01 - pena e política criminal - a experiência brasileira

8

Upload: epitacio-r-nunes

Post on 08-Jul-2015

196 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: 01 - Pena e Política Criminal - A Experiência Brasileira

5/10/2018 01 - Pena e Pol tica Criminal - A Experi ncia Brasileira - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/01-pena-e-politica-criminal-a-experiencia-brasileira 1/8

310 Crirnino iogia! Q~ PrcblemiiS da Arualidade I Sc i e oS ; ; ! ! c zi r a

GAJl....U D O, V ic en te ; S TA N GE LA .i \l D, P er ; R ED ONDO , S an ti ag o. Principios de criminolagia.

2 . e d. V alen cia : T i ra nt 1 0 B la nc h, 200l.

LARRt'.l\fDART"Luella. Control social, derecho penal y genero. In:BIRGIN, Haydee (Org.).

Las t ra .m p as d el po de r p u ni ti vo :. e l genero de l derecho penal Buenos Aire s: Bib le s, 2000.

MJ:RALLES,Te.:resa. Las insrancias informales: familia, escuela y profesicn, In: BERGAlLI,

Roberto; BUSTOS F~Jl_TVIiP..EZ;u an ( Or g. ). E1 penscrmenro cr im in.a1og ieo I I . Bogota: Ternis,

1963.

N"E\"JlVLAN,SCA.R. Creating defensible space. Disponivel em: <http://v.rww.defensibles-

pace.corn/bco k.htm>. Acesso em: 1" maio 2007.

O CH OA , R am on de l a C ru z. Control social y derecho penal. E l O t r o D e r e ch o , B og ota, n "

29, p. 43-64, 2003.

PERElRA, Lucia Serrano. Aconjugalidade n os a no s 90. L'1:DOR}\, Denise Dourado (Org.) .Femi.'l.iT!.omasculino: igualdade e di fe renca na just ic a, Porto Alegre: Sul ina , 1997.

SANDOW-i..,Augusto Sanchez. Control socia l en AmericaLatina. Revista B ra s il ei rt : d e Ct-e n c ia s C r im i n .a l s, Silo Paulo, v. 11 , n" 42 , p. 317-344 , jan ./ma r. 2003.

Silo Paulo Prefeitura, Subprefeirura Municipal de Casa Verde. ° sitio das menina s da

Casa Verde, ha 150 anos despertando paixoes. Disponivel em: <hctp:llportal.prereirura.

sp.gov.brlsuollre£eituras/spcv/dados/historicc/0004>. Acessoem: 1"maio 2007.

SHECAL~, Sergio Salornao, Criminologia. Sao Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

SOZZO, Maxi mo. Grande es la.confusion bajo e l c ie lo: noms soore 1anocion de controlsocia l y la reccinstruccion de un saber critico sobre la cuesticn criminal. Revista de Cimcias

Penaies, Mcncevideo, 0.°4, p. 471-490, 1998.

SWAANINGEN, Rene van. Controle do crime no seculo iCU: analisando U111. a nova realida-

de. Revisrc Br-asileira de<Ciincias Criminais, Sao Paulo, v. 11, n2 42, p. 103-120, jan.z'rnar,

2003.

ThNGEruNO, Davi Paiva Costa.P re ve np lo d o c ri me p er rneio do c o n tr o le s o ci a l informal: a

. exper ie ricia da Escola de Chicago. 2005 . p. 187. Disse rtacao (Mesrr ado) - Faculdade de

Dire ito da Univers idade de Sao Paulo, Sao Paulo.

ZAFFARONI, Eugenio Raul: PIERAl\lGELI, Jose Henrique. Manu al .d e d ir ei ro p en al b r as il ei -

10: pa rte gera l. 5. ed. Sao Paulo: Revis ra des Tribunals, 2004.

Pena e Politica Criminal,if> ,. ..... or... B 61 · 1

1 4 . . , .t.xperlenCla raShe1:ra

S e rg io S a lo mC io Shecairc?

1 Dados estatisticos

Antes de se abordar a relacao entre pena e politica criminal, e fundamentalque se exarninem alguns dados obtidos em sites oficiais (do IBGE e do DEPEN)

e que serao esclarecedores para a anal ise do tema proposto , Optou-se por faze;

inicialmente, urn cotejo entre a evolucao da populacao carceraria e a prcgressao

ciapopulacao brasileira como urn todo, A escolha do ano de 1994, como paradig-

rna, rrao fo i aleat6ria. El e representa 0 primeiro an o em que se fez, no Brasil, urn

censo penitenciario global, com critenos que possibilitaram uma analise segura

aos operadores do direitc. Os dados aba ixo mancionados sao demonstratives da

evolucao numeric a de presose da relacao desres com a nurnero de 'habirantes:

..no Indice Preso/hab.opulacao Carceraria

1994 I 129.169 I 88 presosllOO.OOO hablrantes

TI

2007 (julho) 419.551 I 227 presos/l00.000 habitantes

2007 (SP) '1 137.585 I 341 presos/100.000 habitantes

1 0 pre senre rext o o ri ginou -s e da aula preparada ao concurso de drularidade para a cadeira

de Diret to Penal da Faculdade de Direi to da Univers idade de.Sac Pau lo , p rova real iz ada no d ia 4 deourubro de 2007.

: Professor t itular de Direito Penal e Crirninolcgiada Universidade de Sao Paulo.

Page 2: 01 - Pena e Política Criminal - A Experiência Brasileira

5/10/2018 01 - Pena e Pol tica Criminal - A Experi ncia Brasileira - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/01-pena-e-politica-criminal-a-experiencia-brasileira 2/8

...322 Cril:inologia!: cs ?r~blemas da Aruaiicad e • Sa e Snecaira

Apenas para que se tenha urn pararnetro, os dad os estatisticos em alguns

paises estrangei ros em 2005 apontavarn para urn indice de encarceramento de

142 presos por 100.000 habitantes no Reine Unido;? 738/100.000 nos EDA;';

165/100.000 na Americado SuI.

Tarnbem e curioso notar que, embora 0 Estado de Sao Paulo tenha somente

cerca de 20% (41.150.383) da populacao brasileira (190.000.000), tem 0 equi-

valente a 32% dos presos, 40% des quais sao provisorios (54.423) enquanto que60% dos presos paulistas sao defmidvos (90.816).

o deficit de vagas em redo 0 sis tema no Brasi l e de 105.075 (pouco rnenos

do que a populacao carceraria M 13 anos). .

No entanto, 0 dado mais relevante que se quer - prirnacialmente - destacar

e que, enquanro a populacao brasileira aumentou cerca de 21% de 1994 a 2007

(157 mi1h6es para 190 milh6es), a populacao carceraria no rnesmo periodo au-

rnentou mais que 320%!

2 Analise dos dados a luz do terna proposto, APolitica Criminal a ser adotada

Goethe, dtado por Freud ao inicio de sua obra T ote m e ta bu ,S afirrnava que

"no principio, 0 homern era sornente 0 ate" (Goethe, na realidade, dizia acao e

nao ato). Freud quer dizer, corn isso, que se algo se resume ao ate, nao passou

ainda pela idade reflexive. "No hornem primit ive, suas ideias transformavam-se

irnediatamente em seus atos.:" 05 comportamentos irracionais sao atitudes rene-

xas e nao teleologicas (no sentido da filosofia de Nicolai Hartman urilizada para

a construcao do pensarnento penal de Welzel)/ sao reativos e nao operantes, isto

S Os pe riodos de c ri se economica, como 0 a tr aves sado pel a Ingla te rr a a part ir des p rimei rcs anos

da decada de 1970, prcduziram urn incremento vertical das taxas de encarceramenro devido a uma

maier punitividade de aparelho repressive, conforme pensamento de GIORGI, Alessandro de. A

miser.a gover nada amzves do sistema penal. Rio de Janeiro: Revan, 2006. p. 54.

• A populacao carceraria americana passa de 400.000 prescs em 1975 para 750.000 em 1985,

alcando dais milhoes aofinal do. de c ada de 90. A media de enca rcer arnen to nos SUA e ci.'1CO vezes

superior a eur opei a. Se somarr nos os p re sos a t odcs aque le s que t ern conc ra ie ca rc er ari o ( li be rados

condicionais, pessoas em probation etc.) chegarernos a uma populacao conzrolada de 5 milhces de

pessoas, Op. cit., p. 94.

5 A primeira concepcao do mundo a que" humanidade consegue chegar, a do animismc, foi,

assim, mere faro psicclogico: nao precisava ainda de ciencia para as suas bases, pois a ciencia s oinrerve .m depois que ° hornem ver if ica que nao ccnhece 0 mundo e tern, penance, que procurar

c ar ninhos par a ccnhece-I o." In : Obrczs complecas, Rio de Janei ro : De lt a, s .d ., v . 14, p , 155 .

6 SA , Alvino Augusto. C r im i no lo gi a e li n' ic a e p s ico lo g ia c r imi n .a l . Sao Paulo: Revis ta dos Tribunais ,

2007. p . 4 4.

7 Hans Welzel, logo no inicio de sua principal obra, diferencia a nova imagern do sistema penal,

observando que a a~o hll.'nana e urn exe rdcio de uma at :i vidade f i. nal is ra . A fi nal idade e, pois,vidente; a causalidade, .cega. Tal perua.'nemo obeciece a uma ordem existencial segundo a qual os

Pena e Polic ica Criminal. F. : 'xpedeno2. Br"!i le ird 323

e , ainda nao passaram pelo crivo da razao. Hoje e comurn ver-se a uti lizacao cia

expressao o pe ra ii or es d o d ir ei to . S6 efetrvamente 0 serao se refletirem sobre 0 di-rei to . Se nao Se escudarern na lei, mas servirern-se da lei como seu escudo. sob a

alegacao que a lei pensa por eles, nao serao operadores do direito, mas operados

per ela, seus servicais." .

Pena e Politica Cr iminal podem ser somente ato, ou tambern pensamento. Se

a pena for somente ate, nao sera racionalmente recepcionada pelo destinatarioda norma e nao adquirira a roziio, aqui entendida como a faculdade de com-

preender as relacfies das coisas e de distinguir 0 verdadeiro do falso. Arazao tarn-

bern e 0 entendirnento e a inteligencia humana, pois e a homem, diferentemente

dos dernais animais, aquele ser que tern a faculdade de distinguir as coisas, Eele que ordena mediante 0 poder do radocinio 0 que lhe e proprio eo que Ihe ealheio ; que estabelece relacoes e deduz conseqiiencias; anteve resultados e pen-

dera suas acoes; pergunta acerca de sua finalidade e origem do mundo; indaga

cutros porques: que, finalmente, motiva-se pela vontade para transformer a rea-lidade em que vive.? .

Falemos, pois, da politics criminal:

A expressao poiiiica, em sua origem grega, designava a arre de governar a

cidade (polis).Polis tern, hoje, urn conceito funcional. A cidade deve apresentar urn leque

minimo de funcoes, cnamadas de funcoes das relacoes. '? A cidade, por definicao,

e urn lugar de troca de todas as narurezas, urn local de prestacao de services, quer

a propria populacao, quer a exterior (hoteis, pOStOS de gasolina, hospitais, escolas

etc.). A cidade, como se concebe modernarnente , advern do conceito de cidade

medieval. E uma clausura pontual no ponto da paisagern.'! E que as cidades

rnedievais eram quase tcdas amuralhadas, A muralha, protecao nos tempos de

guerra, e utilizada para passeios recreativos no verso enos per iod os de paz. Os

habitantes nao veern sua cidade, eles veern a paisagem a partir de sua cidade.

pensamentos humanos s ao pau tados pela r ef lexao . Conforms TOLEDO, Franc is co de Assi s. Princi-

pies bcisicos de direiro penal. 4 . ed , Sao Pau lo : Sara iva, 1991. p . 97; WELZEL, Hans . Deretiu: pendcierndn. Traducao de Juan Bustos Ramirez e Sergio Yanez Perez. Santiago: Editorial Juridica de

Ch il e, 1993. p . 40. Tarnoern nes se s en rido, a inda que 0 pensamenro t enha s ide conceb ido a par ti r

de f on te s to ta lmen te d ive rs as , import ance obser ve r a ideia de SKINNER, B. F . Sabre 0 behavioris-

mo. Traducao de Maria da Penna Villalobos, Sao Pall ia : Cu ltr ix , 1993 . p .48- 49, quando dest aca a

import anc ia da ideia " cco rre r-l he ", r efe rindo -se a urn aconrecirnento causal anterior.

e Ainda no rnagisterio de Alvino Augusto de Sa, op. cit., p. 44-45.

9 "Pcder ser senhor de seu proprio eseado de espirito e privilegio des grandes ani rnai s" , cf

CAJV!US,Albert, A oueda. Traducao de Valer ie Rurnjanek. I li a de J anei ro : Reco rd, s .d . p . 5 .

10 pto] IT IE R, Je an ; D EL FANT E, Charles, Cidades e urbC'.<lL<mo.o mundc, Tradu<;:ao de Sylvie

Canape . L isboa : ln sti ru ro P iaget , p, 14.

11 J ' " E U D Y , Henri-Pierre. E s pe lh s: d a s c id a de s . Traducso de Rejane Janowitzez Rio de Janeiro: Ed.

Casa da Palavra, 2005. p. 86.

Page 3: 01 - Pena e Política Criminal - A Experiência Brasileira

5/10/2018 01 - Pena e Pol tica Criminal - A Experi ncia Brasileira - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/01-pena-e-politica-criminal-a-experiencia-brasileira 3/8

32 4 Cr i:ni no!ogi" e as Problemas cia Atual id ad e • S a e Shecair~ Peria e. Politic~ Criminal. A Experiencia Brasileira 325

. V~Do c on ce rto d e c id ad e medieval nascera 0 c on ce iro d e c or nu nid ad e. V iv er

em cornum, como urn cornum, Estar na cornunidade e estar acolhidc; e como urntete que nos abriga na chuva pesada. E 0 arnparo que 0 idoso necessita quando

ao andar pela calcada, trcpeca ecai." No entanto, a guerra contra a cornunida-

de foi declarada em nome da libertacao do individuo. A aspiracao de liberdade

por parte des grupos znais rices e abastados da cidade criou uma guerra contra

a cornunidade. S6 os pobres con tin uaram a ter c om un id ad e. E 0 comunitarismo,como defesa, pass a a ser um a filosofia des fracos. 0 pobre vive em comunidade

e 0 rico vive em condomfnios!

o avanco do crime, no entanro, fez com que voltassemos a pensar sob re a

necessidade que todos passarn a ter - riscos e pobres - de urna comunidade.

Renasce a ideia de que ha de s e soc o rr er dos mecanismos de ccntrole social in-

formal , mais eficazes e cornpreensivos para a conformacao da atividade hurnana,

Ao viajar 0 moradorda cidade pede ajuda de seu vizinho. Solicita que ele cuide

de sua casa; que acenda a luz no in ic io d a n oir e e a apague pela manna. Pede que

recolha osjornais, a revista semanal e as correspondencias. Da nas maos do vizi-

nho a chave da casa, por que confia nele. E n f i . . r n . , a vida comunitaria aponta para 0

conviver; que nada rnais e do que v iv er em con ju n to . E 0 conceito de controle das

anvidades humanas nao pode prescindir quer das atividades que a cornunidadefaz, quer das providencias que 0 Estado adora para prevencao do crime.

o ccnceito de cidades-estados da Antigilidade tern, conternporaneamenre,

uma visao iluminista oue nos remere a ideia modema de Estado. E enridade de

direito publico interne que se obriga, por ac;ao - sentido cornissivo da palavra - , a

11."11arestacao positiva a firn de tornar as expectativas hurnanas efetivas.

Para que 0 Estado possa t om s -l as e fe ti va s, te rn que se prevalecer de politicaspublicas."

o substantive politico; acrescido do adjetivo publica, expressa a ideia dosprogramas de acao governamentais utilizados para a realizacao de objetivos

scciais relevantes.>' Ha politicas public as direcionadas a saude, a educacao, ao

transporte urbane, ao desenvolvimento tecnolcgico ou ao prepare da infra-estru-

tura. 15s0sernpre significa uma forma de intervencao na real idade.

No ambito das politicas piiblicas relarivas a criminalidade, podem existir as

que articulam politico. social deprevencao a violencia com politicas crirninais

propriamente ditas, Na prevencao da violencia, foca-se a melhoria de vida da

populacao law sensa. Uma boa politica de ernprego, com capacitacao profissional

e e du c ac io n al , a ss o ci ad a as po li ti c as soc ia i s de d im in ui ca o d as d if er en ca s s oc ia ise regiona is , e - forma d e d im in uic ao c ia c rim in ali da de . . Ac es so a cidadania - 56

concebfvel se pensarrnos em poli tica para cidade - e algo que se pode conseguir

com art iculacao de Uniao , Estados e Municip ios. Os projetos que ut il izam 0 ins-

t rumental existente nas cidades, com a uti lizacao de quadras, bibliotecas, jardins

etc . das escolas publ icas, municipais ou estaduais, nada mais e do que a extensaodas ferramentas pedagogicas destinadas ao ensino para a prevencao da crirninal i-

dade atraves da uti lizacao do concerto ent re Estado e comunidade. Recentemen-

te, 0 govemo federal lancou urn programa bastante compreensivo de seguranca

publica, denominado PRONASCI, que articula as politicas preventivas de violen-

cia corn pol it icas cri rninais . Que arti~ _gsonrro!etorrnal com 0 informat~

Entende-se per polidca criminal, definida d~~on Liszt, como 0 conjunto

s is t em a ti co d o s p r in c ip io s juruiados no . i n v es t iga r ;ao c i ent i fi c a da s causes d o c rim e

e do s ejeiios da pena, segundo os quais 0 Estado deve lever a cab o a t ui a c on tr a 0

cr im e p or m eic d o . pena e des irutir-t.l.ir;oes co m estes re lac ionadas» ou como enten-

demos: D i sc ip l in a c u e estuda CL S e s tra ti g ia s e s ta cai s para an.Laj:Ciopreventive da cri-

m in al id a ii e, e q ue te m p or J in al id a de e st eb e ie ce r a ponte e ficaz entre a c r im inc log ia ,

enquanio c ie nc ia e m pi ri ca , e 0 d ir ei to p en al , e nq ua nc o c ii nc ia a xi ol og ic a.16

A politica criminal do Law an d Order, por exernplo, tern par final idade rna-

ximizar a intervencao punit iva, para i rnpingir um suposto efeito dissuasorio pe-

nal, per meio de medidas como: imposicao da pena de rnorte (quando permitida

const itucionalmente); aumento das pris6es cautelares; hiperinflacao legal, com

aumento de penas; aumento do encarceramenro com extensao horizontal da rede

de instituicces punitivas; privatizacao do sistema de controle penal etc. Ccmbate-

se 0 senrimento de inseguranca da sociedade po r r ne io de mai s pun icao .

Os efeitos desse pensamento sao totalmente i lusorios. No dizer de Jeffery:

rnais crimes, mais penas, mais prisces, dernanda mais ju izes, mais prornotores,

mais investimentos, mais impostos, mas 15S0 nao produz necessariarnente me-

nos cri.ninalidade. A eficacia do sistema de contrcle social decorre muito mais

da rnelhor articulacao controle social formal e informal do que da gravidade da

12 BAUJV1AJ \ l ,Zigmunt, Comunida.de: a b us es p ar se gu ra nca n o m un do a ru al. T rad uc ac de P lin io

Demzien. Rio de Janeiro: jorge Zahar Editor, 2005. p. 8.

U Algumas das politicas publicas esrao previstas na propria Ccnstituicac. Quando itcarta de 1988

menocna 0 superior interesse da crianca e doadolescence, esta revelando que 0. propria Ccnstirui-

~a o determina que os mvesnmen to s estatais devam passer pela priontaria fase do inves r imen to emnossa juvenrude,

H As p o li ti ca s p u bl ic a s sao ferramenras Rue servera para ciar vigen cia a s f u nc o es e s ta r ai s frente

a demanda social, segundo Edgardo A Amaya Cobar e Ricardo Vladimir Montoya Cardoza. Pro-

pussta d e pol[tica criminal y s eg ur id a d c iu d ad a na p ar a el Saivador, San Salvador, Fespap Ediciones,

2005. p . 4 -5 , apud Sae:JZ. Fabiana Eduardo, Fo ! [ ru :a c r imin a l e l im i te e t ci ri o de resDonsabi l . idade

penal , t:ra ba lho in ed ito . T ~b em p ac em se rec.lizar c om a c oo rd en ac aa d e s ua s a ri vi da de s c om a sdesempe."'Lhadas pel as ONGs. . ,

1 , DI .A .5 , Jorge de Figueiredo. Que.sr6es fundamental! do . : i. ir e i ropena l re v is i l: cu la s . Sa o Pau lo : Re-

vis ta des Tribunais , 1999. p.24.

re Pa ra M i re i ll e D e lma s -Ma r ry e 0 cc nju nro de m er od os c om o s q ua is 0 c or po s oc ia l o rg an iz a a s

re sp os ta s a o fenbmeno criminal, canforme Mocieios e mo v im~n ro s arur::i.s de po l ir i ca cr im ina l . ru a d e

J aneir o: Reva r! , 1992. p . 19.

j

I

Page 4: 01 - Pena e Política Criminal - A Experiência Brasileira

5/10/2018 01 - Pena e Pol tica Criminal - A Experi ncia Brasileira - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/01-pena-e-politica-criminal-a-experiencia-brasileira 4/8

'"325 Crirninclcgia e os P r ob i em 2 .. 5 c ia A c u al ic ia d e I S~ e Shecaira Pen; e Pclitica Crimlnal. .~ £Xpe . ri ~f ic : ia grg_si l e tr~ 327

pena fixada." 0 principal exernplo dessa articulacao e exatamente 0 cia polrcia

comunitaria.

Ainda que nao se uti lize exatarnente a expressao polinca criminal, ela sernpre

existiu. Nilo Batista destaca, ja ern Moms, a existencia de uma Politica Cr imi-

na1.1B Basta que seveja 0 seguinte pensamento do citado autor, que bern expressa

a polirica criminal para 0 crime de furto:

"Quando < i l l 0 individuo e apanhado ern furta, obrigam-no, primeiro,

a restiruir 0 objeto furtado ao proprietario e nao ao pr incipe, como e deuso ern outras partes. Os polileristas julgam que 0 furto destroi 0 direito

de propriedade. Se 0 objeto foi danificado ou perdido, 0 valor dele e des-contado dos bens do autor do furto, deixando-se 0 que sobrar do desconto

a sua mulher e filhos. Ele e condenado aos trabalhcs publicos; e se 0 furto

nao e acornpanhado de circunsranciasagravantes, 0 seu autor nao e jogadono calabouco nem posto a ferros; t rabalha, 0 corpo livre e sern entraves."

juristas, A qualquer indebita intromissao do nosso espac;o vital (LEBENSRAUM),

facamos ressoar, em toque de rebate, nossos tarnbores e clarinsl-?

Liszt rnodifica essa perspecriva entao dominante , forternente influenciada

pelo positivismo, criando urn sistema em que se destacava uma permanence re-

lacao entre cnrninologia , poli tics criminal e direito penal. Trata-se do modelo de

ciencia conjunta. Para defender-se das incessantes cnticas de autores pcsitivisras

de desjurisdificacao de. ciencia do Direito, Liszt faz urna concessao; asseverando

que 0Direito Penal (dogmatica) constitui a barreira intransponivel do.politico.criminal. Cabia a politica criminal, ainda que ressalvada efunsiio de preporuie-

rancia tia dogttuitica, clirigir ao legislador recomendacoes e propor-lhe direrivas

em tema de reforma penal. Esta estava dentro de cerro ordenamento juridico-

propositivo, jamais Direiro, Nao e por ourra razao que a Criminclogia e a Pol it ica

Criminal rarameme sao discipl ines nas faculdades de Direito, sendo desterradaspara as faculdades de Ciencia Politic a e Sociologia.

Na segunda rnetade do seculo passado, e em especial com 0 advento do Es-

tado Dernocratico de Direito, e ja sob influxo das teor ias dodissenso no ambito

da criminologia, a ltera-se substancialmente a questao. E que a perspectiva de

"Ccnstrucao de urna sociedade solidaria e justa (art. P, I) que quer erradicar

a pobreza e a marginalizacso" Cart. 1~, III) alca a politica criminal a nao maisexercer urn papel de auxiliar do direito penal, mas sirn de transcendencia face apropria dogmatica . Veja-se que a poli tica criminal passa a ser, nos rermos do art.

64 da LEP,em seus divers os incises, a tarefa do Conselho Nacional de Politica

Criminal e Peni tenciaria (CN'"PCP)cornpreendendo, dent re ourras: estimular a

pesquisa criminologica; propor politicas criminals de prevencao de deliro; sugerir

metas e prioridades da politica criminal e penitenciaria (penal), conforme art. 64,

incises I , IIe III .

Irnportante contribute para tal fenorneno juridico teve a criminologia do con-

fli to , movimento que se inic ia nos a..'10S 60 do secuio passado, com a teoria do Ia-

belling approach, aprofundada pela teoria cnnca de inspi racao marxist a, ja des

anos 70. Pos-se ern relevo ° papel da criminologia como alimentadora da politics

criminal (discipl ina que alca funcao determinante na relacao entre dogrnatica e

criminologia), porquanto passa a ser Ulna ciencia cornpreensiva dos fericmenoscriminais em sua integralidade.

Cesare Bcnesana, Marques de Beccaria, em seu classico D os d el it os e d as p en as ,

propugna uma Pol it ica Criminal Ilurninista: firn da pena de morte; fim da tortura

e das penas infamantes; adrnissibilidade do testernunho da mulher e do conde-

nado; adocao da legalidade penal e da proporcionalidade das penas; adccao daprevencao como forma mais eficaz de cornbater 0 deli to. Eram proposicces que

tinharn a finalidade de desconstrui r os principios absolu ti stas e medievais . Talvez

se possa imputar a Beccaria a condicao de fundador da Poli tica Criminal."

E Franz von Liszt, no entanto , 0 primeiro a dar conrornos rnais ciennficos arelacao existente entre 0 Direito Penal e a Politica Criminal.

Von Lizst escreve em urn contexte do Estado Liberal de Direito. Quesrionava-

se a epoca, dent rc da perspect iva dominants de forte influencia do posirivismo

juridico, os "impulses di le tantes de penet rar no terrene movedico e interditc aju-

ristas das investigacoes de carater politico e cientifico-narural", conforrne pensa-

mente de Karl Binding.P A Pol it ica Criminal era materia de sociologos, pol it icos

au antrcpologos e nao cabia ao penalista sobre ela se debrucar , Ao conrrario, nao

se admit ia a invasao destes estudiosos na esfera do Direi to Penal. Nelson Hungriachega a mencionar que "0 direito penal e para osjuris tas , exclusrvarnente para as

17 JEFFERY, C. E Cr im inology as an i nt erd isc ip li na ry behav io ra l sc ience . Criminology, n' 16, p.

149 , apud Gar cia -Pab lo s de Molina, Ant on io e Gomes, Luis F lavia , Criminologia. 2 . ed. Sao Pau lo :

Revis ta des Tribunals , 1997. p . 105 .

re A pol it ica criminal D 'a Utopia e a Maldicao de Hedionduras i n N o va s rend€ncias do di,eire penal ,

Rio de Jane ir o; Revan, 2004 . p, 117.

l> Moros, Thomas. A uropic. Traducao de Luis Andr ade. Sao Paulo: Arena, 1956. p . 37 .

2 ZtJ-NIGA RODRiGUEZ, Laura. Po l lc i ca cr im ina l . Madr id: Cc iex , 2001. p . 75.

'Assim, sem deixar de ser na essencia uma ciencia ernpirica e inter-

discipliner; com anseio de integracao, 0 seu objero nao e tanto ccnstituido

pelo fen6meno social enquanto ta l, mas reconverte-se em larga rriedida ao

fenorneno juridico-criminal: deixando todavia, par OUtrOlado, de se l imi-

tar estreitamente a invest igacao das causas do faro criminoso e da pessoa

do delinquente, para passar a abranger a totalidade do sistema de apli-

cacao da justica penal, norneadamente as instancias formais (a policia,

2~ DL-\S , Jorge F ig u ei re d o. C p. cit., 2 4.:0 NOVa!; q u e s r o e . s juridico-penClis. Rio de Janeir o: Nac icnal de Di re itc , 1943. p . 15.

Page 5: 01 - Pena e Política Criminal - A Experiência Brasileira

5/10/2018 01 - Pena e Pol tica Criminal - A Experi ncia Brasileira - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/01-pena-e-politica-criminal-a-experiencia-brasileira 5/8

328 Crirninolog ia e es Prcblernas ci a A tual id ad s • S a e.ShecairaPcna e Pclir ica Criminal. A E;;:p.e:i~r..: i. :B.asilei:a 329

o minisrerio publico, 0 ju iz , a adrnin istracao penitenciaria, as orgaosde

reinsercao social e, em definitive, e antes de rodas, a propria lei penal) e

informais (a familia, a escola, as associacoes privadas de ajuda social etc.)

de controle cia delinquencia , para passar a abranger, nurna palavra , 0 in-

teiro 'processo de produc,:ao' da delinquencia.">

.LcriminolOgia, Polig_ca Criminal e [fueiLo P~nal bassa.rn a ser tres esferas que

se articulam entre si como se fossem vasos comurucantes, com licuido miscfvel,o objeto-crime/crimincso e transferido de UIn recipiente a outro, mantendo urnaperfeita ligac;:ao dos vasos cont iguos conectados por dutos que al irnentam a troca

de seu conteudo.

No pensamento de Figuei redo Dias, Antonio Garcia-Pablos de Molina e Zipf

estamos diante nao de uma ir rvasao de esferas, mas de uma otirnizacao da cola:

boracao do direito e da politica criminal." Assim, quando pensamos nas finali-

dades das penas, nao devemos considers-las somente em seus aspectos 1021<::os.• 0

filosoficos ou metaf fsicos - ainda que deles nao devarnos prescindir - mas cons-

mu-les como unidades funcionais a consecucao de propositos, teleologicamente,

conforme a visao constirucional de assegurar a eli rn inacao das diferencas. Se for

verdade, por exernplo, que a prisao acentua a diferenca 'social, devernos utiliza-la

somente como Ultima instancia . Se assirn nao for,0 careers represenrara a mate-ria lizacao de urn modelo que se consolida an-aves do orocesso de "desconstrucao"

e "reconstrucao" continua dos individuos no interior ·da insriruicao penitenciaria.

o pobre se torna crirninoso, 0 criminoso se rorna prisioneiro e, enfim, 0 prisionei-ro se torna pobre.>

E irnportante destacar; neste passe, a proposicao de Claus Roxin, segundo a

qual a dogmatics deveria ser "penerrada" ou "influenciada" per consideracoes

politi co-criminais, 26 denr ro de sua concepcao de "sistema aber to". Segundo tal

perspect ive a pol ir ica criminal passaria a ter uma imporrancia central na propria

dogmatica, auxiliando 0 jurista na operacao de hermeneutics no ambito das ca-

tegorias penais." Semelhante posicao adotou Jorge de Figueiredo Dias, em sua

mais recenre obra, a lrerando substancial rnente a visao express ada anteriormen-

te." 0 me st re p or ru gu es a ss in ala que a posicao de autonomia que a politica cri-

minal adquiri ra anteriorrnenre passa para urna posicao de dominic e mesrno de

transcendencia face a propria dogrnatica. Dessa forma, os concei tos basicos da

dogmatica penal devern, agora, nao sornente ser "penerrados" ou "influenciados",

mas sim determinados e cunhados a partir de proposicoes politico-criminais."

Ern urn pais em que as politicas de Lei e Ordem encontram grande eco juris-

pruderic ial e em que as decisoes estao pautadas por urn brutal- e nada humanista- endurecirnento, ern nome do cornbate a "crirninalidade organizada", autorizar

que 0 juiz tenha sua liberdade decis6ria pautada ate rnesmo em patarnares nao es-

tritamente legais seria perigoso para a seguranca juridica , pois autorizaria a ado-

~a o de politicas crirninais no manuseio das proposicoes concernentes a pena."

Dentro da minha visao, Criminologia, Politica Criminal e dogmatics juridi-

co-penal sao t res ambi tos autonomos ligados em vista do processo de realizacao

da justica penal, em urna unidade teleologico-funcional, Quaisquer movimentos

politico-criminais que atentern conn-a as conquistas de tempos imemoria is devem

ser afastadcs. 0 Estado Dernocratico de Direito devera ser Iimitado por proibi-

c,:6esque garantarn ao individuo a inviolabilidade de direitos pre-politicos, como

a vida e as liberdades, alern da propriedade. Por tanto, tais garantias liberais, ou

negat ives, consistern em deveres pi ibl icos negatives ou de nao fazer. No plano dabusca das garanrias materia ls dos indiv iduos, importa ressaltar que os princip ios

do Estado Dernocratico de Direito devem apontar para programas de descrimina-

lizacao e reducao cia inrervencac punitive estaral."

" 0 trabalho par nos citado C Q u . e s c o e . s jund~menw.is de direico p e n a l revisicadas, de 1999), teve

s ig ni fi ca ti va m od if ic ac ao n a obr a de 2007 CDireito penal ) .

,9 Dir ett o penal . Sao Pau lo , RT,Coimbra : Co imbra Ed. , 2007. p . 34.

3D 0 case r nai s paradi gra ar ico a exp re ss er a p reocupacao com a a ti rude do apa re lho pun iti ve r eve 1r epercus sac i nr er nac iona l. Tra ta -s e do caso da jovem "t', de 15 anos, que ficou encarcerada em

Ulna delegacia de policia de Abaeteruba, Para, por 26 dias. U. foi vitima de esrupros, atentados ._.

ac pudor e rorruras reiteradas per pane de varies presos, tudo cern 0 benep la ci to da' de legada de

polida e da juiza de direito. A cidade, onde cis fates ocorreram, era de pequeno pone. Populares (tinham conhecimenco do fate, Famil iares de presos sabiam de ocorr ido. H a ate quem tenha, em urn

requ in te de sor didez e perver sidade, f ilmado em apa re lho de t ele fonia ce lu la r um des atos sexuais

praticados com viclsncia a adolescence. Nao hoiduvidas, pai s, que a fate era ncror io na local idade. j

Adernais, h a dccument os ccrnpr obatc rio s a indi ca r que car ce re ir os , deiegada , p ro rnot or es e j uiz a

t iverarn conhecimento do ericarceramento ao arrepio da lei , sern que tomassern quaisquer medidas

l egais para imped ir a ocorrencia des resultados delituosos. A pratica de encarcerarnento misto era,

ademais, reiterada e pratica corrente no Esrado do Para. No entanto, mesmo tais fares sendo de

conhecimento publico E, documentadamente, de conhec:i.i11enrodo Judic:iario , ajuiza e me nde u q ue

a permanencia c a adolescence ere. nec:essar..a para i ncuti r nel a 0 temor i: . lei que supostameme a

impedir ia de con ti nua r envalv ida com as pequenos f unos qu e vinha praricandol .

31 Veja-se, sobre 0 te rna, a pensa .' !lemo de Luigi Ferrajoli, Derecho y razon: c e o r i c . de l g o . r o . . . . r i s m o

penal . 3. ed. Tradu~§.o de Perfecto : '~"1dresIbanez et a l. Madrid: Trotta, 1998. p. 860.

zs DlA.S, Jorge de Figueiredo. D i re ii o p e na .l . Sao Paulo: RT,Coimbra: Coi rnbra Ed. , 200i. p, 34.

2< Nesse sentido Z~lGA RODRiGuu, Laura. Pol(cica. c r i m i n a l . Madri d: Ed. Colex, p . 154 -156.

Na dcutr ina nacional, vide 0 pensamento de Juar ez C ir ino des Santos, A m od em a reoric do jato

P l . 1 .oivel . Rio de Janeir o: F re it as Bast es , 2000. p . l.

:IS GIORGI. Alessandro de. A miseria goverruuia atrave.s do s is te m a p e na l. Rio de Janei ro: Revan,2006. p. 45. .

1.6 Faunce!. c ri mi na .l e s is te m c j w id ic o p en al . Rio de Janeiro: REnovar, 2000. p . 22.

21 Na exat a d ic~ao do autD, a le :nae : "Auni dade s is tema tic a ent re poli ti cz c rim in2. 1 e d ir ei to penal ,

que no meu e.. .'1tender rambem deve s er re ali zad" no. consrmcao de. t eon" dD deli to . e so:neme 0

cumpnrnento de u.'1la r arda que e colocada a todas as eSferas 'de nossa orde:w ju. -idi~a." Op. cit.

j

iI

II

II

Page 6: 01 - Pena e Política Criminal - A Experiência Brasileira

5/10/2018 01 - Pena e Pol tica Criminal - A Experi ncia Brasileira - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/01-pena-e-politica-criminal-a-experiencia-brasileira 6/8

33 0 Criminclogia e a s P r o b l em a s 02 Arua ii dad e • 5a e ShecziraPena e Politica Criminal. A Experiencia Brasileira 331

3 Finalidades arribufveis a s penas e a razao de punir Apar da prevencao especia l deve ser lernbrada a teoria da prevencao geraL Ela

preY€:os efeitos intimidatorios da pena sobre a generalidade das pessoas, aternori-

zan do os possrveis infratores, a fim de que estes nao cornetam nenhurn deli to .

Esta ideia apresenta urn grave defeito: tende a criar urn clirna de terror

(cuanto maior a pena, teoricamente seria mais ef icaz a prevencao). Alern disso,

como justif icar q~e a pena seja impcsta a uma pessoa pensando-se unicarnente

nos efeitos que possam atingi r urn terceiro? Cada novo crime nao seria a negacao

cabal de eficacia desta teoria?

Seu grande rnerito esta em per enfase no processo educative da sociedade,

fazendo com que sociedade tenha urn processo de constante aper feicoamento

decorrente da experiencia t raurnatica do crime.

Da cornbinacao entre os diferentes aspectos das correntes acirna.mencicna-

das surgem teorias rnisras ou ecleticas. Estas, no mais das vezes, preveern a pura

justaposicao das diversas teorias dest ruindo a logica imanente a cada concepcao,

como tambern aurnentando 0 ambito de aplicacao da pena, convertendo a rea-

<; :2 .0snal esta tal em meio ut il izavel para sanar qualquer infracao a no~a. l:to

quebra a ideia de que 0 direi to penal deve ser uti lizado como ultima rczto. Nerodisso, como, par exemplo, rnisturar uma teoria que nega fins Iipena com outras

que atribuern fins a ela?

Das teorias mencionadas, varies aspectos podern ser resgatados. A prevericaogeral pede ser encarada pelo seu lado positive; nao pela gravidade da pena - que

irnporia urn dever moral de gradua-la ao maximo -, mas como resultad~ de efi-

caz aruacao da justica e da ccnsciencia que a sociedade passara a ter score esta

realidade. A norma deve ser; pais, estimulada em seu cumprimento, sendo esse

urn processo de formacao do-povo, corn opor tunidades de assimilar os valoresbasicos da scciedade, Esta prevencao geral positiva, de que no s fala Hassemer,pode ser assim apresentada: reacao estatal ante fares puniveis para protecao da

consciencia social da norma; ajuda ao ageme do delito para reinsercao social; e a

Iirnitacao dessa ajuda imposts por criterios de proporcionalidade." "\ \\ - "

Dos anos 90 para ca, foram editadas varias leis que maxirnizaram a i n t e r - l ; > i V " ' \ J ( 1 fvencao puni tiva , adO.and~-se uma ideia segundo a qual 0 ~feito d~ss~as_6rio.pe- ~9J\N.nal e rnuito eficaz. Podenamos elencar, dentre outras: Lei de Crunes Hedicn- ~

des (8.072/90) que aumentou penas de esrupro, atentado ao pudor, Iatro cinio , < < .extcrsao mediante secuestro, bern como dificultou a concessao do livramento (jtcondicional, inicialrnente prcibiu a pro~e_ssao do regime..: .~ e m d.~ impor c,on_di:' \. ,~\}

~6es abso1utamente malS gravosas de pnsoes caute ..ar.es. .l:'01modmca~a pela Lel~,~"j8.§30/94-, que inclui a hornicidio no rol de cri.mes-he-d:IOriCl'Os]pela LeI 9.677/98, . ).;

oue inciui a falsif icac.ao de remedios e cosmeticos no ro1 de hediondez. A contra-

- ;en~ao de porte de ~rma de fogo foi transforrnada em crime pela Lei 9.43~/9!,

posterior:nente raodificada pela Lei 10.826/2003. Novameme tem-se c.na<; :ao

No ambito das finalidades atriburveis as penas, sao recorrentes a ideia de

rerribuicao, prevencao geral e prevencao especial. A prirnei ra teoria a apresentar

essa explicacao e a absoluta ou rettibuiiva.

Para Hegel, em sua conhecida formulacao dialetica, a pena e a negacao da

i}egac;:aodo direito. Ela e uma exigencia de justica e se funda na pura ret ribuicao,E urn fi.m em si rnesma e na o serve a qualquer outro proposito que nao seja 0 de

recompensar 0mal com 0 mal (fundarnemo metafis ico kanriano). Nao rem, pois ,

uma finalidade, se consider-ada objetivamente . 0 exemplo ut ilizado para i lusrrar

ta l ideia imagina urna sociedade civ il que vai se dissolver. Nessa ci rcunstancia,

o ultimo assassino deveria ser executado, para que nao pesasse sobre 0 povo a

culpa par nao ter insistido na execucao,

Ta l teoria e crir icada por muitos autores. Claus Roxin afirrna que nao pode

se adrnitir este fundamento, pois e urn mere ate de fe, que prescinde, pois, de

racionalidade.> A retribuicao cornpensadora, adernais, nao e ccnsentanea com 0

Estado Dernocratico de Direito - que respeita a dignidade hurnana - pois e im-pensavel que alguern possa pagar urn mal cornetido com urn segundo mal, que ea expiacao atraves da pena. Assim, dentrc da visao de Claus Roxin (que aqui se

adota), tal postura nao e comparivel com 0 Estado Dernocratico de Direi to , per-quanto atinge 0 dogma iluminista da R.A.zAO.

Em oposicao Ii teoria absoluta (ou retriburiva), surgem as teorias que pre-

veern uma eferiva finalidade para a pena. Sao as charnadas teorias relatives. A

pena se explica par seus efeitos de p r ey e n~a .o e s pe c ia l e g e ra l.

A prevencao especial justifica a aruacao da pena sobre 0 agente, para que

este nao vol te a del inqi li r. Isto ocorre da seguinte forma: corrig indo 0 corrigrvel.

Inrimidando 0 intimidavel e neutralizando 0 incor rigivel e aquele que nao e in-timidavel. 33

Algumas criticas podem ser forrnuladas a esta tecria. Ha delinquentes que

por si so nao carecern de "ressocia lizacao' ', aos quais e possivel urn seguro diag-

nostico de nao-reincidencia (hornic idas passionais , p. ex.). A prevencao especial ,

alern disso, pode representar uma ideia absolutista, arbitraria, ao querer impor.uma verdade unica, uma determinada escala de valores e prescindir da divergen-

cia, ta o care. a s modernas dernocracias,

Suas qualidades, par outre lade, sao destacadas par muitos autores. Esta

teoria tern urn Carate! hurnanista, pois poe urn acento no individuo, consideran-

do suas particularidades, pe... 'TIl.i tindouma melhar individualiza~ao do remedio

penal. Alem dis50, sua arua;:ao espedfica perrnite 0 aperfei<;oamerrto do trabalho

de reinsen;:ao social.

0 P ro bl em as J tm d am e nt ai s d e d ir eir o penal . 3. ed. Traducao de AI, e. Pau la dos Samos L. Namc:he-

U!.detz et a1.,Lisboa: Vej", 1998. p. 19: .

J' Claus Rcxin, Frob l emas j undamemCi . i . 5 d e d i r ei to p e n al , p. 20.

0' Wil lbec i Hasse rner, F ines de 12 . pena en el derecho penal de oriemaci6n cientifico-wd2.1, in

D e re ch o p en ai y ciencia.s soclale.s. Ec.:c:elona: ~d. de S an ti ag o M ir , 1982. p. 137.

Page 7: 01 - Pena e Política Criminal - A Experiência Brasileira

5/10/2018 01 - Pena e Pol tica Criminal - A Experi ncia Brasileira - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/01-pena-e-politica-criminal-a-experiencia-brasileira 7/8

de crimes e aurnento de penas. A Lei 9.503/97 insriruiu 0 C6digo de Transite

Brasileiro, cr iando novos cr imes ( racha, p. ex.) aumentando penasde conduras

descritas anteriormente como contravencionais (direcao sern habil itacao) e au-

memando penas dos crimes previstos no CP (hornicidio e lesao corporal culposa

no transite). Na esfera do meio ambience, e aprovada a Lei 9.605/98, com novas

tipificacoes penais. No plano dos Direitos Humanos, cr ia-se a Lei 9.455/97, em

que se define a conduta de tortura, com penas que podem chegar a 16 anos. ALei

Afonso Annes (1.390/51) e duas vezes modificada. Prirneiro pela Lei 7.437/85e, depois, pela Lei 7.716/89, com as condutas discriminatorias passando a ser

consideradas como crimes, com penas de ate cinco anos de reclusao. 0 assediosexual e crirninalizado (Lei 10.224/01) . A Lei 11.340/05 agrava as penas, com

a adocao de mecanismcs para coibir a violencia dornestica. A antiga Lei de En-

torpecentes e substiruida pela Lei 11.343/06, que tern, dentre cutras medidas,

o agravamento da conduta do trafico i lic ito (que e equiparado aos hediondos).

Todas estas leis maximizaram a intervencao punitiva, no ambito da crirninalidade

de massas. Sern falarrnos em cutros cr imes dererminados par novas legislacoes

na esfera da ordern econcmica, financeira, tributar ia e relacoes de consume. E,

em Ultima instancia, ainda que nao exatamente no mesmo contexte, aquilo que

Jesus Maria Si lva-Sanchez denomina de "Expansao do Direi to Penal" ."

Em sentido inverse, forarn descriminalizados 0 adulterio, a seducaoe 0 raom

c0rlscnsual (crimes pouco apl icados no Judiciario, sem relevancia na aplicacaoifraoca), arnpliou-se 0 leque de penas alternativas (Lei 9.714/98) com alcance de

ate quatro anos e implantou-se urna lei corn normas penais e processuais para os

crimes de rnenor potencia l ofensivo (Lei 9.099/95, L ei dos Juizados). Pouco rnais

do que isso foi feito em vinte anos.

o resul tado desse longo processo, agravado com leis processuais mais repres-

sivas e com a conduta do Poder Judiciario, em regra rnais restririva, foi 0 alarga-

mente do encarcerarnento.

A Pena Privariva de Liberdade t ransforma-se na principal resposta conhecida

pelo Judiciar io. Cabe sua utilizacao de urn furto de xarnpu acs crimes de transi-

to, rnuitos dos quais levados a juri por se entender haver dolo eventual! Nao e

incornum, j;:i se pede ver isso, a existencia de adolescentes encarcerados junto a

criminosos adultos.

Qual a conseqiiencia disso?

Sera. que 0 encarcerarnento em massa nos conduzi ra a erradicacac da po-

breza e a urna sociedade mais justa , conforme determina a Constitui t; :ao?36 Sera

ss A e xp an si io d o d ir ei ro p en al : a sp ec to s de po ! (c i ca cr imi_nal ncs scci£dade. s pOs-L,du.scr iais . Traducao

de Luiz oravio de Oliveira Rocha. Sac Paulo: Revis ta dos Tribunais , 2002. especia lmente , p. 75-93.

36 0 encarceramento faz crescer a desempregc, pois criara, para 0 egressc, piores condicoes de

reinsercso social 010 rnercado, rornpirnentcs famil iares e cornuni rarios . BECKE i 1,Katherine; WEST-

ERN, Bruce . Cr ime cont ro l, ame ric an s ty le : fr om soci al welf are t o soci al cont rol . in : Cr im i na l p o li c y

in cransicior. . Oxford: Ea." Publishing, 2000. p. 16.

Pena e Politica C ri mi na l. A Experie ncia 3 r a ;He i r i S . 333

que 0 conceito de pena como prevencao geral - aqui usada em sua vertente

negative - nao foi usada em urna perspectiva extrernada, a ponte de criar ano-

rnalias e assimetrias socials?

Na o por o ut ra ra za o 0 CNPCp, no novo Plano Nacional de Politico. Peniten-

ciaria sugere, dentre outras rnedidas d e politica criminal, a s refcrmas ponruais d e

Cp,CPP e LEP; a necessidade de busca de mecanismos de reducao dos elevados

indices de pres os provisorios: busca par alrernativas a politica de encarcerarnen-to, ate porque a grande variacao positiva de encarcerarnenro nao dirninuiu 0

indice de cornetimento de crimes, por sis6 (Docurnento aprovado no.reuniao de

10-9-2007).

Nao Lemos uma unica pol it ica criminal no Estado brasileiro, mas varias, que

se anularn todas por sua irracionalidade. Nao Lemos uma (mica finalidade da

pena curnprida no arual cenario brasileiro, pois tudo aquilo que se tern como

cientificc em relacao a s penas, nada rnais se ccnsubstancia do que urn 56 inte-

resse encarcerador autcfagico. Somos, pois, a antitese da Razao, seja a razao

i luminista, seja a Razao Divina. Valores iluministas como liberdade, igualdade

e fra tern idade reviverarn oucras luzes, As luzes dos cidadaos livres e iguais, que

an ulam as d iferen cas e se irmanam. As luzes que n ao f az er n c on ce ss oe s aos que

bajulam os poderosos. As luzes daqueles homens que nascem livres e que portcda parte encontrarn-se a ferros. As luzes daquele que se ere senhor dos demais

e que nao deixa de ser rnais escravo do que eles.

4 A guisa de conclusao

Os pensadores classicus afirmavam que a etica, cujo modo era a virtude e

cujo firn era a fel ic idade, real izava-se pelo cornportamento virtuoso entendido

com a ac;:aoem conformidade corn a natureza do agente e dos f ins buscados por

e le . A f irma vam t am b er n que 0 homem e, por natureza, ur n ser racional e que,

portanto, a virtude ou 0 cornportamento etico e aquele no qual a razao cornanda

as paixoes, dando normas e regras a vontade para que esta possa deliberar cor-

retamente. 0 adagio classico - agir virruosarnente e agir em conforrnidade coma natureza - , 0 adagio cristae - agir virruosamente e agir em conforrn idade com

a vontade de Deus -, 0 adagio ilurninista - agir virruosamente e agir em confer-

midade com a razao -, 0 adagio rnarxista - agir virruosamenree agir ern COD-

formidade com a maior ia - indicam diferentes carninhos para se chegar a ericades valores. Erica no sentido do.verdade virtuosa do ideario cosmopolite, publico,

plural e igualitario.

H. G. Wells, em seu como A tetra. dos cegos, narra a odisseia de urn hom em

de visao normal que tenta convencer uma populacao de cegos de que possui lL"'!1

sentido do qual ela e desprovida; e le fracassa e , por fim, decidern 05 cegos que se

m e deviam arrancar os clhcs para cura-lo dessa i lusao. 0 rnesmo se dolcom a (ra-

Page 8: 01 - Pena e Política Criminal - A Experiência Brasileira

5/10/2018 01 - Pena e Pol tica Criminal - A Experi ncia Brasileira - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/01-pena-e-politica-criminal-a-experiencia-brasileira 8/8

~ 3 3 4 Crirn~.:.t:)Ic-giC! e as Prc ble m a s da Aru alicade • S ,A e S h ec < li r n

cional) politica criminal: se a maio ria des homens for cega para a TaZaO que deve

ernbasar a politica criminal, a sina dos que possuem a razao rem probabilidade

de SeT semelhance a d o h om er n que ve, do canto d e We ll s.

E hora de concluire 0 fazemos com as palavras iniciais do Evangelho de

Sao Joao: "No principia era 0 Verbo, e a Verbo estava junto de Deus e 0 Verba

.era Deus."37 "In principia erat Verbum." Verbo como alma, chama e acao, ver-

ba como palavra que ex..pressa a principio ativo. Verba como luz que nos guia.

Verbo como a mao que nos conduz. Verba como guia racional dos nossos atos.

Verba como Razao e Verdade. Verbo como caminho a seguir para atingir a digni-

dade dos cidadaos brasileiros. verba para uma verdadeira polir ica cr iminal, que

possa perrni ti r realizer as finalidades dernocraricas que se atnbuern a s penas:

37 N o v o T e st am e n co . Sao Paulo: Ave Maria, 1969. p, 175. Pondere-se, c om o r es sa it a A lv in o Au-

gusto de Sa , em correspondencia a nos enderecada, que quase tcda a discussao de Jesus com as

dcucores da L ei e com os fariseus se faz no senrido de que eles pregam uma lei cega, automatizada,

puramenre exteriorizada, "da boca para fora", sern que entendarn a fundo 0 que signi fies esse. lei ,

a pcnrc' de aplica-la de forma irracicnal e imprcduriva. Urn texto que ilustra bern a critics de Jesus

ao lega li smc h ipoc ri ra dos f ar is eus ( que poderia ser tide, a guis a de ccr npar acac, como expre ss ao

de u rna "po lit ica " de l egal idade pur amen te vclt ada a acao), ao charnadc "farisaismo", e a Capitulo23 de Sao Mateus.