06 um olhar sobre fluxos de desejos no caps

Upload: rodrigo-vaz

Post on 06-Mar-2016

216 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

monografia

TRANSCRIPT

  • UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

    PROGRAMA DE APRIMORAMENTO PROFISSIONAL

    SADE MENTAL EM SADE COLETIVA

    Um olhar sobre fluxos de desejos no CAPS:

    Um painel dispositivo

    RAFAEL MUSCALU RAICHER

    ORIENTADORES:

    Rosana Onocko Campos

    Alberto Diaz

    Trabalho de Concluso de Curso do Programa de Aprimoramento Profissional em Sade Mental

    CAMPINAS

    MARO 2011

  • Agradecimentos:

    Primeiro sempre agradecemos quem vem primeiro. Portanto aos meus Pais, que me fizeram e permitem que eu v atrs dos meus desejos.

    Agradeo s minhas irms, parceiras nos modos de viver e pensar.

    Rosana e Tato, mestres compreensivos e companheiros, mas que nos respeitam como profissionais e nos chamaram para as nossas responsabilidades.

    Aos aprimorandos, grupo companheiro de itinerrios, to importante para meu crescimento e minha formao como pessoa. Em especial s trs irms, moradoras da minha vida. Ana Paula, Helena e Tanya. S ns sabemos por que passamos habitando-com. Sem vocs eu teria surtado, ou, por causa de vocs, no sei bem.

    equipe do CAPS, que me acolheu, me respeitou, me ensinou e me muitas outras coisas esse ano. Sentirei saudades de vocs.

    Tiago, Mariana, Dbora, Marcus e Ariane, que antes mesmo de me conhecer, me aceitaram em suas casas e logo se tornaram amigos para vida.

    Aos jogos de Tnis (e toda a amizade em torno da tarefa) com Bruno, Marcus e Tiago. Descarregamos nossos estresses nas coitadas das bolinhas. P.S. Ainda ganharei de todos vocs.

    Aos meus amigos de So Paulo, que se mantiveram para vida, como sempre foram.

    Cia Galleti e Daniel Hegg meus foras dos foras, sempre por dentro.

    Ao Crispim, terapeuta que me acompanhou nesse meu ltimo ano.

    E claro, aos que sentirei uma falta indescritvel; foram grandes mestres, companheiros e queridos. Os usurios do servio CAPS Novo Tempo, que sem a convivncia com eles, nada disso teria sentido.

  • Sumrio1 - Introduo...................................................................................................................................3

    2 - Alguns dos conceitos, contextos e teorias base para este trabalho..............................................5

    2.1 - A Espera Ativa............................................................................................................................5

    2.2 - O Desejo: Duas Vises................................................................................................................6

    2.3 - A Tarefa primria do CAPS e os quatro tipos de Sofrimento Institucional.................................8

    2.4 - O Aprimorando..........................................................................................................................9

    3 Do impessoal 1 pessoa do singular.......................................................................................11

    3.1 Itinerrios de Formao..........................................................................................................11

    3.2 Ser aprimorando, o encontro entre o CAPS e eu.....................................................................13

    3.3 O meu sofrimento associado a uma perturbao da fundao e da fundao instituinte e o sofrimento associado aos entraves para a realizao da tarefa primria.......................................14

    4 O Painel dos Desejos.................................................................................................................15

    4.1 - Convivncia..............................................................................................................................15

    4.1.1 1 pessoa: A difcil tarefa do viver com............................................................................16

    4.1.2 Impessoal Desejo e o Conviver......................................................................................18

    4.2 Uma idia como Desejo O Painel.........................................................................................20

    4.2.1 1 pessoa: O que meu, seu e nosso no Coletivo?..........................................................22

    4.2.2 Impessoal O Desejo como ameaa................................................................................24

    4.3 Decorrer do Painel..................................................................................................................25

    4.3.1 1 pessoa: A responsabilidade do fazer a tarefa..............................................................26

    4.3.2 Impessoal Entraves para a realizao da tarefa primria..............................................28

    4.3 Resultados do Painel...............................................................................................................30

    4.4.1 Coletivizando o Desejo atravs dos desdobramentos do painel, ou seja, esse trabalho. 32

    4.4.2 1 pessoa: Sucesso ou fracasso?......................................................................................34

    5 Encaminhamentos Finais: Fluxos de Desejo..............................................................................36

    5.1 1 pessoa: Um ltimo eu.........................................................................................................39

    6 Bibliografia................................................................................................................................40

  • 1 - Introduo

    O presente trabalho fruto da espera ativa realizada no cotidiano,

    especialmente no espao da convivncia, do trabalho como aprimorando em sade

    mental dentro do CAPS III Novo Tempo. Espera ativa esta que talvez seja um dos

    mais importantes dispositivos para se trabalhar com a sade mental e suas

    instituies. Diversos temas, diversos acontecimentos e diversas dinmicas tocaram

    o autor neste ano, mas uma questo em especial apareceu de forma constante e

    ininterrupta.

    A questo, ou seja, a escolha de anlise como a prpria espera ativa por

    algum acontecimento e por algum tema clnico acaba por gerar novos elementos

    para anlise. No se analisa aqui um dispositivo criado pelo qual debate-se algum

    tema. Analisa-se aqui o processo de esperar ativamente por um acontecimento.

    Dessa forma, o conceito espera ativa aplicado no cotidiano entra em anlise pelo

    autor atravs de uma dimenso crucial de tal dispositivo clnico: o desejo.

    O conceito de espera ativa est intimamente ligado ao desejo. Sem abertura

    para captar os desejos prprios e dos outros a espera ativa impossvel. Poder-se-

    ia dizer que esperar ativamente poder ler e atuar sobre os fluxos de desejos que

    emergem dentro de uma instituio como um CAPS.

    Dessa forma, o objetivo deste trabalho colocar em anlise os prprios

    desejos do autor atravs do dispositivo criado por ele na convivncia, chamado o

    Painel dos Desejos. Por ele e por seu processo pode-se analisar no s o

    dispositivo ou o autor, mas atravs dessas anlises, capturar alguns dos fluxos de

    desejo presentes no CAPS; fluxos de vida, de vontades, fluxos potenciais e reais,

    fluxos de usurios, de trabalhadores e institucionais.

  • importante ressaltar que h uma escolha poltica bem definida neste

    trabalho e no prprio dispositivo criado. No se opta por falar em doena mental.

    Mas sim em produo de vida, em propiciar o fluxo de desejos e visibilizar palavras

    e vontades. Com isso, no se nega o sofrimento ou todo o conhecimento construdo

    da psicopatologia perante aos ditos transtornos mentais, pelo contrrio, apenas

    segue-se a recomendao de Basaglia (2001) em colocar a doena entre parntesis

    e olhar para o sujeito, para a positividade da vida e no para a mortificao dos

    enfermos.

    Dessa forma, no seguinte trabalho, primeiramente enunciam-se suas bases

    tericas e o contexto das prticas que guiaram a metodologia utilizada. Depois se

    esmiam de forma rpida e sucinta os principais conceitos que so necessrios

    para a compreenso da obra.

    Feito isso, aborda-se a trajetria do autor para a realizao e criao do

    dispositivo Painel dos Desejos, problematizando os fatos atravs da auto-anlise

    feita pelo autor e da decorrente anlise institucional.

    Por fim, esta anlise do dispositivo, das relaes do autor e das relaes

    institucionais levam anlise macro que a do fluxo de desejos, centro e, por

    isso, encaminhamento final deste trabalho.

    Outro ponto a situar sobre a escolha metodolgica em alternar o modo

    impessoal de escrita, cientifico, para a primeira pessoa do singular. Como o objetivo

    deste trabalho partir da anlise dos desejos do autor, para problematizar os fluxos

    de desejo do CAPS, imprescindvel que o autor se coloque implicado em seu

    prprio trabalho e que no se exima como sujeito criador desta obra. Porm, no

    o objetivo criar uma autobiografia, ou um itinerrio pessoal para expor a vida privada

    do autor ao pblico. A auto-anlise serve como modo de analisar uma dinmica que

    engloba as questes pessoais e a dinmica dos desejos institucionais. Por essa

    razo e por considerar que essas questes vo muito alm da biografia do autor, a

    forma impessoal tambm utilizada. Essa alternncia feita explicitamente de

    modo que fique claro de onde partem as anlises dos desejos do autor (Primeira

    pessoa do singular) e as anlises decorrentes da dinmica institucional e coletiva

  • (forma impessoal). Dessa forma, o capitulo quatro desse trabalho ser feito em

    alternncia. Cada subitem inicia-se com a apresentao do tema, na forma

    acadmica tradicional, depois o autor se pe no texto, para depois, num jogo de

    falsas cises, voltar anlise coletiva dos temas.

    Baseia-se tal metodologia nos escritos de Kes (1991), o qual afirma as

    conexes narcsicas dos trabalhadores com os objetivos primrios institucionais.

    Isto , todo trabalhador, para poder produzir, tem que de alguma forma, colar-se

    (narcisicamente) aos objetivos institucionais do estabelecimento do qual trabalha.

    Assim, a auto-anlise est intimamente ligada anlise institucional. Analisar os

    desejos do autor tambm ferramenta para analisar os fluxos de desejo no

    equipamento.

    2 Alguns dos conceitos, contextos e teorias base para este trabalho.

    Este trabalho parte de autores da anlise institucional como Arthur H. Moura,

    Gregrio Baremblitt, Jean Oury e outros. Tambm se sustenta por tericos da

    filosofia da diferena como Deleuze, Guatarri, Rolink e Fuganti. H tambm outros

    autores como Foucault, Amarante, Rosana Onocko Campos, Gasto W. Campos,

    Kes e tantos outros que contribuem para uma viso crtica no campo da sade,

    sade mental, psicanlise e psicologia.

    No entanto, no seu intuito apresentar um mestrado acadmico hermtico e

    terico. Assim, esses autores servem de base epistemolgica para melhor

    compreenso da obra que , em ltima essncia, um relato crtico da experincia do

    aprimorando autor sobre suas prticas no CAPS III Novo Tempo em Campinas.

    2.1 - A Espera Ativa

  • Para entender o conceito de Espera Ativa necessrio primeiro enunciar que

    este um dispositivo clnico e de gesto:

    O dispositivo, como composto multivetorializado, como emaranhado de linhas, indica, numa primeira tomada, no a totalidade pretendida por muitas das abordagens grupalistas, mas as fraturas e a multiplicidade constituinte de qualquer prtica. Relaes de poder-saber, modos de ver e de falar, modos de subjetivar esto a presentes. (BENEVIDES, 2010. p.2)

    Assim Espera Ativa implica em milhares de outros conceitos intercalados.

    Baseia-se numa clnica do coletivo, das multiplicidades, dos dispositivos; enfim, de

    uma clnica ampliada que visa a produo de vida e de pluralidades que possam

    debruar sobre os fenmenos da vida de forma complexa.

    Nesse esprito Oury (1991, p.5) afirma que uma Espera Ativa exige uma

    certa sensibilidade ao prprio estilo dos encontros: esperar passivamente, isto no

    neutralidade, mas, freqentemente, uma espcie de sadismo camuflado. Esperar

    ativamente ficar atento ao encontro, s singularidades, aos desejos dos outros, do

    coletivo. produzir, ou melhor, co-produzir para criar o novo e sair da repetio,

    da mortificao.

    2.2 - O Desejo: Duas vises.

    Segundo o Aurlio Desejar

    1. Ter desejo ou vontade de; querer, apetecer, ambicionar: Sempre desejou o bem pblico. 2. Ter gosto ou empenho em: desejaria que o filho fosse o que ele no pde ser. 3 cobiar, ambicionar: Deseja coisas fora do seu alcance. (...) 5. Querer (algum ou alguma coisa) para determinado fim (...) 7. Aspirar ao que no possui ou goza; ter desejos: Quem tem pouco deseja muito. (FERREIRA, 1987. p.448)

    J, segundo o mesmo dicionrio, Desejo :

    Do latim desidiu. 1. Ato ou efeito de desejar. Vontade de possuir ou de gozar. 3. Anseio, aspirao. 4. Cobia, ambio. 5.

  • Vontade de comer ou beber, apetite. 6. Apetite sexual. (FERREIRA, 1987. p.448)

    Essa viso oficial sobre o significado de desejo exprime em certo sentido a

    posio que tal termo tem na sociedade. O conceito de desejar pode ser substitudo

    por outros cheios de negatividade como ambio, cobia e incompletude. E mostra

    tambm um lado mais animalesco do homem como fome e sexo. Em certo

    sentido, podemos dizer que desejo visto como um risco, como algo a ser

    reprimido.

    Para a psicanlise do campo lacaniano o desejo baseado tambm numa

    falta. O homem deseja, pois se sente incompleto e busca em objetos outros a sua

    satisfao. Porm, no parece haver ai um julgamento do mesmo valor implcito no

    Aurlio. O desejo baseado numa falta, mas isso que justamente move o

    humano. O Eu seria criado atravs do jogo entre desejos e faltas, entre o barrado e

    o permitido. o desejo e esse jogo que cria o sujeito e a alteridade. da que nasce

    a civilizao e que se produz a vida.

    J Deleuze e Guattari (1972), afirmam que o grande valor de Freud por em

    pauta o desejo. Descobrir o desejo. Mas discordam dele sobre a falta. Para esses

    autores, o desejo pura produo. No h negatividade nele. Pelo contrrio, ele o

    motor da vida no porque falta algo para completar, mas simplesmente por ser uma

    fora constituinte anterior a qualquer simbolizao.

    No cabe neste trabalho ir adiante nesta discusso que enorme e

    necessitaria muitos trabalhos dedicados exclusivamente a esse debate. O que nos

    interessa o que h de comum a esses autores; a importncia do desejo na vida

    humana. Seja pela falta que o produz, ou por foras produtivas, o desejo o grande

    motor da civilizao.

    Todos esses autores concordam (por motivos muito distintos) que quando se

    trata de desejos, h grandes foras opositoras. Para a psicanlise (do campo

    lacaniano), ope-se o desejo realidade compartilhada, em uma espcie de

    contrato civilizatrio. J para a filosofia da diferena, o desejo por ser produtor

  • tambm revolucionrio, desterritorializador, e por isso, combatido pelas foras do

    institudo e do controle.

    2.3 - A tarefa primria do CAPS e os quatro tipos de Sofrimento Institucional

    Kes (1991) afirma que toda instituio possui uma tarefa primria pela qual

    foi criada:

    A tarefa primria da instituio alicera a sua razo de ser, a sua finalidade, a razo do vnculo que ela estabelece com os seus sujeitos: sem a sua realizao ela no pode sobreviver. Assim, a tarefa primria das instituies de tratamento tratar. (KES, 1991, p.54)

    Dessa forma, as relaes entre sujeitos e instituies consistem em mais do

    que um simples freqentar, so nelas que a vida ocorre e que os desejos so

    realizados, barrados e compartilhados. E assim, o autor aponta basicamente quatro

    tipos de sofrimentos ligados a instituies:

    O primeiro, sofrimento do inextricvel e patologia institucional, seria

    decorrente da tendncia que os sujeitos apresentam de no se diferenciar dos

    objetivos institucionais. Toda a dinmica da instituio, seus problemas e objetivos,

    passam a fazer parte do sujeito individualizado. Acabam por no separar o que do

    sujeito e o que da instituio.

    O segundo modo de sofrimento institucional, sofrimento associado a uma

    perturbao da fundao e da funo instituinte, est ligado desiluso dos sujeitos

    em relao tarefa primria da instituio. O sujeito sente-se desconectado com

    essa tarefa, seja porque no cr mais nela, ou porque no acredita que a

    instituio cumpre ou visa cumprir a tarefa.

  • O terceiro, sofrimento associado aos entraves para a realizao da tarefa

    primria, fala das maneiras de evitar a realizao da tarefa primria. A

    burocratizao e o passar o dia na sala de equipe, sem contato com os usurios so

    exemplos desse fenmeno. Isso se d, pois, a instituio protege os seus sujeitos

    contra a realizao da tarefa deles. (KES, 1991. p.55) e dessa forma mantm o

    status quo e evitam o sofrimento trazido por possveis mudanas.

    J o ltimo, sofrimento associado instaurao do espao psquico,

    exatamente por decorrncia dessa tendncia de manter as coisas como esto.

    Qualquer mudana vista como um risco para a estabilidade tanto da instituio,

    como dos sujeitos que pertencem a ela. Dessa forma, a tentativa de manter certo

    marasmo produtivo para evitar o sofrimento decorrente de mudanas e crises,

    fonte, ele mesmo, de sofrimento, pois gera uma mortandade improdutiva.

    Assim, segundo o site do Ministrio da Sade o objetivo do CAPS :

    Seu objetivo oferecer atendimento populao, realizar o acompanhamento clnico e a reinsero social dos usurios pelo acesso ao trabalho, lazer, exerccio dos direitos civis e fortalecimento dos laos familiares e comunitrios.(...)

    funo dos CAPS:

    (...)

    - acolher e atender as pessoas com transtornos mentais graves e persistentes, procurando preservar e fortalecer os laos sociais do usurio em seu territrio; - promover a insero social das pessoas com transtornos mentais por meio de aes intersetoriais; (...) - promover a reinsero social do indivduo atravs do acesso ao trabalho, lazer, exerccio dos direitos civis e fortalecimento dos laos familiares e comunitrios.

    Os projetos desses servios, muitas vezes, ultrapassam a prpria estrutura fsica, em busca da rede de suporte social, potencializadora de suas aes, preocupando-se com o sujeito e a singularidade, sua histria, sua cultura e sua vida cotidiana. (BRASIL, 2011)

  • 2.4 - O Aprimorando

    O Programa de Aprimoramento Profissional (PAP) em Sade Mental

    oferecido pela Unicamp-SP, Brasil consiste na insero de jovens profissionais nos

    servios de sade mental da cidade de Campinas. Esses trabalham com as equipes

    profissionais dos servios, porm, no fazem parte do quadro normal de

    funcionrios, sendo bolsistas que atendem, alm da prtica, superviso e a aulas

    tericas na universidade.

    Esse contexto chama-se aqui de fronteirio, pois permite aos aprimorandos

    exercerem uma funo de borda, de linha de fuga que traz o fora para dentro do

    equipamento. O Aprimorando um estrangeiro que habita o cotidiano do

    equipamento e, por isso, grande fonte de Analisadores Institucionais. No um

    analista em si, pois no possui essa funo contratada, porm sua presena, alm

    de ser um analisador em si, tambm gera um novo institucional e clnico que desafia

    as foras institudas e cria novos analisadores.

    No entanto, o PAP em Sade Mental existe h aproximados 15 anos e muitos

    dos trabalhadores da rede de sade mental em Campinas foram ex-aprimorandos.

    Essa consolidao, ao mesmo tempo em que permite a livre entrada nos servios,

    traz uma carga simblica, uma mitologia, sobre os aprimorandos. Um desses mitos

    justamente a funo de borda citada acima.

    Contradio interessante da qual os aprimorandos que chegam a cada novo

    ano tem que lidar, pois, a partir dessa idia, pode-se afirmar que institudo na rede

    a noo de que o aprimorando traz consigo uma fora instituinte, o novo. Afirma-se

    assim uma contradio, pois as foras mantenedoras do status quo tendem a

    naturalizar as falas e aes dos aprimorandos e neutralizar seu poder instituinte:

    vem ano e vai ano, todos os aprimorandos trazem as mesmas questes. So os

    velhos novos que chegam. J o aprimorando sente-se jogado nessa posio de

    quase obrigao para realizar dispositivos criativos e analisadores.

  • Por outro lado, a aceitao das equipes dessa condio permite uma grande

    liberdade para que os mesmos possam fazer seus projetos e no se sintam

    engolidos pelo cotidiano de trabalho no servio.

    Enfim, ser aprimorando tambm ser jogado nesse contexto; esperado que

    criem um novo, uma ruptura, porm, muitas vezes uma ruptura que se repete

    evidenciando ao mesmo tempo a importncia de seu contedo (quando se fala

    sempre criticamente de um fenmeno, h uma grande evidenciao de um

    problema que traz angstia para os aprimorandos/bordas h anos), porm tambm

    demonstra uma repetio prpria a esses aprimorandos; criticar sempre o mesmo

    no estar tambm engolido pelo j estabelecido?

    3 Do impessoal 1 pessoa do singular.

    3.1 - Itinerrios de Formao

    Como diz Oury (1991), as formaes acadmicas e prticas so importantes

    para saber quem so os trabalhadores da sade mental (no caso, aprimorandos),

    porm os itinerrios de vida que exprimem as escolhas e os momentos afetivos que

    levaro a um sujeito percorrer determinado caminho so de maior importncia, pois

    so pelas marcas deixadas por estes momentos que podemos ter uma noo de

    quem so os sujeitos que esto ali trabalhando. Por que escolheram tal caminho? A

    fim de que? Para que?

    Seguindo esta linha de pensamento, somada idia de Kes (1991), de que

    todo trabalhador de uma instituio tece ligaes narcsicas com o objetivo primrio

    institucional, e ao problematizar que o objetivo deste trabalho tambm por em

    anlise as implicaes desejantes do prprio autor, opta-se por intercalar o texto da

    forma impessoal para a primeira pessoa do plural. A primeira representa a anlise

    coletiva, baseada na prtica e na teoria do autor. A segunda a implicao do autor

    sobre a obra que o substrato de onde surgem tais anlises. Ao falar

    narcisicamente do eu, o autor fala da instituio, o eu uma ferramenta desta

  • anlise. No fundo, so duas faces da mesma moeda. A separao artificial e

    proposital.

    Deleuze (1986) afirma que todo sujeito fruto de processos de individuao

    coletiva. No h o indivduo, somos todos mltiplos e frutos dessa coletividade. Os

    desejos meus dentro do CAPS, diante do painel dizem respeito histria minha,

    mas tambm de todos. Diz respeito aos acontecimentos cotidianos, loucura, s

    polticas pblicas de sade mental. Os desejos dali, fluxos e contra-fluxos, todos

    eles esto implicados em mim, mas tambm, no trabalho, na tarefa primria do

    CAPS e em toda a dinmica desejante no CAPS.

    Portanto, a seguir comea-se por um pedao do meu1 itinerrio, do que acho

    marcante em minha vida para uma melhor compreenso de quem esse sujeito

    que vos escreve:

    Considero-me uma pessoa afortunada quanto s possibilidades dadas ao

    meu crescimento e a minha vida at ento. Tive chance de estudar em bons

    colgios, em uma boa universidade e em outra boa ps-graduao. Condies

    materiais nunca me faltaram. Tive oportunidade de viajar, de conhecer o mundo.

    Sempre tive bons amigos, e j vivi bons amores. Enfim, sempre fui um includo na

    sociedade: Branco, boas condies financeiras, estudado, socivel, vivido. Porm,

    at por existir tal facilidade em fazer parte, no deixo de ver com boa dose de

    ironia toda essa incluso que me pertence.

    Porm, apesar de sempre fazer parte, tento desterritorializar-me, seja de

    forma literal ou no literal, de formas grandiosas ou microcsmicas: intercmbio,

    mochilo, viagens, salto de pra-quedas, perdas, mortes, violncias, encontros,

    mestres, paixes, amores, terapias, fotografia, msica, arte, etc. Enfim, a lista

    grande, e algumas dessas rupturas depois foram se mostrando mais um padro do

    que um corte, ao mesmo tempo em que tantas outras, inesperadas, apareceram.

    Minha existncia sempre foi, e me orgulho disso, nmade. Contraditrio que tal

    1 Obviamente excluram-se aqui muitos pontos, deliberadamente e no deliberadamente. Alm do limite de espao, muito do contedo possvel omitido, pois no a inteno do autor fazer um tratado sobre a prpria vida, como em qualquer vida h momentos do itinerrio que so privados ou que no merecem ser publicizados. Como critrio, o prprio autor julgou escrever o que avaliava como relevante para a obra.

  • nomadismo um padro. E sempre com uma possibilidade de voltar para casa,

    sempre feito atravs dos includos.

    E est ai um dos germens de minha paixo pelas marginalidades, pelas

    bordas, pelas contradies que no nasceram para serem resolvidas. Minha

    escolha primeira para a psicologia, com apenas 18 anos segue essa lgica,

    especialmente quando foco minha ateno nos sujeitos borda, nos loucos, nos

    violentos, nos pobres e etc. Nunca foi uma questo de querer ajudar os outros,

    nunca tive esta pretenso colonizadora. A marginalidade sempre foi uma escola

    para mim, sair do pertencimento, mesmo nunca saindo de fato dele, uma questo

    de tica referente ao meu modo de viver. No poderia ser diferente. na mistura da

    borda social, subjetiva, que me encontro.

    Ai tambm se situa a minha paixo pela crtica, pela desconfiana nas

    realidades prontas. Desterritorializar sempre fundamental para mim. O institudo, o

    comum sempre me incomoda. Mas sei tambm que o institudo s pode me

    incomodar porque sempre parto dele. Como disse, fao parte dos includos,

    posio confortvel para encontrar com o fora sem ser totalmente capturado por ele.

    3.2 Ser aprimorando, o encontro entre o CAPS e eu.

    O aprimoramento na Unicamp segue esse padro de entrar

    confortavelmente em contato com o desconfortvel e a partir da produzir alguma

    diferenciao. Uma base na tradio, no nome, e uma paixo pela marginalidade,

    era essa a fama do PAP, e tinha a minha cara. Uma escolha natural. Indicado por

    professores e amigos. Entrei por seguir um fluxo.

    Antes de vir Campinas, estava num momento territorializado. Quatro anos

    na mesma cidade, terminando a faculdade, no mesmo curso com a mesma turma,

    os mesmos amigos, os mesmos programas, dois anos na mesma casa e

    namorando a mesma mulher. Obviamente isso no significava a vida sem

    novidades, pelo contrrio, era um momento de grande produo, de felicidade, mas

    sem grandes oscilaes. A vida seguia uma linha.

  • Chegando a Campinas, a linha se desfez, rupturas aconteceram, amigos,

    namorada, vida de estudante, vida cultural. Enfim o cotidiano era outro. E ao mesmo

    tempo em que minha vida sofria um processo de desterritorializao eu entrava em

    contato dirio, cotidiano com a loucura, com o sofrimento, com os desejos barrados

    dos usurios do CAPS e com a desiluso comum aos trabalhadores do servio.

    A escolha pelo CAPS Novo Tempo no foi diferente. Chamou ateno o

    momento de (re)forma, de (re)formulao do CAPS. Eram Novos Tempos depois de

    uma reforma conturbada, haviam muitas possibilidades. Era um CAPS potncia, (e

    eu, recm formado, tambm era um profissional potncia) mas era tambm um

    CAPS de tradio reformista. Era esta ironia, contraditria como eu, que me

    chamava quase que magneticamente para ir trabalhar ali.

    Por fim, Campinas tambm me era uma cidade maldita. No queria estar ali,

    queria o PAP, o CAPS III, queria a experincia, mas a cidade no me era

    acolhedora, simbolicamente e esteticamente no me agradava. Passei o ano todo

    lidando com isso. Desejos conflituosos, sentidos e significados mltiplos. Campinas

    no era fcil.

    3.3 - O meu sofrimento associado a uma perturbao da fundao e da funo instituinte e o sofrimento associado aos entraves para a realizao da tarefa primria.

    Frustrao; a tarefa primria moldada na faculdade, na literatura, entra em

    contato com a prtica e gera muitas dvidas, muitas coisas sem sentido, e no era

    s no Novo Tempo, era com o modelo de poltica dos CAPS.

    Estava sem cho, um estrangeiro de tudo aquilo, nunca acreditei em

    ideologias, e o mote anti-manicomial era o mais perto disso, mas obervava

    acontecimentos manicomiais diariamente dentro do CAPS, muito mais sutis e muito

    mais poderosos. Muros Mentais como diria Pelbert (1990) Mas as crticas dirigidas

    aos outros, aos funcionrios, logo amadureceram, eu tambm, como os outros, no

    conseguia fazer nem metade do que acreditava, do que lia, do que propunha. O

  • cotidiano era mais cruel e com menos sentido. No achava uma coeso na tarefa

    primria; via poucos acontecimentos de reabilitao psicossocial, na maior parte do

    tempo medicalizava-se e esperava a crise passar, docilizava-se os corpos, tanto dos

    trabalhadores como dos usurios, paciente bom e que estava bem era o que no

    dava trabalho.

    Porm, no eram apenas eles; mesmo eu que tinha a vantagem de ser

    borda, de no precisar responder a certos processos de trabalho, apesar de no

    repetir certos atos sem sentido e manicomiais que via acontecendo como de fora,

    fazia eu outros atos sem sentidos e at manicomiais. Ao esquecer que tinha

    marcado com certo paciente, ao combinar algo e no cumprir acabava por quebrar

    contratos. Me via fazendo isso com usurios e equipe, e isso me atordoava.

    Causava sofrimento. Ser que eu tinha me livrado dos manicmios mentais durante

    toda a minha formao? Ser que algum se livra? Ser que a ideologia e a poltica

    ignoram isso ao demandar uma nova forma de atender e repreender qualquer forma

    antiga?

    E porque o meu maior problema estava em manter combinados? Porque meu

    desejo de fazer coisas, e de fazer de modo diferente no se cumpria?

    Ter vindo a Campinas, significava seguir minha trajetria profissional, porm

    a pessoal estava confusa. Ser que eu bancava esse desejo? Queria mesmo estar

    ali? Queria mesmo investir numa carreira to mal reconhecida, mal remunerada?

    Saa do ambiente universitrio protegido, saa de casa e me lanava ao incerto.

    4 O Painel dos Desejos

    4.1 - Convivncia

    Muitas vezes o PTI de um usurio ficar na convivncia, freqentar

    diariamente o CAPS, outras vezes estar nos leitos dia e/ou noite. Mas qual a

    potncia de ficar o dia sentado na convivncia? Pode-se fazer algo alm disso?

  • Nesse ltimo ano muito do tempo do aprimorando foi passado na

    convivncia. Espao por excelncia para uma espera ativa, e por isso levantadora

    de muitas questes. verdade que as diversas patologias e sofrimentos que se

    encontram no CAPS dificultam uma convivncia ativa. Tambm, a rotina

    engolidora e as faltas estruturais e de respaldo terico e de formao dificultam o

    trabalho dos profissionais para que fiquem atentos numa espera ativa dentro do

    espao da convivncia, porm no so apenas as exterioridades que nos impedem

    de com-viver ativamente com a loucura e com os loucos.

    A implicao da vida dos trabalhadores no projeto do CAPS, no estar e lidar

    com a loucura do coletivo tambm permitem ou barram as possibilidades de

    conviver de fato com desejos insanos. Parte nossa, parte deles, e essas partes

    se misturam sempre em um com, sempre em um coletivo, porm um coletivo que

    se agrupa pela e para a insanidade.

    Frutos dessa ausncia do servio na convivncia, os usurios acabam por

    ficar totalmente desapropriados de seus PTIs e, muitas vezes, acabam por ficar na

    convivncia sem entender seus motivos e sem se identificar com o tratamento. A

    convivncia acaba por se assemelhar em muitos aspectos, com aqueles depsitos

    de pessoas dos manicmios. E quando presentes, os trabalhadores acabam por

    exercer quase que exclusivamente a funo ingrata em sem sentido (para todos,

    trabalhadores e usurios) da viglia. Conviver acaba por ser tornar sinnimo de

    controle; para que no haja brigas e gritos, para que no haja fugas, para que se

    tente organizar a loucura aos modos morais tpicos aos normalpatas.

    Concretamente, isso acaba por restringir o tratamento freqncia de

    oficinas, medicao e a outras aes como VDs, M.A.s, transporte e leitos. Todas

    de grande importncia. Porm qual a eficcia teraputica em freqentar o CAPS

    alm das atividades designadas? Por que se pede para que fiquem na convivncia?

    Se a aposta, em teoria, que o CAPS no seja um ambulatrio de procedimentos

    de enfermagem e psis e que haja um espao para se freqentar, conviver de

    maneira horizontal e coletiva, porque quando se convive a questo central acaba

    por ser dar limites e continncias? Limites no seriam apenas parte de uma vida

  • social? E aonde estaria todo o entre que h entre as fronteiras? E o fora2? Porque

    eles no aparecem nas aes prprias e dos outros?

    4.1.1 - 1 pessoa: A difcil tarefa do viver com.

    Logo de incio a recomendao era para que freqentssemos todos os

    espaos possveis, conhecer o servio. Logo escolhi a convivncia como meu lugar

    favorito no CAPS, passava dias inteiros conversando com usurios, s vezes um a

    um, outras em pequenos grupos. Queria conhec-los, saber seus nomes, quem

    eram. E a demanda era grande. Muitos vinham conversar comigo, alguns mais,

    outros menos. Mas, de incio, me assombrava a falta de trabalhadores naquele

    espao. Todos corriam o tempo todo e pareciam ficar o mnimo possvel na

    convivncia.

    Com o tempo, fui me colocando em mais e mais tarefas dentro do CAPS, e

    meu tempo na convivncia foi diminuindo. Logo entendi porque havia poucos

    funcionrios ali. Muitas vezes me sentia como que no estivesse trabalhando ali,

    tinha que tocar oficinas, atender, fazer triagens e etc. A convivncia no tinha

    sentido, no tinha projeto. Como se trabalha sem projeto? Era tambm repetitiva,

    morta. Sempre os mesmos, as mesmas questes, havia grande dificuldade em ver

    ali alguma produo palpvel; mais fcil de ser ver era a incmoda cronificao.

    Passei por uma fase de tambm evitar a convivncia, chegava ao CAPS, e ia

    direto sala da equipe, e l muitas coisas aconteciam, mas tambm pouco se

    entrava em contato. Com o tempo, as dificuldades da equipe, o sofrimento do

    trabalhador comeou a me contaminar. Eu que era borda, me sentia muito mal ao

    lado das queixas da equipe, dos desentendimentos, tudo aquilo era muito perto de

    mim. Dizia respeito diretamente a mim. Achei abrigo ento, novamente, na

    convivncia com os usurios. L as paralisaes eram outras, eram loucas, eram de

    outros seres humanos com problemas muito mais distantes que o meu. E poder

    2 Sobre esse tema ler PELBERT (1993)

  • olhar para isso deu o respiro necessrio para continuar a trabalhar. Afinal

    estvamos ali para eles.

    Um ponto interessante a observar que comecei a evitar a convivncia

    exatamente no momento em que estabeleci vnculos mais fortes com muitos dos

    usurios dali. Penso, que apesar de no ter as mesmas responsabilidades que uma

    referncia tem com seus usurios, ao vincular-me com muitos deles, no podia mais

    transferir suas demandas aos outros e tinha que lidar com essas responsabilidades

    eu mesmo. Isto , a princpio no os conhecia, e quando me pediam algo, eu falava

    para ver com quem sabia, ou ia buscar a informao eu mesmo, mas depois, com o

    tempo, j no desconhecia tanto seus casos e estava vinculado a eles. Assim partes

    de suas demandas (aquilo que me tocava por estar vinculado e tambm aquilo que

    eu sabia por conhecer parte do PTI) viravam responsabilidades minhas tambm. E

    ser suporte desses desejos, tomar para si parte das responsabilidades por eles era

    exaustivo e difcil.

    4.1.2 - Impessoal Desejo e o Conviver

    O aprimorando, sujeito borda, se sentia cansado na convivncia e encontrava

    milhares de outras coisas para fazer, mesmo que, diferentemente aos

    trabalhadores, no tinha que se haver todo dia com aqueles usurios, ele no tinha

    a responsabilidade de ser um empregado, no tinha que responder instituio do

    CAPS (mas UNICAMP), no tinha que estar naquele espao.

    J os trabalhadores tinham que, mas ser que queriam? Ser que os seus

    desejos eram o de estar ali, escutando os desejos alheios, loucos e doentes?

    A reforma psiquitrica brasileira criou uma instituio ideal, o CAPS III, em

    conseqncia, seus trabalhadores tambm teriam que ser ideais. E seus usurios

    tambm. Ser que no meio de tantos heris cabem os sujeitos? Ser que

    permitido dentro de uma instituio como essa admitir que muitas vezes no

    queremos estar ali, no queremos escutar, no queremos tratar ou cuidar, mas que

    temos que estar l? Que essa nossa profisso, nossa escolha de vida.

  • Como resolver tal impasse, como se pode exigir dos trabalhadores uma

    Espera Ativa, uma escuta para os desejos, se parece haver um grande desejo

    inconfessvel de no estar ali? Uma frustrao diria em no ser heri.

    E isso no gratuito. Conviver com as demandas da psicose no fcil.

    Conviver com o grupo de trabalhadores tambm no. como afirma Benevides de

    Barros (1996), todos somos uma grupalidade dentro de ns mesmos:

    A noo de subjetividade implica imediatamente a de multiplicidade, pois ela pode se apresentar de formas parciais e fragmentadas, no sendo passvel de totalizao ou centralizao. As subjetividades do tipo indivduo so, assim, efeitos da serializao capitalstica que investe o desejo como sendo do indivduo e o social como sendo algo exterior ao mesmo, seja ele construdo a partir desse desejo individual, seja conformando-o. (1996, p. 6-7)

    E dessa forma, conviver entrar em contato direto com as angustias que

    acreditamos serem unicamente individuais, e conviver com a loucura lidar com a

    nossa insanidade.

    Assim, por essas razes que Kes afirma que uma maneira de tentar evitar

    o sofrimento se refugiar em ideologias. Porm quando essas ideologias viram a

    tarefa primria do servio? Afinal um CAPS no tem como objetivo nico tratar, mas

    tambm ser a bandeira da reforma psiquitrica. O CAPS um local do ter que.

    Esses idealismos contribuem para trazer sofrimentos, e sofrimentos, assim como as

    situaes de crises, so sempre evitados, nunca so vistos como potncia de

    transformao.

    Co-responsabilizao um mote ideal, porm na prtica, trabalhadores

    sentem-se responsveis pelo outro. Definem PTIs por eles, dizem o que melhor

    para eles e no suportam qualquer demanda vinda deles, pois essas demandas

    vem mais como uma fora desestabilizadora do que um elemento clnico a ser

    potencializado. Os sujeitos trabalhadores, mltiplos, pertencentes a um coletivo

    insuficiente (em relao tarefa primria) se sentem tambm insuficientes (em

    relao ao que eles se propem a fazer), assim conviver com esses desejos loucos

    e desestabilizadores parece uma tarefa quase impossvel.

  • importante ressaltar que aqui se fala de uma dimenso do cotidiano, uma

    dimenso das foras presentes no CAPS. Outras dinmicas tambm acontecem na

    convivncia, muitas vezes essas demandas so sim ouvidas, valorizadas. A

    autonomia e alteridade do outro tambm acontece de ser respeitada. Porm a

    responsabilizao macia pelo outro uma dinmica sempre presente, sempre em

    conflito com essas outras e no caso do Novo Tempo parece que a insuficincia

    muitas vezes mais aparente, no necessariamente por existir em mais quantidade

    (como se desse para medir algo assim), mas por parecer fazer questo de se

    mostrar e de ser apontada.

    4.2 - Uma idia como Desejo O Painel

    Baseado principalmente na leitura do livro de Moura (2003) e nas questes

    sobre a convivncia levantadas acima, o aprimorando criou um novo dispositivo

    para ser utilizado no espao da convivncia.

    O Painel dos Desejos era uma maneira de estimular a circulao de desejos

    que pareciam mortificados entre os usurios e trabalhadores. Era uma maneira de

    dar voz a aquilo silenciado pela burocratizao e rigidez do servio.

    Ao mesmo tempo, era um dispositivo aparentemente simples. Um quadro

    branco na convivncia com trs colunas. Ofertas, Desejos e Acontecimentos, como

    no exemplo abaixo:

    Ofertas Desejos Acontecimentos

    Quero conversar G. Estagirios da PUC vieram

    conhecer o CAPS

  • Queremos fazer banderinhas

    Verde-amarelas para decorar

    o CAPS para a copa Rafael,

    Nara, Rita

    Quero Cia para ir ao ponto de

    nibus nessa semana A.

    Com isso no elaboraramos um SCAJ3 nem um Clube dos Saberes como

    nos moldes da Clnica La Borde (MOURA, 2003.) que exigia uma organizao e

    uma mobilizao institucional que se avaliou no haver na poca.

    Se a liberdade de circulao dos doentes est comprometida; se as relaes entre o pessoal so hierarquicamente rgidas e com pouca integrao entre as equipes; se baixo o desenvolvimento das atividades de formao, principalmente psicoterpica; se os grupos funcionam como rebanhos, dirigidos externa e artificialmente e se h uma separao muito forte entre as atividades intra e extra-hospitalares, a constituio de um Clube Teraputico ser, embora no impossvel, seriamente dificultada. (MOURA, 2003. p.103)

    No entanto, essa idia era uma sntese adaptada desses dispositivos

    realidade do CAPS, continha em si o intuito de estimular a troca de saberes, aes,

    sentimentos e desejos, ao mesmo tempo em que se pretendia organizar

    horizontalmente algumas das ofertas e pedidos dentro do equipamento. E seguia o

    mesmo esprito desses outros dispositivos:

    O Clube Teraputico, o rodzio de tarefas e de postos de trabalho, o sistema de reunies, (...), as oficinas etc. So processos, mecanismos, lugares concretos que se constituem em espaos de dizer, onde h uma emergncia do desejo e onde se do efeitos de transferncia (Delion, 1998) e que, pelos laos que a se criam, como tambm pela sua freqentao repetitiva, devem ser

    3 Durante uma meia hora ou uma hora pode-se dizer as coisas as mais absurdas, pode-se enunciar a os desejos mais irrealizveis, as fantasias ou os delrios mais incoerentes. Os enunciados se colocam um aps o outro, sem necessidade funcional nenhuma, mais exatamente na lgica do SCAJ. Definimos assim esta reunio com uma mquina de falas vazias. (Moura, 2003 p.85)

  • considerados como verdadeiras instituies, que participam no processo teraputico (Tosquelles, 1985b, p.134). Estas instituies tm por funo propiciar o surgimento de transferncias mltiplas e, a partir da participao e circulao em seus diferentes espaos, dificultar dentro do possvel o estado de inao a que tende sucumbir o paciente, ao mesmo tempo que propicia, por parte dele, a tomada de responsabilidades.(MOURA, 2003 p. 38 e 39)

    As Ofertas so entendidas concretamente como aquilo que um pode oferecer

    ao outro e, dessa forma, permite ao usurio e ao trabalhador, ao entrar em contato

    com uma indagao; a de pensar na alteridade, no outro e naquilo que sempre

    podemos oferecer ao outro. J a coluna dos Desejos o lugar para dar vozes a

    aquilo que normalmente fica silenciado. No importa se so desejos concretizveis,

    reais ou at mesmo que seriam censurveis em outros espaos. Por ltimo, a

    coluna Acontecimentos (mudado por sugesto a Acontece aqui...) tm a funo de

    dar a palavra sobre aquilo que os que esto na convivncia acham importante

    relatar sobre o cotidiano no CAPS.

    Assim, o Painel seria um dispositivo realizado no seio da convivncia do

    CAPS, no em uma sala separada, nem com um horrio pr estabelecido, mas um

    setting mltiplo poli-referenciado ao mesmo tempo constante e delimitador, capaz

    de dar voz a alguns desejos. Uma espcie de Clube Teraputico e do Saber

    dinmico, dirio, reescrito diariamente na convivncia. Uma cartografia de desejos e

    ofertas do dia-a-dia daqueles que freqentam o CAPS, uma maneira de produzir e

    escrever a aparente imobilidade que muita vezes toma conta da convivncia:

    O grupo-dispositivo afirma-se em sua capacidade catalizadora dos fluxos dispersos que se apresentam em cada cena. Como dispositivo, recusa qualquer forma de totalizao e unidade. Como dispositivo, sempre multilinear. Como composto de linhas de natureza diversas, o grupo-dispositivo est sempre nas adjacncias de modos outros de territorializao. Em todo dispositivo, disse Deleuze, necessrio distinguir isto que ns somos, isto que no somos mais, e isto em que estamos nos tornando.... assim que entendemos o grupo - um dispositivo que pe a funcionar mquinas de desmanchamento do indivduo que ns somos, que acionam movimentos no que deixamos de ser no encontro com a alteridade que nos avizinha e no deslizar pela superfcie daquilo que estamos

  • em via de diferir e nos tornar. (BENEVIDES DE BARROS, 1996. p. 8)

    4.2.1. - 1 pessoa: O que meu, seu e nosso no Coletivo?

    Via toda aquela imobilidade na convivncia e decidi que era nela que queria

    me debruar. Os desejos dos usurios me pareciam silenciados. A convivncia

    parecia inabitada de trabalhadores e assistncia. Os usurios pareciam

    demandantes de algum tipo de ateno, pediam a presena de trabalhadores.

    Assim, comeou a surgir a idia de um dispositivo da convivncia, no uma oficina

    em outro lugar, nem um grupo de algo, mas um dispositivo que fosse prprio do dia-

    a-dia daquele espao. Porm no o queria fazer s, no queria que fosse um

    projeto meu, mas que trabalhadores e usurios tambm o abraassem. Eu era um

    estrangeiro, e de nada adiantava impor uma idia estrangeira no lugar e depois ir

    embora achando que fiz alguma ruptura.

    Incomodava-me o simples fato de ter que explicar a idia, achava que tinha

    que ser apenas uma fasca iniciadora de um processo e que as pessoas iriam

    mold-la com o tempo. No fundo, me incomodava que a idia fosse minha, que ela

    tivesse um proprietrio. Era para ser coletiva. Mas ela tambm deveria partir de

    algum lugar. E no soube lidar com esta contradio.

    No queria nem que o nome se definisse como Painel dos Desejos, esse foi

    dado por mim temporariamente, queria que tivesse sido uma escolha dos usurios,

    tampouco problematizei o nome, porque pensei nele to rpido e no achei outro,

    nem sozinho, nem com os usurios? O que significava esse nome? Porque o

    Desejo era uma questo? Como os outros iriam ler tal palavra?

    Enfim, quando o painel ainda era uma idia, um projeto, fiquei com muitas

    dvidas. Mas a principal era, se o projeto em sua essncia para um coletivo e

    pensando no coletivo, porque a idia era s minha? Montar o painel era impor ou

    emprestar um modo de ver o mundo?

  • Sabia teoricamente sobre conceitos como oferta e ter que emprestar os

    desejos muitas vezes ao psictico. Tais conceitos afirmam que numa dinmica

    mortificada, repetitiva, se algum ou algo aparece com uma fora desejante, mesmo

    que individual e vinda de fora, aquela fora pode produzir um novo e engatilhar

    outros desejos e rupturas. Porm, tais teorizaes no me ajudavam. Sabia daquilo,

    e concordava com aquilo, mas na prtica, continuava me sentindo sozinho e tal

    solido transformava a atividade em algo sem sentindo.

    Mais tarde, percebi que tambm estava em busca dos meus desejos. Estava

    ali porque era natural no meu itinerrio at ali. Seguia o caminho porque era dado.

    Mas qual era meu desejo ali? Sempre quis dar voz loucura, sempre me senti bem

    ao lado dela, porm nunca foi fcil, o sofrimento enorme. A valorizao mnima.

    E percebia que esse no era um problema s meu, mas de todos dentro de um

    CAPS. Com o Painel dos Desejos queria traar tambm meus desejos, queria

    compartilhar-los. Afinal, sabem os trabalhadores porque esto ali? Sabia eu? E os

    usurios?

    4.2.2. Impessoal O Desejo como ameaa

    O desejo tema de alta complexidade. Afinal, todos desejam, e todos

    desejam que outros desejem. Desejo vida. Porm, nota-se que o desejar algo

    altamente ameaador para a grupalidade. Seja por seu carter revolucionrio, como

    diria Deleuze & Guatarri (1972), ou por ameaa a um contrato civilizatrio como diria

    a corrente psicanaltica.

    Num equipamento como os CAPS, que trata de sujeitos marginalizados,

    loucos, o desejo central. Assim como sua ambigidade. De certa maneira, a

    sociedade considera que os loucos desejam de forma errada, seja pelo excesso,

    pela excentricidade, pela irrealidade, ou pela falta de. O desejo do louco

    considerado um erro. Mas justamente na possibilidade de escutar, negociar,

    interagir, permitir, negar, argumentar esses desejos que reside o tratamento.

  • J os trabalhadores obviamente tambm desejam, e desejam para si, para os

    outros e para o coletivo. Desejos esses que nem sempre so publicveis ou

    confessveis. Ou seja, desejos tambm considerados errados, que devem ser

    reprimidos para que os trabalhadores no arrisquem emergir as suas loucuras.

    A escolha do aprimorando para nomear esse dispositivo como dos desejos

    no foi gratuita, apesar de no ser consciente poca. Especialmente no espao da

    convivncia. Desejar no CAPS um problema. Escutar os desejos dos outros

    tambm quase impossvel. Exaustivo. E no deveria ser a tarefa de apenas um,

    ou de poucos, mas sim de um coletivo.

    Porm no assim que ocorre, no o intuito de este trabalho dizer como

    deveria ser. No queremos criar mais ideais, mas problematizar como se do as

    coisas (ou pelo menos como deram na experincia do aprimorando no CAPS Novo

    Tempo). E o trabalhador sofre por no conseguir fazer seu trabalho, por no

    conseguir ser ideal. O usurio sofre, e sofre porque deseja, porm ningum

    consegue estar disposto (seres-dispositivos) a escutar, respeitar e valorizar seus

    desejos. Conseguem sim valorizar o sofrimento, e sofrem com isso, mas dar

    potncia a fora desejante ameaador, cansativo e trabalho para heris.

    Essa a desgraa maior do indivduo submetido a uma instituio: a perda da sua capacidade de desejar, de assumir seu desejo. De tanto contato com a represso, acaba por internaliz-la e passa a desej-la. Reafirmando assim, a iluso da instituio de que realiza um trabalho civilizatrio, quando realmente produz submisso. (SOUSA, 1984, p. 22)

    4.3. - Decorrer do painel

    O processo pelo qual se instalou o Painel tambm grande analisador da

    questo dos desejos. Demorou-se para instal-lo, e nunca se conseguiu que

    tornasse um dispositivo freqente, institudo, ou mesmo visvel para o resto do

    equipamento.

    Porm no h aqui a noo de fracasso ou sucesso do determinado

    dispositivo. Ele foi fonte de diversos temas analisadores, e tocou na dinmica

  • institucional, gerando inquietaes e novidades. Seu processo, truncado e ambguo,

    tambm levou ao autor colocar em anlise suas prticas, e contextualizar tal anlise

    no mbito do coletivo institucional criando assim este trabalho. Outro dispositivo,

    fruto do painel que tem como pretenso gerar novas inquietaes e rupturas.

    Algumas caractersticas do processo so muito importantes apontar.

    Primeiro, a demora para instal-lo. Segundo, a precariedade esttica e funcional do

    painel. O aprimorando conseguiu reformar um quadro branco, porm a caneta,

    apesar de prpria para uso, marcava permanentemente o esmalte do quadro,

    tornando-o avermelhado e sujo com tempo. Tambm as letras coladas com cola

    quente foram caindo aos poucos, e o escrito Painel dos desejos se tornou Painel

    do de ejos. (E houve demora em refaz-lo). Terceiro, a falta de uma constncia

    temporal para realiz-lo. O aprimorando fazia quando dava. E assim no se

    institua um momento, um horrio fixo para a produo do Painel. E por ltimo, a

    difcil coletivizao do painel, isto , o painel era considerado uma atividade do

    aprimorando. Poucos trabalhadores se interessavam, e esses poucos raramente

    tinham pernas e tempo para realiz-los por conta prpria.

    Por outro lado, toda vez que feito, o painel tinha grande nmero de usurios

    participantes. Inclusive aqueles cronificados que tinham poucos espaos para se

    exprimir. Os contedos que saiam tambm eram preciosos para a clnica do CAPS.

    Elogios e protestos quanto aos atendimentos, relato de acontecimentos que

    normalmente so ignorados, mensagens para outros propiciando convivncia e

    vrios outros pontos que sero mais bem discutidos no item resultados do painel.

    4.3.1. - 1 pessoa: A responsabilidade do fazer a tarefa.

    Pensei nesse painel no fim de maio e em princpio de junho fiz a proposta,

    por escrito equipe do CAPS, porm apenas no fim de setembro consegui de fato

    pendur-lo e dar incio as suas atividades.

    Por que um dispositivo to simples que necessita to pouco recurso demorou

    tanto para acontecer? Por que um desejo meu no se cumpria dentro do CAPS?

  • No apenas coincidncia e/ou ironia que justamente o meu desejo de dar vazo

    aos desejos dentro do CAPS no se permitia a nascer. A todo o momento, apenas

    dependia de mim, ao menos para iniciar o painel. Tive apoio da equipe do CAPS e

    dos colegas aprimorandos. Mas tardei para realiz-lo.

    Procurei parcerias, porm encontrei apenas incentivos. A idia era boa,

    estava de acordo com que muitos achavam que era o trabalho do CAPS. Mas eu

    no fui incisivo, esperei acontecer. E o desejo era meu, o projeto ainda era meu, a

    coletivizao era apenas uma segunda etapa. Afinal, uma idia s pode ser

    compartilhada no plano das idias, no se faz presente pelo outro, mas sim por

    aqueles, que em consonncia com seus desejos, esto dispostos a concretiz-la.

    Como disse anteriormente, o desejo pode ser visto como uma ameaa,

    porm no apenas o desejo do outro ameaador. Os meus prprios o eram. Foi

    muito difcil admitir que nem sempre queria estar a frente do painel, que me sentia

    sozinho ali. Que no tinha pernas para instituir tal dispositivo. Fazer o painel era

    legal, mas ficava em segundo plano em relao a qualquer outra tarefa. Estava

    frustrado com seus resultados, pois na minha cabea tudo tinha muito sentido, mas

    na prtica, no tinha certeza nem se os usurios se beneficiavam daquilo. Se o

    coletivo se apropriaria dele.

    Foi neste momento que a idia desse trabalho comeou a surgir; essa

    demora para implementar o painel fez-me pensar e implicar-me pessoalmente no

    porqu dessa proposta e em outros para qus tantos pessoais como institucionais.

    Fazer o painel em si, no me cansava, nem estar na convivncia, porm, com

    o tempo, tinha muitas coisas a fazer que no me davam tempo para o painel. Eu

    evitava a tarefa como diria Kes (1991). Mas por qu?

    Sentia-me sozinho. No estava seguro com o que fazer a partir dali. Sabia

    que era importante expor os desejos, especialmente numa instituio onde

    encontramos grandes dificuldades de circulao dos desejos. Mas, isso no era

    suficiente. Os usurios escreviam coisas muito interessantes e me sentia incapaz de

    dar continuidade aos contedos ditos ali. Conversava com eles no um-a-um, mas

  • no tornava daquilo um dispositivo institucional. Na verdade, me daria mais trabalho

    do que conseguiria bancar, o painel dos desejos em sua potencialidade poderia

    tornar-se o centro nico no meu trabalho. Imagine se me propusesse a formar um

    grupo realizador de desejos possveis inscritos ali? Mesmo fazer um bolo de

    morango, ou organizar uma festa de aniversariantes de forma realmente produtiva,

    junto com os usurios, demandaria um trabalho que no me propus a dar

    continuidade - ou, mesmo chegar todos os dias numa hora marcada, no auge de

    uma conivncia cheia, e ter que escrever, apagar, conversar, lidar com desejos

    massivos, impossveis como uma forma de ter que era uma responsabilidade

    muito grande para mim, naquele momento da minha vida. Tinha medo do meu

    prprio desejo. Do quanto aquilo me deixaria exausto, sozinho.

    4.3.2. Impessoal Entraves para a realizao da tarefa primria.

    Houve uma fala de grande teor analisador feita por um membro da equipe

    que comentou o painel; Ele tenta valorizar nossos desejos dentro do CAPS que so

    normalmente engolidos pela realidade cotidiana.

    Problematiza-se ento, que alm das falhas na convivncia que fez criar a

    proposta inicialmente, o prprio processo como foi dado, levou a analisar as

    relaes de trabalho e as dinmicas institucionais que levam os profissionais a

    evitar a convivncia, e a terem suas ofertas criativas podadas, muitas vezes por eles

    mesmos. Normalmente alm dos elementos externos que barram diretamente tais

    iniciativas, (falta de condies materiais, de trabalho e etc.), h uma barreira

    subjetiva do desejo.

    O aprimorando no era o nico trabalhador insatisfeito por no realizar suas

    obras dentro do CAPS. Muitos trabalhadores queixavam-se da mesma questo.

  • Falta de tempo para realizar os seus projetos dentro do CAPS, falta de parcerias,

    cansao e etc.

    Projetos tm sentido se no mais se enxerga uma tarefa primria de forma

    coesa? A ideologizao de como deveria ser, ou a total frustrao do projeto do

    CAPS, ou colocar o problema nos outros, ou culpar a burocratizao, ou as polticas

    municipais, estaduais e federais ou o contexto histrico ou dizer que era uma soma

    de todas as anteriores como forma de impedir a discusso (ou propiciar discusses

    infindveis) no eram faces do mesmo fenmeno institucional? A impossibilidade de

    que desejos flussem com um sentido mais claro no era o sintoma aparente de tal

    fenmeno?

    Ao instaurar um equipamento que tem tambm funo ideolgica para a

    reforma acaba-se por ignorar as coisas como so em detrimento de como deveriam

    ser. Ignora-se os itinerrios, a marginalizao dos prprios trabalhadores, e a

    desiluso corriqueira com O projeto da sade mental, da reforma psiquitrica,

    ignora-se os muros mentais presentes em todos os trabalhadores e usurios.

    verdade que se discute tudo isso, mas h grande dificuldade de que esses saberes

    acadmicos sejam postos em prtica. A academia aqui tambm se pe e colocada

    na posio de como deveria ser, mas no de como . Mais uma fonte de

    sofrimento. Essa uma das grandes contradies do projeto da reforma, ao tentar

    valorizar o sujeito, a loucura como produo, parece que colocaram um sujeito

    ideologizado, reformista, revolucionrio. E que muros mentais e realidades

    capitalsticas so apenas barreiras quebrveis por tal ideologia. De certa forma

    ignora-se o sujeito mortificado, o sujeito capitalista e moderno. O sujeito desiludido,

    destitudo de ideologias.

  • 4.4. - Resultados do painel

    Todos os dias que foram feitos o painel, acabava-se a atividade praticamente

    quando a acabava o espao para escrever. Muitos usurios participavam. E muitos

    contedos eram colocados.

    A seguir colocaremos um exemplo do quadro completo:

    Ex: Dia 04-02-11

    Ofertas Desejos Acontece aqui...

  • C. - Sais de Banho

    Dzimos a Igreja

    R. uma pizza

    J. amizade, carinho,

    amor falar, conversar,

    dar conselhos p/ pessoas,

    aula de desenho

    A. fraternidade,

    amizade, unio

    F. amizade

    C. e A. Caf

    C. Muito carinho

    L. Sade, felicidade

    J. emprego para quem ta

    desempregado e gosta de

    trabalhar.

    C. - comer rapadura de

    cana, tomar banho na

    banheira do CAPS.

    Paz no mundo

    J. mais amigos,

    melhorar, sair de casa

    mais vezes, sade, falar

    meus problemas, ir

    piscina do SESI.

    R. Quer comer um bolo

    de morango.

    A. Namorada

    F. Trabalhar de

    vidraceiro

    C. ficar bem, muita paz

    C. Acolhimento

    A. O servio do CAPS

    humanitrio

    L. conheci amigos

    Nada pra fazer tem

    J. - o ladro rouba e

    acusa os doentes daqui

    J. - aula de desenho,

    sade e beleza, mosaico,

    artesanato, ateli

    P. Reunio

    F. - Petio de cigarro

    (pede-se muitos cigarros)

    C. A turma tem que

    parar de pedir cigarro

    Mais no sabe utilizar

    Deus Jesus senhor eu te

    amo

    Nota-se ai grande valor para intervenes clnicas. Temas para se discutir,

    desejos realizveis e irrealizveis, delrios colocados, crticas e elogios ao servio,

    dilogos. Porm, por valor clnico no necessariamente fala-se de valor

    interpretativo, no esta a questo.

    O painel um grande dispositivo de Espera Ativa, em meio a desejos e

    ofertas genricos como paz e alegria, h grandes singularidades. E mesmo o

    desejo de paz, como exemplo, apesar de parecer genrico a primeira vista, pode

    dizer muito sobre um sujeito com pensamentos obsessivos e intermitentes que

    deseja paz e tranqilidade.

    Outro ponto interessante do painel o exerccio promovido pelas questes

    que o fazem funcionar. O que voc deseja? Para voc, para o CAPS, para hoje, e

  • para outros momentos. Perguntas estas feitas livremente, e muitas vezes

    respondidas com um sonoro nada, mas no se fica no nada; ou se inscreve esse

    nada, ou provoca-se que o usurio busque algo a dizer, a desejar.

    Depois, ou antes, h outra pergunta, talvez mais difcil ainda a ser

    respondida. E o que oferece ao outro? Ao CAPS? O que de seu, voc tem a

    oferecer? Um saber, um ato, qualquer coisa. Essas perguntas causam muitas vezes

    imobilizaes, mas sadas so obtidas, ou os usurios buscam respostas genricas,

    ou objetos concretos ou pensam numa atividade, num saber que poderiam ensinar,

    mas sempre com muita dificuldade. uma pergunta que lana um sujeito a olhar o

    outro; ao coletivizar-se um tem o poder de singularizar-se.

    J em Acontece aqui... os usurios se permitem a relatar a viso que tm

    sobre o CAPS. Muitas vezes crticas, outras agradecidas. o local onde podem

    exprimir suas opinies. Onde podem se apropriar do espao que freqentam

    diariamente.

    Fazer o Painel no simplesmente escrever ou entregar a caneta para que

    escrevam. Aquele que organiza a atividade vira um animador da convivncia.

    Conversas so elencadas, dilogos estimulados, uma grupalidade informal se junta

    em torno da tarefa. Vnculos so feitos. O coordenador da atividade acaba por se

    tornar aquele que ouve os desejos alheios. Muitas vezes so feitos pedidos para

    conversas individuais aps a atividade, outras informam que certo desejo foi ou

    poder ser realizado. Enfim, o painel permite uma circulao e uma horizontalidade

    incomum dentro do CAPS.

    Porm, pelo ano todo, o painel continuou a ser considerado do

    aprimorando. E, devido a esta dificuldade, decidiu-se instaurar uma espcie de

    matriciamento do painel, como ltimo recurso para coletiviz-lo. O aprimorando se

    esforava fazer o painel acompanhado de outros trabalhadores. Decidiu que ira

    emprestar seu desejo, assim como na clnica das psicoses, aos trabalhadores que

    demonstraram uma maior abertura, compreenso e disponibilidade para tocar o

    painel. Isso foi feito de forma tambm espordica, pois neste ponto, o aprimorando

    sabia que a sobrevivncia do painel no era to mais importante, mas sim as

  • anlises colocadas neste trabalho (como conseqncia do painel) como forma de

    gerar reflexes, rupturas e tentar criar um fluxo de ofertas sustentveis e realistas

    dentro do CAPS. Pois, o Painel foi um dispositivo criado para fazer circular desejos,

    e o prprio foi um desejo do aprimorando, assim, espera-se com esse trabalho que

    outros desejos circulem, e que no necessariamente tem de ser na forma do Painel.

    4.4.1 - Coletivizando o Desejo atravs dos desdobramentos do painel, ou seja, esse trabalho.

    Junto ao painel havia um caderno, aonde se anotavam os desejos do dia

    para serem apagados. E isto estava explicitado no prprio painel. Ele se situava na

    gaveta da mesa do guarda. Logo, este caderno sofreu um grande atravessamento,

    pegaram o caderno, que j tinha desejos escritos e o transformaram em lista de

    presena dos usurios que chegavam ao servio diariamente.

    O interessante desse fato analisador no quem fez, ou para que se fez, ou

    se sabiam ou no para que ele servia. Mas sim, o fato desta mesa estar situada

    fisicamente ao lado do painel, e mesmo assim, o dispositivo-painel no ter tido o

    alcance necessrio para percorrer a distancia dentro do coletivo de alguns

    pequenos metros literais.

    Este analisador deixou claro uma das dinmicas do Novo Tempo,

    dispositivos, aes, oficinas, intervenes quase nunca se coletivizam entre

    trabalhadores e usurios. No caso do aprimorando, este no sentiu que era

    ameaado ou acusado de suas falhas, pelo contrrio, de maneira geral, notava-se

    muito respeito a suas falas e colocaes. Porm suas aes eram invisveis. O

    painel era invisvel para a maioria que passava por ele, e invisibilidade gera

    desanimo, gera a no ao.

    Uma dos trabalhadores disse que ficou muito chateado com esse ocorrido,

    exatamente porque se sentia da mesma maneira com os seus projetos. Sentia-se

    desrespeitado, repetindo uma fala comum da equipe as pessoas so as primeiras a

    apontar dedos acusativos, mas ningum v o que de bom fazemos

  • Atravessamentos ali eram produzidos diariamente e no parecia haver um projeto

    comum a ser compartilhado.

    A dificuldade do aprimorando de compartilhar e visibilizar o painel que era

    visto como seu era igualmente proporcional a abertura da equipe a compartilhar e

    visibilizar suas aes e as aes dos outros entre eles.

    Porm, ser que realmente queremos dar visibilidade ao que consideramos

    um bom trabalho, uma boa ao? Isso no traria o sofrimento de ter que se

    responsabilizar por um projeto? Criando fantasmas como solido, inveja e uma

    ruptura na dinmica institucional que seria altamente ameaadora para o CAPS?

    Ser que reconhecer o CAPS com uma instituio louca, insuficiente e queixosa no

    , no fundo, fonte tranqilizadora para os trabalhadores? Afinal, ns, seres

    humanos, no nos sentimos loucos, insuficientes e queixosos, especialmente

    quando estamos em contato direto com a loucura? Sofrer da loucura institucional

    pode ser altamente apaziguador, j que sofrer junto (apesar de se sentir sozinho),

    sofrer compartilhando, sofrer por culpa dos processos de trabalho parece ser mil

    vezes melhor, mais tranqilizador, do que ser o nico a sofrer, a de se sentir como o

    nico ser insuficiente dentro de um equipamento como o CAPS. Sofrer pelo trabalho

    sintoma institucional, sofrer sem motivo aparente loucura. E talvez ai resida um

    limite tabu do CAPS o sofrimento do louco x o sofrimento do trabalhador:

    Ora estamos de um lado, quando enlouquecemos, ora de outro, por exemplo, quando tratamos. preciso muito senso esttico, poltico, tico, clnico, demirgico at, para desmontar essa disjuntiva infernal. Necessitamos de muito esprito aventureiro para ir forjando asas, tanto no interior de uma instituio como fora dela, que nos permitam a ns e a nossos pacientes escapar a essa violncia binria, que consiste em ter que optar sempre seja por um precipcio abissal, seja pelo suave paraso assptico de uma estranha sade, sade sem desejo de asas nem um devir-anjo. (PELBERT, 1993, p. 27)

    Porm, talvez esqueamos com isso que a loucura do louco tambm

    institucional, diversas instituies so enlouquecedoras; a famlia, o trabalho, a

    escola, o estado e at a prpria sade.

  • No fundo, ser que no essa a formao de compromisso (KES,1991)

    contratada inconscientemente num equipamento como o CAPS? Evita-se

    fantasmas4 criando um equipamento e uma instituio louca (o CAPS e a Sade

    Mental ideal) para poder exprimir nossa loucura sem sentirmos ameaados pela

    instituio da loucura (aquela descrita por Foucault, 1972) que nos parece ameaar

    constantemente: Os loucos, as prostitutas e delinqentes so os sintomas de uma

    sociedade perturbada e as instituies tendem a reprimir e segregar tanto como a

    prpria sociedade, j que as instituies so os instrumentos desta ltima.

    (BLEGER, 1984, p.62)

    Ser ento, que ao fugirmos da loucura, ao tentar separar a loucura deles

    com a nossa no impedimos uma real convivncia? E com isso no corremos o

    risco de adoecer ainda mais?

    No se prope aqui um vamos enlouquecer para tratar dos loucos, pelo

    contrrio, vamos atrs de nossas loucuras, para saber por que nossos desejos

    esto to barrados e impossibilitados de fluir.

    4.4.2 - 1 Pessoa: Sucesso ou fracasso?

    Tenho conscincia de que o painel em si no aconteceu. Mas espero que se

    torne um dispositivo, isto , um acontecimento que gere rupturas no CAPS. O painel

    no apenas ele, mas esse trabalho como resultado dele, e outras

    conseqncias possveis elencadas por ele.

    E a mim, ele teve grande serventia, pelos momentos propiciados ao lado dos

    usurios, pelos atravessamentos analisadores e pela auto anlise que me permitiu a

    comear a entrar em contato com questes sobre minha vida, meus desejos.

    Relendo o trabalho, notei que comecei a falar da positividade do desejo,

    depois passei longas linhas falando do sofrimento. Citei muito certa desiluso. E

    4cada instituio vai constituindo ao longo de sua histria, posies fantasmticas em relao populao que atende. Nessa relao, a instituio se encontra numa tenso permanente entre a separao e a alienao imagem que constri de seus assistidos. (MARAZINA, 2001)

  • acredito, que essa desiluso na verdade positiva, ela tem potencial de liberar as

    foras do meu desejo. Me solta das amarras do ter que ser, e afina essa grande

    dimenso que o CAPS possui de gerar submisso, controle e de confortar a loucura

    coletiva como um sintoma institucional bem definido e apaziguador, para que no se

    ignore e para tentar compreende-la melhor, sempre que em ao.

    Sabendo isso, e tendo sentido isso na pele, agora me sinto mais livre para

    gerar rupturas e potencializar o outro lado da instituio: os servios de sade tm

    uma dupla finalidade: produzir valores de uso (prticas produtoras de sade,

    curadoras, cuidadoras e preventivas) e sujeitos trabalhadores mais autnomos e

    prazerosos. (Campos, 2000 p.236), mas sabendo que no outro plo da mesma

    dinmica, a dupla finalidade gerar tambm controle, tutela e at doena por parte

    dos usurios e submisso, apaziguamento e normatizao do Fora (PELBERT,

    1993)

    5 Encaminhamentos Finais: Fluxos de Desejos

    Desejar pode ser visto pela sua positividade ou negatividade. Quando visto

    pela positividade geralmente enaltece-se as suas foras produtivas de gerao de

    novidades, de instituintes, deixando de lado aquele desejo que temos de fazer parte,

  • o desejo que temos pelo institudo; h desejo em sofrer, desde que esse sofrer

    resguarde de um sofrer imaginariamente maior.

    J as vises negativistas sempre olham para o desejo como uma ameaa,

    algo a ser evitado, pois trar desordem no s ao processo civilizatrio, mas s

    prprias organizaes subjetivas. Tanto o desejo do outro, como o prprio so

    vistos como atravessadores da tranqilidade e da felicidade.

    Obviamente, essas duas correntes dizem verdades, porm simplificam a

    questo. O desejo positivo tambm deseja o negativo, e vice-versa. Desejamos

    produo, vida, cura, felicidade, porm tambm desejamos sofrer, imobilizar-se,

    morrer e matar. No h positividade ou negatividade nisso, no uma questo de

    otimismo ou pessimismo, nem mesmo de realismo. Mas uma questo de no

    simplificar entre dois plos opostos. Eles no so opostos.

    No caso do Novo Tempo isso parece ficar claro, Por que h tantas aes

    boas invisveis, e ms aes em pauta o tempo todo? Para que essa dinmica

    serve? Frustraes, inseguranas so visveis o tempo todo, j aes construtivas

    ficam restritas a cada um com a sua. E isso mantm as coisas como esto. Criticar

    o outro pela palavra ou queixar-se da solido, do sofrimento tem pouca interferncia

    no cotidiano. Mas ser que queremos mesmo gerar um trabalho conjunto? Sabendo

    que para isso teremos que lidar com nossos medos e nossas insuficincias ainda

    mais do que elas j teimam em aparecer?

    Uma experincia e reflexo do aprimorando mostra bem isso. Ao

    experimentar ser plantonista (pois, no tinha que ser) sentiu grande prazer ao

    mesmo tempo em que foi totalmente insuficiente em suas aes. O prazer estava

    ligado ao famoso apagar o incndio. Trabalho de bombeiro, trabalho de heri. A

    adrenalina a flor da pele, o controle nas mos, naquele dia o CAPS tinha um

    responsvel por ele, pela loucura do territrio, e era o aprimorando. Grande prazer,

    reconhecido por ele e por todos os outros, e foi to diferente daqueles dias a frente

    do painel, tinha prazer, mas era solitrio (no que o planto no seja, mas ele pelo

    menos reconhecido por todos como algo herico). Por outro lado, as tarefas

  • designadas ao plantonista eram tantas, exigia-se tanto do heri, que foi impossvel

    olhar com ateno para, por exemplo, os leitos noite.

    E porque o CAPS continua a ter essas figuras heris? Ser que no porque

    o desejo de todos serem heris? Mesmo que insuficientes. Desejo tambm esta

    ligado ao prazer. Deseja-se aquilo que traz prazer. E ser plantonista d muito

    prazer. (funo parecida com ser referncia) Estar no controle d prazer, ser

    reconhecido d prazer. Agora trabalhar sozinho num projeto que s um, ou poucos,

    vem sentido muito ingrato. Ficar na convivncia muito ingrato, no ter um

    incndio para apagar parece que um no fazer

    E ainda tem os usurios. No meio de toda essa dinmica, de desejos

    paradoxais dos trabalhadores, os usurios quase se parecem coadjuvantes. E este

    trabalho quase caiu no caminho fcil de culpablizar os trabalhadores pela

    dificuldade de escutar os desejos deles. Porm, mais complexo que isso. Usurios

    tambm fazem serventia dessa instituio louca que o CAPS, tambm tem

    desejos conflitantes de submisso e autonomia. De uso (como sugere o termo

    usurios), de passivos (como sugere o uso do termo paciente) e de cidados ativos,

    produtores de novas realidades institucionais.

    A grande diferena, talvez, entre usurios e trabalhadores, que os primeiros

    so cidados que usam o servio, os segundos, so cidados que trabalham no

    servio. Mas ambos trabalham, produzem o servio.

    Mas e agora, o que se faz com tudo isso?

    A frustrao no total. Ainda se acredita que esse tipo de servio possa

    gerar potncias. Na verdade, o contrrio, reconhecer a negatividade, os desejos

    imobilizadores, os prazeres em apagar incndios, a loucura da instituio, a funo

    apaziguadora de um sofrimento sobre o outro um timo passo para gerar um

    trabalho teraputico de fato. No somo bons ou maus, queremos tratar e

    potencializar vida, mas tambm queremos fazer da nossa maneira, com o nosso

    controle. Reconhecer essa contradio gerar sade.

  • Esse trabalho coloca como hiptese que a dificuldade dos desejos flurem no

    CAPS sintoma tanto dessas vises que existem sobre os desejos, como tambm

    da dinmica do CAPS de criar submisso e sofrimento para evitar um sofrimento

    imaginrio e fantasmagrico que existira em passar para o outro lado, ou seja, a

    loucura. Os sofrimentos institucionais de Kes (1991), como a frustrao com a

    tarefa primria, ou os entraves para a realizao da tarefa, tambm, em parte,

    seriam sintomas dessa dinmica.

    Por tanto, ao tratar, no s tatuamos sobre o sintoma, mas sobre aquilo que

    acreditamos ser tambm a dinmica causadora de tais sintomas. Exemplos para

    causar essas rupturas so muitos:

    Colocar um desejo em ao no CAPS ( o que se tenta fazer aqui),

    supervises (que so sempre clnico-institucionais, indivisveis), mudanas nos

    processos de trabalho (como no grupo de trabalho e no futuro conselho gestor),

    seres bordas (como aprimorandos, estagirios), em permitir a fala daqueles

    normalmente silenciados (como no caso de guardas participando de reunies,

    auxiliares de enfermagem se colocando como observadores e coordenadores), sair

    do territrio, seja em matriciamentos, reunies de eixo, conversas com outros CAPS

    e outros servios, capacitaes, formaes, enfim a lista grande. E de comum

    todos apresentam essa caracterstica de gerar um novo, de trazer algo de fora, no

    necessariamente positivo, mas positivo e negativo ao mesmo tempo. Algo que ajude

    a quebrar ciclos viciantes dentro do CAPS.

    5.1. 1 pessoa: Um ltimo eu.

    Por ltimo, queria dizer, que acredito dizer coisas importantes e fortes neste

    trabalho. E que obviamente dizem sobre minha experincia com o CAPS. Acredito

  • que me permito a dizer tudo isso exatamente por acreditar que algo esta sempre em

    produo no CAPS. que esta equipe, apesar de seus (nossos) sintomas potente

    e madura o suficiente para captar algo do que digo. exatamente porque acredito

    nisso que me arrisco a visibilizar sombras.

    Espero que o que se diz aqui no fique invisvel, pois sei que esse o grande

    risco. Por outro lado sei que trabalho ou os aprimorandos que esto por vir (e eu

    claro) dificilmente viraro bodes expiatrios. Esta no tem sido a dinmica da

    equipe e os agradeo por essa liberdade e potencia, assim como vocs tem

    permitido outros falarem e valorizado as falas deles (aprimorando, estagirios,

    guardas, servios externos).

    Agradeo por este ano passado no Novo Tempo, e pela equipe que de

    maneira geral me acolheu muito bem e valorizou meu trabalho.

    6 - Referncias

    BASAGLIA, F. A instituio negada. Rio de Janeiro: Ed. Graal, 2001.

  • BENEVIDES DE BARROS, R. D. Clnica Grupal. In: Revista de Psicologia/UFF, n.7, 1996.

    Benevides, R . (data desconhecida) Grupos e Coletivos: o desafio de criar dispositivos clnico-polticos de interveno. Texto entregue por Rosana Onocko Campos na superviso do PAP Sade Mental da UNICAMP/SP em 2011

    BLEGER, J. Psico-higiene e psicologia institucional. Porto Alegre: Ed. ArtesMdicas, 1984.

    BRASIL, Ministrio da Sade, In: http://portal.saude.gov.br/portal/saude/visualizar_texto.cfm?idtxt=29797&janela=1 Acessado em 02/2011

    CAMPOS, G. W. Um mtodo para anlise e co-gesto de coletivos. So Paulo: Hucitec. p. 236, 2000

    DELEUZE, G. Rachar as Coisas, Rachar as Palavras. Em DELEUZE, G. Conversaes, So Paulo: ed34, p.23-36, 1986

    DELEUZE, G. & GUATTARI, F. Entrevista Sobre o Anti-dipo. In: DELEUZE, G. Conversaes, So Paulo: ed34, p.23-36, 1972.

    FERREIRA, A. B. de H. Novo dicionrio Aurlio da Lngua Portuguesa. 1987

    FOUCAULT, M. (1972) Histria da Loucura na Idade Clssica. 7. ed. So Paulo:Perspectiva, 2004.

    KAS, R. Realidade psquica e sofrimento nas instituies. In: KAS, R.; BLEGER, J.; ENRIQUEZ, E.; FORNARI, F.; FUSTIER, P.; ROUSSILLON, R. & VIDAL, J.P. (orgs.) - A instituio e as instituies. So Paulo: Ed. Casa do Psiclogo. p. 1-39, 1991

  • MARAZINA, I. Psicanlise e clnica institucional. Navegar preciso... In: Estados Gerais da Psicanlise: http://www.estadosgerais.org/encontro/navegar_e_preciso.shtml, 2001

    MOURA, A. H. A Psicoterapia Institucional e o Clube dos Saberes, So Paulo: Ed. Hucitec, 2003

    OURY, J. Itinerrios de formao. Revue Pratique. p. 42-50, 1991.

    PELBERT, P. P. A nau do tempo-rei: sete ensaios sobre o tempo da loucura. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1993.

    _____________. Manicmio Mental: a outra face da clausura. In: LANCETTI, A.Sade Loucura. n. 2. So Paulo: Ed. Hucitec. p. 131 138, 1990

    SOUSA, H. R. Institucionalismo: a perdio das instituies. In: Temas IMESC. Soc. Dir. Sade. So Paulo, v.1, n.1, p. 13 24, 1984.