01 - sistemas formais [notas de aula] newton da costa

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  • 7/31/2019 01 - Sistemas Formais [Notas de Aula] Newton Da Costa

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    Sistemas Formais

    Notas de AulaPs-Graduao em Filosoa, UFSC

    Grupo de Lgica e Fundamentos da Cincia - NEL / UFSC / CNPq

    Verso 2, Agosto 2005

    Contedo1 Sistemas formais 2

    1.1 Alguns conceitos sintticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4

    2 Exemplos de sistemas formais 52.1 O sistemaMAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6

    2.2 O sistema MIU . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82.3 Silogstica formal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92.3.1 Inferncia silogstica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112.3.2 Reduo primeira gura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 162.3.3 O sistemaS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18

    3 Sistemas dedutivos: outros conceitos bsicos 20

    N , relacionados aos sistemas for-mais que importam lgica e ao estudo mais geral da metodologia dos sistemasdedutivos (Tarski 1995). Apesar dessas notas constiturem unicamente uma breveintroduo ao assunto (ver as Referncias para trabalhos mais abrangentes), im-portante destacar o ponto de vista aqui encerrado. Tradicionalmente, a lgicatem sido ensinada dentro de uma tradiolingustica , que remonta basicamentea Frege e a Russell. Isso signica, em resumo, o seguinte. Uma lgica, e de

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    maneira mais geral um sistema formal, concebida como uma linguagem, con-sistindo (pelo menos) das contrapartes sinttica e semntica. Na sua contrapartesinttica, estudam-se os aspectos combinatoriais dos smbolos dessa linguagem,sem levar em conta o que eles representam, enquanto que na contraparte semnticaessa questo considerada.

    Aqui, um sistema formal, logo uma lgica, concebido como algo distinto,como uma espcie de lgebra, independentemente de linguagem. Trabalha-senuma teoria (intuitiva) de conjuntos, ou em um sistema como Zermelo-Fraenkelse se quiser preciso. A generalidade desta abordagem patente, e certamenteinteressa ao lsofo e ao linguista entend-la.

    1 Sistemas formaisUmsistema formal S constitudo pelas seguintes categorias de entidades:

    (1) Uma coleo no vazia de objetos, que chamamos defrmulas de S ,

    (2) Uma sub-coleo do conjunto de frmulas (ventualmente vazia), cujos ele-mentos chamamos deaxiomas de S e

    (3) Um conjunto deregras de inferncia . Abreviadamente, uma regra de infer-ncia uma relao entre conjuntos de frmulas e frmulas, que nos forneceum processo para se obter uma frmula (aconseqncia imediata da regra) apartir de outras frmulas, que so aspremissas da regra.

    Se chamarmos deF o conjunto das frmulas deS , de A o seu conjunto deaxiomas e deR o seu conjunto de regras, podemos olhar um sistema formal comouma tripla ordenada da forma

    S = F , A, R .

    Em geral, consideraremos unicamente regras nitrias , tendo um nmero nito

    de premissas; se 1, . . . , n so as premissas de uma regraR R e conseqn-cia imediata das i (i = 1, . . . , n) pela regraR, escrevemos 1, . . . , n

    ( R)

    para indicar este fato.

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    O que importa caracterizar umarelao de dedutibilidade , simbolizada por, ou por S (quando houver necessidade de mencionar o sistema em questo), quepermita exprimir o conceito dededuo : a partir de certas frmulas, dadas como

    premissas, podemos obter uma frmula, a concluso. Isso tudo pode ser feitosem que leve em conta o signicado, ou interpretao, dos smbolos envolvidos,cando-se dependente unicamente das caractersticas puramente sintticas do sis-tema considerado, o que caracteriza o nome formal dado a esse tipo de sistema.Dito de um modo muito geral, umalgica de conseqncias , de um ponto devista abstrato, um par = F , , ondeF um conjunto no vazio cujos elementosso chamados de frmulas e uma relao de dedutibilidade, satisfazendo asseguintes condies, para todoA F (para um tratamento geral, ver da Costa

    2005):( 1) A A

    ( 2) A A B (Monotonicidade)

    ( 3) SeA para cada elemento B e B , entoA .

    Pode-se mostrar (ibid.) que h uma e uma s maneira de transformar um sis-tema formal em uma lgica de conseqncias e reciprocamente. H sistemasno-monotnicos , nos quais a regra da monotonicidade acima no vale, e que podemser enquadrados como sistemas formais na acepo acima, mas no falaremosdeles aqui.

    Via de regra, as frmulas de um sistema formalS so obtidas a partir de umconjunto inicial de smbolos, o vocabulrio, ou alfabeto bsico (da linguagem)de S . Depois, outros smbolos podem ser introduzidos por meio de denies,que ajudam a expressar os conceitos desejados na linguagem deS . Seqnciasde smbolos (em geral, seqncias nitas) so chamadas de expresses da lin-guagem deS e, mediante regras gramaticais dadas de modo preciso, dentre asexpresses distinguem-se ento as frmulas. Os sistemas formais tm regras gra-maticais precisas, contrariamente s linguagens naturais, e essa uma de suasgrandes vantagens.1

    1O aluno atento deve estar percebendo que fala-se por exemplo em seqncia de smbolos.O que uma seqncia? Tecnicamente, uma funo cujo domnio o conjunto dos nmerosnaturais. Isso mostra que, a rigor, estamos trabalhando em um local onde se possa falar deseqncias, funes, etc., ou seja, numa teoria de conjuntos. Uma linguagem , na verdade, umacerta lgebra.

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    Uma vez que se tenha o conceito de frmula construdo de modo preciso,escolhem-se dentre elas aquelas que sero consideradas como axiomas do sis-tema, assim como explicitam-se as suas regras de inferncia. No h em princpioqualquer critrio para a escolha dos axiomas. Isso depende das nalidades docientista ou mesmo do gosto pessoal.

    1.1 Alguns conceitos sintticos

    Por umaprova ou demonstrao de uma frmula em S , entenderemos umaseqncia nita de frmulas 1, . . . , n tais que n e cada i (i < n)umaxiomaou conseqncia de frmulas precedentes por uma das regras de inferncia. Se h

    uma prova de em S , dizemos que umteorema (formal) deS , e escrevemos , ou S (ou ainda S ), quando houver necessidade de se explicitar osistemaS .

    Dizemos que conseqncia sinttica de um conjunto de frmulas se huma seqncia 1, . . . , n de frmulas tais que n e cada i (i < n) um axioma,ou pertence a, ou conseqncia de frmulas precedentes por uma das regras deinferncia; neste caso, escrevemos e tambm dizemos que foi deduzida doconjunto de premissas. Alternativamente, podemos escrever{ 1, . . . , n} , ou(como faremos), simplesmente1, . . . , n . Evidentemente, se o conjuntovazio (isto , no h premissas), ento derivvel (ou demonstrvel) unicamentea partir dos axiomas deS e portanto um teorema deS . Resulta da denio dadaque todo axioma demonstrvel.

    Apenas para registro, salientamos que o conceito de prova acima no uni-versal. Existe prova na matemtica intuicionista, por exemplo, que distintada acima, e sobre a qual falaremos oportunamente. Ademais, cabe observar queprovas como dadas pelo conceito acima praticamente nunca ocorrem nos textosde matemtica. Por qu? O motivo que seria muito tedioso mencionar cadapequeno passo dado em uma demonstrao. As provas (demonstraes) apre-sentadas so via de regra argumentos informais dados na metalinguagem (o por-tugus acrescido de smbolos especcos), e nelas so apontados unicamente ospassos que podem suscitar algum cuidado especial, ou questionamento por partedo leitor. Tais so asprovas informais , e faremos muitas delas no decorrer destelivro. Em geral, os matemticos sabem (pelo menos idealmente) como preencheros espaos deixados em uma prova informal, de modo que elas podem, em princ-pio, ser escritas de acordo com a denio acina, caso necessrio. Mais frente,veremos uma comparao entre uma prova formal e uma informal.

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    Teorema 1 Em um sistema formal S , tem-se:

    (i)

    (ii) (Monotonicidade)

    (iii) Se para toda e se , ento

    (iv)

    Demonstrao: Exerccio.O conceito de conseqncia sinttica () se relaciona com o de conseqncia

    semntica() mediante um (meta)teorema importante, denominado deteorema dacompletude , que no entanto no vale em geral. Para aqueles sistemas formais paraos quais vale o referido teorema, temos em particular que se e somente se

    (veremos isso com mais vagar frente). Abreviadamente, isso est dizendo,informalmente, que todas as verdades lgicas so demonstrveis (so teoremasdo sistema), e que todos os teoremas so verdades lgicas. Este parece, claro,um grande ideal a ser atingido, pois em um tal sistema formal, dito sem rigor,provaramos todas as suas verdades, e somente elas. Como veremos, apesar dehaver sistemas formais completos nesta acepo, o resultado no se aplica parasistemas mais interessantes, como a aritmtica elementar.

    Exerccio 1 (1) Prove o teorema acima. (2) Descreva o signicado de cada umadas expresses seguintes: (a) ; (b) ; (c) ; (d) .

    Denio 1 Um sistema formal S compacto se sempre que se tem , existeum subconjunto nito tal que .

    Como em nossos sistemas toda prova envolve sempre um nmero nito de fr-mulas, resulta que os sistemas formais que estamos considerando so compactos.

    2 Exemplos de sistemas formais

    Nesta seo, daremos alguns exemplos de sistemas formais. Para enfatizar o as-pecto formal, nada ser dito sobre o signicado dos smbolos ou das regras prim-itivas, ainda que no primeiro deles o leitor poder facilmente identicar o processousual de somar nmeros naturais.

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    2.1 O sistema MAIS

    O sistemaMAIS ser designado porM (cf. Hodel 1995, pp. 8ss). A sua linguagem,denotadaLM , consta unicamente dos seguintes smbolos:+ , = , . Intuitivamente,os smbolos deLM so como os sinais que esto em um teclado de um computador(neste caso, nosso teclado tem somente trs teclas), por meio do qual desejamosescrever coisas acerca dos objetos de determinados domnios. Precisamos por-tanto aprender a escrever com nossa linguagem. Para isso, vejamos as regrasgramaticais deLM .

    Seqncias nitas de smbolos deLM so expresses dessa linguagem. Uma frmula uma expresso do tipox + y = z, ondex, y e z so seqncias nitas des. Alm disso, a expresso= uma frmula. Por exemplo,+ = uma frmula, mas == no . Repare quex, y e z no fazem parte de LM , que denominada delinguagem objeto . Aqui, smbolos comox, y, z, . . . sousados para nos referir a expresses deLM , e pertencem metalinguagem de LM ,enquanto que outros smbolos, como, so usados comonomes deles prprios.Se no zermos essa distino, seremos conduzidos a diculdades, como teremosoportunidade de esclarecer frente.

    Dentre as frmulas deLM , devemos agora escolher algumas para axiomas deM . Escolheremos apenas uma, a saber, a frmula + = . Isso feito, restaapontar as regras de inferncia deM . So as duas seguintes (cada uma com umanica premissa), onde e denotam frmulas:

    x + y = z x+ y = z

    ( R1) , x+ y = z

    y + x = z( R2)

    = =

    ( R3).

    fcil ver que+ = um teorema deM . Com efeito, temosa seguinte prova (repare que a prova aqui apresentada satisfaz a denio dadaacima):

    1. + = Axioma2. + = 1, R13. + = 2, R1

    4. + = 3, R25. + = 4, R16. + = 5, R1

    Na coluna da direita, indica-se como as derivaes foram realizadas. Podemosintroduzir outros conceitos por meio de denies, e h vrios modos de se fazer

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    isso.2 Por exemplo, chamemos de um, dois, etc. aos objetos que satisfazem re-spectivamente os predicados 1= def , 2 = def , 3 = def , etc. Da mesma formaque x, y e z, os smbolos 1, 2, 3 e os demais que podemos introduzir deste modono pertencem linguagem objetoLM , mas sua metalinguagem. O smbolo= def lido igual por denio.3 Teoremas acerca desses novos objetos podem agoraser derivados, como por exemplo que 2= 1 + 1 (isso se segue das denies, dounico axioma e da regra (R3).

    O importante, relativamente aos sistemas formais, no unicamente o que sepode realizar no seu interior (provar os seus teoremas), mas analisar os prpriossistemas como um todo e estudar o seu uso para se entender peculiaridades de out-ros sistemas. O caso da aritmtica um bom exemplo no s pela sua importn-

    cia intrnsea, mas por nos fornecer informaes relevantes sobre outros sistemas,como sera visto abaixo. Porm, antes de tudo isso, vamos continuar com o nossosistemaM . Sobre ele, podemos dizer vrias coisas, como se exemplica com oconceito deverdade em M , que chamaremos deM -verdade, e que o seguinte:dizemos que uma frmulax + y = z M -verdadeira se o nmero total de ocorrn-cias dedo lado esquerdo da igualdade igual ao nmero de ocorrncias destemesmo smbolo do lado direito da igualdade; caso contrrio, diremos que ela M -falsa. Por exemplo,+ = (ou 2+ 2 = 4) M -verdadeira, enquantoque+= (2 + 1 = 1) M -falsa. Podemos ento mostrar que todos os teore-mas deM soM -verdadeiros por meio de uma tcnica chamada deinduo sobreteoremas .

    Isso funciona assim: fcil ver que o nico axioma deM M -verdadeiro, eque se as premissas das regras (R1) e (R2) soM -verdadeiras, suas conclusestambm o so. Deste modo, devido denio de prova dada antes, todos osteoremas deM so M -verdadeiros, como queramos provar. No entanto, a ar-mativa de que todos os teoremas deM so M -verdadeiros no um teorema deM , pois em particular no uma frmula da linguagem desse sistema, mas umteoremasobre M , o que usualmente se denomina de ummetateorema de M . (Osresultados de Gdel,v.g. , que veremos abaixo, so exemplos de metateoremas so-bre determinados sistemas formais.) As distines entre teorema e metateorema,assim como entre linguagem objeto e metalinguagem, so facilmente compreen-didos depois de um pouco de experincia, de modo que continuaremos como dehbito a empregar a terminologia que vimos adotando de chamar de teoremas

    2Falaremos sobre denies oportunamente.3Podemos acrescentar smbolos estendendo a linguagem objeto, desde que algumas condies

    sejam satisfeitas, mas sobre isso falaremos frente.

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    alguns resultados que na verdade so metateoremas (como ometa teorema dacompletude da lgica elementar, do qual falaremos abaixo).Se assumirmos que as verdades lgicas deM so as frmulasM -verdadeiras,ento podemos provar um teorema de completude paraM . A demonstrao destefato no difcil de ser dada, e o leitor pode constatar intuitivamente (ainda queisso no tenha estritamente valor matemtico) que uma frmulaM -verdadeirapode ser provada ser um teorema de forma anloga ao caso (da prova) exem-plicado acima. Reciprocamente, se algo um teorema deM , fcil constatarque ela serM -verdadeira.

    Exerccio 2

    1. Mostre que + = um teorema de M .

    2. Porque podemos resolver o exerccio anterior simplemente contando osnmeros de s esquerda e direita do smbolo de igualdade (ou seja, porqueessa contagem responde a pergunta feita?)

    3. Construa um sistema formal MULT, similarmente a MAIS, cujos teoremassejam frmulas verdadeiras acerca da multiplicao de nmeros naturais. De- pois, mostre que = um teorema desse sistema.

    2.2 O sistema MIU

    Um outro exemplo interessante de sistema formal foi apresentado por DouglasHofstadter em seu livroGdel, Escher, Bach: An Eternal Golden Braid (Hof-stadter 1980). O interessante desse sistema que ele no tem, aparentemente,qualquer motivao intuitiva. O alfabeto do sistema chamado de MIU consistedos seguites trs smbolos:M, I, U . As frmulas so ocorrncias nitas e novazias de smbolos do alfabeto. O nico axioma MI e h quatro regras de infer-ncia:

    (Regra I) A qualquer frmula terminada comI, pode-se acrescentar umU nonal (ou seja, sexI um teorema, entoxIU um teorema);

    (Regra II) Dada qualquer frmula do tipoM x, pode-se duplicar a parte aps oM inicial, obtendo-seM xx;

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    (Regra III) Se trsI ocorrem consecutivamente em uma frmula, eles podemser substitudos por umU;(Regra IV) DoisU consecutivos podem ser deletados de qualquer teorema.

    Alguns fatos bsicos sobre MIU so por exemplo os seguintes:4 MUIU umteorema deste sistema, mas queMU no ; em smbolos,MIU MUIU , mas MIUMU . Aqui vai um resumo da soluo: o primeiro bastante simples, e o leitor noter diculdade em mostrar uma derivao deMUIU a partir da axiomtica dada;quanto ao segundo, basta vericar que as quatro regras de inferncia preservama multiplicidade por 3: a primeira e a quarta no alteram o nmero deIs em umteorema. Quanto segunda e terceira, verica-se que ambas, uma vez iniciando-se com um nmero mltiplo de 3 em um teorema, este nmero no alterado pelaaplicao das regras (e elas no criamIs, mas apenas mudam em mltiplos de3 os j existentes). Trata-se de mais um exemplo de aplicao da induo sobreteoremas. O nmero de ocorrncias deIs em qualquer teorema no divisvelpor 3, e em particular no pode ser zero. Como corolrio (na verdade, um meta-corolrio), segue que em qualquer teorema deve haver pelo menos umI. Assim,MU no pode ser um teorema de MIU.

    Exerccio 3 (a) Mostre que MUII um teorema de MIU; (b) Justique: pode-sedemonstrar um axioma de um sistema formal S ? Como? Isso no entra emcontraste com a (muitas vezes aprendida na escola) crena de que um axioma algo que no se demonstra? Como explica isso?

    2.3 Silogstica formal

    Veremos agora um outro exemplo de sistema formal, que denominaremos desilogstica , denotadoS , uma vez que aproxima muito da silogstica aristotlica,sendo nela inspirado.

    Antes, conveniente recordar alguns conceitos bsicos da teoria dos silogis-mos categricos.

    A primeira sistematizaodaquilo quecou conhecidocomo lgica encontra-se na obra de Aristteles (384-322 a. C.). Apesar do feito de Aristteles em lg-ica coloc-lo, segundo alguns historiadores, entre maiores nomes da lgica de

    4Para uma detalhes, ver Hofstadter 1980, pp. 260-1.

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    todos os tempos, o que ele fez foi muito pouco se comparado ao alcance pre-sente dessa disciplina. Os escritos do lsofo grego em lgica abarcam essen-cialmente o que cou conhecido como Teoria dos Silogismos, que ao que tudoindica ele achava captava todas as formas relevantes de argumentao.aNos silo-gismos ditoscategricos , as proposies so todas de um formato particular, ditas proposies categricas , que tm a seguinte estrutura:

    (A) Todos osS soP ,

    (I) AlgumS P ,

    (E) NenhumS P ou

    (O) AlgumS no P .

    As do primeiro tipo (universais armativas) so ditas estarem em A, as dosegundo tipo (particulares armativas) em I, as do terceiro (universais negativas)em E e as do quarto tipo (particulares negativas) esto em O. Em cada umadelas, S otermo sujeito e P o termo predicado .5

    A lgica aristotlica, ou silogstica, uma lgica determos (objetos do pensa-mento), envolvendo unicamente nomes gerais, como homem, animal, mortal,que se aplicam a determinadas categorias de objetos, que se supe existirem no

    mundo real (como veremos, h problemas se aplicarmos a teoria aristotlica acoisas inexistentes como cavalos alados). O objetivo determinar quais formasde inferncia, como Se todos os animais morrem um dia e se todos os homens soanimais, ento todos os homens morrem um dia, so certas, ouvlidas . A relaoentre as proposies A, E, I e O descrita pelo que de denomina dequadrado dasoposies :

    Exerccio 4 Encontre exemplos que atestem o seguinte: entre duas proposiescontraditrias, se uma delas verdadeira, a outra falsa. Proposies contrriasno podem ser ambas verdadeiras, mas podem ser ambas falsas.

    5Para facilitar a memorizao, interessante observar que as letras A e I, correspondentess proposies categricas armativas, so as duas primeiras vogais da palavraa ffirmo , enquanto

    que E e O, que correspondem s proposies categricas negativas, so as vogais da palavranego .

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    d d

    d d d

    (I)

    (A)

    (O)

    (E)

    subalternao subalternas

    contrrias

    subcontrrias

    contraditrias

    Figura 1: O quadrado das oposies

    2.3.1 Inferncia silogstica

    Na inferncia silogstica, uma das operaes lcitas a daconverso . H basica-mente duas formas de converso (de uma proposio a outra). Primeiro, aconver-so perfeita (operadasimpliciter ), que mantm o valor verdade da proposiodada. So as seguintes as converses perfeitas lcitas: (a) uma simples troca entreos termosS e P , como AlgumS P implica AlgumP S , (b) NenhumS P implica NenhumP S e (c) se falso que nenhumS seja P , ento falsoque nenhumP sejaS e se falso que algumS sejaP , ento falso que algumPsejaS .

    O segundo tipo de converso, ditoconverso imperfeita ( per accidens ) oque conserva o valor verdadeiro, mas no necessariamente o falso, somente sendolegtima para as proposies universais (armaticas e negativas), Assim, temos aconverso imperfeita que leva de uma proposio em A a uma em I: de TodoS P, chegamos a AlgumP S , mas no conversamente (repare que os termossujeito e predicado foram trocados, e que h a necessidade de haver pelo menosum objeto que seja umS ). Por exemplo, de Todos os homens so mortais deriva-mos Algum mortal homem. A outra converso imperfeita lcita a que leva deuma proposio em E a uma em O: de NenhumS P para AlgumP no S .

    Exerccio 5 Justique: entre as proposies subalternas, as universais implicamas particulares, mas no reciprocamente.

    Essas transformaes no se aplicam para proposies em O; com elas, omximo que podemos fazer o que se denomina deconverso por negao (oupor contraposio): de AlgumS no P, que reescrevemos como AlgumS no-P, chegamos a Algum no-P S , e a no mais do que isso. Por exem-plo, de Algum homem no mortal chegamos a Algum imortal (no-mortal) homem.

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    Alm dessas inferncias, cabe ainda salientar que de uma proposio universalarmativa (em A), como Todo homem mortal, podemos derivar Scrates mortal; trata-se de uma aplicao do princpio aristotlicodictum de omni et nullo , como diziam os medievais: o que predicado de qualquer todo predicadode qualquer parte deste todo (Kneale & Kneale 1980, p. 81). Isso vale tanto paraproposies armativas quanto para negativas.

    Para as demais inferncias, preciso notar que, em um silogismo categrico,as trs proposies que nele guram ligam trs termos, ditostermo maior (P),termo mdio ( M ) e termo menor (S ). A concluso (a terceira proposio) contmos termos maior e menor (na terminologia que se usa hoje,S designa o sujeito eP o predicado); o seu termo predicado o termo maior e o seu termo sujeito o

    termo menor. O termo mdio aparece unicamente nas premissas, e em ambas deveter o mesmo contedo, ou compreenso e deve haver pelo menos um objeto quecomprove este conceito. Uma das premissas, a premissa principal, contm o termomdio e o termo maior, a premissa menor contm o termo mdio e o termo menor.Os aristotlicos representaram todas as formas vlidas de silogismos por meio dequatro guras (Aristteles havia considerado apenas trs), como na gura 2.

    S M

    d d

    d d

    M P

    S M

    P M

    M P

    M S

    M S

    P M

    Figura 2: As quatro guras

    Nota-se que, como salientou Aristteles, em todo silogismo devemos ter sem-pre uma premissa universal, e pelo menos uma delas deve ser armativa. Dentreas 64 possibilidades (43), os medievais usavam versos em latim para memorizaras 24 formas vlidas de inferncia dadas por cada gura. As 19 primeiras so:6

    Barbara, Celarent,primae Darii, Ferioque .Cesare, Camestres, Festino, Baroco,secundae .Tertia grande sonans recitat Darapti, Felapton, Disamis, Datisi, Bo-cardo, Ferison.Quartae sunt Bamalip, Calemes, Ditamis, Fesapo, Fresison.

    6Cf. Dopp 1970, pp. 143-144.

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    A nessas deve-se acrescentar ainda Barbari e Celaront gura 1, Cesarop eCamestrop gura 2, e Camelop gura 4. Importante notar que muitas dessasformas somentre so vlidas se admitirmos que sempre h pelo menos um objetoque comprove os conceitos.

    Exerccio 6 Justique que, se no admitirmos que h pelo menos um objeto quecomprove os conceitos envolvidos, ento Barbari, Celaront, Cesarop, Camestrop, Darapti, Felapton, Bamalip, Fesapo e Camelop deixam de ser vlidos.

    Para entender como isso funciona, deve-se atentar para as vogais, que indicamas proposies categorias que guram em cada silogismo. Por exemplo, em umsilogismo em Festino, as propoposies que nele guram so E, I e O, dispostascomo mostra a segunda gura acima. Algumas das consoantes tm papel rele-vante na reduo dos silogismos aos da primeira gura, como veremos abaixo.Tomemos um exemplo de um silogismo em Festino:

    Nenhum super-heri covarde.Algumas pessoas so covardes.Logo, algumas pessoas no so super-heris,

    o termo maior pessoas, o menor super-heri e o mdio (que gura emambas a as premissas mas no na concluso, distribudo conforma ilustra a gura2 acima) covarde.

    Exerccio 7 D exemplos de cada uma das formas de silogismo descritas pelosversos acima.

    Saliente-se que a teoria de Aristteles no trata de inferncias particulares,mas da estrutura de certos tipos de inferncia (os silogismos), que se pensava poca captavam as formas vlidas de raciocnio, e um dos fatores mais importantespara que isso pudesse ser feito foi o uso devariveis , ou seja, letras (como S eP ) que denotam objetos arbitrrios de uma certa coleo de entidades (suposta-

    mente existentes). Assim, o silogismo exemplicado acima um caso particularda forma geral

    NenhumP M .AlgunsS so M .Logo, algunsS no soP ,

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    e se pode substituirS , P e M por outros termos, obtendo-se assim outras for-mas vlidas de inferncia (por exemplo, substituaP , M e S respectivamente porcavalo, ser com penas e animais terrestres).

    No obstante genial sob certo ponto de vista, a silogstica categrica aris-totlica apresenta limitaes. Uma delas que trata unicamente de infernciascontendo duas premissas, apenas trs termos geais e todas as proposies envolvi-das devem ser da forma A, E, I ou O. No entanto, patente que as formas usuaisde inferncia exigem muito mais do que isso. Por exemplo, tomemos o seguinteraciocnio, que no pode ser captado por qualquer silogismo categrico:

    "Todo comerciante deve pagar seus impostos, e nenhum homem hon-

    esto gosta de pagar propinas a maus scais. Mas, se todo aquele quedeve pagar impostos honesto, ento nenhum comerciante gosta depagar propinas a maus scais.

    Uma outra limitao da silogstica aristotlica devida ao fato de que ela no adequada para grande parte das formas de inferncia que se faz em matemtica,em particular aquelas que envolvem no unicamente fatos acerca de se certos ob- jetos tm ou no uma determinada propriedade, mas que encerrem relaes entreeles. Por exemplo, o simples raciocnio vlido "SeA maior do queB e se B maior do queC , entoA maior do queC ", no captado por qualquer dasformas vlidas de silogismo. Este ponto, percebido por exemplo por Leibniz, foipreponderante para uma maior aproximao da lgica com a matemtica. Final-mente, a silogstica aristotlica lida unicamente com termos que designam objetossupostamente existentes; se usarmos a teoria de silogismos sem obedecer a estarestrio, somos levados a situaes paradoxais, como a seguinte, tirada de umsilogismo vlido (emFesapo ):

    Nenhum animal com um s chifre na testa um unicrnio.Todos os unicrmios so animais com chifres.Portanto, alguns animais com chifres no so animais com um schifre na testa.

    Se admitirmos que as premissas so verdadeiras, ento a concluso teria queser verdadeira devido validade do silogismo. Mas a concluso parece conitarcom o fato de um argumento em Fesapo ser vlido. O problema est em que averacidade da premissa principal (a primeira) alcanada na suposio de que noexistam unicrnios, pois se eles no existem, ento nenhum animal (em particular

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    os que tenham chifres) pode ser um unicrnio. Ou seja, a silogstica aristotlica sfunciona para coisas reais como atletas, cavalos ou gavies, mas d problemasquando aplicada a coisas inexistentes, como unicrnios.7

    Se um dado silogismo de uma certa gura ou no vlido s pode ser con-hecido por inspeo. Por outro lado, das quatro guras, levando em conta queh quatro tipos de proposies categricas, conclumos que h 256 silogismospossveis. Para eliminar os que no so vlidos, h alguma regras bsicas, que osreduzem para 24 formas vlidas; dessas 24, cinco podem ser eliminados porque decerto modo esto implcitos em outras; por exemplo, sabemos que uma proposioem A implica uma em I. Assim, um silogismo AAI (as premissas sendo em Ae a concluso em I), de certa forma j se encontra em Barbara, e no precisa ser

    considerado. As regras so as seguintes (Kneebone 1963, p. 17):8

    R1. Todo silogismo tem unicamente trs termos.

    R2. Todo silogismo tem apenas trs proposies.

    R3. O termo mdio deve estardistribudo pelo menos uma vez. Um termodiz-se distribudo em uma proposio se armado ou negado universalmentenessa proposio. Ou seja, par que o termo mdio diga respeito ao mesmoobjeto nas duas premissas, em ao menos uma delas ele deve ser tomado uni-verralmente.9

    R4. Nenhum termo pode estar distribudo na concluso se no estiver dis-tribudo em pelo menos uma das premissas.

    R5. De duas premissas negativas nada pode ser concludo.

    R6. Se uma das premissas negativa, a concluso negativa. Se a concluso negativa, uma das premissas negativa.

    R7. De duas premissas particulares, nada pode ser concludo.

    R8. Se uma das premissas particular, a concluso particular.

    7O exemplo retirado de Devlin 1997, p. 44.8Para um estudo detalhado da silogstica aristotlica, ver ukasiewicz 1977, ou Kneale &

    Kneale 1980.9Caso contrrio, teramos por exemplo as premissas ALgum M P e Algum S M, que podem

    ser ambas verdadeiras com distintos objetos M.

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    Exerccio 8 Justique a armativa feita acima: "Um silogismo Barbari (as pre-

    missas sendo em A e a concluso em I), de certa forma j se encontra em Bar-bara, e no precisa ser considerado."Ache onde j esto cada um dos seguintes:Celaront, Cesarop, Camestres e Camelop.

    2.3.2 Reduo primeira gura

    Um dos feitos mais relevantes de Aristteles no que se refere lgica foi termostrado de que forma os silogismos podem ser reduzidos uns aos outros, demodo que bastam apenas poucos deles para sustentar todas outras formas de argu-mentao silogstica. Ele mostrou que h vrias possibilidades de se realizar essareduo. Aqui, esboaremos como os silogismos das guras 2, 3 e 4 podem serreduzidos aos da primeira, ou seja, transformados em um silogismo equivalenteda primeira gura. Na verdade, como mostrou Aristteles, bastam os silogismosem Barbara e Darii, mas aqui, por facilidade, caremos com os quatro da primeiragura.10 Isso funciona, resumidamente, do seguinte modo (seguiremos mais umavez Kneebone 1963, pp. 18ss).

    Deve-se levar em conta os processos de converso vistos acima, e atentar paraas seguintes regras, dadas em funo dos nomes dos silogismos mostrados nosversos anteriormente exibidos:

    (i) No nome de cada silogismo, a primeira letra indica para qual silogismo daprimeira gura ele ser reduzido (o de mesma letra inicial).

    (ii) A letras indica uma converso perfeita da proposio denotada pela vogalprecedente.

    (iii) A letrap indica uma converso imperfeita (por limitao) da proposiodenotada pela vogal precedente.

    (iiv) A letram (demutare ) indica uma permutao das duas premissas.

    Vamos ilustrar com alguns casos. Por exemplo, um silogismo em Cesare, daforma (E) NenhumP M , (A) Todos osS so M / (E) NenhumS P,reduz-se a Celarent (de acordo com (i) acima) do seguinte modo: primeiro, aletra s indica que devemos converter de modo simples a proposioE , obtendoNenhumM P. Esta premissa, junto com a segunda original e a concluso, do

    10O leitor curioso pode alternativamente ver o captulo 12 de Mates 1965 ou Dopp 1970, p. 147.

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    um silogismo em Celarent. Assim, obtivemos um silogismo da primeira guracuja concluso derivada de premissas equivalentes.Mais um exemplo: veremos como Felapton (por exemplo, (E) NenhumM P, (A) TodoM S / (O) AlgumS no P) se reduz a Ferio. Primeiro, a letra p indica que devemos converter por limitao ( per accidens ) a premissa em A,obtendo AlgumS M ; ento, camos com o silogismo (E) NenhumM P,(I) AlgumS M / (O) AlgumS no P, que um caso de Ferio.

    Os nicos silogismos que no podem ser reduzidos seguindo-se as regrasacima so Baroco e Bocardo, devido presena de uma proposio em O, queno pode ser convertida das formas acima. Para reduz-los, usa-se omtodo in-direto ou reductio ad impossible , que pode tambm ser aplicado a outras formas

    de silogismo).11

    Este mtodo, resumidamente, o seguinte: iniciamos tomandocomo uma nova premissa a negao da concluso original. (Repare abaixo quea posio doc diz qual premissa ser tomada como contrditria da concluso.)Depois, combinando esta nova premissa com a antiga premissa maior, chegamosa um silogismo da primeira gura (nos dois casos, a Barbara). Aplicando-o, obte-mos uma concluso que incompatvel com a premissa menor original. Assim,a hiptese de que a concluso original falsa leva a uma impossibilidade, o quenos obriga a aceit-lo. Este procedimento est de acordo com o seguinte teoremado clculo proposicional clssico, conforme veremos frente: (( p q) r ) (( p r ) q), e ao mtodo de reduo ao absurdo, usado por exemplo porEuclides.

    Vamos exemplicar este mtodo com a reduo de Bocardo a Barbara. O quetemos de sada algo do tipo (O) AlgumM no P , (A) TodoM S / (O)AlgumS no P . Formamos ento um novo silogismo cuja premissa maior a negao (contraditria) da concluso, ou seja, (A) TodoS P . A premissamenor a premissa menor do argumento original, ou seja, (A) TodoM S .Aplicando Barbara obtemos TodoM P. Ora, isso contraria a premissa maiordo silogismo original, o que nos indica que negar a sua consluso incorrer emuma falsidade. Portanto, o argumento vlido.

    Aristteles apresentou ainda uma silogstica modal, da qual no falaremosaqui. A lgica aristotlica, que incorpora no s o que fez Aristteles, mas tam-bm seus seguidores (que, por exemplo, incorporam a quarta gura), permaneceupraticamente inalterada at meados do sculo XIX. O lsofo Immanuel Kant(1724-1804) chegou a comentar, no Prefcio segunda edio daCrtica da RazoPura , que a lgica, desde Aristteles, no havia dado nenhum passo avante e nen-

    11Ver Kneale & Kneale op. cit., p. 80.

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    hum para trs, permanecendo, ao que tudo indica, completa e acabada (Kant1980, p. 9). Quo equivocada foi a opinio de Kant, em achar que a lgica deento seria algo completo e acabado, tema que abordaremos daqui para frente.

    O curioso sobre a lgica aristotlica que, como dito, no obstante Aristte-les ser considerado o pai da lgica, no h meno a ele ou sua silogsticanos trabalhos de matemticos como Arquimedes ou Euclides, ou de importantesmatemticos posteriores.12 Essa uma questo interessante que deixamos para serrespondida pelos historiadores: por que esses matemticos no citam Aristteles?Teriam eles ignorado a silogstica aristotlica? Por que a lgica (no sentido doestudo de inferncias dedutivas) e a matemtica andaram em linhas paralelas atpraticamente a poca de Leibniz?

    2.3.3 O sistema S

    Vejamos agora o nosso exemplo de sistema formal, que chamaremos deS . A lin-guagem deS , designada porL S , contm os seguintes smbolos primitivos: (i) umacoleo enumervel determos simples . As letrasx, y, z denotam termos simplesdesta linguagem; (ii) quatro predicados binrios,A, I , E e O.

    Os termos de L S so os seus termos simples, e asfrmulas so expresses daformaAxy, Exy, Ixy e Oxy , para x e y termos quaisquer (aqui, contrariamente silogstica aristotlica, no presicam ser distintos). As frmulas sero deno-tadas por letras gregas minsculas, e os conjuntos de frmulas, por letras gregasmaisculas. Dada uma frmula , denimos a suacontraditria , denotada , daseguinte forma:Axy = def Oxy , Oxy = def Axy, Exy = def Ixy e Ixy = def Exy. Oleitor deve reparar que esta denio se coaduna com o quadrado das oposies(gura 1).

    claro que esse sistema tem motivao na silogstica aristotlica. A escolhadas regras de inferncia justicada pela possibilidade de reduo das guras2, 3 e 4 primeira. As regras correspondentes aos silogismos em Baroco e Bo-cardo so introduzidas para que evitemos as diculdades da sua reduo, comosalientado acima (no entanto, visto como um sistema formal,S independe com-pletamente dessas motivaes e razes).

    Umainterpretao paraL S uma funoI doconjunto de seus termos em uma12No obstante, o grande gemetra italiano Federigo Enriques sustenta que o verdadeiro cri-

    ador da lgica teria sido Zeno de Elia, e no Aristteles, pelo fato de ter chegado ao mtodo dereduo ao absurdo, que implica na construo de guras impossveis em geometria. As demon-straes diretas, por seu turno, nunca torcem as guras. Enriques sublinha que assim nasceu algica, quando a forma tornou-se independente da matria.

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    coleo de conjuntos no vazios. Intuitivamente, a imagem do termot pela inter-pretaoI entendido como o conjuntoI (t ) dos objetos designados pelo termot ;a exigncia de que tais conjuntos no sejam vazios est mais uma vez de acordocom a silogstica aristotlica.

    SejaI uma interpretao paraL S . Denimos ovalor-verdade de uma frmula , denotadoI ( ), do seguinte modo: (i)I ( Axy) = 1 se e somente seI ( x) I ( y);(ii) I ( Exy) = 1 se e somente seI ( x) I ( y) = ; (iii) I ( ) = 0 se e somente se I ( ) = 1, e (iv)I ( ) = 1 se e somente seI ( ) 0.

    Os conceitos de modelo de um conjunto de frmulas, a noo de dedutibili-dade de uma frmula a partir de um conjunto de frmulas, etc., so anlogas susuais. Diremos que um conjunto de frmulas trivial se para toda

    frmula (caso contrrio, no-trivial ), e que inconsistente se existe umafrmula tal que e ; caso contrrio, consistente .Os postulados deS so as seguintes regras de deduo (no h axiomas):

    Ayz, Axy Axz (Barbara)

    Eyz , Axy Exz (Celarent)

    Ayz, Ixy I xz (Darii)

    Eyz , I xyOxz (Ferio)

    Azy, OxyOxz (Baroco)

    Oyz, AyxOxz (Bocardo)

    Ixy Iyx (converso- I )

    Exy Eyx (converso- E )

    Axy Ixy (subalternao- AI ) ExyOxy (subalternao- EO )

    Exerccio 9 Mostre que todas as formas de silogismo dadas pelas quatro guras podem ser codicadas em L S e as concluses resultantes provadas a partir das premisas assumidas a partir das regras acima unicamente (veja exemplo a seguir).

    Para exemplicar o exerccio anterior, indicaremos como se pode mostrar queum silogismo em Festino pode ser derivado em nossa axiomtica. Primeiro, preciso traduzir adequadamente o silogismo. Tomemos o exemplo dado pgina 13.

    Nenhum super-heri covarde.Algumas pessoas so covardes.Logo, algumas pessoas no so super-heris,

    Escrevendoem nossa linguagemEhc e I pc para as premissas, devemos derivarOph . Temos ento a seguinte derivao: (1)Ehc (premissa); (2)I pc (premissa);

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    (3) Ech (de 1, por converso-E); (4)Oph (de 3 e 2, por Ferio). Um outro exem-plo: Bamalip, que podemos expressar do seguinte modo:Axy, Ayz Izx, podeser mostrado vlido assim: (1)Axy (premissa); (2)Ayz (premissa); (3)Ixy (1,subalternao-I); (4)Ixz (2,4, Darii). Os outros casos so um bom exerccio, quedeixamos a critrio do leitor.

    Salientaremos uma das propriedades mais interessantes deS . Dito de modoinformal: de um conjunto nito de premissas contraditrias, no se deduz qual-quer proposio. Ou seja, se um conjunto nito de frmulas entre as quaisguram e , no se segue que para toda. Para provar este fato, vamossupor que as frmulasAxy e Oxy (que so contraditrias pela nossa denio)pertenam a. Aplicando Baroco, derivamosOxx. Porm, fcil ver queOxx

    falso para qualquer interpretao. Com efeito, suponha queI uma interpretaoqualquer para a linguagem do nosso sistema. Ento, tem-se sucessivamente:

    I (Oxx) = 1 I ( Axx) = 0 I ( x) I ( x),

    o que impossvel.Isso mostra que o sistemaS , apesar de poder comportar premissas contra-

    ditrias (mas sempre um nmero nito de premissas), no trivial. No entanto,se h innitas premissas, pode haver trivializao. Em resumo, o sistemaS paraconsistente , na acepo desta palavra que ser discutida posteriormente.

    Depois, veremos um sistema formal mais interessante e importante, o Clculo

    Proposicional Clssico.Exerccio 10 (da Costa 2005a) Considere o sistema formal S = F , A, R , ondeF o conjunto = {0, 1, 2, . . .} dos nmeros naturais, A = {0, 2, 4, . . .} e R temapenas dois elementos, as regras seguintes:

    , +

    ( R1) e,

    ( R2).

    Verique que: (1) {1, 2} 3; (2) {1, 2} 2 , Cn( A) = A ; (3) Cn({0, 1}) = . Interprete os dois ltimos resultados.

    3 Sistemas dedutivos: outros conceitos bsicos

    Esta seo baseada em da Costa 2005 e 2005a. Uma maneira alternativa (pormequivalente) de caracterizar a noo de conseqncia por intermdio do chamadooperador de conseqncia de Tarski , denotado Cn, denido do seguinte modo:

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    Denio 2 Sendo um conjunto de frmulas de um sistema formal S , ento

    Cn() = { : }.

    O conjunto Cn() chamado defecho dedutivo de (Martin & Pollard 1996).Resulta, como fcil vericar, o seguinte teorema:

    Teorema 2 Em um sistema formal S , tem-se:

    (i) Cn()

    (ii) Cn( ) Cn()

    (iii) Cn(Cn())

    Cn(

    )Assim, podemos caracterizar um sistema formal ou uma lgica por um par

    = F , Cn , tal que, para todo F , tem-se (i)(iii) acima. Denindo-se see Cn() e reobtemos a partir de Cn.

    Exerccio 11 Prove o teorema anterior.

    Denio 3 Uma teoria, ou sistema dedutivo tendo por base um sistema formalS uma coleo de frmulas tal que = Cn(). Denota-se por T (S ) o conjuntodas teorias de S .

    Em outras palavras, umateoria um conjunto de frmulas fechado para arelao de conseqncia. Se Cn() = F , ondeF o conjunto das frmulas deS , ditotrivial , e no-trivial em caso contrrio. Obviamente esses conceitos seaplicam igualmente a teorias, que so colees de frmulas.

    Pode-se dotar o conjuntoT (S ) com operaes e elementos convenientes doseguinte modo (da Costa 2005a): para todas , T (S ), pomos

    (1) = def

    (2) = def Cn( )

    Resulta ento, como se pode provar, que a estruturaS = T (S ),, , ,, F

    um reticulado modular completo com maior e menor elementos. Aqui, se ( i)i I uma famlia de elementos deT (S ), ento i I i = def i I i o nmo da famlia( i)i I , enquanto que i I i = def Cn( i I i) o seu supremo.

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    Denio 4 Um conjunto F maximal no-trivial se no-trivial e no

    est propriamente contido em outro conjunto que seja no-trivial.

    Resulta que toda teoria no-trival est contida em uma teoria maximal no-trivial. Isto se deve ao fato que de a coleo das teorias no-triviais, ordenadas porincluso (teorias so conjuntos de frmulas), forma um sistema ordenado limitadosuperiormente. Por um resultado da teoria de conjuntos que equivale ao Axiomada Escolha, conhecido como Lema de Zorn, existe ento uma teoria maximal notrivial, como dito.

    Denio 5 Uma teoria axiomatizvel se existe um conjunto recursivo 13 talque Cn( ) = . Se for nito, ou seja, = {

    1, . . . ,

    n} ento nitamente

    axiomatizvel, e as frmulas 1, . . . , n so os axiomas de .

    Se i Cn({ 1, . . . , i 1, i+ 1, . . . , n}), ento i independente dos demaisaxiomas. Se todos os axiomas so independentes uns dos outros, ento o sistemade axiomas umsistema independente .

    Referncias[1] Copi, I. M.,Introduo lgica , Mestre Jou, S. Paulo, 1978.

    [2] da Costa, N. C. A., Genealized logics, 2005, notas GLFC.

    [3] da Costa, N. C. A., Teoria das valoraes, 2005a, notas GLFC.

    [4] Devlin, K.,Goodbye, Descartes: the end of logic and the search for a new cosmology of themind , John Wiley, 1997.

    [5] Hodel, R. E.,An introduction to mathematical logic , PWS Pu. Co., 1995.

    [6] Hofstadter, D. R.,Gdel, Escher, Bach: An Eternal Golden Braid , Penguim Books, 1980.

    [7] Kneale, W. and Kneale, M.,O desenvolvimento da lgica , Lisboa, Fundao Calouste-Gulbekian, 2a. ed., 1980.

    [8] Martin, N. M. and Pollard, S.,Closure spaces and logic , Kluwer Ac. Pu., 1996 (Mathematicsand its Applications, Vol. 369).

    [9] Mates, B.,Elementary logic , Oxford Un. Press, 1965. H traduo para o portugus.

    [10] Kneebone, G. T.,Mathematical logic and the foundations of mathematics , Van Nostrand,1963.

    13Intuitivamente, um programa de computador.

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    [11] Tarski, A.,Introduction to logic and to the methodology of deductive sciences , Dover Pu.,

    1995 (Oxford Un. Press, 1946).

    c GLFC - NEL / UFSC / CNPqProf. Dcio KrauseGrupo de Lgica e Fundamentos da CinciaDepartamento de FilosoaUniversidade Federal de Santa Catarina

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