04 americano atabalhoado

5
04/2008-AMERICANO ATABALHOADO No segundo de semestre de 1971, chegou em Formiga mais um americano pelo Programa de Intercâmbio do Rotary Club International (antes dele, viera Aleta, tendo ficado hospedada na casa do saudoso médico Dr. Horta Sanábio). Seu nome: Ronald Nathan Durchfort. E E ele veio foi morar justamente na minha casa. No começo, o encarei como mais uma “vítima” para eu atazanar mas, como o tempo, Rony, como passamos a chamá-lo, passou ser considerado como um irmão para nós todos. Papai e mamãe também sempre o consideraram como a um filho. Rony sempre teve um temperamento um pouco arredio. Não era de muita conversa e às vezes seu humor não estava lá essas coisas. Mesmo assim, adaptou-se totalmente à vida brasileira. Inicialmente, ele tinha um forte sotaque espanholado, depois passou a falar tal e qual um brasileiro, sem aquele acento carregado típico dos americanos quando falam português. A sua aparência, contudo, era a de um americano do tipo “nerd”. Óculos tipo “fundo de garrafa”, sapato social acima de 45, calça jeans e camisa de pano grosso. Falando em camisa, eu era simplesmente fissurado por etiquetas de camisa. Imagine-se aquelas escritas em inglês! Como naquela época coisas dos Estados Unidos eram raras por aqui, não tive outra alternativa senão simplesmente recortar todas as etiquetas das camisas do Rony! E o pior: à sua revelia! Não preciso entrar em detalhes sobre o que aconteceu em casa quando fui descoberto. Felizmente, meu irmão norte-americano não ficou tão bravo quanto eu imagina, pois vira que

Upload: marco-aurelio-v

Post on 01-Jul-2015

682 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: 04 Americano Atabalhoado

04/2008-AMERICANO ATABALHOADONo segundo de semestre de 1971, chegou em

Formiga mais um americano pelo Programa de Intercâmbio do Rotary Club International (antes dele, viera Aleta, tendo ficado hospedada na casa do saudoso médico Dr. Horta Sanábio). Seu nome: Ronald Nathan Durchfort. E E ele veio foi morar justamente na minha casa. No começo, o encarei como mais uma “vítima” para eu atazanar mas, como o tempo, Rony, como passamos a chamá-lo, passou ser considerado como um irmão para nós todos. Papai e mamãe também sempre o consideraram como a um filho.

Rony sempre teve um temperamento um pouco arredio. Não era de muita conversa e às vezes seu humor não estava lá essas coisas. Mesmo assim, adaptou-se totalmente à vida brasileira. Inicialmente, ele tinha um forte sotaque espanholado, depois passou a falar tal e qual um brasileiro, sem aquele acento carregado típico dos americanos quando falam português. A sua aparência, contudo, era a de um americano do tipo “nerd”. Óculos tipo “fundo de garrafa”, sapato social acima de 45, calça jeans e camisa de pano grosso. Falando em camisa, eu era simplesmente fissurado por etiquetas de camisa. Imagine-se aquelas escritas em inglês! Como naquela época coisas dos Estados Unidos eram raras por aqui, não tive outra alternativa senão simplesmente recortar todas as etiquetas das camisas do Rony! E o pior: à sua revelia! Não preciso entrar em detalhes sobre o que aconteceu em casa quando fui descoberto. Felizmente, meu irmão norte-americano não ficou tão bravo quanto eu imagina, pois vira que o deslumbramento de um garoto de 14 anos era inocente e sem más intenções.

Como o Rony regulava em termos de idade com o Marcelo que era dois anos mais velhos do que ele que tinha 17 anos, ele passou a andar com a turma dele, Marcelo e do Márcio. O problema era ser menor de

Page 2: 04 Americano Atabalhoado

idade, mas meus irmãos souberam contornar tal empecilho a contento, ou melhor, souberam mais ou menos... Certa feita, meus manos resolveram “levar o gringo escondido do velho para conhecer o Rancho” (classicamente conhecido como “zona boêmia”).

Como todo cidadão mais antigo da nossa querida “Cidade da Areias Brancas” está ciente, tal “inferninho” se localizava na famosa rua Santo Antônio, também conhecida como rua Quintino Bocaiúva. Assim, por ter menos de 18 anos, os “corruptores” sabiam que todo cuidado seria pouco. Além do mais, não ia pegar bem que os “filhos do Dr. Walter”, Juiz da cidade, fossem flagrados levando um menor na zona que também era bolsista do Rotary, que proibia terminantemente tais tipos de “aventuras”. E lá se foram, Márcio, Marcelo e seus mais chegados, Oto, Cyro, João Bosco e o “Majó” (menos conhecido por Ricardo Rocha). Não sei se havia outras pessoas com eles, mas os “líderes”, certamente eram esses aí. Aquela noite prometia.

Todo feliz, por estar tendo a chance de conhecer a famosa “casa das comadres”, Rony colocou sua melhor roupa e perfumou-se com seu inconfundível “Old Spice”. Márcio e Marcelo seguramente banharam-se de “Vitess” ou “Lancaster”. Ao adentrar o recinto lúgubre - banhado por uma tentadora luz vermelha -, Rony, por ter grande porte não despertara suspeita num dos vigias da zona, o João (conhecido como “João Soldado”). Animados, todos entraram. Um perfume de rosas (“Cashemere Bouquet”) vindo da penteadeira que ficava à vista, tomava conta do ambiente. Por sinal, contribuía para que o clima ficasse ainda mais sensual e romântico. Além do referido “toucador”, havia uma mesa de jantar e algumas cadeiras em volta. Por certo, era ali onde as “senhôras” tinham suas refeições (literalmente, claro). Márcio, como sempre,

Page 3: 04 Americano Atabalhoado

“entrão”, sentou-se numa das cadeiras e foi seguido pelos amigos. Pediram “cuba libre” e “hifi”.

Conversa vai, conversa vem, Rony começou a se sentir bem menos tenso, pois vira que sua idade não seria percebida. Fitava algumas “meninas” dançando à vontade ao som de um música de Orlando Silva. Há muito tempo não ficara tão à vontade. Só lamentava o fato de somente “poder olhá-las”, mais nada conforme a ordem do seu “irmão mais velho”, o Márcio. Em dado momento, Marcelo notou que o mano ianque, com todos os seus quase 100 quilos, fazia um perigoso movimento de “vai-e-vem” com a cadeira, apoiando-se na mesa com os pés... Rony, cuidado com o jeito que você balança, senão..., antes de terminar a frase, o inevitável aconteceu. O tombo já esperado aconteceu realmente...

No cair, Rony puxou a toalha de mesa e o que estava nela também caiu no chão: copos, garrafas, castiçais e tudo o mais. Barulho para acordar toda a redondeza, o que dirá dos “habitantes da zona”! Pânico instalado. Corre-corre. Não sei se alguém saiu dos quartos com as cuecas na mão ou sem elas. Só sei que mais assustados ainda ficaram meus irmãos, seus amigos e o próprio causador do alvoroço. Rapidamente, Márcio puxou o gringo pela gola e “zuniu” rua Seis de Junho acima. Seu medo que o papai descobrisse, nas certa, fora maior do que o barulho que rompeu o silêncio daquela madrugada que prometia... E cumprira...

Para finalizar, transcrevo, “ipsis litteris” um causo contado pelo Oto que fala justamente da zona: “Na zona havia um cara que tinha o apelido de “Guarda-Roupa” Um figuraça! Quando chegava uma “mulher-dama” nova no pedaço, lá ia o Guarda-Roupa com a sua prosopopéia toda peculiar! Logo após o ato consumado, enquanto a dita cuja ia cuidar da sua

Page 4: 04 Americano Atabalhoado

assepsia íntima, ele rapidamente trocava de roupa e dizia: - O do frango tá aí debaixo do travesseiro! E saía rapidinho de cena... A mulher ia conferir a grana  e o que encontrava?Encontrava  dois "bago de milho"...  Outra do “GR”: Chuva intensa e prolongada na cidade. O Rio Formiga transbordara e suas águas invadiram a rua Santo Antônio! A mulherada da zona ficara apavorada!

A água simplesmente invadiu a casa da Siaba (quem freqüentou a zona, vai lembrar muito bem do papagaio da Siaba). Neste ínterim, chegara o Guarda-Roupa: bebin da silva! Estava numa manguaça danada! Então, ele agarrou uma mulher pelos cabelos e literalmente saiu arrastando a pobre. E a água já estava dando pelos joelhos! E quando viu a "platéia" que o fitava, com seu chapeuzinho de lado, disse triunfalmente: “ESSA AQUI EU JÁ SARVEI, CEIS PREOCUPA CUM AS OUTRAS LÁ DENTRO!” E a mulher batia braços e pernas  desesperadamente tentando ficar em pé:  ÁGUA NA BOCA, OUVIDO , NARIZ! Por isso, eu, Márcio Bulau e o Majó ficamos uns dias sem frenqüentar o ambiente, até que a faxina fosse totalmente executada, porque com certeza ia sobrar uma vassoura e um "barde"  d'água pra gente também...”