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Protecção de crianças e jovens em perigo - Abordagem teórica elementar, desafios e angústias

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Protecção de crianças e

jovens em perigo- Abordagem teórica elementar,

desafios e angústias

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“O que mais preocupa não é o grito dos violentos,

nem dos corruptos, nem dos desonestos, nem dos

sem carácter, nem dos sem-ética.

O que mais preocupa é o silêncio dos bons.”

- Martin Luther King -

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Promoção e protecção de crianças e jovens em risco

As origens

A criança nasce como sujeito de direitos com o iluminismo e Rousseau é um

dos primeiros pensadores que lhe atribui valores próprios e potencialidades. Carlos

Como escreveria “Chegou o momento da libertação dos oprimidos: pobres, loucos e

crianças.”

No século XIX, com a revolução industrial, são dados os primeiros passos para

a criação de mecanismos visando a protecção da criança e toma-se consciência da

sua importância, mas só no século XX surgem os primeiros textos internacionais sobre

a matéria.

Desde logo, a Declaração dos Direitos da Criança do Conselho da União

Internacional de Protecção à Infância, de 1923, conhecida como Declaração de

Genebra, proclama que a criança tem direito a ser protegida, auxiliada, alimentada,

tratada, educada, recolhida se abandonada ou órfã, colocada em condições de se

desenvolver de maneira normal nos planos material, moral e espiritual,

independentemente da sua raça, nacionalidade ou crença, sempre com respeito pela

integridade da família.

Também a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, contém

normas específicas quanto à matéria – o artigo 25º, nº 2 prevê que a maternidade e a

infância têm direito a ajuda e assistência especiais e que todas as crianças, nascidas

dentro ou fora do matrimónio, gozam da mesma protecção social.

De 1959 é a Declaração dos Direitos da Criança, documento no qual se

proclama que “A criança, por motivo da sua falta de maturidade física e intelectual, tem

necessidade de uma protecção jurídica adequada, tanto antes, como depois do

nascimento.” A Declaração proclama que os poderes públicos devem prestar cuidados

às crianças sem família, educação gratuita para a criança até um nível elementar,

protecção contra todas as formas de negligência, crueldade ou exploração e que não

deve trabalhar antes de atingir uma idade mínima. A este instrumento pode, porém,

ser apontado um handicap: apesar de impor às nações obrigações de natureza moral,

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princípios de conduta, não vincula juridicamente os Estados pela concretização dos

direitos da criança que declara, nem pela adoção de ações a ela relativos.

Em 26 de Janeiro de 1990 é assinada em Nova Iorque a Convenção sobre os

Direitos da Criança (ratificada por Portugal a 12 de Setembro de 1990), que reconhece

a criança como sujeito autónomo de direitos e que torna os Estados-parte

juridicamente responsáveis pela realização dos direitos da criança e pelas medidas

(legislativas, administrativas, sociais e educativas) que adotem na concretização dos

seus princípios. A Convenção elege a família como suporte afetivo, emocional e

socializador da criança e integra a problemática dos direitos da criança num quadro de

reflexão universal, intrinsecamente ligados aos direitos humanos.

A Convenção impõe, pois, a adoção de medidas para protecção da criança

contra a violência física/mental, a sevícia, o abandono, o tratamento negligente, os

maus tratos e a exploração, designadamente sexual.

A Convenção sobre os Direitos da Criança prevê, como principais princípios

vetores:

O princípio da não discriminação (art. 2º)

O princípio de que a criança tem direito à vida, sobrevivência e ao

desenvolvimento (art. 6º)

O princípio do superior interessa da criança como fator de ponderação – para

decisões judiciais, das autoridades administrativas, das opções legislativas…

O princípio do respeito pelas opiniões da criança (com capacidade de

discernimento) (art. 12º, nº 1) – as crianças têm direito a ser ouvidas e as suas

opiniões devem ser tidas em consideração em processo judiciário ou

administrativo que as afete.

A Convenção prevê ainda outros direitos de natureza social (à saúde, à

educação, à segurança social, aos cuidados físicos, à vida familiar, à cultura), de

protecção (contra a discriminação, o abuso físico e sexual, o abandono, a

negligência, a exploração, o tratamento cruel) e de participação (direito ao nome e

identidade, a ser consultada, ao acesso à informação, à liberdade de expressão e

opinião).

A Convenção constitui direito interno português (art. 8º, nº 2 da CRP), é fonte

de direitos extra-constitucionais, está presente na interpretação das disposições

legais relativas aos direitos das crianças e contribui para a densificação criativa e

dinâmica desses direitos.

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Na ordem jurídica portuguesa, a Convenção encontra manifestações na

Constituição da República Portuguesa, no Código Civil, na OTM, na Lei nº 147/99,

de 1/09, na Lei nº 166/99, de 14/09 e em diversa Legislação Avulsa.

A Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP) – ideias gerais

A LPCJP, aprovada pela Lei nº 147/99, de 1/09, entrou em vigor no dia 1 de

Janeiro de 2001 e define o regime jurídico da intervenção social do Estado e da

Comunidade, nas situações de crianças em perigo e que careçam de protecção. Tem

por objecto a promoção e protecção dos direitos individuais, sociais, económicos e

culturais da criança e do jovem, por forma a garantir o seu bem estar e

desenvolvimento integral (art. 1º).

O art. 2º define o âmbito de aplicação do diploma: crianças e jovens em perigo,

que residam ou se encontrem em território nacional.

O art. 3º, nº 1 fixa os pressupostos de legitimidade da intervenção: só é

legítima a intervenção (social, administrativa ou judiciária) quando os pais, o

representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a segurança,

a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança ou do jovem, ou

quando o perigo resulte da ação ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do

jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo. A intervenção

terá, pois, de ter como objectivo o afastamento do perigo em que a criança ou o jovem

se encontra e proporcionar-lhe as condições que permitam proteger e promover a sua

segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral (vd. art.

34º). O perigo a que se reporta esta norma traduz a existência de uma situação de

facto que ameace a segurança, a saúde, a formação, a educação ou desenvolvimento

da criança ou do jovem, não se exigindo a verificação da efetiva lesão desses bens.

O nº 2 do art. 3º contempla, a título exemplificativo, algumas das situações em

que o legislador considera que a criança ou o jovem se encontram em perigo,

legitimando, pois, a intervenção. Assim, considera-se em perigo, designadamente, a

criança ou o jovem:

Que esteja em situação de abandono ou entregue a si própria;

Que sofra maus tratos físicos ou psíquicos ou seja vítima de abusos sexuais;

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Que não receba os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação

pessoal;

Que esteja obrigada a atividades ou trabalhos excessivos ou inadequados à

sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudiciais à sua formação ou

desenvolvimento;

Que esteja sujeita, de forma direta ou indireta, a comportamentos que afetem

gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional;

Que assuma comportamentos ou se entregue a atividades ou consumos que

afetem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou

desenvolvimento, sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a sua

guarda de facto (porque não querem, não sabem ou não podem) se lhes

oponham de modo adequado a remover essa situação (ou intervenham mas

tomem medidas inadequadas).

A questão da legitimidade da intervenção coloca em conflito duas garantias

constitucionais: o direito dos pais a cuidarem e conduzirem a educação dos filhos (art.

67º e 68º da CRP) e o direito dos filhos a serem protegidos quando os pais são

omissos ou os prejudiquem (art. 69º da CRP).

Os princípios orientadores da intervenção estão previstos no art. 4º, encontrando-

se, logo a abrir o elenco, o do interesse superior da criança e do jovem, presente em

textos (nacionais e internacionais) que serviram de inspiração e fonte à LPCJP,

definido por Armando Leandro como um “conceito indeterminado para cuja correta

interpretação têm que convergir considerações complexas de diversa ordem, nem

sempre de sinal idêntico, de natureza ética, científica, técnica e cultural.” Rui Epifânio

e António Farinha escreveram, a propósito, que “Este interesse prende-se com uma

série de factores atinentes à situação concreta deste que devem ser ponderados à luz

do sistema de referências que hoje vigora na nossa sociedade, sobre as necessidades

do menor, as condições materiais, sociais, morais e psicológicas adequadas ao seu

desenvolvimento estável e equilibrado e ao seu bem-estar material e moral.”

Tendo como princípio norteador de todo o sistema de protecção o interesse

superior da criança e do jovem, a intervenção deve:

Respeitar a intimidade

Ter lugar logo que sinalizado o perigo

Ser desenvolvida por entidades legitimadas

Ser adequada e não exceder o necessário

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Ter uma vertente pedagógica e responsabilizadora em relação à atitude

dos pais

Dar prevalência a medidas integradoras na família

Ser precedida de audição da criança e de quem tenha a sua guarda.

Intervenção para promoção dos direitos e de protecção da criança e do jovem em perigo

Nos termos do art. 6º, as entidades legitimadas para intervir na promoção dos

direitos e protecção da criança e do jovem em perigo são as entidades com

competência em matéria de infância e juventude (ex.: autarquias, Instituto de

Solidariedade e Segurança Social, Instituições Particulares de Solidariedade Social,

Instituto de Apoio à Criança, SOS Criança, Hospitais…), as comissões de protecção

de crianças e jovens e os tribunais.

A intervenção das comissões de protecção de crianças e jovens (vd. art. 12º e

ss.) tem lugar quando não seja possível às entidades com competência em matéria de

infância e juventude atuar de forma adequada e suficiente a remover o perigo em que

se encontram e depende sempre do consentimento expresso dos pais, do

representante legal ou da pessoa que tenha a guarda de facto (art. 8º e 9º), bem como

da não oposição da criança ou do jovem com idade igual ou superior a 12 anos ou

inferior, desde que tenha capacidade para compreender o sentido da intervenção (art.

10º). Havendo oposição, a comissão de protecção comunica a situação ao Ministério

Público junto do tribunal competente, remetendo-lhe o processo (art. 95º).

A intervenção judiciária ocorre sempre que se verifique alguma das situações

previstas no art. 11º, numa lógica de subsidiariedade:

Quando não esteja instalada CPCJ com competência na área de residência da

criança ou do jovem ou quando esta não tenha competência para aplicar a

medida de promoção e protecção considerada adequada;

Quando não seja prestado ou seja retirado o consentimento necessário à

intervenção da CPCJ ou quando o acordo de promoção e protecção celebrado

com esta entidade seja reiteradamente incumprido;

Quando a criança ou o jovem se oponham à intervenção;

Quando a CPCJ não disponha de meios necessários para aplicar ou executar a

medida que considere adequada;

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Quando, decorridos seis meses desde o conhecimento da situação de perigo, a

CPCJ não tenha proferido qualquer decisão;

Quando o MP considere que a decisão da CPCJ é ilegal ou inadequada à

promoção dos direitos ou à protecção da criança ou do jovem;

Quando o tribunal decida a apensação do processo da CPCJ ao processo

judicial, nos termos do art. 81º, nº 2.

A LPCJP prevê a obrigatoriedade de comunicação das situações de perigo em

que se encontrem crianças e jovens para diversas entidades (art. 64º, 65º, 67º) e a

possibilidade de qualquer pessoa comunicar tais situações às entidades com

competência em matéria de infância e juventude, às entidades policiais, às comissões

de protecção ou às autoridades judiciárias. Estando, porém, em causa situações que

ponham em risco a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade da criança ou

do jovem, tal comunicação é obrigatória (art. 66º).

As CPCJ, por seu turno, comunicam ao MP as situações em que considerem

adequado o encaminhamento para adoção, em que esteja em causa a aplicação de

medida que determine ou mantenha a separação da criança ou do jovem dos seus

pais, representante legal ou das pessoas que tenham a sua guarda de facto, para

além daquelas que determinam a intervenção judiciária (art. 68º).

Iniciativa do processo judicial de promoção e protecção

Cabe ao MP a iniciativa de requerer a abertura de processo judicial de

promoção dos direitos e de protecção nas seguintes situações (art. 73º):

Quando tenha conhecimento de situações de crianças e jovens em perigo

residentes em áreas em que não esteja instalada CPCJ;

Quando receba as comunicações a que se refere o art. 68º e considere

necessária a aplicação judicial de uma medida de promoção e protecção;

Quando requeira a apreciação judicial da decisão da CPCJ, nos termos do art.

76º, ou seja, quando entenda que as medidas aplicadas por esta entidade são

ilegais ou inadequadas para promoção dos direitos e protecção da criança ou

do jovem em perigo.

Para além do MP, só têm legitimidade para a iniciativa processual os pais, o

representante legal, as pessoas que tenham a guarda de facto e a criança ou jovem

com idade superior a 12 anos, quando, decorridos seis meses após o conhecimento

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da situação pela CPCJ, não tenha sido proferida qualquer decisão (art. 11º, al. e) e

105º, nº 2).

Competência territorial

Para aplicação das medidas de promoção e protecção é competente a CPCJ

ou o tribunal da área da residência da criança ou do jovem no momento em que é

recebida a comunicação da situação ou instaurado o processo judicial e se não for

conhecido o local de residência, é competente a CPCJ ou o tribunal do lugar onde a

criança ou o jovem for encontrado. Porém, se a criança ou o jovem mudar de

residência por período superior a três meses, o processo é remetido à CPCJ ou ao

tribunal da área da nova residência (art. 79º).

Por residência deve entender-se o lugar onde a criança ou o jovem residem

habitualmente, ou seja, o local onde se encontra organizada a sua vida, em termos de

estabilidade e permanência. O critério da residência para fixação da competência

territorial assenta no facto de se entender que a CPCJ ou o tribunal da área de

residência da criança ou do jovem dispõe de melhores condições para conhecer a

realidade familiar e social em que se encontra inserida a criança ou o jovem e, desse

modo, para aplicar as medidas adequadas. A razão de ser deste critério é a mesma

que preside à excepção prevista no nº 4 do art. 79º, que prevê a remessa do processo

à CPCJ ou ao tribunal da nova residência, desde que a mudança se prolongue por

mais de três meses e após a aplicação da medida.

O sentido da expressão “após a aplicação da medida” tem suscitado discussão,

entendendo uns que apenas abrange medidas definitivas e outros igualmente as

provisórias (vd., no primeiro sentido, Tomé de Almeida Ramião, LPCJP Anotada e

Comentada, 4ª ed., p. 121, ac. TRL, de 21/04/2005, www.dgsi.pt/jtrl).

A propósito desta questão, convém ainda referir que as medidas de colocação

em instituição não configuram uma alteração de residência relevante para efeitos de

aplicação desta norma (neste sentido, ac. STJ, de 11/06/2002, www.dgsi.pt/jstj).

Procedimentos de urgência

A situação de “perigo” em que se encontra uma criança e que legitima a

intervenção tem como pressuposto a sua atualidade ou a eminência de efeitos

negativos na sua vida e pode conduzir a mecanismos de excepção, previstos nos

artigos 91º e 92º da LPCJP.

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Os procedimentos urgentes apresentam como lógica subjacente a necessidade

de agir em tempo útil para proteger eficazmente, prevenindo “custos” de intervenção

adiada por razões circunstanciais.

Existem dois tipos de procedimento urgente:

O procedimento administrativo (inovador) – artigo 91º

O procedimento judicial – artigo 92º

Estes procedimentos têm como requisito subjectivo a urgência em afastar o

perigo para a vida ou integridade física da criança e como requisito objectivo a

oposição à intervenção por parte de quem exerce as responsabilidades parentais ou

de quem tem a guarda de facto da criança.

Verificando-se a urgência na intervenção, que procedimento accionar?

Se o tribunal estiver contactável, a situação deve ser-lhe comunicada e deve

iniciar-se um procedimento urgente judicial; caso contrário, deve ser desencadeado

um procedimento administrativo urgente.

O artigo 91º confere legitimidade às entidades com competência em matéria de

infância e juventude, às CPCJ e às forças policiais para tomarem as “medidas

adequadas” com vista à protecção imediata da criança cuja vida ou integridade física

se encontra em perigo. E note-se que a lei não refere “medidas provisórias”, uma vez

que, verificando-se oposição à intervenção, só o tribunal pode aplicar as medidas

provisórias de promoção e protecção.

Recebida a comunicação por parte de qualquer uma das entidades atrás

referidas, o Ministério Público requer imediatamente procedimento judicial urgente

(artigo 91º, nº 4).

Logo que ao tribunal sejam comunicadas, pelo requerimento do Ministério

Público, as situações de urgência, o juiz profere decisão provisória no prazo de 48

horas, confirmando as medidas tomadas pelas entidades não judiciais, aplicando

qualquer uma das medidas previstas no artigo 35º ou determinando o que tiver por

conveniente quanto ao destino da criança ou do jovem (artigo 92º, nº 1).

Proferida a decisão provisória, o processo segue os seus termos como

processo judicial de promoção e protecção (artigo 92º, nº 3).

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Convém, porém, notar que os procedimentos urgentes podem ser aplicados

quando já esteja pendente processo judicial de promoção e protecção, visto que não

faria sentido que, verificando-se uma situação urgente, não pudessem ser

desencadeados pelas entidades competentes os mecanismos necessários para

efectiva protecção da criança ou jovem mas, neste caso, é, logicamente, inaplicável o

nº 3 do artigo 92º.

O processo judicial de promoção e protecção – aspectos gerais

O processo judicial de promoção dos direitos e protecção das crianças e jovens

em perigo é de jurisdição voluntária (artigo 100º), o que significa que o julgador não

está vinculado a decidir segundo critérios estritamente jurídicos, tendo liberdade para

proferir a decisão que lhe pareça mais conveniente, de acordo com os interesses em

causa.

Para tal, o tribunal pode investigar livremente os factos, coligir as provas,

ordenar as diligências e recolher as informações que lhe parecerem necessárias.

O tribunal competente para este processo é o tribunal de família e menores

(artigo 101º).

Os processos de promoção e protecção são de natureza urgente, pelo que

correm em férias judiciais (artigo 102º).

No âmbito do processo judicial, os pais, o representante legal ou quem tenha a

guarda de facto da criança, podem, em qualquer altura do processo, constituir

advogado ou requerer a nomeação de patrono que o represente, a si ou à criança ou

jovem (artigo 103º, nº 1).

Porém, é obrigatória a nomeação de patrono à criança ou jovem, nos seguintes

casos, previstos nos nºs 2 e 4 do artigo 103º:

Quando os interesses da criança ou do jovem e os dos pais, representante

legal ou de quem tenha a guarda de facto sejam conflituantes;

Quando a criança ou jovem, com maturidade adequada, o solicite ao tribunal;

No debate judicial, uma vez que é esse o momento próprio para o exercício do

contraditório, para a explanação das posições e argumentos que se tenham

por decisivos para a definição da situação da criança ou do jovem.

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O artigo 104º consagra o princípio do contraditório, o qual deve ser observado

ao longo do processo judicial e que se manifesta, desde logo, no direito concedido à

criança ou jovem, aos seus pais, ao representante legal ou a quem tenha a guarda de

facto de requerer diligências e oferecer meios de prova. Outras manifestações do

princípio do contraditório encontram-se nos artigos 84º (audição da criança e do

jovem); 85º (audição dos titulares das responsabilidades parentais); 88º, nº 3 e 4

(consulta e acesso ao processo); 107º, nº 1, al. a) e b) (audição obrigatória); 114º, nº 1

e 3 (direito de alegar); 117º (regime das provas) e 119º (alegações no debate judicial).

Quando esteja em causa a aplicação da medida de confiança para futura

adopção, prevista no artigo 35º, nº 1, al. g), o exercício do contraditório apresenta

exigências acentuadas, justificadas pela equiparação desta medida à confiança judicial

com vista à adoção, bem como das consequências jurídicas decorrentes da sua

aplicação, como seja, a inibição legal dos pais quanto ao exercício das

responsabilidades parentais (cfr. artigo 1978º-A do CC). Por isso, quando esteja em

causa a aplicação desta medida, o princípio do contraditório deve observar-se quanto

aos factos e à medida a aplicar em todas as fases do processo, nomeadamente, na

conferência para a obtenção do acordo e no debate judicial. Assim se compreende

também que, entendendo o Ministério Público que a medida a aplicar é a de confiança

com vista a futura adoção, é obrigado a alegar por escrito e a apresentar prova (artigo

114º, nº 2).

As fases do processo de promoção e protecção

O processo de promoção e protecção é constituído pelas seguintes fases:

Instrução

Debate judicial

Decisão

Execução da medida.

A fase da instrução é constituída pelo conjunto de diligências que visam

conhecer a situação da criança ou jovem e do seu agregado familiar e da existência ou

não da situação de perigo.

Das diligências a realizar nesta fase, destacam-se:

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- a audição (obrigatória) da criança ou do jovem com idade igual ou superior a

12 anos, dos pais, representante legal ou da pessoa que tenha a sua guarda (artigo

107º, nº 1);

- a audição de técnicos que conheçam a situação da criança ou do jovem

(artigo 107º, nº 2);

- informações e relatórios sociais sobre a situação da criança e do jovem e do

seu agregado familiar (artigo 108º).

O prazo legal da instrução é de quatro meses (artigo 109º).

Concluídas as diligências consideradas necessárias, o juiz, ouvido o Ministério

Público, declara encerrada a instrução e:

Decide o arquivamento do processo, quando concluir que não se comprova a

situação de perigo ou a mesma já não subsiste, sendo, por isso, desnecessária

a aplicação de qualquer medida de promoção e protecção (artigo 110º, al. a) e

111º);

Designa dia para realização de uma conferência com vista à obtenção de

acordo de promoção e protecção, caso este se revele provável (artigo 110º, al.

b), 112º e 113º); ou

Determina o prosseguimento do processo para realização de debate judicial,

quando se mostre improvável o acordo (artigo 110º, al. c) e 114º).

A fase do debate judicial tem lugar quando:

Das diligências realizadas, em sede de instrução, se conclua pela existência da

situação de risco para a criança ou jovem que justifique a aplicação de medida

de promoção e protecção e seja manifestamente improvável a adesão dos

pais, representante legal, de quem tenha a guarda de facto e da criança ou

jovem com mais de 12 anos, a acordo de promoção e protecção (artigo 110º,

al. c) ou

Designado dia para a conferência com vista à obtenção de acordo de

promoção ou protecção, por tal se ter afigurado provável, não foi possível a sua

obtenção, por falta de consentimento dos pais, representante legal ou de quem

tenha a guarda de facto, oposição da criança ou do jovem com mais de 12

anos ou oposição do MP (artigo 114º, nº 1).

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Nestes casos, é ordenado o prosseguimento do processo, com a notificação do

MP, dos pais, representante legal ou quem tenha a guarda de facto e da criança com

mais de 12 anos para alegarem, por escrito, e apresentarem prova (artigo 114º, nº 1).

O debate judicial é realizado por tribunal colectivo, composto pelo juiz do

processo, que preside, e por dois juízes sociais (artigo 115º).

Concluída a produção de prova, o tribunal recolhe para deliberar e profere a

decisão, a qual pode ser ditada para a acta imediatamente após a deliberação ou, nos

casos mais complexos, suspende o debate e designa dia para a sua continuação, com

a leitura da decisão, que deve ser devidamente fundamentada de facto e de direito

(artigos 120º, 121º e 122º).

Aplicada a medida, por decisão do tribunal ou por acordo de promoção e

protecção, importa proceder ao acompanhamento da sua execução.

A execução da medida deve ser entendida como um processo dinâmico em

que se pretende acompanhar e desenvolver, rever e avaliar os resultados da medida

concretamente aplicada e condições impostas, bem como os apoios prestados, a

coordenação dos vários serviços e entidades envolvidos.

A execução da medida é dirigida e controlada pelo tribunal que a aplicou

(excepto nos casos previstos no artigo 79º, nº 4), o qual, na decisão, designa a

entidade mais adequada para o acompanhamento (artigos 125º e 59º, nºs 2 e 3). O

D.L. nº 332-B/2000, de 30/12 (que regula a LPCJP) determina, no artigo 7º, que o

acompanhamento dos menores em perigo junto dos tribunais compete às equipas

multidisciplinares do sistema de solidariedade e de segurança social.

As medidas de promoção dos direitos e de protecção

A finalidade das medidas (definitivas ou provisórias) de promoção e protecção

consiste em:

Afastar o perigo em que a criança ou o jovem se encontram

Proporcionar-lhes as condições que lhes permitam proteger e promover a sua

segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral

Tratando-se de crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou

abuso, garantir a sua recuperação física e psicológica (artigo 34º).

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O artigo 35º tipifica as medidas de promoção e protecção. As medidas

legalmente admissíveis são:

Apoio junto dos pais, que consiste em proporcionar à criança ou jovem

apoio de natureza psicopedagógica e social e, quando necessário,

ajuda económica, o qual pode ser extensivo ao agregado familiar do

mesmo (artigos 39º e 42º).

Apoio junto de outro familiar, que consiste na colocação da criança ou

do jovem sob a guarda de um familiar com quem resida ou a quem seja

entregue, acompanhada de apoio de natureza psicopedagógica e social

e, quando necessário, ajuda económica, o qual, à semelhança do

anterior, pode ser extensivo ao agregado familiar (artigo 40º e 42º).

Confiança a pessoa idónea, que consiste na colocação da criança ou do

jovem sob a guarda de uma pessoa que, não sendo familiar, com eles

estabeleceu relação de afectividade recíproca (artigo 43º).

Apoio para a autonomia de vida, que consiste em proporcionar

diretamente ao jovem com idade superior a 15 anos (ou a mães com

idade inferior a essa) apoio económico e acompanhamento

psicopedagógico e social, nomeadamente, através do acesso a

programas de formação, visando proporcionar-lhe condições que o

habilitem e lhe permitam viver por si só e adquirir progressivamente

autonomia de vida (artigo 45º).

Acolhimento familiar, que consiste na atribuição da confiança da criança

ou do jovem a uma pessoa singular ou a uma família, habilitadas para o

efeito, visando a sua integração em meio familiar e a prestação de

cuidados adequados às suas necessidades e bem-estar e a educação

necessária ao seu desenvolvimento integral (artigo 46º).

Acolhimento em instituição, que consiste na colocação da criança ou do

jovem aos cuidados de uma entidade que disponha de instalações e

equipamento de acolhimento permanente e de uma equipa técnica que

lhes garantam os cuidados adequados às suas necessidades e lhes

proporcionem condições que permitam a sua educação, bem-estar e

desenvolvimento integral (artigo 49º).

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Confiança a pessoa seleccionada para adoção ou a instituição com

vista a futura adoção, aplicável quando se verifique alguma das

situações previstas no artigo 1978º do CC, consiste na colocação da

criança ou do jovem sob a guarda de candidato seleccionado para a

adopção ou sob a guarda de instituição, com vista a futura adoção

(artigo 38º-A).

As medidas são elencadas pela respectiva ordem de preferência, o que

significa que há que preferir as medidas a executar em meio natural de vida sobre as

medidas executadas em regime de colocação.

As medidas podem ser aplicadas a título provisório nas situações de

emergência ou enquanto se procede ao diagnóstico da situação da criança e à

definição do seu encaminhamento subsequente, não podendo (ou não devendo) a sua

duração prolongar-se por mais de seis meses (artigo 37º). Estando, porém, em causa

a defesa dos superiores interesses da criança ou do jovem e sendo a justificação da

aplicação da medida provisória uma situação de perigo, não faria sentido fazer cessar

automaticamente essa medida, visto que tal poderia implicar a colocação da criança

ou do jovem novamente nessa mesma situação. Por isso, o prazo de seis meses deve

ser respeitado mas, em sede de decisão de revisão, pode ser justificadamente

ultrapassado.

Os artigos 60º e 61º aludem aos prazos de duração das medidas.

No que diz respeito às medidas de apoio junto dos pais, apoio junto de outro

familiar, confiança a pessoa idónea e apoio para a autonomia de vida, o nº 2 do artigo

60º prevê que não poderão ter duração superior a um ano, podendo ser prorrogadas

até 18 meses se o interesse da criança ou do jovem o aconselhar. Decorrido esse

prazo, em princípio, a medida cessa (artigo 63º, nº 1, al. a). Porém, têm surgido

entendimentos no sentido da não imperatividade desta norma, em casos em que

subsista a situação de perigo que legitimou a intervenção.

Assim, em encontros de magistrados do MP, realizados em Novembro de 2007

e Janeiro de 2008, foram emitidas orientações no sentido de, a título excepcional e

perante a subsistência de efetiva situação de perigo para além do prazo de duração

máxima da medida, o MP poderá pronunciar-se pela prorrogação do prazo máximo de

execução da medida, sem perder de vista a estrita necessidade de, no mais curto

prazo, ser (re)definido o projeto de vida da criança. Caso tal posição não venha a

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merecer a concordância do juiz, deverá então o MP, sem prejuízo de eventual

interposição de recurso, efetuar a correspondente comunicação à CPCJ.

O Tribunal da Relação de Évora, em acórdão de 30 de Setembro de 2009

(Recurso nº 770/06.2TMSTB.E1) escreveu, a propósito desta questão, que “O objecto,

a situação de facto e os princípios orientadores da intervenção para a promoção dos

direitos da criança e do jovem em perigo a que aludem os artigos 1º, 3º e 4º (da

LPCJP), surgem absolutamente incompatíveis com qualquer ideia de cessação

automática das medidas de promoção e protecção pelo mero decurso do prazo por

que foram decretadas, quando se constate persistirem uma ou mais das situações a

partir das quais a Lei em causa considera estar a criança ou jovem em perigo. Ou

seja, não pode o decurso do prazo fixado para qualquer medida conduzir ao puro e

simples abandono do menor à sua sorte, não se coadunando a cessação automática

da medida com a natureza deste tipo de processos em que a intervenção judicial

obedece, nos termos da al. a) do artigo 4º, ao princípio do interesse superior da

criança ou do jovem em perigo.” (No caso concreto, entendeu o TRE ser de aplicar

uma medida provisória de acolhimento em instituição, decorrido o prazo máximo da

medida de apoio junto dos pais.)

Dúvidas tem suscitado também a impossibilidade de revisão da medida de

confiança a pessoa seleccionada para adoção ou a instituição com vista a futura

adoção, resultante da letra do nº 1 do artigo 62º-A. Com efeito, prevê esta norma que,

ao contrário das restantes medidas, que estão sujeitas a revisão periódica (artigo 62º),

aquela medida dura até ser decretada a adoção e não está sujeita a revisão.

Ora, pode acontecer que a criança não venha a ser adotada pela pessoa a

quem foi confiada, por razões variadas (porque a pessoa desistiu da adoção ou

faleceu, porque a criança não se adaptou à nova realidade familiar…), ou que a

adoção se torne inexequível pela falta de candidatos disponíveis para recebê-la

(porque sofre de doença ou deficiência de gravidade acentuada…) ou que, já depois

de decretada a adoção e sem que a mesma se tenha concretizado, surjam familiares

que até então desconheciam a sua existência e se mostrem disponíveis a recebê-la…

Em todos estes casos, não faria sentido que a medida não pudesse ser revista, em

claro prejuízo para os seus interesses.

As medidas cessam pelas razões previstas no artigo 63º, destacando-se (por

ser solução inovadora) a possibilidade de se manterem até aos 21 anos do jovem, se

este manifestar vontade nesse sentido e (por ser o objectivo último!) por a sua

continuação se mostrar desnecessária (artigo 62º, nº 4).

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Desafios e angústias

A LPCJP constituiu um indiscutível avanço na matéria da promoção de direitos

e protecção das crianças e jovens em risco, com ganhos notórios ao nível da

conceptualização e da sistematização, e, ainda que possam e (devam) ser

“melhoradas” algumas das suas normas, não se pode deixar de reconhecer a

adequação e as potencialidades do quadro legal vigente.

Porém, ao nível da sua aplicação prática, surgem ainda dificuldades, muitas

delas diretamente relacionadas com a carência de recursos humanos, técnicos e

materiais, fator gerador de inevitáveis condicionantes na qualidade e prontidão que as

situações em causa demandam – e merecem.

Uma das áreas problemáticas na matéria diz respeito aos constrangimentos

referentes à aplicação da medida de acolhimento institucional, que, para ser eficaz,

pressupõe a existência de instituições de tipologia diversificada e com quadros

técnicos especializados em várias áreas de intervenção, que permitam apoiar

adequadamente crianças e jovens com faixas etárias diferenciadas, com necessidades

muito específicas, decorrentes do seu concreto historial de vida – o que ainda não é

uma realidade completa.

Ainda relacionado com esta problemática, deparamo-nos com as dificuldades

sentidas no terreno na realização do diagnóstico atempado da capacidade,

disponibilidade e idoneidade do núcleo familiar de origem, da família alargada ou de

qualquer outro reduto familiar – na maior parte das vezes porque é muito insuficiente o

número de técnicos que trabalham nessas questões. Verifica-se, pois, que nem

sempre o projeto de vida da criança ou jovem é delineado em tempo útil e, por vezes,

quando se chega ao debate judicial, a medida adequada já não é a que havia sido

proposta.

Também a execução das medidas não institucionais se depara muitas vezes

com a insuficiência de meios técnicos e humanos, capazes de realizar um trabalho de

efetivo acompanhamento, contribuindo para a ineficácia e descredibilização das

medidas.

A outro nível, as dificuldades de protecção eficaz surgem em casos em que:

a adoção já não é solução e a família é inexistente;

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em que existe família mas que no seu seio reside o abusador (que pode até

ser um irmão, também ele criança…) que originou o afastamento da criança e

que a condena a uma dupla vitimização;

as questões culturais ou a falta de sensibilidade dos pais são avessas à

escolaridade, com a consequente desintegração social (como é o caso das

etnias ciganas) e, não raras vezes, conduz a situações de delinquência juvenil;

as instituições não contam com técnicos em número suficiente e/ou com

formação adequada a lidar, por exemplo, com jovens que fogem

constantemente, com problemáticas de toxicodependência e que, assim, são

expostos a fatores acrescidos de risco;

o tempo que medeia entre a aplicação da medida e a disponibilização de vaga

em centro de acolhimento pode por em causa a eficácia da mesma;

(…)

Não obstante as inúmeras dificuldades, impõe-se a todas as entidades

envolvidas no processo protetivo uma postura ativa, criativa e de colaboração estreita,

orientada para um fim comum – criar condições para que toda a criança ou jovem que,

por razões diversas, não encontra no seio da família a protecção merecida, continue a

crescer de forma equilibrada e possa acreditar que a sua vida seguirá sem

sobressaltos.

Como um dia escreveu Kofi Anant:”Cada país deve criar as suas normas legais

e as suas instituições em função da sua história e da sua cultura. Mas antes de saber

de leis, é preciso olhar os direitos do homem do ponto de vista do indivíduo, em

termos claros e simples.”

E quando se trata de proteger crianças ou jovens que a vida já tratou tão mal, é

preciso, de facto, mais do que olhar os seus direitos de uma forma clara e simples,

VÊ-LOS, OUVI-LOS e SENTI-LOS. Só assim se fará a necessária JUSTIÇA!

Anabela Fialho,

Maio de 2011