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[1] A REVOLUÇÃO NEOLÍTICA Após cerca de 250 mil anos de resfriamento, em mais um Período Glacial, o planeta Terra experimentou uma fase de aquecimento global que provocou diversas alterações no meio ambiente em torno de 10.000 a.C. O derretimento das geleiras que cobriam grande parte do globo elevou o nível dos mares, que passaram a ocupar grandes superfícies da Terra. O degelo também favoreceu a formação de rios e lagos de água doce. Com o aumento da umidade atmosférica, as chuvas passaram a ser mais regulares. Para o continente africano, esse foi um período de grandes mudanças. O deserto do Saara, até então seco e inóspito, conheceu períodos de chuvas, que reduziram sensivelmente sua área. Os grandes maciços do Tibesti e do Hoggar, hoje rochas sem vegetação, eram cobertos nesse período, por florestas de carvalho e nogueiras. As encostas mais baixas, como de Tassili, ao norte, Enedi e Aïr, ao sul, eram forradas de oliveiras e pinheiros. Novos rios, lagos, lagunas e regatos apareceram. A pesca abundante permitiu que populações estabelecessem moradas fixas, junto aos rios e às margens dos lagos. Não foram somente os peixes que se multiplicaram, a região também ficou repleta de elefantes, hipopótamos, rinocerontes, aves aquáticas, girafas, búfalos, leões. Nesse rico habitat, além de contar com a caça e a pesca, os povos do Saara colhiam ervas e cereais silvestres, que passaram a ter função cada vez mais importante na alimentação e, consequentemente, na sua sobrevivência. O modo de vida das populações ribeirinhas pode ter feito dessa região o cenário de transição do final da coleta para o cultivo deliberado, isto é, planejado e organizado.

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A REVOLUÇÃO NEOLÍTICA

Após cerca de 250 mil anos de resfriamento, em mais um Período Glacial, o planeta Terra experimentou uma fase de aquecimento global que provocou diversas alterações no meio ambiente em torno de 10.000 a.C. O derretimento das geleiras que cobriam grande parte do globo elevou o nível dos mares, que passaram a ocupar grandes superfícies da Terra. O degelo também favoreceu a formação de rios e lagos de água doce. Com o aumento da umidade atmosférica, as chuvas passaram a ser mais regulares.

Para o continente africano, esse foi um período de grandes mudanças. O deserto do Saara, até então seco e inóspito, conheceu períodos de chuvas, que reduziram sensivelmente sua área. Os grandes maciços do Tibesti e do Hoggar, hoje rochas sem vegetação, eram cobertos nesse período, por florestas de carvalho e nogueiras. As encostas mais baixas, como de Tassili, ao norte, Enedi e Aïr, ao sul, eram forradas de oliveiras e pinheiros. Novos rios, lagos, lagunas e regatos apareceram. A pesca abundante permitiu que populações estabelecessem moradas fixas, junto aos rios e às margens dos lagos.

Não foram somente os peixes que se multiplicaram, a região também ficou repleta de elefantes, hipopótamos, rinocerontes, aves aquáticas, girafas, búfalos, leões. Nesse rico habitat, além de contar com a caça e a pesca, os povos do Saara colhiam ervas e cereais silvestres, que passaram a ter função cada vez mais importante na alimentação e, consequentemente, na sua sobrevivência. O modo de vida das populações ribeirinhas pode ter feito dessa região o cenário de transição do final da coleta para o cultivo deliberado, isto é, planejado e organizado.

Tal situação ofereceu às comunidades humanas oportunidades de estabelecer outras maneiras de se apropriar da natureza e criar novas organizações sociais. Além de produzir ferramentas, enfeites e amuletos, de dominar o fogo, de criar linguagens, crenças e rituais, de estabelecer vínculos afetivos e até mesmo inventar o amor, os seres humanos desenvolveram o trabalho, ou seja, o conjunto de atividades voltadas à transformação da natureza.

Na verdade, modificava-se o sentido das atividades humanas. Ao lado da caça, pesca e coleta, passava-se a praticar a agricultura, uma intervenção no meio natural com fins produtivos. Mediado por relações sociais e por divisões no interior das comunidades, o trabalho surgiu como o resultado do processo de constituição da humanidade que acabou por se tornar uma característica da própria condição humana. Através do trabalho, os seres humanos desenvolveram, nessa época (por volta de 10.000 a.C.), uma série de transformações consideradas revolucionárias por

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muitos estudiosos. Trata-se da chamada Revolução Agrícola ou Revolução Neolítica (do grego, neo: novo e lithos: pedra). Quanto mais a agricultura se desenvolvia, as atividades de sobrevivência anteriores – caça, coleta e pesca – deixavam de ser praticadas, tornando-se em muitos casos, atividades complementares e secundárias.

O Período Neolítico que se estende aproximadamente de 10 mil a 6 mil anos atrás, também é chamado de Idade da Pedra Polida.

Cio da terra

Trigo, cevada, painço, arroz, milho, inhame, bata-doce. O cultivo dessas plantas constitui até os dias atuais, a dieta básica de diversas populações espalhadas por todo o planeta. A domesticação de cereais silvestres como o trigo e a cevada, ofereceu as bases para as grandes transformações das comunidades humanas. Esses cereais proporcionaram diversas vantagens: eram altamente nutritivos, os grãos podiam ser armazenados sem dificuldade e tinham ótimo rendimento. É certo que o preparo da terra, plantio e colheita exigiam esforço coletivo dos grupos humanos, mas esse trabalho permitia intervalos regulares (antes e depois da semeadura) que lhes davam oportunidade de dedicar-se a outras ocupações, tais como a fabricação de instrumentos e utensílios de trabalho, a criação da culinária, a produção de cerâmica e de cestos, a fiação e tecelagem, a produção de arte, etc.

A DOMESTICAÇÃO DE PLANTAS E ANIMAIS

A primeira dessas transformações afetou a economia. Após milênios de acúmulo de observações da natureza, dos fenômenos naturais e experiências, os seres humanos passaram a dominar conhecimentos básicos de agricultura. O aproveitamento de terrenos irrigados pelas cheias dos rios e o armazenamento ainda precário de água das chuvas permitiram o desenvolvimento da horticultura, do plantio de tubérculos e cereais nas mesmas áreas onde eram anteriormente coletados.

Ao lado das pequenas hortas e terrenos de cultivo começou a combinar-se, também, a criação de animais. Desenvolvida igualmente de maneira mais ou menos ocasional, a domesticação de animais se iniciou, possivelmente, pela entrega de filhotes de animais caçados aos cuidados das mulheres e dos filhos do bando. Cães, aves, porcos, renas, camelos, ovelhas, cavalos e bois podem ter sido os primeiros animais a ser domesticados e isso permitiu o abastecimento mais regular e abundante de carnes, peles e leite. Além da dieta, os animais possibilitaram uma nova força muscular, como montaria ou tração para transporte e para os trabalhos da terra, aumentado a capacidade produtiva das atividades humanas e a diminuição do esforço físico na realização de algumas tarefas. A domesticação de animais facilitou enormemente o trabalho dos homens.

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Alguns instrumentos de trabalho usados no período

Atividade agrícola coletiva no Neolítico

A ‘DOMESTICAÇÃO’ DO SER HUMANO

O novo tipo de economia favoreceu o aumento populacional provocado pela relativa fartura e regularidade de oferta de alimentos. A convivência de um número maior de seres humanos, no entanto, foi possibilitada por um longo processo de domesticação dos instintos e da sexualidade.

Os grupos humanos pré-agrícolas subdividiam-se sempre que havia crescimento do bando. A dispersão de seus integrantes oferecia maiores condições para o sustento do grupo através da coleta e da caça e também evitava a disputa pelas mulheres do bando, provocada pelos machos mais jovens com relação aos machos mais velhos.

A criação de vínculos de solidariedade mais permanentes ocorreu juntamente com a regulamentação das relações sexuais: proibições para parentes próximos (incesto) e definição do número de casamentos admitidos (poligamia).

Tais transformações revelam a passagem do acasalamento natural e selvagem para a união social e cultural. Ou seja, da fecundação realizada durante o período de cio das fêmeas que podiam (e deviam) ser copuladas por vários machos, para a constituição de regras e restrições para as práticas sexuais.

No lugar das disputas violentas pelas fêmeas nos bandos e da expulsão dos filhos machos crescidos, as regulamentações estabeleceram proibições, rituais, privilégios e subordinações, contribuindo para a ordenação da convivência e para o fortalecimento dos laços familiares. No lugar da competição entre os machos, estabeleceram-se formas de cooperação e a afirmação da autoridade masculina, como tendência geral. No lugar de unidades familiares fechadas e isoladas, foram criados grupos e alianças entre grupos diversos através da circulação das mulheres

A mulher e a agricultura

Admite-se, normalmente, que a agricultura tenha sido uma descoberta feminina. Ocupado em perseguir a caça ou em apascentar o gado, o homem estava sempre ausente. Pelo contrário, a mulher, ajudada pelo seu espírito de cooperação, limitado mas penetrante, tinha ocasião de observar os fenômenos naturais de sementeira e de germinação e de tentar reproduzi-los artificialmente. Por outro lado, pelo fato de ser solidária com outros centros de fecundidade cósmica – a Terra e a Lua –, a mulher adquiria o prestígio de poder influir na fertilidade e de poder distribuí-la. É assim que se explica o papel preponderante desempenhado pela mulher nos começos da agricultura – sobretudo no tempo em que esta técnica era apanágio das mulheres –, papel que continua a desempenhar cem certas civilizações.

Quando se iniciou a organização dos clãs, cabia à mulher um importante papel: cabia a ela ajudar a garantir a sobrevivência dos membros do bando, uma vez que a coleta de frutos e raízes, a semeadura de grãos e a colheita ficava ao seu encargo. Na interpretação de muitos pesquisadores, o papel da mulher era tão importante que a sociedade organizava-se sob a forma de matriarcado, onde há o predomínio da mulher sobre o homem.

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Com o crescimento populacional e a necessidade de ampliar a produção de alimentos, levou o homem a substituir a mulher no trabalho agrícola. Ele – o homem – se tornou o provedor, o dono da propriedade e da produção e a mulher e suas crias, eram meramente consumidores. Resultado: passagem do matriarcado para o patriarcado, onde a mulher também passou a ser vista como propriedade do homem, situação que começou a ser questionada no mundo ocidental no final do século XIX, mas que persiste ainda em muitos países e regiões do planeta, em pleno século XXI.

INOVAÇÕES TÉCNICAS

Além do desenvolvimento de técnicas agropastoris, diversos povos do Neolítico também promoveram outras inovações:

Construção de casas – para viverem próximo dos rebanhos e das plantações e conseguir uma moradia mais durável, os povos do Neolítico começaram a construir casas utilizando madeira, barro, pedra e folhagem seca. O interesse por habitações desse tipo relaciona-se, portanto, com o processo de sedentarização dos povos neolíticos.

Instrumentos de pedra – como você sabe, a pedra passou a ser polida, havendo uma série de aperfeiçoamentos técnicos em instrumentos feitos desse material, como facas, machados, foices, enxadas e pilões.

Cerâmica – a necessidade de cozinhar e armazenar os alimentos levou diversos povos do Neolítico a desenvolverem a técnica de dar forma à argila e aquecê-la no fogo para produzir os primeiros vasos e potes cerâmicos (recipientes que suportavam o calor do fogo e podiam conter líquidos).

Tecelagem – vários grupos humanos começaram a fiar e a tecer, utilizando pelos de animais (lã) e fibras vegetais (algodão e linho). Surgiram, assim, as primeiras vestimentas de linho, algodão e lã, e as roupas, que até então eram feitas principalmente com peles de animais (couro), passaram a ser mais elaboradas.

Metalurgia – por volta de 4.000 a.C., as primeiras sociedades urbanas do Oriente Próximo começaram a desenvolver a metalurgia, ou seja, a utilização sistemática de metais (cobre, estanho, bronze, ferro) para a fabricação dos mais variados objetos. Os metais, muitas vezes, eram extraídos de terras distantes das oficinas metalúrgicas.

O texto acima dói adaptado dos livros:1. História Global: Brasil e Geral, Gilberto COTRIM, volume 1.2. A escrita da História, Flávio de Campos e Regina Claro, volume 1.

Profª ISABEL CRISTINA SIMONATOEEEM “Emílio Nemer” – Castelo – ES

Blog: belsimonato.wordpress.com07.março.2012