticiados realmente ocorreram, pois estava na casa da vítima quando esta chegou chorando muito e narrando a história. A testemunha Luana disse que não tinha certeza de que Gisele que era a pessoa que agrediu a vítima. Gisele, em seu interrogatório, exerceu o direito ao silêncio. Cumpre destacar que a primeira e única audiência ocorreu apenas em 20/03/2012,

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PRÁTICA PARA DEFENSORIA PÚBLICA Processo Penal Marcelo Uzeda

1

PROFESSOR MARCELO UZEDA

MEMORIAIS

Art. 404. Ordenado diligência considerada

imprescindível, de ofício ou a requerimento

da parte, a audiência será concluída sem as

alegações finais. (Redação dada pela Lei nº

11.719, de 2008).

Parágrafo único. Realizada, em

seguida, a diligência determinada, as partes

apresentarão, no prazo sucessivo de 5

(cinco) dias, suas alegações finais, por

memorial, e, no prazo de 10 (dez) dias, o juiz

proferirá a sentença. (Incluído pela Lei nº

11.719, de 2008).

Art. 403. Não havendo requerimento de

diligências, ou sendo indeferido, serão

oferecidas alegações finais orais por 20

(vinte) minutos, respectivamente, pela

acusação e pela defesa, prorrogáveis por

mais 10 (dez), proferindo o juiz, a seguir,

sentença. (Redação dada pela Lei nº 11.719,

de 2008).

(...) § 3o O juiz poderá, considerada

a complexidade do caso ou o número de

acusados, conceder às partes o prazo de 5

(cinco) dias sucessivamente para a

apresentação de memoriais. Nesse caso,

terá o prazo de 10 (dez) dias para proferir a

sentença. (Incluído pela Lei nº 11.719, de

2008).

Enunciado adaptado da FGV

Gisele foi denunciada, com recebimento

ocorrido em 31/10/2010, pela prática do

delito de lesão corporal leve, com a

presença da circunstância agravante, de ter

o crime sido cometido contra mulher

grávida.

Isso porque, segundo narrou a inicial

acusatória, Gisele, no dia 01/04/2009, então

com 19 anos, objetivando provocar lesão

corporal leve em Amanda, deu um chute

nas costas de Carolina, por confundi-la com

aquela, ocasião em que Carolina (que

estava grávida) caiu de joelhos no chão,

lesionando-se. O fato foi observado à

distância por Luana.

A vítima, muito atordoada com o

acontecido, ficou por um tempo sem saber

o que fazer, mas foi convencida por

Amanda (sua amiga e pessoa a quem Gisele

realmente queria lesionar) a noticiar o fato

na delegacia. Sendo assim, tão logo voltou

de um intercâmbio, mais precisamente no

dia 18/10/2009, Carolina compareceu à

delegacia e noticiou o fato, representando

contra Gisele.

Por orientação do delegado, Carolina foi

instruída a fazer exame de corpo de delito, o

que não ocorreu, porque os ferimentos,

muito leves, já haviam sarado.

Luana compareceu na delegacia é

reconheceu Gisele através de uma

fotografia levada pela vítima.

O Ministério Público, na denúncia, arrolou

Amanda e Luana como testemunhas.

Em seu depoimento, feito em sede judicial,

Amanda disse que não viu Gisele bater em

Carolina e nem viu os ferimentos, mas disse

que poderia afirmar com convicção que os

fatos noticiados realmente ocorreram, pois

estava na casa da vítima quando esta

chegou chorando muito e narrando a

história.

A testemunha Luana disse que não tinha

certeza de que Gisele que era a pessoa que

agrediu a vítima.

Gisele, em seu interrogatório, exerceu o

direito ao silêncio.

Cumpre destacar que a primeira e única

audiência ocorreu apenas em 20/03/2012,

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2

mas que, anteriormente, três outras

audiências foram marcadas; apenas não se

realizaram porque, na primeira, o

magistrado não pôde comparecer, na

segunda o Ministério Público não

compareceu e a terceira não se realizou

porque, no dia marcado, foi dado ponto

facultativo pelo governador do Estado,

razão pela qual todas as audiências foram

redesignadas.

Assim, somente na quarta data agendada é

que a audiência efetivamente aconteceu.

Também merece destaque o fato de que na

referida audiência o parquet não ofereceu

proposta de suspensão condicional do

processo, pois, conforme documentos

comprobatórios juntados aos autos, em

30/03/2009, Gisele, em processo criminal

onde se apuravam outros fatos, aceitou o

benefício proposto.

Assim, segundo o promotor de justiça,

afigurava-se impossível formulação de nova

proposta de suspensão condicional do

processo, ou de qualquer outro benefício

anterior não destacado, e, além disso, tal

dado deveria figurar na condenação ora

pleiteada para Gisele como outra

circunstância agravante, qual seja,

reincidência.

Nesse sentido, considere que o magistrado

encerrou a audiência e abriu prazo,

intimando as partes, para o oferecimento da

peça processual cabível.

O advogado de Gisele, regularmente

intimado, quedou-se inerte. Tendo a ré sido

intimada para constituir novo advogado,

não se manifestou, sendo os autos

encaminhados à Defensoria Pública no dia

20/04/2012 (sexta-feira).

Na qualidade de Defensor Público, elabore a

peça processual pertinente em favor de

Gisele, com base no atual entendimento dos

tribunais superiores acerca dos temas

tratados e com observância das regras

técnicas. Apresente toda a matéria de

direito processual e material, dispense o

relatório e não crie fatos novos.

Date a peça no último dia do prazo de

interposição para a defensoria pública,

levando em conta que no dia 23/04/2012 não

houve expediente forense em virtude de

feriado religioso.

PROPOSTA DE SOLUÇÃO

EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DO ...

JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL DA

COMARCA ...

Processo n.º

GISELE, já qualificada nos autos da ação

penal que lhe move o Ministério Público,

vem a Vossa Excelência, por meio da

DEFENSORIA PÚBLICA, tempestivamente,

nos termos do artigo 403, §3º, do Código de

Processo Penal, apresentar suas alegações

finais, na forma de MEMORIAIS, expondo

as razões adiante aduzidas.

I. DAS PRELIMINARES

A) DA DECADÊNCIA

Narra a denúncia que Gisele, objetivando

provocar lesão corporal leve em Amanda,

teria dado um chute nas costas de Carolina,

por confundi-la com aquela, ocasião em

que a vítima caiu de joelhos no chão,

lesionando-se.

Como se sabe, no crime de lesão corporal

leve (artigo 129, caput, CP) procede-se

mediante ação pública condicionada à

representação, conforme preceitua o

artigo 88 da lei 9099/95.

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3

Registre-se que o caso em questão não se

enquadra em nenhuma das hipóteses da lei

de violência doméstica e familiar contra a

mulher (lei 11340/2006), sendo

perfeitamente cabível a aplicação da lei dos

juizados especiais.

Em algumas situações excepcionais, o

legislador confere à vítima a iniciativa para

o início da persecução penal. A

representação consubstancia a

manifestação de vontade do ofendido,

autorizando o Ministério Público a deflagrar

a ação penal. Trata-se de direito potestativo

da vítima, sujeito a prazo decadencial para

seu exercício.

Assim, considerando que o fato narrado na

inicial ocorreu em 01/04/2009, da data em

tomou conhecimento de quem era a autora

do fato, a ofendida deveria ter oferecido

representação dentro do prazo de seis

meses, nos exatos termos do artigo 38 do

Código de Processo penal.

Conforme se constata nos autos, a

representação somente foi feita em

18/10/2009. Portanto, naquela ocasião, a

vítima já havia decaído do direito de

representação, restando fulminada a

pretensão punitiva estatal, à luz do artigo

107, IV do Código Penal.

Por consequência, merece ser acolhida a

preliminar de decadência, declarando-se a

extinção da punibilidade.

B) DA NULIDADE EM FUNÇÃO

INOBSERVÂNCIA DO RITO PREVISTO NA

LEI 9099/95 E DA PRESCRIÇÃO DA

PRETENSÃO PUNITIVA PELA PENA EM

ABSTRATO

Por se tratar de infração penal de menor

potencial ofensivo, conforme conceituado

no artigo 61, da lei 9099/95, por ter pena

máxima abstratamente cominada de 01 (um)

ano de detenção, a lesão corporal leve

deve ser processada sob o rito

sumaríssimo, previsto na lei dos juizados

especiais.

Compulsando-se os autos, percebe-se

que não foi oportunizada à defesa

técnica a apresentação de resposta

preliminar à acusação, na forma do artigo

81 da lei 9099/95, tendo sido recebida a

denúncia, com flagrante violação da ampla

defesa e do devido processo legal.

Convém recordar que as regras

procedimentais não possuem vida própria,

servindo ao regular desenvolvimento do

processo, possibilitando a aplicação do

direito ao caso concreto.

Assim, a adoção de procedimento incorreto

conduz à nulidade do processo, desde o

recebimento da denúncia, pela

inobservância do rito previsto na Lei

9.099/95.

Com a anulação da decisão que recebeu a

denúncia, fica afastada a causa

interruptiva do curso do prazo

prescricional, verificando-se que, da data

do fato (01/04/2009) até o presente

momento já decorreu o lapso superior a

três anos.

Como a pena máxima abstratamente

cominada ao crime de lesão corporal leve

é de 01 (ano), o prazo prescricional

corresponde a 04 (quatro) anos, à luz do

artigo 107, V, do Código Penal.

Todavia, sendo a ré menor de 21 anos na

data do fato, impõe-se a redução do prazo

prescricional pela metade, por força do

artigo 115, do mesmo diploma,

encontrando seu montante final em 02

(dois) anos.

Em consequência, deve ser reconhecida a

prescrição da pretensão punitiva estatal,

levando-se em conta a pena máxima em

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abstrato cominada para o crime de lesão

corporal leve, com a inevitável declaração

de extinção da punibilidade.

C) DA NULIDADE DO RECONHECIMENTO

FOTOGRÁFICO FEITO EM SEDE POLICIAL.

A testemunha de acusação Luana

reconheceu a acusada por foto em sede

policial. Ademais, em juízo não foi capaz de

confirmar ser Gisele a autora do delito.

O reconhecimento fotográfico é meio de

prova inominado e, segundo o STF, até

pode ser utilizado, desde que observadas

as formalidades do reconhecimento pessoal

e corroborado por outros elementos de

convicção, em face de sua precariedade.

Quanto ao reconhecimento de pessoas,

deve existir, obviamente, mais de uma para

que seja utilizado como meio idôneo de

prova. Na falta de diversas pessoas para o

reconhecimento, o que ocorre, na verdade,

é mera indicação de autoria delitiva.

De acordo com o princípio da imediatidade

das provas, a testemunha é chamada em

Juízo para depor sobre fatos que tenha

ciência por todos os seus sentidos,

sobretudo – e o que é mais comum – a

visão.

A mens legislatoris é exatamente essa. É

por essa razão que o Código de Processo

Penal estabeleceu um procedimento

específico de reconhecimento de pessoas,

determinando a colocação de várias

pessoas semelhantes ao lado do

identificando para que a testemunha possa

reconhecê-lo, sem que haja dúvidas.

De acordo com a doutrina, o

reconhecimento de pessoas é meio de

prova eminentemente formal, pelo qual

alguém é chamado para verificar e

confirmar a identidade de uma pessoa que

viu no passado.

Sendo meio de prova, o reconhecimento

deve ser feito à luz das normas vigentes a

respeito do tema, quais sejam, as do art.

226 do Código de Processo Penal e dos

princípios constitucionais da presunção de

inocência e do contraditório.

Lamentavelmente, é bastante comum na

praxe forense a realização de

“reconhecimentos informais” admitidos em

nome do livre convencimento motivado.

Entretanto, considerando que o

reconhecimento é meio de prova cuja forma

de produção está estritamente definida e,

partindo da premissa de que, em matéria

processual penal, forma é garantia, não há

espaço para informalidades judiciais.

Se feito reconhecimento com as devidas

cautelas legais, deverá a autoridade

providenciar que o imputado seja colocado

ao lado de outras pessoas fisicamente

semelhantes. Nesse ponto, deve-se atentar

para o número de pessoas, bem como para

as semelhanças físicas, criando-se um

cenário cujo nível de indução seja o menor

possível.

Para a validade do reconhecimento

fotográfico, devem ser adotados os

mesmos cuidados. Nota-se, dessa forma,

que não foi seguido o procedimento

estabelecido no art. 226 do CPP, pois a

fotografia da acusada foi apresentada

isoladamente à testemunha, não tendo sido

colocada ao lado de fotos de outras

pessoas semelhantes para a realização do

reconhecimento fotográfico.

Portanto, resta demonstrada a ilicitude do

reconhecimento fotográfico, devendo ser

declarada a sua nulidade nos termos do art.

564, IV do Código Processo Penal.

II. DO MÉRITO

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O crime de lesões corporais é crime de fato

permanente, ou seja, deixa vestígios. Para a

comprovação da sua materialidade, é

indispensável a realização de exame de

corpo de delito, nos temos do artigo 158,

do Código de Processo Penal.

Em conformidade com os princípios da

informalidade, da simplicidade e da

economia processual, que regem o

processo nos Juizados especiais, admite-

se o suprimento da materialidade através

de boletim de atendimento médico ou

prova equivalente , nos termos do art. 77,

§1º da lei 9099/95.

De outro lado, se os vestígios deixados pelo

crime desaparecerem, a prova

testemunhal assume caráter supletivo,

podendo servir de base para que se

tenha como comprovada a materialidade

do delito. É o que se extrai do art. 167 do

CPP.

Note-se que a prova testemunhal, neste

caso, tem caráter subsidiário. Sendo assim,

somente se admite a demonstração da

existência material do crime pela prova

testemunhal se os vestígios houverem

desaparecido, impossibilitando a realização

do exame direto.

Aliás, segundo o STF, se os vestígios

deixados pelo crime desaparecerem,

impossibilitando a realização do exame de

corpo de delito, qualquer prova lícita

(idônea), e não apenas a testemunhal,

poderá servir de base para formação do

conjunto probatório e o reconhecimento

da existência material do fato criminoso.

Contudo, da leitura dos autos, verifica-se

que não foi realizado exame de corpo de

delito. Registre-se que, na fase

inquisitorial, Carolina foi instruída pelo

delegado a fazer a perícia, o que não

ocorreu, porque os ferimentos, muito leves,

na ocasião, já haviam sarado, eis que

decorridos mais de seis meses desde a data

do fato.

Também não foi juntado qualquer outro

documento idôneo, como, por exemplo, o

boletim de atendimento médico.

A prova testemunhal, por sua vez, não

trouxe qualquer evidência acerca das

lesões, tendo a testemunha Amanda

afirmado que não presenciou a agressão

e tampouco viu os ferimentos, mas

apenas ouviu a narrativa da vítima

quando esta chegou em casa, chorando

muito.

Luana, a seu turno, não conseguiu

reconhecer Gisele como autora do fato.

Portanto, não há qualquer prova da

existência material do fato. E, ainda, que

consideradas as declarações da ofendida e

os depoimentos das testemunhas, tais

elementos são insuficientes para lastrear

uma condenação.

De acordo com a doutrina mais

moderna, a falta de Exame de Corpo de

Delito sem suprimento por outra prova

cabal, acarreta a ausência da

comprovação da materialidade delitiva, o

que impõe a absolvição. Para

condenação, exige-se prova plena,

convincente, que conduz a um juízo de

certeza do julgador.

A exigência de comprovação plena dos

elementos que dão suporte à acusação

penal recai por inteiro, e com exclusividade,

sobre o Ministério Público.

Essa imposição do ônus processual

concernente à demonstração da ocorrência

do ilícito penal reflete, na realidade, e dentro

de nosso sistema positivo, uma expressiva

garantia jurídica que tutela e protege o

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próprio estado de liberdade que se

reconhece às pessoas.

O princípio da presunção de inocência, hoje

convertido em garantia fundamental do

indivíduo pela Constituição Federal de 1988,

no inciso LVII, do art. 5º, estabelece que

"ninguém será considerado culpado até o

trânsito em julgado de sentença penal

condenatória".

Neste contexto, é imperioso salientar que, a

partir do referido princípio, legitima-se a

afirmação de que todos os ônus probatórios

relativos à existência do fato e de sua

autoria devem recair exclusivamente sobre

a acusação.

No caso em tela, o Ministério Público não se

desincumbiu de seu ônus. Não restando

satisfatório ou convincente o conjunto

probatório, milita em favor da acusada o

princípio do in dubio pro reo.

Dessa forma, impõe-se a absolvição de

Gisele, com fundamento no art. 386,

incisos II e VII, do Código de Processo

Penal.

III. DA DOSIMETRIA DA PENA

Caso não sejam acolhidos os argumentos

acima expostos, na remota eventualidade

de condenação, passa-se às considerações

acerca da dosimetria da pena.

O artigo 59 do Código Penal aponta que, na

fixação da pena-base, deve-se atentar à

culpabilidade, à personalidade, à conduta

social, à personalidade do agente, aos

motivos, às circunstâncias e às

consequências do crime, bem como ao

comportamento da vítima.

As circunstâncias judiciais constantes do

artigo 59 do Código Penal Brasileiro são

critérios limitadores da discricionariedade

judicial, que indicam o procedimento a ser

adotado na individualização da pena-base.

A lei não os define de forma pormenorizada,

mas deixa a cargo do julgador a função de

identificá-los no bojo dos autos e mensurá-

los concretamente.

É cediço que, na fixação da pena-base, além

do respeito aos ditames legais e da

avaliação criteriosa das circunstâncias

judiciais, deve ser observado o princípio da

proporcionalidade, para que a resposta

penal seja justa e suficiente para cumprir o

papel de reprovação do ilícito.

No caso em apreciação, a pena-base deve

ser aplicada no mínimo legal, uma vez que

nenhuma das circunstâncias judiciais

elencadas no artigo 59 do Código penal é

desfavorável a Gisele.

De outra sorte, na segunda fase da fixação

da pena, não podem incidir as agravantes

indicadas pelo Parquet.

Primeiramente, não há que se falar em

reincidência, uma vez que o registro de

que houve a aceitação de proposta de

suspensão condicional do processo em

outros autos não implica condenação.

No ponto, convém esclarecer que a

reincidência, nos termos do artigo 63 do

Código Penal, ocorre quando alguém

comete novo crime, após ter sido

condenado definitivamente por crime

anterior. Portanto, Gisele ostenta a

condição de primária.

Deve-se reforçar o princípio constitucional

de não culpabilidade, já consagrado em

nossos Tribunais Superiores, em especial

no verbete nº 444 do Superior Tribunal de

Justiça, segundo a qual “é vedada a

utilização de inquéritos policiais e ações

penais em curso para agravar a pena base.”

Assim, ante o princípio constitucional da

presunção do estado de inocência, se é

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defeso ao Magistrado considerar como

maus antecedentes os registros policiais e

judiciais em nome do réu para efeito de

majorar a pena-base, com muito mais razão,

eventuais registros não podem ser

adotados para fim de reincidência.

Em segundo lugar, não deve incidir a

agravante de ter sido o crime praticado

contra mulher grávida (art. 61, II, h, CP),

uma vez que houve erro na identificação

da pessoa ou error in personam, previsto

no artigo 20, §3º, do Código Penal.

Assim, se considerarmos que Gisele

pretendia atingir Amanda, ao confundi-la

com Carolina, incorreu em erro de

pessoa para pessoa, segundo o qual

conforme preceitua a disposição legal

acima mencionada, não se consideram as

condições pessoais da vítima real, mas,

sim, as da pessoa que a autora pretendia

efetivamente ofender.

Como Amanda não estava grávida na

ocasião, evidente que resta afastada a

agravante em questão.

Por fim, deve ser aplicada a atenuante do

artigo 65, I, do Código Penal, visto que

Gisele possuía, ao tempo do fato, idade

inferior a 21 (vinte e um) anos. Por questão

de política criminal, o legislador concedeu

um tratamento mais benéfico a pessoas

que, apesar de imputáveis, apresentam um

grau amadurecimento ainda incipiente.

A consideração acerca da imaturidade é de

tamanha relevância que faz com que a

atenuante da menoridade relativa

prepondere sobre qualquer outra

circunstância, inclusive sobre a

reincidência, consoante jurisprudência dos

Tribunais Superiores.

Assim, deve ser atenuada a pena da

acusada.

Não há causas de aumento nem de redução

de pena a serem consideradas.

IV. DOS PEDIDOS

Em face do exposto, requer:

1) sejam acolhidas as preliminares de

extinção de punibilidade pela decadência

do direito de representação, bem como

de declaração da nulidade do processo

desde o recebimento da denúncia, com a

consequente extinção da punibilidade

pela prescrição da pretensão punitiva com

base na pena máxima cominada em

abstrato.

2) seja declarada a nulidade do

reconhecimento fotográfico e seu

desentranhamento dos autos.

3) no mérito, seja julgado improcedente o

pedido, com a absolvição da ré com

fundamento na ausência de provas da

existência do fato e na insuficiência de

provas para a condenação, nos termos do

art. 386, incisos II e VII, do Código de

Processo Penal.

4) subsidiariamente, na remota

eventualidade de condenação, requer a

fixação da pena privativa de liberdade no

mínimo legal e sem a incidência das

circunstâncias agravantes da reincidência

e de ter sido o crime cometido contra

mulher grávida;

5) requer, ainda, em caso de condenação

a atenuação da pena em função da idade

da ré inferior a 21 anos à época do fato.

Nesses termos,

Pede e espera deferimento.

Local, 03/05/2012.

Defensor Público

RECURSO ESPECIAL

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ENUNCIADO PARA O RECURSO ESPECIAL

Marley, nacional da África do Sul, foi preso

em flagrante, no dia 05 de novembro de

2010, quando desembarcava na rodoviária

do município A, no estado X, do ônibus da

empresa ômega, oriundo do estado Y,

levando no interior de sua mochila 1.000

gramas de cocaína, sendo denunciado

como incurso no crime previsto no artigo 33

c/c artigo 40, inciso V da Lei 11.343/06.

Em análise às provas dos autos e

considerando as circunstâncias judiciais do

artigo 59 do Código Penal, bem como o

artigo 42 da Lei 11.343/06, o juiz reconheceu

ser o réu primário, de forma que aplicou a

pena-base no mínimo legal. Embora tenha

confessado a prática da conduta, em função

da fixação da pena-base já no mínimo legal,

não foi considerada a atenuante prevista no

artigo 65, inciso III, alínea d do Código

penal, diante do óbice previsto no

Enunciado 231 da Súmula do Superior

Tribunal de Justiça.

Pela incidência do artigo 40, inciso V da

referida lei, o juiz aplicou o aumento da

pena no mínimo legal (1/6) e, ante a

primariedade e a ausência de comprovação

de existência de maus antecedentes, o juiz

fez incidir ainda a minorante prevista no

artigo 33, § 4ºda Lei de Drogas, no seu

patamar máximo (2/3), fixando, ao final, a

pena em 01 (um) ano, 11 (onze) meses e 10

(dez) dias de reclusão em regime fechado e

a 194 (cento e noventa e quatro) dias-multa.

Todavia, considerando que se encontravam

presentes os requisitos ensejadores da

concessão de pena restritiva de direito, nos

termos do artigo 44 do Código Penal, a

defesa apelou, requerendo a substituição da

pena imposta em pena alternativa. Também

foi requerida a fixação de regime inicial

aberto para cumprimento da pena.

O recurso foi denegado pelo Tribunal de

Justiça. O advogado constituído juntou

termo de renúncia e réu intimado para

constituir novo advogado, afirmou não ter

condições de custear sua defesa.

Os autos foram encaminhados à Defensoria

Pública no dia 20/04/2012 (sexta-feira). Na

qualidade de Defensor Público, elabore a

peça processual pertinente em favor de

Marley, com base no atual entendimento

dos tribunais superiores acerca dos temas

tratados e com observância das regras

técnicas. Apresente toda a matéria de

direito processual e material, dispense o

relatório e não crie fatos novos.

Date a peça no último dia do prazo de

interposição para a defensoria pública,

levando em conta que no dia 23/04/2012 não

houve expediente forense em virtude de

feriado religioso

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR

DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO

EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO

ESTADO X

PROCESSO:

RECORRENTE: MARLEY

RECORRIDO: MINISTÉRIO

PÚBLICO

Com base na alínea “a” do inciso III do

artigo 105 da Constituição da República, a

Defensoria Pública vem, em favor de

MARLEY, interpor RECURSO ESPECIAL em

face do r. acórdão de fls., que negou

vigência aos artigos 33, §2º e 44, ambos do

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Código Penal bem como à Resolução nº 5

de 2012, do Senado Federal.

Estando presentes os requisitos de

admissibilidade do recurso e a evidência de

estar a matéria controversa devidamente

prequestionada, requer-se seja o presente

recurso admitido, com o encaminhamento

das razões recursais ao egrégio Superior

Tribunal de Justiça.

Termos em que pede deferimento.

Local, 23 de Maio de 2012.

Defensor Público

RAZÕES DO RECURSO ESPECIAL

PROCESSO:

RECORRENTE: MARLEY

RECORRIDO: MINISTÉRIO

PÚBLICO

EGRÉGIO SUPERIOR TRIBUNAL DE

JUSTIÇA

Colenda Turma

Senhores Ministros

Trata-se de Recurso Especial interposto

pela Defensoria Pública em favor de

MARLEY, com base no artigo 105, inciso III,

alínea “a”, da Constituição da República

Federativa do Brasil, em face do r. acórdão

de fls., que não atendeu ao apelo defensivo

e, assim, negou vigência aos artigos 33, §2º

e 44, ambos do Código Penal bem como à

Resolução nº 5 de 2012, do Senado Federal,

uma vez que manteve o regime fechado

para o início do cumprimento da pena e não

permitiu a substituição da pena privativa de

liberdade em restritiva de direitos.

1. DA TEMPESTIVIDADE

Respeitada a prerrogativa de prazo em

dobro para a Defensoria Pública

estabelecida na Lei Complementar nº 80 de

1994, em seu art. 44, inciso I, é tempestivo o

presente recurso, tendo em vista a

intimação da Defensoria Pública da União

ter ocorrido na data de 20/04/2012 (fl.

381/v.), sexta-feira, com início de contagem

do prazo em 24/04/2012(uma vez que o dia

23/04/2012 foi feriado no município y), prazo

que se encerra em 23/05/2012.

2. DO CABIMENTO DO RECURSO

ESPECIAL E SEUS REQUISITOS

Antes de se expor a efetiva

contrariedade à lei federal contida na

decisão recorrida, cumpre mencionar que

se encontram satisfeitos todos os

requisitos exigíveis para a admissibilidade

do presente recurso, tais como: cabimento,

legitimação, interesse, inexistência de fato

impeditivo ou extintivo do poder de

recorrer, tempestividade e, sobretudo, as

prerrogativas do defensor público relativas

ao prazo em dobro e a sua necessária

intimação pessoal.

Passa-se, então, à análise do

prequestionamento da matéria aqui

discutida.

A decisão guerreada analisou amplamente a

possibilidade de conversão da pena

privativa de liberdade em restritiva de

direitos e a fixação do regime inicial de

cumprimento de pena.

A hipótese em discussão refere-se à

negativa do tribunal a quo em conceder ao

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apenado o direito de substituição da pena

privativa de liberdade por outra restritiva de

direitos, bem como regime inicial diverso do

fechado para início do cumprimento da

pena.

O recorrente foi condenado por tráfico de

drogas a 01 (um) ano, 11 (onze) meses e 10

(dez) dias de reclusão em regime fechado e

a 194 (cento e noventa e quatro) dias-multa.

O quantum de pena revela a baixa

ofensividade da conduta do agente

concretamente considerada. Entretanto,

mesmo preenchendo os requisitos

objetivos e subjetivos do artigo 44 do

Código penal, o órgão julgador entendeu

por denegar-lhe a pena alternativa com base

na gravidade abstrata dos crimes

etiquetados como hediondos.

A possibilidade de substituição de pena

privativa de liberdade por pena alternativa

nos crimes de tráfico de drogas foi a

analisada no Habeas Corpus 97.256/RS, em

que o E. Supremo Tribunal Federal

declarou, incidenter tantum, a

inconstitucionalidade da vedação à

substituição de pena privativa de liberdade

por restritiva de direitos trazida pelos

artigos 33, §4º e 44 da Lei n. 11.343/06.

Corroborando o entendimento do Supremo

Tribunal Federal quanto à

inconstitucionalidade da vedação à

concessão de penas alternativas em crimes

de tráfico de drogas, o Senado Federal

editou a Resolução nº 5/2012, na qual foi

declarada suspensa referida vedação.

Todavia, o tribunal a quo, considerando

constitucional a restrição da substituição,

decidiu por não permitir ao que lhe fosse

concedida a sanção alternativa. Desse

modo, embora o órgão julgador tenha se

pronunciado sobre o julgamento do HC

97.256/RS, no qual o Supremo Tribunal

Federal, por maioria dos votos, declarou

incidentalmente a inconstitucionalidade da

vedação à substituição por pena restritiva

de direitos, constante dos artigos 33, §4º e

44 da Lei de Drogas, a sua decisão foi no

sentido oposto, na medida em que aderiu à

tese vencida, que propugnava a

constitucionalidade da expressão

questionada.

É de se observar, portanto, que a matéria

encontra-se devidamente prequestionada.

Ressalte-se ser imperiosa a atuação do E.

STJ, considerando-se a relevância da

matéria, visto que a fixação e

individualização da pena envolvem questão

de extrema importância jurídica e a

divergência que ainda provoca a intensa

discussão.

Portanto, o objeto deste Recurso Especial

não se limita à individualidade do caso ora

em apreciação, tampouco visa a rediscutir

matéria fática, mas lastreia-se em elementos

que ultrapassam os limites subjetivos da

causa. Sendo assim, o julgamento do

presente recurso torna-se necessário.

3. RAZÕES PARA A REFORMA DA

DECISÃO

3.1. DA NEGATIVA DE VIGÊNCIA AO

ARTIGO 44 DO CÓDIGO PENAL E À

RESOLUÇÃO Nº 5/2012 DO SENADO

FEDERAL

O artigo 44 do Código Penal prevê a

possibilidade de conversão da pena

privativa de liberdade em restritivas de

direito quando a pena aplicada não for

superior a 4 anos e desde que o crime não

seja praticado com violência ou grave

ameaça à pessoa.

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Essa regra genérica não era aplicada ao

crime de tráfico de drogas, devido à

vedação de substituição imposta pelos

artigos 33, § 4º e 44 da Lei 11.343/06.

Entretanto, no julgamento do Habeas

Corpus 97.256/RS, o Supremo Tribunal

Federal, por maioria de votos, declarou

inconstitucional, pela via difusa, a

expressão vedada a conversão em penas

restritivas de direitos, constante dos

referidos artigos, removendo, assim, no

caso concreto, o óbice legal constante da

Lei 11.343/06.

Diante dessa decisão, o Senado Federal

editou a Resolução nº 5/2012, no dia 15 de

fevereiro de 2012, para suspender, nos

termos do artigo 52, inciso X, da

Constituição da República Federativa do

Brasil, a execução da parte do § 4º do art. 33

da Lei nº 11.343/06, relativa à vedação da

substituição da pena.

Desta forma, preenchidos os requisitos

legais, mesmo os condenados aos tipos

previstos na Lei 11.343/06 poderão ter a

pena privativa de liberdade substituída.

Ao enfrentar a questão, o Supremo Tribunal

Federal entendeu que a absoluta

impossibilidade de aplicação de pena

alternativa ao tráfico ilícito de drogas feriria

o princípio constitucional da

individualização da pena, previsto no artigo

5º, inciso XLVI, da Constituição da

República.

Observe-se que o direito penal deve ser

orientado no sentido da individualização da

pena, devendo o tratamento penal ser

voltado para as características pessoais do

agente, de forma que possa corresponder

aos fins que se pretende atingir com a

respectiva sanção. Objetiva-se, com isso,

impor ao condenado, de forma justa e bem

fundamentada, a quantidade e espécie de

pena que o fato realmente merece.

Na visão dos Tribunais Superiores, o

processo de individualização da pena é um

caminhar no rumo da personalização da

resposta punitiva do Estado,

desenvolvendo-se em três momentos

individuados e complementares: o

legislativo, o judicial e o executivo.

Logo, a lei comum não tem a força de

subtrair do juiz sentenciante o poder-dever

de impor ao delinquente a sanção criminal

que a ele, juiz, afigurar-se como expressão

de um concreto balanceamento ou de uma

empírica ponderação de circunstâncias

objetivas com protagonizações subjetivas

do fato-tipo.

No momento sentencial da dosimetria da

pena, o juiz sentenciante se movimenta com

ineliminável discricionariedade entre aplicar

a pena de privação ou de restrição da

liberdade do condenado e outra que já não

tenha por objeto esse bem jurídico maior da

liberdade física do sentenciado. Pelo que é

vedado subtrair da instância julgadora a

possibilidade de se movimentar com certa

discricionariedade nos quadrantes da

alternatividade sancionatória.

As penas restritivas de direitos são, em

essência, uma alternativa aos efeitos

certamente traumáticos, estigmatizantes e

onerosos do cárcere. Não é à toa que todas

elas são comumente chamadas de penas

alternativas, pois essa é mesmo a sua

natureza: constituir-se num substitutivo ao

encarceramento e suas sequelas.

E o fato é que a pena privativa de liberdade

corporal não é a única a cumprir a função

retributivo-ressocializadora ou restritivo-

preventiva da sanção penal. As demais

penas também são vocacionadas para esse

geminado papel da retribuição-prevenção-

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ressocialização, e ninguém melhor do que o

juiz natural da causa para saber, no caso

concreto, qual o tipo alternativo de

reprimenda é suficiente para castigar e, ao

mesmo tempo, recuperar socialmente o

apenado, prevenindo comportamentos do

gênero.

Na esteira desse entendimento, esse

Superior Tribunal de Justiça tem afirmado

que a gravidade abstrata do delito não

constitui, por si só, motivação idônea para

justificar o indeferimento da substituição da

pena privativa de liberdade por restritivas

de direitos.

Cumpre ainda mencionar que negar ao réu,

estrangeiro e não residente no Brasil, a

concessão de pena alternativa fere, ainda,

outro princípio constitucional – o princípio

da isonomia (artigo 5º, caput) –, tendo em

vista que essa garantia vem sendo

assegurada aos cidadãos brasileiros e

estrangeiros residentes no país que

praticam a mesma conduta imputada ao

recorrente.

Assim, o princípio da isonomia garante

também ao não nacional condenado por

tráfico ilícito de drogas o direito de obter a

conversão da pena privativa por restritiva

de direito, sempre que atender aos

requisitos previstos no artigo 44 do Código

Penal, ou seja, ele passa a ter os mesmos

direitos dos cidadãos brasileiros e dos

estrangeiros aqui domiciliados.

Esse entendimento foi sufragado pelo

Supremo Tribunal Federal, segundo o qual,

o Princípio da Isonomia, garantia pétrea

constitucional extensível aos estrangeiros,

impede que o condenado não nacional pelo

crime de tráfico ilícito de entorpecentes seja

privado da concessão do benefício da

substituição da pena privativa por restritiva

de direitos quando atende aos requisitos

objetivos e subjetivos do art. 44 do Código

Penal.

É cediço na Corte Suprema que o súdito

estrangeiro, mesmo aquele sem domicílio

no Brasil, tem direito a todas as

prerrogativas básicas que lhe assegurem a

preservação do "status libertatis" e que lhe

garantam a observância, pelo poder

público, da cláusula constitucional do "due

process".

A condição jurídica de não nacional do

Brasil e a circunstância de o réu estrangeiro

não possuir domicílio em nosso país não

legitimam a adoção, contra tal acusado, de

qualquer tratamento arbitrário ou

discriminatório.

Impõe-se ao Judiciário o dever de

assegurar, mesmo ao réu estrangeiro sem

domicílio no Brasil, os direitos básicos que

resultam do postulado do devido processo

legal, notadamente as prerrogativas

inerentes às garantias da ampla defesa e do

contraditório, à igualdade entre as partes

perante o juiz natural e à garantia de

imparcialidade do magistrado processante.

Portanto, tendo em vista que estrangeiros e

brasileiros possuem os mesmos direitos e,

levando-se em conta que todas as

circunstâncias judiciais apresentadas nos

autos são favoráveis ao recorrente

(primariedade e bons antecedentes), deve-

se reconhecer o seu direito à substituição

da pena privativa de liberdade por restritiva

de direitos, na forma do artigo 44 do Código

Penal e da Resolução nº 5/2012 do Senado

Federal.

3.2. DA NEGATIVA DE VIGÊNCIA AO

ARTIGO 33, §2º DO CÓDIGO PENAL

Fixada a pena-base no mínimo legal, sendo

o agente primário e inexistindo

circunstâncias judiciais desfavoráveis, não

é legítimo agravar o regime de cumprimento

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da pena, a teor do disposto no artigo 33, §

2.º, alínea c, e § 3.º do Código Penal, que

dispõe que "o condenado não reincidente,

cuja pena seja igual ou inferior a 4

(quatro)anos, poderá, desde o início,

cumpri-la em regime aberto".

É inegável que a condenação imposta a

Marley (01 (um) ano, 11 (onze) meses e 10

(dez) dias de reclusão), revela uma baixa

ofensividade da conduta.

Portanto, a decisão que lhe impôs o regime

inicial fechado para o cumprimento da pena

há de ser reformada para adequar-se à

individualização da sanção criminal, em

estrita obediência ao disposto no

mencionado texto legal.

Ora, o fato de o apenado ser estrangeiro,

não ter domicílio no país não impede de

obter os regimes semiaberto ou aberto,

dando-lhe o direito de sair do

estabelecimento em que se encontrar para

exercer outra atividade.

Nessa esteira, fica evidente a violação das

súmulas 718 e 719, ambas do STF, e da

súmula 440 do STJ, verbis:

Súmula 718 do STF - A opinião do julgador

sobre a gravidade em abstrato do crime não

constitui motivação idônea para a

imposição de regime mais severo do que o

permitido segundo a pena aplicada.

Súmula 719 do STF - A imposição do regime

de cumprimento mais severo do que a pena

aplicada permitir exige motivação idônea.

Súmula 440 do STJ - Fixada a pena-base no

mínimo legal, é vedado o estabelecimento

de regime prisional mais gravoso do que o

cabível em razão da sanção imposta, com

base apenas na gravidade abstrata do

delito.

Mesmo se tratando de crime equiparado a

hediondo, é necessária a fundamentação

adequada para fixação de regime inicial de

cumprimento de pena mais gravoso do que

o permitido de acordo com a pena aplicada.

Nessa linha, anote-se que, recentemente, o

Pleno da Suprema Corte declarou a

inconstitucionalidade do § 1º do artigo 2º da

Lei 8.072/90, com a redação dada pela Lei

11.464/07, que consagrara a obrigatoriedade

de imposição do regime inicial fechado para

o cumprimento da pena de crimes

hediondos e equiparados.

Se a decisão atacada fixou o regime

fechado tão somente com base no

dispositivo reputado inconstitucional,

impõe-se a revisão. Entender de forma

diferente, como já afirmado acima,

implicaria grave violação à garantia

fundamental da individualização da pena e

da isonomia.

Por essa razão, o regime inicial aberto deve

ser imediatamente concedido, reformando-

se, assim, a decisão proferida pelo Tribunal.

Demonstrada com clareza a negativa de

vigência ao artigo 33, §2º do Código Penal,

vem o recorrente, por meio do presente

recurso especial, requerer a reforma do

decisum a quo, a fim de ver atendida a

justiça que seu caso merece.

4. PEDIDO

Ante o exposto, requer-se seja o

presente recurso especial conhecido e

provido, para que seja afastada a negativa

de vigência aos artigos 33, §2º e 44 do

Código Penal e da Resolução nº 5/2012 do

Senado Federal, reformando-se a r. decisão

para fixar o regime aberto e reconhecer o

direito do recorrente à substituição da pena

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14

privativa de liberdade por pena restritiva de

direitos.

Termos em que pede deferimento.

Local, 18 de Maio de 2012.

Defensor Público

RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL

ENUNCIADO PARA O RECURSO

ORDINÁRIO

ANTÔNIO, CARLOS, JOÃO E JOSÉ foram

denunciados, junto com mais outros 7

(sete) indivíduos, por suposta participação

em complexa associação que se dedicaria à

prática de crimes contra instituto de

previdência estadual, sendo incursos nos

arts. 313-A; 297, § 3º. III; 299 e 288, todos do

CP.

As prisões preventivas dos recorrentes

foram efetivadas em novembro de 2011,

tendo a denúncia sido recebida em

14/12/2011, ocasião na qual foram deferidas

diligências requeridas pelo MPF e

determinada a citação de todos os

acusados, nos termos do art. 396 do CPP.

Apesar de a instrução ter sido concluída em

26/09/2012, os acusados ainda se

encontram presos, com adiamentos

sucessivos da audiência para interrogatório

do réu SOUZA, preso em 22/10/2012, o que

acarretou o prolongamento da prisão

processual dos pacientes, sem que os

requerimentos de revogação apresentados

pelas defesas fossem apreciados.

Foi impetrado Habeas corpus em favor de

ANTÔNIO, CARLOS, JOÃO E JOSÉ,

questionando a legalidade da manutenção

da custódia pelo excesso de prazo. A ordem

foi denegada ao argumento de que, dentro

de um critério de razoabilidade e

proporcionalidade, em virtude da

complexidade e do número de réus

existentes e quando se tem em conta que a

culpa pela demora não pode ser creditada

ao Juízo nem ao Ministério Público, não

resta configurado o excesso de prazo na

formação da culpa.

Os autos vieram à Defensoria Pública para

ciência da decisão no dia 08/03/2013.

Na qualidade de Defensor Público, elabore a

peça processual pertinente em favor de dos

pacientes, com base no atual entendimento

dos tribunais superiores acerca dos temas

tratados e com observância das regras

técnicas. Apresente toda a matéria de

direito processual e material, dispense o

relatório e não crie fatos novos.

Date a peça no último dia do prazo de

interposição para a defensoria pública.

PROPOSTA DE SOLUÇÃO

EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE

DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO X

...

Habeas Corpus nº

RÉUS PRESOS

RECORRENTES: ANTÔNIO, CARLOS, JOÃO

E JOSÉ

...

ANTÔNIO, CARLOS, JOÃO E JOSÉ, já

qualificados nos autos do habeas corpus

em epígrafe, por meio da Defensoria

Pública, com base no inciso II, alínea “a” do

artigo 105 da Constituição da República c/c

artigo 30 da Lei 8.038/90, vem a Vossa

Excelência interpor RECURSO ORDINÁRIO

em face do R. acordão de fls., que denegou

a ordem de Habeas Corpus dos recorrentes.

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15

Estando presentes os requisitos de

admissibilidade do recurso, sobretudo

consideradas as prerrogativas dos

defensores públicos, notadamente a de

serem intimados pessoalmente de todos os

atos do processo, de possuírem prazo em

dobro para se manifestar (art. 44, inciso I da

LC 80/94).

Termos em que, requerendo seja ordenado

o processamento do recurso, ora

impetrado, com as anexas razões, pede

deferimento.

Local, 20 de março de 2013.

Defensor Público

RAZÕES DO RECURSO ORDINÁRIO

Egrégio SUPERIOR TRIBUNAL de justiça

Colenda Turma

Eminente Ministro-Relator

Cuida-se de RECURSO ORDINÁRIO,

interposto pela Defensoria Pública na

defesa de ANTÔNIO, CARLOS, JOÃO E

JOSÉ, com base no inciso II, alínea “a” do

artigo 105 da Constituição da República c/c

artigo 30 da Lei 8.038/90, em face do R.

acordão de fls., que denegou o Habeas

Corpus dos recorrentes.

1. DA TEMPESTIVIDADE

Respeitada a prerrogativa de

prazo em dobro para a Defensoria Pública

estabelecida na Lei Complementar nº 80 de

1994, em seu art. 44, inciso I, é tempestivo o

presente recurso, tendo em vista a

intimação da Defensoria Pública da União

ter ocorrido na data de 08/03/2013 (sexta-

feira), com início de contagem do prazo em

11/03/2013, prazo este que se encerra em

20/03/2013.

2. DOS FATOS E DO DIREITO

Impetrado habeas corpus com pedido

liminar, esse foi denegado pelo Tribunal de

Justiça, razão por que se fez necessária a

apresentação do presente recurso.

A decretação da prisão dos recorrentes

deve ser imediatamente revogada, por violar

a Constituição da República e o Código de

Processo Penal. O TRIBUNAL DE JUSITÇA,

ao decidir pela manutenção da prisão dos

assistidos, não observou os requisitos

básicos para a imposição da medida

constritiva, conforme incisos I e II do artigo

282 do Código de Processo Penal.

2.1. NECESSIDADE - DA INEXISTÊNCIA DE

PRESSUPOSTOS DA PRISÃO PREVENTIVA

Não há razão para a manutenção da

custódia dos pacientes, por não encontrar

respaldo na Carta Magna, nem na

jurisprudência dos Tribunais Superiores,

pelas razões a seguir esposadas.

Toda e qualquer prisão provisória, medida

cautelar que é, deve ser regida pelos

Princípios da Necessidade e

Excepcionalidade.

Em outras palavras, toda e qualquer prisão

provisória somente deve ser decretada ou

mantida somente se for necessária, e, ainda

assim, de forma excepcional. O direito penal

funciona como a ultima ratio.

É com base nesse raciocínio que os

Tribunais Superiores solidificaram suas

jurisprudências no sentido de não existir

prisão provisória ex lege, isto é, prisão que

decorra meramente da lei, sem motivação,

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16

sob pena de violação dos Princípios da

Presunção de Inocência, da Necessidade de

Fundamentação das decisões judiciais, do

Devido Processo Legal, do Contraditório e

da Ampla Defesa.

Dito isso, há que se ressaltar que, no caso

em apreço, não há nenhuma razão para a

manutenção da prisão preventiva dos

recorrentes, porquanto a Lei 12.403/11

determinou que a medida cautelar extrema

só deve ser aplicada em último caso,

quando as outras medidas cautelares

elencadas no artigo 319, do CPP não se

mostrarem suficientes.

Afigura-se plausível, no caso concreto, a

cumulação de certas medidas cautelares

veiculadas no art. 319, do CPP em

detrimento da segregação cautelar,

consoante a seguir se demonstrará.

Não obstante a decisão judicial asseverar

que é possível a reiteração das infrações

penais noticiadas no processo impende

averbar que não há provas de que os

acusados continuarão a cometê-las, até

porque eles sabem que, a partir de agora,

estarão sendo monitorados pelos órgãos de

persecução. Adite-se que a adoção de

certas medidas cautelares é suficiente para

inibir a eventual possibilidade de prática

dos crimes pelos quais estão sendo

processados.

Ademais, vale ressaltar, a favor dos

recorrentes, o princípio constitucional da

presunção de inocência, artigo 5º LVII da

CR. Se tal princípio deve incidir quando há

processo em curso, ou seja, deve ser

observado após a prática do ato, a fortiori,

ainda mais quando se está diante de uma

remota possibilidade, e não certeza, da

ocorrência de crime, que sequer existe.

Deve-se punir o indivíduo pelo que ele fez, e

não pelo que se supõe que poderá fazer.

A medida preceituada no art. 319, III do CPP

(proibição de manter contato) pode ser

aplicada suficientemente para evitar que os

acusados se aproximem, tal situação

esvaziará a eventual possibilidade de

praticarem o crime previsto no art. 288, do

CP e acabará impedindo-os de reiterarem os

crimes de que estão sendo acusados.

Outrossim, a medida cautelar do art. 319, IX,

do CPP (monitoração eletrônica) poderia

ser utilizada conjuntamente com a

supracitada medida para assegurar tal

desarticulação do suposto grupo. Ademais,

com o aludido monitoramento é possível ter

ciência se alguns dos acusados se

aproximaram de instituições financeiras

para realizarem algum tipo de conduta

criminosa, já que o equipamento pode aferir

com precisão se durante a passagem do

acusado por aquele local houve algum

crime perpetrado.

Igualmente, pode-se lançar mão do art. 319,

IV, do código de ritos (proibição de

ausentar-se da comarca) para desnaturar a

eventual mobilidade do grupo inibindo a

virtual possibilidade de reiteração de outras

infrações em outros Estados, sendo

oportuno não se olvidar que o art. 282,

parágrafo 1º, CPP admite a cumulação das

medidas cautelares.

A verdade é que, para aplicar a prisão, o juiz

deveria ter fundamentado o porquê da não

aplicação das outras medidas cautelares, o

que não ocorreu no caso em tela, em

flagrante violação à regra da necessidade

de fundamentação das decisões judiciais,

ex vi do art. 93, IX, da Constituição da

República bem como do art. 315, do CPP.

Com a edição da Lei 12.403/11, que agora

autoriza a utilização das medidas cautelares

específicas, estas deveriam,

preferencialmente, reger o caso em tela.

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17

O art. 282, parágrafo 6º do CPP afirma que

só caberá prisão preventiva quando não for

cabível sua substituição por outra medida

cautelar. Porém, foi demonstrado nas linhas

pretéritas que as medidas elencadas no

presente recurso encerram eficiente

mecanismo que obstaculizam a prática das

infrações em comento.

Importa destacar que, caso haja nova

prática dos crimes ao norte elencados ou o

descumprimento das medidas acima

nominadas será possível decretar a prisão

preventiva novamente, conforme

consignam os artigos 316 e 282, parágrafos

4º e 5º, todos do CPP. Logo, não haverá

prejuízo para o processo penal caso haja a

necessidade de adoção das medidas

cautelares em referência em substituição à

prisão cautelar.

Cabe lembrar que a jurisprudência dos

Tribunais Superiores é pacífica quanto ao

reconhecimento da excepcionalidade da

prisão preventiva, diante da possibilidade

da aplicação de outras medidas cautelares

previstas no artigo 319 do CPP.

Mesmo antes da Lei 12.403/11, a orientação

da Corte Constitucional era no sentido de

que a privação cautelar da liberdade

individual reveste-se de caráter

excepcional, somente devendo ser

decretada em situações de absoluta

necessidade.

A prisão processual, para legitimar-se em

face de nosso sistema jurídico, impõe -

além da satisfação dos pressupostos a que

se refere o art. 312 do CPP (prova da

existência material do crime e indício

suficiente de autoria) - que se evidenciem,

com fundamento em base empírica idônea,

razões justificadoras da imprescindibilidade

dessa extraordinária medida cautelar de

privação da liberdade do indiciado ou do

réu.

A decretabilidade da prisão cautelar

enquadra-se como possibilidade

excepcional, desde que satisfeitos os

requisitos mencionados no art. 312 do CPP,

sendo exigida a verificação concreta, em

cada caso, da imprescindibilidade da

adoção dessa medida extraordinária.

Em que pese o esforço do ilustre tribunal a

quo de endurecer a repressão estatal, seu

intento esbarra nos clarividentes termos do

artigo 5º, incisos LVII e LXI, da Constituição

da República.

Com efeito, prescrevem as aludidas normas

o Princípio da Presunção de Inocência,

postulado maior do Estado Democrático de

Direito, e o Princípio da Motivação dos

Decretos Prisionais.

Quanto à primeira, o legislador constituinte,

de forma imperativa, vedou a antecipação

do cumprimento da pena antes do trânsito

em julgado da sentença penal condenatória.

Tal interpretação ampara-se na clareza do

mandamento constitucional: presume-se

inocente o réu, ainda que confesso, antes

do término do processo criminal, com a

formação da coisa julgada.

Quanto à segunda, veda-se ao magistrado,

de forma absoluta, subverter a ordem

jurídica nacional, infirmando norma

explícita da Lei Maior, diante do fato de

negar a aplicação das medidas cautelares

diversas da segregação de forma lacônica.

Tal comportamento seria teratológico e

encerraria flagrante violação ao tão

precioso direito à liberdade dos cidadãos,

passível de censura pelos Tribunais, diante

da ausência ou da insuficiência de

fundamentação.

O princípio hermenêutico preconiza que o

ordenamento jurídico possui duas espécies

de normas: as que garantem direitos e as

que restringem direitos. Como interpretá-

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PRÁTICA PARA DEFENSORIA PÚBLICA Processo Penal Marcelo Uzeda

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las? Às normas que garantem direitos deve

ser dada interpretação extensiva. Por sua

vez, às normas que restringem direitos deve

ser dada interpretação restritiva.

Assim, fica evidente a desnecessidade de

manutenção da prisão preventiva, devendo

o V. acórdão ser reformado para que seja

revogada a aplicação da medida cautelar

extrema.

2.2. ADEQUAÇÃO – DA

DESPROPORCIONALIDADE DA MEDIDA

APLICADA:

Na nova sistemática adotada pela Lei

12403/2011, a prisão preventiva é a ultima

ratio, devendo ser decretada somente em

caso de extrema e comprovada

NECESSIDADE, quando todas as OUTRAS

MEDIDAS CAUTELARES previstas nos

artigos 319 e 320 do Código de Processo

Penal não forem ADEQUADAS E

PROPORCIONAIS.

Assim, mesmo aventando-se a hipótese de

sentença condenatória, segundo a

jurisprudência amplamente majoritária

desse Superior Tribunal de Justiça, é

totalmente incoerente a negativa de recorrer

em liberdade e a fixação do regime

semiaberto para início do cumprimento da

pena e, haja vista que a prisão provisória,

medida cautelar que é, não pode ser mais

gravosa que a reprimenda, finalidade

precípua do processo penal.

Não há razão plausível para entender que as

penas eventualmente infligidas aos

recorrentes desbordem do mínimo legal.

Diante desse contexto, o regime inicial

semiaberto seria uma possibilidade

tangível, e a partir daí não se mostraria

adequada a manutenção da prisão cautelar.

Quanto à proporcionalidade, também cabe

registrar o excesso de prazo na manutenção

da custódia cautelar por mais de um ano,

sem que os recorrentes tenham dado causa

a tal demora.

3. DO PEDIDO

Pelo exposto, requer seja conhecido e

provido o presente Recurso Ordinário, e

inteiramente reformado o r. acórdão

proferido pelo Tribunal de Justiça do

Estado X, que denegou o Habeas Corpus

dos recorrentes, tendo em vista a

inobservância dos requisitos presentes nos

artigos 282 e 319, ambos do Código de

Processo Penal e 93, IX, da Constituição da

República.

Neste sentido, requer ainda a revogação

dos decretos prisionais com a expedição do

respectivo alvará de soltura.

Termos em que pede e espera deferimento.

Local, 20 de março de 2013.

Defensor Público