· web viewtesoura e fita adesiva , como um editor daqueles te m pos, e saí juntando capítulos a...

41
EU E O CINEMA W. J. Solha Em 68 entrei no meu fusca, em Pombal – alto sertão paraibano - e me mandei – em mais de 400 km de estrada de terra - direto pra Recife, pra ver

Upload: truongphuc

Post on 09-Nov-2018

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1:  · Web viewtesoura e fita adesiva , como um editor daqueles te m pos, e saí juntando capítulos a versos, numa eisensteiniana “ montagem de atrações”, na qual eu narrava na

EU E O CINEMAW. J. Solha

Em 68 entrei no meu fusca, em Pombal – alto sertão paraibano - e me mandei – em mais de 400 km de estrada de terra - direto pra Recife, pra ver

Deslumbramento puro! Kubrick tinha o dom – dos gênios – de superar todas as nossas expectativas. Como se deu quando vi outra obra-prima sua:

Page 3:  · Web viewtesoura e fita adesiva , como um editor daqueles te m pos, e saí juntando capítulos a versos, numa eisensteiniana “ montagem de atrações”, na qual eu narrava na

Fellini!!!

Banho, jantar, carro de novo e ... dou com o cinema fechado. “Não vai haver sessão, Galdino?”, “Sem público?” “OK, vejo o filme amanhã.” “Só dispunha dele hoje.” “E é?! De quantas pessoas precisa, pra você abrir?” “No mínimo, dez.” “Vou buscar”. “Na chuva?!”

Vi o filme. E, pra minha felicidade, outros, ao longo do tempo, literalmente fantásticos:

.

Page 4:  · Web viewtesoura e fita adesiva , como um editor daqueles te m pos, e saí juntando capítulos a versos, numa eisensteiniana “ montagem de atrações”, na qual eu narrava na

Mudo a idade, o cenário, vivo quase a mesma cena aos 13 anos, 1954, quando, ao passar pelo velho Cine São José, em Sorocaba, interior paulista,

, dou com este cartaz:

Aguardara o filme desde que lera o romance de Sienkiewicz, mas dei também com isto, da calçada aí da foto: Proibido pra menores de 14 anos. Por isso me lembro da data. Foi um drama rasurar minha carteira de estudante, mas vi o trabalho do Mervyn LeRoy. Eu colecionava, desde os 11, uma revista em quadrinhos que me deixara doido por épicos,

daí a leitura preferencial de romances como O Manto Sagrado e O Egípcio e meu comparecimento nos filmes baseados neles. Trabalhando desde os 15, ia uma vez por mês a São Paulo, nos domingos, pros concertos matinais do Teatro Municipal,

Page 5:  · Web viewtesoura e fita adesiva , como um editor daqueles te m pos, e saí juntando capítulos a versos, numa eisensteiniana “ montagem de atrações”, na qual eu narrava na

e, à tarde, sempre via uma das grandes “fitas” exibidas no Cine Regina, na Avenida São João. Lembro-me das figuras recortadas, enormes, em cima da marquise do cinema, com Charlton Heston e Yul Brynner ladeando a cena da abertura do Mar Vermelho.

Leitor inveterado também da Bíblia... e meninão, natural que Cecil B. DeMille me impressionasse também com seu , que incluía a célebre luta corporal com o leão, como a de e de Gilgamesh.

Foi em São Paulo, também, que conheci o

Page 6:  · Web viewtesoura e fita adesiva , como um editor daqueles te m pos, e saí juntando capítulos a versos, numa eisensteiniana “ montagem de atrações”, na qual eu narrava na

, onde, embasbacado, vi vastas projeções em tela tripla como esta:

Embora espetacular, o sistema acabou suplantada pelo 3-D, que também vi nascer e crescer mal, até que, nos anos 70, tornou-se uma das extravagâncias do artista plástico pop Andy Wharol:

. Ainda me lembro de um enquadramento sob a grade de um bueiro, sobre a qual caíam tripas que sangravam em cima da gente. O

curioso é que também não teve sorte seu grande ancestral, ,

Page 7:  · Web viewtesoura e fita adesiva , como um editor daqueles te m pos, e saí juntando capítulos a versos, numa eisensteiniana “ montagem de atrações”, na qual eu narrava na

de Abel Gance, que em 1927, apesar de ousar pra burro...

... era mudo, pelo que foi atropelado pelo cinema sonoro:

.

Mas voltemos ao Cine Lux, Pombal, de que tanto me lembrei ao ver estas duas

maravilhas , , quando tudo parecia caminhar

Page 8:  · Web viewtesoura e fita adesiva , como um editor daqueles te m pos, e saí juntando capítulos a versos, numa eisensteiniana “ montagem de atrações”, na qual eu narrava na

para “Parecia”, pois esses três filmes notáveis não foram nada proféticos. Bom: foi no velho Cine Lux que, no cargo de diretor-presidente da Cactus Produções Cinematográficas, vi os copiões do primeiro longa-metragem de ficção, em 35 mm, da Paraíba, “O Salário da Morte”, de Linduarte Noronha -

cineasta então famoso pelo documentário , pedra fundamental do Cinema Novo - segundo Glauber Rocha - , graças à fórmula “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça” que botara em prática. Nesse “O Salário da Morte” fiz o papel – o meu primeiro, no cinema – de um pistoleiro:

Cinco anos depois fui um delegado em ,de Paulo Thiago, baseado em “A Bagaceira”, de José Américo de Almeida. Lá estou, na foto abaixo, de preto, camisa e chapéu branco, ao final de uma discussão com o personagem do icônico

Page 9:  · Web viewtesoura e fita adesiva , como um editor daqueles te m pos, e saí juntando capítulos a versos, numa eisensteiniana “ montagem de atrações”, na qual eu narrava na

Maurício do Valle ( o Antônio das Mortes, de Glauber ) , que sai a cavalo.

Essa participação medíocre me serviu pra ver que todos os personagens desse romance tinham equivalentes no “Hamlet”. Tremenda ironia, pois o escritor paraibano, de quem fui um dos entrevistadores no documentário

, de Vladimir Carvalho, rompeu – na forma - com a influência inglesa na literatura brasileira, Machado à frente. Daí surgiu meu livro “Zé Américo Foi Princeso no Trono da Monarquia”, Codecri, 1984. No mesmo 1976, fiz o Tenente Maurício – perseguidor do cangaceiro Antonio Silvino – em

Page 10:  · Web viewtesoura e fita adesiva , como um editor daqueles te m pos, e saí juntando capítulos a versos, numa eisensteiniana “ montagem de atrações”, na qual eu narrava na

, o que me valeu pra escrever a peça “Papa Rabo”, anos depois,

montada por Fernando Teixeira, com sucesso em João Pessoa e várias capitais – Belo Horizonte, Vitória, Brasília, Rio -, levada pelo projeto Mambembão. E... fui um ator importante, nessa história toda? Nem pensar. Justamente por isso, em nenhum dos cartazes acima figura meu nome. Nem neste,

cearense , em que fui o pai de Lua, que era Dira Paes. Nem

no trailer de Era uma vez eu, Verônica , em que fui o pai de outra grande atriz, Hermila Guedes, apesar de obter com esse papel o prêmio de melhor ator coadjuvante no festival de Brasília de 2012. Talvez o que eu tenha feito melhor, na área, tenha sido o curta A Canga,

Page 11:  · Web viewtesoura e fita adesiva , como um editor daqueles te m pos, e saí juntando capítulos a versos, numa eisensteiniana “ montagem de atrações”, na qual eu narrava na

, bastante premiado, baseado no meu livro homônimo, e de que fui roteirista com o diretor, Marcus Vilar, mas talvez não, porque tive a sorte de constar do elenco de um grande filme,

num papel extraordinário.

. Eu não queria, mais, fazer cinema, porém o roteiro do Kleber Mendonça Filho me conquistou, inclusive por ser o primeiro a deixar de lado a seca do sertão e a periferia do Recife, pra abordar a classe média nordestina, urbana, contemporânea, coisa que eu já vinha fazendo em vários romances, como Israel Rêmora, A Batalha de Oliveiros, Relato de Prócula e Arkáditch, ... apesar dos

títulos. O Som ao Redor marcou a presença do cinema brasileiro no exterior, depois de dois grandes trabalhos do sudeste: e .

Page 12:  · Web viewtesoura e fita adesiva , como um editor daqueles te m pos, e saí juntando capítulos a versos, numa eisensteiniana “ montagem de atrações”, na qual eu narrava na

Bem, mas eu falava dos épicos que marcaram minha formação. Nenhum me impressionou tanto, naqueles

anos, como

e, nele, nada me fascinou tanto quanto a lendária corrida de quadrigas, com Ben-Hur e seus belos cavalos brancos, e Messala, de negros corcéis.

Quanto frequentei os cinemas de bairro, em João Pessoa, logo que cheguei aqui,

Page 13:  · Web viewtesoura e fita adesiva , como um editor daqueles te m pos, e saí juntando capítulos a versos, numa eisensteiniana “ montagem de atrações”, na qual eu narrava na

doido “pra tirar o atraso” fílmico, ora - pra ver um raro - num decadente Cine Brasil,

- lotado pelas classes C e D, ora -ora pra

ver um - , num novíssimo Cine Tambaú, hoje também extinto, que ficava neste hotel maravilhoso.

Fui salvo de minha fúria, na exibição do filme do Glauber, por um apagão na cidade, no exato momento em que me levantava pra avançar em cima de um sujeito que não parava de dar gritinhos anarquistas em pleno célebre e sussurrado monólogo de Corisco, o reproduzido no

Page 14:  · Web viewtesoura e fita adesiva , como um editor daqueles te m pos, e saí juntando capítulos a versos, numa eisensteiniana “ montagem de atrações”, na qual eu narrava na

cartaz. Há coisas que – infelizmente – não há como repartir numa sala de cinema. Como o longo e soberbo documentário sobre a vida moderna, sem narração, que é

, de que só vi paralelo no belo trabalho também longo e só

de imagens, de . Por falar em documentários, tive o privilégio de ver ainda no copião, em casa do Vladimir Carvalho, DF, o trecho de

em que a multidão toma ao caixão de Juscelino do caminhão de bombeiros e sai – furioso, mas sem lideranças, desorientado – pelas

avenidas de Brasília. De Vladimir

Page 15:  · Web viewtesoura e fita adesiva , como um editor daqueles te m pos, e saí juntando capítulos a versos, numa eisensteiniana “ montagem de atrações”, na qual eu narrava na

também me lembro do lançamento, depois de 8 anos de censura, de outro famoso

trabalho, . Repare no cartaz: a terceira porta, da esquerda pra direita, junto à capela, da casa que pertenceu ao pai de Ariano Suassuna, lá no sítio Acauã, é onde estou encostado, nesta cena do curta Antoninha, de Laércio

Filho. Aliás, estar em filmes é sempre um modo de... viver noutro tempo e noutro espaço, como aconteceu quando, em Fogo Morto, cheguei, tenente

da polícia de 1915, neste trem, com minha tropa. É receber outra alma em lugar da sua, como a deste doente terminal, no filme do

Marcelo Gomes, , a deste milionário da construção civil, no de

Kleber Mendonça Filho, ou a deste camponês na miséria, no de

Marcus Vilar. A coisa é tão forte, que resolvi não me testar, mais. Mas o cinema sempre fez parte de minha vida de várias maneiras. Em 1986 escrevi e montei o espetáculo A Bátalha de OL contra o Gígante FERR ( com essas proparoxítonas “alienígenas” ) em que quebrei a cabeça para emular –

Page 16:  · Web viewtesoura e fita adesiva , como um editor daqueles te m pos, e saí juntando capítulos a versos, numa eisensteiniana “ montagem de atrações”, na qual eu narrava na

sem grana – aquela nave de Spielberg em

, até que vi uma coreógrafa mandar baixar as varas de luz do Teatro Paulo Pontes ao palco, e quase gritei: “Minha nave!!!” E se deu, então, que no meu espetáculo, uma personagem de repente olhava pra cima e gritava: “A nave do inímigo esta dêscendo!!!” E acontecia mais ou menos ... isto.

Poderia dar ao macete o nome de “um palco à disposição e uma ideia na cabeça”. Isso me lembra que no começo dos anos 70, falido pelo filme “O Salário da Morte”, procurei uma arte que não me

custasse nada, pelo que escrevi meu primeiro romance à mão, no verso de papeis usados que trazia do Banco do Brasil. Em certo momento dessa aventura, vi que minha prosa tinha muito de minha poesia, que estava na gaveta. Peguei, então, literalmente, tesoura e fita adesiva , como um editor daqueles

Page 17:  · Web viewtesoura e fita adesiva , como um editor daqueles te m pos, e saí juntando capítulos a versos, numa eisensteiniana “ montagem de atrações”, na qual eu narrava na

tempos, e saí juntando capítulos a versos, numa eisensteiniana “montagem de atrações”, na qual eu narrava na terceira pessoa e era aparteado pelo personagem, que falava na primeira, de repente assumindo meus poemas. A ideia me valeu o Prêmio Fernando Chinaglia 1974 e edição pela Record no ano seguinte.Mas a sala de cinema é um lugar inigualável. Tanto, que reduzir telona a telinha é o mesmo que deixar de ver o Guernica em Madri,

pra vê-lo num livro.Em compensação, num só dia você poderá ver, em DVD, uma peça de cinemateca

, várias obras de um grande cineasta,

um documentário sobre determinado diretor,

Page 18:  · Web viewtesoura e fita adesiva , como um editor daqueles te m pos, e saí juntando capítulos a versos, numa eisensteiniana “ montagem de atrações”, na qual eu narrava na

o concerto do compositor de sua trilha sonora preferida,

, o making of de um filme que o fascina

e... reassistir o que quiser, na hora que quiser, até paralisar cenas ou estudá-las detidamente, em slow motion. Sem perturbação alheia.E há o Youtube, que - além da quantidade de produções que disponibiliza, mediante pagamento ou de graça – oferece possibilidades únicas para um cinéfilo, de ver isoladamente ( por exemplo, delírio para um bardólatra ) – o monólogo “Ser ou não ser”, interpretado por grandes Hamlets, como Laurence Olivier

, Branagh , Mel Gibson

, Richard Burton e Christopher Plummer

Page 19:  · Web viewtesoura e fita adesiva , como um editor daqueles te m pos, e saí juntando capítulos a versos, numa eisensteiniana “ montagem de atrações”, na qual eu narrava na

, pois conta com enorme acervo de cenas que se destacam na história do cinema, como a de Carlitos fazendo o bailado com os pãezinhos como

sapatos , o duelo de violão e banjo, em Amargo

Pesadelo , a perseguição de carro

ao trem, de Operação França , o beijo de A Dama e o

Vagabundo ao fim do fio...

... de macarrão, o final terrível do Macbeth japonês em Trono Manchado de Sangue

Page 21:  · Web viewtesoura e fita adesiva , como um editor daqueles te m pos, e saí juntando capítulos a versos, numa eisensteiniana “ montagem de atrações”, na qual eu narrava na

, Gene Kelly cantando e dançando na chuva,

, a dor do Poderoso Chefão

ante o corpo do filho crivado de balas , o

show dessas duas atrizes extraordinárias em Sonata de Outono, a hilária reação do milionário quando pede o travestido Jack Lemmon em casamento e ouve dele que na verdade não é mulher:

, o show de Lisa Minnelli e Joel Grey

Page 23:  · Web viewtesoura e fita adesiva , como um editor daqueles te m pos, e saí juntando capítulos a versos, numa eisensteiniana “ montagem de atrações”, na qual eu narrava na

... e uma morte, pra encerrar, a de Henry Fonda, com sua reação genial de espanto, ao ser baleado por Charles Bronson

Por falar no Henry Fonda: claro que meu fascínio pelo cinema transborda em livros! Veja a foto abaixo, de 1969. Aí estamos eu ( de novo ) , pronto pra entrar em cena em meu primeiro filme, como pistoleiro, Eliane Giardini, que fazia seu primeiro trabalho de atriz... e José Bezerra Filho, colega do BB, autor do romance em que “O Salário da Morte” se baseava e da ideia do longa-metragem.

Page 24:  · Web viewtesoura e fita adesiva , como um editor daqueles te m pos, e saí juntando capítulos a versos, numa eisensteiniana “ montagem de atrações”, na qual eu narrava na

Tudo começou quando ele me pediu pra escrever um roteiro baseado em seu livro Fogo. Como Pombal não tinha livraria, fui a Catolé do Rocha, também no sertão ( toda vez que falo nessa cidade, me lembro de Affonso Romano dizendo que era fácil ser Heidegger e Kant perto da catedral de Colônia, mas “queria era ver filosofar em Catolé do Rocha, Nanuque”) , e, bem, de lá trouxe este volume precioso, com um jovem Henry

Fonda na capa. Quem não gosta de ver a engrenagem

tricotando o tempo num relógio?

Dou exemplo. No meu primeiro teste ante uma câmera, levei um susto com a ridícula carga de teatro logo no primeiro gesto, ao

bramir “Pai!” Ia desistir de botar a perder o filme que estava

Page 25:  · Web viewtesoura e fita adesiva , como um editor daqueles te m pos, e saí juntando capítulos a versos, numa eisensteiniana “ montagem de atrações”, na qual eu narrava na

ajudando a financiar, quando fui socorrido por outro livro. Nele, Pudovkin conta que, numa turnê pela Rússia com O Jardim das Cerejeiras, de Tchékov, viu-se, um dia, num real... jardim de cerejeiras

e resolveu fazer o ensaio do dia ali . Foi quando sentiu mal-estar bem parecido com o meu. Ao se perguntar Por que?, descobriu a diferença entre a interpretação num palco - onde tudo é falso, do

cenário à maquiagem e à impostação de voz para que todos o entendam, mesmo à distância – e a do set de filmagem, em que quase tudo é real

e em que os equipamentos de imagem e som chegam a ser intimistas. A lição de Pudovkin foi, para mim, definitiva.

Page 27:  · Web viewtesoura e fita adesiva , como um editor daqueles te m pos, e saí juntando capítulos a versos, numa eisensteiniana “ montagem de atrações”, na qual eu narrava na

COMO SE FAZ UM FILME. Surpreendeu-me que o cineasta tivesse aplicado nele o “número de ouro”, também conhecido como “seção áurea” ou “divina proporção”,

que eu já estava acostumado a ver em outras áreas

, submetendo toda a narrativa a... cálculos que a tornaram “organicamente una”, “respondendo às leis de estrutura

dos fenômenos da natureza , como se encontram expostas por Lênin”:

- O particular existe somente em função do geral. O geral só existe no particular, pelo particular. Bom, isso não é nada novo. Mas certíssimo. Assim, Eisenstein conta que se baseou “nas leis estritas da composição trágica sob sua forma mais rigidamente codificada, a da tragédia em cinco atos”. Ou seja: a do grande teatro clássico, como o de Shakespeare, onde cada parte e o todo são sempre divididos por um eixo,

- ...que não marca somente a passagem para outro estado d´alma, a outro ritmo, a outro acontecimento, mas, de cada vez, a um movimento violentamente inverso. Não contrastante, mas verdadeiramente inverso, porque, de cada vez, ele oferece a imagem do mesmo tema sob um ângulo de visão oposto, ao mesmo tempo em que ele tem nascimento nesse tema.Sempre que vejo os times invertendo os lados no segundo tempo, me lembro disso.

Manhã de domingo, 62, ponte num açude da zona rural de Patos, perto de Pombal. Era a minha primeira folga, desde que chegara ao Nordeste pra tomar posse no Banco do Brasil. Bebendo com colegas, eu os vi dando piaus da balaustrada. Não

Page 28:  · Web viewtesoura e fita adesiva , como um editor daqueles te m pos, e saí juntando capítulos a versos, numa eisensteiniana “ montagem de atrações”, na qual eu narrava na

sabia nadar. Meu pai sempre me proibira qualquer represa, rio, lago ou piscina, porque vira dois amigos se afogarem, “quando eu tinha a sua idade”.

Perguntei ao dono da fazenda, seu Valdenor, se poderia me arranjar uma corda.

Fiz um laço em torno da cintura (Freud diria: “... simbolizando seu cordão umbilical...”) e entreguei a outra extremidade ao ruralista, pedindo-lhe que a segurasse – do corrimão - enquanto eu me debateria na tentativa de atravessar o trecho fundo sob a ponte. Todo mundo parou pra ver a cena. Entrei n´água devagar, até que, ao ver que dava nado, estirei-me na superfície, danando-me a bater braços e pernas. Nadei, nadei, até que senti que dava pé do outro lado. Gritei a seu Valdenor:

- Precisou me sustentar por algum momento?

- Não.

- Então agora vai sem corda.

Desamarrei-me, criou-se um clima – ESSE, DE EISENSTEIN - de maior expectativa na turma, reentrei n´água com calma, estirei-me... e me debati, me debati, me debati, sob uma torcida imensa, muitos gritos e assobios, até que me vi de pé no chão do outro lado... aplaudido por todo mundo.

- Já dissemos que o corte binário, de cada parte e também do filme inteiro, opera-se aproximadamente na metade. Na verdade, ele se aproxima talvez mais da relaçao2/3 que representa a aproximação mais esquemática do número de ouro. Ora, é no corte 2/3, quer dizer: entre o fim do segundo e o começo do terceiro ato, que vamos encontrar a cesura principal, o zero onde na ação marca uma pausa. Isso é o que vemos em Shakespeare. No “Júlio César” (repito sempre esse exemplo), a primeira parte termina com o personagem-título sendo massacrado

Page 29:  · Web viewtesoura e fita adesiva , como um editor daqueles te m pos, e saí juntando capítulos a versos, numa eisensteiniana “ montagem de atrações”, na qual eu narrava na

por todos os senadores. Aí a ação se detém totalmente no discurso de Brutus, que consegue o apoio do povo ao crime que acaba de ser cometido, e essa CESURA se completa genialmente com o discurso de Marco Antonio ante o cadáver do amigo,

em seguida , quando ele, grande

orador, vira a mesa, levantando a multidão, de modo que Bruto passa do lado Ativo de sua contabilidade, para o Passivo, perseguido até sua morte, no final do espetáculo.

E Kleber? Tem outros segredos. O mais fascinante, quando

participei de “O Som ao Redor”, foi ouvir dele o que

Page 30:  · Web viewtesoura e fita adesiva , como um editor daqueles te m pos, e saí juntando capítulos a versos, numa eisensteiniana “ montagem de atrações”, na qual eu narrava na

meu personagem significava, a matriz de que ele viera: . Acelerando as cenas: Irandhir Santos e Sebastião Formiga chegam à noite ao edifício onde moro, pegam o elevador, têm um diálogo tenso comigo e – em off – me matam. Kleber, aqui, diz como quer o diálogo dos seguranças com o empresário.

Bem, no Blade Runner , meu protótipo é o dono da Tyrell Corporation, empresa que produz androides para trabalhos

arriscados ou pesados. Por serem agressivos, eles têm apenas quatro anos de vida, com o que se rebelam. Dois deles...

vão até uma das pirâmides da empresa,

Page 31:  · Web viewtesoura e fita adesiva , como um editor daqueles te m pos, e saí juntando capítulos a versos, numa eisensteiniana “ montagem de atrações”, na qual eu narrava na

... sobem num desses elevadores...

... e, no apartamento do seu... Criador... , o louro atlético pede que lhes seja concedida mais duração e...

...... pedido negado, mete-lhe os polegares nos olhos e lhe esmaga a cabeça.

Page 32:  · Web viewtesoura e fita adesiva , como um editor daqueles te m pos, e saí juntando capítulos a versos, numa eisensteiniana “ montagem de atrações”, na qual eu narrava na

Bem, como terminar isto? Com o mais perfeito final de filme que conheço, o de Rastros de Ódio, que você pode ver e rever no Youtube. Unida toda a família, graças a ele, Ethan fica de fora, sozinho, quando todos entram na casa, em seu lar...

Aí ele se volta... e se vai...