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5 JORNAL DE BRASÍLIA Brasília, sexta-feira, 7 de março de 2014 Cidades. PERGUNTAS E RESPOSTAS Vocês acreditam que as pessoas nascem gays? “Não acreditamos que pessoas nascem gays”. E continuam: “Não acre- ditamos que qualquer pessoa vem ao mundo com uma condição. O ser hu- mano tem um livre arbítrio dado por Deus. De acordo com vários preceitos bíblicos, não acreditamos que uma pessoa nasce com algo já exposto sendo errado”. Ser gay é errado? Para quem é cristão e segue a Palavra... ter uma prática homossexual é sim. O grupo tem como pilastra para seu posicionamento também pesqui- sas científicas, tais como: Universidade de Illinois, que analisou todo o ge- noma humano, afirma que não existe um “gene gay”. No Facebook, a comunidade Contra a Prática Homossexual foi questionada pela reportagem do Jornal de Brasília: Lembranças marcantes da infância Fernando Habibe, hoje estudante de psicologia, tenta descrever o que sentiu diante da notícia do menino assassinado pelo pai. “Fico até des- compensado. Nem acredito que humanidade pode chegar a esse ponto”, diz. E, relata: “Mesmo sa- bendo que tinha em casa o meu porto seguro, já cheguei a ser expul- so de uma escola por conta da mi- nha sexualidade”. O rapaz afirma ainda que se sabe gay “desde os 10, 11 anos, quando comecei a sentir atração não pelo sexo oposto, mas por meninos”. E dentro da complexa realidade de crianças que apresentam “sinais gays”, Fernando está entre outras centenas de pessoas que revelam ter descoberto sua sexualidade an- tes da puberdade. Este é o caso também do gerente de conteúdo digital João Geraldo Netto, 31 anos. “Houve um hiato na minha sexua- lidade que aconteceu entre os 11 e 13 anos. Não me lembro de nada rela- cionado a sexo ou sexualidade”, lembra. ACOMPANHAMENTO Na mesma época, pediu à mãe que o levasse ao psicólogo. “Ela me perguntou muito o porquê e se eu era gay, mas faltava muita cora- gem. Afinal de contas, nem eu mesmo sabia o que é que eu sentia, exatamente. Comecei uma terapia que durou vários anos. Já nos pri- meiros anos eu comecei a entender e aceitar aquilo de maneira mais tranquila”, salienta. Hoje, 14 anos após revelar sua se- xualidade à sua mãe, João está de casamento marcado com seu par- ceiro. “Eu me caso oficialmente em 44 dias com meu terceiro namora- do. Minha mãe vai entrar na ceri- mônia comigo, assim como manda o figurino. Hoje, somos uma família como qualquer outra. Ela nos res- peita, apesar de ter uma ideia muito particular de acreditar que ser gay é fazer uma opção. Coisas de mãe”, diz rindo. E entre polêmicas, discussões e diferentes histórias de homosse- xualidade infantil, termo ainda re- negado por muitos brasileiros, Ric- cardo Selistre, 26 anos, afirma tran- quilamente: “Eu gostava de brincar de boneca. Me identificava com meninas. Era, digamos, uma ‘criança viada’”. Os “tre jeitos” de Ricardo eram tão evidentes, que uma tia sugeriu à sua mãe, Cristina, que o levasse ao psicólogo. Seu pai, lembra, não o tratava com indi- ferença ou ignorância. “Uma vez eu pedi uma boneca e ele não quis me dar, mas só isso”, conta o estudante universitário. OCORRÊNCIAS » O número de queixas feitas ao Disque Direitos Humanos, o Disque 100 da Secretaria de Direitos Humanos, da Presidência da República, aumentou em 2012. O serviço recebeu 236 comunicados de agressões no DF contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT) no período. O total é cinco vezes maior do que o registrado em 2011, poucos meses após o serviço do governo federal ser inaugurado. Proporcionalmente à população, a capital é a unidade da Federação com a maior quantidade de denúncias de LGBT ao Disque 100. Foram 91,82 comunicados por grupo de 1 milhão de habitantes no ano retrasado. A maioria das vítimas alegou ter sofrido discriminação ou violência psicológica. Violência não resolve conflito E até quem acredita que ser gay é uma opção se choca com o destino do pequeno Alex, que morreu após levar constantes surras do pai, sim- plesmente por apresentar compor- tamentos femininos. “Somos con- tra violência. Nunca bati nos meus filhos. Ensiná-los é uma questão de exemplo. Dentro de uma família, os filhos têm como referencial pai e mãe. Às vezes o filho quer ser gay para não ser violento como o pai. Somos contra isso daí”, garante Stanléia Aragão, coordenadora do grupo Ministério Projeto Desperta Débora: Oração pelos filhos, da Igreja Batista de Brasília. Questionada se algum pai ou mãe já buscou a igreja para “curar”o filho, ela diz: “Uma vez só. Uma mãe orou. A mãe enviou e-mail para nós pedindo oração para que a gente interceda, porque a gente acredita que há uma ação divina sobre aquela pessoa. A gente acre- dita que ela vai ser libertar daquilo”, explica. ACEITAR E se Stanléia Aragão, declarada cristã, fosse mãe de um rapaz gay? “Eu não iria impor para que ele fi- zesse absolutamente nada por mim. Eu não aceitar dentro da mi- nha casa um namorado gay, por exemplo. Mas não ia expulsá-lo. Ia amá-lo da mesma forma. Não ia aceitar o namorado. A gente acredi- ta que é anti-bíblico. Porém, não discriminamos. Amamos a pes- soas, mas não amamos o pecado que ela comete”, reconhece a coor- denadora da igreja. Todos estão vulneráveis E mesmo diante de tantas “evi- dências”, o estudante Riccardo Se- listre só revelou à mãe o desejo por outros homens aos 19 anos. “Tive medo de rejeição, mesmo não ha- vendo indício de que isso acontece- ria. A gente tem uma percepção equivocada de que está sendo erra- do, que vai causar algo ruim, que vai decepcionar a mãe”, desabafa. Sobre a postura de quem acredita que agressões podem mudar um comportamento, Ricardo opina: “As surras que retiraram a vida do pe- queno Alex deixam todos vulnerá- veis. A qualquer momento podemos ser ‘corrigidos’, violentados sutil, verbal ou fisicamente, por não satis- fazermos os modelos instituídos so- bre o que seriam masculinidade e feminilidade. Em menor ou maior escala, todos somos um pouco as- sassinados dentro dessa estrutura que massacrou a vida de Alex”. Eu me caso oficialmente daqui a 44 dias com meu terceiro namorado. Minha mãe vai entrar comigo. João Geraldo Netto, 31 anos Ricardo revelou homossexualidade à mãe aos 19 anos KLÉBER LIMA MYKE SENA

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Matéria do Jornal de Brasilia sobre famílias homoafetivas

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  • 5JORNAL DE BRASLIABraslia, sexta-feira,7 de maro de 201 4Cidades.

    PERGUNTAS E RESPOSTAS

    Vocs acreditam que as pessoas nascem gays?No acreditamosque pessoas nascemgays. E continuam: No acre-

    ditamos que qualquer pessoa vem ao mundo com uma condio. O ser hu-mano tem um livre arbtrio dado por Deus. De acordo com vrios preceitosbblicos, no acreditamos que uma pessoa nasce com algo j exposto sendoerrado.

    Ser gay errado?Para quem cristo e segue a Palavra... ter uma prtica homossexual

    sim. O grupo tem como pilastra para seu posicionamento tambm pesqui-sas cientficas, tais como: Universidade de Illinois, que analisou todo o ge-noma humano, afirma que no existe um gene gay.

    No Facebook, a comunidade Contra a Prtica Homossexual foiquestionada pela reportagem do Jornal de Braslia:

    Lembranas marcantes da infnciaFernando Habibe, hoje estudante

    de psicologia, tenta descrever o quesentiu diante da notcia do meninoassassinado pelo pai. Fico at des-compensado. Nem acredito quehumanidade pode chegar a essepo nto , diz. E, relata: Mesmo sa-bendo que tinha em casa o meuporto seguro, j cheguei a ser expul-so de uma escola por conta da mi-nha sexualidade. O rapaz afirmaainda que se sabe gay desde os 10,11 anos, quando comecei a sentiratrao no pelo sexo oposto, maspor meninos.

    E dentro da complexa realidadede crianas que apresentam sinaisga ys , Fernando est entre outrascentenas de pessoas que revelamter descoberto sua sexualidade an-tes da puberdade. Este o casotambm do gerente de contedodigital Joo Geraldo Netto, 31 anos.Houve um hiato na minha sexua-lidade que aconteceu entre os 11 e 13anos. No me lembro de nada rela-cionado a sexo ou sexualidade,lembra.

    ACOMPAN HAMENTONa mesma poca, pediu me

    que o levasse ao psiclogo. Ela meperguntou muito o porqu e se euera gay, mas faltava muita cora-gem. Afinal de contas, nem eumesmo sabia o que que eu sentia,exatamente. Comecei uma terapiaque durou vrios anos. J nos pri-meiros anos eu comecei a entendere aceitar aquilo de maneira maistranquila, salienta.

    Hoje, 14 anos aps revelar sua se-xualidade sua me, Joo est decasamento marcado com seu par-ceiro. Eu me caso oficialmente em44 dias com meu terceiro namora-do. Minha me vai entrar na ceri-mnia comigo, assim comomandao figurino. Hoje, somos uma famliacomo qualquer outra. Ela nos res-peita, apesar de ter uma ideia muitoparticular de acreditar que ser gay fazer uma opo. Coisas de me,diz rindo.

    E entre polmicas, discusses ediferentes histrias de homosse-xualidade infantil, termo ainda re-negadopor muitos brasileiros, Ric-

    cardo Selistre, 26 anos, afirma tran-quilamente: Eu gostavade brincarde boneca. Me identificava commeninas. Era, digamos, umacriana viada.

    Os tre jeitos de Ricardoeram to evidentes, que umatia sugeriu sua me, Cristina,que o levasse ao psiclogo.Seupai, lembra, no o tratava com indi-ferena ou ignorncia. Uma vez eupedi uma boneca e ele no quis medar, mas s isso, conta o estudanteuniversitrio.

    O CO R R N C I AS

    O nmero de queixas feitas aoDisque Direitos Humanos, oDisque 100 da Secretaria deDireitos Humanos, daPresidncia da Repblica,aumentou em 2012. O serviorecebeu 236 comunicados deagresses no DF contra lsbicas,gays, bissexuais, travestis etransexuais (LGBT) no perodo.O total cinco vezes maior doque o registrado em 2011,poucos meses aps o servio dogoverno federal ser inaugurado.Proporcionalmente populao, a capital a unidadeda Federao com a maiorquantidade de denncias deLGBT ao Disque 100. Foram91,82 comunicados por grupode 1 milho de habitantes noano retrasado. A maioria dasvtimas alegou ter sofridodiscriminao ou violnciapsicolgic a .

    Violnciano resolveconflito

    Eat quemacredita que ser gayuma opo se choca com o destinodo pequeno Alex, que morreu apslevar constantes surras do pai, sim-plesmente por apresentar compor-tamentos femininos. Somos con-tra violncia. Nunca bati nos meusfilhos. Ensin-los uma questo deexemplo. Dentro de uma famlia, osfilhos tm como referencial pai eme. s vezes o filho quer ser gaypara no ser violento como o pai.Somos contra isso da, garanteStanlia Arago, coordenadora dogrupo Ministrio Projeto DespertaDbora: Orao pelos filhos, daIgreja Batista de Braslia.

    Questionada se algum pai oume j buscou a igreja para curarofilho, ela diz: Uma vez s. Umame orou. A me enviou e-mailpara ns pedindo orao para que agente interceda, porque a genteacredita que h uma ao divinasobre aquela pessoa. A gente acre-dita que ela vai ser libertar daquilo,explica.

    AC E I TA RE se Stanlia Arago, declarada

    crist, fosse me de um rapaz gay?Eu no iria impor para que ele fi-zesse absolutamente nada pormim. Eu no aceitar dentro da mi-nha casa um namorado gay, porexemplo.Mas no ia expuls-lo. Iaam-lo da mesma forma. No iaaceitar o namorado. A gente acredi-ta que anti-bblico. Porm, nodiscriminamos. Amamos a pes-soas, mas no amamos o pecadoque ela comete, reconhece a coor-denadora da igreja.

    Todos esto vulnerveisE mesmo diante de tantas evi -

    d ncia s, o estudante Riccardo Se-listre s revelou me o desejo poroutros homens aos 19 anos. Ti vemedo de rejeio, mesmo no ha-vendo indcio de que isso acontece-ria. A gente tem uma percepoequivocada de queest sendo erra-do, que vai causar algo ruim, que vaidecepcionar a me, desabafa.

    Sobre a postura de quem acreditaque agresses podem mudar um

    comportamento, Ricardo opina: Assurras que retiraram a vida do pe-queno Alex deixam todos vulner-veis. A qualquer momento podemosser c or ri gi do s, violentados sutil,verbal ou fisicamente, por no satis-fazermos os modelos institudos so-bre o que seriam masculinidade efeminilidade. Em menor ou maiorescala, todos somos um pouco as-sassinados dentro dessa estruturaque massacrou a vida de Alex.

    Eu me casoo f i c i a l m e n tedaqui a 44dias com meute rce i ron a m o ra d o.Minha mevai entrarco m i g o.

    Joo Geraldo Netto,31 anos

    Ricardo revelou homossexualidade me aos 19 anos

    KLBER LIMA

    MYKE SENA