01 - lindb - das pessoas

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Direito Civil O presente material constitui resumo elaborado por equipe de monitores a partir da aula ministrada pelo professor em sala. Recomenda-se a complementação do estudo em livros doutrinários e na jurisprudência dos Tribunais. 1 www.cursoenfase.com.br Sumário Bibliografia ...................................................................................................................... 2 1. LINDB ...................................................................................................................... 2 1.1 Revogação expressa – CC/2002 e CC/1916 ...................................................... 2 1.2 Revogação parcial – CC/2002 e Código Comercial ........................................... 3 1.3 Revogação tácita ............................................................................................... 3 1.3.1 Ultratividade da norma antiga .................................................................... 5 1.3.2 Retroatividade da norma nova .................................................................... 6 2.3.2.1. Lei nova com conteúdo de ordem pública – ADI 493 e ADPF 165 ..... 7 2. Parte Geral ............................................................................................................ 10 2.1 Das pessoas ..................................................................................................... 15 2.1.1 Personalidade – sentido subjetivo ............................................................ 15 2.1.1.1 O nascituro ......................................................................................... 16 2.1.2 Personalidade – sentido objetivo .............................................................. 24 2.1.3 Pessoas naturais ........................................................................................ 25

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Comentários à Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, prepara pelo Curso Ênfase.

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Direito Civil

O presente material constitui resumo elaborado por equipe de monitores a partir da aula

ministrada pelo professor em sala. Recomenda-se a complementação do estudo em livros

doutrinários e na jurisprudência dos Tribunais.

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Sumário

Bibliografia ...................................................................................................................... 2

1. LINDB ...................................................................................................................... 2

1.1 Revogação expressa – CC/2002 e CC/1916 ...................................................... 2

1.2 Revogação parcial – CC/2002 e Código Comercial ........................................... 3

1.3 Revogação tácita ............................................................................................... 3

1.3.1 Ultratividade da norma antiga .................................................................... 5

1.3.2 Retroatividade da norma nova .................................................................... 6

2.3.2.1. Lei nova com conteúdo de ordem pública – ADI 493 e ADPF 165 ..... 7

2. Parte Geral ............................................................................................................ 10

2.1 Das pessoas ..................................................................................................... 15

2.1.1 Personalidade – sentido subjetivo ............................................................ 15

2.1.1.1 O nascituro ......................................................................................... 16

2.1.2 Personalidade – sentido objetivo .............................................................. 24

2.1.3 Pessoas naturais ........................................................................................ 25

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Bibliografia

Para 1ª fase: recomenda-se leituras objetivas (obras sistematizadas e manuais em

volume único) e informativos de jurisprudência. Sugestão: Carlos Roberto

Gonçalves, Flávio Tartuce (doutrinador mais controvertido) e Cesar Fiuza.

Para a 2ª fase: recomenda-se a leitura de manuais. Sugestão: Curso de Direito

Civil de Carlos Roberto Gonçalves.

Para MPF (2ª fase): Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves, Pablo Stolze. Obra

complementar: Código Civil Interpretado, Gustavo Tepedino.

1. LINDB

O tema central deste tópico é a discussão da ADPF 165 que tramita no STF, ainda

pendente de julgamento, o MPF já apresentou seu parecer. Versa sobre a eficácia da norma

nova em relação a situações pré-existentes (ato jurídico perfeito). Antes de analisar a ADPF

em si é preciso tecer considerações sobre o tema.

1.1 Revogação expressa – CC/2002 e CC/1916

Parâmetro: tínhamos lei anterior (CC/1916) e passou-se à norma nova (CC/2002)

revogando a norma anterior. O CC/2002 passou a existir e tornou-se público a partir de sua

existência, em tese, se tornou apto a produzir efeitos e começou a vigorar. E o CC/1916

permaneceu vigente até que o CC/2002 o revogou expressamente.

Vale lembrar que não sendo a lei temporária, esta lei terá vigor até que outra,

posteriormente a revogue de forma tácita ou expressa (art. 2º, LINDB). Sendo assim, o

CC/2002 expressamente revogou o CC/1916.

LINDB. Art. 2º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a

modifique ou revogue.

§ 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com

ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.

§ 2º A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes,

não revoga nem modifica a lei anterior.

§ 3º Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei

revogadora perdido a vigência.

Além de expressa a revogação do CC/1916 foi total, houve uma ab-rogação, o

CC/2002 não faz ressalvas a partes do CC/1916, significa que todo o CC/1916 fora revogado.

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1.2 Revogação parcial – CC/2002 e Código Comercial

Já o antigo Código Comercial sofreu uma revogação parcial, também expressa.

Tramita no Senado um projeto de lei que pretende criar um Código Comercial e assim

separar o Direito Civil do Direito Comercial, trata-se do PLS 487.

Chegou-se a conclusão de que usar a mesma base de teoria geral dos contratos e das

obrigações tanto para relações civis quanto empresariais foi desfavorável ao direito

empresarial, pois no empresarial demanda-se maior liberdade e menor intervenção do

Estado.

Como CC trouxe muitas normas de ordem pública, de intervenção obrigatória do

Estado nas relações econômicas (função social do contrato, boa-fé objetiva, princípio da

conservação), como há muitas normas que exigem a intervenção estatal, houve a ideia que

fosse útil uma separação, para que houvesse menos intervenção do estado juiz e estado

legislador, para que as partes contratantes tenham mais liberdade para que as partes

possam convencionar os seus conteúdos, sem o risco de que o Judiciário reveja/modifique

aquele conteúdo revelia da vontade da parte.

Na prática, isto resgataria o pacta sunt servada e outros princípios tradicionais. Não

obstante, hoje temos a vantagem de um estrutura única que vale para os dois ramos, os

princípios regentes servem aos dois, isto facilita o estudo, mas pode mudar amanhã.

1.3 Revogação tácita

Então houve uma revogação expressa e total do CC/1916, e uma revogação parcial

do Código Comercial, esta também expressa.

Porém, outras normas também foram atingidas pelo CC/2002 de forma tácita, se dá

em dois casos: a) o CC como lei nova tratou determinada matéria de forma diversa da lei

anterior (revogação pela incompatibilidade) ou b) o CC dispôs de forma integral de tema que

era tratado por lei anterior (que perdeu sua função).

Seguem dois exemplos de revogação tácita:

Exemplo1: art. 4º da Lei n. 9434/97 e o art. 14, CC. A referida lei rege a disposição do

corpo humano (doação de órgãos). Ambos os diplomas versam sobre direitos da

personalidade e o tratamento do art. 14, CC foi diverso do que havia na lei anterior.

CC. Art. 14. É válida, com objetivo científico, ou altruístico, a disposição gratuita do

próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte.

Parágrafo único. O ato de disposição pode ser livremente revogado a qualquer tempo.

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Lei n. 9434/97. Art. 4o A retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoas

falecidas para transplantes ou outra finalidade terapêutica, dependerá da autorização

do cônjuge ou parente, maior de idade, obedecida a linha sucessória, reta ou colateral,

até o segundo grau inclusive, firmada em documento subscrito por duas testemunhas

presentes à verificação da morte. (...)

Perceba que o art. 4º da Lei n. 9434/97 exige a anuência do parente e enquanto que

o art. 14, CC privilegia o desejo da pessoa ainda em vida em dispor do próprio corpo.

Quando o art. 14, CC diz que é válida a disposição do próprio corpo está conferindo a

manifestação de vontade do sujeito validade e consequentemente eficácia e dispensa a

anuência do parente. O CC não trata inteiramente da matéria, a Lei n. 9434/97 é bem mais

completa, porém o CC é posterior e trata da matéria de forma diversa.

Incorre-se em erro ao pensar que o CC é norma geral e a Lei n. 9434/97 é norma

especial sobre transplante e, portanto prevalece a norma especial. Quando se diz “lex

posterior generalis non derogat legi priori speciali” lei neste caso não tem sentido de

diploma legal, mas sim de dispositivo legal.

Conclui-se que o art. 14 CC tratou especificamente sobre a validade da manifestação

de vontade da pessoa sobre a doação de seus órgãos para depois da morte. A previsão seria

genérica se o dispositivo dissesse, v.g., que “são válidas as manifestações de direito de

personalidade desde que não colidam com outras regras de ordem pública”.

O legislador, ao tratar especificamente este tema, o fez de maneira diferente de

como fazia a legislação anterior sobre validade e eficácia da manifestação de vontade na

doação de órgãos e tecidos. Neste aspecto a lei nova não é geral e por isto revogaria a

anterior.

Juridicamente a posição doutrinária predominante é a de que o art. 14, CC prevalece

sobre o art. 4º da lei anterior. Enunciado n. 277, CJF:

CJF. 277 – Art.14. O art. 14 do Código Civil, ao afirmar a validade da disposição gratuita

do próprio corpo, com objetivo científico ou altruístico, para depois da morte,

determinou que a manifestação expressa do doador de órgãos em vida prevalece sobre a

vontade dos familiares, portanto, a aplicação do art. 4º da Lei n. 9.434/97 ficou restrita à

hipótese de silêncio do potencial doador.

De modo que a interpretação agora é a seguinte: é válida a manifestação em vida

para a disposição do corpo após a morte, somente será necessária a manifestação dos

parentes quando não houver manifestação alguma.

Embora na prática as instituições de saúde continuem a colher o consenso afirmativo

dos familiares em todos os casos, também chamada de anuência afirmativa pela retirada de

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órgãos e tecidos da pessoa já falecida. Este foi exemplo de modificação tácita da norma

nova.

Exemplo2: condomínio edilício, art. 1331, CC e seguintes. Antes do CC/2002 o

condomínio edilício era regulado pela Lei n. 9591/64. O CC/2002 tratou de maneira integral

a matéria de condomínio edilício: instituição, constituição, regulamentação e da extinção,

passando pelos direitos, deveres e órgãos representativos. Sendo assim, o CC/2002 revoga a

tacitamente a parte da lei que versava sobre condomínio edilício, permanecendo apenas

condomínios especiais e incorporação imobiliária.

Em resumo, o CC/2002 é exemplo de revogação total e expressa ao revogar o

CC/1916; é exemplo de revogação parcial e expressa ao revogar o Código Comercial; é

exemplo de revogação/modificação tácita por tratamento diferente de uma matéria (art. 14,

CC) e por tratar inteiramente de outra (condomínio edilício).

1.3.1 Ultratividade da norma antiga

O fato do CC/1916 ter sido revogado (retirada a vigência) significa que não produz

mais nenhum efeito?

Embora normalmente a vigência corresponda ao momento de eficácia de uma

norma, isto não significa que sejam a mesma coisa. Assim, v.g., o art. 16, CRFB diz que a

norma eleitoral nova tem a sua vigência em determinado momento, mas só produz efeitos

na eleição subsequente, a eficácia é posterior.

CRFB. Art. 16. A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua

publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência.

Por outro lado, o CC/1916 embora não tenha mais vigência, ainda é eficaz para certas

e determinas situações, v.g., art. 138, CC/2002, enfiteuse:

CC. Art. 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade

emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência

normal, em face das circunstâncias do negócio.

Significa que o CC/1916 não está mais vigente, mas continua a produzir efeitos, existe

aqui uma ultratividade da norma.

Outro exemplo: art. 2035, caput, CC/2002:

CC. Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da

entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art.

2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele

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se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de

execução. (...)

Então, a análise dos elementos de validade e existências de um negócio jurídico é

feita com base na lei vigente a tempo em que aquele ato foi celebrado. Significa que a

norma revogada ainda produz efeitos, porque há relações jurídicas nascidas no passado que

dependem dela.

1.3.2 Retroatividade da norma nova

Ponto de prova: Se por um lado não há maiores controvérsias sobre a

ultratividade de uma norma revogada que ainda pode produzir efeitos após a

revogação, por outro lado é controverso discutir a retroatividade dos efeitos dela,

admitir a eficácia de uma norma sobre situações anteriores à sua vigência.

Para tratar desta questão de retroatividade utiliza-se o art. 6º, LINDB e do art. 2035,

CC/2002, permeados pelo art. 5º, CRFB (segurança jurídica).

LINDB. Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico

perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. (...)

É uma questão de segurança jurídica que a lei nova, embora produza efeitos após a

entrada em vigor, respeite as situações pré-existentes, não retroagindo para não

comprometer aquilo que já se adquiriu como direito, aquilo que já se consumou como ato

jurídico, ou aquilo que já transitou em julgado.

O art. 2035, CC versa sobre validade dos negócios jurídicos, mas subentende-se tratar

também de existência, segundo duas correntes que desembocam no mesmo lugar: 1) o

plano de existência é anterior ao plano de validade, ora só há validade se houver a admissão

dos elementos de existência (argumento de adoção majoritária – Pontes de Miranda); 2) a

validade é o que importa, pois o plano de existência não teria relevância para ser tratado de

maneira autônoma, então tudo o que diz respeito a existência estaria contido na discussão

da validade (argumento de adoção minoritária – Silvio Rodrigues).

Por um caminho ou por outro, chega-se à mesma conclusão: o art. 2.035 ao tratar de

validade dos negócios jurídicos está tratando de validade e de existência.

Existência e validade são apreciadas com base em que lei?

Segundo o art. 2035, CC com base na lei em que o ato foi praticado, tempus regit

actum. Leva-se em consideração o momento da celebração do ato, o momento em que foi

concluído ou praticado. Ocorre que nem todos os atos tem eficácia instantânea, grande

quantidade de atos possui eficácia diferida no tempo, eficácia continuativa. Então, o plano

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de eficácia nas relações continuativas cujos efeitos são de trato sucessivo, é o ponto de

discussão. O ato por ter sido originariamente em um momento, mas os efeitos só ocorram

posteriormente. Aliás, pode ser que os efeitos só ocorram depois da entrada em vigor da lei

nova. Neste caso, o art. 2035, CC dispõe que:

CC. Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da

entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art.

2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele

se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de

execução.

Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem

pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da

propriedade e dos contratos.

Tanto o art. 2035, CC quanto o art. 6º da LINDB tratam do mesmo tema: eficácia

imediata da lei que entrou em vigor, tudo que ocorrer dali em diante submete-se a lei nova,

porém, há uma ressalva, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de

execução. É justamente o que diz o art. 6º da LINDB ao dispor respeitado o ato jurídico

perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. Ou seja, se as partes previram expressamente

o modo como aquele efeito deveria ser tratado, mesmo entrando em vigor a lei nova, o

efeito respeitará o ato jurídico perfeito. É preciso respeitar o que as partes convencionaram.

Porém, se as partes silenciam sobre os efeitos, estes serão regidos pela lei vigente no

momento em que o efeito se consumou. Assim, a lei nova regerá o efeito que ocorrer sob

sua vigência.

Exemplo: as partes previram as obrigações, a possibilidade de mora, mas não

regularam os encargos moratórios, deixando os encargos serem definidos por lei. Neste caso

se a mora ocorrer sob a lei nova, será regulada por ela (periodicidade do juros de mora e

etc.). Agora, se o período de mora for anterior, será regido pela lei anterior (os juros de mora

eram de 6% ao ano, então a mora compreendida no período da lei antiga será de 6% ao ano,

entrando em vigor a lei nova, os juros passaram a ser de 12% ao ano, ou taxa SELIC para

outros a depender da interpretação).

2.3.2.1. Lei nova com conteúdo de ordem pública – ADI 493 e ADPF 165

A discussão é o art. 2035, p.u., CC, quando a lei nova tem conteúdo de ordem pública

e não conteúdo dispositivo.

Quando o conteúdo é dispositivo, não há divergência, às partes caberá afastar a

regra geral. Porém, quando a lei nova é de ordem pública e de conteúdo

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obrigatório, as partes terão que se subordinar a ela ou continuar a valer o que

anteriormente convencionaram?

CC. Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da

entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art.

2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele

se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de

execução.

Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem

pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da

propriedade e dos contratos.

No plano de validade, se uma convenção das partes contraria uma norma de ordem

pública vigente naquele momento, estar-se-á diante de uma nulidade absoluta, ora se havia

uma norma de ordem pública de caráter cogente vigente no momento da celebração do ato

e esta norma não foi respeitada é hipótese de nulidade.

Outra situação é quando esta norma de ordem pública não existe no momento do

contrato, lá na frente (o ajuste ainda valendo, pois é uma relação continuativa) entra em

vigor uma lei nova, com novo comando cogente e determina os efeitos dali em diante.

Caso as partes tenham silenciado quando a forma de execução, a lei nova

preenche a lacuna com caráter coercitivo. Mas se as partes convencionaram e na

época era válido o acordo, a questão que fica é: esta norma inter partes (ato

jurídico perfeito) permanece eficaz (não há que se discutir nulidade) ou diante da

lei nova de ordem pública esta convenção perde a eficácia dali para frente?

Esta questão foi tratada no início da década de 1990 pela ADI 493, STF, relatoria do

Min. Moreira Alves. Naquele momento discutia-se a incidência da taxa referencial (TR) em

contratos de financiamento habitacional (CEF e BNH).

A interpretação do STF naquele momento foi: 1) existe uma lacuna naqueles

contratos que dispunham simplesmente que as prestações eram reajustadas conforme as

regras vigentes para a poupança. A solução foi aplicar a lei antiga até o advento da lei nova,

e aplicar a lei nova dali para frente. A lacuna é preenchida pela lei vigente ao tempo do

reajuste e não ao tempo da celebração. 2) Já nos contratos em que se previu o índice de

reajuste, previu expressamente o modo de reajuste, não poderia a lei nova impor outro

modo de reajuste que não mais estipularia índices de inflação, mas sim taxa de juros (a TR é

uma combinação de taxa de juros). Não poderia o reajustamento pelo índice de inflação

passar à taxa de juros, quando as partes tinham previsto outra coisa.

A ADI 493 disse que nenhuma lei pode retroagir para afastar o que se convencionou

validamente no passado, mesmo que seja para regular os efeitos futuros. Se as partes

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convencionaram validamente, deve-se respeitar o ato jurídico perfeito sob pena de

inconstitucionalidade.

No início da década de 1990, o STF entendia que qualquer tipo de retroatividade

(mínima, média ou máxima) é inconstitucional se as partes previram expressamente o modo

de execução.

Pois bem. De lá para cá este pensamento vem sofrendo modificações:

i) Passou-se a entender que as normas de ordem pública teriam eficácia imediata,

geral e imperativa sobre as situações vincenda, alcançando todas as situações posteriores a

ela. O que significa que a convenção deixa de ser eficaz com a nova lei (desde que a relação

seja continuativa – trato sucessivo).

Justificativa para esta posição: as novas obrigações nascidas na vigência da lei nova

não podem ser incompatíveis com ela quando esta é de ordem pública, caso contrário o

interesse público ficaria subordinado ao interesse individual. Ora, a nova lei (com normas de

ordem pública) pretende estabelecer um conteúdo programático para zelar pelo interesse

comum de toda a coletividade e fica-se preso a um contrato individual incompatível.

Exemplo1: os contratos de locação que tinham previsão de ajuste semestral passaram

a ser reajustados de forma anual, porque a lei nova estabeleceu que não haverá mais

reajuste semestral e sim anual. Dali para frente será anual. Os reajustes pretéritos serão

respeitados, os períodos aquisitivos já em curso serão respeitados, mas os novos períodos

de reajustes iniciados já sob a vigência da lei nova serão regulados por ela e terão período

aquisitivo anual, mesmo que isto tenha sido pactuado de forma diferente lá atrás, porque a

supremacia do interesse público traz uma norma cogente e imediata para atingir situações

vincendas.

Exemplo2: a multa condominial. A convenção de condomínio, com base na lei

anterior, dizia que a multa era de 20%. Se o inadimplemento ocorreu na vigência da lei

antiga a multa será de 20%. Porém, se o inadimplemento ocorreu na vigência da lei nova, a

multa incidente passaria a respeitar a ordem imperativa da lei nova, que é de 2%.

ii) A ADPF 165 está e julgamento no STF. Esta ação exige que aquilo que se decidiu na

ADI 493 seja esmiuçado novamente. A discussão agora gira em torno dos expurgos

inflacionários nas cadernetas de poupança.

Nos planos econômicos a leis novas (regras de direito público, eficácia cogente)

alteram padrões monetários e também regras de reajuste, índices, composições de índices.

Isto afetou, dentre outras coisas, as cadernetas de poupança. O problema é que estes planos

econômicos atingiram depósitos que aguardavam o aniversário. Ou seja, o dinheiro estava

aplicado, havia um regramento sobre o período aquisitivo quando o dinheiro foi aplicado e o

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valor será resgatado sob a vigência de outra norma. A lei nova interfere não só numa

situação nascida após a sua entrada em vigor, como também situações nascidas antes que se

encontravam pendente de consumação. O efeito estava pendente de consumação, mas já

tinha fato gerador antes da lei. O que se discute é a diferença do que foi aplicado e o que

deveria ter sido aplicado àquele período.

A ADPF sustenta a possibilidade da norma de ordem pública alcançar as situações

nascidas após sua entrada em vigor e também as situações excepcionais em que o período

aquisitivo já estava em curso quando a norma entrou em vigor. A ADPF foi proposta pela

Confederação Nacional das Instituições Financeiras numa tentativa de bloquear as milhares

de ações que buscam a diferença do reajuste.

O parecer do MPF apresentado recentemente é no sentido de que o custo benefício

desta excepcional retroatividade compensaria a manutenção dos efeitos da lei nova. O custo

do pagamento destas diferenças representaria 45% do patrimônio líquido das instituições

financeiras, o que levaria a um abalo institucional das mesmas. E, por outro lado, o que a lei

nova estabeleceu como parâmetro de estabilidade econômica para toda a sociedade, o

interesse público sobre estas normas prevaleceria sobre o interesse do poupador que tinha

o recurso depositado na caderneta de poupança. É situação que tem carga de pressão

política imensa, o que pode gerar uma mudança significativa de posição do Supremo.

Agora não é lei nova prevalecendo sobre situações vincendas, e sim alcançando

relações que já estavam em andamento. Fica o alerta, o que for decido na ADPF 165 será

tema de prova e, por isto recomenda-se acompanhar o julgamento.

Seja qual for o entendimento do Supremo, a ADPF 165 importará na revisão dos

paradigmas estabelecidos na ADI 493. Ora, se for aplicar o mesmo paradigma da ADI 493 os

expurgos serão pagos aos correntistas. Por outro, lado isto poderia trazer um abalo à ordem

econômica, o Supremo pode entender pela modulação dos efeitos da inconstitucionalidade.

2. Parte Geral

No CC o estudo começa pela parte geral que se divide em três livros que apresentam

os elementos da relação jurídica: o 1º é o livro das pessoas, apresenta o elemento subjetivo,

os sujeitos de direito. O 2º é o livro dos bens, apresenta o elemento objetivo, o objeto das

relações. E o 3º é o livro dos fatos jurídicos, apresenta aqueles fatos que criam, modificam

ou extinguem as relações jurídicas.

TRF1/2010: Discorra sobre os seguintes institutos apresentando (se houver) a

correlação entre eles: direito subjetivo, dever jurídico, direito potestativo, estado

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de sujeição, poder jurídico, dever livre e relacionar tudo isto com prescrição e

decadência.

A resposta está dividida em quatro pontos.

Ponto1. A relação jurídica padrão envolve um sujeito ativo a quem se atribui um

direito subjetivo (faculdade de agir) em torno de um objeto, atribuindo um dever a um

sujeito passivo. O dever jurídico em sentido amplo. Este dever jurídico lato sensu subdividido

em obrigação/débito e dever geral de conduta.

Nas relações obrigacionais de conteúdo pessoal e de eficácia inter partes o sujeito

ativo tem um direito subjetivo que corresponde a uma obrigação do sujeito passivo. O

débito é pessoalmente do sujeito passivo, é em relação a ele que surtirá efeitos.

Já naquelas relações jurídicas de caráter absoluto o direito subjetivo oponível erga

omnes gera para toda a coletividade (sujeito passivo indeterminado) um dever geral de

conduta, de abstenção ou de tolerância.

Então, ou há um obrigação pessoal ou um dever geral de conduta (dever jurídico lato

sensu). Percebe-se que, para que o direito subjetivo do sujeito ativo se realize, é preciso

ocorrer um comportamento, seja ele individual ou coletivo.

Na medida em que este dever jurídico é inadimplido ou deixa de ser observado (ato

ilícito), tem-se a violação do direito subjetivo. E desta violação nasce a pretensão. É isto que

o legislador define no art. 189, CC (violado o direito nasce a pretensão).

CC. Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela

prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.

Significa que, no polo passivo, o sujeito que violou o dever passa a ter uma

responsabilidade. Se ele tinha um débito pessoal originado de um negócio inter partes, ele

passa a ter uma responsabilidade contratual. Se era um dever geral de conduta e ele

cometeu um ato ilícito, é responsabilidade extracontratual ou aquiliana. O fato é que haverá

uma responsabilidade.

A correlação entre os institutos: o direito subjetivo está para o dever jurídico, assim

como a pretensão está para a responsabilidade.

Correlação entre os institutos e a prescrição e decadência: no caso a correlação é

com a prescrição, pois ela extingue a pretensão não exercida no prazo legal. Ora, se a

pretensão extingue uma pretensão, extingue também a responsabilidade, o sujeito passivo

deixa de ser responsável na medida em que está prescrita a pretensão da outra parte.

Ponto2. A segunda relação jurídica que o examinador exigia era discorrer sobre o

direito potestativo e o estado de sujeição. Neste caso a relação jurídica não está pautada

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numa faculdade de agir, que depende de uma conduta da outra parte. Neste caso, o sujeito

ativo não tem um direito que depende da outra parte, ele tem um direito que só depende

dele mesmo. Um direito dever depende do titular exercer este poder sobre o outro (sujeito

passivo), daí a ideia de estado de sujeição e não de dever jurídico. Não há um dever sob

pena responsabilidade, simplesmente está sujeito ao exercício do poder alheio, se o sujeito

ativo exercer o seu poder, o sujeito passivo estará subordinado a este poder.

O direito potestativo não sofre violação, pois não há inadimplemento pelo sujeito

passivo. O direito potestativo depende exclusivamente do seu titular que sujeito o outro à

sua vontade. Se o outro não se sujeitar espontaneamente, o fará judicialmente, mas é

questão apenas de sujeição.

Como não há violação, também não há pretensão. O direito potestativo não se

sujeita ao art. 189, CC (violado o direito nasce a pretensão). Neste ponto é preciso saber se

este direito possui prazo para ser exercido, por vezes sim e por vezes não.

Quando existir prazo para o direito potestativo (pois ele não está relacionado a uma

violação prévia) este prazo não é prescrição. Se houver prazo, será um prazo de decadência.

Este prazo pode ser de ordem pública, previsto em lei. Ou então fruto do ajuste entre as

partes, ser convencional. Ora, as partes podem mediante ajuste criar um direito potestativo

e estabelecer um prazo convencional, v.g., direito de arrependimento num contrato

preliminar a ser exercido em 30 dias.

Ou então o direito potestativo é legal, v.g., direito de anular um negócio jurídico

quando a parte for coagida na formação do negócio, e o prazo decadencial previsto em lei é

de 4 anos a partir do momento em que cessar a coação.

Lembrar-se da regra: havendo prazo para o direito potestativo, este começa a contar

do momento em que a parte adquire o direito. Na prescrição o prazo é contado a partir da

violação do direito e não de sua aquisição. A decadência é prazo para exercer o próprio

direito, a consumação do prazo implica na extinção do direito potestativo.

O direito potestativo está para o estado de sujeição, correlacionados em certas

situações á decadência, por vezes ele não se subordina a prazo nenhum, v.g., direito

potestativo ao divórcio que pode ser exercido a qualquer tempo enquanto houver

casamento vigente, sujeita o outro a sua vontade, independente dele querer ou não.

O direito potestativo é um poder dever em proveito próprio, por isto direito. Isto é

importante para enfrentar a próxima etapa da questão: poder jurídico.

Ponto3. O poder jurídico, diferente do direito potestativo é também denominado

poder dever, este também é exercido sobre alguém que está em estado de sujeição, mas

com uma diferença fundamental, exerce-se o poder em benefício do outro. Aqui não se fala

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em decadência, embora possa ter prazo, v.g., o poder familiar é exercido até que o outro

complete a maioridade, v.g., curatela, tutela. Neste ponto não se discute nem prescrição,

nem decadência.

Ponto4. Última figura da questão: dever livre. A figura do dever livre também pode

aparecer como ônus. É livre porque não corresponde a direito alheio, mas a interesse

próprio. Este dever não corresponde a um direito do outro, mas a um interesse próprio.

Desta forma, é dever que se descumprido prejudica apenas ao próprio devedor, que deixa

de satisfazer o seu próprio interesse, daí não gera responsabilidade, por isto é livre

(diferente o dever jurídico tradicional gera como consequência a responsabilidade), aqui

também não se fala em prescrição, vez que não faz nascer pretensão para terceiros.

Exemplo1: O ônus da prova no curso do processo. Se não houver uma distribuição

dinâmica, o ônus da prova incumbe a quem alega, então a parte tem o dever de provar em

interesse próprio, caso não prove, o único prejudicado será a si mesmo.

Exemplo2: O cirurgião plástico numa cirurgia necessária após um acidente, tinha uma

obrigação de meio e o resultado não foi aquele que se desejaria. O consumidor é

hipossuficiente em comprovar e os fatos aparentam que houve o erro médico. O juiz diante

desta situação inverte o ônus da prova e determina que cabe ao médico comprovar que não

errou sob pena de presumir a sua culpa, pois embora a obrigação fosse de meio,

aparentemente os meios não foram adequados. O dever de produzir a prova é do médico, se

ele não produzir a prova ele será o único penalizado. A presunção se tornará efetiva na

sentença.

Exemplo3: O ônus do registro de um ato. Para que o ato tenha oponibilidade contra

terceiros e a lei exige o registro, v.g., um contrato de locação em que o locatário quer ter

oponibilidade erga omnes de seu direito de preferência, a lei determina que isto seja levado

a registro. Se ele não registrar o único prejudicado será ele mesmo que não terá a eficácia

erga omnes. Se ele não cumprir não gera responsabilidade perante terceiros, só para si

mesmo.

Observação. A posição majoritária é que o CC adotou o critério científico de Agnelo

Amorim para distinguir prescrição e decadência (vide exposição de motivos do CC). Por este

critério científico, o que define a prescrição ou a decadência não é exatamente a figura da

pretensão e do direito potestativo (embora indiretamente sim), mas sim a natureza jurídica

da prestação jurisdicional que se busca. Assim, se a parte busca em juízo uma prestação

jurisdicional condenatória, significa que querer imputar uma responsabilidade a alguém,

portanto está exercendo uma pretensão ante a violação de um direito.

Esta pretensão condenatória (que gera uma execução por título) estaria associada a

prazos de prescrição. A doutrina antiga defendia que a prescrição extinguia a ação, e não a

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pretensão, tratando ação e pretensão como sinônimas (esta é posição superada). A ideia era

que o direito de condenação do réu prescrevia no prazo da lei. Então, a prescrição alcançaria

o direito de ação nas ações condenatórias. Hoje, fala-se em pretensão e não em direito de

ação.

Se o que se busca em juízo é uma decisão constitutiva (entenda-se, também a

desconstitutivas e modificativas), onde se exerce o um direito potestativo. Ou seja, impor ao

outro uma situação nova, seja pela constituição de um estado novo, seja pela modificação

do status atual, seja na desconstituição daquilo que se estabeleceu (v.g., rescisória, ação

anulatória). Neste caso, nem sempre haverá prazo, mas quando houver estará relacionado

com um prazo decadencial, v.g., redibição, a coisa tem vício oculto e a ação serve para

desconstituir o negócio e enjeitar a coisa, este é um direito potestativo submetido a um

prazo decadencial.

Se a busca é meramente declaratória, neste caso, tem-se uma imprescritibilidade. Se

a prestação jurisdicional é apenas a declaração sem o efeito condenatório constitutivo,

então não há prazo, v.g., as declaratórias de nulidade absoluta, declaratórias de

paternidade, são situações que não acarretam a constituição de situações novas, então elas

não estariam sujeitas a prazo nenhum. Neste sentido é o art. 169, CC, as nulidade absolutas

não convalescem nem pelo decurso do tempo, significa que a declaração de uma nulidade

pode ocorrer a qualquer tempo.

CC. Art. 169. O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce

pelo decurso do tempo.

No âmbito processual, esta questão está sendo discutidas em determinadas querelas

nullitatis: se a questão de fundo é uma nulidade absoluta, não se sujeita a prazo e a nulidade

absoluta poderia ser declarada a qualquer tempo, inclusive depois do prazo decadencial de

dois anos da ação rescisória.

No que tange ao MS, a questão da tutela constitutiva merece especial atenção. Vinte

anos atrás não se conseguia executar uma sentença mandamental. A pessoa tinha o direito

reconhecido, mas se isto acarretasse em algum tipo de crédito, era preciso entrar com nova

ação, porque se entendia que as ações mandamentais não tinham força condenatória e,

portanto, não poderiam se executadas. Isto hoje foi superado. O que pode significar que:

uma parte é decadencial e outra que é condenatória como reflexo da mesma ação.

Isto por acontecer, v.g., numa declaratória de nulidade absoluta, isto pode significar

que para retornar ao estado anterior enseja perdas e danos e parte disto já esteja prescrito.

Ou seja, pode ser que parte da decisão está sujeita à prescrição e outra parte sujeita a

decadência, ou ainda não sujeita a prazo nenhum.

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Este critério científico (condenatória/prescrição; constitutiva/decadência;

declaratória/não há prazo) organizado desta forma é relativamente recente. É o CC/2002

que dá operabilidade a este conteúdo. Até o CC/1916 tudo era operacionalizado e chamado

de prescrição, mesmo artigo se referia à prescrição e à decadência. Houve legislação especial

e até súmula chamando prescrição de decadência e vice-versa. Isto também pode ser fator

de confusão.

2.1 Das pessoas

2.1.1 Personalidade – sentido subjetivo

Para o art. 1º, CC pessoa é apresentada como sujeito de direito:

CC. Art. 1o Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil.

Ou seja, toda pessoa é capaz de ser sujeito ativo e também passivo de uma relação.

Há uma correspondência à chamada capacidade de direito (capacidade de ser sujeito de

direito). Logo no art. 2º, CC o legislador nos apresenta outro instituto jurídico, versa sobre

personalidade civil (da pessoa natural):

CC. Art. 2o A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei

põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.

Personalidade civil aparece no art. 2º, CC de forma subjetiva. Isto é, como aptidão

genérica para ser sujeito de direito. Quem possui personalidade civil no sentido subjetivo é

considerado sujeito de direito para as relações em geral, pode figurar nas relações de modo

geral como sujeito ativo ou sujeito passivo.

Entretanto, nem todo ente/entidade recebe personalidade civil do ordenamento

jurídico. Nem por isto, este ente não tem relevância jurídica. Assim, a relevância jurídica de

uma entidade não está necessariamente atrelada a sua personificação. É preciso considerar

também a possibilidade de haver ente despersonalizado (pessoa formal) – entidade que

embora tenha relevância jurídica, não possui personalidade – ou seja, não tem aptidão

genérica para ser sujeito de direito.

Contudo, este ente pode receber aptidão específica para certas e determinadas

relações. A diferença é que um ente personificado pode figurar em geral, enquanto que o

ente despersonalizado só pode figurar em relações específicas em que o ordenamento lhe

confira esta especial legitimidade. É ultrapassado o entendimento de que estas relações só

poderiam ser de natureza processual.

Exemplo: aberta a sucessão todos os herdeiros passam a serem coproprietários da

herança, porém neste momento a herança é um bem universal e indivisível, uma

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coletividade de bens unidos por força de lei, indivisíveis até o termino da partilha. Neste

período, um herdeiro pode ceder seu direito hereditário, mas não pode alienar um bem

específico. O direito de propriedade é sobre o todo e não sobre a espécie. Para que os

herdeiros possam alienar algum bem específico da herança, precisam de uma autorização

judicial para a alienação daquele bem em específico. Conferida a autorização, quem vende é

o espólio, pois está vendendo antes da partilha (ainda não se definiu a qual dos herdeiros o

bem pertencerá), o que significa que quem aliena é o espólio, um ente despersonalizado que

tem capacidade especial para representar em fora do juízo, o interesse dos herdeiros. Ou

seja, o espólio possui a capacidade especial de atuar em juízo na defesa dos interesses dos

herdeiros, como também poderá ter a capacidade especial para realizar negócios no

interesse daquela coletividade de herdeiros. O espólio é feito para o comprador.

Exemplo: condomínio edilício, este possui CNJP, mas não tem personalidade jurídica

(entendimento majoritário)1. Este ente contrata pessoal, tem relação trabalhista na qual ele

é legitimado para figurar como empregador, representa judicialmente aquela coletividade

condominial. Ou seja, possui legitimidade tanto para relações processuais quanto para

relação de direito material. O que não significa que este despersonificado não se confunde

com uma pessoa jurídica (embora o professor entenda que deveria ser personificado).

Toda pessoa, uma vez dotada de capacidade civil, possui a aptidão genérica para ser

sujeito de direito. O que não impede que certos entes não personificados possuam

capacidades específicas em determinadas relações jurídicas.

2.1.1.1 O nascituro

O nascituro se enquadra como pessoa ou como ente despersonificado?

Voltando ao art. 2º, CC, “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com

vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”. A corrente

tradicional é a natalista (Caio Mario), para esta o nascituro é ente despersonalizado, isto é,

pode possuir personalidade especial para determinadas relações jurídicas, mas não é sujeito

de direito com aptidão genérica.

Exemplo1: o nascituro pode ser donatário, portanto legitimado para um contrato de

doação, condicionando a eficácia da doação ao nascimento com vida.

1 Aliás, sociedade em conta de participação também é sociedade não personificada, e recentemente

começou-se a exigir CNPJ para elas. O fato de ter CNPJ não significa ser pessoa jurídica.

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Exemplo2: o nascituro pode participar de uma sucessão, condicionada a sua

qualidade de herdeiro ao nascimento com vida.

Exemplo3: o nascituro pode pleitear alimento gravídico, pode ter legitimidade

processual para o pleito.

Para os natalistas, embora o ordenamento não dê personalidade jurídica ao

nascituro, reconhece legitimidade especial para certas e determinadas relações.

Em contraponto, os concepcionistas, doutrina contemporânea (Clóvis Bevilaqua e

Maria Helena Diniz, Flávio Tarturce). Para os concepcionistas o nascituro já tem

personalidade civil, então desde a sua concepção já é sujeito de direito. Entretanto, a

personalidade civil só lhe confere direitos adquiridos extrapatrimoniais, já que os

patrimoniais estariam sob condição suspensiva do nascimento com vida.

A diferença é bem significativa, para os natalistas o nascituro não é genericamente

sujeito de direito, então ele tem mera expectativa de direito. E para os concepcionais ele já

tem direito sob condição suspensiva, já passíveis de tutela judicial.

Há uma terceira corrente, que no direito brasileiro se justifica na participação do

nascituro como herdeiro, quando a abertura da sucessão se dá no curso da gestação, teoria

da personalidade sob condição suspensiva, teoria da personalidade condicional.

Esta corrente defende que o nascituro é ente despersonalizado até o nascimento,

nascendo com vida, o nascituro adquire personalidade retroativamente até o momento da

concepção. O nascimento produz efeito ex tunc. Para os defensores desta corrente, isto

justifica o nascituro poder ser herdeiro, nascendo com vida a personalidade retroage à

concepção e por isto ele já era herdeiro ao tempo da abertura da sucessão. Ele já seria

pessoa ao tempo da abertura. Se não nascer com vida, a condição não se implementa e ele

não adquire a personalidade, e a condição de herdeiro não se concretiza.

Em que pese ainda existir a controvérsia, esta discussão é considerada superada, isto

porque os efeitos práticos já estão conformados pelas três teorias.

Observação1. Possibilidade de o nascituro sofrer dano moral.

Para os concepcionistas não há dúvidas de que o nascituro pode sofrer danos morais,

porque os direitos de personalidade são extrapatrimoniais e ele já os teria adquirido desde a

concepção.

Para os defensores da teoria da personalidade condicional também é possível que o

nascituro sofra danos morais. Porém, o exercício da pretensão está condicionado ao

nascimento com vida. Se nascer com vida retroage a personalidade, se houve uma ofensa

moral no curso da gestação é possível pedir o dano moral após o nascimento.

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A recusa seria apenas no caso dos natalistas, para estes a legitimidade dependeria de

uma previsão expressa que não existe e que por isto o ente despersonalizado não teria

direitos adquiridos para serem violados, então não sofreriam lesão, não nasceria a pretensão

e não haveria o que reclamar em juízo.

No STJ há precedentes sobre o tema desde a década de 1990, o nascituro já foi

reconhecido como titular da pretensão de dano moral. Nos casos julgados pelo STJ os que se

destacam são da morte do pai por homicídio durante a gestação, levando o nascituro a

pleitear dano moral reflexo pela perda do pai. Ele sofre o dano reflexo da perda do pai

durante a gestação e vai pedir o dano moral depois de nascido. Os precedentes são

valoráveis ao nascituro. Destaque-se dois julgados: 1) Min. Ruy Rosado de Aguiar vs. 2)

Nancy Andrighi.

No primeiro o STJ reconheceu o dano moral, mas entendeu que o dano moral sofrido

pelo nascituro era menor que o sofrido pelos irmãos já nascidos, porque ele não teria

chegado a conviver com o pai, a indenização do nascituro seria metade da dos irmãos.

Já na segunda decisão o STJ manteve a possibilidade do nascituro sofrer dano moral e

ainda entendeu que o dano de todos os filhos era igual, e não havia que mensurar valores

diferentes, todos teriam sofrido o mesmo dano reflexo.

RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DO TRABALHO. MORTE. INDENIZAÇÃO POR DANO

MORAL. FILHO NASCITURO. FIXAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. DIES A QUO.

CORREÇÃO MONETÁRIA. DATA DA FIXAÇÃO PELO JUIZ. JUROS DE MORA. DATA DO

EVENTO DANOSO. PROCESSO CIVIL. JUNTADA DE DOCUMENTO NA FASE RECURSAL.

POSSIBILIDADE, DESDE QUE NÃO CONFIGURADA A MÁ-FÉ DA PARTE E OPORTUNIZADO

O CONTRADITÓRIO. ANULAÇÃO DO PROCESSO. INEXISTÊNCIA DE DANO.

DESNECESSIDADE.

- Impossível admitir-se a redução do valor fixado a título de compensação por danos

morais em relação ao nascituro, em comparação com outros filhos do de cujus, já

nascidos na ocasião do evento morte, porquanto o fundamento da compensação é a

existência de um sofrimento impossível de ser quantificado com precisão.

- Embora sejam muitos os fatores a considerar para a fixação da satisfação

compensatória por danos morais, é principalmente com base na gravidade da lesão que

o juiz fixa o valor da reparação.

- É devida correção monetária sobre o valor da indenização por dano moral fixado a

partir da data do arbitramento. Precedentes.

- Os juros moratórios, em se tratando de acidente de trabalho, estão sujeitos ao regime

da responsabilidade extracontratual, aplicando-se, portanto, a Súmula nº 54 da Corte,

contabilizando-os a partir da data do evento danoso. Precedentes - É possível a

apresentação de provas documentais na apelação, desde que não fique configurada a

má-fé da parte e seja observado o contraditório. Precedentes.

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- A sistemática do processo civil é regida pelo princípio da instrumentalidade das formas,

devendo ser reputados válidos os atos que cumpram a sua finalidade essencial, sem que

acarretem prejuízos aos litigantes.

Recurso especial dos autores parcialmente conhecido e, nesta parte, provido. Recurso

especial da ré não conhecido.

(REsp 931.556/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em

17/06/2008, DJe 05/08/2008)

Observação2. A questão do DPVAT por morte. Há uma discussão grande se a “morte”

do nascituro por acidente de trânsito daria aos pais direito à receber o DPVAT em razão da

morte do filho. É controvertido. Há decisões que consideram o nascituro como pessoa e que,

portanto a interrupção da gestação seria morte de pessoa e, portanto incidiria o DPVAT. E há

decisões que entendem que o nascituro só seria pessoa depois de nascido e, portanto a

interrupção da gravidez não geraria o seguro por morte, não obstante, poderia gerar outras

indenizações ao pai. O entendimento não está pacífico.

RECURSO ESPECIAL. DIREITO SECURITÁRIO. SEGURO DPVAT. ATROPELAMENTO DE

MULHER GRÁVIDA. MORTE DO FETO. DIREITO À INDENIZAÇÃO. INTERPRETAÇÃO DA LEI

Nº 6194/74. 1 - Atropelamento de mulher grávida, quando trafegava de bicicleta por via

pública, acarretando a morte do feto quatro dias depois com trinta e cinco semanas de

gestação. 2 - Reconhecimento do direito dos pais de receberem a indenização por danos

pessoais, prevista na legislação regulamentadora do seguro DPVAT, em face da morte

do feto. 3 - Proteção conferida pelo sistema jurídico à vida intra-uterina, desde a

concepção, com fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana. 4 -

Interpretação sistemático-teleológica do conceito de danos pessoais previsto na Lei nº

6.194/74 (arts. 3º e 4º). 5 - Recurso especial provido, vencido o relator, julgando-se

procedente o pedido. (REsp 1120676/SC, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, Rel. p/ Acórdão

Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/12/2010,

DJe 04/02/2011)

Observação3. A figura do concepturo. O nascituro já tem uma posição polêmica, ao

concepturo possui ainda mais controvérsias, justamente por ser menos que o nascituro. O

concepturo é o embrião in vitro. Juridicamente a figura do nascituro pressupõe que ele

esteja no útero. Antes disto, havendo a fertilização in vitro, o embrião não implantado seria

menos que o nascituro. A discussão girou em torno da inconstitucionalidade da Lei de

Biossegurança, em que se discutia se o embrião excedentário poderia ser utilizado como

material genérico para pesquisa com células tronco. E portanto, se seria coisa ou pessoa.

Seria inconstitucional se fosse uma pessoa, pois estaria levando a óbito uma pessoa para

pesquisa genética.

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O STF decidiu que o concepturo não tinha o mesmo status de pessoa, não tinha nem

mesmo status de nascituro. Embora houvesse interesse público na proteção daquele

material humano, não se estaria diante de um ser que já pudesse ser tratado como sujeito

de direito, e então se admitiu (com restrições) a possibilidade de utilização deste material

para pesquisas. O STF fixou que o concepturo não é sujeito de direito, não é pessoa, seria

uma coisa, bem jurídico cuja disposição guarda restrições com base na lei.

CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DE BIOSSEGURANÇA.

IMPUGNAÇÃO EM BLOCO DO ART. 5º DA LEI Nº 11.105, DE 24 DE MARÇO DE 2005 (LEI

DE BIOSSEGURANÇA). PESQUISAS COM CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS.

INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO DIREITO À VIDA. CONSITUCIONALIDADE DO USO DE

CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS EM PESQUISAS CIENTÍFICAS PARA FINS

TERAPÊUTICOS. DESCARACTERIZAÇÃO DO ABORTO. NORMAS CONSTITUCIONAIS

CONFORMADORAS DO DIREITO FUNDAMENTAL A UMA VIDA DIGNA, QUE PASSA PELO

DIREITO À SAÚDE E AO PLANEJAMENTO FAMILIAR. DESCABIMENTO DE UTILIZAÇÃO DA

TÉCNICA DE INTERPRETAÇÃO CONFORME PARA ADITAR À LEI DE BIOSSEGURANÇA

CONTROLES DESNECESSÁRIOS QUE IMPLICAM RESTRIÇÕES ÀS PESQUISAS E TERAPIAS

POR ELA VISADAS. IMPROCEDÊNCIA TOTAL DA AÇÃO. I - O CONHECIMENTO CIENTÍFICO,

A CONCEITUAÇÃO JURÍDICA DE CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS E SEUS REFLEXOS NO

CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DA LEI DE BIOSSEGURANÇA. As "células-tronco

embrionárias" são células contidas num agrupamento de outras, encontradiças em cada

embrião humano de até 14 dias (outros cientistas reduzem esse tempo para a fase de

blastocisto, ocorrente em torno de 5 dias depois da fecundação de um óvulo feminino

por um espermatozóide masculino). Embriões a que se chega por efeito de manipulação

humana em ambiente extracorpóreo, porquanto produzidos laboratorialmente ou "in

vitro", e não espontaneamente ou "in vida". Não cabe ao Supremo Tribunal Federal

decidir sobre qual das duas formas de pesquisa básica é a mais promissora: a pesquisa

com células-tronco adultas e aquela incidente sobre células-tronco embrionárias. A

certeza científico-tecnológica está em que um tipo de pesquisa não invalida o outro, pois

ambos são mutuamente complementares. II - LEGITIMIDADE DAS PESQUISAS COM

CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS PARA FINS TERAPÊUTICOS E O CONSTITUCIONALISMO

FRATERNAL. A pesquisa científica com células-tronco embrionárias, autorizada pela Lei

n° 11.105/2005, objetiva o enfrentamento e cura de patologias e traumatismos que

severamente limitam, atormentam, infelicitam, desesperam e não raras vezes degradam

a vida de expressivo contingente populacional (ilustrativamente, atrofias espinhais

progressivas, distrofias musculares, a esclerose múltipla e a lateral amiotrófica, as

neuropatias e as doenças do neurônio motor). A escolha feita pela Lei de Biossegurança

não significou um desprezo ou desapreço pelo embrião "in vitro", porém u'a mais firme

disposição para encurtar caminhos que possam levar à superação do infortúnio alheio.

Isto no âmbito de um ordenamento constitucional que desde o seu preâmbulo qualifica

"a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça"

como valores supremos de uma sociedade mais que tudo "fraterna". O que já significa

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incorporar o advento do constitucionalismo fraternal às relações humanas, a traduzir

verdadeira comunhão de vida ou vida social em clima de transbordante solidariedade

em benefício da saúde e contra eventuais tramas do acaso e até dos golpes da própria

natureza. Contexto de solidária, compassiva ou fraternal legalidade que, longe de

traduzir desprezo ou desrespeito aos congelados embriões "in vitro", significa apreço e

reverência a criaturas humanas que sofrem e se desesperam. Inexistência de ofensas ao

direito à vida e da dignidade da pessoa humana, pois a pesquisa com células-tronco

embrionárias (inviáveis biologicamente ou para os fins a que se destinam) significa a

celebração solidária da vida e alento aos que se acham à margem do exercício concreto

e inalienável dos direitos à felicidade e do viver com dignidade (Ministro Celso de Mello).

III - A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO DIREITO À VIDA E OS DIREITOS

INFRACONSTITUCIONAIS DO EMBRIÃO PRÉ-IMPLANTO. O Magno Texto Federal não

dispõe sobre o início da vida humana ou o preciso instante em que ela começa. Não faz

de todo e qualquer estádio da vida humana um autonomizado bem jurídico, mas da vida

que já é própria de uma concreta pessoa, porque nativiva (teoria "natalista", em

contraposição às teorias "concepcionista" ou da "personalidade condicional"). E quando

se reporta a "direitos da pessoa humana" e até dos "direitos e garantias individuais"

como cláusula pétrea está falando de direitos e garantias do indivíduo-pessoa, que se faz

destinatário dos direitos fundamentais "à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à

propriedade", entre outros direitos e garantias igualmente distinguidos com o timbre da

fundamentalidade (como direito à saúde e ao planejamento familiar). Mutismo

constitucional hermeneuticamente significante de transpasse de poder normativo para a

legislação ordinária. A potencialidade de algo para se tornar pessoa humana já é

meritória o bastante para acobertá-la, infraconstitucionalmente, contra tentativas

levianas ou frívolas de obstar sua natural continuidade fisiológica. Mas as três realidades

não se confundem: o embrião é o embrião, o feto é o feto e a pessoa humana é a pessoa

humana. Donde não existir pessoa humana embrionária, mas embrião de pessoa

humana. O embrião referido na Lei de Biossegurança ("in vitro" apenas) não é uma vida

a caminho de outra vida virginalmente nova, porquanto lhe faltam possibilidades de

ganhar as primeiras terminações nervosas, sem as quais o ser humano não tem

factibilidade como projeto de vida autônoma e irrepetível. O Direito infraconstitucional

protege por modo variado cada etapa do desenvolvimento biológico do ser humano. Os

momentos da vida humana anteriores ao nascimento devem ser objeto de proteção pelo

direito comum. O embrião pré-implanto é um bem a ser protegido, mas não uma pessoa

no sentido biográfico a que se refere a Constituição. IV - AS PESQUISAS COM CÉLULAS-

TRONCO NÃO CARACTERIZAM ABORTO. MATÉRIA ESTRANHA À PRESENTE AÇÃO DIRETA

DE INCONSTITUCIONALIDADE. É constitucional a proposição de que toda gestação

humana principia com um embrião igualmente humano, claro, mas nem todo embrião

humano desencadeia uma gestação igualmente humana, em se tratando de

experimento "in vitro". Situação em que deixam de coincidir concepção e nascituro, pelo

menos enquanto o ovócito (óvulo já fecundado) não for introduzido no colo do útero

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feminino. O modo de irromper em laboratório e permanecer confinado "in vitro" é, para

o embrião, insuscetível de progressão reprodutiva. Isto sem prejuízo do reconhecimento

de que o zigoto assim extra-corporalmente produzido e também extra-corporalmente

cultivado e armazenado é entidade embrionária do ser humano. Não, porém, ser

humano em estado de embrião. A Lei de Biossegurança não veicula autorização para

extirpar do corpo feminino esse ou aquele embrião. Eliminar ou desentranhar esse ou

aquele zigoto a caminho do endométrio, ou nele já fixado. Não se cuida de interromper

gravidez humana, pois dela aqui não se pode cogitar. A "controvérsia constitucional em

exame não guarda qualquer vinculação com o problema do aborto." (Ministro Celso de

Mello). V - OS DIREITOS FUNDAMENTAIS À AUTONOMIA DA VONTADE, AO

PLANEJAMENTO FAMILIAR E À MATERNIDADE. A decisão por uma descendência ou

filiação exprime um tipo de autonomia de vontade individual que a própria Constituição

rotula como "direito ao planejamento familiar", fundamentado este nos princípios

igualmente constitucionais da "dignidade da pessoa humana" e da "paternidade

responsável". A conjugação constitucional da laicidade do Estado e do primado da

autonomia da vontade privada, nas palavras do Ministro Joaquim Barbosa. A opção do

casal por um processo "in vitro" de fecundação artificial de óvulos é implícito direito de

idêntica matriz constitucional, sem acarretar para esse casal o dever jurídico do

aproveitamento reprodutivo de todos os embriões eventualmente formados e que se

revelem geneticamente viáveis. O princípio fundamental da dignidade da pessoa

humana opera por modo binário, o que propicia a base constitucional para um casal de

adultos recorrer a técnicas de reprodução assistida que incluam a fertilização artificial ou

"in vitro". De uma parte, para aquinhoar o casal com o direito público subjetivo à

"liberdade" (preâmbulo da Constituição e seu art. 5º), aqui entendida como autonomia

de vontade. De outra banda, para contemplar os porvindouros componentes da unidade

familiar, se por eles optar o casal, com planejadas condições de bem-estar e assistência

físico-afetiva (art. 226 da CF). Mais exatamente, planejamento familiar que, "fruto da

livre decisão do casal", é "fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da

paternidade responsável" (§ 7º desse emblemático artigo constitucional de nº 226). O

recurso a processos de fertilização artificial não implica o dever da tentativa de nidação

no corpo da mulher de todos os óvulos afinal fecundados. Não existe tal dever (inciso II

do art. 5º da CF), porque incompatível com o próprio instituto do "planejamento

familiar" na citada perspectiva da "paternidade responsável". Imposição, além do mais,

que implicaria tratar o gênero feminino por modo desumano ou degradante, em

contrapasso ao direito fundamental que se lê no inciso II do art. 5º da Constituição. Para

que ao embrião "in vitro" fosse reconhecido o pleno direito à vida, necessário seria

reconhecer a ele o direito a um útero. Proposição não autorizada pela Constituição. VI -

DIREITO À SAÚDE COMO COROLÁRIO DO DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA DIGNA. O § 4º

do art. 199 da Constituição, versante sobre pesquisas com substâncias humanas para

fins terapêuticos, faz parte da seção normativa dedicada à "SAÚDE" (Seção II do Capítulo

II do Título VIII). Direito à saúde, positivado como um dos primeiros dos direitos sociais

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de natureza fundamental (art. 6º da CF) e também como o primeiro dos direitos

constitutivos da seguridade social (cabeça do artigo constitucional de nº 194). Saúde que

é "direito de todos e dever do Estado" (caput do art. 196 da Constituição), garantida

mediante ações e serviços de pronto qualificados como "de relevância pública" (parte

inicial do art. 197). A Lei de Biossegurança como instrumento de encontro do direito à

saúde com a própria Ciência. No caso, ciências médicas, biológicas e correlatas,

diretamente postas pela Constituição a serviço desse bem inestimável do indivíduo que é

a sua própria higidez físico-mental. VII - O DIREITO CONSTITUCIONAL À LIBERDADE DE

EXPRESSÃO CIENTÍFICA E A LEI DE BIOSSEGURANÇA COMO DENSIFICAÇÃO DESSA

LIBERDADE. O termo "ciência", enquanto atividade individual, faz parte do catálogo dos

direitos fundamentais da pessoa humana (inciso IX do art. 5º da CF). Liberdade de

expressão que se afigura como clássico direito constitucional-civil ou genuíno direito de

personalidade. Por isso que exigente do máximo de proteção jurídica, até como signo de

vida coletiva civilizada. Tão qualificadora do indivíduo e da sociedade é essa vocação

para os misteres da Ciência que o Magno Texto Federal abre todo um autonomizado

capítulo para prestigiá-la por modo superlativo (capítulo de nº IV do título VIII). A regra

de que "O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a

capacitação tecnológicas" (art. 218, caput) é de logo complementada com o preceito (§

1º do mesmo art. 218) que autoriza a edição de normas como a constante do art. 5º da

Lei de Biossegurança. A compatibilização da liberdade de expressão científica com os

deveres estatais de propulsão das ciências que sirvam à melhoria das condições de vida

para todos os indivíduos. Assegurada, sempre, a dignidade da pessoa humana, a

Constituição Federal dota o bloco normativo posto no art. 5º da Lei 11.105/2005 do

necessário fundamento para dele afastar qualquer invalidade jurídica (Ministra Cármen

Lúcia). VIII - SUFICIÊNCIA DAS CAUTELAS E RESTRIÇÕES IMPOSTAS PELA LEI DE

BIOSSEGURANÇA NA CONDUÇÃO DAS PESQUISAS COM CÉLULAS-TRONCO

EMBRIONÁRIAS. A Lei de Biossegurança caracteriza-se como regração legal a salvo da

mácula do açodamento, da insuficiência protetiva ou do vício da arbitrariedade em

matéria tão religiosa, filosófica e eticamente sensível como a da biotecnologia na área

da medicina e da genética humana. Trata-se de um conjunto normativo que parte do

pressuposto da intrínseca dignidade de toda forma de vida humana, ou que tenha

potencialidade para tanto. A Lei de Biossegurança não conceitua as categorias mentais

ou entidades biomédicas a que se refere, mas nem por isso impede a facilitada exegese

dos seus textos, pois é de se presumir que recepcionou tais categorias e as que lhe são

correlatas com o significado que elas portam no âmbito das ciências médicas e

biológicas. IX - IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. Afasta-se o uso da técnica de "interpretação

conforme" para a feitura de sentença de caráter aditivo que tencione conferir à Lei de

Biossegurança exuberância regratória, ou restrições tendentes a inviabilizar as pesquisas

com células-tronco embrionárias. Inexistência dos pressupostos para a aplicação da

técnica da "interpretação conforme a Constituição", porquanto a norma impugnada não

padece de polissemia ou de plurissignificatidade. Ação direta de inconstitucionalidade

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julgada totalmente improcedente. (ADI 3510, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Tribunal

Pleno, julgado em 29/05/2008)

2.1.2 Personalidade – sentido objetivo

A expressão personalidade civil aparece novamente no art. 11, CC:

CC. Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são

intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação

voluntária.

Porém, personalidade do art. 11, CC não tem o mesmo sentido de personalidade do

art. 2º (aptidão genérica para ser sujeito de direito, possui um aspecto subjetivo). O art. 11

apresenta a personalidade como conteúdo de um direito (direito da personalidade),

apresenta personalidade como objeto – sentido objetivo. E então personalidade neste caso

possui outro conceito: conjunto de atributos inerentes e essenciais à pessoa. Portanto, com

o sentido de objeto e não como aptidão para ser sujeito de direito.

Controvérsia: no sentido subjetivo, a doutrina concorda que não só as pessoas

naturais possuem personalidade, mas também as pessoas jurídicas possuem personalidade,

com o sentido subjetivo de ser um sujeito de direito – art. 45, CC.

CC. Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a

inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de

autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as

alterações por que passar o ato constitutivo. (...)

A partir do registro a pessoa jurídica se torna sujeito de direito, adquire

personalidade no sentido subjetivo.

A controvérsia é: a pessoa jurídica também possuiria personalidade no sentido

objetivo. Isto é, as pessoas jurídicas titularizariam bens jurídicos da

personalidade, como aptidão para serem sujeitos de direito? O aspecto subjetivo

da personalidade não se discute, já o aspecto objetivo da personalidade

apresenta controvérsia.

Doutrinariamente esta questão tem uma controvérsia significativa a ponto de ter

gerado um enunciado do CJF:

CJF. 286 – Art. 52. Os direitos da personalidade são direitos inerentes e essenciais à

pessoa humana, decorrentes de sua dignidade, não sendo as pessoas jurídicas titulares

de tais direitos.

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O Enunciado n. 286, CJF defende que as pessoas jurídicas não possuem os atributos

objetivos da personalidade, isto é, não possuiriam os atributos inerentes à personalidade da

pessoa humana.

Consequência prática deste entendimento doutrinário: violado um bem jurídico

patrimonial (v.g., direito de crédito ou propriedade) o dano decorrente é patrimonial e

caberá a indenização respectiva. Porém, violado um direito da personalidade o dano sofrido

é dano de ordem moral, este dano moral só seria cabível para pessoas naturais, pois apenas

elas possuiriam este bem jurídico. Se a pessoa jurídica não possui este bem jurídico, não

poderia sofrer sua violação. Logo, pessoa jurídica não sofreria danos morais, para esta

corrente estas pessoas sofreriam apenas danos institucionais, abalos à sua condição

institucional e não abalos à vida, à honra, integridade física, intimidade, privacidade.

Esta corrente não descarta a possibilidade de haver uma indenização arbitrada com

base no caso concreto. E esta indenização teria a denominação de dano institucional.

Nas provas objetivas o entendimento que ainda prevalece é o da súmula 227, STJ c/c

art. 52, CC:

STJ Súmula nº 227 - A pessoa jurídica pode sofrer dano moral.

CC. Art. 52. Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da

personalidade.

A súmula 227, STJ diz que a pessoa jurídica pode sofrer danos morais, ou seja, em

algum aspecto a pessoa tem direitos da personalidade. Já o art. 52, CC determina que, com

restrições, tais atributos também poderiam ser concedidos a uma pessoa jurídica. E então,

costuma-se defender que a pessoa jurídica tem direito a honra objetiva (reputação), tem

direito a nome, a imagem e, em determinados aspetos, a pessoa jurídica teriam alguns

atributos da personalidade (aplica-se no que couber), nem todos os direitos estariam

presentes.

Esta discussão está crescendo novamente no STJ e daqui algum tempo a súmula 227,

STJ pode ser revista. Em prova objetiva indica-se adotar o teor da súmula 227, STJ, já em

prova discursiva, recomenda-se adotar uma resposta ponderada citando a tese do dano

institucional.

2.1.3 Pessoas naturais

A partir do art. 3º o legislador nos apresenta a questão do estado individual da

pessoa natural (são os elementos mais íntimos de individualização das pessoas) que

abrangem dois aspectos: sexo (enquanto definição de gênero) e a capacidade de fato ou de

exercício (capacidade para exercer pessoalmente os atos da vida civil). Esta discussão não se

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aplica à esfera das pessoas jurídicas, seja porque elas não se enquadram nas definições

genéricas de sexo, seja porque não se discute capacidade de exercício das pessoas jurídicas

(não se fala em emancipação, interdição, menoridade, em representação ou assistência).

Capacidade envolve aspectos de validade de atos praticados por incapazes e

consequências no plano da responsabilidade civil contratual e extracontratual, que são

questões importantes em torno da capacidade civil. Será visto na próxima aula.

Aproximadamente 15 anos atrás o pensamento dominante era o da imutabilidade do

registro civil quanto ao sexo, sob o argumento de que: a segurança jurídica da coletividade

requer que o registro civil exprima a verdade da época. O registro civil é feito logo após o

nascimento, logo se a pessoa nasceu do sexo masculino este registro seria imutável porque

reproduz a informação verdadeira da época (o mesmo se aplicava ao sexo feminino).

O que se admitia era a retificação diante de erro, quando ficasse comprovado que o

registro não traduziria a verdade da época (v.g., anomalia genética em que a aparência

externa é uma, enquanto que os órgãos internos prevaleceriam de outro sexo).

A partir dos anos 2000 o STJ inaugura outro momento, quando homologa uma

sentença estrangeira originada na Itália, onde a questão já era tratada de outra maneira. O

requisito de mudança registral do gênero, com consequente mudança do nome, atenderia a

dignidade da pessoa humana e por isto estaria compatível com a ordem pública brasileira, e

com base no art. 17, LINDB o STJ homologa a sentença estrangeira.

LINDB. Art. 17. As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações

de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a

ordem pública e os bons costumes.

Até aquele momento o STJ não permitia mudar nem o sexo, nem o nome. Mudar o

nome sem mudar o sexo geraria a confusão de atribuir nome feminino a alguém de sexo

masculino ou vice-versa (caso notório: Roberta Close que fez a mudança de sexo em outro

país, mas não conseguia alterar nem o sexo, nem o nome do seu registro). Aliás, o médico

não podia fazer a cirurgia de mudança de sexo, porque isto era considerado uma lesão de

natureza grave, ele corria o risco de ser responsabilidade penalmente e profissionalmente.

Sem que a lei tenha substancialmente mudado, o entendimento do STJ mudou. Hoje

continua-se sem lei regulamentar, mas temos legislações pontuais, como normais que

regulam o custeio da cirurgia de transgenitalização pelo SUS. Hoje, é possível a mudança de

sexo e mudança de nome no registro em razão de tratamento de transgenitalização (seja

este tratamento feito no Brasil ou no exterior).

A controvérsia ainda está presente em alguns pontos:

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1) Em 2009 a 3ª Turma do STJ proferiu precedente (ainda não uniformizado)

admitindo o sigilo da decisão judicial que autoriza a mudança de sexo e nome.

Significa que a requerimento do interessado, a mudança do registro civil de

nascimento viria sem a informação de que foi fruto de decisão judicial, como se aquele

registro sempre fora assim. Na época que o Ministro Menezes de Direito estava no STJ

defendia a tese de que não havia intimidade, porque a decisão de mudança de sexo era da

pessoa e não haveria motivo para que a mesma a escondesse. A questão da segurança

jurídica justificaria a averbação à margem da certidão a origem da mudança. Entretanto,

hoje há o precedente do STJ que prima pelo sigilo.

Informativo nº 0411. Período: 12 a 16 de outubro de 2009. Terceira Turma:

ALTERAÇÃO. PRENOME. DESIGNATIVO. SEXO. O recorrente autor, na inicial, pretende

alterar o assento do seu registro de nascimento civil, para mudar seu prenome, bem

como modificar o designativo de seu sexo, atualmente constante como masculino, para

feminino, aduzindo como causa de pedir o fato de ser transexual, tendo realizado

cirurgia de transgenitalização. Acrescenta que a aparência de mulher, por contrastar

com o nome e o registro de homem, causa-lhe diversos transtornos e dissabores sociais,

além de abalos emocionais e existenciais. Assim, a Turma entendeu que, tendo o

recorrente se submetido à cirurgia de redesignação sexual nos termos do acórdão

recorrido, existindo, portanto, motivo apto a ensejar a alteração do sexo indicado no

registro civil, a fim de que os assentos sejam capazes de cumprir sua verdadeira função,

qual seja, a de dar publicidade aos fatos relevantes da vida social do indivíduo, deve ser

alterado seu assento de nascimento para que nele conste o sexo feminino, pelo qual é

socialmente reconhecido. Determinou, ainda, que das certidões do registro público

competente não conste que a referida alteração é oriunda de decisão judicial, tampouco

que ocorreu por motivo de redesignação sexual de transexual. REsp 1.008.398-SP, Rel.

Min. Nancy Andrighi, julgado em 15/10/2009.

2) A mudança de sexo e de nome no registro civil estaria necessariamente

condicionada à cirurgia de transgenitalização.

Ou seja, a pessoa teria que primeiro passar por uma mudança física de gênero para

mudar o registro civil, ou poderia obter a mudança de registro mantendo os órgãos genitais

“originais”. Ora, a aparência destas pessoas para a sociedade, evitando constrangimentos

para a pessoa. Neste caso, não há um precedente de paradigma do STJ, mas há

jurisprudência em tribunais locais admitindo a mudança de registro sem a alteração do

órgão sexual.

3) O legislador não disciplinou a consequência para prole.

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Casos em que a pessoa muda de sexo, mas já possui filhos havidos anteriormente no

registro dos quais consta um pai ou uma mãe que não existe mais. A mudança de sexo de

uma pessoa importaria na alteração do registro civil da prole. A questão é pontual e

casuístico.

Ilustração: há aproximadamente 20 anos, na França, por falta de regulamentação

houve esta discussão, uma mulher teve uma filho como mãe solteira e posteriormente

passou por tratamento de transgenitalização, ela era a única família da criança e precisava

gerir o seu poder familiar e encontrava dificuldades práticas. A solução encontrada foi

adotar como pai o filho que ela teve naturalmente como mãe, era a mãe natural e o pai

adotivo do mesmo filho.