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EDITORIAL Neste último Periódico do ano, além de temas pedagógicos que podem enriquecer o nosso conhecimento sobre estudos recentes no desenvolvimento da criança e contribuições curriculares, encontramos na transcrição dos temas para o preparo do 8 o congresso artigos que por si, já constituem uma verdadeira fonte de pesquisa e atualização da pedagogia. 8 o Congresso Internacional de Professores e Educadores Páscoa, de 24 a 29 de março 2008, Goetheanum em Dornach, Suíça Os convites, a programação e as fichas de inscrição já foram distribuídos e devem ter chegado a todas as escolas. Caso alguma escola Waldorf inscrita na lista internacional não recebeu e gostaria de participar, por favor, deverá entrar em contato com a Federação. Os interessados em estágios em escolas européias, não deixem de fazer a solicitação como está explicado no Periódico 35. II Congresso Brasil de Pedagogia Waldorf 20 a 26 de julho de 2008 Vimos com grande satisfação que um considerável número de professores manifestou-se interessado na vinda de Dr.Manfred von Mackensen, mas analisando criteriosamente as condições, decidimos transferir a organização desse evento para janeiro ou julho de 2009, conforme carta informativa que no inicio de dezembro foi para todas as escolas. Podemos desde já, passar os seguintes dados: para a Física temos Johannes Kühl da Seção de Matemática e Física do Goetheanum; para Biologia e Astronomia, Peter Glasby, professor dessa área na Austrália; para Química, Hendick Ens, professor na escola de Bierseck na Suíça, que trabalhará a Química do 7 o e 8 o ano em espelhamento com o 9 o 10 o ano e os dois últimos anos serão apresentados e debatidos em consonância com as exigências (vestibular); a Física do ensino Fundamental será apresentada por Alpineu Brigagão, professor de classe e de Ciências na E.W. Rudolf Steiner. Entramos em contato com um coordenador para a área de Geografia que precisa ser confirmado. Pensamos nos professores de Artes e, para estes, estamos buscando oferecer cursos de Artes, em forma de oficina, que acontecerão paralelamente às oficinas de Ciência. As atividades da Educação Infantil estão sendo programadas pela coordenação dentro da Federação Boas Festas e férias revigorantes, A coordenação do Periódico ESPERTO NINGUÉM SE TORNA POR SI SÓ TEXTO REVISADO DA PALESTRA PROFERIDA EM KLOSTER MARIENBERG (SUL DOTIROL) EM 16.03.07

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Page 1:  · Web viewEDITORIAL Neste último Periódico do ano, além de temas pedagógicos que podem enriquecer o nosso conhecimento sobre estudos recentes no desenvolvimento da criança

EDITORIAL

Neste último Periódico do ano, além de temas pedagógicos que podem enriquecer o nosso conhecimento sobre estudos recentes no desenvolvimento da criança e contribuições curriculares, encontramos na transcrição dos temas para o preparo do 8o congresso artigos que por si, já constituem uma verdadeira fonte de pesquisa e atualização da pedagogia.

8o Congresso Internacional de Professores e EducadoresPáscoa, de 24 a 29 de março 2008,Goetheanum em Dornach, Suíça

Os convites, a programação e as fichas de inscrição já foram distribuídos e devem ter chegado a todas as escolas. Caso alguma escola Waldorf inscrita na lista internacional não recebeu e gostaria de participar, por favor, deverá entrar em contato com a Federação. Os interessados em estágios em escolas européias, não deixem de fazer a solicitação como está explicado no Periódico 35.

II Congresso Brasil de Pedagogia Waldorf

20 a 26 de julho de 2008Vimos com grande satisfação que um considerável número de professores manifestou-se interessado na

vinda de Dr.Manfred von Mackensen, mas analisando criteriosamente as condições, decidimos transferir a organização desse evento para janeiro ou julho de 2009, conforme carta informativa que no inicio de dezembro foi para todas as escolas. Podemos desde já, passar os seguintes dados: para a Física temos Johannes Kühl da Seção de Matemática e Física do Goetheanum; para Biologia e Astronomia, Peter Glasby, professor dessa área na Austrália; para Química, Hendick Ens, professor na escola de Bierseck na Suíça, que trabalhará a Química do 7o

e 8o ano em espelhamento com o 9o 10o ano e os dois últimos anos serão apresentados e debatidos em consonância com as exigências (vestibular); a Física do ensino Fundamental será apresentada por Alpineu Brigagão, professor de classe e de Ciências na E.W. Rudolf Steiner. Entramos em contato com um coordenador para a área de Geografia que precisa ser confirmado. Pensamos nos professores de Artes e, para estes, estamos buscando oferecer cursos de Artes, em forma de oficina, que acontecerão paralelamente às oficinas de Ciência. As atividades da Educação Infantil estão sendo programadas pela coordenação dentro da Federação

Boas Festas e férias revigorantes,

A coordenação do Periódico

ESPERTO NINGUÉM SE TORNA POR SI SÓ

TEXTO REVISADO DA PALESTRA PROFERIDA EM KLOSTER MARIENBERG (SUL DOTIROL) EM 16.03.07

Karl Gebauer

Dinâmica da autenticidade e ressonância

As crianças nascem como descobridores. Elas querem aprender e sondar o seu mundo. Sua curiosidade e auto-atividades são as forças impulsionadoras. Elas podem ser bem sucedidas quando compreendem que a aprendizagem é causa própria. Um pré-requisito decisivo para que logre a aprendizagem é que na família, no jardim de infância e na escola haja uma atmosfera que incentive, que seja amigável e que valorize. Crianças precisam aprender quase tudo o que é importante na vida, por meio da experiência. Para isso necessitam de espaços para brincar e para aprender, que lhes permitam fazer descobertas. Assim as crianças descobrem que aprender traz alegria e com isso estabilizam seu sistema de motivação.

Tempo de brincar é tempo de formação

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Brincar e aprender são idênticos nos primeiros anos de vida. Tempo de brincar é tempo de formação e é especialmente válido para o trabalho no jardim de infância. Brincar permite à criança experimentar novas capacidades de prontidão, soluções estratégicas para enfrentar problemas cada vez mais complexos e superar conflitos emocionais. Destarte, o brincar para cada criança pode ser visto como uma fonte insubstituível de satisfação, auto-segurança e prazer em aprender.

Há brinquedos apropriados ao desenvolvimento e programas pedagógicos bem elaborados para iniciar cedo, mas faltam tempo e disposição dos adultos. A capacidade de brincar parece perder-se tanto nas crianças, quanto em seus pais, de maneira preocupante. E, ligado a isso, a deficiência em vivenciar sucessos e experiências de auto-realização reforça nas crianças a insatisfação, o tédio ou um rápido desistir, já mediante pequenas exigências. A inquietude resultante disso torna-se visível no comportamento exterior.

Crianças permanecem descobridores quando se abre para elas a possibilidade para a autodeterminação na aprendizagem. Sucessos na aprendizagem surgem, quando crianças têm a experiência de autoria e quando o adulto valoriza o rendimento com bem-querência. O sucesso resulta da dinâmica de autoria e de ressonância. Faltando o componente emocional num processo de aprendizagem, então, a estrutura neural, tão importante para os processos de aprendizagem, memória e lembrança, não mais é capaz de se formar de maneira adequada.

Falta de vontade para brincar

A pesquisadora de lactentes de Munique Mechthild Papousek observa, há alguns anos, uma crescente falta de vontade para brincar, já em crianças muito pequenas. “Minha criança é incapaz de se entreter sozinha. É irrequieta e quizilenta e exige o dia todo ser entretida. Não gosta de brincar, os brinquedos já se tornaram tediosos”. “Eu faço tudo para o meu filho, mas brincar não é comigo”. Essas seriam expressões típicas dos pais. A importância do brincar para o desenvolvimento das crianças parece desaparecer mais e mais. Sim, o próprio brincar é um tesouro ameaçado, assim o pareEm vista do notório aumento de distúrbios do desenvolvimento da fala, o déficit de atenção, distúrbios de aprendizagem e hiper-atividade torna-se premente levar a sério a síndrome da falta de vontade de brincar na criança pequena com suas possíveis conseqüências na motivação para a aprendizagem, na regularização da atenção e no planejamento de ação. Significa proteger o brincar como recurso insubstituível para o desenvolvimento do lactente.

Para o trabalho de uma educadora isso significa:

• Descobrir a brincadeira das crianças e brincar junto.• Captar as idéias das brincadeiras das crianças e animar outras crianças.• Refletir sobre o significado da respectiva brincadeira.• Desenvolver idéias próprias para brincar.• Motivar os pais a fazer e participar das brincadeiras.• Falar com os colegas sobre situações agradáveis e também complicadas, a fim de compreendê-las

melhor.

A importância do brincar para o desenvolvimento do cérebro Faz parte das revolucionárias pesquisas do cérebro a descoberta de um sistema cerebral de recompensa

própria. Curiosidade infantil, alegria em descobrir e as vivências de alegria a elas relacionadas levam a ativar o sistema da dopamina. Esse sistema empresta um significado às coisas e acontecimentos em torno de nós. É significativo também o que é considerado importante pelos pais e educadores. Se ao brincar for conferido papel importante então, não só se despertam as capacidades acima mencionadas, mas ao mesmo tempo é impregnada na rede neural, igualmente, a alegria e o entusiasmo vivenciados ao brincar. Aqui são estabelecidos os processos básicos no cérebro infantil que mais tarde também decidem se a criança gosta de se dedicar a novas tarefas e pode aprender de forma concentrada. O brincar cria um entorno onde adultos e crianças dirigem conjuntamente sua atenção para um objeto. - Vivenciam em conjunto esforço, excitação e alegria em acertar uma ação da brincadeira e há conversas sobre o acontecimento. No brincar, cria-se um mundo de experiências conjuntas. Dessa forma incentiva-se (e isso não precisa ser consciente ao brincar) os elementos que formam as estruturas no cérebro infantil e cria-se a predisposição para mais tarde existir a capacidade de concentração.

Auto-atuação significa: “eu sei fazer isso”

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Muitos pais hoje estão fortemente inseguros. Não querem fazer nada errado. Em muitos casos têm expectativas demasiado elevadas em relação a seus filhos. Exigências altas demais, porém, são percebidas como pressão. E exigências altas contínuas levam ao stress e conseqüentemente a distúrbios psicossomáticos. Pressão demasiada limita fortemente a capacidade de aprendizagem e as expectativas de sucesso. Somente se pode dissolver esse círculo diabólico, através da reflexão sobre os fatores importantes, que têm papel predominante na aprendizagem. Fazem parte da experiência na tenra idade ser protegido e ser auto-atuante. Entende-se por auto-atuante a vivência que se expressa na frase simples: “eu sei fazer isso”. De pronto essa vivência se relaciona com todas as atividades que acontecem no brincar infantil. Eu sei engatinhar, ficar em pé, andar, subir em árvores, correr, brincar, andar de triciclo, brincar com água e fogo, cortar com uma faca, balançar, saltitar e pular, lutar, ganhar e perder, fazer teatro, música, ler, escrever, calcular. Quando os pais ou pessoas de relação próxima acompanham estes passos da aprendizagem com bem querência e dão suporte através de expressões afirmativas, formam-se, no cérebro das crianças, redes de neurônios, onde não só é armazenado o conhecimento motor, como também a alegria do saber. Dessa maneira vivenciam uma confirmação e reforço da sua auto-atuação. A partir disso desenvolve-se para o resto da vida a tão necessária motivação interior. Aqui está a fonte da aprendizagem. Em todos os processos subseqüentes nós precisamos dar atenção para que essa fonte não seque. Ela não pode ser substituída por nenhum outro programa de estímulo por mais bem feito que seja. A alegria em aprender está numa relação direta com a experiência de que a atividade própria também seja percebida nos olhos e ouvidos de outras pessoas como algo importante. A ressonância positiva que as crianças experimentam lhes dá a segurança e as fortalece em seu fazer.

Quanto mais intensivamente, nós unimos acontecimentos alegres com o aprender, tanto mais autoconscientes e conseqüentes seremos, no futuro, na solução de problemas. Infelizmente a aprendizagem atualmente é igualada à matéria escolar e, só raramente, é vista em sua dimensão emocional e social.

Um exemplo: “Quando eu era pequeno” (conta um pai de 35 anos hoje), “eu gostava de visitar o meu avô. Certa vez nós quisemos pegar um jogo do sótão. Ele me levou pela mão e subiu a escada. Pediu para eu contar todos os degraus. Eram 21 degraus. Ainda me lembro como se fosse hoje. O avô queria agora saber se para baixo o número era o mesmo. Nós esquecemos do nosso jogo e descemos mais rápido do que subimos. Em algum momento posterior buscamos o jogo. De certas experiências não esquecemos”. Assim ele terminou a sua história. Este é um exemplo para o ambiente de uma vivência de aprendizagem numa situação emocional importante. Esse avô seguiu uma intuição e não um programa de aprendizagem. Ele aproveitou o momento, realizou com incentivo aparentemente paradoxo, um incentivo para um acontecimento matemático, que ainda muitos anos mais tarde estava vivo na memória do seu neto, entrementes adulto. A partir desse momento, contar tinha um significado positivo.

A aprendizagem realiza-se na comunidade

A aprendizagem sempre se realiza em uma comunidade. Crianças, muito cedo, podem aprender umas das outras. Levantar problemas e buscar a solução em conjunto. Se essas tarefas forem seguidas com interesse, acompanhadas com alegria e recompensadas com aplausos, então constituem as premissas mais importantes para processos de aprendizagem bem sucedidos.

Como diretor escolar, eu sempre esperava com alegria pelas festas escolares e rituais. Os alunos que iniciavam eram recebidos com peças musicais, canções, poemas, pequenas histórias e teatrinhos. Mudanças nas salas, nos pátios, a implantação do jardim escolar, melhoria do pátio de recreio ou a decoração de uma parede externa eram motivo para pequenas comemorações. As contribuições curtas, mas numerosas dos alunos davam uma visão de sua alegria criadora. Para a comemoração das festas de aniversário, cada classe possuía o seu ritual próprio. Dessa forma a comunidade era vivenciada e festejada. No fim do quarto ano os alunos eram despedidos com uma festa. Até essa data os alunos acumularam incontáveis experiências. A maioria delas eles esquecerão. O que deveria permanecer é a experiência de que a aprendizagem estava numa relação social e que tinha a ver com uma relação de êxito e de afirmação.

Educadores e professores hão de cuidar em especial para que não se permitam influências que atrapalhem, tais como humilhação de colegas e que conflitos não sejam esclarecidos. Situações de insegurança que são criadas através de ameaças de violência, ou por violência ou criadas por perseguição “mobbing”, interferem na capacidade de aprendizagem das crianças atingidas, para o resto da vida. Portanto, para que a aprendizagem tenha sucesso, isso deve ser trabalhado, de maneira alguma deve permanecer sem se dar atenção ou esquecer o caso.

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Quando as crianças têm a chance de resolver problemas por conta própria, pelo aumento da sua competência de ação elas desenvolvem uma motivação, que por sua vez atua de maneira a estabilizar a sua competência de auto-atuação.

Condições seguras na relação – fonte para aprendizagem bem-sucedida

Para um desenvolvimento bem-sucedido é necessário, desde o início, a experiência de ser desejado e um sentimento suficiente de segurança. Isso é conquistado através da segurança na relação com sua principal pessoa de relação. Primeiramente isso é a mãe e, às vezes, também o pai. Mais tarde esses também podem ser substituídos por membros da família, amigos, educadores, professores. Dessa forma, assim nos ensinam os neurologistas, desenvolvem-se no cérebro os neurônios escapulares. Trata-se da formação da rede neural de experiências de ressonância. Em tempos mais recentes isso foi descrito, de maneira bem explicita, pelo psíconeurologista de Freiburg, Joachim Bauer, em seu livro: “Porque eu sinto que você sente”. No transcurso da tenra idade juntam-se vivências emocionais e cognitivas que levam através das assim chamadas vias límbicas frontais para o desenvolvimento de uma rede neural diferenciada. Dessa forma desenvolvem a base para a competência cognitiva psíquica social. Pertence a isso a capacidade de perceber as próprias necessidades e tornar-se capacitado de perceber empatia em relação aos outros. Isso acontece no relacionamento com outras pessoas, em atuações ou interações no dia-a-dia. Esse processo de formação de rede não acontece num vácuo, ele depende de experiências concretas.

Os pais são fornecedores intuitivos de ressonância

A maioria dos pais intuitivamente comporta-se corretamente em relação a seus filhos. A pesquisadora de comportamento biológico, Haug-Schrabel, detectou que crianças já na fase de lactentes acompanham “com a maior atenção” a interação com a mãe / o pai. Do ângulo do olhar de um bebê poder-se-ia representar a vivência interior assim: “Eles me percebem?” “Eles observam os meus sinais?” “É importante para eles satisfazer as minhas necessidades? – Mesmo crianças muito pequenas avaliariam, à sua maneira, tais percepções: “Como foi que transcorreu? Eu consigo lidar com as minhas vivências? Eu esperei por algo assim? Suas tenras expe riências são registradas emocionalmente e armazenadas. Conforme cada experiência poder-se-ia representar assim: “– Essa foi uma experiência boa. – Isso me fez curioso. – Essa foi uma experiência ruim. – Essa quero evitar”. – Por essa organização das vias límbicas frontais correm, durante toda a nossa vida, todos os processos emocionais cognitivos.

Ao lado de uma segurança material eficiente da família, em especial um clima familiar bom e atividades familiares regulares em conjunto comprovam ser significantes para o bem-estar e para as chances futuras de uma criança. A constelação inadequada acontece quando há déficits materiais acontecendo com pouca atenção. (Relato do bem-estar social do trabalhador. FR 26.10.2000). As pesquisas mais recentes da PISA (Pesquisa de rendimento escolar na Europa) confirmam esses estados. Será decisivo para o sucesso no trabalho do jardim de infância e da escola, se considerarmos essa predisposição apenas como destino individual, ou como sendo parte de uma enorme mudança de processos. Se lográssemos isso, poderíamos atuar em muitas situações considerando menos os culpados. Nós não teríamos que projetar encrencas emocionais sobre pessoas que pouco podem contribuir para uma mudança. Muitos pais gostariam de fornecer mais estímulos para seus filhos e eles não o podem por causa de diferentes condições. Independente da situação familiar individual, cada vez mais se cristaliza que, no cômputo geral das mudanças sociais e dos diferentes modelos familiares, o tempo de permanência na família é um bem inestimável, poder-se-ia dizer também: representa um tesouro digno de ser protegido, o que em muitas famílias há muito já não existe. Assim acontece que os professores precisam trabalhar com alunos que não tiveram um início de vida fácil e cujas chances em relação à aprendizagem e, mais tarde, de um lugar de trabalho são limitados.

Sucesso por meio de atividade própria (autoria) e ressonância

É característico que em âmbitos relevantes da ciência atribuímos um papel decisivo para a educação e formação da experiência de processos de atividade própria. Isso é do conhecimento de todos nós e de pronto compreensível ao observar uma criancinha em suas incontáveis tentativas de se erguer. Pouco tempo depois podemos admirar como dá seus primeiros passos. Essa admiração ao observar a atividade própria de uma criança

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(nossa ressonância) parece perder-se cada vez mais nos próximos anos ou perder o seu foco. Na escola, para alguns professores, apenas aparece na forma abstrata, dando notas. Nesse caso estamos lidando com um empobrecimento de ressonância. Para a aprendizagem dos alunos isso tem conseqüências como também a forte redução da atividade própria, através do aprender muitas vezes exclusivamente determinado pelos planos de ensino que quase não permitem a atividade própria.

Professores emocionalmente competentes

“Crianças deveriam brincar mais do que muitas fazem habitualmente. Pois quando se brinca o suficiente, enquanto for pequeno - então leva-se tesouros consigo dos quais, mais tarde, se pode haurir por toda vida. Então, sabe-se o que significa ter guardado em si um mundo caloroso que nos dá força quando a vida se torna dura” ( Astrid Lindgren)

Quem na sua infância e juventude teve suficientes experiências de atividade própria carrega o tesouro de uma constante motivação pela vida afora. A pesquisa da resiliência nos diz como é importante para a vida futura haver pessoas dedicadas quando esse tesouro não pôde ser desenvolvido. Educadores que dispõem de competência emocional sabem disso. Por essa razão, sempre de novo, criam situações de aula nas quais seus alunos possam fazer experiências de poderem atuar por si próprios. Prioritariamente isto se consegue com projetos das mais variadas formas: projetos de teatro, apresentações musicais, projetos de história, oficina de -bicicletas, etc. Isso vale para todas as formas de ensino.

Diante do pano de fundo das mudanças globais nas quais, às vezes, não reconhecemos como nós e nossas crianças de fato podemos influenciar, é de importância decisiva que possamos, no dia-a-dia, passar pela experiência da auto-atuação, caso contrário o perigo de cair na resignação aumentará desmedidamente.

O autor: Dr Karl Gebauer é editor e publicou numerosos livros sobre questões da educação e informação. Durante 25 anos foi diretor da escola básica – Leineberg em Göttingen. O seu último livro é: Esperto ninguém se torna por si só.Estimular as Crianças Através do Amor, editora Patmos – Düsseldorf – outras informações: www.gebauer-karl.de

O PEQUENO PRÍNCIPE E O PEDAGOGO 

autor desconhecido

“Bom dia”, disse o pequeno príncipe. “Fale uma boa frase”, ordenou o pedagogo. Significa: “eu lhe desejo um bom dia.” Repita vagarosamente.”Eu lhe desejo um bom dia”, disse o pequeno príncipe cordialmente. “Assim está correto”, disse o pedagogo e puxou um livrinho do bolso. “O que tens aí?” Perguntou o pequeno príncipe. “Eu lhe dou uma nota boa pelo comportamento” respondeu o pedagogo. “Você quer entrar na minha escola?” perguntou ele. “O que eu preciso fazer então?” perguntou o pequeno príncipe. “Você precisa fazer um teste de avaliação”. “Teste de avaliação, o que é isso?” perguntou o pequeno príncipe. “Isso não é tão importante”, disse o pedagogo, “o mais importante é que seja facilmente controlável”. “Bem” disse o pequeno príncipe “então comece a me testar”. O pedagogo estendeu-lhe uma folha de trabalho. “Leia o texto e cruze as respostas corretas”, ordenou ele. “Mas” disse o pequeno príncipe “eu nem sei ler”. O pedagogo ficou surpreso. “Você quer ir para a escola e não sabe ler? Então você não recebeu a escolarização antecipada?” “Escolarização antecipada o que é isso?” quis saber o pequeno príncipe. “Escolarização antecipada significa que nós pedagogos temos detectado que é necessário fazer com que as crianças antes de entrar na escola aprendam a ler, calcular e ter o pensar lógico para que não tenham que aprender isso primeiramente na escola”. “E o que então se aprende na escola?” Perguntou o pequeno príncipe. “A escola constrói” assim o pedagogo, “sobre aquilo que a pré-escola realizou e pode então dedicar-se a coisas científicas. Dessa maneira preparará para a continuação nas escolas. Assim se economiza um bocado de tempo. O que você fez no seu tempo da pré-escola?” perguntou ele ao pequeno príncipe.” – Eu brinquei.- “ Brincar é desperdício de tempo”, disse o pedagogo. “Ao menos foram jogos de aprendizagem ?” “Isso eu não sei” disse o pequeno príncipe “eu, por exemplo, desenhei: você quer vê-lo ?” Perguntou ele e mostrou o seu desenho com uma cobra que engolira um elefante. “Pois bem” disse pedagogo,

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“isso talvez seja o limite de elementos zero em determinada conjunto”. “Elementos de quê?” “Você nunca ouviu alguma coisa de conjuntos? Dessa forma você nunca dará conta do “númerus clausus.” O pequeno príncipe com olhar questionador. “Está bem” disse pedagogo, “eu quero esclarecer a você. A coisa mais importante na vida é o preparo no tempo certo. A pré-escola prepara para a escola básica, a escola básica prepara para a continuidade da escola, a continuidade da escola prepara para a universidade, a universidade para a profissão. Você entendeu isso?” “E a profissão prepara para que?” Perguntou o pequeno príncipe. “Para a aposentadoria, naturalmente.” “ E a aposentadoria?” “Você é um horrível importuno”, disse o pedagogo. “Quando alguém realizou alguma coisa na sua vida ele também saberá usufruir a sua aposentadoria para que as pessoas à beira de sua sepultura possam dizer que ele teve uma vida realizada”. “Estranho” disse o pequeno príncipe “eu tenho a impressão de que alguém que sempre foi preparado, nunca teve tempo para viver.” “Mas isso você ainda não compreende” disse abruptamente o pedagogo. “Eu prefiro que me diga o que mais você realizou até hoje. Você, ao menos traz consigo um conhecimento biológico? Que plantas e animais você conhece?” “Eu tenho no meu planeta uma rosa.” “Há muitas espécies de rosas” retrucou o pedagogo. “Eu aqui tenho uma folha de exercícios sobre rosas. Como você não sabe ler, eu lerei para você”:

1ª tarefa: Minha rosa é uma a) rododendrum, b) rosa de sebe, c) rosa polyanth, d) rosa de tronco alto. Cruze a resposta correta!

2ª tarefa: Que processos químicos se realizam na rosa na absorção do alimento? Você tem diversas respostas a sua escolha.

3ª tarefa: Construa no mínimo cinco substantivos compostos com a palavra rosa, como, por exemplo, perfume de rosas, cor rosa-chá!

“Minha rosa tem perfume bom”, interrompeu o pequeno príncipe. “Perfume bom não está previsto no âmbito cognitivo da compreensão, é difícil de controlar e, portanto não pertence ao catálogo das metas de ensino”, deu a entender o pedagogo de que não é valido. “Eu gosto da minha pequena rosa”, disse o pequeno príncipe, “eu sempre penso em como posso protegê-la da ovelha no meu planeta”. “Material de proteção de plantas abordaremos no ensino da química. Você verá que é interessante”. “Eu me alegro todos os dias com a minha rosa”. “Alegria é uma meta de aprendizagem efetiva. Isso não é tão importante, mas no fim da aula você também pode sentir alegria sobre rosas. Eu certamente encontrarei um caminho como poder controlar se a sua alegria foi específica da aprendizagem”. “Mas eu não quero apenas ter alegria quando consta do teu plano”, disse o pequeno príncipe. “Para a alegria constante infelizmente nós não temos tempo, caso contrário nós não alcançaremos a nossa meta de ensino”, disse o pedagogo áspero. “E quando nós não a alcançamos, você se torna improdutivo para a vida. Não para a escola, mas para a vida nós aprendemos”. “Você tem razão” disse o pequeno príncipe, por essa razão eu acredito que a sua escola, porém, não é para mim”. E ele retomou a sua viagem. “Pára, pára!” chamou o pedagogo. “Você nem sequer ouviu como continua a minha análise didática, e que metas educacionais eu ainda tenho previsto: calcular com pérolas do rosário no ensino de religião, exercícios com microscópio sobre pétalas de rosas, determinação da cadência na canção: “O menino viu uma rosinha”. Falar sobre usos e sentir alegria sobre a segunda-feira de rosas. Aprender a avaliar a obra literária Herbert Rosendorfer (aldeão de rosa). Calcular o lucro da editora Rosenheimer..,” mas isso o pequeno príncipe já não ouviu mais, pois ele havia se retirado bem depressa a fim de não ficar com uma neurose.

 A VONTADE DO HOMEM É O SEU REINO CELESTE

Hartwig Schiller

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Algumas das manifestações sobre as condições da pedagogia atual são comuns em toda parte, que quase não necessitam de uma comprovação mais minuciosa ou de uma verificação. Dependendo da relação temática disparam-se feições preocupantes, alegria compreensível ou perplexidade, sem saber o que fazer.

Convicções dessa natureza encontram-se, por exemplo, em relação à manifestação pandêmica da reclamação sobre a fraqueza de vontade da juventude atual, e não menos é divulgado o lamento sobre seu egoísmo e relacionado a isso o culto à personalidade.

Arquíloco, que viveu de 680 até 640 AC nas ilhas Cíclades, Paros, o primeiro poeta e historiador da antiga Grécia, olhava de modo diferenciado para a vontade humana, enquanto a diferenciava da vontade dos deuses:

Limitação dos mortais

Para os homens sagrados à morte, Glauco, filho de Leptine,Domina uma vontade que para Zeus é suficiente para um dia, e uma capacidade de pensar que apenas corresponde ao seu círculo de atuação.

E Horácio, aquele poeta que viveu pouco antes da virada dos tempos, aponta em uma de suas cartas aquela vontade maior que basta para mais do que apenas um dia:

O que mantém o mar nos limites? O que regula o curso do ano?Vagueiam e caminham as estrelas por si só, ou são impulsionadas por uma vontade?O que nos encobre a luz da lua e enche de novo o disco?

A vontade dos homens e a dos deuses diferencia-se em dimensão, força e atuação, mas não em relação a sua entidade como força. Arquíloco ainda chama atenção que ao lado da diferença de quantidade, ainda há as diversas qualidades de vontade humana e divina enquanto caracteriza o estado de consciência dos “homens consagrados à morte”. Este inicia uma vontade que somente “corresponde a seu círculo de atuação”.

É aquela relação de vontade que faz valer as palavras de Cristo na cruz: “Pai perdoe-os, pois eles não sabem o que fazem”. Eles se volvem voluntariosamente contra o espírito do universo, porque não o reconhecem, apesar de estar entre eles. A sua vontade é cega. Ela atua a partir de impulsos inconscientes. Com isso, ao mesmo tempo, é descrita a meta do desenvolvimento da vontade humana, que deve acordar de sua cegueira e deve tornar-se vidente.

Goethe em sua redação “Ensaio como mediador entre objeto e sujeito” descreveu da forma mais cuidadosa essa nova qualidade da vontade e seu surgimento.

Lá ele a denomina como qualidade “de um ser isento, como que divino”, - de um ser humano desenvolvido que, no sentido platônico, enfrenta o mundo de maneira prudente e comedida. Essa pessoa observa os objetos e os ordena não mais somente “em relação a si próprio”, conforme “lhe agradam ou desagradam, se eles o atraem ou repelem, se lhe são úteis ou prejudiciais”. Isso, em princípio, para a vida do homem é inicialmente justificado e necessário. “Porém, nesse caso o homem está exposto a mil erros que muitas vezes o envergonham e lhe amarguram a vida”.

Em vez disso o homem deve unir as qualidades da vontade e da consciência “com um olhar sereno e imparcial contemplar tudo e abrangê-lo, extraindo a norma para esse conhecimento, os dados para o julgamento, não de si mesmo, mas do âmbito das coisas que observa”.

Não é por nada que Rudolf Steiner colocou o início dessa redação na íntegra, no início do seu livro “Teosofia - introdução ao conhecimento supra-sensível do mundo e do destino humano”. A questão do ser humano já está relacionada com a questão da vontade, a pergunta relacionada à consciência da própria humanidade, seus desígnios, sua realização.

Por essa razão, também no sentido pedagógico não se trata simplesmente de ter mais ou menos vontade. Trata-se da qualidade da vontade. E essa não é possível determinar sem a sua relação com as forças da consciência. Vontade e consciência estão inseparavelmente ligadas entre si na realização do projeto do ser homem.

Estudos, Exercícios e Trabalho

A Antropologia Geral – o Estudo Geral do Homem: uma base para a pedagogia estuda essa questão. No quarto capítulo, basicamente, é relatada a educação da vontade: “Não é dizendo, uma vez à criança, que é certo

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que os senhores alcançarão o esperado desempenho do impulso volitivo, mas à medida que a levarmos a fazer algo hoje, amanhã e depois de amanhã”.

Tal ação deve tornar-se um hábito. Quanto mais ficar entre os hábitos subconscientes, melhor para o desenvolvimento do sentimento; quanto mais a criança estiver consciente e repetir a ação dedicadamente porque esta deve ser executada, tanto mais estaremos elevando isso ao real impulso volitivo. Sendo assim, mais repetição inconsciente cultiva o sentimento; repetição plenamente consciente cultiva o autêntico impulso volitivo, porque através disso realça a força de resolução”. (pg 63)

Ações repetidas conscientemente pertencem ao âmbito dos exercícios. No campo artístico são chamadas de estudos, no campo religioso de exercícios. Eles conduzem para o âmbito do autodomínio ou asceticismo. Toda ação seqüencial realizada cuidadosamente e com responsabilidade, em verdade, é um exercício e pertence a esse âmbito.

O tema do trabalho, por esta razão será abordado no fim da Antropologia Geral, na décima terceira palestra. Lá é abordada a diferença entre trabalho com sentido e trabalho sem sentido. Trabalho sem sentido, diz lá, se manifesta, “em movimentos sem sentido, sem significado, apenas retirados do corpo físico.” Pelo contrário, o ser humano é ativo com sentido “quando se ativa de forma como o requer o seu meio ambiente, não apenas como uma exigência do seu próprio corpo físico”.

Atividades significativas, portanto, não são possíveis sem participação consciente.Destarte, aquilo que o ambiente precisa, deve ser enxergado e compreendido. A compreensão nesse caso

pode ser inteiramente universal. O coração, a mente podem, instantaneamente, compreender aquilo que a cabeça ainda necessita de muito tempo.

No fim da palestra diz-se:

“Devemos espiritualizar o trabalho para fora; temos de permear de sangue o trabalho para dentro, o trabalho intelectual! Pensem sobre essas duas frases, e verão que a primeira contém um significativo lado educacional e um significativo lado social, e que a última possui um significativo lado educacional e também um significativo lado higiênico”. (pág. 151)

A coerência das atividades da alma

A preocupação central da educação deve ser o desenvolvimento harmonioso da força de vontade e da consciência. Uma educação da vontade, que não esteja em relação saudável com o homem mediano e o homem superior, causaria uma terrível desfiguração do humano.

Na oitava palestra da Antropologia Geral Rudolf Steiner resume diferenciadamente como o homem tricotômico pode ser reconhecido:

– “O espírito deve ser compreendido mediante estados de consciência como vigília, sono e sonho.– O anímico é compreendido por meio de simpatia e antipatia.– E o corpo é percebido mediante estados de forma.” (pág. 106)

Para vontade corresponde, no espiritual, o momento do sono, ao anímico a simpatia, ao físico as formas radiais dos membros. Conforme sua centralização, uma vontade dominante unilateral assume determinados traços que deformam o ser humano.

Sobressaindo a relação corporal a vontade torna-se instintiva. Sobressaindo o anímico, a vontade apresenta um espectro de múltiplas formas variáveis e pode alcançar desde desejo, instinto, à delicadeza e sensibilidade. Nesse âmbito a vontade possui algo caprichoso e não está livre de manifestações unilaterais como sentimentalismo ou desumanidade. Falta-lhe a força da autodeterminação. Colocando-se o momento da razão em primeiro plano vêm à tona elementos tais como: querer ter sempre razão, obstinação, fanatismo ou fundamentalismo.

É preciso unir o homem como um todo, pensar, sentir e querer, colocados segundo as exigências da situação através da força do eu na relação correta, ser o dono da própria casa. Porém, como pode realizar isso?

Rezar a e abençoar

Rudolf Steiner aponta na nona palestra da Antropologia Geral para a lógica, o que o professor precisa trazer, em si, como o mais importante. Esse mais importante não consiste em um bem sucedido término de seminários

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filosóficos, mas certamente no lidar apropriado para a vida dos mais importantes elementos lógicos na forma de conclusão, julgamento e conceito.

Importante nesse caso é a seqüência na qual se exercita a vida consciente das crianças. Crianças não deveriam ser doutrinadas com definições fixas, inflexíveis, nesse sentido, conceitos mortos, que elas têm de carregar em sua alma, constantemente, como matéria disponível a ser cobrada. Isso significaria alimentá-las com pedras em vez de pão.

Antes os conteúdos da aula (como todos os conteúdos universais) deveriam ser assimilados por elas de maneira consciente e serem acrescidos a seus conteúdos anímicos. Isso está relacionado a uma digestão anímica das experiências. O desconhecido será relacionado com o conhecido, é julgado conforme as suas relações com este e assim se realiza uma primeira situação de confiança. Somente quando a relação com a totalidade dos fenômenos se condensa em compreensão e se aclara, então surge a compreensão. Nisso, atenção e curiosidade, encontram satisfação e sossego. Aquilo que se compreendeu, gostamos de deixar imergir no fundo da alma. Lá, descansa nas profundezas da consciência adormecida, em boa companhia, nas regiões pátrias da vontade. Só quando for necessário um ou outro pode ser acordado. Assim fala um velho provérbio: “Queira sim, com a alma inteira, que o caminho para a meta não lhe falte”. Este diz que não basta saber de uma meta, mas o caminho até lá também precisa ser andado. Andar, porém, tem a ver com as regiões profundas da alma onde vive o querer.

Também, sobre a ligação problemática de representações fixas e força de vontade, a boca do povo sabe algo. “O caminho do inferno está calçado de boas intenções”, bons propósitos em outras versões. É necessário tornar o querer livre de tais representações internas limitantes que exercem seu regime de terror oculto sobre as pessoas.

Aqui reside a missão especial da educação religiosa. Contudo, primeiramente, é necessário libertar-se do erro de que religiosidade tem algo a ver com confissão religiosa. Enquanto conteúdos religiosos surgem como definições, doutrinas ou dogmas pertencem ao âmbito da ciência das religiões. Constituem nesse caso as bases para a teologia ou conclusões confessionais.

O verdadeiramente religioso habita em outros âmbitos. Vive no âmbito da devoção, da veneração, da casta aproximação a algo mais elevado. Gratidão, reverência, modéstia podem ser expressões de verdadeiro sentimento religioso. São marcados por uma força interior, os seres humanos que a vivencia, força esta que não é dirigida para o próprio proveito, isto é, para vantagem própria. Ela tem como meta o encontro de algo mais elevado que traz o seu valor em si. Como tal é objeto e substância da oração. Uma oração verdadeira não quer nada para si. Se for pedido, então é interseção por alguém. Prece, nunca é o pedido de uma vantagem pessoal. E, mesmo assim, é repleto de substância volitiva. É a mais elevada concentração e completa entrega ao mesmo tempo. De maneira espiritualizada, corresponde ao corporal, ao estado radial das formas dos membros como órgãos da vontade.

Esse âmbito é de capital importância para a educação da vontade. Caminho e meta unem-se em algo mais elevado. Com a repetição regular e consciente das orações surge aqui uma esfera da vontade que é força e qualidade ao mesmo tempo, força de desprendimento. Na infância isso é impulsionado por meio da orientação, da educação. A criança aprende a dirigir sua atenção para o mundo de forma apropriada e sem distorção. Ela vê, ouve, apalpa, pergunta pelas coisas, recebe-as aberta e livre de julgamento. Aprende a julgar para relacionar o desconhecido com o conhecido, a aproximar-se, não a distanciar-se. Por fim, une-se admirada e com veneração na compreensão daquilo que se manifesta. Assim surgem conceitos vivos como uma relação viva com o mundo. E isso não permanece sem conseqüências na vida individual e na vida social.

“Se os senhores conseguirem fazer com que a criança tenha o conceito de devoção, de veneração, conceitos de tudo aquilo que, num sentido mais amplo, podemos chamar de disposição de prece, tal idéia permeada com essa disposição é viva, alcançando até a idade avançada e transforma-se então na capacidade de abençoar”. (pág. 113)

Com essa observação da nona palestra Rudolf Steiner anuncia que uma educação da vontade apropriada ao ser humano, não só pode promover uma vontade forte, mas uma vontade mais humana.

O que for treinado pela criança na prática, como hábito anímico, transforma-se no decorrer da vida sob a orientação de um eu soberano, em força abnegada que não apenas pede, mas que igualmente sabe doar. Nessa força, jorra tudo aquilo que foi conquistado em sabedoria do mundo e da vida. Saber transforma-se em sabedoria. Assim o conselho altruísta de uma pessoa idosa, num contexto social, pode atuar como benção.

Boa vontade enxerga longe

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Há duas coisas, que na educação da vontade, precisam ser respeitadas. De um lado trata-se de estimular uma vontade forte, duradoura. Essa vontade sozinha poderia, porém, manifestar-se de forma bastante unilateral e desagradável. Assim como determinada qualidade favorável pode manifestar-se, qualidades bastante indesejáveis também podem aparecer: tais como teimosia, estupidez, ignorância e brutalidade.

Por essa razão, ao lado da pura força de vontade, deve-se dirigir o olhar para estimular uma vontade humana, uma vontade verdadeiramente humana, isto é, direcionar uma determinada qualidade de vontade. Essa vontade, no entanto, pode apenas ser descrita por determinadas qualidades paradoxais. Ela não é cega, apesar de ter a sua origem na região da alma que dorme, ela é vidente. Ela não quer nada, mesmo que queira com a maior intensidade, ao menos não para si. Ela é atuante e percebe ao mesmo tempo. Ela une consciência com participação e atuação, que com sua colaboração podem unir-se à sabedoria, amor e força.

Essa vontade não sabe só querer no sentido comum. Ela sabe renunciar, superar-se a si própria. Assim surge da força de vontade a força do sacrifício. Dentro disso, por fim, realiza-se uma qualidade de vontade, que no sentido mais elevado pode ser considerada como humana e na qual reside algo divino. Através dela o ser humano transforma-se de criatura, em criador. Ela o constitui como ser humano.

A partir da qualidade dessa vontade, a pergunta da fraqueza de vontade da juventude atual adquire um novo colorido. É possível que a juventude de hoje não queira muito daquilo que gerações passadas quiseram. E que não lhes vale, como fraqueza, aquilo que era considerado fraqueza para as gerações anteriores. Talvez nem tudo seja desilusão e “cool” como é interpretado pelos mais velhos. É possível que a juventude disponha de experiências de encontros com essa nova força de vontade do ser humano, que gerações passadas não conheceram, e cuja ausência causou muito pesar.

A HISTÓRIA DOS MISTÉRIOS NÓRDICOS NA CULTURA EUROPÉIA

(Conteúdo para o enriquecimento da matéria de historia no 6o ano ou para as aulas de religião) 

Hartwig Schiller

O sistema de ensino é, para uns, uma tarefa do presente que atinge o futuro, para outros, uma tarefa educacional geral da incumbência do Estado e, para terceiros, é do âmbito espiritual separado do âmbito da igreja a partir do fim séc. XVIII. (1794 assumido como tarefa do estado no código da Prússia).

Realmente, as dimensões históricas da escola vão muitas além e inclui situações como as escolas de convento e catedrais, escolas de latim e, as assim chamadas, escolas de cavalheiros, escolas protestantes, escolas jesuítas e muitas outras formas de escolas, entre outras as escolas da Antigüidade. Na história, primeiras escolas de escrita da Mesopotâmia, cujos absolventes entravam a serviço do estado, datam de 2.900 AC mais ou menos.

A esse espaço de tempo, também Rudolf Steiner chama a atenção quando fala dos primeiros empreendimentos educacionais no norte da Europa (GA173, 21.12.1916). A indicação de fontes para tal, na verdade é problemática, pois documentos ou artefatos diretamente não podem ser apresentados. São muito mais bases histórico-espirituais como se apresentam em mitos, sagas e usos que podem ser aproveitados para a pesquisa das relações.

Fontes documentadas apenas aparecem em tempos mais recentes que ajudam a determinar certos acontecimentos. São em especial os romanos que, através de diversos relatos, contribuíram para o esclarecimento histórico da cultura do norte da Europa. Os romanos olhavam perplexos e admirados para o norte quando tentavam relatar sobre o âmbito da educação. Aqui César não se comportou diferentemente do que Tacitus. Nas “Guerras Gálicas” César descreve um sistema escolar existente ao noroeste da Europa.

 Escolas de mistérios

 Os professores, sacerdotes druidas andavam pelas aldeias a procura da nova geração. Iam de aldeia em

aldeia buscar quem pudesse convir para sua formação. Aparecendo-lhes uma criança apropriada, faziam uma

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oferta de formação aos pais e a matriculava em suas escolas. Os pais consideravam como a mais alta honra quando um de seus filhos fosse integrado nessa relação. Havia como condição a predisposição de capacidades especiais. Eram necessárias determinadas predisposições anímicas. Amplos textos e processos rituais tinham de ser aprendidos da boca para ouvido e finalmente aplicados de maneira que atuassem. As instituições para a formação onde tais coisas eram ensinadas chamavam-se escolas de mistérios. Eram as únicas escolas daquela época. Eram públicas e secretas ao mesmo tempo. Cada um sabia de sua existência. Currículo, métodos e conteúdos das escolas eram mantidos em extremo segredo, as assim chamadas disciplinas do Arcano.

Contudo essas escolas de maneira alguma eram a única formação prática naquela época. Outros caminhos de formação realizavam-se igualmente de maneira individualizada, mas completamente pública e eram alcançados conforme capacidade e relacionamento. Pois também a cantaria, ferraria, lavradores, padeiros, tecelões buscavam novas gerações e submetia-as a uma formação. Geralmente, no entanto, isto acontecia na família, nos laços sanguíneos. E por isso ficavam para trás das escolas de mistério, sob o aspecto da modernidade, pois estas eram abertas e diretamente regulamentadas pela capacidade.

Em certos aspectos as escolas de mistérios se assemelhavam fortemente entre si, em outros eram divergentes. Através dos mitos dos povos vieram a nós muitos dos seus conteúdos, assim, por exemplo, o mito de Isis e Osíris entre os egípcios, o de Deméter/ Perséfone – e Dionísio dos gregos e o mito de Nerthus/Hertha, ou melhor, o mito de Widar dos povos nórdicos. Sempre se trata da vivência da morte, sua superação através do renascimento assim como a anunciação dessa boa nova no chamado “mundo das trevas”, mundo elementar. Tratava-se de uma expectativa espiritual do mistério do Cristo, que era preparado sob aspectos diferentes. Através disso, determinados conteúdos das escolas, em parte, divergiam consideravelmente na perspectiva da contemplação e na forma da vivência. Isso era válido tanto para os mistérios do oeste e leste quanto para os mistérios do norte e do sul. Nos mistérios do leste encontramos realmente as escolas mais antigas. Estavam abertas, de maneira especial, às forças espirituais atuantes do cosmo. A união com elas acontecia no âmbito elementar e de forma atuante na natureza. O ser do homem era vivenciado como vontade de Deus e ao mesmo tempo repleto Dele. A questão do bem e do mal na natureza do homem era desconhecida nesses mistérios. Eram mistérios do sol levante que vivenciavam sua união com o espiritual de forma elementar, inquebrantável, de certa maneira não estruturada, aberta. Querendo indicar um centro geográfico de sua atuação é preciso procurar um espaço da Ásia Central. Ao contrário, os mistérios do oeste se confrontavam com as forças da forma e situações de forma. Era necessário aprender a diferenciar o vivo e plástico do firme e delineado. A morte tornava-se prova de imortalidade, a transformação um desafio do espiritual palpável. Fazia parte das tarefas dessa escola proteger a formação das forças do estarrecimento. Centros geográficos podem ser considerados na Irlanda e no continente americano.

Característico para os mistérios do sul, em especial dos mistérios da Mesopotâmia, Egito e Grécia, é a observação a partir de um fato importante espiritualmente, que recebe uma apresentação para fora, em símbolos, desenhos, imagens e orientação de construção. O que os sacerdotes iniciados vivenciavam e deslumbravam espiritualmente torna-se visível em imagens exteriores aos não iniciados nas apresentações plásticas e de alto relevo na ornamentação dos templos. Esses mistérios atuam “de cima”. São mistérios de uma elite de sacerdotes que através de suas inspirações cunham a cultura com os seus meios da arte até chegar ao sensorial. A sua expressão cultural cunha a consciência da história cultural da Europa, de certa maneira, até hoje.

Os mistérios do norte em relação a estes, são muito menos visíveis. Deixaram traços menos marcantes e mais passageiros, menos visíveis. Para buscá-los é necessário um olhar mais para dentro do interior do ser humano do que um olhar para o exterior. Eles têm em suas raízes, em grande parte, um processo da natureza que transforma a alma que os vivencia, eles são “mistérios de baixo”.

 Os mistérios do norte

 Rudolf Steiner certa vez manifestou que sem os mistérios do norte, Jesus, para a compreensão dos homens,

há muito já estaria perdido (GA 173, 25.12. 1916). Essa manifestação leva diretamente aos mistérios do norte. Tacitus conta em sua “Germânia” as particularidades dos povos germânicos e do culto a Nerthus. Nerthus é uma divindade que é especialmente atuante nas esferas da vida, em nascimentos e no crescimento. Em tempos mais antigos especialmente os povos germânicos chamavam essa divindade de Hertha e a veneravam em cultos bem determinados. Nesse acontecimento, no momento da primeira lua-cheia da primavera, subseqüente à primavera, um touro que puxava um carro ornado com a estátua da deusa, acompanhado por um grupo de jovens puros, levavam-na pelos campos e pelas aldeias. Era o sinal para o casamento que tomava conta de toda natureza,

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animais, plantas e também do homem. A sexualidade ainda não alcançava a consciência na forma de hoje. Como em sonho ele vivenciava o serviço sagrado da união e do mistério de gerar. Êxtase e instinto, volúpia e bem-aventurança fundiam-se numa realização escura impenetrável. Crianças que nasciam fora do ritmo do ano eram desaprovadas. Elas não preenchiam a sagrada ordem exigida por Deus.

As futuras mães carregavam o fruto durante nove meses debaixo do seu coração, de início com a luz solar crescente, e cada vez mais a luz nebulosa do outono e por fim em direção à escuridão hibernal que se estende sobre a Terra. E durante o arredondamento da gravidez as mães vivenciavam cada vez mais a proximidade da luz da alma da criança que se preparava para o nascimento.

Restos dessa vivência ainda hoje podem ser encontrados na Escandinávia. Eles encontram sua expressão, por exemplo, na festa de Santa Lúcia, onde as crianças coroadas com a luz de velas, vestidas de branco, levam a anunciação de uma luz vindoura, no dia 13 de dezembro, o dia mais curto segundo a tradição pré-gregoriana. É notável que desde uma série de anos a festa de Santa Lúcia foi reintroduzida em Greifswald de maneira nova e desde então realizada regularmente.

Para Tácito, tais impressões contam como marcos expressivos da sociedade nórdica. Sempre, novamente, em seus relatos ele ressalta o papel especial das mulheres nos povos germânicos, louva sua habilidade, sua pureza, fidelidade e sua força de coragem.

Nos tempos antigos recebia-se a primeira criança nascida no quarto dia depois do solstício, com respeito fora de série. Viam-se, ligadas a ela, forças cósmicas especiais que deveriam ser cuidadas e desenvolvidas. Essa criança era recebida na escola de mistérios e lá criada e educada com toda a atenção. Um marco especial do círculo dos mistérios nórdicos é o elemento social que era fundamental na educação. A criança era incluída num grupo de doze, da mesma idade. Elas constituíam um círculo de atuação em conjunto, em volta da “criança do meio do inverno” dispostas a ajudá-la e dar suporte. Dessas instituições nós encontramos registros nas velhas sagas e histórias. Assim no círculo de sagas de Dietrich von Bern, onde se misturam insoluvelmente elementos históricos e imaginativos, percebe-se que ele só pode iniciar sua missão depois de ter encontrado seus doze parceiros de caminhada: Hildebrand, Heine, Wittich, Hornboge, Fasold, Sintram, Dietleib, Amelung, Vildifer, Herbrand, Gunther e Hagen etc. Aqui ao mesmo tempo se evidencia a alta linhagem que os povos do norte dedicam à personalidade de Teodorico, o Grande! Adiante é necessário falar mais sobre ele.

A criança escolhida era, durante trinta anos, educada e preparada para a sua missão. Aos poucos o jovem era incumbido, cada vez mais, de tarefas mais amplas relacionadas com a vida social. Alcançados os 30 anos, finalmente, ele assumia uma responsabilidade que incluía toda a comunidade. Durante três anos encontrava-se na liderança do povo, em seguida, era substituído por outro primogênito, igualmente preparado.

Rudolf Steiner denomina um lugar central na Escandinávia cuja sede ele localiza ao norte da Jutlândia, como ponto de irradiação da vida espiritual da Europa. (GA 92 e 30.09. 1904, GA173 e 24-12-1916). Desse lugar os costumes dominantes eram determinados e estimulados. Pertencem a isso as festas do declínio do sol no fim do verão, assim como a ceifa dos galhos de visco na noite do meio do inverno, que lembra a lenda relatada na Edda, a traição de Lóki que usou a ponta envenenada de um galho de visco para matar o luminoso deus Baldur. Todos esses usos prepararam a compreensão efusiva da criança divina que os homens esperavam como sinal de graça do mundo dos deuses para os homens. Resulta da singela união da Terra e da natureza. Rudolf Steiner descobriu vestígios dessa atuação em lugares surpreendentes. Em 19.10.1907 formulou o seguinte em Berlim: “Em tempos remotos, os homens percebiam nos sítios sagrados, a atuação e o tecer das divindades. E o que lá percebiam, poderiam sentir também numa obra de arte gótica, como por exemplo, no domo de Milão! É a mesma sensação, o mesmo ambiente anímico que lá atua, como nos sítios sagrados dos druidas.”

Com isso aponta-se para a atuação cultural de pessoas originárias do sul da Escandinávia que, durante a migração dos povos, de lá se dirigiram paulatinamente através do mar do Leste, em direção às costas do mar Negro, ocupando a então província romana da Dárcia, reinando a leste do Rio Dnjestr até além do Rio Dom.

 Teodorico - um representante dos mistérios do norte

 Supostamente no ano 454 (a saga fala de uma vitória contra os hunos no dia do seu nascimento) nasce

Teodorico, o Amaler ostrogodo - chamado na saga de Dietrich von Bern” isso acontece não longe do lago de “Pllate” na (hoje Hungria) na então Ilíria, província romana situada mais ou menos, entre os Alpes do leste, Danúbio e o rio Save. O jovem chega aos oito anos a Bizâncio, como refém, onde passa dez anos. Ele deve servir de garantia entre o imperador e os povos nômades irrequietos. Logo o jovem altamente talentoso se torna favorito do imperador Leo, pois era um jovem especial. Em Bizâncio, são despertados e formados no jovem em

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desenvolvimento o senso e a veneração para o mundo de Homero e Plutarco e para tudo o que é bizantino e romano. Aos 18 anos, ele volta para sua pátria, junto ao Danúbio. Lá reúne em sua volta, enquanto seu pai se encontra em campanha, um exército de 6000 guerreiros, conquista os sármatas e entrega ao pai a presa de guerra. A cidade Singidunum (Belgrado) ele guarda para si em vez de devolver ao imperador de quem os sármatas a haviam conquistado - um preâmbulo de seu modo de agir mais tarde, quando, “para Bizâncio”, conquistou a Itália. Também lá ele fica com a sua conquista e a domina mais independente do que era o desejo de Bizâncio. Após a morte de seu pai, Theodimer, Teodorico com vinte anos é aclamado rei, a relação ambivalente com o imperador de Bizâncio continua manifestando-se nos próximos anos. Seu “status” oscila entre inimigo, aliado e alto dignitário. Em 485 ele combate duas insurreições contra Zeno e em 486 é recompensado com uma estátua eqüestre, em honra ao triunfo, o que não o impediu de, já em 487, marchar contra essa cidade ameaçando-a. Aos seus 30 anos realizam-se as expectativas míticas de seu povo. Ele é incumbido de uma missão na Itália, apresenta uma meta de união aos godos e conquista a Itália onde o grupo dos povos góticos em 493 o aclama rei, sendo ele confirmado por Bizâncio em 497.

Para a compreensão dos godos é inevitável considerar sua relação com o cristianismo. Exatamente nessa relação extraordinária apresenta-se uma evidência das relações históricas dos mistérios como foi apresentado inicialmente. Pois os godos aceitaram o cristianismo com abertura e intensidade espantosa, sem dúvida, numa forma particular que tem a ver com a relação da direção do espaço do mar do Leste para o espaço do mar Negro. Lá encontraram a concepção do bispo Árius, segundo ele, somente Deus não é gerado e é sem origem. Ao contrário do filho, que é gerado, portanto, não poderia ser Deus no mesmo sentido como o pai.

A partir dos meados do século IV os godos se juntaram à concepção ariana. Deve-se isso em especial ao bispo Ulfilas como bispo dos godos. De sua autoria é a tradução espiritual da Bíblia que, junto com outras inscrições em runas, conta entre as mais antigas transcrições e inscrições escritas de todas as línguas germânicas. Para os godos, através da concepção ariana o Cristo lhes era próximo de uma forma como talvez se torne clara na formulação “do filho do homem” do Evangelho de João. Ele era uma meta capaz de ser alcançada e alcançável para um homem. Ele caminhava com eles e, durante os séculos em que lhes faltava a pátria, era acompanhante, ponto fixo, Redentor e Salvador, ao mesmo tempo.

 Traços em Ravena

 Esse fato vem ao encontro do visitante nos mosaicos de Ravena, sendo especialmente impressionante a

grande semelhança, e ao mesmo tempo tão diferentes, das duas casas de batismo dos góticos e dos romanos, em seguida, no mausoléu de Gala Placidia e finalmente na igreja de Cristo do Teodorico, hoje conhecida sob a denominação, que antes confunde, “São Apolinário Novo”.

A construção dessa basílica remonta a um impulso direto de Teodorico. Severidade e decisão desses impulsos tornam-se visíveis na imagem em mosaico, onde ele se fez representar como peregrino a caminho dos mistérios do Cristo. Isso correspondia à proximidade do homem ao filho de Deus, segundo a concepção ariana e o fundo dos mistérios, do rei dos godos. Para a concepção romana do cristianismo, contudo representava uma blasfema a Deus e, tão rápido quanto possível, foi suprimido depois do fim do reinado godo.

Quão alta concepção espiritual unia o rei godo com a organização dessa igreja, sem dúvida está expresso na composição e ordem das tábuas de mosaicos no afresco superior da parede.

Aqui é acentuada uma forte diferença de norte e sul. Cada imagem apresenta uma cena dos evangelhos. A transformação da água em vinho, a chamada dos discípulos, a ressurreição de Lázaro e outras situações positivas são apresentadas no lado norte. A traição de Judas, a negação de Pedro, a captura e outras cenas problemática surgem no lado sul.

Quase não corresponderia a imagem de Teodorico, o Grande, cuja tolerância e sabedoria eram muito famosas, se fosse aplicado um simples esquema do bem e do mal em relação a Norte-Sul. O segredo jaz mais profundamente. Revela-se de pronto na apresentação diferenciada da própria figura do Cristo nas duas paredes opostas. O lado norte apresenta um Cristo no estilo bizantino, jovem, assexuado e imberbe. No lado sul, o contrário, um homem visivelmente sexuado, na idade mediana da vida, caracterizado pela barba. Isso correspondente ao modo iconográfico da figura de Cristo nas duas casas do batismo (batistério). O batistério dos arianos, dos godos, portanto, em estilo bizantino, o dos anastacianos (Anastácio foi secretário do bispo de Alexandria e era inimigo teológico de Arius) mantido em estilo romano. A casa de batismo romana mostra, em especial, através das pinturas nas paredes, semelhança com uma casa de banho (termas romanas) do seu tempo, onde o apóstolo, com o hábito de senado romano, forma um ambiente digno. Os atributos do batismo do Filho do

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Homem, no rio Jordão e por outro lado com um deus do rio personificado, um recipiente como fonte da qual jorra água, com a descida do Espírito Santo e a intermediação do Batista, transmitem na casa dos godos uma imagem espiritual de clareza transparente e profunda.

Da mesma forma oposta de Norte e Sul também se encontram, na seqüência, treze imagens nas paredes da basílica. O velho encontra o novo, um frescor algo já formado, algo estruturado. Isso é possível ser apontado em cada um dos pares de imagens. Mais dramático se torna visível o momento central, do sétimo par. No norte está a ressurreição de Lázaro. Um ser envolto em mortalha, saindo pelo portal de uma casa mortuária é chamado por Cristo, que indica com gesto revelador o mistério da vida e da morte, do nascimento e da reencarnação. Lázaro, através desse encontro, no verdadeiro sentido espiritual tornou-se um “ressurreto”, tornou-se um iniciado nos mistérios da vida. Ele visualizou o Cristo e doravante será sua testemunha incontestável.

Na parede oposta, no lado sul, está representada outra grande personalidade dos discípulos de Jesus, Pedro. É o momento onde, depois da prisão do mestre, ele é perguntado se também ele pertencia aos companheiros daquele - e ele o negou. É uma das poucas imagens desse friso onde o Cristo não foi representado. Ele está ausente na situação espiritual do Pedro. Apesar disso, é em cima de Pedro que deve ser erguida a igreja do Senhor. E ele organizará seu trono de bispo em Roma. Será que é a ausência da luz espiritual no sul que, de forma polêmica, aqui deve ser denunciada?

Essa suposição deixaria os verdadeiros fatos fora de foco e não consideraria a apresentação do lado norte com toda seriedade necessária. Lá é o Cristo puro e inocente que está sendo apontado. É o Cristo na figura de Jesus. É a criança pura e imaculada que nascerá para a humanidade, é o que aparece no lado norte. É o Jesus, como Filho do Homem, como companheiro familiar do povo dos godos. Surge sua imagem de pureza e de inocência natanaélica na luz de uma visão espiritual. Podemos encontrar uma relação de espelhamento entre norte e sul, tanto espiritualmente quanto geograficamente.

Pois na orientação espacial da basílica as imagens da parede norte todas apresentam estilo gótico. O norte, porém, olha para o sul nas ondas penetrantes da luz que o invade. Em contrapartida, a parede do sul, apesar de ser construída para a luz, lhe dá as costas, encontra-se com as suas imagens nas sombras do lado oposto da luz, tem o seu olhar dirigido, porém, ao mundo das imagens iluminadas do norte. Cordialidade cheia de devoção na relação com o Cristo encontra-se com as forças conscientes menos vitais do sul. Ser e consciência, vida e conhecimento, realidade e idéia surgem como grandes correntes dos mistérios da história da humanidade. Norte e sul completam-se e juntos possibilitam a compreensão dos mistérios do “vir a ser do homem” com os caminhos de cima e de baixo. Teodorico, como iniciado do norte, representa o papel de precursor nesse caminho.

 Herança dos mistérios

 Como seu seguidor, 1300 anos mais tarde, surge um Goethe que compreende e cultiva a substância

espiritual interior das direções celestes não só de leste a oeste, mas também, e especialmente de maneira para ele peculiar, faz frutificar a relação entre norte e sul. A viagem para a Itália de 1786 a 1778 traz incentivos decisivos, especialmente também para seus trabalhos de pesquisa de ciências naturais, o que se evidencia na teoria das cores, na botânica e zoologia. O que hoje chamamos de goetheanismo, fortemente focado no trabalho das ciências naturais, aqui teve suas fontes. Não é possível determinar a identidade da Europa Central sem essas fontes.

Outros herdeiros dessa fonte são, por exemplo, Kasper David Friedrich (pintor naturalista alemão) cujas obras naturalistas expressam um profundo amor pela criação sublime, representando a natureza, não de forma apenas subjetiva, supra subjetiva, mas elevando-a à criação ideal; ou então, Gotfreid Ephraim Lessing como aquele pensador que adquiriu e conseguiu apresentar na “Educação do Ser Humano” o pensamento da reencarnação, não a partir da transmissão de escritos, mas, a partir de experiências de pensamentos interiores próprios, - como que “de baixo”. Por último, ainda pertence a essa lista Joseph Beuys através da célebre frase sobre a oficialidade dos mistérios que hoje se desenrolam nas estações ferroviárias.

 O autor: Hartwig Schiller, nasceu em 1947, formado em filosofia, política e pedagogia. Fez trabalho social com jovens em pontos cernes de Frankfurt. A partir de 1973, professor de classe na escola Rudolf Steiner de Hamburgo, paralelamente professor de ciências sociais e religião. A partir de 1983, paralelamente professor fundador em Lüneburg; a partir de 1978 é ativo na formação de professores, 1979, professor na Escola Superior Livre de Stuttgart. Membro da diretoria da Federação das Escolas Livres Waldorf e da Sociedade Antroposófica na Alemanha.

 

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Literatura:

Caio Júlio César: As Guerras Gálicas.Publius Cornélio Tacitus: Germânica.Steiner, Rudolf – As Verdades Ocultas dos Antigos Mistérios e Sagas GA 92.Steiner, Rudolf – Contemplações da Historia Contemporânea. I parte. GA 173.Steiner, Rudolf – Imagens de Selos Ocultos e das Colunas, GA 284.