05 gramatica gerativa um modelo simples

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5GRAMTICA GERATIVA: UM MODELO SIMPLES

o exame da parte mais tcnica da obra de Chomsky ser relativamente informal, no pressupondo qualquer preparo especial em matemtica nem aptido para ela. Ser, contudo, introduzido m nmero suficiente de termos e conceitos para proporcionar ao ~eitor alguma idia dos contornos da gramtica gerativa, tornando-lhe possvel a apreciao de seu significado. Cabe assinalar que tambm informal o tratamento da gramtica gerativa em Syntactic Structures e na maioria de trabalhos mais divulgados de Chomsky. O tratamento se apia, entretanto, em considervel cpia de pesquisa altamente tcnica levada a cabo nos anos que precederam a publicao de Syntactic Structure.s. Grande parte do resultado dessas pesquisas jamais foi dada a pblico em sua totalidade, embora descrita em 1955, numa extensa monografia mimeografada e intitulada The Logical Structure of Linguistic Theory, distribuda a estudiosos interessados e a bibliotecas universitrias. , No presente captulo, ocupar-nos-emos de um sistema formal muito simples. o primeiro dos "trs modelos para descrio da linguagem" examinados por Chomsky. em Synfactic Structures e em outras publicaes modelo que ele rapidamente demonstrou ser insuficientemente poderoso para .. anlise sinttica do ingls e de outras lnguas naturais. Iniciaremos, introduzindo certo nmero de termos e conceitos que se faro necessrios no apenas a esta altura, mas 46

tambm para a discusso dos mais complexos modelos de gramtica que sero abordados nos dois captulos seguintes. Ao. longo destes trs captulos, admitiremos conhecimento intuitivo de pelo menos algumas das sentenas do ingls que desejamos definitivamente encarar como bem formadas, ou gramaticais, e de pelo menos algumas das seqncias de palavras que desejamos considerar definitivamente como no gramaticais, ou mal formadas. Como chegamos a esse conhecimento e como poderamos submet-Io a teste so pontos de importncia, mas irrelevantes para a formalizao da descrio lingstica, objeto de nossa atual preocupao. Poderemos principiar definindo a linguagem descrita por uma gramtica particular como o conjunto de todas as sentenas que gera. O conjunto de sentenas pode, em princpio, ser do nmero finito ou infinito. Todavia, o ingls (e tanto quanto sabemos, todas as outras lnguas naturais) compreende nmero infinito (isto , indefinidamente extenso) de sentenas, pois que na lngua existem sentenas e frases que podem ser indefinidamente estendidas e, no obstante. aceitas como perfeitamente normais pelos que tm a lngua como nativa. Exemplos bvios so sentenas como Esse o homem que se casou com a moa que (...) e frases como chapu grande preto de trs bicos ( . . .) que admitem qualquer expanso atravs de inseres apropriadas no lugar das reticncias. Claro est que pesam certas limitaes prticas sobre a extenso de qualquer sentena que j tenha sido ou que venha a ser construda pelos que tm domnio sobre a lngua em cansa. Importante , porm, que no h limite definido que possa ser posto ao comprimento das sentenas. Devemos, portanto, admitir que, em teoria, o nmero de sentenas gramaticais da lngua infinito. O nmero de palavras no vocabulrio de uma lngua como o ingls (ou o portugus) , entretanto. admitiremos. finito. H considervel variao entre as palavras conheC'ic1as por diferentes pessoas que dominam a lngua e podc havf>r alguma diferena entre o vocabulrio "ativo" e o vocahulrio "passivo" de todas as pessoas (isto , entre as palavras que ela prpria usa quando fala e as palavras que reconheccr e compreender quando usada por outros). Em verdade, nem 47

-

o vocabulrio "ativo", nem o vocabulrio "passivo" de qualquer 'pessoa que tem o ingls (ou o portugus) como lngua nativa fixo e esttico, nem mesmo por perodos de tempo relativamente curtos. No obstante, em nosso exame da gramtica do ingls, poremos de parte esses fatos e admitiremos, por amor simplicidade, que o vocabulrio da lngua determinado, invarivel e, naturalmente, finito. Admitiremos, ainda, que o nmero das diferentes operaes que entram em pa:uta para a gerao de sentenas inglesas finito. No h motivo para acreditar que essas presunes sejam implausveis; supor diferentemente significaria que as sentenas do ingls no poderiam ser geradas por meio de um conjunto de regras passvel de especificao. Ora, se a gramtica consiste de um conjunto finito de regras, operando sobre um vocabulrio finito, e deve revelar-se capaz de gerar um infinito conjunto de sentenas, decorre da que pelo menos algumas das regras ho de ser aplicveis mais de uma vez na gerao da mesma. sentena. Essas regras e as estruturas a que do lugar so chamadas recursivas. Ainda uma vez, cabe a afirmao' de nada existir de implausvel na sugesto de que a gramtica do ingls deva incluir certo nmero de regras recursivas. f; intuitivamente claro que, ao alongar a sentena Este o homem que se casou com a moa, adicionando-lhe a clusula que escreveu o livro, essa adio de tipo similar a que se casou com a moa, clusula j acrescentada sentena original. As sentenas, tal como vimos no captulo 2, podem ser representadas em dois nveis:. ao nvel sinttico aparecem como seqncias de palavras e ao nvel fonolgico, aparecem como seqncias de fonemas. Seria possvel, em princpio, considerar a estrutura sinttica das sentenas como alguma coisa total ou parcialmente independente da ordem recproca em que as palavras ocorrem; e certas lnguas dotadas daquilo que descrito como "livre ordem de palavras" tm sido tradicionalmente examinadas desse ponto de vista. No obstante, seguindo Chomsky, admitiremos como definio que toda diferente seqncia de palavras (se bem formada) uma sentena diferente. De acordo com essa definio, no apenas O co mordeu j) homem e O homem mordeu o co so

sentenas diferentes; mas so tambm sentenas diferentes Tive uma idia quando ia para casa e Quando ia para casa, tive uma idia. Do ponto de vista puramente sinttico, a estrutura fonolgica das palavras irrelevante e poderamos represent-Ia sob qualquer' de uma variedade de formas. Poderamos, por exemplo, relacionar todas as palavras do vocabulrio, colocando-as numa ordem arbitrria, numerando-as de acordo com o lugar ocupado na lista e passando a utilizar esses nmeros para indicar palavras particulares na descrio sinttica de sentenas. f; usual, entretanto, representar as palavras como seqncias de fonemas (ou de letras), mesmo quando se permanece no nvel sinttico; e seguiremos essa prtica. Com efeito, citaremos palavras e unidades sintticas em sua forma ortogrfica normal, mas o leitor deve ter em mente que a forma de soletrar ou de pronpnciar as palavras independente, em princpio, da identidade que tenham como unidades sintticas. Aceita-se, de modo geral, que duas palavras diferentes possam ser escritas OU pronunciadas de maneira idntica e que possam existir maneiras alternativas de soletrar ou de pronunciar a mesma palavra. Apresentaremos agora uma distino entre elementos "terminais" e elementos "auxiliares". Elementos terminais so os que efetivamente ocorrem nas sentenas: palavras, ao nvel sinttico, e fonemas, ao nvel fonolgico. Todos os demais termos ou smbolos empregados na formulao de regras gramaticais podem ser considerados elementos auxiliares. De modo particular, deve ser acentuado que os teimos ou smbolos empregados para denotar as "paltes do discurso" so, nas gramticas gerativas do tipo que nos preocupa, elementos auxiliares. Utilizaremos termos tradicionais, familiares, para designar as classes de palavras ou "partes do discurso", tal como faz Chomsky, e os abreviaremos simbolicamente: N Substantivo, V vrbo, etc. Outros elementos auxiliares sero posteriormente introduzidos. Ponto que deve ser aqui acentuado o de que, na gramtica gerativa, o fato de uma palavra particular pertencer a uma particular classe - ser elemento, digamos, da classe N - deve ser tomado perfeitamente explcito no contexto interno da

=

=

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gramtica. Significa isso, nas gramticas formalizadas de Chomsky, que toda palavra do vocabulrio deve ser colocada na classe ou classes sintticas a que pertencer: no ser suficiente elaborar um conjunto de definies como "Um substantivo o nome de qualquer pessoa, lugar ou coisa", deixando a critrio da pessoa, que se refere a essa gramtica, decidir se determinada palavra satisfaz ou deixa de satisfazer aquela definio. As gramticas mais simples, estudadas por Chomsky e capazes de gerar infinito conjunto de sentenas, por meio de um nmero finito de regras recursivas, operando sobre um vocabulrio finito, constituem o que ele denomina gramtica de estado finto. Baseiam-se tais gramticas na concepo de que as sentenas so geradas a partir de uma srie de escolhas feitas "da esquerda para a direita", equivalendo isso a dizer que, aps o primeiro elemento, ou elemento mais esquerda, haver sido selecionado, toda escolha subseqente se v determinada pelos elementos imediatamente precedentes. De acordo com essa concepo de estrutura sinttica, uma sentena como Esse homem trouxe algumpo

estado" que aparece na figura 1 (deliberadamenterecorri num exemplo algo mais complexo do que o dado por Chomsky na p. 19 de Syntactic Structures).aquele po

I

quele ... .I um

o livro

o algum um

H'-mtt:Jr IVro

algum

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trazido visto comido

lavra Esse seria escolhida para a primeira posio, dentre arelao de todas as palavras suscetveis de ocorrer ao incio de sentenas portuguesas (inglesas). Em seguida, homem seria selecionada como uma das palavras possveis de colocar

poderia ser gerada atravs do seguinte processo. A pa-

estes aqueles os alguns

tmIhomens~ ivros

estes aqueles os alguns

homens livros

FIGURA 1

aps esse; trouxe, como uma das palavras passveis decolocao aps esse e homem; e assim por diante. Se houvssemos escolhido aquele, em vez de esse, para a primeira posio, as escolhas subseqentes no seriam afetadas: aquele homem trouxe algum po uma sentena igualmente aceitvel. De outra parte, se houvssemos selecionado para ocupar a primeira posio esses ou aqueles, teramos, em seguida, de escolher palavras como homens, para a segunda posio, seguidas de palavras como trouxeram. para a terceira posio - permanecendo iguais s anteriores as possibilidades de preenchimento da quarta e da quinta posies. (A escolha. em ingls, do artigo the, facultaria que a segunda posio fosse ocupada por um substantivo no singular ou no plural e, portanto, no singular ou no plural, se colocasse o verbo.) Uma forma de representar graficamente o que acabou de ser dito por meio de palavras recorrer ao "diagrama de

o diagrama pode ser interpretado da maneira seguinte. Cabe conceber a gramtica em termos de mquina ou instrumento (no sentido abstrato a que aludimos no captulo anterior) que se move ao longe de um nmero finito de "estados" internos, na medida em que passa do estado inicial ("princpio") para o estado final ("fim"), com o fito de gerar sentenas. Depois de haver produzido (digamos "impresso" ou "emitido") uma palavra (do conjunto de palavras admitidas como possveis para aquele "estado"), a gramtica "passa a" novo estado, segundo a indicao das setas. Qualquer seqncia d~ palavras que possa ser gerada dessa forma . por isso mesmo, definida como gramatical (nos termos da gramtica representada pelo diagrama). A gramtica ilustrada pela figura 1 s gerar, naturalmente, nmero finito de sentenas. Pode ser ampliada, enSI

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tretanto, caso se permita que o instrumento "volte" ao mesmo ou a algum estado anterior, em particulares pontos de escolha. Por exemplo, poderamos acrescentar "laos" entre~

esse,aquele,o, alguns,um,

chegando, assim, a gerao' de sentenas principiando por aquele horrvel homem, aquele grande homem, aquele grande e gordo homem, etc, A gramtica poderia tambm ser ampliada de maneira 6bvia para permitir a gerao de . sentenas compostas, como aquele homem trouxe po, e esta bela moa comeu o queijo. Essas sentenas continuam a ser de estrutura muito simples; por certo que seria complexo, ainda que fosse possvel, construir uma gramtica de estado finito capaz de gerar amostra ampla e representativa das sentenas

...} e ~ homem, po,livro, ..,},

do ingls (portugus).

.

Observe-se que em ingls seria necess.riocolocar o adjetivo (que invarivel em nmero) tanto diante de substantivos no singular como diante de substantivos no plural [mantendo-se, at esta altura, uma simplicidade que o portugus j no admite, por exigir que os adjetivos concordem com os substantivos em nmero e gnero). Problemas dessa ordem se multiplicariam muito rapidamente se nos preocupssemos com elaborar uma gramtica de estado inito para o ingls; e a concepo de estrutura sinttica, posta como base deste modelo de descrio, tem a recomend-Ia. pouco mais que sua simplicidade formal. Chomsky demonstrou, contudo, que nossa rejeio da gramtica de estado finito como um modelo satisfatrio para a descrio da linguagem natural, est mais solidamente fundamentada do que estaria se se apoiasse apenas em consideraes de complexidade prtica e em nossas intuies acerca de como devem ser descritos certos fenmenos gramaticais. Demonstrou ele o carter insatisfat6rio das gramticas de estado finito, assinalando que h certos processos regulares de formao de sentenas em ingls que no podem absolutamente ser explicados no contexto da gramtica d estado finito, por menos rigorosa e por mais contra-intuitiva que fosse a anlise que estivssemos dispostos a admitir. A demonstrao de que a gramtica de estado finito inadequada pode ser encontrada em Syntactic Strctures de 52

Chomsky (p. 21-24). Ap6ia-se no fato de que podem existir dependncias ligando palavras no adjacentes e que essas palavras interdependentes podem achar-se separadas por uma frase ou uma clusula em que se contenha outro par de palavras interdependentes e no adjacentes. Por exemplo, numa sentena como Quem quer que diga isso est mentindo, h dependncia entre a palavra quem e est mentindo; a palavra e a locuo esto separadas pela clusula simples que diga isso (na qual h uma dependncia entre que e diga). Podemos facilmente elaborar exemplos de maior complexidade: Quem quer que diga que a.~ pessoas que negam isso (...) esto erradas, tolo. . Aqui, temos dependncias entre quem quer que e tolo e entre pessoas e esto erradas;e poderamos ir adiante, inserindo entre que e esto, uma clusula que contivesse palavras interdependentes e no adjacentes. O resultado uma sentena com "propriedades de imagem especular", isto , uma. sentena da forma a + b + c ... x + y -1- z, onde h uma relao de compatibilidade ou dependncia entre os elementos extremos (a e z)', entre os elementos a eles imediatos (b e y) e assim por diante. Qualquer linguagem onde se contenha um nmero indefinidamente grande de sentenas com "propriedades de imagem especular", tal como essa, coloca-se para alm do escopo de uma gramtica de estado finito, Como j acentuei antes, a gerao de sentenas por meio de uma srie de escolhas, feitas "da esquerda para a direita", tem pouco a recomend-Ia alm da simplicidade formal do modelo. A razo por que Chomsky dedicou ateno gramtica de estado finito foi a de que a linguagem tinha sido estudada deste ponto de vista, dentro do objetivo de planejar eficientes canais de comunicao durante a segunda guerra mundial; a teoria matemtica da comunicao, teoria altamente sofisticada da resultante ("teoria da informao"), estendeu-se, ap6s a guerra, a muitos campos, inclusive psicologia e lingstica. Chomsky no demonstrou nem afirmou ter demonstrado que a "teoria da informao" como tal era irrelevante para a investigao da linguagem, mas to-somente que, se fosse ela aplicada, com base na presuno de gerao de "palavra por palavra" e "esquerda para a direita", Dia poderia explicar algumas construes do ingls. 58