desenvolvimentodependentelatino americano

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA PRISCILA SANTOS DE ARAUJO DESENVOLVIMENTO DEPENDENTE LATINO-AMERICANO NO SÉCULO XXI - Desigualdade e Padrão de Reprodução UBERLÂNDIA 2013

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Tese de doutorado acerca do desenvolvimento dependente latino americano no século XXI

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLNDIA

    PRISCILA SANTOS DE ARAUJO

    DESENVOLVIMENTO DEPENDENTE LATINO-AMERICANO NO SCULO XXI -

    Desigualdade e Padro de Reproduo

    UBERLNDIA

    2013

  • PRISCILA SANTOS DE ARAUJO

    DESENVOLVIMENTO DEPENDENTE LATINO-AMERICANO NO SCULO XXI -

    Desigualdade e Padro de Reproduo

    Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Economia, da Universidade Federal de Uberlndia, como requisito parcial para a obteno do Ttulo de Doutora em Economia. rea de Concentrao: Desenvolvimento Econmico. Orientador: Prof. Dr. Niemeyer Almeida Filho.

    UBERLNDIA

    2013

  • Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    Sistema de Bibliotecas da UFU, MG, Brasil.

    A663d 2013

    Araujo, Priscila Santos de, 1980-

    Desenvolvimento dependente latino-americano no sculo XXI :

    desigualdade e padro de reproduo / Priscila Santos de Araujo. - 2013.

    264 f. : il.

    Orientador: Niemeyer Almeida Filho.

    Tese (doutorado) Universidade Federal de Uberlndia, Programa de

    Ps-Graduao em Economia.

    Inclui bibliografia.

    1. Economia - Teses. 2. Desenvolvimento econmico - Teses. 3.

    Capitalismo - Amrica Latina - Teses. I. Almeida Filho, Niemeyer.

    II. Universidade Federal de Uberlndia. Programa de Ps-Graduao em Economia. III. Ttulo.

    CDU: 330

  • Dedico este trabalho a todos aqueles que destinam parte

    de suas vidas aos estudos da Teoria Marxista da

    Dependncia.

  • AGRADECIMENTOS

    Expressar meu sentimento de agradecimento por aqueles que me acompanharam durante o

    desenvolvimento desta tese tarefa difcil. Primeiro, porque, durante o doutorado, muitas

    mudanas ocorreram, casei-me, mudei de casa, passei em concurso, mudei de cidade, voltei

    e mudei novamente de trabalho. Nesse caminho, muitas pessoas me ajudaram e deram

    fora para que eu no desistisse no meio do caminho. Entre elas, devo um agradecimento

    especial ao meu orientador, profxessor Niemeyer, que, em alguns momentos, foi alm das

    tarefas de um mestre, apoiando-me assim como um pai ou um amigo. Mesmo diante das

    minhas limitaes e dvidas do caminho percorrido, sempre esteve disponvel com valiosas

    crticas e verdadeiras aulas a cada reunio. Levarei para minha vida seus ensinamentos, sua

    dedicao e compreenso.

    Agradeo aos professores Carlos Alves, Mathias Seibel pelas contribuies ao trabalho, na

    ocasio da banca de qualificao e pelo aceite em participar da banca de defesa da tese,

    juntamente com os professores Jos Rubens e Elizeu Serra.

    Este trabalho tambm fruto dos grandes ensinamentos que tive desde a graduao em

    Vitria/ES. Aos professores do departamento de Economia da UFES agradeo, em especial,

    aos professores Reinaldo Antnio Carcanholo (em memria), Maurcio Sabadini e Paulo

    Nakatani, que me apresentaram s discusses no campo marxista. Aos professores que tive

    no Instituto de Economia da UFU Prof. Carlos Alves, Prof. Cesar Ortega, Prof. Flvio Vilella,

    Prof. Henrique Neder, Prof. Jos Rubens, Prof. Marcelo Carcanholo, Profa. Marisa Botelho e

    Profa. Vanessa Petrelli agradeo pelo grande peso que deram minha formao.

    Agradeo aos colegas da turma do Doutorado 2009 Clsio Marcelino, Ester William,

    Jucyele Cardoso, Michelle Borges e Nilton Csar , apesar dos poucos momentos que

    passamos juntos, foram brilhantes as discusses em sala de aula. Agradeo, ainda, minha

    querida amiga Karine Obalhe, pela ateno, companheirismo e contribuio no tratamento

    dos dados do primeiro captulo.

    Aos colegas do IFGoiano e do IFTM, especialmente, Prof. Breno Augusto, Prof. Bruno

    Arantes, Profa. Diane Belusso, Profa. Elisa Antnia, Profa. Iraci Joo, Prof. Jos Carlos, Profa.

    Miriellen e Profa. Sabrina de Cssia.

  • Devo prestar meus agradecimentos especiais minha famlia. Meu pai Luiz Augusto, minha

    me Schirley Affonso, pela educao que me deram e pela compreenso da minha ausncia

    em tantos momentos importantes. minha irm Dbora, espero ser um exemplo da

    importncia de se estudar para ser algum na vida, ensinamento que nossos pais tanto

    prezam. s minhas sobrinhas, Jlia e Caroline, ao meu irmo Marco Aurlio, agradeo o

    carinho, e aos meus avs, tios e primos, pelo apoio de sempre.

    famlia Santos que me adotou nos ltimos anos, D. Luci, Sr. Randolfo, Raphael, Randolfo

    Jnior e Ana Jlia, devo agradecer pelo apoio e ateno. Sem a comidinha mineira da D. Luci,

    eu no teria sade para terminar essa tese. Agradeo de forma particular ao meu amor

    Ricardo Jos, que acompanhou todos os meus medos, angstias e dvidas durante toda essa

    jornada. Abriu mo da sua prpria vida para viver comigo os desafios de fazer uma tese do

    doutorado. Seu amor e sua generosidade so algo que me faz admir-lo ainda mais. Muito

    obrigada.

  • No quero me ver pleno e cheio de certezas

    Prestes a explodir em um golpe seco

    Permitam-me celebrar dvidas

    Ilimites

    O desprendimento de meus sapatos cansados

    De tantos caminhos prticos

    De tantas muralhas

    Fossos e drages (DOS SANTOS JR., 2011).

    Hemos planteado que la dependencia es una relacin de subordinacion politica entre naciones

    capitalistas. Desde otro punto de vista, ella corresponde a una forma peculiar de capitalismo, que

    surge en base a la expansion mundial de un sistema que configura diversas formas de explotacion. El

    capitalismo dependiente representa, en ese contexto, un tipo de capitalismo en el cual, dadas las

    relaciones de clases que all se establecen, basadas en la superexplotacin del trabajo, las

    contradicciones se hacen ms agudas, configurndolo pues como el "eslabn debil" del sistema. Es

    por ello que a ms desarrollo capitalista dependiente, ms contradicciones sociales y mayor

    desarrollo de la lucha de clases (MARINI, 1993).

  • RESUMO

    Esta tese sustenta, essencialmente, a existncia de desigualdade na estruturao do sistema capitalista. Esta desigualdade constitutiva de determinaes histricas das formaes sociais capitalistas, que so organicamente conformadas em um sistema global, hierarquizado e combinado, que tende a reproduzir-se. O foco principal sobre as formaes sociais latino-americanas, sua natureza e insero global. A motivao para a escolha do tema surgiu quando o Banco Mundial apresentou em 2011 uma interpretao da evoluo da Crise do Subprime. A ideia defendida apontava para uma mudana significativa na estrutura da economia mundial, com algumas economias em desenvolvimento assumindo funes de liderana na determinao da dinmica global. Nossa argumentao diversa, recuperando elementos centrais da interpretao de Marx a respeito da natureza do capitalismo e de autores da Teoria Marxista da Dependncia que desenvolveram e aprofundaram essas suas proposies no tratamento concreto da Periferia. Assim, o objetivo principal discutir a natureza do desenvolvimento dependente latino-americano como um desdobramento prprio da estrutura desigual do sistema capitalista mundial. No contexto do capitalismo contemporneo, no h alteraes da condio internacional das economias latino-americanas, pois so pases que alimentam o capitalismo do centro do sistema ao mesmo tempo em que esto condicionados a eles. Na atual fase, deixaram de ser exclusivamente fornecedores de matrias-primas, pois diversificaram a sua indstria, mas mantiveram essencialmente um padro de reproduo pautado nas exportaes de bens primrios complementando-as com bens mais sofisticados. Esses elementos mantm uma dinmica interna limitada, pois a forma de compensao dessa transferncia continua sendo pela superexplorao, conservando as dificuldades da realizao da produo do valor. Diante desse quadro, indicamos que se mantm a organicidade do sistema capitalista e uma desigualdade econmica e social, intrnseca s economias perifricas. Essa a natureza das economias dependentes latino-americanas. Assim, a partir da trilha aberta pelos tericos da Teoria Marxista da Dependncia essa tese contesta a perspectiva do campo dominante da economia que reala os avanos do capitalismo e dissimula os seus percalos, como uma conquista aberta a todos os pases.

    Palavras-Chave: Dependncia. Desenvolvimento. Desigualdade. Organicidade.

  • ABSTRACT

    This thesis supports basically the existence of inequality in capitalist system structure. This inequality is constitutive of historical determinations of capitalist social formations, which are organically formed into a global, hierarchical and combined system which tends to reproduce itself. The main focus is towards Latin-American social formations, their nature and global insertion. The motivation of choosing this theme arose when the World Bank presented, in 2011, an interpretation of the evolution of the Subprime Crisis. The defended idea pointed to a significant change in worldwide economy structure when several developing economies assumed leadership roles in determining the overall dynamics. Our argument is a different one, recovering main elements of Marxs interpretation concerning to capitalism nature as well other authors on Marxist Dependence Theory, who developed and deepened these propositions in their concrete treatment of Periphery. Thus, the aim of this study is to discuss the nature of Latin American dependent development as an offshoot of the unequal structure of the world capitalist system. In the context of contemporary capitalism, there is no modification in the international condition of Latin American economies, because they are countries that fuel the capitalism of the central system at the same time that they are conditioned to it. In the current phase, no longer exclusively providers of raw materials because their diversified industry, but remained essentially a reproduction pattern guided in exports of primary goods complementing them with more sophisticated ones. These elements keep a limited internal dynamic, as a form of compensation for such transfer remains by overexploitation, saving the difficulties of realization of production value. Given this situation, we indicate that remains the organist capitalism system as well a social and economic inequality intrinsic to peripheral economies. This is the nature of Latin-American dependent economies. So that, from the open trail proposed by theoreticians of Marxist Theory of Dependency, this thesis contests the approach from dominant field of Economy that highlights the advances of capitalism and conceal their mishaps, such achievements opened to all.

    Keywords: Dependence. Development. Inequality. Organicity.

  • LISTA DE FIGURAS

    GRFICO 1 Variao do PIB (%) .......................................................................................................... 27

    GRFICO 2 Investimento (% do PIB) ................................................................................................... 29

    GRFICO 3 Variao do Volume das Exportaes (%) ....................................................................... 30

    QUADRO 1 - Classificao Tecnolgica das Exportaes segundo Lall (2000) ...................................... 52

    GRFICO 4 - Participao das categorias tecnolgicas nas exportaes (%) Pases Imperialistas .... 57

    GRFICO 5 - Exportaes por categorias tecnolgicas (% do PIB) Pases Imperialistas..................... 58

    GRFICO 6 - Participao das categorias tecnolgicas nas exportaes (%) Semiperiferia

    Imperialista ............................................................................................................................................ 59

    GRFICO 7 - Exportaes por categorias tecnolgicas (% do PIB) Semiperiferia Imperialista .......... 60

    GRFICO 8 - Participao das categorias tecnolgicas nas exportaes (%) Economias de

    Capitalismo Tardio ................................................................................................................................ 60

    GRFICO 9 - Exportaes por categorias tecnolgicas (% do PIB) Economias de Capitalismo Tardio61

    GRFICO 10 - Participao das categorias tecnolgicas nas exportaes (%) Economia Chinesa .... 62

    GRFICO 11 - Exportaes por categorias tecnolgicas (% do PIB) - Economia Chinesa ..................... 62

    GRFICO 12 - Participao das categorias tecnolgicas nas exportaes (%) Pas Subimperialista

    Dependente ........................................................................................................................................... 65

    GRFICO 13 - Exportaes por categorias tecnolgicas (% do PIB) Pas Subimperialista Dependente

    ............................................................................................................................................................... 66

    GRFICO 14 - Participao das categorias tecnolgicas nas exportaes (%) Economias

    Dependentes ......................................................................................................................................... 69

    GRFICO 15 Exportaes por categorias tecnolgicas (% do PIB) Economias Dependentes ......... 70

    GRFICO 16 - Participao das categorias tecnolgicas nas exportaes (%) Economias Perifricas71

    GRFICO 17 - Exportaes por categorias tecnolgicas (% do PIB) Economias Perifricas ............... 72

    GRFICO 18 - Mdia do IDH por Grupo de Pases Pases Desenvolvidos e Pases em

    Desenvolvimento .................................................................................................................................. 76

    QUADRO 2 - Ondas longas na Histria do Capitalismo ....................................................................... 185

    QUADRO 3 - Poltica Econmica Campo de aplicao, instrumento e nfase da ao ................... 191

    QUADRO 4 - Caracterizao da insero internacional, formas de manifestao da dependncia e

    padro de reproduo dominante no Brasil ....................................................................................... 218

  • LISTA DE TABELAS

    TABELA 1 Indicadores Selecionados 2011 ....................................................................................... 48

    TABELA 2 Produto Nacional Bruto per capita US$ (valores constantes a preos de 2005) ............ 49

    TABELA 3 - Exportaes por categoria tecnolgica em 2011 (US$ bilhes) ......................................... 56

    TABELA 4 Participao das exportaes da China para a Amrica Latina em relao s exportaes

    totais da China por categoria tecnolgica (%) ...................................................................................... 63

    TABELA 5 Participao das exportaes da China para a Amrica Latina em relao s importaes

    totais da Amrica Latina por categoria tecnolgica .............................................................................. 64

    TABELA 6 Participao das categorias tecnolgicas nas importaes da China e importaes por

    categoria tecnolgica em porcentagem do PIB .................................................................................... 65

    TABELA 7 Participao das exportaes do Brasil para a Amrica Latina em relao s exportaes

    totais do Brasil por categoria tecnolgica ............................................................................................. 67

    TABELA 8 Participao das exportaes do Brasil para a Amrica Latina em relao s importaes

    totais da Amrica Latina por categoria tecnolgica .............................................................................. 68

    TABELA 9 Participao das categorias tecnolgicas nas importaes do Brasil e importaes por

    categoria tecnolgica em porcentagem do PIB .................................................................................... 69

    TABELA 10 Estrutura do Emprego ...................................................................................................... 73

    TABELA 11 Menor salrio pago U$ 2005 (por ano) ......................................................................... 74

    TABELA 12 IDH de pases selecionados .............................................................................................. 77

    TABELA 13 Dados selecionados Educao....................................................................................... 78

    TABELA 14 Dados selecionados Sade ............................................................................................ 79

    TABELA 15 Dados selecionados Distribuio de Renda .................................................................. 80

  • SUMRIO

    INTRODUO ............................................................................................................................. 15

    CAPTULO 1 - DESIGUALDADE DA ESTRUTURAO DO SISTEMA CAPITALISTA MUNDIAL .............. 21

    1.1 Disparidades do crescimento global ................................................................................... 23

    1.2 A organicidade do sistema global: a inviabilidade do switchover sem alteraes estruturais 32

    1.3 Uma proposta de anlise da desigualdade da estrutura do sistema capitalista .................... 45

    1.4 Insero no comrcio internacional ................................................................................... 50

    1.4.1 Classificao dos produtos exportados conforme conhecimento tecnolgico ..................... 51

    1.4.2 Evoluo das exportaes por categoria tecnolgica .......................................................... 55

    1.5 O Desemprego e as condies de trabalho da classe trabalhadora ...................................... 72

    1.6 As condies de vida da populao .................................................................................... 75

    1.7 A inviabilidade da dissociao dos indicadores econmicos e sociais .................................. 81

    CAPTULO 2 - A CONFIGURAO DO CAPITALISMO DEPENDENTE ................................................ 84

    2.1 As limitaes das teorias do desenvolvimento e o surgimento da Teoria da Dependncia ... 86

    2.2 A contribuio da Teoria do Imperialismo para o entendimento das formaes sociais

    dependentes........................................................................................................................... 99

    2.2.1 O descobrimento do imperialismo por John Atkinson Hobson ........................................... 101

    2.2.2 Hilferding e a interpretao do Imperialismo como uma nova fase .................................. 102

    2.2.3 O Imperialismo em Rosa Luxemburgo e a necessidades dos mercados externos .............. 106

    2.2.4 A interpretao do imperialismo e do ultraimperialismo de Karl Kautsky ......................... 109

    2.2.5 O entendimento de Bukharin das transformaes da economia mundial e o imperialismo

    ..................................................................................................................................................... 113

    2.2.6 Capitalismo monopolista: o imperialismo de Lnin ........................................................... 116

    2.3 A Teoria da Dependncia e o seu contexto histrico ......................................................... 122

    2.4 A configurao do desenvolvimento capitalista dependente ............................................ 126

    2.4.1 A configurao da dependncia ......................................................................................... 126

    2.4.2 A superexplorao como elemento distintivo do capitalismo dependente ....................... 134

    2.4.3 A formao do mercado perifrico e sua funo de garantir a escala da acumulao do

    centro: transferncia de valor ..................................................................................................... 135

    2.4.4 A superexplorao como um contguo de modalidades que provoca o pagamento da fora

    de trabalho abaixo de seu valor .................................................................................................. 138

    2.4.5 Ciso entre as fases do ciclo do capital: as particularidades do ciclo do capital nas

    economias dependentes .............................................................................................................. 142

    2.5 O Subimperialismo: elo da corrente imperialista .............................................................. 146

  • CAPTULO 3 - O PADRO DE REPRODUO DAS ECONOMIAS DEPENDENTES ............................. 151

    3.1 Padro de reproduo: ciclos do capital, valores de uso e valorizao do capital ............... 152

    3.1.2 Os caminhos necessrios para o entendimento do padro de reproduo ....................... 154

    3.1.3 Ciclo do capital dinheiro ..................................................................................................... 158

    3.1.4 A produo de valores de uso como determinante do padro de reproduo .................. 164

    3.1.5 A valorizao do capital e suas implicaes no processo de superexplorao da fora de

    trabalho ....................................................................................................................................... 169

    3.1.6 Reproduo das contradies: as crises cclicas e o ciclo longo ......................................... 175

    3.2 O padro de reproduo como elemento condicionador da poltica econmica ................ 189

    3.2.1 O Estado e o padro de reproduo do capital .................................................................. 194

    3.3 A nova fase do imperialismo e as implicaes nas economias dependentes ...................... 203

    3.3.1 A instaurao de uma nova forma econmica do capitalismo .......................................... 206

    3.3.2 O novo imperialismo........................................................................................................... 213

    3.4 A noo do padro de reproduo e a dependncia contempornea ................................ 216

    3.5 possvel mudar o curso do desenvolvimento dependente? ............................................ 232

    CONSIDERAES FINAIS ........................................................................................................... 234

    REFERNCIAS ............................................................................................................................ 240

    APENDICE A - CLASSIFICAO TECNOLGICA DAS EXPORTAES .............................................. 252

    APENDICE B - PARTICIPAO DAS CATEGORIAS TECNOLGICAS NAS EXPORTAES .................. 260

  • 15

    INTRODUO

    Esta tese sustenta, essencialmente, a existncia de desigualdade constitutiva e de

    determinaes histricas das formaes sociais capitalistas, organicamente conformadas

    num sistema global, hierarquizado e combinado, que tende a reproduzir-se. O foco mais

    preciso sobre as formaes sociais latino-americanas, sua natureza e insero global.

    A motivao para a escolha do tema surgiu quando o Banco Mundial apresentou, em

    2011, uma interpretao da evoluo da Crise do Subprime que apontava uma mudana

    significativa na estrutura da economia mundial, com algumas economias em

    desenvolvimento assumindo funes de liderana na determinao da dinmica global, na

    condio de novas locomotivas. A proposio foi respaldada pelo FMI e por diversos

    outros trabalhos, dos quais merecem destaque Anderson (2009), Brahmbhatt e Da Silva

    (2009), El-Erian (2009), Rodrik (2009) e Moreno-Dodson e Bayraktar (2011).

    Em resumo, a ideia era que parte significativa das economias em desenvolvimento

    continuava a manter, e, s vezes, at a ampliar, o nvel de crescimento de antes da crise, num

    contexto em que as economias desenvolvidas diminuam seus ritmos de crescimento. A

    projeo desta situao permitia desenhar um quadro global de distribuio da riqueza mundial

    crescentemente menos desigual.

    A proposio reiterava, de algum modo, e em um contexto totalmente diverso, de crise

    econmica global, a tese histrica de que o desenvolvimento capitalista avanado nvel

    econmico e social de pases da OCDE, por exemplo est aberto a qualquer sociedade que

    venha a realizar a poltica econmica adequada. Em outras palavras, o desenvolvimento est

    aberto a toda sociedade que venha a implementar um conjunto de aes diversificado,

    apropriado a cada caso, porm com a caracterstica comum de primazia do mercado na

    regulao social.

    A proposio originria dos anos 1950, perodo em que a economia sovitica crescia

    fortemente, constituindo-se em paradigma alternativo ao desenvolvimento capitalista. O temor,

    sobretudo dos americanos, era que as economias subdesenvolvidas de ento se desviassem

    para novos rumos. Isto as retiraria da influncia direta, econmica e poltica, da economia

    americana. Naquele momento, foram propostas polticas de industrializao como forma de

    superar o subdesenvolvimento, tendo em perspectiva o nvel social mdio americano.

  • 16

    Na vertente histrica, Rostow (1978) formulou as etapas do desenvolvimento econmico

    para explicar a desigualdade da poca entre os nveis de desenvolvimento observados nas

    economias nacionais. Essas etapas seriam trajetrias necessrias e abertas ao conjunto das

    economias. Na vertente terica, a partir do modelo de Solow (1956), houve a derivao da

    convergncia das rendas per capita pelas fases do crescimento econmico em que ocorreriam

    rendimentos crescentes e decrescentes de escala.

    O contedo ideolgico das proposies recentes do Banco Mundial apresentava-se, na

    projeo para o crescimento das economias subordinadas, dependentes, da Amrica Latina e de

    outras partes do mundo, de forma independente das economias avanadas, como se as

    economias pudessem se autonomizar umas das outras. Alm disso, as proposies legitimavam

    as polticas neoliberais implementadas agudamente nos anos 1990, que teriam criado as

    condies atuais favorveis a essas economias.

    Nossa argumentao ser diversa, recuperando elementos centrais da interpretao de

    Marx a respeito da natureza do capitalismo e de autores que desenvolveram e aprofundaram

    essas suas proposies no tratamento concreto da Periferia.

    A Teoria da Dependncia, na sua ptica marxista, formulada especialmente por Ruy

    Mauro Marini, Theotonio dos Santos e Vnia Bambirra, ainda nos anos 1970, apreendeu a

    condio de dependncia como estrutural. Ela mostrava a impossibilidade do desenvolvimento

    capitalista na periferia na forma como este se evidenciava, sobretudo, na Europa e na Amrica

    do Norte. Naquelas condies, esses autores percebiam as condies histricas como impondo a

    alternativa do socialismo ou da barbrie social, pela disseminao de ditaduras militares na

    regio.

    Conforme Almeida Filho (2013a), a questo que deve ser analisada que o

    desenvolvimento dos pases da periferia est condicionado pelo desenvolvimento dos pases

    centrais. Mais ainda, que a riqueza gerada nos pases perifricos serve de base para a

    acelerao do desenvolvimento dos pases centrais. Este um ponto intensamente trabalhado

    por Marini, mediante o uso do conceito de superexplorao da fora de trabalho, muito embora

    o argumento seja mais diretamente utilizado para interpretar as condies concretas dos pases

    da Amrica Latina e no da periferia em seu todo.

    O trabalho de Marini (2000), Dialtica da Dependncia, faz longo percurso histrico,

    desde o perodo colonial, passando pela etapa de exportao capitalista, at os anos 1960, para

  • 17

    mostrar que a dependncia fruto de um processo histrico de insero das economias

    perifricas no capitalismo global.

    O argumento pode ser sintetizado, nos termos atuais, da seguinte forma. Desde os

    primrdios da diviso internacional do trabalho no mundo capitalista, os pases da Amrica

    Latina inseriram-se como fornecedores de bens-salrio e matrias-primas. O processo de

    industrializao tornou esta insero mais diversificada, mas no a alterou na essncia: a

    diversificao ocorreu na margem, conservando as antigas exportaes e complementando-as

    com bens mais sofisticados. A insero no permite uma dinmica de acumulao a essas

    economias que seja baseada no progresso tcnico, exigindo depreciao dos salrios, o que, por

    sua vez, determina um mercado interno limitado.

    A passagem mais-valia relativa apreende a nfase concorrencial no progresso tcnico,

    com aumento de produtividade do trabalho pela incorporao de novas tcnicas produtivas. Isto

    propicia o aumento da explorao do trabalho sem necessariamente aumentar o dispndio de

    energia fsica do trabalhador, possibilitando, ainda, a acelerao da produo. A condio

    histrica precedente sustentava o aumento da explorao pela extenso e intensificao da

    jornada.

    Segundo ele, para que isso ocorra, essencial que as novas tcnicas produtivas venham

    a diminuir o custo de reproduo da fora de trabalho, determinando o piso para a sua

    reproduo. Assim, se pudssemos imaginar uma economia isolada, haveria uma dinmica

    especializada com parte dos setores produzindo bens-salrio e parte produzindo bens de

    produo e bens de consumo capitalista. Os limites desta dinmica seriam dados pela

    capacidade de consumo total de bens finais.

    Porm a ideia de partir de uma diviso internacional do trabalho est precisamente

    justificada pelas mudanas que ela venha a produzir em cada uma das economias. O movimento

    de superao dos limites apontados acima de incorporao de novos espaos de

    produo/consumo, o que foi efetivado pelo movimento imperialista. A diviso internacional do

    trabalho pode ser tomada como resultado desse processo.

    De todo modo, segundo Marini, a diviso internacional do trabalho que resultou do

    primeiro movimento de internacionalizao, com incorporao de novos mercados, reservou

    Amrica Latina a funo de fornecedora de alimentos e matrias-primas.

    As consequncias desse papel para o desenvolvimento (capitalista) so claras. Em

    primeiro lugar, ocorrem trocas desiguais no comrcio internacional. Os produtos industrializados

  • 18

    submetem-se ao processo concorrencial, cuja natureza de obteno de ganhos extraordinrios

    pela via da incorporao do progresso tcnico. H queda de preos compensada pelo aumento

    de produtividade e aumento da produo. No que diz respeito ao comrcio, esses produtos tm

    preos relativos mais altos que os produtos primrios.

    Explica Marini que essa condio dos pases da Amrica Latina traz consequncias

    dramticas para o desenvolvimento de suas economias. Isto porque, no trabalhador, aparecem

    duas caractersticas contraditrias: ele produtor e consumidor de mercadorias. Essas

    caractersticas expressam-se em fases diferentes, sendo a de produtor de riqueza prpria fase

    da produo e a de consumidor prpria fase de circulao. O desenvolvimento do capitalismo

    e a sua expanso acelerada da produo exigem que essa condio de consumidor seja exercida.

    De maneira que o padro de consumo dos trabalhadores vai incorporando, mesmo que

    defasado, produtos prprios ao consumo capitalista, redefinindo, assim, o prprio custo de

    reproduo da fora de trabalho.

    Numa economia em que h superexplorao, essa condio no exercida da mesma

    maneira que em uma economia desenvolvida. Desta forma, a natureza da acumulao vai sendo

    redefinida. Segundo ele, o processo histrico de industrializao dessas economias no foi

    suficiente para alterar essa determinao estrutural. A diversificao que a industrializao

    produziu encontrou seus limites na expanso do mercado interno dessas economias,

    engendrando um novo ciclo de exportaes de bens-salrio e matrias-primas, uma espcie de

    reiterao da insero histrica.

    Marini (2000) assume que a diviso internacional do trabalho que se estabeleceu no

    sculo XIX sofre mudanas com o desenvolvimento da economia global. Assim, aps o processo

    de industrializao das economias latino-americanas, que ocorreu na primeira metade do sculo

    XX, h mudanas qualitativas nessa diviso do trabalho, mas no se altera o aspecto que poderia

    ser tomado como fulcral. Persiste a caracterstica da superexplorao. Isto permite o autor

    denominar a ordem social da regio como capitalismo dependente.

    Marini (2000), na tentativa de alcanar as condies e peculiaridades do

    desenvolvimento dos pases latino-americanos, com o objetivo de transformar a condio

    desses pases, entende que essa apenas ser modificada por uma ao poltica que reordene as

    economias nacionais, embora limitadas ao desenvolvimento capitalista.

    Cabe indagar se essa formulao tem sentido geral de traduzir uma condio intrnseca

    das economias da regio. Para isto, importante assumir o recorte apresentado por Marini

  • 19

    (2000) de que essas determinaes estruturais, que tendem a se reproduzir, esto postas em

    nvel da economia. Entenda-se, com isto, que as determinaes esto postas em nvel das foras

    produtivas e das relaes sociais de produo. H pelo menos dois outros nveis tericos

    referidos pelo autor e que so importantes: o poltico e o sociolgico.

    Entendemos que esse o ponto final do ensaio de Marini que deve ser tomado como

    referncia para uma atualizao dos seus termos, j que a tese mais ampla a de que no h

    alterao da condio internacional brasileira nos anos que se seguem falncia do socialismo

    real. A atualizao justifica-se pela natureza mesma do desenvolvimento capitalista, que, na

    concepo marxista tem contedo de aumento da complexidade da sociedade, ampliando,

    gradualmente o campo direto da regulao feita pelo mercado.

    Desde os anos 2000, essa interpretao vem sendo renovada por autores como Osrio

    (2012), Carcanholo (2013), Amaral (2012), Almeida Filho (2013b) e Luce (2013), dentre

    outros, desvendando as recentes articulaes da economia mundial, por meio de temas

    como dependncia, imperialismo, superexplorao da fora de trabalho, diviso

    internacional do trabalho e padro de reproduo.

    A partir desse referencial, esta tese tem por objetivo central discutir a natureza do

    desenvolvimento dependente latino-americano, como um desdobramento prprio da

    estrutura desigual do sistema capitalista mundial, a partir das categorias de anlise da teoria

    marxista da dependncia.

    A tese est estruturada em trs captulos, alm desta introduo e uma concluso ao

    final. O Captulo 1 trata da desigualdade do sistema capitalista mundial. Nele, discutimos a

    organicidade da estruturao do sistema capitalista global em que os pases dependentes

    possuem importncias e alcances distintos. Esse ser o primeiro passo para reconhecer

    mediante dados empricos algumas tendncias gerais do desenvolvimento capitalista, ou

    seja, as operaes das suas leis em escala global no capitalismo maduro. O objetivo indicar

    que as participaes relativas na produo e no comrcio dos pases seriam conjunturais, no

    tendo potencial de aproximar, em um nvel comum, as condies econmicas e sociais dos

    diferentes pases.

    O captulo 2 discute as ideias originais dos autores da Teoria Marxista da

    Dependncia na busca de compreender as condies concretas em que se d o

    desenvolvimento capitalista latino-americano. Neste captulo tambm apresentamos o

    contexto econmico, social, poltico e terico da formulao da TMD, nascido ao mesmo

  • 20

    tempo como uma resposta crtica s teorias do desenvolvimento e perspectiva Cepalina

    desenvolvida na Amrica Latina, a partir dos anos 1950, e como uma complementao

    terica s teses do imperialismo formuladas por seus autores clssicos.

    J o captulo 3 procura mostrar como se configura a dependncia no capitalismo

    contemporneo a partir do emprego da proposta analtica em torno do padro de

    reproduo. A anlise ir considerar a existncia de uma nova dinmica no capitalismo, que

    faz com que o imperialismo se apresente de novas formas levando a um aguamento da

    condio dependente das economias perifricas.

    As consideraes finais detalham a tese antecipada nesta introduo, isto , a

    persistncia histrica tanto da desigualdade e hierarquia do sistema mundial quanto as

    caractersticas constitutivas das economias latino-americanas.

  • 21

    CAPTULO 1

    DESIGUALDADE DA ESTRUTURAO DO SISTEMA CAPITALISTA MUNDIAL

    No campo crtico da Economia, o sistema global visto como hierarquizado, em que

    existem vnculos orgnicos entre o conjunto de Estados Nacionais. Esta totalidade fruto do

    desenvolvimento histrico do capitalismo, construdo a partir de sociedades diversas, que

    experimentaram transies em momentos distintos, desenhado com base em uma dinmica

    liderada por um ncleo central que compele todas as demais naes.

    Os chamados pases desenvolvidos e em desenvolvimento1 possuem importncias e

    influncias distintas quanto s dimenses econmica, territorial e de populao, sendo que os

    primeiros so os definidores da dinmica econmica global, dos padres de consumo, alm dos

    investimentos globais, e os pases em desenvolvimento so caracterizados por serem mercados

    de consumo e fornecedores, na maior parte das vezes, de produtos primrios e bens de

    produo.

    Neste captulo, vamos discutir a organicidade da estruturao do sistema capitalista

    global em que os pases dependentes possuem importncias e alcances distintos. Esse ser o

    primeiro passo para reconhecer, por meio de dados empricos, algumas tendncias gerais do

    desenvolvimento capitalista, ou seja, as operaes das suas leis em escala global no capitalismo

    maduro.

    Acreditamos que essas tendncias produzem um capitalismo desigual e manifestam-se

    de forma particular em diferentes condies histricas, mantendo, em ltima instncia, a lgica

    do desenvolvimento capitalista. Entre tais tendncias gerais, temos a da concentrao e

    centralizao do capital. Partimos da viso de Marx (2008) sobre o capital individual,

    entendendo-o como uma concentrao dos meios de produo, ou seja, crescimento do capital

    social realizado, que possui o comando sobre o exrcito industrial de reserva, sendo que quanto

    maior for a concentrao, maior ser seu poder de comando. A tendncia de concentrao

    acompanhada pela centralizao do capital, que pressupe a acumulao do capital nas mos de

    poucos capitalistas. E ela se d em todos os nveis, regional, nacional e global. Mas como esses

    capitais operam em determinadas jurisdies, levam a fornecer ao poder poltico, da jurisdio

    na qual atuam, posies de riqueza superiores, permitindo criar um ambiente de infraestrutura

    econmica mais favorvel, inclusive mediante a atividade inovadora e explorando os efeitos da

    1Conforme nomenclatura dada pelas agncias Multilaterais.

  • 22

    diviso social do trabalho do ponto de vista internacional. Isto evidencia que, no sistema

    capitalista global, os pases possuem importncias e influncias distintas e o resultado disso a

    formao de uma hierarquizao da organizao dessas jurisdies arroladas tanto de acordo

    com a parcela de apropriao da diviso internacional do trabalho, quanto de capacidades

    relacionadas a se apropriarem dos benefcios da diviso internacional do trabalho.

    Porm no parece ser essa a base de muitas proposies em pauta nos dias atuais,

    omitindo elementos fundamentais de determinao e estrutura do sistema capitalista global,

    particularmente, aqueles associados diviso internacional do trabalho. Proposies que sero

    apresentadas na primeira seo deste captulo. Iremos nos voltar, particularmente, para os

    trabalhos de autores do Banco Mundial, o que reiterado pelo Fundo Monetrio Internacional.

    Boa parte dos argumentos apresentados por esses trabalhos justificam um melhor desempenho

    das economias em desenvolvimento comparado aos pases desenvolvidos, e correspondem

    ampliao recente da classe mdia nessas economias, da adoo de polticas macroeconmicas

    consideradas melhores e mais favorveis ao crescimento dos pases, alm da lacuna

    tecnolgica existente nas economias em desenvolvimento, uma vez que entendem que as

    tecnologias no exploradas formam um bom espao para a melhoria da produtividade. Para

    esses autores, as melhoras sociais viriam como uma consequncia do quadro favorvel da

    macroeconomia. Parece que essas proposies pretendem justificar o enorme sacrifcio

    realizado pelos pases em desenvolvimento em cumprir recomendaes de poltica

    econmica restritiva.

    Como nossa argumentao diversa, discutiremos, na segunda seo, argumentos a

    partir de trabalhos de Marini, Theotonio dos Santos e Arrighi, que apoiam a ideia da

    hierarquizao da dinmica capitalista, ou melhor, da organicidade do sistema global. Na

    terceira seo, para avanar na defesa do carter particular do desenvolvimento dos pases

    desenvolvidos e em desenvolvimento e, por consequncia, da organicidade do sistema

    capitalista, traremos uma proposta de anlise emprica de uma amostra de pases que sero

    divididos conforme as particularidades de suas inseres na dinmica capitalista. Entendemos

    que na desigualdade estrutural, na importncia distinta e no poder de influncia na dinmica

    capitalista desses diferentes grupos de pases, que as contradies do desenvolvimento

    capitalista so edificadas e encontram sentido.

  • 23

    Na quarta, quinta e sexta seo, discorreremos, respectivamente, sobre as participaes

    desses grupos de pases no mercado externo, as condies de trabalho da classe trabalhadora e

    as condies gerais de vida da populao.

    O objetivo nessas sees indicar que as participaes relativas na produo e no

    comrcio dos pases seriam conjunturais, no tendo potencial de aproximar as condies

    econmicas e sociais dos diferentes pases, em um nvel comum. A partir desses elementos,

    argumentamos que o desenho do capitalismo global no evidencia, em geral, alteraes

    estruturais significativas e, portanto, mantm a organicidade e a desigualdade intrnseca

    dinmica capitalista.

    Por fim, na ltima seo, seguiremos na defesa de que as diferenas estruturais na

    dinmica global do modo de produo capitalista no so apenas econmicas, mas tambm

    sociais. Assim, uma relativa melhoria nos indicadores econmicos no tem o poder de aproxim-

    los das condies sociais dos pases caracterizados pela dependncia a um padro comum ao

    grupo das Economias Imperialistas centrais. Isso ocorre pela prpria dinmica intrnseca ao

    desenvolvimento capitalista. De tal modo, possvel identificar que a desigualdade do

    desenvolvimento capitalista, a partir da anlise dos diferentes grupos de pases, especialmente

    entre aqueles considerados imperialistas e os constitudos por um capitalismo dependente,

    antes de tudo, so estruturais.

    1.1 Disparidades do crescimento global

    A Crise do Subprime (mercado de financiamento imobilirio de maior risco) em

    2007/2008 e os seus desdobramentos, desde ento, para as economias nacionais e o mercado

    internacional tem levado ao desenvolvimento de estudos que buscam entender as disparidades

    do crescimento global que reflitam possveis transformaes na estrutura do sistema capitalista.

    O tema consiste em discutir a crescente participao dos pases em desenvolvimento na

    produo da riqueza e no comrcio internacional.

    Essa abordagem tratada por vrios estudos entre eles Anderson (2009), Brahmbhatt e

    Da Silva (2009), El-Erian (2009), Rodrik (2009) e Moreno-Dodson e Bayraktar (2011).

    Destacamos, ainda, um livro publicado pelo Banco Mundial, The day after tomorrow, e

    organizado por Canuto e Gilgale (2010). Nele, os autores descrevem os impactos da recente crise

  • 24

    no desenvolvimento econmico mundial, em particular, nas economias em desenvolvimento2 e

    no direcionamento das polticas pblicas, a partir de dados sobre o desempenho econmico

    relativo dos pases em desenvolvimento e dos pases desenvolvidos, para fins de anlise de

    um possvel descolamento estrutural do dinamismo dos dois grupos3. Otaviano Canuto

    (2010b) em um dos artigos da publicao, Recoupling or Switchover: Developing countries in

    the global economy, argumenta que h razes para sustentar que o sistema global

    apresenta uma nova estrutura e hierarquia, com alguns pases em desenvolvimento,

    assumindo posies de liderana, condio, at ento, pouco imaginada. Em grande medida,

    os componentes empricos e tericos esto norteados pelo trabalho de Brahmbhatt e Da

    Silva (2009), que fazem uma comparao entre a crise do Subprime e a crise dos anos 19304.

    As proposies de Canuto (2010b) consistem em discutir se a liderana do crescimento

    mundial pelos pases em desenvolvimento representa um descolamento ou uma troca de

    posio decoupling or switchover dessas economias. Assim, apoiam-se no

    entendimento de que o desenvolvimento capitalista um processo aberto ao conjunto dos

    pases do mundo.

    Essa discusso somou-se a outra anterior, que se relaciona com a caracterizao dos

    BRICS (Brasil, Rssia, ndia e China e frica do Sul). Projees realizadas, no ano de 2001,

    pela Goldman Sachs5, apontavam uma tendncia de aumento do peso econmico desses

    cinco pases no contexto global, no que diz respeito populao e produo de riqueza. Da

    mesma forma que o debate do descolamento, o relatrio da formula tendncias e

    resultados, neste caso, para os prximos quarenta anos, at 2050. A diferena que o

    argumento assumido pela Goldman Sachs (O'NEILL, 2001) sustentado na participao

    2Podemos categorizar esse termo da concepo convencional, que concebe a situao de pases em

    desenvolvimento como sendo semelhante ausncia de desenvolvimento, isto , como uma atraso em relao s experincias histricas de desenvolvimento (CARCANHOLO, 2008). Assim, como ser visto mais adiante, claramente, nessa perspectiva, seria possvel extrair modelos de desenvolvimento das experincias das economias avanadas (economias desenvolvidas), com a definio de estgios que pudessem superar o atraso e atingir a modernidade. Aqui a nomenclatura para essa situao varia conforme as circunstncias/conjunturas poltico-econmicas de cada momento, mas tambm da concepo dos autores que as utilizam. As economias nessa situao so chamadas de subdesenvolvidas, perifricas, mercados emergentes, dependentes e outros neologismos (CARCANHOLO, 2008). 3A base de dados utilizada o WDI (World Development Indicators) do Banco Mundial para um perodo que vai

    de 1961 a 2010, com anlise de tendncia at 2012. 4Aparentemente, a avaliao da efetividade da ao dos Estados, ao longo dos anos 1930, persiste como um

    tema polmico. A referncia feita por Canuto a esses autores centrada na discusso da crise do Subprime apenas, tomando os seus dados para realizar uma anlise mais abrangente. 5Relatrio "Building Better Global Economic Brics" de 2001 (O'NEILL, 2001).

  • 25

    significativa e crescente de um grupo mais restrito de pases. O ponto em comum o de

    firmar a posio de que o sistema global no estruturalmente hierarquizado, admitindo

    mudanas a partir de circunstncias de mercado, em uma provvel direo de convergncia

    de nveis de riqueza. Claramente, como ser visto mais adiante, em funo da perspectiva da

    Instituio, esse caminho dependeria de boas prticas na poltica econmica.

    Inicialmente, a constatao desses trabalhos de que o crescimento dos pases em

    desenvolvimento vem superando o crescimento das economias avanadas, ou pases

    desenvolvidos, desde antes dos anos 2000, porm, s na ltima dcada, houve uma

    flagrante disparidade entre os ritmos deste crescimento6. Os estudos so anteriores a 2011

    e, de l para c, algumas revises dos coeficientes de crescimento da economia global foram

    feitas, principalmente em funo da subestimao dos impactos da crise nos pases

    desenvolvidos e os seus consequentes choques nos pases em desenvolvimento. Assim, nos

    trabalhos recentes das agncias Multilaterais, como o Banco Mundial e do Fundo Monetrio

    Internacional, constata-se que a queda no crescimento das economias avanadas provocou

    uma desacelerao importante no desempenho do PIB das economias em desenvolvimento

    (CANUTO; LEIPZIGER; PINTO, 2012, WORLD ECONOMIC OUTLOOK, 2013).

    Ao mesmo tempo, conforme indicam as passagens abaixo, mesmo aps essas

    revises, mantm-se o entendimento de que os mercados emergentes e as economias em

    desenvolvimento, na sua maioria, seguem na trajetria de liderana do crescimento

    mundial.

    Se no fosse pelo desempenho econmico da China, do Brasil e de outros mercados emergentes, a crise econmica mundial que se seguiu ao colapso financeiro de 2008 teria sido pior [...]. A emergncia de novos mecanismos de crescimento e sua convergncia de renda para os pases mais avanados tm sido definitivamente saudveis para a economia global (CANUTO, 2012, p. 01, traduo nossa).

    [...] Com poucas excees, as economias emergentes e em desenvolvimento permanecem como fontes de crescimento. Na

    6Em Decoupling, Reverse Couplingand All That Jazz Canuto (2010) sustenta que os elementos de manuteno

    de crescimento dos mercados emergentes e das economias em desenvolvimento vo alm da China e da ndia. Mesmo quando esses pases so retirados das estimativas de crescimento, os pases emergentes em seu todo ainda apresentam bom crescimento, pois, em 2009, a frequncia de distribuio das taxas de crescimento individuais dos pases em desenvolvimento mostrava uma mdia bem superior dos desenvolvidos (2,7% em comparao a -3,6%).

  • 26

    maioria, a recuperao ultrapassou a reposio dos estoques e atingiu um aumento na produo industrial, com utilizao da capacidade ociosa. Os fluxos de capital diminuram e a concesso de crdito aumentou, exceto em alguns pases da Europa Central e Ocidental, que foram o epicentro da crise emergente de mercado (CANUTO; LEIPZIGER; PINTO, 2012, p. 04, traduo nossa).

    Assim, segundo Canuto (2012), sem o desempenho econmico dos pases em

    desenvolvimento, em especial, da China e do Brasil, a crise econmica global de 2008 teria

    impactos piores. No por acaso, as perspectivas para a economia mundial tornaram-se mais

    sombrias passados alguns anos aps a Crise, quando essas economias mostraram sinais de

    diminuir a resistncia contra a trao para baixo dos pases avanados. No entanto, para o

    autor, o surgimento dos chamados novos motores do crescimento e sua convergncia de

    renda para os pases mais avanados foram definitivamente saudveis para a economia

    global. Como indicado na passagem anterior, Canuto, Leipziger e Pinto (2012), seguem esta

    mesma linha, argumentando que os pases em desenvolvimento permanecem robustos e

    so fontes de crescimento. Para os autores, a recuperao mudou-se para alm da reposio

    de estoques e para consumo e investimento, na maior parte dos pases, implicando

    importantes aumentos na produo industrial, em funo do excesso de capacidade, soma-

    se a isso, o retorno dos fluxos de capital e o crescimento do crdito, com exceo de alguns

    pases da Europa Central e Oriental, (CANUTO; LEIPZIGER; PINTO, 2012)

    O grfico 1 faz uma comparao entre a variao do PIB das economias avanadas,

    ou pases desenvolvidos7, e dos pases em desenvolvimento8 a partir dos dados do Fundo

    Monetrio Internacional, e indica essa mesma trajetria.

    7Austrlia, ustria, Blgica, Canad, Chipre, Repblica Tcheca Dinamarca, Estnia, Finlndia, Frana, Alemanha,

    Grcia, Hong Kong SAR, Islndia, Irlanda, Israel, Itlia, Japo, Coria, Luxemburgo, Malta, Pases Baixos, Nova Zelndia, Noruega, Portugal, San Marino, Singapura, Eslovquia, Eslovnia, Espanha, Sucia, Sua, Taiwan, Provncia da China, Reino Unido e Estados Unidos (IMF, 2013). 8Afeganisto, Albnia, Arglia, Angola, Antgua e Barbuda, Argentina, Armnia, Azerbaijo, Bahamas, Bahrain,

    Bangladesh, Barbados, Belarus, Belize, Benin, Buto, Bolvia, Bsnia e Herzegovina, Botswana, Brasil, Brunei, Bulgria, Burkina Faso , Burundi, Camboja, Camares, Cabo Verde, Repblica da frica Central , Chade, Chile, China, Colmbia, Comores, Repblica Democrtica do Congo, Costa Rica, Costa do Marfim, Crocia, Djibuti, Dominica, Repblica Dominicana, Equador, Egito, El Salvador, Guin Equatorial, Eritreia, Etipia, Fiji, Gabo, Gmbia, Gergia, Gana, Granada, Guatemala, Guin, Guin-Bissau, Guiana, Haiti, Honduras, Hungria, ndia, Indonsia, Ir , Iraque, Jamaica, Jordnia, Cazaquisto, Qunia, Kiribati, Kosovo, Kuwait, Repblica Quirguiz, Laos, Letnia, Lbano, Lesoto, Libria, Lbia, Litunia, Macednia, Madagascar, Malawi, Malsia, Maldivas, Mali, Mauritnia, Maurcio, Mxico, Moldvia, Monglia, Montenegro, Marrocos, Moambique, Mianmar, Nambia, Nepal, Nicargua, Nger, Nigria, Om, Paquisto, Panam, Papua Nova Guin, Paraguai, Peru, Filipinas, Polnia, Qatar, Romnia, Rssia, Ruanda, Samoa, So Tom, e Prncipe, Arbia Saudita, Senegal, Srvia, Seychelles, Serra Leoa, Ilhas Solomo, frica do Sul, Sudo do Sul, Sri Lanka, So Cristvo e Nevis, Santa Lucia,

  • 27

    Para o FMI, conforme o relatrio econmico, World Economic Outlook (2013), as

    estimativas do crescimento dos pases em desenvolvimento, apesar de no serem

    projetadas para repetir o desempenho de 2010 e 2011, esto no caminho certo para a

    construo de um crescimento no PIB em torno dos 5,5%, ante o crescimento bastante lento

    dos pases desenvolvidos.

    GRFICO 1 Variao do PIB (%)

    Fonte: World Economic Outlook Database (IMF, 2012). Nota: Dados estimados a partir de 2010.

    Diante disso, Canuto (2010a, 2010b) identifica alguns elementos tericos e empricos

    que justificam uma possvel transformao no crescimento global, dada disparidade do

    crescimento dos dois grupos de pases qual nos referimos anteriormente. Um dos motivos

    dessa disparidade, segundo o autor, a existncia, no bojo da Crise do Subprime, de uma

    forte ampliao da classe mdia dos pases em desenvolvimento, que implicam o aumento

    do consumo interno e o investimento. Caractersticas que, na viso do autor,

    aparentemente, reforam a condio, anterior crise, de liderana no crescimento mundial

    dos pases em desenvolvimento, j que vm se recuperando muito mais rpido do que os

    pases desenvolvidos.

    Os estudos da UBS (ANDERSON, 2009), uma influente empresa de consultoria

    financeira, seguem nessa mesma linha de argumentao, pois, apesar de considerarem que

    todos os pases so afetados por uma desacelerao da economia mundial, uma vez que

    So Vicente Granadinas, Sudo, Suriname, Suazilndia, Syria2, Tajiquisto, Tanznia, Tailndia, Timor-Leste, Togo, Tonga, Trinidad e Tobago, Tunsia, Turquia, Turcomenisto, Tuvalu, Uganda, Ucrnia, Emirados rabes Unidos, Uruguai, Uzbequisto, Vanuatu, Venezuela, Vietn, Imen, Zmbia e Zimbabwe (IMF, 2013).

    -6,0

    -4,0

    -2,0

    0,0

    2,0

    4,0

    6,0

    8,0

    10,0

    Var

    ia

    o A

    nu

    al (

    %)

    Mundo Economias Avaadas Mercados emergentes e Econonomias em desenvolvimentoPases desenvolvidos Pases em desenvolvimento

  • 28

    entendem que a economia global extremamente correlacionada, acreditam que o mundo

    emergente continuar a crescer muito mais rapidamente do que os pases desenvolvidos.

    Sobre uma possvel dissociao dos pases em desenvolvimento, no sentido de completa

    independncia dos choques globais, a UBS entende que a dissociao real reside no fato de

    esses pases ainda estarem crescendo muito mais rpido do que os pases considerados

    desenvolvidos, e esse quadro tende a no ser alterado (ANDERSON, 2009).

    Uma segunda razo apontada para esse desempenho muito melhor dos pases em

    desenvolvimento no perodo de crise, o benefcio de terem adotado polticas

    macroeconmicas melhores9, alm de outras polticas estruturais10, que permitiram o

    uso dos instrumentos anticclicos das polticas monetrias, financeiras e fiscais. Segundo

    Canuto (2010b), deve ser acrescida, nesse quadro favorvel manuteno do crescimento

    dos pases em desenvolvimento, uma vasta gama de oportunidades de investimento em

    seus mercados, especialmente em infraestrutura, que podem se beneficiar de uma

    alavancagem financeira, tanto no setor pblico quanto no setor privado, o que possibilita,

    portanto, a manuteno dessa trajetria ascendente. No entanto o autor chama ateno

    que, para garantir o crescimento nessas economias, precisam ser mantidos o mecanismo e a

    capacidade de gesto do setor pblico.

    Por fim, a lacuna tecnolgica em relao fronteira de conhecimento dos pases

    desenvolvidos, que poderia ser considerada como um obstculo sustentao desse

    crescimento, segundo Canuto (2010b), deve ser vista como uma vantagem. O autor acredita

    que tecnologias no exploradas formam um bom espao para a melhoria da produtividade,

    mediante a transferncia de tecnologia e adaptao. Para Canuto (2010b), isso seria possvel

    graas esperada desacelerao no avano da tecnologia nos pases desenvolvidos. Em

    estudos mais recentes, o Banco Mundial, tambm, reafirma a importncia da inovao nos

    pases desenvolvidos para o retorno do crescimento econmico global (GUERRIERI;

    PADOAN, 2012).

    A trajetria de disparidade do crescimento do PIB acompanhada pelas taxas de

    investimento relativo, o que, aparentemente, corroboraria os argumentos apresentados

    pelos autores citados anteriormente. O grfico 2 exibe uma comparao da taxa de

    9Essas polticas macroeconmicas melhores esto relacionadas a polticas restritivas e de estabilidade

    monetria. 10

    As polticas estruturais esto relacionadas, sobretudo, a polticas de reduo dos gastos pblicos.

  • 29

    investimento relativo (em porcentagem do PIB) entre os pases desenvolvidos e em

    desenvolvimento. Mesmo com uma brusca queda aps 2008, essas taxas de investimento

    permanecem maiores nas economias em desenvolvimento, em comparao s outras. Os

    dados indicam que, em 2000, os pases desenvolvidos mantinham uma taxa de investimento

    em torno de 22,2% do PIB, ante a taxa de 23,1 % do PIB dos pases em desenvolvimento. Em

    2010, aps os efeitos imediatos da crise, as taxas foram de 18,4% e 31% do PIB,

    respectivamente, e as projees do Fundo Monetrio Internacional para os demais anos,

    mantiveram essa disparidade.

    GRFICO 2 Investimento (% do PIB)

    Fonte: World Economic Outlook Database (IMF, 2012). Nota: Dados estimados a partir de 2010.

    Canuto (2010b) tambm destaca o melhor desempenho no volume de exportaes a

    favor dos pases em desenvolvimento. Assim, no que diz respeito participao relativa dos

    pases em desenvolvimento, verifica-se, pelo grfico 3, um aumento da participao dessas

    economias no volume das exportaes. Mesmo com as recentes revises sobre as

    tendncias de crescimento dos pases desenvolvidos e do comrcio internacional, as

    projees so de manuteno da elevao do volume exportado pelos pases em

    desenvolvimento. Conforme o relatrio do FMI (WORLD ECONOMIC OUTLOOK, 2013), a

    lenta recuperao dos pases desenvolvidos vem pesando sobre as exportaes dos pases

    em desenvolvimento, sobretudo sobre as commodities, que, alm disso, mantm uma

    tendncia de queda do preo para o ano. Mas, ainda assim, as estimativas do Fundo so de

  • 30

    que o crescimento do volume das exportaes dos pases em desenvolvimento se

    mantenham superiores aos pases desenvolvidos ou avanados.

    GRFICO 3 Variao do Volume das Exportaes (%)

    Fonte: World Economic Outlook Database (IMF, 2012). Nota: Dados estimados a partir de 2010.

    No que concerne s lacunas sociais, os trabalhos do Banco Mundial indicam que essas

    sero contempladas a partir das repercusses do desempenho produtivo das economias. Em

    Revenga e Chanduvi (2010), h uma sntese dos indicadores sociais nacionais de diversos pases

    que revela a evoluo dos indicadores sociais dos pases desenvolvidos e dos em

    desenvolvimento, e conclui que a manuteno das polticas econmicas adequadas11

    viabilizar o crescimento nas economias em desenvolvimento, ampliando o espao fiscal

    necessrio para a melhoria de oportunidades aos indivduos. A partir disso, espera-se uma

    melhoria em relao aos indicadores de desigualdade. Segundo os autores,

    A reduo da pobreza, a erradicao da fome e a igualdade de oportunidades so essenciais para o desenvolvimento. O crescimento essencial para que se atinjam os objetivos de progresso. A agenda ps-crise exige que se criem condies para sustentar o crescimento em direo a uma integrao mais profunda nos mercados globais e a uma reduo das ineficcias do fator mercado. Mas exige, de igual forma, fazer com que as condies para esse crescimento sejam traduzidas em empregos para os pobres e que aumentem nveis de produtividade para ajudar as pessoas a se mover da pobreza de forma

    11

    Polticas monetrias, financeiras e fiscais que mantenham a estabilidade macroeconmica e abertura dos mercados.

  • 31

    sustentvel. Um crescimento que, ao mesmo tempo, fornecer o espao fiscal necessrio para melhorar a igualdade de oportunidades para todos. Para que o crescimento possa traduzir-se em oportunidades para todos, crtico que se estabelea um processo redistributivo que possa atrelar um contrato social percebido pela maioria como suficientemente justo e com o qual vale a pena comprometer-se tanto financeira como politicamente. A equidade um ingrediente essencial do desenvolvimento, juntamente com o crescimento. E para progredir na agenda de equidade, provvel que a dependncia do Estado para fomentar e orientar esse processo tenha que ser maior (REVENGA; CHANDUVI, 2010, p. 21, traduo nossa).

    Assim, Revenga e Chanduvi (2010) entendem que a reduo da pobreza, a eliminao

    da fome e a igualdade de oportunidades so elementos essenciais do desenvolvimento,

    sendo que a agenda da maior parte dos pases, aps a crise de 2008, vem definindo as

    condies para o crescimento sustentado, por meio de uma integrao mais profunda em

    mercados globais, e reduzindo a ineficincias dos mercados. Esse crescimento, segundo os

    autores, ao mesmo tempo, ir fornecer o espao fiscal necessrio para melhorar a igualdade

    de oportunidades e dar uma chance a todas as pessoas. Portanto, para Revenga e Chanduvi

    (2010), o crescimento potencial das economias em desenvolvimento pode tornar-se uma

    poderosa ferramenta para fixar a velocidade de reduo da pobreza e da desigualdade. Com

    isso, a perspectiva do Banco Mundial de que a melhoria das condies sociais viria como

    consequncia das melhorias econmicas.

    A abordagem at aqui levantada, sobre as possveis transformaes no sistema

    mundial, circunscreve-se a uma concepo mais restrita do objeto da economia, limitando-

    se a analisar dados de desempenho da produo econmica, implicitamente considerando

    que da h repercusses mais amplas no interior das economias nacionais. Aparentemente,

    pretende-se justificar o enorme sacrifcio realizado pelos pases em desenvolvimento em

    cumprir recomendaes de poltica econmica restritivas.

    De tal modo, entendemos que, mesmo com as ltimas ressalvas do Banco Mundial

    em relao manuteno das taxas de crescimento elevadas das economias em

    desenvolvimento no crescimento mundial, as proposies apresentadas pelos estudos

    expostos caminharam no sentido da defesa do desenvolvimento capitalista, no sentido de

    evoluo, como um processo possvel ao conjunto dos pases do mundo.

    Desde os anos 1950, as proposies de polticas de desenvolvimento, orientadas

    pelas naes hegemnicas capitalistas e agncias de fomento como o Banco Mundial e o

    Fundo Monetrio Internacional, cujas promessas originrias, no bojo das discusses de

  • 32

    superao do subdesenvolvimento, eram de alcance da condio econmica e social dos

    Estados Unidos, refletem o mito do desenvolvimento econmico. Furtado (1980) mostrou

    muito bem os resultados dessas promessas: persistncia da desigualdade intra e inter

    Estados Nacionais. A histria, certamente, mostrar que este futuro no em nada mais

    promissor do que j foi para investigadores dos anos 1950.

    Vejamos, nas prximas sees, se as variaes dos ltimos anos no crescimento dos

    pases desenvolvidos e em desenvolvimento, vistos nesta primeira seo, podem refletir

    mudanas estruturais na economia global e no desenvolvimento dos pases em

    desenvolvimento, ou seja, mudanas na hierarquia dos pases do sistema capitalista. Antes

    disso, analisaremos autores que defendem a existncia de uma certa organicidade no

    sistema mundial que impede que qualquer variao do crescimento global possa ser

    interpretado como aproximao em um mesmo nvel das condies econmicas e sociais das

    diferentes economias.

    1.2 A organicidade do sistema global: a inviabilidade do switchover sem alteraes

    estruturais

    Sobre a organicidade do sistema mundial, entendemos que importante destacar que a

    lgica de acumulao do sistema capitalista e sua evoluo trazem consigo uma diferenciao

    do modo de desenvolvimento dos diferentes pases, em termos polticos, sociais, econmicos e

    culturais. Esse sistema reflete uma hierarquizao entre os pases em que estes possuem

    importncias e influncias distintas. Esta totalidade fruto do desenvolvimento histrico do

    capitalismo, erigido a partir de sociedades diversas, de origem feudal ou colnias, que passaram

    por transies em diferentes momentos. O sistema assim arquitetado sustenta-se em um ncleo

    central a partir do qual a dinmica do desenvolvimento emulada.

    Essa concepo do capitalismo global formulada por diversos estudiosos do

    desenvolvimento capitalista: Prado Junior (1966), Dos Santos (1970), Wallerstein (1974), Frank

    (1977), Furtado (1980), Oliveira (1981), Cardoso de Mello (1982), Harvey (1982), Baran (1996),

    Marini (2000), dentre outros. Para esses autores, existe, ao mesmo tempo, uma relao histrica

    e orgnica entre pases desenvolvidos e subdesenvolvidos, que tende a se manter, a menos que

    aconteam modificaes estruturais substanciais no comrcio e na insero internacional de

    todas as economias do globo.

  • 33

    Esse um ponto importante a ser considerado no debate descrito na primeira seo,

    sobre a possvel transformao no sistema capitalista, dada a disparidade, nos ltimos anos, do

    crescimento entre pases desenvolvidos e em desenvolvimento. A compreenso dos autores

    supracitados de que as eventuais mudanas nas participaes relativas dos pases no

    comrcio, produo ou fluxos financeiros globais, na ausncia dessas alteraes estruturais,

    seriam circunstanciais, ou seja, sem potencial de aproximar as condies econmicas e sociais

    das diversas economias em um nvel comum.

    Aqui iremos destacar a perspectiva terica em torno da Teoria Marxista da Dependncia,

    por meio dos trabalhos de Theotonio dos Santos (1970; 2000, 2011) e Ruy Mauro Marini (2000),

    e da anlise do Sistema Mundo, basicamente, por meio dos trabalhos de Giovanni Arrighi (1996,

    1997). Apesar de perspectivas tericas diferentes, esses autores, que se debruaram sobre as

    formaes sociais perifricas, a partir do debate sobre Desenvolvimento Econmico, que

    ocorreu, notadamente, nos anos 1950 e 1960, levam em conta as teses do Imperialismo12 e

    alcanam as particularidades da estruturao do desenvolvimento capitalista global. Isto ,

    partem do pressuposto de que, nesse sistema global, alguns pases lideram o processo de

    desenvolvimento, enquanto outros so subordinados.

    Assim, em que pesem as diferenas dessas perspectivas tericas, iremos voltar nossos

    estudos, para fins deste captulo, s proposies que esses autores fazem no que diz respeito

    estruturao hierarquizada da economia global13. Com base nessas perspectivas, ser possvel

    afirmar que uma possvel liderana contingente de alguns pases, no que diz respeito ao

    dinamismo de suas economias no contexto global, teria um flego limitado precisamente na

    proporo da capacidade de autonomia relativa dos mercados internos. Alm disso, no

    refletiriam transformaes estruturais nessas economias, pois no so acompanhadas de

    mudanas estruturais no campo social, incluindo a distribuio interna de renda e riqueza,

    conforme ser identificado nas prximas sees. No obstante, como vimos, as suposies,

    em especial, do Banco Mundial e Fundo Monetrio Internacional, omitem elementos basilares

    de determinao da estrutura do sistema capitalista global, particularmente, aqueles

    relacionados diviso internacional do trabalho.

    12

    Sobre os principais expoentes da Teoria do Imperialismo, ver Captulo 2. 13

    No captulo 2, iremos aprofundar as proposies de Ruy Mauro Marini e Theotonio dos Santos, que compem a Teoria Marxista da Dependncia, pois entendemos que nela esto os elementos apropriados para se entender o papel particular das economias dependentes, mais especificamente da Amrica Latina, na dinmica capitalista global.

  • 34

    Para Dos Santos (1970, 2000, 2011) e Marini (2000)14, o desenvolvimento dos dois

    grupos de pases, intitulados pela corrente convencional de desenvolvidos e em

    desenvolvimento, marcado, sobretudo, pelas determinaes estruturais de dependncia,

    produto do processo histrico de sua insero no capitalismo global. Para se referirem aos

    chamados pases desenvolvidos, os autores utilizam o termo de pases centrais, j para se

    referirem aos pases em desenvolvimento, os autores recorrem ao termo periferia,

    subdesenvolvidos, dependentes ou periferia dependente.

    Os pases, nessa ltima situao, so marcados pela restrio no crescimento,

    fragilidade financeira, vulnerabilidade externa e perfil concentrado de renda e riqueza,

    porm essas caractersticas so estruturais, determinadas pela condio de dependncia,

    no sendo passvel de superao pelo mero manejo adequado de um instrumental de

    poltica econmica (CARCANHOLO, 2009). O conceito de dependncia, aqui utilizado,

    entendido como uma situao em que uma economia possui menores graus de influncia na

    dinmica capitalista mundial, fazendo com que sua dinmica fique, fundamentalmente,

    condicionada pelo desenvolvimento e expanso de outra, isto , levada a ficar

    estreitamente conectada expanso dos pases centrais e, ao mesmo tempo, serve de base

    para a sua acelerao, logo, representando uma subordinao externa, porm, com

    manifestaes internas no arranjo social, poltico e ideolgico (CARCANHOLO, 2008).

    Assim, no se trata, necessariamente, de um pas ser dependente de outro, trata-se

    das relaes sociais em um determinado espao ou pas dependerem ou estarem sujeitas,

    em maior grau, lgica do capital. Nesse sentido, os pases que evidenciam maior grau de

    independncia, os pases centrais, conseguem influenciar mais nessa lgica, j aqueles

    pases que so mais dependentes, possuem menor grau de influncia e, portanto, esto mais

    sujeitos s determinaes dessa lgica.

    Essas determinaes fazem com que as relaes de produo da periferia

    dependente sejam transformadas ou recriadas para garantir a manuteno do seu papel no

    desenvolvimento capitalista. Ou seja, existe uma relao histrica orgnica entre pases

    centrais e dependentes, que tende a se reproduzir. Marini (2000) trabalha este tema

    mediante o uso do conceito de superexplorao da fora de trabalho. Embora o argumento

    seja mais diretamente empregado para interpretar as condies concretas dos pases da

    14

    Os autores estudam precisamente os pases da Amrica Latina, no entanto so determinaes que, no seu mbito mais geral, podem ser estendidas para as demais economias perifricas.

  • 35

    Amrica Latina, podemos nos valer, nesta seo, das ideias gerais dessa teorizao para

    entender parte das particularidades do desenvolvimento da periferia, indicando que seu

    desenvolvimento se d de modo diferente dos pases centrais, que d forma a uma estrutura do

    sistema capitalista global desigual15.

    Segundo Marini (2000), a Amrica Latina, com base na sua capacidade produtiva do

    trabalho e mediante uma acumulao fundada na superexplorao da fora de trabalho, inseriu-

    se no mercado internacional e tornou-se auxiliadora do processo de acumulao de capital nos

    pases centrais. Esta caracterstica, da superexplorao, pode ser estendida aos demais pases

    perifricos, assim, a superexplorao passa a determinar e delimitar os laos que ligam essas

    economias economia capitalista mundial, sobretudo aqueles laos de interesses que unem as

    foras sociais dominantes entre os pases subdesenvolvidos e os pases centrais.

    Para os objetivos desta seo, basta-nos entender que a superexplorao da fora de

    trabalho, para Marini (2000), o aumento da taxa de explorao da fora de trabalho, que

    resulta no aumento da taxa de mais-valia, quando o valor produzido pelo trabalhador em um

    determinado perodo apropriado pelo capitalista, sob a forma de lucro16. Conforme

    Carcanholo (2013b), neste caso, a superexplorao pode ser considerada como categoria, pois

    traduz elementos de limitao de escala dinmica de acumulao, em funo da recorrente

    concentrao extraordinria da renda e da riqueza nos pases centrais.

    Marini (2000) ressalta que, desde os primrdios da diviso internacional do trabalho no

    mundo capitalista, os pases da Amrica Latina inseriram-se como fornecedores de bens-salrio

    e matrias-primas. A industrializao dos anos dourados tornou essa insero mais diversificada,

    mas no a alterou na essncia: a diversificao ocorreu na margem, conservando as antigas

    exportaes e complementando-as com bens mais sofisticados. Assim, a insero no permitiu

    uma dinmica de acumulao, a essas economias, que fosse baseada no progresso tcnico,

    exigindo depreciao dos salrios, o que, por sua vez, determinou um mercado interno limitado.

    Essa condio trouxe decorrncias singulares para o desenvolvimento desses pases, j

    que o trabalhador produtor e consumidor de mercadorias. O autor salienta que o

    desenvolvimento do capitalismo e a sua expanso acelerada da produo vo exigir que essa

    condio de consumidor seja exercida o mais amplamente possvel, de modo que um nvel geral

    15

    Um tratamento mais amplo dessa abordagem ser feito nos prximos captulos, nos quais a inteno entender de forma mais ampla a configurao do capitalismo dependente. 16

    No prximo captulo, ser dado um tratamento um pouco mais amplo ao termo.

  • 36

    de salrios relativamente mais baixo funciona como limitador potencial, em contraste, o

    aumento de salrios permite a aproximao do padro de consumo dos trabalhadores do

    padro de consumo capitalista, deslocando, favoravelmente, as demandas por produtos mais

    sofisticados, que so os principais aceleradores da dinmica da acumulao17.

    Em uma economia em que h superexplorao, essa condio no exercida da mesma

    maneira que em uma economia desenvolvida. Desta forma, a natureza da acumulao vai sendo

    redefinida. Nesse sentido, segundo nosso autor, o processo histrico de industrializao dessas

    economias no foi suficiente para alterar a determinao estrutural. Ou seja, a diversificao da

    industrializao encontrou seus limites na expanso do mercado interno dessas economias,

    engendrando um novo ciclo de exportaes de bens-salrio18 e matrias-primas, uma espcie de

    reiterao da insero histrica.

    Para Marini (2000), aps o processo de industrializao das economias perifricas, que

    ocorreu na primeira metade do sculo XX, h mudanas qualitativas nessa diviso internacional

    do trabalho. No entanto no modificado o ponto que poderia ser tomado como fulcral - a

    propriedade da superexplorao conservada, e isto faz com que batize a ordem social da

    regio (Amrica Latina) como um capitalismo dependente.

    Conforme Almeida Filho (2010), Marini, coerente com a sua motivao de apreender as

    condies de desenvolvimento da periferia para instrumentalizar uma ao poltica de

    transformao, aponta que essa determinao estrutural s ser alterada por uma ao que

    reordene as economias nacionais, embora estas determinaes estejam, segundo o autor,

    limitadas s leis do desenvolvimento capitalista.

    Isso denota que, no sistema capitalista global, os pases possuem estruturas de

    acumulao distintas e influncias particulares quanto s dimenses econmica, territorial e de

    populao. Alm disso, ao mesmo tempo em que so causa e consequncia de uma relao

    histrica orgnica entre pases em desenvolvimento e desenvolvidos, que tende a se reproduzir

    (ALMEIDA FILHO, 2010), dadas as leis gerais do desenvolvimento capitalista. Conforme foi

    indicado anteriormente, da decorre a existncia de uma diviso internacional do trabalho entre

    17

    Particularmente, a China no se enquadra em parte dessas determinaes, pois, como ser visto nas prximas sees, vem desempenhando forte progresso no desenvolvimento de produtos com elevado contedo tecnolgico, que desempenham um papel importante nas exportaes, porm mantm uma estrutura de superexplorao e uma estrutura social precria. 18

    Conjunto de bens que em cada pas constitui a cesta de consumo bsico do trabalhador, segundo seu padro de vida. So formados pelos artigos de primeira necessidade para o trabalhador e sua famlia, como os alimentos, o vesturio e o transporte.

  • 37

    os pases que fazem parte deste sistema global. A razo mais evidente para isto que as

    economias que compem esse sistema dispem de diferentes recursos produtivos, porm h

    ainda outros elementos que do sustentao a um debate histrico a respeito da possvel

    estabilidade e reproduo dessa diviso internacional do trabalho. Para o entendimento desses

    outros elementos, necessrio recorrer a uma qualificao relevante ao conceito da

    dependncia que desenvolvido pela formulao do Sistema Mundo, que d, em certo sentido,

    uma dimenso atualizada da TMD nos termos colocados por Marini (2000).

    A anlise do Sistema Mundo trabalha esse tema por meio do conceito da integrao do

    sistema mundial. Sua formulao surgiu com os trabalhos de Immanuel Wallernstein, nos anos

    1970, tendo como foco a formao histrica do sistema capitalista a partir da expanso do

    capitalismo europeu no sculo XVI, que decorreu da integrao de novos territrios como parte

    de seu sistema. Seu reconhecimento resultou no desenvolvimento de uma nova apreciao

    sobre a histria do capitalismo, dando corpo a uma formulao que se denomina de anlise do

    Sistema Mundo19. A contribuio desse modelo, no nosso estudo, sua unidade de apreciao

    do funcionamento do sistema capitalista mundial e ir fornecer mais subsdios para o

    entendimento das transformaes que ocorrem no sistema mundial.

    O avano da anlise do Sistema Mundo foi buscar o entendimento dessa dinmica,

    identificando que existe uma interdependncia de fatores internos e externos no

    desenvolvimento dos pases, assim, no faz sentido examinar pases centrais e perifricos de

    forma independente20. Arienti e Filomeno (2007) definem bem a perspectiva:

    Um sistema mundo, como qualquer sistema social, definido como uma unidade de espao-temporal, cujo horizonte espacial co-extensivo a uma diviso de trabalho que possibilita a reproduo material desse mundo. Sua dinmica movida por foras internas, e sua expanso absorve reas externas e integra-as ao organismo em expanso. Sua abrangncia espacial, determinada pela sua base econmica-material, engloba uma ou mais entidades polticas e comporta mltiplos sistemas culturais. [...] o sistema-mundo capitalista rene sua economia-mundo capitalista e um conjunto de Estados nacionais em um sistema interestatal com mltiplas culturas (ARIENTI; FILOMENO, 2007, p.103).

    19

    Apesar de a Teoria Marxista da Dependncia tambm possuir uma anlise integrada da economia capitalista mundial, muitos dos seus trabalhos ficam voltados anlise mais particular dos pases latino-americanos. 20

    Segundo Luce (2011), a anlise do Sistema Mundo, por no utilizar o conceito de mais-valia como categoria central, ao contrrio do que ocorre com a Teoria Marxista da Dependncia, apresenta limitaes no alcance de sua crtica s relaes sociais de dominao a nvel sistmico, fazendo com que seu horizonte no v alm da defesa de uma ordem multipolar. Por isso, nosso trabalho ir aprofundar-se, nos prximos captulos, a anlise da Teoria Marxista da Dependncia.

  • 38

    Portanto, na anlise do Sistema Mundo, so estudados os sistemas sociais em mltiplas

    escalas, consideradas interligadas pelos processos econmicos, polticos e culturais, porm,

    possuem uma dinmica prpria, diferenciaes e interdependncia, tudo ao mesmo tempo

    (ARIENTI & FILOMENO, 2007). Essa unidade de anlise nas estruturas e nos processos formada

    pela diviso social do trabalho. Isso traz um indicativo de que a unidade de anlise do Sistema

    Mundo envolve toda a diviso social do trabalho configurada pela expanso do capitalismo. Tal

    diviso organizada conforme os interesses capitalistas e ultrapassa barreiras locais e nacionais

    dadas, respectivamente, pelas estruturas culturais e polticas21.

    Conforme Martins (2003), uma contribuio importante desse enfoque foi associar a

    economia-mundo sua superestrutura poltica e avali-la como um sistema. A superestrutura

    da economia mundo o sistema interestatal que estabelece uma assimetria estrutural entre a

    poltica e a economia, que permite situar o lucro como objetivo fundamental do sistema

    (MARTINS, 2003).

    Essa discusso toma corpo mediante a construo do conceito de Ncleo Orgnico22

    do capitalismo, formado pelos pases que, nos cinquenta anos de 1938 a 1988, ocuparam as

    posies mais altas na hierarquia da riqueza global e, em virtude desta posio,

    estabeleceram (individual ou coletivamente) os padres de riqueza a que todos os outros

    Estados aspiram. Esse conceito foi desenvolvido por Arrighi (1997) em A iluso do

    desenvolvimento. O autor, ao analisar as relaes centro-periferia, explora os efeitos da

    diviso social do trabalho do ponto de vista internacional, dividindo o mundo em trs

    jurisdies. A primeira a jurisdio do Ncleo Orgnico, que tende a se tornar o lugar

    privilegiado, onde se realizam atividades relacionadas a fluxos de inovao que a

    concorrncia intercapitalista enseja que incluam a introduo de novos mtodos de

    produo, novas fontes de suprimento, novas formas de organizao, proporcionando

    21

    Logo, conforme indicam Arienti e Filomeno (2007), um caminho apropriado para a compreenso das transformaes do mundo moderno passa pela anlise do Sistema Mundo, pois considera a complexidade do sistema, com suas mltiplas estruturas, porm com uma unidade orgnica determinada pela diviso de trabalho, que foi organizada historicamente por interesses capitalistas, a partir da modernidade do longo sculo XVI. A interligao dessas economias, dada pela diviso social do trabalho, descarta a necessidade de uma unidade poltica central. 22

    O Ncleo Orgnico formado por pases de trs regies geograficamente distintas, incluindo a Gr-Bretanha, os pases da Escandinvia e do Benelux, a Alemanha, a ustria, a Sua e a Frana; Amrica do Norte (EUA e Canad); e Austrlia e Nova Zelndia. (Arrighi, 1997).

  • 39

    ganhos extraordinrios, muito acima do lucro mdio proporcionado pelas atividades

    rotineiras.

    Arrighi (1997) esclarece que, quando um grupo de empresas de determinada

    localidade comea a inovar, elas fornecem, indiretamente, o poder poltico da jurisdio na

    qual operam (normalmente a jurisdio superior), conferindo maior liberdade para criar um

    ambiente de infraestrutura econmica mais favorvel, seja por meio da atividade inovadora,

    seja ocupando posies de riqueza superiores. Estabelece, assim, os padres de riqueza que

    todos os demais Estados ambicionam. Portanto, os pases considerados como perifricos

    subordinam-se aos rumos determinados pelo primeiro grupo, exatamente nos termos

    colocados pelos dependentistas.

    Arrighi (1997) afirma que a hierarquia da riqueza dessas jurisdies organizada de

    acordo com a parcela de apropriao da diviso internacional do trabalho. Os que se

    posicionam no agrupamento superior se apropriam de uma parcela extremamente superior

    dos benefcios da diviso internacional do trabalho, consistindo, assim, no ncleo orgnico

    do capitalismo. J os que esto posicionados no agrupamento inferior, a periferia do

    sistema, colhem os benefcios que, no mximo, cobrem seus custos a longo prazo da

    participao na diviso internacional do trabalho. Existe, ainda, o terceiro grupo, os

    semiperifricos23, que se apropriam dos benefcios que excedem os custos a longo prazo da

    participao na diviso internacional do trabalho, no entanto no suficiente para que

    possam manter um padro de riqueza estabelecido pelos Estados do Ncleo Orgnico.

    Conforme Arrighi (1997), essas trs posies so definidas no apenas em termos

    quantitativos de apropriao de riqueza, mas qualitativamente tambm, no sentido de

    capacidades relacionadas a se apropriarem dos benefcios da diviso internacional do

    trabalho. Os dois processos so complementares, porm no so distintos. Os processos de

    explorao fornecem aos Estados do Ncleo Orgnico e a seus agentes os meios para iniciar

    os processos de excluso, que geram a pobreza necessria para induzir os dirigentes e

    cidados dos Estados perifricos e semiperifricos a buscar, continuamente, a reentrada na

    diviso mundial do trabalho em condies favorveis aos Estados do Ncleo Orgnico.

    23

    Conforme Luce (2011), alguns autores, ao indicarem uma fuso entre a Teoria Marxista da Dependncia e a perspectiva do Sistem