02-lec- portadores de necessidades especiais- 3 ed · sistematização da legislação sobre o...

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Capítulo Iapresentação

Estamos falando dos direitos de milhões de pessoas e de Leis que são mais conhecidas pelos seus efeitos visuais e concretos, que pelo conte-údo dos seus textos. Assim ocorre com os usuários do metrô que diu-turnamente se deparam com os assentos demarcados; os incontáveis consumidores que encontram vagas de estacionamento reservadas nos shopping centers e supermercados; e com a janela do intérprete da lin-guagem de sinais, impossível de passar despercebida para a população nos pronunciamentos televisivos do Presidente da República, etc. ...

Pretendendo justamente apontar a sua base normativa, propomos uma sistematização da legislação sobre o portador de necessidades especiais (PNE), através de uma leitura vertical a partir da Constituição e, prin-cipalmente, da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, incorporada pelo procedimento do art. 5º, §3º, da CF/88, com status de emenda constitucional.

Uma abordagem direta da legislação especial seria insuficiente para transmitir a ideia da constitucionalização da matéria e o completo senti-do das normas recepcionadas. Para evitar isso, foram elaborados os ca-pítulos preliminares, nos quais são apresentadas as principais diretrizes para a análise das leis especiais em conformidade com as disposições de natureza constitucional.

Mas foram fixados apenas os parâmetros fundamentais, porque o alvo permaneceu nas seguintes leis especiais: Lei 7.853/89 – integração social da pessoa portadora de necessidades especiais; Lei 10.098/00 – promoção da acessibilidade; Lei 7.405/85 – símbolo internacional de acesso; Lei 8.989/95 (IPI); Lei 8.383/91 (IOF); Convênio CONFAZ 03/07 (ICMS); e Lei 13.296/08 do Estado de São Paulo (IPVA); – em estudo con-jugado das isenções tributárias; e a Lei 10.048/00 – atendimento priori-tário. Não é só: no nível infra-legal são examinados também o Decreto 5.296/04 – Regulamento das Leis 10.048/00 e 10.098/00; e o Decreto 3.298/99 – Regulamento da Lei 7.853/89.

Nosso firme propósito de dar a devida sistematicidade à matéria foi guiado pela convicção de que o valor não está em simplesmente compi-lar os dados, mas sim em estabelecer as suas conexões.

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Com base nesta premissa, a legislação especial foi abordada em con-junto com as disposições normativas fundamentais, presentes na Cons-tituição e na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência; e também com outras leis especiais da própria temática dos PNE’s, a exemplo da Lei 11.126/05 e seu Regulamento (utilização de cão-guia). Do mesmo modo, os Decretos 5.296/04 e 3.298/99 foram analisados de forma conjugada com os dispositivos legais regulamentados; e assim também com as principais disposições das demais Leis que tratam da matéria.

Em igual sentido, sempre que merecesse ser apontado um ponto de contato com os mais diversos diplomas normativos, tais como o Estatu-to do Idoso; a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional; a Lei que rege o planejamento familiar; dentre outros, não hesitamos em fazê-lo.

Algumas obras de destaque foram citadas de forma concisa; a intenção preponderante foi a de apresentar uma ferramenta argumentativa para as provas discursivas ou orais, quando, além do ‘x’, são exigidas dos can-didatos todas as outras letras.

Procuramos reunir o máximo de conteúdo de forma acessível, afinal nos propusemos a tratar de acessibilidade. Como para a maioria dos leitores será provavelmente o primeiro contato com a temática dos portadores de necessidades especiais, impõe-se um enfoque mais amplo, destina-do à sua divulgação.

Neste sentido, foram tratados alguns temas mais técnicos, como os transportes e meios de comunicação acessíveis (previstos na Lei 10.098/00), apesar de ainda não terem sido muito cobrados em concur-sos. Mas nada impede que venham a sê-lo, principalmente pelos Muni-cípios, que estão diretamente envolvidos com o transporte coletivo; e pelas agências estatais especializadas. Por outro lado, a demonstração do seu conhecimento em provas discursivas ou orais indiscutivelmente incrementaria o desempenho do candidato. Cabe ao leitor, democrati-camente, escolher o seu enfoque.

Com isso pretendemos tornar mais acessível a legislação sobre os direi-tos dos portadores de necessidades especiais àqueles que certamente, no futuro, serão os agentes públicos responsáveis por promover a sua cidadania e plena integração na coletividade, da qual depende a conso-lidação da nossa democracia.

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Capítulo IIa ConstItuIção de 1988

e a valorIzação dos dIreItos FundamentaIs na Construção do estado demoCrátICo de dIreIto

1. Democracia e direitos das pessoas portadoras de necessidades espe-ciais:

A Constituição de 1988 está erguida sobre os pilares fundamentais da dignidade da pessoa humana e da democracia. Elucidativo neste sentido é o Preâmbulo da Constituição, ao expressar a intenção que movia os constituintes:

“instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-es-tar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social ...”

Em sintonia com o intuito preambular, o art. 1º estabeleceu a dignidade da pessoa humana; a cidadania; e o pluralismo dentre os fundamentos do Estado Democrático de Direito:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indisso-lúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

II – a cidadania;

III – a dignidade da pessoa humana;

V – o pluralismo político.

Dada a abstração e elasticidade conceitual de dignidade; cidadania; pluralismo e democracia, quando fixadas como o fundamento (base, requisito) do Estado Democrático de Direito, ganham contornos reci-procamente relacionados com a construção jurídica do próprio Esta-do, que ocorre através das demais normas inseridas na Constituição,

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passando-se pela recepção da legislação atual e a elaboração da fu-tura.1

Neste sentido, o ar. 3º da Constituição é decisivo para a configuração do nosso Estado Democrático de Direito. Ao traçar os objetivos que o Es-tado pretende alcançar, ele atua como uma baliza que dirige e informa todo o ordenamento jurídico.

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II – garantir o desenvolvimento nacional;

III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

É no contexto jurídico destas bases (art. 1º) e metas (art. 3º) que se inse-re a legislação sobre os direitos das pessoas portadoras de necessidades especiais.

Se o Estado Democrático de Direito está fundado nas noções de dignida-de da pessoa humana, cidadania e pluralismo, cujo sentido se encontra balizado pelos objetivos fundamentais fixados no art. 3º, como cum-pri-los inteiramente sem levar em conta os direitos dos portadores de necessidades especiais? Como conceber a democracia contemporânea sem a plena integração dessa expressiva parcela da população?

Como construir uma sociedade livre e justa, se esta sociedade não pro-porciona o acesso à locomoção; à saúde; à educação; ao trabalho, para um grande conjunto de pessoas? E se seus direitos são frequentemente

1. Na mesma direção é a posição de Gilmar Ferreira Mendes a respeito das cláusulas pétreas: “Tal como enunciado normalmente nas chamadas cláusulas pétreas, os princípios merece-dores de proteção parecem despidos de conteúdo específico. Que significa, efetivamente, separação de poderes ou forma federativa? Que é um Estado de Direito democrático? Que significa proteção da dignidade humana? Essas indagações somente podem ser respondidas, adequadamente, no contexto de determinado sistema constitucional. É o exame sistemático das disposições constitucionais integrantes do modelo constitucional que permitirá explicitar o conteúdo de determinado princípio.” MENDES, Gilmar Ferreira. Os Limites da Revisão Constitucional. Revista de Direito Constitucional e Internacional, v. 21, p. 69 e ss., out/1997, p. 12 (numeração RT online).

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obstados ou embaraçados por preconceitos e por toda sorte de barrei-ras arquitetônicas; de transportes; e de comunicação?

Somente com a remoção destes obstáculos será permitida a liberdade e proporcionadas a justiça e a solidariedade preconizadas no art. 3º, I, da CF/88.

A integração no mercado de trabalho destas pessoas, que não deixam de ser produtivas, e que possuem uma sensibilidade mais apurada em outros aspectos, estimula a solidariedade nos ambientes de produção; proporciona o acesso à renda e incentiva a formação de um mercado de consumo para produtos e serviços especializados em suas necessi-dades; e com isso ocorre indiscutivelmente a promoção do desenvolvi-mento nacional em amplas vertentes (art. 3º, II, da CF/88).

Tal evidência não passou in albis, tendo sido ressaltada na alínea ‘m’ do Preâmbulo da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência:

m) Reconhecendo as valiosas contribuições existentes e potenciais das pessoas com deficiência ao bem-estar comum e à diversidade de suas comunidades, e que a promoção do pleno exercício, pelas pessoas com deficiência, de seus direitos humanos e liberdades fundamentais e de sua plena participação na sociedade resultará no fortalecimento de seu senso de pertencimento à sociedade e no significativo avanço do desenvolvimento humano, social e econômico da sociedade, bem como na erradicação da pobreza,

Portanto, a inclusão das pessoas com necessidades especiais nos diver-sos setores da coletividade, sem dúvida contribui para a erradicação da pobreza, da marginalização e das desigualdades sociais (art. 3º, III, da CF/88); o que evidentemente promove o bem de todos, sem preconcei-tos e discriminações (art. 3º, IV, da CF/88).

→ STJ

CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. PARLAMENTAR.DEFICIENTEFÍSICO.UTILIZAÇÃODATRIBUNADAASSEMBLEIALE-GISLATIVA. ACESSONEGADO. ILEGALIDADE. IGUALDADEDE TRA-TAMENTO.VALORIZAÇÃODEPRINCÍPIOCONSTITUCIONAL. 1. Con-cessãodemandadodesegurançaemfavordeDeputadaEstadualportadoradedeficiênciafísicaparaque sejamcriadas condiçõesmateriais,comareformadaTribunaparalhepermitirfácilacesso,deexpor,emsituaçãode igualdadecomosseuspares,as ideiaspretendidasdefender,garantindo-lheolivreexercíciodomandato.2.OdiosaomissãopraticadapeloPresidentedaAssembleiaLegis-lativapornãotomarprovidênciasnosentidodeadequaraTribuna

A Constituição de 1988 e A vAlorizAção dos direitos FundAmentAis...

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comacessofácilparaaintroduçãoeapermanênciadaimpetranteemseuâmbito,afimdeexercerasprerrogativasdomandatoemposiçãoequânimecomosdemaisparlamentares.3.Interpretaçãodoart.227,daCF/88,edaLeinº7.853,de24/10/89. 4. Da Tribuna do Egrégio Plenário Legislativo é que, regimentalmente, serve-se, obrigatoriamente, os parlamentares para fazer uso da palavra e sus-tentar posicionamentos e condições das diversas proposições apre-sentadas naquela Casa. 5. É a Tribuna o coração do parlamento, a voz, o tratamento democrático e necessário a ser dado à palavra de seus membros, a própria prerrogativa máxima do Poder Legislativo: o exercício da palavra. 6.ACartaMagnade1988,bemcomotodaalegislaçãoregulamentadoradaproteçãoaodeficientefísico,sãoclarasecontundentesemfixarcondiçõesobrigatóriasaseremde-senvolvidaspeloPoderPúblicoepelasociedadeparaaintegraçãodessas pessoas aos fenômenos vivenciados pela sociedade, peloquehádeseconstruíremespaçosacessíveisaelas,eliminandobar-reirasfísicas,naturaisoudecomunicação,emqualquerambiente,edifíciooumobiliário, especialmentenasCasas Legislativas. 7. A filosofia do desenho universal neste final do século inclina-se por projetar a defesa de que seja feita adaptação de todos os ambientes para que as pessoas com deficiência possam exercer, integralmen-te, suas atividades. 8. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança provido para reconhecer-se direito líquido e certo da impetrante de utilizar a Tribuna da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, nas mesmas condições dos demais Deputados, determinando-se, portanto, que o Presidente da Casa tome todas as providências ne-cessárias para eliminar barreiras existentes e que impedem o livre exercício do mandato da impetrante. 9.HomenagemàConstituiçãoFederalquedeveserprestadaparaofortalecimentodoregimede-mocrático,comabsolutorespeitoaosprincípiosdaigualdadeedeguardadosvaloresprotetoresdadignidadedapessoahumanaedoexercíciolivredomandatoparlamentar.(ROMS 199800228276, JOSÉ DELGADO, STJ – PRIMEIRA TURMA, 01/07/1999)

2. Constituiçãode1988edireitoshumanosnoâmbitointernacional:

Em coerência com a ordem interna, os direitos fundamentais também formam um imperativo para as relações internacionais. (art. 4º, II e IX, da CF/88)

Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações in-ternacionais pelos seguintes princípios:

II – prevalência dos direitos humanos;

IX – cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;

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Em consonância com essa orientação, o art. 5º, §2º, da CF/88, após a previsão de um amplo rol de direitos fundamentais, contemplou expres-samente o diálogo com os direitos humanos previstos no direito inter-nacional.

Art. 5º (...)

§ 2º – Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não ex-cluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adota-dos, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Quanto aos tratados, a experiência jurídica destes pouco mais de 20 anos de Constituição permite a conclusão de que a redemocratização do país e o marco jurídico da Carta de 1988 serviram como um estopim para a aceleração de adesões, tendo em conta a ratificação de diversos tratados internacionais de direitos humanos pelo Brasil.

No entanto, a reiterada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, já na vigência da atual Constituição, ao interpretar o §2º, do art. 5º, sem-pre negou hierarquia constitucional a estes tratados. (vide o capítulo seguinte)

Com o advento da Emenda Constitucional 45/04, o compromisso do Es-tado Democrático de Direito Brasileiro com os direitos humanos obteve um substancial reforço. São bastante representativas as seguintes ino-vações:

i) a expressa permissão para submissão do país à jurisdição de Tribunal Penal Internacional (art. 5º, §4);

Art. 5º (...)

§ 4º O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão.

ii) o incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal, no caso de grave violação de direitos humanos, com o fim de assegu-rar o cumprimento das obrigações estatais decorrentes de tratados internacionais (art. 109, §5º);

Art. 109. (...)

§ 5º Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procura-dor-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimen-to de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o

A Constituição de 1988 e A vAlorizAção dos direitos FundAmentAis...

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Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou proces-so, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal.

iii) e, principalmente, o status de equivalência às emendas constitucio-nais dos tratados de direitos humanos aprovados por procedimento mais qualificado (art. 5º, §3º);

Art. 5º (...)

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

Neste cenário constitucional é que se insere a incorporação definitiva, em agosto de 2009, da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo. Trata-se do pri-meiro e único, até então, tratado aprovado com status de emenda cons-titucional.

A partir desta ampla constitucionalização da matéria, é sob seu crivo que deverá ser examinada a recepção e realizada a conformação do sen-tido da legislação sobre os direitos das pessoas portadoras de necessi-dades especiais.

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Capítulo IIIHIerarquIa normatIva

dos tratados de dIreItos Humanos ratIFICados pelo BrasIl:

Para a celebração de tratados internacionais e sua incorporação ao direito interno, as disposições constitucionais originárias previam um procedimento único, fossem os tratados de direitos humanos ou sobre outras matérias.

Tal procedimento, embora não mais exclusivo, permanece inalterado e prevê que os tratados negociados pelo Estado Brasileiro, representado pelo Presidente da República (art. 84, VIII, da CF/88), dependem de de-liberação do Congresso Nacional (art. 49, I, da CF/88). Somente após o respaldo legislativo é que pode ser realizada a ratificação definitiva do tratado pelo Brasil; e expedido o Decreto de sua publicação, sem a qual ele não produzirá efeitos no ordenamento jurídico interno.

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

VIII – celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional;

Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:

I – resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos interna-cionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patri-mônio nacional;

No entanto, no que se refere aos tratados de direitos humanos, estes passaram a despertar controvérsia, frente a uma especificidade contida no próprio texto constitucional e não extensiva aos demais. Foi a previ-são da parte final do § 2º do art. 5º que gerou a polêmica:

Art. 5º (...)

§ 2º – Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não ex-cluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adota-dos, oudostratadosinternacionaisemqueaRepúblicaFederativadoBrasilsejaparte.

Com amparo nesta disposição, grande parte da doutrina passou a de-fender que os direitos humanos previstos nos tratados ratificados pelo

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Brasil seriam recepcionados com a natureza de direito constitucional fundamental, em igualdade com todos os outros previstos expressa-mente na Constituição.

Mas a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal seguiu um rumo distinto da tese doutrinária. Ela se formou principalmente a partir do exame da questão da prevalência da Convenção Americana sobre Di-reitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) sobre a Constituição de 1988.

O Pacto de San José da Costa Rica impede a prisão de qualquer pessoa por dívidas, salvo a de alimentos. Já a Constituição, em seu art. 5º, LXVII, ainda excepciona a prisão do depositário infiel (aquele que se apropria do bem que lhe foi concedido em depósito).

A maioria dos processos que subiram à Corte Suprema tinha como ob-jeto a alienação fiduciária de veículos por instituições financeiras (neste tipo de contrato o devedor figura como depositário do veículo até a qui-tação do financiamento); e as hipóteses das pessoas nomeadas deposi-tárias judiciais de bens penhorados.

O STF recusou a tese de que os direitos humanos previstos nos trata-dos ratificados pelo Brasil fossem recepcionados sob o abrigo do art. 5º, §2º, da Constituição, com o status hierárquico de direito fundamental constitucional.

O aspecto formal do quorum de aprovação dos tratados foi um dos ar-gumentos que prevaleceram com maior peso. Isso porque a deliberação do Congresso sobre os tratados internacionais se dá por maioria sim-ples, diferentemente do que ocorre com o quorum de aprovação das emendas constitucionais, quando são necessários 3/5, em dois turnos de votação.

O Supremo Tribunal Federal recusou a possibilidade do §2º do art. 5º permitir a assimilação de novos direitos fundamentais, quando acres-cidos por tratados que não são aprovados pelo quorum qualificado das emendas constitucionais. Nesta hipótese estaria configurada uma alte-ração da Constituição, que é rígida, por um procedimento mais flexível do que o previsto na própria Constituição.

→ STF:DEPOSITÁRIO INFIEL – PRISÃO. A subscrição pelo Brasil do Pac-todeSãoJosédaCostaRica,limitandoaprisãocivilpordívidaaodescumprimento inescusável de prestação alimentícia, implicou a