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:: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências Humanas. Nº 4, Ano II, Abril de 2006, periodicidade semestral – Edição Especial: Dossiê Marx – ISSN 1981-061X DOSSIÊ MARX: ITINERÁRIO DE UM GRUPO DE PESQUISA Ester Vaisman [1] Nada mais adequado para apresentar um conjunto de artigos resultantes de dissertações de mestrado defendidas junto ao Programa de Pós- Graduação em Filosofia da UFMG, do que iniciar pela contribuição do grande mentor do grupo de pesquisa que ali se organizou: J. Chasin. Morto prematuramente no final do ano de 1998, deixou, infelizmente, obra inconclusa no auge de sua maturidade intelectual. O leitor encontrará, portanto, nessa Apresentação o fruto de trabalho de coleta e organização de materiais utilizados por Chasin e por seus alunos em seu último curso no Programa de Pós-Graduação em Filosofia. Foram encontrados em seus arquivos pessoais esquemas e anotações que serviam de base para exposições em sala de aula, mas também para seus trabalhos de pesquisa e para futura redação de artigos ou mesmo livros. Assim sendo, o texto a seguir está redigido em estilo que difere profundamente daquele que encontramos nos textos publicados pelo autor; isso não significa, no entanto, que sejam menos rigorosos, talvez um tanto menos precisos e redigidos em linguagem semi-coloquial. Além disso, podem-se observar lacunas analíticas que muito provavelmente seriam preenchidas ao longo do processo de reflexão e pesquisa, que com certeza teria resultado em obra clássica e decisiva entre os intérpretes de Marx e para a história da filosofia em geral, não fora sua súbita e trágica interrupção. * 1

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Page 1: :: Verinotio - Revista On-line de Educao e Cincias Humanas · O leitor encontrará, portanto, nessa Apresentação o fruto de trabalho de coleta e organização de materiais utilizados

Verinotio - Revista On-line de Educaccedilatildeo e Ciecircncias Humanas Nordm 4 Ano II Abril de 2006 periodicidade semestral ndash Ediccedilatildeo Especial Dossiecirc Marx ndash ISSN 1981-061X

DOSSIEcirc MARX ITINERAacuteRIO

DE UM GRUPO DE PESQUISA

Ester Vaisman[1]

Nada mais adequado para apresentar um conjunto de artigos

resultantes de dissertaccedilotildees de mestrado defendidas junto ao Programa de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Filosofia da UFMG do que iniciar pela contribuiccedilatildeo do grande

mentor do grupo de pesquisa que ali se organizou J Chasin Morto

prematuramente no final do ano de 1998 deixou infelizmente obra inconclusa

no auge de sua maturidade intelectual

O leitor encontraraacute portanto nessa Apresentaccedilatildeo o fruto de trabalho de

coleta e organizaccedilatildeo de materiais utilizados por Chasin e por seus alunos em

seu uacuteltimo curso no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia Foram

encontrados em seus arquivos pessoais esquemas e anotaccedilotildees que serviam de

base para exposiccedilotildees em sala de aula mas tambeacutem para seus trabalhos de

pesquisa e para futura redaccedilatildeo de artigos ou mesmo livros

Assim sendo o texto a seguir estaacute redigido em estilo que difere

profundamente daquele que encontramos nos textos publicados pelo autor isso

natildeo significa no entanto que sejam menos rigorosos talvez um tanto menos

precisos e redigidos em linguagem semi-coloquial Aleacutem disso podem-se

observar lacunas analiacuteticas que muito provavelmente seriam preenchidas ao

longo do processo de reflexatildeo e pesquisa que com certeza teria resultado em

obra claacutessica e decisiva entre os inteacuterpretes de Marx e para a histoacuteria da filosofia

em geral natildeo fora sua suacutebita e traacutegica interrupccedilatildeo

1

Em seus uacuteltimos cursos sobre o tema Chasin insistia em afirmar que a

despeito da valiosa colaboraccedilatildeo lukaacutecsiana para o desvendamento da

contextura ontoloacutegica do pensamento marxiano havia todo um enorme e

complexo campo teoacuterico a ser devidamente explorado o que demandaria com

certeza intenso trabalho de pesquisa a ser realizado ao longo de vaacuterios anos

Assim eacute que suas colocaccedilotildees se caracterizavam como esboccedilos expositivos isto

eacute afloramentos introdutoacuterios passiacuteveis portanto de vaacuterios tipos de correccedilotildees

posteriores

O que deve ser salientado nessa ocasiatildeo eacute justamente a coragem e a

desenvolturas teoacutericas com que Chasin lidava com o assunto em sala de aula

procurando mais do qualquer outra finalidade estimular seus alunos a

compartilharem dessa empreitada onde cada um contribuiria desse modo para

um esforccedilo de pesquisa que dada sua envergadura soacute poderia assumir caraacuteter

coletivo

Assim eacute que depois da publicaccedilatildeo de Marx - Estatuto Ontoloacutegico e

Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica em 1995[i] que foi a primeira sistematizaccedilatildeo de

resultados de pesquisa levada a cabo durante quase uma deacutecada sobre a obra

marxiana notadamente seu periacuteodo formativo e o desenvolvimento de vaacuterios

trabalhos de pesquisa - tanto no plano do mestrado quanto no doutorado por ele

orientados parte deles publicados no presente tomo - Chasin chega a esboccedilar

um esquema de trabalho que teria a obra de Marx tanto como ponto de partida

quanto por ponto de chegada e visava dar conta de uma verdadeira histoacuteria da

ontologia Este ambicioso programa de trabalho acabou se impondo como

inevitaacutevel na medida em que a devida compreensatildeo da obra de Marx assim o

exigia Em outras palavras de iniacutecio a pesquisa que se voltava ao pensamento

marxiano e algumas incursotildees na obra de Lukaacutecs acabou demandando pelo

proacuteprios resultados obtidos o seu alargamento para praticamente todo o

conjunto da histoacuteria da filosofia Aleacutem do resgate da contraposiccedilatildeo metafiacutesica

2

versus ontologia desde o renascimento ateacute Kant o plano de pesquisa incluiacutea a

anaacutelise das posiccedilotildees ontoloacutegicas dos preacute-socraacuteticos ateacute Heidegger bem como

um conjunto de glosas a E Husserl N Hartmann E Gilson E Cassirer G

Lukaacutecs e E Bloch

Mas os desafios teoacutericos que o tema da ontologia acarreta implicaram

que a atenccedilatildeo de Chasin tambeacutem se voltasse agravequilo que teria sido a sua grande

descoberta original - como veremos a seguir - o traccedilo distintivo da histoacuteria da

ontologia a sua dissoluccedilatildeo e seu colapso

Na abertura de seu uacuteltimo curso no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em

Filosofia da UFMG asseverou Creio que possa ser transposto agrave ontologia o que

Heine afirmou a propoacutesito do cristianismo ainda natildeo haacute nenhuma histoacuteria da

ontologia porque ateacute agora natildeo foi compreendido claramente no que consiste a

posiccedilatildeo ontoloacutegica e porque superficialidades foram tomadas pelo essencial

Antecipo sob essa analogia que superficial em ontologia eacute pressupor

que ela se caracterize e resolva por andamentos autocircnomos e a priori da razatildeo

o que tem induzido a conferir grande importacircncia agraves querelas da

fundamentaccedilatildeo isto eacute que a ontologia por natureza seja um movimento

cognitivo desenvolvido por via de alguma forma de razatildeo auto-sustentada

Superficialidade que se manifesta porque a ontologia por caraacuteter propoacutesitos e

ateacute mesmo por definiccedilatildeo claacutessica tem por alvo o reconhecimento do por-si das

coisas ou em versatildeo jaacute reduzida e desnaturada pela oacutetica gnoseoloacutegica do em

si uma vez que o para-noacutes soacute pode ser um consequumlente ou resultante em toda

e qualquer ordem de representaccedilatildeo um derivado que sob diapasatildeo

gnosioloacutegico eacute afetado ou condicionado pela proacutepria relaccedilatildeo cognitiva ou seja

por uma operaccedilatildeo que redunda na perda do atributo fundamental do por-si isto

eacute de sua prioridade em face de qualquer relaccedilatildeo com o sujeito praacutetico e teoacuterico

De outra parte a histoacuteria real da ontologia eacute a parte mais antiga e

intrincada da filosofia pois esta nasceu por demanda de uma questatildeo de caraacuteter

3

ou espiacuterito ontoloacutegico de que eacute feito o mundo perguntavam os preacute-socraacuteticos

qual eacute o elemento primordial do universo

Nascida como ontologia sem que tivesse esse nome sem que tivesse

outro nome que natildeo o de filosofia esta foi por cerca de dois milecircnios e meio

antes de tudo ontologia (metafiacutesica) ou explicitamente desde Platatildeo e

Aristoacuteteles ateacute Leibniz-Cristian Wolff a ontologia foi a atmosfera e o andaime da

reflexatildeo Seja como base e norteamento do conhecimento seja como alicerce

movediccedilo e desorientador em sua histoacuteria imanentemente contraditoacuteria a um

tempo auto-constituinte e auto-dissolutora de si proacutepria Numa palavra parece

que a aproximaccedilatildeo dos seres ou entes vale dizer da realidade pura e simples

em sua complexa efetividade tem se mostrado como a mais difiacutecil e penosa de

todas as tarefas do homem Paradoxal sob o prisma de que os homens natildeo

vivem a natildeo ser no proacuteprio mundo real essa dificuldade natildeo eacute tatildeo improacutepria ou

inocente na medida em que se considera

1) que o homem soacute muito lentamente constitui seu proacuteprio mundo e a si

mesmo e em ritmo semelhante destes se apropria objetiva e subjetivamente

2) que essa dupla constituiccedilatildeoapropriaccedilatildeo do mundo e de si tem sido

operada sob processos infinitamente complexos e contraditoacuterios geradores de

matizados e superpostos niacuteveis de esclarecimento e ocultaccedilatildeo

Para aleacutem dessas dificuldades de fundo eacute necessaacuterio levar em conta

tambeacutem que nos dias atuais a pesquisa ontoloacutegica em especial nos seus

lineamentos mais evoluiacutedos - o estatuto ontoloacutegico marxiano - se daacute em

contexto histoacuterico amplamente desfavoraacutevel tanto no que diz respeito agrave histoacuteria

das formaccedilotildees reais quanto agravequela das formaccedilotildees ideais

De tal modo que poder-se-ia dizer agora parafraseando Marx de A

Sagrada Famiacutelia a propoacutesito de Szeliga que as proposituras ontoloacutegicas

dominantes no seacuteculo XX convertem em misteacuterios o que satildeo verdadeiras

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trivialidades Sua arte natildeo consiste em revelar o oculto mas ocultar o

revelado[ii]

Em suma para dar iniacutecio ao delineamento da histoacuteria da ontologia eacute

preciso em primeiro lugar abandonar sua pretensatildeo infantil agrave atemporalidade e

se dar conta de que seja compulsoriamente histoacuterica de que se faz no tempo

tatildeo contraditoriatmente quanto a proacutepria entificaccedilatildeo de seu histoacuterico agente

Em segundo lugar Chasin considerava inadiaacutevel reprocessar a

decifraccedilatildeo ou o entendimento de Marx em determinaccedilatildeo reciacuteproca com as

vicissitudes da histoacuteria da ontologia na tentativa de ultrapassar as derrotas

sofridas ao longo dos uacuteltimos 150 anos e principalmente a partir do

entendimento efetivo do pensamento marxiano e tambeacutem do atual

desenvolvimento do capital redimensionar a perspectiva dos alvos e rumos

teoacutericos e praacuteticos a exercitar no presente e levar a efeito no futuro

O debate dito ontoloacutegico do seacuteculo XX girou em torno de conhecido

conjunto de fontes Enquanto Hartmann com o volume I de sua Ontologia de

1934 eacute uma contraposiccedilatildeo agrave desontologizaccedilatildeo em geral e agraves novas tendecircncias

do seacuteculo principalmente Heidegger feita do ponto de vista

fenomenoloacutegiconeokantiano Eacute Gilson eacute a resposta neotomista no interior da

filosofia francesa ao desafio posto por O Ser eo Nada (1943) de Sartre cujo

sub-tiacutetulo ensaio de ontologia fenomenoloacutegica logo aponta para a sua afiliaccedilatildeo

a Husserl e o tributo pago de toda a maneira a Heidegger que o conduziram a

inviabilizaccedilotildees definitivas e irremissiacuteveis que natildeo desobriga todavia de

distinguir radicalmente seu propoacutesito e sua personalidade do autor de Ser e

Tempo (1926) dedicada a Edmund Husserl Em testemunho de Admiraccedilatildeo e

Amizade

De acordo com a posiccedilatildeo que Chasin veio assumir nos seus uacuteltimos

anos de vida nas muacuteltiplas diacutevidas contraiacutedas pelo marxismo no seacuteculo XX

figura precisamente esta ter entrado muito tardia e restritamente nessa

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discussatildeo vale dizer soacute quando a vitoacuteria temporaacuteria jaacute havia pendido para o

outro lado natildeo apenas por sua exclusiva presenccedila na arena mas porque

condicionado e impulsionado pelo proacuteprio caraacuteter de nossos tempos Os arautos

que se impuseram satildeo muito conhecidos tomaram o espaccedilo sem ter que

enfrentar o adversaacuterio efetivo uacutenico capaz de contraditar e oferecer alternativa

Este em vez disso perdeu-se sem luta sucumbiu agrave linha dominante do

cientificismo e acabou junto com os melhores tambeacutem perdido nesse campo

Nem eacute preciso referir o leste europeu mas com o politicismo generalizado o

marxismo se perdeu inclusive com os melhores que o seacuteculo produziu

Apenas em fins da deacutecada de 60 quando tudo estava desabando

Lukaacutecs de traveacutes se deu conta do misteacuterio Eacute muito significativo que nesse

despertar obliacutequumlo tenha tido que se voltar agrave refutaccedilatildeo entre outros de

Heidegger quando este escrever seu livro principal no miacutenimo em parte em

oposiccedilatildeo a Histoacuteria e Consciecircncia de Classe (textos de 1919-22) Eacute igualmente

sintomaacutetico que soacute tenha retomado deliberadamente a preocupaccedilatildeo ontoloacutegica

ao final da vida e sucumbido ao objeto em obra inconclusa motivada acima de

tudo pelo vieacutes excecircntrico de conferir poder regenerador agrave eacutetica Mas eacute sabido

que junto com seu meacuterito natildeo pereceu sozinho Por exemplo onde estatildeo

Hartman Gilson e ateacute mesmo Sartre

As dificuldades para o devido enfrentamento da questatildeo ontoloacutegica hoje

satildeo enormes e jaacute eram conhecidas por Lukaacutecs muito embora o filoacutesofo huacutengaro

morto em 1971 natildeo tenha assistido o pleno triunfo de concepccedilotildees que

consagram o homem derrelito denominaccedilatildeo essa empregada por ele mesmo ao

se reportar a Heidegger por exemplo

Tais dificuldades grosso modo poderiam ser atribuiacutedas inicialmente agraves

tendecircncias que tecircm como ponto de partida o criticismo kantiano que se

impuseram na viragem do seacuteculo XIX para o XX com a reduccedilatildeo da filosofia ao

circuito da problemaacutetica do conhecimento

6

Embora se possa assim considerar o criticismo kantiano como uma

espeacutecie de divisor de aacuteguas natildeo se deve obliterar o fato de que com a

metafiacutesica claacutessica ou qualquer uma de suas variantes antecedentes ou

subsequumlentes sob o pretexto de alcanccedilar a priori a certeza cognitiva gera-se

uma grave distorccedilatildeo no plano teoacuterico pela qual o ente eacute perdido para sempre

Para evitar tal descaminho Chasin propotildee o designativo posiccedilatildeo ontoloacutegica

pois com ela pretende tambeacutem pelo menos precaver contra a unilateralidade

decorrente da postura gnoseoloacutegica (sempre uma forma meramente

especulativa a respeito da morfologia do funcionamento ou seja da

organizaccedilatildeo e atividade da subjetividade) instigando e se rigorosamente

praticada orientando com rigor a pensar as coisas em seus proacuteprios nexos em

direccedilatildeo a uma totalidade mais plena de determinaccedilotildees A expressatildeo pretende

pois sinalizar e induzir agrave praacutetica intelectual de caraacuteter ontoloacutegico concebida em

sua forma mais consistente e consequumlente

Chasin pois pretendeu recuperar o sentido de ontologia enquanto

consideraccedilatildeo daquilo que eacute em sua efetividade Natildeo alguma distorccedilatildeo ou

dissoluccedilatildeo do ente enquanto ente seja sob sua forma do sentido do ente do

ser da apariccedilatildeo ou qualquer outra variaacutevel do tipo que embora possam incluir

dimensotildees do sensiacutevel sempre compreendem implicam ou tecircm por condiccedilatildeo de

possibilidade um sujeito mesmo que este seja o obervador da produccedilatildeo de

representaccedilotildees de caraacuteter racional Estudo pois das coisas em sua

independecircncia em sua exterioridade em face de possiacuteveis relaccedilotildees praacuteticas e

teoacutericas em que estatildeo ou possam vir a estar presentes inclusive aquelas pelas

quais em gecircnero superior de entificaccedilatildeo as coisas satildeo postas ou engendradas

De tal sorte que ainda e mesmo que todo o plano cognitivo possa ou

tenha de ser impugnado que toda ciecircncia possa ou tenha que ser posta em

duacutevida e considerada simples ilusatildeo ou equiacutevoco ou ter seu acircmbito reduzido agrave

pura convenccedilatildeo resta o fundamental o universo da praacutetica ou da vida vivida em

sua qualidade de confirmaccedilatildeo da dupla certeza da existecircncia do mundo e dos

homens e enquanto tal tem de ser reconhecido como ponto de partida da

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intenccedilatildeo ontoloacutegica cujo propoacutesito eacute se constituir em base conceitual de sua

dilucidaccedilatildeo

Ainda no contexto da afirmaccedilatildeo da posiccedilatildeo ontoloacutegica e rejeiccedilatildeo seja

do vieacutes gnosioloacutegico ou cientificista seja das concepccedilotildees reinantes ditas

ontoloacutegicas Chasin de modo provocativo indaga Por que a foacutermula simples

do cogito eacute mais evidente ou funcional para efeito de fundamentaccedilatildeo do que a

evidecircncia do complexo sensiacutevel do gozo Por que a evidecircncia do cogito - o

pensamento do indiviacuteduo isolado - eacute superior agrave evidecircncia do existir que inclui a

presenccedila e a relaccedilatildeo viva dos outros e das coisas Chasin continua na mesma

direccedilatildeo no questionamento da pretensa superioridade do cogito indagando o

quecirc se esconde sob ela e acrescenta O cogito o truque cartesiano eacute a

conquista da certeza agrave custa de trecircs absurdidades o cogito desencarnado a

encarnaccedilatildeo divina da perfeiccedilatildeo e o mundo reduzido agrave extensatildeo A essas trecircs

conquistas digamos assim Chasin denomina de verdade alienada isto eacute

verdade emergente da subjetividade na forma da alienaccedilatildeo

A exercitaccedilatildeo ontoloacutegica ao contraacuterio assume como criteacuterio analiacutetico a

determinaccedilatildeo de que o objeto maturado eacute a chave do esclarecimento de suas

formas precedentes[iii] desde as embrionaacuterias ateacute as mais elaboradas que

antecedem no tempo sua fisionomia acabada Portanto a determinaccedilatildeo

marxiana do objeto maturado eacute produto desse espiacuterito teoacuterico pois soacute faz

sentido em posicionamento ontoloacutegico ou seja em reconhecimento do grau

constitutivo em que se encontra a coisa examinada

Segundo Chasin ainda Aristoacuteteles teve grande meacuterito em sua

propositura de uma filosofia primeira - base ou fundamento para a constituiccedilatildeo

das ciecircncias particulares - mas que por sua resoluccedilatildeo (de caraacuteter platocircnico

conforme jaacute demonstrara Eacute Gilson) e por seus pretendidos atributos ahistoacutericos

- categorias eternas e absolutas imutaacuteveis e perenes - constitui um modo

involuntaacuterio de elaboraccedilatildeo especulativa apesar de seu intento originaacuterio de

conhecer o efetivamente existente o ente enquanto ente Tais limites do intento

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aristoteacutelico numa linha de argumentaccedilatildeo que confere prioridade agrave realidade

soacutecio-histoacuterica na produccedilatildeo de viabilidades ou inviabilidades teoacutericas e de sua

consequumlente explicaccedilatildeo eram vistos por Chasin como limites produzidos pelo

proacuteprio tempo grego sumariados a seguir

1) praacutetica humano-societaacuteria incipiente e acanhada que ganhou no

artigo O Futuro Ausente beliacutessima caracterizaccedilatildeo inspirada no Marx das

Formen Imaturaccedilatildeo natural e caracteriacutestica das remotas formas sociais em que

a propriedade da terra e a agricultura constituiacuteam a base da atividade material

tendo por objetivo a produccedilatildeo valores de uso ou seja a reproduccedilatildeo dos

indiviacuteduos em peculiares e bem determinadas relaccedilotildees com a comunidade[iv]

onde por via de consequumlecircncia indiviacuteduo e genecircro satildeo imediata e

transparentemente inseparaacuteveis e suas relaccedilotildees traduzem essa unidade

fundamental tornando desconhecida e impensaacutevel qualquer tipo de cissura que

contraponha ou menos ainda torne excludentes entre si as figuras de sua

polaridade[v] Mas a essa dimensatildeo positiva - sintomaticamente tatildeo atraente nos

dias atuais - corresponde uma negativa que Chasin esclarece na sequumlecircncia

todas as formas em que a comunidade pressupotildee sujeitos em determinada

unidade objetiva com as condiccedilotildees da atividade produtiva ou reciprocamente

nas quais uma especiacutefica existecircncia subjetiva faz com que a proacutepria comunidade

seja pressuposta como condiccedilatildeo de produccedilatildeo todas elas diz Marx

correspondem necessariamente e por princiacutepio a um desenvolvimento limitado

das forccedilas produtivas[vi]

2) Consequumlentemente impossibilidade para conceber a historicidade e

a contraditoriedade como categorias fundamentais do ser - que estrangulam a

mais precisa e universal por isso mesmo vaacutelida hoje e para sempre das

formulaccedilotildees atinentes agrave natureza e ao propoacutesito da ontologia

Meacuteritos e limites da filosofia primeira que apenas seratildeo realizados e

superados depois de um longo itineraacuterio repleno de contraposiccedilotildees internas

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pelos lineamentos perfilados por Marx que tambeacutem herda criticamente

dimensotildees da filosofia moderna - do renascimento ao neohegelianismo

Desse modo com o objetivo de sumariar preliminarmente os conteuacutedos

dessa trajetoacuteria que Marx assimila por via criacutetica Chasin indica alguns deles

sem pretensatildeo alguma de esgotaacute-los

1) Do Renascimento - a infinitude do universo e o espiacuterito da

concepccedilatildeo do homem como o uacutenico ser aberto - existente e conhecido capaz

na potecircncia de seus atributos de conhecer e configurar a si e a seu mundo

ambos entendidos e tomados em sua naturalidade objetividade e o primeiro na

infinitude de sua essecircncia ativa

2) Do materialismo francecircs e inglecircs e do Iluminismo - a ruptura com a

conduta especulativa metafiacutesica e com o espiacuterito de sistema em filosofia que eacute

concebido como freio e obstaacuteculo agrave razatildeo Por meio dessa desobstruccedilatildeo o

iluminismo pode universalizar a filosofia como meio de toda verdade - natural e

espiritual - e ela passa a se voltar agraves tarefas praacuteticas donde a possibilidade e o

escopo de estabelecer a vida humana de modo racional Em outros termos

reconhece no pensamento o poder e o papel de organizar a vida o pensamento

deve ter papel analiacutetico mas tambeacutem fazer nascer a ordem cuja necessidade

ela concebeu[vii] Em contrapartida os limites do pensamento iluminista satildeo

sinteticamente os seguintes acentuaccedilatildeo unilateralizante da racionalidade

herdada do renascimento e distorcida pelo racionalismo do seacuteculo XVIII Aleacutem

disso tem-se o naturalismo vale dizer a ontologia do social demasiadamente

colada agrave ontologia da natureza embora natildeo se possa deixar de reconhecer que

frente ao abstracionismo metafiacutesico trata-se de um meacuterito pretender uma

ontologia ligada agrave natureza que em verdade eacute idealizada Talvez o melhor

exemplo dessa tradiccedilatildeo seja justamente Feuerbach

3) Do criticismo - a impossibilidade de uma ontologia como saber do

em si ou seja do ente enquanto ente pela via do absolutismo racional

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dedutivista Em Kant em verdade tem-se a impossibilidade de uma ontologia

em Marx ao reveacutes tem-se apenas tal recusa agrave especulaccedilatildeo mas natildeo a

impossibilidade de conhecer o ente enquanto ente vale dizer Marx aceita o

espiacuterito da criacutetica kantiana ao conhecimento absoluto mas natildeo sua resultante

sistemaacutetica a sua vedaccedilatildeo ao conhecimento das coisas enquanto tais

4) Do hegelianismo - a concepccedilatildeo histoacuterica do ser portanto de sua

contrariedade bem como a natureza aproximativa do processo de

conhecimento ao mesmo tempo em que recusa o invoacutelucro miacutestico do

pensamento hegeliano - a dialeacutetica autocircnoma da razatildeo como demiurgo do real

ou da efetividade sensiacutevel ou seja refuta decidamente seu caraacuteter

especulativo

5) Do neohegelianismo - a problemaacutetica do homem e muito

especificamente duas contribuiccedilotildees de Feuerbach a criacutetica agrave especulaccedilatildeo e os

lineamentos mais gerais do ser soacute enquanto ser sensiacutevel ou objetivo (dimensotildees

de uma ontologia geral em seu niacutevel mais abstrato) Mas ao lado desse

aspecto positivo do pensamento feuerbachiano natildeo eacute possiacutevel deixar de

assinalar a objeccedilatildeo fundamental dirigida a ele por Marx sua concepccedilatildeo

naturalista do homem vale dizer sua incapacidade de o determinar como ser

social Assim em Feuerbach o homem eacute sensiacutevel objetivonatural e natildeo

objetivo-social - a grande descoberta marxiana

Grande descoberta que eacute mais amplamente avaliada quando se

considera o conjunto das linhas manifestas pelos principais representantes do

neohegelianismo B Bauer formulador de uma concepccedilatildeo do homem como

auto-consciecircncia racional M Stirner com a elevaccedilatildeo do egoiacutesmo agrave condiccedilatildeo de

essecircncia humana Feuerbach com a concepccedilatildeo naturalista do homem centrada

no amor Nesse cenaacuterio somente Marx comparece com a descoberta da

sociabilidade como substacircncia constitutiva do homem - e natildeo meramente uma

essecircncia imutaacutevel mas histoacuterica e contraditoacuteria produzida e reproduzida pela

proacutepria atividade sensiacutevel dos homens

11

De sorte que do ente enquanto ente aristoteacutelico determinado por sua

forma substancial eterna ao ser social marxiano compreendido em suas

mudanccedilas categoriais - eacute do que consiste a histoacuteria - se vai de uma filosofia

primeira que terminou por sua resoluccedilatildeo originaacuteria na forma de um saber

absoluto a um saber histoacuterico de base que se desenvolve pela infinitude de

aproximaccedilotildees empreendidas em direccedilatildeo ao absoluto entendido pura e

simplesmente como completude ou totalidade que praticamente nunca se

realiza porque desnecessaacuterio para o saber ao qual bastam completudes mais

modestas e ainda mais como saber para a praacutetica

De modo que a filosofia primeira de configuraccedilatildeo marxiana eacute antes de

tudo a afirmaccedilatildeo da objetividade do mundo e a possibilidade ser conhecido

possibilidade que eacute soacutecio-historicamente determinada exercendo a funccedilatildeo de

base e guia para a ciecircncia da histoacuteria especificamente como ontologia regional

do ser social e que nutre das ciecircncias e a elas responde tanto quanto elas

mesmas tem de responder aos lineamentos ontoloacutegicos pelos quais se guiam

mas aos quais natildeo tomam como coaacutegulos de saber imutaacutevel De sorte que

ontologia e ciecircncia se potencializam e se criticam reciacuteproca e

permanentemente

Tambeacutem de acordo com Chasin por essas razotildees a ontologia

marxiana natildeo eacute uma resoluccedilatildeo de caraacuteter absoluto nos moldes do sistema

convencional mas a condiccedilatildeo de possibilidade de resoluccedilatildeo do saber Eacute em

outras palavras um estatuto movente e movido de cientificidade orienta e eacute

orientado pela ciecircncia e pela praacutetica universal dos homens Orienta e eacute

orientada guia e eacute guiada corrige e eacute corrigida Ou seja natildeo eacute um absoluto

inquestionaacutevel uma certeza estabelecida por deduccedilatildeo a partir de axiomas de

uma vez para sempre Mesmo porque a certeza cognitiva natildeo pode estar no

ponto de partida mas compreendida como alvo de uma busca permanente

procura intensiva e extensiva cuja infinitude eacute posta a cada momento entre

parecircnteses no qual o grau de certeza alcanccedilado eacute assumido como realizaccedilatildeo

maacutexima tendo por limites as possibilidades do tempo ou cenaacuterio histoacuterico grau

12

a ser confirmado ou ampliado ou ao inveacutes restringido na parte ou descartado

no todo posteriormente com todas as suas implicaccedilotildees correlatas

Em suma quando se utiliza a expressatildeo posiccedilatildeo ontoloacutegica e natildeo

perspectiva oacutetica prisma ou ponto de vista pretende-se remeter a lugar e agraves

coisas ou seja o reconhecimento do mundo como multiverso de entes reais

objetivos e que por isso mesmo faceiam o observador praacutetico ou teoacuterico natildeo

dependendo deste para existir em face do qual satildeo independentes Eacute

finalmente o reconhecimento da prioridade das coisas nas relaccedilotildees cognitivas

sem desconhecer eacute claro o caraacuteter ativo do investigador

Quando Chasin procura enfatizar o reconhecimento noccedilatildeo

imediatamente conexa a de posiccedilatildeo ontoloacutegica eacute por que aquela tem a

vantagem de colocar em primeiro lugar o caraacuteter natildeo puramente teoacuterico

contemplativo mas sobretudo praacutetico[viii] da aproximaccedilatildeo ao ente aleacutem da

natureza da operaccedilatildeo mental que designa - constataccedilatildeo ou recogniccedilatildeo vale

dizer a admissatildeo de algo a respeito do qual o discurso se pronuncia como forma

imediata de representaccedilatildeo

Relevar o caraacuteter praacutetico de aproximaccedilatildeo ao ente ou em outras

palavras partir ou dar prioridade agrave praacutetica significa por seu turno partir do

caraacuteter essencial do ser do homem por sua exteriorizaccedilatildeo operativa no mundo

que confirma sua forma de vida ou modo de existecircncia Quer dizer eacute um ponto

de partida desde logo sob criteacuterio ontoloacutegico ou seja que considera a

efetividade ocircntica do homem e do mundo de tal sorte que ambos satildeo

reconhecidos enquanto atividade sensiacutevel Caminho que tem o meacuterito de evitar

as vias reflexas[ix] como tambeacutem os engenhos e supostos dos encantamentos

especulativos como cogito sujeito transcendental ou os arqueacutetipos

generalizando uma expressatildeo marxiana os misticismos loacutegicos que nunca

deixam de mostrar sua condiccedilatildeo de artifiacutecios por mais rigorosos e envolventes

que sejam tanto que podem sempre ser contestados de algum modo ao passo

que os indiviacuteduos vivos e ativos os pressupostos dos quais Marx parte em A

13

Ideologia Alematilde natildeo podem nunca ser recusados a natildeo ser na fantasia e sob

pena de cancelar todo e qualquer andamento reflexivo

Em suma reconhecimento ontopraacutetico significa pois tomar como

ponto de partida a praacutetica - desde a praacutetica cotidiana agrave praacutetica cientiacutefica de ponta

- de um tempo dado

O plano ontopraacutetico jaacute bem delineado no texto de 1995 ganha nos

anos seguintes sucessivas correccedilotildees por parte do autor a ponto de se tornar o

eixo a partir do qual Chasin faz a criacutetica das Teorias da Fundamentaccedilatildeo ou

como ele as denomina ironicamente A Querela da Fundamentaccedilatildeo

A esse respeito costumava ele indagar O que eacute um fundamento Uma

Teoria da Subjetividade ou Uma Teoria da Objetividade

Se o fundamento for considerado a partir de uma teoria da

subjetividade por onde comeccedilar Pelo aparato sensorial como no empirismo

Ou pela consciecircncia ou coisa que o valha como o cogito cartesiano a

autoconsciecircncia a razatildeo ou as formas a priori do entendimento Ou ainda uma

teoria da mente

Ainda no plano do fundamento subjetivo poder-se-ia partir da

experiecircncia da vivecircncia do vivido Neste caso o vivido seria o preacute-teoreacutetico

mas enquanto experiecircncia existencial isto eacute as vivecircncias do indiviacuteduo isolado

em experiecircncia aleatoacuteria fortuita acidental

Mas se o fundamento for uma Teoria da Objetividade por onde

comeccedilar Pelos fenocircmenos empiacutericos Mas nesse caso natildeo terminariacuteamos

apenas no fundamento psicoloacutegico isto eacute teriacuteamos o psicologismo como

fundamento da verdade

14

E se partiacutessemos do todo concreto Natildeo findariacuteamos numa visatildeo

caoacutetica e abstrata de conjuntos indeterminados desamparados na companhia

de um punhado de abstraccedilotildees razoaacuteveis e irrazoaacuteveis

Feitas tais indagaccedilotildees Chasin conclui de modo enfaacutetico Toda peticcedilatildeo

de fundamento todo discurso por um fundamento estaacute encerrado na esfera

teoacuterica Aleacutem do mais todo discurso de fundamentaccedilatildeo pretende e implica uma

certeza ou seja de um modo ou de outro a suposiccedilatildeo de um saber absoluto

ainda que um simples momento do saber absoluto Vale dizer o discurso da

fundamentaccedilatildeo desemboca de algum modo na razatildeo especulativa Em outras

palavras implica algo que transcende a proacutepria natureza do saber que eacute um

processo infinito de aproximaccedilotildees

Para Chasin o reconhecimento do ontopraacutetico tem a vantagem de

escapar agrave querela da fundamentaccedilatildeo na medida em que parte da experiecircncia

real melhor dizendo da praacutetica real natildeo de uma experiecircncia isolada

arbitrariamente natildeo da experiecircncia aleatoacuteria da suposta existecircncia existencial

dos indiviacuteduos isolados dos indiviacuteduos em derreliccedilatildeo

O universo ontopraacutetico eacute o necessariamente vivido para que qualquer

pergunta possa se dar Eacute portanto a esfera preacute-teoreacutetica esfera que antecede

qualquer teoria Esfera sem a qual natildeo haacute vida humana e portanto sem a qual

natildeo pode haver qualquer pergunta teoacuterica

A reflexatildeo que tem como ponto de partida o ontopraacutetico estabelece

assim um pressuposto concreto (e natildeo uma verdade ideada) do qual natildeo posso

me afastar a natildeo ser na imaginaccedilatildeo

Em siacutentese a esfera ontopraacutetica representa o complexos dos homens

vivos e ativos A partir dessa abstraccedilatildeo razoaacutevel - o ontopraacutetico - pode-se

encontrar jaacute numa analiacutetica de desentranhamento desse complexo real o

devido lugar da ontologia da epistemologia e da ciecircncia da histoacuteria que

compreende dois grandes ramos natureza e sociedade

15

Em outras palavras sem a consideraccedilatildeo do ontopraacutetico torna-se

aleatoacuteria a localizaccedilatildeo que se confere tanto ao ontoloacutegico quanto ao epistecircmico

A opccedilatildeo por um deles se torna uma arbitrariedade teoacuterica e eacute justamente isto

que gera a querela da fundamentaccedilatildeo pois a decisatildeo fica submersa ao plano

teoacuterico ao jogo dos argumentos agrave ambivalecircncia do logos que eacute irresolutivo

Sem a consideraccedilatildeo do ontopraacutetico parte-se assim de imediato da

teoria e natildeo do ser que faz da teoria ou deste como uma abstraccedilatildeo da

inteligibilidade ou seja de uma faculdade abstraiacuteda do ser que a possui

gerando com isso um absurdo ontoloacutegico

Eacute portanto a partir da analiacutetica do ontopraacutetico pelo reconhecimento de

seus traccedilos categoriais que tem iniacutecio a elaboraccedilatildeo ontoloacutegica Ou seja a

ontologia nasce como reflexatildeo conscientizaccedilatildeo conceituaccedilatildeo do ontopraacutetico

enquanto primeiro objeto da ontologia que a partir daiacute se encaminha em

direccedilatildeo agrave criacutetica - em termos de sua necessidade e loacutegica especiacutefica - do proacuteprio

ontopraacutetico isto eacute do complexo dos objetos reais aiacute incluiacutedo o homem

Resta ainda em relaccedilatildeo agrave problemaacutetica geral em tela aflorar a questatildeo

da adequatio tal como era tematizada tambeacutem em seus cursos

Polemizando com a denominaccedilatildeo de realismo comumente utilizada

para denominar proposituras que conferem prioridade ao mundo objetual

Chasin afirmava que haacute realismo - antigo - quando eacute suposto que a ordem da

razatildeo agrave idecircntica a ordem do real e que a partir de axiomas por meios racionais-

dedutivos embuiacutedos do espiacuterito de sistema se possa estabelecer a verdade do

mundo

Em Marx entretanto a ordem das coisas e da razatildeo satildeo distintas (um

exemplo expressivo desta postura marxiana pode ser encontrada na famosa

Introduccedilatildeo de 57) ambas mutaacuteveis e processuais - unidade da desidentidade

entre ser e saber Assim o mundo natildeo pode ser deduzido racionalmente mas

reproduzido sob forma de ideacuteia por meio de aproximaccedilotildees - empiacuterico abstrato

16

concreto - num processo intensivo e extensivo historicamente condicionado

possibilitado ou impedido - na dependecircncia que fica da maturaccedilatildeo do objeto e

do posicionamento do sujeito O processo mimeacutetico eacute portanto reproduccedilatildeo

conceitual de efetividades donde se lida com duas ordens de formaccedilotildees real e

ideal A reproduccedilatildeo conceitual apresenta portanto sua proacutepria loacutegica mas no

interior da determinaccedilatildeo soacutecio-histoacuterica do pensamento de modo que uma

teoria do conhecimento (morfologia e dinacircmica da subjetividade in abstratu e

imutaacutevel) eacute incapaz de explicar o processo cognitivo pois a faculdade humana

da forccedila da abstraccedilatildeo depende das possibilidades oferecidas pela

determinaccedilatildeo social do pensamento que por sua vez se manifesta e se

configura pelo desenvolvimento dos objetos e da praacutetica humana que sobre eles

tem incidecircncia

Donde a franca afirmaccedilatildeo marxiana da possibilidade de conhecer natildeo

se confunde com a simplicidade e facilidade da concepccedilatildeo realista nem mesmo

no plano da ingenuidade cotidiana desde logo porque a atividade cotidiana -

que estaacute para aleacutem da ingenuidade ou lanccedila os sujeitos para aleacutem da

ingenuidade - eacute em si um complexo rico e desafiador matrizador inclusive da

intentio recta atitude natural e necessaacuteria da esfera ontopraacutetica

Haacute portanto que distinguir as grandes diferenccedilas ontoloacutegicas entre o

estatuto marxiano e a ontologia realista Na primeira a adequatio digamos

assim eacute correlaccedilatildeo entre formaccedilatildeo real e formaccedilatildeo ideal duas ordens distintas

de configuraccedilatildeo Em outras palavras eacute correlaccedilatildeo conceitual entre entificaccedilatildeo

concreta e reproduccedilatildeo conceitual Em suma a reproduccedilatildeo conceitual nada mais

eacute do que transposiccedilatildeo agrave cabeccedila ordenada pelos nexos do real na forma e pelos

meios da proacutepria atividade mental

I - Tomando Marx por Base e por Ponto de Chegada

17

Considerando como ponto de referecircncia as consideraccedilotildees

desenvolvidas por Marx em O Capital especificamente sobre a dificuldade

encontrada pela humanidade na compreensatildeo do valor ao longo de dois

milecircnios - de Aristoacuteteles a Ricardo - pode-se sustentar segundo Chasin que

um fenocircmeno muito similar a este se produziu no que tange agrave determinaccedilatildeo do

ser ou seja da(s) matriz(es) da(s) realidade(s) ou seja da efetividade

Tomemos as passagens em questatildeo que se encontram no Prefaacutecio agrave

Primeira Ediccedilatildeo de O Capital Todo comeccedilo eacute difiacutecil isso vale para qualquer

ciecircncia A forma do valor cuja figura acabada eacute a forma do dinheiro eacute muito

simples e vazia de conteuacutedo Mesmo assim o espiacuterito humano tem procurado

desvendaacute-la (ergruumlden) em vatildeo haacute mais de 2000 anos enquanto por outro lado

teve ecircxito ao menos aproximado a anaacutelise de formas muito mais complicadas e

replenas de conteuacutedo Por quecirc Porque o corpo desenvolvido eacute mais faacutecil de

estudar do que a ceacutelula do corpo Aleacutem disso na anaacutelise das formas econocircmicas

natildeo podem servir nem o microscoacutepio nem reagentes quiacutemicos A forccedila da

abstraccedilatildeo deve substituir a ambos Para o leigo a anaacutelise parece se perder

em pedantismo Trata-se efetivamente de pedantismo mas daquele de que se

ocupa a anatomia microscoacutepica

De acordo com Chasin eacute necessaacuterio reter os seguintes noacutedulos

significativos da citaccedilatildeo acima

1) todo iniacutecio de uma ciecircncia eacute difiacutecil donde o princiacutepio da ontologia o

princiacutepio da ciecircncia deve ser o mais difiacutecil de todos

2) haacute grande dificuldade na compreensatildeo da forma do valor que eacute um

objeto simples e vazio de conteuacutedo

3) haacute ecircxito maior na anaacutelise de formas mais complicadas e replenas de

conteuacutedo

18

Na mesma citaccedilatildeo Marx enuncia os motivos de tal dificuldade

1) o corpo desenvolvido eacute mais faacutecil de estudar do que a ceacutelula do

corpo

2) meacutetodos experimentais natildeo satildeo aplicaacuteveis a esse tipo de forma

3) a analiacutetica dessa forma pela forccedila da abstraccedilatildeo deve tomar o lugar

da observaccedilatildeo empiacuterica e experimental

4) anaacutelise voltada agrave anatomia microscoacutepica da forma estudada

A partir dessas indicaccedilotildees colhidas no texto de Marx Chasin elabora

um esboccedilo para fins unicamente didaacuteticos em que busca transpassaacute-las para a

proacutepria questatildeo ontoloacutegica afirmando o que se segue

1) o iniacutecio difiacutecil da ontologia perdurou tambeacutem por mais de 2000

anos trajetoacuteria em que se observa tateios imprecisos caracterizados por um

movimento simultacircneo de constituiccedilatildeodissoluccedilatildeo ateacute chegar em Marx Tal

movimento simultacircneo de constituiccedilatildeodissoluccedilatildeo revela por seu rumo

imanentemente contraditoacuterio por seus caminhos e descaminhos histoacutericos a

dificuldade e a longa incapacidade na formulaccedilatildeo precisa de seu objeto e

alcance ou seja de sua natureza e propoacutesito - de sua funccedilatildeo orientadora e

sustentadora no plano teoacuterico e de sua origem praacutetica preacute-teoreacutetica

2) reconhecimento ontopraacutetico das formas dos seres e analiacutetica da

forma do ser apenas por meio da forccedila da abstraccedilatildeo no reconhecimento

ontopraacutetico os seres satildeo reconhecidos como substantivos e nesse caso ateacute

certo ponto vale para a observaccedilatildeo espontacircnea e observaccedilatildeo comum pois o

desvendamento completo exige forccedila de abstraccedilatildeo como verbo ( o ato de ser

de Gilson) soacute a forccedila da abstraccedilatildeo daiacute a facilidade para se cair no

abstrativismo

19

Eacute nesse preciso momento da exposiccedilatildeo chasiniana que surgem as

primeiras referecircncias a Eacute Gilson assim como a N Hartmann momentos mais agrave

frente Evidentemente que esse procedimento natildeo ocorre por acaso pois o que

estaacute em questatildeo agora satildeo as tentativas contemporacircneas de resgate da

tematizaccedilatildeo ontoloacutegica

Eacute Gilson afirma que o mais fundamental dos problemas da filosofia - a

relaccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia que por seu turno diz respeito agrave distinccedilatildeo

de ser como nome isto eacute como substantivo em latim ens (ente) e como verbo

esse Eacute sabido que o esse tomista eacute concebido como ato de ser - actus essendi -

significando portanto existecircncia ato de existir ato de ser

Chasin comenta a ambiguumlidade da noccedilatildeo de ser para qual Gilson

chama atenccedilatildeo afirmando o que se segue

1) Ens eacute um nome que significa um ser (determinado) ou seja a

natureza e a essecircncia de qualquer existente ou entatildeo - o ser mesmo - uma

propriedade comum a tudo aquilo que se pode dizer que eacute (que pertence a)

Em suma enquanto nome ou substantivo ser designa um existente

qualquer ou uma propriedade comum a todos os existentes designa o que

verdadeiramente eacute ou uma propriedade geral eacute um ente ou uma entidade

2) Enquanto verbo ser designa a accedilatildeo ou o ato de ser exercido pelo

ente Assim como verbo natildeo significa que algo eacute nem a existecircncia em geral

mas o ato mesmo pelo qual qualquer realidade dada eacute de fato ou existe

Precisamente a este ato Gilson chama de ser em contraposiccedilatildeo a ente

De todo modo feita a distinccedilatildeo Chasin considera existir um seacuterio

problema ao tomar em separado ens e esse indagando eacute possiacutevel pensar em

duas figuras no isolamento Seraacute que essa configuraccedilatildeo eacute de fato o mais

fundamental dos problemas ou eacute o mais antigo o mais remoto e o mais cultuado

dos equiacutevocos da histoacuteria da filosofia

20

De um lado a compreensatildeo da forma de ser enquanto verbo como

pura significaccedilatildeo verbal de existir de estar presente enquanto significaccedilatildeo de

ato ou presenccedila o verbo eacute forma simples e vazia de conteuacutedo pois reduzida ao

predicado mais geral e comum das coisas denota apenas sua existecircncia De

outro lado ocorre o mesmo problema com o substantivo ser - ens - pois redunda

em essecircncia imutaacutevel Em outras palavras na histoacuteria da filosofia nesses dois

caminhos houve de longa data polecircmica sobre o que existe em que plano se daacute

a existecircncia e assim por diante No caso do ser como verbo o ser eacute muito

parcamente categorial reduzido agrave presenccedila no tempo e no espaccedilo soacute possui o

predicado abstrato da existecircncia no caso do substantivo tomado sem o ato de

existir se converte em complexo de propriedades ou entidades perenes

A resoluccedilatildeo para tal questatildeo reside segundo Chasin em tomar o ser

enquanto complexo categorial daquilo que eacute como ente que existe Nesse

sentido o desvendamento tem ecircxito maior como mostra a ciecircncia que toma

para anaacutelise formas mais complicadas e replenas de conteuacutedo vale dizer uma

vez que tem por alvo o ser por sua efetividade e determinado por suas

qualidades natildeo apenas pelo reconhecimento de sua presenccedila mas pelo seu

complexo categorial

Ora arremata Chasin a forma sensiacutevel do ente compreende o ens e o

esse ou seja a plena riqueza do complexo categorial

- Loacutegica e Ciecircncia

Neste item Chasin defende a tese de que na medida em que

pretendeu e pretenda ser uma disciplina ou ciecircncia de chegada isto eacute

21

conclusiva autocircnoma e sistemaacutetica a ontologia acaba por ser transmutada em

loacutegica ou ciecircncia

Talvez possa ser dito que nas ontologias onde predomine

unilateralmente o ser como verbo ou o ente como essecircncia terminem por ser

uma loacutegica que de alguma forma acaba por ter a pretensatildeo de constituir o ser

a loacutegica eacute entatildeo o segredo uacuteltimo do ser ou sua base cognitiva e por essa via

sua base ontoloacutegica - que assim nega a ontologia ou seja o reconhecimento do

ser por si

De outra parte predominando o ser como substantivo o fim da

ontologia acaba por ser uma forma de ciecircncia ou seja a ontologia eacute novamente

negada como ocorreu com a ciecircncia moderna donde sua pretendida auto-

suficiecircncia que apenas admite por fundamento uma forma qualquer de

gnosiologia isto eacute uma forma a priori da operatividade subjetiva

desaparecendo assim a regecircncia do objeto o que ao contraacuterio caracteriza o

espiacuterito e o propoacutesito ontoloacutegicos ou seja o reconhecimento do ente enquanto

ente o oacuten qua oacuten ou ser por si

Em suma a ontologia quando centrada no ser como verbo rarefeita

pelo vazio de sua forma termina por ser loacutegica por outro lado quando centrada

no ser como substantivo agraves voltas com gecircneros formados por complexos

qualitativos termina por se constituir em ciecircncia particular e autocircnoma Assim

ao pretender ser tudo concludente sistemaacutetica e independente por sua forma

mais vazia ou por suas categorias abstratas e perenes a ontologia acaba por

ser negada pela loacutegica ou pela ciecircncia Pretendendo ser tudo acaba por

desaparecer

Ora ao tomar o ser como verbo a ontologia tem de compreender que

natildeo pode ser mais do que a anatomia de uma propriedade do ser - de sua

propriedade mais geral e vazia - a propriedade de sua presenccedila enquanto corpo

real ausente ou presenccedila de um complexo categorial abstraiacutedo O ser aqui eacute

22

reduzido agrave forma mais vazia a simples propriedade de um todo que escapa

completamente agrave sua jurisdiccedilatildeo Donde seu desenlace em loacutegica

De outra parte quando o ser eacute tomado em sua denotaccedilatildeo substantiva

ou seja na multiplicidade de suas propriedades qualitativas em interconexatildeo

especiacutefica transborda em ciecircncia na medida em que a ontologia pretenda a

condiccedilatildeo de disciplina ou ciecircncia sistemaacutetica

Donde a impossibilidade de a ontologia ficar adstrita agrave forma do verbo

nem se realizar como dilucidaccedilatildeo concreta do substantivo Assim deve-se

reconhecer que a ontologia natildeo pode se realizar em nenhum desses dois poacutelos

nem simples tematizaccedilatildeo do ato geneacuterico da presenccedila - que redundaria em

simples compoacutesito tautoloacutegico nem tematizaccedilatildeo do ser substantivo concreto

pois aiacute se desnaturaria em ciecircncia especiacutefica

Conclusivamente a ontologia nem eacute simples tautologia do ser em ato

nem efetivaccedilatildeo cientiacutefico-concreta do desvendamento do ser como substantivo

Enquanto tal a ontologia eacute uma realizaccedilatildeo necessaacuteria no espaccedilo que antecede

aqueles dois poacutelos em verdade a plataforma que leva da constataccedilatildeo mais

abstrata do ser (tanto como substantivo quanto verbo) agrave sua reproduccedilatildeo

cientiacutefica como substantivo Enquanto tal eacute um estatuto - uma filosofia primeira

o cacircnon da legalidade do ser matrizado pelos traccedilos ou vetores categoriais

fundamentais do ser por si que matriza a cientificidade tanto em sua forma mais

abstrata - loacutegica - quanto em sua forma mais concreta - ciecircncia

O problema fundamental da filosofia primeira - philosophia prima - eacute o

problema das categorias mais gerais do ser aiacute incluso o ato de ser donde em

sua plenitude o ato sensiacutevel de ser - ens e esse o ens essendi complexo

categorial pleno no ato de existir

Essa plataforma estatutaacuteria natildeo eacute uma disciplina situada entre outras

disciplinas entre a loacutegica e a ciecircncia como um campo intermediaacuterio entre o

verbo e o substantivo entre a maacutexima abstratividade e a efetividade concreta

23

Essa distribuiccedilatildeo topograacutefica confere agrave abstraccedilatildeo a condiccedilatildeo de fundaccedilatildeo

(determinaccedilatildeo originaacuteriaontoloacutegica) e fundamento (ponto de partida

epistemoloacutegico) Se assim fosse perderia a condiccedilatildeo de filosofia primeira

Enquanto filosofia primeira eacute o reconhecimento do substantivo verbal

do substantivo que eacute do ens essendi natildeo de uma substantividade qualquer em

abstrato mas da substantividade que existe por todas as modalidades

categoriais isto eacute reais (sensiacuteveis) natildeo apenas um substantivo pensado que

dependeria para ser do pensamento mas do substantivo que eacute por-si

independentemente se ser pensado o que requer o complexo categorial

da sensibilidade por isso eacute que soacute eacute ser o ser sensiacutevel Vale dizer o ser como

verbo eacute resultado do ser substantivo soacute um sujeito (em suas diversas formas na

cadeia do ser) eacute (soacute um sujeito existe eacute faz sente pensa etc de acordo com

seu grau na cadeia do ser)

A ontologia do puro verbo ser ou das puras essecircncias (complexo

categorial abstrativante e eterno) eacute a autonomizaccedilatildeo das categorias ou da

existecircncia em relaccedilatildeo ao ser e existir reais agraves formas reais de ser e existir satildeo

as categorias e a existecircncia sem corpo ou sujeito mais do que isso satildeo as

categorias (essecircncia) e existecircncia em geral universal e abstrata tornadas

sujeito a essecircncia ou a existecircncia abstratas personificadas - e isso satildeo

puramente figuras do pensamento o que jaacute eacute especulaccedilatildeo natildeo ontologia

Marx agrave semelhanccedila de Feuerbach soacute admite como ente ou melhor

como entificaccedilatildeo o ens essendi - o ente sendo o ente no ato de ser o ente

revestido de existecircncia atual - objetivo o ente no exerciacutecio da accedilatildeo ou ato de

ser eacute portanto um ente existente ou seja o ente que estaacute sendo o ente no ato

de existir

Donde do mesmo modo que em Feuerbach o ser eacute inseparaacutevel de sua

existecircncia Ser e existir constituem uma unidade indissoluacutevel complexo

24

categorial no ato de ser pela atualizaccedilatildeo do complexo categorial essecircncia

determinada e mutaacutevel na mutabilidade de ser e ir sendo (essendi)

Eacute chegada a hora depois desta etapa analiacutetica de vislumbrar qual eacute o

cenaacuterio em Marx que esse conjunto de questotildees se coloca Com esse objetivo e

como eacute tiacutepico de seu procedimento investigativo junto aos textos daquele autor

Chasin toma para anaacutelise o item 1 O Processo de Trabalho do capiacutetulo V de O

Capital Nele pode-se identificar em primeiro lugar a natureza geral (universal)

da atualizaccedilatildeo da forccedila de trabalho que se encontra em potecircncia nos indiviacuteduos

A produccedilatildeo de valores de uso ou bens natildeo muda sua natureza geral por se

realizar para o capitalista e sob seu controle Por isso o processo de trabalho

deve ser considerado de iniacutecio independentemente de qualquer forma social

determinada[x]

Por que o processo de trabalho deve ser considerado de iniacutecio

independentemente de qualquer forma social determinada indaga Chasin A

resposta eacute formulada em estilo direto Para natildeo ser perdida a natureza do

trabalho sua positividade enquanto atividade humana vital

Tem-se nessa passagem segundo Chasin um exemplo do exerciacutecio

de uma ontologia estatutaacuteria - a positividade (sua efetividade ou operosidade)

universal do trabalho enquanto atributo vital e inalienaacutevel do homem

independentemente de suas formas concretas que se apresentam na forma do

trabalho alienado

Eacute a determinaccedilatildeo universal do trabalho o traccedilo de sua legalidade

uacuteltima sua determinaccedilatildeo mais geral e essencial dimensatildeo que natildeo desaparece

nem mesmo sob suas formas concretas mais negativas

A ontologia estatutaacuteria registra o traccedilo ou rastro dessa dimensatildeo

permanente que atravessa as formas concretas em sua efetividade contraditoacuteria

e especialmente desfavoraacutevel para o homem enquanto maioria subjugada ao

longo de toda a preacute-histoacuteria da humanidade

25

Permanente mas permanente processual mutaacutevel diversamente

positivo quantitativa e qualitativamente em cada uma das formas concretas em

que o trabalho aparece nas configuraccedilotildees sociais determinadas

Nesse sentido abstratamente permanente abstratamente positivo mas

onde essa abstratividade natildeo corresponde a uma simples determinaccedilatildeo

conceitual Corresponde a uma efetividade em sua figura proacutepria em cada forma

social determinada

Agrave ontologia estatutaacuteria compete o reconhecimento dessa dimensatildeo mais

geral base para a decifraccedilatildeo cientiacutefica concreta dos casos efetivos que por sua

vez confirmam ou natildeo criticamente a determinaccedilatildeo mais geral ontoloacutegica Natildeo

haacute portanto um abismo separando ontologia de ciecircncia mas a continuidade de

momentos distintos de uma mesma unidade de conhecimento que interagem e

se medem reciprocamente se apoacuteiam estimulam e criticam um infinito processo

constitutivo das certezas

Continuando a anaacutelise do texto marxiano tem-se a descriccedilatildeo do

trabalho e o reconhecimento analiacutetico de sua natureza Antes de tudo [aqui

Chasin faz uma pequena observaccedilatildeo assinalando ou seja na raiz em seu

fundamento diria uma linguagem mais convencional e ciosa de suas

pretendidas atribuiccedilotildees] o trabalho eacute um processo entre o homem e a

natureza um processo em que o homem por sua proacutepria accedilatildeo medeia regula

controla seu metabolismo com a natureza Ele mesmo se defronta com a

mateacuteria natural Ele potildee em movimento as forccedilas naturais pertencentes agrave sua

corporalidade braccedilos e pernas cabeccedila e matildeo a fim de se apropriar da mateacuteria

natural numa forma uacutetil para a sua proacutepria vida Ao atuar por meio desse

movimento sobre a natureza externa a ele e ao modificaacute-la ele modifica ao

mesmo tempo sua proacutepria natureza Ele desenvolve as potecircncias nela

adormecidas e sujeita o jogo de suas forccedilas a seu proacuteprio domiacutenio[xi]

26

Observe-se que diz Chasin ao trabalhar ao mudar a forma da

natureza ao construir sua proacutepria mundaneidade o homem ele proacuteprio por

meio de seu proacuteprio trabalho transforma a sua proacutepria natureza Ou seja de ser

natural para social eis um novo exemplo de lineamento reconhecido e recolhido

agrave ontologia estatutaacuteria

Prosseguindo na especificaccedilatildeo Marx afirmaPressupomos o trabalho

numa forma que pertence exclusivamente ao homem Uma aranha executa

operaccedilotildees semelhantes agraves do tecelatildeo e a abelha envergonha mais de um

arquiteto humano com a construccedilatildeo dos favos de suas colmeacuteias Mas o que

distingue de antematildeo o pior arquiteto da melhor abelha eacute que ele construiu o

favo em sua cabeccedila antes de construiacute-lo em cera No fim do processo de

trabalho obteacutem-se um resultado que jaacute no iniacutecio deste existiu na imaginaccedilatildeo do

trabalhador e portanto idealmente Ele natildeo apenas efetua uma transformaccedilatildeo

da forma da mateacuteria natural realiza ao mesmo tempo na mateacuteria natural seu

objetivo que ele sabe que determina como lei a espeacutecie e o modo de sua

atividade e ao qual tem de subordina sua vontade E essa subordinaccedilatildeo natildeo eacute

um ato isolado Aleacutem do esforccedilo dos oacutergatildeos que trabalham eacute exigida a vontade

orientada a um fim que se manifesta como atenccedilatildeo durante todo o tempo de

trabalho e isso tanto mais quanto menos esse trabalho pelo proacuteprio conteuacutedo e

pela espeacutecie modo de sua execuccedilatildeo atrai o trabalhador portanto quanto

menos ele o aproveita como jogo de suas proacuteprias forccedilas fiacutesicas e espirituais[xii]

Chasin chama atenccedilatildeo para as seguintes observaccedilotildees

1) a preacutevia-ideaccedilatildeo do resultado (do fim) a existecircncia ideal do mesmo

na imaginaccedilatildeo donde o objeto ou um complexo categorial in mente e ante

res[xiii]

Preacutevia-ideaccedilatildeo e teleologia satildeo ou podem ser momentos confluentes

mas natildeo satildeo idecircnticos a preacutevia-ideaccedilatildeo estaacute no comeccedilo e eacute um desenho ideal

que implica o conhecimento da espeacutecie e do modo da atividade a realizar

27

conhecimento das malhas causais teleologia eacute simplesmente finalidade fim

objetivo podendo se apresentar de modo meramente volitivo e bem abstrato

natildeo mobilizante dos ou sem os meios de sua realizaccedilatildeo ou seja ter teleologia

sem preacutevia-ideaccedilatildeo natildeo conduz a nenhum processo de trabalho Quero assinar

que o termo teleologia pode ser demasiado vago no sentido de mero conceito

filosoacutefico convencional nesse sentido apenas alusivo e natildeo instrumentador de

operaccedilotildees na esfera da atividade sensiacutevel Pode ser entendido mais como

manifestaccedilatildeo de espiacuterito do que como exigecircncia de efetuaccedilatildeo de mudanccedila de

forma da mateacuteria natural e objetivaccedilatildeo de propoacutesito E de toda forma indica

antes de tudo que o fim o realizado estaacute no fim do processo fala do obtido ou

do a ser obtido nada nos diz da travessia que realiza da travessia que passa do

ideal para o real natildeo nos fala da mobilizaccedilatildeo ideal e material necessaacuterias

Quando a teleologia se manifesta como resultado jaacute natildeo eacute preciso dizer mais

nada a respeito Basta saudar e usufruir de sua apariccedilatildeo que nada tem de

maacutegica ou misteriosa mas antes de reconhececirc-la como produto das

metamorfoses de subjetividade e objetividade Ou seja em suas distintas

naturezas inconfundiacuteveis enquanto tais objetividade e subjetividade satildeo

entificaccedilotildees na mundaneidade humana e nessa qualidade estados ou momentos

do ser social momentos regidos pela atividade ideal e sensiacutevel do mesmo

Penso que Lukaacutecs ao transpor a questatildeo para a linguagem filosoacutefica

tradicional pode ter dissociado demais fins e meios o que natildeo eacute o caso dos

textos de Marx Por isso Lukaacutecs se vecirc obrigado depois a buscar a rearticulaccedilatildeo

entre teleologia e causalidade e nisso encontre natildeo poucas dificuldades (como

uma passa para outra e vice-versa parecendo que lida ao limite com

substacircncias incomunicaacuteveis natildeo as compreendendo em suas metamorfoses) e

deixe que se perca certa substacircncia da questatildeo antes de tudo o interfluxo entre

objetividade e subjetividade com seus distintos momentos preponderantes em

cada um dos passos dos momentos embricados dos processos Creio que as

duas esferas ficam sempre tradicionalmente um tanto estranhas uma em

28

relaccedilatildeo agrave outra seja para preservar a objetividade e aiacute se torna objetivista seja

para ressaltar a subjetividade e aiacute desliza para o subjetivismo

2) No fim do processo tem-se seu resultado que eacute a transformaccedilatildeo da

forma de uma dada mateacuteria natural e a realizaccedilatildeo do objetivo do trabalho que

existiu antes como preconfiguraccedilatildeo ideal Portanto o trabalho transforma

imagem ideal em ente real complexo categorial in rebus

Em suma no pensamento de Marx as categorias ou complexos

categoriais satildeo reconhecidos sob as trecircs formas in mente (existem idealmente

na imaginaccedilatildeo ou como reproduccedilatildeo mental das coisas categorias da

representaccedilatildeo) ante res (preacutevia-ideaccedilatildeo) e in rebus como efetividades quando

estatildeo na forma de ser Como confirmaccedilatildeo tome-se mais esta passagem do

mesmo capiacutetulo No processo de trabalho a atividade do homem efetua

portanto mediante o meio de trabalho uma transformaccedilatildeo do objeto de

trabalho pretendida desde o princiacutepio O processo extingue-se no produto Seu

produto eacute um valor de uso uma mateacuteria natural adaptada agraves necessidades

humanas mediante transformaccedilatildeo da forma O trabalho se uniu com seu objeto

O trabalho estaacute objetivado e o objeto trabalhado O que do lado do trabalhador

aparecia na forma de mobilidade aparece agora como propriedade imoacutevel na

forma do ser[xiv] do lado do produto Ele fiou e o produto eacute um fio[xv]

Como arremate analiacutetico dessa famosa mas muitas vezes mal

compreendida passagem de O Capital Chasin conclui ao mesmo tempo em que

visualiza uma nova tarefa Se assim eacute se as categorias podem aparecer nas

trecircs formas - in rebus - in mente - ante res - haacute entatildeo que determinar o que satildeo

cada uma dessas formas

Esquematicamente Chasin propotildee o seguinte

1) se estatildeo in rebus (nas coisas) estatildeo na forma do ser

29

2) se estatildeo in mente (na cabeccedila) estatildeo na forma da reproduccedilatildeo ideal

das coisas Trata-se da subjetividade receptora[xvi] que reproduz as coisas natildeo

captando apenas seus dados empiacutericos superando pois o empirismo e elabora

portanto a reproduccedilatildeo ideal dos entes e onde a subsunccedilatildeo aos objetos eacute a

atividade de sua elaboraccedilatildeo ideal

3) se estatildeo ante res (antes das coisas) estatildeo na forma da finalidade da

preacutevia mentalizaccedilatildeo de objetivos e meios

Poreacutem no segundo e terceiro casos as categorias estatildeo na forma de

espeacutecies de pensamento representaccedilotildees e projeccedilotildees do ser do vir-a-ser dos

meios materiais instrumentais processuais e dinacircmicos de entificaccedilatildeo dos

seres

Concluindo essa parte dizer pois que o homem e o mundo satildeo

atividade sensiacutevel que por criar seu mundo cria a si mesmo eacute determinar o

homem como a criatura criadora de seres

No entanto na medida em que apenas na configuraccedilatildeo histoacuterica regida

pela loacutegica do capital ou seja na plenitude da produccedilatildeo da riqueza entendida

por sua essecircncia subjetiva que eacute o trabalho que se atinou para determinaccedilatildeo

do homem como a criatura criadora de seres foi possiacutevel agrave reflexatildeo pode se

dar conta potencialmente da verdadeira problemaacutetica do ser

Em outras palavras eacute pela criacutetica ao criador de criaturas na forma da

alienaccedilatildeo - criacutetica marxiana agrave sociedade capitalista - eacute que a ontologia pode

atinar com seu verdadeiro objeto e modo de determinaccedilatildeo Natildeo eacute casual que

tenha emergido pela criacutetica feuerbachiana ao sistema hegeliano (a criaccedilatildeo

especulada dos entes) e ganho seus contornos efetivos no advento de uma

nova forma de pensamento e concepccedilatildeo de praacutetica - a doutrina de Marx

Resumindo no caso de Marx ontologia eacute estatuto ou filosofia primeira

do ser social que enquanto tal norteia a concreccedilatildeo cientiacutefica do mesmo cuja

30

realizaccedilatildeo corrige e enriquece o proacuteprio estatuto donde a sinergia e a reciacuteproca

dimensatildeo criacutetica entre estatuto ontoloacutegico e ciecircncia da histoacuteria em seus diversos

departamentos possiacuteveis estabelecidos jaacute por criteacuterio ontoloacutegico ou seja que

respeita a integridade das coisas em suas qualidades e processos interconexos

que as constituem em seu ser por si e enquanto tais satildeo reproduzidas

teoricamente

Enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma da legalidade objetiva (material

e espiritual) do ser social ou seja enquanto malha de asserccedilotildees ou

determinaccedilotildees de seu complexo categorial enquanto o permanente na forma de

processo a ontologia estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a

sociabilidade como substacircncia desse grau maacuteximo da cadeia do ser

Mas substacircncia como complexo categorial como siacutentese de categorias

essenciais que denota uma forma especiacutefica determinada de presenccedila ou

existecircncia plenamente qualificada

Por isso eacute estatuto ontoloacutegico pois a plataforma canocircnica do ser eacute o

coacutedigo do substantivo verbal como substacircncia substrato) assim o estatuto

ontoloacutegico do complexo substantivo do ser social deve reconhecer a

sociabilidade como substacircncia A sociabilidade como substrato dos homens

seja na forma da alienaccedilatildeo seja na forma de sua latecircncia de substancialidade

em vir-a-ser no caminho infinito de sua realizaccedilatildeo

Trata-se portanto em Marx de estatuto e natildeo sistema pois como

sistema seria um agregado de abstraccedilotildees uma filosofia que uma vez obtidas

noccedilotildees fundamentais passa a se edificar por si ou seja as noccedilotildees seriam

coaacutegulos inteligiacuteveis que passam por auto-sustentaccedilatildeo a configurar

dedutivamente o mundo Ao passo que estatuto eacute uma ordem a legalidade do

ser sensiacutevel - o ser na plenitude de seus atributos

tempo (histoacuteriaprocessoduraccedilatildeomutabilidade) lugar e sensibilidade

especificamente a legalidade do ser social imanente a si em sua especiacutefica

31

objetividade O ser sensiacutevel eacute a forma do ser porque eacute a plenitude das

categorias possiacuteveis

E as formaccedilotildees ideais

Segundo Chasin as formaccedilotildees ideais do mesmo modo que as

formaccedilotildees reais - formas do ser - tecircm lugar e tempo como categorias - o tempo

e o espaccedilo das formaccedilotildees sociais que satildeo engendradas mas estatildeo privadas de

sensibilidade

O sensiacutevel soacute eacute predicaccedilatildeo inerecircncia agrave forma do ser que conteacutem a

plenitude dos predicados possiacuteveis (sensibilidade espaccedilo tempo)

Essa forma de conceber o ser eacute reconhecer substancialidade ao

complexu agrave unidade totalizada ou seja ao conjunto pleno de atributos em ato

Em outras palavras ser eacute complexo categorial - tem a forma de ser -

completude ou forma conferida pelo sensiacutevel que se desdobra em muacuteltiplos

atributos e se condensa de infinitas maneiras no gradiente do ser

Em suma segundo Chasin tomando Marx como base e ponto de

referecircncia permanentes ser eacute plenitude categorial ou seja a plenitude

categorial eacute sua forma e por ser sensiacutevel compreende lugar e tempo

Donde se admitido o princiacutepio metoacutedico de Marx saber eacute saber do ser

que antes de tudo eacute um complexo sensiacutevel - tudo que eacute existe eacute sempre um

complexo natildeo uma substacircncia ou essecircncia pura e cristalina E a cadeia do ser eacute

o conjunto de graus do ser - do menos ao mais complexo

O preceito metodoloacutegico marxiano eacute pois ontoloacutegico sabe-se o que eacute

como se formou se desenvolveu e como depereceraacute

Por via de consequumlecircncia e diante das vicissitudes da histoacuteria da

ontologia de seu processo constitutivo e dissolutor diante da penosa rota da

32

conquista teoacuterica do real homoacuteloga ou equivalente agrave necessidade humana de

produzir a sua mundaneidade e a si mesmo a ontologia eacute o que pode ser - o

que natildeo eacute pouco - a esfera teoacuterica da incerteza propulsora positiva

afirmativamente organizada O patamar do incerto ordenado como plataforma da

busca infinita da certeza Impulsatildeo incontornaacutevel que natildeo pode ser eludida pela

presenccedila imperativa dos circuitos ontopraacuteticos

Talvez agora o estatuto ontoloacutegico marxiano possa ser enunciado do

seguinte modo eacute o estudo das categorias fundamentais - em traccedilos essenciais

abstratos em suas determinaccedilotildees mais gerais - da existecircncia social

historicamente constatada e reconhecida sendo possiacutevel exemplificar com as

seguintes categorias historicidade (processualidade ou mutabilidade)

concreticidade ou objetividade atividade sensiacutevel e ideal (trabalho e

reproduccedilatildeo) subjetividade (receptiva e proponente) valor individualidade

gecircnero (sociabilidade) Tudo isso perfilando o complexo de complexos da auto

realizaccedilatildeo do ser humano-societaacuterio entendido que o fim dos fins eacute a infinitude

da realizaccedilatildeo do humano - do autopor-se do aberto ser humano-societaacuterio

Estatuto que em outros termos eacute a ordem do reconhecimento ou

reproduccedilatildeo teoacuterica da identidade natureza e constituiccedilatildeo das coisas por si por

seus complexos categoriais decisivos independentemente em qualquer plano

de se tornarem objetos de praacutetica ou reflexatildeo

Enquanto tal eacute a teoria do reconhecimento da objetividade histoacuterico-

social imanente em suas distintas formas de apresentaccedilatildeo (natureza e

sociedade) Em termos muito breves eacute o momento mais abstrato do

reconhecimento da identidade das coisas por si enquanto tal um dos momentos

distintos da unidade do saber do qual participa um segundo sob forma

concreta que eacute a ciecircncia

Pela proacutepria natureza histoacuterica processual do ser a ontologia marxiana

natildeo corresponde nem poderia corresponder por simples imperativo de

33

coerecircncia agrave forma de um saber universal plantado sobre uma racionalidade

auto-sustentada ou seja fundado na razatildeo universal nada mais a versatildeo laica

ou profana de Deus no dizer de Feuerbach Ou seja trata-se enfim de uma

forma de ontologia sem parentesco com o saber absoluto e que recusa qualquer

tipo de fundamento especulativo pois absolutizaccedilatildeo de uma teoria da

fundamentaccedilatildeo eacute simplesmente a firmaccedilatildeo especulativa da razatildeo autocircnoma ou

de um princiacutepio de inteligibilidade situado para aleacutem das coisas que garante a

presenccedila e o conhecimento do sagrado e a vitoacuteria antecipada do idealismo Natildeo

correspondendo agrave qualquer forma de saber universal a ontologia marxiana

sustenta a possibilidade efetiva como jaacute vimos de um saber real

Por sua praacutetica teoacuterica e por um conjunto de lineamentos expliacutecitos

Marx deixou o legado de um especiacutefico estatuto ontoloacutegico natildeo um ontologia de

talhe convencional ou tradicional e natildeo apenas por que careceu de tempo

necessaacuterio para a realizaccedilatildeo de uma obra desse tipo mas fundamentalmente

pela distinccedilatildeo de natureza de seu estatuto ontoloacutegico radicalmente oposto ao

tratamento especulativo da mateacuteria

Esse estatuto eacute constituiacutedo a partir do universo praacutetico onticamente

referido ou seja eacute um estatuto ocircntico-ontoloacutegico pois evolve da efetividade

histoacuterica das coisas de suas relaccedilotildees e processos para sua reproduccedilatildeo

conceitual no plano de uma trama categorial em sua expressatildeo mais abstrata

Reconhecimento e Determinaccedilatildeo da Sociabilidade como Substacircncia

Vimos que segundo Chasin enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma

da legalidade do ser social em sua materialidade e espiritualidade[pode-se dizer

tambeacutem em sua objetividade sensiacutevel e supra-sensiacutevel] ou seja enquanto

malha de asserccedilotildees ou determinaccedilotildees de seu complexo categorial a ontologia

34

estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a sociabilidade como substacircncia desse

grau maacuteximo do ser

Embora Chasin natildeo tenha desenvolvido plenamente a questatildeo da

objetividade supra-sensiacutevel como tambeacutem a da sociabilidade como substacircncia

julgo conveniente transcrever tambeacutem algumas notas e comentaacuterios feitos em

sala de aula dada a importacircncia do tema

Em relaccedilatildeo agrave noccedilatildeo de substacircncia Chasin retoma sua noccedilatildeo mais geral

e tradicional Ou seja deixando de fora qualquer conotaccedilatildeo relativa a formas de

idealidade o que existe por si eacute um auto-engendrado a uacuteltima instacircncia de um

dado gecircnero de entificaccedilatildeo enquanto tal na medida em que eacute uma efetividade

eacute um complexo que a noccedilatildeo de substacircncia refere no mais alto grau de

abstraccedilatildeo Vale pois como abstraccedilatildeo razoaacutevel tal como todo conceito

marxiano nesse niacutevel de generalizaccedilatildeo a partir do qual pela via dos processos

de concreccedilatildeo satildeo determinaacuteveis as formas concretas de substacircncia

correspondentes agraves formaccedilotildees sociais reais

Dessa forma a substacircncia eacute um complexo histoacuterico natildeo uma

idealidade natildeo um construto da razatildeo auto-sustentada mas o resumo de uma

extraccedilatildeo justificada

Naturalidade e Sociabilidade

Sempre que se potildee a questatildeo da naturalidade e da sociabilidade essa

uacuteltima tende a ser examinada in statu nascendi ou de um estado original

imaginaacuterio natildeo se parte portanto de fatos pois os desconhecemos se eacute que

35

tenham existido mas de um mito E do mito se quer saltar para o quadro de uma

realidade complexa

Mas acompanhando Marx lembremos das pobres robinsonadas do

seacuteculo XVIII referidas logo agraves primeiras linhas da Introduccedilatildeo de 57 a) O

caccedilador e o pescador individuais e isolados de que partem Smith e Ricardo b)

o contrat social de Rousseau que relaciona e liga sujeitos independentes por

natureza por meio de um contrato Essas robinsonadas natildeo repousam sobre

(o) naturalismo E a argumentaccedilatildeo prossegue Trata-se ao contraacuterio de uma

antecipaccedilatildeo da sociedade (buumlrgelichen Gesellschaft) que se preparava desde

o seacuteculo XVI e no seacuteculo XVIII deu larguiacutessimos passos em direccedilatildeo agrave sua

maturidade Nesta sociedade da livre concorrecircncia o indiviacuteduo aparece

desprendido dos laccedilos naturais que em eacutepocas histoacutericas remotas fizeram dele

um acessoacuterio de um conglomerado humano limitado e determinado Os profetas

do seacuteculo XVIII sobre cujos ombros se apoacuteiam inteiramente Smith e Ricardo

imaginam o indiviacuteduo do seacuteculo XVIII como um ideal que teria existido no

passado Vecircem-no natildeo como um resultado histoacuterico mas como ponto de partida

da Histoacuteria porque o consideram como um indiviacuteduo conforme agrave natureza -

dentro da representaccedilatildeo que tinham da natureza humana - que natildeo se originou

historicamente mas foi posto como tal pela natureza[xvii]

Segundo Chasin tomando Marx novamente como ponto de referecircncia

os equiacutevocos que aparecem ao se tratar a relaccedilatildeo naturalidade sociabilidade

satildeo os seguintes

1) procurar deduzir em graus diferentes em cada caso o ser social do

natural esquecendo que se trata da emergecircncia do novo de uma configuraccedilatildeo

ontoloacutegica nova e que o novo nunca eacute um simples desdobramento do estaacutegio

anterior no caso - do grau de ser antecedente ou seja que entre os dois niacuteveis

ocorre o que se chama de salto um intervalo em que a potecircncia causal do

antecedente natildeo conteacutem a capacidade a potecircncia ou a potencialidade para

gerar o novo Um intervalo que fica assim indeterminado

36

2) o procedimento acima abre para a mera especulaccedilatildeo pois tende a

deduzir a indeterminaccedilatildeo a querer estabelecer nexos onde eles inexistem

tende a preencher o que de fato eacute um vazio A rigor natildeo se trata de um natildeo-

sabido mas da ausecircncia factual de um objeto ou processo em outros termos

se trata de um vazio ontoloacutegico de uma ausecircncia de nexos ontoloacutegicos

O correto segundo o modus operandi marxiano natildeo eacute partir da semente

ou do embriatildeo mas do complexo real maturado uma vez que

especialiacutessimamente na esfera social a loacutegica do gerado eacute diversa da loacutegica de

sua gecircnese aleacutem de que nesse acircmbito as entificaccedilotildees configuradas apagam a

rota e a loacutegica de sua formaccedilatildeo

Desse modo partindo do jaacute configurado e considerando que se trata de

uma configuraccedilatildeo infinita que compreende mutaccedilotildees qualitativas muito

importantes e natildeo esquecendo que permanecemos no estaacutegio preacute-histoacuterico (em

momento especialmente desequilibrado e contraditoacuterio) podemos e devemos

reconhecer por meio de algumas abstraccedilotildees razoaacuteveis o seguinte

1) A formaccedilatildeo do ser social eacute um processo da animalidade agrave

hominidade o andamento da naturalidade agrave sociabilidade o caminho infinito da

naturalidade dada agrave sociabilidade natildeo-dada em produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

perenes

2)Trata-se pois de uma entificaccedilatildeo processual entre dois niacuteveis ou

poacutelos da escala do ser sendo processo eacute intrinsecamente uma contradiccedilatildeo e soacute

enquanto tal se move eliminada a contradiccedilatildeo cessaria a possibilidade do

processo Com isso eacute dito algo muito importante pois ao reconhecer a

contraditoriedade entre naturalidade e sociabilidade natildeo eacute mais possiacutevel pensar

as mesmas a propoacutesito do ser social como um simples conjugado de fatores

mas obrigatoriamente como uma conjugaccedilatildeo contraditoacuteria de legalidades Isso

vai na esteira do que eacute compreendido desde Hegel - que o ser eacute uma unidade

contraditoacuteria - todavia com o acreacutescimo do problema da dupla legalidade De

37

que modo ou feiccedilatildeo chega cada uma delas agrave unidade contraditoacuteria do ser Pois

haacute que pensar na unidade ou siacutentese a natildeo ser que se queira desenhar o ser

social como uma aberraccedilatildeo hiacutebrida pode ser esta a fisionomia do grau mais

elevado do gradiente dos seres Assim tomada na devida consideraccedilatildeo essa

determinaccedilatildeo ontoloacutegica sem a qual a reflexatildeo perde o rumo trata-se de

compreender a dinacircmica especiacutefica dessa contradiccedilatildeo peculiar Vejamos

3) Em primeiro lugar esse processo contraditoacuterio gera novas

contradiccedilotildees agora dominantemente contradiccedilotildees da sociabilidade em

formaccedilatildeo de sorte que se trata de um processo cumulativo de

contraditoriedades no qual as novas contradiccedilotildees progressivamente vatildeo

tomando o lugar predominante e decisivo vale dizer a contradiccedilatildeo originaacuteria

cada vez mais coabita com contradiccedilotildees de outro gecircnero diante das quais sua

presenccedila vai mudando de forccedila e configuraccedilatildeo natildeo desaparece mas sua

qualidade vai mudando na proporccedilatildeo mesmo do desenvolvimento da

apropriaccedilatildeo societaacuteria da natureza cada vez mais puramente social - eacute no que

consiste de acordo com as palavras de Marx o progressivo afastamento das

barreiras naturais

4) Ou seja a matriz e a medida do afastamento eacute a forma cada vez

mais social de produzir e reproduzir as bases materiais da vida pela qual eacute

gerado o novo ser em direccedilatildeo agrave sua potecircncia ampliada de se auto-por de ir em

direccedilatildeo a si mesmo um si mesmo que natildeo eacute dado mas gerado na progressatildeo

da auto-posiccedilatildeo do auto-assentamento ou da auto-enformaccedilatildeo que inclui a

proacutepria daccedilatildeo de forma e resoluccedilatildeo ao predicado natural ou bioloacutegico daccedilatildeo de

forma que em suma eacute daccedilatildeo de forma social ao predicado natural

5) Essa possibilidade de daccedilatildeo de forma eacute afirmaccedilatildeo e realizaccedilatildeo da

essecircncia social que eacute o conjunto de relaccedilotildees sociais configuradas em cada

momento pelo modo de produzir da base material modo por sua vez que eacute

determinado pelo desenvolvimento das forccedilas produtivas entre as quais figura o

proacuteprio modo de organizaccedilatildeo do conjunto das relaccedilotildees sociais

38

6) Daccedilatildeo de forma eacute alteraccedilatildeo do lugar resolutivo e todo ente que muda

de lugar muda de natureza sem alterar uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo material

Vale dizer que a contradiccedilatildeo originaacuteria entre naturalidade e sociabilidade eacute

resolvida por uma nova contradiccedilatildeo - a da naturalidade que soacute se realiza na

forma e por meios sociais - no afastamento que eacute superaccedilatildeo da naturalidade

(processo histoacuterico) a legalidade natural eacute submetida agrave legalidade social

(diferentemente em cada modo de produccedilatildeo e de acordo com o

desenvolvimento das forccedilas produtivas) o fator natural natildeo eacute suprimido

suprimida eacute sua capacidade de autodeterminaccedilatildeo resta portanto

simplesmente o que natildeo eacute pouco como um predicado do ser humano um

predicado insuprimiacutevel mas apenas como predicado bioloacutegico de um ser de

outra natureza e essecircncia A naturalidade eacute retida como predicado

imprescindiacutevel mas natildeo como essecircncia Donde natildeo satildeo mais duas legalidades

ontoloacutegicas que coexistem mas a legalidade superior mais complexa subsume

a legalidade natural que natildeo mais se autodetermina mas eacute resolvida pela e do

interior da outra Assim o predicado natural do homem recebe forma e

resoluccedilatildeo sociais ou seja o predicado natural eacute subsumido agrave legalidade social

Natildeo resta mais o choque de duas legalidades contrapostas na

contradiccedilatildeo originaacuteria A legalidade natural vai sucumbindo na ruptura e

progressivamente agrave legalidade social em sua efetividade no ser social a

legalidade natural natildeo mais atua por si eacute dependente do social natildeo eacute mais a

legalidade de um ser pois natildeo haacute mais aiacute um ser natural mas um atributo

natural dependente da essecircncia social O homem eacute um ser social que

compreende sua essecircncia especiacutefica (variaacutevel) suas contingecircncias e seu

predicado bioloacutegico Na entificaccedilatildeo do ser social uacuteltimo grau da cadeia do ser a

legalidade natural eacute subalternizada agrave social por mais ruacutestica e restrita que seja a

essecircncia social primitiva e por mais precaacuteria que seja essa subalternizaccedilatildeo de

iniacutecio O processo de afastamento das barreiras naturais eacute assim o curso dessa

subalternizaccedilatildeo que desponta no iniacutecio na ruptura com a legalidade natural e

por mais longo e contraditoacuterio em avanccedilos e recuos que seja esse processo

39

7) de outra parte a loacutegica do predicado bioloacutegico natildeo soluciona natildeo

tem resposta para o complexo problemaacutetico da sociabilidade enquanto que esta

daacute soluccedilatildeo aos imperativos daquela Como diz Marx nos Manuscritos de 44 o

homem contempla a natureza e a si mesmo com um produto social [dos homens

interativos] com pleno direito mesmo que natildeo com elevada consciecircncia ou altos

valores

8) Donde a foacutermula lukaacutecsiana da dupla base eacute falsa pois a plataforma

eacute a sociabilidade enquanto a naturalidade eacute apenas o insuprimiacutevel predicado

bioloacutegico que passa a vigir na forma e sob a regecircncia da sociabilidade Natildeo

perde por isso uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo orgacircnica mas na sua efetividade

muda de caraacuteter No interiro da esfera societaacuteria o predicado bioloacutegico eacute um

outro de si Se originariamente foi o ponto de partida agora eacute produzido e

reproduzido pela legalidade de um ser que o ultrapassa e o domina vive e soacute

pode viver na subjugaccedilatildeo de um novo estatuto Ou seja ao integrar como

predicado o ser de niacutevel mais elevado realiza a sua maacutexima potecircncia e isso eacute

ao mesmo tempo sua desnaturalizaccedilatildeo ou perecimento Impereciacutevel como

predicado natildeo eacute base pois determina soacute por seus limites pelas carecircncias natildeo

pelas determinaccedilotildees resolutivas nem mesmo em suas forccedilas e sentidos pois

enquanto virtualidades estas soacute satildeo humanas e superiores em resoluccedilatildeo

societaacuteria Ademais natildeo eacute nunca um criador de novas necessidades o que

caracteriza a legalidade social

9) A argumentaccedilatildeo acima diz respeito diretamente ao ser social em sua

configuraccedilatildeo bipolar (indiviacuteduo e gecircnero) e desenvolvida em especial no poacutelo da

individualidade tendo por esteio o andamento do gecircnero e ao falar deste se diz

do seu metabolismo com a natureza Esse metabolismo fundamental que eacute em

suma a atividade vital do homem ao gerar produtos sociais

(utilidadesmercadorias) sem que se possa transpor a estes as mesmas

determinaccedilotildees que foram feitas para o ser social desde logo satildeo entes sociais

mas em outro grau da escala do ser social mas tambeacutem tecircm mudada a sua

natureza de naturais a utilidades (e na forma da alienaccedilatildeofetichismo as

40

mercadorias) de sorte que a apropriaccedilatildeo da natureza eacute igualmente sua

desnaturalizaccedilatildeo eacute forccedilaacute-las a deixar de ser o que satildeo em sua peculiaridade

para se tornarem um outro de si sob a regecircncia do estatuto societaacuterio Isso eacute a

manifestaccedilatildeo do poder e da superioridade do grau maacuteximo do ser Nenhum

outro ser realiza qualquer coisa semelhante nem longinquumlamente Repetindo

Kant e Hegel Marx tinha toda razatildeo quando disse que haacute mais grandeza e

misteacuterio na cabeccedila de um becircbado do que no conjunto do universo

10) a Sociabilidade imperfeita substacircncia ainda natildeo realizada enquanto

tal ou seja ainda incapaz de autonomia como complexo estruturado conduz agrave

poliacutetica Natildeo compreendida como substacircncia mas como simples organizaccedilatildeo

potildee o homem no outro poacutelo na dicotomia homemsociedade ou seja na

representaccedilatildeo socioloacutegica ou politoloacutegica o homem eacute um outro

Determinada ou compreendida como substacircncia eacute substacircncia humana

(perfeita e imperfeita com todas as grandezas e miseacuterias produzidas

modificadas suprimidas e repostas no curso histoacuterico) eacute a essecircncia mutante do

ser auto-engendrado e enquanto mutante e por ser mutante distinta tambeacutem

por essa mutabilidade do predicado bioloacutegico atemporalmente necessaacuterio mas

sempre e progressivamente insuficiente do ser social

O tomo IV do primeiro nuacutemero da Revista Ensaios Ad Hominem eacute

composto de seis artigos - aleacutem do texto de abertura de autoria de J Chasin -

que resultaram de siacutenteses ou modificaccedilatildeo de partes ou capiacutetulos de

dissertaccedilotildees defendidas entre os anos de 1998 e 1999 junto ao Programa de

Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia da UFMG

41

O artigo que abre a presente coletacircnea intitulado A Razatildeo como

Tribunal da Criacutetica Marx e A Gazeta Renana de autoria de Celso Eidt versa

sobre a concepccedilatildeo do jovem Marx sobre o papel da imprensa natildeo apenas como

o locus privilegiado para o debate filosoacutefico mas fundamentalmente para os

processos educativos tendo em vista a realizaccedilatildeo plena da liberdade humana Eacute

bom ressaltar que no periacuteodo em que tais artigos satildeo redigidos Marx

compartilha de uma visatildeo antropoloacutegica racional em que a natureza humana eacute

concebida como espiacuterito livre e racional enquanto esteio da proacutepria vida eacutetica

ou seja da praacutetica humana fundada na razatildeo universal

Ana Selva Albinati autora do artigo A Determinaccedilatildeo dos Valores

Morais nos textos de Marx de 1841 a 1847 se debruccedila justamente sobre tal

campo de reflexatildeo Seu trabalho eacute uma tentativa de sistematizaccedilatildeo das

consideraccedilotildees sobre os valores morais nos textos do periacuteodo que se inicia com

sua tese doutoral Diferenccedilas entre as Filosofias da Natureza de Demoacutecrito e

Epicuro prosseguindo ateacute A Miseacuteria da Filosofia Ana Selva procura demonstrar

que esse periacuteodo normalmente referido como sendo o da juventude de Marx eacute

na verdade constituiacutedo de dois momentos de sua elaboraccedilatildeo teoacuterica que tem

como momento de clivagem a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel de meados

de 1843 em que Marx rompe com o referencial teoacuterico do idealismo alematildeo Em

relaccedilatildeo agraves determinaccedilotildees sobre a moral essa ruptura se reflete na inflexatildeo

radical que diferencia a compreensatildeo da moralidade no primeiro e segundo

momentos de tal forma que a moralidade passa a ser compreendida como um

dos modos da consciecircncia socialmente determinada concepccedilatildeo completamente

distinta da primeira fase em que os valores morais eram compreendidos como

expressotildees da liberdade e da racionalidade humanas idealmente concebidas

No artigo A criacutetica da Especulaccedilatildeo nas Glosas de Kreuznach Milney

Chasin analisa o momento inicial e ao mesmo tempo decisivo da ruptura que

se verifica entre Marx e Hegel no plano das determinaccedilotildees do ser Desse modo

a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel inaugura a criacutetica marxiana da

especulaccedilatildeo no seu cerne o de rejeitar o procedimento especulativo

42

caracteriacutestico de se provir tudo da ideacuteia real de tornaacute-la sujeito isto eacute de

capacitar a abstraccedilatildeo ou conceito automovido - a partir das metamorfoses

hegelianas - de pocircr o multiverso sensiacutevel Em outros termos Milney Chasin no

referido artigo evidencia como a criacutetica da especulaccedilatildeo permite a Marx

ultrapassar os horizontes do idealismo alematildeo na direccedilatildeo do devido

reconhecimento da distinccedilatildeo entre ser e pensar de caracterizar a impropriedade

ontoloacutegica da loacutegica hegeliana de apurar os limites gnosioloacutegicos e

incongruecircncias de toda ordem Em suma permite o desvelamento da substacircncia

miacutestica oferecendo a explicitaccedilatildeo do meacutetodo hegeliano - das diabruras do

conceito autoposto - que articula abstraccedilotildees e finitude restando a esta a mera

condiccedilatildeo de apecircndice dissolvido isto eacute momento virtual da realizaccedilatildeo da

idealidade

O quarto artigo desta coletacircnea intitulado A Exteriorizaccedilatildeo da Vida nos

Manuscritos de 44 eacute parte da dissertaccedilatildeo de mestrado As Categorias

Lebensaumlusserung Entaumlusserung Entfremdung e Veraumlusserung nos Manuscritos

Economico-Filosoacuteficos de Karl Marxdefendida por Mocircnica H M da Costa em

que o interesse era acima de tudo averiguar se alienaccedilatildeo (Entaumlusserung) e

estranhamento (Entfremdung) teriam significados distintos A pesquisa acabou

opor apontar no entanto uma outra categoria como eixo desses manuscritos

Lebensaumlusserung traduzida por exteriorizaccedilatildeo da vida De fato o fio condutor

dos Manuscritos eacute a centralidade do trabalho na produccedilatildeo material e espiritual

da vida humana Tomando para anaacutelise criacutetica pela primeira vez os

economistas claacutessicos Marx explicita sua proacutepria compreensatildeo da forma

peculiar de engendramento da existecircncia do homem A criacutetica a Hegel completa

o quadro desta tematizaccedilatildeo que natildeo seraacute abandonada ateacute os uacuteltimos trabalhos

de Marx

Sabina Maura Silva no artigo A Fenomenologia do Egoiacutesmo Stirner e a

Criacutetica Marxiana tem como objetivo fundamental apresentar a concepccedilatildeo de

homem presente na obra O Uacutenico e Sua Propriedade de autoria do filoacutesofo

neohegeliano Max Stirner e expor a criacutetica de Marx a este autor contida em A

43

Ideologia Alematilde A autora mostra que para Stirner o Eu tomado como

individualidade singular eacute o fundamento de sua esfera existencial No entanto

para esse autor tudo tem determinado a existecircncia dos indiviacuteduos natildeo tendo

sido permitido a eles determinaacute-la O objetivo de Stirner eacute pois remeter ao

indiviacuteduo - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel - o que dele foi alienado e erigido

como algo autocircnomo Por seu turno a criacutetica de Marx tem como fim explicitar o

caraacuteter especulativo da anaacutelise stirneana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo

bem como salientar o aspecto pseudorevolucionaacuterio de suas proposituras

Assim segundo Marx Stirner tatildeo somente interpreta diferentemente o

existente isto eacute reconhece o existente mediante outra

interpretaccedilatildeoTransformando as contradiccedilotildees objetivas em contradiccedilotildees

subjetivas Stirner conserva e justifica as condiccedilotildees e estruturas efetivas que

esmagam e impedem a autodeterminaccedilatildeo das individualidades ao reconhecer

as circunstacircncias como determinaccedilotildees dos indiviacuteduos Acolhendo acriacutetica e

especulativamente em suas feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees

estranhadas de um momento histoacuterico particular da individuaccedilatildeo humana

Stirner erige como individualidade um ente que empobrecido e constrangido

pelas condiccedilotildees objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade

social pode somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria

sobre si e sobre o mundo

O uacuteltimo artigo do tomo IV da Revista Ensaios Ad Hominem eacute de

autoria de Antocircnio Joseacute Lopes Alves e leva o tiacutetulo de A Individualidade

Moderna nos Grundrisse Neste texto o autor procura demonstrar que a

moderna sociabilidade do capital eacute compreendida por Marx como forma

instaurada a partir da dissoluccedilatildeo dos liames sociais que uniam em tempos

anteriores os indiviacuteduos agrave comunidade Aleacutem disso destaca o fato apontado por

Marx de que tal processo se constitui numa verdadeira reconversatildeo ontoloacutegica

tanto dos indiviacuteduos quanto das condiccedilotildees da atividade vital ocorrendo uma

radical transformaccedilatildeo na forma de ser de ambos Sinteticamente trata-se de

reconfiguraccedilatildeo ontoloacutegica que determina como entes autocircnomos os indiviacuteduos

44

de um lado e as condiccedilotildees de trabalho de outro vale dizer do divoacutercio entre os

indiviacuteduos ativos e as condiccedilotildees de sua atividade Antocircnio Lopes buscou em

suma alinhar as determinaccedilotildees mais essenciais dos indiviacuteduos e da

sociablidade modernos no que respeita agrave forma mesma das relaccedilotildees sociais da

atividade sensiacutevel bem como da respectiva expressatildeo ideal como por exemplo

a configuraccedilatildeo das categorias da igualdade e liberdade

O leitor encontraraacute nas paacuteginas que se seguem o resultado do esforccedilo

de pesquisa voltado ao resgate da obra marxiana caracterizado pela busca do

rigor na leitura e interpretaccedilatildeo do pensamento de um autor cuja heranccedila

intelectual conheceu um destino traacutegico Natildeo eacute faacutecil portanto voltar-se a ela

sem os preconceitos da moda - como jaacute havia advertido Lukaacutecs Natildeo posso

afirmar com total certeza que um intento dessa natureza tenha sido plenamente

alcanccedilado Todavia eacute faacutecil perceber as diferenccedilas desse tipo de produccedilatildeo teoacuterica

com aquela apresentada tanto pelo marxismo adstringido e suas dissidecircncias

como pelo marxismo vulgar para utilizar as expressotildees cunhadas por Chasin no

intuito de designar as duas variantes de interpretaccedilatildeo da obra marxiana

Faccedilo aqui ao leitor interessado o convite para participar dessa

avaliaccedilatildeo

[1] Professora do Departamento de Filosofia da UFMG coordenadora

do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e Estudos Confluentes

45

[i] J CHASIN Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in

Teixeira FJS Pensando com Marx Editora Ensaio Satildeo Paulo 1995

[ii] K MARX amp F ENGELS A Sagrada Famiacutelia Ed Grijalbo trad

Wenceslao Roces Meacutexico DF 1960 p 120

[iii] Ver a respeito J CHASIN Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo

Metodoloacutegica opcit

[iv] J CHASIN O Futuro Ausente in Ensaios Ad Hominem 1 tomo III

Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem Satildeo Paulo 2000 p 166

[v] Ib p 167

[vi] Id

[vii] E CASSIRER A Filosofia do Iluminismo Editora da Unicamp

Campinas 1992 p 11

[viii] G LUKAacuteCS La Riproduzionein Per lOntologia delle Essere

Sociale Roma Editori Riuniti tomo II 1981 pp 180-81

[ix] N HARTMANN Ontologia Fondo de Cultura Econoacutemica Meacutexico D

F vol 1 1986

[x] K MARX O Capital vol I Ediccedilatildeo Abril Cultural Satildeo Paulo p 149

[xi] Id

[xii] Ib p 150

[xiii] (a respeito dessas categorias ver N HARTMANN Ontologia op cit

vol I p XII

46

47

[xiv] No original alematildeo in der Form des Seins Dietz Verlag 1971 p

195

[xv] Ib p 151

[xvi] Ver a respeito em J CHASIN Marx-Estatuto Ontoloacutegico e

Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica op cit

[xvii] K MARX op Cit p 126

Page 2: :: Verinotio - Revista On-line de Educao e Cincias Humanas · O leitor encontrará, portanto, nessa Apresentação o fruto de trabalho de coleta e organização de materiais utilizados

Em seus uacuteltimos cursos sobre o tema Chasin insistia em afirmar que a

despeito da valiosa colaboraccedilatildeo lukaacutecsiana para o desvendamento da

contextura ontoloacutegica do pensamento marxiano havia todo um enorme e

complexo campo teoacuterico a ser devidamente explorado o que demandaria com

certeza intenso trabalho de pesquisa a ser realizado ao longo de vaacuterios anos

Assim eacute que suas colocaccedilotildees se caracterizavam como esboccedilos expositivos isto

eacute afloramentos introdutoacuterios passiacuteveis portanto de vaacuterios tipos de correccedilotildees

posteriores

O que deve ser salientado nessa ocasiatildeo eacute justamente a coragem e a

desenvolturas teoacutericas com que Chasin lidava com o assunto em sala de aula

procurando mais do qualquer outra finalidade estimular seus alunos a

compartilharem dessa empreitada onde cada um contribuiria desse modo para

um esforccedilo de pesquisa que dada sua envergadura soacute poderia assumir caraacuteter

coletivo

Assim eacute que depois da publicaccedilatildeo de Marx - Estatuto Ontoloacutegico e

Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica em 1995[i] que foi a primeira sistematizaccedilatildeo de

resultados de pesquisa levada a cabo durante quase uma deacutecada sobre a obra

marxiana notadamente seu periacuteodo formativo e o desenvolvimento de vaacuterios

trabalhos de pesquisa - tanto no plano do mestrado quanto no doutorado por ele

orientados parte deles publicados no presente tomo - Chasin chega a esboccedilar

um esquema de trabalho que teria a obra de Marx tanto como ponto de partida

quanto por ponto de chegada e visava dar conta de uma verdadeira histoacuteria da

ontologia Este ambicioso programa de trabalho acabou se impondo como

inevitaacutevel na medida em que a devida compreensatildeo da obra de Marx assim o

exigia Em outras palavras de iniacutecio a pesquisa que se voltava ao pensamento

marxiano e algumas incursotildees na obra de Lukaacutecs acabou demandando pelo

proacuteprios resultados obtidos o seu alargamento para praticamente todo o

conjunto da histoacuteria da filosofia Aleacutem do resgate da contraposiccedilatildeo metafiacutesica

2

versus ontologia desde o renascimento ateacute Kant o plano de pesquisa incluiacutea a

anaacutelise das posiccedilotildees ontoloacutegicas dos preacute-socraacuteticos ateacute Heidegger bem como

um conjunto de glosas a E Husserl N Hartmann E Gilson E Cassirer G

Lukaacutecs e E Bloch

Mas os desafios teoacutericos que o tema da ontologia acarreta implicaram

que a atenccedilatildeo de Chasin tambeacutem se voltasse agravequilo que teria sido a sua grande

descoberta original - como veremos a seguir - o traccedilo distintivo da histoacuteria da

ontologia a sua dissoluccedilatildeo e seu colapso

Na abertura de seu uacuteltimo curso no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em

Filosofia da UFMG asseverou Creio que possa ser transposto agrave ontologia o que

Heine afirmou a propoacutesito do cristianismo ainda natildeo haacute nenhuma histoacuteria da

ontologia porque ateacute agora natildeo foi compreendido claramente no que consiste a

posiccedilatildeo ontoloacutegica e porque superficialidades foram tomadas pelo essencial

Antecipo sob essa analogia que superficial em ontologia eacute pressupor

que ela se caracterize e resolva por andamentos autocircnomos e a priori da razatildeo

o que tem induzido a conferir grande importacircncia agraves querelas da

fundamentaccedilatildeo isto eacute que a ontologia por natureza seja um movimento

cognitivo desenvolvido por via de alguma forma de razatildeo auto-sustentada

Superficialidade que se manifesta porque a ontologia por caraacuteter propoacutesitos e

ateacute mesmo por definiccedilatildeo claacutessica tem por alvo o reconhecimento do por-si das

coisas ou em versatildeo jaacute reduzida e desnaturada pela oacutetica gnoseoloacutegica do em

si uma vez que o para-noacutes soacute pode ser um consequumlente ou resultante em toda

e qualquer ordem de representaccedilatildeo um derivado que sob diapasatildeo

gnosioloacutegico eacute afetado ou condicionado pela proacutepria relaccedilatildeo cognitiva ou seja

por uma operaccedilatildeo que redunda na perda do atributo fundamental do por-si isto

eacute de sua prioridade em face de qualquer relaccedilatildeo com o sujeito praacutetico e teoacuterico

De outra parte a histoacuteria real da ontologia eacute a parte mais antiga e

intrincada da filosofia pois esta nasceu por demanda de uma questatildeo de caraacuteter

3

ou espiacuterito ontoloacutegico de que eacute feito o mundo perguntavam os preacute-socraacuteticos

qual eacute o elemento primordial do universo

Nascida como ontologia sem que tivesse esse nome sem que tivesse

outro nome que natildeo o de filosofia esta foi por cerca de dois milecircnios e meio

antes de tudo ontologia (metafiacutesica) ou explicitamente desde Platatildeo e

Aristoacuteteles ateacute Leibniz-Cristian Wolff a ontologia foi a atmosfera e o andaime da

reflexatildeo Seja como base e norteamento do conhecimento seja como alicerce

movediccedilo e desorientador em sua histoacuteria imanentemente contraditoacuteria a um

tempo auto-constituinte e auto-dissolutora de si proacutepria Numa palavra parece

que a aproximaccedilatildeo dos seres ou entes vale dizer da realidade pura e simples

em sua complexa efetividade tem se mostrado como a mais difiacutecil e penosa de

todas as tarefas do homem Paradoxal sob o prisma de que os homens natildeo

vivem a natildeo ser no proacuteprio mundo real essa dificuldade natildeo eacute tatildeo improacutepria ou

inocente na medida em que se considera

1) que o homem soacute muito lentamente constitui seu proacuteprio mundo e a si

mesmo e em ritmo semelhante destes se apropria objetiva e subjetivamente

2) que essa dupla constituiccedilatildeoapropriaccedilatildeo do mundo e de si tem sido

operada sob processos infinitamente complexos e contraditoacuterios geradores de

matizados e superpostos niacuteveis de esclarecimento e ocultaccedilatildeo

Para aleacutem dessas dificuldades de fundo eacute necessaacuterio levar em conta

tambeacutem que nos dias atuais a pesquisa ontoloacutegica em especial nos seus

lineamentos mais evoluiacutedos - o estatuto ontoloacutegico marxiano - se daacute em

contexto histoacuterico amplamente desfavoraacutevel tanto no que diz respeito agrave histoacuteria

das formaccedilotildees reais quanto agravequela das formaccedilotildees ideais

De tal modo que poder-se-ia dizer agora parafraseando Marx de A

Sagrada Famiacutelia a propoacutesito de Szeliga que as proposituras ontoloacutegicas

dominantes no seacuteculo XX convertem em misteacuterios o que satildeo verdadeiras

4

trivialidades Sua arte natildeo consiste em revelar o oculto mas ocultar o

revelado[ii]

Em suma para dar iniacutecio ao delineamento da histoacuteria da ontologia eacute

preciso em primeiro lugar abandonar sua pretensatildeo infantil agrave atemporalidade e

se dar conta de que seja compulsoriamente histoacuterica de que se faz no tempo

tatildeo contraditoriatmente quanto a proacutepria entificaccedilatildeo de seu histoacuterico agente

Em segundo lugar Chasin considerava inadiaacutevel reprocessar a

decifraccedilatildeo ou o entendimento de Marx em determinaccedilatildeo reciacuteproca com as

vicissitudes da histoacuteria da ontologia na tentativa de ultrapassar as derrotas

sofridas ao longo dos uacuteltimos 150 anos e principalmente a partir do

entendimento efetivo do pensamento marxiano e tambeacutem do atual

desenvolvimento do capital redimensionar a perspectiva dos alvos e rumos

teoacutericos e praacuteticos a exercitar no presente e levar a efeito no futuro

O debate dito ontoloacutegico do seacuteculo XX girou em torno de conhecido

conjunto de fontes Enquanto Hartmann com o volume I de sua Ontologia de

1934 eacute uma contraposiccedilatildeo agrave desontologizaccedilatildeo em geral e agraves novas tendecircncias

do seacuteculo principalmente Heidegger feita do ponto de vista

fenomenoloacutegiconeokantiano Eacute Gilson eacute a resposta neotomista no interior da

filosofia francesa ao desafio posto por O Ser eo Nada (1943) de Sartre cujo

sub-tiacutetulo ensaio de ontologia fenomenoloacutegica logo aponta para a sua afiliaccedilatildeo

a Husserl e o tributo pago de toda a maneira a Heidegger que o conduziram a

inviabilizaccedilotildees definitivas e irremissiacuteveis que natildeo desobriga todavia de

distinguir radicalmente seu propoacutesito e sua personalidade do autor de Ser e

Tempo (1926) dedicada a Edmund Husserl Em testemunho de Admiraccedilatildeo e

Amizade

De acordo com a posiccedilatildeo que Chasin veio assumir nos seus uacuteltimos

anos de vida nas muacuteltiplas diacutevidas contraiacutedas pelo marxismo no seacuteculo XX

figura precisamente esta ter entrado muito tardia e restritamente nessa

5

discussatildeo vale dizer soacute quando a vitoacuteria temporaacuteria jaacute havia pendido para o

outro lado natildeo apenas por sua exclusiva presenccedila na arena mas porque

condicionado e impulsionado pelo proacuteprio caraacuteter de nossos tempos Os arautos

que se impuseram satildeo muito conhecidos tomaram o espaccedilo sem ter que

enfrentar o adversaacuterio efetivo uacutenico capaz de contraditar e oferecer alternativa

Este em vez disso perdeu-se sem luta sucumbiu agrave linha dominante do

cientificismo e acabou junto com os melhores tambeacutem perdido nesse campo

Nem eacute preciso referir o leste europeu mas com o politicismo generalizado o

marxismo se perdeu inclusive com os melhores que o seacuteculo produziu

Apenas em fins da deacutecada de 60 quando tudo estava desabando

Lukaacutecs de traveacutes se deu conta do misteacuterio Eacute muito significativo que nesse

despertar obliacutequumlo tenha tido que se voltar agrave refutaccedilatildeo entre outros de

Heidegger quando este escrever seu livro principal no miacutenimo em parte em

oposiccedilatildeo a Histoacuteria e Consciecircncia de Classe (textos de 1919-22) Eacute igualmente

sintomaacutetico que soacute tenha retomado deliberadamente a preocupaccedilatildeo ontoloacutegica

ao final da vida e sucumbido ao objeto em obra inconclusa motivada acima de

tudo pelo vieacutes excecircntrico de conferir poder regenerador agrave eacutetica Mas eacute sabido

que junto com seu meacuterito natildeo pereceu sozinho Por exemplo onde estatildeo

Hartman Gilson e ateacute mesmo Sartre

As dificuldades para o devido enfrentamento da questatildeo ontoloacutegica hoje

satildeo enormes e jaacute eram conhecidas por Lukaacutecs muito embora o filoacutesofo huacutengaro

morto em 1971 natildeo tenha assistido o pleno triunfo de concepccedilotildees que

consagram o homem derrelito denominaccedilatildeo essa empregada por ele mesmo ao

se reportar a Heidegger por exemplo

Tais dificuldades grosso modo poderiam ser atribuiacutedas inicialmente agraves

tendecircncias que tecircm como ponto de partida o criticismo kantiano que se

impuseram na viragem do seacuteculo XIX para o XX com a reduccedilatildeo da filosofia ao

circuito da problemaacutetica do conhecimento

6

Embora se possa assim considerar o criticismo kantiano como uma

espeacutecie de divisor de aacuteguas natildeo se deve obliterar o fato de que com a

metafiacutesica claacutessica ou qualquer uma de suas variantes antecedentes ou

subsequumlentes sob o pretexto de alcanccedilar a priori a certeza cognitiva gera-se

uma grave distorccedilatildeo no plano teoacuterico pela qual o ente eacute perdido para sempre

Para evitar tal descaminho Chasin propotildee o designativo posiccedilatildeo ontoloacutegica

pois com ela pretende tambeacutem pelo menos precaver contra a unilateralidade

decorrente da postura gnoseoloacutegica (sempre uma forma meramente

especulativa a respeito da morfologia do funcionamento ou seja da

organizaccedilatildeo e atividade da subjetividade) instigando e se rigorosamente

praticada orientando com rigor a pensar as coisas em seus proacuteprios nexos em

direccedilatildeo a uma totalidade mais plena de determinaccedilotildees A expressatildeo pretende

pois sinalizar e induzir agrave praacutetica intelectual de caraacuteter ontoloacutegico concebida em

sua forma mais consistente e consequumlente

Chasin pois pretendeu recuperar o sentido de ontologia enquanto

consideraccedilatildeo daquilo que eacute em sua efetividade Natildeo alguma distorccedilatildeo ou

dissoluccedilatildeo do ente enquanto ente seja sob sua forma do sentido do ente do

ser da apariccedilatildeo ou qualquer outra variaacutevel do tipo que embora possam incluir

dimensotildees do sensiacutevel sempre compreendem implicam ou tecircm por condiccedilatildeo de

possibilidade um sujeito mesmo que este seja o obervador da produccedilatildeo de

representaccedilotildees de caraacuteter racional Estudo pois das coisas em sua

independecircncia em sua exterioridade em face de possiacuteveis relaccedilotildees praacuteticas e

teoacutericas em que estatildeo ou possam vir a estar presentes inclusive aquelas pelas

quais em gecircnero superior de entificaccedilatildeo as coisas satildeo postas ou engendradas

De tal sorte que ainda e mesmo que todo o plano cognitivo possa ou

tenha de ser impugnado que toda ciecircncia possa ou tenha que ser posta em

duacutevida e considerada simples ilusatildeo ou equiacutevoco ou ter seu acircmbito reduzido agrave

pura convenccedilatildeo resta o fundamental o universo da praacutetica ou da vida vivida em

sua qualidade de confirmaccedilatildeo da dupla certeza da existecircncia do mundo e dos

homens e enquanto tal tem de ser reconhecido como ponto de partida da

7

intenccedilatildeo ontoloacutegica cujo propoacutesito eacute se constituir em base conceitual de sua

dilucidaccedilatildeo

Ainda no contexto da afirmaccedilatildeo da posiccedilatildeo ontoloacutegica e rejeiccedilatildeo seja

do vieacutes gnosioloacutegico ou cientificista seja das concepccedilotildees reinantes ditas

ontoloacutegicas Chasin de modo provocativo indaga Por que a foacutermula simples

do cogito eacute mais evidente ou funcional para efeito de fundamentaccedilatildeo do que a

evidecircncia do complexo sensiacutevel do gozo Por que a evidecircncia do cogito - o

pensamento do indiviacuteduo isolado - eacute superior agrave evidecircncia do existir que inclui a

presenccedila e a relaccedilatildeo viva dos outros e das coisas Chasin continua na mesma

direccedilatildeo no questionamento da pretensa superioridade do cogito indagando o

quecirc se esconde sob ela e acrescenta O cogito o truque cartesiano eacute a

conquista da certeza agrave custa de trecircs absurdidades o cogito desencarnado a

encarnaccedilatildeo divina da perfeiccedilatildeo e o mundo reduzido agrave extensatildeo A essas trecircs

conquistas digamos assim Chasin denomina de verdade alienada isto eacute

verdade emergente da subjetividade na forma da alienaccedilatildeo

A exercitaccedilatildeo ontoloacutegica ao contraacuterio assume como criteacuterio analiacutetico a

determinaccedilatildeo de que o objeto maturado eacute a chave do esclarecimento de suas

formas precedentes[iii] desde as embrionaacuterias ateacute as mais elaboradas que

antecedem no tempo sua fisionomia acabada Portanto a determinaccedilatildeo

marxiana do objeto maturado eacute produto desse espiacuterito teoacuterico pois soacute faz

sentido em posicionamento ontoloacutegico ou seja em reconhecimento do grau

constitutivo em que se encontra a coisa examinada

Segundo Chasin ainda Aristoacuteteles teve grande meacuterito em sua

propositura de uma filosofia primeira - base ou fundamento para a constituiccedilatildeo

das ciecircncias particulares - mas que por sua resoluccedilatildeo (de caraacuteter platocircnico

conforme jaacute demonstrara Eacute Gilson) e por seus pretendidos atributos ahistoacutericos

- categorias eternas e absolutas imutaacuteveis e perenes - constitui um modo

involuntaacuterio de elaboraccedilatildeo especulativa apesar de seu intento originaacuterio de

conhecer o efetivamente existente o ente enquanto ente Tais limites do intento

8

aristoteacutelico numa linha de argumentaccedilatildeo que confere prioridade agrave realidade

soacutecio-histoacuterica na produccedilatildeo de viabilidades ou inviabilidades teoacutericas e de sua

consequumlente explicaccedilatildeo eram vistos por Chasin como limites produzidos pelo

proacuteprio tempo grego sumariados a seguir

1) praacutetica humano-societaacuteria incipiente e acanhada que ganhou no

artigo O Futuro Ausente beliacutessima caracterizaccedilatildeo inspirada no Marx das

Formen Imaturaccedilatildeo natural e caracteriacutestica das remotas formas sociais em que

a propriedade da terra e a agricultura constituiacuteam a base da atividade material

tendo por objetivo a produccedilatildeo valores de uso ou seja a reproduccedilatildeo dos

indiviacuteduos em peculiares e bem determinadas relaccedilotildees com a comunidade[iv]

onde por via de consequumlecircncia indiviacuteduo e genecircro satildeo imediata e

transparentemente inseparaacuteveis e suas relaccedilotildees traduzem essa unidade

fundamental tornando desconhecida e impensaacutevel qualquer tipo de cissura que

contraponha ou menos ainda torne excludentes entre si as figuras de sua

polaridade[v] Mas a essa dimensatildeo positiva - sintomaticamente tatildeo atraente nos

dias atuais - corresponde uma negativa que Chasin esclarece na sequumlecircncia

todas as formas em que a comunidade pressupotildee sujeitos em determinada

unidade objetiva com as condiccedilotildees da atividade produtiva ou reciprocamente

nas quais uma especiacutefica existecircncia subjetiva faz com que a proacutepria comunidade

seja pressuposta como condiccedilatildeo de produccedilatildeo todas elas diz Marx

correspondem necessariamente e por princiacutepio a um desenvolvimento limitado

das forccedilas produtivas[vi]

2) Consequumlentemente impossibilidade para conceber a historicidade e

a contraditoriedade como categorias fundamentais do ser - que estrangulam a

mais precisa e universal por isso mesmo vaacutelida hoje e para sempre das

formulaccedilotildees atinentes agrave natureza e ao propoacutesito da ontologia

Meacuteritos e limites da filosofia primeira que apenas seratildeo realizados e

superados depois de um longo itineraacuterio repleno de contraposiccedilotildees internas

9

pelos lineamentos perfilados por Marx que tambeacutem herda criticamente

dimensotildees da filosofia moderna - do renascimento ao neohegelianismo

Desse modo com o objetivo de sumariar preliminarmente os conteuacutedos

dessa trajetoacuteria que Marx assimila por via criacutetica Chasin indica alguns deles

sem pretensatildeo alguma de esgotaacute-los

1) Do Renascimento - a infinitude do universo e o espiacuterito da

concepccedilatildeo do homem como o uacutenico ser aberto - existente e conhecido capaz

na potecircncia de seus atributos de conhecer e configurar a si e a seu mundo

ambos entendidos e tomados em sua naturalidade objetividade e o primeiro na

infinitude de sua essecircncia ativa

2) Do materialismo francecircs e inglecircs e do Iluminismo - a ruptura com a

conduta especulativa metafiacutesica e com o espiacuterito de sistema em filosofia que eacute

concebido como freio e obstaacuteculo agrave razatildeo Por meio dessa desobstruccedilatildeo o

iluminismo pode universalizar a filosofia como meio de toda verdade - natural e

espiritual - e ela passa a se voltar agraves tarefas praacuteticas donde a possibilidade e o

escopo de estabelecer a vida humana de modo racional Em outros termos

reconhece no pensamento o poder e o papel de organizar a vida o pensamento

deve ter papel analiacutetico mas tambeacutem fazer nascer a ordem cuja necessidade

ela concebeu[vii] Em contrapartida os limites do pensamento iluminista satildeo

sinteticamente os seguintes acentuaccedilatildeo unilateralizante da racionalidade

herdada do renascimento e distorcida pelo racionalismo do seacuteculo XVIII Aleacutem

disso tem-se o naturalismo vale dizer a ontologia do social demasiadamente

colada agrave ontologia da natureza embora natildeo se possa deixar de reconhecer que

frente ao abstracionismo metafiacutesico trata-se de um meacuterito pretender uma

ontologia ligada agrave natureza que em verdade eacute idealizada Talvez o melhor

exemplo dessa tradiccedilatildeo seja justamente Feuerbach

3) Do criticismo - a impossibilidade de uma ontologia como saber do

em si ou seja do ente enquanto ente pela via do absolutismo racional

10

dedutivista Em Kant em verdade tem-se a impossibilidade de uma ontologia

em Marx ao reveacutes tem-se apenas tal recusa agrave especulaccedilatildeo mas natildeo a

impossibilidade de conhecer o ente enquanto ente vale dizer Marx aceita o

espiacuterito da criacutetica kantiana ao conhecimento absoluto mas natildeo sua resultante

sistemaacutetica a sua vedaccedilatildeo ao conhecimento das coisas enquanto tais

4) Do hegelianismo - a concepccedilatildeo histoacuterica do ser portanto de sua

contrariedade bem como a natureza aproximativa do processo de

conhecimento ao mesmo tempo em que recusa o invoacutelucro miacutestico do

pensamento hegeliano - a dialeacutetica autocircnoma da razatildeo como demiurgo do real

ou da efetividade sensiacutevel ou seja refuta decidamente seu caraacuteter

especulativo

5) Do neohegelianismo - a problemaacutetica do homem e muito

especificamente duas contribuiccedilotildees de Feuerbach a criacutetica agrave especulaccedilatildeo e os

lineamentos mais gerais do ser soacute enquanto ser sensiacutevel ou objetivo (dimensotildees

de uma ontologia geral em seu niacutevel mais abstrato) Mas ao lado desse

aspecto positivo do pensamento feuerbachiano natildeo eacute possiacutevel deixar de

assinalar a objeccedilatildeo fundamental dirigida a ele por Marx sua concepccedilatildeo

naturalista do homem vale dizer sua incapacidade de o determinar como ser

social Assim em Feuerbach o homem eacute sensiacutevel objetivonatural e natildeo

objetivo-social - a grande descoberta marxiana

Grande descoberta que eacute mais amplamente avaliada quando se

considera o conjunto das linhas manifestas pelos principais representantes do

neohegelianismo B Bauer formulador de uma concepccedilatildeo do homem como

auto-consciecircncia racional M Stirner com a elevaccedilatildeo do egoiacutesmo agrave condiccedilatildeo de

essecircncia humana Feuerbach com a concepccedilatildeo naturalista do homem centrada

no amor Nesse cenaacuterio somente Marx comparece com a descoberta da

sociabilidade como substacircncia constitutiva do homem - e natildeo meramente uma

essecircncia imutaacutevel mas histoacuterica e contraditoacuteria produzida e reproduzida pela

proacutepria atividade sensiacutevel dos homens

11

De sorte que do ente enquanto ente aristoteacutelico determinado por sua

forma substancial eterna ao ser social marxiano compreendido em suas

mudanccedilas categoriais - eacute do que consiste a histoacuteria - se vai de uma filosofia

primeira que terminou por sua resoluccedilatildeo originaacuteria na forma de um saber

absoluto a um saber histoacuterico de base que se desenvolve pela infinitude de

aproximaccedilotildees empreendidas em direccedilatildeo ao absoluto entendido pura e

simplesmente como completude ou totalidade que praticamente nunca se

realiza porque desnecessaacuterio para o saber ao qual bastam completudes mais

modestas e ainda mais como saber para a praacutetica

De modo que a filosofia primeira de configuraccedilatildeo marxiana eacute antes de

tudo a afirmaccedilatildeo da objetividade do mundo e a possibilidade ser conhecido

possibilidade que eacute soacutecio-historicamente determinada exercendo a funccedilatildeo de

base e guia para a ciecircncia da histoacuteria especificamente como ontologia regional

do ser social e que nutre das ciecircncias e a elas responde tanto quanto elas

mesmas tem de responder aos lineamentos ontoloacutegicos pelos quais se guiam

mas aos quais natildeo tomam como coaacutegulos de saber imutaacutevel De sorte que

ontologia e ciecircncia se potencializam e se criticam reciacuteproca e

permanentemente

Tambeacutem de acordo com Chasin por essas razotildees a ontologia

marxiana natildeo eacute uma resoluccedilatildeo de caraacuteter absoluto nos moldes do sistema

convencional mas a condiccedilatildeo de possibilidade de resoluccedilatildeo do saber Eacute em

outras palavras um estatuto movente e movido de cientificidade orienta e eacute

orientado pela ciecircncia e pela praacutetica universal dos homens Orienta e eacute

orientada guia e eacute guiada corrige e eacute corrigida Ou seja natildeo eacute um absoluto

inquestionaacutevel uma certeza estabelecida por deduccedilatildeo a partir de axiomas de

uma vez para sempre Mesmo porque a certeza cognitiva natildeo pode estar no

ponto de partida mas compreendida como alvo de uma busca permanente

procura intensiva e extensiva cuja infinitude eacute posta a cada momento entre

parecircnteses no qual o grau de certeza alcanccedilado eacute assumido como realizaccedilatildeo

maacutexima tendo por limites as possibilidades do tempo ou cenaacuterio histoacuterico grau

12

a ser confirmado ou ampliado ou ao inveacutes restringido na parte ou descartado

no todo posteriormente com todas as suas implicaccedilotildees correlatas

Em suma quando se utiliza a expressatildeo posiccedilatildeo ontoloacutegica e natildeo

perspectiva oacutetica prisma ou ponto de vista pretende-se remeter a lugar e agraves

coisas ou seja o reconhecimento do mundo como multiverso de entes reais

objetivos e que por isso mesmo faceiam o observador praacutetico ou teoacuterico natildeo

dependendo deste para existir em face do qual satildeo independentes Eacute

finalmente o reconhecimento da prioridade das coisas nas relaccedilotildees cognitivas

sem desconhecer eacute claro o caraacuteter ativo do investigador

Quando Chasin procura enfatizar o reconhecimento noccedilatildeo

imediatamente conexa a de posiccedilatildeo ontoloacutegica eacute por que aquela tem a

vantagem de colocar em primeiro lugar o caraacuteter natildeo puramente teoacuterico

contemplativo mas sobretudo praacutetico[viii] da aproximaccedilatildeo ao ente aleacutem da

natureza da operaccedilatildeo mental que designa - constataccedilatildeo ou recogniccedilatildeo vale

dizer a admissatildeo de algo a respeito do qual o discurso se pronuncia como forma

imediata de representaccedilatildeo

Relevar o caraacuteter praacutetico de aproximaccedilatildeo ao ente ou em outras

palavras partir ou dar prioridade agrave praacutetica significa por seu turno partir do

caraacuteter essencial do ser do homem por sua exteriorizaccedilatildeo operativa no mundo

que confirma sua forma de vida ou modo de existecircncia Quer dizer eacute um ponto

de partida desde logo sob criteacuterio ontoloacutegico ou seja que considera a

efetividade ocircntica do homem e do mundo de tal sorte que ambos satildeo

reconhecidos enquanto atividade sensiacutevel Caminho que tem o meacuterito de evitar

as vias reflexas[ix] como tambeacutem os engenhos e supostos dos encantamentos

especulativos como cogito sujeito transcendental ou os arqueacutetipos

generalizando uma expressatildeo marxiana os misticismos loacutegicos que nunca

deixam de mostrar sua condiccedilatildeo de artifiacutecios por mais rigorosos e envolventes

que sejam tanto que podem sempre ser contestados de algum modo ao passo

que os indiviacuteduos vivos e ativos os pressupostos dos quais Marx parte em A

13

Ideologia Alematilde natildeo podem nunca ser recusados a natildeo ser na fantasia e sob

pena de cancelar todo e qualquer andamento reflexivo

Em suma reconhecimento ontopraacutetico significa pois tomar como

ponto de partida a praacutetica - desde a praacutetica cotidiana agrave praacutetica cientiacutefica de ponta

- de um tempo dado

O plano ontopraacutetico jaacute bem delineado no texto de 1995 ganha nos

anos seguintes sucessivas correccedilotildees por parte do autor a ponto de se tornar o

eixo a partir do qual Chasin faz a criacutetica das Teorias da Fundamentaccedilatildeo ou

como ele as denomina ironicamente A Querela da Fundamentaccedilatildeo

A esse respeito costumava ele indagar O que eacute um fundamento Uma

Teoria da Subjetividade ou Uma Teoria da Objetividade

Se o fundamento for considerado a partir de uma teoria da

subjetividade por onde comeccedilar Pelo aparato sensorial como no empirismo

Ou pela consciecircncia ou coisa que o valha como o cogito cartesiano a

autoconsciecircncia a razatildeo ou as formas a priori do entendimento Ou ainda uma

teoria da mente

Ainda no plano do fundamento subjetivo poder-se-ia partir da

experiecircncia da vivecircncia do vivido Neste caso o vivido seria o preacute-teoreacutetico

mas enquanto experiecircncia existencial isto eacute as vivecircncias do indiviacuteduo isolado

em experiecircncia aleatoacuteria fortuita acidental

Mas se o fundamento for uma Teoria da Objetividade por onde

comeccedilar Pelos fenocircmenos empiacutericos Mas nesse caso natildeo terminariacuteamos

apenas no fundamento psicoloacutegico isto eacute teriacuteamos o psicologismo como

fundamento da verdade

14

E se partiacutessemos do todo concreto Natildeo findariacuteamos numa visatildeo

caoacutetica e abstrata de conjuntos indeterminados desamparados na companhia

de um punhado de abstraccedilotildees razoaacuteveis e irrazoaacuteveis

Feitas tais indagaccedilotildees Chasin conclui de modo enfaacutetico Toda peticcedilatildeo

de fundamento todo discurso por um fundamento estaacute encerrado na esfera

teoacuterica Aleacutem do mais todo discurso de fundamentaccedilatildeo pretende e implica uma

certeza ou seja de um modo ou de outro a suposiccedilatildeo de um saber absoluto

ainda que um simples momento do saber absoluto Vale dizer o discurso da

fundamentaccedilatildeo desemboca de algum modo na razatildeo especulativa Em outras

palavras implica algo que transcende a proacutepria natureza do saber que eacute um

processo infinito de aproximaccedilotildees

Para Chasin o reconhecimento do ontopraacutetico tem a vantagem de

escapar agrave querela da fundamentaccedilatildeo na medida em que parte da experiecircncia

real melhor dizendo da praacutetica real natildeo de uma experiecircncia isolada

arbitrariamente natildeo da experiecircncia aleatoacuteria da suposta existecircncia existencial

dos indiviacuteduos isolados dos indiviacuteduos em derreliccedilatildeo

O universo ontopraacutetico eacute o necessariamente vivido para que qualquer

pergunta possa se dar Eacute portanto a esfera preacute-teoreacutetica esfera que antecede

qualquer teoria Esfera sem a qual natildeo haacute vida humana e portanto sem a qual

natildeo pode haver qualquer pergunta teoacuterica

A reflexatildeo que tem como ponto de partida o ontopraacutetico estabelece

assim um pressuposto concreto (e natildeo uma verdade ideada) do qual natildeo posso

me afastar a natildeo ser na imaginaccedilatildeo

Em siacutentese a esfera ontopraacutetica representa o complexos dos homens

vivos e ativos A partir dessa abstraccedilatildeo razoaacutevel - o ontopraacutetico - pode-se

encontrar jaacute numa analiacutetica de desentranhamento desse complexo real o

devido lugar da ontologia da epistemologia e da ciecircncia da histoacuteria que

compreende dois grandes ramos natureza e sociedade

15

Em outras palavras sem a consideraccedilatildeo do ontopraacutetico torna-se

aleatoacuteria a localizaccedilatildeo que se confere tanto ao ontoloacutegico quanto ao epistecircmico

A opccedilatildeo por um deles se torna uma arbitrariedade teoacuterica e eacute justamente isto

que gera a querela da fundamentaccedilatildeo pois a decisatildeo fica submersa ao plano

teoacuterico ao jogo dos argumentos agrave ambivalecircncia do logos que eacute irresolutivo

Sem a consideraccedilatildeo do ontopraacutetico parte-se assim de imediato da

teoria e natildeo do ser que faz da teoria ou deste como uma abstraccedilatildeo da

inteligibilidade ou seja de uma faculdade abstraiacuteda do ser que a possui

gerando com isso um absurdo ontoloacutegico

Eacute portanto a partir da analiacutetica do ontopraacutetico pelo reconhecimento de

seus traccedilos categoriais que tem iniacutecio a elaboraccedilatildeo ontoloacutegica Ou seja a

ontologia nasce como reflexatildeo conscientizaccedilatildeo conceituaccedilatildeo do ontopraacutetico

enquanto primeiro objeto da ontologia que a partir daiacute se encaminha em

direccedilatildeo agrave criacutetica - em termos de sua necessidade e loacutegica especiacutefica - do proacuteprio

ontopraacutetico isto eacute do complexo dos objetos reais aiacute incluiacutedo o homem

Resta ainda em relaccedilatildeo agrave problemaacutetica geral em tela aflorar a questatildeo

da adequatio tal como era tematizada tambeacutem em seus cursos

Polemizando com a denominaccedilatildeo de realismo comumente utilizada

para denominar proposituras que conferem prioridade ao mundo objetual

Chasin afirmava que haacute realismo - antigo - quando eacute suposto que a ordem da

razatildeo agrave idecircntica a ordem do real e que a partir de axiomas por meios racionais-

dedutivos embuiacutedos do espiacuterito de sistema se possa estabelecer a verdade do

mundo

Em Marx entretanto a ordem das coisas e da razatildeo satildeo distintas (um

exemplo expressivo desta postura marxiana pode ser encontrada na famosa

Introduccedilatildeo de 57) ambas mutaacuteveis e processuais - unidade da desidentidade

entre ser e saber Assim o mundo natildeo pode ser deduzido racionalmente mas

reproduzido sob forma de ideacuteia por meio de aproximaccedilotildees - empiacuterico abstrato

16

concreto - num processo intensivo e extensivo historicamente condicionado

possibilitado ou impedido - na dependecircncia que fica da maturaccedilatildeo do objeto e

do posicionamento do sujeito O processo mimeacutetico eacute portanto reproduccedilatildeo

conceitual de efetividades donde se lida com duas ordens de formaccedilotildees real e

ideal A reproduccedilatildeo conceitual apresenta portanto sua proacutepria loacutegica mas no

interior da determinaccedilatildeo soacutecio-histoacuterica do pensamento de modo que uma

teoria do conhecimento (morfologia e dinacircmica da subjetividade in abstratu e

imutaacutevel) eacute incapaz de explicar o processo cognitivo pois a faculdade humana

da forccedila da abstraccedilatildeo depende das possibilidades oferecidas pela

determinaccedilatildeo social do pensamento que por sua vez se manifesta e se

configura pelo desenvolvimento dos objetos e da praacutetica humana que sobre eles

tem incidecircncia

Donde a franca afirmaccedilatildeo marxiana da possibilidade de conhecer natildeo

se confunde com a simplicidade e facilidade da concepccedilatildeo realista nem mesmo

no plano da ingenuidade cotidiana desde logo porque a atividade cotidiana -

que estaacute para aleacutem da ingenuidade ou lanccedila os sujeitos para aleacutem da

ingenuidade - eacute em si um complexo rico e desafiador matrizador inclusive da

intentio recta atitude natural e necessaacuteria da esfera ontopraacutetica

Haacute portanto que distinguir as grandes diferenccedilas ontoloacutegicas entre o

estatuto marxiano e a ontologia realista Na primeira a adequatio digamos

assim eacute correlaccedilatildeo entre formaccedilatildeo real e formaccedilatildeo ideal duas ordens distintas

de configuraccedilatildeo Em outras palavras eacute correlaccedilatildeo conceitual entre entificaccedilatildeo

concreta e reproduccedilatildeo conceitual Em suma a reproduccedilatildeo conceitual nada mais

eacute do que transposiccedilatildeo agrave cabeccedila ordenada pelos nexos do real na forma e pelos

meios da proacutepria atividade mental

I - Tomando Marx por Base e por Ponto de Chegada

17

Considerando como ponto de referecircncia as consideraccedilotildees

desenvolvidas por Marx em O Capital especificamente sobre a dificuldade

encontrada pela humanidade na compreensatildeo do valor ao longo de dois

milecircnios - de Aristoacuteteles a Ricardo - pode-se sustentar segundo Chasin que

um fenocircmeno muito similar a este se produziu no que tange agrave determinaccedilatildeo do

ser ou seja da(s) matriz(es) da(s) realidade(s) ou seja da efetividade

Tomemos as passagens em questatildeo que se encontram no Prefaacutecio agrave

Primeira Ediccedilatildeo de O Capital Todo comeccedilo eacute difiacutecil isso vale para qualquer

ciecircncia A forma do valor cuja figura acabada eacute a forma do dinheiro eacute muito

simples e vazia de conteuacutedo Mesmo assim o espiacuterito humano tem procurado

desvendaacute-la (ergruumlden) em vatildeo haacute mais de 2000 anos enquanto por outro lado

teve ecircxito ao menos aproximado a anaacutelise de formas muito mais complicadas e

replenas de conteuacutedo Por quecirc Porque o corpo desenvolvido eacute mais faacutecil de

estudar do que a ceacutelula do corpo Aleacutem disso na anaacutelise das formas econocircmicas

natildeo podem servir nem o microscoacutepio nem reagentes quiacutemicos A forccedila da

abstraccedilatildeo deve substituir a ambos Para o leigo a anaacutelise parece se perder

em pedantismo Trata-se efetivamente de pedantismo mas daquele de que se

ocupa a anatomia microscoacutepica

De acordo com Chasin eacute necessaacuterio reter os seguintes noacutedulos

significativos da citaccedilatildeo acima

1) todo iniacutecio de uma ciecircncia eacute difiacutecil donde o princiacutepio da ontologia o

princiacutepio da ciecircncia deve ser o mais difiacutecil de todos

2) haacute grande dificuldade na compreensatildeo da forma do valor que eacute um

objeto simples e vazio de conteuacutedo

3) haacute ecircxito maior na anaacutelise de formas mais complicadas e replenas de

conteuacutedo

18

Na mesma citaccedilatildeo Marx enuncia os motivos de tal dificuldade

1) o corpo desenvolvido eacute mais faacutecil de estudar do que a ceacutelula do

corpo

2) meacutetodos experimentais natildeo satildeo aplicaacuteveis a esse tipo de forma

3) a analiacutetica dessa forma pela forccedila da abstraccedilatildeo deve tomar o lugar

da observaccedilatildeo empiacuterica e experimental

4) anaacutelise voltada agrave anatomia microscoacutepica da forma estudada

A partir dessas indicaccedilotildees colhidas no texto de Marx Chasin elabora

um esboccedilo para fins unicamente didaacuteticos em que busca transpassaacute-las para a

proacutepria questatildeo ontoloacutegica afirmando o que se segue

1) o iniacutecio difiacutecil da ontologia perdurou tambeacutem por mais de 2000

anos trajetoacuteria em que se observa tateios imprecisos caracterizados por um

movimento simultacircneo de constituiccedilatildeodissoluccedilatildeo ateacute chegar em Marx Tal

movimento simultacircneo de constituiccedilatildeodissoluccedilatildeo revela por seu rumo

imanentemente contraditoacuterio por seus caminhos e descaminhos histoacutericos a

dificuldade e a longa incapacidade na formulaccedilatildeo precisa de seu objeto e

alcance ou seja de sua natureza e propoacutesito - de sua funccedilatildeo orientadora e

sustentadora no plano teoacuterico e de sua origem praacutetica preacute-teoreacutetica

2) reconhecimento ontopraacutetico das formas dos seres e analiacutetica da

forma do ser apenas por meio da forccedila da abstraccedilatildeo no reconhecimento

ontopraacutetico os seres satildeo reconhecidos como substantivos e nesse caso ateacute

certo ponto vale para a observaccedilatildeo espontacircnea e observaccedilatildeo comum pois o

desvendamento completo exige forccedila de abstraccedilatildeo como verbo ( o ato de ser

de Gilson) soacute a forccedila da abstraccedilatildeo daiacute a facilidade para se cair no

abstrativismo

19

Eacute nesse preciso momento da exposiccedilatildeo chasiniana que surgem as

primeiras referecircncias a Eacute Gilson assim como a N Hartmann momentos mais agrave

frente Evidentemente que esse procedimento natildeo ocorre por acaso pois o que

estaacute em questatildeo agora satildeo as tentativas contemporacircneas de resgate da

tematizaccedilatildeo ontoloacutegica

Eacute Gilson afirma que o mais fundamental dos problemas da filosofia - a

relaccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia que por seu turno diz respeito agrave distinccedilatildeo

de ser como nome isto eacute como substantivo em latim ens (ente) e como verbo

esse Eacute sabido que o esse tomista eacute concebido como ato de ser - actus essendi -

significando portanto existecircncia ato de existir ato de ser

Chasin comenta a ambiguumlidade da noccedilatildeo de ser para qual Gilson

chama atenccedilatildeo afirmando o que se segue

1) Ens eacute um nome que significa um ser (determinado) ou seja a

natureza e a essecircncia de qualquer existente ou entatildeo - o ser mesmo - uma

propriedade comum a tudo aquilo que se pode dizer que eacute (que pertence a)

Em suma enquanto nome ou substantivo ser designa um existente

qualquer ou uma propriedade comum a todos os existentes designa o que

verdadeiramente eacute ou uma propriedade geral eacute um ente ou uma entidade

2) Enquanto verbo ser designa a accedilatildeo ou o ato de ser exercido pelo

ente Assim como verbo natildeo significa que algo eacute nem a existecircncia em geral

mas o ato mesmo pelo qual qualquer realidade dada eacute de fato ou existe

Precisamente a este ato Gilson chama de ser em contraposiccedilatildeo a ente

De todo modo feita a distinccedilatildeo Chasin considera existir um seacuterio

problema ao tomar em separado ens e esse indagando eacute possiacutevel pensar em

duas figuras no isolamento Seraacute que essa configuraccedilatildeo eacute de fato o mais

fundamental dos problemas ou eacute o mais antigo o mais remoto e o mais cultuado

dos equiacutevocos da histoacuteria da filosofia

20

De um lado a compreensatildeo da forma de ser enquanto verbo como

pura significaccedilatildeo verbal de existir de estar presente enquanto significaccedilatildeo de

ato ou presenccedila o verbo eacute forma simples e vazia de conteuacutedo pois reduzida ao

predicado mais geral e comum das coisas denota apenas sua existecircncia De

outro lado ocorre o mesmo problema com o substantivo ser - ens - pois redunda

em essecircncia imutaacutevel Em outras palavras na histoacuteria da filosofia nesses dois

caminhos houve de longa data polecircmica sobre o que existe em que plano se daacute

a existecircncia e assim por diante No caso do ser como verbo o ser eacute muito

parcamente categorial reduzido agrave presenccedila no tempo e no espaccedilo soacute possui o

predicado abstrato da existecircncia no caso do substantivo tomado sem o ato de

existir se converte em complexo de propriedades ou entidades perenes

A resoluccedilatildeo para tal questatildeo reside segundo Chasin em tomar o ser

enquanto complexo categorial daquilo que eacute como ente que existe Nesse

sentido o desvendamento tem ecircxito maior como mostra a ciecircncia que toma

para anaacutelise formas mais complicadas e replenas de conteuacutedo vale dizer uma

vez que tem por alvo o ser por sua efetividade e determinado por suas

qualidades natildeo apenas pelo reconhecimento de sua presenccedila mas pelo seu

complexo categorial

Ora arremata Chasin a forma sensiacutevel do ente compreende o ens e o

esse ou seja a plena riqueza do complexo categorial

- Loacutegica e Ciecircncia

Neste item Chasin defende a tese de que na medida em que

pretendeu e pretenda ser uma disciplina ou ciecircncia de chegada isto eacute

21

conclusiva autocircnoma e sistemaacutetica a ontologia acaba por ser transmutada em

loacutegica ou ciecircncia

Talvez possa ser dito que nas ontologias onde predomine

unilateralmente o ser como verbo ou o ente como essecircncia terminem por ser

uma loacutegica que de alguma forma acaba por ter a pretensatildeo de constituir o ser

a loacutegica eacute entatildeo o segredo uacuteltimo do ser ou sua base cognitiva e por essa via

sua base ontoloacutegica - que assim nega a ontologia ou seja o reconhecimento do

ser por si

De outra parte predominando o ser como substantivo o fim da

ontologia acaba por ser uma forma de ciecircncia ou seja a ontologia eacute novamente

negada como ocorreu com a ciecircncia moderna donde sua pretendida auto-

suficiecircncia que apenas admite por fundamento uma forma qualquer de

gnosiologia isto eacute uma forma a priori da operatividade subjetiva

desaparecendo assim a regecircncia do objeto o que ao contraacuterio caracteriza o

espiacuterito e o propoacutesito ontoloacutegicos ou seja o reconhecimento do ente enquanto

ente o oacuten qua oacuten ou ser por si

Em suma a ontologia quando centrada no ser como verbo rarefeita

pelo vazio de sua forma termina por ser loacutegica por outro lado quando centrada

no ser como substantivo agraves voltas com gecircneros formados por complexos

qualitativos termina por se constituir em ciecircncia particular e autocircnoma Assim

ao pretender ser tudo concludente sistemaacutetica e independente por sua forma

mais vazia ou por suas categorias abstratas e perenes a ontologia acaba por

ser negada pela loacutegica ou pela ciecircncia Pretendendo ser tudo acaba por

desaparecer

Ora ao tomar o ser como verbo a ontologia tem de compreender que

natildeo pode ser mais do que a anatomia de uma propriedade do ser - de sua

propriedade mais geral e vazia - a propriedade de sua presenccedila enquanto corpo

real ausente ou presenccedila de um complexo categorial abstraiacutedo O ser aqui eacute

22

reduzido agrave forma mais vazia a simples propriedade de um todo que escapa

completamente agrave sua jurisdiccedilatildeo Donde seu desenlace em loacutegica

De outra parte quando o ser eacute tomado em sua denotaccedilatildeo substantiva

ou seja na multiplicidade de suas propriedades qualitativas em interconexatildeo

especiacutefica transborda em ciecircncia na medida em que a ontologia pretenda a

condiccedilatildeo de disciplina ou ciecircncia sistemaacutetica

Donde a impossibilidade de a ontologia ficar adstrita agrave forma do verbo

nem se realizar como dilucidaccedilatildeo concreta do substantivo Assim deve-se

reconhecer que a ontologia natildeo pode se realizar em nenhum desses dois poacutelos

nem simples tematizaccedilatildeo do ato geneacuterico da presenccedila - que redundaria em

simples compoacutesito tautoloacutegico nem tematizaccedilatildeo do ser substantivo concreto

pois aiacute se desnaturaria em ciecircncia especiacutefica

Conclusivamente a ontologia nem eacute simples tautologia do ser em ato

nem efetivaccedilatildeo cientiacutefico-concreta do desvendamento do ser como substantivo

Enquanto tal a ontologia eacute uma realizaccedilatildeo necessaacuteria no espaccedilo que antecede

aqueles dois poacutelos em verdade a plataforma que leva da constataccedilatildeo mais

abstrata do ser (tanto como substantivo quanto verbo) agrave sua reproduccedilatildeo

cientiacutefica como substantivo Enquanto tal eacute um estatuto - uma filosofia primeira

o cacircnon da legalidade do ser matrizado pelos traccedilos ou vetores categoriais

fundamentais do ser por si que matriza a cientificidade tanto em sua forma mais

abstrata - loacutegica - quanto em sua forma mais concreta - ciecircncia

O problema fundamental da filosofia primeira - philosophia prima - eacute o

problema das categorias mais gerais do ser aiacute incluso o ato de ser donde em

sua plenitude o ato sensiacutevel de ser - ens e esse o ens essendi complexo

categorial pleno no ato de existir

Essa plataforma estatutaacuteria natildeo eacute uma disciplina situada entre outras

disciplinas entre a loacutegica e a ciecircncia como um campo intermediaacuterio entre o

verbo e o substantivo entre a maacutexima abstratividade e a efetividade concreta

23

Essa distribuiccedilatildeo topograacutefica confere agrave abstraccedilatildeo a condiccedilatildeo de fundaccedilatildeo

(determinaccedilatildeo originaacuteriaontoloacutegica) e fundamento (ponto de partida

epistemoloacutegico) Se assim fosse perderia a condiccedilatildeo de filosofia primeira

Enquanto filosofia primeira eacute o reconhecimento do substantivo verbal

do substantivo que eacute do ens essendi natildeo de uma substantividade qualquer em

abstrato mas da substantividade que existe por todas as modalidades

categoriais isto eacute reais (sensiacuteveis) natildeo apenas um substantivo pensado que

dependeria para ser do pensamento mas do substantivo que eacute por-si

independentemente se ser pensado o que requer o complexo categorial

da sensibilidade por isso eacute que soacute eacute ser o ser sensiacutevel Vale dizer o ser como

verbo eacute resultado do ser substantivo soacute um sujeito (em suas diversas formas na

cadeia do ser) eacute (soacute um sujeito existe eacute faz sente pensa etc de acordo com

seu grau na cadeia do ser)

A ontologia do puro verbo ser ou das puras essecircncias (complexo

categorial abstrativante e eterno) eacute a autonomizaccedilatildeo das categorias ou da

existecircncia em relaccedilatildeo ao ser e existir reais agraves formas reais de ser e existir satildeo

as categorias e a existecircncia sem corpo ou sujeito mais do que isso satildeo as

categorias (essecircncia) e existecircncia em geral universal e abstrata tornadas

sujeito a essecircncia ou a existecircncia abstratas personificadas - e isso satildeo

puramente figuras do pensamento o que jaacute eacute especulaccedilatildeo natildeo ontologia

Marx agrave semelhanccedila de Feuerbach soacute admite como ente ou melhor

como entificaccedilatildeo o ens essendi - o ente sendo o ente no ato de ser o ente

revestido de existecircncia atual - objetivo o ente no exerciacutecio da accedilatildeo ou ato de

ser eacute portanto um ente existente ou seja o ente que estaacute sendo o ente no ato

de existir

Donde do mesmo modo que em Feuerbach o ser eacute inseparaacutevel de sua

existecircncia Ser e existir constituem uma unidade indissoluacutevel complexo

24

categorial no ato de ser pela atualizaccedilatildeo do complexo categorial essecircncia

determinada e mutaacutevel na mutabilidade de ser e ir sendo (essendi)

Eacute chegada a hora depois desta etapa analiacutetica de vislumbrar qual eacute o

cenaacuterio em Marx que esse conjunto de questotildees se coloca Com esse objetivo e

como eacute tiacutepico de seu procedimento investigativo junto aos textos daquele autor

Chasin toma para anaacutelise o item 1 O Processo de Trabalho do capiacutetulo V de O

Capital Nele pode-se identificar em primeiro lugar a natureza geral (universal)

da atualizaccedilatildeo da forccedila de trabalho que se encontra em potecircncia nos indiviacuteduos

A produccedilatildeo de valores de uso ou bens natildeo muda sua natureza geral por se

realizar para o capitalista e sob seu controle Por isso o processo de trabalho

deve ser considerado de iniacutecio independentemente de qualquer forma social

determinada[x]

Por que o processo de trabalho deve ser considerado de iniacutecio

independentemente de qualquer forma social determinada indaga Chasin A

resposta eacute formulada em estilo direto Para natildeo ser perdida a natureza do

trabalho sua positividade enquanto atividade humana vital

Tem-se nessa passagem segundo Chasin um exemplo do exerciacutecio

de uma ontologia estatutaacuteria - a positividade (sua efetividade ou operosidade)

universal do trabalho enquanto atributo vital e inalienaacutevel do homem

independentemente de suas formas concretas que se apresentam na forma do

trabalho alienado

Eacute a determinaccedilatildeo universal do trabalho o traccedilo de sua legalidade

uacuteltima sua determinaccedilatildeo mais geral e essencial dimensatildeo que natildeo desaparece

nem mesmo sob suas formas concretas mais negativas

A ontologia estatutaacuteria registra o traccedilo ou rastro dessa dimensatildeo

permanente que atravessa as formas concretas em sua efetividade contraditoacuteria

e especialmente desfavoraacutevel para o homem enquanto maioria subjugada ao

longo de toda a preacute-histoacuteria da humanidade

25

Permanente mas permanente processual mutaacutevel diversamente

positivo quantitativa e qualitativamente em cada uma das formas concretas em

que o trabalho aparece nas configuraccedilotildees sociais determinadas

Nesse sentido abstratamente permanente abstratamente positivo mas

onde essa abstratividade natildeo corresponde a uma simples determinaccedilatildeo

conceitual Corresponde a uma efetividade em sua figura proacutepria em cada forma

social determinada

Agrave ontologia estatutaacuteria compete o reconhecimento dessa dimensatildeo mais

geral base para a decifraccedilatildeo cientiacutefica concreta dos casos efetivos que por sua

vez confirmam ou natildeo criticamente a determinaccedilatildeo mais geral ontoloacutegica Natildeo

haacute portanto um abismo separando ontologia de ciecircncia mas a continuidade de

momentos distintos de uma mesma unidade de conhecimento que interagem e

se medem reciprocamente se apoacuteiam estimulam e criticam um infinito processo

constitutivo das certezas

Continuando a anaacutelise do texto marxiano tem-se a descriccedilatildeo do

trabalho e o reconhecimento analiacutetico de sua natureza Antes de tudo [aqui

Chasin faz uma pequena observaccedilatildeo assinalando ou seja na raiz em seu

fundamento diria uma linguagem mais convencional e ciosa de suas

pretendidas atribuiccedilotildees] o trabalho eacute um processo entre o homem e a

natureza um processo em que o homem por sua proacutepria accedilatildeo medeia regula

controla seu metabolismo com a natureza Ele mesmo se defronta com a

mateacuteria natural Ele potildee em movimento as forccedilas naturais pertencentes agrave sua

corporalidade braccedilos e pernas cabeccedila e matildeo a fim de se apropriar da mateacuteria

natural numa forma uacutetil para a sua proacutepria vida Ao atuar por meio desse

movimento sobre a natureza externa a ele e ao modificaacute-la ele modifica ao

mesmo tempo sua proacutepria natureza Ele desenvolve as potecircncias nela

adormecidas e sujeita o jogo de suas forccedilas a seu proacuteprio domiacutenio[xi]

26

Observe-se que diz Chasin ao trabalhar ao mudar a forma da

natureza ao construir sua proacutepria mundaneidade o homem ele proacuteprio por

meio de seu proacuteprio trabalho transforma a sua proacutepria natureza Ou seja de ser

natural para social eis um novo exemplo de lineamento reconhecido e recolhido

agrave ontologia estatutaacuteria

Prosseguindo na especificaccedilatildeo Marx afirmaPressupomos o trabalho

numa forma que pertence exclusivamente ao homem Uma aranha executa

operaccedilotildees semelhantes agraves do tecelatildeo e a abelha envergonha mais de um

arquiteto humano com a construccedilatildeo dos favos de suas colmeacuteias Mas o que

distingue de antematildeo o pior arquiteto da melhor abelha eacute que ele construiu o

favo em sua cabeccedila antes de construiacute-lo em cera No fim do processo de

trabalho obteacutem-se um resultado que jaacute no iniacutecio deste existiu na imaginaccedilatildeo do

trabalhador e portanto idealmente Ele natildeo apenas efetua uma transformaccedilatildeo

da forma da mateacuteria natural realiza ao mesmo tempo na mateacuteria natural seu

objetivo que ele sabe que determina como lei a espeacutecie e o modo de sua

atividade e ao qual tem de subordina sua vontade E essa subordinaccedilatildeo natildeo eacute

um ato isolado Aleacutem do esforccedilo dos oacutergatildeos que trabalham eacute exigida a vontade

orientada a um fim que se manifesta como atenccedilatildeo durante todo o tempo de

trabalho e isso tanto mais quanto menos esse trabalho pelo proacuteprio conteuacutedo e

pela espeacutecie modo de sua execuccedilatildeo atrai o trabalhador portanto quanto

menos ele o aproveita como jogo de suas proacuteprias forccedilas fiacutesicas e espirituais[xii]

Chasin chama atenccedilatildeo para as seguintes observaccedilotildees

1) a preacutevia-ideaccedilatildeo do resultado (do fim) a existecircncia ideal do mesmo

na imaginaccedilatildeo donde o objeto ou um complexo categorial in mente e ante

res[xiii]

Preacutevia-ideaccedilatildeo e teleologia satildeo ou podem ser momentos confluentes

mas natildeo satildeo idecircnticos a preacutevia-ideaccedilatildeo estaacute no comeccedilo e eacute um desenho ideal

que implica o conhecimento da espeacutecie e do modo da atividade a realizar

27

conhecimento das malhas causais teleologia eacute simplesmente finalidade fim

objetivo podendo se apresentar de modo meramente volitivo e bem abstrato

natildeo mobilizante dos ou sem os meios de sua realizaccedilatildeo ou seja ter teleologia

sem preacutevia-ideaccedilatildeo natildeo conduz a nenhum processo de trabalho Quero assinar

que o termo teleologia pode ser demasiado vago no sentido de mero conceito

filosoacutefico convencional nesse sentido apenas alusivo e natildeo instrumentador de

operaccedilotildees na esfera da atividade sensiacutevel Pode ser entendido mais como

manifestaccedilatildeo de espiacuterito do que como exigecircncia de efetuaccedilatildeo de mudanccedila de

forma da mateacuteria natural e objetivaccedilatildeo de propoacutesito E de toda forma indica

antes de tudo que o fim o realizado estaacute no fim do processo fala do obtido ou

do a ser obtido nada nos diz da travessia que realiza da travessia que passa do

ideal para o real natildeo nos fala da mobilizaccedilatildeo ideal e material necessaacuterias

Quando a teleologia se manifesta como resultado jaacute natildeo eacute preciso dizer mais

nada a respeito Basta saudar e usufruir de sua apariccedilatildeo que nada tem de

maacutegica ou misteriosa mas antes de reconhececirc-la como produto das

metamorfoses de subjetividade e objetividade Ou seja em suas distintas

naturezas inconfundiacuteveis enquanto tais objetividade e subjetividade satildeo

entificaccedilotildees na mundaneidade humana e nessa qualidade estados ou momentos

do ser social momentos regidos pela atividade ideal e sensiacutevel do mesmo

Penso que Lukaacutecs ao transpor a questatildeo para a linguagem filosoacutefica

tradicional pode ter dissociado demais fins e meios o que natildeo eacute o caso dos

textos de Marx Por isso Lukaacutecs se vecirc obrigado depois a buscar a rearticulaccedilatildeo

entre teleologia e causalidade e nisso encontre natildeo poucas dificuldades (como

uma passa para outra e vice-versa parecendo que lida ao limite com

substacircncias incomunicaacuteveis natildeo as compreendendo em suas metamorfoses) e

deixe que se perca certa substacircncia da questatildeo antes de tudo o interfluxo entre

objetividade e subjetividade com seus distintos momentos preponderantes em

cada um dos passos dos momentos embricados dos processos Creio que as

duas esferas ficam sempre tradicionalmente um tanto estranhas uma em

28

relaccedilatildeo agrave outra seja para preservar a objetividade e aiacute se torna objetivista seja

para ressaltar a subjetividade e aiacute desliza para o subjetivismo

2) No fim do processo tem-se seu resultado que eacute a transformaccedilatildeo da

forma de uma dada mateacuteria natural e a realizaccedilatildeo do objetivo do trabalho que

existiu antes como preconfiguraccedilatildeo ideal Portanto o trabalho transforma

imagem ideal em ente real complexo categorial in rebus

Em suma no pensamento de Marx as categorias ou complexos

categoriais satildeo reconhecidos sob as trecircs formas in mente (existem idealmente

na imaginaccedilatildeo ou como reproduccedilatildeo mental das coisas categorias da

representaccedilatildeo) ante res (preacutevia-ideaccedilatildeo) e in rebus como efetividades quando

estatildeo na forma de ser Como confirmaccedilatildeo tome-se mais esta passagem do

mesmo capiacutetulo No processo de trabalho a atividade do homem efetua

portanto mediante o meio de trabalho uma transformaccedilatildeo do objeto de

trabalho pretendida desde o princiacutepio O processo extingue-se no produto Seu

produto eacute um valor de uso uma mateacuteria natural adaptada agraves necessidades

humanas mediante transformaccedilatildeo da forma O trabalho se uniu com seu objeto

O trabalho estaacute objetivado e o objeto trabalhado O que do lado do trabalhador

aparecia na forma de mobilidade aparece agora como propriedade imoacutevel na

forma do ser[xiv] do lado do produto Ele fiou e o produto eacute um fio[xv]

Como arremate analiacutetico dessa famosa mas muitas vezes mal

compreendida passagem de O Capital Chasin conclui ao mesmo tempo em que

visualiza uma nova tarefa Se assim eacute se as categorias podem aparecer nas

trecircs formas - in rebus - in mente - ante res - haacute entatildeo que determinar o que satildeo

cada uma dessas formas

Esquematicamente Chasin propotildee o seguinte

1) se estatildeo in rebus (nas coisas) estatildeo na forma do ser

29

2) se estatildeo in mente (na cabeccedila) estatildeo na forma da reproduccedilatildeo ideal

das coisas Trata-se da subjetividade receptora[xvi] que reproduz as coisas natildeo

captando apenas seus dados empiacutericos superando pois o empirismo e elabora

portanto a reproduccedilatildeo ideal dos entes e onde a subsunccedilatildeo aos objetos eacute a

atividade de sua elaboraccedilatildeo ideal

3) se estatildeo ante res (antes das coisas) estatildeo na forma da finalidade da

preacutevia mentalizaccedilatildeo de objetivos e meios

Poreacutem no segundo e terceiro casos as categorias estatildeo na forma de

espeacutecies de pensamento representaccedilotildees e projeccedilotildees do ser do vir-a-ser dos

meios materiais instrumentais processuais e dinacircmicos de entificaccedilatildeo dos

seres

Concluindo essa parte dizer pois que o homem e o mundo satildeo

atividade sensiacutevel que por criar seu mundo cria a si mesmo eacute determinar o

homem como a criatura criadora de seres

No entanto na medida em que apenas na configuraccedilatildeo histoacuterica regida

pela loacutegica do capital ou seja na plenitude da produccedilatildeo da riqueza entendida

por sua essecircncia subjetiva que eacute o trabalho que se atinou para determinaccedilatildeo

do homem como a criatura criadora de seres foi possiacutevel agrave reflexatildeo pode se

dar conta potencialmente da verdadeira problemaacutetica do ser

Em outras palavras eacute pela criacutetica ao criador de criaturas na forma da

alienaccedilatildeo - criacutetica marxiana agrave sociedade capitalista - eacute que a ontologia pode

atinar com seu verdadeiro objeto e modo de determinaccedilatildeo Natildeo eacute casual que

tenha emergido pela criacutetica feuerbachiana ao sistema hegeliano (a criaccedilatildeo

especulada dos entes) e ganho seus contornos efetivos no advento de uma

nova forma de pensamento e concepccedilatildeo de praacutetica - a doutrina de Marx

Resumindo no caso de Marx ontologia eacute estatuto ou filosofia primeira

do ser social que enquanto tal norteia a concreccedilatildeo cientiacutefica do mesmo cuja

30

realizaccedilatildeo corrige e enriquece o proacuteprio estatuto donde a sinergia e a reciacuteproca

dimensatildeo criacutetica entre estatuto ontoloacutegico e ciecircncia da histoacuteria em seus diversos

departamentos possiacuteveis estabelecidos jaacute por criteacuterio ontoloacutegico ou seja que

respeita a integridade das coisas em suas qualidades e processos interconexos

que as constituem em seu ser por si e enquanto tais satildeo reproduzidas

teoricamente

Enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma da legalidade objetiva (material

e espiritual) do ser social ou seja enquanto malha de asserccedilotildees ou

determinaccedilotildees de seu complexo categorial enquanto o permanente na forma de

processo a ontologia estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a

sociabilidade como substacircncia desse grau maacuteximo da cadeia do ser

Mas substacircncia como complexo categorial como siacutentese de categorias

essenciais que denota uma forma especiacutefica determinada de presenccedila ou

existecircncia plenamente qualificada

Por isso eacute estatuto ontoloacutegico pois a plataforma canocircnica do ser eacute o

coacutedigo do substantivo verbal como substacircncia substrato) assim o estatuto

ontoloacutegico do complexo substantivo do ser social deve reconhecer a

sociabilidade como substacircncia A sociabilidade como substrato dos homens

seja na forma da alienaccedilatildeo seja na forma de sua latecircncia de substancialidade

em vir-a-ser no caminho infinito de sua realizaccedilatildeo

Trata-se portanto em Marx de estatuto e natildeo sistema pois como

sistema seria um agregado de abstraccedilotildees uma filosofia que uma vez obtidas

noccedilotildees fundamentais passa a se edificar por si ou seja as noccedilotildees seriam

coaacutegulos inteligiacuteveis que passam por auto-sustentaccedilatildeo a configurar

dedutivamente o mundo Ao passo que estatuto eacute uma ordem a legalidade do

ser sensiacutevel - o ser na plenitude de seus atributos

tempo (histoacuteriaprocessoduraccedilatildeomutabilidade) lugar e sensibilidade

especificamente a legalidade do ser social imanente a si em sua especiacutefica

31

objetividade O ser sensiacutevel eacute a forma do ser porque eacute a plenitude das

categorias possiacuteveis

E as formaccedilotildees ideais

Segundo Chasin as formaccedilotildees ideais do mesmo modo que as

formaccedilotildees reais - formas do ser - tecircm lugar e tempo como categorias - o tempo

e o espaccedilo das formaccedilotildees sociais que satildeo engendradas mas estatildeo privadas de

sensibilidade

O sensiacutevel soacute eacute predicaccedilatildeo inerecircncia agrave forma do ser que conteacutem a

plenitude dos predicados possiacuteveis (sensibilidade espaccedilo tempo)

Essa forma de conceber o ser eacute reconhecer substancialidade ao

complexu agrave unidade totalizada ou seja ao conjunto pleno de atributos em ato

Em outras palavras ser eacute complexo categorial - tem a forma de ser -

completude ou forma conferida pelo sensiacutevel que se desdobra em muacuteltiplos

atributos e se condensa de infinitas maneiras no gradiente do ser

Em suma segundo Chasin tomando Marx como base e ponto de

referecircncia permanentes ser eacute plenitude categorial ou seja a plenitude

categorial eacute sua forma e por ser sensiacutevel compreende lugar e tempo

Donde se admitido o princiacutepio metoacutedico de Marx saber eacute saber do ser

que antes de tudo eacute um complexo sensiacutevel - tudo que eacute existe eacute sempre um

complexo natildeo uma substacircncia ou essecircncia pura e cristalina E a cadeia do ser eacute

o conjunto de graus do ser - do menos ao mais complexo

O preceito metodoloacutegico marxiano eacute pois ontoloacutegico sabe-se o que eacute

como se formou se desenvolveu e como depereceraacute

Por via de consequumlecircncia e diante das vicissitudes da histoacuteria da

ontologia de seu processo constitutivo e dissolutor diante da penosa rota da

32

conquista teoacuterica do real homoacuteloga ou equivalente agrave necessidade humana de

produzir a sua mundaneidade e a si mesmo a ontologia eacute o que pode ser - o

que natildeo eacute pouco - a esfera teoacuterica da incerteza propulsora positiva

afirmativamente organizada O patamar do incerto ordenado como plataforma da

busca infinita da certeza Impulsatildeo incontornaacutevel que natildeo pode ser eludida pela

presenccedila imperativa dos circuitos ontopraacuteticos

Talvez agora o estatuto ontoloacutegico marxiano possa ser enunciado do

seguinte modo eacute o estudo das categorias fundamentais - em traccedilos essenciais

abstratos em suas determinaccedilotildees mais gerais - da existecircncia social

historicamente constatada e reconhecida sendo possiacutevel exemplificar com as

seguintes categorias historicidade (processualidade ou mutabilidade)

concreticidade ou objetividade atividade sensiacutevel e ideal (trabalho e

reproduccedilatildeo) subjetividade (receptiva e proponente) valor individualidade

gecircnero (sociabilidade) Tudo isso perfilando o complexo de complexos da auto

realizaccedilatildeo do ser humano-societaacuterio entendido que o fim dos fins eacute a infinitude

da realizaccedilatildeo do humano - do autopor-se do aberto ser humano-societaacuterio

Estatuto que em outros termos eacute a ordem do reconhecimento ou

reproduccedilatildeo teoacuterica da identidade natureza e constituiccedilatildeo das coisas por si por

seus complexos categoriais decisivos independentemente em qualquer plano

de se tornarem objetos de praacutetica ou reflexatildeo

Enquanto tal eacute a teoria do reconhecimento da objetividade histoacuterico-

social imanente em suas distintas formas de apresentaccedilatildeo (natureza e

sociedade) Em termos muito breves eacute o momento mais abstrato do

reconhecimento da identidade das coisas por si enquanto tal um dos momentos

distintos da unidade do saber do qual participa um segundo sob forma

concreta que eacute a ciecircncia

Pela proacutepria natureza histoacuterica processual do ser a ontologia marxiana

natildeo corresponde nem poderia corresponder por simples imperativo de

33

coerecircncia agrave forma de um saber universal plantado sobre uma racionalidade

auto-sustentada ou seja fundado na razatildeo universal nada mais a versatildeo laica

ou profana de Deus no dizer de Feuerbach Ou seja trata-se enfim de uma

forma de ontologia sem parentesco com o saber absoluto e que recusa qualquer

tipo de fundamento especulativo pois absolutizaccedilatildeo de uma teoria da

fundamentaccedilatildeo eacute simplesmente a firmaccedilatildeo especulativa da razatildeo autocircnoma ou

de um princiacutepio de inteligibilidade situado para aleacutem das coisas que garante a

presenccedila e o conhecimento do sagrado e a vitoacuteria antecipada do idealismo Natildeo

correspondendo agrave qualquer forma de saber universal a ontologia marxiana

sustenta a possibilidade efetiva como jaacute vimos de um saber real

Por sua praacutetica teoacuterica e por um conjunto de lineamentos expliacutecitos

Marx deixou o legado de um especiacutefico estatuto ontoloacutegico natildeo um ontologia de

talhe convencional ou tradicional e natildeo apenas por que careceu de tempo

necessaacuterio para a realizaccedilatildeo de uma obra desse tipo mas fundamentalmente

pela distinccedilatildeo de natureza de seu estatuto ontoloacutegico radicalmente oposto ao

tratamento especulativo da mateacuteria

Esse estatuto eacute constituiacutedo a partir do universo praacutetico onticamente

referido ou seja eacute um estatuto ocircntico-ontoloacutegico pois evolve da efetividade

histoacuterica das coisas de suas relaccedilotildees e processos para sua reproduccedilatildeo

conceitual no plano de uma trama categorial em sua expressatildeo mais abstrata

Reconhecimento e Determinaccedilatildeo da Sociabilidade como Substacircncia

Vimos que segundo Chasin enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma

da legalidade do ser social em sua materialidade e espiritualidade[pode-se dizer

tambeacutem em sua objetividade sensiacutevel e supra-sensiacutevel] ou seja enquanto

malha de asserccedilotildees ou determinaccedilotildees de seu complexo categorial a ontologia

34

estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a sociabilidade como substacircncia desse

grau maacuteximo do ser

Embora Chasin natildeo tenha desenvolvido plenamente a questatildeo da

objetividade supra-sensiacutevel como tambeacutem a da sociabilidade como substacircncia

julgo conveniente transcrever tambeacutem algumas notas e comentaacuterios feitos em

sala de aula dada a importacircncia do tema

Em relaccedilatildeo agrave noccedilatildeo de substacircncia Chasin retoma sua noccedilatildeo mais geral

e tradicional Ou seja deixando de fora qualquer conotaccedilatildeo relativa a formas de

idealidade o que existe por si eacute um auto-engendrado a uacuteltima instacircncia de um

dado gecircnero de entificaccedilatildeo enquanto tal na medida em que eacute uma efetividade

eacute um complexo que a noccedilatildeo de substacircncia refere no mais alto grau de

abstraccedilatildeo Vale pois como abstraccedilatildeo razoaacutevel tal como todo conceito

marxiano nesse niacutevel de generalizaccedilatildeo a partir do qual pela via dos processos

de concreccedilatildeo satildeo determinaacuteveis as formas concretas de substacircncia

correspondentes agraves formaccedilotildees sociais reais

Dessa forma a substacircncia eacute um complexo histoacuterico natildeo uma

idealidade natildeo um construto da razatildeo auto-sustentada mas o resumo de uma

extraccedilatildeo justificada

Naturalidade e Sociabilidade

Sempre que se potildee a questatildeo da naturalidade e da sociabilidade essa

uacuteltima tende a ser examinada in statu nascendi ou de um estado original

imaginaacuterio natildeo se parte portanto de fatos pois os desconhecemos se eacute que

35

tenham existido mas de um mito E do mito se quer saltar para o quadro de uma

realidade complexa

Mas acompanhando Marx lembremos das pobres robinsonadas do

seacuteculo XVIII referidas logo agraves primeiras linhas da Introduccedilatildeo de 57 a) O

caccedilador e o pescador individuais e isolados de que partem Smith e Ricardo b)

o contrat social de Rousseau que relaciona e liga sujeitos independentes por

natureza por meio de um contrato Essas robinsonadas natildeo repousam sobre

(o) naturalismo E a argumentaccedilatildeo prossegue Trata-se ao contraacuterio de uma

antecipaccedilatildeo da sociedade (buumlrgelichen Gesellschaft) que se preparava desde

o seacuteculo XVI e no seacuteculo XVIII deu larguiacutessimos passos em direccedilatildeo agrave sua

maturidade Nesta sociedade da livre concorrecircncia o indiviacuteduo aparece

desprendido dos laccedilos naturais que em eacutepocas histoacutericas remotas fizeram dele

um acessoacuterio de um conglomerado humano limitado e determinado Os profetas

do seacuteculo XVIII sobre cujos ombros se apoacuteiam inteiramente Smith e Ricardo

imaginam o indiviacuteduo do seacuteculo XVIII como um ideal que teria existido no

passado Vecircem-no natildeo como um resultado histoacuterico mas como ponto de partida

da Histoacuteria porque o consideram como um indiviacuteduo conforme agrave natureza -

dentro da representaccedilatildeo que tinham da natureza humana - que natildeo se originou

historicamente mas foi posto como tal pela natureza[xvii]

Segundo Chasin tomando Marx novamente como ponto de referecircncia

os equiacutevocos que aparecem ao se tratar a relaccedilatildeo naturalidade sociabilidade

satildeo os seguintes

1) procurar deduzir em graus diferentes em cada caso o ser social do

natural esquecendo que se trata da emergecircncia do novo de uma configuraccedilatildeo

ontoloacutegica nova e que o novo nunca eacute um simples desdobramento do estaacutegio

anterior no caso - do grau de ser antecedente ou seja que entre os dois niacuteveis

ocorre o que se chama de salto um intervalo em que a potecircncia causal do

antecedente natildeo conteacutem a capacidade a potecircncia ou a potencialidade para

gerar o novo Um intervalo que fica assim indeterminado

36

2) o procedimento acima abre para a mera especulaccedilatildeo pois tende a

deduzir a indeterminaccedilatildeo a querer estabelecer nexos onde eles inexistem

tende a preencher o que de fato eacute um vazio A rigor natildeo se trata de um natildeo-

sabido mas da ausecircncia factual de um objeto ou processo em outros termos

se trata de um vazio ontoloacutegico de uma ausecircncia de nexos ontoloacutegicos

O correto segundo o modus operandi marxiano natildeo eacute partir da semente

ou do embriatildeo mas do complexo real maturado uma vez que

especialiacutessimamente na esfera social a loacutegica do gerado eacute diversa da loacutegica de

sua gecircnese aleacutem de que nesse acircmbito as entificaccedilotildees configuradas apagam a

rota e a loacutegica de sua formaccedilatildeo

Desse modo partindo do jaacute configurado e considerando que se trata de

uma configuraccedilatildeo infinita que compreende mutaccedilotildees qualitativas muito

importantes e natildeo esquecendo que permanecemos no estaacutegio preacute-histoacuterico (em

momento especialmente desequilibrado e contraditoacuterio) podemos e devemos

reconhecer por meio de algumas abstraccedilotildees razoaacuteveis o seguinte

1) A formaccedilatildeo do ser social eacute um processo da animalidade agrave

hominidade o andamento da naturalidade agrave sociabilidade o caminho infinito da

naturalidade dada agrave sociabilidade natildeo-dada em produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

perenes

2)Trata-se pois de uma entificaccedilatildeo processual entre dois niacuteveis ou

poacutelos da escala do ser sendo processo eacute intrinsecamente uma contradiccedilatildeo e soacute

enquanto tal se move eliminada a contradiccedilatildeo cessaria a possibilidade do

processo Com isso eacute dito algo muito importante pois ao reconhecer a

contraditoriedade entre naturalidade e sociabilidade natildeo eacute mais possiacutevel pensar

as mesmas a propoacutesito do ser social como um simples conjugado de fatores

mas obrigatoriamente como uma conjugaccedilatildeo contraditoacuteria de legalidades Isso

vai na esteira do que eacute compreendido desde Hegel - que o ser eacute uma unidade

contraditoacuteria - todavia com o acreacutescimo do problema da dupla legalidade De

37

que modo ou feiccedilatildeo chega cada uma delas agrave unidade contraditoacuteria do ser Pois

haacute que pensar na unidade ou siacutentese a natildeo ser que se queira desenhar o ser

social como uma aberraccedilatildeo hiacutebrida pode ser esta a fisionomia do grau mais

elevado do gradiente dos seres Assim tomada na devida consideraccedilatildeo essa

determinaccedilatildeo ontoloacutegica sem a qual a reflexatildeo perde o rumo trata-se de

compreender a dinacircmica especiacutefica dessa contradiccedilatildeo peculiar Vejamos

3) Em primeiro lugar esse processo contraditoacuterio gera novas

contradiccedilotildees agora dominantemente contradiccedilotildees da sociabilidade em

formaccedilatildeo de sorte que se trata de um processo cumulativo de

contraditoriedades no qual as novas contradiccedilotildees progressivamente vatildeo

tomando o lugar predominante e decisivo vale dizer a contradiccedilatildeo originaacuteria

cada vez mais coabita com contradiccedilotildees de outro gecircnero diante das quais sua

presenccedila vai mudando de forccedila e configuraccedilatildeo natildeo desaparece mas sua

qualidade vai mudando na proporccedilatildeo mesmo do desenvolvimento da

apropriaccedilatildeo societaacuteria da natureza cada vez mais puramente social - eacute no que

consiste de acordo com as palavras de Marx o progressivo afastamento das

barreiras naturais

4) Ou seja a matriz e a medida do afastamento eacute a forma cada vez

mais social de produzir e reproduzir as bases materiais da vida pela qual eacute

gerado o novo ser em direccedilatildeo agrave sua potecircncia ampliada de se auto-por de ir em

direccedilatildeo a si mesmo um si mesmo que natildeo eacute dado mas gerado na progressatildeo

da auto-posiccedilatildeo do auto-assentamento ou da auto-enformaccedilatildeo que inclui a

proacutepria daccedilatildeo de forma e resoluccedilatildeo ao predicado natural ou bioloacutegico daccedilatildeo de

forma que em suma eacute daccedilatildeo de forma social ao predicado natural

5) Essa possibilidade de daccedilatildeo de forma eacute afirmaccedilatildeo e realizaccedilatildeo da

essecircncia social que eacute o conjunto de relaccedilotildees sociais configuradas em cada

momento pelo modo de produzir da base material modo por sua vez que eacute

determinado pelo desenvolvimento das forccedilas produtivas entre as quais figura o

proacuteprio modo de organizaccedilatildeo do conjunto das relaccedilotildees sociais

38

6) Daccedilatildeo de forma eacute alteraccedilatildeo do lugar resolutivo e todo ente que muda

de lugar muda de natureza sem alterar uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo material

Vale dizer que a contradiccedilatildeo originaacuteria entre naturalidade e sociabilidade eacute

resolvida por uma nova contradiccedilatildeo - a da naturalidade que soacute se realiza na

forma e por meios sociais - no afastamento que eacute superaccedilatildeo da naturalidade

(processo histoacuterico) a legalidade natural eacute submetida agrave legalidade social

(diferentemente em cada modo de produccedilatildeo e de acordo com o

desenvolvimento das forccedilas produtivas) o fator natural natildeo eacute suprimido

suprimida eacute sua capacidade de autodeterminaccedilatildeo resta portanto

simplesmente o que natildeo eacute pouco como um predicado do ser humano um

predicado insuprimiacutevel mas apenas como predicado bioloacutegico de um ser de

outra natureza e essecircncia A naturalidade eacute retida como predicado

imprescindiacutevel mas natildeo como essecircncia Donde natildeo satildeo mais duas legalidades

ontoloacutegicas que coexistem mas a legalidade superior mais complexa subsume

a legalidade natural que natildeo mais se autodetermina mas eacute resolvida pela e do

interior da outra Assim o predicado natural do homem recebe forma e

resoluccedilatildeo sociais ou seja o predicado natural eacute subsumido agrave legalidade social

Natildeo resta mais o choque de duas legalidades contrapostas na

contradiccedilatildeo originaacuteria A legalidade natural vai sucumbindo na ruptura e

progressivamente agrave legalidade social em sua efetividade no ser social a

legalidade natural natildeo mais atua por si eacute dependente do social natildeo eacute mais a

legalidade de um ser pois natildeo haacute mais aiacute um ser natural mas um atributo

natural dependente da essecircncia social O homem eacute um ser social que

compreende sua essecircncia especiacutefica (variaacutevel) suas contingecircncias e seu

predicado bioloacutegico Na entificaccedilatildeo do ser social uacuteltimo grau da cadeia do ser a

legalidade natural eacute subalternizada agrave social por mais ruacutestica e restrita que seja a

essecircncia social primitiva e por mais precaacuteria que seja essa subalternizaccedilatildeo de

iniacutecio O processo de afastamento das barreiras naturais eacute assim o curso dessa

subalternizaccedilatildeo que desponta no iniacutecio na ruptura com a legalidade natural e

por mais longo e contraditoacuterio em avanccedilos e recuos que seja esse processo

39

7) de outra parte a loacutegica do predicado bioloacutegico natildeo soluciona natildeo

tem resposta para o complexo problemaacutetico da sociabilidade enquanto que esta

daacute soluccedilatildeo aos imperativos daquela Como diz Marx nos Manuscritos de 44 o

homem contempla a natureza e a si mesmo com um produto social [dos homens

interativos] com pleno direito mesmo que natildeo com elevada consciecircncia ou altos

valores

8) Donde a foacutermula lukaacutecsiana da dupla base eacute falsa pois a plataforma

eacute a sociabilidade enquanto a naturalidade eacute apenas o insuprimiacutevel predicado

bioloacutegico que passa a vigir na forma e sob a regecircncia da sociabilidade Natildeo

perde por isso uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo orgacircnica mas na sua efetividade

muda de caraacuteter No interiro da esfera societaacuteria o predicado bioloacutegico eacute um

outro de si Se originariamente foi o ponto de partida agora eacute produzido e

reproduzido pela legalidade de um ser que o ultrapassa e o domina vive e soacute

pode viver na subjugaccedilatildeo de um novo estatuto Ou seja ao integrar como

predicado o ser de niacutevel mais elevado realiza a sua maacutexima potecircncia e isso eacute

ao mesmo tempo sua desnaturalizaccedilatildeo ou perecimento Impereciacutevel como

predicado natildeo eacute base pois determina soacute por seus limites pelas carecircncias natildeo

pelas determinaccedilotildees resolutivas nem mesmo em suas forccedilas e sentidos pois

enquanto virtualidades estas soacute satildeo humanas e superiores em resoluccedilatildeo

societaacuteria Ademais natildeo eacute nunca um criador de novas necessidades o que

caracteriza a legalidade social

9) A argumentaccedilatildeo acima diz respeito diretamente ao ser social em sua

configuraccedilatildeo bipolar (indiviacuteduo e gecircnero) e desenvolvida em especial no poacutelo da

individualidade tendo por esteio o andamento do gecircnero e ao falar deste se diz

do seu metabolismo com a natureza Esse metabolismo fundamental que eacute em

suma a atividade vital do homem ao gerar produtos sociais

(utilidadesmercadorias) sem que se possa transpor a estes as mesmas

determinaccedilotildees que foram feitas para o ser social desde logo satildeo entes sociais

mas em outro grau da escala do ser social mas tambeacutem tecircm mudada a sua

natureza de naturais a utilidades (e na forma da alienaccedilatildeofetichismo as

40

mercadorias) de sorte que a apropriaccedilatildeo da natureza eacute igualmente sua

desnaturalizaccedilatildeo eacute forccedilaacute-las a deixar de ser o que satildeo em sua peculiaridade

para se tornarem um outro de si sob a regecircncia do estatuto societaacuterio Isso eacute a

manifestaccedilatildeo do poder e da superioridade do grau maacuteximo do ser Nenhum

outro ser realiza qualquer coisa semelhante nem longinquumlamente Repetindo

Kant e Hegel Marx tinha toda razatildeo quando disse que haacute mais grandeza e

misteacuterio na cabeccedila de um becircbado do que no conjunto do universo

10) a Sociabilidade imperfeita substacircncia ainda natildeo realizada enquanto

tal ou seja ainda incapaz de autonomia como complexo estruturado conduz agrave

poliacutetica Natildeo compreendida como substacircncia mas como simples organizaccedilatildeo

potildee o homem no outro poacutelo na dicotomia homemsociedade ou seja na

representaccedilatildeo socioloacutegica ou politoloacutegica o homem eacute um outro

Determinada ou compreendida como substacircncia eacute substacircncia humana

(perfeita e imperfeita com todas as grandezas e miseacuterias produzidas

modificadas suprimidas e repostas no curso histoacuterico) eacute a essecircncia mutante do

ser auto-engendrado e enquanto mutante e por ser mutante distinta tambeacutem

por essa mutabilidade do predicado bioloacutegico atemporalmente necessaacuterio mas

sempre e progressivamente insuficiente do ser social

O tomo IV do primeiro nuacutemero da Revista Ensaios Ad Hominem eacute

composto de seis artigos - aleacutem do texto de abertura de autoria de J Chasin -

que resultaram de siacutenteses ou modificaccedilatildeo de partes ou capiacutetulos de

dissertaccedilotildees defendidas entre os anos de 1998 e 1999 junto ao Programa de

Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia da UFMG

41

O artigo que abre a presente coletacircnea intitulado A Razatildeo como

Tribunal da Criacutetica Marx e A Gazeta Renana de autoria de Celso Eidt versa

sobre a concepccedilatildeo do jovem Marx sobre o papel da imprensa natildeo apenas como

o locus privilegiado para o debate filosoacutefico mas fundamentalmente para os

processos educativos tendo em vista a realizaccedilatildeo plena da liberdade humana Eacute

bom ressaltar que no periacuteodo em que tais artigos satildeo redigidos Marx

compartilha de uma visatildeo antropoloacutegica racional em que a natureza humana eacute

concebida como espiacuterito livre e racional enquanto esteio da proacutepria vida eacutetica

ou seja da praacutetica humana fundada na razatildeo universal

Ana Selva Albinati autora do artigo A Determinaccedilatildeo dos Valores

Morais nos textos de Marx de 1841 a 1847 se debruccedila justamente sobre tal

campo de reflexatildeo Seu trabalho eacute uma tentativa de sistematizaccedilatildeo das

consideraccedilotildees sobre os valores morais nos textos do periacuteodo que se inicia com

sua tese doutoral Diferenccedilas entre as Filosofias da Natureza de Demoacutecrito e

Epicuro prosseguindo ateacute A Miseacuteria da Filosofia Ana Selva procura demonstrar

que esse periacuteodo normalmente referido como sendo o da juventude de Marx eacute

na verdade constituiacutedo de dois momentos de sua elaboraccedilatildeo teoacuterica que tem

como momento de clivagem a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel de meados

de 1843 em que Marx rompe com o referencial teoacuterico do idealismo alematildeo Em

relaccedilatildeo agraves determinaccedilotildees sobre a moral essa ruptura se reflete na inflexatildeo

radical que diferencia a compreensatildeo da moralidade no primeiro e segundo

momentos de tal forma que a moralidade passa a ser compreendida como um

dos modos da consciecircncia socialmente determinada concepccedilatildeo completamente

distinta da primeira fase em que os valores morais eram compreendidos como

expressotildees da liberdade e da racionalidade humanas idealmente concebidas

No artigo A criacutetica da Especulaccedilatildeo nas Glosas de Kreuznach Milney

Chasin analisa o momento inicial e ao mesmo tempo decisivo da ruptura que

se verifica entre Marx e Hegel no plano das determinaccedilotildees do ser Desse modo

a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel inaugura a criacutetica marxiana da

especulaccedilatildeo no seu cerne o de rejeitar o procedimento especulativo

42

caracteriacutestico de se provir tudo da ideacuteia real de tornaacute-la sujeito isto eacute de

capacitar a abstraccedilatildeo ou conceito automovido - a partir das metamorfoses

hegelianas - de pocircr o multiverso sensiacutevel Em outros termos Milney Chasin no

referido artigo evidencia como a criacutetica da especulaccedilatildeo permite a Marx

ultrapassar os horizontes do idealismo alematildeo na direccedilatildeo do devido

reconhecimento da distinccedilatildeo entre ser e pensar de caracterizar a impropriedade

ontoloacutegica da loacutegica hegeliana de apurar os limites gnosioloacutegicos e

incongruecircncias de toda ordem Em suma permite o desvelamento da substacircncia

miacutestica oferecendo a explicitaccedilatildeo do meacutetodo hegeliano - das diabruras do

conceito autoposto - que articula abstraccedilotildees e finitude restando a esta a mera

condiccedilatildeo de apecircndice dissolvido isto eacute momento virtual da realizaccedilatildeo da

idealidade

O quarto artigo desta coletacircnea intitulado A Exteriorizaccedilatildeo da Vida nos

Manuscritos de 44 eacute parte da dissertaccedilatildeo de mestrado As Categorias

Lebensaumlusserung Entaumlusserung Entfremdung e Veraumlusserung nos Manuscritos

Economico-Filosoacuteficos de Karl Marxdefendida por Mocircnica H M da Costa em

que o interesse era acima de tudo averiguar se alienaccedilatildeo (Entaumlusserung) e

estranhamento (Entfremdung) teriam significados distintos A pesquisa acabou

opor apontar no entanto uma outra categoria como eixo desses manuscritos

Lebensaumlusserung traduzida por exteriorizaccedilatildeo da vida De fato o fio condutor

dos Manuscritos eacute a centralidade do trabalho na produccedilatildeo material e espiritual

da vida humana Tomando para anaacutelise criacutetica pela primeira vez os

economistas claacutessicos Marx explicita sua proacutepria compreensatildeo da forma

peculiar de engendramento da existecircncia do homem A criacutetica a Hegel completa

o quadro desta tematizaccedilatildeo que natildeo seraacute abandonada ateacute os uacuteltimos trabalhos

de Marx

Sabina Maura Silva no artigo A Fenomenologia do Egoiacutesmo Stirner e a

Criacutetica Marxiana tem como objetivo fundamental apresentar a concepccedilatildeo de

homem presente na obra O Uacutenico e Sua Propriedade de autoria do filoacutesofo

neohegeliano Max Stirner e expor a criacutetica de Marx a este autor contida em A

43

Ideologia Alematilde A autora mostra que para Stirner o Eu tomado como

individualidade singular eacute o fundamento de sua esfera existencial No entanto

para esse autor tudo tem determinado a existecircncia dos indiviacuteduos natildeo tendo

sido permitido a eles determinaacute-la O objetivo de Stirner eacute pois remeter ao

indiviacuteduo - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel - o que dele foi alienado e erigido

como algo autocircnomo Por seu turno a criacutetica de Marx tem como fim explicitar o

caraacuteter especulativo da anaacutelise stirneana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo

bem como salientar o aspecto pseudorevolucionaacuterio de suas proposituras

Assim segundo Marx Stirner tatildeo somente interpreta diferentemente o

existente isto eacute reconhece o existente mediante outra

interpretaccedilatildeoTransformando as contradiccedilotildees objetivas em contradiccedilotildees

subjetivas Stirner conserva e justifica as condiccedilotildees e estruturas efetivas que

esmagam e impedem a autodeterminaccedilatildeo das individualidades ao reconhecer

as circunstacircncias como determinaccedilotildees dos indiviacuteduos Acolhendo acriacutetica e

especulativamente em suas feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees

estranhadas de um momento histoacuterico particular da individuaccedilatildeo humana

Stirner erige como individualidade um ente que empobrecido e constrangido

pelas condiccedilotildees objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade

social pode somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria

sobre si e sobre o mundo

O uacuteltimo artigo do tomo IV da Revista Ensaios Ad Hominem eacute de

autoria de Antocircnio Joseacute Lopes Alves e leva o tiacutetulo de A Individualidade

Moderna nos Grundrisse Neste texto o autor procura demonstrar que a

moderna sociabilidade do capital eacute compreendida por Marx como forma

instaurada a partir da dissoluccedilatildeo dos liames sociais que uniam em tempos

anteriores os indiviacuteduos agrave comunidade Aleacutem disso destaca o fato apontado por

Marx de que tal processo se constitui numa verdadeira reconversatildeo ontoloacutegica

tanto dos indiviacuteduos quanto das condiccedilotildees da atividade vital ocorrendo uma

radical transformaccedilatildeo na forma de ser de ambos Sinteticamente trata-se de

reconfiguraccedilatildeo ontoloacutegica que determina como entes autocircnomos os indiviacuteduos

44

de um lado e as condiccedilotildees de trabalho de outro vale dizer do divoacutercio entre os

indiviacuteduos ativos e as condiccedilotildees de sua atividade Antocircnio Lopes buscou em

suma alinhar as determinaccedilotildees mais essenciais dos indiviacuteduos e da

sociablidade modernos no que respeita agrave forma mesma das relaccedilotildees sociais da

atividade sensiacutevel bem como da respectiva expressatildeo ideal como por exemplo

a configuraccedilatildeo das categorias da igualdade e liberdade

O leitor encontraraacute nas paacuteginas que se seguem o resultado do esforccedilo

de pesquisa voltado ao resgate da obra marxiana caracterizado pela busca do

rigor na leitura e interpretaccedilatildeo do pensamento de um autor cuja heranccedila

intelectual conheceu um destino traacutegico Natildeo eacute faacutecil portanto voltar-se a ela

sem os preconceitos da moda - como jaacute havia advertido Lukaacutecs Natildeo posso

afirmar com total certeza que um intento dessa natureza tenha sido plenamente

alcanccedilado Todavia eacute faacutecil perceber as diferenccedilas desse tipo de produccedilatildeo teoacuterica

com aquela apresentada tanto pelo marxismo adstringido e suas dissidecircncias

como pelo marxismo vulgar para utilizar as expressotildees cunhadas por Chasin no

intuito de designar as duas variantes de interpretaccedilatildeo da obra marxiana

Faccedilo aqui ao leitor interessado o convite para participar dessa

avaliaccedilatildeo

[1] Professora do Departamento de Filosofia da UFMG coordenadora

do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e Estudos Confluentes

45

[i] J CHASIN Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in

Teixeira FJS Pensando com Marx Editora Ensaio Satildeo Paulo 1995

[ii] K MARX amp F ENGELS A Sagrada Famiacutelia Ed Grijalbo trad

Wenceslao Roces Meacutexico DF 1960 p 120

[iii] Ver a respeito J CHASIN Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo

Metodoloacutegica opcit

[iv] J CHASIN O Futuro Ausente in Ensaios Ad Hominem 1 tomo III

Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem Satildeo Paulo 2000 p 166

[v] Ib p 167

[vi] Id

[vii] E CASSIRER A Filosofia do Iluminismo Editora da Unicamp

Campinas 1992 p 11

[viii] G LUKAacuteCS La Riproduzionein Per lOntologia delle Essere

Sociale Roma Editori Riuniti tomo II 1981 pp 180-81

[ix] N HARTMANN Ontologia Fondo de Cultura Econoacutemica Meacutexico D

F vol 1 1986

[x] K MARX O Capital vol I Ediccedilatildeo Abril Cultural Satildeo Paulo p 149

[xi] Id

[xii] Ib p 150

[xiii] (a respeito dessas categorias ver N HARTMANN Ontologia op cit

vol I p XII

46

47

[xiv] No original alematildeo in der Form des Seins Dietz Verlag 1971 p

195

[xv] Ib p 151

[xvi] Ver a respeito em J CHASIN Marx-Estatuto Ontoloacutegico e

Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica op cit

[xvii] K MARX op Cit p 126

Page 3: :: Verinotio - Revista On-line de Educao e Cincias Humanas · O leitor encontrará, portanto, nessa Apresentação o fruto de trabalho de coleta e organização de materiais utilizados

versus ontologia desde o renascimento ateacute Kant o plano de pesquisa incluiacutea a

anaacutelise das posiccedilotildees ontoloacutegicas dos preacute-socraacuteticos ateacute Heidegger bem como

um conjunto de glosas a E Husserl N Hartmann E Gilson E Cassirer G

Lukaacutecs e E Bloch

Mas os desafios teoacutericos que o tema da ontologia acarreta implicaram

que a atenccedilatildeo de Chasin tambeacutem se voltasse agravequilo que teria sido a sua grande

descoberta original - como veremos a seguir - o traccedilo distintivo da histoacuteria da

ontologia a sua dissoluccedilatildeo e seu colapso

Na abertura de seu uacuteltimo curso no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em

Filosofia da UFMG asseverou Creio que possa ser transposto agrave ontologia o que

Heine afirmou a propoacutesito do cristianismo ainda natildeo haacute nenhuma histoacuteria da

ontologia porque ateacute agora natildeo foi compreendido claramente no que consiste a

posiccedilatildeo ontoloacutegica e porque superficialidades foram tomadas pelo essencial

Antecipo sob essa analogia que superficial em ontologia eacute pressupor

que ela se caracterize e resolva por andamentos autocircnomos e a priori da razatildeo

o que tem induzido a conferir grande importacircncia agraves querelas da

fundamentaccedilatildeo isto eacute que a ontologia por natureza seja um movimento

cognitivo desenvolvido por via de alguma forma de razatildeo auto-sustentada

Superficialidade que se manifesta porque a ontologia por caraacuteter propoacutesitos e

ateacute mesmo por definiccedilatildeo claacutessica tem por alvo o reconhecimento do por-si das

coisas ou em versatildeo jaacute reduzida e desnaturada pela oacutetica gnoseoloacutegica do em

si uma vez que o para-noacutes soacute pode ser um consequumlente ou resultante em toda

e qualquer ordem de representaccedilatildeo um derivado que sob diapasatildeo

gnosioloacutegico eacute afetado ou condicionado pela proacutepria relaccedilatildeo cognitiva ou seja

por uma operaccedilatildeo que redunda na perda do atributo fundamental do por-si isto

eacute de sua prioridade em face de qualquer relaccedilatildeo com o sujeito praacutetico e teoacuterico

De outra parte a histoacuteria real da ontologia eacute a parte mais antiga e

intrincada da filosofia pois esta nasceu por demanda de uma questatildeo de caraacuteter

3

ou espiacuterito ontoloacutegico de que eacute feito o mundo perguntavam os preacute-socraacuteticos

qual eacute o elemento primordial do universo

Nascida como ontologia sem que tivesse esse nome sem que tivesse

outro nome que natildeo o de filosofia esta foi por cerca de dois milecircnios e meio

antes de tudo ontologia (metafiacutesica) ou explicitamente desde Platatildeo e

Aristoacuteteles ateacute Leibniz-Cristian Wolff a ontologia foi a atmosfera e o andaime da

reflexatildeo Seja como base e norteamento do conhecimento seja como alicerce

movediccedilo e desorientador em sua histoacuteria imanentemente contraditoacuteria a um

tempo auto-constituinte e auto-dissolutora de si proacutepria Numa palavra parece

que a aproximaccedilatildeo dos seres ou entes vale dizer da realidade pura e simples

em sua complexa efetividade tem se mostrado como a mais difiacutecil e penosa de

todas as tarefas do homem Paradoxal sob o prisma de que os homens natildeo

vivem a natildeo ser no proacuteprio mundo real essa dificuldade natildeo eacute tatildeo improacutepria ou

inocente na medida em que se considera

1) que o homem soacute muito lentamente constitui seu proacuteprio mundo e a si

mesmo e em ritmo semelhante destes se apropria objetiva e subjetivamente

2) que essa dupla constituiccedilatildeoapropriaccedilatildeo do mundo e de si tem sido

operada sob processos infinitamente complexos e contraditoacuterios geradores de

matizados e superpostos niacuteveis de esclarecimento e ocultaccedilatildeo

Para aleacutem dessas dificuldades de fundo eacute necessaacuterio levar em conta

tambeacutem que nos dias atuais a pesquisa ontoloacutegica em especial nos seus

lineamentos mais evoluiacutedos - o estatuto ontoloacutegico marxiano - se daacute em

contexto histoacuterico amplamente desfavoraacutevel tanto no que diz respeito agrave histoacuteria

das formaccedilotildees reais quanto agravequela das formaccedilotildees ideais

De tal modo que poder-se-ia dizer agora parafraseando Marx de A

Sagrada Famiacutelia a propoacutesito de Szeliga que as proposituras ontoloacutegicas

dominantes no seacuteculo XX convertem em misteacuterios o que satildeo verdadeiras

4

trivialidades Sua arte natildeo consiste em revelar o oculto mas ocultar o

revelado[ii]

Em suma para dar iniacutecio ao delineamento da histoacuteria da ontologia eacute

preciso em primeiro lugar abandonar sua pretensatildeo infantil agrave atemporalidade e

se dar conta de que seja compulsoriamente histoacuterica de que se faz no tempo

tatildeo contraditoriatmente quanto a proacutepria entificaccedilatildeo de seu histoacuterico agente

Em segundo lugar Chasin considerava inadiaacutevel reprocessar a

decifraccedilatildeo ou o entendimento de Marx em determinaccedilatildeo reciacuteproca com as

vicissitudes da histoacuteria da ontologia na tentativa de ultrapassar as derrotas

sofridas ao longo dos uacuteltimos 150 anos e principalmente a partir do

entendimento efetivo do pensamento marxiano e tambeacutem do atual

desenvolvimento do capital redimensionar a perspectiva dos alvos e rumos

teoacutericos e praacuteticos a exercitar no presente e levar a efeito no futuro

O debate dito ontoloacutegico do seacuteculo XX girou em torno de conhecido

conjunto de fontes Enquanto Hartmann com o volume I de sua Ontologia de

1934 eacute uma contraposiccedilatildeo agrave desontologizaccedilatildeo em geral e agraves novas tendecircncias

do seacuteculo principalmente Heidegger feita do ponto de vista

fenomenoloacutegiconeokantiano Eacute Gilson eacute a resposta neotomista no interior da

filosofia francesa ao desafio posto por O Ser eo Nada (1943) de Sartre cujo

sub-tiacutetulo ensaio de ontologia fenomenoloacutegica logo aponta para a sua afiliaccedilatildeo

a Husserl e o tributo pago de toda a maneira a Heidegger que o conduziram a

inviabilizaccedilotildees definitivas e irremissiacuteveis que natildeo desobriga todavia de

distinguir radicalmente seu propoacutesito e sua personalidade do autor de Ser e

Tempo (1926) dedicada a Edmund Husserl Em testemunho de Admiraccedilatildeo e

Amizade

De acordo com a posiccedilatildeo que Chasin veio assumir nos seus uacuteltimos

anos de vida nas muacuteltiplas diacutevidas contraiacutedas pelo marxismo no seacuteculo XX

figura precisamente esta ter entrado muito tardia e restritamente nessa

5

discussatildeo vale dizer soacute quando a vitoacuteria temporaacuteria jaacute havia pendido para o

outro lado natildeo apenas por sua exclusiva presenccedila na arena mas porque

condicionado e impulsionado pelo proacuteprio caraacuteter de nossos tempos Os arautos

que se impuseram satildeo muito conhecidos tomaram o espaccedilo sem ter que

enfrentar o adversaacuterio efetivo uacutenico capaz de contraditar e oferecer alternativa

Este em vez disso perdeu-se sem luta sucumbiu agrave linha dominante do

cientificismo e acabou junto com os melhores tambeacutem perdido nesse campo

Nem eacute preciso referir o leste europeu mas com o politicismo generalizado o

marxismo se perdeu inclusive com os melhores que o seacuteculo produziu

Apenas em fins da deacutecada de 60 quando tudo estava desabando

Lukaacutecs de traveacutes se deu conta do misteacuterio Eacute muito significativo que nesse

despertar obliacutequumlo tenha tido que se voltar agrave refutaccedilatildeo entre outros de

Heidegger quando este escrever seu livro principal no miacutenimo em parte em

oposiccedilatildeo a Histoacuteria e Consciecircncia de Classe (textos de 1919-22) Eacute igualmente

sintomaacutetico que soacute tenha retomado deliberadamente a preocupaccedilatildeo ontoloacutegica

ao final da vida e sucumbido ao objeto em obra inconclusa motivada acima de

tudo pelo vieacutes excecircntrico de conferir poder regenerador agrave eacutetica Mas eacute sabido

que junto com seu meacuterito natildeo pereceu sozinho Por exemplo onde estatildeo

Hartman Gilson e ateacute mesmo Sartre

As dificuldades para o devido enfrentamento da questatildeo ontoloacutegica hoje

satildeo enormes e jaacute eram conhecidas por Lukaacutecs muito embora o filoacutesofo huacutengaro

morto em 1971 natildeo tenha assistido o pleno triunfo de concepccedilotildees que

consagram o homem derrelito denominaccedilatildeo essa empregada por ele mesmo ao

se reportar a Heidegger por exemplo

Tais dificuldades grosso modo poderiam ser atribuiacutedas inicialmente agraves

tendecircncias que tecircm como ponto de partida o criticismo kantiano que se

impuseram na viragem do seacuteculo XIX para o XX com a reduccedilatildeo da filosofia ao

circuito da problemaacutetica do conhecimento

6

Embora se possa assim considerar o criticismo kantiano como uma

espeacutecie de divisor de aacuteguas natildeo se deve obliterar o fato de que com a

metafiacutesica claacutessica ou qualquer uma de suas variantes antecedentes ou

subsequumlentes sob o pretexto de alcanccedilar a priori a certeza cognitiva gera-se

uma grave distorccedilatildeo no plano teoacuterico pela qual o ente eacute perdido para sempre

Para evitar tal descaminho Chasin propotildee o designativo posiccedilatildeo ontoloacutegica

pois com ela pretende tambeacutem pelo menos precaver contra a unilateralidade

decorrente da postura gnoseoloacutegica (sempre uma forma meramente

especulativa a respeito da morfologia do funcionamento ou seja da

organizaccedilatildeo e atividade da subjetividade) instigando e se rigorosamente

praticada orientando com rigor a pensar as coisas em seus proacuteprios nexos em

direccedilatildeo a uma totalidade mais plena de determinaccedilotildees A expressatildeo pretende

pois sinalizar e induzir agrave praacutetica intelectual de caraacuteter ontoloacutegico concebida em

sua forma mais consistente e consequumlente

Chasin pois pretendeu recuperar o sentido de ontologia enquanto

consideraccedilatildeo daquilo que eacute em sua efetividade Natildeo alguma distorccedilatildeo ou

dissoluccedilatildeo do ente enquanto ente seja sob sua forma do sentido do ente do

ser da apariccedilatildeo ou qualquer outra variaacutevel do tipo que embora possam incluir

dimensotildees do sensiacutevel sempre compreendem implicam ou tecircm por condiccedilatildeo de

possibilidade um sujeito mesmo que este seja o obervador da produccedilatildeo de

representaccedilotildees de caraacuteter racional Estudo pois das coisas em sua

independecircncia em sua exterioridade em face de possiacuteveis relaccedilotildees praacuteticas e

teoacutericas em que estatildeo ou possam vir a estar presentes inclusive aquelas pelas

quais em gecircnero superior de entificaccedilatildeo as coisas satildeo postas ou engendradas

De tal sorte que ainda e mesmo que todo o plano cognitivo possa ou

tenha de ser impugnado que toda ciecircncia possa ou tenha que ser posta em

duacutevida e considerada simples ilusatildeo ou equiacutevoco ou ter seu acircmbito reduzido agrave

pura convenccedilatildeo resta o fundamental o universo da praacutetica ou da vida vivida em

sua qualidade de confirmaccedilatildeo da dupla certeza da existecircncia do mundo e dos

homens e enquanto tal tem de ser reconhecido como ponto de partida da

7

intenccedilatildeo ontoloacutegica cujo propoacutesito eacute se constituir em base conceitual de sua

dilucidaccedilatildeo

Ainda no contexto da afirmaccedilatildeo da posiccedilatildeo ontoloacutegica e rejeiccedilatildeo seja

do vieacutes gnosioloacutegico ou cientificista seja das concepccedilotildees reinantes ditas

ontoloacutegicas Chasin de modo provocativo indaga Por que a foacutermula simples

do cogito eacute mais evidente ou funcional para efeito de fundamentaccedilatildeo do que a

evidecircncia do complexo sensiacutevel do gozo Por que a evidecircncia do cogito - o

pensamento do indiviacuteduo isolado - eacute superior agrave evidecircncia do existir que inclui a

presenccedila e a relaccedilatildeo viva dos outros e das coisas Chasin continua na mesma

direccedilatildeo no questionamento da pretensa superioridade do cogito indagando o

quecirc se esconde sob ela e acrescenta O cogito o truque cartesiano eacute a

conquista da certeza agrave custa de trecircs absurdidades o cogito desencarnado a

encarnaccedilatildeo divina da perfeiccedilatildeo e o mundo reduzido agrave extensatildeo A essas trecircs

conquistas digamos assim Chasin denomina de verdade alienada isto eacute

verdade emergente da subjetividade na forma da alienaccedilatildeo

A exercitaccedilatildeo ontoloacutegica ao contraacuterio assume como criteacuterio analiacutetico a

determinaccedilatildeo de que o objeto maturado eacute a chave do esclarecimento de suas

formas precedentes[iii] desde as embrionaacuterias ateacute as mais elaboradas que

antecedem no tempo sua fisionomia acabada Portanto a determinaccedilatildeo

marxiana do objeto maturado eacute produto desse espiacuterito teoacuterico pois soacute faz

sentido em posicionamento ontoloacutegico ou seja em reconhecimento do grau

constitutivo em que se encontra a coisa examinada

Segundo Chasin ainda Aristoacuteteles teve grande meacuterito em sua

propositura de uma filosofia primeira - base ou fundamento para a constituiccedilatildeo

das ciecircncias particulares - mas que por sua resoluccedilatildeo (de caraacuteter platocircnico

conforme jaacute demonstrara Eacute Gilson) e por seus pretendidos atributos ahistoacutericos

- categorias eternas e absolutas imutaacuteveis e perenes - constitui um modo

involuntaacuterio de elaboraccedilatildeo especulativa apesar de seu intento originaacuterio de

conhecer o efetivamente existente o ente enquanto ente Tais limites do intento

8

aristoteacutelico numa linha de argumentaccedilatildeo que confere prioridade agrave realidade

soacutecio-histoacuterica na produccedilatildeo de viabilidades ou inviabilidades teoacutericas e de sua

consequumlente explicaccedilatildeo eram vistos por Chasin como limites produzidos pelo

proacuteprio tempo grego sumariados a seguir

1) praacutetica humano-societaacuteria incipiente e acanhada que ganhou no

artigo O Futuro Ausente beliacutessima caracterizaccedilatildeo inspirada no Marx das

Formen Imaturaccedilatildeo natural e caracteriacutestica das remotas formas sociais em que

a propriedade da terra e a agricultura constituiacuteam a base da atividade material

tendo por objetivo a produccedilatildeo valores de uso ou seja a reproduccedilatildeo dos

indiviacuteduos em peculiares e bem determinadas relaccedilotildees com a comunidade[iv]

onde por via de consequumlecircncia indiviacuteduo e genecircro satildeo imediata e

transparentemente inseparaacuteveis e suas relaccedilotildees traduzem essa unidade

fundamental tornando desconhecida e impensaacutevel qualquer tipo de cissura que

contraponha ou menos ainda torne excludentes entre si as figuras de sua

polaridade[v] Mas a essa dimensatildeo positiva - sintomaticamente tatildeo atraente nos

dias atuais - corresponde uma negativa que Chasin esclarece na sequumlecircncia

todas as formas em que a comunidade pressupotildee sujeitos em determinada

unidade objetiva com as condiccedilotildees da atividade produtiva ou reciprocamente

nas quais uma especiacutefica existecircncia subjetiva faz com que a proacutepria comunidade

seja pressuposta como condiccedilatildeo de produccedilatildeo todas elas diz Marx

correspondem necessariamente e por princiacutepio a um desenvolvimento limitado

das forccedilas produtivas[vi]

2) Consequumlentemente impossibilidade para conceber a historicidade e

a contraditoriedade como categorias fundamentais do ser - que estrangulam a

mais precisa e universal por isso mesmo vaacutelida hoje e para sempre das

formulaccedilotildees atinentes agrave natureza e ao propoacutesito da ontologia

Meacuteritos e limites da filosofia primeira que apenas seratildeo realizados e

superados depois de um longo itineraacuterio repleno de contraposiccedilotildees internas

9

pelos lineamentos perfilados por Marx que tambeacutem herda criticamente

dimensotildees da filosofia moderna - do renascimento ao neohegelianismo

Desse modo com o objetivo de sumariar preliminarmente os conteuacutedos

dessa trajetoacuteria que Marx assimila por via criacutetica Chasin indica alguns deles

sem pretensatildeo alguma de esgotaacute-los

1) Do Renascimento - a infinitude do universo e o espiacuterito da

concepccedilatildeo do homem como o uacutenico ser aberto - existente e conhecido capaz

na potecircncia de seus atributos de conhecer e configurar a si e a seu mundo

ambos entendidos e tomados em sua naturalidade objetividade e o primeiro na

infinitude de sua essecircncia ativa

2) Do materialismo francecircs e inglecircs e do Iluminismo - a ruptura com a

conduta especulativa metafiacutesica e com o espiacuterito de sistema em filosofia que eacute

concebido como freio e obstaacuteculo agrave razatildeo Por meio dessa desobstruccedilatildeo o

iluminismo pode universalizar a filosofia como meio de toda verdade - natural e

espiritual - e ela passa a se voltar agraves tarefas praacuteticas donde a possibilidade e o

escopo de estabelecer a vida humana de modo racional Em outros termos

reconhece no pensamento o poder e o papel de organizar a vida o pensamento

deve ter papel analiacutetico mas tambeacutem fazer nascer a ordem cuja necessidade

ela concebeu[vii] Em contrapartida os limites do pensamento iluminista satildeo

sinteticamente os seguintes acentuaccedilatildeo unilateralizante da racionalidade

herdada do renascimento e distorcida pelo racionalismo do seacuteculo XVIII Aleacutem

disso tem-se o naturalismo vale dizer a ontologia do social demasiadamente

colada agrave ontologia da natureza embora natildeo se possa deixar de reconhecer que

frente ao abstracionismo metafiacutesico trata-se de um meacuterito pretender uma

ontologia ligada agrave natureza que em verdade eacute idealizada Talvez o melhor

exemplo dessa tradiccedilatildeo seja justamente Feuerbach

3) Do criticismo - a impossibilidade de uma ontologia como saber do

em si ou seja do ente enquanto ente pela via do absolutismo racional

10

dedutivista Em Kant em verdade tem-se a impossibilidade de uma ontologia

em Marx ao reveacutes tem-se apenas tal recusa agrave especulaccedilatildeo mas natildeo a

impossibilidade de conhecer o ente enquanto ente vale dizer Marx aceita o

espiacuterito da criacutetica kantiana ao conhecimento absoluto mas natildeo sua resultante

sistemaacutetica a sua vedaccedilatildeo ao conhecimento das coisas enquanto tais

4) Do hegelianismo - a concepccedilatildeo histoacuterica do ser portanto de sua

contrariedade bem como a natureza aproximativa do processo de

conhecimento ao mesmo tempo em que recusa o invoacutelucro miacutestico do

pensamento hegeliano - a dialeacutetica autocircnoma da razatildeo como demiurgo do real

ou da efetividade sensiacutevel ou seja refuta decidamente seu caraacuteter

especulativo

5) Do neohegelianismo - a problemaacutetica do homem e muito

especificamente duas contribuiccedilotildees de Feuerbach a criacutetica agrave especulaccedilatildeo e os

lineamentos mais gerais do ser soacute enquanto ser sensiacutevel ou objetivo (dimensotildees

de uma ontologia geral em seu niacutevel mais abstrato) Mas ao lado desse

aspecto positivo do pensamento feuerbachiano natildeo eacute possiacutevel deixar de

assinalar a objeccedilatildeo fundamental dirigida a ele por Marx sua concepccedilatildeo

naturalista do homem vale dizer sua incapacidade de o determinar como ser

social Assim em Feuerbach o homem eacute sensiacutevel objetivonatural e natildeo

objetivo-social - a grande descoberta marxiana

Grande descoberta que eacute mais amplamente avaliada quando se

considera o conjunto das linhas manifestas pelos principais representantes do

neohegelianismo B Bauer formulador de uma concepccedilatildeo do homem como

auto-consciecircncia racional M Stirner com a elevaccedilatildeo do egoiacutesmo agrave condiccedilatildeo de

essecircncia humana Feuerbach com a concepccedilatildeo naturalista do homem centrada

no amor Nesse cenaacuterio somente Marx comparece com a descoberta da

sociabilidade como substacircncia constitutiva do homem - e natildeo meramente uma

essecircncia imutaacutevel mas histoacuterica e contraditoacuteria produzida e reproduzida pela

proacutepria atividade sensiacutevel dos homens

11

De sorte que do ente enquanto ente aristoteacutelico determinado por sua

forma substancial eterna ao ser social marxiano compreendido em suas

mudanccedilas categoriais - eacute do que consiste a histoacuteria - se vai de uma filosofia

primeira que terminou por sua resoluccedilatildeo originaacuteria na forma de um saber

absoluto a um saber histoacuterico de base que se desenvolve pela infinitude de

aproximaccedilotildees empreendidas em direccedilatildeo ao absoluto entendido pura e

simplesmente como completude ou totalidade que praticamente nunca se

realiza porque desnecessaacuterio para o saber ao qual bastam completudes mais

modestas e ainda mais como saber para a praacutetica

De modo que a filosofia primeira de configuraccedilatildeo marxiana eacute antes de

tudo a afirmaccedilatildeo da objetividade do mundo e a possibilidade ser conhecido

possibilidade que eacute soacutecio-historicamente determinada exercendo a funccedilatildeo de

base e guia para a ciecircncia da histoacuteria especificamente como ontologia regional

do ser social e que nutre das ciecircncias e a elas responde tanto quanto elas

mesmas tem de responder aos lineamentos ontoloacutegicos pelos quais se guiam

mas aos quais natildeo tomam como coaacutegulos de saber imutaacutevel De sorte que

ontologia e ciecircncia se potencializam e se criticam reciacuteproca e

permanentemente

Tambeacutem de acordo com Chasin por essas razotildees a ontologia

marxiana natildeo eacute uma resoluccedilatildeo de caraacuteter absoluto nos moldes do sistema

convencional mas a condiccedilatildeo de possibilidade de resoluccedilatildeo do saber Eacute em

outras palavras um estatuto movente e movido de cientificidade orienta e eacute

orientado pela ciecircncia e pela praacutetica universal dos homens Orienta e eacute

orientada guia e eacute guiada corrige e eacute corrigida Ou seja natildeo eacute um absoluto

inquestionaacutevel uma certeza estabelecida por deduccedilatildeo a partir de axiomas de

uma vez para sempre Mesmo porque a certeza cognitiva natildeo pode estar no

ponto de partida mas compreendida como alvo de uma busca permanente

procura intensiva e extensiva cuja infinitude eacute posta a cada momento entre

parecircnteses no qual o grau de certeza alcanccedilado eacute assumido como realizaccedilatildeo

maacutexima tendo por limites as possibilidades do tempo ou cenaacuterio histoacuterico grau

12

a ser confirmado ou ampliado ou ao inveacutes restringido na parte ou descartado

no todo posteriormente com todas as suas implicaccedilotildees correlatas

Em suma quando se utiliza a expressatildeo posiccedilatildeo ontoloacutegica e natildeo

perspectiva oacutetica prisma ou ponto de vista pretende-se remeter a lugar e agraves

coisas ou seja o reconhecimento do mundo como multiverso de entes reais

objetivos e que por isso mesmo faceiam o observador praacutetico ou teoacuterico natildeo

dependendo deste para existir em face do qual satildeo independentes Eacute

finalmente o reconhecimento da prioridade das coisas nas relaccedilotildees cognitivas

sem desconhecer eacute claro o caraacuteter ativo do investigador

Quando Chasin procura enfatizar o reconhecimento noccedilatildeo

imediatamente conexa a de posiccedilatildeo ontoloacutegica eacute por que aquela tem a

vantagem de colocar em primeiro lugar o caraacuteter natildeo puramente teoacuterico

contemplativo mas sobretudo praacutetico[viii] da aproximaccedilatildeo ao ente aleacutem da

natureza da operaccedilatildeo mental que designa - constataccedilatildeo ou recogniccedilatildeo vale

dizer a admissatildeo de algo a respeito do qual o discurso se pronuncia como forma

imediata de representaccedilatildeo

Relevar o caraacuteter praacutetico de aproximaccedilatildeo ao ente ou em outras

palavras partir ou dar prioridade agrave praacutetica significa por seu turno partir do

caraacuteter essencial do ser do homem por sua exteriorizaccedilatildeo operativa no mundo

que confirma sua forma de vida ou modo de existecircncia Quer dizer eacute um ponto

de partida desde logo sob criteacuterio ontoloacutegico ou seja que considera a

efetividade ocircntica do homem e do mundo de tal sorte que ambos satildeo

reconhecidos enquanto atividade sensiacutevel Caminho que tem o meacuterito de evitar

as vias reflexas[ix] como tambeacutem os engenhos e supostos dos encantamentos

especulativos como cogito sujeito transcendental ou os arqueacutetipos

generalizando uma expressatildeo marxiana os misticismos loacutegicos que nunca

deixam de mostrar sua condiccedilatildeo de artifiacutecios por mais rigorosos e envolventes

que sejam tanto que podem sempre ser contestados de algum modo ao passo

que os indiviacuteduos vivos e ativos os pressupostos dos quais Marx parte em A

13

Ideologia Alematilde natildeo podem nunca ser recusados a natildeo ser na fantasia e sob

pena de cancelar todo e qualquer andamento reflexivo

Em suma reconhecimento ontopraacutetico significa pois tomar como

ponto de partida a praacutetica - desde a praacutetica cotidiana agrave praacutetica cientiacutefica de ponta

- de um tempo dado

O plano ontopraacutetico jaacute bem delineado no texto de 1995 ganha nos

anos seguintes sucessivas correccedilotildees por parte do autor a ponto de se tornar o

eixo a partir do qual Chasin faz a criacutetica das Teorias da Fundamentaccedilatildeo ou

como ele as denomina ironicamente A Querela da Fundamentaccedilatildeo

A esse respeito costumava ele indagar O que eacute um fundamento Uma

Teoria da Subjetividade ou Uma Teoria da Objetividade

Se o fundamento for considerado a partir de uma teoria da

subjetividade por onde comeccedilar Pelo aparato sensorial como no empirismo

Ou pela consciecircncia ou coisa que o valha como o cogito cartesiano a

autoconsciecircncia a razatildeo ou as formas a priori do entendimento Ou ainda uma

teoria da mente

Ainda no plano do fundamento subjetivo poder-se-ia partir da

experiecircncia da vivecircncia do vivido Neste caso o vivido seria o preacute-teoreacutetico

mas enquanto experiecircncia existencial isto eacute as vivecircncias do indiviacuteduo isolado

em experiecircncia aleatoacuteria fortuita acidental

Mas se o fundamento for uma Teoria da Objetividade por onde

comeccedilar Pelos fenocircmenos empiacutericos Mas nesse caso natildeo terminariacuteamos

apenas no fundamento psicoloacutegico isto eacute teriacuteamos o psicologismo como

fundamento da verdade

14

E se partiacutessemos do todo concreto Natildeo findariacuteamos numa visatildeo

caoacutetica e abstrata de conjuntos indeterminados desamparados na companhia

de um punhado de abstraccedilotildees razoaacuteveis e irrazoaacuteveis

Feitas tais indagaccedilotildees Chasin conclui de modo enfaacutetico Toda peticcedilatildeo

de fundamento todo discurso por um fundamento estaacute encerrado na esfera

teoacuterica Aleacutem do mais todo discurso de fundamentaccedilatildeo pretende e implica uma

certeza ou seja de um modo ou de outro a suposiccedilatildeo de um saber absoluto

ainda que um simples momento do saber absoluto Vale dizer o discurso da

fundamentaccedilatildeo desemboca de algum modo na razatildeo especulativa Em outras

palavras implica algo que transcende a proacutepria natureza do saber que eacute um

processo infinito de aproximaccedilotildees

Para Chasin o reconhecimento do ontopraacutetico tem a vantagem de

escapar agrave querela da fundamentaccedilatildeo na medida em que parte da experiecircncia

real melhor dizendo da praacutetica real natildeo de uma experiecircncia isolada

arbitrariamente natildeo da experiecircncia aleatoacuteria da suposta existecircncia existencial

dos indiviacuteduos isolados dos indiviacuteduos em derreliccedilatildeo

O universo ontopraacutetico eacute o necessariamente vivido para que qualquer

pergunta possa se dar Eacute portanto a esfera preacute-teoreacutetica esfera que antecede

qualquer teoria Esfera sem a qual natildeo haacute vida humana e portanto sem a qual

natildeo pode haver qualquer pergunta teoacuterica

A reflexatildeo que tem como ponto de partida o ontopraacutetico estabelece

assim um pressuposto concreto (e natildeo uma verdade ideada) do qual natildeo posso

me afastar a natildeo ser na imaginaccedilatildeo

Em siacutentese a esfera ontopraacutetica representa o complexos dos homens

vivos e ativos A partir dessa abstraccedilatildeo razoaacutevel - o ontopraacutetico - pode-se

encontrar jaacute numa analiacutetica de desentranhamento desse complexo real o

devido lugar da ontologia da epistemologia e da ciecircncia da histoacuteria que

compreende dois grandes ramos natureza e sociedade

15

Em outras palavras sem a consideraccedilatildeo do ontopraacutetico torna-se

aleatoacuteria a localizaccedilatildeo que se confere tanto ao ontoloacutegico quanto ao epistecircmico

A opccedilatildeo por um deles se torna uma arbitrariedade teoacuterica e eacute justamente isto

que gera a querela da fundamentaccedilatildeo pois a decisatildeo fica submersa ao plano

teoacuterico ao jogo dos argumentos agrave ambivalecircncia do logos que eacute irresolutivo

Sem a consideraccedilatildeo do ontopraacutetico parte-se assim de imediato da

teoria e natildeo do ser que faz da teoria ou deste como uma abstraccedilatildeo da

inteligibilidade ou seja de uma faculdade abstraiacuteda do ser que a possui

gerando com isso um absurdo ontoloacutegico

Eacute portanto a partir da analiacutetica do ontopraacutetico pelo reconhecimento de

seus traccedilos categoriais que tem iniacutecio a elaboraccedilatildeo ontoloacutegica Ou seja a

ontologia nasce como reflexatildeo conscientizaccedilatildeo conceituaccedilatildeo do ontopraacutetico

enquanto primeiro objeto da ontologia que a partir daiacute se encaminha em

direccedilatildeo agrave criacutetica - em termos de sua necessidade e loacutegica especiacutefica - do proacuteprio

ontopraacutetico isto eacute do complexo dos objetos reais aiacute incluiacutedo o homem

Resta ainda em relaccedilatildeo agrave problemaacutetica geral em tela aflorar a questatildeo

da adequatio tal como era tematizada tambeacutem em seus cursos

Polemizando com a denominaccedilatildeo de realismo comumente utilizada

para denominar proposituras que conferem prioridade ao mundo objetual

Chasin afirmava que haacute realismo - antigo - quando eacute suposto que a ordem da

razatildeo agrave idecircntica a ordem do real e que a partir de axiomas por meios racionais-

dedutivos embuiacutedos do espiacuterito de sistema se possa estabelecer a verdade do

mundo

Em Marx entretanto a ordem das coisas e da razatildeo satildeo distintas (um

exemplo expressivo desta postura marxiana pode ser encontrada na famosa

Introduccedilatildeo de 57) ambas mutaacuteveis e processuais - unidade da desidentidade

entre ser e saber Assim o mundo natildeo pode ser deduzido racionalmente mas

reproduzido sob forma de ideacuteia por meio de aproximaccedilotildees - empiacuterico abstrato

16

concreto - num processo intensivo e extensivo historicamente condicionado

possibilitado ou impedido - na dependecircncia que fica da maturaccedilatildeo do objeto e

do posicionamento do sujeito O processo mimeacutetico eacute portanto reproduccedilatildeo

conceitual de efetividades donde se lida com duas ordens de formaccedilotildees real e

ideal A reproduccedilatildeo conceitual apresenta portanto sua proacutepria loacutegica mas no

interior da determinaccedilatildeo soacutecio-histoacuterica do pensamento de modo que uma

teoria do conhecimento (morfologia e dinacircmica da subjetividade in abstratu e

imutaacutevel) eacute incapaz de explicar o processo cognitivo pois a faculdade humana

da forccedila da abstraccedilatildeo depende das possibilidades oferecidas pela

determinaccedilatildeo social do pensamento que por sua vez se manifesta e se

configura pelo desenvolvimento dos objetos e da praacutetica humana que sobre eles

tem incidecircncia

Donde a franca afirmaccedilatildeo marxiana da possibilidade de conhecer natildeo

se confunde com a simplicidade e facilidade da concepccedilatildeo realista nem mesmo

no plano da ingenuidade cotidiana desde logo porque a atividade cotidiana -

que estaacute para aleacutem da ingenuidade ou lanccedila os sujeitos para aleacutem da

ingenuidade - eacute em si um complexo rico e desafiador matrizador inclusive da

intentio recta atitude natural e necessaacuteria da esfera ontopraacutetica

Haacute portanto que distinguir as grandes diferenccedilas ontoloacutegicas entre o

estatuto marxiano e a ontologia realista Na primeira a adequatio digamos

assim eacute correlaccedilatildeo entre formaccedilatildeo real e formaccedilatildeo ideal duas ordens distintas

de configuraccedilatildeo Em outras palavras eacute correlaccedilatildeo conceitual entre entificaccedilatildeo

concreta e reproduccedilatildeo conceitual Em suma a reproduccedilatildeo conceitual nada mais

eacute do que transposiccedilatildeo agrave cabeccedila ordenada pelos nexos do real na forma e pelos

meios da proacutepria atividade mental

I - Tomando Marx por Base e por Ponto de Chegada

17

Considerando como ponto de referecircncia as consideraccedilotildees

desenvolvidas por Marx em O Capital especificamente sobre a dificuldade

encontrada pela humanidade na compreensatildeo do valor ao longo de dois

milecircnios - de Aristoacuteteles a Ricardo - pode-se sustentar segundo Chasin que

um fenocircmeno muito similar a este se produziu no que tange agrave determinaccedilatildeo do

ser ou seja da(s) matriz(es) da(s) realidade(s) ou seja da efetividade

Tomemos as passagens em questatildeo que se encontram no Prefaacutecio agrave

Primeira Ediccedilatildeo de O Capital Todo comeccedilo eacute difiacutecil isso vale para qualquer

ciecircncia A forma do valor cuja figura acabada eacute a forma do dinheiro eacute muito

simples e vazia de conteuacutedo Mesmo assim o espiacuterito humano tem procurado

desvendaacute-la (ergruumlden) em vatildeo haacute mais de 2000 anos enquanto por outro lado

teve ecircxito ao menos aproximado a anaacutelise de formas muito mais complicadas e

replenas de conteuacutedo Por quecirc Porque o corpo desenvolvido eacute mais faacutecil de

estudar do que a ceacutelula do corpo Aleacutem disso na anaacutelise das formas econocircmicas

natildeo podem servir nem o microscoacutepio nem reagentes quiacutemicos A forccedila da

abstraccedilatildeo deve substituir a ambos Para o leigo a anaacutelise parece se perder

em pedantismo Trata-se efetivamente de pedantismo mas daquele de que se

ocupa a anatomia microscoacutepica

De acordo com Chasin eacute necessaacuterio reter os seguintes noacutedulos

significativos da citaccedilatildeo acima

1) todo iniacutecio de uma ciecircncia eacute difiacutecil donde o princiacutepio da ontologia o

princiacutepio da ciecircncia deve ser o mais difiacutecil de todos

2) haacute grande dificuldade na compreensatildeo da forma do valor que eacute um

objeto simples e vazio de conteuacutedo

3) haacute ecircxito maior na anaacutelise de formas mais complicadas e replenas de

conteuacutedo

18

Na mesma citaccedilatildeo Marx enuncia os motivos de tal dificuldade

1) o corpo desenvolvido eacute mais faacutecil de estudar do que a ceacutelula do

corpo

2) meacutetodos experimentais natildeo satildeo aplicaacuteveis a esse tipo de forma

3) a analiacutetica dessa forma pela forccedila da abstraccedilatildeo deve tomar o lugar

da observaccedilatildeo empiacuterica e experimental

4) anaacutelise voltada agrave anatomia microscoacutepica da forma estudada

A partir dessas indicaccedilotildees colhidas no texto de Marx Chasin elabora

um esboccedilo para fins unicamente didaacuteticos em que busca transpassaacute-las para a

proacutepria questatildeo ontoloacutegica afirmando o que se segue

1) o iniacutecio difiacutecil da ontologia perdurou tambeacutem por mais de 2000

anos trajetoacuteria em que se observa tateios imprecisos caracterizados por um

movimento simultacircneo de constituiccedilatildeodissoluccedilatildeo ateacute chegar em Marx Tal

movimento simultacircneo de constituiccedilatildeodissoluccedilatildeo revela por seu rumo

imanentemente contraditoacuterio por seus caminhos e descaminhos histoacutericos a

dificuldade e a longa incapacidade na formulaccedilatildeo precisa de seu objeto e

alcance ou seja de sua natureza e propoacutesito - de sua funccedilatildeo orientadora e

sustentadora no plano teoacuterico e de sua origem praacutetica preacute-teoreacutetica

2) reconhecimento ontopraacutetico das formas dos seres e analiacutetica da

forma do ser apenas por meio da forccedila da abstraccedilatildeo no reconhecimento

ontopraacutetico os seres satildeo reconhecidos como substantivos e nesse caso ateacute

certo ponto vale para a observaccedilatildeo espontacircnea e observaccedilatildeo comum pois o

desvendamento completo exige forccedila de abstraccedilatildeo como verbo ( o ato de ser

de Gilson) soacute a forccedila da abstraccedilatildeo daiacute a facilidade para se cair no

abstrativismo

19

Eacute nesse preciso momento da exposiccedilatildeo chasiniana que surgem as

primeiras referecircncias a Eacute Gilson assim como a N Hartmann momentos mais agrave

frente Evidentemente que esse procedimento natildeo ocorre por acaso pois o que

estaacute em questatildeo agora satildeo as tentativas contemporacircneas de resgate da

tematizaccedilatildeo ontoloacutegica

Eacute Gilson afirma que o mais fundamental dos problemas da filosofia - a

relaccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia que por seu turno diz respeito agrave distinccedilatildeo

de ser como nome isto eacute como substantivo em latim ens (ente) e como verbo

esse Eacute sabido que o esse tomista eacute concebido como ato de ser - actus essendi -

significando portanto existecircncia ato de existir ato de ser

Chasin comenta a ambiguumlidade da noccedilatildeo de ser para qual Gilson

chama atenccedilatildeo afirmando o que se segue

1) Ens eacute um nome que significa um ser (determinado) ou seja a

natureza e a essecircncia de qualquer existente ou entatildeo - o ser mesmo - uma

propriedade comum a tudo aquilo que se pode dizer que eacute (que pertence a)

Em suma enquanto nome ou substantivo ser designa um existente

qualquer ou uma propriedade comum a todos os existentes designa o que

verdadeiramente eacute ou uma propriedade geral eacute um ente ou uma entidade

2) Enquanto verbo ser designa a accedilatildeo ou o ato de ser exercido pelo

ente Assim como verbo natildeo significa que algo eacute nem a existecircncia em geral

mas o ato mesmo pelo qual qualquer realidade dada eacute de fato ou existe

Precisamente a este ato Gilson chama de ser em contraposiccedilatildeo a ente

De todo modo feita a distinccedilatildeo Chasin considera existir um seacuterio

problema ao tomar em separado ens e esse indagando eacute possiacutevel pensar em

duas figuras no isolamento Seraacute que essa configuraccedilatildeo eacute de fato o mais

fundamental dos problemas ou eacute o mais antigo o mais remoto e o mais cultuado

dos equiacutevocos da histoacuteria da filosofia

20

De um lado a compreensatildeo da forma de ser enquanto verbo como

pura significaccedilatildeo verbal de existir de estar presente enquanto significaccedilatildeo de

ato ou presenccedila o verbo eacute forma simples e vazia de conteuacutedo pois reduzida ao

predicado mais geral e comum das coisas denota apenas sua existecircncia De

outro lado ocorre o mesmo problema com o substantivo ser - ens - pois redunda

em essecircncia imutaacutevel Em outras palavras na histoacuteria da filosofia nesses dois

caminhos houve de longa data polecircmica sobre o que existe em que plano se daacute

a existecircncia e assim por diante No caso do ser como verbo o ser eacute muito

parcamente categorial reduzido agrave presenccedila no tempo e no espaccedilo soacute possui o

predicado abstrato da existecircncia no caso do substantivo tomado sem o ato de

existir se converte em complexo de propriedades ou entidades perenes

A resoluccedilatildeo para tal questatildeo reside segundo Chasin em tomar o ser

enquanto complexo categorial daquilo que eacute como ente que existe Nesse

sentido o desvendamento tem ecircxito maior como mostra a ciecircncia que toma

para anaacutelise formas mais complicadas e replenas de conteuacutedo vale dizer uma

vez que tem por alvo o ser por sua efetividade e determinado por suas

qualidades natildeo apenas pelo reconhecimento de sua presenccedila mas pelo seu

complexo categorial

Ora arremata Chasin a forma sensiacutevel do ente compreende o ens e o

esse ou seja a plena riqueza do complexo categorial

- Loacutegica e Ciecircncia

Neste item Chasin defende a tese de que na medida em que

pretendeu e pretenda ser uma disciplina ou ciecircncia de chegada isto eacute

21

conclusiva autocircnoma e sistemaacutetica a ontologia acaba por ser transmutada em

loacutegica ou ciecircncia

Talvez possa ser dito que nas ontologias onde predomine

unilateralmente o ser como verbo ou o ente como essecircncia terminem por ser

uma loacutegica que de alguma forma acaba por ter a pretensatildeo de constituir o ser

a loacutegica eacute entatildeo o segredo uacuteltimo do ser ou sua base cognitiva e por essa via

sua base ontoloacutegica - que assim nega a ontologia ou seja o reconhecimento do

ser por si

De outra parte predominando o ser como substantivo o fim da

ontologia acaba por ser uma forma de ciecircncia ou seja a ontologia eacute novamente

negada como ocorreu com a ciecircncia moderna donde sua pretendida auto-

suficiecircncia que apenas admite por fundamento uma forma qualquer de

gnosiologia isto eacute uma forma a priori da operatividade subjetiva

desaparecendo assim a regecircncia do objeto o que ao contraacuterio caracteriza o

espiacuterito e o propoacutesito ontoloacutegicos ou seja o reconhecimento do ente enquanto

ente o oacuten qua oacuten ou ser por si

Em suma a ontologia quando centrada no ser como verbo rarefeita

pelo vazio de sua forma termina por ser loacutegica por outro lado quando centrada

no ser como substantivo agraves voltas com gecircneros formados por complexos

qualitativos termina por se constituir em ciecircncia particular e autocircnoma Assim

ao pretender ser tudo concludente sistemaacutetica e independente por sua forma

mais vazia ou por suas categorias abstratas e perenes a ontologia acaba por

ser negada pela loacutegica ou pela ciecircncia Pretendendo ser tudo acaba por

desaparecer

Ora ao tomar o ser como verbo a ontologia tem de compreender que

natildeo pode ser mais do que a anatomia de uma propriedade do ser - de sua

propriedade mais geral e vazia - a propriedade de sua presenccedila enquanto corpo

real ausente ou presenccedila de um complexo categorial abstraiacutedo O ser aqui eacute

22

reduzido agrave forma mais vazia a simples propriedade de um todo que escapa

completamente agrave sua jurisdiccedilatildeo Donde seu desenlace em loacutegica

De outra parte quando o ser eacute tomado em sua denotaccedilatildeo substantiva

ou seja na multiplicidade de suas propriedades qualitativas em interconexatildeo

especiacutefica transborda em ciecircncia na medida em que a ontologia pretenda a

condiccedilatildeo de disciplina ou ciecircncia sistemaacutetica

Donde a impossibilidade de a ontologia ficar adstrita agrave forma do verbo

nem se realizar como dilucidaccedilatildeo concreta do substantivo Assim deve-se

reconhecer que a ontologia natildeo pode se realizar em nenhum desses dois poacutelos

nem simples tematizaccedilatildeo do ato geneacuterico da presenccedila - que redundaria em

simples compoacutesito tautoloacutegico nem tematizaccedilatildeo do ser substantivo concreto

pois aiacute se desnaturaria em ciecircncia especiacutefica

Conclusivamente a ontologia nem eacute simples tautologia do ser em ato

nem efetivaccedilatildeo cientiacutefico-concreta do desvendamento do ser como substantivo

Enquanto tal a ontologia eacute uma realizaccedilatildeo necessaacuteria no espaccedilo que antecede

aqueles dois poacutelos em verdade a plataforma que leva da constataccedilatildeo mais

abstrata do ser (tanto como substantivo quanto verbo) agrave sua reproduccedilatildeo

cientiacutefica como substantivo Enquanto tal eacute um estatuto - uma filosofia primeira

o cacircnon da legalidade do ser matrizado pelos traccedilos ou vetores categoriais

fundamentais do ser por si que matriza a cientificidade tanto em sua forma mais

abstrata - loacutegica - quanto em sua forma mais concreta - ciecircncia

O problema fundamental da filosofia primeira - philosophia prima - eacute o

problema das categorias mais gerais do ser aiacute incluso o ato de ser donde em

sua plenitude o ato sensiacutevel de ser - ens e esse o ens essendi complexo

categorial pleno no ato de existir

Essa plataforma estatutaacuteria natildeo eacute uma disciplina situada entre outras

disciplinas entre a loacutegica e a ciecircncia como um campo intermediaacuterio entre o

verbo e o substantivo entre a maacutexima abstratividade e a efetividade concreta

23

Essa distribuiccedilatildeo topograacutefica confere agrave abstraccedilatildeo a condiccedilatildeo de fundaccedilatildeo

(determinaccedilatildeo originaacuteriaontoloacutegica) e fundamento (ponto de partida

epistemoloacutegico) Se assim fosse perderia a condiccedilatildeo de filosofia primeira

Enquanto filosofia primeira eacute o reconhecimento do substantivo verbal

do substantivo que eacute do ens essendi natildeo de uma substantividade qualquer em

abstrato mas da substantividade que existe por todas as modalidades

categoriais isto eacute reais (sensiacuteveis) natildeo apenas um substantivo pensado que

dependeria para ser do pensamento mas do substantivo que eacute por-si

independentemente se ser pensado o que requer o complexo categorial

da sensibilidade por isso eacute que soacute eacute ser o ser sensiacutevel Vale dizer o ser como

verbo eacute resultado do ser substantivo soacute um sujeito (em suas diversas formas na

cadeia do ser) eacute (soacute um sujeito existe eacute faz sente pensa etc de acordo com

seu grau na cadeia do ser)

A ontologia do puro verbo ser ou das puras essecircncias (complexo

categorial abstrativante e eterno) eacute a autonomizaccedilatildeo das categorias ou da

existecircncia em relaccedilatildeo ao ser e existir reais agraves formas reais de ser e existir satildeo

as categorias e a existecircncia sem corpo ou sujeito mais do que isso satildeo as

categorias (essecircncia) e existecircncia em geral universal e abstrata tornadas

sujeito a essecircncia ou a existecircncia abstratas personificadas - e isso satildeo

puramente figuras do pensamento o que jaacute eacute especulaccedilatildeo natildeo ontologia

Marx agrave semelhanccedila de Feuerbach soacute admite como ente ou melhor

como entificaccedilatildeo o ens essendi - o ente sendo o ente no ato de ser o ente

revestido de existecircncia atual - objetivo o ente no exerciacutecio da accedilatildeo ou ato de

ser eacute portanto um ente existente ou seja o ente que estaacute sendo o ente no ato

de existir

Donde do mesmo modo que em Feuerbach o ser eacute inseparaacutevel de sua

existecircncia Ser e existir constituem uma unidade indissoluacutevel complexo

24

categorial no ato de ser pela atualizaccedilatildeo do complexo categorial essecircncia

determinada e mutaacutevel na mutabilidade de ser e ir sendo (essendi)

Eacute chegada a hora depois desta etapa analiacutetica de vislumbrar qual eacute o

cenaacuterio em Marx que esse conjunto de questotildees se coloca Com esse objetivo e

como eacute tiacutepico de seu procedimento investigativo junto aos textos daquele autor

Chasin toma para anaacutelise o item 1 O Processo de Trabalho do capiacutetulo V de O

Capital Nele pode-se identificar em primeiro lugar a natureza geral (universal)

da atualizaccedilatildeo da forccedila de trabalho que se encontra em potecircncia nos indiviacuteduos

A produccedilatildeo de valores de uso ou bens natildeo muda sua natureza geral por se

realizar para o capitalista e sob seu controle Por isso o processo de trabalho

deve ser considerado de iniacutecio independentemente de qualquer forma social

determinada[x]

Por que o processo de trabalho deve ser considerado de iniacutecio

independentemente de qualquer forma social determinada indaga Chasin A

resposta eacute formulada em estilo direto Para natildeo ser perdida a natureza do

trabalho sua positividade enquanto atividade humana vital

Tem-se nessa passagem segundo Chasin um exemplo do exerciacutecio

de uma ontologia estatutaacuteria - a positividade (sua efetividade ou operosidade)

universal do trabalho enquanto atributo vital e inalienaacutevel do homem

independentemente de suas formas concretas que se apresentam na forma do

trabalho alienado

Eacute a determinaccedilatildeo universal do trabalho o traccedilo de sua legalidade

uacuteltima sua determinaccedilatildeo mais geral e essencial dimensatildeo que natildeo desaparece

nem mesmo sob suas formas concretas mais negativas

A ontologia estatutaacuteria registra o traccedilo ou rastro dessa dimensatildeo

permanente que atravessa as formas concretas em sua efetividade contraditoacuteria

e especialmente desfavoraacutevel para o homem enquanto maioria subjugada ao

longo de toda a preacute-histoacuteria da humanidade

25

Permanente mas permanente processual mutaacutevel diversamente

positivo quantitativa e qualitativamente em cada uma das formas concretas em

que o trabalho aparece nas configuraccedilotildees sociais determinadas

Nesse sentido abstratamente permanente abstratamente positivo mas

onde essa abstratividade natildeo corresponde a uma simples determinaccedilatildeo

conceitual Corresponde a uma efetividade em sua figura proacutepria em cada forma

social determinada

Agrave ontologia estatutaacuteria compete o reconhecimento dessa dimensatildeo mais

geral base para a decifraccedilatildeo cientiacutefica concreta dos casos efetivos que por sua

vez confirmam ou natildeo criticamente a determinaccedilatildeo mais geral ontoloacutegica Natildeo

haacute portanto um abismo separando ontologia de ciecircncia mas a continuidade de

momentos distintos de uma mesma unidade de conhecimento que interagem e

se medem reciprocamente se apoacuteiam estimulam e criticam um infinito processo

constitutivo das certezas

Continuando a anaacutelise do texto marxiano tem-se a descriccedilatildeo do

trabalho e o reconhecimento analiacutetico de sua natureza Antes de tudo [aqui

Chasin faz uma pequena observaccedilatildeo assinalando ou seja na raiz em seu

fundamento diria uma linguagem mais convencional e ciosa de suas

pretendidas atribuiccedilotildees] o trabalho eacute um processo entre o homem e a

natureza um processo em que o homem por sua proacutepria accedilatildeo medeia regula

controla seu metabolismo com a natureza Ele mesmo se defronta com a

mateacuteria natural Ele potildee em movimento as forccedilas naturais pertencentes agrave sua

corporalidade braccedilos e pernas cabeccedila e matildeo a fim de se apropriar da mateacuteria

natural numa forma uacutetil para a sua proacutepria vida Ao atuar por meio desse

movimento sobre a natureza externa a ele e ao modificaacute-la ele modifica ao

mesmo tempo sua proacutepria natureza Ele desenvolve as potecircncias nela

adormecidas e sujeita o jogo de suas forccedilas a seu proacuteprio domiacutenio[xi]

26

Observe-se que diz Chasin ao trabalhar ao mudar a forma da

natureza ao construir sua proacutepria mundaneidade o homem ele proacuteprio por

meio de seu proacuteprio trabalho transforma a sua proacutepria natureza Ou seja de ser

natural para social eis um novo exemplo de lineamento reconhecido e recolhido

agrave ontologia estatutaacuteria

Prosseguindo na especificaccedilatildeo Marx afirmaPressupomos o trabalho

numa forma que pertence exclusivamente ao homem Uma aranha executa

operaccedilotildees semelhantes agraves do tecelatildeo e a abelha envergonha mais de um

arquiteto humano com a construccedilatildeo dos favos de suas colmeacuteias Mas o que

distingue de antematildeo o pior arquiteto da melhor abelha eacute que ele construiu o

favo em sua cabeccedila antes de construiacute-lo em cera No fim do processo de

trabalho obteacutem-se um resultado que jaacute no iniacutecio deste existiu na imaginaccedilatildeo do

trabalhador e portanto idealmente Ele natildeo apenas efetua uma transformaccedilatildeo

da forma da mateacuteria natural realiza ao mesmo tempo na mateacuteria natural seu

objetivo que ele sabe que determina como lei a espeacutecie e o modo de sua

atividade e ao qual tem de subordina sua vontade E essa subordinaccedilatildeo natildeo eacute

um ato isolado Aleacutem do esforccedilo dos oacutergatildeos que trabalham eacute exigida a vontade

orientada a um fim que se manifesta como atenccedilatildeo durante todo o tempo de

trabalho e isso tanto mais quanto menos esse trabalho pelo proacuteprio conteuacutedo e

pela espeacutecie modo de sua execuccedilatildeo atrai o trabalhador portanto quanto

menos ele o aproveita como jogo de suas proacuteprias forccedilas fiacutesicas e espirituais[xii]

Chasin chama atenccedilatildeo para as seguintes observaccedilotildees

1) a preacutevia-ideaccedilatildeo do resultado (do fim) a existecircncia ideal do mesmo

na imaginaccedilatildeo donde o objeto ou um complexo categorial in mente e ante

res[xiii]

Preacutevia-ideaccedilatildeo e teleologia satildeo ou podem ser momentos confluentes

mas natildeo satildeo idecircnticos a preacutevia-ideaccedilatildeo estaacute no comeccedilo e eacute um desenho ideal

que implica o conhecimento da espeacutecie e do modo da atividade a realizar

27

conhecimento das malhas causais teleologia eacute simplesmente finalidade fim

objetivo podendo se apresentar de modo meramente volitivo e bem abstrato

natildeo mobilizante dos ou sem os meios de sua realizaccedilatildeo ou seja ter teleologia

sem preacutevia-ideaccedilatildeo natildeo conduz a nenhum processo de trabalho Quero assinar

que o termo teleologia pode ser demasiado vago no sentido de mero conceito

filosoacutefico convencional nesse sentido apenas alusivo e natildeo instrumentador de

operaccedilotildees na esfera da atividade sensiacutevel Pode ser entendido mais como

manifestaccedilatildeo de espiacuterito do que como exigecircncia de efetuaccedilatildeo de mudanccedila de

forma da mateacuteria natural e objetivaccedilatildeo de propoacutesito E de toda forma indica

antes de tudo que o fim o realizado estaacute no fim do processo fala do obtido ou

do a ser obtido nada nos diz da travessia que realiza da travessia que passa do

ideal para o real natildeo nos fala da mobilizaccedilatildeo ideal e material necessaacuterias

Quando a teleologia se manifesta como resultado jaacute natildeo eacute preciso dizer mais

nada a respeito Basta saudar e usufruir de sua apariccedilatildeo que nada tem de

maacutegica ou misteriosa mas antes de reconhececirc-la como produto das

metamorfoses de subjetividade e objetividade Ou seja em suas distintas

naturezas inconfundiacuteveis enquanto tais objetividade e subjetividade satildeo

entificaccedilotildees na mundaneidade humana e nessa qualidade estados ou momentos

do ser social momentos regidos pela atividade ideal e sensiacutevel do mesmo

Penso que Lukaacutecs ao transpor a questatildeo para a linguagem filosoacutefica

tradicional pode ter dissociado demais fins e meios o que natildeo eacute o caso dos

textos de Marx Por isso Lukaacutecs se vecirc obrigado depois a buscar a rearticulaccedilatildeo

entre teleologia e causalidade e nisso encontre natildeo poucas dificuldades (como

uma passa para outra e vice-versa parecendo que lida ao limite com

substacircncias incomunicaacuteveis natildeo as compreendendo em suas metamorfoses) e

deixe que se perca certa substacircncia da questatildeo antes de tudo o interfluxo entre

objetividade e subjetividade com seus distintos momentos preponderantes em

cada um dos passos dos momentos embricados dos processos Creio que as

duas esferas ficam sempre tradicionalmente um tanto estranhas uma em

28

relaccedilatildeo agrave outra seja para preservar a objetividade e aiacute se torna objetivista seja

para ressaltar a subjetividade e aiacute desliza para o subjetivismo

2) No fim do processo tem-se seu resultado que eacute a transformaccedilatildeo da

forma de uma dada mateacuteria natural e a realizaccedilatildeo do objetivo do trabalho que

existiu antes como preconfiguraccedilatildeo ideal Portanto o trabalho transforma

imagem ideal em ente real complexo categorial in rebus

Em suma no pensamento de Marx as categorias ou complexos

categoriais satildeo reconhecidos sob as trecircs formas in mente (existem idealmente

na imaginaccedilatildeo ou como reproduccedilatildeo mental das coisas categorias da

representaccedilatildeo) ante res (preacutevia-ideaccedilatildeo) e in rebus como efetividades quando

estatildeo na forma de ser Como confirmaccedilatildeo tome-se mais esta passagem do

mesmo capiacutetulo No processo de trabalho a atividade do homem efetua

portanto mediante o meio de trabalho uma transformaccedilatildeo do objeto de

trabalho pretendida desde o princiacutepio O processo extingue-se no produto Seu

produto eacute um valor de uso uma mateacuteria natural adaptada agraves necessidades

humanas mediante transformaccedilatildeo da forma O trabalho se uniu com seu objeto

O trabalho estaacute objetivado e o objeto trabalhado O que do lado do trabalhador

aparecia na forma de mobilidade aparece agora como propriedade imoacutevel na

forma do ser[xiv] do lado do produto Ele fiou e o produto eacute um fio[xv]

Como arremate analiacutetico dessa famosa mas muitas vezes mal

compreendida passagem de O Capital Chasin conclui ao mesmo tempo em que

visualiza uma nova tarefa Se assim eacute se as categorias podem aparecer nas

trecircs formas - in rebus - in mente - ante res - haacute entatildeo que determinar o que satildeo

cada uma dessas formas

Esquematicamente Chasin propotildee o seguinte

1) se estatildeo in rebus (nas coisas) estatildeo na forma do ser

29

2) se estatildeo in mente (na cabeccedila) estatildeo na forma da reproduccedilatildeo ideal

das coisas Trata-se da subjetividade receptora[xvi] que reproduz as coisas natildeo

captando apenas seus dados empiacutericos superando pois o empirismo e elabora

portanto a reproduccedilatildeo ideal dos entes e onde a subsunccedilatildeo aos objetos eacute a

atividade de sua elaboraccedilatildeo ideal

3) se estatildeo ante res (antes das coisas) estatildeo na forma da finalidade da

preacutevia mentalizaccedilatildeo de objetivos e meios

Poreacutem no segundo e terceiro casos as categorias estatildeo na forma de

espeacutecies de pensamento representaccedilotildees e projeccedilotildees do ser do vir-a-ser dos

meios materiais instrumentais processuais e dinacircmicos de entificaccedilatildeo dos

seres

Concluindo essa parte dizer pois que o homem e o mundo satildeo

atividade sensiacutevel que por criar seu mundo cria a si mesmo eacute determinar o

homem como a criatura criadora de seres

No entanto na medida em que apenas na configuraccedilatildeo histoacuterica regida

pela loacutegica do capital ou seja na plenitude da produccedilatildeo da riqueza entendida

por sua essecircncia subjetiva que eacute o trabalho que se atinou para determinaccedilatildeo

do homem como a criatura criadora de seres foi possiacutevel agrave reflexatildeo pode se

dar conta potencialmente da verdadeira problemaacutetica do ser

Em outras palavras eacute pela criacutetica ao criador de criaturas na forma da

alienaccedilatildeo - criacutetica marxiana agrave sociedade capitalista - eacute que a ontologia pode

atinar com seu verdadeiro objeto e modo de determinaccedilatildeo Natildeo eacute casual que

tenha emergido pela criacutetica feuerbachiana ao sistema hegeliano (a criaccedilatildeo

especulada dos entes) e ganho seus contornos efetivos no advento de uma

nova forma de pensamento e concepccedilatildeo de praacutetica - a doutrina de Marx

Resumindo no caso de Marx ontologia eacute estatuto ou filosofia primeira

do ser social que enquanto tal norteia a concreccedilatildeo cientiacutefica do mesmo cuja

30

realizaccedilatildeo corrige e enriquece o proacuteprio estatuto donde a sinergia e a reciacuteproca

dimensatildeo criacutetica entre estatuto ontoloacutegico e ciecircncia da histoacuteria em seus diversos

departamentos possiacuteveis estabelecidos jaacute por criteacuterio ontoloacutegico ou seja que

respeita a integridade das coisas em suas qualidades e processos interconexos

que as constituem em seu ser por si e enquanto tais satildeo reproduzidas

teoricamente

Enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma da legalidade objetiva (material

e espiritual) do ser social ou seja enquanto malha de asserccedilotildees ou

determinaccedilotildees de seu complexo categorial enquanto o permanente na forma de

processo a ontologia estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a

sociabilidade como substacircncia desse grau maacuteximo da cadeia do ser

Mas substacircncia como complexo categorial como siacutentese de categorias

essenciais que denota uma forma especiacutefica determinada de presenccedila ou

existecircncia plenamente qualificada

Por isso eacute estatuto ontoloacutegico pois a plataforma canocircnica do ser eacute o

coacutedigo do substantivo verbal como substacircncia substrato) assim o estatuto

ontoloacutegico do complexo substantivo do ser social deve reconhecer a

sociabilidade como substacircncia A sociabilidade como substrato dos homens

seja na forma da alienaccedilatildeo seja na forma de sua latecircncia de substancialidade

em vir-a-ser no caminho infinito de sua realizaccedilatildeo

Trata-se portanto em Marx de estatuto e natildeo sistema pois como

sistema seria um agregado de abstraccedilotildees uma filosofia que uma vez obtidas

noccedilotildees fundamentais passa a se edificar por si ou seja as noccedilotildees seriam

coaacutegulos inteligiacuteveis que passam por auto-sustentaccedilatildeo a configurar

dedutivamente o mundo Ao passo que estatuto eacute uma ordem a legalidade do

ser sensiacutevel - o ser na plenitude de seus atributos

tempo (histoacuteriaprocessoduraccedilatildeomutabilidade) lugar e sensibilidade

especificamente a legalidade do ser social imanente a si em sua especiacutefica

31

objetividade O ser sensiacutevel eacute a forma do ser porque eacute a plenitude das

categorias possiacuteveis

E as formaccedilotildees ideais

Segundo Chasin as formaccedilotildees ideais do mesmo modo que as

formaccedilotildees reais - formas do ser - tecircm lugar e tempo como categorias - o tempo

e o espaccedilo das formaccedilotildees sociais que satildeo engendradas mas estatildeo privadas de

sensibilidade

O sensiacutevel soacute eacute predicaccedilatildeo inerecircncia agrave forma do ser que conteacutem a

plenitude dos predicados possiacuteveis (sensibilidade espaccedilo tempo)

Essa forma de conceber o ser eacute reconhecer substancialidade ao

complexu agrave unidade totalizada ou seja ao conjunto pleno de atributos em ato

Em outras palavras ser eacute complexo categorial - tem a forma de ser -

completude ou forma conferida pelo sensiacutevel que se desdobra em muacuteltiplos

atributos e se condensa de infinitas maneiras no gradiente do ser

Em suma segundo Chasin tomando Marx como base e ponto de

referecircncia permanentes ser eacute plenitude categorial ou seja a plenitude

categorial eacute sua forma e por ser sensiacutevel compreende lugar e tempo

Donde se admitido o princiacutepio metoacutedico de Marx saber eacute saber do ser

que antes de tudo eacute um complexo sensiacutevel - tudo que eacute existe eacute sempre um

complexo natildeo uma substacircncia ou essecircncia pura e cristalina E a cadeia do ser eacute

o conjunto de graus do ser - do menos ao mais complexo

O preceito metodoloacutegico marxiano eacute pois ontoloacutegico sabe-se o que eacute

como se formou se desenvolveu e como depereceraacute

Por via de consequumlecircncia e diante das vicissitudes da histoacuteria da

ontologia de seu processo constitutivo e dissolutor diante da penosa rota da

32

conquista teoacuterica do real homoacuteloga ou equivalente agrave necessidade humana de

produzir a sua mundaneidade e a si mesmo a ontologia eacute o que pode ser - o

que natildeo eacute pouco - a esfera teoacuterica da incerteza propulsora positiva

afirmativamente organizada O patamar do incerto ordenado como plataforma da

busca infinita da certeza Impulsatildeo incontornaacutevel que natildeo pode ser eludida pela

presenccedila imperativa dos circuitos ontopraacuteticos

Talvez agora o estatuto ontoloacutegico marxiano possa ser enunciado do

seguinte modo eacute o estudo das categorias fundamentais - em traccedilos essenciais

abstratos em suas determinaccedilotildees mais gerais - da existecircncia social

historicamente constatada e reconhecida sendo possiacutevel exemplificar com as

seguintes categorias historicidade (processualidade ou mutabilidade)

concreticidade ou objetividade atividade sensiacutevel e ideal (trabalho e

reproduccedilatildeo) subjetividade (receptiva e proponente) valor individualidade

gecircnero (sociabilidade) Tudo isso perfilando o complexo de complexos da auto

realizaccedilatildeo do ser humano-societaacuterio entendido que o fim dos fins eacute a infinitude

da realizaccedilatildeo do humano - do autopor-se do aberto ser humano-societaacuterio

Estatuto que em outros termos eacute a ordem do reconhecimento ou

reproduccedilatildeo teoacuterica da identidade natureza e constituiccedilatildeo das coisas por si por

seus complexos categoriais decisivos independentemente em qualquer plano

de se tornarem objetos de praacutetica ou reflexatildeo

Enquanto tal eacute a teoria do reconhecimento da objetividade histoacuterico-

social imanente em suas distintas formas de apresentaccedilatildeo (natureza e

sociedade) Em termos muito breves eacute o momento mais abstrato do

reconhecimento da identidade das coisas por si enquanto tal um dos momentos

distintos da unidade do saber do qual participa um segundo sob forma

concreta que eacute a ciecircncia

Pela proacutepria natureza histoacuterica processual do ser a ontologia marxiana

natildeo corresponde nem poderia corresponder por simples imperativo de

33

coerecircncia agrave forma de um saber universal plantado sobre uma racionalidade

auto-sustentada ou seja fundado na razatildeo universal nada mais a versatildeo laica

ou profana de Deus no dizer de Feuerbach Ou seja trata-se enfim de uma

forma de ontologia sem parentesco com o saber absoluto e que recusa qualquer

tipo de fundamento especulativo pois absolutizaccedilatildeo de uma teoria da

fundamentaccedilatildeo eacute simplesmente a firmaccedilatildeo especulativa da razatildeo autocircnoma ou

de um princiacutepio de inteligibilidade situado para aleacutem das coisas que garante a

presenccedila e o conhecimento do sagrado e a vitoacuteria antecipada do idealismo Natildeo

correspondendo agrave qualquer forma de saber universal a ontologia marxiana

sustenta a possibilidade efetiva como jaacute vimos de um saber real

Por sua praacutetica teoacuterica e por um conjunto de lineamentos expliacutecitos

Marx deixou o legado de um especiacutefico estatuto ontoloacutegico natildeo um ontologia de

talhe convencional ou tradicional e natildeo apenas por que careceu de tempo

necessaacuterio para a realizaccedilatildeo de uma obra desse tipo mas fundamentalmente

pela distinccedilatildeo de natureza de seu estatuto ontoloacutegico radicalmente oposto ao

tratamento especulativo da mateacuteria

Esse estatuto eacute constituiacutedo a partir do universo praacutetico onticamente

referido ou seja eacute um estatuto ocircntico-ontoloacutegico pois evolve da efetividade

histoacuterica das coisas de suas relaccedilotildees e processos para sua reproduccedilatildeo

conceitual no plano de uma trama categorial em sua expressatildeo mais abstrata

Reconhecimento e Determinaccedilatildeo da Sociabilidade como Substacircncia

Vimos que segundo Chasin enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma

da legalidade do ser social em sua materialidade e espiritualidade[pode-se dizer

tambeacutem em sua objetividade sensiacutevel e supra-sensiacutevel] ou seja enquanto

malha de asserccedilotildees ou determinaccedilotildees de seu complexo categorial a ontologia

34

estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a sociabilidade como substacircncia desse

grau maacuteximo do ser

Embora Chasin natildeo tenha desenvolvido plenamente a questatildeo da

objetividade supra-sensiacutevel como tambeacutem a da sociabilidade como substacircncia

julgo conveniente transcrever tambeacutem algumas notas e comentaacuterios feitos em

sala de aula dada a importacircncia do tema

Em relaccedilatildeo agrave noccedilatildeo de substacircncia Chasin retoma sua noccedilatildeo mais geral

e tradicional Ou seja deixando de fora qualquer conotaccedilatildeo relativa a formas de

idealidade o que existe por si eacute um auto-engendrado a uacuteltima instacircncia de um

dado gecircnero de entificaccedilatildeo enquanto tal na medida em que eacute uma efetividade

eacute um complexo que a noccedilatildeo de substacircncia refere no mais alto grau de

abstraccedilatildeo Vale pois como abstraccedilatildeo razoaacutevel tal como todo conceito

marxiano nesse niacutevel de generalizaccedilatildeo a partir do qual pela via dos processos

de concreccedilatildeo satildeo determinaacuteveis as formas concretas de substacircncia

correspondentes agraves formaccedilotildees sociais reais

Dessa forma a substacircncia eacute um complexo histoacuterico natildeo uma

idealidade natildeo um construto da razatildeo auto-sustentada mas o resumo de uma

extraccedilatildeo justificada

Naturalidade e Sociabilidade

Sempre que se potildee a questatildeo da naturalidade e da sociabilidade essa

uacuteltima tende a ser examinada in statu nascendi ou de um estado original

imaginaacuterio natildeo se parte portanto de fatos pois os desconhecemos se eacute que

35

tenham existido mas de um mito E do mito se quer saltar para o quadro de uma

realidade complexa

Mas acompanhando Marx lembremos das pobres robinsonadas do

seacuteculo XVIII referidas logo agraves primeiras linhas da Introduccedilatildeo de 57 a) O

caccedilador e o pescador individuais e isolados de que partem Smith e Ricardo b)

o contrat social de Rousseau que relaciona e liga sujeitos independentes por

natureza por meio de um contrato Essas robinsonadas natildeo repousam sobre

(o) naturalismo E a argumentaccedilatildeo prossegue Trata-se ao contraacuterio de uma

antecipaccedilatildeo da sociedade (buumlrgelichen Gesellschaft) que se preparava desde

o seacuteculo XVI e no seacuteculo XVIII deu larguiacutessimos passos em direccedilatildeo agrave sua

maturidade Nesta sociedade da livre concorrecircncia o indiviacuteduo aparece

desprendido dos laccedilos naturais que em eacutepocas histoacutericas remotas fizeram dele

um acessoacuterio de um conglomerado humano limitado e determinado Os profetas

do seacuteculo XVIII sobre cujos ombros se apoacuteiam inteiramente Smith e Ricardo

imaginam o indiviacuteduo do seacuteculo XVIII como um ideal que teria existido no

passado Vecircem-no natildeo como um resultado histoacuterico mas como ponto de partida

da Histoacuteria porque o consideram como um indiviacuteduo conforme agrave natureza -

dentro da representaccedilatildeo que tinham da natureza humana - que natildeo se originou

historicamente mas foi posto como tal pela natureza[xvii]

Segundo Chasin tomando Marx novamente como ponto de referecircncia

os equiacutevocos que aparecem ao se tratar a relaccedilatildeo naturalidade sociabilidade

satildeo os seguintes

1) procurar deduzir em graus diferentes em cada caso o ser social do

natural esquecendo que se trata da emergecircncia do novo de uma configuraccedilatildeo

ontoloacutegica nova e que o novo nunca eacute um simples desdobramento do estaacutegio

anterior no caso - do grau de ser antecedente ou seja que entre os dois niacuteveis

ocorre o que se chama de salto um intervalo em que a potecircncia causal do

antecedente natildeo conteacutem a capacidade a potecircncia ou a potencialidade para

gerar o novo Um intervalo que fica assim indeterminado

36

2) o procedimento acima abre para a mera especulaccedilatildeo pois tende a

deduzir a indeterminaccedilatildeo a querer estabelecer nexos onde eles inexistem

tende a preencher o que de fato eacute um vazio A rigor natildeo se trata de um natildeo-

sabido mas da ausecircncia factual de um objeto ou processo em outros termos

se trata de um vazio ontoloacutegico de uma ausecircncia de nexos ontoloacutegicos

O correto segundo o modus operandi marxiano natildeo eacute partir da semente

ou do embriatildeo mas do complexo real maturado uma vez que

especialiacutessimamente na esfera social a loacutegica do gerado eacute diversa da loacutegica de

sua gecircnese aleacutem de que nesse acircmbito as entificaccedilotildees configuradas apagam a

rota e a loacutegica de sua formaccedilatildeo

Desse modo partindo do jaacute configurado e considerando que se trata de

uma configuraccedilatildeo infinita que compreende mutaccedilotildees qualitativas muito

importantes e natildeo esquecendo que permanecemos no estaacutegio preacute-histoacuterico (em

momento especialmente desequilibrado e contraditoacuterio) podemos e devemos

reconhecer por meio de algumas abstraccedilotildees razoaacuteveis o seguinte

1) A formaccedilatildeo do ser social eacute um processo da animalidade agrave

hominidade o andamento da naturalidade agrave sociabilidade o caminho infinito da

naturalidade dada agrave sociabilidade natildeo-dada em produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

perenes

2)Trata-se pois de uma entificaccedilatildeo processual entre dois niacuteveis ou

poacutelos da escala do ser sendo processo eacute intrinsecamente uma contradiccedilatildeo e soacute

enquanto tal se move eliminada a contradiccedilatildeo cessaria a possibilidade do

processo Com isso eacute dito algo muito importante pois ao reconhecer a

contraditoriedade entre naturalidade e sociabilidade natildeo eacute mais possiacutevel pensar

as mesmas a propoacutesito do ser social como um simples conjugado de fatores

mas obrigatoriamente como uma conjugaccedilatildeo contraditoacuteria de legalidades Isso

vai na esteira do que eacute compreendido desde Hegel - que o ser eacute uma unidade

contraditoacuteria - todavia com o acreacutescimo do problema da dupla legalidade De

37

que modo ou feiccedilatildeo chega cada uma delas agrave unidade contraditoacuteria do ser Pois

haacute que pensar na unidade ou siacutentese a natildeo ser que se queira desenhar o ser

social como uma aberraccedilatildeo hiacutebrida pode ser esta a fisionomia do grau mais

elevado do gradiente dos seres Assim tomada na devida consideraccedilatildeo essa

determinaccedilatildeo ontoloacutegica sem a qual a reflexatildeo perde o rumo trata-se de

compreender a dinacircmica especiacutefica dessa contradiccedilatildeo peculiar Vejamos

3) Em primeiro lugar esse processo contraditoacuterio gera novas

contradiccedilotildees agora dominantemente contradiccedilotildees da sociabilidade em

formaccedilatildeo de sorte que se trata de um processo cumulativo de

contraditoriedades no qual as novas contradiccedilotildees progressivamente vatildeo

tomando o lugar predominante e decisivo vale dizer a contradiccedilatildeo originaacuteria

cada vez mais coabita com contradiccedilotildees de outro gecircnero diante das quais sua

presenccedila vai mudando de forccedila e configuraccedilatildeo natildeo desaparece mas sua

qualidade vai mudando na proporccedilatildeo mesmo do desenvolvimento da

apropriaccedilatildeo societaacuteria da natureza cada vez mais puramente social - eacute no que

consiste de acordo com as palavras de Marx o progressivo afastamento das

barreiras naturais

4) Ou seja a matriz e a medida do afastamento eacute a forma cada vez

mais social de produzir e reproduzir as bases materiais da vida pela qual eacute

gerado o novo ser em direccedilatildeo agrave sua potecircncia ampliada de se auto-por de ir em

direccedilatildeo a si mesmo um si mesmo que natildeo eacute dado mas gerado na progressatildeo

da auto-posiccedilatildeo do auto-assentamento ou da auto-enformaccedilatildeo que inclui a

proacutepria daccedilatildeo de forma e resoluccedilatildeo ao predicado natural ou bioloacutegico daccedilatildeo de

forma que em suma eacute daccedilatildeo de forma social ao predicado natural

5) Essa possibilidade de daccedilatildeo de forma eacute afirmaccedilatildeo e realizaccedilatildeo da

essecircncia social que eacute o conjunto de relaccedilotildees sociais configuradas em cada

momento pelo modo de produzir da base material modo por sua vez que eacute

determinado pelo desenvolvimento das forccedilas produtivas entre as quais figura o

proacuteprio modo de organizaccedilatildeo do conjunto das relaccedilotildees sociais

38

6) Daccedilatildeo de forma eacute alteraccedilatildeo do lugar resolutivo e todo ente que muda

de lugar muda de natureza sem alterar uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo material

Vale dizer que a contradiccedilatildeo originaacuteria entre naturalidade e sociabilidade eacute

resolvida por uma nova contradiccedilatildeo - a da naturalidade que soacute se realiza na

forma e por meios sociais - no afastamento que eacute superaccedilatildeo da naturalidade

(processo histoacuterico) a legalidade natural eacute submetida agrave legalidade social

(diferentemente em cada modo de produccedilatildeo e de acordo com o

desenvolvimento das forccedilas produtivas) o fator natural natildeo eacute suprimido

suprimida eacute sua capacidade de autodeterminaccedilatildeo resta portanto

simplesmente o que natildeo eacute pouco como um predicado do ser humano um

predicado insuprimiacutevel mas apenas como predicado bioloacutegico de um ser de

outra natureza e essecircncia A naturalidade eacute retida como predicado

imprescindiacutevel mas natildeo como essecircncia Donde natildeo satildeo mais duas legalidades

ontoloacutegicas que coexistem mas a legalidade superior mais complexa subsume

a legalidade natural que natildeo mais se autodetermina mas eacute resolvida pela e do

interior da outra Assim o predicado natural do homem recebe forma e

resoluccedilatildeo sociais ou seja o predicado natural eacute subsumido agrave legalidade social

Natildeo resta mais o choque de duas legalidades contrapostas na

contradiccedilatildeo originaacuteria A legalidade natural vai sucumbindo na ruptura e

progressivamente agrave legalidade social em sua efetividade no ser social a

legalidade natural natildeo mais atua por si eacute dependente do social natildeo eacute mais a

legalidade de um ser pois natildeo haacute mais aiacute um ser natural mas um atributo

natural dependente da essecircncia social O homem eacute um ser social que

compreende sua essecircncia especiacutefica (variaacutevel) suas contingecircncias e seu

predicado bioloacutegico Na entificaccedilatildeo do ser social uacuteltimo grau da cadeia do ser a

legalidade natural eacute subalternizada agrave social por mais ruacutestica e restrita que seja a

essecircncia social primitiva e por mais precaacuteria que seja essa subalternizaccedilatildeo de

iniacutecio O processo de afastamento das barreiras naturais eacute assim o curso dessa

subalternizaccedilatildeo que desponta no iniacutecio na ruptura com a legalidade natural e

por mais longo e contraditoacuterio em avanccedilos e recuos que seja esse processo

39

7) de outra parte a loacutegica do predicado bioloacutegico natildeo soluciona natildeo

tem resposta para o complexo problemaacutetico da sociabilidade enquanto que esta

daacute soluccedilatildeo aos imperativos daquela Como diz Marx nos Manuscritos de 44 o

homem contempla a natureza e a si mesmo com um produto social [dos homens

interativos] com pleno direito mesmo que natildeo com elevada consciecircncia ou altos

valores

8) Donde a foacutermula lukaacutecsiana da dupla base eacute falsa pois a plataforma

eacute a sociabilidade enquanto a naturalidade eacute apenas o insuprimiacutevel predicado

bioloacutegico que passa a vigir na forma e sob a regecircncia da sociabilidade Natildeo

perde por isso uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo orgacircnica mas na sua efetividade

muda de caraacuteter No interiro da esfera societaacuteria o predicado bioloacutegico eacute um

outro de si Se originariamente foi o ponto de partida agora eacute produzido e

reproduzido pela legalidade de um ser que o ultrapassa e o domina vive e soacute

pode viver na subjugaccedilatildeo de um novo estatuto Ou seja ao integrar como

predicado o ser de niacutevel mais elevado realiza a sua maacutexima potecircncia e isso eacute

ao mesmo tempo sua desnaturalizaccedilatildeo ou perecimento Impereciacutevel como

predicado natildeo eacute base pois determina soacute por seus limites pelas carecircncias natildeo

pelas determinaccedilotildees resolutivas nem mesmo em suas forccedilas e sentidos pois

enquanto virtualidades estas soacute satildeo humanas e superiores em resoluccedilatildeo

societaacuteria Ademais natildeo eacute nunca um criador de novas necessidades o que

caracteriza a legalidade social

9) A argumentaccedilatildeo acima diz respeito diretamente ao ser social em sua

configuraccedilatildeo bipolar (indiviacuteduo e gecircnero) e desenvolvida em especial no poacutelo da

individualidade tendo por esteio o andamento do gecircnero e ao falar deste se diz

do seu metabolismo com a natureza Esse metabolismo fundamental que eacute em

suma a atividade vital do homem ao gerar produtos sociais

(utilidadesmercadorias) sem que se possa transpor a estes as mesmas

determinaccedilotildees que foram feitas para o ser social desde logo satildeo entes sociais

mas em outro grau da escala do ser social mas tambeacutem tecircm mudada a sua

natureza de naturais a utilidades (e na forma da alienaccedilatildeofetichismo as

40

mercadorias) de sorte que a apropriaccedilatildeo da natureza eacute igualmente sua

desnaturalizaccedilatildeo eacute forccedilaacute-las a deixar de ser o que satildeo em sua peculiaridade

para se tornarem um outro de si sob a regecircncia do estatuto societaacuterio Isso eacute a

manifestaccedilatildeo do poder e da superioridade do grau maacuteximo do ser Nenhum

outro ser realiza qualquer coisa semelhante nem longinquumlamente Repetindo

Kant e Hegel Marx tinha toda razatildeo quando disse que haacute mais grandeza e

misteacuterio na cabeccedila de um becircbado do que no conjunto do universo

10) a Sociabilidade imperfeita substacircncia ainda natildeo realizada enquanto

tal ou seja ainda incapaz de autonomia como complexo estruturado conduz agrave

poliacutetica Natildeo compreendida como substacircncia mas como simples organizaccedilatildeo

potildee o homem no outro poacutelo na dicotomia homemsociedade ou seja na

representaccedilatildeo socioloacutegica ou politoloacutegica o homem eacute um outro

Determinada ou compreendida como substacircncia eacute substacircncia humana

(perfeita e imperfeita com todas as grandezas e miseacuterias produzidas

modificadas suprimidas e repostas no curso histoacuterico) eacute a essecircncia mutante do

ser auto-engendrado e enquanto mutante e por ser mutante distinta tambeacutem

por essa mutabilidade do predicado bioloacutegico atemporalmente necessaacuterio mas

sempre e progressivamente insuficiente do ser social

O tomo IV do primeiro nuacutemero da Revista Ensaios Ad Hominem eacute

composto de seis artigos - aleacutem do texto de abertura de autoria de J Chasin -

que resultaram de siacutenteses ou modificaccedilatildeo de partes ou capiacutetulos de

dissertaccedilotildees defendidas entre os anos de 1998 e 1999 junto ao Programa de

Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia da UFMG

41

O artigo que abre a presente coletacircnea intitulado A Razatildeo como

Tribunal da Criacutetica Marx e A Gazeta Renana de autoria de Celso Eidt versa

sobre a concepccedilatildeo do jovem Marx sobre o papel da imprensa natildeo apenas como

o locus privilegiado para o debate filosoacutefico mas fundamentalmente para os

processos educativos tendo em vista a realizaccedilatildeo plena da liberdade humana Eacute

bom ressaltar que no periacuteodo em que tais artigos satildeo redigidos Marx

compartilha de uma visatildeo antropoloacutegica racional em que a natureza humana eacute

concebida como espiacuterito livre e racional enquanto esteio da proacutepria vida eacutetica

ou seja da praacutetica humana fundada na razatildeo universal

Ana Selva Albinati autora do artigo A Determinaccedilatildeo dos Valores

Morais nos textos de Marx de 1841 a 1847 se debruccedila justamente sobre tal

campo de reflexatildeo Seu trabalho eacute uma tentativa de sistematizaccedilatildeo das

consideraccedilotildees sobre os valores morais nos textos do periacuteodo que se inicia com

sua tese doutoral Diferenccedilas entre as Filosofias da Natureza de Demoacutecrito e

Epicuro prosseguindo ateacute A Miseacuteria da Filosofia Ana Selva procura demonstrar

que esse periacuteodo normalmente referido como sendo o da juventude de Marx eacute

na verdade constituiacutedo de dois momentos de sua elaboraccedilatildeo teoacuterica que tem

como momento de clivagem a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel de meados

de 1843 em que Marx rompe com o referencial teoacuterico do idealismo alematildeo Em

relaccedilatildeo agraves determinaccedilotildees sobre a moral essa ruptura se reflete na inflexatildeo

radical que diferencia a compreensatildeo da moralidade no primeiro e segundo

momentos de tal forma que a moralidade passa a ser compreendida como um

dos modos da consciecircncia socialmente determinada concepccedilatildeo completamente

distinta da primeira fase em que os valores morais eram compreendidos como

expressotildees da liberdade e da racionalidade humanas idealmente concebidas

No artigo A criacutetica da Especulaccedilatildeo nas Glosas de Kreuznach Milney

Chasin analisa o momento inicial e ao mesmo tempo decisivo da ruptura que

se verifica entre Marx e Hegel no plano das determinaccedilotildees do ser Desse modo

a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel inaugura a criacutetica marxiana da

especulaccedilatildeo no seu cerne o de rejeitar o procedimento especulativo

42

caracteriacutestico de se provir tudo da ideacuteia real de tornaacute-la sujeito isto eacute de

capacitar a abstraccedilatildeo ou conceito automovido - a partir das metamorfoses

hegelianas - de pocircr o multiverso sensiacutevel Em outros termos Milney Chasin no

referido artigo evidencia como a criacutetica da especulaccedilatildeo permite a Marx

ultrapassar os horizontes do idealismo alematildeo na direccedilatildeo do devido

reconhecimento da distinccedilatildeo entre ser e pensar de caracterizar a impropriedade

ontoloacutegica da loacutegica hegeliana de apurar os limites gnosioloacutegicos e

incongruecircncias de toda ordem Em suma permite o desvelamento da substacircncia

miacutestica oferecendo a explicitaccedilatildeo do meacutetodo hegeliano - das diabruras do

conceito autoposto - que articula abstraccedilotildees e finitude restando a esta a mera

condiccedilatildeo de apecircndice dissolvido isto eacute momento virtual da realizaccedilatildeo da

idealidade

O quarto artigo desta coletacircnea intitulado A Exteriorizaccedilatildeo da Vida nos

Manuscritos de 44 eacute parte da dissertaccedilatildeo de mestrado As Categorias

Lebensaumlusserung Entaumlusserung Entfremdung e Veraumlusserung nos Manuscritos

Economico-Filosoacuteficos de Karl Marxdefendida por Mocircnica H M da Costa em

que o interesse era acima de tudo averiguar se alienaccedilatildeo (Entaumlusserung) e

estranhamento (Entfremdung) teriam significados distintos A pesquisa acabou

opor apontar no entanto uma outra categoria como eixo desses manuscritos

Lebensaumlusserung traduzida por exteriorizaccedilatildeo da vida De fato o fio condutor

dos Manuscritos eacute a centralidade do trabalho na produccedilatildeo material e espiritual

da vida humana Tomando para anaacutelise criacutetica pela primeira vez os

economistas claacutessicos Marx explicita sua proacutepria compreensatildeo da forma

peculiar de engendramento da existecircncia do homem A criacutetica a Hegel completa

o quadro desta tematizaccedilatildeo que natildeo seraacute abandonada ateacute os uacuteltimos trabalhos

de Marx

Sabina Maura Silva no artigo A Fenomenologia do Egoiacutesmo Stirner e a

Criacutetica Marxiana tem como objetivo fundamental apresentar a concepccedilatildeo de

homem presente na obra O Uacutenico e Sua Propriedade de autoria do filoacutesofo

neohegeliano Max Stirner e expor a criacutetica de Marx a este autor contida em A

43

Ideologia Alematilde A autora mostra que para Stirner o Eu tomado como

individualidade singular eacute o fundamento de sua esfera existencial No entanto

para esse autor tudo tem determinado a existecircncia dos indiviacuteduos natildeo tendo

sido permitido a eles determinaacute-la O objetivo de Stirner eacute pois remeter ao

indiviacuteduo - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel - o que dele foi alienado e erigido

como algo autocircnomo Por seu turno a criacutetica de Marx tem como fim explicitar o

caraacuteter especulativo da anaacutelise stirneana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo

bem como salientar o aspecto pseudorevolucionaacuterio de suas proposituras

Assim segundo Marx Stirner tatildeo somente interpreta diferentemente o

existente isto eacute reconhece o existente mediante outra

interpretaccedilatildeoTransformando as contradiccedilotildees objetivas em contradiccedilotildees

subjetivas Stirner conserva e justifica as condiccedilotildees e estruturas efetivas que

esmagam e impedem a autodeterminaccedilatildeo das individualidades ao reconhecer

as circunstacircncias como determinaccedilotildees dos indiviacuteduos Acolhendo acriacutetica e

especulativamente em suas feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees

estranhadas de um momento histoacuterico particular da individuaccedilatildeo humana

Stirner erige como individualidade um ente que empobrecido e constrangido

pelas condiccedilotildees objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade

social pode somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria

sobre si e sobre o mundo

O uacuteltimo artigo do tomo IV da Revista Ensaios Ad Hominem eacute de

autoria de Antocircnio Joseacute Lopes Alves e leva o tiacutetulo de A Individualidade

Moderna nos Grundrisse Neste texto o autor procura demonstrar que a

moderna sociabilidade do capital eacute compreendida por Marx como forma

instaurada a partir da dissoluccedilatildeo dos liames sociais que uniam em tempos

anteriores os indiviacuteduos agrave comunidade Aleacutem disso destaca o fato apontado por

Marx de que tal processo se constitui numa verdadeira reconversatildeo ontoloacutegica

tanto dos indiviacuteduos quanto das condiccedilotildees da atividade vital ocorrendo uma

radical transformaccedilatildeo na forma de ser de ambos Sinteticamente trata-se de

reconfiguraccedilatildeo ontoloacutegica que determina como entes autocircnomos os indiviacuteduos

44

de um lado e as condiccedilotildees de trabalho de outro vale dizer do divoacutercio entre os

indiviacuteduos ativos e as condiccedilotildees de sua atividade Antocircnio Lopes buscou em

suma alinhar as determinaccedilotildees mais essenciais dos indiviacuteduos e da

sociablidade modernos no que respeita agrave forma mesma das relaccedilotildees sociais da

atividade sensiacutevel bem como da respectiva expressatildeo ideal como por exemplo

a configuraccedilatildeo das categorias da igualdade e liberdade

O leitor encontraraacute nas paacuteginas que se seguem o resultado do esforccedilo

de pesquisa voltado ao resgate da obra marxiana caracterizado pela busca do

rigor na leitura e interpretaccedilatildeo do pensamento de um autor cuja heranccedila

intelectual conheceu um destino traacutegico Natildeo eacute faacutecil portanto voltar-se a ela

sem os preconceitos da moda - como jaacute havia advertido Lukaacutecs Natildeo posso

afirmar com total certeza que um intento dessa natureza tenha sido plenamente

alcanccedilado Todavia eacute faacutecil perceber as diferenccedilas desse tipo de produccedilatildeo teoacuterica

com aquela apresentada tanto pelo marxismo adstringido e suas dissidecircncias

como pelo marxismo vulgar para utilizar as expressotildees cunhadas por Chasin no

intuito de designar as duas variantes de interpretaccedilatildeo da obra marxiana

Faccedilo aqui ao leitor interessado o convite para participar dessa

avaliaccedilatildeo

[1] Professora do Departamento de Filosofia da UFMG coordenadora

do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e Estudos Confluentes

45

[i] J CHASIN Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in

Teixeira FJS Pensando com Marx Editora Ensaio Satildeo Paulo 1995

[ii] K MARX amp F ENGELS A Sagrada Famiacutelia Ed Grijalbo trad

Wenceslao Roces Meacutexico DF 1960 p 120

[iii] Ver a respeito J CHASIN Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo

Metodoloacutegica opcit

[iv] J CHASIN O Futuro Ausente in Ensaios Ad Hominem 1 tomo III

Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem Satildeo Paulo 2000 p 166

[v] Ib p 167

[vi] Id

[vii] E CASSIRER A Filosofia do Iluminismo Editora da Unicamp

Campinas 1992 p 11

[viii] G LUKAacuteCS La Riproduzionein Per lOntologia delle Essere

Sociale Roma Editori Riuniti tomo II 1981 pp 180-81

[ix] N HARTMANN Ontologia Fondo de Cultura Econoacutemica Meacutexico D

F vol 1 1986

[x] K MARX O Capital vol I Ediccedilatildeo Abril Cultural Satildeo Paulo p 149

[xi] Id

[xii] Ib p 150

[xiii] (a respeito dessas categorias ver N HARTMANN Ontologia op cit

vol I p XII

46

47

[xiv] No original alematildeo in der Form des Seins Dietz Verlag 1971 p

195

[xv] Ib p 151

[xvi] Ver a respeito em J CHASIN Marx-Estatuto Ontoloacutegico e

Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica op cit

[xvii] K MARX op Cit p 126

Page 4: :: Verinotio - Revista On-line de Educao e Cincias Humanas · O leitor encontrará, portanto, nessa Apresentação o fruto de trabalho de coleta e organização de materiais utilizados

ou espiacuterito ontoloacutegico de que eacute feito o mundo perguntavam os preacute-socraacuteticos

qual eacute o elemento primordial do universo

Nascida como ontologia sem que tivesse esse nome sem que tivesse

outro nome que natildeo o de filosofia esta foi por cerca de dois milecircnios e meio

antes de tudo ontologia (metafiacutesica) ou explicitamente desde Platatildeo e

Aristoacuteteles ateacute Leibniz-Cristian Wolff a ontologia foi a atmosfera e o andaime da

reflexatildeo Seja como base e norteamento do conhecimento seja como alicerce

movediccedilo e desorientador em sua histoacuteria imanentemente contraditoacuteria a um

tempo auto-constituinte e auto-dissolutora de si proacutepria Numa palavra parece

que a aproximaccedilatildeo dos seres ou entes vale dizer da realidade pura e simples

em sua complexa efetividade tem se mostrado como a mais difiacutecil e penosa de

todas as tarefas do homem Paradoxal sob o prisma de que os homens natildeo

vivem a natildeo ser no proacuteprio mundo real essa dificuldade natildeo eacute tatildeo improacutepria ou

inocente na medida em que se considera

1) que o homem soacute muito lentamente constitui seu proacuteprio mundo e a si

mesmo e em ritmo semelhante destes se apropria objetiva e subjetivamente

2) que essa dupla constituiccedilatildeoapropriaccedilatildeo do mundo e de si tem sido

operada sob processos infinitamente complexos e contraditoacuterios geradores de

matizados e superpostos niacuteveis de esclarecimento e ocultaccedilatildeo

Para aleacutem dessas dificuldades de fundo eacute necessaacuterio levar em conta

tambeacutem que nos dias atuais a pesquisa ontoloacutegica em especial nos seus

lineamentos mais evoluiacutedos - o estatuto ontoloacutegico marxiano - se daacute em

contexto histoacuterico amplamente desfavoraacutevel tanto no que diz respeito agrave histoacuteria

das formaccedilotildees reais quanto agravequela das formaccedilotildees ideais

De tal modo que poder-se-ia dizer agora parafraseando Marx de A

Sagrada Famiacutelia a propoacutesito de Szeliga que as proposituras ontoloacutegicas

dominantes no seacuteculo XX convertem em misteacuterios o que satildeo verdadeiras

4

trivialidades Sua arte natildeo consiste em revelar o oculto mas ocultar o

revelado[ii]

Em suma para dar iniacutecio ao delineamento da histoacuteria da ontologia eacute

preciso em primeiro lugar abandonar sua pretensatildeo infantil agrave atemporalidade e

se dar conta de que seja compulsoriamente histoacuterica de que se faz no tempo

tatildeo contraditoriatmente quanto a proacutepria entificaccedilatildeo de seu histoacuterico agente

Em segundo lugar Chasin considerava inadiaacutevel reprocessar a

decifraccedilatildeo ou o entendimento de Marx em determinaccedilatildeo reciacuteproca com as

vicissitudes da histoacuteria da ontologia na tentativa de ultrapassar as derrotas

sofridas ao longo dos uacuteltimos 150 anos e principalmente a partir do

entendimento efetivo do pensamento marxiano e tambeacutem do atual

desenvolvimento do capital redimensionar a perspectiva dos alvos e rumos

teoacutericos e praacuteticos a exercitar no presente e levar a efeito no futuro

O debate dito ontoloacutegico do seacuteculo XX girou em torno de conhecido

conjunto de fontes Enquanto Hartmann com o volume I de sua Ontologia de

1934 eacute uma contraposiccedilatildeo agrave desontologizaccedilatildeo em geral e agraves novas tendecircncias

do seacuteculo principalmente Heidegger feita do ponto de vista

fenomenoloacutegiconeokantiano Eacute Gilson eacute a resposta neotomista no interior da

filosofia francesa ao desafio posto por O Ser eo Nada (1943) de Sartre cujo

sub-tiacutetulo ensaio de ontologia fenomenoloacutegica logo aponta para a sua afiliaccedilatildeo

a Husserl e o tributo pago de toda a maneira a Heidegger que o conduziram a

inviabilizaccedilotildees definitivas e irremissiacuteveis que natildeo desobriga todavia de

distinguir radicalmente seu propoacutesito e sua personalidade do autor de Ser e

Tempo (1926) dedicada a Edmund Husserl Em testemunho de Admiraccedilatildeo e

Amizade

De acordo com a posiccedilatildeo que Chasin veio assumir nos seus uacuteltimos

anos de vida nas muacuteltiplas diacutevidas contraiacutedas pelo marxismo no seacuteculo XX

figura precisamente esta ter entrado muito tardia e restritamente nessa

5

discussatildeo vale dizer soacute quando a vitoacuteria temporaacuteria jaacute havia pendido para o

outro lado natildeo apenas por sua exclusiva presenccedila na arena mas porque

condicionado e impulsionado pelo proacuteprio caraacuteter de nossos tempos Os arautos

que se impuseram satildeo muito conhecidos tomaram o espaccedilo sem ter que

enfrentar o adversaacuterio efetivo uacutenico capaz de contraditar e oferecer alternativa

Este em vez disso perdeu-se sem luta sucumbiu agrave linha dominante do

cientificismo e acabou junto com os melhores tambeacutem perdido nesse campo

Nem eacute preciso referir o leste europeu mas com o politicismo generalizado o

marxismo se perdeu inclusive com os melhores que o seacuteculo produziu

Apenas em fins da deacutecada de 60 quando tudo estava desabando

Lukaacutecs de traveacutes se deu conta do misteacuterio Eacute muito significativo que nesse

despertar obliacutequumlo tenha tido que se voltar agrave refutaccedilatildeo entre outros de

Heidegger quando este escrever seu livro principal no miacutenimo em parte em

oposiccedilatildeo a Histoacuteria e Consciecircncia de Classe (textos de 1919-22) Eacute igualmente

sintomaacutetico que soacute tenha retomado deliberadamente a preocupaccedilatildeo ontoloacutegica

ao final da vida e sucumbido ao objeto em obra inconclusa motivada acima de

tudo pelo vieacutes excecircntrico de conferir poder regenerador agrave eacutetica Mas eacute sabido

que junto com seu meacuterito natildeo pereceu sozinho Por exemplo onde estatildeo

Hartman Gilson e ateacute mesmo Sartre

As dificuldades para o devido enfrentamento da questatildeo ontoloacutegica hoje

satildeo enormes e jaacute eram conhecidas por Lukaacutecs muito embora o filoacutesofo huacutengaro

morto em 1971 natildeo tenha assistido o pleno triunfo de concepccedilotildees que

consagram o homem derrelito denominaccedilatildeo essa empregada por ele mesmo ao

se reportar a Heidegger por exemplo

Tais dificuldades grosso modo poderiam ser atribuiacutedas inicialmente agraves

tendecircncias que tecircm como ponto de partida o criticismo kantiano que se

impuseram na viragem do seacuteculo XIX para o XX com a reduccedilatildeo da filosofia ao

circuito da problemaacutetica do conhecimento

6

Embora se possa assim considerar o criticismo kantiano como uma

espeacutecie de divisor de aacuteguas natildeo se deve obliterar o fato de que com a

metafiacutesica claacutessica ou qualquer uma de suas variantes antecedentes ou

subsequumlentes sob o pretexto de alcanccedilar a priori a certeza cognitiva gera-se

uma grave distorccedilatildeo no plano teoacuterico pela qual o ente eacute perdido para sempre

Para evitar tal descaminho Chasin propotildee o designativo posiccedilatildeo ontoloacutegica

pois com ela pretende tambeacutem pelo menos precaver contra a unilateralidade

decorrente da postura gnoseoloacutegica (sempre uma forma meramente

especulativa a respeito da morfologia do funcionamento ou seja da

organizaccedilatildeo e atividade da subjetividade) instigando e se rigorosamente

praticada orientando com rigor a pensar as coisas em seus proacuteprios nexos em

direccedilatildeo a uma totalidade mais plena de determinaccedilotildees A expressatildeo pretende

pois sinalizar e induzir agrave praacutetica intelectual de caraacuteter ontoloacutegico concebida em

sua forma mais consistente e consequumlente

Chasin pois pretendeu recuperar o sentido de ontologia enquanto

consideraccedilatildeo daquilo que eacute em sua efetividade Natildeo alguma distorccedilatildeo ou

dissoluccedilatildeo do ente enquanto ente seja sob sua forma do sentido do ente do

ser da apariccedilatildeo ou qualquer outra variaacutevel do tipo que embora possam incluir

dimensotildees do sensiacutevel sempre compreendem implicam ou tecircm por condiccedilatildeo de

possibilidade um sujeito mesmo que este seja o obervador da produccedilatildeo de

representaccedilotildees de caraacuteter racional Estudo pois das coisas em sua

independecircncia em sua exterioridade em face de possiacuteveis relaccedilotildees praacuteticas e

teoacutericas em que estatildeo ou possam vir a estar presentes inclusive aquelas pelas

quais em gecircnero superior de entificaccedilatildeo as coisas satildeo postas ou engendradas

De tal sorte que ainda e mesmo que todo o plano cognitivo possa ou

tenha de ser impugnado que toda ciecircncia possa ou tenha que ser posta em

duacutevida e considerada simples ilusatildeo ou equiacutevoco ou ter seu acircmbito reduzido agrave

pura convenccedilatildeo resta o fundamental o universo da praacutetica ou da vida vivida em

sua qualidade de confirmaccedilatildeo da dupla certeza da existecircncia do mundo e dos

homens e enquanto tal tem de ser reconhecido como ponto de partida da

7

intenccedilatildeo ontoloacutegica cujo propoacutesito eacute se constituir em base conceitual de sua

dilucidaccedilatildeo

Ainda no contexto da afirmaccedilatildeo da posiccedilatildeo ontoloacutegica e rejeiccedilatildeo seja

do vieacutes gnosioloacutegico ou cientificista seja das concepccedilotildees reinantes ditas

ontoloacutegicas Chasin de modo provocativo indaga Por que a foacutermula simples

do cogito eacute mais evidente ou funcional para efeito de fundamentaccedilatildeo do que a

evidecircncia do complexo sensiacutevel do gozo Por que a evidecircncia do cogito - o

pensamento do indiviacuteduo isolado - eacute superior agrave evidecircncia do existir que inclui a

presenccedila e a relaccedilatildeo viva dos outros e das coisas Chasin continua na mesma

direccedilatildeo no questionamento da pretensa superioridade do cogito indagando o

quecirc se esconde sob ela e acrescenta O cogito o truque cartesiano eacute a

conquista da certeza agrave custa de trecircs absurdidades o cogito desencarnado a

encarnaccedilatildeo divina da perfeiccedilatildeo e o mundo reduzido agrave extensatildeo A essas trecircs

conquistas digamos assim Chasin denomina de verdade alienada isto eacute

verdade emergente da subjetividade na forma da alienaccedilatildeo

A exercitaccedilatildeo ontoloacutegica ao contraacuterio assume como criteacuterio analiacutetico a

determinaccedilatildeo de que o objeto maturado eacute a chave do esclarecimento de suas

formas precedentes[iii] desde as embrionaacuterias ateacute as mais elaboradas que

antecedem no tempo sua fisionomia acabada Portanto a determinaccedilatildeo

marxiana do objeto maturado eacute produto desse espiacuterito teoacuterico pois soacute faz

sentido em posicionamento ontoloacutegico ou seja em reconhecimento do grau

constitutivo em que se encontra a coisa examinada

Segundo Chasin ainda Aristoacuteteles teve grande meacuterito em sua

propositura de uma filosofia primeira - base ou fundamento para a constituiccedilatildeo

das ciecircncias particulares - mas que por sua resoluccedilatildeo (de caraacuteter platocircnico

conforme jaacute demonstrara Eacute Gilson) e por seus pretendidos atributos ahistoacutericos

- categorias eternas e absolutas imutaacuteveis e perenes - constitui um modo

involuntaacuterio de elaboraccedilatildeo especulativa apesar de seu intento originaacuterio de

conhecer o efetivamente existente o ente enquanto ente Tais limites do intento

8

aristoteacutelico numa linha de argumentaccedilatildeo que confere prioridade agrave realidade

soacutecio-histoacuterica na produccedilatildeo de viabilidades ou inviabilidades teoacutericas e de sua

consequumlente explicaccedilatildeo eram vistos por Chasin como limites produzidos pelo

proacuteprio tempo grego sumariados a seguir

1) praacutetica humano-societaacuteria incipiente e acanhada que ganhou no

artigo O Futuro Ausente beliacutessima caracterizaccedilatildeo inspirada no Marx das

Formen Imaturaccedilatildeo natural e caracteriacutestica das remotas formas sociais em que

a propriedade da terra e a agricultura constituiacuteam a base da atividade material

tendo por objetivo a produccedilatildeo valores de uso ou seja a reproduccedilatildeo dos

indiviacuteduos em peculiares e bem determinadas relaccedilotildees com a comunidade[iv]

onde por via de consequumlecircncia indiviacuteduo e genecircro satildeo imediata e

transparentemente inseparaacuteveis e suas relaccedilotildees traduzem essa unidade

fundamental tornando desconhecida e impensaacutevel qualquer tipo de cissura que

contraponha ou menos ainda torne excludentes entre si as figuras de sua

polaridade[v] Mas a essa dimensatildeo positiva - sintomaticamente tatildeo atraente nos

dias atuais - corresponde uma negativa que Chasin esclarece na sequumlecircncia

todas as formas em que a comunidade pressupotildee sujeitos em determinada

unidade objetiva com as condiccedilotildees da atividade produtiva ou reciprocamente

nas quais uma especiacutefica existecircncia subjetiva faz com que a proacutepria comunidade

seja pressuposta como condiccedilatildeo de produccedilatildeo todas elas diz Marx

correspondem necessariamente e por princiacutepio a um desenvolvimento limitado

das forccedilas produtivas[vi]

2) Consequumlentemente impossibilidade para conceber a historicidade e

a contraditoriedade como categorias fundamentais do ser - que estrangulam a

mais precisa e universal por isso mesmo vaacutelida hoje e para sempre das

formulaccedilotildees atinentes agrave natureza e ao propoacutesito da ontologia

Meacuteritos e limites da filosofia primeira que apenas seratildeo realizados e

superados depois de um longo itineraacuterio repleno de contraposiccedilotildees internas

9

pelos lineamentos perfilados por Marx que tambeacutem herda criticamente

dimensotildees da filosofia moderna - do renascimento ao neohegelianismo

Desse modo com o objetivo de sumariar preliminarmente os conteuacutedos

dessa trajetoacuteria que Marx assimila por via criacutetica Chasin indica alguns deles

sem pretensatildeo alguma de esgotaacute-los

1) Do Renascimento - a infinitude do universo e o espiacuterito da

concepccedilatildeo do homem como o uacutenico ser aberto - existente e conhecido capaz

na potecircncia de seus atributos de conhecer e configurar a si e a seu mundo

ambos entendidos e tomados em sua naturalidade objetividade e o primeiro na

infinitude de sua essecircncia ativa

2) Do materialismo francecircs e inglecircs e do Iluminismo - a ruptura com a

conduta especulativa metafiacutesica e com o espiacuterito de sistema em filosofia que eacute

concebido como freio e obstaacuteculo agrave razatildeo Por meio dessa desobstruccedilatildeo o

iluminismo pode universalizar a filosofia como meio de toda verdade - natural e

espiritual - e ela passa a se voltar agraves tarefas praacuteticas donde a possibilidade e o

escopo de estabelecer a vida humana de modo racional Em outros termos

reconhece no pensamento o poder e o papel de organizar a vida o pensamento

deve ter papel analiacutetico mas tambeacutem fazer nascer a ordem cuja necessidade

ela concebeu[vii] Em contrapartida os limites do pensamento iluminista satildeo

sinteticamente os seguintes acentuaccedilatildeo unilateralizante da racionalidade

herdada do renascimento e distorcida pelo racionalismo do seacuteculo XVIII Aleacutem

disso tem-se o naturalismo vale dizer a ontologia do social demasiadamente

colada agrave ontologia da natureza embora natildeo se possa deixar de reconhecer que

frente ao abstracionismo metafiacutesico trata-se de um meacuterito pretender uma

ontologia ligada agrave natureza que em verdade eacute idealizada Talvez o melhor

exemplo dessa tradiccedilatildeo seja justamente Feuerbach

3) Do criticismo - a impossibilidade de uma ontologia como saber do

em si ou seja do ente enquanto ente pela via do absolutismo racional

10

dedutivista Em Kant em verdade tem-se a impossibilidade de uma ontologia

em Marx ao reveacutes tem-se apenas tal recusa agrave especulaccedilatildeo mas natildeo a

impossibilidade de conhecer o ente enquanto ente vale dizer Marx aceita o

espiacuterito da criacutetica kantiana ao conhecimento absoluto mas natildeo sua resultante

sistemaacutetica a sua vedaccedilatildeo ao conhecimento das coisas enquanto tais

4) Do hegelianismo - a concepccedilatildeo histoacuterica do ser portanto de sua

contrariedade bem como a natureza aproximativa do processo de

conhecimento ao mesmo tempo em que recusa o invoacutelucro miacutestico do

pensamento hegeliano - a dialeacutetica autocircnoma da razatildeo como demiurgo do real

ou da efetividade sensiacutevel ou seja refuta decidamente seu caraacuteter

especulativo

5) Do neohegelianismo - a problemaacutetica do homem e muito

especificamente duas contribuiccedilotildees de Feuerbach a criacutetica agrave especulaccedilatildeo e os

lineamentos mais gerais do ser soacute enquanto ser sensiacutevel ou objetivo (dimensotildees

de uma ontologia geral em seu niacutevel mais abstrato) Mas ao lado desse

aspecto positivo do pensamento feuerbachiano natildeo eacute possiacutevel deixar de

assinalar a objeccedilatildeo fundamental dirigida a ele por Marx sua concepccedilatildeo

naturalista do homem vale dizer sua incapacidade de o determinar como ser

social Assim em Feuerbach o homem eacute sensiacutevel objetivonatural e natildeo

objetivo-social - a grande descoberta marxiana

Grande descoberta que eacute mais amplamente avaliada quando se

considera o conjunto das linhas manifestas pelos principais representantes do

neohegelianismo B Bauer formulador de uma concepccedilatildeo do homem como

auto-consciecircncia racional M Stirner com a elevaccedilatildeo do egoiacutesmo agrave condiccedilatildeo de

essecircncia humana Feuerbach com a concepccedilatildeo naturalista do homem centrada

no amor Nesse cenaacuterio somente Marx comparece com a descoberta da

sociabilidade como substacircncia constitutiva do homem - e natildeo meramente uma

essecircncia imutaacutevel mas histoacuterica e contraditoacuteria produzida e reproduzida pela

proacutepria atividade sensiacutevel dos homens

11

De sorte que do ente enquanto ente aristoteacutelico determinado por sua

forma substancial eterna ao ser social marxiano compreendido em suas

mudanccedilas categoriais - eacute do que consiste a histoacuteria - se vai de uma filosofia

primeira que terminou por sua resoluccedilatildeo originaacuteria na forma de um saber

absoluto a um saber histoacuterico de base que se desenvolve pela infinitude de

aproximaccedilotildees empreendidas em direccedilatildeo ao absoluto entendido pura e

simplesmente como completude ou totalidade que praticamente nunca se

realiza porque desnecessaacuterio para o saber ao qual bastam completudes mais

modestas e ainda mais como saber para a praacutetica

De modo que a filosofia primeira de configuraccedilatildeo marxiana eacute antes de

tudo a afirmaccedilatildeo da objetividade do mundo e a possibilidade ser conhecido

possibilidade que eacute soacutecio-historicamente determinada exercendo a funccedilatildeo de

base e guia para a ciecircncia da histoacuteria especificamente como ontologia regional

do ser social e que nutre das ciecircncias e a elas responde tanto quanto elas

mesmas tem de responder aos lineamentos ontoloacutegicos pelos quais se guiam

mas aos quais natildeo tomam como coaacutegulos de saber imutaacutevel De sorte que

ontologia e ciecircncia se potencializam e se criticam reciacuteproca e

permanentemente

Tambeacutem de acordo com Chasin por essas razotildees a ontologia

marxiana natildeo eacute uma resoluccedilatildeo de caraacuteter absoluto nos moldes do sistema

convencional mas a condiccedilatildeo de possibilidade de resoluccedilatildeo do saber Eacute em

outras palavras um estatuto movente e movido de cientificidade orienta e eacute

orientado pela ciecircncia e pela praacutetica universal dos homens Orienta e eacute

orientada guia e eacute guiada corrige e eacute corrigida Ou seja natildeo eacute um absoluto

inquestionaacutevel uma certeza estabelecida por deduccedilatildeo a partir de axiomas de

uma vez para sempre Mesmo porque a certeza cognitiva natildeo pode estar no

ponto de partida mas compreendida como alvo de uma busca permanente

procura intensiva e extensiva cuja infinitude eacute posta a cada momento entre

parecircnteses no qual o grau de certeza alcanccedilado eacute assumido como realizaccedilatildeo

maacutexima tendo por limites as possibilidades do tempo ou cenaacuterio histoacuterico grau

12

a ser confirmado ou ampliado ou ao inveacutes restringido na parte ou descartado

no todo posteriormente com todas as suas implicaccedilotildees correlatas

Em suma quando se utiliza a expressatildeo posiccedilatildeo ontoloacutegica e natildeo

perspectiva oacutetica prisma ou ponto de vista pretende-se remeter a lugar e agraves

coisas ou seja o reconhecimento do mundo como multiverso de entes reais

objetivos e que por isso mesmo faceiam o observador praacutetico ou teoacuterico natildeo

dependendo deste para existir em face do qual satildeo independentes Eacute

finalmente o reconhecimento da prioridade das coisas nas relaccedilotildees cognitivas

sem desconhecer eacute claro o caraacuteter ativo do investigador

Quando Chasin procura enfatizar o reconhecimento noccedilatildeo

imediatamente conexa a de posiccedilatildeo ontoloacutegica eacute por que aquela tem a

vantagem de colocar em primeiro lugar o caraacuteter natildeo puramente teoacuterico

contemplativo mas sobretudo praacutetico[viii] da aproximaccedilatildeo ao ente aleacutem da

natureza da operaccedilatildeo mental que designa - constataccedilatildeo ou recogniccedilatildeo vale

dizer a admissatildeo de algo a respeito do qual o discurso se pronuncia como forma

imediata de representaccedilatildeo

Relevar o caraacuteter praacutetico de aproximaccedilatildeo ao ente ou em outras

palavras partir ou dar prioridade agrave praacutetica significa por seu turno partir do

caraacuteter essencial do ser do homem por sua exteriorizaccedilatildeo operativa no mundo

que confirma sua forma de vida ou modo de existecircncia Quer dizer eacute um ponto

de partida desde logo sob criteacuterio ontoloacutegico ou seja que considera a

efetividade ocircntica do homem e do mundo de tal sorte que ambos satildeo

reconhecidos enquanto atividade sensiacutevel Caminho que tem o meacuterito de evitar

as vias reflexas[ix] como tambeacutem os engenhos e supostos dos encantamentos

especulativos como cogito sujeito transcendental ou os arqueacutetipos

generalizando uma expressatildeo marxiana os misticismos loacutegicos que nunca

deixam de mostrar sua condiccedilatildeo de artifiacutecios por mais rigorosos e envolventes

que sejam tanto que podem sempre ser contestados de algum modo ao passo

que os indiviacuteduos vivos e ativos os pressupostos dos quais Marx parte em A

13

Ideologia Alematilde natildeo podem nunca ser recusados a natildeo ser na fantasia e sob

pena de cancelar todo e qualquer andamento reflexivo

Em suma reconhecimento ontopraacutetico significa pois tomar como

ponto de partida a praacutetica - desde a praacutetica cotidiana agrave praacutetica cientiacutefica de ponta

- de um tempo dado

O plano ontopraacutetico jaacute bem delineado no texto de 1995 ganha nos

anos seguintes sucessivas correccedilotildees por parte do autor a ponto de se tornar o

eixo a partir do qual Chasin faz a criacutetica das Teorias da Fundamentaccedilatildeo ou

como ele as denomina ironicamente A Querela da Fundamentaccedilatildeo

A esse respeito costumava ele indagar O que eacute um fundamento Uma

Teoria da Subjetividade ou Uma Teoria da Objetividade

Se o fundamento for considerado a partir de uma teoria da

subjetividade por onde comeccedilar Pelo aparato sensorial como no empirismo

Ou pela consciecircncia ou coisa que o valha como o cogito cartesiano a

autoconsciecircncia a razatildeo ou as formas a priori do entendimento Ou ainda uma

teoria da mente

Ainda no plano do fundamento subjetivo poder-se-ia partir da

experiecircncia da vivecircncia do vivido Neste caso o vivido seria o preacute-teoreacutetico

mas enquanto experiecircncia existencial isto eacute as vivecircncias do indiviacuteduo isolado

em experiecircncia aleatoacuteria fortuita acidental

Mas se o fundamento for uma Teoria da Objetividade por onde

comeccedilar Pelos fenocircmenos empiacutericos Mas nesse caso natildeo terminariacuteamos

apenas no fundamento psicoloacutegico isto eacute teriacuteamos o psicologismo como

fundamento da verdade

14

E se partiacutessemos do todo concreto Natildeo findariacuteamos numa visatildeo

caoacutetica e abstrata de conjuntos indeterminados desamparados na companhia

de um punhado de abstraccedilotildees razoaacuteveis e irrazoaacuteveis

Feitas tais indagaccedilotildees Chasin conclui de modo enfaacutetico Toda peticcedilatildeo

de fundamento todo discurso por um fundamento estaacute encerrado na esfera

teoacuterica Aleacutem do mais todo discurso de fundamentaccedilatildeo pretende e implica uma

certeza ou seja de um modo ou de outro a suposiccedilatildeo de um saber absoluto

ainda que um simples momento do saber absoluto Vale dizer o discurso da

fundamentaccedilatildeo desemboca de algum modo na razatildeo especulativa Em outras

palavras implica algo que transcende a proacutepria natureza do saber que eacute um

processo infinito de aproximaccedilotildees

Para Chasin o reconhecimento do ontopraacutetico tem a vantagem de

escapar agrave querela da fundamentaccedilatildeo na medida em que parte da experiecircncia

real melhor dizendo da praacutetica real natildeo de uma experiecircncia isolada

arbitrariamente natildeo da experiecircncia aleatoacuteria da suposta existecircncia existencial

dos indiviacuteduos isolados dos indiviacuteduos em derreliccedilatildeo

O universo ontopraacutetico eacute o necessariamente vivido para que qualquer

pergunta possa se dar Eacute portanto a esfera preacute-teoreacutetica esfera que antecede

qualquer teoria Esfera sem a qual natildeo haacute vida humana e portanto sem a qual

natildeo pode haver qualquer pergunta teoacuterica

A reflexatildeo que tem como ponto de partida o ontopraacutetico estabelece

assim um pressuposto concreto (e natildeo uma verdade ideada) do qual natildeo posso

me afastar a natildeo ser na imaginaccedilatildeo

Em siacutentese a esfera ontopraacutetica representa o complexos dos homens

vivos e ativos A partir dessa abstraccedilatildeo razoaacutevel - o ontopraacutetico - pode-se

encontrar jaacute numa analiacutetica de desentranhamento desse complexo real o

devido lugar da ontologia da epistemologia e da ciecircncia da histoacuteria que

compreende dois grandes ramos natureza e sociedade

15

Em outras palavras sem a consideraccedilatildeo do ontopraacutetico torna-se

aleatoacuteria a localizaccedilatildeo que se confere tanto ao ontoloacutegico quanto ao epistecircmico

A opccedilatildeo por um deles se torna uma arbitrariedade teoacuterica e eacute justamente isto

que gera a querela da fundamentaccedilatildeo pois a decisatildeo fica submersa ao plano

teoacuterico ao jogo dos argumentos agrave ambivalecircncia do logos que eacute irresolutivo

Sem a consideraccedilatildeo do ontopraacutetico parte-se assim de imediato da

teoria e natildeo do ser que faz da teoria ou deste como uma abstraccedilatildeo da

inteligibilidade ou seja de uma faculdade abstraiacuteda do ser que a possui

gerando com isso um absurdo ontoloacutegico

Eacute portanto a partir da analiacutetica do ontopraacutetico pelo reconhecimento de

seus traccedilos categoriais que tem iniacutecio a elaboraccedilatildeo ontoloacutegica Ou seja a

ontologia nasce como reflexatildeo conscientizaccedilatildeo conceituaccedilatildeo do ontopraacutetico

enquanto primeiro objeto da ontologia que a partir daiacute se encaminha em

direccedilatildeo agrave criacutetica - em termos de sua necessidade e loacutegica especiacutefica - do proacuteprio

ontopraacutetico isto eacute do complexo dos objetos reais aiacute incluiacutedo o homem

Resta ainda em relaccedilatildeo agrave problemaacutetica geral em tela aflorar a questatildeo

da adequatio tal como era tematizada tambeacutem em seus cursos

Polemizando com a denominaccedilatildeo de realismo comumente utilizada

para denominar proposituras que conferem prioridade ao mundo objetual

Chasin afirmava que haacute realismo - antigo - quando eacute suposto que a ordem da

razatildeo agrave idecircntica a ordem do real e que a partir de axiomas por meios racionais-

dedutivos embuiacutedos do espiacuterito de sistema se possa estabelecer a verdade do

mundo

Em Marx entretanto a ordem das coisas e da razatildeo satildeo distintas (um

exemplo expressivo desta postura marxiana pode ser encontrada na famosa

Introduccedilatildeo de 57) ambas mutaacuteveis e processuais - unidade da desidentidade

entre ser e saber Assim o mundo natildeo pode ser deduzido racionalmente mas

reproduzido sob forma de ideacuteia por meio de aproximaccedilotildees - empiacuterico abstrato

16

concreto - num processo intensivo e extensivo historicamente condicionado

possibilitado ou impedido - na dependecircncia que fica da maturaccedilatildeo do objeto e

do posicionamento do sujeito O processo mimeacutetico eacute portanto reproduccedilatildeo

conceitual de efetividades donde se lida com duas ordens de formaccedilotildees real e

ideal A reproduccedilatildeo conceitual apresenta portanto sua proacutepria loacutegica mas no

interior da determinaccedilatildeo soacutecio-histoacuterica do pensamento de modo que uma

teoria do conhecimento (morfologia e dinacircmica da subjetividade in abstratu e

imutaacutevel) eacute incapaz de explicar o processo cognitivo pois a faculdade humana

da forccedila da abstraccedilatildeo depende das possibilidades oferecidas pela

determinaccedilatildeo social do pensamento que por sua vez se manifesta e se

configura pelo desenvolvimento dos objetos e da praacutetica humana que sobre eles

tem incidecircncia

Donde a franca afirmaccedilatildeo marxiana da possibilidade de conhecer natildeo

se confunde com a simplicidade e facilidade da concepccedilatildeo realista nem mesmo

no plano da ingenuidade cotidiana desde logo porque a atividade cotidiana -

que estaacute para aleacutem da ingenuidade ou lanccedila os sujeitos para aleacutem da

ingenuidade - eacute em si um complexo rico e desafiador matrizador inclusive da

intentio recta atitude natural e necessaacuteria da esfera ontopraacutetica

Haacute portanto que distinguir as grandes diferenccedilas ontoloacutegicas entre o

estatuto marxiano e a ontologia realista Na primeira a adequatio digamos

assim eacute correlaccedilatildeo entre formaccedilatildeo real e formaccedilatildeo ideal duas ordens distintas

de configuraccedilatildeo Em outras palavras eacute correlaccedilatildeo conceitual entre entificaccedilatildeo

concreta e reproduccedilatildeo conceitual Em suma a reproduccedilatildeo conceitual nada mais

eacute do que transposiccedilatildeo agrave cabeccedila ordenada pelos nexos do real na forma e pelos

meios da proacutepria atividade mental

I - Tomando Marx por Base e por Ponto de Chegada

17

Considerando como ponto de referecircncia as consideraccedilotildees

desenvolvidas por Marx em O Capital especificamente sobre a dificuldade

encontrada pela humanidade na compreensatildeo do valor ao longo de dois

milecircnios - de Aristoacuteteles a Ricardo - pode-se sustentar segundo Chasin que

um fenocircmeno muito similar a este se produziu no que tange agrave determinaccedilatildeo do

ser ou seja da(s) matriz(es) da(s) realidade(s) ou seja da efetividade

Tomemos as passagens em questatildeo que se encontram no Prefaacutecio agrave

Primeira Ediccedilatildeo de O Capital Todo comeccedilo eacute difiacutecil isso vale para qualquer

ciecircncia A forma do valor cuja figura acabada eacute a forma do dinheiro eacute muito

simples e vazia de conteuacutedo Mesmo assim o espiacuterito humano tem procurado

desvendaacute-la (ergruumlden) em vatildeo haacute mais de 2000 anos enquanto por outro lado

teve ecircxito ao menos aproximado a anaacutelise de formas muito mais complicadas e

replenas de conteuacutedo Por quecirc Porque o corpo desenvolvido eacute mais faacutecil de

estudar do que a ceacutelula do corpo Aleacutem disso na anaacutelise das formas econocircmicas

natildeo podem servir nem o microscoacutepio nem reagentes quiacutemicos A forccedila da

abstraccedilatildeo deve substituir a ambos Para o leigo a anaacutelise parece se perder

em pedantismo Trata-se efetivamente de pedantismo mas daquele de que se

ocupa a anatomia microscoacutepica

De acordo com Chasin eacute necessaacuterio reter os seguintes noacutedulos

significativos da citaccedilatildeo acima

1) todo iniacutecio de uma ciecircncia eacute difiacutecil donde o princiacutepio da ontologia o

princiacutepio da ciecircncia deve ser o mais difiacutecil de todos

2) haacute grande dificuldade na compreensatildeo da forma do valor que eacute um

objeto simples e vazio de conteuacutedo

3) haacute ecircxito maior na anaacutelise de formas mais complicadas e replenas de

conteuacutedo

18

Na mesma citaccedilatildeo Marx enuncia os motivos de tal dificuldade

1) o corpo desenvolvido eacute mais faacutecil de estudar do que a ceacutelula do

corpo

2) meacutetodos experimentais natildeo satildeo aplicaacuteveis a esse tipo de forma

3) a analiacutetica dessa forma pela forccedila da abstraccedilatildeo deve tomar o lugar

da observaccedilatildeo empiacuterica e experimental

4) anaacutelise voltada agrave anatomia microscoacutepica da forma estudada

A partir dessas indicaccedilotildees colhidas no texto de Marx Chasin elabora

um esboccedilo para fins unicamente didaacuteticos em que busca transpassaacute-las para a

proacutepria questatildeo ontoloacutegica afirmando o que se segue

1) o iniacutecio difiacutecil da ontologia perdurou tambeacutem por mais de 2000

anos trajetoacuteria em que se observa tateios imprecisos caracterizados por um

movimento simultacircneo de constituiccedilatildeodissoluccedilatildeo ateacute chegar em Marx Tal

movimento simultacircneo de constituiccedilatildeodissoluccedilatildeo revela por seu rumo

imanentemente contraditoacuterio por seus caminhos e descaminhos histoacutericos a

dificuldade e a longa incapacidade na formulaccedilatildeo precisa de seu objeto e

alcance ou seja de sua natureza e propoacutesito - de sua funccedilatildeo orientadora e

sustentadora no plano teoacuterico e de sua origem praacutetica preacute-teoreacutetica

2) reconhecimento ontopraacutetico das formas dos seres e analiacutetica da

forma do ser apenas por meio da forccedila da abstraccedilatildeo no reconhecimento

ontopraacutetico os seres satildeo reconhecidos como substantivos e nesse caso ateacute

certo ponto vale para a observaccedilatildeo espontacircnea e observaccedilatildeo comum pois o

desvendamento completo exige forccedila de abstraccedilatildeo como verbo ( o ato de ser

de Gilson) soacute a forccedila da abstraccedilatildeo daiacute a facilidade para se cair no

abstrativismo

19

Eacute nesse preciso momento da exposiccedilatildeo chasiniana que surgem as

primeiras referecircncias a Eacute Gilson assim como a N Hartmann momentos mais agrave

frente Evidentemente que esse procedimento natildeo ocorre por acaso pois o que

estaacute em questatildeo agora satildeo as tentativas contemporacircneas de resgate da

tematizaccedilatildeo ontoloacutegica

Eacute Gilson afirma que o mais fundamental dos problemas da filosofia - a

relaccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia que por seu turno diz respeito agrave distinccedilatildeo

de ser como nome isto eacute como substantivo em latim ens (ente) e como verbo

esse Eacute sabido que o esse tomista eacute concebido como ato de ser - actus essendi -

significando portanto existecircncia ato de existir ato de ser

Chasin comenta a ambiguumlidade da noccedilatildeo de ser para qual Gilson

chama atenccedilatildeo afirmando o que se segue

1) Ens eacute um nome que significa um ser (determinado) ou seja a

natureza e a essecircncia de qualquer existente ou entatildeo - o ser mesmo - uma

propriedade comum a tudo aquilo que se pode dizer que eacute (que pertence a)

Em suma enquanto nome ou substantivo ser designa um existente

qualquer ou uma propriedade comum a todos os existentes designa o que

verdadeiramente eacute ou uma propriedade geral eacute um ente ou uma entidade

2) Enquanto verbo ser designa a accedilatildeo ou o ato de ser exercido pelo

ente Assim como verbo natildeo significa que algo eacute nem a existecircncia em geral

mas o ato mesmo pelo qual qualquer realidade dada eacute de fato ou existe

Precisamente a este ato Gilson chama de ser em contraposiccedilatildeo a ente

De todo modo feita a distinccedilatildeo Chasin considera existir um seacuterio

problema ao tomar em separado ens e esse indagando eacute possiacutevel pensar em

duas figuras no isolamento Seraacute que essa configuraccedilatildeo eacute de fato o mais

fundamental dos problemas ou eacute o mais antigo o mais remoto e o mais cultuado

dos equiacutevocos da histoacuteria da filosofia

20

De um lado a compreensatildeo da forma de ser enquanto verbo como

pura significaccedilatildeo verbal de existir de estar presente enquanto significaccedilatildeo de

ato ou presenccedila o verbo eacute forma simples e vazia de conteuacutedo pois reduzida ao

predicado mais geral e comum das coisas denota apenas sua existecircncia De

outro lado ocorre o mesmo problema com o substantivo ser - ens - pois redunda

em essecircncia imutaacutevel Em outras palavras na histoacuteria da filosofia nesses dois

caminhos houve de longa data polecircmica sobre o que existe em que plano se daacute

a existecircncia e assim por diante No caso do ser como verbo o ser eacute muito

parcamente categorial reduzido agrave presenccedila no tempo e no espaccedilo soacute possui o

predicado abstrato da existecircncia no caso do substantivo tomado sem o ato de

existir se converte em complexo de propriedades ou entidades perenes

A resoluccedilatildeo para tal questatildeo reside segundo Chasin em tomar o ser

enquanto complexo categorial daquilo que eacute como ente que existe Nesse

sentido o desvendamento tem ecircxito maior como mostra a ciecircncia que toma

para anaacutelise formas mais complicadas e replenas de conteuacutedo vale dizer uma

vez que tem por alvo o ser por sua efetividade e determinado por suas

qualidades natildeo apenas pelo reconhecimento de sua presenccedila mas pelo seu

complexo categorial

Ora arremata Chasin a forma sensiacutevel do ente compreende o ens e o

esse ou seja a plena riqueza do complexo categorial

- Loacutegica e Ciecircncia

Neste item Chasin defende a tese de que na medida em que

pretendeu e pretenda ser uma disciplina ou ciecircncia de chegada isto eacute

21

conclusiva autocircnoma e sistemaacutetica a ontologia acaba por ser transmutada em

loacutegica ou ciecircncia

Talvez possa ser dito que nas ontologias onde predomine

unilateralmente o ser como verbo ou o ente como essecircncia terminem por ser

uma loacutegica que de alguma forma acaba por ter a pretensatildeo de constituir o ser

a loacutegica eacute entatildeo o segredo uacuteltimo do ser ou sua base cognitiva e por essa via

sua base ontoloacutegica - que assim nega a ontologia ou seja o reconhecimento do

ser por si

De outra parte predominando o ser como substantivo o fim da

ontologia acaba por ser uma forma de ciecircncia ou seja a ontologia eacute novamente

negada como ocorreu com a ciecircncia moderna donde sua pretendida auto-

suficiecircncia que apenas admite por fundamento uma forma qualquer de

gnosiologia isto eacute uma forma a priori da operatividade subjetiva

desaparecendo assim a regecircncia do objeto o que ao contraacuterio caracteriza o

espiacuterito e o propoacutesito ontoloacutegicos ou seja o reconhecimento do ente enquanto

ente o oacuten qua oacuten ou ser por si

Em suma a ontologia quando centrada no ser como verbo rarefeita

pelo vazio de sua forma termina por ser loacutegica por outro lado quando centrada

no ser como substantivo agraves voltas com gecircneros formados por complexos

qualitativos termina por se constituir em ciecircncia particular e autocircnoma Assim

ao pretender ser tudo concludente sistemaacutetica e independente por sua forma

mais vazia ou por suas categorias abstratas e perenes a ontologia acaba por

ser negada pela loacutegica ou pela ciecircncia Pretendendo ser tudo acaba por

desaparecer

Ora ao tomar o ser como verbo a ontologia tem de compreender que

natildeo pode ser mais do que a anatomia de uma propriedade do ser - de sua

propriedade mais geral e vazia - a propriedade de sua presenccedila enquanto corpo

real ausente ou presenccedila de um complexo categorial abstraiacutedo O ser aqui eacute

22

reduzido agrave forma mais vazia a simples propriedade de um todo que escapa

completamente agrave sua jurisdiccedilatildeo Donde seu desenlace em loacutegica

De outra parte quando o ser eacute tomado em sua denotaccedilatildeo substantiva

ou seja na multiplicidade de suas propriedades qualitativas em interconexatildeo

especiacutefica transborda em ciecircncia na medida em que a ontologia pretenda a

condiccedilatildeo de disciplina ou ciecircncia sistemaacutetica

Donde a impossibilidade de a ontologia ficar adstrita agrave forma do verbo

nem se realizar como dilucidaccedilatildeo concreta do substantivo Assim deve-se

reconhecer que a ontologia natildeo pode se realizar em nenhum desses dois poacutelos

nem simples tematizaccedilatildeo do ato geneacuterico da presenccedila - que redundaria em

simples compoacutesito tautoloacutegico nem tematizaccedilatildeo do ser substantivo concreto

pois aiacute se desnaturaria em ciecircncia especiacutefica

Conclusivamente a ontologia nem eacute simples tautologia do ser em ato

nem efetivaccedilatildeo cientiacutefico-concreta do desvendamento do ser como substantivo

Enquanto tal a ontologia eacute uma realizaccedilatildeo necessaacuteria no espaccedilo que antecede

aqueles dois poacutelos em verdade a plataforma que leva da constataccedilatildeo mais

abstrata do ser (tanto como substantivo quanto verbo) agrave sua reproduccedilatildeo

cientiacutefica como substantivo Enquanto tal eacute um estatuto - uma filosofia primeira

o cacircnon da legalidade do ser matrizado pelos traccedilos ou vetores categoriais

fundamentais do ser por si que matriza a cientificidade tanto em sua forma mais

abstrata - loacutegica - quanto em sua forma mais concreta - ciecircncia

O problema fundamental da filosofia primeira - philosophia prima - eacute o

problema das categorias mais gerais do ser aiacute incluso o ato de ser donde em

sua plenitude o ato sensiacutevel de ser - ens e esse o ens essendi complexo

categorial pleno no ato de existir

Essa plataforma estatutaacuteria natildeo eacute uma disciplina situada entre outras

disciplinas entre a loacutegica e a ciecircncia como um campo intermediaacuterio entre o

verbo e o substantivo entre a maacutexima abstratividade e a efetividade concreta

23

Essa distribuiccedilatildeo topograacutefica confere agrave abstraccedilatildeo a condiccedilatildeo de fundaccedilatildeo

(determinaccedilatildeo originaacuteriaontoloacutegica) e fundamento (ponto de partida

epistemoloacutegico) Se assim fosse perderia a condiccedilatildeo de filosofia primeira

Enquanto filosofia primeira eacute o reconhecimento do substantivo verbal

do substantivo que eacute do ens essendi natildeo de uma substantividade qualquer em

abstrato mas da substantividade que existe por todas as modalidades

categoriais isto eacute reais (sensiacuteveis) natildeo apenas um substantivo pensado que

dependeria para ser do pensamento mas do substantivo que eacute por-si

independentemente se ser pensado o que requer o complexo categorial

da sensibilidade por isso eacute que soacute eacute ser o ser sensiacutevel Vale dizer o ser como

verbo eacute resultado do ser substantivo soacute um sujeito (em suas diversas formas na

cadeia do ser) eacute (soacute um sujeito existe eacute faz sente pensa etc de acordo com

seu grau na cadeia do ser)

A ontologia do puro verbo ser ou das puras essecircncias (complexo

categorial abstrativante e eterno) eacute a autonomizaccedilatildeo das categorias ou da

existecircncia em relaccedilatildeo ao ser e existir reais agraves formas reais de ser e existir satildeo

as categorias e a existecircncia sem corpo ou sujeito mais do que isso satildeo as

categorias (essecircncia) e existecircncia em geral universal e abstrata tornadas

sujeito a essecircncia ou a existecircncia abstratas personificadas - e isso satildeo

puramente figuras do pensamento o que jaacute eacute especulaccedilatildeo natildeo ontologia

Marx agrave semelhanccedila de Feuerbach soacute admite como ente ou melhor

como entificaccedilatildeo o ens essendi - o ente sendo o ente no ato de ser o ente

revestido de existecircncia atual - objetivo o ente no exerciacutecio da accedilatildeo ou ato de

ser eacute portanto um ente existente ou seja o ente que estaacute sendo o ente no ato

de existir

Donde do mesmo modo que em Feuerbach o ser eacute inseparaacutevel de sua

existecircncia Ser e existir constituem uma unidade indissoluacutevel complexo

24

categorial no ato de ser pela atualizaccedilatildeo do complexo categorial essecircncia

determinada e mutaacutevel na mutabilidade de ser e ir sendo (essendi)

Eacute chegada a hora depois desta etapa analiacutetica de vislumbrar qual eacute o

cenaacuterio em Marx que esse conjunto de questotildees se coloca Com esse objetivo e

como eacute tiacutepico de seu procedimento investigativo junto aos textos daquele autor

Chasin toma para anaacutelise o item 1 O Processo de Trabalho do capiacutetulo V de O

Capital Nele pode-se identificar em primeiro lugar a natureza geral (universal)

da atualizaccedilatildeo da forccedila de trabalho que se encontra em potecircncia nos indiviacuteduos

A produccedilatildeo de valores de uso ou bens natildeo muda sua natureza geral por se

realizar para o capitalista e sob seu controle Por isso o processo de trabalho

deve ser considerado de iniacutecio independentemente de qualquer forma social

determinada[x]

Por que o processo de trabalho deve ser considerado de iniacutecio

independentemente de qualquer forma social determinada indaga Chasin A

resposta eacute formulada em estilo direto Para natildeo ser perdida a natureza do

trabalho sua positividade enquanto atividade humana vital

Tem-se nessa passagem segundo Chasin um exemplo do exerciacutecio

de uma ontologia estatutaacuteria - a positividade (sua efetividade ou operosidade)

universal do trabalho enquanto atributo vital e inalienaacutevel do homem

independentemente de suas formas concretas que se apresentam na forma do

trabalho alienado

Eacute a determinaccedilatildeo universal do trabalho o traccedilo de sua legalidade

uacuteltima sua determinaccedilatildeo mais geral e essencial dimensatildeo que natildeo desaparece

nem mesmo sob suas formas concretas mais negativas

A ontologia estatutaacuteria registra o traccedilo ou rastro dessa dimensatildeo

permanente que atravessa as formas concretas em sua efetividade contraditoacuteria

e especialmente desfavoraacutevel para o homem enquanto maioria subjugada ao

longo de toda a preacute-histoacuteria da humanidade

25

Permanente mas permanente processual mutaacutevel diversamente

positivo quantitativa e qualitativamente em cada uma das formas concretas em

que o trabalho aparece nas configuraccedilotildees sociais determinadas

Nesse sentido abstratamente permanente abstratamente positivo mas

onde essa abstratividade natildeo corresponde a uma simples determinaccedilatildeo

conceitual Corresponde a uma efetividade em sua figura proacutepria em cada forma

social determinada

Agrave ontologia estatutaacuteria compete o reconhecimento dessa dimensatildeo mais

geral base para a decifraccedilatildeo cientiacutefica concreta dos casos efetivos que por sua

vez confirmam ou natildeo criticamente a determinaccedilatildeo mais geral ontoloacutegica Natildeo

haacute portanto um abismo separando ontologia de ciecircncia mas a continuidade de

momentos distintos de uma mesma unidade de conhecimento que interagem e

se medem reciprocamente se apoacuteiam estimulam e criticam um infinito processo

constitutivo das certezas

Continuando a anaacutelise do texto marxiano tem-se a descriccedilatildeo do

trabalho e o reconhecimento analiacutetico de sua natureza Antes de tudo [aqui

Chasin faz uma pequena observaccedilatildeo assinalando ou seja na raiz em seu

fundamento diria uma linguagem mais convencional e ciosa de suas

pretendidas atribuiccedilotildees] o trabalho eacute um processo entre o homem e a

natureza um processo em que o homem por sua proacutepria accedilatildeo medeia regula

controla seu metabolismo com a natureza Ele mesmo se defronta com a

mateacuteria natural Ele potildee em movimento as forccedilas naturais pertencentes agrave sua

corporalidade braccedilos e pernas cabeccedila e matildeo a fim de se apropriar da mateacuteria

natural numa forma uacutetil para a sua proacutepria vida Ao atuar por meio desse

movimento sobre a natureza externa a ele e ao modificaacute-la ele modifica ao

mesmo tempo sua proacutepria natureza Ele desenvolve as potecircncias nela

adormecidas e sujeita o jogo de suas forccedilas a seu proacuteprio domiacutenio[xi]

26

Observe-se que diz Chasin ao trabalhar ao mudar a forma da

natureza ao construir sua proacutepria mundaneidade o homem ele proacuteprio por

meio de seu proacuteprio trabalho transforma a sua proacutepria natureza Ou seja de ser

natural para social eis um novo exemplo de lineamento reconhecido e recolhido

agrave ontologia estatutaacuteria

Prosseguindo na especificaccedilatildeo Marx afirmaPressupomos o trabalho

numa forma que pertence exclusivamente ao homem Uma aranha executa

operaccedilotildees semelhantes agraves do tecelatildeo e a abelha envergonha mais de um

arquiteto humano com a construccedilatildeo dos favos de suas colmeacuteias Mas o que

distingue de antematildeo o pior arquiteto da melhor abelha eacute que ele construiu o

favo em sua cabeccedila antes de construiacute-lo em cera No fim do processo de

trabalho obteacutem-se um resultado que jaacute no iniacutecio deste existiu na imaginaccedilatildeo do

trabalhador e portanto idealmente Ele natildeo apenas efetua uma transformaccedilatildeo

da forma da mateacuteria natural realiza ao mesmo tempo na mateacuteria natural seu

objetivo que ele sabe que determina como lei a espeacutecie e o modo de sua

atividade e ao qual tem de subordina sua vontade E essa subordinaccedilatildeo natildeo eacute

um ato isolado Aleacutem do esforccedilo dos oacutergatildeos que trabalham eacute exigida a vontade

orientada a um fim que se manifesta como atenccedilatildeo durante todo o tempo de

trabalho e isso tanto mais quanto menos esse trabalho pelo proacuteprio conteuacutedo e

pela espeacutecie modo de sua execuccedilatildeo atrai o trabalhador portanto quanto

menos ele o aproveita como jogo de suas proacuteprias forccedilas fiacutesicas e espirituais[xii]

Chasin chama atenccedilatildeo para as seguintes observaccedilotildees

1) a preacutevia-ideaccedilatildeo do resultado (do fim) a existecircncia ideal do mesmo

na imaginaccedilatildeo donde o objeto ou um complexo categorial in mente e ante

res[xiii]

Preacutevia-ideaccedilatildeo e teleologia satildeo ou podem ser momentos confluentes

mas natildeo satildeo idecircnticos a preacutevia-ideaccedilatildeo estaacute no comeccedilo e eacute um desenho ideal

que implica o conhecimento da espeacutecie e do modo da atividade a realizar

27

conhecimento das malhas causais teleologia eacute simplesmente finalidade fim

objetivo podendo se apresentar de modo meramente volitivo e bem abstrato

natildeo mobilizante dos ou sem os meios de sua realizaccedilatildeo ou seja ter teleologia

sem preacutevia-ideaccedilatildeo natildeo conduz a nenhum processo de trabalho Quero assinar

que o termo teleologia pode ser demasiado vago no sentido de mero conceito

filosoacutefico convencional nesse sentido apenas alusivo e natildeo instrumentador de

operaccedilotildees na esfera da atividade sensiacutevel Pode ser entendido mais como

manifestaccedilatildeo de espiacuterito do que como exigecircncia de efetuaccedilatildeo de mudanccedila de

forma da mateacuteria natural e objetivaccedilatildeo de propoacutesito E de toda forma indica

antes de tudo que o fim o realizado estaacute no fim do processo fala do obtido ou

do a ser obtido nada nos diz da travessia que realiza da travessia que passa do

ideal para o real natildeo nos fala da mobilizaccedilatildeo ideal e material necessaacuterias

Quando a teleologia se manifesta como resultado jaacute natildeo eacute preciso dizer mais

nada a respeito Basta saudar e usufruir de sua apariccedilatildeo que nada tem de

maacutegica ou misteriosa mas antes de reconhececirc-la como produto das

metamorfoses de subjetividade e objetividade Ou seja em suas distintas

naturezas inconfundiacuteveis enquanto tais objetividade e subjetividade satildeo

entificaccedilotildees na mundaneidade humana e nessa qualidade estados ou momentos

do ser social momentos regidos pela atividade ideal e sensiacutevel do mesmo

Penso que Lukaacutecs ao transpor a questatildeo para a linguagem filosoacutefica

tradicional pode ter dissociado demais fins e meios o que natildeo eacute o caso dos

textos de Marx Por isso Lukaacutecs se vecirc obrigado depois a buscar a rearticulaccedilatildeo

entre teleologia e causalidade e nisso encontre natildeo poucas dificuldades (como

uma passa para outra e vice-versa parecendo que lida ao limite com

substacircncias incomunicaacuteveis natildeo as compreendendo em suas metamorfoses) e

deixe que se perca certa substacircncia da questatildeo antes de tudo o interfluxo entre

objetividade e subjetividade com seus distintos momentos preponderantes em

cada um dos passos dos momentos embricados dos processos Creio que as

duas esferas ficam sempre tradicionalmente um tanto estranhas uma em

28

relaccedilatildeo agrave outra seja para preservar a objetividade e aiacute se torna objetivista seja

para ressaltar a subjetividade e aiacute desliza para o subjetivismo

2) No fim do processo tem-se seu resultado que eacute a transformaccedilatildeo da

forma de uma dada mateacuteria natural e a realizaccedilatildeo do objetivo do trabalho que

existiu antes como preconfiguraccedilatildeo ideal Portanto o trabalho transforma

imagem ideal em ente real complexo categorial in rebus

Em suma no pensamento de Marx as categorias ou complexos

categoriais satildeo reconhecidos sob as trecircs formas in mente (existem idealmente

na imaginaccedilatildeo ou como reproduccedilatildeo mental das coisas categorias da

representaccedilatildeo) ante res (preacutevia-ideaccedilatildeo) e in rebus como efetividades quando

estatildeo na forma de ser Como confirmaccedilatildeo tome-se mais esta passagem do

mesmo capiacutetulo No processo de trabalho a atividade do homem efetua

portanto mediante o meio de trabalho uma transformaccedilatildeo do objeto de

trabalho pretendida desde o princiacutepio O processo extingue-se no produto Seu

produto eacute um valor de uso uma mateacuteria natural adaptada agraves necessidades

humanas mediante transformaccedilatildeo da forma O trabalho se uniu com seu objeto

O trabalho estaacute objetivado e o objeto trabalhado O que do lado do trabalhador

aparecia na forma de mobilidade aparece agora como propriedade imoacutevel na

forma do ser[xiv] do lado do produto Ele fiou e o produto eacute um fio[xv]

Como arremate analiacutetico dessa famosa mas muitas vezes mal

compreendida passagem de O Capital Chasin conclui ao mesmo tempo em que

visualiza uma nova tarefa Se assim eacute se as categorias podem aparecer nas

trecircs formas - in rebus - in mente - ante res - haacute entatildeo que determinar o que satildeo

cada uma dessas formas

Esquematicamente Chasin propotildee o seguinte

1) se estatildeo in rebus (nas coisas) estatildeo na forma do ser

29

2) se estatildeo in mente (na cabeccedila) estatildeo na forma da reproduccedilatildeo ideal

das coisas Trata-se da subjetividade receptora[xvi] que reproduz as coisas natildeo

captando apenas seus dados empiacutericos superando pois o empirismo e elabora

portanto a reproduccedilatildeo ideal dos entes e onde a subsunccedilatildeo aos objetos eacute a

atividade de sua elaboraccedilatildeo ideal

3) se estatildeo ante res (antes das coisas) estatildeo na forma da finalidade da

preacutevia mentalizaccedilatildeo de objetivos e meios

Poreacutem no segundo e terceiro casos as categorias estatildeo na forma de

espeacutecies de pensamento representaccedilotildees e projeccedilotildees do ser do vir-a-ser dos

meios materiais instrumentais processuais e dinacircmicos de entificaccedilatildeo dos

seres

Concluindo essa parte dizer pois que o homem e o mundo satildeo

atividade sensiacutevel que por criar seu mundo cria a si mesmo eacute determinar o

homem como a criatura criadora de seres

No entanto na medida em que apenas na configuraccedilatildeo histoacuterica regida

pela loacutegica do capital ou seja na plenitude da produccedilatildeo da riqueza entendida

por sua essecircncia subjetiva que eacute o trabalho que se atinou para determinaccedilatildeo

do homem como a criatura criadora de seres foi possiacutevel agrave reflexatildeo pode se

dar conta potencialmente da verdadeira problemaacutetica do ser

Em outras palavras eacute pela criacutetica ao criador de criaturas na forma da

alienaccedilatildeo - criacutetica marxiana agrave sociedade capitalista - eacute que a ontologia pode

atinar com seu verdadeiro objeto e modo de determinaccedilatildeo Natildeo eacute casual que

tenha emergido pela criacutetica feuerbachiana ao sistema hegeliano (a criaccedilatildeo

especulada dos entes) e ganho seus contornos efetivos no advento de uma

nova forma de pensamento e concepccedilatildeo de praacutetica - a doutrina de Marx

Resumindo no caso de Marx ontologia eacute estatuto ou filosofia primeira

do ser social que enquanto tal norteia a concreccedilatildeo cientiacutefica do mesmo cuja

30

realizaccedilatildeo corrige e enriquece o proacuteprio estatuto donde a sinergia e a reciacuteproca

dimensatildeo criacutetica entre estatuto ontoloacutegico e ciecircncia da histoacuteria em seus diversos

departamentos possiacuteveis estabelecidos jaacute por criteacuterio ontoloacutegico ou seja que

respeita a integridade das coisas em suas qualidades e processos interconexos

que as constituem em seu ser por si e enquanto tais satildeo reproduzidas

teoricamente

Enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma da legalidade objetiva (material

e espiritual) do ser social ou seja enquanto malha de asserccedilotildees ou

determinaccedilotildees de seu complexo categorial enquanto o permanente na forma de

processo a ontologia estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a

sociabilidade como substacircncia desse grau maacuteximo da cadeia do ser

Mas substacircncia como complexo categorial como siacutentese de categorias

essenciais que denota uma forma especiacutefica determinada de presenccedila ou

existecircncia plenamente qualificada

Por isso eacute estatuto ontoloacutegico pois a plataforma canocircnica do ser eacute o

coacutedigo do substantivo verbal como substacircncia substrato) assim o estatuto

ontoloacutegico do complexo substantivo do ser social deve reconhecer a

sociabilidade como substacircncia A sociabilidade como substrato dos homens

seja na forma da alienaccedilatildeo seja na forma de sua latecircncia de substancialidade

em vir-a-ser no caminho infinito de sua realizaccedilatildeo

Trata-se portanto em Marx de estatuto e natildeo sistema pois como

sistema seria um agregado de abstraccedilotildees uma filosofia que uma vez obtidas

noccedilotildees fundamentais passa a se edificar por si ou seja as noccedilotildees seriam

coaacutegulos inteligiacuteveis que passam por auto-sustentaccedilatildeo a configurar

dedutivamente o mundo Ao passo que estatuto eacute uma ordem a legalidade do

ser sensiacutevel - o ser na plenitude de seus atributos

tempo (histoacuteriaprocessoduraccedilatildeomutabilidade) lugar e sensibilidade

especificamente a legalidade do ser social imanente a si em sua especiacutefica

31

objetividade O ser sensiacutevel eacute a forma do ser porque eacute a plenitude das

categorias possiacuteveis

E as formaccedilotildees ideais

Segundo Chasin as formaccedilotildees ideais do mesmo modo que as

formaccedilotildees reais - formas do ser - tecircm lugar e tempo como categorias - o tempo

e o espaccedilo das formaccedilotildees sociais que satildeo engendradas mas estatildeo privadas de

sensibilidade

O sensiacutevel soacute eacute predicaccedilatildeo inerecircncia agrave forma do ser que conteacutem a

plenitude dos predicados possiacuteveis (sensibilidade espaccedilo tempo)

Essa forma de conceber o ser eacute reconhecer substancialidade ao

complexu agrave unidade totalizada ou seja ao conjunto pleno de atributos em ato

Em outras palavras ser eacute complexo categorial - tem a forma de ser -

completude ou forma conferida pelo sensiacutevel que se desdobra em muacuteltiplos

atributos e se condensa de infinitas maneiras no gradiente do ser

Em suma segundo Chasin tomando Marx como base e ponto de

referecircncia permanentes ser eacute plenitude categorial ou seja a plenitude

categorial eacute sua forma e por ser sensiacutevel compreende lugar e tempo

Donde se admitido o princiacutepio metoacutedico de Marx saber eacute saber do ser

que antes de tudo eacute um complexo sensiacutevel - tudo que eacute existe eacute sempre um

complexo natildeo uma substacircncia ou essecircncia pura e cristalina E a cadeia do ser eacute

o conjunto de graus do ser - do menos ao mais complexo

O preceito metodoloacutegico marxiano eacute pois ontoloacutegico sabe-se o que eacute

como se formou se desenvolveu e como depereceraacute

Por via de consequumlecircncia e diante das vicissitudes da histoacuteria da

ontologia de seu processo constitutivo e dissolutor diante da penosa rota da

32

conquista teoacuterica do real homoacuteloga ou equivalente agrave necessidade humana de

produzir a sua mundaneidade e a si mesmo a ontologia eacute o que pode ser - o

que natildeo eacute pouco - a esfera teoacuterica da incerteza propulsora positiva

afirmativamente organizada O patamar do incerto ordenado como plataforma da

busca infinita da certeza Impulsatildeo incontornaacutevel que natildeo pode ser eludida pela

presenccedila imperativa dos circuitos ontopraacuteticos

Talvez agora o estatuto ontoloacutegico marxiano possa ser enunciado do

seguinte modo eacute o estudo das categorias fundamentais - em traccedilos essenciais

abstratos em suas determinaccedilotildees mais gerais - da existecircncia social

historicamente constatada e reconhecida sendo possiacutevel exemplificar com as

seguintes categorias historicidade (processualidade ou mutabilidade)

concreticidade ou objetividade atividade sensiacutevel e ideal (trabalho e

reproduccedilatildeo) subjetividade (receptiva e proponente) valor individualidade

gecircnero (sociabilidade) Tudo isso perfilando o complexo de complexos da auto

realizaccedilatildeo do ser humano-societaacuterio entendido que o fim dos fins eacute a infinitude

da realizaccedilatildeo do humano - do autopor-se do aberto ser humano-societaacuterio

Estatuto que em outros termos eacute a ordem do reconhecimento ou

reproduccedilatildeo teoacuterica da identidade natureza e constituiccedilatildeo das coisas por si por

seus complexos categoriais decisivos independentemente em qualquer plano

de se tornarem objetos de praacutetica ou reflexatildeo

Enquanto tal eacute a teoria do reconhecimento da objetividade histoacuterico-

social imanente em suas distintas formas de apresentaccedilatildeo (natureza e

sociedade) Em termos muito breves eacute o momento mais abstrato do

reconhecimento da identidade das coisas por si enquanto tal um dos momentos

distintos da unidade do saber do qual participa um segundo sob forma

concreta que eacute a ciecircncia

Pela proacutepria natureza histoacuterica processual do ser a ontologia marxiana

natildeo corresponde nem poderia corresponder por simples imperativo de

33

coerecircncia agrave forma de um saber universal plantado sobre uma racionalidade

auto-sustentada ou seja fundado na razatildeo universal nada mais a versatildeo laica

ou profana de Deus no dizer de Feuerbach Ou seja trata-se enfim de uma

forma de ontologia sem parentesco com o saber absoluto e que recusa qualquer

tipo de fundamento especulativo pois absolutizaccedilatildeo de uma teoria da

fundamentaccedilatildeo eacute simplesmente a firmaccedilatildeo especulativa da razatildeo autocircnoma ou

de um princiacutepio de inteligibilidade situado para aleacutem das coisas que garante a

presenccedila e o conhecimento do sagrado e a vitoacuteria antecipada do idealismo Natildeo

correspondendo agrave qualquer forma de saber universal a ontologia marxiana

sustenta a possibilidade efetiva como jaacute vimos de um saber real

Por sua praacutetica teoacuterica e por um conjunto de lineamentos expliacutecitos

Marx deixou o legado de um especiacutefico estatuto ontoloacutegico natildeo um ontologia de

talhe convencional ou tradicional e natildeo apenas por que careceu de tempo

necessaacuterio para a realizaccedilatildeo de uma obra desse tipo mas fundamentalmente

pela distinccedilatildeo de natureza de seu estatuto ontoloacutegico radicalmente oposto ao

tratamento especulativo da mateacuteria

Esse estatuto eacute constituiacutedo a partir do universo praacutetico onticamente

referido ou seja eacute um estatuto ocircntico-ontoloacutegico pois evolve da efetividade

histoacuterica das coisas de suas relaccedilotildees e processos para sua reproduccedilatildeo

conceitual no plano de uma trama categorial em sua expressatildeo mais abstrata

Reconhecimento e Determinaccedilatildeo da Sociabilidade como Substacircncia

Vimos que segundo Chasin enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma

da legalidade do ser social em sua materialidade e espiritualidade[pode-se dizer

tambeacutem em sua objetividade sensiacutevel e supra-sensiacutevel] ou seja enquanto

malha de asserccedilotildees ou determinaccedilotildees de seu complexo categorial a ontologia

34

estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a sociabilidade como substacircncia desse

grau maacuteximo do ser

Embora Chasin natildeo tenha desenvolvido plenamente a questatildeo da

objetividade supra-sensiacutevel como tambeacutem a da sociabilidade como substacircncia

julgo conveniente transcrever tambeacutem algumas notas e comentaacuterios feitos em

sala de aula dada a importacircncia do tema

Em relaccedilatildeo agrave noccedilatildeo de substacircncia Chasin retoma sua noccedilatildeo mais geral

e tradicional Ou seja deixando de fora qualquer conotaccedilatildeo relativa a formas de

idealidade o que existe por si eacute um auto-engendrado a uacuteltima instacircncia de um

dado gecircnero de entificaccedilatildeo enquanto tal na medida em que eacute uma efetividade

eacute um complexo que a noccedilatildeo de substacircncia refere no mais alto grau de

abstraccedilatildeo Vale pois como abstraccedilatildeo razoaacutevel tal como todo conceito

marxiano nesse niacutevel de generalizaccedilatildeo a partir do qual pela via dos processos

de concreccedilatildeo satildeo determinaacuteveis as formas concretas de substacircncia

correspondentes agraves formaccedilotildees sociais reais

Dessa forma a substacircncia eacute um complexo histoacuterico natildeo uma

idealidade natildeo um construto da razatildeo auto-sustentada mas o resumo de uma

extraccedilatildeo justificada

Naturalidade e Sociabilidade

Sempre que se potildee a questatildeo da naturalidade e da sociabilidade essa

uacuteltima tende a ser examinada in statu nascendi ou de um estado original

imaginaacuterio natildeo se parte portanto de fatos pois os desconhecemos se eacute que

35

tenham existido mas de um mito E do mito se quer saltar para o quadro de uma

realidade complexa

Mas acompanhando Marx lembremos das pobres robinsonadas do

seacuteculo XVIII referidas logo agraves primeiras linhas da Introduccedilatildeo de 57 a) O

caccedilador e o pescador individuais e isolados de que partem Smith e Ricardo b)

o contrat social de Rousseau que relaciona e liga sujeitos independentes por

natureza por meio de um contrato Essas robinsonadas natildeo repousam sobre

(o) naturalismo E a argumentaccedilatildeo prossegue Trata-se ao contraacuterio de uma

antecipaccedilatildeo da sociedade (buumlrgelichen Gesellschaft) que se preparava desde

o seacuteculo XVI e no seacuteculo XVIII deu larguiacutessimos passos em direccedilatildeo agrave sua

maturidade Nesta sociedade da livre concorrecircncia o indiviacuteduo aparece

desprendido dos laccedilos naturais que em eacutepocas histoacutericas remotas fizeram dele

um acessoacuterio de um conglomerado humano limitado e determinado Os profetas

do seacuteculo XVIII sobre cujos ombros se apoacuteiam inteiramente Smith e Ricardo

imaginam o indiviacuteduo do seacuteculo XVIII como um ideal que teria existido no

passado Vecircem-no natildeo como um resultado histoacuterico mas como ponto de partida

da Histoacuteria porque o consideram como um indiviacuteduo conforme agrave natureza -

dentro da representaccedilatildeo que tinham da natureza humana - que natildeo se originou

historicamente mas foi posto como tal pela natureza[xvii]

Segundo Chasin tomando Marx novamente como ponto de referecircncia

os equiacutevocos que aparecem ao se tratar a relaccedilatildeo naturalidade sociabilidade

satildeo os seguintes

1) procurar deduzir em graus diferentes em cada caso o ser social do

natural esquecendo que se trata da emergecircncia do novo de uma configuraccedilatildeo

ontoloacutegica nova e que o novo nunca eacute um simples desdobramento do estaacutegio

anterior no caso - do grau de ser antecedente ou seja que entre os dois niacuteveis

ocorre o que se chama de salto um intervalo em que a potecircncia causal do

antecedente natildeo conteacutem a capacidade a potecircncia ou a potencialidade para

gerar o novo Um intervalo que fica assim indeterminado

36

2) o procedimento acima abre para a mera especulaccedilatildeo pois tende a

deduzir a indeterminaccedilatildeo a querer estabelecer nexos onde eles inexistem

tende a preencher o que de fato eacute um vazio A rigor natildeo se trata de um natildeo-

sabido mas da ausecircncia factual de um objeto ou processo em outros termos

se trata de um vazio ontoloacutegico de uma ausecircncia de nexos ontoloacutegicos

O correto segundo o modus operandi marxiano natildeo eacute partir da semente

ou do embriatildeo mas do complexo real maturado uma vez que

especialiacutessimamente na esfera social a loacutegica do gerado eacute diversa da loacutegica de

sua gecircnese aleacutem de que nesse acircmbito as entificaccedilotildees configuradas apagam a

rota e a loacutegica de sua formaccedilatildeo

Desse modo partindo do jaacute configurado e considerando que se trata de

uma configuraccedilatildeo infinita que compreende mutaccedilotildees qualitativas muito

importantes e natildeo esquecendo que permanecemos no estaacutegio preacute-histoacuterico (em

momento especialmente desequilibrado e contraditoacuterio) podemos e devemos

reconhecer por meio de algumas abstraccedilotildees razoaacuteveis o seguinte

1) A formaccedilatildeo do ser social eacute um processo da animalidade agrave

hominidade o andamento da naturalidade agrave sociabilidade o caminho infinito da

naturalidade dada agrave sociabilidade natildeo-dada em produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

perenes

2)Trata-se pois de uma entificaccedilatildeo processual entre dois niacuteveis ou

poacutelos da escala do ser sendo processo eacute intrinsecamente uma contradiccedilatildeo e soacute

enquanto tal se move eliminada a contradiccedilatildeo cessaria a possibilidade do

processo Com isso eacute dito algo muito importante pois ao reconhecer a

contraditoriedade entre naturalidade e sociabilidade natildeo eacute mais possiacutevel pensar

as mesmas a propoacutesito do ser social como um simples conjugado de fatores

mas obrigatoriamente como uma conjugaccedilatildeo contraditoacuteria de legalidades Isso

vai na esteira do que eacute compreendido desde Hegel - que o ser eacute uma unidade

contraditoacuteria - todavia com o acreacutescimo do problema da dupla legalidade De

37

que modo ou feiccedilatildeo chega cada uma delas agrave unidade contraditoacuteria do ser Pois

haacute que pensar na unidade ou siacutentese a natildeo ser que se queira desenhar o ser

social como uma aberraccedilatildeo hiacutebrida pode ser esta a fisionomia do grau mais

elevado do gradiente dos seres Assim tomada na devida consideraccedilatildeo essa

determinaccedilatildeo ontoloacutegica sem a qual a reflexatildeo perde o rumo trata-se de

compreender a dinacircmica especiacutefica dessa contradiccedilatildeo peculiar Vejamos

3) Em primeiro lugar esse processo contraditoacuterio gera novas

contradiccedilotildees agora dominantemente contradiccedilotildees da sociabilidade em

formaccedilatildeo de sorte que se trata de um processo cumulativo de

contraditoriedades no qual as novas contradiccedilotildees progressivamente vatildeo

tomando o lugar predominante e decisivo vale dizer a contradiccedilatildeo originaacuteria

cada vez mais coabita com contradiccedilotildees de outro gecircnero diante das quais sua

presenccedila vai mudando de forccedila e configuraccedilatildeo natildeo desaparece mas sua

qualidade vai mudando na proporccedilatildeo mesmo do desenvolvimento da

apropriaccedilatildeo societaacuteria da natureza cada vez mais puramente social - eacute no que

consiste de acordo com as palavras de Marx o progressivo afastamento das

barreiras naturais

4) Ou seja a matriz e a medida do afastamento eacute a forma cada vez

mais social de produzir e reproduzir as bases materiais da vida pela qual eacute

gerado o novo ser em direccedilatildeo agrave sua potecircncia ampliada de se auto-por de ir em

direccedilatildeo a si mesmo um si mesmo que natildeo eacute dado mas gerado na progressatildeo

da auto-posiccedilatildeo do auto-assentamento ou da auto-enformaccedilatildeo que inclui a

proacutepria daccedilatildeo de forma e resoluccedilatildeo ao predicado natural ou bioloacutegico daccedilatildeo de

forma que em suma eacute daccedilatildeo de forma social ao predicado natural

5) Essa possibilidade de daccedilatildeo de forma eacute afirmaccedilatildeo e realizaccedilatildeo da

essecircncia social que eacute o conjunto de relaccedilotildees sociais configuradas em cada

momento pelo modo de produzir da base material modo por sua vez que eacute

determinado pelo desenvolvimento das forccedilas produtivas entre as quais figura o

proacuteprio modo de organizaccedilatildeo do conjunto das relaccedilotildees sociais

38

6) Daccedilatildeo de forma eacute alteraccedilatildeo do lugar resolutivo e todo ente que muda

de lugar muda de natureza sem alterar uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo material

Vale dizer que a contradiccedilatildeo originaacuteria entre naturalidade e sociabilidade eacute

resolvida por uma nova contradiccedilatildeo - a da naturalidade que soacute se realiza na

forma e por meios sociais - no afastamento que eacute superaccedilatildeo da naturalidade

(processo histoacuterico) a legalidade natural eacute submetida agrave legalidade social

(diferentemente em cada modo de produccedilatildeo e de acordo com o

desenvolvimento das forccedilas produtivas) o fator natural natildeo eacute suprimido

suprimida eacute sua capacidade de autodeterminaccedilatildeo resta portanto

simplesmente o que natildeo eacute pouco como um predicado do ser humano um

predicado insuprimiacutevel mas apenas como predicado bioloacutegico de um ser de

outra natureza e essecircncia A naturalidade eacute retida como predicado

imprescindiacutevel mas natildeo como essecircncia Donde natildeo satildeo mais duas legalidades

ontoloacutegicas que coexistem mas a legalidade superior mais complexa subsume

a legalidade natural que natildeo mais se autodetermina mas eacute resolvida pela e do

interior da outra Assim o predicado natural do homem recebe forma e

resoluccedilatildeo sociais ou seja o predicado natural eacute subsumido agrave legalidade social

Natildeo resta mais o choque de duas legalidades contrapostas na

contradiccedilatildeo originaacuteria A legalidade natural vai sucumbindo na ruptura e

progressivamente agrave legalidade social em sua efetividade no ser social a

legalidade natural natildeo mais atua por si eacute dependente do social natildeo eacute mais a

legalidade de um ser pois natildeo haacute mais aiacute um ser natural mas um atributo

natural dependente da essecircncia social O homem eacute um ser social que

compreende sua essecircncia especiacutefica (variaacutevel) suas contingecircncias e seu

predicado bioloacutegico Na entificaccedilatildeo do ser social uacuteltimo grau da cadeia do ser a

legalidade natural eacute subalternizada agrave social por mais ruacutestica e restrita que seja a

essecircncia social primitiva e por mais precaacuteria que seja essa subalternizaccedilatildeo de

iniacutecio O processo de afastamento das barreiras naturais eacute assim o curso dessa

subalternizaccedilatildeo que desponta no iniacutecio na ruptura com a legalidade natural e

por mais longo e contraditoacuterio em avanccedilos e recuos que seja esse processo

39

7) de outra parte a loacutegica do predicado bioloacutegico natildeo soluciona natildeo

tem resposta para o complexo problemaacutetico da sociabilidade enquanto que esta

daacute soluccedilatildeo aos imperativos daquela Como diz Marx nos Manuscritos de 44 o

homem contempla a natureza e a si mesmo com um produto social [dos homens

interativos] com pleno direito mesmo que natildeo com elevada consciecircncia ou altos

valores

8) Donde a foacutermula lukaacutecsiana da dupla base eacute falsa pois a plataforma

eacute a sociabilidade enquanto a naturalidade eacute apenas o insuprimiacutevel predicado

bioloacutegico que passa a vigir na forma e sob a regecircncia da sociabilidade Natildeo

perde por isso uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo orgacircnica mas na sua efetividade

muda de caraacuteter No interiro da esfera societaacuteria o predicado bioloacutegico eacute um

outro de si Se originariamente foi o ponto de partida agora eacute produzido e

reproduzido pela legalidade de um ser que o ultrapassa e o domina vive e soacute

pode viver na subjugaccedilatildeo de um novo estatuto Ou seja ao integrar como

predicado o ser de niacutevel mais elevado realiza a sua maacutexima potecircncia e isso eacute

ao mesmo tempo sua desnaturalizaccedilatildeo ou perecimento Impereciacutevel como

predicado natildeo eacute base pois determina soacute por seus limites pelas carecircncias natildeo

pelas determinaccedilotildees resolutivas nem mesmo em suas forccedilas e sentidos pois

enquanto virtualidades estas soacute satildeo humanas e superiores em resoluccedilatildeo

societaacuteria Ademais natildeo eacute nunca um criador de novas necessidades o que

caracteriza a legalidade social

9) A argumentaccedilatildeo acima diz respeito diretamente ao ser social em sua

configuraccedilatildeo bipolar (indiviacuteduo e gecircnero) e desenvolvida em especial no poacutelo da

individualidade tendo por esteio o andamento do gecircnero e ao falar deste se diz

do seu metabolismo com a natureza Esse metabolismo fundamental que eacute em

suma a atividade vital do homem ao gerar produtos sociais

(utilidadesmercadorias) sem que se possa transpor a estes as mesmas

determinaccedilotildees que foram feitas para o ser social desde logo satildeo entes sociais

mas em outro grau da escala do ser social mas tambeacutem tecircm mudada a sua

natureza de naturais a utilidades (e na forma da alienaccedilatildeofetichismo as

40

mercadorias) de sorte que a apropriaccedilatildeo da natureza eacute igualmente sua

desnaturalizaccedilatildeo eacute forccedilaacute-las a deixar de ser o que satildeo em sua peculiaridade

para se tornarem um outro de si sob a regecircncia do estatuto societaacuterio Isso eacute a

manifestaccedilatildeo do poder e da superioridade do grau maacuteximo do ser Nenhum

outro ser realiza qualquer coisa semelhante nem longinquumlamente Repetindo

Kant e Hegel Marx tinha toda razatildeo quando disse que haacute mais grandeza e

misteacuterio na cabeccedila de um becircbado do que no conjunto do universo

10) a Sociabilidade imperfeita substacircncia ainda natildeo realizada enquanto

tal ou seja ainda incapaz de autonomia como complexo estruturado conduz agrave

poliacutetica Natildeo compreendida como substacircncia mas como simples organizaccedilatildeo

potildee o homem no outro poacutelo na dicotomia homemsociedade ou seja na

representaccedilatildeo socioloacutegica ou politoloacutegica o homem eacute um outro

Determinada ou compreendida como substacircncia eacute substacircncia humana

(perfeita e imperfeita com todas as grandezas e miseacuterias produzidas

modificadas suprimidas e repostas no curso histoacuterico) eacute a essecircncia mutante do

ser auto-engendrado e enquanto mutante e por ser mutante distinta tambeacutem

por essa mutabilidade do predicado bioloacutegico atemporalmente necessaacuterio mas

sempre e progressivamente insuficiente do ser social

O tomo IV do primeiro nuacutemero da Revista Ensaios Ad Hominem eacute

composto de seis artigos - aleacutem do texto de abertura de autoria de J Chasin -

que resultaram de siacutenteses ou modificaccedilatildeo de partes ou capiacutetulos de

dissertaccedilotildees defendidas entre os anos de 1998 e 1999 junto ao Programa de

Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia da UFMG

41

O artigo que abre a presente coletacircnea intitulado A Razatildeo como

Tribunal da Criacutetica Marx e A Gazeta Renana de autoria de Celso Eidt versa

sobre a concepccedilatildeo do jovem Marx sobre o papel da imprensa natildeo apenas como

o locus privilegiado para o debate filosoacutefico mas fundamentalmente para os

processos educativos tendo em vista a realizaccedilatildeo plena da liberdade humana Eacute

bom ressaltar que no periacuteodo em que tais artigos satildeo redigidos Marx

compartilha de uma visatildeo antropoloacutegica racional em que a natureza humana eacute

concebida como espiacuterito livre e racional enquanto esteio da proacutepria vida eacutetica

ou seja da praacutetica humana fundada na razatildeo universal

Ana Selva Albinati autora do artigo A Determinaccedilatildeo dos Valores

Morais nos textos de Marx de 1841 a 1847 se debruccedila justamente sobre tal

campo de reflexatildeo Seu trabalho eacute uma tentativa de sistematizaccedilatildeo das

consideraccedilotildees sobre os valores morais nos textos do periacuteodo que se inicia com

sua tese doutoral Diferenccedilas entre as Filosofias da Natureza de Demoacutecrito e

Epicuro prosseguindo ateacute A Miseacuteria da Filosofia Ana Selva procura demonstrar

que esse periacuteodo normalmente referido como sendo o da juventude de Marx eacute

na verdade constituiacutedo de dois momentos de sua elaboraccedilatildeo teoacuterica que tem

como momento de clivagem a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel de meados

de 1843 em que Marx rompe com o referencial teoacuterico do idealismo alematildeo Em

relaccedilatildeo agraves determinaccedilotildees sobre a moral essa ruptura se reflete na inflexatildeo

radical que diferencia a compreensatildeo da moralidade no primeiro e segundo

momentos de tal forma que a moralidade passa a ser compreendida como um

dos modos da consciecircncia socialmente determinada concepccedilatildeo completamente

distinta da primeira fase em que os valores morais eram compreendidos como

expressotildees da liberdade e da racionalidade humanas idealmente concebidas

No artigo A criacutetica da Especulaccedilatildeo nas Glosas de Kreuznach Milney

Chasin analisa o momento inicial e ao mesmo tempo decisivo da ruptura que

se verifica entre Marx e Hegel no plano das determinaccedilotildees do ser Desse modo

a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel inaugura a criacutetica marxiana da

especulaccedilatildeo no seu cerne o de rejeitar o procedimento especulativo

42

caracteriacutestico de se provir tudo da ideacuteia real de tornaacute-la sujeito isto eacute de

capacitar a abstraccedilatildeo ou conceito automovido - a partir das metamorfoses

hegelianas - de pocircr o multiverso sensiacutevel Em outros termos Milney Chasin no

referido artigo evidencia como a criacutetica da especulaccedilatildeo permite a Marx

ultrapassar os horizontes do idealismo alematildeo na direccedilatildeo do devido

reconhecimento da distinccedilatildeo entre ser e pensar de caracterizar a impropriedade

ontoloacutegica da loacutegica hegeliana de apurar os limites gnosioloacutegicos e

incongruecircncias de toda ordem Em suma permite o desvelamento da substacircncia

miacutestica oferecendo a explicitaccedilatildeo do meacutetodo hegeliano - das diabruras do

conceito autoposto - que articula abstraccedilotildees e finitude restando a esta a mera

condiccedilatildeo de apecircndice dissolvido isto eacute momento virtual da realizaccedilatildeo da

idealidade

O quarto artigo desta coletacircnea intitulado A Exteriorizaccedilatildeo da Vida nos

Manuscritos de 44 eacute parte da dissertaccedilatildeo de mestrado As Categorias

Lebensaumlusserung Entaumlusserung Entfremdung e Veraumlusserung nos Manuscritos

Economico-Filosoacuteficos de Karl Marxdefendida por Mocircnica H M da Costa em

que o interesse era acima de tudo averiguar se alienaccedilatildeo (Entaumlusserung) e

estranhamento (Entfremdung) teriam significados distintos A pesquisa acabou

opor apontar no entanto uma outra categoria como eixo desses manuscritos

Lebensaumlusserung traduzida por exteriorizaccedilatildeo da vida De fato o fio condutor

dos Manuscritos eacute a centralidade do trabalho na produccedilatildeo material e espiritual

da vida humana Tomando para anaacutelise criacutetica pela primeira vez os

economistas claacutessicos Marx explicita sua proacutepria compreensatildeo da forma

peculiar de engendramento da existecircncia do homem A criacutetica a Hegel completa

o quadro desta tematizaccedilatildeo que natildeo seraacute abandonada ateacute os uacuteltimos trabalhos

de Marx

Sabina Maura Silva no artigo A Fenomenologia do Egoiacutesmo Stirner e a

Criacutetica Marxiana tem como objetivo fundamental apresentar a concepccedilatildeo de

homem presente na obra O Uacutenico e Sua Propriedade de autoria do filoacutesofo

neohegeliano Max Stirner e expor a criacutetica de Marx a este autor contida em A

43

Ideologia Alematilde A autora mostra que para Stirner o Eu tomado como

individualidade singular eacute o fundamento de sua esfera existencial No entanto

para esse autor tudo tem determinado a existecircncia dos indiviacuteduos natildeo tendo

sido permitido a eles determinaacute-la O objetivo de Stirner eacute pois remeter ao

indiviacuteduo - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel - o que dele foi alienado e erigido

como algo autocircnomo Por seu turno a criacutetica de Marx tem como fim explicitar o

caraacuteter especulativo da anaacutelise stirneana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo

bem como salientar o aspecto pseudorevolucionaacuterio de suas proposituras

Assim segundo Marx Stirner tatildeo somente interpreta diferentemente o

existente isto eacute reconhece o existente mediante outra

interpretaccedilatildeoTransformando as contradiccedilotildees objetivas em contradiccedilotildees

subjetivas Stirner conserva e justifica as condiccedilotildees e estruturas efetivas que

esmagam e impedem a autodeterminaccedilatildeo das individualidades ao reconhecer

as circunstacircncias como determinaccedilotildees dos indiviacuteduos Acolhendo acriacutetica e

especulativamente em suas feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees

estranhadas de um momento histoacuterico particular da individuaccedilatildeo humana

Stirner erige como individualidade um ente que empobrecido e constrangido

pelas condiccedilotildees objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade

social pode somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria

sobre si e sobre o mundo

O uacuteltimo artigo do tomo IV da Revista Ensaios Ad Hominem eacute de

autoria de Antocircnio Joseacute Lopes Alves e leva o tiacutetulo de A Individualidade

Moderna nos Grundrisse Neste texto o autor procura demonstrar que a

moderna sociabilidade do capital eacute compreendida por Marx como forma

instaurada a partir da dissoluccedilatildeo dos liames sociais que uniam em tempos

anteriores os indiviacuteduos agrave comunidade Aleacutem disso destaca o fato apontado por

Marx de que tal processo se constitui numa verdadeira reconversatildeo ontoloacutegica

tanto dos indiviacuteduos quanto das condiccedilotildees da atividade vital ocorrendo uma

radical transformaccedilatildeo na forma de ser de ambos Sinteticamente trata-se de

reconfiguraccedilatildeo ontoloacutegica que determina como entes autocircnomos os indiviacuteduos

44

de um lado e as condiccedilotildees de trabalho de outro vale dizer do divoacutercio entre os

indiviacuteduos ativos e as condiccedilotildees de sua atividade Antocircnio Lopes buscou em

suma alinhar as determinaccedilotildees mais essenciais dos indiviacuteduos e da

sociablidade modernos no que respeita agrave forma mesma das relaccedilotildees sociais da

atividade sensiacutevel bem como da respectiva expressatildeo ideal como por exemplo

a configuraccedilatildeo das categorias da igualdade e liberdade

O leitor encontraraacute nas paacuteginas que se seguem o resultado do esforccedilo

de pesquisa voltado ao resgate da obra marxiana caracterizado pela busca do

rigor na leitura e interpretaccedilatildeo do pensamento de um autor cuja heranccedila

intelectual conheceu um destino traacutegico Natildeo eacute faacutecil portanto voltar-se a ela

sem os preconceitos da moda - como jaacute havia advertido Lukaacutecs Natildeo posso

afirmar com total certeza que um intento dessa natureza tenha sido plenamente

alcanccedilado Todavia eacute faacutecil perceber as diferenccedilas desse tipo de produccedilatildeo teoacuterica

com aquela apresentada tanto pelo marxismo adstringido e suas dissidecircncias

como pelo marxismo vulgar para utilizar as expressotildees cunhadas por Chasin no

intuito de designar as duas variantes de interpretaccedilatildeo da obra marxiana

Faccedilo aqui ao leitor interessado o convite para participar dessa

avaliaccedilatildeo

[1] Professora do Departamento de Filosofia da UFMG coordenadora

do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e Estudos Confluentes

45

[i] J CHASIN Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in

Teixeira FJS Pensando com Marx Editora Ensaio Satildeo Paulo 1995

[ii] K MARX amp F ENGELS A Sagrada Famiacutelia Ed Grijalbo trad

Wenceslao Roces Meacutexico DF 1960 p 120

[iii] Ver a respeito J CHASIN Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo

Metodoloacutegica opcit

[iv] J CHASIN O Futuro Ausente in Ensaios Ad Hominem 1 tomo III

Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem Satildeo Paulo 2000 p 166

[v] Ib p 167

[vi] Id

[vii] E CASSIRER A Filosofia do Iluminismo Editora da Unicamp

Campinas 1992 p 11

[viii] G LUKAacuteCS La Riproduzionein Per lOntologia delle Essere

Sociale Roma Editori Riuniti tomo II 1981 pp 180-81

[ix] N HARTMANN Ontologia Fondo de Cultura Econoacutemica Meacutexico D

F vol 1 1986

[x] K MARX O Capital vol I Ediccedilatildeo Abril Cultural Satildeo Paulo p 149

[xi] Id

[xii] Ib p 150

[xiii] (a respeito dessas categorias ver N HARTMANN Ontologia op cit

vol I p XII

46

47

[xiv] No original alematildeo in der Form des Seins Dietz Verlag 1971 p

195

[xv] Ib p 151

[xvi] Ver a respeito em J CHASIN Marx-Estatuto Ontoloacutegico e

Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica op cit

[xvii] K MARX op Cit p 126

Page 5: :: Verinotio - Revista On-line de Educao e Cincias Humanas · O leitor encontrará, portanto, nessa Apresentação o fruto de trabalho de coleta e organização de materiais utilizados

trivialidades Sua arte natildeo consiste em revelar o oculto mas ocultar o

revelado[ii]

Em suma para dar iniacutecio ao delineamento da histoacuteria da ontologia eacute

preciso em primeiro lugar abandonar sua pretensatildeo infantil agrave atemporalidade e

se dar conta de que seja compulsoriamente histoacuterica de que se faz no tempo

tatildeo contraditoriatmente quanto a proacutepria entificaccedilatildeo de seu histoacuterico agente

Em segundo lugar Chasin considerava inadiaacutevel reprocessar a

decifraccedilatildeo ou o entendimento de Marx em determinaccedilatildeo reciacuteproca com as

vicissitudes da histoacuteria da ontologia na tentativa de ultrapassar as derrotas

sofridas ao longo dos uacuteltimos 150 anos e principalmente a partir do

entendimento efetivo do pensamento marxiano e tambeacutem do atual

desenvolvimento do capital redimensionar a perspectiva dos alvos e rumos

teoacutericos e praacuteticos a exercitar no presente e levar a efeito no futuro

O debate dito ontoloacutegico do seacuteculo XX girou em torno de conhecido

conjunto de fontes Enquanto Hartmann com o volume I de sua Ontologia de

1934 eacute uma contraposiccedilatildeo agrave desontologizaccedilatildeo em geral e agraves novas tendecircncias

do seacuteculo principalmente Heidegger feita do ponto de vista

fenomenoloacutegiconeokantiano Eacute Gilson eacute a resposta neotomista no interior da

filosofia francesa ao desafio posto por O Ser eo Nada (1943) de Sartre cujo

sub-tiacutetulo ensaio de ontologia fenomenoloacutegica logo aponta para a sua afiliaccedilatildeo

a Husserl e o tributo pago de toda a maneira a Heidegger que o conduziram a

inviabilizaccedilotildees definitivas e irremissiacuteveis que natildeo desobriga todavia de

distinguir radicalmente seu propoacutesito e sua personalidade do autor de Ser e

Tempo (1926) dedicada a Edmund Husserl Em testemunho de Admiraccedilatildeo e

Amizade

De acordo com a posiccedilatildeo que Chasin veio assumir nos seus uacuteltimos

anos de vida nas muacuteltiplas diacutevidas contraiacutedas pelo marxismo no seacuteculo XX

figura precisamente esta ter entrado muito tardia e restritamente nessa

5

discussatildeo vale dizer soacute quando a vitoacuteria temporaacuteria jaacute havia pendido para o

outro lado natildeo apenas por sua exclusiva presenccedila na arena mas porque

condicionado e impulsionado pelo proacuteprio caraacuteter de nossos tempos Os arautos

que se impuseram satildeo muito conhecidos tomaram o espaccedilo sem ter que

enfrentar o adversaacuterio efetivo uacutenico capaz de contraditar e oferecer alternativa

Este em vez disso perdeu-se sem luta sucumbiu agrave linha dominante do

cientificismo e acabou junto com os melhores tambeacutem perdido nesse campo

Nem eacute preciso referir o leste europeu mas com o politicismo generalizado o

marxismo se perdeu inclusive com os melhores que o seacuteculo produziu

Apenas em fins da deacutecada de 60 quando tudo estava desabando

Lukaacutecs de traveacutes se deu conta do misteacuterio Eacute muito significativo que nesse

despertar obliacutequumlo tenha tido que se voltar agrave refutaccedilatildeo entre outros de

Heidegger quando este escrever seu livro principal no miacutenimo em parte em

oposiccedilatildeo a Histoacuteria e Consciecircncia de Classe (textos de 1919-22) Eacute igualmente

sintomaacutetico que soacute tenha retomado deliberadamente a preocupaccedilatildeo ontoloacutegica

ao final da vida e sucumbido ao objeto em obra inconclusa motivada acima de

tudo pelo vieacutes excecircntrico de conferir poder regenerador agrave eacutetica Mas eacute sabido

que junto com seu meacuterito natildeo pereceu sozinho Por exemplo onde estatildeo

Hartman Gilson e ateacute mesmo Sartre

As dificuldades para o devido enfrentamento da questatildeo ontoloacutegica hoje

satildeo enormes e jaacute eram conhecidas por Lukaacutecs muito embora o filoacutesofo huacutengaro

morto em 1971 natildeo tenha assistido o pleno triunfo de concepccedilotildees que

consagram o homem derrelito denominaccedilatildeo essa empregada por ele mesmo ao

se reportar a Heidegger por exemplo

Tais dificuldades grosso modo poderiam ser atribuiacutedas inicialmente agraves

tendecircncias que tecircm como ponto de partida o criticismo kantiano que se

impuseram na viragem do seacuteculo XIX para o XX com a reduccedilatildeo da filosofia ao

circuito da problemaacutetica do conhecimento

6

Embora se possa assim considerar o criticismo kantiano como uma

espeacutecie de divisor de aacuteguas natildeo se deve obliterar o fato de que com a

metafiacutesica claacutessica ou qualquer uma de suas variantes antecedentes ou

subsequumlentes sob o pretexto de alcanccedilar a priori a certeza cognitiva gera-se

uma grave distorccedilatildeo no plano teoacuterico pela qual o ente eacute perdido para sempre

Para evitar tal descaminho Chasin propotildee o designativo posiccedilatildeo ontoloacutegica

pois com ela pretende tambeacutem pelo menos precaver contra a unilateralidade

decorrente da postura gnoseoloacutegica (sempre uma forma meramente

especulativa a respeito da morfologia do funcionamento ou seja da

organizaccedilatildeo e atividade da subjetividade) instigando e se rigorosamente

praticada orientando com rigor a pensar as coisas em seus proacuteprios nexos em

direccedilatildeo a uma totalidade mais plena de determinaccedilotildees A expressatildeo pretende

pois sinalizar e induzir agrave praacutetica intelectual de caraacuteter ontoloacutegico concebida em

sua forma mais consistente e consequumlente

Chasin pois pretendeu recuperar o sentido de ontologia enquanto

consideraccedilatildeo daquilo que eacute em sua efetividade Natildeo alguma distorccedilatildeo ou

dissoluccedilatildeo do ente enquanto ente seja sob sua forma do sentido do ente do

ser da apariccedilatildeo ou qualquer outra variaacutevel do tipo que embora possam incluir

dimensotildees do sensiacutevel sempre compreendem implicam ou tecircm por condiccedilatildeo de

possibilidade um sujeito mesmo que este seja o obervador da produccedilatildeo de

representaccedilotildees de caraacuteter racional Estudo pois das coisas em sua

independecircncia em sua exterioridade em face de possiacuteveis relaccedilotildees praacuteticas e

teoacutericas em que estatildeo ou possam vir a estar presentes inclusive aquelas pelas

quais em gecircnero superior de entificaccedilatildeo as coisas satildeo postas ou engendradas

De tal sorte que ainda e mesmo que todo o plano cognitivo possa ou

tenha de ser impugnado que toda ciecircncia possa ou tenha que ser posta em

duacutevida e considerada simples ilusatildeo ou equiacutevoco ou ter seu acircmbito reduzido agrave

pura convenccedilatildeo resta o fundamental o universo da praacutetica ou da vida vivida em

sua qualidade de confirmaccedilatildeo da dupla certeza da existecircncia do mundo e dos

homens e enquanto tal tem de ser reconhecido como ponto de partida da

7

intenccedilatildeo ontoloacutegica cujo propoacutesito eacute se constituir em base conceitual de sua

dilucidaccedilatildeo

Ainda no contexto da afirmaccedilatildeo da posiccedilatildeo ontoloacutegica e rejeiccedilatildeo seja

do vieacutes gnosioloacutegico ou cientificista seja das concepccedilotildees reinantes ditas

ontoloacutegicas Chasin de modo provocativo indaga Por que a foacutermula simples

do cogito eacute mais evidente ou funcional para efeito de fundamentaccedilatildeo do que a

evidecircncia do complexo sensiacutevel do gozo Por que a evidecircncia do cogito - o

pensamento do indiviacuteduo isolado - eacute superior agrave evidecircncia do existir que inclui a

presenccedila e a relaccedilatildeo viva dos outros e das coisas Chasin continua na mesma

direccedilatildeo no questionamento da pretensa superioridade do cogito indagando o

quecirc se esconde sob ela e acrescenta O cogito o truque cartesiano eacute a

conquista da certeza agrave custa de trecircs absurdidades o cogito desencarnado a

encarnaccedilatildeo divina da perfeiccedilatildeo e o mundo reduzido agrave extensatildeo A essas trecircs

conquistas digamos assim Chasin denomina de verdade alienada isto eacute

verdade emergente da subjetividade na forma da alienaccedilatildeo

A exercitaccedilatildeo ontoloacutegica ao contraacuterio assume como criteacuterio analiacutetico a

determinaccedilatildeo de que o objeto maturado eacute a chave do esclarecimento de suas

formas precedentes[iii] desde as embrionaacuterias ateacute as mais elaboradas que

antecedem no tempo sua fisionomia acabada Portanto a determinaccedilatildeo

marxiana do objeto maturado eacute produto desse espiacuterito teoacuterico pois soacute faz

sentido em posicionamento ontoloacutegico ou seja em reconhecimento do grau

constitutivo em que se encontra a coisa examinada

Segundo Chasin ainda Aristoacuteteles teve grande meacuterito em sua

propositura de uma filosofia primeira - base ou fundamento para a constituiccedilatildeo

das ciecircncias particulares - mas que por sua resoluccedilatildeo (de caraacuteter platocircnico

conforme jaacute demonstrara Eacute Gilson) e por seus pretendidos atributos ahistoacutericos

- categorias eternas e absolutas imutaacuteveis e perenes - constitui um modo

involuntaacuterio de elaboraccedilatildeo especulativa apesar de seu intento originaacuterio de

conhecer o efetivamente existente o ente enquanto ente Tais limites do intento

8

aristoteacutelico numa linha de argumentaccedilatildeo que confere prioridade agrave realidade

soacutecio-histoacuterica na produccedilatildeo de viabilidades ou inviabilidades teoacutericas e de sua

consequumlente explicaccedilatildeo eram vistos por Chasin como limites produzidos pelo

proacuteprio tempo grego sumariados a seguir

1) praacutetica humano-societaacuteria incipiente e acanhada que ganhou no

artigo O Futuro Ausente beliacutessima caracterizaccedilatildeo inspirada no Marx das

Formen Imaturaccedilatildeo natural e caracteriacutestica das remotas formas sociais em que

a propriedade da terra e a agricultura constituiacuteam a base da atividade material

tendo por objetivo a produccedilatildeo valores de uso ou seja a reproduccedilatildeo dos

indiviacuteduos em peculiares e bem determinadas relaccedilotildees com a comunidade[iv]

onde por via de consequumlecircncia indiviacuteduo e genecircro satildeo imediata e

transparentemente inseparaacuteveis e suas relaccedilotildees traduzem essa unidade

fundamental tornando desconhecida e impensaacutevel qualquer tipo de cissura que

contraponha ou menos ainda torne excludentes entre si as figuras de sua

polaridade[v] Mas a essa dimensatildeo positiva - sintomaticamente tatildeo atraente nos

dias atuais - corresponde uma negativa que Chasin esclarece na sequumlecircncia

todas as formas em que a comunidade pressupotildee sujeitos em determinada

unidade objetiva com as condiccedilotildees da atividade produtiva ou reciprocamente

nas quais uma especiacutefica existecircncia subjetiva faz com que a proacutepria comunidade

seja pressuposta como condiccedilatildeo de produccedilatildeo todas elas diz Marx

correspondem necessariamente e por princiacutepio a um desenvolvimento limitado

das forccedilas produtivas[vi]

2) Consequumlentemente impossibilidade para conceber a historicidade e

a contraditoriedade como categorias fundamentais do ser - que estrangulam a

mais precisa e universal por isso mesmo vaacutelida hoje e para sempre das

formulaccedilotildees atinentes agrave natureza e ao propoacutesito da ontologia

Meacuteritos e limites da filosofia primeira que apenas seratildeo realizados e

superados depois de um longo itineraacuterio repleno de contraposiccedilotildees internas

9

pelos lineamentos perfilados por Marx que tambeacutem herda criticamente

dimensotildees da filosofia moderna - do renascimento ao neohegelianismo

Desse modo com o objetivo de sumariar preliminarmente os conteuacutedos

dessa trajetoacuteria que Marx assimila por via criacutetica Chasin indica alguns deles

sem pretensatildeo alguma de esgotaacute-los

1) Do Renascimento - a infinitude do universo e o espiacuterito da

concepccedilatildeo do homem como o uacutenico ser aberto - existente e conhecido capaz

na potecircncia de seus atributos de conhecer e configurar a si e a seu mundo

ambos entendidos e tomados em sua naturalidade objetividade e o primeiro na

infinitude de sua essecircncia ativa

2) Do materialismo francecircs e inglecircs e do Iluminismo - a ruptura com a

conduta especulativa metafiacutesica e com o espiacuterito de sistema em filosofia que eacute

concebido como freio e obstaacuteculo agrave razatildeo Por meio dessa desobstruccedilatildeo o

iluminismo pode universalizar a filosofia como meio de toda verdade - natural e

espiritual - e ela passa a se voltar agraves tarefas praacuteticas donde a possibilidade e o

escopo de estabelecer a vida humana de modo racional Em outros termos

reconhece no pensamento o poder e o papel de organizar a vida o pensamento

deve ter papel analiacutetico mas tambeacutem fazer nascer a ordem cuja necessidade

ela concebeu[vii] Em contrapartida os limites do pensamento iluminista satildeo

sinteticamente os seguintes acentuaccedilatildeo unilateralizante da racionalidade

herdada do renascimento e distorcida pelo racionalismo do seacuteculo XVIII Aleacutem

disso tem-se o naturalismo vale dizer a ontologia do social demasiadamente

colada agrave ontologia da natureza embora natildeo se possa deixar de reconhecer que

frente ao abstracionismo metafiacutesico trata-se de um meacuterito pretender uma

ontologia ligada agrave natureza que em verdade eacute idealizada Talvez o melhor

exemplo dessa tradiccedilatildeo seja justamente Feuerbach

3) Do criticismo - a impossibilidade de uma ontologia como saber do

em si ou seja do ente enquanto ente pela via do absolutismo racional

10

dedutivista Em Kant em verdade tem-se a impossibilidade de uma ontologia

em Marx ao reveacutes tem-se apenas tal recusa agrave especulaccedilatildeo mas natildeo a

impossibilidade de conhecer o ente enquanto ente vale dizer Marx aceita o

espiacuterito da criacutetica kantiana ao conhecimento absoluto mas natildeo sua resultante

sistemaacutetica a sua vedaccedilatildeo ao conhecimento das coisas enquanto tais

4) Do hegelianismo - a concepccedilatildeo histoacuterica do ser portanto de sua

contrariedade bem como a natureza aproximativa do processo de

conhecimento ao mesmo tempo em que recusa o invoacutelucro miacutestico do

pensamento hegeliano - a dialeacutetica autocircnoma da razatildeo como demiurgo do real

ou da efetividade sensiacutevel ou seja refuta decidamente seu caraacuteter

especulativo

5) Do neohegelianismo - a problemaacutetica do homem e muito

especificamente duas contribuiccedilotildees de Feuerbach a criacutetica agrave especulaccedilatildeo e os

lineamentos mais gerais do ser soacute enquanto ser sensiacutevel ou objetivo (dimensotildees

de uma ontologia geral em seu niacutevel mais abstrato) Mas ao lado desse

aspecto positivo do pensamento feuerbachiano natildeo eacute possiacutevel deixar de

assinalar a objeccedilatildeo fundamental dirigida a ele por Marx sua concepccedilatildeo

naturalista do homem vale dizer sua incapacidade de o determinar como ser

social Assim em Feuerbach o homem eacute sensiacutevel objetivonatural e natildeo

objetivo-social - a grande descoberta marxiana

Grande descoberta que eacute mais amplamente avaliada quando se

considera o conjunto das linhas manifestas pelos principais representantes do

neohegelianismo B Bauer formulador de uma concepccedilatildeo do homem como

auto-consciecircncia racional M Stirner com a elevaccedilatildeo do egoiacutesmo agrave condiccedilatildeo de

essecircncia humana Feuerbach com a concepccedilatildeo naturalista do homem centrada

no amor Nesse cenaacuterio somente Marx comparece com a descoberta da

sociabilidade como substacircncia constitutiva do homem - e natildeo meramente uma

essecircncia imutaacutevel mas histoacuterica e contraditoacuteria produzida e reproduzida pela

proacutepria atividade sensiacutevel dos homens

11

De sorte que do ente enquanto ente aristoteacutelico determinado por sua

forma substancial eterna ao ser social marxiano compreendido em suas

mudanccedilas categoriais - eacute do que consiste a histoacuteria - se vai de uma filosofia

primeira que terminou por sua resoluccedilatildeo originaacuteria na forma de um saber

absoluto a um saber histoacuterico de base que se desenvolve pela infinitude de

aproximaccedilotildees empreendidas em direccedilatildeo ao absoluto entendido pura e

simplesmente como completude ou totalidade que praticamente nunca se

realiza porque desnecessaacuterio para o saber ao qual bastam completudes mais

modestas e ainda mais como saber para a praacutetica

De modo que a filosofia primeira de configuraccedilatildeo marxiana eacute antes de

tudo a afirmaccedilatildeo da objetividade do mundo e a possibilidade ser conhecido

possibilidade que eacute soacutecio-historicamente determinada exercendo a funccedilatildeo de

base e guia para a ciecircncia da histoacuteria especificamente como ontologia regional

do ser social e que nutre das ciecircncias e a elas responde tanto quanto elas

mesmas tem de responder aos lineamentos ontoloacutegicos pelos quais se guiam

mas aos quais natildeo tomam como coaacutegulos de saber imutaacutevel De sorte que

ontologia e ciecircncia se potencializam e se criticam reciacuteproca e

permanentemente

Tambeacutem de acordo com Chasin por essas razotildees a ontologia

marxiana natildeo eacute uma resoluccedilatildeo de caraacuteter absoluto nos moldes do sistema

convencional mas a condiccedilatildeo de possibilidade de resoluccedilatildeo do saber Eacute em

outras palavras um estatuto movente e movido de cientificidade orienta e eacute

orientado pela ciecircncia e pela praacutetica universal dos homens Orienta e eacute

orientada guia e eacute guiada corrige e eacute corrigida Ou seja natildeo eacute um absoluto

inquestionaacutevel uma certeza estabelecida por deduccedilatildeo a partir de axiomas de

uma vez para sempre Mesmo porque a certeza cognitiva natildeo pode estar no

ponto de partida mas compreendida como alvo de uma busca permanente

procura intensiva e extensiva cuja infinitude eacute posta a cada momento entre

parecircnteses no qual o grau de certeza alcanccedilado eacute assumido como realizaccedilatildeo

maacutexima tendo por limites as possibilidades do tempo ou cenaacuterio histoacuterico grau

12

a ser confirmado ou ampliado ou ao inveacutes restringido na parte ou descartado

no todo posteriormente com todas as suas implicaccedilotildees correlatas

Em suma quando se utiliza a expressatildeo posiccedilatildeo ontoloacutegica e natildeo

perspectiva oacutetica prisma ou ponto de vista pretende-se remeter a lugar e agraves

coisas ou seja o reconhecimento do mundo como multiverso de entes reais

objetivos e que por isso mesmo faceiam o observador praacutetico ou teoacuterico natildeo

dependendo deste para existir em face do qual satildeo independentes Eacute

finalmente o reconhecimento da prioridade das coisas nas relaccedilotildees cognitivas

sem desconhecer eacute claro o caraacuteter ativo do investigador

Quando Chasin procura enfatizar o reconhecimento noccedilatildeo

imediatamente conexa a de posiccedilatildeo ontoloacutegica eacute por que aquela tem a

vantagem de colocar em primeiro lugar o caraacuteter natildeo puramente teoacuterico

contemplativo mas sobretudo praacutetico[viii] da aproximaccedilatildeo ao ente aleacutem da

natureza da operaccedilatildeo mental que designa - constataccedilatildeo ou recogniccedilatildeo vale

dizer a admissatildeo de algo a respeito do qual o discurso se pronuncia como forma

imediata de representaccedilatildeo

Relevar o caraacuteter praacutetico de aproximaccedilatildeo ao ente ou em outras

palavras partir ou dar prioridade agrave praacutetica significa por seu turno partir do

caraacuteter essencial do ser do homem por sua exteriorizaccedilatildeo operativa no mundo

que confirma sua forma de vida ou modo de existecircncia Quer dizer eacute um ponto

de partida desde logo sob criteacuterio ontoloacutegico ou seja que considera a

efetividade ocircntica do homem e do mundo de tal sorte que ambos satildeo

reconhecidos enquanto atividade sensiacutevel Caminho que tem o meacuterito de evitar

as vias reflexas[ix] como tambeacutem os engenhos e supostos dos encantamentos

especulativos como cogito sujeito transcendental ou os arqueacutetipos

generalizando uma expressatildeo marxiana os misticismos loacutegicos que nunca

deixam de mostrar sua condiccedilatildeo de artifiacutecios por mais rigorosos e envolventes

que sejam tanto que podem sempre ser contestados de algum modo ao passo

que os indiviacuteduos vivos e ativos os pressupostos dos quais Marx parte em A

13

Ideologia Alematilde natildeo podem nunca ser recusados a natildeo ser na fantasia e sob

pena de cancelar todo e qualquer andamento reflexivo

Em suma reconhecimento ontopraacutetico significa pois tomar como

ponto de partida a praacutetica - desde a praacutetica cotidiana agrave praacutetica cientiacutefica de ponta

- de um tempo dado

O plano ontopraacutetico jaacute bem delineado no texto de 1995 ganha nos

anos seguintes sucessivas correccedilotildees por parte do autor a ponto de se tornar o

eixo a partir do qual Chasin faz a criacutetica das Teorias da Fundamentaccedilatildeo ou

como ele as denomina ironicamente A Querela da Fundamentaccedilatildeo

A esse respeito costumava ele indagar O que eacute um fundamento Uma

Teoria da Subjetividade ou Uma Teoria da Objetividade

Se o fundamento for considerado a partir de uma teoria da

subjetividade por onde comeccedilar Pelo aparato sensorial como no empirismo

Ou pela consciecircncia ou coisa que o valha como o cogito cartesiano a

autoconsciecircncia a razatildeo ou as formas a priori do entendimento Ou ainda uma

teoria da mente

Ainda no plano do fundamento subjetivo poder-se-ia partir da

experiecircncia da vivecircncia do vivido Neste caso o vivido seria o preacute-teoreacutetico

mas enquanto experiecircncia existencial isto eacute as vivecircncias do indiviacuteduo isolado

em experiecircncia aleatoacuteria fortuita acidental

Mas se o fundamento for uma Teoria da Objetividade por onde

comeccedilar Pelos fenocircmenos empiacutericos Mas nesse caso natildeo terminariacuteamos

apenas no fundamento psicoloacutegico isto eacute teriacuteamos o psicologismo como

fundamento da verdade

14

E se partiacutessemos do todo concreto Natildeo findariacuteamos numa visatildeo

caoacutetica e abstrata de conjuntos indeterminados desamparados na companhia

de um punhado de abstraccedilotildees razoaacuteveis e irrazoaacuteveis

Feitas tais indagaccedilotildees Chasin conclui de modo enfaacutetico Toda peticcedilatildeo

de fundamento todo discurso por um fundamento estaacute encerrado na esfera

teoacuterica Aleacutem do mais todo discurso de fundamentaccedilatildeo pretende e implica uma

certeza ou seja de um modo ou de outro a suposiccedilatildeo de um saber absoluto

ainda que um simples momento do saber absoluto Vale dizer o discurso da

fundamentaccedilatildeo desemboca de algum modo na razatildeo especulativa Em outras

palavras implica algo que transcende a proacutepria natureza do saber que eacute um

processo infinito de aproximaccedilotildees

Para Chasin o reconhecimento do ontopraacutetico tem a vantagem de

escapar agrave querela da fundamentaccedilatildeo na medida em que parte da experiecircncia

real melhor dizendo da praacutetica real natildeo de uma experiecircncia isolada

arbitrariamente natildeo da experiecircncia aleatoacuteria da suposta existecircncia existencial

dos indiviacuteduos isolados dos indiviacuteduos em derreliccedilatildeo

O universo ontopraacutetico eacute o necessariamente vivido para que qualquer

pergunta possa se dar Eacute portanto a esfera preacute-teoreacutetica esfera que antecede

qualquer teoria Esfera sem a qual natildeo haacute vida humana e portanto sem a qual

natildeo pode haver qualquer pergunta teoacuterica

A reflexatildeo que tem como ponto de partida o ontopraacutetico estabelece

assim um pressuposto concreto (e natildeo uma verdade ideada) do qual natildeo posso

me afastar a natildeo ser na imaginaccedilatildeo

Em siacutentese a esfera ontopraacutetica representa o complexos dos homens

vivos e ativos A partir dessa abstraccedilatildeo razoaacutevel - o ontopraacutetico - pode-se

encontrar jaacute numa analiacutetica de desentranhamento desse complexo real o

devido lugar da ontologia da epistemologia e da ciecircncia da histoacuteria que

compreende dois grandes ramos natureza e sociedade

15

Em outras palavras sem a consideraccedilatildeo do ontopraacutetico torna-se

aleatoacuteria a localizaccedilatildeo que se confere tanto ao ontoloacutegico quanto ao epistecircmico

A opccedilatildeo por um deles se torna uma arbitrariedade teoacuterica e eacute justamente isto

que gera a querela da fundamentaccedilatildeo pois a decisatildeo fica submersa ao plano

teoacuterico ao jogo dos argumentos agrave ambivalecircncia do logos que eacute irresolutivo

Sem a consideraccedilatildeo do ontopraacutetico parte-se assim de imediato da

teoria e natildeo do ser que faz da teoria ou deste como uma abstraccedilatildeo da

inteligibilidade ou seja de uma faculdade abstraiacuteda do ser que a possui

gerando com isso um absurdo ontoloacutegico

Eacute portanto a partir da analiacutetica do ontopraacutetico pelo reconhecimento de

seus traccedilos categoriais que tem iniacutecio a elaboraccedilatildeo ontoloacutegica Ou seja a

ontologia nasce como reflexatildeo conscientizaccedilatildeo conceituaccedilatildeo do ontopraacutetico

enquanto primeiro objeto da ontologia que a partir daiacute se encaminha em

direccedilatildeo agrave criacutetica - em termos de sua necessidade e loacutegica especiacutefica - do proacuteprio

ontopraacutetico isto eacute do complexo dos objetos reais aiacute incluiacutedo o homem

Resta ainda em relaccedilatildeo agrave problemaacutetica geral em tela aflorar a questatildeo

da adequatio tal como era tematizada tambeacutem em seus cursos

Polemizando com a denominaccedilatildeo de realismo comumente utilizada

para denominar proposituras que conferem prioridade ao mundo objetual

Chasin afirmava que haacute realismo - antigo - quando eacute suposto que a ordem da

razatildeo agrave idecircntica a ordem do real e que a partir de axiomas por meios racionais-

dedutivos embuiacutedos do espiacuterito de sistema se possa estabelecer a verdade do

mundo

Em Marx entretanto a ordem das coisas e da razatildeo satildeo distintas (um

exemplo expressivo desta postura marxiana pode ser encontrada na famosa

Introduccedilatildeo de 57) ambas mutaacuteveis e processuais - unidade da desidentidade

entre ser e saber Assim o mundo natildeo pode ser deduzido racionalmente mas

reproduzido sob forma de ideacuteia por meio de aproximaccedilotildees - empiacuterico abstrato

16

concreto - num processo intensivo e extensivo historicamente condicionado

possibilitado ou impedido - na dependecircncia que fica da maturaccedilatildeo do objeto e

do posicionamento do sujeito O processo mimeacutetico eacute portanto reproduccedilatildeo

conceitual de efetividades donde se lida com duas ordens de formaccedilotildees real e

ideal A reproduccedilatildeo conceitual apresenta portanto sua proacutepria loacutegica mas no

interior da determinaccedilatildeo soacutecio-histoacuterica do pensamento de modo que uma

teoria do conhecimento (morfologia e dinacircmica da subjetividade in abstratu e

imutaacutevel) eacute incapaz de explicar o processo cognitivo pois a faculdade humana

da forccedila da abstraccedilatildeo depende das possibilidades oferecidas pela

determinaccedilatildeo social do pensamento que por sua vez se manifesta e se

configura pelo desenvolvimento dos objetos e da praacutetica humana que sobre eles

tem incidecircncia

Donde a franca afirmaccedilatildeo marxiana da possibilidade de conhecer natildeo

se confunde com a simplicidade e facilidade da concepccedilatildeo realista nem mesmo

no plano da ingenuidade cotidiana desde logo porque a atividade cotidiana -

que estaacute para aleacutem da ingenuidade ou lanccedila os sujeitos para aleacutem da

ingenuidade - eacute em si um complexo rico e desafiador matrizador inclusive da

intentio recta atitude natural e necessaacuteria da esfera ontopraacutetica

Haacute portanto que distinguir as grandes diferenccedilas ontoloacutegicas entre o

estatuto marxiano e a ontologia realista Na primeira a adequatio digamos

assim eacute correlaccedilatildeo entre formaccedilatildeo real e formaccedilatildeo ideal duas ordens distintas

de configuraccedilatildeo Em outras palavras eacute correlaccedilatildeo conceitual entre entificaccedilatildeo

concreta e reproduccedilatildeo conceitual Em suma a reproduccedilatildeo conceitual nada mais

eacute do que transposiccedilatildeo agrave cabeccedila ordenada pelos nexos do real na forma e pelos

meios da proacutepria atividade mental

I - Tomando Marx por Base e por Ponto de Chegada

17

Considerando como ponto de referecircncia as consideraccedilotildees

desenvolvidas por Marx em O Capital especificamente sobre a dificuldade

encontrada pela humanidade na compreensatildeo do valor ao longo de dois

milecircnios - de Aristoacuteteles a Ricardo - pode-se sustentar segundo Chasin que

um fenocircmeno muito similar a este se produziu no que tange agrave determinaccedilatildeo do

ser ou seja da(s) matriz(es) da(s) realidade(s) ou seja da efetividade

Tomemos as passagens em questatildeo que se encontram no Prefaacutecio agrave

Primeira Ediccedilatildeo de O Capital Todo comeccedilo eacute difiacutecil isso vale para qualquer

ciecircncia A forma do valor cuja figura acabada eacute a forma do dinheiro eacute muito

simples e vazia de conteuacutedo Mesmo assim o espiacuterito humano tem procurado

desvendaacute-la (ergruumlden) em vatildeo haacute mais de 2000 anos enquanto por outro lado

teve ecircxito ao menos aproximado a anaacutelise de formas muito mais complicadas e

replenas de conteuacutedo Por quecirc Porque o corpo desenvolvido eacute mais faacutecil de

estudar do que a ceacutelula do corpo Aleacutem disso na anaacutelise das formas econocircmicas

natildeo podem servir nem o microscoacutepio nem reagentes quiacutemicos A forccedila da

abstraccedilatildeo deve substituir a ambos Para o leigo a anaacutelise parece se perder

em pedantismo Trata-se efetivamente de pedantismo mas daquele de que se

ocupa a anatomia microscoacutepica

De acordo com Chasin eacute necessaacuterio reter os seguintes noacutedulos

significativos da citaccedilatildeo acima

1) todo iniacutecio de uma ciecircncia eacute difiacutecil donde o princiacutepio da ontologia o

princiacutepio da ciecircncia deve ser o mais difiacutecil de todos

2) haacute grande dificuldade na compreensatildeo da forma do valor que eacute um

objeto simples e vazio de conteuacutedo

3) haacute ecircxito maior na anaacutelise de formas mais complicadas e replenas de

conteuacutedo

18

Na mesma citaccedilatildeo Marx enuncia os motivos de tal dificuldade

1) o corpo desenvolvido eacute mais faacutecil de estudar do que a ceacutelula do

corpo

2) meacutetodos experimentais natildeo satildeo aplicaacuteveis a esse tipo de forma

3) a analiacutetica dessa forma pela forccedila da abstraccedilatildeo deve tomar o lugar

da observaccedilatildeo empiacuterica e experimental

4) anaacutelise voltada agrave anatomia microscoacutepica da forma estudada

A partir dessas indicaccedilotildees colhidas no texto de Marx Chasin elabora

um esboccedilo para fins unicamente didaacuteticos em que busca transpassaacute-las para a

proacutepria questatildeo ontoloacutegica afirmando o que se segue

1) o iniacutecio difiacutecil da ontologia perdurou tambeacutem por mais de 2000

anos trajetoacuteria em que se observa tateios imprecisos caracterizados por um

movimento simultacircneo de constituiccedilatildeodissoluccedilatildeo ateacute chegar em Marx Tal

movimento simultacircneo de constituiccedilatildeodissoluccedilatildeo revela por seu rumo

imanentemente contraditoacuterio por seus caminhos e descaminhos histoacutericos a

dificuldade e a longa incapacidade na formulaccedilatildeo precisa de seu objeto e

alcance ou seja de sua natureza e propoacutesito - de sua funccedilatildeo orientadora e

sustentadora no plano teoacuterico e de sua origem praacutetica preacute-teoreacutetica

2) reconhecimento ontopraacutetico das formas dos seres e analiacutetica da

forma do ser apenas por meio da forccedila da abstraccedilatildeo no reconhecimento

ontopraacutetico os seres satildeo reconhecidos como substantivos e nesse caso ateacute

certo ponto vale para a observaccedilatildeo espontacircnea e observaccedilatildeo comum pois o

desvendamento completo exige forccedila de abstraccedilatildeo como verbo ( o ato de ser

de Gilson) soacute a forccedila da abstraccedilatildeo daiacute a facilidade para se cair no

abstrativismo

19

Eacute nesse preciso momento da exposiccedilatildeo chasiniana que surgem as

primeiras referecircncias a Eacute Gilson assim como a N Hartmann momentos mais agrave

frente Evidentemente que esse procedimento natildeo ocorre por acaso pois o que

estaacute em questatildeo agora satildeo as tentativas contemporacircneas de resgate da

tematizaccedilatildeo ontoloacutegica

Eacute Gilson afirma que o mais fundamental dos problemas da filosofia - a

relaccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia que por seu turno diz respeito agrave distinccedilatildeo

de ser como nome isto eacute como substantivo em latim ens (ente) e como verbo

esse Eacute sabido que o esse tomista eacute concebido como ato de ser - actus essendi -

significando portanto existecircncia ato de existir ato de ser

Chasin comenta a ambiguumlidade da noccedilatildeo de ser para qual Gilson

chama atenccedilatildeo afirmando o que se segue

1) Ens eacute um nome que significa um ser (determinado) ou seja a

natureza e a essecircncia de qualquer existente ou entatildeo - o ser mesmo - uma

propriedade comum a tudo aquilo que se pode dizer que eacute (que pertence a)

Em suma enquanto nome ou substantivo ser designa um existente

qualquer ou uma propriedade comum a todos os existentes designa o que

verdadeiramente eacute ou uma propriedade geral eacute um ente ou uma entidade

2) Enquanto verbo ser designa a accedilatildeo ou o ato de ser exercido pelo

ente Assim como verbo natildeo significa que algo eacute nem a existecircncia em geral

mas o ato mesmo pelo qual qualquer realidade dada eacute de fato ou existe

Precisamente a este ato Gilson chama de ser em contraposiccedilatildeo a ente

De todo modo feita a distinccedilatildeo Chasin considera existir um seacuterio

problema ao tomar em separado ens e esse indagando eacute possiacutevel pensar em

duas figuras no isolamento Seraacute que essa configuraccedilatildeo eacute de fato o mais

fundamental dos problemas ou eacute o mais antigo o mais remoto e o mais cultuado

dos equiacutevocos da histoacuteria da filosofia

20

De um lado a compreensatildeo da forma de ser enquanto verbo como

pura significaccedilatildeo verbal de existir de estar presente enquanto significaccedilatildeo de

ato ou presenccedila o verbo eacute forma simples e vazia de conteuacutedo pois reduzida ao

predicado mais geral e comum das coisas denota apenas sua existecircncia De

outro lado ocorre o mesmo problema com o substantivo ser - ens - pois redunda

em essecircncia imutaacutevel Em outras palavras na histoacuteria da filosofia nesses dois

caminhos houve de longa data polecircmica sobre o que existe em que plano se daacute

a existecircncia e assim por diante No caso do ser como verbo o ser eacute muito

parcamente categorial reduzido agrave presenccedila no tempo e no espaccedilo soacute possui o

predicado abstrato da existecircncia no caso do substantivo tomado sem o ato de

existir se converte em complexo de propriedades ou entidades perenes

A resoluccedilatildeo para tal questatildeo reside segundo Chasin em tomar o ser

enquanto complexo categorial daquilo que eacute como ente que existe Nesse

sentido o desvendamento tem ecircxito maior como mostra a ciecircncia que toma

para anaacutelise formas mais complicadas e replenas de conteuacutedo vale dizer uma

vez que tem por alvo o ser por sua efetividade e determinado por suas

qualidades natildeo apenas pelo reconhecimento de sua presenccedila mas pelo seu

complexo categorial

Ora arremata Chasin a forma sensiacutevel do ente compreende o ens e o

esse ou seja a plena riqueza do complexo categorial

- Loacutegica e Ciecircncia

Neste item Chasin defende a tese de que na medida em que

pretendeu e pretenda ser uma disciplina ou ciecircncia de chegada isto eacute

21

conclusiva autocircnoma e sistemaacutetica a ontologia acaba por ser transmutada em

loacutegica ou ciecircncia

Talvez possa ser dito que nas ontologias onde predomine

unilateralmente o ser como verbo ou o ente como essecircncia terminem por ser

uma loacutegica que de alguma forma acaba por ter a pretensatildeo de constituir o ser

a loacutegica eacute entatildeo o segredo uacuteltimo do ser ou sua base cognitiva e por essa via

sua base ontoloacutegica - que assim nega a ontologia ou seja o reconhecimento do

ser por si

De outra parte predominando o ser como substantivo o fim da

ontologia acaba por ser uma forma de ciecircncia ou seja a ontologia eacute novamente

negada como ocorreu com a ciecircncia moderna donde sua pretendida auto-

suficiecircncia que apenas admite por fundamento uma forma qualquer de

gnosiologia isto eacute uma forma a priori da operatividade subjetiva

desaparecendo assim a regecircncia do objeto o que ao contraacuterio caracteriza o

espiacuterito e o propoacutesito ontoloacutegicos ou seja o reconhecimento do ente enquanto

ente o oacuten qua oacuten ou ser por si

Em suma a ontologia quando centrada no ser como verbo rarefeita

pelo vazio de sua forma termina por ser loacutegica por outro lado quando centrada

no ser como substantivo agraves voltas com gecircneros formados por complexos

qualitativos termina por se constituir em ciecircncia particular e autocircnoma Assim

ao pretender ser tudo concludente sistemaacutetica e independente por sua forma

mais vazia ou por suas categorias abstratas e perenes a ontologia acaba por

ser negada pela loacutegica ou pela ciecircncia Pretendendo ser tudo acaba por

desaparecer

Ora ao tomar o ser como verbo a ontologia tem de compreender que

natildeo pode ser mais do que a anatomia de uma propriedade do ser - de sua

propriedade mais geral e vazia - a propriedade de sua presenccedila enquanto corpo

real ausente ou presenccedila de um complexo categorial abstraiacutedo O ser aqui eacute

22

reduzido agrave forma mais vazia a simples propriedade de um todo que escapa

completamente agrave sua jurisdiccedilatildeo Donde seu desenlace em loacutegica

De outra parte quando o ser eacute tomado em sua denotaccedilatildeo substantiva

ou seja na multiplicidade de suas propriedades qualitativas em interconexatildeo

especiacutefica transborda em ciecircncia na medida em que a ontologia pretenda a

condiccedilatildeo de disciplina ou ciecircncia sistemaacutetica

Donde a impossibilidade de a ontologia ficar adstrita agrave forma do verbo

nem se realizar como dilucidaccedilatildeo concreta do substantivo Assim deve-se

reconhecer que a ontologia natildeo pode se realizar em nenhum desses dois poacutelos

nem simples tematizaccedilatildeo do ato geneacuterico da presenccedila - que redundaria em

simples compoacutesito tautoloacutegico nem tematizaccedilatildeo do ser substantivo concreto

pois aiacute se desnaturaria em ciecircncia especiacutefica

Conclusivamente a ontologia nem eacute simples tautologia do ser em ato

nem efetivaccedilatildeo cientiacutefico-concreta do desvendamento do ser como substantivo

Enquanto tal a ontologia eacute uma realizaccedilatildeo necessaacuteria no espaccedilo que antecede

aqueles dois poacutelos em verdade a plataforma que leva da constataccedilatildeo mais

abstrata do ser (tanto como substantivo quanto verbo) agrave sua reproduccedilatildeo

cientiacutefica como substantivo Enquanto tal eacute um estatuto - uma filosofia primeira

o cacircnon da legalidade do ser matrizado pelos traccedilos ou vetores categoriais

fundamentais do ser por si que matriza a cientificidade tanto em sua forma mais

abstrata - loacutegica - quanto em sua forma mais concreta - ciecircncia

O problema fundamental da filosofia primeira - philosophia prima - eacute o

problema das categorias mais gerais do ser aiacute incluso o ato de ser donde em

sua plenitude o ato sensiacutevel de ser - ens e esse o ens essendi complexo

categorial pleno no ato de existir

Essa plataforma estatutaacuteria natildeo eacute uma disciplina situada entre outras

disciplinas entre a loacutegica e a ciecircncia como um campo intermediaacuterio entre o

verbo e o substantivo entre a maacutexima abstratividade e a efetividade concreta

23

Essa distribuiccedilatildeo topograacutefica confere agrave abstraccedilatildeo a condiccedilatildeo de fundaccedilatildeo

(determinaccedilatildeo originaacuteriaontoloacutegica) e fundamento (ponto de partida

epistemoloacutegico) Se assim fosse perderia a condiccedilatildeo de filosofia primeira

Enquanto filosofia primeira eacute o reconhecimento do substantivo verbal

do substantivo que eacute do ens essendi natildeo de uma substantividade qualquer em

abstrato mas da substantividade que existe por todas as modalidades

categoriais isto eacute reais (sensiacuteveis) natildeo apenas um substantivo pensado que

dependeria para ser do pensamento mas do substantivo que eacute por-si

independentemente se ser pensado o que requer o complexo categorial

da sensibilidade por isso eacute que soacute eacute ser o ser sensiacutevel Vale dizer o ser como

verbo eacute resultado do ser substantivo soacute um sujeito (em suas diversas formas na

cadeia do ser) eacute (soacute um sujeito existe eacute faz sente pensa etc de acordo com

seu grau na cadeia do ser)

A ontologia do puro verbo ser ou das puras essecircncias (complexo

categorial abstrativante e eterno) eacute a autonomizaccedilatildeo das categorias ou da

existecircncia em relaccedilatildeo ao ser e existir reais agraves formas reais de ser e existir satildeo

as categorias e a existecircncia sem corpo ou sujeito mais do que isso satildeo as

categorias (essecircncia) e existecircncia em geral universal e abstrata tornadas

sujeito a essecircncia ou a existecircncia abstratas personificadas - e isso satildeo

puramente figuras do pensamento o que jaacute eacute especulaccedilatildeo natildeo ontologia

Marx agrave semelhanccedila de Feuerbach soacute admite como ente ou melhor

como entificaccedilatildeo o ens essendi - o ente sendo o ente no ato de ser o ente

revestido de existecircncia atual - objetivo o ente no exerciacutecio da accedilatildeo ou ato de

ser eacute portanto um ente existente ou seja o ente que estaacute sendo o ente no ato

de existir

Donde do mesmo modo que em Feuerbach o ser eacute inseparaacutevel de sua

existecircncia Ser e existir constituem uma unidade indissoluacutevel complexo

24

categorial no ato de ser pela atualizaccedilatildeo do complexo categorial essecircncia

determinada e mutaacutevel na mutabilidade de ser e ir sendo (essendi)

Eacute chegada a hora depois desta etapa analiacutetica de vislumbrar qual eacute o

cenaacuterio em Marx que esse conjunto de questotildees se coloca Com esse objetivo e

como eacute tiacutepico de seu procedimento investigativo junto aos textos daquele autor

Chasin toma para anaacutelise o item 1 O Processo de Trabalho do capiacutetulo V de O

Capital Nele pode-se identificar em primeiro lugar a natureza geral (universal)

da atualizaccedilatildeo da forccedila de trabalho que se encontra em potecircncia nos indiviacuteduos

A produccedilatildeo de valores de uso ou bens natildeo muda sua natureza geral por se

realizar para o capitalista e sob seu controle Por isso o processo de trabalho

deve ser considerado de iniacutecio independentemente de qualquer forma social

determinada[x]

Por que o processo de trabalho deve ser considerado de iniacutecio

independentemente de qualquer forma social determinada indaga Chasin A

resposta eacute formulada em estilo direto Para natildeo ser perdida a natureza do

trabalho sua positividade enquanto atividade humana vital

Tem-se nessa passagem segundo Chasin um exemplo do exerciacutecio

de uma ontologia estatutaacuteria - a positividade (sua efetividade ou operosidade)

universal do trabalho enquanto atributo vital e inalienaacutevel do homem

independentemente de suas formas concretas que se apresentam na forma do

trabalho alienado

Eacute a determinaccedilatildeo universal do trabalho o traccedilo de sua legalidade

uacuteltima sua determinaccedilatildeo mais geral e essencial dimensatildeo que natildeo desaparece

nem mesmo sob suas formas concretas mais negativas

A ontologia estatutaacuteria registra o traccedilo ou rastro dessa dimensatildeo

permanente que atravessa as formas concretas em sua efetividade contraditoacuteria

e especialmente desfavoraacutevel para o homem enquanto maioria subjugada ao

longo de toda a preacute-histoacuteria da humanidade

25

Permanente mas permanente processual mutaacutevel diversamente

positivo quantitativa e qualitativamente em cada uma das formas concretas em

que o trabalho aparece nas configuraccedilotildees sociais determinadas

Nesse sentido abstratamente permanente abstratamente positivo mas

onde essa abstratividade natildeo corresponde a uma simples determinaccedilatildeo

conceitual Corresponde a uma efetividade em sua figura proacutepria em cada forma

social determinada

Agrave ontologia estatutaacuteria compete o reconhecimento dessa dimensatildeo mais

geral base para a decifraccedilatildeo cientiacutefica concreta dos casos efetivos que por sua

vez confirmam ou natildeo criticamente a determinaccedilatildeo mais geral ontoloacutegica Natildeo

haacute portanto um abismo separando ontologia de ciecircncia mas a continuidade de

momentos distintos de uma mesma unidade de conhecimento que interagem e

se medem reciprocamente se apoacuteiam estimulam e criticam um infinito processo

constitutivo das certezas

Continuando a anaacutelise do texto marxiano tem-se a descriccedilatildeo do

trabalho e o reconhecimento analiacutetico de sua natureza Antes de tudo [aqui

Chasin faz uma pequena observaccedilatildeo assinalando ou seja na raiz em seu

fundamento diria uma linguagem mais convencional e ciosa de suas

pretendidas atribuiccedilotildees] o trabalho eacute um processo entre o homem e a

natureza um processo em que o homem por sua proacutepria accedilatildeo medeia regula

controla seu metabolismo com a natureza Ele mesmo se defronta com a

mateacuteria natural Ele potildee em movimento as forccedilas naturais pertencentes agrave sua

corporalidade braccedilos e pernas cabeccedila e matildeo a fim de se apropriar da mateacuteria

natural numa forma uacutetil para a sua proacutepria vida Ao atuar por meio desse

movimento sobre a natureza externa a ele e ao modificaacute-la ele modifica ao

mesmo tempo sua proacutepria natureza Ele desenvolve as potecircncias nela

adormecidas e sujeita o jogo de suas forccedilas a seu proacuteprio domiacutenio[xi]

26

Observe-se que diz Chasin ao trabalhar ao mudar a forma da

natureza ao construir sua proacutepria mundaneidade o homem ele proacuteprio por

meio de seu proacuteprio trabalho transforma a sua proacutepria natureza Ou seja de ser

natural para social eis um novo exemplo de lineamento reconhecido e recolhido

agrave ontologia estatutaacuteria

Prosseguindo na especificaccedilatildeo Marx afirmaPressupomos o trabalho

numa forma que pertence exclusivamente ao homem Uma aranha executa

operaccedilotildees semelhantes agraves do tecelatildeo e a abelha envergonha mais de um

arquiteto humano com a construccedilatildeo dos favos de suas colmeacuteias Mas o que

distingue de antematildeo o pior arquiteto da melhor abelha eacute que ele construiu o

favo em sua cabeccedila antes de construiacute-lo em cera No fim do processo de

trabalho obteacutem-se um resultado que jaacute no iniacutecio deste existiu na imaginaccedilatildeo do

trabalhador e portanto idealmente Ele natildeo apenas efetua uma transformaccedilatildeo

da forma da mateacuteria natural realiza ao mesmo tempo na mateacuteria natural seu

objetivo que ele sabe que determina como lei a espeacutecie e o modo de sua

atividade e ao qual tem de subordina sua vontade E essa subordinaccedilatildeo natildeo eacute

um ato isolado Aleacutem do esforccedilo dos oacutergatildeos que trabalham eacute exigida a vontade

orientada a um fim que se manifesta como atenccedilatildeo durante todo o tempo de

trabalho e isso tanto mais quanto menos esse trabalho pelo proacuteprio conteuacutedo e

pela espeacutecie modo de sua execuccedilatildeo atrai o trabalhador portanto quanto

menos ele o aproveita como jogo de suas proacuteprias forccedilas fiacutesicas e espirituais[xii]

Chasin chama atenccedilatildeo para as seguintes observaccedilotildees

1) a preacutevia-ideaccedilatildeo do resultado (do fim) a existecircncia ideal do mesmo

na imaginaccedilatildeo donde o objeto ou um complexo categorial in mente e ante

res[xiii]

Preacutevia-ideaccedilatildeo e teleologia satildeo ou podem ser momentos confluentes

mas natildeo satildeo idecircnticos a preacutevia-ideaccedilatildeo estaacute no comeccedilo e eacute um desenho ideal

que implica o conhecimento da espeacutecie e do modo da atividade a realizar

27

conhecimento das malhas causais teleologia eacute simplesmente finalidade fim

objetivo podendo se apresentar de modo meramente volitivo e bem abstrato

natildeo mobilizante dos ou sem os meios de sua realizaccedilatildeo ou seja ter teleologia

sem preacutevia-ideaccedilatildeo natildeo conduz a nenhum processo de trabalho Quero assinar

que o termo teleologia pode ser demasiado vago no sentido de mero conceito

filosoacutefico convencional nesse sentido apenas alusivo e natildeo instrumentador de

operaccedilotildees na esfera da atividade sensiacutevel Pode ser entendido mais como

manifestaccedilatildeo de espiacuterito do que como exigecircncia de efetuaccedilatildeo de mudanccedila de

forma da mateacuteria natural e objetivaccedilatildeo de propoacutesito E de toda forma indica

antes de tudo que o fim o realizado estaacute no fim do processo fala do obtido ou

do a ser obtido nada nos diz da travessia que realiza da travessia que passa do

ideal para o real natildeo nos fala da mobilizaccedilatildeo ideal e material necessaacuterias

Quando a teleologia se manifesta como resultado jaacute natildeo eacute preciso dizer mais

nada a respeito Basta saudar e usufruir de sua apariccedilatildeo que nada tem de

maacutegica ou misteriosa mas antes de reconhececirc-la como produto das

metamorfoses de subjetividade e objetividade Ou seja em suas distintas

naturezas inconfundiacuteveis enquanto tais objetividade e subjetividade satildeo

entificaccedilotildees na mundaneidade humana e nessa qualidade estados ou momentos

do ser social momentos regidos pela atividade ideal e sensiacutevel do mesmo

Penso que Lukaacutecs ao transpor a questatildeo para a linguagem filosoacutefica

tradicional pode ter dissociado demais fins e meios o que natildeo eacute o caso dos

textos de Marx Por isso Lukaacutecs se vecirc obrigado depois a buscar a rearticulaccedilatildeo

entre teleologia e causalidade e nisso encontre natildeo poucas dificuldades (como

uma passa para outra e vice-versa parecendo que lida ao limite com

substacircncias incomunicaacuteveis natildeo as compreendendo em suas metamorfoses) e

deixe que se perca certa substacircncia da questatildeo antes de tudo o interfluxo entre

objetividade e subjetividade com seus distintos momentos preponderantes em

cada um dos passos dos momentos embricados dos processos Creio que as

duas esferas ficam sempre tradicionalmente um tanto estranhas uma em

28

relaccedilatildeo agrave outra seja para preservar a objetividade e aiacute se torna objetivista seja

para ressaltar a subjetividade e aiacute desliza para o subjetivismo

2) No fim do processo tem-se seu resultado que eacute a transformaccedilatildeo da

forma de uma dada mateacuteria natural e a realizaccedilatildeo do objetivo do trabalho que

existiu antes como preconfiguraccedilatildeo ideal Portanto o trabalho transforma

imagem ideal em ente real complexo categorial in rebus

Em suma no pensamento de Marx as categorias ou complexos

categoriais satildeo reconhecidos sob as trecircs formas in mente (existem idealmente

na imaginaccedilatildeo ou como reproduccedilatildeo mental das coisas categorias da

representaccedilatildeo) ante res (preacutevia-ideaccedilatildeo) e in rebus como efetividades quando

estatildeo na forma de ser Como confirmaccedilatildeo tome-se mais esta passagem do

mesmo capiacutetulo No processo de trabalho a atividade do homem efetua

portanto mediante o meio de trabalho uma transformaccedilatildeo do objeto de

trabalho pretendida desde o princiacutepio O processo extingue-se no produto Seu

produto eacute um valor de uso uma mateacuteria natural adaptada agraves necessidades

humanas mediante transformaccedilatildeo da forma O trabalho se uniu com seu objeto

O trabalho estaacute objetivado e o objeto trabalhado O que do lado do trabalhador

aparecia na forma de mobilidade aparece agora como propriedade imoacutevel na

forma do ser[xiv] do lado do produto Ele fiou e o produto eacute um fio[xv]

Como arremate analiacutetico dessa famosa mas muitas vezes mal

compreendida passagem de O Capital Chasin conclui ao mesmo tempo em que

visualiza uma nova tarefa Se assim eacute se as categorias podem aparecer nas

trecircs formas - in rebus - in mente - ante res - haacute entatildeo que determinar o que satildeo

cada uma dessas formas

Esquematicamente Chasin propotildee o seguinte

1) se estatildeo in rebus (nas coisas) estatildeo na forma do ser

29

2) se estatildeo in mente (na cabeccedila) estatildeo na forma da reproduccedilatildeo ideal

das coisas Trata-se da subjetividade receptora[xvi] que reproduz as coisas natildeo

captando apenas seus dados empiacutericos superando pois o empirismo e elabora

portanto a reproduccedilatildeo ideal dos entes e onde a subsunccedilatildeo aos objetos eacute a

atividade de sua elaboraccedilatildeo ideal

3) se estatildeo ante res (antes das coisas) estatildeo na forma da finalidade da

preacutevia mentalizaccedilatildeo de objetivos e meios

Poreacutem no segundo e terceiro casos as categorias estatildeo na forma de

espeacutecies de pensamento representaccedilotildees e projeccedilotildees do ser do vir-a-ser dos

meios materiais instrumentais processuais e dinacircmicos de entificaccedilatildeo dos

seres

Concluindo essa parte dizer pois que o homem e o mundo satildeo

atividade sensiacutevel que por criar seu mundo cria a si mesmo eacute determinar o

homem como a criatura criadora de seres

No entanto na medida em que apenas na configuraccedilatildeo histoacuterica regida

pela loacutegica do capital ou seja na plenitude da produccedilatildeo da riqueza entendida

por sua essecircncia subjetiva que eacute o trabalho que se atinou para determinaccedilatildeo

do homem como a criatura criadora de seres foi possiacutevel agrave reflexatildeo pode se

dar conta potencialmente da verdadeira problemaacutetica do ser

Em outras palavras eacute pela criacutetica ao criador de criaturas na forma da

alienaccedilatildeo - criacutetica marxiana agrave sociedade capitalista - eacute que a ontologia pode

atinar com seu verdadeiro objeto e modo de determinaccedilatildeo Natildeo eacute casual que

tenha emergido pela criacutetica feuerbachiana ao sistema hegeliano (a criaccedilatildeo

especulada dos entes) e ganho seus contornos efetivos no advento de uma

nova forma de pensamento e concepccedilatildeo de praacutetica - a doutrina de Marx

Resumindo no caso de Marx ontologia eacute estatuto ou filosofia primeira

do ser social que enquanto tal norteia a concreccedilatildeo cientiacutefica do mesmo cuja

30

realizaccedilatildeo corrige e enriquece o proacuteprio estatuto donde a sinergia e a reciacuteproca

dimensatildeo criacutetica entre estatuto ontoloacutegico e ciecircncia da histoacuteria em seus diversos

departamentos possiacuteveis estabelecidos jaacute por criteacuterio ontoloacutegico ou seja que

respeita a integridade das coisas em suas qualidades e processos interconexos

que as constituem em seu ser por si e enquanto tais satildeo reproduzidas

teoricamente

Enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma da legalidade objetiva (material

e espiritual) do ser social ou seja enquanto malha de asserccedilotildees ou

determinaccedilotildees de seu complexo categorial enquanto o permanente na forma de

processo a ontologia estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a

sociabilidade como substacircncia desse grau maacuteximo da cadeia do ser

Mas substacircncia como complexo categorial como siacutentese de categorias

essenciais que denota uma forma especiacutefica determinada de presenccedila ou

existecircncia plenamente qualificada

Por isso eacute estatuto ontoloacutegico pois a plataforma canocircnica do ser eacute o

coacutedigo do substantivo verbal como substacircncia substrato) assim o estatuto

ontoloacutegico do complexo substantivo do ser social deve reconhecer a

sociabilidade como substacircncia A sociabilidade como substrato dos homens

seja na forma da alienaccedilatildeo seja na forma de sua latecircncia de substancialidade

em vir-a-ser no caminho infinito de sua realizaccedilatildeo

Trata-se portanto em Marx de estatuto e natildeo sistema pois como

sistema seria um agregado de abstraccedilotildees uma filosofia que uma vez obtidas

noccedilotildees fundamentais passa a se edificar por si ou seja as noccedilotildees seriam

coaacutegulos inteligiacuteveis que passam por auto-sustentaccedilatildeo a configurar

dedutivamente o mundo Ao passo que estatuto eacute uma ordem a legalidade do

ser sensiacutevel - o ser na plenitude de seus atributos

tempo (histoacuteriaprocessoduraccedilatildeomutabilidade) lugar e sensibilidade

especificamente a legalidade do ser social imanente a si em sua especiacutefica

31

objetividade O ser sensiacutevel eacute a forma do ser porque eacute a plenitude das

categorias possiacuteveis

E as formaccedilotildees ideais

Segundo Chasin as formaccedilotildees ideais do mesmo modo que as

formaccedilotildees reais - formas do ser - tecircm lugar e tempo como categorias - o tempo

e o espaccedilo das formaccedilotildees sociais que satildeo engendradas mas estatildeo privadas de

sensibilidade

O sensiacutevel soacute eacute predicaccedilatildeo inerecircncia agrave forma do ser que conteacutem a

plenitude dos predicados possiacuteveis (sensibilidade espaccedilo tempo)

Essa forma de conceber o ser eacute reconhecer substancialidade ao

complexu agrave unidade totalizada ou seja ao conjunto pleno de atributos em ato

Em outras palavras ser eacute complexo categorial - tem a forma de ser -

completude ou forma conferida pelo sensiacutevel que se desdobra em muacuteltiplos

atributos e se condensa de infinitas maneiras no gradiente do ser

Em suma segundo Chasin tomando Marx como base e ponto de

referecircncia permanentes ser eacute plenitude categorial ou seja a plenitude

categorial eacute sua forma e por ser sensiacutevel compreende lugar e tempo

Donde se admitido o princiacutepio metoacutedico de Marx saber eacute saber do ser

que antes de tudo eacute um complexo sensiacutevel - tudo que eacute existe eacute sempre um

complexo natildeo uma substacircncia ou essecircncia pura e cristalina E a cadeia do ser eacute

o conjunto de graus do ser - do menos ao mais complexo

O preceito metodoloacutegico marxiano eacute pois ontoloacutegico sabe-se o que eacute

como se formou se desenvolveu e como depereceraacute

Por via de consequumlecircncia e diante das vicissitudes da histoacuteria da

ontologia de seu processo constitutivo e dissolutor diante da penosa rota da

32

conquista teoacuterica do real homoacuteloga ou equivalente agrave necessidade humana de

produzir a sua mundaneidade e a si mesmo a ontologia eacute o que pode ser - o

que natildeo eacute pouco - a esfera teoacuterica da incerteza propulsora positiva

afirmativamente organizada O patamar do incerto ordenado como plataforma da

busca infinita da certeza Impulsatildeo incontornaacutevel que natildeo pode ser eludida pela

presenccedila imperativa dos circuitos ontopraacuteticos

Talvez agora o estatuto ontoloacutegico marxiano possa ser enunciado do

seguinte modo eacute o estudo das categorias fundamentais - em traccedilos essenciais

abstratos em suas determinaccedilotildees mais gerais - da existecircncia social

historicamente constatada e reconhecida sendo possiacutevel exemplificar com as

seguintes categorias historicidade (processualidade ou mutabilidade)

concreticidade ou objetividade atividade sensiacutevel e ideal (trabalho e

reproduccedilatildeo) subjetividade (receptiva e proponente) valor individualidade

gecircnero (sociabilidade) Tudo isso perfilando o complexo de complexos da auto

realizaccedilatildeo do ser humano-societaacuterio entendido que o fim dos fins eacute a infinitude

da realizaccedilatildeo do humano - do autopor-se do aberto ser humano-societaacuterio

Estatuto que em outros termos eacute a ordem do reconhecimento ou

reproduccedilatildeo teoacuterica da identidade natureza e constituiccedilatildeo das coisas por si por

seus complexos categoriais decisivos independentemente em qualquer plano

de se tornarem objetos de praacutetica ou reflexatildeo

Enquanto tal eacute a teoria do reconhecimento da objetividade histoacuterico-

social imanente em suas distintas formas de apresentaccedilatildeo (natureza e

sociedade) Em termos muito breves eacute o momento mais abstrato do

reconhecimento da identidade das coisas por si enquanto tal um dos momentos

distintos da unidade do saber do qual participa um segundo sob forma

concreta que eacute a ciecircncia

Pela proacutepria natureza histoacuterica processual do ser a ontologia marxiana

natildeo corresponde nem poderia corresponder por simples imperativo de

33

coerecircncia agrave forma de um saber universal plantado sobre uma racionalidade

auto-sustentada ou seja fundado na razatildeo universal nada mais a versatildeo laica

ou profana de Deus no dizer de Feuerbach Ou seja trata-se enfim de uma

forma de ontologia sem parentesco com o saber absoluto e que recusa qualquer

tipo de fundamento especulativo pois absolutizaccedilatildeo de uma teoria da

fundamentaccedilatildeo eacute simplesmente a firmaccedilatildeo especulativa da razatildeo autocircnoma ou

de um princiacutepio de inteligibilidade situado para aleacutem das coisas que garante a

presenccedila e o conhecimento do sagrado e a vitoacuteria antecipada do idealismo Natildeo

correspondendo agrave qualquer forma de saber universal a ontologia marxiana

sustenta a possibilidade efetiva como jaacute vimos de um saber real

Por sua praacutetica teoacuterica e por um conjunto de lineamentos expliacutecitos

Marx deixou o legado de um especiacutefico estatuto ontoloacutegico natildeo um ontologia de

talhe convencional ou tradicional e natildeo apenas por que careceu de tempo

necessaacuterio para a realizaccedilatildeo de uma obra desse tipo mas fundamentalmente

pela distinccedilatildeo de natureza de seu estatuto ontoloacutegico radicalmente oposto ao

tratamento especulativo da mateacuteria

Esse estatuto eacute constituiacutedo a partir do universo praacutetico onticamente

referido ou seja eacute um estatuto ocircntico-ontoloacutegico pois evolve da efetividade

histoacuterica das coisas de suas relaccedilotildees e processos para sua reproduccedilatildeo

conceitual no plano de uma trama categorial em sua expressatildeo mais abstrata

Reconhecimento e Determinaccedilatildeo da Sociabilidade como Substacircncia

Vimos que segundo Chasin enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma

da legalidade do ser social em sua materialidade e espiritualidade[pode-se dizer

tambeacutem em sua objetividade sensiacutevel e supra-sensiacutevel] ou seja enquanto

malha de asserccedilotildees ou determinaccedilotildees de seu complexo categorial a ontologia

34

estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a sociabilidade como substacircncia desse

grau maacuteximo do ser

Embora Chasin natildeo tenha desenvolvido plenamente a questatildeo da

objetividade supra-sensiacutevel como tambeacutem a da sociabilidade como substacircncia

julgo conveniente transcrever tambeacutem algumas notas e comentaacuterios feitos em

sala de aula dada a importacircncia do tema

Em relaccedilatildeo agrave noccedilatildeo de substacircncia Chasin retoma sua noccedilatildeo mais geral

e tradicional Ou seja deixando de fora qualquer conotaccedilatildeo relativa a formas de

idealidade o que existe por si eacute um auto-engendrado a uacuteltima instacircncia de um

dado gecircnero de entificaccedilatildeo enquanto tal na medida em que eacute uma efetividade

eacute um complexo que a noccedilatildeo de substacircncia refere no mais alto grau de

abstraccedilatildeo Vale pois como abstraccedilatildeo razoaacutevel tal como todo conceito

marxiano nesse niacutevel de generalizaccedilatildeo a partir do qual pela via dos processos

de concreccedilatildeo satildeo determinaacuteveis as formas concretas de substacircncia

correspondentes agraves formaccedilotildees sociais reais

Dessa forma a substacircncia eacute um complexo histoacuterico natildeo uma

idealidade natildeo um construto da razatildeo auto-sustentada mas o resumo de uma

extraccedilatildeo justificada

Naturalidade e Sociabilidade

Sempre que se potildee a questatildeo da naturalidade e da sociabilidade essa

uacuteltima tende a ser examinada in statu nascendi ou de um estado original

imaginaacuterio natildeo se parte portanto de fatos pois os desconhecemos se eacute que

35

tenham existido mas de um mito E do mito se quer saltar para o quadro de uma

realidade complexa

Mas acompanhando Marx lembremos das pobres robinsonadas do

seacuteculo XVIII referidas logo agraves primeiras linhas da Introduccedilatildeo de 57 a) O

caccedilador e o pescador individuais e isolados de que partem Smith e Ricardo b)

o contrat social de Rousseau que relaciona e liga sujeitos independentes por

natureza por meio de um contrato Essas robinsonadas natildeo repousam sobre

(o) naturalismo E a argumentaccedilatildeo prossegue Trata-se ao contraacuterio de uma

antecipaccedilatildeo da sociedade (buumlrgelichen Gesellschaft) que se preparava desde

o seacuteculo XVI e no seacuteculo XVIII deu larguiacutessimos passos em direccedilatildeo agrave sua

maturidade Nesta sociedade da livre concorrecircncia o indiviacuteduo aparece

desprendido dos laccedilos naturais que em eacutepocas histoacutericas remotas fizeram dele

um acessoacuterio de um conglomerado humano limitado e determinado Os profetas

do seacuteculo XVIII sobre cujos ombros se apoacuteiam inteiramente Smith e Ricardo

imaginam o indiviacuteduo do seacuteculo XVIII como um ideal que teria existido no

passado Vecircem-no natildeo como um resultado histoacuterico mas como ponto de partida

da Histoacuteria porque o consideram como um indiviacuteduo conforme agrave natureza -

dentro da representaccedilatildeo que tinham da natureza humana - que natildeo se originou

historicamente mas foi posto como tal pela natureza[xvii]

Segundo Chasin tomando Marx novamente como ponto de referecircncia

os equiacutevocos que aparecem ao se tratar a relaccedilatildeo naturalidade sociabilidade

satildeo os seguintes

1) procurar deduzir em graus diferentes em cada caso o ser social do

natural esquecendo que se trata da emergecircncia do novo de uma configuraccedilatildeo

ontoloacutegica nova e que o novo nunca eacute um simples desdobramento do estaacutegio

anterior no caso - do grau de ser antecedente ou seja que entre os dois niacuteveis

ocorre o que se chama de salto um intervalo em que a potecircncia causal do

antecedente natildeo conteacutem a capacidade a potecircncia ou a potencialidade para

gerar o novo Um intervalo que fica assim indeterminado

36

2) o procedimento acima abre para a mera especulaccedilatildeo pois tende a

deduzir a indeterminaccedilatildeo a querer estabelecer nexos onde eles inexistem

tende a preencher o que de fato eacute um vazio A rigor natildeo se trata de um natildeo-

sabido mas da ausecircncia factual de um objeto ou processo em outros termos

se trata de um vazio ontoloacutegico de uma ausecircncia de nexos ontoloacutegicos

O correto segundo o modus operandi marxiano natildeo eacute partir da semente

ou do embriatildeo mas do complexo real maturado uma vez que

especialiacutessimamente na esfera social a loacutegica do gerado eacute diversa da loacutegica de

sua gecircnese aleacutem de que nesse acircmbito as entificaccedilotildees configuradas apagam a

rota e a loacutegica de sua formaccedilatildeo

Desse modo partindo do jaacute configurado e considerando que se trata de

uma configuraccedilatildeo infinita que compreende mutaccedilotildees qualitativas muito

importantes e natildeo esquecendo que permanecemos no estaacutegio preacute-histoacuterico (em

momento especialmente desequilibrado e contraditoacuterio) podemos e devemos

reconhecer por meio de algumas abstraccedilotildees razoaacuteveis o seguinte

1) A formaccedilatildeo do ser social eacute um processo da animalidade agrave

hominidade o andamento da naturalidade agrave sociabilidade o caminho infinito da

naturalidade dada agrave sociabilidade natildeo-dada em produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

perenes

2)Trata-se pois de uma entificaccedilatildeo processual entre dois niacuteveis ou

poacutelos da escala do ser sendo processo eacute intrinsecamente uma contradiccedilatildeo e soacute

enquanto tal se move eliminada a contradiccedilatildeo cessaria a possibilidade do

processo Com isso eacute dito algo muito importante pois ao reconhecer a

contraditoriedade entre naturalidade e sociabilidade natildeo eacute mais possiacutevel pensar

as mesmas a propoacutesito do ser social como um simples conjugado de fatores

mas obrigatoriamente como uma conjugaccedilatildeo contraditoacuteria de legalidades Isso

vai na esteira do que eacute compreendido desde Hegel - que o ser eacute uma unidade

contraditoacuteria - todavia com o acreacutescimo do problema da dupla legalidade De

37

que modo ou feiccedilatildeo chega cada uma delas agrave unidade contraditoacuteria do ser Pois

haacute que pensar na unidade ou siacutentese a natildeo ser que se queira desenhar o ser

social como uma aberraccedilatildeo hiacutebrida pode ser esta a fisionomia do grau mais

elevado do gradiente dos seres Assim tomada na devida consideraccedilatildeo essa

determinaccedilatildeo ontoloacutegica sem a qual a reflexatildeo perde o rumo trata-se de

compreender a dinacircmica especiacutefica dessa contradiccedilatildeo peculiar Vejamos

3) Em primeiro lugar esse processo contraditoacuterio gera novas

contradiccedilotildees agora dominantemente contradiccedilotildees da sociabilidade em

formaccedilatildeo de sorte que se trata de um processo cumulativo de

contraditoriedades no qual as novas contradiccedilotildees progressivamente vatildeo

tomando o lugar predominante e decisivo vale dizer a contradiccedilatildeo originaacuteria

cada vez mais coabita com contradiccedilotildees de outro gecircnero diante das quais sua

presenccedila vai mudando de forccedila e configuraccedilatildeo natildeo desaparece mas sua

qualidade vai mudando na proporccedilatildeo mesmo do desenvolvimento da

apropriaccedilatildeo societaacuteria da natureza cada vez mais puramente social - eacute no que

consiste de acordo com as palavras de Marx o progressivo afastamento das

barreiras naturais

4) Ou seja a matriz e a medida do afastamento eacute a forma cada vez

mais social de produzir e reproduzir as bases materiais da vida pela qual eacute

gerado o novo ser em direccedilatildeo agrave sua potecircncia ampliada de se auto-por de ir em

direccedilatildeo a si mesmo um si mesmo que natildeo eacute dado mas gerado na progressatildeo

da auto-posiccedilatildeo do auto-assentamento ou da auto-enformaccedilatildeo que inclui a

proacutepria daccedilatildeo de forma e resoluccedilatildeo ao predicado natural ou bioloacutegico daccedilatildeo de

forma que em suma eacute daccedilatildeo de forma social ao predicado natural

5) Essa possibilidade de daccedilatildeo de forma eacute afirmaccedilatildeo e realizaccedilatildeo da

essecircncia social que eacute o conjunto de relaccedilotildees sociais configuradas em cada

momento pelo modo de produzir da base material modo por sua vez que eacute

determinado pelo desenvolvimento das forccedilas produtivas entre as quais figura o

proacuteprio modo de organizaccedilatildeo do conjunto das relaccedilotildees sociais

38

6) Daccedilatildeo de forma eacute alteraccedilatildeo do lugar resolutivo e todo ente que muda

de lugar muda de natureza sem alterar uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo material

Vale dizer que a contradiccedilatildeo originaacuteria entre naturalidade e sociabilidade eacute

resolvida por uma nova contradiccedilatildeo - a da naturalidade que soacute se realiza na

forma e por meios sociais - no afastamento que eacute superaccedilatildeo da naturalidade

(processo histoacuterico) a legalidade natural eacute submetida agrave legalidade social

(diferentemente em cada modo de produccedilatildeo e de acordo com o

desenvolvimento das forccedilas produtivas) o fator natural natildeo eacute suprimido

suprimida eacute sua capacidade de autodeterminaccedilatildeo resta portanto

simplesmente o que natildeo eacute pouco como um predicado do ser humano um

predicado insuprimiacutevel mas apenas como predicado bioloacutegico de um ser de

outra natureza e essecircncia A naturalidade eacute retida como predicado

imprescindiacutevel mas natildeo como essecircncia Donde natildeo satildeo mais duas legalidades

ontoloacutegicas que coexistem mas a legalidade superior mais complexa subsume

a legalidade natural que natildeo mais se autodetermina mas eacute resolvida pela e do

interior da outra Assim o predicado natural do homem recebe forma e

resoluccedilatildeo sociais ou seja o predicado natural eacute subsumido agrave legalidade social

Natildeo resta mais o choque de duas legalidades contrapostas na

contradiccedilatildeo originaacuteria A legalidade natural vai sucumbindo na ruptura e

progressivamente agrave legalidade social em sua efetividade no ser social a

legalidade natural natildeo mais atua por si eacute dependente do social natildeo eacute mais a

legalidade de um ser pois natildeo haacute mais aiacute um ser natural mas um atributo

natural dependente da essecircncia social O homem eacute um ser social que

compreende sua essecircncia especiacutefica (variaacutevel) suas contingecircncias e seu

predicado bioloacutegico Na entificaccedilatildeo do ser social uacuteltimo grau da cadeia do ser a

legalidade natural eacute subalternizada agrave social por mais ruacutestica e restrita que seja a

essecircncia social primitiva e por mais precaacuteria que seja essa subalternizaccedilatildeo de

iniacutecio O processo de afastamento das barreiras naturais eacute assim o curso dessa

subalternizaccedilatildeo que desponta no iniacutecio na ruptura com a legalidade natural e

por mais longo e contraditoacuterio em avanccedilos e recuos que seja esse processo

39

7) de outra parte a loacutegica do predicado bioloacutegico natildeo soluciona natildeo

tem resposta para o complexo problemaacutetico da sociabilidade enquanto que esta

daacute soluccedilatildeo aos imperativos daquela Como diz Marx nos Manuscritos de 44 o

homem contempla a natureza e a si mesmo com um produto social [dos homens

interativos] com pleno direito mesmo que natildeo com elevada consciecircncia ou altos

valores

8) Donde a foacutermula lukaacutecsiana da dupla base eacute falsa pois a plataforma

eacute a sociabilidade enquanto a naturalidade eacute apenas o insuprimiacutevel predicado

bioloacutegico que passa a vigir na forma e sob a regecircncia da sociabilidade Natildeo

perde por isso uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo orgacircnica mas na sua efetividade

muda de caraacuteter No interiro da esfera societaacuteria o predicado bioloacutegico eacute um

outro de si Se originariamente foi o ponto de partida agora eacute produzido e

reproduzido pela legalidade de um ser que o ultrapassa e o domina vive e soacute

pode viver na subjugaccedilatildeo de um novo estatuto Ou seja ao integrar como

predicado o ser de niacutevel mais elevado realiza a sua maacutexima potecircncia e isso eacute

ao mesmo tempo sua desnaturalizaccedilatildeo ou perecimento Impereciacutevel como

predicado natildeo eacute base pois determina soacute por seus limites pelas carecircncias natildeo

pelas determinaccedilotildees resolutivas nem mesmo em suas forccedilas e sentidos pois

enquanto virtualidades estas soacute satildeo humanas e superiores em resoluccedilatildeo

societaacuteria Ademais natildeo eacute nunca um criador de novas necessidades o que

caracteriza a legalidade social

9) A argumentaccedilatildeo acima diz respeito diretamente ao ser social em sua

configuraccedilatildeo bipolar (indiviacuteduo e gecircnero) e desenvolvida em especial no poacutelo da

individualidade tendo por esteio o andamento do gecircnero e ao falar deste se diz

do seu metabolismo com a natureza Esse metabolismo fundamental que eacute em

suma a atividade vital do homem ao gerar produtos sociais

(utilidadesmercadorias) sem que se possa transpor a estes as mesmas

determinaccedilotildees que foram feitas para o ser social desde logo satildeo entes sociais

mas em outro grau da escala do ser social mas tambeacutem tecircm mudada a sua

natureza de naturais a utilidades (e na forma da alienaccedilatildeofetichismo as

40

mercadorias) de sorte que a apropriaccedilatildeo da natureza eacute igualmente sua

desnaturalizaccedilatildeo eacute forccedilaacute-las a deixar de ser o que satildeo em sua peculiaridade

para se tornarem um outro de si sob a regecircncia do estatuto societaacuterio Isso eacute a

manifestaccedilatildeo do poder e da superioridade do grau maacuteximo do ser Nenhum

outro ser realiza qualquer coisa semelhante nem longinquumlamente Repetindo

Kant e Hegel Marx tinha toda razatildeo quando disse que haacute mais grandeza e

misteacuterio na cabeccedila de um becircbado do que no conjunto do universo

10) a Sociabilidade imperfeita substacircncia ainda natildeo realizada enquanto

tal ou seja ainda incapaz de autonomia como complexo estruturado conduz agrave

poliacutetica Natildeo compreendida como substacircncia mas como simples organizaccedilatildeo

potildee o homem no outro poacutelo na dicotomia homemsociedade ou seja na

representaccedilatildeo socioloacutegica ou politoloacutegica o homem eacute um outro

Determinada ou compreendida como substacircncia eacute substacircncia humana

(perfeita e imperfeita com todas as grandezas e miseacuterias produzidas

modificadas suprimidas e repostas no curso histoacuterico) eacute a essecircncia mutante do

ser auto-engendrado e enquanto mutante e por ser mutante distinta tambeacutem

por essa mutabilidade do predicado bioloacutegico atemporalmente necessaacuterio mas

sempre e progressivamente insuficiente do ser social

O tomo IV do primeiro nuacutemero da Revista Ensaios Ad Hominem eacute

composto de seis artigos - aleacutem do texto de abertura de autoria de J Chasin -

que resultaram de siacutenteses ou modificaccedilatildeo de partes ou capiacutetulos de

dissertaccedilotildees defendidas entre os anos de 1998 e 1999 junto ao Programa de

Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia da UFMG

41

O artigo que abre a presente coletacircnea intitulado A Razatildeo como

Tribunal da Criacutetica Marx e A Gazeta Renana de autoria de Celso Eidt versa

sobre a concepccedilatildeo do jovem Marx sobre o papel da imprensa natildeo apenas como

o locus privilegiado para o debate filosoacutefico mas fundamentalmente para os

processos educativos tendo em vista a realizaccedilatildeo plena da liberdade humana Eacute

bom ressaltar que no periacuteodo em que tais artigos satildeo redigidos Marx

compartilha de uma visatildeo antropoloacutegica racional em que a natureza humana eacute

concebida como espiacuterito livre e racional enquanto esteio da proacutepria vida eacutetica

ou seja da praacutetica humana fundada na razatildeo universal

Ana Selva Albinati autora do artigo A Determinaccedilatildeo dos Valores

Morais nos textos de Marx de 1841 a 1847 se debruccedila justamente sobre tal

campo de reflexatildeo Seu trabalho eacute uma tentativa de sistematizaccedilatildeo das

consideraccedilotildees sobre os valores morais nos textos do periacuteodo que se inicia com

sua tese doutoral Diferenccedilas entre as Filosofias da Natureza de Demoacutecrito e

Epicuro prosseguindo ateacute A Miseacuteria da Filosofia Ana Selva procura demonstrar

que esse periacuteodo normalmente referido como sendo o da juventude de Marx eacute

na verdade constituiacutedo de dois momentos de sua elaboraccedilatildeo teoacuterica que tem

como momento de clivagem a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel de meados

de 1843 em que Marx rompe com o referencial teoacuterico do idealismo alematildeo Em

relaccedilatildeo agraves determinaccedilotildees sobre a moral essa ruptura se reflete na inflexatildeo

radical que diferencia a compreensatildeo da moralidade no primeiro e segundo

momentos de tal forma que a moralidade passa a ser compreendida como um

dos modos da consciecircncia socialmente determinada concepccedilatildeo completamente

distinta da primeira fase em que os valores morais eram compreendidos como

expressotildees da liberdade e da racionalidade humanas idealmente concebidas

No artigo A criacutetica da Especulaccedilatildeo nas Glosas de Kreuznach Milney

Chasin analisa o momento inicial e ao mesmo tempo decisivo da ruptura que

se verifica entre Marx e Hegel no plano das determinaccedilotildees do ser Desse modo

a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel inaugura a criacutetica marxiana da

especulaccedilatildeo no seu cerne o de rejeitar o procedimento especulativo

42

caracteriacutestico de se provir tudo da ideacuteia real de tornaacute-la sujeito isto eacute de

capacitar a abstraccedilatildeo ou conceito automovido - a partir das metamorfoses

hegelianas - de pocircr o multiverso sensiacutevel Em outros termos Milney Chasin no

referido artigo evidencia como a criacutetica da especulaccedilatildeo permite a Marx

ultrapassar os horizontes do idealismo alematildeo na direccedilatildeo do devido

reconhecimento da distinccedilatildeo entre ser e pensar de caracterizar a impropriedade

ontoloacutegica da loacutegica hegeliana de apurar os limites gnosioloacutegicos e

incongruecircncias de toda ordem Em suma permite o desvelamento da substacircncia

miacutestica oferecendo a explicitaccedilatildeo do meacutetodo hegeliano - das diabruras do

conceito autoposto - que articula abstraccedilotildees e finitude restando a esta a mera

condiccedilatildeo de apecircndice dissolvido isto eacute momento virtual da realizaccedilatildeo da

idealidade

O quarto artigo desta coletacircnea intitulado A Exteriorizaccedilatildeo da Vida nos

Manuscritos de 44 eacute parte da dissertaccedilatildeo de mestrado As Categorias

Lebensaumlusserung Entaumlusserung Entfremdung e Veraumlusserung nos Manuscritos

Economico-Filosoacuteficos de Karl Marxdefendida por Mocircnica H M da Costa em

que o interesse era acima de tudo averiguar se alienaccedilatildeo (Entaumlusserung) e

estranhamento (Entfremdung) teriam significados distintos A pesquisa acabou

opor apontar no entanto uma outra categoria como eixo desses manuscritos

Lebensaumlusserung traduzida por exteriorizaccedilatildeo da vida De fato o fio condutor

dos Manuscritos eacute a centralidade do trabalho na produccedilatildeo material e espiritual

da vida humana Tomando para anaacutelise criacutetica pela primeira vez os

economistas claacutessicos Marx explicita sua proacutepria compreensatildeo da forma

peculiar de engendramento da existecircncia do homem A criacutetica a Hegel completa

o quadro desta tematizaccedilatildeo que natildeo seraacute abandonada ateacute os uacuteltimos trabalhos

de Marx

Sabina Maura Silva no artigo A Fenomenologia do Egoiacutesmo Stirner e a

Criacutetica Marxiana tem como objetivo fundamental apresentar a concepccedilatildeo de

homem presente na obra O Uacutenico e Sua Propriedade de autoria do filoacutesofo

neohegeliano Max Stirner e expor a criacutetica de Marx a este autor contida em A

43

Ideologia Alematilde A autora mostra que para Stirner o Eu tomado como

individualidade singular eacute o fundamento de sua esfera existencial No entanto

para esse autor tudo tem determinado a existecircncia dos indiviacuteduos natildeo tendo

sido permitido a eles determinaacute-la O objetivo de Stirner eacute pois remeter ao

indiviacuteduo - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel - o que dele foi alienado e erigido

como algo autocircnomo Por seu turno a criacutetica de Marx tem como fim explicitar o

caraacuteter especulativo da anaacutelise stirneana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo

bem como salientar o aspecto pseudorevolucionaacuterio de suas proposituras

Assim segundo Marx Stirner tatildeo somente interpreta diferentemente o

existente isto eacute reconhece o existente mediante outra

interpretaccedilatildeoTransformando as contradiccedilotildees objetivas em contradiccedilotildees

subjetivas Stirner conserva e justifica as condiccedilotildees e estruturas efetivas que

esmagam e impedem a autodeterminaccedilatildeo das individualidades ao reconhecer

as circunstacircncias como determinaccedilotildees dos indiviacuteduos Acolhendo acriacutetica e

especulativamente em suas feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees

estranhadas de um momento histoacuterico particular da individuaccedilatildeo humana

Stirner erige como individualidade um ente que empobrecido e constrangido

pelas condiccedilotildees objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade

social pode somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria

sobre si e sobre o mundo

O uacuteltimo artigo do tomo IV da Revista Ensaios Ad Hominem eacute de

autoria de Antocircnio Joseacute Lopes Alves e leva o tiacutetulo de A Individualidade

Moderna nos Grundrisse Neste texto o autor procura demonstrar que a

moderna sociabilidade do capital eacute compreendida por Marx como forma

instaurada a partir da dissoluccedilatildeo dos liames sociais que uniam em tempos

anteriores os indiviacuteduos agrave comunidade Aleacutem disso destaca o fato apontado por

Marx de que tal processo se constitui numa verdadeira reconversatildeo ontoloacutegica

tanto dos indiviacuteduos quanto das condiccedilotildees da atividade vital ocorrendo uma

radical transformaccedilatildeo na forma de ser de ambos Sinteticamente trata-se de

reconfiguraccedilatildeo ontoloacutegica que determina como entes autocircnomos os indiviacuteduos

44

de um lado e as condiccedilotildees de trabalho de outro vale dizer do divoacutercio entre os

indiviacuteduos ativos e as condiccedilotildees de sua atividade Antocircnio Lopes buscou em

suma alinhar as determinaccedilotildees mais essenciais dos indiviacuteduos e da

sociablidade modernos no que respeita agrave forma mesma das relaccedilotildees sociais da

atividade sensiacutevel bem como da respectiva expressatildeo ideal como por exemplo

a configuraccedilatildeo das categorias da igualdade e liberdade

O leitor encontraraacute nas paacuteginas que se seguem o resultado do esforccedilo

de pesquisa voltado ao resgate da obra marxiana caracterizado pela busca do

rigor na leitura e interpretaccedilatildeo do pensamento de um autor cuja heranccedila

intelectual conheceu um destino traacutegico Natildeo eacute faacutecil portanto voltar-se a ela

sem os preconceitos da moda - como jaacute havia advertido Lukaacutecs Natildeo posso

afirmar com total certeza que um intento dessa natureza tenha sido plenamente

alcanccedilado Todavia eacute faacutecil perceber as diferenccedilas desse tipo de produccedilatildeo teoacuterica

com aquela apresentada tanto pelo marxismo adstringido e suas dissidecircncias

como pelo marxismo vulgar para utilizar as expressotildees cunhadas por Chasin no

intuito de designar as duas variantes de interpretaccedilatildeo da obra marxiana

Faccedilo aqui ao leitor interessado o convite para participar dessa

avaliaccedilatildeo

[1] Professora do Departamento de Filosofia da UFMG coordenadora

do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e Estudos Confluentes

45

[i] J CHASIN Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in

Teixeira FJS Pensando com Marx Editora Ensaio Satildeo Paulo 1995

[ii] K MARX amp F ENGELS A Sagrada Famiacutelia Ed Grijalbo trad

Wenceslao Roces Meacutexico DF 1960 p 120

[iii] Ver a respeito J CHASIN Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo

Metodoloacutegica opcit

[iv] J CHASIN O Futuro Ausente in Ensaios Ad Hominem 1 tomo III

Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem Satildeo Paulo 2000 p 166

[v] Ib p 167

[vi] Id

[vii] E CASSIRER A Filosofia do Iluminismo Editora da Unicamp

Campinas 1992 p 11

[viii] G LUKAacuteCS La Riproduzionein Per lOntologia delle Essere

Sociale Roma Editori Riuniti tomo II 1981 pp 180-81

[ix] N HARTMANN Ontologia Fondo de Cultura Econoacutemica Meacutexico D

F vol 1 1986

[x] K MARX O Capital vol I Ediccedilatildeo Abril Cultural Satildeo Paulo p 149

[xi] Id

[xii] Ib p 150

[xiii] (a respeito dessas categorias ver N HARTMANN Ontologia op cit

vol I p XII

46

47

[xiv] No original alematildeo in der Form des Seins Dietz Verlag 1971 p

195

[xv] Ib p 151

[xvi] Ver a respeito em J CHASIN Marx-Estatuto Ontoloacutegico e

Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica op cit

[xvii] K MARX op Cit p 126

Page 6: :: Verinotio - Revista On-line de Educao e Cincias Humanas · O leitor encontrará, portanto, nessa Apresentação o fruto de trabalho de coleta e organização de materiais utilizados

discussatildeo vale dizer soacute quando a vitoacuteria temporaacuteria jaacute havia pendido para o

outro lado natildeo apenas por sua exclusiva presenccedila na arena mas porque

condicionado e impulsionado pelo proacuteprio caraacuteter de nossos tempos Os arautos

que se impuseram satildeo muito conhecidos tomaram o espaccedilo sem ter que

enfrentar o adversaacuterio efetivo uacutenico capaz de contraditar e oferecer alternativa

Este em vez disso perdeu-se sem luta sucumbiu agrave linha dominante do

cientificismo e acabou junto com os melhores tambeacutem perdido nesse campo

Nem eacute preciso referir o leste europeu mas com o politicismo generalizado o

marxismo se perdeu inclusive com os melhores que o seacuteculo produziu

Apenas em fins da deacutecada de 60 quando tudo estava desabando

Lukaacutecs de traveacutes se deu conta do misteacuterio Eacute muito significativo que nesse

despertar obliacutequumlo tenha tido que se voltar agrave refutaccedilatildeo entre outros de

Heidegger quando este escrever seu livro principal no miacutenimo em parte em

oposiccedilatildeo a Histoacuteria e Consciecircncia de Classe (textos de 1919-22) Eacute igualmente

sintomaacutetico que soacute tenha retomado deliberadamente a preocupaccedilatildeo ontoloacutegica

ao final da vida e sucumbido ao objeto em obra inconclusa motivada acima de

tudo pelo vieacutes excecircntrico de conferir poder regenerador agrave eacutetica Mas eacute sabido

que junto com seu meacuterito natildeo pereceu sozinho Por exemplo onde estatildeo

Hartman Gilson e ateacute mesmo Sartre

As dificuldades para o devido enfrentamento da questatildeo ontoloacutegica hoje

satildeo enormes e jaacute eram conhecidas por Lukaacutecs muito embora o filoacutesofo huacutengaro

morto em 1971 natildeo tenha assistido o pleno triunfo de concepccedilotildees que

consagram o homem derrelito denominaccedilatildeo essa empregada por ele mesmo ao

se reportar a Heidegger por exemplo

Tais dificuldades grosso modo poderiam ser atribuiacutedas inicialmente agraves

tendecircncias que tecircm como ponto de partida o criticismo kantiano que se

impuseram na viragem do seacuteculo XIX para o XX com a reduccedilatildeo da filosofia ao

circuito da problemaacutetica do conhecimento

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Embora se possa assim considerar o criticismo kantiano como uma

espeacutecie de divisor de aacuteguas natildeo se deve obliterar o fato de que com a

metafiacutesica claacutessica ou qualquer uma de suas variantes antecedentes ou

subsequumlentes sob o pretexto de alcanccedilar a priori a certeza cognitiva gera-se

uma grave distorccedilatildeo no plano teoacuterico pela qual o ente eacute perdido para sempre

Para evitar tal descaminho Chasin propotildee o designativo posiccedilatildeo ontoloacutegica

pois com ela pretende tambeacutem pelo menos precaver contra a unilateralidade

decorrente da postura gnoseoloacutegica (sempre uma forma meramente

especulativa a respeito da morfologia do funcionamento ou seja da

organizaccedilatildeo e atividade da subjetividade) instigando e se rigorosamente

praticada orientando com rigor a pensar as coisas em seus proacuteprios nexos em

direccedilatildeo a uma totalidade mais plena de determinaccedilotildees A expressatildeo pretende

pois sinalizar e induzir agrave praacutetica intelectual de caraacuteter ontoloacutegico concebida em

sua forma mais consistente e consequumlente

Chasin pois pretendeu recuperar o sentido de ontologia enquanto

consideraccedilatildeo daquilo que eacute em sua efetividade Natildeo alguma distorccedilatildeo ou

dissoluccedilatildeo do ente enquanto ente seja sob sua forma do sentido do ente do

ser da apariccedilatildeo ou qualquer outra variaacutevel do tipo que embora possam incluir

dimensotildees do sensiacutevel sempre compreendem implicam ou tecircm por condiccedilatildeo de

possibilidade um sujeito mesmo que este seja o obervador da produccedilatildeo de

representaccedilotildees de caraacuteter racional Estudo pois das coisas em sua

independecircncia em sua exterioridade em face de possiacuteveis relaccedilotildees praacuteticas e

teoacutericas em que estatildeo ou possam vir a estar presentes inclusive aquelas pelas

quais em gecircnero superior de entificaccedilatildeo as coisas satildeo postas ou engendradas

De tal sorte que ainda e mesmo que todo o plano cognitivo possa ou

tenha de ser impugnado que toda ciecircncia possa ou tenha que ser posta em

duacutevida e considerada simples ilusatildeo ou equiacutevoco ou ter seu acircmbito reduzido agrave

pura convenccedilatildeo resta o fundamental o universo da praacutetica ou da vida vivida em

sua qualidade de confirmaccedilatildeo da dupla certeza da existecircncia do mundo e dos

homens e enquanto tal tem de ser reconhecido como ponto de partida da

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intenccedilatildeo ontoloacutegica cujo propoacutesito eacute se constituir em base conceitual de sua

dilucidaccedilatildeo

Ainda no contexto da afirmaccedilatildeo da posiccedilatildeo ontoloacutegica e rejeiccedilatildeo seja

do vieacutes gnosioloacutegico ou cientificista seja das concepccedilotildees reinantes ditas

ontoloacutegicas Chasin de modo provocativo indaga Por que a foacutermula simples

do cogito eacute mais evidente ou funcional para efeito de fundamentaccedilatildeo do que a

evidecircncia do complexo sensiacutevel do gozo Por que a evidecircncia do cogito - o

pensamento do indiviacuteduo isolado - eacute superior agrave evidecircncia do existir que inclui a

presenccedila e a relaccedilatildeo viva dos outros e das coisas Chasin continua na mesma

direccedilatildeo no questionamento da pretensa superioridade do cogito indagando o

quecirc se esconde sob ela e acrescenta O cogito o truque cartesiano eacute a

conquista da certeza agrave custa de trecircs absurdidades o cogito desencarnado a

encarnaccedilatildeo divina da perfeiccedilatildeo e o mundo reduzido agrave extensatildeo A essas trecircs

conquistas digamos assim Chasin denomina de verdade alienada isto eacute

verdade emergente da subjetividade na forma da alienaccedilatildeo

A exercitaccedilatildeo ontoloacutegica ao contraacuterio assume como criteacuterio analiacutetico a

determinaccedilatildeo de que o objeto maturado eacute a chave do esclarecimento de suas

formas precedentes[iii] desde as embrionaacuterias ateacute as mais elaboradas que

antecedem no tempo sua fisionomia acabada Portanto a determinaccedilatildeo

marxiana do objeto maturado eacute produto desse espiacuterito teoacuterico pois soacute faz

sentido em posicionamento ontoloacutegico ou seja em reconhecimento do grau

constitutivo em que se encontra a coisa examinada

Segundo Chasin ainda Aristoacuteteles teve grande meacuterito em sua

propositura de uma filosofia primeira - base ou fundamento para a constituiccedilatildeo

das ciecircncias particulares - mas que por sua resoluccedilatildeo (de caraacuteter platocircnico

conforme jaacute demonstrara Eacute Gilson) e por seus pretendidos atributos ahistoacutericos

- categorias eternas e absolutas imutaacuteveis e perenes - constitui um modo

involuntaacuterio de elaboraccedilatildeo especulativa apesar de seu intento originaacuterio de

conhecer o efetivamente existente o ente enquanto ente Tais limites do intento

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aristoteacutelico numa linha de argumentaccedilatildeo que confere prioridade agrave realidade

soacutecio-histoacuterica na produccedilatildeo de viabilidades ou inviabilidades teoacutericas e de sua

consequumlente explicaccedilatildeo eram vistos por Chasin como limites produzidos pelo

proacuteprio tempo grego sumariados a seguir

1) praacutetica humano-societaacuteria incipiente e acanhada que ganhou no

artigo O Futuro Ausente beliacutessima caracterizaccedilatildeo inspirada no Marx das

Formen Imaturaccedilatildeo natural e caracteriacutestica das remotas formas sociais em que

a propriedade da terra e a agricultura constituiacuteam a base da atividade material

tendo por objetivo a produccedilatildeo valores de uso ou seja a reproduccedilatildeo dos

indiviacuteduos em peculiares e bem determinadas relaccedilotildees com a comunidade[iv]

onde por via de consequumlecircncia indiviacuteduo e genecircro satildeo imediata e

transparentemente inseparaacuteveis e suas relaccedilotildees traduzem essa unidade

fundamental tornando desconhecida e impensaacutevel qualquer tipo de cissura que

contraponha ou menos ainda torne excludentes entre si as figuras de sua

polaridade[v] Mas a essa dimensatildeo positiva - sintomaticamente tatildeo atraente nos

dias atuais - corresponde uma negativa que Chasin esclarece na sequumlecircncia

todas as formas em que a comunidade pressupotildee sujeitos em determinada

unidade objetiva com as condiccedilotildees da atividade produtiva ou reciprocamente

nas quais uma especiacutefica existecircncia subjetiva faz com que a proacutepria comunidade

seja pressuposta como condiccedilatildeo de produccedilatildeo todas elas diz Marx

correspondem necessariamente e por princiacutepio a um desenvolvimento limitado

das forccedilas produtivas[vi]

2) Consequumlentemente impossibilidade para conceber a historicidade e

a contraditoriedade como categorias fundamentais do ser - que estrangulam a

mais precisa e universal por isso mesmo vaacutelida hoje e para sempre das

formulaccedilotildees atinentes agrave natureza e ao propoacutesito da ontologia

Meacuteritos e limites da filosofia primeira que apenas seratildeo realizados e

superados depois de um longo itineraacuterio repleno de contraposiccedilotildees internas

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pelos lineamentos perfilados por Marx que tambeacutem herda criticamente

dimensotildees da filosofia moderna - do renascimento ao neohegelianismo

Desse modo com o objetivo de sumariar preliminarmente os conteuacutedos

dessa trajetoacuteria que Marx assimila por via criacutetica Chasin indica alguns deles

sem pretensatildeo alguma de esgotaacute-los

1) Do Renascimento - a infinitude do universo e o espiacuterito da

concepccedilatildeo do homem como o uacutenico ser aberto - existente e conhecido capaz

na potecircncia de seus atributos de conhecer e configurar a si e a seu mundo

ambos entendidos e tomados em sua naturalidade objetividade e o primeiro na

infinitude de sua essecircncia ativa

2) Do materialismo francecircs e inglecircs e do Iluminismo - a ruptura com a

conduta especulativa metafiacutesica e com o espiacuterito de sistema em filosofia que eacute

concebido como freio e obstaacuteculo agrave razatildeo Por meio dessa desobstruccedilatildeo o

iluminismo pode universalizar a filosofia como meio de toda verdade - natural e

espiritual - e ela passa a se voltar agraves tarefas praacuteticas donde a possibilidade e o

escopo de estabelecer a vida humana de modo racional Em outros termos

reconhece no pensamento o poder e o papel de organizar a vida o pensamento

deve ter papel analiacutetico mas tambeacutem fazer nascer a ordem cuja necessidade

ela concebeu[vii] Em contrapartida os limites do pensamento iluminista satildeo

sinteticamente os seguintes acentuaccedilatildeo unilateralizante da racionalidade

herdada do renascimento e distorcida pelo racionalismo do seacuteculo XVIII Aleacutem

disso tem-se o naturalismo vale dizer a ontologia do social demasiadamente

colada agrave ontologia da natureza embora natildeo se possa deixar de reconhecer que

frente ao abstracionismo metafiacutesico trata-se de um meacuterito pretender uma

ontologia ligada agrave natureza que em verdade eacute idealizada Talvez o melhor

exemplo dessa tradiccedilatildeo seja justamente Feuerbach

3) Do criticismo - a impossibilidade de uma ontologia como saber do

em si ou seja do ente enquanto ente pela via do absolutismo racional

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dedutivista Em Kant em verdade tem-se a impossibilidade de uma ontologia

em Marx ao reveacutes tem-se apenas tal recusa agrave especulaccedilatildeo mas natildeo a

impossibilidade de conhecer o ente enquanto ente vale dizer Marx aceita o

espiacuterito da criacutetica kantiana ao conhecimento absoluto mas natildeo sua resultante

sistemaacutetica a sua vedaccedilatildeo ao conhecimento das coisas enquanto tais

4) Do hegelianismo - a concepccedilatildeo histoacuterica do ser portanto de sua

contrariedade bem como a natureza aproximativa do processo de

conhecimento ao mesmo tempo em que recusa o invoacutelucro miacutestico do

pensamento hegeliano - a dialeacutetica autocircnoma da razatildeo como demiurgo do real

ou da efetividade sensiacutevel ou seja refuta decidamente seu caraacuteter

especulativo

5) Do neohegelianismo - a problemaacutetica do homem e muito

especificamente duas contribuiccedilotildees de Feuerbach a criacutetica agrave especulaccedilatildeo e os

lineamentos mais gerais do ser soacute enquanto ser sensiacutevel ou objetivo (dimensotildees

de uma ontologia geral em seu niacutevel mais abstrato) Mas ao lado desse

aspecto positivo do pensamento feuerbachiano natildeo eacute possiacutevel deixar de

assinalar a objeccedilatildeo fundamental dirigida a ele por Marx sua concepccedilatildeo

naturalista do homem vale dizer sua incapacidade de o determinar como ser

social Assim em Feuerbach o homem eacute sensiacutevel objetivonatural e natildeo

objetivo-social - a grande descoberta marxiana

Grande descoberta que eacute mais amplamente avaliada quando se

considera o conjunto das linhas manifestas pelos principais representantes do

neohegelianismo B Bauer formulador de uma concepccedilatildeo do homem como

auto-consciecircncia racional M Stirner com a elevaccedilatildeo do egoiacutesmo agrave condiccedilatildeo de

essecircncia humana Feuerbach com a concepccedilatildeo naturalista do homem centrada

no amor Nesse cenaacuterio somente Marx comparece com a descoberta da

sociabilidade como substacircncia constitutiva do homem - e natildeo meramente uma

essecircncia imutaacutevel mas histoacuterica e contraditoacuteria produzida e reproduzida pela

proacutepria atividade sensiacutevel dos homens

11

De sorte que do ente enquanto ente aristoteacutelico determinado por sua

forma substancial eterna ao ser social marxiano compreendido em suas

mudanccedilas categoriais - eacute do que consiste a histoacuteria - se vai de uma filosofia

primeira que terminou por sua resoluccedilatildeo originaacuteria na forma de um saber

absoluto a um saber histoacuterico de base que se desenvolve pela infinitude de

aproximaccedilotildees empreendidas em direccedilatildeo ao absoluto entendido pura e

simplesmente como completude ou totalidade que praticamente nunca se

realiza porque desnecessaacuterio para o saber ao qual bastam completudes mais

modestas e ainda mais como saber para a praacutetica

De modo que a filosofia primeira de configuraccedilatildeo marxiana eacute antes de

tudo a afirmaccedilatildeo da objetividade do mundo e a possibilidade ser conhecido

possibilidade que eacute soacutecio-historicamente determinada exercendo a funccedilatildeo de

base e guia para a ciecircncia da histoacuteria especificamente como ontologia regional

do ser social e que nutre das ciecircncias e a elas responde tanto quanto elas

mesmas tem de responder aos lineamentos ontoloacutegicos pelos quais se guiam

mas aos quais natildeo tomam como coaacutegulos de saber imutaacutevel De sorte que

ontologia e ciecircncia se potencializam e se criticam reciacuteproca e

permanentemente

Tambeacutem de acordo com Chasin por essas razotildees a ontologia

marxiana natildeo eacute uma resoluccedilatildeo de caraacuteter absoluto nos moldes do sistema

convencional mas a condiccedilatildeo de possibilidade de resoluccedilatildeo do saber Eacute em

outras palavras um estatuto movente e movido de cientificidade orienta e eacute

orientado pela ciecircncia e pela praacutetica universal dos homens Orienta e eacute

orientada guia e eacute guiada corrige e eacute corrigida Ou seja natildeo eacute um absoluto

inquestionaacutevel uma certeza estabelecida por deduccedilatildeo a partir de axiomas de

uma vez para sempre Mesmo porque a certeza cognitiva natildeo pode estar no

ponto de partida mas compreendida como alvo de uma busca permanente

procura intensiva e extensiva cuja infinitude eacute posta a cada momento entre

parecircnteses no qual o grau de certeza alcanccedilado eacute assumido como realizaccedilatildeo

maacutexima tendo por limites as possibilidades do tempo ou cenaacuterio histoacuterico grau

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a ser confirmado ou ampliado ou ao inveacutes restringido na parte ou descartado

no todo posteriormente com todas as suas implicaccedilotildees correlatas

Em suma quando se utiliza a expressatildeo posiccedilatildeo ontoloacutegica e natildeo

perspectiva oacutetica prisma ou ponto de vista pretende-se remeter a lugar e agraves

coisas ou seja o reconhecimento do mundo como multiverso de entes reais

objetivos e que por isso mesmo faceiam o observador praacutetico ou teoacuterico natildeo

dependendo deste para existir em face do qual satildeo independentes Eacute

finalmente o reconhecimento da prioridade das coisas nas relaccedilotildees cognitivas

sem desconhecer eacute claro o caraacuteter ativo do investigador

Quando Chasin procura enfatizar o reconhecimento noccedilatildeo

imediatamente conexa a de posiccedilatildeo ontoloacutegica eacute por que aquela tem a

vantagem de colocar em primeiro lugar o caraacuteter natildeo puramente teoacuterico

contemplativo mas sobretudo praacutetico[viii] da aproximaccedilatildeo ao ente aleacutem da

natureza da operaccedilatildeo mental que designa - constataccedilatildeo ou recogniccedilatildeo vale

dizer a admissatildeo de algo a respeito do qual o discurso se pronuncia como forma

imediata de representaccedilatildeo

Relevar o caraacuteter praacutetico de aproximaccedilatildeo ao ente ou em outras

palavras partir ou dar prioridade agrave praacutetica significa por seu turno partir do

caraacuteter essencial do ser do homem por sua exteriorizaccedilatildeo operativa no mundo

que confirma sua forma de vida ou modo de existecircncia Quer dizer eacute um ponto

de partida desde logo sob criteacuterio ontoloacutegico ou seja que considera a

efetividade ocircntica do homem e do mundo de tal sorte que ambos satildeo

reconhecidos enquanto atividade sensiacutevel Caminho que tem o meacuterito de evitar

as vias reflexas[ix] como tambeacutem os engenhos e supostos dos encantamentos

especulativos como cogito sujeito transcendental ou os arqueacutetipos

generalizando uma expressatildeo marxiana os misticismos loacutegicos que nunca

deixam de mostrar sua condiccedilatildeo de artifiacutecios por mais rigorosos e envolventes

que sejam tanto que podem sempre ser contestados de algum modo ao passo

que os indiviacuteduos vivos e ativos os pressupostos dos quais Marx parte em A

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Ideologia Alematilde natildeo podem nunca ser recusados a natildeo ser na fantasia e sob

pena de cancelar todo e qualquer andamento reflexivo

Em suma reconhecimento ontopraacutetico significa pois tomar como

ponto de partida a praacutetica - desde a praacutetica cotidiana agrave praacutetica cientiacutefica de ponta

- de um tempo dado

O plano ontopraacutetico jaacute bem delineado no texto de 1995 ganha nos

anos seguintes sucessivas correccedilotildees por parte do autor a ponto de se tornar o

eixo a partir do qual Chasin faz a criacutetica das Teorias da Fundamentaccedilatildeo ou

como ele as denomina ironicamente A Querela da Fundamentaccedilatildeo

A esse respeito costumava ele indagar O que eacute um fundamento Uma

Teoria da Subjetividade ou Uma Teoria da Objetividade

Se o fundamento for considerado a partir de uma teoria da

subjetividade por onde comeccedilar Pelo aparato sensorial como no empirismo

Ou pela consciecircncia ou coisa que o valha como o cogito cartesiano a

autoconsciecircncia a razatildeo ou as formas a priori do entendimento Ou ainda uma

teoria da mente

Ainda no plano do fundamento subjetivo poder-se-ia partir da

experiecircncia da vivecircncia do vivido Neste caso o vivido seria o preacute-teoreacutetico

mas enquanto experiecircncia existencial isto eacute as vivecircncias do indiviacuteduo isolado

em experiecircncia aleatoacuteria fortuita acidental

Mas se o fundamento for uma Teoria da Objetividade por onde

comeccedilar Pelos fenocircmenos empiacutericos Mas nesse caso natildeo terminariacuteamos

apenas no fundamento psicoloacutegico isto eacute teriacuteamos o psicologismo como

fundamento da verdade

14

E se partiacutessemos do todo concreto Natildeo findariacuteamos numa visatildeo

caoacutetica e abstrata de conjuntos indeterminados desamparados na companhia

de um punhado de abstraccedilotildees razoaacuteveis e irrazoaacuteveis

Feitas tais indagaccedilotildees Chasin conclui de modo enfaacutetico Toda peticcedilatildeo

de fundamento todo discurso por um fundamento estaacute encerrado na esfera

teoacuterica Aleacutem do mais todo discurso de fundamentaccedilatildeo pretende e implica uma

certeza ou seja de um modo ou de outro a suposiccedilatildeo de um saber absoluto

ainda que um simples momento do saber absoluto Vale dizer o discurso da

fundamentaccedilatildeo desemboca de algum modo na razatildeo especulativa Em outras

palavras implica algo que transcende a proacutepria natureza do saber que eacute um

processo infinito de aproximaccedilotildees

Para Chasin o reconhecimento do ontopraacutetico tem a vantagem de

escapar agrave querela da fundamentaccedilatildeo na medida em que parte da experiecircncia

real melhor dizendo da praacutetica real natildeo de uma experiecircncia isolada

arbitrariamente natildeo da experiecircncia aleatoacuteria da suposta existecircncia existencial

dos indiviacuteduos isolados dos indiviacuteduos em derreliccedilatildeo

O universo ontopraacutetico eacute o necessariamente vivido para que qualquer

pergunta possa se dar Eacute portanto a esfera preacute-teoreacutetica esfera que antecede

qualquer teoria Esfera sem a qual natildeo haacute vida humana e portanto sem a qual

natildeo pode haver qualquer pergunta teoacuterica

A reflexatildeo que tem como ponto de partida o ontopraacutetico estabelece

assim um pressuposto concreto (e natildeo uma verdade ideada) do qual natildeo posso

me afastar a natildeo ser na imaginaccedilatildeo

Em siacutentese a esfera ontopraacutetica representa o complexos dos homens

vivos e ativos A partir dessa abstraccedilatildeo razoaacutevel - o ontopraacutetico - pode-se

encontrar jaacute numa analiacutetica de desentranhamento desse complexo real o

devido lugar da ontologia da epistemologia e da ciecircncia da histoacuteria que

compreende dois grandes ramos natureza e sociedade

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Em outras palavras sem a consideraccedilatildeo do ontopraacutetico torna-se

aleatoacuteria a localizaccedilatildeo que se confere tanto ao ontoloacutegico quanto ao epistecircmico

A opccedilatildeo por um deles se torna uma arbitrariedade teoacuterica e eacute justamente isto

que gera a querela da fundamentaccedilatildeo pois a decisatildeo fica submersa ao plano

teoacuterico ao jogo dos argumentos agrave ambivalecircncia do logos que eacute irresolutivo

Sem a consideraccedilatildeo do ontopraacutetico parte-se assim de imediato da

teoria e natildeo do ser que faz da teoria ou deste como uma abstraccedilatildeo da

inteligibilidade ou seja de uma faculdade abstraiacuteda do ser que a possui

gerando com isso um absurdo ontoloacutegico

Eacute portanto a partir da analiacutetica do ontopraacutetico pelo reconhecimento de

seus traccedilos categoriais que tem iniacutecio a elaboraccedilatildeo ontoloacutegica Ou seja a

ontologia nasce como reflexatildeo conscientizaccedilatildeo conceituaccedilatildeo do ontopraacutetico

enquanto primeiro objeto da ontologia que a partir daiacute se encaminha em

direccedilatildeo agrave criacutetica - em termos de sua necessidade e loacutegica especiacutefica - do proacuteprio

ontopraacutetico isto eacute do complexo dos objetos reais aiacute incluiacutedo o homem

Resta ainda em relaccedilatildeo agrave problemaacutetica geral em tela aflorar a questatildeo

da adequatio tal como era tematizada tambeacutem em seus cursos

Polemizando com a denominaccedilatildeo de realismo comumente utilizada

para denominar proposituras que conferem prioridade ao mundo objetual

Chasin afirmava que haacute realismo - antigo - quando eacute suposto que a ordem da

razatildeo agrave idecircntica a ordem do real e que a partir de axiomas por meios racionais-

dedutivos embuiacutedos do espiacuterito de sistema se possa estabelecer a verdade do

mundo

Em Marx entretanto a ordem das coisas e da razatildeo satildeo distintas (um

exemplo expressivo desta postura marxiana pode ser encontrada na famosa

Introduccedilatildeo de 57) ambas mutaacuteveis e processuais - unidade da desidentidade

entre ser e saber Assim o mundo natildeo pode ser deduzido racionalmente mas

reproduzido sob forma de ideacuteia por meio de aproximaccedilotildees - empiacuterico abstrato

16

concreto - num processo intensivo e extensivo historicamente condicionado

possibilitado ou impedido - na dependecircncia que fica da maturaccedilatildeo do objeto e

do posicionamento do sujeito O processo mimeacutetico eacute portanto reproduccedilatildeo

conceitual de efetividades donde se lida com duas ordens de formaccedilotildees real e

ideal A reproduccedilatildeo conceitual apresenta portanto sua proacutepria loacutegica mas no

interior da determinaccedilatildeo soacutecio-histoacuterica do pensamento de modo que uma

teoria do conhecimento (morfologia e dinacircmica da subjetividade in abstratu e

imutaacutevel) eacute incapaz de explicar o processo cognitivo pois a faculdade humana

da forccedila da abstraccedilatildeo depende das possibilidades oferecidas pela

determinaccedilatildeo social do pensamento que por sua vez se manifesta e se

configura pelo desenvolvimento dos objetos e da praacutetica humana que sobre eles

tem incidecircncia

Donde a franca afirmaccedilatildeo marxiana da possibilidade de conhecer natildeo

se confunde com a simplicidade e facilidade da concepccedilatildeo realista nem mesmo

no plano da ingenuidade cotidiana desde logo porque a atividade cotidiana -

que estaacute para aleacutem da ingenuidade ou lanccedila os sujeitos para aleacutem da

ingenuidade - eacute em si um complexo rico e desafiador matrizador inclusive da

intentio recta atitude natural e necessaacuteria da esfera ontopraacutetica

Haacute portanto que distinguir as grandes diferenccedilas ontoloacutegicas entre o

estatuto marxiano e a ontologia realista Na primeira a adequatio digamos

assim eacute correlaccedilatildeo entre formaccedilatildeo real e formaccedilatildeo ideal duas ordens distintas

de configuraccedilatildeo Em outras palavras eacute correlaccedilatildeo conceitual entre entificaccedilatildeo

concreta e reproduccedilatildeo conceitual Em suma a reproduccedilatildeo conceitual nada mais

eacute do que transposiccedilatildeo agrave cabeccedila ordenada pelos nexos do real na forma e pelos

meios da proacutepria atividade mental

I - Tomando Marx por Base e por Ponto de Chegada

17

Considerando como ponto de referecircncia as consideraccedilotildees

desenvolvidas por Marx em O Capital especificamente sobre a dificuldade

encontrada pela humanidade na compreensatildeo do valor ao longo de dois

milecircnios - de Aristoacuteteles a Ricardo - pode-se sustentar segundo Chasin que

um fenocircmeno muito similar a este se produziu no que tange agrave determinaccedilatildeo do

ser ou seja da(s) matriz(es) da(s) realidade(s) ou seja da efetividade

Tomemos as passagens em questatildeo que se encontram no Prefaacutecio agrave

Primeira Ediccedilatildeo de O Capital Todo comeccedilo eacute difiacutecil isso vale para qualquer

ciecircncia A forma do valor cuja figura acabada eacute a forma do dinheiro eacute muito

simples e vazia de conteuacutedo Mesmo assim o espiacuterito humano tem procurado

desvendaacute-la (ergruumlden) em vatildeo haacute mais de 2000 anos enquanto por outro lado

teve ecircxito ao menos aproximado a anaacutelise de formas muito mais complicadas e

replenas de conteuacutedo Por quecirc Porque o corpo desenvolvido eacute mais faacutecil de

estudar do que a ceacutelula do corpo Aleacutem disso na anaacutelise das formas econocircmicas

natildeo podem servir nem o microscoacutepio nem reagentes quiacutemicos A forccedila da

abstraccedilatildeo deve substituir a ambos Para o leigo a anaacutelise parece se perder

em pedantismo Trata-se efetivamente de pedantismo mas daquele de que se

ocupa a anatomia microscoacutepica

De acordo com Chasin eacute necessaacuterio reter os seguintes noacutedulos

significativos da citaccedilatildeo acima

1) todo iniacutecio de uma ciecircncia eacute difiacutecil donde o princiacutepio da ontologia o

princiacutepio da ciecircncia deve ser o mais difiacutecil de todos

2) haacute grande dificuldade na compreensatildeo da forma do valor que eacute um

objeto simples e vazio de conteuacutedo

3) haacute ecircxito maior na anaacutelise de formas mais complicadas e replenas de

conteuacutedo

18

Na mesma citaccedilatildeo Marx enuncia os motivos de tal dificuldade

1) o corpo desenvolvido eacute mais faacutecil de estudar do que a ceacutelula do

corpo

2) meacutetodos experimentais natildeo satildeo aplicaacuteveis a esse tipo de forma

3) a analiacutetica dessa forma pela forccedila da abstraccedilatildeo deve tomar o lugar

da observaccedilatildeo empiacuterica e experimental

4) anaacutelise voltada agrave anatomia microscoacutepica da forma estudada

A partir dessas indicaccedilotildees colhidas no texto de Marx Chasin elabora

um esboccedilo para fins unicamente didaacuteticos em que busca transpassaacute-las para a

proacutepria questatildeo ontoloacutegica afirmando o que se segue

1) o iniacutecio difiacutecil da ontologia perdurou tambeacutem por mais de 2000

anos trajetoacuteria em que se observa tateios imprecisos caracterizados por um

movimento simultacircneo de constituiccedilatildeodissoluccedilatildeo ateacute chegar em Marx Tal

movimento simultacircneo de constituiccedilatildeodissoluccedilatildeo revela por seu rumo

imanentemente contraditoacuterio por seus caminhos e descaminhos histoacutericos a

dificuldade e a longa incapacidade na formulaccedilatildeo precisa de seu objeto e

alcance ou seja de sua natureza e propoacutesito - de sua funccedilatildeo orientadora e

sustentadora no plano teoacuterico e de sua origem praacutetica preacute-teoreacutetica

2) reconhecimento ontopraacutetico das formas dos seres e analiacutetica da

forma do ser apenas por meio da forccedila da abstraccedilatildeo no reconhecimento

ontopraacutetico os seres satildeo reconhecidos como substantivos e nesse caso ateacute

certo ponto vale para a observaccedilatildeo espontacircnea e observaccedilatildeo comum pois o

desvendamento completo exige forccedila de abstraccedilatildeo como verbo ( o ato de ser

de Gilson) soacute a forccedila da abstraccedilatildeo daiacute a facilidade para se cair no

abstrativismo

19

Eacute nesse preciso momento da exposiccedilatildeo chasiniana que surgem as

primeiras referecircncias a Eacute Gilson assim como a N Hartmann momentos mais agrave

frente Evidentemente que esse procedimento natildeo ocorre por acaso pois o que

estaacute em questatildeo agora satildeo as tentativas contemporacircneas de resgate da

tematizaccedilatildeo ontoloacutegica

Eacute Gilson afirma que o mais fundamental dos problemas da filosofia - a

relaccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia que por seu turno diz respeito agrave distinccedilatildeo

de ser como nome isto eacute como substantivo em latim ens (ente) e como verbo

esse Eacute sabido que o esse tomista eacute concebido como ato de ser - actus essendi -

significando portanto existecircncia ato de existir ato de ser

Chasin comenta a ambiguumlidade da noccedilatildeo de ser para qual Gilson

chama atenccedilatildeo afirmando o que se segue

1) Ens eacute um nome que significa um ser (determinado) ou seja a

natureza e a essecircncia de qualquer existente ou entatildeo - o ser mesmo - uma

propriedade comum a tudo aquilo que se pode dizer que eacute (que pertence a)

Em suma enquanto nome ou substantivo ser designa um existente

qualquer ou uma propriedade comum a todos os existentes designa o que

verdadeiramente eacute ou uma propriedade geral eacute um ente ou uma entidade

2) Enquanto verbo ser designa a accedilatildeo ou o ato de ser exercido pelo

ente Assim como verbo natildeo significa que algo eacute nem a existecircncia em geral

mas o ato mesmo pelo qual qualquer realidade dada eacute de fato ou existe

Precisamente a este ato Gilson chama de ser em contraposiccedilatildeo a ente

De todo modo feita a distinccedilatildeo Chasin considera existir um seacuterio

problema ao tomar em separado ens e esse indagando eacute possiacutevel pensar em

duas figuras no isolamento Seraacute que essa configuraccedilatildeo eacute de fato o mais

fundamental dos problemas ou eacute o mais antigo o mais remoto e o mais cultuado

dos equiacutevocos da histoacuteria da filosofia

20

De um lado a compreensatildeo da forma de ser enquanto verbo como

pura significaccedilatildeo verbal de existir de estar presente enquanto significaccedilatildeo de

ato ou presenccedila o verbo eacute forma simples e vazia de conteuacutedo pois reduzida ao

predicado mais geral e comum das coisas denota apenas sua existecircncia De

outro lado ocorre o mesmo problema com o substantivo ser - ens - pois redunda

em essecircncia imutaacutevel Em outras palavras na histoacuteria da filosofia nesses dois

caminhos houve de longa data polecircmica sobre o que existe em que plano se daacute

a existecircncia e assim por diante No caso do ser como verbo o ser eacute muito

parcamente categorial reduzido agrave presenccedila no tempo e no espaccedilo soacute possui o

predicado abstrato da existecircncia no caso do substantivo tomado sem o ato de

existir se converte em complexo de propriedades ou entidades perenes

A resoluccedilatildeo para tal questatildeo reside segundo Chasin em tomar o ser

enquanto complexo categorial daquilo que eacute como ente que existe Nesse

sentido o desvendamento tem ecircxito maior como mostra a ciecircncia que toma

para anaacutelise formas mais complicadas e replenas de conteuacutedo vale dizer uma

vez que tem por alvo o ser por sua efetividade e determinado por suas

qualidades natildeo apenas pelo reconhecimento de sua presenccedila mas pelo seu

complexo categorial

Ora arremata Chasin a forma sensiacutevel do ente compreende o ens e o

esse ou seja a plena riqueza do complexo categorial

- Loacutegica e Ciecircncia

Neste item Chasin defende a tese de que na medida em que

pretendeu e pretenda ser uma disciplina ou ciecircncia de chegada isto eacute

21

conclusiva autocircnoma e sistemaacutetica a ontologia acaba por ser transmutada em

loacutegica ou ciecircncia

Talvez possa ser dito que nas ontologias onde predomine

unilateralmente o ser como verbo ou o ente como essecircncia terminem por ser

uma loacutegica que de alguma forma acaba por ter a pretensatildeo de constituir o ser

a loacutegica eacute entatildeo o segredo uacuteltimo do ser ou sua base cognitiva e por essa via

sua base ontoloacutegica - que assim nega a ontologia ou seja o reconhecimento do

ser por si

De outra parte predominando o ser como substantivo o fim da

ontologia acaba por ser uma forma de ciecircncia ou seja a ontologia eacute novamente

negada como ocorreu com a ciecircncia moderna donde sua pretendida auto-

suficiecircncia que apenas admite por fundamento uma forma qualquer de

gnosiologia isto eacute uma forma a priori da operatividade subjetiva

desaparecendo assim a regecircncia do objeto o que ao contraacuterio caracteriza o

espiacuterito e o propoacutesito ontoloacutegicos ou seja o reconhecimento do ente enquanto

ente o oacuten qua oacuten ou ser por si

Em suma a ontologia quando centrada no ser como verbo rarefeita

pelo vazio de sua forma termina por ser loacutegica por outro lado quando centrada

no ser como substantivo agraves voltas com gecircneros formados por complexos

qualitativos termina por se constituir em ciecircncia particular e autocircnoma Assim

ao pretender ser tudo concludente sistemaacutetica e independente por sua forma

mais vazia ou por suas categorias abstratas e perenes a ontologia acaba por

ser negada pela loacutegica ou pela ciecircncia Pretendendo ser tudo acaba por

desaparecer

Ora ao tomar o ser como verbo a ontologia tem de compreender que

natildeo pode ser mais do que a anatomia de uma propriedade do ser - de sua

propriedade mais geral e vazia - a propriedade de sua presenccedila enquanto corpo

real ausente ou presenccedila de um complexo categorial abstraiacutedo O ser aqui eacute

22

reduzido agrave forma mais vazia a simples propriedade de um todo que escapa

completamente agrave sua jurisdiccedilatildeo Donde seu desenlace em loacutegica

De outra parte quando o ser eacute tomado em sua denotaccedilatildeo substantiva

ou seja na multiplicidade de suas propriedades qualitativas em interconexatildeo

especiacutefica transborda em ciecircncia na medida em que a ontologia pretenda a

condiccedilatildeo de disciplina ou ciecircncia sistemaacutetica

Donde a impossibilidade de a ontologia ficar adstrita agrave forma do verbo

nem se realizar como dilucidaccedilatildeo concreta do substantivo Assim deve-se

reconhecer que a ontologia natildeo pode se realizar em nenhum desses dois poacutelos

nem simples tematizaccedilatildeo do ato geneacuterico da presenccedila - que redundaria em

simples compoacutesito tautoloacutegico nem tematizaccedilatildeo do ser substantivo concreto

pois aiacute se desnaturaria em ciecircncia especiacutefica

Conclusivamente a ontologia nem eacute simples tautologia do ser em ato

nem efetivaccedilatildeo cientiacutefico-concreta do desvendamento do ser como substantivo

Enquanto tal a ontologia eacute uma realizaccedilatildeo necessaacuteria no espaccedilo que antecede

aqueles dois poacutelos em verdade a plataforma que leva da constataccedilatildeo mais

abstrata do ser (tanto como substantivo quanto verbo) agrave sua reproduccedilatildeo

cientiacutefica como substantivo Enquanto tal eacute um estatuto - uma filosofia primeira

o cacircnon da legalidade do ser matrizado pelos traccedilos ou vetores categoriais

fundamentais do ser por si que matriza a cientificidade tanto em sua forma mais

abstrata - loacutegica - quanto em sua forma mais concreta - ciecircncia

O problema fundamental da filosofia primeira - philosophia prima - eacute o

problema das categorias mais gerais do ser aiacute incluso o ato de ser donde em

sua plenitude o ato sensiacutevel de ser - ens e esse o ens essendi complexo

categorial pleno no ato de existir

Essa plataforma estatutaacuteria natildeo eacute uma disciplina situada entre outras

disciplinas entre a loacutegica e a ciecircncia como um campo intermediaacuterio entre o

verbo e o substantivo entre a maacutexima abstratividade e a efetividade concreta

23

Essa distribuiccedilatildeo topograacutefica confere agrave abstraccedilatildeo a condiccedilatildeo de fundaccedilatildeo

(determinaccedilatildeo originaacuteriaontoloacutegica) e fundamento (ponto de partida

epistemoloacutegico) Se assim fosse perderia a condiccedilatildeo de filosofia primeira

Enquanto filosofia primeira eacute o reconhecimento do substantivo verbal

do substantivo que eacute do ens essendi natildeo de uma substantividade qualquer em

abstrato mas da substantividade que existe por todas as modalidades

categoriais isto eacute reais (sensiacuteveis) natildeo apenas um substantivo pensado que

dependeria para ser do pensamento mas do substantivo que eacute por-si

independentemente se ser pensado o que requer o complexo categorial

da sensibilidade por isso eacute que soacute eacute ser o ser sensiacutevel Vale dizer o ser como

verbo eacute resultado do ser substantivo soacute um sujeito (em suas diversas formas na

cadeia do ser) eacute (soacute um sujeito existe eacute faz sente pensa etc de acordo com

seu grau na cadeia do ser)

A ontologia do puro verbo ser ou das puras essecircncias (complexo

categorial abstrativante e eterno) eacute a autonomizaccedilatildeo das categorias ou da

existecircncia em relaccedilatildeo ao ser e existir reais agraves formas reais de ser e existir satildeo

as categorias e a existecircncia sem corpo ou sujeito mais do que isso satildeo as

categorias (essecircncia) e existecircncia em geral universal e abstrata tornadas

sujeito a essecircncia ou a existecircncia abstratas personificadas - e isso satildeo

puramente figuras do pensamento o que jaacute eacute especulaccedilatildeo natildeo ontologia

Marx agrave semelhanccedila de Feuerbach soacute admite como ente ou melhor

como entificaccedilatildeo o ens essendi - o ente sendo o ente no ato de ser o ente

revestido de existecircncia atual - objetivo o ente no exerciacutecio da accedilatildeo ou ato de

ser eacute portanto um ente existente ou seja o ente que estaacute sendo o ente no ato

de existir

Donde do mesmo modo que em Feuerbach o ser eacute inseparaacutevel de sua

existecircncia Ser e existir constituem uma unidade indissoluacutevel complexo

24

categorial no ato de ser pela atualizaccedilatildeo do complexo categorial essecircncia

determinada e mutaacutevel na mutabilidade de ser e ir sendo (essendi)

Eacute chegada a hora depois desta etapa analiacutetica de vislumbrar qual eacute o

cenaacuterio em Marx que esse conjunto de questotildees se coloca Com esse objetivo e

como eacute tiacutepico de seu procedimento investigativo junto aos textos daquele autor

Chasin toma para anaacutelise o item 1 O Processo de Trabalho do capiacutetulo V de O

Capital Nele pode-se identificar em primeiro lugar a natureza geral (universal)

da atualizaccedilatildeo da forccedila de trabalho que se encontra em potecircncia nos indiviacuteduos

A produccedilatildeo de valores de uso ou bens natildeo muda sua natureza geral por se

realizar para o capitalista e sob seu controle Por isso o processo de trabalho

deve ser considerado de iniacutecio independentemente de qualquer forma social

determinada[x]

Por que o processo de trabalho deve ser considerado de iniacutecio

independentemente de qualquer forma social determinada indaga Chasin A

resposta eacute formulada em estilo direto Para natildeo ser perdida a natureza do

trabalho sua positividade enquanto atividade humana vital

Tem-se nessa passagem segundo Chasin um exemplo do exerciacutecio

de uma ontologia estatutaacuteria - a positividade (sua efetividade ou operosidade)

universal do trabalho enquanto atributo vital e inalienaacutevel do homem

independentemente de suas formas concretas que se apresentam na forma do

trabalho alienado

Eacute a determinaccedilatildeo universal do trabalho o traccedilo de sua legalidade

uacuteltima sua determinaccedilatildeo mais geral e essencial dimensatildeo que natildeo desaparece

nem mesmo sob suas formas concretas mais negativas

A ontologia estatutaacuteria registra o traccedilo ou rastro dessa dimensatildeo

permanente que atravessa as formas concretas em sua efetividade contraditoacuteria

e especialmente desfavoraacutevel para o homem enquanto maioria subjugada ao

longo de toda a preacute-histoacuteria da humanidade

25

Permanente mas permanente processual mutaacutevel diversamente

positivo quantitativa e qualitativamente em cada uma das formas concretas em

que o trabalho aparece nas configuraccedilotildees sociais determinadas

Nesse sentido abstratamente permanente abstratamente positivo mas

onde essa abstratividade natildeo corresponde a uma simples determinaccedilatildeo

conceitual Corresponde a uma efetividade em sua figura proacutepria em cada forma

social determinada

Agrave ontologia estatutaacuteria compete o reconhecimento dessa dimensatildeo mais

geral base para a decifraccedilatildeo cientiacutefica concreta dos casos efetivos que por sua

vez confirmam ou natildeo criticamente a determinaccedilatildeo mais geral ontoloacutegica Natildeo

haacute portanto um abismo separando ontologia de ciecircncia mas a continuidade de

momentos distintos de uma mesma unidade de conhecimento que interagem e

se medem reciprocamente se apoacuteiam estimulam e criticam um infinito processo

constitutivo das certezas

Continuando a anaacutelise do texto marxiano tem-se a descriccedilatildeo do

trabalho e o reconhecimento analiacutetico de sua natureza Antes de tudo [aqui

Chasin faz uma pequena observaccedilatildeo assinalando ou seja na raiz em seu

fundamento diria uma linguagem mais convencional e ciosa de suas

pretendidas atribuiccedilotildees] o trabalho eacute um processo entre o homem e a

natureza um processo em que o homem por sua proacutepria accedilatildeo medeia regula

controla seu metabolismo com a natureza Ele mesmo se defronta com a

mateacuteria natural Ele potildee em movimento as forccedilas naturais pertencentes agrave sua

corporalidade braccedilos e pernas cabeccedila e matildeo a fim de se apropriar da mateacuteria

natural numa forma uacutetil para a sua proacutepria vida Ao atuar por meio desse

movimento sobre a natureza externa a ele e ao modificaacute-la ele modifica ao

mesmo tempo sua proacutepria natureza Ele desenvolve as potecircncias nela

adormecidas e sujeita o jogo de suas forccedilas a seu proacuteprio domiacutenio[xi]

26

Observe-se que diz Chasin ao trabalhar ao mudar a forma da

natureza ao construir sua proacutepria mundaneidade o homem ele proacuteprio por

meio de seu proacuteprio trabalho transforma a sua proacutepria natureza Ou seja de ser

natural para social eis um novo exemplo de lineamento reconhecido e recolhido

agrave ontologia estatutaacuteria

Prosseguindo na especificaccedilatildeo Marx afirmaPressupomos o trabalho

numa forma que pertence exclusivamente ao homem Uma aranha executa

operaccedilotildees semelhantes agraves do tecelatildeo e a abelha envergonha mais de um

arquiteto humano com a construccedilatildeo dos favos de suas colmeacuteias Mas o que

distingue de antematildeo o pior arquiteto da melhor abelha eacute que ele construiu o

favo em sua cabeccedila antes de construiacute-lo em cera No fim do processo de

trabalho obteacutem-se um resultado que jaacute no iniacutecio deste existiu na imaginaccedilatildeo do

trabalhador e portanto idealmente Ele natildeo apenas efetua uma transformaccedilatildeo

da forma da mateacuteria natural realiza ao mesmo tempo na mateacuteria natural seu

objetivo que ele sabe que determina como lei a espeacutecie e o modo de sua

atividade e ao qual tem de subordina sua vontade E essa subordinaccedilatildeo natildeo eacute

um ato isolado Aleacutem do esforccedilo dos oacutergatildeos que trabalham eacute exigida a vontade

orientada a um fim que se manifesta como atenccedilatildeo durante todo o tempo de

trabalho e isso tanto mais quanto menos esse trabalho pelo proacuteprio conteuacutedo e

pela espeacutecie modo de sua execuccedilatildeo atrai o trabalhador portanto quanto

menos ele o aproveita como jogo de suas proacuteprias forccedilas fiacutesicas e espirituais[xii]

Chasin chama atenccedilatildeo para as seguintes observaccedilotildees

1) a preacutevia-ideaccedilatildeo do resultado (do fim) a existecircncia ideal do mesmo

na imaginaccedilatildeo donde o objeto ou um complexo categorial in mente e ante

res[xiii]

Preacutevia-ideaccedilatildeo e teleologia satildeo ou podem ser momentos confluentes

mas natildeo satildeo idecircnticos a preacutevia-ideaccedilatildeo estaacute no comeccedilo e eacute um desenho ideal

que implica o conhecimento da espeacutecie e do modo da atividade a realizar

27

conhecimento das malhas causais teleologia eacute simplesmente finalidade fim

objetivo podendo se apresentar de modo meramente volitivo e bem abstrato

natildeo mobilizante dos ou sem os meios de sua realizaccedilatildeo ou seja ter teleologia

sem preacutevia-ideaccedilatildeo natildeo conduz a nenhum processo de trabalho Quero assinar

que o termo teleologia pode ser demasiado vago no sentido de mero conceito

filosoacutefico convencional nesse sentido apenas alusivo e natildeo instrumentador de

operaccedilotildees na esfera da atividade sensiacutevel Pode ser entendido mais como

manifestaccedilatildeo de espiacuterito do que como exigecircncia de efetuaccedilatildeo de mudanccedila de

forma da mateacuteria natural e objetivaccedilatildeo de propoacutesito E de toda forma indica

antes de tudo que o fim o realizado estaacute no fim do processo fala do obtido ou

do a ser obtido nada nos diz da travessia que realiza da travessia que passa do

ideal para o real natildeo nos fala da mobilizaccedilatildeo ideal e material necessaacuterias

Quando a teleologia se manifesta como resultado jaacute natildeo eacute preciso dizer mais

nada a respeito Basta saudar e usufruir de sua apariccedilatildeo que nada tem de

maacutegica ou misteriosa mas antes de reconhececirc-la como produto das

metamorfoses de subjetividade e objetividade Ou seja em suas distintas

naturezas inconfundiacuteveis enquanto tais objetividade e subjetividade satildeo

entificaccedilotildees na mundaneidade humana e nessa qualidade estados ou momentos

do ser social momentos regidos pela atividade ideal e sensiacutevel do mesmo

Penso que Lukaacutecs ao transpor a questatildeo para a linguagem filosoacutefica

tradicional pode ter dissociado demais fins e meios o que natildeo eacute o caso dos

textos de Marx Por isso Lukaacutecs se vecirc obrigado depois a buscar a rearticulaccedilatildeo

entre teleologia e causalidade e nisso encontre natildeo poucas dificuldades (como

uma passa para outra e vice-versa parecendo que lida ao limite com

substacircncias incomunicaacuteveis natildeo as compreendendo em suas metamorfoses) e

deixe que se perca certa substacircncia da questatildeo antes de tudo o interfluxo entre

objetividade e subjetividade com seus distintos momentos preponderantes em

cada um dos passos dos momentos embricados dos processos Creio que as

duas esferas ficam sempre tradicionalmente um tanto estranhas uma em

28

relaccedilatildeo agrave outra seja para preservar a objetividade e aiacute se torna objetivista seja

para ressaltar a subjetividade e aiacute desliza para o subjetivismo

2) No fim do processo tem-se seu resultado que eacute a transformaccedilatildeo da

forma de uma dada mateacuteria natural e a realizaccedilatildeo do objetivo do trabalho que

existiu antes como preconfiguraccedilatildeo ideal Portanto o trabalho transforma

imagem ideal em ente real complexo categorial in rebus

Em suma no pensamento de Marx as categorias ou complexos

categoriais satildeo reconhecidos sob as trecircs formas in mente (existem idealmente

na imaginaccedilatildeo ou como reproduccedilatildeo mental das coisas categorias da

representaccedilatildeo) ante res (preacutevia-ideaccedilatildeo) e in rebus como efetividades quando

estatildeo na forma de ser Como confirmaccedilatildeo tome-se mais esta passagem do

mesmo capiacutetulo No processo de trabalho a atividade do homem efetua

portanto mediante o meio de trabalho uma transformaccedilatildeo do objeto de

trabalho pretendida desde o princiacutepio O processo extingue-se no produto Seu

produto eacute um valor de uso uma mateacuteria natural adaptada agraves necessidades

humanas mediante transformaccedilatildeo da forma O trabalho se uniu com seu objeto

O trabalho estaacute objetivado e o objeto trabalhado O que do lado do trabalhador

aparecia na forma de mobilidade aparece agora como propriedade imoacutevel na

forma do ser[xiv] do lado do produto Ele fiou e o produto eacute um fio[xv]

Como arremate analiacutetico dessa famosa mas muitas vezes mal

compreendida passagem de O Capital Chasin conclui ao mesmo tempo em que

visualiza uma nova tarefa Se assim eacute se as categorias podem aparecer nas

trecircs formas - in rebus - in mente - ante res - haacute entatildeo que determinar o que satildeo

cada uma dessas formas

Esquematicamente Chasin propotildee o seguinte

1) se estatildeo in rebus (nas coisas) estatildeo na forma do ser

29

2) se estatildeo in mente (na cabeccedila) estatildeo na forma da reproduccedilatildeo ideal

das coisas Trata-se da subjetividade receptora[xvi] que reproduz as coisas natildeo

captando apenas seus dados empiacutericos superando pois o empirismo e elabora

portanto a reproduccedilatildeo ideal dos entes e onde a subsunccedilatildeo aos objetos eacute a

atividade de sua elaboraccedilatildeo ideal

3) se estatildeo ante res (antes das coisas) estatildeo na forma da finalidade da

preacutevia mentalizaccedilatildeo de objetivos e meios

Poreacutem no segundo e terceiro casos as categorias estatildeo na forma de

espeacutecies de pensamento representaccedilotildees e projeccedilotildees do ser do vir-a-ser dos

meios materiais instrumentais processuais e dinacircmicos de entificaccedilatildeo dos

seres

Concluindo essa parte dizer pois que o homem e o mundo satildeo

atividade sensiacutevel que por criar seu mundo cria a si mesmo eacute determinar o

homem como a criatura criadora de seres

No entanto na medida em que apenas na configuraccedilatildeo histoacuterica regida

pela loacutegica do capital ou seja na plenitude da produccedilatildeo da riqueza entendida

por sua essecircncia subjetiva que eacute o trabalho que se atinou para determinaccedilatildeo

do homem como a criatura criadora de seres foi possiacutevel agrave reflexatildeo pode se

dar conta potencialmente da verdadeira problemaacutetica do ser

Em outras palavras eacute pela criacutetica ao criador de criaturas na forma da

alienaccedilatildeo - criacutetica marxiana agrave sociedade capitalista - eacute que a ontologia pode

atinar com seu verdadeiro objeto e modo de determinaccedilatildeo Natildeo eacute casual que

tenha emergido pela criacutetica feuerbachiana ao sistema hegeliano (a criaccedilatildeo

especulada dos entes) e ganho seus contornos efetivos no advento de uma

nova forma de pensamento e concepccedilatildeo de praacutetica - a doutrina de Marx

Resumindo no caso de Marx ontologia eacute estatuto ou filosofia primeira

do ser social que enquanto tal norteia a concreccedilatildeo cientiacutefica do mesmo cuja

30

realizaccedilatildeo corrige e enriquece o proacuteprio estatuto donde a sinergia e a reciacuteproca

dimensatildeo criacutetica entre estatuto ontoloacutegico e ciecircncia da histoacuteria em seus diversos

departamentos possiacuteveis estabelecidos jaacute por criteacuterio ontoloacutegico ou seja que

respeita a integridade das coisas em suas qualidades e processos interconexos

que as constituem em seu ser por si e enquanto tais satildeo reproduzidas

teoricamente

Enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma da legalidade objetiva (material

e espiritual) do ser social ou seja enquanto malha de asserccedilotildees ou

determinaccedilotildees de seu complexo categorial enquanto o permanente na forma de

processo a ontologia estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a

sociabilidade como substacircncia desse grau maacuteximo da cadeia do ser

Mas substacircncia como complexo categorial como siacutentese de categorias

essenciais que denota uma forma especiacutefica determinada de presenccedila ou

existecircncia plenamente qualificada

Por isso eacute estatuto ontoloacutegico pois a plataforma canocircnica do ser eacute o

coacutedigo do substantivo verbal como substacircncia substrato) assim o estatuto

ontoloacutegico do complexo substantivo do ser social deve reconhecer a

sociabilidade como substacircncia A sociabilidade como substrato dos homens

seja na forma da alienaccedilatildeo seja na forma de sua latecircncia de substancialidade

em vir-a-ser no caminho infinito de sua realizaccedilatildeo

Trata-se portanto em Marx de estatuto e natildeo sistema pois como

sistema seria um agregado de abstraccedilotildees uma filosofia que uma vez obtidas

noccedilotildees fundamentais passa a se edificar por si ou seja as noccedilotildees seriam

coaacutegulos inteligiacuteveis que passam por auto-sustentaccedilatildeo a configurar

dedutivamente o mundo Ao passo que estatuto eacute uma ordem a legalidade do

ser sensiacutevel - o ser na plenitude de seus atributos

tempo (histoacuteriaprocessoduraccedilatildeomutabilidade) lugar e sensibilidade

especificamente a legalidade do ser social imanente a si em sua especiacutefica

31

objetividade O ser sensiacutevel eacute a forma do ser porque eacute a plenitude das

categorias possiacuteveis

E as formaccedilotildees ideais

Segundo Chasin as formaccedilotildees ideais do mesmo modo que as

formaccedilotildees reais - formas do ser - tecircm lugar e tempo como categorias - o tempo

e o espaccedilo das formaccedilotildees sociais que satildeo engendradas mas estatildeo privadas de

sensibilidade

O sensiacutevel soacute eacute predicaccedilatildeo inerecircncia agrave forma do ser que conteacutem a

plenitude dos predicados possiacuteveis (sensibilidade espaccedilo tempo)

Essa forma de conceber o ser eacute reconhecer substancialidade ao

complexu agrave unidade totalizada ou seja ao conjunto pleno de atributos em ato

Em outras palavras ser eacute complexo categorial - tem a forma de ser -

completude ou forma conferida pelo sensiacutevel que se desdobra em muacuteltiplos

atributos e se condensa de infinitas maneiras no gradiente do ser

Em suma segundo Chasin tomando Marx como base e ponto de

referecircncia permanentes ser eacute plenitude categorial ou seja a plenitude

categorial eacute sua forma e por ser sensiacutevel compreende lugar e tempo

Donde se admitido o princiacutepio metoacutedico de Marx saber eacute saber do ser

que antes de tudo eacute um complexo sensiacutevel - tudo que eacute existe eacute sempre um

complexo natildeo uma substacircncia ou essecircncia pura e cristalina E a cadeia do ser eacute

o conjunto de graus do ser - do menos ao mais complexo

O preceito metodoloacutegico marxiano eacute pois ontoloacutegico sabe-se o que eacute

como se formou se desenvolveu e como depereceraacute

Por via de consequumlecircncia e diante das vicissitudes da histoacuteria da

ontologia de seu processo constitutivo e dissolutor diante da penosa rota da

32

conquista teoacuterica do real homoacuteloga ou equivalente agrave necessidade humana de

produzir a sua mundaneidade e a si mesmo a ontologia eacute o que pode ser - o

que natildeo eacute pouco - a esfera teoacuterica da incerteza propulsora positiva

afirmativamente organizada O patamar do incerto ordenado como plataforma da

busca infinita da certeza Impulsatildeo incontornaacutevel que natildeo pode ser eludida pela

presenccedila imperativa dos circuitos ontopraacuteticos

Talvez agora o estatuto ontoloacutegico marxiano possa ser enunciado do

seguinte modo eacute o estudo das categorias fundamentais - em traccedilos essenciais

abstratos em suas determinaccedilotildees mais gerais - da existecircncia social

historicamente constatada e reconhecida sendo possiacutevel exemplificar com as

seguintes categorias historicidade (processualidade ou mutabilidade)

concreticidade ou objetividade atividade sensiacutevel e ideal (trabalho e

reproduccedilatildeo) subjetividade (receptiva e proponente) valor individualidade

gecircnero (sociabilidade) Tudo isso perfilando o complexo de complexos da auto

realizaccedilatildeo do ser humano-societaacuterio entendido que o fim dos fins eacute a infinitude

da realizaccedilatildeo do humano - do autopor-se do aberto ser humano-societaacuterio

Estatuto que em outros termos eacute a ordem do reconhecimento ou

reproduccedilatildeo teoacuterica da identidade natureza e constituiccedilatildeo das coisas por si por

seus complexos categoriais decisivos independentemente em qualquer plano

de se tornarem objetos de praacutetica ou reflexatildeo

Enquanto tal eacute a teoria do reconhecimento da objetividade histoacuterico-

social imanente em suas distintas formas de apresentaccedilatildeo (natureza e

sociedade) Em termos muito breves eacute o momento mais abstrato do

reconhecimento da identidade das coisas por si enquanto tal um dos momentos

distintos da unidade do saber do qual participa um segundo sob forma

concreta que eacute a ciecircncia

Pela proacutepria natureza histoacuterica processual do ser a ontologia marxiana

natildeo corresponde nem poderia corresponder por simples imperativo de

33

coerecircncia agrave forma de um saber universal plantado sobre uma racionalidade

auto-sustentada ou seja fundado na razatildeo universal nada mais a versatildeo laica

ou profana de Deus no dizer de Feuerbach Ou seja trata-se enfim de uma

forma de ontologia sem parentesco com o saber absoluto e que recusa qualquer

tipo de fundamento especulativo pois absolutizaccedilatildeo de uma teoria da

fundamentaccedilatildeo eacute simplesmente a firmaccedilatildeo especulativa da razatildeo autocircnoma ou

de um princiacutepio de inteligibilidade situado para aleacutem das coisas que garante a

presenccedila e o conhecimento do sagrado e a vitoacuteria antecipada do idealismo Natildeo

correspondendo agrave qualquer forma de saber universal a ontologia marxiana

sustenta a possibilidade efetiva como jaacute vimos de um saber real

Por sua praacutetica teoacuterica e por um conjunto de lineamentos expliacutecitos

Marx deixou o legado de um especiacutefico estatuto ontoloacutegico natildeo um ontologia de

talhe convencional ou tradicional e natildeo apenas por que careceu de tempo

necessaacuterio para a realizaccedilatildeo de uma obra desse tipo mas fundamentalmente

pela distinccedilatildeo de natureza de seu estatuto ontoloacutegico radicalmente oposto ao

tratamento especulativo da mateacuteria

Esse estatuto eacute constituiacutedo a partir do universo praacutetico onticamente

referido ou seja eacute um estatuto ocircntico-ontoloacutegico pois evolve da efetividade

histoacuterica das coisas de suas relaccedilotildees e processos para sua reproduccedilatildeo

conceitual no plano de uma trama categorial em sua expressatildeo mais abstrata

Reconhecimento e Determinaccedilatildeo da Sociabilidade como Substacircncia

Vimos que segundo Chasin enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma

da legalidade do ser social em sua materialidade e espiritualidade[pode-se dizer

tambeacutem em sua objetividade sensiacutevel e supra-sensiacutevel] ou seja enquanto

malha de asserccedilotildees ou determinaccedilotildees de seu complexo categorial a ontologia

34

estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a sociabilidade como substacircncia desse

grau maacuteximo do ser

Embora Chasin natildeo tenha desenvolvido plenamente a questatildeo da

objetividade supra-sensiacutevel como tambeacutem a da sociabilidade como substacircncia

julgo conveniente transcrever tambeacutem algumas notas e comentaacuterios feitos em

sala de aula dada a importacircncia do tema

Em relaccedilatildeo agrave noccedilatildeo de substacircncia Chasin retoma sua noccedilatildeo mais geral

e tradicional Ou seja deixando de fora qualquer conotaccedilatildeo relativa a formas de

idealidade o que existe por si eacute um auto-engendrado a uacuteltima instacircncia de um

dado gecircnero de entificaccedilatildeo enquanto tal na medida em que eacute uma efetividade

eacute um complexo que a noccedilatildeo de substacircncia refere no mais alto grau de

abstraccedilatildeo Vale pois como abstraccedilatildeo razoaacutevel tal como todo conceito

marxiano nesse niacutevel de generalizaccedilatildeo a partir do qual pela via dos processos

de concreccedilatildeo satildeo determinaacuteveis as formas concretas de substacircncia

correspondentes agraves formaccedilotildees sociais reais

Dessa forma a substacircncia eacute um complexo histoacuterico natildeo uma

idealidade natildeo um construto da razatildeo auto-sustentada mas o resumo de uma

extraccedilatildeo justificada

Naturalidade e Sociabilidade

Sempre que se potildee a questatildeo da naturalidade e da sociabilidade essa

uacuteltima tende a ser examinada in statu nascendi ou de um estado original

imaginaacuterio natildeo se parte portanto de fatos pois os desconhecemos se eacute que

35

tenham existido mas de um mito E do mito se quer saltar para o quadro de uma

realidade complexa

Mas acompanhando Marx lembremos das pobres robinsonadas do

seacuteculo XVIII referidas logo agraves primeiras linhas da Introduccedilatildeo de 57 a) O

caccedilador e o pescador individuais e isolados de que partem Smith e Ricardo b)

o contrat social de Rousseau que relaciona e liga sujeitos independentes por

natureza por meio de um contrato Essas robinsonadas natildeo repousam sobre

(o) naturalismo E a argumentaccedilatildeo prossegue Trata-se ao contraacuterio de uma

antecipaccedilatildeo da sociedade (buumlrgelichen Gesellschaft) que se preparava desde

o seacuteculo XVI e no seacuteculo XVIII deu larguiacutessimos passos em direccedilatildeo agrave sua

maturidade Nesta sociedade da livre concorrecircncia o indiviacuteduo aparece

desprendido dos laccedilos naturais que em eacutepocas histoacutericas remotas fizeram dele

um acessoacuterio de um conglomerado humano limitado e determinado Os profetas

do seacuteculo XVIII sobre cujos ombros se apoacuteiam inteiramente Smith e Ricardo

imaginam o indiviacuteduo do seacuteculo XVIII como um ideal que teria existido no

passado Vecircem-no natildeo como um resultado histoacuterico mas como ponto de partida

da Histoacuteria porque o consideram como um indiviacuteduo conforme agrave natureza -

dentro da representaccedilatildeo que tinham da natureza humana - que natildeo se originou

historicamente mas foi posto como tal pela natureza[xvii]

Segundo Chasin tomando Marx novamente como ponto de referecircncia

os equiacutevocos que aparecem ao se tratar a relaccedilatildeo naturalidade sociabilidade

satildeo os seguintes

1) procurar deduzir em graus diferentes em cada caso o ser social do

natural esquecendo que se trata da emergecircncia do novo de uma configuraccedilatildeo

ontoloacutegica nova e que o novo nunca eacute um simples desdobramento do estaacutegio

anterior no caso - do grau de ser antecedente ou seja que entre os dois niacuteveis

ocorre o que se chama de salto um intervalo em que a potecircncia causal do

antecedente natildeo conteacutem a capacidade a potecircncia ou a potencialidade para

gerar o novo Um intervalo que fica assim indeterminado

36

2) o procedimento acima abre para a mera especulaccedilatildeo pois tende a

deduzir a indeterminaccedilatildeo a querer estabelecer nexos onde eles inexistem

tende a preencher o que de fato eacute um vazio A rigor natildeo se trata de um natildeo-

sabido mas da ausecircncia factual de um objeto ou processo em outros termos

se trata de um vazio ontoloacutegico de uma ausecircncia de nexos ontoloacutegicos

O correto segundo o modus operandi marxiano natildeo eacute partir da semente

ou do embriatildeo mas do complexo real maturado uma vez que

especialiacutessimamente na esfera social a loacutegica do gerado eacute diversa da loacutegica de

sua gecircnese aleacutem de que nesse acircmbito as entificaccedilotildees configuradas apagam a

rota e a loacutegica de sua formaccedilatildeo

Desse modo partindo do jaacute configurado e considerando que se trata de

uma configuraccedilatildeo infinita que compreende mutaccedilotildees qualitativas muito

importantes e natildeo esquecendo que permanecemos no estaacutegio preacute-histoacuterico (em

momento especialmente desequilibrado e contraditoacuterio) podemos e devemos

reconhecer por meio de algumas abstraccedilotildees razoaacuteveis o seguinte

1) A formaccedilatildeo do ser social eacute um processo da animalidade agrave

hominidade o andamento da naturalidade agrave sociabilidade o caminho infinito da

naturalidade dada agrave sociabilidade natildeo-dada em produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

perenes

2)Trata-se pois de uma entificaccedilatildeo processual entre dois niacuteveis ou

poacutelos da escala do ser sendo processo eacute intrinsecamente uma contradiccedilatildeo e soacute

enquanto tal se move eliminada a contradiccedilatildeo cessaria a possibilidade do

processo Com isso eacute dito algo muito importante pois ao reconhecer a

contraditoriedade entre naturalidade e sociabilidade natildeo eacute mais possiacutevel pensar

as mesmas a propoacutesito do ser social como um simples conjugado de fatores

mas obrigatoriamente como uma conjugaccedilatildeo contraditoacuteria de legalidades Isso

vai na esteira do que eacute compreendido desde Hegel - que o ser eacute uma unidade

contraditoacuteria - todavia com o acreacutescimo do problema da dupla legalidade De

37

que modo ou feiccedilatildeo chega cada uma delas agrave unidade contraditoacuteria do ser Pois

haacute que pensar na unidade ou siacutentese a natildeo ser que se queira desenhar o ser

social como uma aberraccedilatildeo hiacutebrida pode ser esta a fisionomia do grau mais

elevado do gradiente dos seres Assim tomada na devida consideraccedilatildeo essa

determinaccedilatildeo ontoloacutegica sem a qual a reflexatildeo perde o rumo trata-se de

compreender a dinacircmica especiacutefica dessa contradiccedilatildeo peculiar Vejamos

3) Em primeiro lugar esse processo contraditoacuterio gera novas

contradiccedilotildees agora dominantemente contradiccedilotildees da sociabilidade em

formaccedilatildeo de sorte que se trata de um processo cumulativo de

contraditoriedades no qual as novas contradiccedilotildees progressivamente vatildeo

tomando o lugar predominante e decisivo vale dizer a contradiccedilatildeo originaacuteria

cada vez mais coabita com contradiccedilotildees de outro gecircnero diante das quais sua

presenccedila vai mudando de forccedila e configuraccedilatildeo natildeo desaparece mas sua

qualidade vai mudando na proporccedilatildeo mesmo do desenvolvimento da

apropriaccedilatildeo societaacuteria da natureza cada vez mais puramente social - eacute no que

consiste de acordo com as palavras de Marx o progressivo afastamento das

barreiras naturais

4) Ou seja a matriz e a medida do afastamento eacute a forma cada vez

mais social de produzir e reproduzir as bases materiais da vida pela qual eacute

gerado o novo ser em direccedilatildeo agrave sua potecircncia ampliada de se auto-por de ir em

direccedilatildeo a si mesmo um si mesmo que natildeo eacute dado mas gerado na progressatildeo

da auto-posiccedilatildeo do auto-assentamento ou da auto-enformaccedilatildeo que inclui a

proacutepria daccedilatildeo de forma e resoluccedilatildeo ao predicado natural ou bioloacutegico daccedilatildeo de

forma que em suma eacute daccedilatildeo de forma social ao predicado natural

5) Essa possibilidade de daccedilatildeo de forma eacute afirmaccedilatildeo e realizaccedilatildeo da

essecircncia social que eacute o conjunto de relaccedilotildees sociais configuradas em cada

momento pelo modo de produzir da base material modo por sua vez que eacute

determinado pelo desenvolvimento das forccedilas produtivas entre as quais figura o

proacuteprio modo de organizaccedilatildeo do conjunto das relaccedilotildees sociais

38

6) Daccedilatildeo de forma eacute alteraccedilatildeo do lugar resolutivo e todo ente que muda

de lugar muda de natureza sem alterar uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo material

Vale dizer que a contradiccedilatildeo originaacuteria entre naturalidade e sociabilidade eacute

resolvida por uma nova contradiccedilatildeo - a da naturalidade que soacute se realiza na

forma e por meios sociais - no afastamento que eacute superaccedilatildeo da naturalidade

(processo histoacuterico) a legalidade natural eacute submetida agrave legalidade social

(diferentemente em cada modo de produccedilatildeo e de acordo com o

desenvolvimento das forccedilas produtivas) o fator natural natildeo eacute suprimido

suprimida eacute sua capacidade de autodeterminaccedilatildeo resta portanto

simplesmente o que natildeo eacute pouco como um predicado do ser humano um

predicado insuprimiacutevel mas apenas como predicado bioloacutegico de um ser de

outra natureza e essecircncia A naturalidade eacute retida como predicado

imprescindiacutevel mas natildeo como essecircncia Donde natildeo satildeo mais duas legalidades

ontoloacutegicas que coexistem mas a legalidade superior mais complexa subsume

a legalidade natural que natildeo mais se autodetermina mas eacute resolvida pela e do

interior da outra Assim o predicado natural do homem recebe forma e

resoluccedilatildeo sociais ou seja o predicado natural eacute subsumido agrave legalidade social

Natildeo resta mais o choque de duas legalidades contrapostas na

contradiccedilatildeo originaacuteria A legalidade natural vai sucumbindo na ruptura e

progressivamente agrave legalidade social em sua efetividade no ser social a

legalidade natural natildeo mais atua por si eacute dependente do social natildeo eacute mais a

legalidade de um ser pois natildeo haacute mais aiacute um ser natural mas um atributo

natural dependente da essecircncia social O homem eacute um ser social que

compreende sua essecircncia especiacutefica (variaacutevel) suas contingecircncias e seu

predicado bioloacutegico Na entificaccedilatildeo do ser social uacuteltimo grau da cadeia do ser a

legalidade natural eacute subalternizada agrave social por mais ruacutestica e restrita que seja a

essecircncia social primitiva e por mais precaacuteria que seja essa subalternizaccedilatildeo de

iniacutecio O processo de afastamento das barreiras naturais eacute assim o curso dessa

subalternizaccedilatildeo que desponta no iniacutecio na ruptura com a legalidade natural e

por mais longo e contraditoacuterio em avanccedilos e recuos que seja esse processo

39

7) de outra parte a loacutegica do predicado bioloacutegico natildeo soluciona natildeo

tem resposta para o complexo problemaacutetico da sociabilidade enquanto que esta

daacute soluccedilatildeo aos imperativos daquela Como diz Marx nos Manuscritos de 44 o

homem contempla a natureza e a si mesmo com um produto social [dos homens

interativos] com pleno direito mesmo que natildeo com elevada consciecircncia ou altos

valores

8) Donde a foacutermula lukaacutecsiana da dupla base eacute falsa pois a plataforma

eacute a sociabilidade enquanto a naturalidade eacute apenas o insuprimiacutevel predicado

bioloacutegico que passa a vigir na forma e sob a regecircncia da sociabilidade Natildeo

perde por isso uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo orgacircnica mas na sua efetividade

muda de caraacuteter No interiro da esfera societaacuteria o predicado bioloacutegico eacute um

outro de si Se originariamente foi o ponto de partida agora eacute produzido e

reproduzido pela legalidade de um ser que o ultrapassa e o domina vive e soacute

pode viver na subjugaccedilatildeo de um novo estatuto Ou seja ao integrar como

predicado o ser de niacutevel mais elevado realiza a sua maacutexima potecircncia e isso eacute

ao mesmo tempo sua desnaturalizaccedilatildeo ou perecimento Impereciacutevel como

predicado natildeo eacute base pois determina soacute por seus limites pelas carecircncias natildeo

pelas determinaccedilotildees resolutivas nem mesmo em suas forccedilas e sentidos pois

enquanto virtualidades estas soacute satildeo humanas e superiores em resoluccedilatildeo

societaacuteria Ademais natildeo eacute nunca um criador de novas necessidades o que

caracteriza a legalidade social

9) A argumentaccedilatildeo acima diz respeito diretamente ao ser social em sua

configuraccedilatildeo bipolar (indiviacuteduo e gecircnero) e desenvolvida em especial no poacutelo da

individualidade tendo por esteio o andamento do gecircnero e ao falar deste se diz

do seu metabolismo com a natureza Esse metabolismo fundamental que eacute em

suma a atividade vital do homem ao gerar produtos sociais

(utilidadesmercadorias) sem que se possa transpor a estes as mesmas

determinaccedilotildees que foram feitas para o ser social desde logo satildeo entes sociais

mas em outro grau da escala do ser social mas tambeacutem tecircm mudada a sua

natureza de naturais a utilidades (e na forma da alienaccedilatildeofetichismo as

40

mercadorias) de sorte que a apropriaccedilatildeo da natureza eacute igualmente sua

desnaturalizaccedilatildeo eacute forccedilaacute-las a deixar de ser o que satildeo em sua peculiaridade

para se tornarem um outro de si sob a regecircncia do estatuto societaacuterio Isso eacute a

manifestaccedilatildeo do poder e da superioridade do grau maacuteximo do ser Nenhum

outro ser realiza qualquer coisa semelhante nem longinquumlamente Repetindo

Kant e Hegel Marx tinha toda razatildeo quando disse que haacute mais grandeza e

misteacuterio na cabeccedila de um becircbado do que no conjunto do universo

10) a Sociabilidade imperfeita substacircncia ainda natildeo realizada enquanto

tal ou seja ainda incapaz de autonomia como complexo estruturado conduz agrave

poliacutetica Natildeo compreendida como substacircncia mas como simples organizaccedilatildeo

potildee o homem no outro poacutelo na dicotomia homemsociedade ou seja na

representaccedilatildeo socioloacutegica ou politoloacutegica o homem eacute um outro

Determinada ou compreendida como substacircncia eacute substacircncia humana

(perfeita e imperfeita com todas as grandezas e miseacuterias produzidas

modificadas suprimidas e repostas no curso histoacuterico) eacute a essecircncia mutante do

ser auto-engendrado e enquanto mutante e por ser mutante distinta tambeacutem

por essa mutabilidade do predicado bioloacutegico atemporalmente necessaacuterio mas

sempre e progressivamente insuficiente do ser social

O tomo IV do primeiro nuacutemero da Revista Ensaios Ad Hominem eacute

composto de seis artigos - aleacutem do texto de abertura de autoria de J Chasin -

que resultaram de siacutenteses ou modificaccedilatildeo de partes ou capiacutetulos de

dissertaccedilotildees defendidas entre os anos de 1998 e 1999 junto ao Programa de

Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia da UFMG

41

O artigo que abre a presente coletacircnea intitulado A Razatildeo como

Tribunal da Criacutetica Marx e A Gazeta Renana de autoria de Celso Eidt versa

sobre a concepccedilatildeo do jovem Marx sobre o papel da imprensa natildeo apenas como

o locus privilegiado para o debate filosoacutefico mas fundamentalmente para os

processos educativos tendo em vista a realizaccedilatildeo plena da liberdade humana Eacute

bom ressaltar que no periacuteodo em que tais artigos satildeo redigidos Marx

compartilha de uma visatildeo antropoloacutegica racional em que a natureza humana eacute

concebida como espiacuterito livre e racional enquanto esteio da proacutepria vida eacutetica

ou seja da praacutetica humana fundada na razatildeo universal

Ana Selva Albinati autora do artigo A Determinaccedilatildeo dos Valores

Morais nos textos de Marx de 1841 a 1847 se debruccedila justamente sobre tal

campo de reflexatildeo Seu trabalho eacute uma tentativa de sistematizaccedilatildeo das

consideraccedilotildees sobre os valores morais nos textos do periacuteodo que se inicia com

sua tese doutoral Diferenccedilas entre as Filosofias da Natureza de Demoacutecrito e

Epicuro prosseguindo ateacute A Miseacuteria da Filosofia Ana Selva procura demonstrar

que esse periacuteodo normalmente referido como sendo o da juventude de Marx eacute

na verdade constituiacutedo de dois momentos de sua elaboraccedilatildeo teoacuterica que tem

como momento de clivagem a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel de meados

de 1843 em que Marx rompe com o referencial teoacuterico do idealismo alematildeo Em

relaccedilatildeo agraves determinaccedilotildees sobre a moral essa ruptura se reflete na inflexatildeo

radical que diferencia a compreensatildeo da moralidade no primeiro e segundo

momentos de tal forma que a moralidade passa a ser compreendida como um

dos modos da consciecircncia socialmente determinada concepccedilatildeo completamente

distinta da primeira fase em que os valores morais eram compreendidos como

expressotildees da liberdade e da racionalidade humanas idealmente concebidas

No artigo A criacutetica da Especulaccedilatildeo nas Glosas de Kreuznach Milney

Chasin analisa o momento inicial e ao mesmo tempo decisivo da ruptura que

se verifica entre Marx e Hegel no plano das determinaccedilotildees do ser Desse modo

a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel inaugura a criacutetica marxiana da

especulaccedilatildeo no seu cerne o de rejeitar o procedimento especulativo

42

caracteriacutestico de se provir tudo da ideacuteia real de tornaacute-la sujeito isto eacute de

capacitar a abstraccedilatildeo ou conceito automovido - a partir das metamorfoses

hegelianas - de pocircr o multiverso sensiacutevel Em outros termos Milney Chasin no

referido artigo evidencia como a criacutetica da especulaccedilatildeo permite a Marx

ultrapassar os horizontes do idealismo alematildeo na direccedilatildeo do devido

reconhecimento da distinccedilatildeo entre ser e pensar de caracterizar a impropriedade

ontoloacutegica da loacutegica hegeliana de apurar os limites gnosioloacutegicos e

incongruecircncias de toda ordem Em suma permite o desvelamento da substacircncia

miacutestica oferecendo a explicitaccedilatildeo do meacutetodo hegeliano - das diabruras do

conceito autoposto - que articula abstraccedilotildees e finitude restando a esta a mera

condiccedilatildeo de apecircndice dissolvido isto eacute momento virtual da realizaccedilatildeo da

idealidade

O quarto artigo desta coletacircnea intitulado A Exteriorizaccedilatildeo da Vida nos

Manuscritos de 44 eacute parte da dissertaccedilatildeo de mestrado As Categorias

Lebensaumlusserung Entaumlusserung Entfremdung e Veraumlusserung nos Manuscritos

Economico-Filosoacuteficos de Karl Marxdefendida por Mocircnica H M da Costa em

que o interesse era acima de tudo averiguar se alienaccedilatildeo (Entaumlusserung) e

estranhamento (Entfremdung) teriam significados distintos A pesquisa acabou

opor apontar no entanto uma outra categoria como eixo desses manuscritos

Lebensaumlusserung traduzida por exteriorizaccedilatildeo da vida De fato o fio condutor

dos Manuscritos eacute a centralidade do trabalho na produccedilatildeo material e espiritual

da vida humana Tomando para anaacutelise criacutetica pela primeira vez os

economistas claacutessicos Marx explicita sua proacutepria compreensatildeo da forma

peculiar de engendramento da existecircncia do homem A criacutetica a Hegel completa

o quadro desta tematizaccedilatildeo que natildeo seraacute abandonada ateacute os uacuteltimos trabalhos

de Marx

Sabina Maura Silva no artigo A Fenomenologia do Egoiacutesmo Stirner e a

Criacutetica Marxiana tem como objetivo fundamental apresentar a concepccedilatildeo de

homem presente na obra O Uacutenico e Sua Propriedade de autoria do filoacutesofo

neohegeliano Max Stirner e expor a criacutetica de Marx a este autor contida em A

43

Ideologia Alematilde A autora mostra que para Stirner o Eu tomado como

individualidade singular eacute o fundamento de sua esfera existencial No entanto

para esse autor tudo tem determinado a existecircncia dos indiviacuteduos natildeo tendo

sido permitido a eles determinaacute-la O objetivo de Stirner eacute pois remeter ao

indiviacuteduo - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel - o que dele foi alienado e erigido

como algo autocircnomo Por seu turno a criacutetica de Marx tem como fim explicitar o

caraacuteter especulativo da anaacutelise stirneana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo

bem como salientar o aspecto pseudorevolucionaacuterio de suas proposituras

Assim segundo Marx Stirner tatildeo somente interpreta diferentemente o

existente isto eacute reconhece o existente mediante outra

interpretaccedilatildeoTransformando as contradiccedilotildees objetivas em contradiccedilotildees

subjetivas Stirner conserva e justifica as condiccedilotildees e estruturas efetivas que

esmagam e impedem a autodeterminaccedilatildeo das individualidades ao reconhecer

as circunstacircncias como determinaccedilotildees dos indiviacuteduos Acolhendo acriacutetica e

especulativamente em suas feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees

estranhadas de um momento histoacuterico particular da individuaccedilatildeo humana

Stirner erige como individualidade um ente que empobrecido e constrangido

pelas condiccedilotildees objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade

social pode somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria

sobre si e sobre o mundo

O uacuteltimo artigo do tomo IV da Revista Ensaios Ad Hominem eacute de

autoria de Antocircnio Joseacute Lopes Alves e leva o tiacutetulo de A Individualidade

Moderna nos Grundrisse Neste texto o autor procura demonstrar que a

moderna sociabilidade do capital eacute compreendida por Marx como forma

instaurada a partir da dissoluccedilatildeo dos liames sociais que uniam em tempos

anteriores os indiviacuteduos agrave comunidade Aleacutem disso destaca o fato apontado por

Marx de que tal processo se constitui numa verdadeira reconversatildeo ontoloacutegica

tanto dos indiviacuteduos quanto das condiccedilotildees da atividade vital ocorrendo uma

radical transformaccedilatildeo na forma de ser de ambos Sinteticamente trata-se de

reconfiguraccedilatildeo ontoloacutegica que determina como entes autocircnomos os indiviacuteduos

44

de um lado e as condiccedilotildees de trabalho de outro vale dizer do divoacutercio entre os

indiviacuteduos ativos e as condiccedilotildees de sua atividade Antocircnio Lopes buscou em

suma alinhar as determinaccedilotildees mais essenciais dos indiviacuteduos e da

sociablidade modernos no que respeita agrave forma mesma das relaccedilotildees sociais da

atividade sensiacutevel bem como da respectiva expressatildeo ideal como por exemplo

a configuraccedilatildeo das categorias da igualdade e liberdade

O leitor encontraraacute nas paacuteginas que se seguem o resultado do esforccedilo

de pesquisa voltado ao resgate da obra marxiana caracterizado pela busca do

rigor na leitura e interpretaccedilatildeo do pensamento de um autor cuja heranccedila

intelectual conheceu um destino traacutegico Natildeo eacute faacutecil portanto voltar-se a ela

sem os preconceitos da moda - como jaacute havia advertido Lukaacutecs Natildeo posso

afirmar com total certeza que um intento dessa natureza tenha sido plenamente

alcanccedilado Todavia eacute faacutecil perceber as diferenccedilas desse tipo de produccedilatildeo teoacuterica

com aquela apresentada tanto pelo marxismo adstringido e suas dissidecircncias

como pelo marxismo vulgar para utilizar as expressotildees cunhadas por Chasin no

intuito de designar as duas variantes de interpretaccedilatildeo da obra marxiana

Faccedilo aqui ao leitor interessado o convite para participar dessa

avaliaccedilatildeo

[1] Professora do Departamento de Filosofia da UFMG coordenadora

do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e Estudos Confluentes

45

[i] J CHASIN Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in

Teixeira FJS Pensando com Marx Editora Ensaio Satildeo Paulo 1995

[ii] K MARX amp F ENGELS A Sagrada Famiacutelia Ed Grijalbo trad

Wenceslao Roces Meacutexico DF 1960 p 120

[iii] Ver a respeito J CHASIN Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo

Metodoloacutegica opcit

[iv] J CHASIN O Futuro Ausente in Ensaios Ad Hominem 1 tomo III

Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem Satildeo Paulo 2000 p 166

[v] Ib p 167

[vi] Id

[vii] E CASSIRER A Filosofia do Iluminismo Editora da Unicamp

Campinas 1992 p 11

[viii] G LUKAacuteCS La Riproduzionein Per lOntologia delle Essere

Sociale Roma Editori Riuniti tomo II 1981 pp 180-81

[ix] N HARTMANN Ontologia Fondo de Cultura Econoacutemica Meacutexico D

F vol 1 1986

[x] K MARX O Capital vol I Ediccedilatildeo Abril Cultural Satildeo Paulo p 149

[xi] Id

[xii] Ib p 150

[xiii] (a respeito dessas categorias ver N HARTMANN Ontologia op cit

vol I p XII

46

47

[xiv] No original alematildeo in der Form des Seins Dietz Verlag 1971 p

195

[xv] Ib p 151

[xvi] Ver a respeito em J CHASIN Marx-Estatuto Ontoloacutegico e

Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica op cit

[xvii] K MARX op Cit p 126

Page 7: :: Verinotio - Revista On-line de Educao e Cincias Humanas · O leitor encontrará, portanto, nessa Apresentação o fruto de trabalho de coleta e organização de materiais utilizados

Embora se possa assim considerar o criticismo kantiano como uma

espeacutecie de divisor de aacuteguas natildeo se deve obliterar o fato de que com a

metafiacutesica claacutessica ou qualquer uma de suas variantes antecedentes ou

subsequumlentes sob o pretexto de alcanccedilar a priori a certeza cognitiva gera-se

uma grave distorccedilatildeo no plano teoacuterico pela qual o ente eacute perdido para sempre

Para evitar tal descaminho Chasin propotildee o designativo posiccedilatildeo ontoloacutegica

pois com ela pretende tambeacutem pelo menos precaver contra a unilateralidade

decorrente da postura gnoseoloacutegica (sempre uma forma meramente

especulativa a respeito da morfologia do funcionamento ou seja da

organizaccedilatildeo e atividade da subjetividade) instigando e se rigorosamente

praticada orientando com rigor a pensar as coisas em seus proacuteprios nexos em

direccedilatildeo a uma totalidade mais plena de determinaccedilotildees A expressatildeo pretende

pois sinalizar e induzir agrave praacutetica intelectual de caraacuteter ontoloacutegico concebida em

sua forma mais consistente e consequumlente

Chasin pois pretendeu recuperar o sentido de ontologia enquanto

consideraccedilatildeo daquilo que eacute em sua efetividade Natildeo alguma distorccedilatildeo ou

dissoluccedilatildeo do ente enquanto ente seja sob sua forma do sentido do ente do

ser da apariccedilatildeo ou qualquer outra variaacutevel do tipo que embora possam incluir

dimensotildees do sensiacutevel sempre compreendem implicam ou tecircm por condiccedilatildeo de

possibilidade um sujeito mesmo que este seja o obervador da produccedilatildeo de

representaccedilotildees de caraacuteter racional Estudo pois das coisas em sua

independecircncia em sua exterioridade em face de possiacuteveis relaccedilotildees praacuteticas e

teoacutericas em que estatildeo ou possam vir a estar presentes inclusive aquelas pelas

quais em gecircnero superior de entificaccedilatildeo as coisas satildeo postas ou engendradas

De tal sorte que ainda e mesmo que todo o plano cognitivo possa ou

tenha de ser impugnado que toda ciecircncia possa ou tenha que ser posta em

duacutevida e considerada simples ilusatildeo ou equiacutevoco ou ter seu acircmbito reduzido agrave

pura convenccedilatildeo resta o fundamental o universo da praacutetica ou da vida vivida em

sua qualidade de confirmaccedilatildeo da dupla certeza da existecircncia do mundo e dos

homens e enquanto tal tem de ser reconhecido como ponto de partida da

7

intenccedilatildeo ontoloacutegica cujo propoacutesito eacute se constituir em base conceitual de sua

dilucidaccedilatildeo

Ainda no contexto da afirmaccedilatildeo da posiccedilatildeo ontoloacutegica e rejeiccedilatildeo seja

do vieacutes gnosioloacutegico ou cientificista seja das concepccedilotildees reinantes ditas

ontoloacutegicas Chasin de modo provocativo indaga Por que a foacutermula simples

do cogito eacute mais evidente ou funcional para efeito de fundamentaccedilatildeo do que a

evidecircncia do complexo sensiacutevel do gozo Por que a evidecircncia do cogito - o

pensamento do indiviacuteduo isolado - eacute superior agrave evidecircncia do existir que inclui a

presenccedila e a relaccedilatildeo viva dos outros e das coisas Chasin continua na mesma

direccedilatildeo no questionamento da pretensa superioridade do cogito indagando o

quecirc se esconde sob ela e acrescenta O cogito o truque cartesiano eacute a

conquista da certeza agrave custa de trecircs absurdidades o cogito desencarnado a

encarnaccedilatildeo divina da perfeiccedilatildeo e o mundo reduzido agrave extensatildeo A essas trecircs

conquistas digamos assim Chasin denomina de verdade alienada isto eacute

verdade emergente da subjetividade na forma da alienaccedilatildeo

A exercitaccedilatildeo ontoloacutegica ao contraacuterio assume como criteacuterio analiacutetico a

determinaccedilatildeo de que o objeto maturado eacute a chave do esclarecimento de suas

formas precedentes[iii] desde as embrionaacuterias ateacute as mais elaboradas que

antecedem no tempo sua fisionomia acabada Portanto a determinaccedilatildeo

marxiana do objeto maturado eacute produto desse espiacuterito teoacuterico pois soacute faz

sentido em posicionamento ontoloacutegico ou seja em reconhecimento do grau

constitutivo em que se encontra a coisa examinada

Segundo Chasin ainda Aristoacuteteles teve grande meacuterito em sua

propositura de uma filosofia primeira - base ou fundamento para a constituiccedilatildeo

das ciecircncias particulares - mas que por sua resoluccedilatildeo (de caraacuteter platocircnico

conforme jaacute demonstrara Eacute Gilson) e por seus pretendidos atributos ahistoacutericos

- categorias eternas e absolutas imutaacuteveis e perenes - constitui um modo

involuntaacuterio de elaboraccedilatildeo especulativa apesar de seu intento originaacuterio de

conhecer o efetivamente existente o ente enquanto ente Tais limites do intento

8

aristoteacutelico numa linha de argumentaccedilatildeo que confere prioridade agrave realidade

soacutecio-histoacuterica na produccedilatildeo de viabilidades ou inviabilidades teoacutericas e de sua

consequumlente explicaccedilatildeo eram vistos por Chasin como limites produzidos pelo

proacuteprio tempo grego sumariados a seguir

1) praacutetica humano-societaacuteria incipiente e acanhada que ganhou no

artigo O Futuro Ausente beliacutessima caracterizaccedilatildeo inspirada no Marx das

Formen Imaturaccedilatildeo natural e caracteriacutestica das remotas formas sociais em que

a propriedade da terra e a agricultura constituiacuteam a base da atividade material

tendo por objetivo a produccedilatildeo valores de uso ou seja a reproduccedilatildeo dos

indiviacuteduos em peculiares e bem determinadas relaccedilotildees com a comunidade[iv]

onde por via de consequumlecircncia indiviacuteduo e genecircro satildeo imediata e

transparentemente inseparaacuteveis e suas relaccedilotildees traduzem essa unidade

fundamental tornando desconhecida e impensaacutevel qualquer tipo de cissura que

contraponha ou menos ainda torne excludentes entre si as figuras de sua

polaridade[v] Mas a essa dimensatildeo positiva - sintomaticamente tatildeo atraente nos

dias atuais - corresponde uma negativa que Chasin esclarece na sequumlecircncia

todas as formas em que a comunidade pressupotildee sujeitos em determinada

unidade objetiva com as condiccedilotildees da atividade produtiva ou reciprocamente

nas quais uma especiacutefica existecircncia subjetiva faz com que a proacutepria comunidade

seja pressuposta como condiccedilatildeo de produccedilatildeo todas elas diz Marx

correspondem necessariamente e por princiacutepio a um desenvolvimento limitado

das forccedilas produtivas[vi]

2) Consequumlentemente impossibilidade para conceber a historicidade e

a contraditoriedade como categorias fundamentais do ser - que estrangulam a

mais precisa e universal por isso mesmo vaacutelida hoje e para sempre das

formulaccedilotildees atinentes agrave natureza e ao propoacutesito da ontologia

Meacuteritos e limites da filosofia primeira que apenas seratildeo realizados e

superados depois de um longo itineraacuterio repleno de contraposiccedilotildees internas

9

pelos lineamentos perfilados por Marx que tambeacutem herda criticamente

dimensotildees da filosofia moderna - do renascimento ao neohegelianismo

Desse modo com o objetivo de sumariar preliminarmente os conteuacutedos

dessa trajetoacuteria que Marx assimila por via criacutetica Chasin indica alguns deles

sem pretensatildeo alguma de esgotaacute-los

1) Do Renascimento - a infinitude do universo e o espiacuterito da

concepccedilatildeo do homem como o uacutenico ser aberto - existente e conhecido capaz

na potecircncia de seus atributos de conhecer e configurar a si e a seu mundo

ambos entendidos e tomados em sua naturalidade objetividade e o primeiro na

infinitude de sua essecircncia ativa

2) Do materialismo francecircs e inglecircs e do Iluminismo - a ruptura com a

conduta especulativa metafiacutesica e com o espiacuterito de sistema em filosofia que eacute

concebido como freio e obstaacuteculo agrave razatildeo Por meio dessa desobstruccedilatildeo o

iluminismo pode universalizar a filosofia como meio de toda verdade - natural e

espiritual - e ela passa a se voltar agraves tarefas praacuteticas donde a possibilidade e o

escopo de estabelecer a vida humana de modo racional Em outros termos

reconhece no pensamento o poder e o papel de organizar a vida o pensamento

deve ter papel analiacutetico mas tambeacutem fazer nascer a ordem cuja necessidade

ela concebeu[vii] Em contrapartida os limites do pensamento iluminista satildeo

sinteticamente os seguintes acentuaccedilatildeo unilateralizante da racionalidade

herdada do renascimento e distorcida pelo racionalismo do seacuteculo XVIII Aleacutem

disso tem-se o naturalismo vale dizer a ontologia do social demasiadamente

colada agrave ontologia da natureza embora natildeo se possa deixar de reconhecer que

frente ao abstracionismo metafiacutesico trata-se de um meacuterito pretender uma

ontologia ligada agrave natureza que em verdade eacute idealizada Talvez o melhor

exemplo dessa tradiccedilatildeo seja justamente Feuerbach

3) Do criticismo - a impossibilidade de uma ontologia como saber do

em si ou seja do ente enquanto ente pela via do absolutismo racional

10

dedutivista Em Kant em verdade tem-se a impossibilidade de uma ontologia

em Marx ao reveacutes tem-se apenas tal recusa agrave especulaccedilatildeo mas natildeo a

impossibilidade de conhecer o ente enquanto ente vale dizer Marx aceita o

espiacuterito da criacutetica kantiana ao conhecimento absoluto mas natildeo sua resultante

sistemaacutetica a sua vedaccedilatildeo ao conhecimento das coisas enquanto tais

4) Do hegelianismo - a concepccedilatildeo histoacuterica do ser portanto de sua

contrariedade bem como a natureza aproximativa do processo de

conhecimento ao mesmo tempo em que recusa o invoacutelucro miacutestico do

pensamento hegeliano - a dialeacutetica autocircnoma da razatildeo como demiurgo do real

ou da efetividade sensiacutevel ou seja refuta decidamente seu caraacuteter

especulativo

5) Do neohegelianismo - a problemaacutetica do homem e muito

especificamente duas contribuiccedilotildees de Feuerbach a criacutetica agrave especulaccedilatildeo e os

lineamentos mais gerais do ser soacute enquanto ser sensiacutevel ou objetivo (dimensotildees

de uma ontologia geral em seu niacutevel mais abstrato) Mas ao lado desse

aspecto positivo do pensamento feuerbachiano natildeo eacute possiacutevel deixar de

assinalar a objeccedilatildeo fundamental dirigida a ele por Marx sua concepccedilatildeo

naturalista do homem vale dizer sua incapacidade de o determinar como ser

social Assim em Feuerbach o homem eacute sensiacutevel objetivonatural e natildeo

objetivo-social - a grande descoberta marxiana

Grande descoberta que eacute mais amplamente avaliada quando se

considera o conjunto das linhas manifestas pelos principais representantes do

neohegelianismo B Bauer formulador de uma concepccedilatildeo do homem como

auto-consciecircncia racional M Stirner com a elevaccedilatildeo do egoiacutesmo agrave condiccedilatildeo de

essecircncia humana Feuerbach com a concepccedilatildeo naturalista do homem centrada

no amor Nesse cenaacuterio somente Marx comparece com a descoberta da

sociabilidade como substacircncia constitutiva do homem - e natildeo meramente uma

essecircncia imutaacutevel mas histoacuterica e contraditoacuteria produzida e reproduzida pela

proacutepria atividade sensiacutevel dos homens

11

De sorte que do ente enquanto ente aristoteacutelico determinado por sua

forma substancial eterna ao ser social marxiano compreendido em suas

mudanccedilas categoriais - eacute do que consiste a histoacuteria - se vai de uma filosofia

primeira que terminou por sua resoluccedilatildeo originaacuteria na forma de um saber

absoluto a um saber histoacuterico de base que se desenvolve pela infinitude de

aproximaccedilotildees empreendidas em direccedilatildeo ao absoluto entendido pura e

simplesmente como completude ou totalidade que praticamente nunca se

realiza porque desnecessaacuterio para o saber ao qual bastam completudes mais

modestas e ainda mais como saber para a praacutetica

De modo que a filosofia primeira de configuraccedilatildeo marxiana eacute antes de

tudo a afirmaccedilatildeo da objetividade do mundo e a possibilidade ser conhecido

possibilidade que eacute soacutecio-historicamente determinada exercendo a funccedilatildeo de

base e guia para a ciecircncia da histoacuteria especificamente como ontologia regional

do ser social e que nutre das ciecircncias e a elas responde tanto quanto elas

mesmas tem de responder aos lineamentos ontoloacutegicos pelos quais se guiam

mas aos quais natildeo tomam como coaacutegulos de saber imutaacutevel De sorte que

ontologia e ciecircncia se potencializam e se criticam reciacuteproca e

permanentemente

Tambeacutem de acordo com Chasin por essas razotildees a ontologia

marxiana natildeo eacute uma resoluccedilatildeo de caraacuteter absoluto nos moldes do sistema

convencional mas a condiccedilatildeo de possibilidade de resoluccedilatildeo do saber Eacute em

outras palavras um estatuto movente e movido de cientificidade orienta e eacute

orientado pela ciecircncia e pela praacutetica universal dos homens Orienta e eacute

orientada guia e eacute guiada corrige e eacute corrigida Ou seja natildeo eacute um absoluto

inquestionaacutevel uma certeza estabelecida por deduccedilatildeo a partir de axiomas de

uma vez para sempre Mesmo porque a certeza cognitiva natildeo pode estar no

ponto de partida mas compreendida como alvo de uma busca permanente

procura intensiva e extensiva cuja infinitude eacute posta a cada momento entre

parecircnteses no qual o grau de certeza alcanccedilado eacute assumido como realizaccedilatildeo

maacutexima tendo por limites as possibilidades do tempo ou cenaacuterio histoacuterico grau

12

a ser confirmado ou ampliado ou ao inveacutes restringido na parte ou descartado

no todo posteriormente com todas as suas implicaccedilotildees correlatas

Em suma quando se utiliza a expressatildeo posiccedilatildeo ontoloacutegica e natildeo

perspectiva oacutetica prisma ou ponto de vista pretende-se remeter a lugar e agraves

coisas ou seja o reconhecimento do mundo como multiverso de entes reais

objetivos e que por isso mesmo faceiam o observador praacutetico ou teoacuterico natildeo

dependendo deste para existir em face do qual satildeo independentes Eacute

finalmente o reconhecimento da prioridade das coisas nas relaccedilotildees cognitivas

sem desconhecer eacute claro o caraacuteter ativo do investigador

Quando Chasin procura enfatizar o reconhecimento noccedilatildeo

imediatamente conexa a de posiccedilatildeo ontoloacutegica eacute por que aquela tem a

vantagem de colocar em primeiro lugar o caraacuteter natildeo puramente teoacuterico

contemplativo mas sobretudo praacutetico[viii] da aproximaccedilatildeo ao ente aleacutem da

natureza da operaccedilatildeo mental que designa - constataccedilatildeo ou recogniccedilatildeo vale

dizer a admissatildeo de algo a respeito do qual o discurso se pronuncia como forma

imediata de representaccedilatildeo

Relevar o caraacuteter praacutetico de aproximaccedilatildeo ao ente ou em outras

palavras partir ou dar prioridade agrave praacutetica significa por seu turno partir do

caraacuteter essencial do ser do homem por sua exteriorizaccedilatildeo operativa no mundo

que confirma sua forma de vida ou modo de existecircncia Quer dizer eacute um ponto

de partida desde logo sob criteacuterio ontoloacutegico ou seja que considera a

efetividade ocircntica do homem e do mundo de tal sorte que ambos satildeo

reconhecidos enquanto atividade sensiacutevel Caminho que tem o meacuterito de evitar

as vias reflexas[ix] como tambeacutem os engenhos e supostos dos encantamentos

especulativos como cogito sujeito transcendental ou os arqueacutetipos

generalizando uma expressatildeo marxiana os misticismos loacutegicos que nunca

deixam de mostrar sua condiccedilatildeo de artifiacutecios por mais rigorosos e envolventes

que sejam tanto que podem sempre ser contestados de algum modo ao passo

que os indiviacuteduos vivos e ativos os pressupostos dos quais Marx parte em A

13

Ideologia Alematilde natildeo podem nunca ser recusados a natildeo ser na fantasia e sob

pena de cancelar todo e qualquer andamento reflexivo

Em suma reconhecimento ontopraacutetico significa pois tomar como

ponto de partida a praacutetica - desde a praacutetica cotidiana agrave praacutetica cientiacutefica de ponta

- de um tempo dado

O plano ontopraacutetico jaacute bem delineado no texto de 1995 ganha nos

anos seguintes sucessivas correccedilotildees por parte do autor a ponto de se tornar o

eixo a partir do qual Chasin faz a criacutetica das Teorias da Fundamentaccedilatildeo ou

como ele as denomina ironicamente A Querela da Fundamentaccedilatildeo

A esse respeito costumava ele indagar O que eacute um fundamento Uma

Teoria da Subjetividade ou Uma Teoria da Objetividade

Se o fundamento for considerado a partir de uma teoria da

subjetividade por onde comeccedilar Pelo aparato sensorial como no empirismo

Ou pela consciecircncia ou coisa que o valha como o cogito cartesiano a

autoconsciecircncia a razatildeo ou as formas a priori do entendimento Ou ainda uma

teoria da mente

Ainda no plano do fundamento subjetivo poder-se-ia partir da

experiecircncia da vivecircncia do vivido Neste caso o vivido seria o preacute-teoreacutetico

mas enquanto experiecircncia existencial isto eacute as vivecircncias do indiviacuteduo isolado

em experiecircncia aleatoacuteria fortuita acidental

Mas se o fundamento for uma Teoria da Objetividade por onde

comeccedilar Pelos fenocircmenos empiacutericos Mas nesse caso natildeo terminariacuteamos

apenas no fundamento psicoloacutegico isto eacute teriacuteamos o psicologismo como

fundamento da verdade

14

E se partiacutessemos do todo concreto Natildeo findariacuteamos numa visatildeo

caoacutetica e abstrata de conjuntos indeterminados desamparados na companhia

de um punhado de abstraccedilotildees razoaacuteveis e irrazoaacuteveis

Feitas tais indagaccedilotildees Chasin conclui de modo enfaacutetico Toda peticcedilatildeo

de fundamento todo discurso por um fundamento estaacute encerrado na esfera

teoacuterica Aleacutem do mais todo discurso de fundamentaccedilatildeo pretende e implica uma

certeza ou seja de um modo ou de outro a suposiccedilatildeo de um saber absoluto

ainda que um simples momento do saber absoluto Vale dizer o discurso da

fundamentaccedilatildeo desemboca de algum modo na razatildeo especulativa Em outras

palavras implica algo que transcende a proacutepria natureza do saber que eacute um

processo infinito de aproximaccedilotildees

Para Chasin o reconhecimento do ontopraacutetico tem a vantagem de

escapar agrave querela da fundamentaccedilatildeo na medida em que parte da experiecircncia

real melhor dizendo da praacutetica real natildeo de uma experiecircncia isolada

arbitrariamente natildeo da experiecircncia aleatoacuteria da suposta existecircncia existencial

dos indiviacuteduos isolados dos indiviacuteduos em derreliccedilatildeo

O universo ontopraacutetico eacute o necessariamente vivido para que qualquer

pergunta possa se dar Eacute portanto a esfera preacute-teoreacutetica esfera que antecede

qualquer teoria Esfera sem a qual natildeo haacute vida humana e portanto sem a qual

natildeo pode haver qualquer pergunta teoacuterica

A reflexatildeo que tem como ponto de partida o ontopraacutetico estabelece

assim um pressuposto concreto (e natildeo uma verdade ideada) do qual natildeo posso

me afastar a natildeo ser na imaginaccedilatildeo

Em siacutentese a esfera ontopraacutetica representa o complexos dos homens

vivos e ativos A partir dessa abstraccedilatildeo razoaacutevel - o ontopraacutetico - pode-se

encontrar jaacute numa analiacutetica de desentranhamento desse complexo real o

devido lugar da ontologia da epistemologia e da ciecircncia da histoacuteria que

compreende dois grandes ramos natureza e sociedade

15

Em outras palavras sem a consideraccedilatildeo do ontopraacutetico torna-se

aleatoacuteria a localizaccedilatildeo que se confere tanto ao ontoloacutegico quanto ao epistecircmico

A opccedilatildeo por um deles se torna uma arbitrariedade teoacuterica e eacute justamente isto

que gera a querela da fundamentaccedilatildeo pois a decisatildeo fica submersa ao plano

teoacuterico ao jogo dos argumentos agrave ambivalecircncia do logos que eacute irresolutivo

Sem a consideraccedilatildeo do ontopraacutetico parte-se assim de imediato da

teoria e natildeo do ser que faz da teoria ou deste como uma abstraccedilatildeo da

inteligibilidade ou seja de uma faculdade abstraiacuteda do ser que a possui

gerando com isso um absurdo ontoloacutegico

Eacute portanto a partir da analiacutetica do ontopraacutetico pelo reconhecimento de

seus traccedilos categoriais que tem iniacutecio a elaboraccedilatildeo ontoloacutegica Ou seja a

ontologia nasce como reflexatildeo conscientizaccedilatildeo conceituaccedilatildeo do ontopraacutetico

enquanto primeiro objeto da ontologia que a partir daiacute se encaminha em

direccedilatildeo agrave criacutetica - em termos de sua necessidade e loacutegica especiacutefica - do proacuteprio

ontopraacutetico isto eacute do complexo dos objetos reais aiacute incluiacutedo o homem

Resta ainda em relaccedilatildeo agrave problemaacutetica geral em tela aflorar a questatildeo

da adequatio tal como era tematizada tambeacutem em seus cursos

Polemizando com a denominaccedilatildeo de realismo comumente utilizada

para denominar proposituras que conferem prioridade ao mundo objetual

Chasin afirmava que haacute realismo - antigo - quando eacute suposto que a ordem da

razatildeo agrave idecircntica a ordem do real e que a partir de axiomas por meios racionais-

dedutivos embuiacutedos do espiacuterito de sistema se possa estabelecer a verdade do

mundo

Em Marx entretanto a ordem das coisas e da razatildeo satildeo distintas (um

exemplo expressivo desta postura marxiana pode ser encontrada na famosa

Introduccedilatildeo de 57) ambas mutaacuteveis e processuais - unidade da desidentidade

entre ser e saber Assim o mundo natildeo pode ser deduzido racionalmente mas

reproduzido sob forma de ideacuteia por meio de aproximaccedilotildees - empiacuterico abstrato

16

concreto - num processo intensivo e extensivo historicamente condicionado

possibilitado ou impedido - na dependecircncia que fica da maturaccedilatildeo do objeto e

do posicionamento do sujeito O processo mimeacutetico eacute portanto reproduccedilatildeo

conceitual de efetividades donde se lida com duas ordens de formaccedilotildees real e

ideal A reproduccedilatildeo conceitual apresenta portanto sua proacutepria loacutegica mas no

interior da determinaccedilatildeo soacutecio-histoacuterica do pensamento de modo que uma

teoria do conhecimento (morfologia e dinacircmica da subjetividade in abstratu e

imutaacutevel) eacute incapaz de explicar o processo cognitivo pois a faculdade humana

da forccedila da abstraccedilatildeo depende das possibilidades oferecidas pela

determinaccedilatildeo social do pensamento que por sua vez se manifesta e se

configura pelo desenvolvimento dos objetos e da praacutetica humana que sobre eles

tem incidecircncia

Donde a franca afirmaccedilatildeo marxiana da possibilidade de conhecer natildeo

se confunde com a simplicidade e facilidade da concepccedilatildeo realista nem mesmo

no plano da ingenuidade cotidiana desde logo porque a atividade cotidiana -

que estaacute para aleacutem da ingenuidade ou lanccedila os sujeitos para aleacutem da

ingenuidade - eacute em si um complexo rico e desafiador matrizador inclusive da

intentio recta atitude natural e necessaacuteria da esfera ontopraacutetica

Haacute portanto que distinguir as grandes diferenccedilas ontoloacutegicas entre o

estatuto marxiano e a ontologia realista Na primeira a adequatio digamos

assim eacute correlaccedilatildeo entre formaccedilatildeo real e formaccedilatildeo ideal duas ordens distintas

de configuraccedilatildeo Em outras palavras eacute correlaccedilatildeo conceitual entre entificaccedilatildeo

concreta e reproduccedilatildeo conceitual Em suma a reproduccedilatildeo conceitual nada mais

eacute do que transposiccedilatildeo agrave cabeccedila ordenada pelos nexos do real na forma e pelos

meios da proacutepria atividade mental

I - Tomando Marx por Base e por Ponto de Chegada

17

Considerando como ponto de referecircncia as consideraccedilotildees

desenvolvidas por Marx em O Capital especificamente sobre a dificuldade

encontrada pela humanidade na compreensatildeo do valor ao longo de dois

milecircnios - de Aristoacuteteles a Ricardo - pode-se sustentar segundo Chasin que

um fenocircmeno muito similar a este se produziu no que tange agrave determinaccedilatildeo do

ser ou seja da(s) matriz(es) da(s) realidade(s) ou seja da efetividade

Tomemos as passagens em questatildeo que se encontram no Prefaacutecio agrave

Primeira Ediccedilatildeo de O Capital Todo comeccedilo eacute difiacutecil isso vale para qualquer

ciecircncia A forma do valor cuja figura acabada eacute a forma do dinheiro eacute muito

simples e vazia de conteuacutedo Mesmo assim o espiacuterito humano tem procurado

desvendaacute-la (ergruumlden) em vatildeo haacute mais de 2000 anos enquanto por outro lado

teve ecircxito ao menos aproximado a anaacutelise de formas muito mais complicadas e

replenas de conteuacutedo Por quecirc Porque o corpo desenvolvido eacute mais faacutecil de

estudar do que a ceacutelula do corpo Aleacutem disso na anaacutelise das formas econocircmicas

natildeo podem servir nem o microscoacutepio nem reagentes quiacutemicos A forccedila da

abstraccedilatildeo deve substituir a ambos Para o leigo a anaacutelise parece se perder

em pedantismo Trata-se efetivamente de pedantismo mas daquele de que se

ocupa a anatomia microscoacutepica

De acordo com Chasin eacute necessaacuterio reter os seguintes noacutedulos

significativos da citaccedilatildeo acima

1) todo iniacutecio de uma ciecircncia eacute difiacutecil donde o princiacutepio da ontologia o

princiacutepio da ciecircncia deve ser o mais difiacutecil de todos

2) haacute grande dificuldade na compreensatildeo da forma do valor que eacute um

objeto simples e vazio de conteuacutedo

3) haacute ecircxito maior na anaacutelise de formas mais complicadas e replenas de

conteuacutedo

18

Na mesma citaccedilatildeo Marx enuncia os motivos de tal dificuldade

1) o corpo desenvolvido eacute mais faacutecil de estudar do que a ceacutelula do

corpo

2) meacutetodos experimentais natildeo satildeo aplicaacuteveis a esse tipo de forma

3) a analiacutetica dessa forma pela forccedila da abstraccedilatildeo deve tomar o lugar

da observaccedilatildeo empiacuterica e experimental

4) anaacutelise voltada agrave anatomia microscoacutepica da forma estudada

A partir dessas indicaccedilotildees colhidas no texto de Marx Chasin elabora

um esboccedilo para fins unicamente didaacuteticos em que busca transpassaacute-las para a

proacutepria questatildeo ontoloacutegica afirmando o que se segue

1) o iniacutecio difiacutecil da ontologia perdurou tambeacutem por mais de 2000

anos trajetoacuteria em que se observa tateios imprecisos caracterizados por um

movimento simultacircneo de constituiccedilatildeodissoluccedilatildeo ateacute chegar em Marx Tal

movimento simultacircneo de constituiccedilatildeodissoluccedilatildeo revela por seu rumo

imanentemente contraditoacuterio por seus caminhos e descaminhos histoacutericos a

dificuldade e a longa incapacidade na formulaccedilatildeo precisa de seu objeto e

alcance ou seja de sua natureza e propoacutesito - de sua funccedilatildeo orientadora e

sustentadora no plano teoacuterico e de sua origem praacutetica preacute-teoreacutetica

2) reconhecimento ontopraacutetico das formas dos seres e analiacutetica da

forma do ser apenas por meio da forccedila da abstraccedilatildeo no reconhecimento

ontopraacutetico os seres satildeo reconhecidos como substantivos e nesse caso ateacute

certo ponto vale para a observaccedilatildeo espontacircnea e observaccedilatildeo comum pois o

desvendamento completo exige forccedila de abstraccedilatildeo como verbo ( o ato de ser

de Gilson) soacute a forccedila da abstraccedilatildeo daiacute a facilidade para se cair no

abstrativismo

19

Eacute nesse preciso momento da exposiccedilatildeo chasiniana que surgem as

primeiras referecircncias a Eacute Gilson assim como a N Hartmann momentos mais agrave

frente Evidentemente que esse procedimento natildeo ocorre por acaso pois o que

estaacute em questatildeo agora satildeo as tentativas contemporacircneas de resgate da

tematizaccedilatildeo ontoloacutegica

Eacute Gilson afirma que o mais fundamental dos problemas da filosofia - a

relaccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia que por seu turno diz respeito agrave distinccedilatildeo

de ser como nome isto eacute como substantivo em latim ens (ente) e como verbo

esse Eacute sabido que o esse tomista eacute concebido como ato de ser - actus essendi -

significando portanto existecircncia ato de existir ato de ser

Chasin comenta a ambiguumlidade da noccedilatildeo de ser para qual Gilson

chama atenccedilatildeo afirmando o que se segue

1) Ens eacute um nome que significa um ser (determinado) ou seja a

natureza e a essecircncia de qualquer existente ou entatildeo - o ser mesmo - uma

propriedade comum a tudo aquilo que se pode dizer que eacute (que pertence a)

Em suma enquanto nome ou substantivo ser designa um existente

qualquer ou uma propriedade comum a todos os existentes designa o que

verdadeiramente eacute ou uma propriedade geral eacute um ente ou uma entidade

2) Enquanto verbo ser designa a accedilatildeo ou o ato de ser exercido pelo

ente Assim como verbo natildeo significa que algo eacute nem a existecircncia em geral

mas o ato mesmo pelo qual qualquer realidade dada eacute de fato ou existe

Precisamente a este ato Gilson chama de ser em contraposiccedilatildeo a ente

De todo modo feita a distinccedilatildeo Chasin considera existir um seacuterio

problema ao tomar em separado ens e esse indagando eacute possiacutevel pensar em

duas figuras no isolamento Seraacute que essa configuraccedilatildeo eacute de fato o mais

fundamental dos problemas ou eacute o mais antigo o mais remoto e o mais cultuado

dos equiacutevocos da histoacuteria da filosofia

20

De um lado a compreensatildeo da forma de ser enquanto verbo como

pura significaccedilatildeo verbal de existir de estar presente enquanto significaccedilatildeo de

ato ou presenccedila o verbo eacute forma simples e vazia de conteuacutedo pois reduzida ao

predicado mais geral e comum das coisas denota apenas sua existecircncia De

outro lado ocorre o mesmo problema com o substantivo ser - ens - pois redunda

em essecircncia imutaacutevel Em outras palavras na histoacuteria da filosofia nesses dois

caminhos houve de longa data polecircmica sobre o que existe em que plano se daacute

a existecircncia e assim por diante No caso do ser como verbo o ser eacute muito

parcamente categorial reduzido agrave presenccedila no tempo e no espaccedilo soacute possui o

predicado abstrato da existecircncia no caso do substantivo tomado sem o ato de

existir se converte em complexo de propriedades ou entidades perenes

A resoluccedilatildeo para tal questatildeo reside segundo Chasin em tomar o ser

enquanto complexo categorial daquilo que eacute como ente que existe Nesse

sentido o desvendamento tem ecircxito maior como mostra a ciecircncia que toma

para anaacutelise formas mais complicadas e replenas de conteuacutedo vale dizer uma

vez que tem por alvo o ser por sua efetividade e determinado por suas

qualidades natildeo apenas pelo reconhecimento de sua presenccedila mas pelo seu

complexo categorial

Ora arremata Chasin a forma sensiacutevel do ente compreende o ens e o

esse ou seja a plena riqueza do complexo categorial

- Loacutegica e Ciecircncia

Neste item Chasin defende a tese de que na medida em que

pretendeu e pretenda ser uma disciplina ou ciecircncia de chegada isto eacute

21

conclusiva autocircnoma e sistemaacutetica a ontologia acaba por ser transmutada em

loacutegica ou ciecircncia

Talvez possa ser dito que nas ontologias onde predomine

unilateralmente o ser como verbo ou o ente como essecircncia terminem por ser

uma loacutegica que de alguma forma acaba por ter a pretensatildeo de constituir o ser

a loacutegica eacute entatildeo o segredo uacuteltimo do ser ou sua base cognitiva e por essa via

sua base ontoloacutegica - que assim nega a ontologia ou seja o reconhecimento do

ser por si

De outra parte predominando o ser como substantivo o fim da

ontologia acaba por ser uma forma de ciecircncia ou seja a ontologia eacute novamente

negada como ocorreu com a ciecircncia moderna donde sua pretendida auto-

suficiecircncia que apenas admite por fundamento uma forma qualquer de

gnosiologia isto eacute uma forma a priori da operatividade subjetiva

desaparecendo assim a regecircncia do objeto o que ao contraacuterio caracteriza o

espiacuterito e o propoacutesito ontoloacutegicos ou seja o reconhecimento do ente enquanto

ente o oacuten qua oacuten ou ser por si

Em suma a ontologia quando centrada no ser como verbo rarefeita

pelo vazio de sua forma termina por ser loacutegica por outro lado quando centrada

no ser como substantivo agraves voltas com gecircneros formados por complexos

qualitativos termina por se constituir em ciecircncia particular e autocircnoma Assim

ao pretender ser tudo concludente sistemaacutetica e independente por sua forma

mais vazia ou por suas categorias abstratas e perenes a ontologia acaba por

ser negada pela loacutegica ou pela ciecircncia Pretendendo ser tudo acaba por

desaparecer

Ora ao tomar o ser como verbo a ontologia tem de compreender que

natildeo pode ser mais do que a anatomia de uma propriedade do ser - de sua

propriedade mais geral e vazia - a propriedade de sua presenccedila enquanto corpo

real ausente ou presenccedila de um complexo categorial abstraiacutedo O ser aqui eacute

22

reduzido agrave forma mais vazia a simples propriedade de um todo que escapa

completamente agrave sua jurisdiccedilatildeo Donde seu desenlace em loacutegica

De outra parte quando o ser eacute tomado em sua denotaccedilatildeo substantiva

ou seja na multiplicidade de suas propriedades qualitativas em interconexatildeo

especiacutefica transborda em ciecircncia na medida em que a ontologia pretenda a

condiccedilatildeo de disciplina ou ciecircncia sistemaacutetica

Donde a impossibilidade de a ontologia ficar adstrita agrave forma do verbo

nem se realizar como dilucidaccedilatildeo concreta do substantivo Assim deve-se

reconhecer que a ontologia natildeo pode se realizar em nenhum desses dois poacutelos

nem simples tematizaccedilatildeo do ato geneacuterico da presenccedila - que redundaria em

simples compoacutesito tautoloacutegico nem tematizaccedilatildeo do ser substantivo concreto

pois aiacute se desnaturaria em ciecircncia especiacutefica

Conclusivamente a ontologia nem eacute simples tautologia do ser em ato

nem efetivaccedilatildeo cientiacutefico-concreta do desvendamento do ser como substantivo

Enquanto tal a ontologia eacute uma realizaccedilatildeo necessaacuteria no espaccedilo que antecede

aqueles dois poacutelos em verdade a plataforma que leva da constataccedilatildeo mais

abstrata do ser (tanto como substantivo quanto verbo) agrave sua reproduccedilatildeo

cientiacutefica como substantivo Enquanto tal eacute um estatuto - uma filosofia primeira

o cacircnon da legalidade do ser matrizado pelos traccedilos ou vetores categoriais

fundamentais do ser por si que matriza a cientificidade tanto em sua forma mais

abstrata - loacutegica - quanto em sua forma mais concreta - ciecircncia

O problema fundamental da filosofia primeira - philosophia prima - eacute o

problema das categorias mais gerais do ser aiacute incluso o ato de ser donde em

sua plenitude o ato sensiacutevel de ser - ens e esse o ens essendi complexo

categorial pleno no ato de existir

Essa plataforma estatutaacuteria natildeo eacute uma disciplina situada entre outras

disciplinas entre a loacutegica e a ciecircncia como um campo intermediaacuterio entre o

verbo e o substantivo entre a maacutexima abstratividade e a efetividade concreta

23

Essa distribuiccedilatildeo topograacutefica confere agrave abstraccedilatildeo a condiccedilatildeo de fundaccedilatildeo

(determinaccedilatildeo originaacuteriaontoloacutegica) e fundamento (ponto de partida

epistemoloacutegico) Se assim fosse perderia a condiccedilatildeo de filosofia primeira

Enquanto filosofia primeira eacute o reconhecimento do substantivo verbal

do substantivo que eacute do ens essendi natildeo de uma substantividade qualquer em

abstrato mas da substantividade que existe por todas as modalidades

categoriais isto eacute reais (sensiacuteveis) natildeo apenas um substantivo pensado que

dependeria para ser do pensamento mas do substantivo que eacute por-si

independentemente se ser pensado o que requer o complexo categorial

da sensibilidade por isso eacute que soacute eacute ser o ser sensiacutevel Vale dizer o ser como

verbo eacute resultado do ser substantivo soacute um sujeito (em suas diversas formas na

cadeia do ser) eacute (soacute um sujeito existe eacute faz sente pensa etc de acordo com

seu grau na cadeia do ser)

A ontologia do puro verbo ser ou das puras essecircncias (complexo

categorial abstrativante e eterno) eacute a autonomizaccedilatildeo das categorias ou da

existecircncia em relaccedilatildeo ao ser e existir reais agraves formas reais de ser e existir satildeo

as categorias e a existecircncia sem corpo ou sujeito mais do que isso satildeo as

categorias (essecircncia) e existecircncia em geral universal e abstrata tornadas

sujeito a essecircncia ou a existecircncia abstratas personificadas - e isso satildeo

puramente figuras do pensamento o que jaacute eacute especulaccedilatildeo natildeo ontologia

Marx agrave semelhanccedila de Feuerbach soacute admite como ente ou melhor

como entificaccedilatildeo o ens essendi - o ente sendo o ente no ato de ser o ente

revestido de existecircncia atual - objetivo o ente no exerciacutecio da accedilatildeo ou ato de

ser eacute portanto um ente existente ou seja o ente que estaacute sendo o ente no ato

de existir

Donde do mesmo modo que em Feuerbach o ser eacute inseparaacutevel de sua

existecircncia Ser e existir constituem uma unidade indissoluacutevel complexo

24

categorial no ato de ser pela atualizaccedilatildeo do complexo categorial essecircncia

determinada e mutaacutevel na mutabilidade de ser e ir sendo (essendi)

Eacute chegada a hora depois desta etapa analiacutetica de vislumbrar qual eacute o

cenaacuterio em Marx que esse conjunto de questotildees se coloca Com esse objetivo e

como eacute tiacutepico de seu procedimento investigativo junto aos textos daquele autor

Chasin toma para anaacutelise o item 1 O Processo de Trabalho do capiacutetulo V de O

Capital Nele pode-se identificar em primeiro lugar a natureza geral (universal)

da atualizaccedilatildeo da forccedila de trabalho que se encontra em potecircncia nos indiviacuteduos

A produccedilatildeo de valores de uso ou bens natildeo muda sua natureza geral por se

realizar para o capitalista e sob seu controle Por isso o processo de trabalho

deve ser considerado de iniacutecio independentemente de qualquer forma social

determinada[x]

Por que o processo de trabalho deve ser considerado de iniacutecio

independentemente de qualquer forma social determinada indaga Chasin A

resposta eacute formulada em estilo direto Para natildeo ser perdida a natureza do

trabalho sua positividade enquanto atividade humana vital

Tem-se nessa passagem segundo Chasin um exemplo do exerciacutecio

de uma ontologia estatutaacuteria - a positividade (sua efetividade ou operosidade)

universal do trabalho enquanto atributo vital e inalienaacutevel do homem

independentemente de suas formas concretas que se apresentam na forma do

trabalho alienado

Eacute a determinaccedilatildeo universal do trabalho o traccedilo de sua legalidade

uacuteltima sua determinaccedilatildeo mais geral e essencial dimensatildeo que natildeo desaparece

nem mesmo sob suas formas concretas mais negativas

A ontologia estatutaacuteria registra o traccedilo ou rastro dessa dimensatildeo

permanente que atravessa as formas concretas em sua efetividade contraditoacuteria

e especialmente desfavoraacutevel para o homem enquanto maioria subjugada ao

longo de toda a preacute-histoacuteria da humanidade

25

Permanente mas permanente processual mutaacutevel diversamente

positivo quantitativa e qualitativamente em cada uma das formas concretas em

que o trabalho aparece nas configuraccedilotildees sociais determinadas

Nesse sentido abstratamente permanente abstratamente positivo mas

onde essa abstratividade natildeo corresponde a uma simples determinaccedilatildeo

conceitual Corresponde a uma efetividade em sua figura proacutepria em cada forma

social determinada

Agrave ontologia estatutaacuteria compete o reconhecimento dessa dimensatildeo mais

geral base para a decifraccedilatildeo cientiacutefica concreta dos casos efetivos que por sua

vez confirmam ou natildeo criticamente a determinaccedilatildeo mais geral ontoloacutegica Natildeo

haacute portanto um abismo separando ontologia de ciecircncia mas a continuidade de

momentos distintos de uma mesma unidade de conhecimento que interagem e

se medem reciprocamente se apoacuteiam estimulam e criticam um infinito processo

constitutivo das certezas

Continuando a anaacutelise do texto marxiano tem-se a descriccedilatildeo do

trabalho e o reconhecimento analiacutetico de sua natureza Antes de tudo [aqui

Chasin faz uma pequena observaccedilatildeo assinalando ou seja na raiz em seu

fundamento diria uma linguagem mais convencional e ciosa de suas

pretendidas atribuiccedilotildees] o trabalho eacute um processo entre o homem e a

natureza um processo em que o homem por sua proacutepria accedilatildeo medeia regula

controla seu metabolismo com a natureza Ele mesmo se defronta com a

mateacuteria natural Ele potildee em movimento as forccedilas naturais pertencentes agrave sua

corporalidade braccedilos e pernas cabeccedila e matildeo a fim de se apropriar da mateacuteria

natural numa forma uacutetil para a sua proacutepria vida Ao atuar por meio desse

movimento sobre a natureza externa a ele e ao modificaacute-la ele modifica ao

mesmo tempo sua proacutepria natureza Ele desenvolve as potecircncias nela

adormecidas e sujeita o jogo de suas forccedilas a seu proacuteprio domiacutenio[xi]

26

Observe-se que diz Chasin ao trabalhar ao mudar a forma da

natureza ao construir sua proacutepria mundaneidade o homem ele proacuteprio por

meio de seu proacuteprio trabalho transforma a sua proacutepria natureza Ou seja de ser

natural para social eis um novo exemplo de lineamento reconhecido e recolhido

agrave ontologia estatutaacuteria

Prosseguindo na especificaccedilatildeo Marx afirmaPressupomos o trabalho

numa forma que pertence exclusivamente ao homem Uma aranha executa

operaccedilotildees semelhantes agraves do tecelatildeo e a abelha envergonha mais de um

arquiteto humano com a construccedilatildeo dos favos de suas colmeacuteias Mas o que

distingue de antematildeo o pior arquiteto da melhor abelha eacute que ele construiu o

favo em sua cabeccedila antes de construiacute-lo em cera No fim do processo de

trabalho obteacutem-se um resultado que jaacute no iniacutecio deste existiu na imaginaccedilatildeo do

trabalhador e portanto idealmente Ele natildeo apenas efetua uma transformaccedilatildeo

da forma da mateacuteria natural realiza ao mesmo tempo na mateacuteria natural seu

objetivo que ele sabe que determina como lei a espeacutecie e o modo de sua

atividade e ao qual tem de subordina sua vontade E essa subordinaccedilatildeo natildeo eacute

um ato isolado Aleacutem do esforccedilo dos oacutergatildeos que trabalham eacute exigida a vontade

orientada a um fim que se manifesta como atenccedilatildeo durante todo o tempo de

trabalho e isso tanto mais quanto menos esse trabalho pelo proacuteprio conteuacutedo e

pela espeacutecie modo de sua execuccedilatildeo atrai o trabalhador portanto quanto

menos ele o aproveita como jogo de suas proacuteprias forccedilas fiacutesicas e espirituais[xii]

Chasin chama atenccedilatildeo para as seguintes observaccedilotildees

1) a preacutevia-ideaccedilatildeo do resultado (do fim) a existecircncia ideal do mesmo

na imaginaccedilatildeo donde o objeto ou um complexo categorial in mente e ante

res[xiii]

Preacutevia-ideaccedilatildeo e teleologia satildeo ou podem ser momentos confluentes

mas natildeo satildeo idecircnticos a preacutevia-ideaccedilatildeo estaacute no comeccedilo e eacute um desenho ideal

que implica o conhecimento da espeacutecie e do modo da atividade a realizar

27

conhecimento das malhas causais teleologia eacute simplesmente finalidade fim

objetivo podendo se apresentar de modo meramente volitivo e bem abstrato

natildeo mobilizante dos ou sem os meios de sua realizaccedilatildeo ou seja ter teleologia

sem preacutevia-ideaccedilatildeo natildeo conduz a nenhum processo de trabalho Quero assinar

que o termo teleologia pode ser demasiado vago no sentido de mero conceito

filosoacutefico convencional nesse sentido apenas alusivo e natildeo instrumentador de

operaccedilotildees na esfera da atividade sensiacutevel Pode ser entendido mais como

manifestaccedilatildeo de espiacuterito do que como exigecircncia de efetuaccedilatildeo de mudanccedila de

forma da mateacuteria natural e objetivaccedilatildeo de propoacutesito E de toda forma indica

antes de tudo que o fim o realizado estaacute no fim do processo fala do obtido ou

do a ser obtido nada nos diz da travessia que realiza da travessia que passa do

ideal para o real natildeo nos fala da mobilizaccedilatildeo ideal e material necessaacuterias

Quando a teleologia se manifesta como resultado jaacute natildeo eacute preciso dizer mais

nada a respeito Basta saudar e usufruir de sua apariccedilatildeo que nada tem de

maacutegica ou misteriosa mas antes de reconhececirc-la como produto das

metamorfoses de subjetividade e objetividade Ou seja em suas distintas

naturezas inconfundiacuteveis enquanto tais objetividade e subjetividade satildeo

entificaccedilotildees na mundaneidade humana e nessa qualidade estados ou momentos

do ser social momentos regidos pela atividade ideal e sensiacutevel do mesmo

Penso que Lukaacutecs ao transpor a questatildeo para a linguagem filosoacutefica

tradicional pode ter dissociado demais fins e meios o que natildeo eacute o caso dos

textos de Marx Por isso Lukaacutecs se vecirc obrigado depois a buscar a rearticulaccedilatildeo

entre teleologia e causalidade e nisso encontre natildeo poucas dificuldades (como

uma passa para outra e vice-versa parecendo que lida ao limite com

substacircncias incomunicaacuteveis natildeo as compreendendo em suas metamorfoses) e

deixe que se perca certa substacircncia da questatildeo antes de tudo o interfluxo entre

objetividade e subjetividade com seus distintos momentos preponderantes em

cada um dos passos dos momentos embricados dos processos Creio que as

duas esferas ficam sempre tradicionalmente um tanto estranhas uma em

28

relaccedilatildeo agrave outra seja para preservar a objetividade e aiacute se torna objetivista seja

para ressaltar a subjetividade e aiacute desliza para o subjetivismo

2) No fim do processo tem-se seu resultado que eacute a transformaccedilatildeo da

forma de uma dada mateacuteria natural e a realizaccedilatildeo do objetivo do trabalho que

existiu antes como preconfiguraccedilatildeo ideal Portanto o trabalho transforma

imagem ideal em ente real complexo categorial in rebus

Em suma no pensamento de Marx as categorias ou complexos

categoriais satildeo reconhecidos sob as trecircs formas in mente (existem idealmente

na imaginaccedilatildeo ou como reproduccedilatildeo mental das coisas categorias da

representaccedilatildeo) ante res (preacutevia-ideaccedilatildeo) e in rebus como efetividades quando

estatildeo na forma de ser Como confirmaccedilatildeo tome-se mais esta passagem do

mesmo capiacutetulo No processo de trabalho a atividade do homem efetua

portanto mediante o meio de trabalho uma transformaccedilatildeo do objeto de

trabalho pretendida desde o princiacutepio O processo extingue-se no produto Seu

produto eacute um valor de uso uma mateacuteria natural adaptada agraves necessidades

humanas mediante transformaccedilatildeo da forma O trabalho se uniu com seu objeto

O trabalho estaacute objetivado e o objeto trabalhado O que do lado do trabalhador

aparecia na forma de mobilidade aparece agora como propriedade imoacutevel na

forma do ser[xiv] do lado do produto Ele fiou e o produto eacute um fio[xv]

Como arremate analiacutetico dessa famosa mas muitas vezes mal

compreendida passagem de O Capital Chasin conclui ao mesmo tempo em que

visualiza uma nova tarefa Se assim eacute se as categorias podem aparecer nas

trecircs formas - in rebus - in mente - ante res - haacute entatildeo que determinar o que satildeo

cada uma dessas formas

Esquematicamente Chasin propotildee o seguinte

1) se estatildeo in rebus (nas coisas) estatildeo na forma do ser

29

2) se estatildeo in mente (na cabeccedila) estatildeo na forma da reproduccedilatildeo ideal

das coisas Trata-se da subjetividade receptora[xvi] que reproduz as coisas natildeo

captando apenas seus dados empiacutericos superando pois o empirismo e elabora

portanto a reproduccedilatildeo ideal dos entes e onde a subsunccedilatildeo aos objetos eacute a

atividade de sua elaboraccedilatildeo ideal

3) se estatildeo ante res (antes das coisas) estatildeo na forma da finalidade da

preacutevia mentalizaccedilatildeo de objetivos e meios

Poreacutem no segundo e terceiro casos as categorias estatildeo na forma de

espeacutecies de pensamento representaccedilotildees e projeccedilotildees do ser do vir-a-ser dos

meios materiais instrumentais processuais e dinacircmicos de entificaccedilatildeo dos

seres

Concluindo essa parte dizer pois que o homem e o mundo satildeo

atividade sensiacutevel que por criar seu mundo cria a si mesmo eacute determinar o

homem como a criatura criadora de seres

No entanto na medida em que apenas na configuraccedilatildeo histoacuterica regida

pela loacutegica do capital ou seja na plenitude da produccedilatildeo da riqueza entendida

por sua essecircncia subjetiva que eacute o trabalho que se atinou para determinaccedilatildeo

do homem como a criatura criadora de seres foi possiacutevel agrave reflexatildeo pode se

dar conta potencialmente da verdadeira problemaacutetica do ser

Em outras palavras eacute pela criacutetica ao criador de criaturas na forma da

alienaccedilatildeo - criacutetica marxiana agrave sociedade capitalista - eacute que a ontologia pode

atinar com seu verdadeiro objeto e modo de determinaccedilatildeo Natildeo eacute casual que

tenha emergido pela criacutetica feuerbachiana ao sistema hegeliano (a criaccedilatildeo

especulada dos entes) e ganho seus contornos efetivos no advento de uma

nova forma de pensamento e concepccedilatildeo de praacutetica - a doutrina de Marx

Resumindo no caso de Marx ontologia eacute estatuto ou filosofia primeira

do ser social que enquanto tal norteia a concreccedilatildeo cientiacutefica do mesmo cuja

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realizaccedilatildeo corrige e enriquece o proacuteprio estatuto donde a sinergia e a reciacuteproca

dimensatildeo criacutetica entre estatuto ontoloacutegico e ciecircncia da histoacuteria em seus diversos

departamentos possiacuteveis estabelecidos jaacute por criteacuterio ontoloacutegico ou seja que

respeita a integridade das coisas em suas qualidades e processos interconexos

que as constituem em seu ser por si e enquanto tais satildeo reproduzidas

teoricamente

Enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma da legalidade objetiva (material

e espiritual) do ser social ou seja enquanto malha de asserccedilotildees ou

determinaccedilotildees de seu complexo categorial enquanto o permanente na forma de

processo a ontologia estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a

sociabilidade como substacircncia desse grau maacuteximo da cadeia do ser

Mas substacircncia como complexo categorial como siacutentese de categorias

essenciais que denota uma forma especiacutefica determinada de presenccedila ou

existecircncia plenamente qualificada

Por isso eacute estatuto ontoloacutegico pois a plataforma canocircnica do ser eacute o

coacutedigo do substantivo verbal como substacircncia substrato) assim o estatuto

ontoloacutegico do complexo substantivo do ser social deve reconhecer a

sociabilidade como substacircncia A sociabilidade como substrato dos homens

seja na forma da alienaccedilatildeo seja na forma de sua latecircncia de substancialidade

em vir-a-ser no caminho infinito de sua realizaccedilatildeo

Trata-se portanto em Marx de estatuto e natildeo sistema pois como

sistema seria um agregado de abstraccedilotildees uma filosofia que uma vez obtidas

noccedilotildees fundamentais passa a se edificar por si ou seja as noccedilotildees seriam

coaacutegulos inteligiacuteveis que passam por auto-sustentaccedilatildeo a configurar

dedutivamente o mundo Ao passo que estatuto eacute uma ordem a legalidade do

ser sensiacutevel - o ser na plenitude de seus atributos

tempo (histoacuteriaprocessoduraccedilatildeomutabilidade) lugar e sensibilidade

especificamente a legalidade do ser social imanente a si em sua especiacutefica

31

objetividade O ser sensiacutevel eacute a forma do ser porque eacute a plenitude das

categorias possiacuteveis

E as formaccedilotildees ideais

Segundo Chasin as formaccedilotildees ideais do mesmo modo que as

formaccedilotildees reais - formas do ser - tecircm lugar e tempo como categorias - o tempo

e o espaccedilo das formaccedilotildees sociais que satildeo engendradas mas estatildeo privadas de

sensibilidade

O sensiacutevel soacute eacute predicaccedilatildeo inerecircncia agrave forma do ser que conteacutem a

plenitude dos predicados possiacuteveis (sensibilidade espaccedilo tempo)

Essa forma de conceber o ser eacute reconhecer substancialidade ao

complexu agrave unidade totalizada ou seja ao conjunto pleno de atributos em ato

Em outras palavras ser eacute complexo categorial - tem a forma de ser -

completude ou forma conferida pelo sensiacutevel que se desdobra em muacuteltiplos

atributos e se condensa de infinitas maneiras no gradiente do ser

Em suma segundo Chasin tomando Marx como base e ponto de

referecircncia permanentes ser eacute plenitude categorial ou seja a plenitude

categorial eacute sua forma e por ser sensiacutevel compreende lugar e tempo

Donde se admitido o princiacutepio metoacutedico de Marx saber eacute saber do ser

que antes de tudo eacute um complexo sensiacutevel - tudo que eacute existe eacute sempre um

complexo natildeo uma substacircncia ou essecircncia pura e cristalina E a cadeia do ser eacute

o conjunto de graus do ser - do menos ao mais complexo

O preceito metodoloacutegico marxiano eacute pois ontoloacutegico sabe-se o que eacute

como se formou se desenvolveu e como depereceraacute

Por via de consequumlecircncia e diante das vicissitudes da histoacuteria da

ontologia de seu processo constitutivo e dissolutor diante da penosa rota da

32

conquista teoacuterica do real homoacuteloga ou equivalente agrave necessidade humana de

produzir a sua mundaneidade e a si mesmo a ontologia eacute o que pode ser - o

que natildeo eacute pouco - a esfera teoacuterica da incerteza propulsora positiva

afirmativamente organizada O patamar do incerto ordenado como plataforma da

busca infinita da certeza Impulsatildeo incontornaacutevel que natildeo pode ser eludida pela

presenccedila imperativa dos circuitos ontopraacuteticos

Talvez agora o estatuto ontoloacutegico marxiano possa ser enunciado do

seguinte modo eacute o estudo das categorias fundamentais - em traccedilos essenciais

abstratos em suas determinaccedilotildees mais gerais - da existecircncia social

historicamente constatada e reconhecida sendo possiacutevel exemplificar com as

seguintes categorias historicidade (processualidade ou mutabilidade)

concreticidade ou objetividade atividade sensiacutevel e ideal (trabalho e

reproduccedilatildeo) subjetividade (receptiva e proponente) valor individualidade

gecircnero (sociabilidade) Tudo isso perfilando o complexo de complexos da auto

realizaccedilatildeo do ser humano-societaacuterio entendido que o fim dos fins eacute a infinitude

da realizaccedilatildeo do humano - do autopor-se do aberto ser humano-societaacuterio

Estatuto que em outros termos eacute a ordem do reconhecimento ou

reproduccedilatildeo teoacuterica da identidade natureza e constituiccedilatildeo das coisas por si por

seus complexos categoriais decisivos independentemente em qualquer plano

de se tornarem objetos de praacutetica ou reflexatildeo

Enquanto tal eacute a teoria do reconhecimento da objetividade histoacuterico-

social imanente em suas distintas formas de apresentaccedilatildeo (natureza e

sociedade) Em termos muito breves eacute o momento mais abstrato do

reconhecimento da identidade das coisas por si enquanto tal um dos momentos

distintos da unidade do saber do qual participa um segundo sob forma

concreta que eacute a ciecircncia

Pela proacutepria natureza histoacuterica processual do ser a ontologia marxiana

natildeo corresponde nem poderia corresponder por simples imperativo de

33

coerecircncia agrave forma de um saber universal plantado sobre uma racionalidade

auto-sustentada ou seja fundado na razatildeo universal nada mais a versatildeo laica

ou profana de Deus no dizer de Feuerbach Ou seja trata-se enfim de uma

forma de ontologia sem parentesco com o saber absoluto e que recusa qualquer

tipo de fundamento especulativo pois absolutizaccedilatildeo de uma teoria da

fundamentaccedilatildeo eacute simplesmente a firmaccedilatildeo especulativa da razatildeo autocircnoma ou

de um princiacutepio de inteligibilidade situado para aleacutem das coisas que garante a

presenccedila e o conhecimento do sagrado e a vitoacuteria antecipada do idealismo Natildeo

correspondendo agrave qualquer forma de saber universal a ontologia marxiana

sustenta a possibilidade efetiva como jaacute vimos de um saber real

Por sua praacutetica teoacuterica e por um conjunto de lineamentos expliacutecitos

Marx deixou o legado de um especiacutefico estatuto ontoloacutegico natildeo um ontologia de

talhe convencional ou tradicional e natildeo apenas por que careceu de tempo

necessaacuterio para a realizaccedilatildeo de uma obra desse tipo mas fundamentalmente

pela distinccedilatildeo de natureza de seu estatuto ontoloacutegico radicalmente oposto ao

tratamento especulativo da mateacuteria

Esse estatuto eacute constituiacutedo a partir do universo praacutetico onticamente

referido ou seja eacute um estatuto ocircntico-ontoloacutegico pois evolve da efetividade

histoacuterica das coisas de suas relaccedilotildees e processos para sua reproduccedilatildeo

conceitual no plano de uma trama categorial em sua expressatildeo mais abstrata

Reconhecimento e Determinaccedilatildeo da Sociabilidade como Substacircncia

Vimos que segundo Chasin enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma

da legalidade do ser social em sua materialidade e espiritualidade[pode-se dizer

tambeacutem em sua objetividade sensiacutevel e supra-sensiacutevel] ou seja enquanto

malha de asserccedilotildees ou determinaccedilotildees de seu complexo categorial a ontologia

34

estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a sociabilidade como substacircncia desse

grau maacuteximo do ser

Embora Chasin natildeo tenha desenvolvido plenamente a questatildeo da

objetividade supra-sensiacutevel como tambeacutem a da sociabilidade como substacircncia

julgo conveniente transcrever tambeacutem algumas notas e comentaacuterios feitos em

sala de aula dada a importacircncia do tema

Em relaccedilatildeo agrave noccedilatildeo de substacircncia Chasin retoma sua noccedilatildeo mais geral

e tradicional Ou seja deixando de fora qualquer conotaccedilatildeo relativa a formas de

idealidade o que existe por si eacute um auto-engendrado a uacuteltima instacircncia de um

dado gecircnero de entificaccedilatildeo enquanto tal na medida em que eacute uma efetividade

eacute um complexo que a noccedilatildeo de substacircncia refere no mais alto grau de

abstraccedilatildeo Vale pois como abstraccedilatildeo razoaacutevel tal como todo conceito

marxiano nesse niacutevel de generalizaccedilatildeo a partir do qual pela via dos processos

de concreccedilatildeo satildeo determinaacuteveis as formas concretas de substacircncia

correspondentes agraves formaccedilotildees sociais reais

Dessa forma a substacircncia eacute um complexo histoacuterico natildeo uma

idealidade natildeo um construto da razatildeo auto-sustentada mas o resumo de uma

extraccedilatildeo justificada

Naturalidade e Sociabilidade

Sempre que se potildee a questatildeo da naturalidade e da sociabilidade essa

uacuteltima tende a ser examinada in statu nascendi ou de um estado original

imaginaacuterio natildeo se parte portanto de fatos pois os desconhecemos se eacute que

35

tenham existido mas de um mito E do mito se quer saltar para o quadro de uma

realidade complexa

Mas acompanhando Marx lembremos das pobres robinsonadas do

seacuteculo XVIII referidas logo agraves primeiras linhas da Introduccedilatildeo de 57 a) O

caccedilador e o pescador individuais e isolados de que partem Smith e Ricardo b)

o contrat social de Rousseau que relaciona e liga sujeitos independentes por

natureza por meio de um contrato Essas robinsonadas natildeo repousam sobre

(o) naturalismo E a argumentaccedilatildeo prossegue Trata-se ao contraacuterio de uma

antecipaccedilatildeo da sociedade (buumlrgelichen Gesellschaft) que se preparava desde

o seacuteculo XVI e no seacuteculo XVIII deu larguiacutessimos passos em direccedilatildeo agrave sua

maturidade Nesta sociedade da livre concorrecircncia o indiviacuteduo aparece

desprendido dos laccedilos naturais que em eacutepocas histoacutericas remotas fizeram dele

um acessoacuterio de um conglomerado humano limitado e determinado Os profetas

do seacuteculo XVIII sobre cujos ombros se apoacuteiam inteiramente Smith e Ricardo

imaginam o indiviacuteduo do seacuteculo XVIII como um ideal que teria existido no

passado Vecircem-no natildeo como um resultado histoacuterico mas como ponto de partida

da Histoacuteria porque o consideram como um indiviacuteduo conforme agrave natureza -

dentro da representaccedilatildeo que tinham da natureza humana - que natildeo se originou

historicamente mas foi posto como tal pela natureza[xvii]

Segundo Chasin tomando Marx novamente como ponto de referecircncia

os equiacutevocos que aparecem ao se tratar a relaccedilatildeo naturalidade sociabilidade

satildeo os seguintes

1) procurar deduzir em graus diferentes em cada caso o ser social do

natural esquecendo que se trata da emergecircncia do novo de uma configuraccedilatildeo

ontoloacutegica nova e que o novo nunca eacute um simples desdobramento do estaacutegio

anterior no caso - do grau de ser antecedente ou seja que entre os dois niacuteveis

ocorre o que se chama de salto um intervalo em que a potecircncia causal do

antecedente natildeo conteacutem a capacidade a potecircncia ou a potencialidade para

gerar o novo Um intervalo que fica assim indeterminado

36

2) o procedimento acima abre para a mera especulaccedilatildeo pois tende a

deduzir a indeterminaccedilatildeo a querer estabelecer nexos onde eles inexistem

tende a preencher o que de fato eacute um vazio A rigor natildeo se trata de um natildeo-

sabido mas da ausecircncia factual de um objeto ou processo em outros termos

se trata de um vazio ontoloacutegico de uma ausecircncia de nexos ontoloacutegicos

O correto segundo o modus operandi marxiano natildeo eacute partir da semente

ou do embriatildeo mas do complexo real maturado uma vez que

especialiacutessimamente na esfera social a loacutegica do gerado eacute diversa da loacutegica de

sua gecircnese aleacutem de que nesse acircmbito as entificaccedilotildees configuradas apagam a

rota e a loacutegica de sua formaccedilatildeo

Desse modo partindo do jaacute configurado e considerando que se trata de

uma configuraccedilatildeo infinita que compreende mutaccedilotildees qualitativas muito

importantes e natildeo esquecendo que permanecemos no estaacutegio preacute-histoacuterico (em

momento especialmente desequilibrado e contraditoacuterio) podemos e devemos

reconhecer por meio de algumas abstraccedilotildees razoaacuteveis o seguinte

1) A formaccedilatildeo do ser social eacute um processo da animalidade agrave

hominidade o andamento da naturalidade agrave sociabilidade o caminho infinito da

naturalidade dada agrave sociabilidade natildeo-dada em produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

perenes

2)Trata-se pois de uma entificaccedilatildeo processual entre dois niacuteveis ou

poacutelos da escala do ser sendo processo eacute intrinsecamente uma contradiccedilatildeo e soacute

enquanto tal se move eliminada a contradiccedilatildeo cessaria a possibilidade do

processo Com isso eacute dito algo muito importante pois ao reconhecer a

contraditoriedade entre naturalidade e sociabilidade natildeo eacute mais possiacutevel pensar

as mesmas a propoacutesito do ser social como um simples conjugado de fatores

mas obrigatoriamente como uma conjugaccedilatildeo contraditoacuteria de legalidades Isso

vai na esteira do que eacute compreendido desde Hegel - que o ser eacute uma unidade

contraditoacuteria - todavia com o acreacutescimo do problema da dupla legalidade De

37

que modo ou feiccedilatildeo chega cada uma delas agrave unidade contraditoacuteria do ser Pois

haacute que pensar na unidade ou siacutentese a natildeo ser que se queira desenhar o ser

social como uma aberraccedilatildeo hiacutebrida pode ser esta a fisionomia do grau mais

elevado do gradiente dos seres Assim tomada na devida consideraccedilatildeo essa

determinaccedilatildeo ontoloacutegica sem a qual a reflexatildeo perde o rumo trata-se de

compreender a dinacircmica especiacutefica dessa contradiccedilatildeo peculiar Vejamos

3) Em primeiro lugar esse processo contraditoacuterio gera novas

contradiccedilotildees agora dominantemente contradiccedilotildees da sociabilidade em

formaccedilatildeo de sorte que se trata de um processo cumulativo de

contraditoriedades no qual as novas contradiccedilotildees progressivamente vatildeo

tomando o lugar predominante e decisivo vale dizer a contradiccedilatildeo originaacuteria

cada vez mais coabita com contradiccedilotildees de outro gecircnero diante das quais sua

presenccedila vai mudando de forccedila e configuraccedilatildeo natildeo desaparece mas sua

qualidade vai mudando na proporccedilatildeo mesmo do desenvolvimento da

apropriaccedilatildeo societaacuteria da natureza cada vez mais puramente social - eacute no que

consiste de acordo com as palavras de Marx o progressivo afastamento das

barreiras naturais

4) Ou seja a matriz e a medida do afastamento eacute a forma cada vez

mais social de produzir e reproduzir as bases materiais da vida pela qual eacute

gerado o novo ser em direccedilatildeo agrave sua potecircncia ampliada de se auto-por de ir em

direccedilatildeo a si mesmo um si mesmo que natildeo eacute dado mas gerado na progressatildeo

da auto-posiccedilatildeo do auto-assentamento ou da auto-enformaccedilatildeo que inclui a

proacutepria daccedilatildeo de forma e resoluccedilatildeo ao predicado natural ou bioloacutegico daccedilatildeo de

forma que em suma eacute daccedilatildeo de forma social ao predicado natural

5) Essa possibilidade de daccedilatildeo de forma eacute afirmaccedilatildeo e realizaccedilatildeo da

essecircncia social que eacute o conjunto de relaccedilotildees sociais configuradas em cada

momento pelo modo de produzir da base material modo por sua vez que eacute

determinado pelo desenvolvimento das forccedilas produtivas entre as quais figura o

proacuteprio modo de organizaccedilatildeo do conjunto das relaccedilotildees sociais

38

6) Daccedilatildeo de forma eacute alteraccedilatildeo do lugar resolutivo e todo ente que muda

de lugar muda de natureza sem alterar uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo material

Vale dizer que a contradiccedilatildeo originaacuteria entre naturalidade e sociabilidade eacute

resolvida por uma nova contradiccedilatildeo - a da naturalidade que soacute se realiza na

forma e por meios sociais - no afastamento que eacute superaccedilatildeo da naturalidade

(processo histoacuterico) a legalidade natural eacute submetida agrave legalidade social

(diferentemente em cada modo de produccedilatildeo e de acordo com o

desenvolvimento das forccedilas produtivas) o fator natural natildeo eacute suprimido

suprimida eacute sua capacidade de autodeterminaccedilatildeo resta portanto

simplesmente o que natildeo eacute pouco como um predicado do ser humano um

predicado insuprimiacutevel mas apenas como predicado bioloacutegico de um ser de

outra natureza e essecircncia A naturalidade eacute retida como predicado

imprescindiacutevel mas natildeo como essecircncia Donde natildeo satildeo mais duas legalidades

ontoloacutegicas que coexistem mas a legalidade superior mais complexa subsume

a legalidade natural que natildeo mais se autodetermina mas eacute resolvida pela e do

interior da outra Assim o predicado natural do homem recebe forma e

resoluccedilatildeo sociais ou seja o predicado natural eacute subsumido agrave legalidade social

Natildeo resta mais o choque de duas legalidades contrapostas na

contradiccedilatildeo originaacuteria A legalidade natural vai sucumbindo na ruptura e

progressivamente agrave legalidade social em sua efetividade no ser social a

legalidade natural natildeo mais atua por si eacute dependente do social natildeo eacute mais a

legalidade de um ser pois natildeo haacute mais aiacute um ser natural mas um atributo

natural dependente da essecircncia social O homem eacute um ser social que

compreende sua essecircncia especiacutefica (variaacutevel) suas contingecircncias e seu

predicado bioloacutegico Na entificaccedilatildeo do ser social uacuteltimo grau da cadeia do ser a

legalidade natural eacute subalternizada agrave social por mais ruacutestica e restrita que seja a

essecircncia social primitiva e por mais precaacuteria que seja essa subalternizaccedilatildeo de

iniacutecio O processo de afastamento das barreiras naturais eacute assim o curso dessa

subalternizaccedilatildeo que desponta no iniacutecio na ruptura com a legalidade natural e

por mais longo e contraditoacuterio em avanccedilos e recuos que seja esse processo

39

7) de outra parte a loacutegica do predicado bioloacutegico natildeo soluciona natildeo

tem resposta para o complexo problemaacutetico da sociabilidade enquanto que esta

daacute soluccedilatildeo aos imperativos daquela Como diz Marx nos Manuscritos de 44 o

homem contempla a natureza e a si mesmo com um produto social [dos homens

interativos] com pleno direito mesmo que natildeo com elevada consciecircncia ou altos

valores

8) Donde a foacutermula lukaacutecsiana da dupla base eacute falsa pois a plataforma

eacute a sociabilidade enquanto a naturalidade eacute apenas o insuprimiacutevel predicado

bioloacutegico que passa a vigir na forma e sob a regecircncia da sociabilidade Natildeo

perde por isso uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo orgacircnica mas na sua efetividade

muda de caraacuteter No interiro da esfera societaacuteria o predicado bioloacutegico eacute um

outro de si Se originariamente foi o ponto de partida agora eacute produzido e

reproduzido pela legalidade de um ser que o ultrapassa e o domina vive e soacute

pode viver na subjugaccedilatildeo de um novo estatuto Ou seja ao integrar como

predicado o ser de niacutevel mais elevado realiza a sua maacutexima potecircncia e isso eacute

ao mesmo tempo sua desnaturalizaccedilatildeo ou perecimento Impereciacutevel como

predicado natildeo eacute base pois determina soacute por seus limites pelas carecircncias natildeo

pelas determinaccedilotildees resolutivas nem mesmo em suas forccedilas e sentidos pois

enquanto virtualidades estas soacute satildeo humanas e superiores em resoluccedilatildeo

societaacuteria Ademais natildeo eacute nunca um criador de novas necessidades o que

caracteriza a legalidade social

9) A argumentaccedilatildeo acima diz respeito diretamente ao ser social em sua

configuraccedilatildeo bipolar (indiviacuteduo e gecircnero) e desenvolvida em especial no poacutelo da

individualidade tendo por esteio o andamento do gecircnero e ao falar deste se diz

do seu metabolismo com a natureza Esse metabolismo fundamental que eacute em

suma a atividade vital do homem ao gerar produtos sociais

(utilidadesmercadorias) sem que se possa transpor a estes as mesmas

determinaccedilotildees que foram feitas para o ser social desde logo satildeo entes sociais

mas em outro grau da escala do ser social mas tambeacutem tecircm mudada a sua

natureza de naturais a utilidades (e na forma da alienaccedilatildeofetichismo as

40

mercadorias) de sorte que a apropriaccedilatildeo da natureza eacute igualmente sua

desnaturalizaccedilatildeo eacute forccedilaacute-las a deixar de ser o que satildeo em sua peculiaridade

para se tornarem um outro de si sob a regecircncia do estatuto societaacuterio Isso eacute a

manifestaccedilatildeo do poder e da superioridade do grau maacuteximo do ser Nenhum

outro ser realiza qualquer coisa semelhante nem longinquumlamente Repetindo

Kant e Hegel Marx tinha toda razatildeo quando disse que haacute mais grandeza e

misteacuterio na cabeccedila de um becircbado do que no conjunto do universo

10) a Sociabilidade imperfeita substacircncia ainda natildeo realizada enquanto

tal ou seja ainda incapaz de autonomia como complexo estruturado conduz agrave

poliacutetica Natildeo compreendida como substacircncia mas como simples organizaccedilatildeo

potildee o homem no outro poacutelo na dicotomia homemsociedade ou seja na

representaccedilatildeo socioloacutegica ou politoloacutegica o homem eacute um outro

Determinada ou compreendida como substacircncia eacute substacircncia humana

(perfeita e imperfeita com todas as grandezas e miseacuterias produzidas

modificadas suprimidas e repostas no curso histoacuterico) eacute a essecircncia mutante do

ser auto-engendrado e enquanto mutante e por ser mutante distinta tambeacutem

por essa mutabilidade do predicado bioloacutegico atemporalmente necessaacuterio mas

sempre e progressivamente insuficiente do ser social

O tomo IV do primeiro nuacutemero da Revista Ensaios Ad Hominem eacute

composto de seis artigos - aleacutem do texto de abertura de autoria de J Chasin -

que resultaram de siacutenteses ou modificaccedilatildeo de partes ou capiacutetulos de

dissertaccedilotildees defendidas entre os anos de 1998 e 1999 junto ao Programa de

Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia da UFMG

41

O artigo que abre a presente coletacircnea intitulado A Razatildeo como

Tribunal da Criacutetica Marx e A Gazeta Renana de autoria de Celso Eidt versa

sobre a concepccedilatildeo do jovem Marx sobre o papel da imprensa natildeo apenas como

o locus privilegiado para o debate filosoacutefico mas fundamentalmente para os

processos educativos tendo em vista a realizaccedilatildeo plena da liberdade humana Eacute

bom ressaltar que no periacuteodo em que tais artigos satildeo redigidos Marx

compartilha de uma visatildeo antropoloacutegica racional em que a natureza humana eacute

concebida como espiacuterito livre e racional enquanto esteio da proacutepria vida eacutetica

ou seja da praacutetica humana fundada na razatildeo universal

Ana Selva Albinati autora do artigo A Determinaccedilatildeo dos Valores

Morais nos textos de Marx de 1841 a 1847 se debruccedila justamente sobre tal

campo de reflexatildeo Seu trabalho eacute uma tentativa de sistematizaccedilatildeo das

consideraccedilotildees sobre os valores morais nos textos do periacuteodo que se inicia com

sua tese doutoral Diferenccedilas entre as Filosofias da Natureza de Demoacutecrito e

Epicuro prosseguindo ateacute A Miseacuteria da Filosofia Ana Selva procura demonstrar

que esse periacuteodo normalmente referido como sendo o da juventude de Marx eacute

na verdade constituiacutedo de dois momentos de sua elaboraccedilatildeo teoacuterica que tem

como momento de clivagem a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel de meados

de 1843 em que Marx rompe com o referencial teoacuterico do idealismo alematildeo Em

relaccedilatildeo agraves determinaccedilotildees sobre a moral essa ruptura se reflete na inflexatildeo

radical que diferencia a compreensatildeo da moralidade no primeiro e segundo

momentos de tal forma que a moralidade passa a ser compreendida como um

dos modos da consciecircncia socialmente determinada concepccedilatildeo completamente

distinta da primeira fase em que os valores morais eram compreendidos como

expressotildees da liberdade e da racionalidade humanas idealmente concebidas

No artigo A criacutetica da Especulaccedilatildeo nas Glosas de Kreuznach Milney

Chasin analisa o momento inicial e ao mesmo tempo decisivo da ruptura que

se verifica entre Marx e Hegel no plano das determinaccedilotildees do ser Desse modo

a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel inaugura a criacutetica marxiana da

especulaccedilatildeo no seu cerne o de rejeitar o procedimento especulativo

42

caracteriacutestico de se provir tudo da ideacuteia real de tornaacute-la sujeito isto eacute de

capacitar a abstraccedilatildeo ou conceito automovido - a partir das metamorfoses

hegelianas - de pocircr o multiverso sensiacutevel Em outros termos Milney Chasin no

referido artigo evidencia como a criacutetica da especulaccedilatildeo permite a Marx

ultrapassar os horizontes do idealismo alematildeo na direccedilatildeo do devido

reconhecimento da distinccedilatildeo entre ser e pensar de caracterizar a impropriedade

ontoloacutegica da loacutegica hegeliana de apurar os limites gnosioloacutegicos e

incongruecircncias de toda ordem Em suma permite o desvelamento da substacircncia

miacutestica oferecendo a explicitaccedilatildeo do meacutetodo hegeliano - das diabruras do

conceito autoposto - que articula abstraccedilotildees e finitude restando a esta a mera

condiccedilatildeo de apecircndice dissolvido isto eacute momento virtual da realizaccedilatildeo da

idealidade

O quarto artigo desta coletacircnea intitulado A Exteriorizaccedilatildeo da Vida nos

Manuscritos de 44 eacute parte da dissertaccedilatildeo de mestrado As Categorias

Lebensaumlusserung Entaumlusserung Entfremdung e Veraumlusserung nos Manuscritos

Economico-Filosoacuteficos de Karl Marxdefendida por Mocircnica H M da Costa em

que o interesse era acima de tudo averiguar se alienaccedilatildeo (Entaumlusserung) e

estranhamento (Entfremdung) teriam significados distintos A pesquisa acabou

opor apontar no entanto uma outra categoria como eixo desses manuscritos

Lebensaumlusserung traduzida por exteriorizaccedilatildeo da vida De fato o fio condutor

dos Manuscritos eacute a centralidade do trabalho na produccedilatildeo material e espiritual

da vida humana Tomando para anaacutelise criacutetica pela primeira vez os

economistas claacutessicos Marx explicita sua proacutepria compreensatildeo da forma

peculiar de engendramento da existecircncia do homem A criacutetica a Hegel completa

o quadro desta tematizaccedilatildeo que natildeo seraacute abandonada ateacute os uacuteltimos trabalhos

de Marx

Sabina Maura Silva no artigo A Fenomenologia do Egoiacutesmo Stirner e a

Criacutetica Marxiana tem como objetivo fundamental apresentar a concepccedilatildeo de

homem presente na obra O Uacutenico e Sua Propriedade de autoria do filoacutesofo

neohegeliano Max Stirner e expor a criacutetica de Marx a este autor contida em A

43

Ideologia Alematilde A autora mostra que para Stirner o Eu tomado como

individualidade singular eacute o fundamento de sua esfera existencial No entanto

para esse autor tudo tem determinado a existecircncia dos indiviacuteduos natildeo tendo

sido permitido a eles determinaacute-la O objetivo de Stirner eacute pois remeter ao

indiviacuteduo - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel - o que dele foi alienado e erigido

como algo autocircnomo Por seu turno a criacutetica de Marx tem como fim explicitar o

caraacuteter especulativo da anaacutelise stirneana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo

bem como salientar o aspecto pseudorevolucionaacuterio de suas proposituras

Assim segundo Marx Stirner tatildeo somente interpreta diferentemente o

existente isto eacute reconhece o existente mediante outra

interpretaccedilatildeoTransformando as contradiccedilotildees objetivas em contradiccedilotildees

subjetivas Stirner conserva e justifica as condiccedilotildees e estruturas efetivas que

esmagam e impedem a autodeterminaccedilatildeo das individualidades ao reconhecer

as circunstacircncias como determinaccedilotildees dos indiviacuteduos Acolhendo acriacutetica e

especulativamente em suas feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees

estranhadas de um momento histoacuterico particular da individuaccedilatildeo humana

Stirner erige como individualidade um ente que empobrecido e constrangido

pelas condiccedilotildees objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade

social pode somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria

sobre si e sobre o mundo

O uacuteltimo artigo do tomo IV da Revista Ensaios Ad Hominem eacute de

autoria de Antocircnio Joseacute Lopes Alves e leva o tiacutetulo de A Individualidade

Moderna nos Grundrisse Neste texto o autor procura demonstrar que a

moderna sociabilidade do capital eacute compreendida por Marx como forma

instaurada a partir da dissoluccedilatildeo dos liames sociais que uniam em tempos

anteriores os indiviacuteduos agrave comunidade Aleacutem disso destaca o fato apontado por

Marx de que tal processo se constitui numa verdadeira reconversatildeo ontoloacutegica

tanto dos indiviacuteduos quanto das condiccedilotildees da atividade vital ocorrendo uma

radical transformaccedilatildeo na forma de ser de ambos Sinteticamente trata-se de

reconfiguraccedilatildeo ontoloacutegica que determina como entes autocircnomos os indiviacuteduos

44

de um lado e as condiccedilotildees de trabalho de outro vale dizer do divoacutercio entre os

indiviacuteduos ativos e as condiccedilotildees de sua atividade Antocircnio Lopes buscou em

suma alinhar as determinaccedilotildees mais essenciais dos indiviacuteduos e da

sociablidade modernos no que respeita agrave forma mesma das relaccedilotildees sociais da

atividade sensiacutevel bem como da respectiva expressatildeo ideal como por exemplo

a configuraccedilatildeo das categorias da igualdade e liberdade

O leitor encontraraacute nas paacuteginas que se seguem o resultado do esforccedilo

de pesquisa voltado ao resgate da obra marxiana caracterizado pela busca do

rigor na leitura e interpretaccedilatildeo do pensamento de um autor cuja heranccedila

intelectual conheceu um destino traacutegico Natildeo eacute faacutecil portanto voltar-se a ela

sem os preconceitos da moda - como jaacute havia advertido Lukaacutecs Natildeo posso

afirmar com total certeza que um intento dessa natureza tenha sido plenamente

alcanccedilado Todavia eacute faacutecil perceber as diferenccedilas desse tipo de produccedilatildeo teoacuterica

com aquela apresentada tanto pelo marxismo adstringido e suas dissidecircncias

como pelo marxismo vulgar para utilizar as expressotildees cunhadas por Chasin no

intuito de designar as duas variantes de interpretaccedilatildeo da obra marxiana

Faccedilo aqui ao leitor interessado o convite para participar dessa

avaliaccedilatildeo

[1] Professora do Departamento de Filosofia da UFMG coordenadora

do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e Estudos Confluentes

45

[i] J CHASIN Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in

Teixeira FJS Pensando com Marx Editora Ensaio Satildeo Paulo 1995

[ii] K MARX amp F ENGELS A Sagrada Famiacutelia Ed Grijalbo trad

Wenceslao Roces Meacutexico DF 1960 p 120

[iii] Ver a respeito J CHASIN Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo

Metodoloacutegica opcit

[iv] J CHASIN O Futuro Ausente in Ensaios Ad Hominem 1 tomo III

Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem Satildeo Paulo 2000 p 166

[v] Ib p 167

[vi] Id

[vii] E CASSIRER A Filosofia do Iluminismo Editora da Unicamp

Campinas 1992 p 11

[viii] G LUKAacuteCS La Riproduzionein Per lOntologia delle Essere

Sociale Roma Editori Riuniti tomo II 1981 pp 180-81

[ix] N HARTMANN Ontologia Fondo de Cultura Econoacutemica Meacutexico D

F vol 1 1986

[x] K MARX O Capital vol I Ediccedilatildeo Abril Cultural Satildeo Paulo p 149

[xi] Id

[xii] Ib p 150

[xiii] (a respeito dessas categorias ver N HARTMANN Ontologia op cit

vol I p XII

46

47

[xiv] No original alematildeo in der Form des Seins Dietz Verlag 1971 p

195

[xv] Ib p 151

[xvi] Ver a respeito em J CHASIN Marx-Estatuto Ontoloacutegico e

Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica op cit

[xvii] K MARX op Cit p 126

Page 8: :: Verinotio - Revista On-line de Educao e Cincias Humanas · O leitor encontrará, portanto, nessa Apresentação o fruto de trabalho de coleta e organização de materiais utilizados

intenccedilatildeo ontoloacutegica cujo propoacutesito eacute se constituir em base conceitual de sua

dilucidaccedilatildeo

Ainda no contexto da afirmaccedilatildeo da posiccedilatildeo ontoloacutegica e rejeiccedilatildeo seja

do vieacutes gnosioloacutegico ou cientificista seja das concepccedilotildees reinantes ditas

ontoloacutegicas Chasin de modo provocativo indaga Por que a foacutermula simples

do cogito eacute mais evidente ou funcional para efeito de fundamentaccedilatildeo do que a

evidecircncia do complexo sensiacutevel do gozo Por que a evidecircncia do cogito - o

pensamento do indiviacuteduo isolado - eacute superior agrave evidecircncia do existir que inclui a

presenccedila e a relaccedilatildeo viva dos outros e das coisas Chasin continua na mesma

direccedilatildeo no questionamento da pretensa superioridade do cogito indagando o

quecirc se esconde sob ela e acrescenta O cogito o truque cartesiano eacute a

conquista da certeza agrave custa de trecircs absurdidades o cogito desencarnado a

encarnaccedilatildeo divina da perfeiccedilatildeo e o mundo reduzido agrave extensatildeo A essas trecircs

conquistas digamos assim Chasin denomina de verdade alienada isto eacute

verdade emergente da subjetividade na forma da alienaccedilatildeo

A exercitaccedilatildeo ontoloacutegica ao contraacuterio assume como criteacuterio analiacutetico a

determinaccedilatildeo de que o objeto maturado eacute a chave do esclarecimento de suas

formas precedentes[iii] desde as embrionaacuterias ateacute as mais elaboradas que

antecedem no tempo sua fisionomia acabada Portanto a determinaccedilatildeo

marxiana do objeto maturado eacute produto desse espiacuterito teoacuterico pois soacute faz

sentido em posicionamento ontoloacutegico ou seja em reconhecimento do grau

constitutivo em que se encontra a coisa examinada

Segundo Chasin ainda Aristoacuteteles teve grande meacuterito em sua

propositura de uma filosofia primeira - base ou fundamento para a constituiccedilatildeo

das ciecircncias particulares - mas que por sua resoluccedilatildeo (de caraacuteter platocircnico

conforme jaacute demonstrara Eacute Gilson) e por seus pretendidos atributos ahistoacutericos

- categorias eternas e absolutas imutaacuteveis e perenes - constitui um modo

involuntaacuterio de elaboraccedilatildeo especulativa apesar de seu intento originaacuterio de

conhecer o efetivamente existente o ente enquanto ente Tais limites do intento

8

aristoteacutelico numa linha de argumentaccedilatildeo que confere prioridade agrave realidade

soacutecio-histoacuterica na produccedilatildeo de viabilidades ou inviabilidades teoacutericas e de sua

consequumlente explicaccedilatildeo eram vistos por Chasin como limites produzidos pelo

proacuteprio tempo grego sumariados a seguir

1) praacutetica humano-societaacuteria incipiente e acanhada que ganhou no

artigo O Futuro Ausente beliacutessima caracterizaccedilatildeo inspirada no Marx das

Formen Imaturaccedilatildeo natural e caracteriacutestica das remotas formas sociais em que

a propriedade da terra e a agricultura constituiacuteam a base da atividade material

tendo por objetivo a produccedilatildeo valores de uso ou seja a reproduccedilatildeo dos

indiviacuteduos em peculiares e bem determinadas relaccedilotildees com a comunidade[iv]

onde por via de consequumlecircncia indiviacuteduo e genecircro satildeo imediata e

transparentemente inseparaacuteveis e suas relaccedilotildees traduzem essa unidade

fundamental tornando desconhecida e impensaacutevel qualquer tipo de cissura que

contraponha ou menos ainda torne excludentes entre si as figuras de sua

polaridade[v] Mas a essa dimensatildeo positiva - sintomaticamente tatildeo atraente nos

dias atuais - corresponde uma negativa que Chasin esclarece na sequumlecircncia

todas as formas em que a comunidade pressupotildee sujeitos em determinada

unidade objetiva com as condiccedilotildees da atividade produtiva ou reciprocamente

nas quais uma especiacutefica existecircncia subjetiva faz com que a proacutepria comunidade

seja pressuposta como condiccedilatildeo de produccedilatildeo todas elas diz Marx

correspondem necessariamente e por princiacutepio a um desenvolvimento limitado

das forccedilas produtivas[vi]

2) Consequumlentemente impossibilidade para conceber a historicidade e

a contraditoriedade como categorias fundamentais do ser - que estrangulam a

mais precisa e universal por isso mesmo vaacutelida hoje e para sempre das

formulaccedilotildees atinentes agrave natureza e ao propoacutesito da ontologia

Meacuteritos e limites da filosofia primeira que apenas seratildeo realizados e

superados depois de um longo itineraacuterio repleno de contraposiccedilotildees internas

9

pelos lineamentos perfilados por Marx que tambeacutem herda criticamente

dimensotildees da filosofia moderna - do renascimento ao neohegelianismo

Desse modo com o objetivo de sumariar preliminarmente os conteuacutedos

dessa trajetoacuteria que Marx assimila por via criacutetica Chasin indica alguns deles

sem pretensatildeo alguma de esgotaacute-los

1) Do Renascimento - a infinitude do universo e o espiacuterito da

concepccedilatildeo do homem como o uacutenico ser aberto - existente e conhecido capaz

na potecircncia de seus atributos de conhecer e configurar a si e a seu mundo

ambos entendidos e tomados em sua naturalidade objetividade e o primeiro na

infinitude de sua essecircncia ativa

2) Do materialismo francecircs e inglecircs e do Iluminismo - a ruptura com a

conduta especulativa metafiacutesica e com o espiacuterito de sistema em filosofia que eacute

concebido como freio e obstaacuteculo agrave razatildeo Por meio dessa desobstruccedilatildeo o

iluminismo pode universalizar a filosofia como meio de toda verdade - natural e

espiritual - e ela passa a se voltar agraves tarefas praacuteticas donde a possibilidade e o

escopo de estabelecer a vida humana de modo racional Em outros termos

reconhece no pensamento o poder e o papel de organizar a vida o pensamento

deve ter papel analiacutetico mas tambeacutem fazer nascer a ordem cuja necessidade

ela concebeu[vii] Em contrapartida os limites do pensamento iluminista satildeo

sinteticamente os seguintes acentuaccedilatildeo unilateralizante da racionalidade

herdada do renascimento e distorcida pelo racionalismo do seacuteculo XVIII Aleacutem

disso tem-se o naturalismo vale dizer a ontologia do social demasiadamente

colada agrave ontologia da natureza embora natildeo se possa deixar de reconhecer que

frente ao abstracionismo metafiacutesico trata-se de um meacuterito pretender uma

ontologia ligada agrave natureza que em verdade eacute idealizada Talvez o melhor

exemplo dessa tradiccedilatildeo seja justamente Feuerbach

3) Do criticismo - a impossibilidade de uma ontologia como saber do

em si ou seja do ente enquanto ente pela via do absolutismo racional

10

dedutivista Em Kant em verdade tem-se a impossibilidade de uma ontologia

em Marx ao reveacutes tem-se apenas tal recusa agrave especulaccedilatildeo mas natildeo a

impossibilidade de conhecer o ente enquanto ente vale dizer Marx aceita o

espiacuterito da criacutetica kantiana ao conhecimento absoluto mas natildeo sua resultante

sistemaacutetica a sua vedaccedilatildeo ao conhecimento das coisas enquanto tais

4) Do hegelianismo - a concepccedilatildeo histoacuterica do ser portanto de sua

contrariedade bem como a natureza aproximativa do processo de

conhecimento ao mesmo tempo em que recusa o invoacutelucro miacutestico do

pensamento hegeliano - a dialeacutetica autocircnoma da razatildeo como demiurgo do real

ou da efetividade sensiacutevel ou seja refuta decidamente seu caraacuteter

especulativo

5) Do neohegelianismo - a problemaacutetica do homem e muito

especificamente duas contribuiccedilotildees de Feuerbach a criacutetica agrave especulaccedilatildeo e os

lineamentos mais gerais do ser soacute enquanto ser sensiacutevel ou objetivo (dimensotildees

de uma ontologia geral em seu niacutevel mais abstrato) Mas ao lado desse

aspecto positivo do pensamento feuerbachiano natildeo eacute possiacutevel deixar de

assinalar a objeccedilatildeo fundamental dirigida a ele por Marx sua concepccedilatildeo

naturalista do homem vale dizer sua incapacidade de o determinar como ser

social Assim em Feuerbach o homem eacute sensiacutevel objetivonatural e natildeo

objetivo-social - a grande descoberta marxiana

Grande descoberta que eacute mais amplamente avaliada quando se

considera o conjunto das linhas manifestas pelos principais representantes do

neohegelianismo B Bauer formulador de uma concepccedilatildeo do homem como

auto-consciecircncia racional M Stirner com a elevaccedilatildeo do egoiacutesmo agrave condiccedilatildeo de

essecircncia humana Feuerbach com a concepccedilatildeo naturalista do homem centrada

no amor Nesse cenaacuterio somente Marx comparece com a descoberta da

sociabilidade como substacircncia constitutiva do homem - e natildeo meramente uma

essecircncia imutaacutevel mas histoacuterica e contraditoacuteria produzida e reproduzida pela

proacutepria atividade sensiacutevel dos homens

11

De sorte que do ente enquanto ente aristoteacutelico determinado por sua

forma substancial eterna ao ser social marxiano compreendido em suas

mudanccedilas categoriais - eacute do que consiste a histoacuteria - se vai de uma filosofia

primeira que terminou por sua resoluccedilatildeo originaacuteria na forma de um saber

absoluto a um saber histoacuterico de base que se desenvolve pela infinitude de

aproximaccedilotildees empreendidas em direccedilatildeo ao absoluto entendido pura e

simplesmente como completude ou totalidade que praticamente nunca se

realiza porque desnecessaacuterio para o saber ao qual bastam completudes mais

modestas e ainda mais como saber para a praacutetica

De modo que a filosofia primeira de configuraccedilatildeo marxiana eacute antes de

tudo a afirmaccedilatildeo da objetividade do mundo e a possibilidade ser conhecido

possibilidade que eacute soacutecio-historicamente determinada exercendo a funccedilatildeo de

base e guia para a ciecircncia da histoacuteria especificamente como ontologia regional

do ser social e que nutre das ciecircncias e a elas responde tanto quanto elas

mesmas tem de responder aos lineamentos ontoloacutegicos pelos quais se guiam

mas aos quais natildeo tomam como coaacutegulos de saber imutaacutevel De sorte que

ontologia e ciecircncia se potencializam e se criticam reciacuteproca e

permanentemente

Tambeacutem de acordo com Chasin por essas razotildees a ontologia

marxiana natildeo eacute uma resoluccedilatildeo de caraacuteter absoluto nos moldes do sistema

convencional mas a condiccedilatildeo de possibilidade de resoluccedilatildeo do saber Eacute em

outras palavras um estatuto movente e movido de cientificidade orienta e eacute

orientado pela ciecircncia e pela praacutetica universal dos homens Orienta e eacute

orientada guia e eacute guiada corrige e eacute corrigida Ou seja natildeo eacute um absoluto

inquestionaacutevel uma certeza estabelecida por deduccedilatildeo a partir de axiomas de

uma vez para sempre Mesmo porque a certeza cognitiva natildeo pode estar no

ponto de partida mas compreendida como alvo de uma busca permanente

procura intensiva e extensiva cuja infinitude eacute posta a cada momento entre

parecircnteses no qual o grau de certeza alcanccedilado eacute assumido como realizaccedilatildeo

maacutexima tendo por limites as possibilidades do tempo ou cenaacuterio histoacuterico grau

12

a ser confirmado ou ampliado ou ao inveacutes restringido na parte ou descartado

no todo posteriormente com todas as suas implicaccedilotildees correlatas

Em suma quando se utiliza a expressatildeo posiccedilatildeo ontoloacutegica e natildeo

perspectiva oacutetica prisma ou ponto de vista pretende-se remeter a lugar e agraves

coisas ou seja o reconhecimento do mundo como multiverso de entes reais

objetivos e que por isso mesmo faceiam o observador praacutetico ou teoacuterico natildeo

dependendo deste para existir em face do qual satildeo independentes Eacute

finalmente o reconhecimento da prioridade das coisas nas relaccedilotildees cognitivas

sem desconhecer eacute claro o caraacuteter ativo do investigador

Quando Chasin procura enfatizar o reconhecimento noccedilatildeo

imediatamente conexa a de posiccedilatildeo ontoloacutegica eacute por que aquela tem a

vantagem de colocar em primeiro lugar o caraacuteter natildeo puramente teoacuterico

contemplativo mas sobretudo praacutetico[viii] da aproximaccedilatildeo ao ente aleacutem da

natureza da operaccedilatildeo mental que designa - constataccedilatildeo ou recogniccedilatildeo vale

dizer a admissatildeo de algo a respeito do qual o discurso se pronuncia como forma

imediata de representaccedilatildeo

Relevar o caraacuteter praacutetico de aproximaccedilatildeo ao ente ou em outras

palavras partir ou dar prioridade agrave praacutetica significa por seu turno partir do

caraacuteter essencial do ser do homem por sua exteriorizaccedilatildeo operativa no mundo

que confirma sua forma de vida ou modo de existecircncia Quer dizer eacute um ponto

de partida desde logo sob criteacuterio ontoloacutegico ou seja que considera a

efetividade ocircntica do homem e do mundo de tal sorte que ambos satildeo

reconhecidos enquanto atividade sensiacutevel Caminho que tem o meacuterito de evitar

as vias reflexas[ix] como tambeacutem os engenhos e supostos dos encantamentos

especulativos como cogito sujeito transcendental ou os arqueacutetipos

generalizando uma expressatildeo marxiana os misticismos loacutegicos que nunca

deixam de mostrar sua condiccedilatildeo de artifiacutecios por mais rigorosos e envolventes

que sejam tanto que podem sempre ser contestados de algum modo ao passo

que os indiviacuteduos vivos e ativos os pressupostos dos quais Marx parte em A

13

Ideologia Alematilde natildeo podem nunca ser recusados a natildeo ser na fantasia e sob

pena de cancelar todo e qualquer andamento reflexivo

Em suma reconhecimento ontopraacutetico significa pois tomar como

ponto de partida a praacutetica - desde a praacutetica cotidiana agrave praacutetica cientiacutefica de ponta

- de um tempo dado

O plano ontopraacutetico jaacute bem delineado no texto de 1995 ganha nos

anos seguintes sucessivas correccedilotildees por parte do autor a ponto de se tornar o

eixo a partir do qual Chasin faz a criacutetica das Teorias da Fundamentaccedilatildeo ou

como ele as denomina ironicamente A Querela da Fundamentaccedilatildeo

A esse respeito costumava ele indagar O que eacute um fundamento Uma

Teoria da Subjetividade ou Uma Teoria da Objetividade

Se o fundamento for considerado a partir de uma teoria da

subjetividade por onde comeccedilar Pelo aparato sensorial como no empirismo

Ou pela consciecircncia ou coisa que o valha como o cogito cartesiano a

autoconsciecircncia a razatildeo ou as formas a priori do entendimento Ou ainda uma

teoria da mente

Ainda no plano do fundamento subjetivo poder-se-ia partir da

experiecircncia da vivecircncia do vivido Neste caso o vivido seria o preacute-teoreacutetico

mas enquanto experiecircncia existencial isto eacute as vivecircncias do indiviacuteduo isolado

em experiecircncia aleatoacuteria fortuita acidental

Mas se o fundamento for uma Teoria da Objetividade por onde

comeccedilar Pelos fenocircmenos empiacutericos Mas nesse caso natildeo terminariacuteamos

apenas no fundamento psicoloacutegico isto eacute teriacuteamos o psicologismo como

fundamento da verdade

14

E se partiacutessemos do todo concreto Natildeo findariacuteamos numa visatildeo

caoacutetica e abstrata de conjuntos indeterminados desamparados na companhia

de um punhado de abstraccedilotildees razoaacuteveis e irrazoaacuteveis

Feitas tais indagaccedilotildees Chasin conclui de modo enfaacutetico Toda peticcedilatildeo

de fundamento todo discurso por um fundamento estaacute encerrado na esfera

teoacuterica Aleacutem do mais todo discurso de fundamentaccedilatildeo pretende e implica uma

certeza ou seja de um modo ou de outro a suposiccedilatildeo de um saber absoluto

ainda que um simples momento do saber absoluto Vale dizer o discurso da

fundamentaccedilatildeo desemboca de algum modo na razatildeo especulativa Em outras

palavras implica algo que transcende a proacutepria natureza do saber que eacute um

processo infinito de aproximaccedilotildees

Para Chasin o reconhecimento do ontopraacutetico tem a vantagem de

escapar agrave querela da fundamentaccedilatildeo na medida em que parte da experiecircncia

real melhor dizendo da praacutetica real natildeo de uma experiecircncia isolada

arbitrariamente natildeo da experiecircncia aleatoacuteria da suposta existecircncia existencial

dos indiviacuteduos isolados dos indiviacuteduos em derreliccedilatildeo

O universo ontopraacutetico eacute o necessariamente vivido para que qualquer

pergunta possa se dar Eacute portanto a esfera preacute-teoreacutetica esfera que antecede

qualquer teoria Esfera sem a qual natildeo haacute vida humana e portanto sem a qual

natildeo pode haver qualquer pergunta teoacuterica

A reflexatildeo que tem como ponto de partida o ontopraacutetico estabelece

assim um pressuposto concreto (e natildeo uma verdade ideada) do qual natildeo posso

me afastar a natildeo ser na imaginaccedilatildeo

Em siacutentese a esfera ontopraacutetica representa o complexos dos homens

vivos e ativos A partir dessa abstraccedilatildeo razoaacutevel - o ontopraacutetico - pode-se

encontrar jaacute numa analiacutetica de desentranhamento desse complexo real o

devido lugar da ontologia da epistemologia e da ciecircncia da histoacuteria que

compreende dois grandes ramos natureza e sociedade

15

Em outras palavras sem a consideraccedilatildeo do ontopraacutetico torna-se

aleatoacuteria a localizaccedilatildeo que se confere tanto ao ontoloacutegico quanto ao epistecircmico

A opccedilatildeo por um deles se torna uma arbitrariedade teoacuterica e eacute justamente isto

que gera a querela da fundamentaccedilatildeo pois a decisatildeo fica submersa ao plano

teoacuterico ao jogo dos argumentos agrave ambivalecircncia do logos que eacute irresolutivo

Sem a consideraccedilatildeo do ontopraacutetico parte-se assim de imediato da

teoria e natildeo do ser que faz da teoria ou deste como uma abstraccedilatildeo da

inteligibilidade ou seja de uma faculdade abstraiacuteda do ser que a possui

gerando com isso um absurdo ontoloacutegico

Eacute portanto a partir da analiacutetica do ontopraacutetico pelo reconhecimento de

seus traccedilos categoriais que tem iniacutecio a elaboraccedilatildeo ontoloacutegica Ou seja a

ontologia nasce como reflexatildeo conscientizaccedilatildeo conceituaccedilatildeo do ontopraacutetico

enquanto primeiro objeto da ontologia que a partir daiacute se encaminha em

direccedilatildeo agrave criacutetica - em termos de sua necessidade e loacutegica especiacutefica - do proacuteprio

ontopraacutetico isto eacute do complexo dos objetos reais aiacute incluiacutedo o homem

Resta ainda em relaccedilatildeo agrave problemaacutetica geral em tela aflorar a questatildeo

da adequatio tal como era tematizada tambeacutem em seus cursos

Polemizando com a denominaccedilatildeo de realismo comumente utilizada

para denominar proposituras que conferem prioridade ao mundo objetual

Chasin afirmava que haacute realismo - antigo - quando eacute suposto que a ordem da

razatildeo agrave idecircntica a ordem do real e que a partir de axiomas por meios racionais-

dedutivos embuiacutedos do espiacuterito de sistema se possa estabelecer a verdade do

mundo

Em Marx entretanto a ordem das coisas e da razatildeo satildeo distintas (um

exemplo expressivo desta postura marxiana pode ser encontrada na famosa

Introduccedilatildeo de 57) ambas mutaacuteveis e processuais - unidade da desidentidade

entre ser e saber Assim o mundo natildeo pode ser deduzido racionalmente mas

reproduzido sob forma de ideacuteia por meio de aproximaccedilotildees - empiacuterico abstrato

16

concreto - num processo intensivo e extensivo historicamente condicionado

possibilitado ou impedido - na dependecircncia que fica da maturaccedilatildeo do objeto e

do posicionamento do sujeito O processo mimeacutetico eacute portanto reproduccedilatildeo

conceitual de efetividades donde se lida com duas ordens de formaccedilotildees real e

ideal A reproduccedilatildeo conceitual apresenta portanto sua proacutepria loacutegica mas no

interior da determinaccedilatildeo soacutecio-histoacuterica do pensamento de modo que uma

teoria do conhecimento (morfologia e dinacircmica da subjetividade in abstratu e

imutaacutevel) eacute incapaz de explicar o processo cognitivo pois a faculdade humana

da forccedila da abstraccedilatildeo depende das possibilidades oferecidas pela

determinaccedilatildeo social do pensamento que por sua vez se manifesta e se

configura pelo desenvolvimento dos objetos e da praacutetica humana que sobre eles

tem incidecircncia

Donde a franca afirmaccedilatildeo marxiana da possibilidade de conhecer natildeo

se confunde com a simplicidade e facilidade da concepccedilatildeo realista nem mesmo

no plano da ingenuidade cotidiana desde logo porque a atividade cotidiana -

que estaacute para aleacutem da ingenuidade ou lanccedila os sujeitos para aleacutem da

ingenuidade - eacute em si um complexo rico e desafiador matrizador inclusive da

intentio recta atitude natural e necessaacuteria da esfera ontopraacutetica

Haacute portanto que distinguir as grandes diferenccedilas ontoloacutegicas entre o

estatuto marxiano e a ontologia realista Na primeira a adequatio digamos

assim eacute correlaccedilatildeo entre formaccedilatildeo real e formaccedilatildeo ideal duas ordens distintas

de configuraccedilatildeo Em outras palavras eacute correlaccedilatildeo conceitual entre entificaccedilatildeo

concreta e reproduccedilatildeo conceitual Em suma a reproduccedilatildeo conceitual nada mais

eacute do que transposiccedilatildeo agrave cabeccedila ordenada pelos nexos do real na forma e pelos

meios da proacutepria atividade mental

I - Tomando Marx por Base e por Ponto de Chegada

17

Considerando como ponto de referecircncia as consideraccedilotildees

desenvolvidas por Marx em O Capital especificamente sobre a dificuldade

encontrada pela humanidade na compreensatildeo do valor ao longo de dois

milecircnios - de Aristoacuteteles a Ricardo - pode-se sustentar segundo Chasin que

um fenocircmeno muito similar a este se produziu no que tange agrave determinaccedilatildeo do

ser ou seja da(s) matriz(es) da(s) realidade(s) ou seja da efetividade

Tomemos as passagens em questatildeo que se encontram no Prefaacutecio agrave

Primeira Ediccedilatildeo de O Capital Todo comeccedilo eacute difiacutecil isso vale para qualquer

ciecircncia A forma do valor cuja figura acabada eacute a forma do dinheiro eacute muito

simples e vazia de conteuacutedo Mesmo assim o espiacuterito humano tem procurado

desvendaacute-la (ergruumlden) em vatildeo haacute mais de 2000 anos enquanto por outro lado

teve ecircxito ao menos aproximado a anaacutelise de formas muito mais complicadas e

replenas de conteuacutedo Por quecirc Porque o corpo desenvolvido eacute mais faacutecil de

estudar do que a ceacutelula do corpo Aleacutem disso na anaacutelise das formas econocircmicas

natildeo podem servir nem o microscoacutepio nem reagentes quiacutemicos A forccedila da

abstraccedilatildeo deve substituir a ambos Para o leigo a anaacutelise parece se perder

em pedantismo Trata-se efetivamente de pedantismo mas daquele de que se

ocupa a anatomia microscoacutepica

De acordo com Chasin eacute necessaacuterio reter os seguintes noacutedulos

significativos da citaccedilatildeo acima

1) todo iniacutecio de uma ciecircncia eacute difiacutecil donde o princiacutepio da ontologia o

princiacutepio da ciecircncia deve ser o mais difiacutecil de todos

2) haacute grande dificuldade na compreensatildeo da forma do valor que eacute um

objeto simples e vazio de conteuacutedo

3) haacute ecircxito maior na anaacutelise de formas mais complicadas e replenas de

conteuacutedo

18

Na mesma citaccedilatildeo Marx enuncia os motivos de tal dificuldade

1) o corpo desenvolvido eacute mais faacutecil de estudar do que a ceacutelula do

corpo

2) meacutetodos experimentais natildeo satildeo aplicaacuteveis a esse tipo de forma

3) a analiacutetica dessa forma pela forccedila da abstraccedilatildeo deve tomar o lugar

da observaccedilatildeo empiacuterica e experimental

4) anaacutelise voltada agrave anatomia microscoacutepica da forma estudada

A partir dessas indicaccedilotildees colhidas no texto de Marx Chasin elabora

um esboccedilo para fins unicamente didaacuteticos em que busca transpassaacute-las para a

proacutepria questatildeo ontoloacutegica afirmando o que se segue

1) o iniacutecio difiacutecil da ontologia perdurou tambeacutem por mais de 2000

anos trajetoacuteria em que se observa tateios imprecisos caracterizados por um

movimento simultacircneo de constituiccedilatildeodissoluccedilatildeo ateacute chegar em Marx Tal

movimento simultacircneo de constituiccedilatildeodissoluccedilatildeo revela por seu rumo

imanentemente contraditoacuterio por seus caminhos e descaminhos histoacutericos a

dificuldade e a longa incapacidade na formulaccedilatildeo precisa de seu objeto e

alcance ou seja de sua natureza e propoacutesito - de sua funccedilatildeo orientadora e

sustentadora no plano teoacuterico e de sua origem praacutetica preacute-teoreacutetica

2) reconhecimento ontopraacutetico das formas dos seres e analiacutetica da

forma do ser apenas por meio da forccedila da abstraccedilatildeo no reconhecimento

ontopraacutetico os seres satildeo reconhecidos como substantivos e nesse caso ateacute

certo ponto vale para a observaccedilatildeo espontacircnea e observaccedilatildeo comum pois o

desvendamento completo exige forccedila de abstraccedilatildeo como verbo ( o ato de ser

de Gilson) soacute a forccedila da abstraccedilatildeo daiacute a facilidade para se cair no

abstrativismo

19

Eacute nesse preciso momento da exposiccedilatildeo chasiniana que surgem as

primeiras referecircncias a Eacute Gilson assim como a N Hartmann momentos mais agrave

frente Evidentemente que esse procedimento natildeo ocorre por acaso pois o que

estaacute em questatildeo agora satildeo as tentativas contemporacircneas de resgate da

tematizaccedilatildeo ontoloacutegica

Eacute Gilson afirma que o mais fundamental dos problemas da filosofia - a

relaccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia que por seu turno diz respeito agrave distinccedilatildeo

de ser como nome isto eacute como substantivo em latim ens (ente) e como verbo

esse Eacute sabido que o esse tomista eacute concebido como ato de ser - actus essendi -

significando portanto existecircncia ato de existir ato de ser

Chasin comenta a ambiguumlidade da noccedilatildeo de ser para qual Gilson

chama atenccedilatildeo afirmando o que se segue

1) Ens eacute um nome que significa um ser (determinado) ou seja a

natureza e a essecircncia de qualquer existente ou entatildeo - o ser mesmo - uma

propriedade comum a tudo aquilo que se pode dizer que eacute (que pertence a)

Em suma enquanto nome ou substantivo ser designa um existente

qualquer ou uma propriedade comum a todos os existentes designa o que

verdadeiramente eacute ou uma propriedade geral eacute um ente ou uma entidade

2) Enquanto verbo ser designa a accedilatildeo ou o ato de ser exercido pelo

ente Assim como verbo natildeo significa que algo eacute nem a existecircncia em geral

mas o ato mesmo pelo qual qualquer realidade dada eacute de fato ou existe

Precisamente a este ato Gilson chama de ser em contraposiccedilatildeo a ente

De todo modo feita a distinccedilatildeo Chasin considera existir um seacuterio

problema ao tomar em separado ens e esse indagando eacute possiacutevel pensar em

duas figuras no isolamento Seraacute que essa configuraccedilatildeo eacute de fato o mais

fundamental dos problemas ou eacute o mais antigo o mais remoto e o mais cultuado

dos equiacutevocos da histoacuteria da filosofia

20

De um lado a compreensatildeo da forma de ser enquanto verbo como

pura significaccedilatildeo verbal de existir de estar presente enquanto significaccedilatildeo de

ato ou presenccedila o verbo eacute forma simples e vazia de conteuacutedo pois reduzida ao

predicado mais geral e comum das coisas denota apenas sua existecircncia De

outro lado ocorre o mesmo problema com o substantivo ser - ens - pois redunda

em essecircncia imutaacutevel Em outras palavras na histoacuteria da filosofia nesses dois

caminhos houve de longa data polecircmica sobre o que existe em que plano se daacute

a existecircncia e assim por diante No caso do ser como verbo o ser eacute muito

parcamente categorial reduzido agrave presenccedila no tempo e no espaccedilo soacute possui o

predicado abstrato da existecircncia no caso do substantivo tomado sem o ato de

existir se converte em complexo de propriedades ou entidades perenes

A resoluccedilatildeo para tal questatildeo reside segundo Chasin em tomar o ser

enquanto complexo categorial daquilo que eacute como ente que existe Nesse

sentido o desvendamento tem ecircxito maior como mostra a ciecircncia que toma

para anaacutelise formas mais complicadas e replenas de conteuacutedo vale dizer uma

vez que tem por alvo o ser por sua efetividade e determinado por suas

qualidades natildeo apenas pelo reconhecimento de sua presenccedila mas pelo seu

complexo categorial

Ora arremata Chasin a forma sensiacutevel do ente compreende o ens e o

esse ou seja a plena riqueza do complexo categorial

- Loacutegica e Ciecircncia

Neste item Chasin defende a tese de que na medida em que

pretendeu e pretenda ser uma disciplina ou ciecircncia de chegada isto eacute

21

conclusiva autocircnoma e sistemaacutetica a ontologia acaba por ser transmutada em

loacutegica ou ciecircncia

Talvez possa ser dito que nas ontologias onde predomine

unilateralmente o ser como verbo ou o ente como essecircncia terminem por ser

uma loacutegica que de alguma forma acaba por ter a pretensatildeo de constituir o ser

a loacutegica eacute entatildeo o segredo uacuteltimo do ser ou sua base cognitiva e por essa via

sua base ontoloacutegica - que assim nega a ontologia ou seja o reconhecimento do

ser por si

De outra parte predominando o ser como substantivo o fim da

ontologia acaba por ser uma forma de ciecircncia ou seja a ontologia eacute novamente

negada como ocorreu com a ciecircncia moderna donde sua pretendida auto-

suficiecircncia que apenas admite por fundamento uma forma qualquer de

gnosiologia isto eacute uma forma a priori da operatividade subjetiva

desaparecendo assim a regecircncia do objeto o que ao contraacuterio caracteriza o

espiacuterito e o propoacutesito ontoloacutegicos ou seja o reconhecimento do ente enquanto

ente o oacuten qua oacuten ou ser por si

Em suma a ontologia quando centrada no ser como verbo rarefeita

pelo vazio de sua forma termina por ser loacutegica por outro lado quando centrada

no ser como substantivo agraves voltas com gecircneros formados por complexos

qualitativos termina por se constituir em ciecircncia particular e autocircnoma Assim

ao pretender ser tudo concludente sistemaacutetica e independente por sua forma

mais vazia ou por suas categorias abstratas e perenes a ontologia acaba por

ser negada pela loacutegica ou pela ciecircncia Pretendendo ser tudo acaba por

desaparecer

Ora ao tomar o ser como verbo a ontologia tem de compreender que

natildeo pode ser mais do que a anatomia de uma propriedade do ser - de sua

propriedade mais geral e vazia - a propriedade de sua presenccedila enquanto corpo

real ausente ou presenccedila de um complexo categorial abstraiacutedo O ser aqui eacute

22

reduzido agrave forma mais vazia a simples propriedade de um todo que escapa

completamente agrave sua jurisdiccedilatildeo Donde seu desenlace em loacutegica

De outra parte quando o ser eacute tomado em sua denotaccedilatildeo substantiva

ou seja na multiplicidade de suas propriedades qualitativas em interconexatildeo

especiacutefica transborda em ciecircncia na medida em que a ontologia pretenda a

condiccedilatildeo de disciplina ou ciecircncia sistemaacutetica

Donde a impossibilidade de a ontologia ficar adstrita agrave forma do verbo

nem se realizar como dilucidaccedilatildeo concreta do substantivo Assim deve-se

reconhecer que a ontologia natildeo pode se realizar em nenhum desses dois poacutelos

nem simples tematizaccedilatildeo do ato geneacuterico da presenccedila - que redundaria em

simples compoacutesito tautoloacutegico nem tematizaccedilatildeo do ser substantivo concreto

pois aiacute se desnaturaria em ciecircncia especiacutefica

Conclusivamente a ontologia nem eacute simples tautologia do ser em ato

nem efetivaccedilatildeo cientiacutefico-concreta do desvendamento do ser como substantivo

Enquanto tal a ontologia eacute uma realizaccedilatildeo necessaacuteria no espaccedilo que antecede

aqueles dois poacutelos em verdade a plataforma que leva da constataccedilatildeo mais

abstrata do ser (tanto como substantivo quanto verbo) agrave sua reproduccedilatildeo

cientiacutefica como substantivo Enquanto tal eacute um estatuto - uma filosofia primeira

o cacircnon da legalidade do ser matrizado pelos traccedilos ou vetores categoriais

fundamentais do ser por si que matriza a cientificidade tanto em sua forma mais

abstrata - loacutegica - quanto em sua forma mais concreta - ciecircncia

O problema fundamental da filosofia primeira - philosophia prima - eacute o

problema das categorias mais gerais do ser aiacute incluso o ato de ser donde em

sua plenitude o ato sensiacutevel de ser - ens e esse o ens essendi complexo

categorial pleno no ato de existir

Essa plataforma estatutaacuteria natildeo eacute uma disciplina situada entre outras

disciplinas entre a loacutegica e a ciecircncia como um campo intermediaacuterio entre o

verbo e o substantivo entre a maacutexima abstratividade e a efetividade concreta

23

Essa distribuiccedilatildeo topograacutefica confere agrave abstraccedilatildeo a condiccedilatildeo de fundaccedilatildeo

(determinaccedilatildeo originaacuteriaontoloacutegica) e fundamento (ponto de partida

epistemoloacutegico) Se assim fosse perderia a condiccedilatildeo de filosofia primeira

Enquanto filosofia primeira eacute o reconhecimento do substantivo verbal

do substantivo que eacute do ens essendi natildeo de uma substantividade qualquer em

abstrato mas da substantividade que existe por todas as modalidades

categoriais isto eacute reais (sensiacuteveis) natildeo apenas um substantivo pensado que

dependeria para ser do pensamento mas do substantivo que eacute por-si

independentemente se ser pensado o que requer o complexo categorial

da sensibilidade por isso eacute que soacute eacute ser o ser sensiacutevel Vale dizer o ser como

verbo eacute resultado do ser substantivo soacute um sujeito (em suas diversas formas na

cadeia do ser) eacute (soacute um sujeito existe eacute faz sente pensa etc de acordo com

seu grau na cadeia do ser)

A ontologia do puro verbo ser ou das puras essecircncias (complexo

categorial abstrativante e eterno) eacute a autonomizaccedilatildeo das categorias ou da

existecircncia em relaccedilatildeo ao ser e existir reais agraves formas reais de ser e existir satildeo

as categorias e a existecircncia sem corpo ou sujeito mais do que isso satildeo as

categorias (essecircncia) e existecircncia em geral universal e abstrata tornadas

sujeito a essecircncia ou a existecircncia abstratas personificadas - e isso satildeo

puramente figuras do pensamento o que jaacute eacute especulaccedilatildeo natildeo ontologia

Marx agrave semelhanccedila de Feuerbach soacute admite como ente ou melhor

como entificaccedilatildeo o ens essendi - o ente sendo o ente no ato de ser o ente

revestido de existecircncia atual - objetivo o ente no exerciacutecio da accedilatildeo ou ato de

ser eacute portanto um ente existente ou seja o ente que estaacute sendo o ente no ato

de existir

Donde do mesmo modo que em Feuerbach o ser eacute inseparaacutevel de sua

existecircncia Ser e existir constituem uma unidade indissoluacutevel complexo

24

categorial no ato de ser pela atualizaccedilatildeo do complexo categorial essecircncia

determinada e mutaacutevel na mutabilidade de ser e ir sendo (essendi)

Eacute chegada a hora depois desta etapa analiacutetica de vislumbrar qual eacute o

cenaacuterio em Marx que esse conjunto de questotildees se coloca Com esse objetivo e

como eacute tiacutepico de seu procedimento investigativo junto aos textos daquele autor

Chasin toma para anaacutelise o item 1 O Processo de Trabalho do capiacutetulo V de O

Capital Nele pode-se identificar em primeiro lugar a natureza geral (universal)

da atualizaccedilatildeo da forccedila de trabalho que se encontra em potecircncia nos indiviacuteduos

A produccedilatildeo de valores de uso ou bens natildeo muda sua natureza geral por se

realizar para o capitalista e sob seu controle Por isso o processo de trabalho

deve ser considerado de iniacutecio independentemente de qualquer forma social

determinada[x]

Por que o processo de trabalho deve ser considerado de iniacutecio

independentemente de qualquer forma social determinada indaga Chasin A

resposta eacute formulada em estilo direto Para natildeo ser perdida a natureza do

trabalho sua positividade enquanto atividade humana vital

Tem-se nessa passagem segundo Chasin um exemplo do exerciacutecio

de uma ontologia estatutaacuteria - a positividade (sua efetividade ou operosidade)

universal do trabalho enquanto atributo vital e inalienaacutevel do homem

independentemente de suas formas concretas que se apresentam na forma do

trabalho alienado

Eacute a determinaccedilatildeo universal do trabalho o traccedilo de sua legalidade

uacuteltima sua determinaccedilatildeo mais geral e essencial dimensatildeo que natildeo desaparece

nem mesmo sob suas formas concretas mais negativas

A ontologia estatutaacuteria registra o traccedilo ou rastro dessa dimensatildeo

permanente que atravessa as formas concretas em sua efetividade contraditoacuteria

e especialmente desfavoraacutevel para o homem enquanto maioria subjugada ao

longo de toda a preacute-histoacuteria da humanidade

25

Permanente mas permanente processual mutaacutevel diversamente

positivo quantitativa e qualitativamente em cada uma das formas concretas em

que o trabalho aparece nas configuraccedilotildees sociais determinadas

Nesse sentido abstratamente permanente abstratamente positivo mas

onde essa abstratividade natildeo corresponde a uma simples determinaccedilatildeo

conceitual Corresponde a uma efetividade em sua figura proacutepria em cada forma

social determinada

Agrave ontologia estatutaacuteria compete o reconhecimento dessa dimensatildeo mais

geral base para a decifraccedilatildeo cientiacutefica concreta dos casos efetivos que por sua

vez confirmam ou natildeo criticamente a determinaccedilatildeo mais geral ontoloacutegica Natildeo

haacute portanto um abismo separando ontologia de ciecircncia mas a continuidade de

momentos distintos de uma mesma unidade de conhecimento que interagem e

se medem reciprocamente se apoacuteiam estimulam e criticam um infinito processo

constitutivo das certezas

Continuando a anaacutelise do texto marxiano tem-se a descriccedilatildeo do

trabalho e o reconhecimento analiacutetico de sua natureza Antes de tudo [aqui

Chasin faz uma pequena observaccedilatildeo assinalando ou seja na raiz em seu

fundamento diria uma linguagem mais convencional e ciosa de suas

pretendidas atribuiccedilotildees] o trabalho eacute um processo entre o homem e a

natureza um processo em que o homem por sua proacutepria accedilatildeo medeia regula

controla seu metabolismo com a natureza Ele mesmo se defronta com a

mateacuteria natural Ele potildee em movimento as forccedilas naturais pertencentes agrave sua

corporalidade braccedilos e pernas cabeccedila e matildeo a fim de se apropriar da mateacuteria

natural numa forma uacutetil para a sua proacutepria vida Ao atuar por meio desse

movimento sobre a natureza externa a ele e ao modificaacute-la ele modifica ao

mesmo tempo sua proacutepria natureza Ele desenvolve as potecircncias nela

adormecidas e sujeita o jogo de suas forccedilas a seu proacuteprio domiacutenio[xi]

26

Observe-se que diz Chasin ao trabalhar ao mudar a forma da

natureza ao construir sua proacutepria mundaneidade o homem ele proacuteprio por

meio de seu proacuteprio trabalho transforma a sua proacutepria natureza Ou seja de ser

natural para social eis um novo exemplo de lineamento reconhecido e recolhido

agrave ontologia estatutaacuteria

Prosseguindo na especificaccedilatildeo Marx afirmaPressupomos o trabalho

numa forma que pertence exclusivamente ao homem Uma aranha executa

operaccedilotildees semelhantes agraves do tecelatildeo e a abelha envergonha mais de um

arquiteto humano com a construccedilatildeo dos favos de suas colmeacuteias Mas o que

distingue de antematildeo o pior arquiteto da melhor abelha eacute que ele construiu o

favo em sua cabeccedila antes de construiacute-lo em cera No fim do processo de

trabalho obteacutem-se um resultado que jaacute no iniacutecio deste existiu na imaginaccedilatildeo do

trabalhador e portanto idealmente Ele natildeo apenas efetua uma transformaccedilatildeo

da forma da mateacuteria natural realiza ao mesmo tempo na mateacuteria natural seu

objetivo que ele sabe que determina como lei a espeacutecie e o modo de sua

atividade e ao qual tem de subordina sua vontade E essa subordinaccedilatildeo natildeo eacute

um ato isolado Aleacutem do esforccedilo dos oacutergatildeos que trabalham eacute exigida a vontade

orientada a um fim que se manifesta como atenccedilatildeo durante todo o tempo de

trabalho e isso tanto mais quanto menos esse trabalho pelo proacuteprio conteuacutedo e

pela espeacutecie modo de sua execuccedilatildeo atrai o trabalhador portanto quanto

menos ele o aproveita como jogo de suas proacuteprias forccedilas fiacutesicas e espirituais[xii]

Chasin chama atenccedilatildeo para as seguintes observaccedilotildees

1) a preacutevia-ideaccedilatildeo do resultado (do fim) a existecircncia ideal do mesmo

na imaginaccedilatildeo donde o objeto ou um complexo categorial in mente e ante

res[xiii]

Preacutevia-ideaccedilatildeo e teleologia satildeo ou podem ser momentos confluentes

mas natildeo satildeo idecircnticos a preacutevia-ideaccedilatildeo estaacute no comeccedilo e eacute um desenho ideal

que implica o conhecimento da espeacutecie e do modo da atividade a realizar

27

conhecimento das malhas causais teleologia eacute simplesmente finalidade fim

objetivo podendo se apresentar de modo meramente volitivo e bem abstrato

natildeo mobilizante dos ou sem os meios de sua realizaccedilatildeo ou seja ter teleologia

sem preacutevia-ideaccedilatildeo natildeo conduz a nenhum processo de trabalho Quero assinar

que o termo teleologia pode ser demasiado vago no sentido de mero conceito

filosoacutefico convencional nesse sentido apenas alusivo e natildeo instrumentador de

operaccedilotildees na esfera da atividade sensiacutevel Pode ser entendido mais como

manifestaccedilatildeo de espiacuterito do que como exigecircncia de efetuaccedilatildeo de mudanccedila de

forma da mateacuteria natural e objetivaccedilatildeo de propoacutesito E de toda forma indica

antes de tudo que o fim o realizado estaacute no fim do processo fala do obtido ou

do a ser obtido nada nos diz da travessia que realiza da travessia que passa do

ideal para o real natildeo nos fala da mobilizaccedilatildeo ideal e material necessaacuterias

Quando a teleologia se manifesta como resultado jaacute natildeo eacute preciso dizer mais

nada a respeito Basta saudar e usufruir de sua apariccedilatildeo que nada tem de

maacutegica ou misteriosa mas antes de reconhececirc-la como produto das

metamorfoses de subjetividade e objetividade Ou seja em suas distintas

naturezas inconfundiacuteveis enquanto tais objetividade e subjetividade satildeo

entificaccedilotildees na mundaneidade humana e nessa qualidade estados ou momentos

do ser social momentos regidos pela atividade ideal e sensiacutevel do mesmo

Penso que Lukaacutecs ao transpor a questatildeo para a linguagem filosoacutefica

tradicional pode ter dissociado demais fins e meios o que natildeo eacute o caso dos

textos de Marx Por isso Lukaacutecs se vecirc obrigado depois a buscar a rearticulaccedilatildeo

entre teleologia e causalidade e nisso encontre natildeo poucas dificuldades (como

uma passa para outra e vice-versa parecendo que lida ao limite com

substacircncias incomunicaacuteveis natildeo as compreendendo em suas metamorfoses) e

deixe que se perca certa substacircncia da questatildeo antes de tudo o interfluxo entre

objetividade e subjetividade com seus distintos momentos preponderantes em

cada um dos passos dos momentos embricados dos processos Creio que as

duas esferas ficam sempre tradicionalmente um tanto estranhas uma em

28

relaccedilatildeo agrave outra seja para preservar a objetividade e aiacute se torna objetivista seja

para ressaltar a subjetividade e aiacute desliza para o subjetivismo

2) No fim do processo tem-se seu resultado que eacute a transformaccedilatildeo da

forma de uma dada mateacuteria natural e a realizaccedilatildeo do objetivo do trabalho que

existiu antes como preconfiguraccedilatildeo ideal Portanto o trabalho transforma

imagem ideal em ente real complexo categorial in rebus

Em suma no pensamento de Marx as categorias ou complexos

categoriais satildeo reconhecidos sob as trecircs formas in mente (existem idealmente

na imaginaccedilatildeo ou como reproduccedilatildeo mental das coisas categorias da

representaccedilatildeo) ante res (preacutevia-ideaccedilatildeo) e in rebus como efetividades quando

estatildeo na forma de ser Como confirmaccedilatildeo tome-se mais esta passagem do

mesmo capiacutetulo No processo de trabalho a atividade do homem efetua

portanto mediante o meio de trabalho uma transformaccedilatildeo do objeto de

trabalho pretendida desde o princiacutepio O processo extingue-se no produto Seu

produto eacute um valor de uso uma mateacuteria natural adaptada agraves necessidades

humanas mediante transformaccedilatildeo da forma O trabalho se uniu com seu objeto

O trabalho estaacute objetivado e o objeto trabalhado O que do lado do trabalhador

aparecia na forma de mobilidade aparece agora como propriedade imoacutevel na

forma do ser[xiv] do lado do produto Ele fiou e o produto eacute um fio[xv]

Como arremate analiacutetico dessa famosa mas muitas vezes mal

compreendida passagem de O Capital Chasin conclui ao mesmo tempo em que

visualiza uma nova tarefa Se assim eacute se as categorias podem aparecer nas

trecircs formas - in rebus - in mente - ante res - haacute entatildeo que determinar o que satildeo

cada uma dessas formas

Esquematicamente Chasin propotildee o seguinte

1) se estatildeo in rebus (nas coisas) estatildeo na forma do ser

29

2) se estatildeo in mente (na cabeccedila) estatildeo na forma da reproduccedilatildeo ideal

das coisas Trata-se da subjetividade receptora[xvi] que reproduz as coisas natildeo

captando apenas seus dados empiacutericos superando pois o empirismo e elabora

portanto a reproduccedilatildeo ideal dos entes e onde a subsunccedilatildeo aos objetos eacute a

atividade de sua elaboraccedilatildeo ideal

3) se estatildeo ante res (antes das coisas) estatildeo na forma da finalidade da

preacutevia mentalizaccedilatildeo de objetivos e meios

Poreacutem no segundo e terceiro casos as categorias estatildeo na forma de

espeacutecies de pensamento representaccedilotildees e projeccedilotildees do ser do vir-a-ser dos

meios materiais instrumentais processuais e dinacircmicos de entificaccedilatildeo dos

seres

Concluindo essa parte dizer pois que o homem e o mundo satildeo

atividade sensiacutevel que por criar seu mundo cria a si mesmo eacute determinar o

homem como a criatura criadora de seres

No entanto na medida em que apenas na configuraccedilatildeo histoacuterica regida

pela loacutegica do capital ou seja na plenitude da produccedilatildeo da riqueza entendida

por sua essecircncia subjetiva que eacute o trabalho que se atinou para determinaccedilatildeo

do homem como a criatura criadora de seres foi possiacutevel agrave reflexatildeo pode se

dar conta potencialmente da verdadeira problemaacutetica do ser

Em outras palavras eacute pela criacutetica ao criador de criaturas na forma da

alienaccedilatildeo - criacutetica marxiana agrave sociedade capitalista - eacute que a ontologia pode

atinar com seu verdadeiro objeto e modo de determinaccedilatildeo Natildeo eacute casual que

tenha emergido pela criacutetica feuerbachiana ao sistema hegeliano (a criaccedilatildeo

especulada dos entes) e ganho seus contornos efetivos no advento de uma

nova forma de pensamento e concepccedilatildeo de praacutetica - a doutrina de Marx

Resumindo no caso de Marx ontologia eacute estatuto ou filosofia primeira

do ser social que enquanto tal norteia a concreccedilatildeo cientiacutefica do mesmo cuja

30

realizaccedilatildeo corrige e enriquece o proacuteprio estatuto donde a sinergia e a reciacuteproca

dimensatildeo criacutetica entre estatuto ontoloacutegico e ciecircncia da histoacuteria em seus diversos

departamentos possiacuteveis estabelecidos jaacute por criteacuterio ontoloacutegico ou seja que

respeita a integridade das coisas em suas qualidades e processos interconexos

que as constituem em seu ser por si e enquanto tais satildeo reproduzidas

teoricamente

Enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma da legalidade objetiva (material

e espiritual) do ser social ou seja enquanto malha de asserccedilotildees ou

determinaccedilotildees de seu complexo categorial enquanto o permanente na forma de

processo a ontologia estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a

sociabilidade como substacircncia desse grau maacuteximo da cadeia do ser

Mas substacircncia como complexo categorial como siacutentese de categorias

essenciais que denota uma forma especiacutefica determinada de presenccedila ou

existecircncia plenamente qualificada

Por isso eacute estatuto ontoloacutegico pois a plataforma canocircnica do ser eacute o

coacutedigo do substantivo verbal como substacircncia substrato) assim o estatuto

ontoloacutegico do complexo substantivo do ser social deve reconhecer a

sociabilidade como substacircncia A sociabilidade como substrato dos homens

seja na forma da alienaccedilatildeo seja na forma de sua latecircncia de substancialidade

em vir-a-ser no caminho infinito de sua realizaccedilatildeo

Trata-se portanto em Marx de estatuto e natildeo sistema pois como

sistema seria um agregado de abstraccedilotildees uma filosofia que uma vez obtidas

noccedilotildees fundamentais passa a se edificar por si ou seja as noccedilotildees seriam

coaacutegulos inteligiacuteveis que passam por auto-sustentaccedilatildeo a configurar

dedutivamente o mundo Ao passo que estatuto eacute uma ordem a legalidade do

ser sensiacutevel - o ser na plenitude de seus atributos

tempo (histoacuteriaprocessoduraccedilatildeomutabilidade) lugar e sensibilidade

especificamente a legalidade do ser social imanente a si em sua especiacutefica

31

objetividade O ser sensiacutevel eacute a forma do ser porque eacute a plenitude das

categorias possiacuteveis

E as formaccedilotildees ideais

Segundo Chasin as formaccedilotildees ideais do mesmo modo que as

formaccedilotildees reais - formas do ser - tecircm lugar e tempo como categorias - o tempo

e o espaccedilo das formaccedilotildees sociais que satildeo engendradas mas estatildeo privadas de

sensibilidade

O sensiacutevel soacute eacute predicaccedilatildeo inerecircncia agrave forma do ser que conteacutem a

plenitude dos predicados possiacuteveis (sensibilidade espaccedilo tempo)

Essa forma de conceber o ser eacute reconhecer substancialidade ao

complexu agrave unidade totalizada ou seja ao conjunto pleno de atributos em ato

Em outras palavras ser eacute complexo categorial - tem a forma de ser -

completude ou forma conferida pelo sensiacutevel que se desdobra em muacuteltiplos

atributos e se condensa de infinitas maneiras no gradiente do ser

Em suma segundo Chasin tomando Marx como base e ponto de

referecircncia permanentes ser eacute plenitude categorial ou seja a plenitude

categorial eacute sua forma e por ser sensiacutevel compreende lugar e tempo

Donde se admitido o princiacutepio metoacutedico de Marx saber eacute saber do ser

que antes de tudo eacute um complexo sensiacutevel - tudo que eacute existe eacute sempre um

complexo natildeo uma substacircncia ou essecircncia pura e cristalina E a cadeia do ser eacute

o conjunto de graus do ser - do menos ao mais complexo

O preceito metodoloacutegico marxiano eacute pois ontoloacutegico sabe-se o que eacute

como se formou se desenvolveu e como depereceraacute

Por via de consequumlecircncia e diante das vicissitudes da histoacuteria da

ontologia de seu processo constitutivo e dissolutor diante da penosa rota da

32

conquista teoacuterica do real homoacuteloga ou equivalente agrave necessidade humana de

produzir a sua mundaneidade e a si mesmo a ontologia eacute o que pode ser - o

que natildeo eacute pouco - a esfera teoacuterica da incerteza propulsora positiva

afirmativamente organizada O patamar do incerto ordenado como plataforma da

busca infinita da certeza Impulsatildeo incontornaacutevel que natildeo pode ser eludida pela

presenccedila imperativa dos circuitos ontopraacuteticos

Talvez agora o estatuto ontoloacutegico marxiano possa ser enunciado do

seguinte modo eacute o estudo das categorias fundamentais - em traccedilos essenciais

abstratos em suas determinaccedilotildees mais gerais - da existecircncia social

historicamente constatada e reconhecida sendo possiacutevel exemplificar com as

seguintes categorias historicidade (processualidade ou mutabilidade)

concreticidade ou objetividade atividade sensiacutevel e ideal (trabalho e

reproduccedilatildeo) subjetividade (receptiva e proponente) valor individualidade

gecircnero (sociabilidade) Tudo isso perfilando o complexo de complexos da auto

realizaccedilatildeo do ser humano-societaacuterio entendido que o fim dos fins eacute a infinitude

da realizaccedilatildeo do humano - do autopor-se do aberto ser humano-societaacuterio

Estatuto que em outros termos eacute a ordem do reconhecimento ou

reproduccedilatildeo teoacuterica da identidade natureza e constituiccedilatildeo das coisas por si por

seus complexos categoriais decisivos independentemente em qualquer plano

de se tornarem objetos de praacutetica ou reflexatildeo

Enquanto tal eacute a teoria do reconhecimento da objetividade histoacuterico-

social imanente em suas distintas formas de apresentaccedilatildeo (natureza e

sociedade) Em termos muito breves eacute o momento mais abstrato do

reconhecimento da identidade das coisas por si enquanto tal um dos momentos

distintos da unidade do saber do qual participa um segundo sob forma

concreta que eacute a ciecircncia

Pela proacutepria natureza histoacuterica processual do ser a ontologia marxiana

natildeo corresponde nem poderia corresponder por simples imperativo de

33

coerecircncia agrave forma de um saber universal plantado sobre uma racionalidade

auto-sustentada ou seja fundado na razatildeo universal nada mais a versatildeo laica

ou profana de Deus no dizer de Feuerbach Ou seja trata-se enfim de uma

forma de ontologia sem parentesco com o saber absoluto e que recusa qualquer

tipo de fundamento especulativo pois absolutizaccedilatildeo de uma teoria da

fundamentaccedilatildeo eacute simplesmente a firmaccedilatildeo especulativa da razatildeo autocircnoma ou

de um princiacutepio de inteligibilidade situado para aleacutem das coisas que garante a

presenccedila e o conhecimento do sagrado e a vitoacuteria antecipada do idealismo Natildeo

correspondendo agrave qualquer forma de saber universal a ontologia marxiana

sustenta a possibilidade efetiva como jaacute vimos de um saber real

Por sua praacutetica teoacuterica e por um conjunto de lineamentos expliacutecitos

Marx deixou o legado de um especiacutefico estatuto ontoloacutegico natildeo um ontologia de

talhe convencional ou tradicional e natildeo apenas por que careceu de tempo

necessaacuterio para a realizaccedilatildeo de uma obra desse tipo mas fundamentalmente

pela distinccedilatildeo de natureza de seu estatuto ontoloacutegico radicalmente oposto ao

tratamento especulativo da mateacuteria

Esse estatuto eacute constituiacutedo a partir do universo praacutetico onticamente

referido ou seja eacute um estatuto ocircntico-ontoloacutegico pois evolve da efetividade

histoacuterica das coisas de suas relaccedilotildees e processos para sua reproduccedilatildeo

conceitual no plano de uma trama categorial em sua expressatildeo mais abstrata

Reconhecimento e Determinaccedilatildeo da Sociabilidade como Substacircncia

Vimos que segundo Chasin enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma

da legalidade do ser social em sua materialidade e espiritualidade[pode-se dizer

tambeacutem em sua objetividade sensiacutevel e supra-sensiacutevel] ou seja enquanto

malha de asserccedilotildees ou determinaccedilotildees de seu complexo categorial a ontologia

34

estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a sociabilidade como substacircncia desse

grau maacuteximo do ser

Embora Chasin natildeo tenha desenvolvido plenamente a questatildeo da

objetividade supra-sensiacutevel como tambeacutem a da sociabilidade como substacircncia

julgo conveniente transcrever tambeacutem algumas notas e comentaacuterios feitos em

sala de aula dada a importacircncia do tema

Em relaccedilatildeo agrave noccedilatildeo de substacircncia Chasin retoma sua noccedilatildeo mais geral

e tradicional Ou seja deixando de fora qualquer conotaccedilatildeo relativa a formas de

idealidade o que existe por si eacute um auto-engendrado a uacuteltima instacircncia de um

dado gecircnero de entificaccedilatildeo enquanto tal na medida em que eacute uma efetividade

eacute um complexo que a noccedilatildeo de substacircncia refere no mais alto grau de

abstraccedilatildeo Vale pois como abstraccedilatildeo razoaacutevel tal como todo conceito

marxiano nesse niacutevel de generalizaccedilatildeo a partir do qual pela via dos processos

de concreccedilatildeo satildeo determinaacuteveis as formas concretas de substacircncia

correspondentes agraves formaccedilotildees sociais reais

Dessa forma a substacircncia eacute um complexo histoacuterico natildeo uma

idealidade natildeo um construto da razatildeo auto-sustentada mas o resumo de uma

extraccedilatildeo justificada

Naturalidade e Sociabilidade

Sempre que se potildee a questatildeo da naturalidade e da sociabilidade essa

uacuteltima tende a ser examinada in statu nascendi ou de um estado original

imaginaacuterio natildeo se parte portanto de fatos pois os desconhecemos se eacute que

35

tenham existido mas de um mito E do mito se quer saltar para o quadro de uma

realidade complexa

Mas acompanhando Marx lembremos das pobres robinsonadas do

seacuteculo XVIII referidas logo agraves primeiras linhas da Introduccedilatildeo de 57 a) O

caccedilador e o pescador individuais e isolados de que partem Smith e Ricardo b)

o contrat social de Rousseau que relaciona e liga sujeitos independentes por

natureza por meio de um contrato Essas robinsonadas natildeo repousam sobre

(o) naturalismo E a argumentaccedilatildeo prossegue Trata-se ao contraacuterio de uma

antecipaccedilatildeo da sociedade (buumlrgelichen Gesellschaft) que se preparava desde

o seacuteculo XVI e no seacuteculo XVIII deu larguiacutessimos passos em direccedilatildeo agrave sua

maturidade Nesta sociedade da livre concorrecircncia o indiviacuteduo aparece

desprendido dos laccedilos naturais que em eacutepocas histoacutericas remotas fizeram dele

um acessoacuterio de um conglomerado humano limitado e determinado Os profetas

do seacuteculo XVIII sobre cujos ombros se apoacuteiam inteiramente Smith e Ricardo

imaginam o indiviacuteduo do seacuteculo XVIII como um ideal que teria existido no

passado Vecircem-no natildeo como um resultado histoacuterico mas como ponto de partida

da Histoacuteria porque o consideram como um indiviacuteduo conforme agrave natureza -

dentro da representaccedilatildeo que tinham da natureza humana - que natildeo se originou

historicamente mas foi posto como tal pela natureza[xvii]

Segundo Chasin tomando Marx novamente como ponto de referecircncia

os equiacutevocos que aparecem ao se tratar a relaccedilatildeo naturalidade sociabilidade

satildeo os seguintes

1) procurar deduzir em graus diferentes em cada caso o ser social do

natural esquecendo que se trata da emergecircncia do novo de uma configuraccedilatildeo

ontoloacutegica nova e que o novo nunca eacute um simples desdobramento do estaacutegio

anterior no caso - do grau de ser antecedente ou seja que entre os dois niacuteveis

ocorre o que se chama de salto um intervalo em que a potecircncia causal do

antecedente natildeo conteacutem a capacidade a potecircncia ou a potencialidade para

gerar o novo Um intervalo que fica assim indeterminado

36

2) o procedimento acima abre para a mera especulaccedilatildeo pois tende a

deduzir a indeterminaccedilatildeo a querer estabelecer nexos onde eles inexistem

tende a preencher o que de fato eacute um vazio A rigor natildeo se trata de um natildeo-

sabido mas da ausecircncia factual de um objeto ou processo em outros termos

se trata de um vazio ontoloacutegico de uma ausecircncia de nexos ontoloacutegicos

O correto segundo o modus operandi marxiano natildeo eacute partir da semente

ou do embriatildeo mas do complexo real maturado uma vez que

especialiacutessimamente na esfera social a loacutegica do gerado eacute diversa da loacutegica de

sua gecircnese aleacutem de que nesse acircmbito as entificaccedilotildees configuradas apagam a

rota e a loacutegica de sua formaccedilatildeo

Desse modo partindo do jaacute configurado e considerando que se trata de

uma configuraccedilatildeo infinita que compreende mutaccedilotildees qualitativas muito

importantes e natildeo esquecendo que permanecemos no estaacutegio preacute-histoacuterico (em

momento especialmente desequilibrado e contraditoacuterio) podemos e devemos

reconhecer por meio de algumas abstraccedilotildees razoaacuteveis o seguinte

1) A formaccedilatildeo do ser social eacute um processo da animalidade agrave

hominidade o andamento da naturalidade agrave sociabilidade o caminho infinito da

naturalidade dada agrave sociabilidade natildeo-dada em produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

perenes

2)Trata-se pois de uma entificaccedilatildeo processual entre dois niacuteveis ou

poacutelos da escala do ser sendo processo eacute intrinsecamente uma contradiccedilatildeo e soacute

enquanto tal se move eliminada a contradiccedilatildeo cessaria a possibilidade do

processo Com isso eacute dito algo muito importante pois ao reconhecer a

contraditoriedade entre naturalidade e sociabilidade natildeo eacute mais possiacutevel pensar

as mesmas a propoacutesito do ser social como um simples conjugado de fatores

mas obrigatoriamente como uma conjugaccedilatildeo contraditoacuteria de legalidades Isso

vai na esteira do que eacute compreendido desde Hegel - que o ser eacute uma unidade

contraditoacuteria - todavia com o acreacutescimo do problema da dupla legalidade De

37

que modo ou feiccedilatildeo chega cada uma delas agrave unidade contraditoacuteria do ser Pois

haacute que pensar na unidade ou siacutentese a natildeo ser que se queira desenhar o ser

social como uma aberraccedilatildeo hiacutebrida pode ser esta a fisionomia do grau mais

elevado do gradiente dos seres Assim tomada na devida consideraccedilatildeo essa

determinaccedilatildeo ontoloacutegica sem a qual a reflexatildeo perde o rumo trata-se de

compreender a dinacircmica especiacutefica dessa contradiccedilatildeo peculiar Vejamos

3) Em primeiro lugar esse processo contraditoacuterio gera novas

contradiccedilotildees agora dominantemente contradiccedilotildees da sociabilidade em

formaccedilatildeo de sorte que se trata de um processo cumulativo de

contraditoriedades no qual as novas contradiccedilotildees progressivamente vatildeo

tomando o lugar predominante e decisivo vale dizer a contradiccedilatildeo originaacuteria

cada vez mais coabita com contradiccedilotildees de outro gecircnero diante das quais sua

presenccedila vai mudando de forccedila e configuraccedilatildeo natildeo desaparece mas sua

qualidade vai mudando na proporccedilatildeo mesmo do desenvolvimento da

apropriaccedilatildeo societaacuteria da natureza cada vez mais puramente social - eacute no que

consiste de acordo com as palavras de Marx o progressivo afastamento das

barreiras naturais

4) Ou seja a matriz e a medida do afastamento eacute a forma cada vez

mais social de produzir e reproduzir as bases materiais da vida pela qual eacute

gerado o novo ser em direccedilatildeo agrave sua potecircncia ampliada de se auto-por de ir em

direccedilatildeo a si mesmo um si mesmo que natildeo eacute dado mas gerado na progressatildeo

da auto-posiccedilatildeo do auto-assentamento ou da auto-enformaccedilatildeo que inclui a

proacutepria daccedilatildeo de forma e resoluccedilatildeo ao predicado natural ou bioloacutegico daccedilatildeo de

forma que em suma eacute daccedilatildeo de forma social ao predicado natural

5) Essa possibilidade de daccedilatildeo de forma eacute afirmaccedilatildeo e realizaccedilatildeo da

essecircncia social que eacute o conjunto de relaccedilotildees sociais configuradas em cada

momento pelo modo de produzir da base material modo por sua vez que eacute

determinado pelo desenvolvimento das forccedilas produtivas entre as quais figura o

proacuteprio modo de organizaccedilatildeo do conjunto das relaccedilotildees sociais

38

6) Daccedilatildeo de forma eacute alteraccedilatildeo do lugar resolutivo e todo ente que muda

de lugar muda de natureza sem alterar uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo material

Vale dizer que a contradiccedilatildeo originaacuteria entre naturalidade e sociabilidade eacute

resolvida por uma nova contradiccedilatildeo - a da naturalidade que soacute se realiza na

forma e por meios sociais - no afastamento que eacute superaccedilatildeo da naturalidade

(processo histoacuterico) a legalidade natural eacute submetida agrave legalidade social

(diferentemente em cada modo de produccedilatildeo e de acordo com o

desenvolvimento das forccedilas produtivas) o fator natural natildeo eacute suprimido

suprimida eacute sua capacidade de autodeterminaccedilatildeo resta portanto

simplesmente o que natildeo eacute pouco como um predicado do ser humano um

predicado insuprimiacutevel mas apenas como predicado bioloacutegico de um ser de

outra natureza e essecircncia A naturalidade eacute retida como predicado

imprescindiacutevel mas natildeo como essecircncia Donde natildeo satildeo mais duas legalidades

ontoloacutegicas que coexistem mas a legalidade superior mais complexa subsume

a legalidade natural que natildeo mais se autodetermina mas eacute resolvida pela e do

interior da outra Assim o predicado natural do homem recebe forma e

resoluccedilatildeo sociais ou seja o predicado natural eacute subsumido agrave legalidade social

Natildeo resta mais o choque de duas legalidades contrapostas na

contradiccedilatildeo originaacuteria A legalidade natural vai sucumbindo na ruptura e

progressivamente agrave legalidade social em sua efetividade no ser social a

legalidade natural natildeo mais atua por si eacute dependente do social natildeo eacute mais a

legalidade de um ser pois natildeo haacute mais aiacute um ser natural mas um atributo

natural dependente da essecircncia social O homem eacute um ser social que

compreende sua essecircncia especiacutefica (variaacutevel) suas contingecircncias e seu

predicado bioloacutegico Na entificaccedilatildeo do ser social uacuteltimo grau da cadeia do ser a

legalidade natural eacute subalternizada agrave social por mais ruacutestica e restrita que seja a

essecircncia social primitiva e por mais precaacuteria que seja essa subalternizaccedilatildeo de

iniacutecio O processo de afastamento das barreiras naturais eacute assim o curso dessa

subalternizaccedilatildeo que desponta no iniacutecio na ruptura com a legalidade natural e

por mais longo e contraditoacuterio em avanccedilos e recuos que seja esse processo

39

7) de outra parte a loacutegica do predicado bioloacutegico natildeo soluciona natildeo

tem resposta para o complexo problemaacutetico da sociabilidade enquanto que esta

daacute soluccedilatildeo aos imperativos daquela Como diz Marx nos Manuscritos de 44 o

homem contempla a natureza e a si mesmo com um produto social [dos homens

interativos] com pleno direito mesmo que natildeo com elevada consciecircncia ou altos

valores

8) Donde a foacutermula lukaacutecsiana da dupla base eacute falsa pois a plataforma

eacute a sociabilidade enquanto a naturalidade eacute apenas o insuprimiacutevel predicado

bioloacutegico que passa a vigir na forma e sob a regecircncia da sociabilidade Natildeo

perde por isso uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo orgacircnica mas na sua efetividade

muda de caraacuteter No interiro da esfera societaacuteria o predicado bioloacutegico eacute um

outro de si Se originariamente foi o ponto de partida agora eacute produzido e

reproduzido pela legalidade de um ser que o ultrapassa e o domina vive e soacute

pode viver na subjugaccedilatildeo de um novo estatuto Ou seja ao integrar como

predicado o ser de niacutevel mais elevado realiza a sua maacutexima potecircncia e isso eacute

ao mesmo tempo sua desnaturalizaccedilatildeo ou perecimento Impereciacutevel como

predicado natildeo eacute base pois determina soacute por seus limites pelas carecircncias natildeo

pelas determinaccedilotildees resolutivas nem mesmo em suas forccedilas e sentidos pois

enquanto virtualidades estas soacute satildeo humanas e superiores em resoluccedilatildeo

societaacuteria Ademais natildeo eacute nunca um criador de novas necessidades o que

caracteriza a legalidade social

9) A argumentaccedilatildeo acima diz respeito diretamente ao ser social em sua

configuraccedilatildeo bipolar (indiviacuteduo e gecircnero) e desenvolvida em especial no poacutelo da

individualidade tendo por esteio o andamento do gecircnero e ao falar deste se diz

do seu metabolismo com a natureza Esse metabolismo fundamental que eacute em

suma a atividade vital do homem ao gerar produtos sociais

(utilidadesmercadorias) sem que se possa transpor a estes as mesmas

determinaccedilotildees que foram feitas para o ser social desde logo satildeo entes sociais

mas em outro grau da escala do ser social mas tambeacutem tecircm mudada a sua

natureza de naturais a utilidades (e na forma da alienaccedilatildeofetichismo as

40

mercadorias) de sorte que a apropriaccedilatildeo da natureza eacute igualmente sua

desnaturalizaccedilatildeo eacute forccedilaacute-las a deixar de ser o que satildeo em sua peculiaridade

para se tornarem um outro de si sob a regecircncia do estatuto societaacuterio Isso eacute a

manifestaccedilatildeo do poder e da superioridade do grau maacuteximo do ser Nenhum

outro ser realiza qualquer coisa semelhante nem longinquumlamente Repetindo

Kant e Hegel Marx tinha toda razatildeo quando disse que haacute mais grandeza e

misteacuterio na cabeccedila de um becircbado do que no conjunto do universo

10) a Sociabilidade imperfeita substacircncia ainda natildeo realizada enquanto

tal ou seja ainda incapaz de autonomia como complexo estruturado conduz agrave

poliacutetica Natildeo compreendida como substacircncia mas como simples organizaccedilatildeo

potildee o homem no outro poacutelo na dicotomia homemsociedade ou seja na

representaccedilatildeo socioloacutegica ou politoloacutegica o homem eacute um outro

Determinada ou compreendida como substacircncia eacute substacircncia humana

(perfeita e imperfeita com todas as grandezas e miseacuterias produzidas

modificadas suprimidas e repostas no curso histoacuterico) eacute a essecircncia mutante do

ser auto-engendrado e enquanto mutante e por ser mutante distinta tambeacutem

por essa mutabilidade do predicado bioloacutegico atemporalmente necessaacuterio mas

sempre e progressivamente insuficiente do ser social

O tomo IV do primeiro nuacutemero da Revista Ensaios Ad Hominem eacute

composto de seis artigos - aleacutem do texto de abertura de autoria de J Chasin -

que resultaram de siacutenteses ou modificaccedilatildeo de partes ou capiacutetulos de

dissertaccedilotildees defendidas entre os anos de 1998 e 1999 junto ao Programa de

Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia da UFMG

41

O artigo que abre a presente coletacircnea intitulado A Razatildeo como

Tribunal da Criacutetica Marx e A Gazeta Renana de autoria de Celso Eidt versa

sobre a concepccedilatildeo do jovem Marx sobre o papel da imprensa natildeo apenas como

o locus privilegiado para o debate filosoacutefico mas fundamentalmente para os

processos educativos tendo em vista a realizaccedilatildeo plena da liberdade humana Eacute

bom ressaltar que no periacuteodo em que tais artigos satildeo redigidos Marx

compartilha de uma visatildeo antropoloacutegica racional em que a natureza humana eacute

concebida como espiacuterito livre e racional enquanto esteio da proacutepria vida eacutetica

ou seja da praacutetica humana fundada na razatildeo universal

Ana Selva Albinati autora do artigo A Determinaccedilatildeo dos Valores

Morais nos textos de Marx de 1841 a 1847 se debruccedila justamente sobre tal

campo de reflexatildeo Seu trabalho eacute uma tentativa de sistematizaccedilatildeo das

consideraccedilotildees sobre os valores morais nos textos do periacuteodo que se inicia com

sua tese doutoral Diferenccedilas entre as Filosofias da Natureza de Demoacutecrito e

Epicuro prosseguindo ateacute A Miseacuteria da Filosofia Ana Selva procura demonstrar

que esse periacuteodo normalmente referido como sendo o da juventude de Marx eacute

na verdade constituiacutedo de dois momentos de sua elaboraccedilatildeo teoacuterica que tem

como momento de clivagem a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel de meados

de 1843 em que Marx rompe com o referencial teoacuterico do idealismo alematildeo Em

relaccedilatildeo agraves determinaccedilotildees sobre a moral essa ruptura se reflete na inflexatildeo

radical que diferencia a compreensatildeo da moralidade no primeiro e segundo

momentos de tal forma que a moralidade passa a ser compreendida como um

dos modos da consciecircncia socialmente determinada concepccedilatildeo completamente

distinta da primeira fase em que os valores morais eram compreendidos como

expressotildees da liberdade e da racionalidade humanas idealmente concebidas

No artigo A criacutetica da Especulaccedilatildeo nas Glosas de Kreuznach Milney

Chasin analisa o momento inicial e ao mesmo tempo decisivo da ruptura que

se verifica entre Marx e Hegel no plano das determinaccedilotildees do ser Desse modo

a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel inaugura a criacutetica marxiana da

especulaccedilatildeo no seu cerne o de rejeitar o procedimento especulativo

42

caracteriacutestico de se provir tudo da ideacuteia real de tornaacute-la sujeito isto eacute de

capacitar a abstraccedilatildeo ou conceito automovido - a partir das metamorfoses

hegelianas - de pocircr o multiverso sensiacutevel Em outros termos Milney Chasin no

referido artigo evidencia como a criacutetica da especulaccedilatildeo permite a Marx

ultrapassar os horizontes do idealismo alematildeo na direccedilatildeo do devido

reconhecimento da distinccedilatildeo entre ser e pensar de caracterizar a impropriedade

ontoloacutegica da loacutegica hegeliana de apurar os limites gnosioloacutegicos e

incongruecircncias de toda ordem Em suma permite o desvelamento da substacircncia

miacutestica oferecendo a explicitaccedilatildeo do meacutetodo hegeliano - das diabruras do

conceito autoposto - que articula abstraccedilotildees e finitude restando a esta a mera

condiccedilatildeo de apecircndice dissolvido isto eacute momento virtual da realizaccedilatildeo da

idealidade

O quarto artigo desta coletacircnea intitulado A Exteriorizaccedilatildeo da Vida nos

Manuscritos de 44 eacute parte da dissertaccedilatildeo de mestrado As Categorias

Lebensaumlusserung Entaumlusserung Entfremdung e Veraumlusserung nos Manuscritos

Economico-Filosoacuteficos de Karl Marxdefendida por Mocircnica H M da Costa em

que o interesse era acima de tudo averiguar se alienaccedilatildeo (Entaumlusserung) e

estranhamento (Entfremdung) teriam significados distintos A pesquisa acabou

opor apontar no entanto uma outra categoria como eixo desses manuscritos

Lebensaumlusserung traduzida por exteriorizaccedilatildeo da vida De fato o fio condutor

dos Manuscritos eacute a centralidade do trabalho na produccedilatildeo material e espiritual

da vida humana Tomando para anaacutelise criacutetica pela primeira vez os

economistas claacutessicos Marx explicita sua proacutepria compreensatildeo da forma

peculiar de engendramento da existecircncia do homem A criacutetica a Hegel completa

o quadro desta tematizaccedilatildeo que natildeo seraacute abandonada ateacute os uacuteltimos trabalhos

de Marx

Sabina Maura Silva no artigo A Fenomenologia do Egoiacutesmo Stirner e a

Criacutetica Marxiana tem como objetivo fundamental apresentar a concepccedilatildeo de

homem presente na obra O Uacutenico e Sua Propriedade de autoria do filoacutesofo

neohegeliano Max Stirner e expor a criacutetica de Marx a este autor contida em A

43

Ideologia Alematilde A autora mostra que para Stirner o Eu tomado como

individualidade singular eacute o fundamento de sua esfera existencial No entanto

para esse autor tudo tem determinado a existecircncia dos indiviacuteduos natildeo tendo

sido permitido a eles determinaacute-la O objetivo de Stirner eacute pois remeter ao

indiviacuteduo - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel - o que dele foi alienado e erigido

como algo autocircnomo Por seu turno a criacutetica de Marx tem como fim explicitar o

caraacuteter especulativo da anaacutelise stirneana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo

bem como salientar o aspecto pseudorevolucionaacuterio de suas proposituras

Assim segundo Marx Stirner tatildeo somente interpreta diferentemente o

existente isto eacute reconhece o existente mediante outra

interpretaccedilatildeoTransformando as contradiccedilotildees objetivas em contradiccedilotildees

subjetivas Stirner conserva e justifica as condiccedilotildees e estruturas efetivas que

esmagam e impedem a autodeterminaccedilatildeo das individualidades ao reconhecer

as circunstacircncias como determinaccedilotildees dos indiviacuteduos Acolhendo acriacutetica e

especulativamente em suas feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees

estranhadas de um momento histoacuterico particular da individuaccedilatildeo humana

Stirner erige como individualidade um ente que empobrecido e constrangido

pelas condiccedilotildees objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade

social pode somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria

sobre si e sobre o mundo

O uacuteltimo artigo do tomo IV da Revista Ensaios Ad Hominem eacute de

autoria de Antocircnio Joseacute Lopes Alves e leva o tiacutetulo de A Individualidade

Moderna nos Grundrisse Neste texto o autor procura demonstrar que a

moderna sociabilidade do capital eacute compreendida por Marx como forma

instaurada a partir da dissoluccedilatildeo dos liames sociais que uniam em tempos

anteriores os indiviacuteduos agrave comunidade Aleacutem disso destaca o fato apontado por

Marx de que tal processo se constitui numa verdadeira reconversatildeo ontoloacutegica

tanto dos indiviacuteduos quanto das condiccedilotildees da atividade vital ocorrendo uma

radical transformaccedilatildeo na forma de ser de ambos Sinteticamente trata-se de

reconfiguraccedilatildeo ontoloacutegica que determina como entes autocircnomos os indiviacuteduos

44

de um lado e as condiccedilotildees de trabalho de outro vale dizer do divoacutercio entre os

indiviacuteduos ativos e as condiccedilotildees de sua atividade Antocircnio Lopes buscou em

suma alinhar as determinaccedilotildees mais essenciais dos indiviacuteduos e da

sociablidade modernos no que respeita agrave forma mesma das relaccedilotildees sociais da

atividade sensiacutevel bem como da respectiva expressatildeo ideal como por exemplo

a configuraccedilatildeo das categorias da igualdade e liberdade

O leitor encontraraacute nas paacuteginas que se seguem o resultado do esforccedilo

de pesquisa voltado ao resgate da obra marxiana caracterizado pela busca do

rigor na leitura e interpretaccedilatildeo do pensamento de um autor cuja heranccedila

intelectual conheceu um destino traacutegico Natildeo eacute faacutecil portanto voltar-se a ela

sem os preconceitos da moda - como jaacute havia advertido Lukaacutecs Natildeo posso

afirmar com total certeza que um intento dessa natureza tenha sido plenamente

alcanccedilado Todavia eacute faacutecil perceber as diferenccedilas desse tipo de produccedilatildeo teoacuterica

com aquela apresentada tanto pelo marxismo adstringido e suas dissidecircncias

como pelo marxismo vulgar para utilizar as expressotildees cunhadas por Chasin no

intuito de designar as duas variantes de interpretaccedilatildeo da obra marxiana

Faccedilo aqui ao leitor interessado o convite para participar dessa

avaliaccedilatildeo

[1] Professora do Departamento de Filosofia da UFMG coordenadora

do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e Estudos Confluentes

45

[i] J CHASIN Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in

Teixeira FJS Pensando com Marx Editora Ensaio Satildeo Paulo 1995

[ii] K MARX amp F ENGELS A Sagrada Famiacutelia Ed Grijalbo trad

Wenceslao Roces Meacutexico DF 1960 p 120

[iii] Ver a respeito J CHASIN Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo

Metodoloacutegica opcit

[iv] J CHASIN O Futuro Ausente in Ensaios Ad Hominem 1 tomo III

Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem Satildeo Paulo 2000 p 166

[v] Ib p 167

[vi] Id

[vii] E CASSIRER A Filosofia do Iluminismo Editora da Unicamp

Campinas 1992 p 11

[viii] G LUKAacuteCS La Riproduzionein Per lOntologia delle Essere

Sociale Roma Editori Riuniti tomo II 1981 pp 180-81

[ix] N HARTMANN Ontologia Fondo de Cultura Econoacutemica Meacutexico D

F vol 1 1986

[x] K MARX O Capital vol I Ediccedilatildeo Abril Cultural Satildeo Paulo p 149

[xi] Id

[xii] Ib p 150

[xiii] (a respeito dessas categorias ver N HARTMANN Ontologia op cit

vol I p XII

46

47

[xiv] No original alematildeo in der Form des Seins Dietz Verlag 1971 p

195

[xv] Ib p 151

[xvi] Ver a respeito em J CHASIN Marx-Estatuto Ontoloacutegico e

Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica op cit

[xvii] K MARX op Cit p 126

Page 9: :: Verinotio - Revista On-line de Educao e Cincias Humanas · O leitor encontrará, portanto, nessa Apresentação o fruto de trabalho de coleta e organização de materiais utilizados

aristoteacutelico numa linha de argumentaccedilatildeo que confere prioridade agrave realidade

soacutecio-histoacuterica na produccedilatildeo de viabilidades ou inviabilidades teoacutericas e de sua

consequumlente explicaccedilatildeo eram vistos por Chasin como limites produzidos pelo

proacuteprio tempo grego sumariados a seguir

1) praacutetica humano-societaacuteria incipiente e acanhada que ganhou no

artigo O Futuro Ausente beliacutessima caracterizaccedilatildeo inspirada no Marx das

Formen Imaturaccedilatildeo natural e caracteriacutestica das remotas formas sociais em que

a propriedade da terra e a agricultura constituiacuteam a base da atividade material

tendo por objetivo a produccedilatildeo valores de uso ou seja a reproduccedilatildeo dos

indiviacuteduos em peculiares e bem determinadas relaccedilotildees com a comunidade[iv]

onde por via de consequumlecircncia indiviacuteduo e genecircro satildeo imediata e

transparentemente inseparaacuteveis e suas relaccedilotildees traduzem essa unidade

fundamental tornando desconhecida e impensaacutevel qualquer tipo de cissura que

contraponha ou menos ainda torne excludentes entre si as figuras de sua

polaridade[v] Mas a essa dimensatildeo positiva - sintomaticamente tatildeo atraente nos

dias atuais - corresponde uma negativa que Chasin esclarece na sequumlecircncia

todas as formas em que a comunidade pressupotildee sujeitos em determinada

unidade objetiva com as condiccedilotildees da atividade produtiva ou reciprocamente

nas quais uma especiacutefica existecircncia subjetiva faz com que a proacutepria comunidade

seja pressuposta como condiccedilatildeo de produccedilatildeo todas elas diz Marx

correspondem necessariamente e por princiacutepio a um desenvolvimento limitado

das forccedilas produtivas[vi]

2) Consequumlentemente impossibilidade para conceber a historicidade e

a contraditoriedade como categorias fundamentais do ser - que estrangulam a

mais precisa e universal por isso mesmo vaacutelida hoje e para sempre das

formulaccedilotildees atinentes agrave natureza e ao propoacutesito da ontologia

Meacuteritos e limites da filosofia primeira que apenas seratildeo realizados e

superados depois de um longo itineraacuterio repleno de contraposiccedilotildees internas

9

pelos lineamentos perfilados por Marx que tambeacutem herda criticamente

dimensotildees da filosofia moderna - do renascimento ao neohegelianismo

Desse modo com o objetivo de sumariar preliminarmente os conteuacutedos

dessa trajetoacuteria que Marx assimila por via criacutetica Chasin indica alguns deles

sem pretensatildeo alguma de esgotaacute-los

1) Do Renascimento - a infinitude do universo e o espiacuterito da

concepccedilatildeo do homem como o uacutenico ser aberto - existente e conhecido capaz

na potecircncia de seus atributos de conhecer e configurar a si e a seu mundo

ambos entendidos e tomados em sua naturalidade objetividade e o primeiro na

infinitude de sua essecircncia ativa

2) Do materialismo francecircs e inglecircs e do Iluminismo - a ruptura com a

conduta especulativa metafiacutesica e com o espiacuterito de sistema em filosofia que eacute

concebido como freio e obstaacuteculo agrave razatildeo Por meio dessa desobstruccedilatildeo o

iluminismo pode universalizar a filosofia como meio de toda verdade - natural e

espiritual - e ela passa a se voltar agraves tarefas praacuteticas donde a possibilidade e o

escopo de estabelecer a vida humana de modo racional Em outros termos

reconhece no pensamento o poder e o papel de organizar a vida o pensamento

deve ter papel analiacutetico mas tambeacutem fazer nascer a ordem cuja necessidade

ela concebeu[vii] Em contrapartida os limites do pensamento iluminista satildeo

sinteticamente os seguintes acentuaccedilatildeo unilateralizante da racionalidade

herdada do renascimento e distorcida pelo racionalismo do seacuteculo XVIII Aleacutem

disso tem-se o naturalismo vale dizer a ontologia do social demasiadamente

colada agrave ontologia da natureza embora natildeo se possa deixar de reconhecer que

frente ao abstracionismo metafiacutesico trata-se de um meacuterito pretender uma

ontologia ligada agrave natureza que em verdade eacute idealizada Talvez o melhor

exemplo dessa tradiccedilatildeo seja justamente Feuerbach

3) Do criticismo - a impossibilidade de uma ontologia como saber do

em si ou seja do ente enquanto ente pela via do absolutismo racional

10

dedutivista Em Kant em verdade tem-se a impossibilidade de uma ontologia

em Marx ao reveacutes tem-se apenas tal recusa agrave especulaccedilatildeo mas natildeo a

impossibilidade de conhecer o ente enquanto ente vale dizer Marx aceita o

espiacuterito da criacutetica kantiana ao conhecimento absoluto mas natildeo sua resultante

sistemaacutetica a sua vedaccedilatildeo ao conhecimento das coisas enquanto tais

4) Do hegelianismo - a concepccedilatildeo histoacuterica do ser portanto de sua

contrariedade bem como a natureza aproximativa do processo de

conhecimento ao mesmo tempo em que recusa o invoacutelucro miacutestico do

pensamento hegeliano - a dialeacutetica autocircnoma da razatildeo como demiurgo do real

ou da efetividade sensiacutevel ou seja refuta decidamente seu caraacuteter

especulativo

5) Do neohegelianismo - a problemaacutetica do homem e muito

especificamente duas contribuiccedilotildees de Feuerbach a criacutetica agrave especulaccedilatildeo e os

lineamentos mais gerais do ser soacute enquanto ser sensiacutevel ou objetivo (dimensotildees

de uma ontologia geral em seu niacutevel mais abstrato) Mas ao lado desse

aspecto positivo do pensamento feuerbachiano natildeo eacute possiacutevel deixar de

assinalar a objeccedilatildeo fundamental dirigida a ele por Marx sua concepccedilatildeo

naturalista do homem vale dizer sua incapacidade de o determinar como ser

social Assim em Feuerbach o homem eacute sensiacutevel objetivonatural e natildeo

objetivo-social - a grande descoberta marxiana

Grande descoberta que eacute mais amplamente avaliada quando se

considera o conjunto das linhas manifestas pelos principais representantes do

neohegelianismo B Bauer formulador de uma concepccedilatildeo do homem como

auto-consciecircncia racional M Stirner com a elevaccedilatildeo do egoiacutesmo agrave condiccedilatildeo de

essecircncia humana Feuerbach com a concepccedilatildeo naturalista do homem centrada

no amor Nesse cenaacuterio somente Marx comparece com a descoberta da

sociabilidade como substacircncia constitutiva do homem - e natildeo meramente uma

essecircncia imutaacutevel mas histoacuterica e contraditoacuteria produzida e reproduzida pela

proacutepria atividade sensiacutevel dos homens

11

De sorte que do ente enquanto ente aristoteacutelico determinado por sua

forma substancial eterna ao ser social marxiano compreendido em suas

mudanccedilas categoriais - eacute do que consiste a histoacuteria - se vai de uma filosofia

primeira que terminou por sua resoluccedilatildeo originaacuteria na forma de um saber

absoluto a um saber histoacuterico de base que se desenvolve pela infinitude de

aproximaccedilotildees empreendidas em direccedilatildeo ao absoluto entendido pura e

simplesmente como completude ou totalidade que praticamente nunca se

realiza porque desnecessaacuterio para o saber ao qual bastam completudes mais

modestas e ainda mais como saber para a praacutetica

De modo que a filosofia primeira de configuraccedilatildeo marxiana eacute antes de

tudo a afirmaccedilatildeo da objetividade do mundo e a possibilidade ser conhecido

possibilidade que eacute soacutecio-historicamente determinada exercendo a funccedilatildeo de

base e guia para a ciecircncia da histoacuteria especificamente como ontologia regional

do ser social e que nutre das ciecircncias e a elas responde tanto quanto elas

mesmas tem de responder aos lineamentos ontoloacutegicos pelos quais se guiam

mas aos quais natildeo tomam como coaacutegulos de saber imutaacutevel De sorte que

ontologia e ciecircncia se potencializam e se criticam reciacuteproca e

permanentemente

Tambeacutem de acordo com Chasin por essas razotildees a ontologia

marxiana natildeo eacute uma resoluccedilatildeo de caraacuteter absoluto nos moldes do sistema

convencional mas a condiccedilatildeo de possibilidade de resoluccedilatildeo do saber Eacute em

outras palavras um estatuto movente e movido de cientificidade orienta e eacute

orientado pela ciecircncia e pela praacutetica universal dos homens Orienta e eacute

orientada guia e eacute guiada corrige e eacute corrigida Ou seja natildeo eacute um absoluto

inquestionaacutevel uma certeza estabelecida por deduccedilatildeo a partir de axiomas de

uma vez para sempre Mesmo porque a certeza cognitiva natildeo pode estar no

ponto de partida mas compreendida como alvo de uma busca permanente

procura intensiva e extensiva cuja infinitude eacute posta a cada momento entre

parecircnteses no qual o grau de certeza alcanccedilado eacute assumido como realizaccedilatildeo

maacutexima tendo por limites as possibilidades do tempo ou cenaacuterio histoacuterico grau

12

a ser confirmado ou ampliado ou ao inveacutes restringido na parte ou descartado

no todo posteriormente com todas as suas implicaccedilotildees correlatas

Em suma quando se utiliza a expressatildeo posiccedilatildeo ontoloacutegica e natildeo

perspectiva oacutetica prisma ou ponto de vista pretende-se remeter a lugar e agraves

coisas ou seja o reconhecimento do mundo como multiverso de entes reais

objetivos e que por isso mesmo faceiam o observador praacutetico ou teoacuterico natildeo

dependendo deste para existir em face do qual satildeo independentes Eacute

finalmente o reconhecimento da prioridade das coisas nas relaccedilotildees cognitivas

sem desconhecer eacute claro o caraacuteter ativo do investigador

Quando Chasin procura enfatizar o reconhecimento noccedilatildeo

imediatamente conexa a de posiccedilatildeo ontoloacutegica eacute por que aquela tem a

vantagem de colocar em primeiro lugar o caraacuteter natildeo puramente teoacuterico

contemplativo mas sobretudo praacutetico[viii] da aproximaccedilatildeo ao ente aleacutem da

natureza da operaccedilatildeo mental que designa - constataccedilatildeo ou recogniccedilatildeo vale

dizer a admissatildeo de algo a respeito do qual o discurso se pronuncia como forma

imediata de representaccedilatildeo

Relevar o caraacuteter praacutetico de aproximaccedilatildeo ao ente ou em outras

palavras partir ou dar prioridade agrave praacutetica significa por seu turno partir do

caraacuteter essencial do ser do homem por sua exteriorizaccedilatildeo operativa no mundo

que confirma sua forma de vida ou modo de existecircncia Quer dizer eacute um ponto

de partida desde logo sob criteacuterio ontoloacutegico ou seja que considera a

efetividade ocircntica do homem e do mundo de tal sorte que ambos satildeo

reconhecidos enquanto atividade sensiacutevel Caminho que tem o meacuterito de evitar

as vias reflexas[ix] como tambeacutem os engenhos e supostos dos encantamentos

especulativos como cogito sujeito transcendental ou os arqueacutetipos

generalizando uma expressatildeo marxiana os misticismos loacutegicos que nunca

deixam de mostrar sua condiccedilatildeo de artifiacutecios por mais rigorosos e envolventes

que sejam tanto que podem sempre ser contestados de algum modo ao passo

que os indiviacuteduos vivos e ativos os pressupostos dos quais Marx parte em A

13

Ideologia Alematilde natildeo podem nunca ser recusados a natildeo ser na fantasia e sob

pena de cancelar todo e qualquer andamento reflexivo

Em suma reconhecimento ontopraacutetico significa pois tomar como

ponto de partida a praacutetica - desde a praacutetica cotidiana agrave praacutetica cientiacutefica de ponta

- de um tempo dado

O plano ontopraacutetico jaacute bem delineado no texto de 1995 ganha nos

anos seguintes sucessivas correccedilotildees por parte do autor a ponto de se tornar o

eixo a partir do qual Chasin faz a criacutetica das Teorias da Fundamentaccedilatildeo ou

como ele as denomina ironicamente A Querela da Fundamentaccedilatildeo

A esse respeito costumava ele indagar O que eacute um fundamento Uma

Teoria da Subjetividade ou Uma Teoria da Objetividade

Se o fundamento for considerado a partir de uma teoria da

subjetividade por onde comeccedilar Pelo aparato sensorial como no empirismo

Ou pela consciecircncia ou coisa que o valha como o cogito cartesiano a

autoconsciecircncia a razatildeo ou as formas a priori do entendimento Ou ainda uma

teoria da mente

Ainda no plano do fundamento subjetivo poder-se-ia partir da

experiecircncia da vivecircncia do vivido Neste caso o vivido seria o preacute-teoreacutetico

mas enquanto experiecircncia existencial isto eacute as vivecircncias do indiviacuteduo isolado

em experiecircncia aleatoacuteria fortuita acidental

Mas se o fundamento for uma Teoria da Objetividade por onde

comeccedilar Pelos fenocircmenos empiacutericos Mas nesse caso natildeo terminariacuteamos

apenas no fundamento psicoloacutegico isto eacute teriacuteamos o psicologismo como

fundamento da verdade

14

E se partiacutessemos do todo concreto Natildeo findariacuteamos numa visatildeo

caoacutetica e abstrata de conjuntos indeterminados desamparados na companhia

de um punhado de abstraccedilotildees razoaacuteveis e irrazoaacuteveis

Feitas tais indagaccedilotildees Chasin conclui de modo enfaacutetico Toda peticcedilatildeo

de fundamento todo discurso por um fundamento estaacute encerrado na esfera

teoacuterica Aleacutem do mais todo discurso de fundamentaccedilatildeo pretende e implica uma

certeza ou seja de um modo ou de outro a suposiccedilatildeo de um saber absoluto

ainda que um simples momento do saber absoluto Vale dizer o discurso da

fundamentaccedilatildeo desemboca de algum modo na razatildeo especulativa Em outras

palavras implica algo que transcende a proacutepria natureza do saber que eacute um

processo infinito de aproximaccedilotildees

Para Chasin o reconhecimento do ontopraacutetico tem a vantagem de

escapar agrave querela da fundamentaccedilatildeo na medida em que parte da experiecircncia

real melhor dizendo da praacutetica real natildeo de uma experiecircncia isolada

arbitrariamente natildeo da experiecircncia aleatoacuteria da suposta existecircncia existencial

dos indiviacuteduos isolados dos indiviacuteduos em derreliccedilatildeo

O universo ontopraacutetico eacute o necessariamente vivido para que qualquer

pergunta possa se dar Eacute portanto a esfera preacute-teoreacutetica esfera que antecede

qualquer teoria Esfera sem a qual natildeo haacute vida humana e portanto sem a qual

natildeo pode haver qualquer pergunta teoacuterica

A reflexatildeo que tem como ponto de partida o ontopraacutetico estabelece

assim um pressuposto concreto (e natildeo uma verdade ideada) do qual natildeo posso

me afastar a natildeo ser na imaginaccedilatildeo

Em siacutentese a esfera ontopraacutetica representa o complexos dos homens

vivos e ativos A partir dessa abstraccedilatildeo razoaacutevel - o ontopraacutetico - pode-se

encontrar jaacute numa analiacutetica de desentranhamento desse complexo real o

devido lugar da ontologia da epistemologia e da ciecircncia da histoacuteria que

compreende dois grandes ramos natureza e sociedade

15

Em outras palavras sem a consideraccedilatildeo do ontopraacutetico torna-se

aleatoacuteria a localizaccedilatildeo que se confere tanto ao ontoloacutegico quanto ao epistecircmico

A opccedilatildeo por um deles se torna uma arbitrariedade teoacuterica e eacute justamente isto

que gera a querela da fundamentaccedilatildeo pois a decisatildeo fica submersa ao plano

teoacuterico ao jogo dos argumentos agrave ambivalecircncia do logos que eacute irresolutivo

Sem a consideraccedilatildeo do ontopraacutetico parte-se assim de imediato da

teoria e natildeo do ser que faz da teoria ou deste como uma abstraccedilatildeo da

inteligibilidade ou seja de uma faculdade abstraiacuteda do ser que a possui

gerando com isso um absurdo ontoloacutegico

Eacute portanto a partir da analiacutetica do ontopraacutetico pelo reconhecimento de

seus traccedilos categoriais que tem iniacutecio a elaboraccedilatildeo ontoloacutegica Ou seja a

ontologia nasce como reflexatildeo conscientizaccedilatildeo conceituaccedilatildeo do ontopraacutetico

enquanto primeiro objeto da ontologia que a partir daiacute se encaminha em

direccedilatildeo agrave criacutetica - em termos de sua necessidade e loacutegica especiacutefica - do proacuteprio

ontopraacutetico isto eacute do complexo dos objetos reais aiacute incluiacutedo o homem

Resta ainda em relaccedilatildeo agrave problemaacutetica geral em tela aflorar a questatildeo

da adequatio tal como era tematizada tambeacutem em seus cursos

Polemizando com a denominaccedilatildeo de realismo comumente utilizada

para denominar proposituras que conferem prioridade ao mundo objetual

Chasin afirmava que haacute realismo - antigo - quando eacute suposto que a ordem da

razatildeo agrave idecircntica a ordem do real e que a partir de axiomas por meios racionais-

dedutivos embuiacutedos do espiacuterito de sistema se possa estabelecer a verdade do

mundo

Em Marx entretanto a ordem das coisas e da razatildeo satildeo distintas (um

exemplo expressivo desta postura marxiana pode ser encontrada na famosa

Introduccedilatildeo de 57) ambas mutaacuteveis e processuais - unidade da desidentidade

entre ser e saber Assim o mundo natildeo pode ser deduzido racionalmente mas

reproduzido sob forma de ideacuteia por meio de aproximaccedilotildees - empiacuterico abstrato

16

concreto - num processo intensivo e extensivo historicamente condicionado

possibilitado ou impedido - na dependecircncia que fica da maturaccedilatildeo do objeto e

do posicionamento do sujeito O processo mimeacutetico eacute portanto reproduccedilatildeo

conceitual de efetividades donde se lida com duas ordens de formaccedilotildees real e

ideal A reproduccedilatildeo conceitual apresenta portanto sua proacutepria loacutegica mas no

interior da determinaccedilatildeo soacutecio-histoacuterica do pensamento de modo que uma

teoria do conhecimento (morfologia e dinacircmica da subjetividade in abstratu e

imutaacutevel) eacute incapaz de explicar o processo cognitivo pois a faculdade humana

da forccedila da abstraccedilatildeo depende das possibilidades oferecidas pela

determinaccedilatildeo social do pensamento que por sua vez se manifesta e se

configura pelo desenvolvimento dos objetos e da praacutetica humana que sobre eles

tem incidecircncia

Donde a franca afirmaccedilatildeo marxiana da possibilidade de conhecer natildeo

se confunde com a simplicidade e facilidade da concepccedilatildeo realista nem mesmo

no plano da ingenuidade cotidiana desde logo porque a atividade cotidiana -

que estaacute para aleacutem da ingenuidade ou lanccedila os sujeitos para aleacutem da

ingenuidade - eacute em si um complexo rico e desafiador matrizador inclusive da

intentio recta atitude natural e necessaacuteria da esfera ontopraacutetica

Haacute portanto que distinguir as grandes diferenccedilas ontoloacutegicas entre o

estatuto marxiano e a ontologia realista Na primeira a adequatio digamos

assim eacute correlaccedilatildeo entre formaccedilatildeo real e formaccedilatildeo ideal duas ordens distintas

de configuraccedilatildeo Em outras palavras eacute correlaccedilatildeo conceitual entre entificaccedilatildeo

concreta e reproduccedilatildeo conceitual Em suma a reproduccedilatildeo conceitual nada mais

eacute do que transposiccedilatildeo agrave cabeccedila ordenada pelos nexos do real na forma e pelos

meios da proacutepria atividade mental

I - Tomando Marx por Base e por Ponto de Chegada

17

Considerando como ponto de referecircncia as consideraccedilotildees

desenvolvidas por Marx em O Capital especificamente sobre a dificuldade

encontrada pela humanidade na compreensatildeo do valor ao longo de dois

milecircnios - de Aristoacuteteles a Ricardo - pode-se sustentar segundo Chasin que

um fenocircmeno muito similar a este se produziu no que tange agrave determinaccedilatildeo do

ser ou seja da(s) matriz(es) da(s) realidade(s) ou seja da efetividade

Tomemos as passagens em questatildeo que se encontram no Prefaacutecio agrave

Primeira Ediccedilatildeo de O Capital Todo comeccedilo eacute difiacutecil isso vale para qualquer

ciecircncia A forma do valor cuja figura acabada eacute a forma do dinheiro eacute muito

simples e vazia de conteuacutedo Mesmo assim o espiacuterito humano tem procurado

desvendaacute-la (ergruumlden) em vatildeo haacute mais de 2000 anos enquanto por outro lado

teve ecircxito ao menos aproximado a anaacutelise de formas muito mais complicadas e

replenas de conteuacutedo Por quecirc Porque o corpo desenvolvido eacute mais faacutecil de

estudar do que a ceacutelula do corpo Aleacutem disso na anaacutelise das formas econocircmicas

natildeo podem servir nem o microscoacutepio nem reagentes quiacutemicos A forccedila da

abstraccedilatildeo deve substituir a ambos Para o leigo a anaacutelise parece se perder

em pedantismo Trata-se efetivamente de pedantismo mas daquele de que se

ocupa a anatomia microscoacutepica

De acordo com Chasin eacute necessaacuterio reter os seguintes noacutedulos

significativos da citaccedilatildeo acima

1) todo iniacutecio de uma ciecircncia eacute difiacutecil donde o princiacutepio da ontologia o

princiacutepio da ciecircncia deve ser o mais difiacutecil de todos

2) haacute grande dificuldade na compreensatildeo da forma do valor que eacute um

objeto simples e vazio de conteuacutedo

3) haacute ecircxito maior na anaacutelise de formas mais complicadas e replenas de

conteuacutedo

18

Na mesma citaccedilatildeo Marx enuncia os motivos de tal dificuldade

1) o corpo desenvolvido eacute mais faacutecil de estudar do que a ceacutelula do

corpo

2) meacutetodos experimentais natildeo satildeo aplicaacuteveis a esse tipo de forma

3) a analiacutetica dessa forma pela forccedila da abstraccedilatildeo deve tomar o lugar

da observaccedilatildeo empiacuterica e experimental

4) anaacutelise voltada agrave anatomia microscoacutepica da forma estudada

A partir dessas indicaccedilotildees colhidas no texto de Marx Chasin elabora

um esboccedilo para fins unicamente didaacuteticos em que busca transpassaacute-las para a

proacutepria questatildeo ontoloacutegica afirmando o que se segue

1) o iniacutecio difiacutecil da ontologia perdurou tambeacutem por mais de 2000

anos trajetoacuteria em que se observa tateios imprecisos caracterizados por um

movimento simultacircneo de constituiccedilatildeodissoluccedilatildeo ateacute chegar em Marx Tal

movimento simultacircneo de constituiccedilatildeodissoluccedilatildeo revela por seu rumo

imanentemente contraditoacuterio por seus caminhos e descaminhos histoacutericos a

dificuldade e a longa incapacidade na formulaccedilatildeo precisa de seu objeto e

alcance ou seja de sua natureza e propoacutesito - de sua funccedilatildeo orientadora e

sustentadora no plano teoacuterico e de sua origem praacutetica preacute-teoreacutetica

2) reconhecimento ontopraacutetico das formas dos seres e analiacutetica da

forma do ser apenas por meio da forccedila da abstraccedilatildeo no reconhecimento

ontopraacutetico os seres satildeo reconhecidos como substantivos e nesse caso ateacute

certo ponto vale para a observaccedilatildeo espontacircnea e observaccedilatildeo comum pois o

desvendamento completo exige forccedila de abstraccedilatildeo como verbo ( o ato de ser

de Gilson) soacute a forccedila da abstraccedilatildeo daiacute a facilidade para se cair no

abstrativismo

19

Eacute nesse preciso momento da exposiccedilatildeo chasiniana que surgem as

primeiras referecircncias a Eacute Gilson assim como a N Hartmann momentos mais agrave

frente Evidentemente que esse procedimento natildeo ocorre por acaso pois o que

estaacute em questatildeo agora satildeo as tentativas contemporacircneas de resgate da

tematizaccedilatildeo ontoloacutegica

Eacute Gilson afirma que o mais fundamental dos problemas da filosofia - a

relaccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia que por seu turno diz respeito agrave distinccedilatildeo

de ser como nome isto eacute como substantivo em latim ens (ente) e como verbo

esse Eacute sabido que o esse tomista eacute concebido como ato de ser - actus essendi -

significando portanto existecircncia ato de existir ato de ser

Chasin comenta a ambiguumlidade da noccedilatildeo de ser para qual Gilson

chama atenccedilatildeo afirmando o que se segue

1) Ens eacute um nome que significa um ser (determinado) ou seja a

natureza e a essecircncia de qualquer existente ou entatildeo - o ser mesmo - uma

propriedade comum a tudo aquilo que se pode dizer que eacute (que pertence a)

Em suma enquanto nome ou substantivo ser designa um existente

qualquer ou uma propriedade comum a todos os existentes designa o que

verdadeiramente eacute ou uma propriedade geral eacute um ente ou uma entidade

2) Enquanto verbo ser designa a accedilatildeo ou o ato de ser exercido pelo

ente Assim como verbo natildeo significa que algo eacute nem a existecircncia em geral

mas o ato mesmo pelo qual qualquer realidade dada eacute de fato ou existe

Precisamente a este ato Gilson chama de ser em contraposiccedilatildeo a ente

De todo modo feita a distinccedilatildeo Chasin considera existir um seacuterio

problema ao tomar em separado ens e esse indagando eacute possiacutevel pensar em

duas figuras no isolamento Seraacute que essa configuraccedilatildeo eacute de fato o mais

fundamental dos problemas ou eacute o mais antigo o mais remoto e o mais cultuado

dos equiacutevocos da histoacuteria da filosofia

20

De um lado a compreensatildeo da forma de ser enquanto verbo como

pura significaccedilatildeo verbal de existir de estar presente enquanto significaccedilatildeo de

ato ou presenccedila o verbo eacute forma simples e vazia de conteuacutedo pois reduzida ao

predicado mais geral e comum das coisas denota apenas sua existecircncia De

outro lado ocorre o mesmo problema com o substantivo ser - ens - pois redunda

em essecircncia imutaacutevel Em outras palavras na histoacuteria da filosofia nesses dois

caminhos houve de longa data polecircmica sobre o que existe em que plano se daacute

a existecircncia e assim por diante No caso do ser como verbo o ser eacute muito

parcamente categorial reduzido agrave presenccedila no tempo e no espaccedilo soacute possui o

predicado abstrato da existecircncia no caso do substantivo tomado sem o ato de

existir se converte em complexo de propriedades ou entidades perenes

A resoluccedilatildeo para tal questatildeo reside segundo Chasin em tomar o ser

enquanto complexo categorial daquilo que eacute como ente que existe Nesse

sentido o desvendamento tem ecircxito maior como mostra a ciecircncia que toma

para anaacutelise formas mais complicadas e replenas de conteuacutedo vale dizer uma

vez que tem por alvo o ser por sua efetividade e determinado por suas

qualidades natildeo apenas pelo reconhecimento de sua presenccedila mas pelo seu

complexo categorial

Ora arremata Chasin a forma sensiacutevel do ente compreende o ens e o

esse ou seja a plena riqueza do complexo categorial

- Loacutegica e Ciecircncia

Neste item Chasin defende a tese de que na medida em que

pretendeu e pretenda ser uma disciplina ou ciecircncia de chegada isto eacute

21

conclusiva autocircnoma e sistemaacutetica a ontologia acaba por ser transmutada em

loacutegica ou ciecircncia

Talvez possa ser dito que nas ontologias onde predomine

unilateralmente o ser como verbo ou o ente como essecircncia terminem por ser

uma loacutegica que de alguma forma acaba por ter a pretensatildeo de constituir o ser

a loacutegica eacute entatildeo o segredo uacuteltimo do ser ou sua base cognitiva e por essa via

sua base ontoloacutegica - que assim nega a ontologia ou seja o reconhecimento do

ser por si

De outra parte predominando o ser como substantivo o fim da

ontologia acaba por ser uma forma de ciecircncia ou seja a ontologia eacute novamente

negada como ocorreu com a ciecircncia moderna donde sua pretendida auto-

suficiecircncia que apenas admite por fundamento uma forma qualquer de

gnosiologia isto eacute uma forma a priori da operatividade subjetiva

desaparecendo assim a regecircncia do objeto o que ao contraacuterio caracteriza o

espiacuterito e o propoacutesito ontoloacutegicos ou seja o reconhecimento do ente enquanto

ente o oacuten qua oacuten ou ser por si

Em suma a ontologia quando centrada no ser como verbo rarefeita

pelo vazio de sua forma termina por ser loacutegica por outro lado quando centrada

no ser como substantivo agraves voltas com gecircneros formados por complexos

qualitativos termina por se constituir em ciecircncia particular e autocircnoma Assim

ao pretender ser tudo concludente sistemaacutetica e independente por sua forma

mais vazia ou por suas categorias abstratas e perenes a ontologia acaba por

ser negada pela loacutegica ou pela ciecircncia Pretendendo ser tudo acaba por

desaparecer

Ora ao tomar o ser como verbo a ontologia tem de compreender que

natildeo pode ser mais do que a anatomia de uma propriedade do ser - de sua

propriedade mais geral e vazia - a propriedade de sua presenccedila enquanto corpo

real ausente ou presenccedila de um complexo categorial abstraiacutedo O ser aqui eacute

22

reduzido agrave forma mais vazia a simples propriedade de um todo que escapa

completamente agrave sua jurisdiccedilatildeo Donde seu desenlace em loacutegica

De outra parte quando o ser eacute tomado em sua denotaccedilatildeo substantiva

ou seja na multiplicidade de suas propriedades qualitativas em interconexatildeo

especiacutefica transborda em ciecircncia na medida em que a ontologia pretenda a

condiccedilatildeo de disciplina ou ciecircncia sistemaacutetica

Donde a impossibilidade de a ontologia ficar adstrita agrave forma do verbo

nem se realizar como dilucidaccedilatildeo concreta do substantivo Assim deve-se

reconhecer que a ontologia natildeo pode se realizar em nenhum desses dois poacutelos

nem simples tematizaccedilatildeo do ato geneacuterico da presenccedila - que redundaria em

simples compoacutesito tautoloacutegico nem tematizaccedilatildeo do ser substantivo concreto

pois aiacute se desnaturaria em ciecircncia especiacutefica

Conclusivamente a ontologia nem eacute simples tautologia do ser em ato

nem efetivaccedilatildeo cientiacutefico-concreta do desvendamento do ser como substantivo

Enquanto tal a ontologia eacute uma realizaccedilatildeo necessaacuteria no espaccedilo que antecede

aqueles dois poacutelos em verdade a plataforma que leva da constataccedilatildeo mais

abstrata do ser (tanto como substantivo quanto verbo) agrave sua reproduccedilatildeo

cientiacutefica como substantivo Enquanto tal eacute um estatuto - uma filosofia primeira

o cacircnon da legalidade do ser matrizado pelos traccedilos ou vetores categoriais

fundamentais do ser por si que matriza a cientificidade tanto em sua forma mais

abstrata - loacutegica - quanto em sua forma mais concreta - ciecircncia

O problema fundamental da filosofia primeira - philosophia prima - eacute o

problema das categorias mais gerais do ser aiacute incluso o ato de ser donde em

sua plenitude o ato sensiacutevel de ser - ens e esse o ens essendi complexo

categorial pleno no ato de existir

Essa plataforma estatutaacuteria natildeo eacute uma disciplina situada entre outras

disciplinas entre a loacutegica e a ciecircncia como um campo intermediaacuterio entre o

verbo e o substantivo entre a maacutexima abstratividade e a efetividade concreta

23

Essa distribuiccedilatildeo topograacutefica confere agrave abstraccedilatildeo a condiccedilatildeo de fundaccedilatildeo

(determinaccedilatildeo originaacuteriaontoloacutegica) e fundamento (ponto de partida

epistemoloacutegico) Se assim fosse perderia a condiccedilatildeo de filosofia primeira

Enquanto filosofia primeira eacute o reconhecimento do substantivo verbal

do substantivo que eacute do ens essendi natildeo de uma substantividade qualquer em

abstrato mas da substantividade que existe por todas as modalidades

categoriais isto eacute reais (sensiacuteveis) natildeo apenas um substantivo pensado que

dependeria para ser do pensamento mas do substantivo que eacute por-si

independentemente se ser pensado o que requer o complexo categorial

da sensibilidade por isso eacute que soacute eacute ser o ser sensiacutevel Vale dizer o ser como

verbo eacute resultado do ser substantivo soacute um sujeito (em suas diversas formas na

cadeia do ser) eacute (soacute um sujeito existe eacute faz sente pensa etc de acordo com

seu grau na cadeia do ser)

A ontologia do puro verbo ser ou das puras essecircncias (complexo

categorial abstrativante e eterno) eacute a autonomizaccedilatildeo das categorias ou da

existecircncia em relaccedilatildeo ao ser e existir reais agraves formas reais de ser e existir satildeo

as categorias e a existecircncia sem corpo ou sujeito mais do que isso satildeo as

categorias (essecircncia) e existecircncia em geral universal e abstrata tornadas

sujeito a essecircncia ou a existecircncia abstratas personificadas - e isso satildeo

puramente figuras do pensamento o que jaacute eacute especulaccedilatildeo natildeo ontologia

Marx agrave semelhanccedila de Feuerbach soacute admite como ente ou melhor

como entificaccedilatildeo o ens essendi - o ente sendo o ente no ato de ser o ente

revestido de existecircncia atual - objetivo o ente no exerciacutecio da accedilatildeo ou ato de

ser eacute portanto um ente existente ou seja o ente que estaacute sendo o ente no ato

de existir

Donde do mesmo modo que em Feuerbach o ser eacute inseparaacutevel de sua

existecircncia Ser e existir constituem uma unidade indissoluacutevel complexo

24

categorial no ato de ser pela atualizaccedilatildeo do complexo categorial essecircncia

determinada e mutaacutevel na mutabilidade de ser e ir sendo (essendi)

Eacute chegada a hora depois desta etapa analiacutetica de vislumbrar qual eacute o

cenaacuterio em Marx que esse conjunto de questotildees se coloca Com esse objetivo e

como eacute tiacutepico de seu procedimento investigativo junto aos textos daquele autor

Chasin toma para anaacutelise o item 1 O Processo de Trabalho do capiacutetulo V de O

Capital Nele pode-se identificar em primeiro lugar a natureza geral (universal)

da atualizaccedilatildeo da forccedila de trabalho que se encontra em potecircncia nos indiviacuteduos

A produccedilatildeo de valores de uso ou bens natildeo muda sua natureza geral por se

realizar para o capitalista e sob seu controle Por isso o processo de trabalho

deve ser considerado de iniacutecio independentemente de qualquer forma social

determinada[x]

Por que o processo de trabalho deve ser considerado de iniacutecio

independentemente de qualquer forma social determinada indaga Chasin A

resposta eacute formulada em estilo direto Para natildeo ser perdida a natureza do

trabalho sua positividade enquanto atividade humana vital

Tem-se nessa passagem segundo Chasin um exemplo do exerciacutecio

de uma ontologia estatutaacuteria - a positividade (sua efetividade ou operosidade)

universal do trabalho enquanto atributo vital e inalienaacutevel do homem

independentemente de suas formas concretas que se apresentam na forma do

trabalho alienado

Eacute a determinaccedilatildeo universal do trabalho o traccedilo de sua legalidade

uacuteltima sua determinaccedilatildeo mais geral e essencial dimensatildeo que natildeo desaparece

nem mesmo sob suas formas concretas mais negativas

A ontologia estatutaacuteria registra o traccedilo ou rastro dessa dimensatildeo

permanente que atravessa as formas concretas em sua efetividade contraditoacuteria

e especialmente desfavoraacutevel para o homem enquanto maioria subjugada ao

longo de toda a preacute-histoacuteria da humanidade

25

Permanente mas permanente processual mutaacutevel diversamente

positivo quantitativa e qualitativamente em cada uma das formas concretas em

que o trabalho aparece nas configuraccedilotildees sociais determinadas

Nesse sentido abstratamente permanente abstratamente positivo mas

onde essa abstratividade natildeo corresponde a uma simples determinaccedilatildeo

conceitual Corresponde a uma efetividade em sua figura proacutepria em cada forma

social determinada

Agrave ontologia estatutaacuteria compete o reconhecimento dessa dimensatildeo mais

geral base para a decifraccedilatildeo cientiacutefica concreta dos casos efetivos que por sua

vez confirmam ou natildeo criticamente a determinaccedilatildeo mais geral ontoloacutegica Natildeo

haacute portanto um abismo separando ontologia de ciecircncia mas a continuidade de

momentos distintos de uma mesma unidade de conhecimento que interagem e

se medem reciprocamente se apoacuteiam estimulam e criticam um infinito processo

constitutivo das certezas

Continuando a anaacutelise do texto marxiano tem-se a descriccedilatildeo do

trabalho e o reconhecimento analiacutetico de sua natureza Antes de tudo [aqui

Chasin faz uma pequena observaccedilatildeo assinalando ou seja na raiz em seu

fundamento diria uma linguagem mais convencional e ciosa de suas

pretendidas atribuiccedilotildees] o trabalho eacute um processo entre o homem e a

natureza um processo em que o homem por sua proacutepria accedilatildeo medeia regula

controla seu metabolismo com a natureza Ele mesmo se defronta com a

mateacuteria natural Ele potildee em movimento as forccedilas naturais pertencentes agrave sua

corporalidade braccedilos e pernas cabeccedila e matildeo a fim de se apropriar da mateacuteria

natural numa forma uacutetil para a sua proacutepria vida Ao atuar por meio desse

movimento sobre a natureza externa a ele e ao modificaacute-la ele modifica ao

mesmo tempo sua proacutepria natureza Ele desenvolve as potecircncias nela

adormecidas e sujeita o jogo de suas forccedilas a seu proacuteprio domiacutenio[xi]

26

Observe-se que diz Chasin ao trabalhar ao mudar a forma da

natureza ao construir sua proacutepria mundaneidade o homem ele proacuteprio por

meio de seu proacuteprio trabalho transforma a sua proacutepria natureza Ou seja de ser

natural para social eis um novo exemplo de lineamento reconhecido e recolhido

agrave ontologia estatutaacuteria

Prosseguindo na especificaccedilatildeo Marx afirmaPressupomos o trabalho

numa forma que pertence exclusivamente ao homem Uma aranha executa

operaccedilotildees semelhantes agraves do tecelatildeo e a abelha envergonha mais de um

arquiteto humano com a construccedilatildeo dos favos de suas colmeacuteias Mas o que

distingue de antematildeo o pior arquiteto da melhor abelha eacute que ele construiu o

favo em sua cabeccedila antes de construiacute-lo em cera No fim do processo de

trabalho obteacutem-se um resultado que jaacute no iniacutecio deste existiu na imaginaccedilatildeo do

trabalhador e portanto idealmente Ele natildeo apenas efetua uma transformaccedilatildeo

da forma da mateacuteria natural realiza ao mesmo tempo na mateacuteria natural seu

objetivo que ele sabe que determina como lei a espeacutecie e o modo de sua

atividade e ao qual tem de subordina sua vontade E essa subordinaccedilatildeo natildeo eacute

um ato isolado Aleacutem do esforccedilo dos oacutergatildeos que trabalham eacute exigida a vontade

orientada a um fim que se manifesta como atenccedilatildeo durante todo o tempo de

trabalho e isso tanto mais quanto menos esse trabalho pelo proacuteprio conteuacutedo e

pela espeacutecie modo de sua execuccedilatildeo atrai o trabalhador portanto quanto

menos ele o aproveita como jogo de suas proacuteprias forccedilas fiacutesicas e espirituais[xii]

Chasin chama atenccedilatildeo para as seguintes observaccedilotildees

1) a preacutevia-ideaccedilatildeo do resultado (do fim) a existecircncia ideal do mesmo

na imaginaccedilatildeo donde o objeto ou um complexo categorial in mente e ante

res[xiii]

Preacutevia-ideaccedilatildeo e teleologia satildeo ou podem ser momentos confluentes

mas natildeo satildeo idecircnticos a preacutevia-ideaccedilatildeo estaacute no comeccedilo e eacute um desenho ideal

que implica o conhecimento da espeacutecie e do modo da atividade a realizar

27

conhecimento das malhas causais teleologia eacute simplesmente finalidade fim

objetivo podendo se apresentar de modo meramente volitivo e bem abstrato

natildeo mobilizante dos ou sem os meios de sua realizaccedilatildeo ou seja ter teleologia

sem preacutevia-ideaccedilatildeo natildeo conduz a nenhum processo de trabalho Quero assinar

que o termo teleologia pode ser demasiado vago no sentido de mero conceito

filosoacutefico convencional nesse sentido apenas alusivo e natildeo instrumentador de

operaccedilotildees na esfera da atividade sensiacutevel Pode ser entendido mais como

manifestaccedilatildeo de espiacuterito do que como exigecircncia de efetuaccedilatildeo de mudanccedila de

forma da mateacuteria natural e objetivaccedilatildeo de propoacutesito E de toda forma indica

antes de tudo que o fim o realizado estaacute no fim do processo fala do obtido ou

do a ser obtido nada nos diz da travessia que realiza da travessia que passa do

ideal para o real natildeo nos fala da mobilizaccedilatildeo ideal e material necessaacuterias

Quando a teleologia se manifesta como resultado jaacute natildeo eacute preciso dizer mais

nada a respeito Basta saudar e usufruir de sua apariccedilatildeo que nada tem de

maacutegica ou misteriosa mas antes de reconhececirc-la como produto das

metamorfoses de subjetividade e objetividade Ou seja em suas distintas

naturezas inconfundiacuteveis enquanto tais objetividade e subjetividade satildeo

entificaccedilotildees na mundaneidade humana e nessa qualidade estados ou momentos

do ser social momentos regidos pela atividade ideal e sensiacutevel do mesmo

Penso que Lukaacutecs ao transpor a questatildeo para a linguagem filosoacutefica

tradicional pode ter dissociado demais fins e meios o que natildeo eacute o caso dos

textos de Marx Por isso Lukaacutecs se vecirc obrigado depois a buscar a rearticulaccedilatildeo

entre teleologia e causalidade e nisso encontre natildeo poucas dificuldades (como

uma passa para outra e vice-versa parecendo que lida ao limite com

substacircncias incomunicaacuteveis natildeo as compreendendo em suas metamorfoses) e

deixe que se perca certa substacircncia da questatildeo antes de tudo o interfluxo entre

objetividade e subjetividade com seus distintos momentos preponderantes em

cada um dos passos dos momentos embricados dos processos Creio que as

duas esferas ficam sempre tradicionalmente um tanto estranhas uma em

28

relaccedilatildeo agrave outra seja para preservar a objetividade e aiacute se torna objetivista seja

para ressaltar a subjetividade e aiacute desliza para o subjetivismo

2) No fim do processo tem-se seu resultado que eacute a transformaccedilatildeo da

forma de uma dada mateacuteria natural e a realizaccedilatildeo do objetivo do trabalho que

existiu antes como preconfiguraccedilatildeo ideal Portanto o trabalho transforma

imagem ideal em ente real complexo categorial in rebus

Em suma no pensamento de Marx as categorias ou complexos

categoriais satildeo reconhecidos sob as trecircs formas in mente (existem idealmente

na imaginaccedilatildeo ou como reproduccedilatildeo mental das coisas categorias da

representaccedilatildeo) ante res (preacutevia-ideaccedilatildeo) e in rebus como efetividades quando

estatildeo na forma de ser Como confirmaccedilatildeo tome-se mais esta passagem do

mesmo capiacutetulo No processo de trabalho a atividade do homem efetua

portanto mediante o meio de trabalho uma transformaccedilatildeo do objeto de

trabalho pretendida desde o princiacutepio O processo extingue-se no produto Seu

produto eacute um valor de uso uma mateacuteria natural adaptada agraves necessidades

humanas mediante transformaccedilatildeo da forma O trabalho se uniu com seu objeto

O trabalho estaacute objetivado e o objeto trabalhado O que do lado do trabalhador

aparecia na forma de mobilidade aparece agora como propriedade imoacutevel na

forma do ser[xiv] do lado do produto Ele fiou e o produto eacute um fio[xv]

Como arremate analiacutetico dessa famosa mas muitas vezes mal

compreendida passagem de O Capital Chasin conclui ao mesmo tempo em que

visualiza uma nova tarefa Se assim eacute se as categorias podem aparecer nas

trecircs formas - in rebus - in mente - ante res - haacute entatildeo que determinar o que satildeo

cada uma dessas formas

Esquematicamente Chasin propotildee o seguinte

1) se estatildeo in rebus (nas coisas) estatildeo na forma do ser

29

2) se estatildeo in mente (na cabeccedila) estatildeo na forma da reproduccedilatildeo ideal

das coisas Trata-se da subjetividade receptora[xvi] que reproduz as coisas natildeo

captando apenas seus dados empiacutericos superando pois o empirismo e elabora

portanto a reproduccedilatildeo ideal dos entes e onde a subsunccedilatildeo aos objetos eacute a

atividade de sua elaboraccedilatildeo ideal

3) se estatildeo ante res (antes das coisas) estatildeo na forma da finalidade da

preacutevia mentalizaccedilatildeo de objetivos e meios

Poreacutem no segundo e terceiro casos as categorias estatildeo na forma de

espeacutecies de pensamento representaccedilotildees e projeccedilotildees do ser do vir-a-ser dos

meios materiais instrumentais processuais e dinacircmicos de entificaccedilatildeo dos

seres

Concluindo essa parte dizer pois que o homem e o mundo satildeo

atividade sensiacutevel que por criar seu mundo cria a si mesmo eacute determinar o

homem como a criatura criadora de seres

No entanto na medida em que apenas na configuraccedilatildeo histoacuterica regida

pela loacutegica do capital ou seja na plenitude da produccedilatildeo da riqueza entendida

por sua essecircncia subjetiva que eacute o trabalho que se atinou para determinaccedilatildeo

do homem como a criatura criadora de seres foi possiacutevel agrave reflexatildeo pode se

dar conta potencialmente da verdadeira problemaacutetica do ser

Em outras palavras eacute pela criacutetica ao criador de criaturas na forma da

alienaccedilatildeo - criacutetica marxiana agrave sociedade capitalista - eacute que a ontologia pode

atinar com seu verdadeiro objeto e modo de determinaccedilatildeo Natildeo eacute casual que

tenha emergido pela criacutetica feuerbachiana ao sistema hegeliano (a criaccedilatildeo

especulada dos entes) e ganho seus contornos efetivos no advento de uma

nova forma de pensamento e concepccedilatildeo de praacutetica - a doutrina de Marx

Resumindo no caso de Marx ontologia eacute estatuto ou filosofia primeira

do ser social que enquanto tal norteia a concreccedilatildeo cientiacutefica do mesmo cuja

30

realizaccedilatildeo corrige e enriquece o proacuteprio estatuto donde a sinergia e a reciacuteproca

dimensatildeo criacutetica entre estatuto ontoloacutegico e ciecircncia da histoacuteria em seus diversos

departamentos possiacuteveis estabelecidos jaacute por criteacuterio ontoloacutegico ou seja que

respeita a integridade das coisas em suas qualidades e processos interconexos

que as constituem em seu ser por si e enquanto tais satildeo reproduzidas

teoricamente

Enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma da legalidade objetiva (material

e espiritual) do ser social ou seja enquanto malha de asserccedilotildees ou

determinaccedilotildees de seu complexo categorial enquanto o permanente na forma de

processo a ontologia estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a

sociabilidade como substacircncia desse grau maacuteximo da cadeia do ser

Mas substacircncia como complexo categorial como siacutentese de categorias

essenciais que denota uma forma especiacutefica determinada de presenccedila ou

existecircncia plenamente qualificada

Por isso eacute estatuto ontoloacutegico pois a plataforma canocircnica do ser eacute o

coacutedigo do substantivo verbal como substacircncia substrato) assim o estatuto

ontoloacutegico do complexo substantivo do ser social deve reconhecer a

sociabilidade como substacircncia A sociabilidade como substrato dos homens

seja na forma da alienaccedilatildeo seja na forma de sua latecircncia de substancialidade

em vir-a-ser no caminho infinito de sua realizaccedilatildeo

Trata-se portanto em Marx de estatuto e natildeo sistema pois como

sistema seria um agregado de abstraccedilotildees uma filosofia que uma vez obtidas

noccedilotildees fundamentais passa a se edificar por si ou seja as noccedilotildees seriam

coaacutegulos inteligiacuteveis que passam por auto-sustentaccedilatildeo a configurar

dedutivamente o mundo Ao passo que estatuto eacute uma ordem a legalidade do

ser sensiacutevel - o ser na plenitude de seus atributos

tempo (histoacuteriaprocessoduraccedilatildeomutabilidade) lugar e sensibilidade

especificamente a legalidade do ser social imanente a si em sua especiacutefica

31

objetividade O ser sensiacutevel eacute a forma do ser porque eacute a plenitude das

categorias possiacuteveis

E as formaccedilotildees ideais

Segundo Chasin as formaccedilotildees ideais do mesmo modo que as

formaccedilotildees reais - formas do ser - tecircm lugar e tempo como categorias - o tempo

e o espaccedilo das formaccedilotildees sociais que satildeo engendradas mas estatildeo privadas de

sensibilidade

O sensiacutevel soacute eacute predicaccedilatildeo inerecircncia agrave forma do ser que conteacutem a

plenitude dos predicados possiacuteveis (sensibilidade espaccedilo tempo)

Essa forma de conceber o ser eacute reconhecer substancialidade ao

complexu agrave unidade totalizada ou seja ao conjunto pleno de atributos em ato

Em outras palavras ser eacute complexo categorial - tem a forma de ser -

completude ou forma conferida pelo sensiacutevel que se desdobra em muacuteltiplos

atributos e se condensa de infinitas maneiras no gradiente do ser

Em suma segundo Chasin tomando Marx como base e ponto de

referecircncia permanentes ser eacute plenitude categorial ou seja a plenitude

categorial eacute sua forma e por ser sensiacutevel compreende lugar e tempo

Donde se admitido o princiacutepio metoacutedico de Marx saber eacute saber do ser

que antes de tudo eacute um complexo sensiacutevel - tudo que eacute existe eacute sempre um

complexo natildeo uma substacircncia ou essecircncia pura e cristalina E a cadeia do ser eacute

o conjunto de graus do ser - do menos ao mais complexo

O preceito metodoloacutegico marxiano eacute pois ontoloacutegico sabe-se o que eacute

como se formou se desenvolveu e como depereceraacute

Por via de consequumlecircncia e diante das vicissitudes da histoacuteria da

ontologia de seu processo constitutivo e dissolutor diante da penosa rota da

32

conquista teoacuterica do real homoacuteloga ou equivalente agrave necessidade humana de

produzir a sua mundaneidade e a si mesmo a ontologia eacute o que pode ser - o

que natildeo eacute pouco - a esfera teoacuterica da incerteza propulsora positiva

afirmativamente organizada O patamar do incerto ordenado como plataforma da

busca infinita da certeza Impulsatildeo incontornaacutevel que natildeo pode ser eludida pela

presenccedila imperativa dos circuitos ontopraacuteticos

Talvez agora o estatuto ontoloacutegico marxiano possa ser enunciado do

seguinte modo eacute o estudo das categorias fundamentais - em traccedilos essenciais

abstratos em suas determinaccedilotildees mais gerais - da existecircncia social

historicamente constatada e reconhecida sendo possiacutevel exemplificar com as

seguintes categorias historicidade (processualidade ou mutabilidade)

concreticidade ou objetividade atividade sensiacutevel e ideal (trabalho e

reproduccedilatildeo) subjetividade (receptiva e proponente) valor individualidade

gecircnero (sociabilidade) Tudo isso perfilando o complexo de complexos da auto

realizaccedilatildeo do ser humano-societaacuterio entendido que o fim dos fins eacute a infinitude

da realizaccedilatildeo do humano - do autopor-se do aberto ser humano-societaacuterio

Estatuto que em outros termos eacute a ordem do reconhecimento ou

reproduccedilatildeo teoacuterica da identidade natureza e constituiccedilatildeo das coisas por si por

seus complexos categoriais decisivos independentemente em qualquer plano

de se tornarem objetos de praacutetica ou reflexatildeo

Enquanto tal eacute a teoria do reconhecimento da objetividade histoacuterico-

social imanente em suas distintas formas de apresentaccedilatildeo (natureza e

sociedade) Em termos muito breves eacute o momento mais abstrato do

reconhecimento da identidade das coisas por si enquanto tal um dos momentos

distintos da unidade do saber do qual participa um segundo sob forma

concreta que eacute a ciecircncia

Pela proacutepria natureza histoacuterica processual do ser a ontologia marxiana

natildeo corresponde nem poderia corresponder por simples imperativo de

33

coerecircncia agrave forma de um saber universal plantado sobre uma racionalidade

auto-sustentada ou seja fundado na razatildeo universal nada mais a versatildeo laica

ou profana de Deus no dizer de Feuerbach Ou seja trata-se enfim de uma

forma de ontologia sem parentesco com o saber absoluto e que recusa qualquer

tipo de fundamento especulativo pois absolutizaccedilatildeo de uma teoria da

fundamentaccedilatildeo eacute simplesmente a firmaccedilatildeo especulativa da razatildeo autocircnoma ou

de um princiacutepio de inteligibilidade situado para aleacutem das coisas que garante a

presenccedila e o conhecimento do sagrado e a vitoacuteria antecipada do idealismo Natildeo

correspondendo agrave qualquer forma de saber universal a ontologia marxiana

sustenta a possibilidade efetiva como jaacute vimos de um saber real

Por sua praacutetica teoacuterica e por um conjunto de lineamentos expliacutecitos

Marx deixou o legado de um especiacutefico estatuto ontoloacutegico natildeo um ontologia de

talhe convencional ou tradicional e natildeo apenas por que careceu de tempo

necessaacuterio para a realizaccedilatildeo de uma obra desse tipo mas fundamentalmente

pela distinccedilatildeo de natureza de seu estatuto ontoloacutegico radicalmente oposto ao

tratamento especulativo da mateacuteria

Esse estatuto eacute constituiacutedo a partir do universo praacutetico onticamente

referido ou seja eacute um estatuto ocircntico-ontoloacutegico pois evolve da efetividade

histoacuterica das coisas de suas relaccedilotildees e processos para sua reproduccedilatildeo

conceitual no plano de uma trama categorial em sua expressatildeo mais abstrata

Reconhecimento e Determinaccedilatildeo da Sociabilidade como Substacircncia

Vimos que segundo Chasin enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma

da legalidade do ser social em sua materialidade e espiritualidade[pode-se dizer

tambeacutem em sua objetividade sensiacutevel e supra-sensiacutevel] ou seja enquanto

malha de asserccedilotildees ou determinaccedilotildees de seu complexo categorial a ontologia

34

estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a sociabilidade como substacircncia desse

grau maacuteximo do ser

Embora Chasin natildeo tenha desenvolvido plenamente a questatildeo da

objetividade supra-sensiacutevel como tambeacutem a da sociabilidade como substacircncia

julgo conveniente transcrever tambeacutem algumas notas e comentaacuterios feitos em

sala de aula dada a importacircncia do tema

Em relaccedilatildeo agrave noccedilatildeo de substacircncia Chasin retoma sua noccedilatildeo mais geral

e tradicional Ou seja deixando de fora qualquer conotaccedilatildeo relativa a formas de

idealidade o que existe por si eacute um auto-engendrado a uacuteltima instacircncia de um

dado gecircnero de entificaccedilatildeo enquanto tal na medida em que eacute uma efetividade

eacute um complexo que a noccedilatildeo de substacircncia refere no mais alto grau de

abstraccedilatildeo Vale pois como abstraccedilatildeo razoaacutevel tal como todo conceito

marxiano nesse niacutevel de generalizaccedilatildeo a partir do qual pela via dos processos

de concreccedilatildeo satildeo determinaacuteveis as formas concretas de substacircncia

correspondentes agraves formaccedilotildees sociais reais

Dessa forma a substacircncia eacute um complexo histoacuterico natildeo uma

idealidade natildeo um construto da razatildeo auto-sustentada mas o resumo de uma

extraccedilatildeo justificada

Naturalidade e Sociabilidade

Sempre que se potildee a questatildeo da naturalidade e da sociabilidade essa

uacuteltima tende a ser examinada in statu nascendi ou de um estado original

imaginaacuterio natildeo se parte portanto de fatos pois os desconhecemos se eacute que

35

tenham existido mas de um mito E do mito se quer saltar para o quadro de uma

realidade complexa

Mas acompanhando Marx lembremos das pobres robinsonadas do

seacuteculo XVIII referidas logo agraves primeiras linhas da Introduccedilatildeo de 57 a) O

caccedilador e o pescador individuais e isolados de que partem Smith e Ricardo b)

o contrat social de Rousseau que relaciona e liga sujeitos independentes por

natureza por meio de um contrato Essas robinsonadas natildeo repousam sobre

(o) naturalismo E a argumentaccedilatildeo prossegue Trata-se ao contraacuterio de uma

antecipaccedilatildeo da sociedade (buumlrgelichen Gesellschaft) que se preparava desde

o seacuteculo XVI e no seacuteculo XVIII deu larguiacutessimos passos em direccedilatildeo agrave sua

maturidade Nesta sociedade da livre concorrecircncia o indiviacuteduo aparece

desprendido dos laccedilos naturais que em eacutepocas histoacutericas remotas fizeram dele

um acessoacuterio de um conglomerado humano limitado e determinado Os profetas

do seacuteculo XVIII sobre cujos ombros se apoacuteiam inteiramente Smith e Ricardo

imaginam o indiviacuteduo do seacuteculo XVIII como um ideal que teria existido no

passado Vecircem-no natildeo como um resultado histoacuterico mas como ponto de partida

da Histoacuteria porque o consideram como um indiviacuteduo conforme agrave natureza -

dentro da representaccedilatildeo que tinham da natureza humana - que natildeo se originou

historicamente mas foi posto como tal pela natureza[xvii]

Segundo Chasin tomando Marx novamente como ponto de referecircncia

os equiacutevocos que aparecem ao se tratar a relaccedilatildeo naturalidade sociabilidade

satildeo os seguintes

1) procurar deduzir em graus diferentes em cada caso o ser social do

natural esquecendo que se trata da emergecircncia do novo de uma configuraccedilatildeo

ontoloacutegica nova e que o novo nunca eacute um simples desdobramento do estaacutegio

anterior no caso - do grau de ser antecedente ou seja que entre os dois niacuteveis

ocorre o que se chama de salto um intervalo em que a potecircncia causal do

antecedente natildeo conteacutem a capacidade a potecircncia ou a potencialidade para

gerar o novo Um intervalo que fica assim indeterminado

36

2) o procedimento acima abre para a mera especulaccedilatildeo pois tende a

deduzir a indeterminaccedilatildeo a querer estabelecer nexos onde eles inexistem

tende a preencher o que de fato eacute um vazio A rigor natildeo se trata de um natildeo-

sabido mas da ausecircncia factual de um objeto ou processo em outros termos

se trata de um vazio ontoloacutegico de uma ausecircncia de nexos ontoloacutegicos

O correto segundo o modus operandi marxiano natildeo eacute partir da semente

ou do embriatildeo mas do complexo real maturado uma vez que

especialiacutessimamente na esfera social a loacutegica do gerado eacute diversa da loacutegica de

sua gecircnese aleacutem de que nesse acircmbito as entificaccedilotildees configuradas apagam a

rota e a loacutegica de sua formaccedilatildeo

Desse modo partindo do jaacute configurado e considerando que se trata de

uma configuraccedilatildeo infinita que compreende mutaccedilotildees qualitativas muito

importantes e natildeo esquecendo que permanecemos no estaacutegio preacute-histoacuterico (em

momento especialmente desequilibrado e contraditoacuterio) podemos e devemos

reconhecer por meio de algumas abstraccedilotildees razoaacuteveis o seguinte

1) A formaccedilatildeo do ser social eacute um processo da animalidade agrave

hominidade o andamento da naturalidade agrave sociabilidade o caminho infinito da

naturalidade dada agrave sociabilidade natildeo-dada em produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

perenes

2)Trata-se pois de uma entificaccedilatildeo processual entre dois niacuteveis ou

poacutelos da escala do ser sendo processo eacute intrinsecamente uma contradiccedilatildeo e soacute

enquanto tal se move eliminada a contradiccedilatildeo cessaria a possibilidade do

processo Com isso eacute dito algo muito importante pois ao reconhecer a

contraditoriedade entre naturalidade e sociabilidade natildeo eacute mais possiacutevel pensar

as mesmas a propoacutesito do ser social como um simples conjugado de fatores

mas obrigatoriamente como uma conjugaccedilatildeo contraditoacuteria de legalidades Isso

vai na esteira do que eacute compreendido desde Hegel - que o ser eacute uma unidade

contraditoacuteria - todavia com o acreacutescimo do problema da dupla legalidade De

37

que modo ou feiccedilatildeo chega cada uma delas agrave unidade contraditoacuteria do ser Pois

haacute que pensar na unidade ou siacutentese a natildeo ser que se queira desenhar o ser

social como uma aberraccedilatildeo hiacutebrida pode ser esta a fisionomia do grau mais

elevado do gradiente dos seres Assim tomada na devida consideraccedilatildeo essa

determinaccedilatildeo ontoloacutegica sem a qual a reflexatildeo perde o rumo trata-se de

compreender a dinacircmica especiacutefica dessa contradiccedilatildeo peculiar Vejamos

3) Em primeiro lugar esse processo contraditoacuterio gera novas

contradiccedilotildees agora dominantemente contradiccedilotildees da sociabilidade em

formaccedilatildeo de sorte que se trata de um processo cumulativo de

contraditoriedades no qual as novas contradiccedilotildees progressivamente vatildeo

tomando o lugar predominante e decisivo vale dizer a contradiccedilatildeo originaacuteria

cada vez mais coabita com contradiccedilotildees de outro gecircnero diante das quais sua

presenccedila vai mudando de forccedila e configuraccedilatildeo natildeo desaparece mas sua

qualidade vai mudando na proporccedilatildeo mesmo do desenvolvimento da

apropriaccedilatildeo societaacuteria da natureza cada vez mais puramente social - eacute no que

consiste de acordo com as palavras de Marx o progressivo afastamento das

barreiras naturais

4) Ou seja a matriz e a medida do afastamento eacute a forma cada vez

mais social de produzir e reproduzir as bases materiais da vida pela qual eacute

gerado o novo ser em direccedilatildeo agrave sua potecircncia ampliada de se auto-por de ir em

direccedilatildeo a si mesmo um si mesmo que natildeo eacute dado mas gerado na progressatildeo

da auto-posiccedilatildeo do auto-assentamento ou da auto-enformaccedilatildeo que inclui a

proacutepria daccedilatildeo de forma e resoluccedilatildeo ao predicado natural ou bioloacutegico daccedilatildeo de

forma que em suma eacute daccedilatildeo de forma social ao predicado natural

5) Essa possibilidade de daccedilatildeo de forma eacute afirmaccedilatildeo e realizaccedilatildeo da

essecircncia social que eacute o conjunto de relaccedilotildees sociais configuradas em cada

momento pelo modo de produzir da base material modo por sua vez que eacute

determinado pelo desenvolvimento das forccedilas produtivas entre as quais figura o

proacuteprio modo de organizaccedilatildeo do conjunto das relaccedilotildees sociais

38

6) Daccedilatildeo de forma eacute alteraccedilatildeo do lugar resolutivo e todo ente que muda

de lugar muda de natureza sem alterar uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo material

Vale dizer que a contradiccedilatildeo originaacuteria entre naturalidade e sociabilidade eacute

resolvida por uma nova contradiccedilatildeo - a da naturalidade que soacute se realiza na

forma e por meios sociais - no afastamento que eacute superaccedilatildeo da naturalidade

(processo histoacuterico) a legalidade natural eacute submetida agrave legalidade social

(diferentemente em cada modo de produccedilatildeo e de acordo com o

desenvolvimento das forccedilas produtivas) o fator natural natildeo eacute suprimido

suprimida eacute sua capacidade de autodeterminaccedilatildeo resta portanto

simplesmente o que natildeo eacute pouco como um predicado do ser humano um

predicado insuprimiacutevel mas apenas como predicado bioloacutegico de um ser de

outra natureza e essecircncia A naturalidade eacute retida como predicado

imprescindiacutevel mas natildeo como essecircncia Donde natildeo satildeo mais duas legalidades

ontoloacutegicas que coexistem mas a legalidade superior mais complexa subsume

a legalidade natural que natildeo mais se autodetermina mas eacute resolvida pela e do

interior da outra Assim o predicado natural do homem recebe forma e

resoluccedilatildeo sociais ou seja o predicado natural eacute subsumido agrave legalidade social

Natildeo resta mais o choque de duas legalidades contrapostas na

contradiccedilatildeo originaacuteria A legalidade natural vai sucumbindo na ruptura e

progressivamente agrave legalidade social em sua efetividade no ser social a

legalidade natural natildeo mais atua por si eacute dependente do social natildeo eacute mais a

legalidade de um ser pois natildeo haacute mais aiacute um ser natural mas um atributo

natural dependente da essecircncia social O homem eacute um ser social que

compreende sua essecircncia especiacutefica (variaacutevel) suas contingecircncias e seu

predicado bioloacutegico Na entificaccedilatildeo do ser social uacuteltimo grau da cadeia do ser a

legalidade natural eacute subalternizada agrave social por mais ruacutestica e restrita que seja a

essecircncia social primitiva e por mais precaacuteria que seja essa subalternizaccedilatildeo de

iniacutecio O processo de afastamento das barreiras naturais eacute assim o curso dessa

subalternizaccedilatildeo que desponta no iniacutecio na ruptura com a legalidade natural e

por mais longo e contraditoacuterio em avanccedilos e recuos que seja esse processo

39

7) de outra parte a loacutegica do predicado bioloacutegico natildeo soluciona natildeo

tem resposta para o complexo problemaacutetico da sociabilidade enquanto que esta

daacute soluccedilatildeo aos imperativos daquela Como diz Marx nos Manuscritos de 44 o

homem contempla a natureza e a si mesmo com um produto social [dos homens

interativos] com pleno direito mesmo que natildeo com elevada consciecircncia ou altos

valores

8) Donde a foacutermula lukaacutecsiana da dupla base eacute falsa pois a plataforma

eacute a sociabilidade enquanto a naturalidade eacute apenas o insuprimiacutevel predicado

bioloacutegico que passa a vigir na forma e sob a regecircncia da sociabilidade Natildeo

perde por isso uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo orgacircnica mas na sua efetividade

muda de caraacuteter No interiro da esfera societaacuteria o predicado bioloacutegico eacute um

outro de si Se originariamente foi o ponto de partida agora eacute produzido e

reproduzido pela legalidade de um ser que o ultrapassa e o domina vive e soacute

pode viver na subjugaccedilatildeo de um novo estatuto Ou seja ao integrar como

predicado o ser de niacutevel mais elevado realiza a sua maacutexima potecircncia e isso eacute

ao mesmo tempo sua desnaturalizaccedilatildeo ou perecimento Impereciacutevel como

predicado natildeo eacute base pois determina soacute por seus limites pelas carecircncias natildeo

pelas determinaccedilotildees resolutivas nem mesmo em suas forccedilas e sentidos pois

enquanto virtualidades estas soacute satildeo humanas e superiores em resoluccedilatildeo

societaacuteria Ademais natildeo eacute nunca um criador de novas necessidades o que

caracteriza a legalidade social

9) A argumentaccedilatildeo acima diz respeito diretamente ao ser social em sua

configuraccedilatildeo bipolar (indiviacuteduo e gecircnero) e desenvolvida em especial no poacutelo da

individualidade tendo por esteio o andamento do gecircnero e ao falar deste se diz

do seu metabolismo com a natureza Esse metabolismo fundamental que eacute em

suma a atividade vital do homem ao gerar produtos sociais

(utilidadesmercadorias) sem que se possa transpor a estes as mesmas

determinaccedilotildees que foram feitas para o ser social desde logo satildeo entes sociais

mas em outro grau da escala do ser social mas tambeacutem tecircm mudada a sua

natureza de naturais a utilidades (e na forma da alienaccedilatildeofetichismo as

40

mercadorias) de sorte que a apropriaccedilatildeo da natureza eacute igualmente sua

desnaturalizaccedilatildeo eacute forccedilaacute-las a deixar de ser o que satildeo em sua peculiaridade

para se tornarem um outro de si sob a regecircncia do estatuto societaacuterio Isso eacute a

manifestaccedilatildeo do poder e da superioridade do grau maacuteximo do ser Nenhum

outro ser realiza qualquer coisa semelhante nem longinquumlamente Repetindo

Kant e Hegel Marx tinha toda razatildeo quando disse que haacute mais grandeza e

misteacuterio na cabeccedila de um becircbado do que no conjunto do universo

10) a Sociabilidade imperfeita substacircncia ainda natildeo realizada enquanto

tal ou seja ainda incapaz de autonomia como complexo estruturado conduz agrave

poliacutetica Natildeo compreendida como substacircncia mas como simples organizaccedilatildeo

potildee o homem no outro poacutelo na dicotomia homemsociedade ou seja na

representaccedilatildeo socioloacutegica ou politoloacutegica o homem eacute um outro

Determinada ou compreendida como substacircncia eacute substacircncia humana

(perfeita e imperfeita com todas as grandezas e miseacuterias produzidas

modificadas suprimidas e repostas no curso histoacuterico) eacute a essecircncia mutante do

ser auto-engendrado e enquanto mutante e por ser mutante distinta tambeacutem

por essa mutabilidade do predicado bioloacutegico atemporalmente necessaacuterio mas

sempre e progressivamente insuficiente do ser social

O tomo IV do primeiro nuacutemero da Revista Ensaios Ad Hominem eacute

composto de seis artigos - aleacutem do texto de abertura de autoria de J Chasin -

que resultaram de siacutenteses ou modificaccedilatildeo de partes ou capiacutetulos de

dissertaccedilotildees defendidas entre os anos de 1998 e 1999 junto ao Programa de

Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia da UFMG

41

O artigo que abre a presente coletacircnea intitulado A Razatildeo como

Tribunal da Criacutetica Marx e A Gazeta Renana de autoria de Celso Eidt versa

sobre a concepccedilatildeo do jovem Marx sobre o papel da imprensa natildeo apenas como

o locus privilegiado para o debate filosoacutefico mas fundamentalmente para os

processos educativos tendo em vista a realizaccedilatildeo plena da liberdade humana Eacute

bom ressaltar que no periacuteodo em que tais artigos satildeo redigidos Marx

compartilha de uma visatildeo antropoloacutegica racional em que a natureza humana eacute

concebida como espiacuterito livre e racional enquanto esteio da proacutepria vida eacutetica

ou seja da praacutetica humana fundada na razatildeo universal

Ana Selva Albinati autora do artigo A Determinaccedilatildeo dos Valores

Morais nos textos de Marx de 1841 a 1847 se debruccedila justamente sobre tal

campo de reflexatildeo Seu trabalho eacute uma tentativa de sistematizaccedilatildeo das

consideraccedilotildees sobre os valores morais nos textos do periacuteodo que se inicia com

sua tese doutoral Diferenccedilas entre as Filosofias da Natureza de Demoacutecrito e

Epicuro prosseguindo ateacute A Miseacuteria da Filosofia Ana Selva procura demonstrar

que esse periacuteodo normalmente referido como sendo o da juventude de Marx eacute

na verdade constituiacutedo de dois momentos de sua elaboraccedilatildeo teoacuterica que tem

como momento de clivagem a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel de meados

de 1843 em que Marx rompe com o referencial teoacuterico do idealismo alematildeo Em

relaccedilatildeo agraves determinaccedilotildees sobre a moral essa ruptura se reflete na inflexatildeo

radical que diferencia a compreensatildeo da moralidade no primeiro e segundo

momentos de tal forma que a moralidade passa a ser compreendida como um

dos modos da consciecircncia socialmente determinada concepccedilatildeo completamente

distinta da primeira fase em que os valores morais eram compreendidos como

expressotildees da liberdade e da racionalidade humanas idealmente concebidas

No artigo A criacutetica da Especulaccedilatildeo nas Glosas de Kreuznach Milney

Chasin analisa o momento inicial e ao mesmo tempo decisivo da ruptura que

se verifica entre Marx e Hegel no plano das determinaccedilotildees do ser Desse modo

a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel inaugura a criacutetica marxiana da

especulaccedilatildeo no seu cerne o de rejeitar o procedimento especulativo

42

caracteriacutestico de se provir tudo da ideacuteia real de tornaacute-la sujeito isto eacute de

capacitar a abstraccedilatildeo ou conceito automovido - a partir das metamorfoses

hegelianas - de pocircr o multiverso sensiacutevel Em outros termos Milney Chasin no

referido artigo evidencia como a criacutetica da especulaccedilatildeo permite a Marx

ultrapassar os horizontes do idealismo alematildeo na direccedilatildeo do devido

reconhecimento da distinccedilatildeo entre ser e pensar de caracterizar a impropriedade

ontoloacutegica da loacutegica hegeliana de apurar os limites gnosioloacutegicos e

incongruecircncias de toda ordem Em suma permite o desvelamento da substacircncia

miacutestica oferecendo a explicitaccedilatildeo do meacutetodo hegeliano - das diabruras do

conceito autoposto - que articula abstraccedilotildees e finitude restando a esta a mera

condiccedilatildeo de apecircndice dissolvido isto eacute momento virtual da realizaccedilatildeo da

idealidade

O quarto artigo desta coletacircnea intitulado A Exteriorizaccedilatildeo da Vida nos

Manuscritos de 44 eacute parte da dissertaccedilatildeo de mestrado As Categorias

Lebensaumlusserung Entaumlusserung Entfremdung e Veraumlusserung nos Manuscritos

Economico-Filosoacuteficos de Karl Marxdefendida por Mocircnica H M da Costa em

que o interesse era acima de tudo averiguar se alienaccedilatildeo (Entaumlusserung) e

estranhamento (Entfremdung) teriam significados distintos A pesquisa acabou

opor apontar no entanto uma outra categoria como eixo desses manuscritos

Lebensaumlusserung traduzida por exteriorizaccedilatildeo da vida De fato o fio condutor

dos Manuscritos eacute a centralidade do trabalho na produccedilatildeo material e espiritual

da vida humana Tomando para anaacutelise criacutetica pela primeira vez os

economistas claacutessicos Marx explicita sua proacutepria compreensatildeo da forma

peculiar de engendramento da existecircncia do homem A criacutetica a Hegel completa

o quadro desta tematizaccedilatildeo que natildeo seraacute abandonada ateacute os uacuteltimos trabalhos

de Marx

Sabina Maura Silva no artigo A Fenomenologia do Egoiacutesmo Stirner e a

Criacutetica Marxiana tem como objetivo fundamental apresentar a concepccedilatildeo de

homem presente na obra O Uacutenico e Sua Propriedade de autoria do filoacutesofo

neohegeliano Max Stirner e expor a criacutetica de Marx a este autor contida em A

43

Ideologia Alematilde A autora mostra que para Stirner o Eu tomado como

individualidade singular eacute o fundamento de sua esfera existencial No entanto

para esse autor tudo tem determinado a existecircncia dos indiviacuteduos natildeo tendo

sido permitido a eles determinaacute-la O objetivo de Stirner eacute pois remeter ao

indiviacuteduo - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel - o que dele foi alienado e erigido

como algo autocircnomo Por seu turno a criacutetica de Marx tem como fim explicitar o

caraacuteter especulativo da anaacutelise stirneana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo

bem como salientar o aspecto pseudorevolucionaacuterio de suas proposituras

Assim segundo Marx Stirner tatildeo somente interpreta diferentemente o

existente isto eacute reconhece o existente mediante outra

interpretaccedilatildeoTransformando as contradiccedilotildees objetivas em contradiccedilotildees

subjetivas Stirner conserva e justifica as condiccedilotildees e estruturas efetivas que

esmagam e impedem a autodeterminaccedilatildeo das individualidades ao reconhecer

as circunstacircncias como determinaccedilotildees dos indiviacuteduos Acolhendo acriacutetica e

especulativamente em suas feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees

estranhadas de um momento histoacuterico particular da individuaccedilatildeo humana

Stirner erige como individualidade um ente que empobrecido e constrangido

pelas condiccedilotildees objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade

social pode somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria

sobre si e sobre o mundo

O uacuteltimo artigo do tomo IV da Revista Ensaios Ad Hominem eacute de

autoria de Antocircnio Joseacute Lopes Alves e leva o tiacutetulo de A Individualidade

Moderna nos Grundrisse Neste texto o autor procura demonstrar que a

moderna sociabilidade do capital eacute compreendida por Marx como forma

instaurada a partir da dissoluccedilatildeo dos liames sociais que uniam em tempos

anteriores os indiviacuteduos agrave comunidade Aleacutem disso destaca o fato apontado por

Marx de que tal processo se constitui numa verdadeira reconversatildeo ontoloacutegica

tanto dos indiviacuteduos quanto das condiccedilotildees da atividade vital ocorrendo uma

radical transformaccedilatildeo na forma de ser de ambos Sinteticamente trata-se de

reconfiguraccedilatildeo ontoloacutegica que determina como entes autocircnomos os indiviacuteduos

44

de um lado e as condiccedilotildees de trabalho de outro vale dizer do divoacutercio entre os

indiviacuteduos ativos e as condiccedilotildees de sua atividade Antocircnio Lopes buscou em

suma alinhar as determinaccedilotildees mais essenciais dos indiviacuteduos e da

sociablidade modernos no que respeita agrave forma mesma das relaccedilotildees sociais da

atividade sensiacutevel bem como da respectiva expressatildeo ideal como por exemplo

a configuraccedilatildeo das categorias da igualdade e liberdade

O leitor encontraraacute nas paacuteginas que se seguem o resultado do esforccedilo

de pesquisa voltado ao resgate da obra marxiana caracterizado pela busca do

rigor na leitura e interpretaccedilatildeo do pensamento de um autor cuja heranccedila

intelectual conheceu um destino traacutegico Natildeo eacute faacutecil portanto voltar-se a ela

sem os preconceitos da moda - como jaacute havia advertido Lukaacutecs Natildeo posso

afirmar com total certeza que um intento dessa natureza tenha sido plenamente

alcanccedilado Todavia eacute faacutecil perceber as diferenccedilas desse tipo de produccedilatildeo teoacuterica

com aquela apresentada tanto pelo marxismo adstringido e suas dissidecircncias

como pelo marxismo vulgar para utilizar as expressotildees cunhadas por Chasin no

intuito de designar as duas variantes de interpretaccedilatildeo da obra marxiana

Faccedilo aqui ao leitor interessado o convite para participar dessa

avaliaccedilatildeo

[1] Professora do Departamento de Filosofia da UFMG coordenadora

do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e Estudos Confluentes

45

[i] J CHASIN Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in

Teixeira FJS Pensando com Marx Editora Ensaio Satildeo Paulo 1995

[ii] K MARX amp F ENGELS A Sagrada Famiacutelia Ed Grijalbo trad

Wenceslao Roces Meacutexico DF 1960 p 120

[iii] Ver a respeito J CHASIN Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo

Metodoloacutegica opcit

[iv] J CHASIN O Futuro Ausente in Ensaios Ad Hominem 1 tomo III

Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem Satildeo Paulo 2000 p 166

[v] Ib p 167

[vi] Id

[vii] E CASSIRER A Filosofia do Iluminismo Editora da Unicamp

Campinas 1992 p 11

[viii] G LUKAacuteCS La Riproduzionein Per lOntologia delle Essere

Sociale Roma Editori Riuniti tomo II 1981 pp 180-81

[ix] N HARTMANN Ontologia Fondo de Cultura Econoacutemica Meacutexico D

F vol 1 1986

[x] K MARX O Capital vol I Ediccedilatildeo Abril Cultural Satildeo Paulo p 149

[xi] Id

[xii] Ib p 150

[xiii] (a respeito dessas categorias ver N HARTMANN Ontologia op cit

vol I p XII

46

47

[xiv] No original alematildeo in der Form des Seins Dietz Verlag 1971 p

195

[xv] Ib p 151

[xvi] Ver a respeito em J CHASIN Marx-Estatuto Ontoloacutegico e

Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica op cit

[xvii] K MARX op Cit p 126

Page 10: :: Verinotio - Revista On-line de Educao e Cincias Humanas · O leitor encontrará, portanto, nessa Apresentação o fruto de trabalho de coleta e organização de materiais utilizados

pelos lineamentos perfilados por Marx que tambeacutem herda criticamente

dimensotildees da filosofia moderna - do renascimento ao neohegelianismo

Desse modo com o objetivo de sumariar preliminarmente os conteuacutedos

dessa trajetoacuteria que Marx assimila por via criacutetica Chasin indica alguns deles

sem pretensatildeo alguma de esgotaacute-los

1) Do Renascimento - a infinitude do universo e o espiacuterito da

concepccedilatildeo do homem como o uacutenico ser aberto - existente e conhecido capaz

na potecircncia de seus atributos de conhecer e configurar a si e a seu mundo

ambos entendidos e tomados em sua naturalidade objetividade e o primeiro na

infinitude de sua essecircncia ativa

2) Do materialismo francecircs e inglecircs e do Iluminismo - a ruptura com a

conduta especulativa metafiacutesica e com o espiacuterito de sistema em filosofia que eacute

concebido como freio e obstaacuteculo agrave razatildeo Por meio dessa desobstruccedilatildeo o

iluminismo pode universalizar a filosofia como meio de toda verdade - natural e

espiritual - e ela passa a se voltar agraves tarefas praacuteticas donde a possibilidade e o

escopo de estabelecer a vida humana de modo racional Em outros termos

reconhece no pensamento o poder e o papel de organizar a vida o pensamento

deve ter papel analiacutetico mas tambeacutem fazer nascer a ordem cuja necessidade

ela concebeu[vii] Em contrapartida os limites do pensamento iluminista satildeo

sinteticamente os seguintes acentuaccedilatildeo unilateralizante da racionalidade

herdada do renascimento e distorcida pelo racionalismo do seacuteculo XVIII Aleacutem

disso tem-se o naturalismo vale dizer a ontologia do social demasiadamente

colada agrave ontologia da natureza embora natildeo se possa deixar de reconhecer que

frente ao abstracionismo metafiacutesico trata-se de um meacuterito pretender uma

ontologia ligada agrave natureza que em verdade eacute idealizada Talvez o melhor

exemplo dessa tradiccedilatildeo seja justamente Feuerbach

3) Do criticismo - a impossibilidade de uma ontologia como saber do

em si ou seja do ente enquanto ente pela via do absolutismo racional

10

dedutivista Em Kant em verdade tem-se a impossibilidade de uma ontologia

em Marx ao reveacutes tem-se apenas tal recusa agrave especulaccedilatildeo mas natildeo a

impossibilidade de conhecer o ente enquanto ente vale dizer Marx aceita o

espiacuterito da criacutetica kantiana ao conhecimento absoluto mas natildeo sua resultante

sistemaacutetica a sua vedaccedilatildeo ao conhecimento das coisas enquanto tais

4) Do hegelianismo - a concepccedilatildeo histoacuterica do ser portanto de sua

contrariedade bem como a natureza aproximativa do processo de

conhecimento ao mesmo tempo em que recusa o invoacutelucro miacutestico do

pensamento hegeliano - a dialeacutetica autocircnoma da razatildeo como demiurgo do real

ou da efetividade sensiacutevel ou seja refuta decidamente seu caraacuteter

especulativo

5) Do neohegelianismo - a problemaacutetica do homem e muito

especificamente duas contribuiccedilotildees de Feuerbach a criacutetica agrave especulaccedilatildeo e os

lineamentos mais gerais do ser soacute enquanto ser sensiacutevel ou objetivo (dimensotildees

de uma ontologia geral em seu niacutevel mais abstrato) Mas ao lado desse

aspecto positivo do pensamento feuerbachiano natildeo eacute possiacutevel deixar de

assinalar a objeccedilatildeo fundamental dirigida a ele por Marx sua concepccedilatildeo

naturalista do homem vale dizer sua incapacidade de o determinar como ser

social Assim em Feuerbach o homem eacute sensiacutevel objetivonatural e natildeo

objetivo-social - a grande descoberta marxiana

Grande descoberta que eacute mais amplamente avaliada quando se

considera o conjunto das linhas manifestas pelos principais representantes do

neohegelianismo B Bauer formulador de uma concepccedilatildeo do homem como

auto-consciecircncia racional M Stirner com a elevaccedilatildeo do egoiacutesmo agrave condiccedilatildeo de

essecircncia humana Feuerbach com a concepccedilatildeo naturalista do homem centrada

no amor Nesse cenaacuterio somente Marx comparece com a descoberta da

sociabilidade como substacircncia constitutiva do homem - e natildeo meramente uma

essecircncia imutaacutevel mas histoacuterica e contraditoacuteria produzida e reproduzida pela

proacutepria atividade sensiacutevel dos homens

11

De sorte que do ente enquanto ente aristoteacutelico determinado por sua

forma substancial eterna ao ser social marxiano compreendido em suas

mudanccedilas categoriais - eacute do que consiste a histoacuteria - se vai de uma filosofia

primeira que terminou por sua resoluccedilatildeo originaacuteria na forma de um saber

absoluto a um saber histoacuterico de base que se desenvolve pela infinitude de

aproximaccedilotildees empreendidas em direccedilatildeo ao absoluto entendido pura e

simplesmente como completude ou totalidade que praticamente nunca se

realiza porque desnecessaacuterio para o saber ao qual bastam completudes mais

modestas e ainda mais como saber para a praacutetica

De modo que a filosofia primeira de configuraccedilatildeo marxiana eacute antes de

tudo a afirmaccedilatildeo da objetividade do mundo e a possibilidade ser conhecido

possibilidade que eacute soacutecio-historicamente determinada exercendo a funccedilatildeo de

base e guia para a ciecircncia da histoacuteria especificamente como ontologia regional

do ser social e que nutre das ciecircncias e a elas responde tanto quanto elas

mesmas tem de responder aos lineamentos ontoloacutegicos pelos quais se guiam

mas aos quais natildeo tomam como coaacutegulos de saber imutaacutevel De sorte que

ontologia e ciecircncia se potencializam e se criticam reciacuteproca e

permanentemente

Tambeacutem de acordo com Chasin por essas razotildees a ontologia

marxiana natildeo eacute uma resoluccedilatildeo de caraacuteter absoluto nos moldes do sistema

convencional mas a condiccedilatildeo de possibilidade de resoluccedilatildeo do saber Eacute em

outras palavras um estatuto movente e movido de cientificidade orienta e eacute

orientado pela ciecircncia e pela praacutetica universal dos homens Orienta e eacute

orientada guia e eacute guiada corrige e eacute corrigida Ou seja natildeo eacute um absoluto

inquestionaacutevel uma certeza estabelecida por deduccedilatildeo a partir de axiomas de

uma vez para sempre Mesmo porque a certeza cognitiva natildeo pode estar no

ponto de partida mas compreendida como alvo de uma busca permanente

procura intensiva e extensiva cuja infinitude eacute posta a cada momento entre

parecircnteses no qual o grau de certeza alcanccedilado eacute assumido como realizaccedilatildeo

maacutexima tendo por limites as possibilidades do tempo ou cenaacuterio histoacuterico grau

12

a ser confirmado ou ampliado ou ao inveacutes restringido na parte ou descartado

no todo posteriormente com todas as suas implicaccedilotildees correlatas

Em suma quando se utiliza a expressatildeo posiccedilatildeo ontoloacutegica e natildeo

perspectiva oacutetica prisma ou ponto de vista pretende-se remeter a lugar e agraves

coisas ou seja o reconhecimento do mundo como multiverso de entes reais

objetivos e que por isso mesmo faceiam o observador praacutetico ou teoacuterico natildeo

dependendo deste para existir em face do qual satildeo independentes Eacute

finalmente o reconhecimento da prioridade das coisas nas relaccedilotildees cognitivas

sem desconhecer eacute claro o caraacuteter ativo do investigador

Quando Chasin procura enfatizar o reconhecimento noccedilatildeo

imediatamente conexa a de posiccedilatildeo ontoloacutegica eacute por que aquela tem a

vantagem de colocar em primeiro lugar o caraacuteter natildeo puramente teoacuterico

contemplativo mas sobretudo praacutetico[viii] da aproximaccedilatildeo ao ente aleacutem da

natureza da operaccedilatildeo mental que designa - constataccedilatildeo ou recogniccedilatildeo vale

dizer a admissatildeo de algo a respeito do qual o discurso se pronuncia como forma

imediata de representaccedilatildeo

Relevar o caraacuteter praacutetico de aproximaccedilatildeo ao ente ou em outras

palavras partir ou dar prioridade agrave praacutetica significa por seu turno partir do

caraacuteter essencial do ser do homem por sua exteriorizaccedilatildeo operativa no mundo

que confirma sua forma de vida ou modo de existecircncia Quer dizer eacute um ponto

de partida desde logo sob criteacuterio ontoloacutegico ou seja que considera a

efetividade ocircntica do homem e do mundo de tal sorte que ambos satildeo

reconhecidos enquanto atividade sensiacutevel Caminho que tem o meacuterito de evitar

as vias reflexas[ix] como tambeacutem os engenhos e supostos dos encantamentos

especulativos como cogito sujeito transcendental ou os arqueacutetipos

generalizando uma expressatildeo marxiana os misticismos loacutegicos que nunca

deixam de mostrar sua condiccedilatildeo de artifiacutecios por mais rigorosos e envolventes

que sejam tanto que podem sempre ser contestados de algum modo ao passo

que os indiviacuteduos vivos e ativos os pressupostos dos quais Marx parte em A

13

Ideologia Alematilde natildeo podem nunca ser recusados a natildeo ser na fantasia e sob

pena de cancelar todo e qualquer andamento reflexivo

Em suma reconhecimento ontopraacutetico significa pois tomar como

ponto de partida a praacutetica - desde a praacutetica cotidiana agrave praacutetica cientiacutefica de ponta

- de um tempo dado

O plano ontopraacutetico jaacute bem delineado no texto de 1995 ganha nos

anos seguintes sucessivas correccedilotildees por parte do autor a ponto de se tornar o

eixo a partir do qual Chasin faz a criacutetica das Teorias da Fundamentaccedilatildeo ou

como ele as denomina ironicamente A Querela da Fundamentaccedilatildeo

A esse respeito costumava ele indagar O que eacute um fundamento Uma

Teoria da Subjetividade ou Uma Teoria da Objetividade

Se o fundamento for considerado a partir de uma teoria da

subjetividade por onde comeccedilar Pelo aparato sensorial como no empirismo

Ou pela consciecircncia ou coisa que o valha como o cogito cartesiano a

autoconsciecircncia a razatildeo ou as formas a priori do entendimento Ou ainda uma

teoria da mente

Ainda no plano do fundamento subjetivo poder-se-ia partir da

experiecircncia da vivecircncia do vivido Neste caso o vivido seria o preacute-teoreacutetico

mas enquanto experiecircncia existencial isto eacute as vivecircncias do indiviacuteduo isolado

em experiecircncia aleatoacuteria fortuita acidental

Mas se o fundamento for uma Teoria da Objetividade por onde

comeccedilar Pelos fenocircmenos empiacutericos Mas nesse caso natildeo terminariacuteamos

apenas no fundamento psicoloacutegico isto eacute teriacuteamos o psicologismo como

fundamento da verdade

14

E se partiacutessemos do todo concreto Natildeo findariacuteamos numa visatildeo

caoacutetica e abstrata de conjuntos indeterminados desamparados na companhia

de um punhado de abstraccedilotildees razoaacuteveis e irrazoaacuteveis

Feitas tais indagaccedilotildees Chasin conclui de modo enfaacutetico Toda peticcedilatildeo

de fundamento todo discurso por um fundamento estaacute encerrado na esfera

teoacuterica Aleacutem do mais todo discurso de fundamentaccedilatildeo pretende e implica uma

certeza ou seja de um modo ou de outro a suposiccedilatildeo de um saber absoluto

ainda que um simples momento do saber absoluto Vale dizer o discurso da

fundamentaccedilatildeo desemboca de algum modo na razatildeo especulativa Em outras

palavras implica algo que transcende a proacutepria natureza do saber que eacute um

processo infinito de aproximaccedilotildees

Para Chasin o reconhecimento do ontopraacutetico tem a vantagem de

escapar agrave querela da fundamentaccedilatildeo na medida em que parte da experiecircncia

real melhor dizendo da praacutetica real natildeo de uma experiecircncia isolada

arbitrariamente natildeo da experiecircncia aleatoacuteria da suposta existecircncia existencial

dos indiviacuteduos isolados dos indiviacuteduos em derreliccedilatildeo

O universo ontopraacutetico eacute o necessariamente vivido para que qualquer

pergunta possa se dar Eacute portanto a esfera preacute-teoreacutetica esfera que antecede

qualquer teoria Esfera sem a qual natildeo haacute vida humana e portanto sem a qual

natildeo pode haver qualquer pergunta teoacuterica

A reflexatildeo que tem como ponto de partida o ontopraacutetico estabelece

assim um pressuposto concreto (e natildeo uma verdade ideada) do qual natildeo posso

me afastar a natildeo ser na imaginaccedilatildeo

Em siacutentese a esfera ontopraacutetica representa o complexos dos homens

vivos e ativos A partir dessa abstraccedilatildeo razoaacutevel - o ontopraacutetico - pode-se

encontrar jaacute numa analiacutetica de desentranhamento desse complexo real o

devido lugar da ontologia da epistemologia e da ciecircncia da histoacuteria que

compreende dois grandes ramos natureza e sociedade

15

Em outras palavras sem a consideraccedilatildeo do ontopraacutetico torna-se

aleatoacuteria a localizaccedilatildeo que se confere tanto ao ontoloacutegico quanto ao epistecircmico

A opccedilatildeo por um deles se torna uma arbitrariedade teoacuterica e eacute justamente isto

que gera a querela da fundamentaccedilatildeo pois a decisatildeo fica submersa ao plano

teoacuterico ao jogo dos argumentos agrave ambivalecircncia do logos que eacute irresolutivo

Sem a consideraccedilatildeo do ontopraacutetico parte-se assim de imediato da

teoria e natildeo do ser que faz da teoria ou deste como uma abstraccedilatildeo da

inteligibilidade ou seja de uma faculdade abstraiacuteda do ser que a possui

gerando com isso um absurdo ontoloacutegico

Eacute portanto a partir da analiacutetica do ontopraacutetico pelo reconhecimento de

seus traccedilos categoriais que tem iniacutecio a elaboraccedilatildeo ontoloacutegica Ou seja a

ontologia nasce como reflexatildeo conscientizaccedilatildeo conceituaccedilatildeo do ontopraacutetico

enquanto primeiro objeto da ontologia que a partir daiacute se encaminha em

direccedilatildeo agrave criacutetica - em termos de sua necessidade e loacutegica especiacutefica - do proacuteprio

ontopraacutetico isto eacute do complexo dos objetos reais aiacute incluiacutedo o homem

Resta ainda em relaccedilatildeo agrave problemaacutetica geral em tela aflorar a questatildeo

da adequatio tal como era tematizada tambeacutem em seus cursos

Polemizando com a denominaccedilatildeo de realismo comumente utilizada

para denominar proposituras que conferem prioridade ao mundo objetual

Chasin afirmava que haacute realismo - antigo - quando eacute suposto que a ordem da

razatildeo agrave idecircntica a ordem do real e que a partir de axiomas por meios racionais-

dedutivos embuiacutedos do espiacuterito de sistema se possa estabelecer a verdade do

mundo

Em Marx entretanto a ordem das coisas e da razatildeo satildeo distintas (um

exemplo expressivo desta postura marxiana pode ser encontrada na famosa

Introduccedilatildeo de 57) ambas mutaacuteveis e processuais - unidade da desidentidade

entre ser e saber Assim o mundo natildeo pode ser deduzido racionalmente mas

reproduzido sob forma de ideacuteia por meio de aproximaccedilotildees - empiacuterico abstrato

16

concreto - num processo intensivo e extensivo historicamente condicionado

possibilitado ou impedido - na dependecircncia que fica da maturaccedilatildeo do objeto e

do posicionamento do sujeito O processo mimeacutetico eacute portanto reproduccedilatildeo

conceitual de efetividades donde se lida com duas ordens de formaccedilotildees real e

ideal A reproduccedilatildeo conceitual apresenta portanto sua proacutepria loacutegica mas no

interior da determinaccedilatildeo soacutecio-histoacuterica do pensamento de modo que uma

teoria do conhecimento (morfologia e dinacircmica da subjetividade in abstratu e

imutaacutevel) eacute incapaz de explicar o processo cognitivo pois a faculdade humana

da forccedila da abstraccedilatildeo depende das possibilidades oferecidas pela

determinaccedilatildeo social do pensamento que por sua vez se manifesta e se

configura pelo desenvolvimento dos objetos e da praacutetica humana que sobre eles

tem incidecircncia

Donde a franca afirmaccedilatildeo marxiana da possibilidade de conhecer natildeo

se confunde com a simplicidade e facilidade da concepccedilatildeo realista nem mesmo

no plano da ingenuidade cotidiana desde logo porque a atividade cotidiana -

que estaacute para aleacutem da ingenuidade ou lanccedila os sujeitos para aleacutem da

ingenuidade - eacute em si um complexo rico e desafiador matrizador inclusive da

intentio recta atitude natural e necessaacuteria da esfera ontopraacutetica

Haacute portanto que distinguir as grandes diferenccedilas ontoloacutegicas entre o

estatuto marxiano e a ontologia realista Na primeira a adequatio digamos

assim eacute correlaccedilatildeo entre formaccedilatildeo real e formaccedilatildeo ideal duas ordens distintas

de configuraccedilatildeo Em outras palavras eacute correlaccedilatildeo conceitual entre entificaccedilatildeo

concreta e reproduccedilatildeo conceitual Em suma a reproduccedilatildeo conceitual nada mais

eacute do que transposiccedilatildeo agrave cabeccedila ordenada pelos nexos do real na forma e pelos

meios da proacutepria atividade mental

I - Tomando Marx por Base e por Ponto de Chegada

17

Considerando como ponto de referecircncia as consideraccedilotildees

desenvolvidas por Marx em O Capital especificamente sobre a dificuldade

encontrada pela humanidade na compreensatildeo do valor ao longo de dois

milecircnios - de Aristoacuteteles a Ricardo - pode-se sustentar segundo Chasin que

um fenocircmeno muito similar a este se produziu no que tange agrave determinaccedilatildeo do

ser ou seja da(s) matriz(es) da(s) realidade(s) ou seja da efetividade

Tomemos as passagens em questatildeo que se encontram no Prefaacutecio agrave

Primeira Ediccedilatildeo de O Capital Todo comeccedilo eacute difiacutecil isso vale para qualquer

ciecircncia A forma do valor cuja figura acabada eacute a forma do dinheiro eacute muito

simples e vazia de conteuacutedo Mesmo assim o espiacuterito humano tem procurado

desvendaacute-la (ergruumlden) em vatildeo haacute mais de 2000 anos enquanto por outro lado

teve ecircxito ao menos aproximado a anaacutelise de formas muito mais complicadas e

replenas de conteuacutedo Por quecirc Porque o corpo desenvolvido eacute mais faacutecil de

estudar do que a ceacutelula do corpo Aleacutem disso na anaacutelise das formas econocircmicas

natildeo podem servir nem o microscoacutepio nem reagentes quiacutemicos A forccedila da

abstraccedilatildeo deve substituir a ambos Para o leigo a anaacutelise parece se perder

em pedantismo Trata-se efetivamente de pedantismo mas daquele de que se

ocupa a anatomia microscoacutepica

De acordo com Chasin eacute necessaacuterio reter os seguintes noacutedulos

significativos da citaccedilatildeo acima

1) todo iniacutecio de uma ciecircncia eacute difiacutecil donde o princiacutepio da ontologia o

princiacutepio da ciecircncia deve ser o mais difiacutecil de todos

2) haacute grande dificuldade na compreensatildeo da forma do valor que eacute um

objeto simples e vazio de conteuacutedo

3) haacute ecircxito maior na anaacutelise de formas mais complicadas e replenas de

conteuacutedo

18

Na mesma citaccedilatildeo Marx enuncia os motivos de tal dificuldade

1) o corpo desenvolvido eacute mais faacutecil de estudar do que a ceacutelula do

corpo

2) meacutetodos experimentais natildeo satildeo aplicaacuteveis a esse tipo de forma

3) a analiacutetica dessa forma pela forccedila da abstraccedilatildeo deve tomar o lugar

da observaccedilatildeo empiacuterica e experimental

4) anaacutelise voltada agrave anatomia microscoacutepica da forma estudada

A partir dessas indicaccedilotildees colhidas no texto de Marx Chasin elabora

um esboccedilo para fins unicamente didaacuteticos em que busca transpassaacute-las para a

proacutepria questatildeo ontoloacutegica afirmando o que se segue

1) o iniacutecio difiacutecil da ontologia perdurou tambeacutem por mais de 2000

anos trajetoacuteria em que se observa tateios imprecisos caracterizados por um

movimento simultacircneo de constituiccedilatildeodissoluccedilatildeo ateacute chegar em Marx Tal

movimento simultacircneo de constituiccedilatildeodissoluccedilatildeo revela por seu rumo

imanentemente contraditoacuterio por seus caminhos e descaminhos histoacutericos a

dificuldade e a longa incapacidade na formulaccedilatildeo precisa de seu objeto e

alcance ou seja de sua natureza e propoacutesito - de sua funccedilatildeo orientadora e

sustentadora no plano teoacuterico e de sua origem praacutetica preacute-teoreacutetica

2) reconhecimento ontopraacutetico das formas dos seres e analiacutetica da

forma do ser apenas por meio da forccedila da abstraccedilatildeo no reconhecimento

ontopraacutetico os seres satildeo reconhecidos como substantivos e nesse caso ateacute

certo ponto vale para a observaccedilatildeo espontacircnea e observaccedilatildeo comum pois o

desvendamento completo exige forccedila de abstraccedilatildeo como verbo ( o ato de ser

de Gilson) soacute a forccedila da abstraccedilatildeo daiacute a facilidade para se cair no

abstrativismo

19

Eacute nesse preciso momento da exposiccedilatildeo chasiniana que surgem as

primeiras referecircncias a Eacute Gilson assim como a N Hartmann momentos mais agrave

frente Evidentemente que esse procedimento natildeo ocorre por acaso pois o que

estaacute em questatildeo agora satildeo as tentativas contemporacircneas de resgate da

tematizaccedilatildeo ontoloacutegica

Eacute Gilson afirma que o mais fundamental dos problemas da filosofia - a

relaccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia que por seu turno diz respeito agrave distinccedilatildeo

de ser como nome isto eacute como substantivo em latim ens (ente) e como verbo

esse Eacute sabido que o esse tomista eacute concebido como ato de ser - actus essendi -

significando portanto existecircncia ato de existir ato de ser

Chasin comenta a ambiguumlidade da noccedilatildeo de ser para qual Gilson

chama atenccedilatildeo afirmando o que se segue

1) Ens eacute um nome que significa um ser (determinado) ou seja a

natureza e a essecircncia de qualquer existente ou entatildeo - o ser mesmo - uma

propriedade comum a tudo aquilo que se pode dizer que eacute (que pertence a)

Em suma enquanto nome ou substantivo ser designa um existente

qualquer ou uma propriedade comum a todos os existentes designa o que

verdadeiramente eacute ou uma propriedade geral eacute um ente ou uma entidade

2) Enquanto verbo ser designa a accedilatildeo ou o ato de ser exercido pelo

ente Assim como verbo natildeo significa que algo eacute nem a existecircncia em geral

mas o ato mesmo pelo qual qualquer realidade dada eacute de fato ou existe

Precisamente a este ato Gilson chama de ser em contraposiccedilatildeo a ente

De todo modo feita a distinccedilatildeo Chasin considera existir um seacuterio

problema ao tomar em separado ens e esse indagando eacute possiacutevel pensar em

duas figuras no isolamento Seraacute que essa configuraccedilatildeo eacute de fato o mais

fundamental dos problemas ou eacute o mais antigo o mais remoto e o mais cultuado

dos equiacutevocos da histoacuteria da filosofia

20

De um lado a compreensatildeo da forma de ser enquanto verbo como

pura significaccedilatildeo verbal de existir de estar presente enquanto significaccedilatildeo de

ato ou presenccedila o verbo eacute forma simples e vazia de conteuacutedo pois reduzida ao

predicado mais geral e comum das coisas denota apenas sua existecircncia De

outro lado ocorre o mesmo problema com o substantivo ser - ens - pois redunda

em essecircncia imutaacutevel Em outras palavras na histoacuteria da filosofia nesses dois

caminhos houve de longa data polecircmica sobre o que existe em que plano se daacute

a existecircncia e assim por diante No caso do ser como verbo o ser eacute muito

parcamente categorial reduzido agrave presenccedila no tempo e no espaccedilo soacute possui o

predicado abstrato da existecircncia no caso do substantivo tomado sem o ato de

existir se converte em complexo de propriedades ou entidades perenes

A resoluccedilatildeo para tal questatildeo reside segundo Chasin em tomar o ser

enquanto complexo categorial daquilo que eacute como ente que existe Nesse

sentido o desvendamento tem ecircxito maior como mostra a ciecircncia que toma

para anaacutelise formas mais complicadas e replenas de conteuacutedo vale dizer uma

vez que tem por alvo o ser por sua efetividade e determinado por suas

qualidades natildeo apenas pelo reconhecimento de sua presenccedila mas pelo seu

complexo categorial

Ora arremata Chasin a forma sensiacutevel do ente compreende o ens e o

esse ou seja a plena riqueza do complexo categorial

- Loacutegica e Ciecircncia

Neste item Chasin defende a tese de que na medida em que

pretendeu e pretenda ser uma disciplina ou ciecircncia de chegada isto eacute

21

conclusiva autocircnoma e sistemaacutetica a ontologia acaba por ser transmutada em

loacutegica ou ciecircncia

Talvez possa ser dito que nas ontologias onde predomine

unilateralmente o ser como verbo ou o ente como essecircncia terminem por ser

uma loacutegica que de alguma forma acaba por ter a pretensatildeo de constituir o ser

a loacutegica eacute entatildeo o segredo uacuteltimo do ser ou sua base cognitiva e por essa via

sua base ontoloacutegica - que assim nega a ontologia ou seja o reconhecimento do

ser por si

De outra parte predominando o ser como substantivo o fim da

ontologia acaba por ser uma forma de ciecircncia ou seja a ontologia eacute novamente

negada como ocorreu com a ciecircncia moderna donde sua pretendida auto-

suficiecircncia que apenas admite por fundamento uma forma qualquer de

gnosiologia isto eacute uma forma a priori da operatividade subjetiva

desaparecendo assim a regecircncia do objeto o que ao contraacuterio caracteriza o

espiacuterito e o propoacutesito ontoloacutegicos ou seja o reconhecimento do ente enquanto

ente o oacuten qua oacuten ou ser por si

Em suma a ontologia quando centrada no ser como verbo rarefeita

pelo vazio de sua forma termina por ser loacutegica por outro lado quando centrada

no ser como substantivo agraves voltas com gecircneros formados por complexos

qualitativos termina por se constituir em ciecircncia particular e autocircnoma Assim

ao pretender ser tudo concludente sistemaacutetica e independente por sua forma

mais vazia ou por suas categorias abstratas e perenes a ontologia acaba por

ser negada pela loacutegica ou pela ciecircncia Pretendendo ser tudo acaba por

desaparecer

Ora ao tomar o ser como verbo a ontologia tem de compreender que

natildeo pode ser mais do que a anatomia de uma propriedade do ser - de sua

propriedade mais geral e vazia - a propriedade de sua presenccedila enquanto corpo

real ausente ou presenccedila de um complexo categorial abstraiacutedo O ser aqui eacute

22

reduzido agrave forma mais vazia a simples propriedade de um todo que escapa

completamente agrave sua jurisdiccedilatildeo Donde seu desenlace em loacutegica

De outra parte quando o ser eacute tomado em sua denotaccedilatildeo substantiva

ou seja na multiplicidade de suas propriedades qualitativas em interconexatildeo

especiacutefica transborda em ciecircncia na medida em que a ontologia pretenda a

condiccedilatildeo de disciplina ou ciecircncia sistemaacutetica

Donde a impossibilidade de a ontologia ficar adstrita agrave forma do verbo

nem se realizar como dilucidaccedilatildeo concreta do substantivo Assim deve-se

reconhecer que a ontologia natildeo pode se realizar em nenhum desses dois poacutelos

nem simples tematizaccedilatildeo do ato geneacuterico da presenccedila - que redundaria em

simples compoacutesito tautoloacutegico nem tematizaccedilatildeo do ser substantivo concreto

pois aiacute se desnaturaria em ciecircncia especiacutefica

Conclusivamente a ontologia nem eacute simples tautologia do ser em ato

nem efetivaccedilatildeo cientiacutefico-concreta do desvendamento do ser como substantivo

Enquanto tal a ontologia eacute uma realizaccedilatildeo necessaacuteria no espaccedilo que antecede

aqueles dois poacutelos em verdade a plataforma que leva da constataccedilatildeo mais

abstrata do ser (tanto como substantivo quanto verbo) agrave sua reproduccedilatildeo

cientiacutefica como substantivo Enquanto tal eacute um estatuto - uma filosofia primeira

o cacircnon da legalidade do ser matrizado pelos traccedilos ou vetores categoriais

fundamentais do ser por si que matriza a cientificidade tanto em sua forma mais

abstrata - loacutegica - quanto em sua forma mais concreta - ciecircncia

O problema fundamental da filosofia primeira - philosophia prima - eacute o

problema das categorias mais gerais do ser aiacute incluso o ato de ser donde em

sua plenitude o ato sensiacutevel de ser - ens e esse o ens essendi complexo

categorial pleno no ato de existir

Essa plataforma estatutaacuteria natildeo eacute uma disciplina situada entre outras

disciplinas entre a loacutegica e a ciecircncia como um campo intermediaacuterio entre o

verbo e o substantivo entre a maacutexima abstratividade e a efetividade concreta

23

Essa distribuiccedilatildeo topograacutefica confere agrave abstraccedilatildeo a condiccedilatildeo de fundaccedilatildeo

(determinaccedilatildeo originaacuteriaontoloacutegica) e fundamento (ponto de partida

epistemoloacutegico) Se assim fosse perderia a condiccedilatildeo de filosofia primeira

Enquanto filosofia primeira eacute o reconhecimento do substantivo verbal

do substantivo que eacute do ens essendi natildeo de uma substantividade qualquer em

abstrato mas da substantividade que existe por todas as modalidades

categoriais isto eacute reais (sensiacuteveis) natildeo apenas um substantivo pensado que

dependeria para ser do pensamento mas do substantivo que eacute por-si

independentemente se ser pensado o que requer o complexo categorial

da sensibilidade por isso eacute que soacute eacute ser o ser sensiacutevel Vale dizer o ser como

verbo eacute resultado do ser substantivo soacute um sujeito (em suas diversas formas na

cadeia do ser) eacute (soacute um sujeito existe eacute faz sente pensa etc de acordo com

seu grau na cadeia do ser)

A ontologia do puro verbo ser ou das puras essecircncias (complexo

categorial abstrativante e eterno) eacute a autonomizaccedilatildeo das categorias ou da

existecircncia em relaccedilatildeo ao ser e existir reais agraves formas reais de ser e existir satildeo

as categorias e a existecircncia sem corpo ou sujeito mais do que isso satildeo as

categorias (essecircncia) e existecircncia em geral universal e abstrata tornadas

sujeito a essecircncia ou a existecircncia abstratas personificadas - e isso satildeo

puramente figuras do pensamento o que jaacute eacute especulaccedilatildeo natildeo ontologia

Marx agrave semelhanccedila de Feuerbach soacute admite como ente ou melhor

como entificaccedilatildeo o ens essendi - o ente sendo o ente no ato de ser o ente

revestido de existecircncia atual - objetivo o ente no exerciacutecio da accedilatildeo ou ato de

ser eacute portanto um ente existente ou seja o ente que estaacute sendo o ente no ato

de existir

Donde do mesmo modo que em Feuerbach o ser eacute inseparaacutevel de sua

existecircncia Ser e existir constituem uma unidade indissoluacutevel complexo

24

categorial no ato de ser pela atualizaccedilatildeo do complexo categorial essecircncia

determinada e mutaacutevel na mutabilidade de ser e ir sendo (essendi)

Eacute chegada a hora depois desta etapa analiacutetica de vislumbrar qual eacute o

cenaacuterio em Marx que esse conjunto de questotildees se coloca Com esse objetivo e

como eacute tiacutepico de seu procedimento investigativo junto aos textos daquele autor

Chasin toma para anaacutelise o item 1 O Processo de Trabalho do capiacutetulo V de O

Capital Nele pode-se identificar em primeiro lugar a natureza geral (universal)

da atualizaccedilatildeo da forccedila de trabalho que se encontra em potecircncia nos indiviacuteduos

A produccedilatildeo de valores de uso ou bens natildeo muda sua natureza geral por se

realizar para o capitalista e sob seu controle Por isso o processo de trabalho

deve ser considerado de iniacutecio independentemente de qualquer forma social

determinada[x]

Por que o processo de trabalho deve ser considerado de iniacutecio

independentemente de qualquer forma social determinada indaga Chasin A

resposta eacute formulada em estilo direto Para natildeo ser perdida a natureza do

trabalho sua positividade enquanto atividade humana vital

Tem-se nessa passagem segundo Chasin um exemplo do exerciacutecio

de uma ontologia estatutaacuteria - a positividade (sua efetividade ou operosidade)

universal do trabalho enquanto atributo vital e inalienaacutevel do homem

independentemente de suas formas concretas que se apresentam na forma do

trabalho alienado

Eacute a determinaccedilatildeo universal do trabalho o traccedilo de sua legalidade

uacuteltima sua determinaccedilatildeo mais geral e essencial dimensatildeo que natildeo desaparece

nem mesmo sob suas formas concretas mais negativas

A ontologia estatutaacuteria registra o traccedilo ou rastro dessa dimensatildeo

permanente que atravessa as formas concretas em sua efetividade contraditoacuteria

e especialmente desfavoraacutevel para o homem enquanto maioria subjugada ao

longo de toda a preacute-histoacuteria da humanidade

25

Permanente mas permanente processual mutaacutevel diversamente

positivo quantitativa e qualitativamente em cada uma das formas concretas em

que o trabalho aparece nas configuraccedilotildees sociais determinadas

Nesse sentido abstratamente permanente abstratamente positivo mas

onde essa abstratividade natildeo corresponde a uma simples determinaccedilatildeo

conceitual Corresponde a uma efetividade em sua figura proacutepria em cada forma

social determinada

Agrave ontologia estatutaacuteria compete o reconhecimento dessa dimensatildeo mais

geral base para a decifraccedilatildeo cientiacutefica concreta dos casos efetivos que por sua

vez confirmam ou natildeo criticamente a determinaccedilatildeo mais geral ontoloacutegica Natildeo

haacute portanto um abismo separando ontologia de ciecircncia mas a continuidade de

momentos distintos de uma mesma unidade de conhecimento que interagem e

se medem reciprocamente se apoacuteiam estimulam e criticam um infinito processo

constitutivo das certezas

Continuando a anaacutelise do texto marxiano tem-se a descriccedilatildeo do

trabalho e o reconhecimento analiacutetico de sua natureza Antes de tudo [aqui

Chasin faz uma pequena observaccedilatildeo assinalando ou seja na raiz em seu

fundamento diria uma linguagem mais convencional e ciosa de suas

pretendidas atribuiccedilotildees] o trabalho eacute um processo entre o homem e a

natureza um processo em que o homem por sua proacutepria accedilatildeo medeia regula

controla seu metabolismo com a natureza Ele mesmo se defronta com a

mateacuteria natural Ele potildee em movimento as forccedilas naturais pertencentes agrave sua

corporalidade braccedilos e pernas cabeccedila e matildeo a fim de se apropriar da mateacuteria

natural numa forma uacutetil para a sua proacutepria vida Ao atuar por meio desse

movimento sobre a natureza externa a ele e ao modificaacute-la ele modifica ao

mesmo tempo sua proacutepria natureza Ele desenvolve as potecircncias nela

adormecidas e sujeita o jogo de suas forccedilas a seu proacuteprio domiacutenio[xi]

26

Observe-se que diz Chasin ao trabalhar ao mudar a forma da

natureza ao construir sua proacutepria mundaneidade o homem ele proacuteprio por

meio de seu proacuteprio trabalho transforma a sua proacutepria natureza Ou seja de ser

natural para social eis um novo exemplo de lineamento reconhecido e recolhido

agrave ontologia estatutaacuteria

Prosseguindo na especificaccedilatildeo Marx afirmaPressupomos o trabalho

numa forma que pertence exclusivamente ao homem Uma aranha executa

operaccedilotildees semelhantes agraves do tecelatildeo e a abelha envergonha mais de um

arquiteto humano com a construccedilatildeo dos favos de suas colmeacuteias Mas o que

distingue de antematildeo o pior arquiteto da melhor abelha eacute que ele construiu o

favo em sua cabeccedila antes de construiacute-lo em cera No fim do processo de

trabalho obteacutem-se um resultado que jaacute no iniacutecio deste existiu na imaginaccedilatildeo do

trabalhador e portanto idealmente Ele natildeo apenas efetua uma transformaccedilatildeo

da forma da mateacuteria natural realiza ao mesmo tempo na mateacuteria natural seu

objetivo que ele sabe que determina como lei a espeacutecie e o modo de sua

atividade e ao qual tem de subordina sua vontade E essa subordinaccedilatildeo natildeo eacute

um ato isolado Aleacutem do esforccedilo dos oacutergatildeos que trabalham eacute exigida a vontade

orientada a um fim que se manifesta como atenccedilatildeo durante todo o tempo de

trabalho e isso tanto mais quanto menos esse trabalho pelo proacuteprio conteuacutedo e

pela espeacutecie modo de sua execuccedilatildeo atrai o trabalhador portanto quanto

menos ele o aproveita como jogo de suas proacuteprias forccedilas fiacutesicas e espirituais[xii]

Chasin chama atenccedilatildeo para as seguintes observaccedilotildees

1) a preacutevia-ideaccedilatildeo do resultado (do fim) a existecircncia ideal do mesmo

na imaginaccedilatildeo donde o objeto ou um complexo categorial in mente e ante

res[xiii]

Preacutevia-ideaccedilatildeo e teleologia satildeo ou podem ser momentos confluentes

mas natildeo satildeo idecircnticos a preacutevia-ideaccedilatildeo estaacute no comeccedilo e eacute um desenho ideal

que implica o conhecimento da espeacutecie e do modo da atividade a realizar

27

conhecimento das malhas causais teleologia eacute simplesmente finalidade fim

objetivo podendo se apresentar de modo meramente volitivo e bem abstrato

natildeo mobilizante dos ou sem os meios de sua realizaccedilatildeo ou seja ter teleologia

sem preacutevia-ideaccedilatildeo natildeo conduz a nenhum processo de trabalho Quero assinar

que o termo teleologia pode ser demasiado vago no sentido de mero conceito

filosoacutefico convencional nesse sentido apenas alusivo e natildeo instrumentador de

operaccedilotildees na esfera da atividade sensiacutevel Pode ser entendido mais como

manifestaccedilatildeo de espiacuterito do que como exigecircncia de efetuaccedilatildeo de mudanccedila de

forma da mateacuteria natural e objetivaccedilatildeo de propoacutesito E de toda forma indica

antes de tudo que o fim o realizado estaacute no fim do processo fala do obtido ou

do a ser obtido nada nos diz da travessia que realiza da travessia que passa do

ideal para o real natildeo nos fala da mobilizaccedilatildeo ideal e material necessaacuterias

Quando a teleologia se manifesta como resultado jaacute natildeo eacute preciso dizer mais

nada a respeito Basta saudar e usufruir de sua apariccedilatildeo que nada tem de

maacutegica ou misteriosa mas antes de reconhececirc-la como produto das

metamorfoses de subjetividade e objetividade Ou seja em suas distintas

naturezas inconfundiacuteveis enquanto tais objetividade e subjetividade satildeo

entificaccedilotildees na mundaneidade humana e nessa qualidade estados ou momentos

do ser social momentos regidos pela atividade ideal e sensiacutevel do mesmo

Penso que Lukaacutecs ao transpor a questatildeo para a linguagem filosoacutefica

tradicional pode ter dissociado demais fins e meios o que natildeo eacute o caso dos

textos de Marx Por isso Lukaacutecs se vecirc obrigado depois a buscar a rearticulaccedilatildeo

entre teleologia e causalidade e nisso encontre natildeo poucas dificuldades (como

uma passa para outra e vice-versa parecendo que lida ao limite com

substacircncias incomunicaacuteveis natildeo as compreendendo em suas metamorfoses) e

deixe que se perca certa substacircncia da questatildeo antes de tudo o interfluxo entre

objetividade e subjetividade com seus distintos momentos preponderantes em

cada um dos passos dos momentos embricados dos processos Creio que as

duas esferas ficam sempre tradicionalmente um tanto estranhas uma em

28

relaccedilatildeo agrave outra seja para preservar a objetividade e aiacute se torna objetivista seja

para ressaltar a subjetividade e aiacute desliza para o subjetivismo

2) No fim do processo tem-se seu resultado que eacute a transformaccedilatildeo da

forma de uma dada mateacuteria natural e a realizaccedilatildeo do objetivo do trabalho que

existiu antes como preconfiguraccedilatildeo ideal Portanto o trabalho transforma

imagem ideal em ente real complexo categorial in rebus

Em suma no pensamento de Marx as categorias ou complexos

categoriais satildeo reconhecidos sob as trecircs formas in mente (existem idealmente

na imaginaccedilatildeo ou como reproduccedilatildeo mental das coisas categorias da

representaccedilatildeo) ante res (preacutevia-ideaccedilatildeo) e in rebus como efetividades quando

estatildeo na forma de ser Como confirmaccedilatildeo tome-se mais esta passagem do

mesmo capiacutetulo No processo de trabalho a atividade do homem efetua

portanto mediante o meio de trabalho uma transformaccedilatildeo do objeto de

trabalho pretendida desde o princiacutepio O processo extingue-se no produto Seu

produto eacute um valor de uso uma mateacuteria natural adaptada agraves necessidades

humanas mediante transformaccedilatildeo da forma O trabalho se uniu com seu objeto

O trabalho estaacute objetivado e o objeto trabalhado O que do lado do trabalhador

aparecia na forma de mobilidade aparece agora como propriedade imoacutevel na

forma do ser[xiv] do lado do produto Ele fiou e o produto eacute um fio[xv]

Como arremate analiacutetico dessa famosa mas muitas vezes mal

compreendida passagem de O Capital Chasin conclui ao mesmo tempo em que

visualiza uma nova tarefa Se assim eacute se as categorias podem aparecer nas

trecircs formas - in rebus - in mente - ante res - haacute entatildeo que determinar o que satildeo

cada uma dessas formas

Esquematicamente Chasin propotildee o seguinte

1) se estatildeo in rebus (nas coisas) estatildeo na forma do ser

29

2) se estatildeo in mente (na cabeccedila) estatildeo na forma da reproduccedilatildeo ideal

das coisas Trata-se da subjetividade receptora[xvi] que reproduz as coisas natildeo

captando apenas seus dados empiacutericos superando pois o empirismo e elabora

portanto a reproduccedilatildeo ideal dos entes e onde a subsunccedilatildeo aos objetos eacute a

atividade de sua elaboraccedilatildeo ideal

3) se estatildeo ante res (antes das coisas) estatildeo na forma da finalidade da

preacutevia mentalizaccedilatildeo de objetivos e meios

Poreacutem no segundo e terceiro casos as categorias estatildeo na forma de

espeacutecies de pensamento representaccedilotildees e projeccedilotildees do ser do vir-a-ser dos

meios materiais instrumentais processuais e dinacircmicos de entificaccedilatildeo dos

seres

Concluindo essa parte dizer pois que o homem e o mundo satildeo

atividade sensiacutevel que por criar seu mundo cria a si mesmo eacute determinar o

homem como a criatura criadora de seres

No entanto na medida em que apenas na configuraccedilatildeo histoacuterica regida

pela loacutegica do capital ou seja na plenitude da produccedilatildeo da riqueza entendida

por sua essecircncia subjetiva que eacute o trabalho que se atinou para determinaccedilatildeo

do homem como a criatura criadora de seres foi possiacutevel agrave reflexatildeo pode se

dar conta potencialmente da verdadeira problemaacutetica do ser

Em outras palavras eacute pela criacutetica ao criador de criaturas na forma da

alienaccedilatildeo - criacutetica marxiana agrave sociedade capitalista - eacute que a ontologia pode

atinar com seu verdadeiro objeto e modo de determinaccedilatildeo Natildeo eacute casual que

tenha emergido pela criacutetica feuerbachiana ao sistema hegeliano (a criaccedilatildeo

especulada dos entes) e ganho seus contornos efetivos no advento de uma

nova forma de pensamento e concepccedilatildeo de praacutetica - a doutrina de Marx

Resumindo no caso de Marx ontologia eacute estatuto ou filosofia primeira

do ser social que enquanto tal norteia a concreccedilatildeo cientiacutefica do mesmo cuja

30

realizaccedilatildeo corrige e enriquece o proacuteprio estatuto donde a sinergia e a reciacuteproca

dimensatildeo criacutetica entre estatuto ontoloacutegico e ciecircncia da histoacuteria em seus diversos

departamentos possiacuteveis estabelecidos jaacute por criteacuterio ontoloacutegico ou seja que

respeita a integridade das coisas em suas qualidades e processos interconexos

que as constituem em seu ser por si e enquanto tais satildeo reproduzidas

teoricamente

Enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma da legalidade objetiva (material

e espiritual) do ser social ou seja enquanto malha de asserccedilotildees ou

determinaccedilotildees de seu complexo categorial enquanto o permanente na forma de

processo a ontologia estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a

sociabilidade como substacircncia desse grau maacuteximo da cadeia do ser

Mas substacircncia como complexo categorial como siacutentese de categorias

essenciais que denota uma forma especiacutefica determinada de presenccedila ou

existecircncia plenamente qualificada

Por isso eacute estatuto ontoloacutegico pois a plataforma canocircnica do ser eacute o

coacutedigo do substantivo verbal como substacircncia substrato) assim o estatuto

ontoloacutegico do complexo substantivo do ser social deve reconhecer a

sociabilidade como substacircncia A sociabilidade como substrato dos homens

seja na forma da alienaccedilatildeo seja na forma de sua latecircncia de substancialidade

em vir-a-ser no caminho infinito de sua realizaccedilatildeo

Trata-se portanto em Marx de estatuto e natildeo sistema pois como

sistema seria um agregado de abstraccedilotildees uma filosofia que uma vez obtidas

noccedilotildees fundamentais passa a se edificar por si ou seja as noccedilotildees seriam

coaacutegulos inteligiacuteveis que passam por auto-sustentaccedilatildeo a configurar

dedutivamente o mundo Ao passo que estatuto eacute uma ordem a legalidade do

ser sensiacutevel - o ser na plenitude de seus atributos

tempo (histoacuteriaprocessoduraccedilatildeomutabilidade) lugar e sensibilidade

especificamente a legalidade do ser social imanente a si em sua especiacutefica

31

objetividade O ser sensiacutevel eacute a forma do ser porque eacute a plenitude das

categorias possiacuteveis

E as formaccedilotildees ideais

Segundo Chasin as formaccedilotildees ideais do mesmo modo que as

formaccedilotildees reais - formas do ser - tecircm lugar e tempo como categorias - o tempo

e o espaccedilo das formaccedilotildees sociais que satildeo engendradas mas estatildeo privadas de

sensibilidade

O sensiacutevel soacute eacute predicaccedilatildeo inerecircncia agrave forma do ser que conteacutem a

plenitude dos predicados possiacuteveis (sensibilidade espaccedilo tempo)

Essa forma de conceber o ser eacute reconhecer substancialidade ao

complexu agrave unidade totalizada ou seja ao conjunto pleno de atributos em ato

Em outras palavras ser eacute complexo categorial - tem a forma de ser -

completude ou forma conferida pelo sensiacutevel que se desdobra em muacuteltiplos

atributos e se condensa de infinitas maneiras no gradiente do ser

Em suma segundo Chasin tomando Marx como base e ponto de

referecircncia permanentes ser eacute plenitude categorial ou seja a plenitude

categorial eacute sua forma e por ser sensiacutevel compreende lugar e tempo

Donde se admitido o princiacutepio metoacutedico de Marx saber eacute saber do ser

que antes de tudo eacute um complexo sensiacutevel - tudo que eacute existe eacute sempre um

complexo natildeo uma substacircncia ou essecircncia pura e cristalina E a cadeia do ser eacute

o conjunto de graus do ser - do menos ao mais complexo

O preceito metodoloacutegico marxiano eacute pois ontoloacutegico sabe-se o que eacute

como se formou se desenvolveu e como depereceraacute

Por via de consequumlecircncia e diante das vicissitudes da histoacuteria da

ontologia de seu processo constitutivo e dissolutor diante da penosa rota da

32

conquista teoacuterica do real homoacuteloga ou equivalente agrave necessidade humana de

produzir a sua mundaneidade e a si mesmo a ontologia eacute o que pode ser - o

que natildeo eacute pouco - a esfera teoacuterica da incerteza propulsora positiva

afirmativamente organizada O patamar do incerto ordenado como plataforma da

busca infinita da certeza Impulsatildeo incontornaacutevel que natildeo pode ser eludida pela

presenccedila imperativa dos circuitos ontopraacuteticos

Talvez agora o estatuto ontoloacutegico marxiano possa ser enunciado do

seguinte modo eacute o estudo das categorias fundamentais - em traccedilos essenciais

abstratos em suas determinaccedilotildees mais gerais - da existecircncia social

historicamente constatada e reconhecida sendo possiacutevel exemplificar com as

seguintes categorias historicidade (processualidade ou mutabilidade)

concreticidade ou objetividade atividade sensiacutevel e ideal (trabalho e

reproduccedilatildeo) subjetividade (receptiva e proponente) valor individualidade

gecircnero (sociabilidade) Tudo isso perfilando o complexo de complexos da auto

realizaccedilatildeo do ser humano-societaacuterio entendido que o fim dos fins eacute a infinitude

da realizaccedilatildeo do humano - do autopor-se do aberto ser humano-societaacuterio

Estatuto que em outros termos eacute a ordem do reconhecimento ou

reproduccedilatildeo teoacuterica da identidade natureza e constituiccedilatildeo das coisas por si por

seus complexos categoriais decisivos independentemente em qualquer plano

de se tornarem objetos de praacutetica ou reflexatildeo

Enquanto tal eacute a teoria do reconhecimento da objetividade histoacuterico-

social imanente em suas distintas formas de apresentaccedilatildeo (natureza e

sociedade) Em termos muito breves eacute o momento mais abstrato do

reconhecimento da identidade das coisas por si enquanto tal um dos momentos

distintos da unidade do saber do qual participa um segundo sob forma

concreta que eacute a ciecircncia

Pela proacutepria natureza histoacuterica processual do ser a ontologia marxiana

natildeo corresponde nem poderia corresponder por simples imperativo de

33

coerecircncia agrave forma de um saber universal plantado sobre uma racionalidade

auto-sustentada ou seja fundado na razatildeo universal nada mais a versatildeo laica

ou profana de Deus no dizer de Feuerbach Ou seja trata-se enfim de uma

forma de ontologia sem parentesco com o saber absoluto e que recusa qualquer

tipo de fundamento especulativo pois absolutizaccedilatildeo de uma teoria da

fundamentaccedilatildeo eacute simplesmente a firmaccedilatildeo especulativa da razatildeo autocircnoma ou

de um princiacutepio de inteligibilidade situado para aleacutem das coisas que garante a

presenccedila e o conhecimento do sagrado e a vitoacuteria antecipada do idealismo Natildeo

correspondendo agrave qualquer forma de saber universal a ontologia marxiana

sustenta a possibilidade efetiva como jaacute vimos de um saber real

Por sua praacutetica teoacuterica e por um conjunto de lineamentos expliacutecitos

Marx deixou o legado de um especiacutefico estatuto ontoloacutegico natildeo um ontologia de

talhe convencional ou tradicional e natildeo apenas por que careceu de tempo

necessaacuterio para a realizaccedilatildeo de uma obra desse tipo mas fundamentalmente

pela distinccedilatildeo de natureza de seu estatuto ontoloacutegico radicalmente oposto ao

tratamento especulativo da mateacuteria

Esse estatuto eacute constituiacutedo a partir do universo praacutetico onticamente

referido ou seja eacute um estatuto ocircntico-ontoloacutegico pois evolve da efetividade

histoacuterica das coisas de suas relaccedilotildees e processos para sua reproduccedilatildeo

conceitual no plano de uma trama categorial em sua expressatildeo mais abstrata

Reconhecimento e Determinaccedilatildeo da Sociabilidade como Substacircncia

Vimos que segundo Chasin enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma

da legalidade do ser social em sua materialidade e espiritualidade[pode-se dizer

tambeacutem em sua objetividade sensiacutevel e supra-sensiacutevel] ou seja enquanto

malha de asserccedilotildees ou determinaccedilotildees de seu complexo categorial a ontologia

34

estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a sociabilidade como substacircncia desse

grau maacuteximo do ser

Embora Chasin natildeo tenha desenvolvido plenamente a questatildeo da

objetividade supra-sensiacutevel como tambeacutem a da sociabilidade como substacircncia

julgo conveniente transcrever tambeacutem algumas notas e comentaacuterios feitos em

sala de aula dada a importacircncia do tema

Em relaccedilatildeo agrave noccedilatildeo de substacircncia Chasin retoma sua noccedilatildeo mais geral

e tradicional Ou seja deixando de fora qualquer conotaccedilatildeo relativa a formas de

idealidade o que existe por si eacute um auto-engendrado a uacuteltima instacircncia de um

dado gecircnero de entificaccedilatildeo enquanto tal na medida em que eacute uma efetividade

eacute um complexo que a noccedilatildeo de substacircncia refere no mais alto grau de

abstraccedilatildeo Vale pois como abstraccedilatildeo razoaacutevel tal como todo conceito

marxiano nesse niacutevel de generalizaccedilatildeo a partir do qual pela via dos processos

de concreccedilatildeo satildeo determinaacuteveis as formas concretas de substacircncia

correspondentes agraves formaccedilotildees sociais reais

Dessa forma a substacircncia eacute um complexo histoacuterico natildeo uma

idealidade natildeo um construto da razatildeo auto-sustentada mas o resumo de uma

extraccedilatildeo justificada

Naturalidade e Sociabilidade

Sempre que se potildee a questatildeo da naturalidade e da sociabilidade essa

uacuteltima tende a ser examinada in statu nascendi ou de um estado original

imaginaacuterio natildeo se parte portanto de fatos pois os desconhecemos se eacute que

35

tenham existido mas de um mito E do mito se quer saltar para o quadro de uma

realidade complexa

Mas acompanhando Marx lembremos das pobres robinsonadas do

seacuteculo XVIII referidas logo agraves primeiras linhas da Introduccedilatildeo de 57 a) O

caccedilador e o pescador individuais e isolados de que partem Smith e Ricardo b)

o contrat social de Rousseau que relaciona e liga sujeitos independentes por

natureza por meio de um contrato Essas robinsonadas natildeo repousam sobre

(o) naturalismo E a argumentaccedilatildeo prossegue Trata-se ao contraacuterio de uma

antecipaccedilatildeo da sociedade (buumlrgelichen Gesellschaft) que se preparava desde

o seacuteculo XVI e no seacuteculo XVIII deu larguiacutessimos passos em direccedilatildeo agrave sua

maturidade Nesta sociedade da livre concorrecircncia o indiviacuteduo aparece

desprendido dos laccedilos naturais que em eacutepocas histoacutericas remotas fizeram dele

um acessoacuterio de um conglomerado humano limitado e determinado Os profetas

do seacuteculo XVIII sobre cujos ombros se apoacuteiam inteiramente Smith e Ricardo

imaginam o indiviacuteduo do seacuteculo XVIII como um ideal que teria existido no

passado Vecircem-no natildeo como um resultado histoacuterico mas como ponto de partida

da Histoacuteria porque o consideram como um indiviacuteduo conforme agrave natureza -

dentro da representaccedilatildeo que tinham da natureza humana - que natildeo se originou

historicamente mas foi posto como tal pela natureza[xvii]

Segundo Chasin tomando Marx novamente como ponto de referecircncia

os equiacutevocos que aparecem ao se tratar a relaccedilatildeo naturalidade sociabilidade

satildeo os seguintes

1) procurar deduzir em graus diferentes em cada caso o ser social do

natural esquecendo que se trata da emergecircncia do novo de uma configuraccedilatildeo

ontoloacutegica nova e que o novo nunca eacute um simples desdobramento do estaacutegio

anterior no caso - do grau de ser antecedente ou seja que entre os dois niacuteveis

ocorre o que se chama de salto um intervalo em que a potecircncia causal do

antecedente natildeo conteacutem a capacidade a potecircncia ou a potencialidade para

gerar o novo Um intervalo que fica assim indeterminado

36

2) o procedimento acima abre para a mera especulaccedilatildeo pois tende a

deduzir a indeterminaccedilatildeo a querer estabelecer nexos onde eles inexistem

tende a preencher o que de fato eacute um vazio A rigor natildeo se trata de um natildeo-

sabido mas da ausecircncia factual de um objeto ou processo em outros termos

se trata de um vazio ontoloacutegico de uma ausecircncia de nexos ontoloacutegicos

O correto segundo o modus operandi marxiano natildeo eacute partir da semente

ou do embriatildeo mas do complexo real maturado uma vez que

especialiacutessimamente na esfera social a loacutegica do gerado eacute diversa da loacutegica de

sua gecircnese aleacutem de que nesse acircmbito as entificaccedilotildees configuradas apagam a

rota e a loacutegica de sua formaccedilatildeo

Desse modo partindo do jaacute configurado e considerando que se trata de

uma configuraccedilatildeo infinita que compreende mutaccedilotildees qualitativas muito

importantes e natildeo esquecendo que permanecemos no estaacutegio preacute-histoacuterico (em

momento especialmente desequilibrado e contraditoacuterio) podemos e devemos

reconhecer por meio de algumas abstraccedilotildees razoaacuteveis o seguinte

1) A formaccedilatildeo do ser social eacute um processo da animalidade agrave

hominidade o andamento da naturalidade agrave sociabilidade o caminho infinito da

naturalidade dada agrave sociabilidade natildeo-dada em produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

perenes

2)Trata-se pois de uma entificaccedilatildeo processual entre dois niacuteveis ou

poacutelos da escala do ser sendo processo eacute intrinsecamente uma contradiccedilatildeo e soacute

enquanto tal se move eliminada a contradiccedilatildeo cessaria a possibilidade do

processo Com isso eacute dito algo muito importante pois ao reconhecer a

contraditoriedade entre naturalidade e sociabilidade natildeo eacute mais possiacutevel pensar

as mesmas a propoacutesito do ser social como um simples conjugado de fatores

mas obrigatoriamente como uma conjugaccedilatildeo contraditoacuteria de legalidades Isso

vai na esteira do que eacute compreendido desde Hegel - que o ser eacute uma unidade

contraditoacuteria - todavia com o acreacutescimo do problema da dupla legalidade De

37

que modo ou feiccedilatildeo chega cada uma delas agrave unidade contraditoacuteria do ser Pois

haacute que pensar na unidade ou siacutentese a natildeo ser que se queira desenhar o ser

social como uma aberraccedilatildeo hiacutebrida pode ser esta a fisionomia do grau mais

elevado do gradiente dos seres Assim tomada na devida consideraccedilatildeo essa

determinaccedilatildeo ontoloacutegica sem a qual a reflexatildeo perde o rumo trata-se de

compreender a dinacircmica especiacutefica dessa contradiccedilatildeo peculiar Vejamos

3) Em primeiro lugar esse processo contraditoacuterio gera novas

contradiccedilotildees agora dominantemente contradiccedilotildees da sociabilidade em

formaccedilatildeo de sorte que se trata de um processo cumulativo de

contraditoriedades no qual as novas contradiccedilotildees progressivamente vatildeo

tomando o lugar predominante e decisivo vale dizer a contradiccedilatildeo originaacuteria

cada vez mais coabita com contradiccedilotildees de outro gecircnero diante das quais sua

presenccedila vai mudando de forccedila e configuraccedilatildeo natildeo desaparece mas sua

qualidade vai mudando na proporccedilatildeo mesmo do desenvolvimento da

apropriaccedilatildeo societaacuteria da natureza cada vez mais puramente social - eacute no que

consiste de acordo com as palavras de Marx o progressivo afastamento das

barreiras naturais

4) Ou seja a matriz e a medida do afastamento eacute a forma cada vez

mais social de produzir e reproduzir as bases materiais da vida pela qual eacute

gerado o novo ser em direccedilatildeo agrave sua potecircncia ampliada de se auto-por de ir em

direccedilatildeo a si mesmo um si mesmo que natildeo eacute dado mas gerado na progressatildeo

da auto-posiccedilatildeo do auto-assentamento ou da auto-enformaccedilatildeo que inclui a

proacutepria daccedilatildeo de forma e resoluccedilatildeo ao predicado natural ou bioloacutegico daccedilatildeo de

forma que em suma eacute daccedilatildeo de forma social ao predicado natural

5) Essa possibilidade de daccedilatildeo de forma eacute afirmaccedilatildeo e realizaccedilatildeo da

essecircncia social que eacute o conjunto de relaccedilotildees sociais configuradas em cada

momento pelo modo de produzir da base material modo por sua vez que eacute

determinado pelo desenvolvimento das forccedilas produtivas entre as quais figura o

proacuteprio modo de organizaccedilatildeo do conjunto das relaccedilotildees sociais

38

6) Daccedilatildeo de forma eacute alteraccedilatildeo do lugar resolutivo e todo ente que muda

de lugar muda de natureza sem alterar uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo material

Vale dizer que a contradiccedilatildeo originaacuteria entre naturalidade e sociabilidade eacute

resolvida por uma nova contradiccedilatildeo - a da naturalidade que soacute se realiza na

forma e por meios sociais - no afastamento que eacute superaccedilatildeo da naturalidade

(processo histoacuterico) a legalidade natural eacute submetida agrave legalidade social

(diferentemente em cada modo de produccedilatildeo e de acordo com o

desenvolvimento das forccedilas produtivas) o fator natural natildeo eacute suprimido

suprimida eacute sua capacidade de autodeterminaccedilatildeo resta portanto

simplesmente o que natildeo eacute pouco como um predicado do ser humano um

predicado insuprimiacutevel mas apenas como predicado bioloacutegico de um ser de

outra natureza e essecircncia A naturalidade eacute retida como predicado

imprescindiacutevel mas natildeo como essecircncia Donde natildeo satildeo mais duas legalidades

ontoloacutegicas que coexistem mas a legalidade superior mais complexa subsume

a legalidade natural que natildeo mais se autodetermina mas eacute resolvida pela e do

interior da outra Assim o predicado natural do homem recebe forma e

resoluccedilatildeo sociais ou seja o predicado natural eacute subsumido agrave legalidade social

Natildeo resta mais o choque de duas legalidades contrapostas na

contradiccedilatildeo originaacuteria A legalidade natural vai sucumbindo na ruptura e

progressivamente agrave legalidade social em sua efetividade no ser social a

legalidade natural natildeo mais atua por si eacute dependente do social natildeo eacute mais a

legalidade de um ser pois natildeo haacute mais aiacute um ser natural mas um atributo

natural dependente da essecircncia social O homem eacute um ser social que

compreende sua essecircncia especiacutefica (variaacutevel) suas contingecircncias e seu

predicado bioloacutegico Na entificaccedilatildeo do ser social uacuteltimo grau da cadeia do ser a

legalidade natural eacute subalternizada agrave social por mais ruacutestica e restrita que seja a

essecircncia social primitiva e por mais precaacuteria que seja essa subalternizaccedilatildeo de

iniacutecio O processo de afastamento das barreiras naturais eacute assim o curso dessa

subalternizaccedilatildeo que desponta no iniacutecio na ruptura com a legalidade natural e

por mais longo e contraditoacuterio em avanccedilos e recuos que seja esse processo

39

7) de outra parte a loacutegica do predicado bioloacutegico natildeo soluciona natildeo

tem resposta para o complexo problemaacutetico da sociabilidade enquanto que esta

daacute soluccedilatildeo aos imperativos daquela Como diz Marx nos Manuscritos de 44 o

homem contempla a natureza e a si mesmo com um produto social [dos homens

interativos] com pleno direito mesmo que natildeo com elevada consciecircncia ou altos

valores

8) Donde a foacutermula lukaacutecsiana da dupla base eacute falsa pois a plataforma

eacute a sociabilidade enquanto a naturalidade eacute apenas o insuprimiacutevel predicado

bioloacutegico que passa a vigir na forma e sob a regecircncia da sociabilidade Natildeo

perde por isso uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo orgacircnica mas na sua efetividade

muda de caraacuteter No interiro da esfera societaacuteria o predicado bioloacutegico eacute um

outro de si Se originariamente foi o ponto de partida agora eacute produzido e

reproduzido pela legalidade de um ser que o ultrapassa e o domina vive e soacute

pode viver na subjugaccedilatildeo de um novo estatuto Ou seja ao integrar como

predicado o ser de niacutevel mais elevado realiza a sua maacutexima potecircncia e isso eacute

ao mesmo tempo sua desnaturalizaccedilatildeo ou perecimento Impereciacutevel como

predicado natildeo eacute base pois determina soacute por seus limites pelas carecircncias natildeo

pelas determinaccedilotildees resolutivas nem mesmo em suas forccedilas e sentidos pois

enquanto virtualidades estas soacute satildeo humanas e superiores em resoluccedilatildeo

societaacuteria Ademais natildeo eacute nunca um criador de novas necessidades o que

caracteriza a legalidade social

9) A argumentaccedilatildeo acima diz respeito diretamente ao ser social em sua

configuraccedilatildeo bipolar (indiviacuteduo e gecircnero) e desenvolvida em especial no poacutelo da

individualidade tendo por esteio o andamento do gecircnero e ao falar deste se diz

do seu metabolismo com a natureza Esse metabolismo fundamental que eacute em

suma a atividade vital do homem ao gerar produtos sociais

(utilidadesmercadorias) sem que se possa transpor a estes as mesmas

determinaccedilotildees que foram feitas para o ser social desde logo satildeo entes sociais

mas em outro grau da escala do ser social mas tambeacutem tecircm mudada a sua

natureza de naturais a utilidades (e na forma da alienaccedilatildeofetichismo as

40

mercadorias) de sorte que a apropriaccedilatildeo da natureza eacute igualmente sua

desnaturalizaccedilatildeo eacute forccedilaacute-las a deixar de ser o que satildeo em sua peculiaridade

para se tornarem um outro de si sob a regecircncia do estatuto societaacuterio Isso eacute a

manifestaccedilatildeo do poder e da superioridade do grau maacuteximo do ser Nenhum

outro ser realiza qualquer coisa semelhante nem longinquumlamente Repetindo

Kant e Hegel Marx tinha toda razatildeo quando disse que haacute mais grandeza e

misteacuterio na cabeccedila de um becircbado do que no conjunto do universo

10) a Sociabilidade imperfeita substacircncia ainda natildeo realizada enquanto

tal ou seja ainda incapaz de autonomia como complexo estruturado conduz agrave

poliacutetica Natildeo compreendida como substacircncia mas como simples organizaccedilatildeo

potildee o homem no outro poacutelo na dicotomia homemsociedade ou seja na

representaccedilatildeo socioloacutegica ou politoloacutegica o homem eacute um outro

Determinada ou compreendida como substacircncia eacute substacircncia humana

(perfeita e imperfeita com todas as grandezas e miseacuterias produzidas

modificadas suprimidas e repostas no curso histoacuterico) eacute a essecircncia mutante do

ser auto-engendrado e enquanto mutante e por ser mutante distinta tambeacutem

por essa mutabilidade do predicado bioloacutegico atemporalmente necessaacuterio mas

sempre e progressivamente insuficiente do ser social

O tomo IV do primeiro nuacutemero da Revista Ensaios Ad Hominem eacute

composto de seis artigos - aleacutem do texto de abertura de autoria de J Chasin -

que resultaram de siacutenteses ou modificaccedilatildeo de partes ou capiacutetulos de

dissertaccedilotildees defendidas entre os anos de 1998 e 1999 junto ao Programa de

Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia da UFMG

41

O artigo que abre a presente coletacircnea intitulado A Razatildeo como

Tribunal da Criacutetica Marx e A Gazeta Renana de autoria de Celso Eidt versa

sobre a concepccedilatildeo do jovem Marx sobre o papel da imprensa natildeo apenas como

o locus privilegiado para o debate filosoacutefico mas fundamentalmente para os

processos educativos tendo em vista a realizaccedilatildeo plena da liberdade humana Eacute

bom ressaltar que no periacuteodo em que tais artigos satildeo redigidos Marx

compartilha de uma visatildeo antropoloacutegica racional em que a natureza humana eacute

concebida como espiacuterito livre e racional enquanto esteio da proacutepria vida eacutetica

ou seja da praacutetica humana fundada na razatildeo universal

Ana Selva Albinati autora do artigo A Determinaccedilatildeo dos Valores

Morais nos textos de Marx de 1841 a 1847 se debruccedila justamente sobre tal

campo de reflexatildeo Seu trabalho eacute uma tentativa de sistematizaccedilatildeo das

consideraccedilotildees sobre os valores morais nos textos do periacuteodo que se inicia com

sua tese doutoral Diferenccedilas entre as Filosofias da Natureza de Demoacutecrito e

Epicuro prosseguindo ateacute A Miseacuteria da Filosofia Ana Selva procura demonstrar

que esse periacuteodo normalmente referido como sendo o da juventude de Marx eacute

na verdade constituiacutedo de dois momentos de sua elaboraccedilatildeo teoacuterica que tem

como momento de clivagem a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel de meados

de 1843 em que Marx rompe com o referencial teoacuterico do idealismo alematildeo Em

relaccedilatildeo agraves determinaccedilotildees sobre a moral essa ruptura se reflete na inflexatildeo

radical que diferencia a compreensatildeo da moralidade no primeiro e segundo

momentos de tal forma que a moralidade passa a ser compreendida como um

dos modos da consciecircncia socialmente determinada concepccedilatildeo completamente

distinta da primeira fase em que os valores morais eram compreendidos como

expressotildees da liberdade e da racionalidade humanas idealmente concebidas

No artigo A criacutetica da Especulaccedilatildeo nas Glosas de Kreuznach Milney

Chasin analisa o momento inicial e ao mesmo tempo decisivo da ruptura que

se verifica entre Marx e Hegel no plano das determinaccedilotildees do ser Desse modo

a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel inaugura a criacutetica marxiana da

especulaccedilatildeo no seu cerne o de rejeitar o procedimento especulativo

42

caracteriacutestico de se provir tudo da ideacuteia real de tornaacute-la sujeito isto eacute de

capacitar a abstraccedilatildeo ou conceito automovido - a partir das metamorfoses

hegelianas - de pocircr o multiverso sensiacutevel Em outros termos Milney Chasin no

referido artigo evidencia como a criacutetica da especulaccedilatildeo permite a Marx

ultrapassar os horizontes do idealismo alematildeo na direccedilatildeo do devido

reconhecimento da distinccedilatildeo entre ser e pensar de caracterizar a impropriedade

ontoloacutegica da loacutegica hegeliana de apurar os limites gnosioloacutegicos e

incongruecircncias de toda ordem Em suma permite o desvelamento da substacircncia

miacutestica oferecendo a explicitaccedilatildeo do meacutetodo hegeliano - das diabruras do

conceito autoposto - que articula abstraccedilotildees e finitude restando a esta a mera

condiccedilatildeo de apecircndice dissolvido isto eacute momento virtual da realizaccedilatildeo da

idealidade

O quarto artigo desta coletacircnea intitulado A Exteriorizaccedilatildeo da Vida nos

Manuscritos de 44 eacute parte da dissertaccedilatildeo de mestrado As Categorias

Lebensaumlusserung Entaumlusserung Entfremdung e Veraumlusserung nos Manuscritos

Economico-Filosoacuteficos de Karl Marxdefendida por Mocircnica H M da Costa em

que o interesse era acima de tudo averiguar se alienaccedilatildeo (Entaumlusserung) e

estranhamento (Entfremdung) teriam significados distintos A pesquisa acabou

opor apontar no entanto uma outra categoria como eixo desses manuscritos

Lebensaumlusserung traduzida por exteriorizaccedilatildeo da vida De fato o fio condutor

dos Manuscritos eacute a centralidade do trabalho na produccedilatildeo material e espiritual

da vida humana Tomando para anaacutelise criacutetica pela primeira vez os

economistas claacutessicos Marx explicita sua proacutepria compreensatildeo da forma

peculiar de engendramento da existecircncia do homem A criacutetica a Hegel completa

o quadro desta tematizaccedilatildeo que natildeo seraacute abandonada ateacute os uacuteltimos trabalhos

de Marx

Sabina Maura Silva no artigo A Fenomenologia do Egoiacutesmo Stirner e a

Criacutetica Marxiana tem como objetivo fundamental apresentar a concepccedilatildeo de

homem presente na obra O Uacutenico e Sua Propriedade de autoria do filoacutesofo

neohegeliano Max Stirner e expor a criacutetica de Marx a este autor contida em A

43

Ideologia Alematilde A autora mostra que para Stirner o Eu tomado como

individualidade singular eacute o fundamento de sua esfera existencial No entanto

para esse autor tudo tem determinado a existecircncia dos indiviacuteduos natildeo tendo

sido permitido a eles determinaacute-la O objetivo de Stirner eacute pois remeter ao

indiviacuteduo - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel - o que dele foi alienado e erigido

como algo autocircnomo Por seu turno a criacutetica de Marx tem como fim explicitar o

caraacuteter especulativo da anaacutelise stirneana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo

bem como salientar o aspecto pseudorevolucionaacuterio de suas proposituras

Assim segundo Marx Stirner tatildeo somente interpreta diferentemente o

existente isto eacute reconhece o existente mediante outra

interpretaccedilatildeoTransformando as contradiccedilotildees objetivas em contradiccedilotildees

subjetivas Stirner conserva e justifica as condiccedilotildees e estruturas efetivas que

esmagam e impedem a autodeterminaccedilatildeo das individualidades ao reconhecer

as circunstacircncias como determinaccedilotildees dos indiviacuteduos Acolhendo acriacutetica e

especulativamente em suas feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees

estranhadas de um momento histoacuterico particular da individuaccedilatildeo humana

Stirner erige como individualidade um ente que empobrecido e constrangido

pelas condiccedilotildees objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade

social pode somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria

sobre si e sobre o mundo

O uacuteltimo artigo do tomo IV da Revista Ensaios Ad Hominem eacute de

autoria de Antocircnio Joseacute Lopes Alves e leva o tiacutetulo de A Individualidade

Moderna nos Grundrisse Neste texto o autor procura demonstrar que a

moderna sociabilidade do capital eacute compreendida por Marx como forma

instaurada a partir da dissoluccedilatildeo dos liames sociais que uniam em tempos

anteriores os indiviacuteduos agrave comunidade Aleacutem disso destaca o fato apontado por

Marx de que tal processo se constitui numa verdadeira reconversatildeo ontoloacutegica

tanto dos indiviacuteduos quanto das condiccedilotildees da atividade vital ocorrendo uma

radical transformaccedilatildeo na forma de ser de ambos Sinteticamente trata-se de

reconfiguraccedilatildeo ontoloacutegica que determina como entes autocircnomos os indiviacuteduos

44

de um lado e as condiccedilotildees de trabalho de outro vale dizer do divoacutercio entre os

indiviacuteduos ativos e as condiccedilotildees de sua atividade Antocircnio Lopes buscou em

suma alinhar as determinaccedilotildees mais essenciais dos indiviacuteduos e da

sociablidade modernos no que respeita agrave forma mesma das relaccedilotildees sociais da

atividade sensiacutevel bem como da respectiva expressatildeo ideal como por exemplo

a configuraccedilatildeo das categorias da igualdade e liberdade

O leitor encontraraacute nas paacuteginas que se seguem o resultado do esforccedilo

de pesquisa voltado ao resgate da obra marxiana caracterizado pela busca do

rigor na leitura e interpretaccedilatildeo do pensamento de um autor cuja heranccedila

intelectual conheceu um destino traacutegico Natildeo eacute faacutecil portanto voltar-se a ela

sem os preconceitos da moda - como jaacute havia advertido Lukaacutecs Natildeo posso

afirmar com total certeza que um intento dessa natureza tenha sido plenamente

alcanccedilado Todavia eacute faacutecil perceber as diferenccedilas desse tipo de produccedilatildeo teoacuterica

com aquela apresentada tanto pelo marxismo adstringido e suas dissidecircncias

como pelo marxismo vulgar para utilizar as expressotildees cunhadas por Chasin no

intuito de designar as duas variantes de interpretaccedilatildeo da obra marxiana

Faccedilo aqui ao leitor interessado o convite para participar dessa

avaliaccedilatildeo

[1] Professora do Departamento de Filosofia da UFMG coordenadora

do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e Estudos Confluentes

45

[i] J CHASIN Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in

Teixeira FJS Pensando com Marx Editora Ensaio Satildeo Paulo 1995

[ii] K MARX amp F ENGELS A Sagrada Famiacutelia Ed Grijalbo trad

Wenceslao Roces Meacutexico DF 1960 p 120

[iii] Ver a respeito J CHASIN Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo

Metodoloacutegica opcit

[iv] J CHASIN O Futuro Ausente in Ensaios Ad Hominem 1 tomo III

Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem Satildeo Paulo 2000 p 166

[v] Ib p 167

[vi] Id

[vii] E CASSIRER A Filosofia do Iluminismo Editora da Unicamp

Campinas 1992 p 11

[viii] G LUKAacuteCS La Riproduzionein Per lOntologia delle Essere

Sociale Roma Editori Riuniti tomo II 1981 pp 180-81

[ix] N HARTMANN Ontologia Fondo de Cultura Econoacutemica Meacutexico D

F vol 1 1986

[x] K MARX O Capital vol I Ediccedilatildeo Abril Cultural Satildeo Paulo p 149

[xi] Id

[xii] Ib p 150

[xiii] (a respeito dessas categorias ver N HARTMANN Ontologia op cit

vol I p XII

46

47

[xiv] No original alematildeo in der Form des Seins Dietz Verlag 1971 p

195

[xv] Ib p 151

[xvi] Ver a respeito em J CHASIN Marx-Estatuto Ontoloacutegico e

Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica op cit

[xvii] K MARX op Cit p 126

Page 11: :: Verinotio - Revista On-line de Educao e Cincias Humanas · O leitor encontrará, portanto, nessa Apresentação o fruto de trabalho de coleta e organização de materiais utilizados

dedutivista Em Kant em verdade tem-se a impossibilidade de uma ontologia

em Marx ao reveacutes tem-se apenas tal recusa agrave especulaccedilatildeo mas natildeo a

impossibilidade de conhecer o ente enquanto ente vale dizer Marx aceita o

espiacuterito da criacutetica kantiana ao conhecimento absoluto mas natildeo sua resultante

sistemaacutetica a sua vedaccedilatildeo ao conhecimento das coisas enquanto tais

4) Do hegelianismo - a concepccedilatildeo histoacuterica do ser portanto de sua

contrariedade bem como a natureza aproximativa do processo de

conhecimento ao mesmo tempo em que recusa o invoacutelucro miacutestico do

pensamento hegeliano - a dialeacutetica autocircnoma da razatildeo como demiurgo do real

ou da efetividade sensiacutevel ou seja refuta decidamente seu caraacuteter

especulativo

5) Do neohegelianismo - a problemaacutetica do homem e muito

especificamente duas contribuiccedilotildees de Feuerbach a criacutetica agrave especulaccedilatildeo e os

lineamentos mais gerais do ser soacute enquanto ser sensiacutevel ou objetivo (dimensotildees

de uma ontologia geral em seu niacutevel mais abstrato) Mas ao lado desse

aspecto positivo do pensamento feuerbachiano natildeo eacute possiacutevel deixar de

assinalar a objeccedilatildeo fundamental dirigida a ele por Marx sua concepccedilatildeo

naturalista do homem vale dizer sua incapacidade de o determinar como ser

social Assim em Feuerbach o homem eacute sensiacutevel objetivonatural e natildeo

objetivo-social - a grande descoberta marxiana

Grande descoberta que eacute mais amplamente avaliada quando se

considera o conjunto das linhas manifestas pelos principais representantes do

neohegelianismo B Bauer formulador de uma concepccedilatildeo do homem como

auto-consciecircncia racional M Stirner com a elevaccedilatildeo do egoiacutesmo agrave condiccedilatildeo de

essecircncia humana Feuerbach com a concepccedilatildeo naturalista do homem centrada

no amor Nesse cenaacuterio somente Marx comparece com a descoberta da

sociabilidade como substacircncia constitutiva do homem - e natildeo meramente uma

essecircncia imutaacutevel mas histoacuterica e contraditoacuteria produzida e reproduzida pela

proacutepria atividade sensiacutevel dos homens

11

De sorte que do ente enquanto ente aristoteacutelico determinado por sua

forma substancial eterna ao ser social marxiano compreendido em suas

mudanccedilas categoriais - eacute do que consiste a histoacuteria - se vai de uma filosofia

primeira que terminou por sua resoluccedilatildeo originaacuteria na forma de um saber

absoluto a um saber histoacuterico de base que se desenvolve pela infinitude de

aproximaccedilotildees empreendidas em direccedilatildeo ao absoluto entendido pura e

simplesmente como completude ou totalidade que praticamente nunca se

realiza porque desnecessaacuterio para o saber ao qual bastam completudes mais

modestas e ainda mais como saber para a praacutetica

De modo que a filosofia primeira de configuraccedilatildeo marxiana eacute antes de

tudo a afirmaccedilatildeo da objetividade do mundo e a possibilidade ser conhecido

possibilidade que eacute soacutecio-historicamente determinada exercendo a funccedilatildeo de

base e guia para a ciecircncia da histoacuteria especificamente como ontologia regional

do ser social e que nutre das ciecircncias e a elas responde tanto quanto elas

mesmas tem de responder aos lineamentos ontoloacutegicos pelos quais se guiam

mas aos quais natildeo tomam como coaacutegulos de saber imutaacutevel De sorte que

ontologia e ciecircncia se potencializam e se criticam reciacuteproca e

permanentemente

Tambeacutem de acordo com Chasin por essas razotildees a ontologia

marxiana natildeo eacute uma resoluccedilatildeo de caraacuteter absoluto nos moldes do sistema

convencional mas a condiccedilatildeo de possibilidade de resoluccedilatildeo do saber Eacute em

outras palavras um estatuto movente e movido de cientificidade orienta e eacute

orientado pela ciecircncia e pela praacutetica universal dos homens Orienta e eacute

orientada guia e eacute guiada corrige e eacute corrigida Ou seja natildeo eacute um absoluto

inquestionaacutevel uma certeza estabelecida por deduccedilatildeo a partir de axiomas de

uma vez para sempre Mesmo porque a certeza cognitiva natildeo pode estar no

ponto de partida mas compreendida como alvo de uma busca permanente

procura intensiva e extensiva cuja infinitude eacute posta a cada momento entre

parecircnteses no qual o grau de certeza alcanccedilado eacute assumido como realizaccedilatildeo

maacutexima tendo por limites as possibilidades do tempo ou cenaacuterio histoacuterico grau

12

a ser confirmado ou ampliado ou ao inveacutes restringido na parte ou descartado

no todo posteriormente com todas as suas implicaccedilotildees correlatas

Em suma quando se utiliza a expressatildeo posiccedilatildeo ontoloacutegica e natildeo

perspectiva oacutetica prisma ou ponto de vista pretende-se remeter a lugar e agraves

coisas ou seja o reconhecimento do mundo como multiverso de entes reais

objetivos e que por isso mesmo faceiam o observador praacutetico ou teoacuterico natildeo

dependendo deste para existir em face do qual satildeo independentes Eacute

finalmente o reconhecimento da prioridade das coisas nas relaccedilotildees cognitivas

sem desconhecer eacute claro o caraacuteter ativo do investigador

Quando Chasin procura enfatizar o reconhecimento noccedilatildeo

imediatamente conexa a de posiccedilatildeo ontoloacutegica eacute por que aquela tem a

vantagem de colocar em primeiro lugar o caraacuteter natildeo puramente teoacuterico

contemplativo mas sobretudo praacutetico[viii] da aproximaccedilatildeo ao ente aleacutem da

natureza da operaccedilatildeo mental que designa - constataccedilatildeo ou recogniccedilatildeo vale

dizer a admissatildeo de algo a respeito do qual o discurso se pronuncia como forma

imediata de representaccedilatildeo

Relevar o caraacuteter praacutetico de aproximaccedilatildeo ao ente ou em outras

palavras partir ou dar prioridade agrave praacutetica significa por seu turno partir do

caraacuteter essencial do ser do homem por sua exteriorizaccedilatildeo operativa no mundo

que confirma sua forma de vida ou modo de existecircncia Quer dizer eacute um ponto

de partida desde logo sob criteacuterio ontoloacutegico ou seja que considera a

efetividade ocircntica do homem e do mundo de tal sorte que ambos satildeo

reconhecidos enquanto atividade sensiacutevel Caminho que tem o meacuterito de evitar

as vias reflexas[ix] como tambeacutem os engenhos e supostos dos encantamentos

especulativos como cogito sujeito transcendental ou os arqueacutetipos

generalizando uma expressatildeo marxiana os misticismos loacutegicos que nunca

deixam de mostrar sua condiccedilatildeo de artifiacutecios por mais rigorosos e envolventes

que sejam tanto que podem sempre ser contestados de algum modo ao passo

que os indiviacuteduos vivos e ativos os pressupostos dos quais Marx parte em A

13

Ideologia Alematilde natildeo podem nunca ser recusados a natildeo ser na fantasia e sob

pena de cancelar todo e qualquer andamento reflexivo

Em suma reconhecimento ontopraacutetico significa pois tomar como

ponto de partida a praacutetica - desde a praacutetica cotidiana agrave praacutetica cientiacutefica de ponta

- de um tempo dado

O plano ontopraacutetico jaacute bem delineado no texto de 1995 ganha nos

anos seguintes sucessivas correccedilotildees por parte do autor a ponto de se tornar o

eixo a partir do qual Chasin faz a criacutetica das Teorias da Fundamentaccedilatildeo ou

como ele as denomina ironicamente A Querela da Fundamentaccedilatildeo

A esse respeito costumava ele indagar O que eacute um fundamento Uma

Teoria da Subjetividade ou Uma Teoria da Objetividade

Se o fundamento for considerado a partir de uma teoria da

subjetividade por onde comeccedilar Pelo aparato sensorial como no empirismo

Ou pela consciecircncia ou coisa que o valha como o cogito cartesiano a

autoconsciecircncia a razatildeo ou as formas a priori do entendimento Ou ainda uma

teoria da mente

Ainda no plano do fundamento subjetivo poder-se-ia partir da

experiecircncia da vivecircncia do vivido Neste caso o vivido seria o preacute-teoreacutetico

mas enquanto experiecircncia existencial isto eacute as vivecircncias do indiviacuteduo isolado

em experiecircncia aleatoacuteria fortuita acidental

Mas se o fundamento for uma Teoria da Objetividade por onde

comeccedilar Pelos fenocircmenos empiacutericos Mas nesse caso natildeo terminariacuteamos

apenas no fundamento psicoloacutegico isto eacute teriacuteamos o psicologismo como

fundamento da verdade

14

E se partiacutessemos do todo concreto Natildeo findariacuteamos numa visatildeo

caoacutetica e abstrata de conjuntos indeterminados desamparados na companhia

de um punhado de abstraccedilotildees razoaacuteveis e irrazoaacuteveis

Feitas tais indagaccedilotildees Chasin conclui de modo enfaacutetico Toda peticcedilatildeo

de fundamento todo discurso por um fundamento estaacute encerrado na esfera

teoacuterica Aleacutem do mais todo discurso de fundamentaccedilatildeo pretende e implica uma

certeza ou seja de um modo ou de outro a suposiccedilatildeo de um saber absoluto

ainda que um simples momento do saber absoluto Vale dizer o discurso da

fundamentaccedilatildeo desemboca de algum modo na razatildeo especulativa Em outras

palavras implica algo que transcende a proacutepria natureza do saber que eacute um

processo infinito de aproximaccedilotildees

Para Chasin o reconhecimento do ontopraacutetico tem a vantagem de

escapar agrave querela da fundamentaccedilatildeo na medida em que parte da experiecircncia

real melhor dizendo da praacutetica real natildeo de uma experiecircncia isolada

arbitrariamente natildeo da experiecircncia aleatoacuteria da suposta existecircncia existencial

dos indiviacuteduos isolados dos indiviacuteduos em derreliccedilatildeo

O universo ontopraacutetico eacute o necessariamente vivido para que qualquer

pergunta possa se dar Eacute portanto a esfera preacute-teoreacutetica esfera que antecede

qualquer teoria Esfera sem a qual natildeo haacute vida humana e portanto sem a qual

natildeo pode haver qualquer pergunta teoacuterica

A reflexatildeo que tem como ponto de partida o ontopraacutetico estabelece

assim um pressuposto concreto (e natildeo uma verdade ideada) do qual natildeo posso

me afastar a natildeo ser na imaginaccedilatildeo

Em siacutentese a esfera ontopraacutetica representa o complexos dos homens

vivos e ativos A partir dessa abstraccedilatildeo razoaacutevel - o ontopraacutetico - pode-se

encontrar jaacute numa analiacutetica de desentranhamento desse complexo real o

devido lugar da ontologia da epistemologia e da ciecircncia da histoacuteria que

compreende dois grandes ramos natureza e sociedade

15

Em outras palavras sem a consideraccedilatildeo do ontopraacutetico torna-se

aleatoacuteria a localizaccedilatildeo que se confere tanto ao ontoloacutegico quanto ao epistecircmico

A opccedilatildeo por um deles se torna uma arbitrariedade teoacuterica e eacute justamente isto

que gera a querela da fundamentaccedilatildeo pois a decisatildeo fica submersa ao plano

teoacuterico ao jogo dos argumentos agrave ambivalecircncia do logos que eacute irresolutivo

Sem a consideraccedilatildeo do ontopraacutetico parte-se assim de imediato da

teoria e natildeo do ser que faz da teoria ou deste como uma abstraccedilatildeo da

inteligibilidade ou seja de uma faculdade abstraiacuteda do ser que a possui

gerando com isso um absurdo ontoloacutegico

Eacute portanto a partir da analiacutetica do ontopraacutetico pelo reconhecimento de

seus traccedilos categoriais que tem iniacutecio a elaboraccedilatildeo ontoloacutegica Ou seja a

ontologia nasce como reflexatildeo conscientizaccedilatildeo conceituaccedilatildeo do ontopraacutetico

enquanto primeiro objeto da ontologia que a partir daiacute se encaminha em

direccedilatildeo agrave criacutetica - em termos de sua necessidade e loacutegica especiacutefica - do proacuteprio

ontopraacutetico isto eacute do complexo dos objetos reais aiacute incluiacutedo o homem

Resta ainda em relaccedilatildeo agrave problemaacutetica geral em tela aflorar a questatildeo

da adequatio tal como era tematizada tambeacutem em seus cursos

Polemizando com a denominaccedilatildeo de realismo comumente utilizada

para denominar proposituras que conferem prioridade ao mundo objetual

Chasin afirmava que haacute realismo - antigo - quando eacute suposto que a ordem da

razatildeo agrave idecircntica a ordem do real e que a partir de axiomas por meios racionais-

dedutivos embuiacutedos do espiacuterito de sistema se possa estabelecer a verdade do

mundo

Em Marx entretanto a ordem das coisas e da razatildeo satildeo distintas (um

exemplo expressivo desta postura marxiana pode ser encontrada na famosa

Introduccedilatildeo de 57) ambas mutaacuteveis e processuais - unidade da desidentidade

entre ser e saber Assim o mundo natildeo pode ser deduzido racionalmente mas

reproduzido sob forma de ideacuteia por meio de aproximaccedilotildees - empiacuterico abstrato

16

concreto - num processo intensivo e extensivo historicamente condicionado

possibilitado ou impedido - na dependecircncia que fica da maturaccedilatildeo do objeto e

do posicionamento do sujeito O processo mimeacutetico eacute portanto reproduccedilatildeo

conceitual de efetividades donde se lida com duas ordens de formaccedilotildees real e

ideal A reproduccedilatildeo conceitual apresenta portanto sua proacutepria loacutegica mas no

interior da determinaccedilatildeo soacutecio-histoacuterica do pensamento de modo que uma

teoria do conhecimento (morfologia e dinacircmica da subjetividade in abstratu e

imutaacutevel) eacute incapaz de explicar o processo cognitivo pois a faculdade humana

da forccedila da abstraccedilatildeo depende das possibilidades oferecidas pela

determinaccedilatildeo social do pensamento que por sua vez se manifesta e se

configura pelo desenvolvimento dos objetos e da praacutetica humana que sobre eles

tem incidecircncia

Donde a franca afirmaccedilatildeo marxiana da possibilidade de conhecer natildeo

se confunde com a simplicidade e facilidade da concepccedilatildeo realista nem mesmo

no plano da ingenuidade cotidiana desde logo porque a atividade cotidiana -

que estaacute para aleacutem da ingenuidade ou lanccedila os sujeitos para aleacutem da

ingenuidade - eacute em si um complexo rico e desafiador matrizador inclusive da

intentio recta atitude natural e necessaacuteria da esfera ontopraacutetica

Haacute portanto que distinguir as grandes diferenccedilas ontoloacutegicas entre o

estatuto marxiano e a ontologia realista Na primeira a adequatio digamos

assim eacute correlaccedilatildeo entre formaccedilatildeo real e formaccedilatildeo ideal duas ordens distintas

de configuraccedilatildeo Em outras palavras eacute correlaccedilatildeo conceitual entre entificaccedilatildeo

concreta e reproduccedilatildeo conceitual Em suma a reproduccedilatildeo conceitual nada mais

eacute do que transposiccedilatildeo agrave cabeccedila ordenada pelos nexos do real na forma e pelos

meios da proacutepria atividade mental

I - Tomando Marx por Base e por Ponto de Chegada

17

Considerando como ponto de referecircncia as consideraccedilotildees

desenvolvidas por Marx em O Capital especificamente sobre a dificuldade

encontrada pela humanidade na compreensatildeo do valor ao longo de dois

milecircnios - de Aristoacuteteles a Ricardo - pode-se sustentar segundo Chasin que

um fenocircmeno muito similar a este se produziu no que tange agrave determinaccedilatildeo do

ser ou seja da(s) matriz(es) da(s) realidade(s) ou seja da efetividade

Tomemos as passagens em questatildeo que se encontram no Prefaacutecio agrave

Primeira Ediccedilatildeo de O Capital Todo comeccedilo eacute difiacutecil isso vale para qualquer

ciecircncia A forma do valor cuja figura acabada eacute a forma do dinheiro eacute muito

simples e vazia de conteuacutedo Mesmo assim o espiacuterito humano tem procurado

desvendaacute-la (ergruumlden) em vatildeo haacute mais de 2000 anos enquanto por outro lado

teve ecircxito ao menos aproximado a anaacutelise de formas muito mais complicadas e

replenas de conteuacutedo Por quecirc Porque o corpo desenvolvido eacute mais faacutecil de

estudar do que a ceacutelula do corpo Aleacutem disso na anaacutelise das formas econocircmicas

natildeo podem servir nem o microscoacutepio nem reagentes quiacutemicos A forccedila da

abstraccedilatildeo deve substituir a ambos Para o leigo a anaacutelise parece se perder

em pedantismo Trata-se efetivamente de pedantismo mas daquele de que se

ocupa a anatomia microscoacutepica

De acordo com Chasin eacute necessaacuterio reter os seguintes noacutedulos

significativos da citaccedilatildeo acima

1) todo iniacutecio de uma ciecircncia eacute difiacutecil donde o princiacutepio da ontologia o

princiacutepio da ciecircncia deve ser o mais difiacutecil de todos

2) haacute grande dificuldade na compreensatildeo da forma do valor que eacute um

objeto simples e vazio de conteuacutedo

3) haacute ecircxito maior na anaacutelise de formas mais complicadas e replenas de

conteuacutedo

18

Na mesma citaccedilatildeo Marx enuncia os motivos de tal dificuldade

1) o corpo desenvolvido eacute mais faacutecil de estudar do que a ceacutelula do

corpo

2) meacutetodos experimentais natildeo satildeo aplicaacuteveis a esse tipo de forma

3) a analiacutetica dessa forma pela forccedila da abstraccedilatildeo deve tomar o lugar

da observaccedilatildeo empiacuterica e experimental

4) anaacutelise voltada agrave anatomia microscoacutepica da forma estudada

A partir dessas indicaccedilotildees colhidas no texto de Marx Chasin elabora

um esboccedilo para fins unicamente didaacuteticos em que busca transpassaacute-las para a

proacutepria questatildeo ontoloacutegica afirmando o que se segue

1) o iniacutecio difiacutecil da ontologia perdurou tambeacutem por mais de 2000

anos trajetoacuteria em que se observa tateios imprecisos caracterizados por um

movimento simultacircneo de constituiccedilatildeodissoluccedilatildeo ateacute chegar em Marx Tal

movimento simultacircneo de constituiccedilatildeodissoluccedilatildeo revela por seu rumo

imanentemente contraditoacuterio por seus caminhos e descaminhos histoacutericos a

dificuldade e a longa incapacidade na formulaccedilatildeo precisa de seu objeto e

alcance ou seja de sua natureza e propoacutesito - de sua funccedilatildeo orientadora e

sustentadora no plano teoacuterico e de sua origem praacutetica preacute-teoreacutetica

2) reconhecimento ontopraacutetico das formas dos seres e analiacutetica da

forma do ser apenas por meio da forccedila da abstraccedilatildeo no reconhecimento

ontopraacutetico os seres satildeo reconhecidos como substantivos e nesse caso ateacute

certo ponto vale para a observaccedilatildeo espontacircnea e observaccedilatildeo comum pois o

desvendamento completo exige forccedila de abstraccedilatildeo como verbo ( o ato de ser

de Gilson) soacute a forccedila da abstraccedilatildeo daiacute a facilidade para se cair no

abstrativismo

19

Eacute nesse preciso momento da exposiccedilatildeo chasiniana que surgem as

primeiras referecircncias a Eacute Gilson assim como a N Hartmann momentos mais agrave

frente Evidentemente que esse procedimento natildeo ocorre por acaso pois o que

estaacute em questatildeo agora satildeo as tentativas contemporacircneas de resgate da

tematizaccedilatildeo ontoloacutegica

Eacute Gilson afirma que o mais fundamental dos problemas da filosofia - a

relaccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia que por seu turno diz respeito agrave distinccedilatildeo

de ser como nome isto eacute como substantivo em latim ens (ente) e como verbo

esse Eacute sabido que o esse tomista eacute concebido como ato de ser - actus essendi -

significando portanto existecircncia ato de existir ato de ser

Chasin comenta a ambiguumlidade da noccedilatildeo de ser para qual Gilson

chama atenccedilatildeo afirmando o que se segue

1) Ens eacute um nome que significa um ser (determinado) ou seja a

natureza e a essecircncia de qualquer existente ou entatildeo - o ser mesmo - uma

propriedade comum a tudo aquilo que se pode dizer que eacute (que pertence a)

Em suma enquanto nome ou substantivo ser designa um existente

qualquer ou uma propriedade comum a todos os existentes designa o que

verdadeiramente eacute ou uma propriedade geral eacute um ente ou uma entidade

2) Enquanto verbo ser designa a accedilatildeo ou o ato de ser exercido pelo

ente Assim como verbo natildeo significa que algo eacute nem a existecircncia em geral

mas o ato mesmo pelo qual qualquer realidade dada eacute de fato ou existe

Precisamente a este ato Gilson chama de ser em contraposiccedilatildeo a ente

De todo modo feita a distinccedilatildeo Chasin considera existir um seacuterio

problema ao tomar em separado ens e esse indagando eacute possiacutevel pensar em

duas figuras no isolamento Seraacute que essa configuraccedilatildeo eacute de fato o mais

fundamental dos problemas ou eacute o mais antigo o mais remoto e o mais cultuado

dos equiacutevocos da histoacuteria da filosofia

20

De um lado a compreensatildeo da forma de ser enquanto verbo como

pura significaccedilatildeo verbal de existir de estar presente enquanto significaccedilatildeo de

ato ou presenccedila o verbo eacute forma simples e vazia de conteuacutedo pois reduzida ao

predicado mais geral e comum das coisas denota apenas sua existecircncia De

outro lado ocorre o mesmo problema com o substantivo ser - ens - pois redunda

em essecircncia imutaacutevel Em outras palavras na histoacuteria da filosofia nesses dois

caminhos houve de longa data polecircmica sobre o que existe em que plano se daacute

a existecircncia e assim por diante No caso do ser como verbo o ser eacute muito

parcamente categorial reduzido agrave presenccedila no tempo e no espaccedilo soacute possui o

predicado abstrato da existecircncia no caso do substantivo tomado sem o ato de

existir se converte em complexo de propriedades ou entidades perenes

A resoluccedilatildeo para tal questatildeo reside segundo Chasin em tomar o ser

enquanto complexo categorial daquilo que eacute como ente que existe Nesse

sentido o desvendamento tem ecircxito maior como mostra a ciecircncia que toma

para anaacutelise formas mais complicadas e replenas de conteuacutedo vale dizer uma

vez que tem por alvo o ser por sua efetividade e determinado por suas

qualidades natildeo apenas pelo reconhecimento de sua presenccedila mas pelo seu

complexo categorial

Ora arremata Chasin a forma sensiacutevel do ente compreende o ens e o

esse ou seja a plena riqueza do complexo categorial

- Loacutegica e Ciecircncia

Neste item Chasin defende a tese de que na medida em que

pretendeu e pretenda ser uma disciplina ou ciecircncia de chegada isto eacute

21

conclusiva autocircnoma e sistemaacutetica a ontologia acaba por ser transmutada em

loacutegica ou ciecircncia

Talvez possa ser dito que nas ontologias onde predomine

unilateralmente o ser como verbo ou o ente como essecircncia terminem por ser

uma loacutegica que de alguma forma acaba por ter a pretensatildeo de constituir o ser

a loacutegica eacute entatildeo o segredo uacuteltimo do ser ou sua base cognitiva e por essa via

sua base ontoloacutegica - que assim nega a ontologia ou seja o reconhecimento do

ser por si

De outra parte predominando o ser como substantivo o fim da

ontologia acaba por ser uma forma de ciecircncia ou seja a ontologia eacute novamente

negada como ocorreu com a ciecircncia moderna donde sua pretendida auto-

suficiecircncia que apenas admite por fundamento uma forma qualquer de

gnosiologia isto eacute uma forma a priori da operatividade subjetiva

desaparecendo assim a regecircncia do objeto o que ao contraacuterio caracteriza o

espiacuterito e o propoacutesito ontoloacutegicos ou seja o reconhecimento do ente enquanto

ente o oacuten qua oacuten ou ser por si

Em suma a ontologia quando centrada no ser como verbo rarefeita

pelo vazio de sua forma termina por ser loacutegica por outro lado quando centrada

no ser como substantivo agraves voltas com gecircneros formados por complexos

qualitativos termina por se constituir em ciecircncia particular e autocircnoma Assim

ao pretender ser tudo concludente sistemaacutetica e independente por sua forma

mais vazia ou por suas categorias abstratas e perenes a ontologia acaba por

ser negada pela loacutegica ou pela ciecircncia Pretendendo ser tudo acaba por

desaparecer

Ora ao tomar o ser como verbo a ontologia tem de compreender que

natildeo pode ser mais do que a anatomia de uma propriedade do ser - de sua

propriedade mais geral e vazia - a propriedade de sua presenccedila enquanto corpo

real ausente ou presenccedila de um complexo categorial abstraiacutedo O ser aqui eacute

22

reduzido agrave forma mais vazia a simples propriedade de um todo que escapa

completamente agrave sua jurisdiccedilatildeo Donde seu desenlace em loacutegica

De outra parte quando o ser eacute tomado em sua denotaccedilatildeo substantiva

ou seja na multiplicidade de suas propriedades qualitativas em interconexatildeo

especiacutefica transborda em ciecircncia na medida em que a ontologia pretenda a

condiccedilatildeo de disciplina ou ciecircncia sistemaacutetica

Donde a impossibilidade de a ontologia ficar adstrita agrave forma do verbo

nem se realizar como dilucidaccedilatildeo concreta do substantivo Assim deve-se

reconhecer que a ontologia natildeo pode se realizar em nenhum desses dois poacutelos

nem simples tematizaccedilatildeo do ato geneacuterico da presenccedila - que redundaria em

simples compoacutesito tautoloacutegico nem tematizaccedilatildeo do ser substantivo concreto

pois aiacute se desnaturaria em ciecircncia especiacutefica

Conclusivamente a ontologia nem eacute simples tautologia do ser em ato

nem efetivaccedilatildeo cientiacutefico-concreta do desvendamento do ser como substantivo

Enquanto tal a ontologia eacute uma realizaccedilatildeo necessaacuteria no espaccedilo que antecede

aqueles dois poacutelos em verdade a plataforma que leva da constataccedilatildeo mais

abstrata do ser (tanto como substantivo quanto verbo) agrave sua reproduccedilatildeo

cientiacutefica como substantivo Enquanto tal eacute um estatuto - uma filosofia primeira

o cacircnon da legalidade do ser matrizado pelos traccedilos ou vetores categoriais

fundamentais do ser por si que matriza a cientificidade tanto em sua forma mais

abstrata - loacutegica - quanto em sua forma mais concreta - ciecircncia

O problema fundamental da filosofia primeira - philosophia prima - eacute o

problema das categorias mais gerais do ser aiacute incluso o ato de ser donde em

sua plenitude o ato sensiacutevel de ser - ens e esse o ens essendi complexo

categorial pleno no ato de existir

Essa plataforma estatutaacuteria natildeo eacute uma disciplina situada entre outras

disciplinas entre a loacutegica e a ciecircncia como um campo intermediaacuterio entre o

verbo e o substantivo entre a maacutexima abstratividade e a efetividade concreta

23

Essa distribuiccedilatildeo topograacutefica confere agrave abstraccedilatildeo a condiccedilatildeo de fundaccedilatildeo

(determinaccedilatildeo originaacuteriaontoloacutegica) e fundamento (ponto de partida

epistemoloacutegico) Se assim fosse perderia a condiccedilatildeo de filosofia primeira

Enquanto filosofia primeira eacute o reconhecimento do substantivo verbal

do substantivo que eacute do ens essendi natildeo de uma substantividade qualquer em

abstrato mas da substantividade que existe por todas as modalidades

categoriais isto eacute reais (sensiacuteveis) natildeo apenas um substantivo pensado que

dependeria para ser do pensamento mas do substantivo que eacute por-si

independentemente se ser pensado o que requer o complexo categorial

da sensibilidade por isso eacute que soacute eacute ser o ser sensiacutevel Vale dizer o ser como

verbo eacute resultado do ser substantivo soacute um sujeito (em suas diversas formas na

cadeia do ser) eacute (soacute um sujeito existe eacute faz sente pensa etc de acordo com

seu grau na cadeia do ser)

A ontologia do puro verbo ser ou das puras essecircncias (complexo

categorial abstrativante e eterno) eacute a autonomizaccedilatildeo das categorias ou da

existecircncia em relaccedilatildeo ao ser e existir reais agraves formas reais de ser e existir satildeo

as categorias e a existecircncia sem corpo ou sujeito mais do que isso satildeo as

categorias (essecircncia) e existecircncia em geral universal e abstrata tornadas

sujeito a essecircncia ou a existecircncia abstratas personificadas - e isso satildeo

puramente figuras do pensamento o que jaacute eacute especulaccedilatildeo natildeo ontologia

Marx agrave semelhanccedila de Feuerbach soacute admite como ente ou melhor

como entificaccedilatildeo o ens essendi - o ente sendo o ente no ato de ser o ente

revestido de existecircncia atual - objetivo o ente no exerciacutecio da accedilatildeo ou ato de

ser eacute portanto um ente existente ou seja o ente que estaacute sendo o ente no ato

de existir

Donde do mesmo modo que em Feuerbach o ser eacute inseparaacutevel de sua

existecircncia Ser e existir constituem uma unidade indissoluacutevel complexo

24

categorial no ato de ser pela atualizaccedilatildeo do complexo categorial essecircncia

determinada e mutaacutevel na mutabilidade de ser e ir sendo (essendi)

Eacute chegada a hora depois desta etapa analiacutetica de vislumbrar qual eacute o

cenaacuterio em Marx que esse conjunto de questotildees se coloca Com esse objetivo e

como eacute tiacutepico de seu procedimento investigativo junto aos textos daquele autor

Chasin toma para anaacutelise o item 1 O Processo de Trabalho do capiacutetulo V de O

Capital Nele pode-se identificar em primeiro lugar a natureza geral (universal)

da atualizaccedilatildeo da forccedila de trabalho que se encontra em potecircncia nos indiviacuteduos

A produccedilatildeo de valores de uso ou bens natildeo muda sua natureza geral por se

realizar para o capitalista e sob seu controle Por isso o processo de trabalho

deve ser considerado de iniacutecio independentemente de qualquer forma social

determinada[x]

Por que o processo de trabalho deve ser considerado de iniacutecio

independentemente de qualquer forma social determinada indaga Chasin A

resposta eacute formulada em estilo direto Para natildeo ser perdida a natureza do

trabalho sua positividade enquanto atividade humana vital

Tem-se nessa passagem segundo Chasin um exemplo do exerciacutecio

de uma ontologia estatutaacuteria - a positividade (sua efetividade ou operosidade)

universal do trabalho enquanto atributo vital e inalienaacutevel do homem

independentemente de suas formas concretas que se apresentam na forma do

trabalho alienado

Eacute a determinaccedilatildeo universal do trabalho o traccedilo de sua legalidade

uacuteltima sua determinaccedilatildeo mais geral e essencial dimensatildeo que natildeo desaparece

nem mesmo sob suas formas concretas mais negativas

A ontologia estatutaacuteria registra o traccedilo ou rastro dessa dimensatildeo

permanente que atravessa as formas concretas em sua efetividade contraditoacuteria

e especialmente desfavoraacutevel para o homem enquanto maioria subjugada ao

longo de toda a preacute-histoacuteria da humanidade

25

Permanente mas permanente processual mutaacutevel diversamente

positivo quantitativa e qualitativamente em cada uma das formas concretas em

que o trabalho aparece nas configuraccedilotildees sociais determinadas

Nesse sentido abstratamente permanente abstratamente positivo mas

onde essa abstratividade natildeo corresponde a uma simples determinaccedilatildeo

conceitual Corresponde a uma efetividade em sua figura proacutepria em cada forma

social determinada

Agrave ontologia estatutaacuteria compete o reconhecimento dessa dimensatildeo mais

geral base para a decifraccedilatildeo cientiacutefica concreta dos casos efetivos que por sua

vez confirmam ou natildeo criticamente a determinaccedilatildeo mais geral ontoloacutegica Natildeo

haacute portanto um abismo separando ontologia de ciecircncia mas a continuidade de

momentos distintos de uma mesma unidade de conhecimento que interagem e

se medem reciprocamente se apoacuteiam estimulam e criticam um infinito processo

constitutivo das certezas

Continuando a anaacutelise do texto marxiano tem-se a descriccedilatildeo do

trabalho e o reconhecimento analiacutetico de sua natureza Antes de tudo [aqui

Chasin faz uma pequena observaccedilatildeo assinalando ou seja na raiz em seu

fundamento diria uma linguagem mais convencional e ciosa de suas

pretendidas atribuiccedilotildees] o trabalho eacute um processo entre o homem e a

natureza um processo em que o homem por sua proacutepria accedilatildeo medeia regula

controla seu metabolismo com a natureza Ele mesmo se defronta com a

mateacuteria natural Ele potildee em movimento as forccedilas naturais pertencentes agrave sua

corporalidade braccedilos e pernas cabeccedila e matildeo a fim de se apropriar da mateacuteria

natural numa forma uacutetil para a sua proacutepria vida Ao atuar por meio desse

movimento sobre a natureza externa a ele e ao modificaacute-la ele modifica ao

mesmo tempo sua proacutepria natureza Ele desenvolve as potecircncias nela

adormecidas e sujeita o jogo de suas forccedilas a seu proacuteprio domiacutenio[xi]

26

Observe-se que diz Chasin ao trabalhar ao mudar a forma da

natureza ao construir sua proacutepria mundaneidade o homem ele proacuteprio por

meio de seu proacuteprio trabalho transforma a sua proacutepria natureza Ou seja de ser

natural para social eis um novo exemplo de lineamento reconhecido e recolhido

agrave ontologia estatutaacuteria

Prosseguindo na especificaccedilatildeo Marx afirmaPressupomos o trabalho

numa forma que pertence exclusivamente ao homem Uma aranha executa

operaccedilotildees semelhantes agraves do tecelatildeo e a abelha envergonha mais de um

arquiteto humano com a construccedilatildeo dos favos de suas colmeacuteias Mas o que

distingue de antematildeo o pior arquiteto da melhor abelha eacute que ele construiu o

favo em sua cabeccedila antes de construiacute-lo em cera No fim do processo de

trabalho obteacutem-se um resultado que jaacute no iniacutecio deste existiu na imaginaccedilatildeo do

trabalhador e portanto idealmente Ele natildeo apenas efetua uma transformaccedilatildeo

da forma da mateacuteria natural realiza ao mesmo tempo na mateacuteria natural seu

objetivo que ele sabe que determina como lei a espeacutecie e o modo de sua

atividade e ao qual tem de subordina sua vontade E essa subordinaccedilatildeo natildeo eacute

um ato isolado Aleacutem do esforccedilo dos oacutergatildeos que trabalham eacute exigida a vontade

orientada a um fim que se manifesta como atenccedilatildeo durante todo o tempo de

trabalho e isso tanto mais quanto menos esse trabalho pelo proacuteprio conteuacutedo e

pela espeacutecie modo de sua execuccedilatildeo atrai o trabalhador portanto quanto

menos ele o aproveita como jogo de suas proacuteprias forccedilas fiacutesicas e espirituais[xii]

Chasin chama atenccedilatildeo para as seguintes observaccedilotildees

1) a preacutevia-ideaccedilatildeo do resultado (do fim) a existecircncia ideal do mesmo

na imaginaccedilatildeo donde o objeto ou um complexo categorial in mente e ante

res[xiii]

Preacutevia-ideaccedilatildeo e teleologia satildeo ou podem ser momentos confluentes

mas natildeo satildeo idecircnticos a preacutevia-ideaccedilatildeo estaacute no comeccedilo e eacute um desenho ideal

que implica o conhecimento da espeacutecie e do modo da atividade a realizar

27

conhecimento das malhas causais teleologia eacute simplesmente finalidade fim

objetivo podendo se apresentar de modo meramente volitivo e bem abstrato

natildeo mobilizante dos ou sem os meios de sua realizaccedilatildeo ou seja ter teleologia

sem preacutevia-ideaccedilatildeo natildeo conduz a nenhum processo de trabalho Quero assinar

que o termo teleologia pode ser demasiado vago no sentido de mero conceito

filosoacutefico convencional nesse sentido apenas alusivo e natildeo instrumentador de

operaccedilotildees na esfera da atividade sensiacutevel Pode ser entendido mais como

manifestaccedilatildeo de espiacuterito do que como exigecircncia de efetuaccedilatildeo de mudanccedila de

forma da mateacuteria natural e objetivaccedilatildeo de propoacutesito E de toda forma indica

antes de tudo que o fim o realizado estaacute no fim do processo fala do obtido ou

do a ser obtido nada nos diz da travessia que realiza da travessia que passa do

ideal para o real natildeo nos fala da mobilizaccedilatildeo ideal e material necessaacuterias

Quando a teleologia se manifesta como resultado jaacute natildeo eacute preciso dizer mais

nada a respeito Basta saudar e usufruir de sua apariccedilatildeo que nada tem de

maacutegica ou misteriosa mas antes de reconhececirc-la como produto das

metamorfoses de subjetividade e objetividade Ou seja em suas distintas

naturezas inconfundiacuteveis enquanto tais objetividade e subjetividade satildeo

entificaccedilotildees na mundaneidade humana e nessa qualidade estados ou momentos

do ser social momentos regidos pela atividade ideal e sensiacutevel do mesmo

Penso que Lukaacutecs ao transpor a questatildeo para a linguagem filosoacutefica

tradicional pode ter dissociado demais fins e meios o que natildeo eacute o caso dos

textos de Marx Por isso Lukaacutecs se vecirc obrigado depois a buscar a rearticulaccedilatildeo

entre teleologia e causalidade e nisso encontre natildeo poucas dificuldades (como

uma passa para outra e vice-versa parecendo que lida ao limite com

substacircncias incomunicaacuteveis natildeo as compreendendo em suas metamorfoses) e

deixe que se perca certa substacircncia da questatildeo antes de tudo o interfluxo entre

objetividade e subjetividade com seus distintos momentos preponderantes em

cada um dos passos dos momentos embricados dos processos Creio que as

duas esferas ficam sempre tradicionalmente um tanto estranhas uma em

28

relaccedilatildeo agrave outra seja para preservar a objetividade e aiacute se torna objetivista seja

para ressaltar a subjetividade e aiacute desliza para o subjetivismo

2) No fim do processo tem-se seu resultado que eacute a transformaccedilatildeo da

forma de uma dada mateacuteria natural e a realizaccedilatildeo do objetivo do trabalho que

existiu antes como preconfiguraccedilatildeo ideal Portanto o trabalho transforma

imagem ideal em ente real complexo categorial in rebus

Em suma no pensamento de Marx as categorias ou complexos

categoriais satildeo reconhecidos sob as trecircs formas in mente (existem idealmente

na imaginaccedilatildeo ou como reproduccedilatildeo mental das coisas categorias da

representaccedilatildeo) ante res (preacutevia-ideaccedilatildeo) e in rebus como efetividades quando

estatildeo na forma de ser Como confirmaccedilatildeo tome-se mais esta passagem do

mesmo capiacutetulo No processo de trabalho a atividade do homem efetua

portanto mediante o meio de trabalho uma transformaccedilatildeo do objeto de

trabalho pretendida desde o princiacutepio O processo extingue-se no produto Seu

produto eacute um valor de uso uma mateacuteria natural adaptada agraves necessidades

humanas mediante transformaccedilatildeo da forma O trabalho se uniu com seu objeto

O trabalho estaacute objetivado e o objeto trabalhado O que do lado do trabalhador

aparecia na forma de mobilidade aparece agora como propriedade imoacutevel na

forma do ser[xiv] do lado do produto Ele fiou e o produto eacute um fio[xv]

Como arremate analiacutetico dessa famosa mas muitas vezes mal

compreendida passagem de O Capital Chasin conclui ao mesmo tempo em que

visualiza uma nova tarefa Se assim eacute se as categorias podem aparecer nas

trecircs formas - in rebus - in mente - ante res - haacute entatildeo que determinar o que satildeo

cada uma dessas formas

Esquematicamente Chasin propotildee o seguinte

1) se estatildeo in rebus (nas coisas) estatildeo na forma do ser

29

2) se estatildeo in mente (na cabeccedila) estatildeo na forma da reproduccedilatildeo ideal

das coisas Trata-se da subjetividade receptora[xvi] que reproduz as coisas natildeo

captando apenas seus dados empiacutericos superando pois o empirismo e elabora

portanto a reproduccedilatildeo ideal dos entes e onde a subsunccedilatildeo aos objetos eacute a

atividade de sua elaboraccedilatildeo ideal

3) se estatildeo ante res (antes das coisas) estatildeo na forma da finalidade da

preacutevia mentalizaccedilatildeo de objetivos e meios

Poreacutem no segundo e terceiro casos as categorias estatildeo na forma de

espeacutecies de pensamento representaccedilotildees e projeccedilotildees do ser do vir-a-ser dos

meios materiais instrumentais processuais e dinacircmicos de entificaccedilatildeo dos

seres

Concluindo essa parte dizer pois que o homem e o mundo satildeo

atividade sensiacutevel que por criar seu mundo cria a si mesmo eacute determinar o

homem como a criatura criadora de seres

No entanto na medida em que apenas na configuraccedilatildeo histoacuterica regida

pela loacutegica do capital ou seja na plenitude da produccedilatildeo da riqueza entendida

por sua essecircncia subjetiva que eacute o trabalho que se atinou para determinaccedilatildeo

do homem como a criatura criadora de seres foi possiacutevel agrave reflexatildeo pode se

dar conta potencialmente da verdadeira problemaacutetica do ser

Em outras palavras eacute pela criacutetica ao criador de criaturas na forma da

alienaccedilatildeo - criacutetica marxiana agrave sociedade capitalista - eacute que a ontologia pode

atinar com seu verdadeiro objeto e modo de determinaccedilatildeo Natildeo eacute casual que

tenha emergido pela criacutetica feuerbachiana ao sistema hegeliano (a criaccedilatildeo

especulada dos entes) e ganho seus contornos efetivos no advento de uma

nova forma de pensamento e concepccedilatildeo de praacutetica - a doutrina de Marx

Resumindo no caso de Marx ontologia eacute estatuto ou filosofia primeira

do ser social que enquanto tal norteia a concreccedilatildeo cientiacutefica do mesmo cuja

30

realizaccedilatildeo corrige e enriquece o proacuteprio estatuto donde a sinergia e a reciacuteproca

dimensatildeo criacutetica entre estatuto ontoloacutegico e ciecircncia da histoacuteria em seus diversos

departamentos possiacuteveis estabelecidos jaacute por criteacuterio ontoloacutegico ou seja que

respeita a integridade das coisas em suas qualidades e processos interconexos

que as constituem em seu ser por si e enquanto tais satildeo reproduzidas

teoricamente

Enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma da legalidade objetiva (material

e espiritual) do ser social ou seja enquanto malha de asserccedilotildees ou

determinaccedilotildees de seu complexo categorial enquanto o permanente na forma de

processo a ontologia estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a

sociabilidade como substacircncia desse grau maacuteximo da cadeia do ser

Mas substacircncia como complexo categorial como siacutentese de categorias

essenciais que denota uma forma especiacutefica determinada de presenccedila ou

existecircncia plenamente qualificada

Por isso eacute estatuto ontoloacutegico pois a plataforma canocircnica do ser eacute o

coacutedigo do substantivo verbal como substacircncia substrato) assim o estatuto

ontoloacutegico do complexo substantivo do ser social deve reconhecer a

sociabilidade como substacircncia A sociabilidade como substrato dos homens

seja na forma da alienaccedilatildeo seja na forma de sua latecircncia de substancialidade

em vir-a-ser no caminho infinito de sua realizaccedilatildeo

Trata-se portanto em Marx de estatuto e natildeo sistema pois como

sistema seria um agregado de abstraccedilotildees uma filosofia que uma vez obtidas

noccedilotildees fundamentais passa a se edificar por si ou seja as noccedilotildees seriam

coaacutegulos inteligiacuteveis que passam por auto-sustentaccedilatildeo a configurar

dedutivamente o mundo Ao passo que estatuto eacute uma ordem a legalidade do

ser sensiacutevel - o ser na plenitude de seus atributos

tempo (histoacuteriaprocessoduraccedilatildeomutabilidade) lugar e sensibilidade

especificamente a legalidade do ser social imanente a si em sua especiacutefica

31

objetividade O ser sensiacutevel eacute a forma do ser porque eacute a plenitude das

categorias possiacuteveis

E as formaccedilotildees ideais

Segundo Chasin as formaccedilotildees ideais do mesmo modo que as

formaccedilotildees reais - formas do ser - tecircm lugar e tempo como categorias - o tempo

e o espaccedilo das formaccedilotildees sociais que satildeo engendradas mas estatildeo privadas de

sensibilidade

O sensiacutevel soacute eacute predicaccedilatildeo inerecircncia agrave forma do ser que conteacutem a

plenitude dos predicados possiacuteveis (sensibilidade espaccedilo tempo)

Essa forma de conceber o ser eacute reconhecer substancialidade ao

complexu agrave unidade totalizada ou seja ao conjunto pleno de atributos em ato

Em outras palavras ser eacute complexo categorial - tem a forma de ser -

completude ou forma conferida pelo sensiacutevel que se desdobra em muacuteltiplos

atributos e se condensa de infinitas maneiras no gradiente do ser

Em suma segundo Chasin tomando Marx como base e ponto de

referecircncia permanentes ser eacute plenitude categorial ou seja a plenitude

categorial eacute sua forma e por ser sensiacutevel compreende lugar e tempo

Donde se admitido o princiacutepio metoacutedico de Marx saber eacute saber do ser

que antes de tudo eacute um complexo sensiacutevel - tudo que eacute existe eacute sempre um

complexo natildeo uma substacircncia ou essecircncia pura e cristalina E a cadeia do ser eacute

o conjunto de graus do ser - do menos ao mais complexo

O preceito metodoloacutegico marxiano eacute pois ontoloacutegico sabe-se o que eacute

como se formou se desenvolveu e como depereceraacute

Por via de consequumlecircncia e diante das vicissitudes da histoacuteria da

ontologia de seu processo constitutivo e dissolutor diante da penosa rota da

32

conquista teoacuterica do real homoacuteloga ou equivalente agrave necessidade humana de

produzir a sua mundaneidade e a si mesmo a ontologia eacute o que pode ser - o

que natildeo eacute pouco - a esfera teoacuterica da incerteza propulsora positiva

afirmativamente organizada O patamar do incerto ordenado como plataforma da

busca infinita da certeza Impulsatildeo incontornaacutevel que natildeo pode ser eludida pela

presenccedila imperativa dos circuitos ontopraacuteticos

Talvez agora o estatuto ontoloacutegico marxiano possa ser enunciado do

seguinte modo eacute o estudo das categorias fundamentais - em traccedilos essenciais

abstratos em suas determinaccedilotildees mais gerais - da existecircncia social

historicamente constatada e reconhecida sendo possiacutevel exemplificar com as

seguintes categorias historicidade (processualidade ou mutabilidade)

concreticidade ou objetividade atividade sensiacutevel e ideal (trabalho e

reproduccedilatildeo) subjetividade (receptiva e proponente) valor individualidade

gecircnero (sociabilidade) Tudo isso perfilando o complexo de complexos da auto

realizaccedilatildeo do ser humano-societaacuterio entendido que o fim dos fins eacute a infinitude

da realizaccedilatildeo do humano - do autopor-se do aberto ser humano-societaacuterio

Estatuto que em outros termos eacute a ordem do reconhecimento ou

reproduccedilatildeo teoacuterica da identidade natureza e constituiccedilatildeo das coisas por si por

seus complexos categoriais decisivos independentemente em qualquer plano

de se tornarem objetos de praacutetica ou reflexatildeo

Enquanto tal eacute a teoria do reconhecimento da objetividade histoacuterico-

social imanente em suas distintas formas de apresentaccedilatildeo (natureza e

sociedade) Em termos muito breves eacute o momento mais abstrato do

reconhecimento da identidade das coisas por si enquanto tal um dos momentos

distintos da unidade do saber do qual participa um segundo sob forma

concreta que eacute a ciecircncia

Pela proacutepria natureza histoacuterica processual do ser a ontologia marxiana

natildeo corresponde nem poderia corresponder por simples imperativo de

33

coerecircncia agrave forma de um saber universal plantado sobre uma racionalidade

auto-sustentada ou seja fundado na razatildeo universal nada mais a versatildeo laica

ou profana de Deus no dizer de Feuerbach Ou seja trata-se enfim de uma

forma de ontologia sem parentesco com o saber absoluto e que recusa qualquer

tipo de fundamento especulativo pois absolutizaccedilatildeo de uma teoria da

fundamentaccedilatildeo eacute simplesmente a firmaccedilatildeo especulativa da razatildeo autocircnoma ou

de um princiacutepio de inteligibilidade situado para aleacutem das coisas que garante a

presenccedila e o conhecimento do sagrado e a vitoacuteria antecipada do idealismo Natildeo

correspondendo agrave qualquer forma de saber universal a ontologia marxiana

sustenta a possibilidade efetiva como jaacute vimos de um saber real

Por sua praacutetica teoacuterica e por um conjunto de lineamentos expliacutecitos

Marx deixou o legado de um especiacutefico estatuto ontoloacutegico natildeo um ontologia de

talhe convencional ou tradicional e natildeo apenas por que careceu de tempo

necessaacuterio para a realizaccedilatildeo de uma obra desse tipo mas fundamentalmente

pela distinccedilatildeo de natureza de seu estatuto ontoloacutegico radicalmente oposto ao

tratamento especulativo da mateacuteria

Esse estatuto eacute constituiacutedo a partir do universo praacutetico onticamente

referido ou seja eacute um estatuto ocircntico-ontoloacutegico pois evolve da efetividade

histoacuterica das coisas de suas relaccedilotildees e processos para sua reproduccedilatildeo

conceitual no plano de uma trama categorial em sua expressatildeo mais abstrata

Reconhecimento e Determinaccedilatildeo da Sociabilidade como Substacircncia

Vimos que segundo Chasin enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma

da legalidade do ser social em sua materialidade e espiritualidade[pode-se dizer

tambeacutem em sua objetividade sensiacutevel e supra-sensiacutevel] ou seja enquanto

malha de asserccedilotildees ou determinaccedilotildees de seu complexo categorial a ontologia

34

estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a sociabilidade como substacircncia desse

grau maacuteximo do ser

Embora Chasin natildeo tenha desenvolvido plenamente a questatildeo da

objetividade supra-sensiacutevel como tambeacutem a da sociabilidade como substacircncia

julgo conveniente transcrever tambeacutem algumas notas e comentaacuterios feitos em

sala de aula dada a importacircncia do tema

Em relaccedilatildeo agrave noccedilatildeo de substacircncia Chasin retoma sua noccedilatildeo mais geral

e tradicional Ou seja deixando de fora qualquer conotaccedilatildeo relativa a formas de

idealidade o que existe por si eacute um auto-engendrado a uacuteltima instacircncia de um

dado gecircnero de entificaccedilatildeo enquanto tal na medida em que eacute uma efetividade

eacute um complexo que a noccedilatildeo de substacircncia refere no mais alto grau de

abstraccedilatildeo Vale pois como abstraccedilatildeo razoaacutevel tal como todo conceito

marxiano nesse niacutevel de generalizaccedilatildeo a partir do qual pela via dos processos

de concreccedilatildeo satildeo determinaacuteveis as formas concretas de substacircncia

correspondentes agraves formaccedilotildees sociais reais

Dessa forma a substacircncia eacute um complexo histoacuterico natildeo uma

idealidade natildeo um construto da razatildeo auto-sustentada mas o resumo de uma

extraccedilatildeo justificada

Naturalidade e Sociabilidade

Sempre que se potildee a questatildeo da naturalidade e da sociabilidade essa

uacuteltima tende a ser examinada in statu nascendi ou de um estado original

imaginaacuterio natildeo se parte portanto de fatos pois os desconhecemos se eacute que

35

tenham existido mas de um mito E do mito se quer saltar para o quadro de uma

realidade complexa

Mas acompanhando Marx lembremos das pobres robinsonadas do

seacuteculo XVIII referidas logo agraves primeiras linhas da Introduccedilatildeo de 57 a) O

caccedilador e o pescador individuais e isolados de que partem Smith e Ricardo b)

o contrat social de Rousseau que relaciona e liga sujeitos independentes por

natureza por meio de um contrato Essas robinsonadas natildeo repousam sobre

(o) naturalismo E a argumentaccedilatildeo prossegue Trata-se ao contraacuterio de uma

antecipaccedilatildeo da sociedade (buumlrgelichen Gesellschaft) que se preparava desde

o seacuteculo XVI e no seacuteculo XVIII deu larguiacutessimos passos em direccedilatildeo agrave sua

maturidade Nesta sociedade da livre concorrecircncia o indiviacuteduo aparece

desprendido dos laccedilos naturais que em eacutepocas histoacutericas remotas fizeram dele

um acessoacuterio de um conglomerado humano limitado e determinado Os profetas

do seacuteculo XVIII sobre cujos ombros se apoacuteiam inteiramente Smith e Ricardo

imaginam o indiviacuteduo do seacuteculo XVIII como um ideal que teria existido no

passado Vecircem-no natildeo como um resultado histoacuterico mas como ponto de partida

da Histoacuteria porque o consideram como um indiviacuteduo conforme agrave natureza -

dentro da representaccedilatildeo que tinham da natureza humana - que natildeo se originou

historicamente mas foi posto como tal pela natureza[xvii]

Segundo Chasin tomando Marx novamente como ponto de referecircncia

os equiacutevocos que aparecem ao se tratar a relaccedilatildeo naturalidade sociabilidade

satildeo os seguintes

1) procurar deduzir em graus diferentes em cada caso o ser social do

natural esquecendo que se trata da emergecircncia do novo de uma configuraccedilatildeo

ontoloacutegica nova e que o novo nunca eacute um simples desdobramento do estaacutegio

anterior no caso - do grau de ser antecedente ou seja que entre os dois niacuteveis

ocorre o que se chama de salto um intervalo em que a potecircncia causal do

antecedente natildeo conteacutem a capacidade a potecircncia ou a potencialidade para

gerar o novo Um intervalo que fica assim indeterminado

36

2) o procedimento acima abre para a mera especulaccedilatildeo pois tende a

deduzir a indeterminaccedilatildeo a querer estabelecer nexos onde eles inexistem

tende a preencher o que de fato eacute um vazio A rigor natildeo se trata de um natildeo-

sabido mas da ausecircncia factual de um objeto ou processo em outros termos

se trata de um vazio ontoloacutegico de uma ausecircncia de nexos ontoloacutegicos

O correto segundo o modus operandi marxiano natildeo eacute partir da semente

ou do embriatildeo mas do complexo real maturado uma vez que

especialiacutessimamente na esfera social a loacutegica do gerado eacute diversa da loacutegica de

sua gecircnese aleacutem de que nesse acircmbito as entificaccedilotildees configuradas apagam a

rota e a loacutegica de sua formaccedilatildeo

Desse modo partindo do jaacute configurado e considerando que se trata de

uma configuraccedilatildeo infinita que compreende mutaccedilotildees qualitativas muito

importantes e natildeo esquecendo que permanecemos no estaacutegio preacute-histoacuterico (em

momento especialmente desequilibrado e contraditoacuterio) podemos e devemos

reconhecer por meio de algumas abstraccedilotildees razoaacuteveis o seguinte

1) A formaccedilatildeo do ser social eacute um processo da animalidade agrave

hominidade o andamento da naturalidade agrave sociabilidade o caminho infinito da

naturalidade dada agrave sociabilidade natildeo-dada em produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

perenes

2)Trata-se pois de uma entificaccedilatildeo processual entre dois niacuteveis ou

poacutelos da escala do ser sendo processo eacute intrinsecamente uma contradiccedilatildeo e soacute

enquanto tal se move eliminada a contradiccedilatildeo cessaria a possibilidade do

processo Com isso eacute dito algo muito importante pois ao reconhecer a

contraditoriedade entre naturalidade e sociabilidade natildeo eacute mais possiacutevel pensar

as mesmas a propoacutesito do ser social como um simples conjugado de fatores

mas obrigatoriamente como uma conjugaccedilatildeo contraditoacuteria de legalidades Isso

vai na esteira do que eacute compreendido desde Hegel - que o ser eacute uma unidade

contraditoacuteria - todavia com o acreacutescimo do problema da dupla legalidade De

37

que modo ou feiccedilatildeo chega cada uma delas agrave unidade contraditoacuteria do ser Pois

haacute que pensar na unidade ou siacutentese a natildeo ser que se queira desenhar o ser

social como uma aberraccedilatildeo hiacutebrida pode ser esta a fisionomia do grau mais

elevado do gradiente dos seres Assim tomada na devida consideraccedilatildeo essa

determinaccedilatildeo ontoloacutegica sem a qual a reflexatildeo perde o rumo trata-se de

compreender a dinacircmica especiacutefica dessa contradiccedilatildeo peculiar Vejamos

3) Em primeiro lugar esse processo contraditoacuterio gera novas

contradiccedilotildees agora dominantemente contradiccedilotildees da sociabilidade em

formaccedilatildeo de sorte que se trata de um processo cumulativo de

contraditoriedades no qual as novas contradiccedilotildees progressivamente vatildeo

tomando o lugar predominante e decisivo vale dizer a contradiccedilatildeo originaacuteria

cada vez mais coabita com contradiccedilotildees de outro gecircnero diante das quais sua

presenccedila vai mudando de forccedila e configuraccedilatildeo natildeo desaparece mas sua

qualidade vai mudando na proporccedilatildeo mesmo do desenvolvimento da

apropriaccedilatildeo societaacuteria da natureza cada vez mais puramente social - eacute no que

consiste de acordo com as palavras de Marx o progressivo afastamento das

barreiras naturais

4) Ou seja a matriz e a medida do afastamento eacute a forma cada vez

mais social de produzir e reproduzir as bases materiais da vida pela qual eacute

gerado o novo ser em direccedilatildeo agrave sua potecircncia ampliada de se auto-por de ir em

direccedilatildeo a si mesmo um si mesmo que natildeo eacute dado mas gerado na progressatildeo

da auto-posiccedilatildeo do auto-assentamento ou da auto-enformaccedilatildeo que inclui a

proacutepria daccedilatildeo de forma e resoluccedilatildeo ao predicado natural ou bioloacutegico daccedilatildeo de

forma que em suma eacute daccedilatildeo de forma social ao predicado natural

5) Essa possibilidade de daccedilatildeo de forma eacute afirmaccedilatildeo e realizaccedilatildeo da

essecircncia social que eacute o conjunto de relaccedilotildees sociais configuradas em cada

momento pelo modo de produzir da base material modo por sua vez que eacute

determinado pelo desenvolvimento das forccedilas produtivas entre as quais figura o

proacuteprio modo de organizaccedilatildeo do conjunto das relaccedilotildees sociais

38

6) Daccedilatildeo de forma eacute alteraccedilatildeo do lugar resolutivo e todo ente que muda

de lugar muda de natureza sem alterar uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo material

Vale dizer que a contradiccedilatildeo originaacuteria entre naturalidade e sociabilidade eacute

resolvida por uma nova contradiccedilatildeo - a da naturalidade que soacute se realiza na

forma e por meios sociais - no afastamento que eacute superaccedilatildeo da naturalidade

(processo histoacuterico) a legalidade natural eacute submetida agrave legalidade social

(diferentemente em cada modo de produccedilatildeo e de acordo com o

desenvolvimento das forccedilas produtivas) o fator natural natildeo eacute suprimido

suprimida eacute sua capacidade de autodeterminaccedilatildeo resta portanto

simplesmente o que natildeo eacute pouco como um predicado do ser humano um

predicado insuprimiacutevel mas apenas como predicado bioloacutegico de um ser de

outra natureza e essecircncia A naturalidade eacute retida como predicado

imprescindiacutevel mas natildeo como essecircncia Donde natildeo satildeo mais duas legalidades

ontoloacutegicas que coexistem mas a legalidade superior mais complexa subsume

a legalidade natural que natildeo mais se autodetermina mas eacute resolvida pela e do

interior da outra Assim o predicado natural do homem recebe forma e

resoluccedilatildeo sociais ou seja o predicado natural eacute subsumido agrave legalidade social

Natildeo resta mais o choque de duas legalidades contrapostas na

contradiccedilatildeo originaacuteria A legalidade natural vai sucumbindo na ruptura e

progressivamente agrave legalidade social em sua efetividade no ser social a

legalidade natural natildeo mais atua por si eacute dependente do social natildeo eacute mais a

legalidade de um ser pois natildeo haacute mais aiacute um ser natural mas um atributo

natural dependente da essecircncia social O homem eacute um ser social que

compreende sua essecircncia especiacutefica (variaacutevel) suas contingecircncias e seu

predicado bioloacutegico Na entificaccedilatildeo do ser social uacuteltimo grau da cadeia do ser a

legalidade natural eacute subalternizada agrave social por mais ruacutestica e restrita que seja a

essecircncia social primitiva e por mais precaacuteria que seja essa subalternizaccedilatildeo de

iniacutecio O processo de afastamento das barreiras naturais eacute assim o curso dessa

subalternizaccedilatildeo que desponta no iniacutecio na ruptura com a legalidade natural e

por mais longo e contraditoacuterio em avanccedilos e recuos que seja esse processo

39

7) de outra parte a loacutegica do predicado bioloacutegico natildeo soluciona natildeo

tem resposta para o complexo problemaacutetico da sociabilidade enquanto que esta

daacute soluccedilatildeo aos imperativos daquela Como diz Marx nos Manuscritos de 44 o

homem contempla a natureza e a si mesmo com um produto social [dos homens

interativos] com pleno direito mesmo que natildeo com elevada consciecircncia ou altos

valores

8) Donde a foacutermula lukaacutecsiana da dupla base eacute falsa pois a plataforma

eacute a sociabilidade enquanto a naturalidade eacute apenas o insuprimiacutevel predicado

bioloacutegico que passa a vigir na forma e sob a regecircncia da sociabilidade Natildeo

perde por isso uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo orgacircnica mas na sua efetividade

muda de caraacuteter No interiro da esfera societaacuteria o predicado bioloacutegico eacute um

outro de si Se originariamente foi o ponto de partida agora eacute produzido e

reproduzido pela legalidade de um ser que o ultrapassa e o domina vive e soacute

pode viver na subjugaccedilatildeo de um novo estatuto Ou seja ao integrar como

predicado o ser de niacutevel mais elevado realiza a sua maacutexima potecircncia e isso eacute

ao mesmo tempo sua desnaturalizaccedilatildeo ou perecimento Impereciacutevel como

predicado natildeo eacute base pois determina soacute por seus limites pelas carecircncias natildeo

pelas determinaccedilotildees resolutivas nem mesmo em suas forccedilas e sentidos pois

enquanto virtualidades estas soacute satildeo humanas e superiores em resoluccedilatildeo

societaacuteria Ademais natildeo eacute nunca um criador de novas necessidades o que

caracteriza a legalidade social

9) A argumentaccedilatildeo acima diz respeito diretamente ao ser social em sua

configuraccedilatildeo bipolar (indiviacuteduo e gecircnero) e desenvolvida em especial no poacutelo da

individualidade tendo por esteio o andamento do gecircnero e ao falar deste se diz

do seu metabolismo com a natureza Esse metabolismo fundamental que eacute em

suma a atividade vital do homem ao gerar produtos sociais

(utilidadesmercadorias) sem que se possa transpor a estes as mesmas

determinaccedilotildees que foram feitas para o ser social desde logo satildeo entes sociais

mas em outro grau da escala do ser social mas tambeacutem tecircm mudada a sua

natureza de naturais a utilidades (e na forma da alienaccedilatildeofetichismo as

40

mercadorias) de sorte que a apropriaccedilatildeo da natureza eacute igualmente sua

desnaturalizaccedilatildeo eacute forccedilaacute-las a deixar de ser o que satildeo em sua peculiaridade

para se tornarem um outro de si sob a regecircncia do estatuto societaacuterio Isso eacute a

manifestaccedilatildeo do poder e da superioridade do grau maacuteximo do ser Nenhum

outro ser realiza qualquer coisa semelhante nem longinquumlamente Repetindo

Kant e Hegel Marx tinha toda razatildeo quando disse que haacute mais grandeza e

misteacuterio na cabeccedila de um becircbado do que no conjunto do universo

10) a Sociabilidade imperfeita substacircncia ainda natildeo realizada enquanto

tal ou seja ainda incapaz de autonomia como complexo estruturado conduz agrave

poliacutetica Natildeo compreendida como substacircncia mas como simples organizaccedilatildeo

potildee o homem no outro poacutelo na dicotomia homemsociedade ou seja na

representaccedilatildeo socioloacutegica ou politoloacutegica o homem eacute um outro

Determinada ou compreendida como substacircncia eacute substacircncia humana

(perfeita e imperfeita com todas as grandezas e miseacuterias produzidas

modificadas suprimidas e repostas no curso histoacuterico) eacute a essecircncia mutante do

ser auto-engendrado e enquanto mutante e por ser mutante distinta tambeacutem

por essa mutabilidade do predicado bioloacutegico atemporalmente necessaacuterio mas

sempre e progressivamente insuficiente do ser social

O tomo IV do primeiro nuacutemero da Revista Ensaios Ad Hominem eacute

composto de seis artigos - aleacutem do texto de abertura de autoria de J Chasin -

que resultaram de siacutenteses ou modificaccedilatildeo de partes ou capiacutetulos de

dissertaccedilotildees defendidas entre os anos de 1998 e 1999 junto ao Programa de

Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia da UFMG

41

O artigo que abre a presente coletacircnea intitulado A Razatildeo como

Tribunal da Criacutetica Marx e A Gazeta Renana de autoria de Celso Eidt versa

sobre a concepccedilatildeo do jovem Marx sobre o papel da imprensa natildeo apenas como

o locus privilegiado para o debate filosoacutefico mas fundamentalmente para os

processos educativos tendo em vista a realizaccedilatildeo plena da liberdade humana Eacute

bom ressaltar que no periacuteodo em que tais artigos satildeo redigidos Marx

compartilha de uma visatildeo antropoloacutegica racional em que a natureza humana eacute

concebida como espiacuterito livre e racional enquanto esteio da proacutepria vida eacutetica

ou seja da praacutetica humana fundada na razatildeo universal

Ana Selva Albinati autora do artigo A Determinaccedilatildeo dos Valores

Morais nos textos de Marx de 1841 a 1847 se debruccedila justamente sobre tal

campo de reflexatildeo Seu trabalho eacute uma tentativa de sistematizaccedilatildeo das

consideraccedilotildees sobre os valores morais nos textos do periacuteodo que se inicia com

sua tese doutoral Diferenccedilas entre as Filosofias da Natureza de Demoacutecrito e

Epicuro prosseguindo ateacute A Miseacuteria da Filosofia Ana Selva procura demonstrar

que esse periacuteodo normalmente referido como sendo o da juventude de Marx eacute

na verdade constituiacutedo de dois momentos de sua elaboraccedilatildeo teoacuterica que tem

como momento de clivagem a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel de meados

de 1843 em que Marx rompe com o referencial teoacuterico do idealismo alematildeo Em

relaccedilatildeo agraves determinaccedilotildees sobre a moral essa ruptura se reflete na inflexatildeo

radical que diferencia a compreensatildeo da moralidade no primeiro e segundo

momentos de tal forma que a moralidade passa a ser compreendida como um

dos modos da consciecircncia socialmente determinada concepccedilatildeo completamente

distinta da primeira fase em que os valores morais eram compreendidos como

expressotildees da liberdade e da racionalidade humanas idealmente concebidas

No artigo A criacutetica da Especulaccedilatildeo nas Glosas de Kreuznach Milney

Chasin analisa o momento inicial e ao mesmo tempo decisivo da ruptura que

se verifica entre Marx e Hegel no plano das determinaccedilotildees do ser Desse modo

a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel inaugura a criacutetica marxiana da

especulaccedilatildeo no seu cerne o de rejeitar o procedimento especulativo

42

caracteriacutestico de se provir tudo da ideacuteia real de tornaacute-la sujeito isto eacute de

capacitar a abstraccedilatildeo ou conceito automovido - a partir das metamorfoses

hegelianas - de pocircr o multiverso sensiacutevel Em outros termos Milney Chasin no

referido artigo evidencia como a criacutetica da especulaccedilatildeo permite a Marx

ultrapassar os horizontes do idealismo alematildeo na direccedilatildeo do devido

reconhecimento da distinccedilatildeo entre ser e pensar de caracterizar a impropriedade

ontoloacutegica da loacutegica hegeliana de apurar os limites gnosioloacutegicos e

incongruecircncias de toda ordem Em suma permite o desvelamento da substacircncia

miacutestica oferecendo a explicitaccedilatildeo do meacutetodo hegeliano - das diabruras do

conceito autoposto - que articula abstraccedilotildees e finitude restando a esta a mera

condiccedilatildeo de apecircndice dissolvido isto eacute momento virtual da realizaccedilatildeo da

idealidade

O quarto artigo desta coletacircnea intitulado A Exteriorizaccedilatildeo da Vida nos

Manuscritos de 44 eacute parte da dissertaccedilatildeo de mestrado As Categorias

Lebensaumlusserung Entaumlusserung Entfremdung e Veraumlusserung nos Manuscritos

Economico-Filosoacuteficos de Karl Marxdefendida por Mocircnica H M da Costa em

que o interesse era acima de tudo averiguar se alienaccedilatildeo (Entaumlusserung) e

estranhamento (Entfremdung) teriam significados distintos A pesquisa acabou

opor apontar no entanto uma outra categoria como eixo desses manuscritos

Lebensaumlusserung traduzida por exteriorizaccedilatildeo da vida De fato o fio condutor

dos Manuscritos eacute a centralidade do trabalho na produccedilatildeo material e espiritual

da vida humana Tomando para anaacutelise criacutetica pela primeira vez os

economistas claacutessicos Marx explicita sua proacutepria compreensatildeo da forma

peculiar de engendramento da existecircncia do homem A criacutetica a Hegel completa

o quadro desta tematizaccedilatildeo que natildeo seraacute abandonada ateacute os uacuteltimos trabalhos

de Marx

Sabina Maura Silva no artigo A Fenomenologia do Egoiacutesmo Stirner e a

Criacutetica Marxiana tem como objetivo fundamental apresentar a concepccedilatildeo de

homem presente na obra O Uacutenico e Sua Propriedade de autoria do filoacutesofo

neohegeliano Max Stirner e expor a criacutetica de Marx a este autor contida em A

43

Ideologia Alematilde A autora mostra que para Stirner o Eu tomado como

individualidade singular eacute o fundamento de sua esfera existencial No entanto

para esse autor tudo tem determinado a existecircncia dos indiviacuteduos natildeo tendo

sido permitido a eles determinaacute-la O objetivo de Stirner eacute pois remeter ao

indiviacuteduo - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel - o que dele foi alienado e erigido

como algo autocircnomo Por seu turno a criacutetica de Marx tem como fim explicitar o

caraacuteter especulativo da anaacutelise stirneana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo

bem como salientar o aspecto pseudorevolucionaacuterio de suas proposituras

Assim segundo Marx Stirner tatildeo somente interpreta diferentemente o

existente isto eacute reconhece o existente mediante outra

interpretaccedilatildeoTransformando as contradiccedilotildees objetivas em contradiccedilotildees

subjetivas Stirner conserva e justifica as condiccedilotildees e estruturas efetivas que

esmagam e impedem a autodeterminaccedilatildeo das individualidades ao reconhecer

as circunstacircncias como determinaccedilotildees dos indiviacuteduos Acolhendo acriacutetica e

especulativamente em suas feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees

estranhadas de um momento histoacuterico particular da individuaccedilatildeo humana

Stirner erige como individualidade um ente que empobrecido e constrangido

pelas condiccedilotildees objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade

social pode somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria

sobre si e sobre o mundo

O uacuteltimo artigo do tomo IV da Revista Ensaios Ad Hominem eacute de

autoria de Antocircnio Joseacute Lopes Alves e leva o tiacutetulo de A Individualidade

Moderna nos Grundrisse Neste texto o autor procura demonstrar que a

moderna sociabilidade do capital eacute compreendida por Marx como forma

instaurada a partir da dissoluccedilatildeo dos liames sociais que uniam em tempos

anteriores os indiviacuteduos agrave comunidade Aleacutem disso destaca o fato apontado por

Marx de que tal processo se constitui numa verdadeira reconversatildeo ontoloacutegica

tanto dos indiviacuteduos quanto das condiccedilotildees da atividade vital ocorrendo uma

radical transformaccedilatildeo na forma de ser de ambos Sinteticamente trata-se de

reconfiguraccedilatildeo ontoloacutegica que determina como entes autocircnomos os indiviacuteduos

44

de um lado e as condiccedilotildees de trabalho de outro vale dizer do divoacutercio entre os

indiviacuteduos ativos e as condiccedilotildees de sua atividade Antocircnio Lopes buscou em

suma alinhar as determinaccedilotildees mais essenciais dos indiviacuteduos e da

sociablidade modernos no que respeita agrave forma mesma das relaccedilotildees sociais da

atividade sensiacutevel bem como da respectiva expressatildeo ideal como por exemplo

a configuraccedilatildeo das categorias da igualdade e liberdade

O leitor encontraraacute nas paacuteginas que se seguem o resultado do esforccedilo

de pesquisa voltado ao resgate da obra marxiana caracterizado pela busca do

rigor na leitura e interpretaccedilatildeo do pensamento de um autor cuja heranccedila

intelectual conheceu um destino traacutegico Natildeo eacute faacutecil portanto voltar-se a ela

sem os preconceitos da moda - como jaacute havia advertido Lukaacutecs Natildeo posso

afirmar com total certeza que um intento dessa natureza tenha sido plenamente

alcanccedilado Todavia eacute faacutecil perceber as diferenccedilas desse tipo de produccedilatildeo teoacuterica

com aquela apresentada tanto pelo marxismo adstringido e suas dissidecircncias

como pelo marxismo vulgar para utilizar as expressotildees cunhadas por Chasin no

intuito de designar as duas variantes de interpretaccedilatildeo da obra marxiana

Faccedilo aqui ao leitor interessado o convite para participar dessa

avaliaccedilatildeo

[1] Professora do Departamento de Filosofia da UFMG coordenadora

do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e Estudos Confluentes

45

[i] J CHASIN Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in

Teixeira FJS Pensando com Marx Editora Ensaio Satildeo Paulo 1995

[ii] K MARX amp F ENGELS A Sagrada Famiacutelia Ed Grijalbo trad

Wenceslao Roces Meacutexico DF 1960 p 120

[iii] Ver a respeito J CHASIN Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo

Metodoloacutegica opcit

[iv] J CHASIN O Futuro Ausente in Ensaios Ad Hominem 1 tomo III

Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem Satildeo Paulo 2000 p 166

[v] Ib p 167

[vi] Id

[vii] E CASSIRER A Filosofia do Iluminismo Editora da Unicamp

Campinas 1992 p 11

[viii] G LUKAacuteCS La Riproduzionein Per lOntologia delle Essere

Sociale Roma Editori Riuniti tomo II 1981 pp 180-81

[ix] N HARTMANN Ontologia Fondo de Cultura Econoacutemica Meacutexico D

F vol 1 1986

[x] K MARX O Capital vol I Ediccedilatildeo Abril Cultural Satildeo Paulo p 149

[xi] Id

[xii] Ib p 150

[xiii] (a respeito dessas categorias ver N HARTMANN Ontologia op cit

vol I p XII

46

47

[xiv] No original alematildeo in der Form des Seins Dietz Verlag 1971 p

195

[xv] Ib p 151

[xvi] Ver a respeito em J CHASIN Marx-Estatuto Ontoloacutegico e

Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica op cit

[xvii] K MARX op Cit p 126

Page 12: :: Verinotio - Revista On-line de Educao e Cincias Humanas · O leitor encontrará, portanto, nessa Apresentação o fruto de trabalho de coleta e organização de materiais utilizados

De sorte que do ente enquanto ente aristoteacutelico determinado por sua

forma substancial eterna ao ser social marxiano compreendido em suas

mudanccedilas categoriais - eacute do que consiste a histoacuteria - se vai de uma filosofia

primeira que terminou por sua resoluccedilatildeo originaacuteria na forma de um saber

absoluto a um saber histoacuterico de base que se desenvolve pela infinitude de

aproximaccedilotildees empreendidas em direccedilatildeo ao absoluto entendido pura e

simplesmente como completude ou totalidade que praticamente nunca se

realiza porque desnecessaacuterio para o saber ao qual bastam completudes mais

modestas e ainda mais como saber para a praacutetica

De modo que a filosofia primeira de configuraccedilatildeo marxiana eacute antes de

tudo a afirmaccedilatildeo da objetividade do mundo e a possibilidade ser conhecido

possibilidade que eacute soacutecio-historicamente determinada exercendo a funccedilatildeo de

base e guia para a ciecircncia da histoacuteria especificamente como ontologia regional

do ser social e que nutre das ciecircncias e a elas responde tanto quanto elas

mesmas tem de responder aos lineamentos ontoloacutegicos pelos quais se guiam

mas aos quais natildeo tomam como coaacutegulos de saber imutaacutevel De sorte que

ontologia e ciecircncia se potencializam e se criticam reciacuteproca e

permanentemente

Tambeacutem de acordo com Chasin por essas razotildees a ontologia

marxiana natildeo eacute uma resoluccedilatildeo de caraacuteter absoluto nos moldes do sistema

convencional mas a condiccedilatildeo de possibilidade de resoluccedilatildeo do saber Eacute em

outras palavras um estatuto movente e movido de cientificidade orienta e eacute

orientado pela ciecircncia e pela praacutetica universal dos homens Orienta e eacute

orientada guia e eacute guiada corrige e eacute corrigida Ou seja natildeo eacute um absoluto

inquestionaacutevel uma certeza estabelecida por deduccedilatildeo a partir de axiomas de

uma vez para sempre Mesmo porque a certeza cognitiva natildeo pode estar no

ponto de partida mas compreendida como alvo de uma busca permanente

procura intensiva e extensiva cuja infinitude eacute posta a cada momento entre

parecircnteses no qual o grau de certeza alcanccedilado eacute assumido como realizaccedilatildeo

maacutexima tendo por limites as possibilidades do tempo ou cenaacuterio histoacuterico grau

12

a ser confirmado ou ampliado ou ao inveacutes restringido na parte ou descartado

no todo posteriormente com todas as suas implicaccedilotildees correlatas

Em suma quando se utiliza a expressatildeo posiccedilatildeo ontoloacutegica e natildeo

perspectiva oacutetica prisma ou ponto de vista pretende-se remeter a lugar e agraves

coisas ou seja o reconhecimento do mundo como multiverso de entes reais

objetivos e que por isso mesmo faceiam o observador praacutetico ou teoacuterico natildeo

dependendo deste para existir em face do qual satildeo independentes Eacute

finalmente o reconhecimento da prioridade das coisas nas relaccedilotildees cognitivas

sem desconhecer eacute claro o caraacuteter ativo do investigador

Quando Chasin procura enfatizar o reconhecimento noccedilatildeo

imediatamente conexa a de posiccedilatildeo ontoloacutegica eacute por que aquela tem a

vantagem de colocar em primeiro lugar o caraacuteter natildeo puramente teoacuterico

contemplativo mas sobretudo praacutetico[viii] da aproximaccedilatildeo ao ente aleacutem da

natureza da operaccedilatildeo mental que designa - constataccedilatildeo ou recogniccedilatildeo vale

dizer a admissatildeo de algo a respeito do qual o discurso se pronuncia como forma

imediata de representaccedilatildeo

Relevar o caraacuteter praacutetico de aproximaccedilatildeo ao ente ou em outras

palavras partir ou dar prioridade agrave praacutetica significa por seu turno partir do

caraacuteter essencial do ser do homem por sua exteriorizaccedilatildeo operativa no mundo

que confirma sua forma de vida ou modo de existecircncia Quer dizer eacute um ponto

de partida desde logo sob criteacuterio ontoloacutegico ou seja que considera a

efetividade ocircntica do homem e do mundo de tal sorte que ambos satildeo

reconhecidos enquanto atividade sensiacutevel Caminho que tem o meacuterito de evitar

as vias reflexas[ix] como tambeacutem os engenhos e supostos dos encantamentos

especulativos como cogito sujeito transcendental ou os arqueacutetipos

generalizando uma expressatildeo marxiana os misticismos loacutegicos que nunca

deixam de mostrar sua condiccedilatildeo de artifiacutecios por mais rigorosos e envolventes

que sejam tanto que podem sempre ser contestados de algum modo ao passo

que os indiviacuteduos vivos e ativos os pressupostos dos quais Marx parte em A

13

Ideologia Alematilde natildeo podem nunca ser recusados a natildeo ser na fantasia e sob

pena de cancelar todo e qualquer andamento reflexivo

Em suma reconhecimento ontopraacutetico significa pois tomar como

ponto de partida a praacutetica - desde a praacutetica cotidiana agrave praacutetica cientiacutefica de ponta

- de um tempo dado

O plano ontopraacutetico jaacute bem delineado no texto de 1995 ganha nos

anos seguintes sucessivas correccedilotildees por parte do autor a ponto de se tornar o

eixo a partir do qual Chasin faz a criacutetica das Teorias da Fundamentaccedilatildeo ou

como ele as denomina ironicamente A Querela da Fundamentaccedilatildeo

A esse respeito costumava ele indagar O que eacute um fundamento Uma

Teoria da Subjetividade ou Uma Teoria da Objetividade

Se o fundamento for considerado a partir de uma teoria da

subjetividade por onde comeccedilar Pelo aparato sensorial como no empirismo

Ou pela consciecircncia ou coisa que o valha como o cogito cartesiano a

autoconsciecircncia a razatildeo ou as formas a priori do entendimento Ou ainda uma

teoria da mente

Ainda no plano do fundamento subjetivo poder-se-ia partir da

experiecircncia da vivecircncia do vivido Neste caso o vivido seria o preacute-teoreacutetico

mas enquanto experiecircncia existencial isto eacute as vivecircncias do indiviacuteduo isolado

em experiecircncia aleatoacuteria fortuita acidental

Mas se o fundamento for uma Teoria da Objetividade por onde

comeccedilar Pelos fenocircmenos empiacutericos Mas nesse caso natildeo terminariacuteamos

apenas no fundamento psicoloacutegico isto eacute teriacuteamos o psicologismo como

fundamento da verdade

14

E se partiacutessemos do todo concreto Natildeo findariacuteamos numa visatildeo

caoacutetica e abstrata de conjuntos indeterminados desamparados na companhia

de um punhado de abstraccedilotildees razoaacuteveis e irrazoaacuteveis

Feitas tais indagaccedilotildees Chasin conclui de modo enfaacutetico Toda peticcedilatildeo

de fundamento todo discurso por um fundamento estaacute encerrado na esfera

teoacuterica Aleacutem do mais todo discurso de fundamentaccedilatildeo pretende e implica uma

certeza ou seja de um modo ou de outro a suposiccedilatildeo de um saber absoluto

ainda que um simples momento do saber absoluto Vale dizer o discurso da

fundamentaccedilatildeo desemboca de algum modo na razatildeo especulativa Em outras

palavras implica algo que transcende a proacutepria natureza do saber que eacute um

processo infinito de aproximaccedilotildees

Para Chasin o reconhecimento do ontopraacutetico tem a vantagem de

escapar agrave querela da fundamentaccedilatildeo na medida em que parte da experiecircncia

real melhor dizendo da praacutetica real natildeo de uma experiecircncia isolada

arbitrariamente natildeo da experiecircncia aleatoacuteria da suposta existecircncia existencial

dos indiviacuteduos isolados dos indiviacuteduos em derreliccedilatildeo

O universo ontopraacutetico eacute o necessariamente vivido para que qualquer

pergunta possa se dar Eacute portanto a esfera preacute-teoreacutetica esfera que antecede

qualquer teoria Esfera sem a qual natildeo haacute vida humana e portanto sem a qual

natildeo pode haver qualquer pergunta teoacuterica

A reflexatildeo que tem como ponto de partida o ontopraacutetico estabelece

assim um pressuposto concreto (e natildeo uma verdade ideada) do qual natildeo posso

me afastar a natildeo ser na imaginaccedilatildeo

Em siacutentese a esfera ontopraacutetica representa o complexos dos homens

vivos e ativos A partir dessa abstraccedilatildeo razoaacutevel - o ontopraacutetico - pode-se

encontrar jaacute numa analiacutetica de desentranhamento desse complexo real o

devido lugar da ontologia da epistemologia e da ciecircncia da histoacuteria que

compreende dois grandes ramos natureza e sociedade

15

Em outras palavras sem a consideraccedilatildeo do ontopraacutetico torna-se

aleatoacuteria a localizaccedilatildeo que se confere tanto ao ontoloacutegico quanto ao epistecircmico

A opccedilatildeo por um deles se torna uma arbitrariedade teoacuterica e eacute justamente isto

que gera a querela da fundamentaccedilatildeo pois a decisatildeo fica submersa ao plano

teoacuterico ao jogo dos argumentos agrave ambivalecircncia do logos que eacute irresolutivo

Sem a consideraccedilatildeo do ontopraacutetico parte-se assim de imediato da

teoria e natildeo do ser que faz da teoria ou deste como uma abstraccedilatildeo da

inteligibilidade ou seja de uma faculdade abstraiacuteda do ser que a possui

gerando com isso um absurdo ontoloacutegico

Eacute portanto a partir da analiacutetica do ontopraacutetico pelo reconhecimento de

seus traccedilos categoriais que tem iniacutecio a elaboraccedilatildeo ontoloacutegica Ou seja a

ontologia nasce como reflexatildeo conscientizaccedilatildeo conceituaccedilatildeo do ontopraacutetico

enquanto primeiro objeto da ontologia que a partir daiacute se encaminha em

direccedilatildeo agrave criacutetica - em termos de sua necessidade e loacutegica especiacutefica - do proacuteprio

ontopraacutetico isto eacute do complexo dos objetos reais aiacute incluiacutedo o homem

Resta ainda em relaccedilatildeo agrave problemaacutetica geral em tela aflorar a questatildeo

da adequatio tal como era tematizada tambeacutem em seus cursos

Polemizando com a denominaccedilatildeo de realismo comumente utilizada

para denominar proposituras que conferem prioridade ao mundo objetual

Chasin afirmava que haacute realismo - antigo - quando eacute suposto que a ordem da

razatildeo agrave idecircntica a ordem do real e que a partir de axiomas por meios racionais-

dedutivos embuiacutedos do espiacuterito de sistema se possa estabelecer a verdade do

mundo

Em Marx entretanto a ordem das coisas e da razatildeo satildeo distintas (um

exemplo expressivo desta postura marxiana pode ser encontrada na famosa

Introduccedilatildeo de 57) ambas mutaacuteveis e processuais - unidade da desidentidade

entre ser e saber Assim o mundo natildeo pode ser deduzido racionalmente mas

reproduzido sob forma de ideacuteia por meio de aproximaccedilotildees - empiacuterico abstrato

16

concreto - num processo intensivo e extensivo historicamente condicionado

possibilitado ou impedido - na dependecircncia que fica da maturaccedilatildeo do objeto e

do posicionamento do sujeito O processo mimeacutetico eacute portanto reproduccedilatildeo

conceitual de efetividades donde se lida com duas ordens de formaccedilotildees real e

ideal A reproduccedilatildeo conceitual apresenta portanto sua proacutepria loacutegica mas no

interior da determinaccedilatildeo soacutecio-histoacuterica do pensamento de modo que uma

teoria do conhecimento (morfologia e dinacircmica da subjetividade in abstratu e

imutaacutevel) eacute incapaz de explicar o processo cognitivo pois a faculdade humana

da forccedila da abstraccedilatildeo depende das possibilidades oferecidas pela

determinaccedilatildeo social do pensamento que por sua vez se manifesta e se

configura pelo desenvolvimento dos objetos e da praacutetica humana que sobre eles

tem incidecircncia

Donde a franca afirmaccedilatildeo marxiana da possibilidade de conhecer natildeo

se confunde com a simplicidade e facilidade da concepccedilatildeo realista nem mesmo

no plano da ingenuidade cotidiana desde logo porque a atividade cotidiana -

que estaacute para aleacutem da ingenuidade ou lanccedila os sujeitos para aleacutem da

ingenuidade - eacute em si um complexo rico e desafiador matrizador inclusive da

intentio recta atitude natural e necessaacuteria da esfera ontopraacutetica

Haacute portanto que distinguir as grandes diferenccedilas ontoloacutegicas entre o

estatuto marxiano e a ontologia realista Na primeira a adequatio digamos

assim eacute correlaccedilatildeo entre formaccedilatildeo real e formaccedilatildeo ideal duas ordens distintas

de configuraccedilatildeo Em outras palavras eacute correlaccedilatildeo conceitual entre entificaccedilatildeo

concreta e reproduccedilatildeo conceitual Em suma a reproduccedilatildeo conceitual nada mais

eacute do que transposiccedilatildeo agrave cabeccedila ordenada pelos nexos do real na forma e pelos

meios da proacutepria atividade mental

I - Tomando Marx por Base e por Ponto de Chegada

17

Considerando como ponto de referecircncia as consideraccedilotildees

desenvolvidas por Marx em O Capital especificamente sobre a dificuldade

encontrada pela humanidade na compreensatildeo do valor ao longo de dois

milecircnios - de Aristoacuteteles a Ricardo - pode-se sustentar segundo Chasin que

um fenocircmeno muito similar a este se produziu no que tange agrave determinaccedilatildeo do

ser ou seja da(s) matriz(es) da(s) realidade(s) ou seja da efetividade

Tomemos as passagens em questatildeo que se encontram no Prefaacutecio agrave

Primeira Ediccedilatildeo de O Capital Todo comeccedilo eacute difiacutecil isso vale para qualquer

ciecircncia A forma do valor cuja figura acabada eacute a forma do dinheiro eacute muito

simples e vazia de conteuacutedo Mesmo assim o espiacuterito humano tem procurado

desvendaacute-la (ergruumlden) em vatildeo haacute mais de 2000 anos enquanto por outro lado

teve ecircxito ao menos aproximado a anaacutelise de formas muito mais complicadas e

replenas de conteuacutedo Por quecirc Porque o corpo desenvolvido eacute mais faacutecil de

estudar do que a ceacutelula do corpo Aleacutem disso na anaacutelise das formas econocircmicas

natildeo podem servir nem o microscoacutepio nem reagentes quiacutemicos A forccedila da

abstraccedilatildeo deve substituir a ambos Para o leigo a anaacutelise parece se perder

em pedantismo Trata-se efetivamente de pedantismo mas daquele de que se

ocupa a anatomia microscoacutepica

De acordo com Chasin eacute necessaacuterio reter os seguintes noacutedulos

significativos da citaccedilatildeo acima

1) todo iniacutecio de uma ciecircncia eacute difiacutecil donde o princiacutepio da ontologia o

princiacutepio da ciecircncia deve ser o mais difiacutecil de todos

2) haacute grande dificuldade na compreensatildeo da forma do valor que eacute um

objeto simples e vazio de conteuacutedo

3) haacute ecircxito maior na anaacutelise de formas mais complicadas e replenas de

conteuacutedo

18

Na mesma citaccedilatildeo Marx enuncia os motivos de tal dificuldade

1) o corpo desenvolvido eacute mais faacutecil de estudar do que a ceacutelula do

corpo

2) meacutetodos experimentais natildeo satildeo aplicaacuteveis a esse tipo de forma

3) a analiacutetica dessa forma pela forccedila da abstraccedilatildeo deve tomar o lugar

da observaccedilatildeo empiacuterica e experimental

4) anaacutelise voltada agrave anatomia microscoacutepica da forma estudada

A partir dessas indicaccedilotildees colhidas no texto de Marx Chasin elabora

um esboccedilo para fins unicamente didaacuteticos em que busca transpassaacute-las para a

proacutepria questatildeo ontoloacutegica afirmando o que se segue

1) o iniacutecio difiacutecil da ontologia perdurou tambeacutem por mais de 2000

anos trajetoacuteria em que se observa tateios imprecisos caracterizados por um

movimento simultacircneo de constituiccedilatildeodissoluccedilatildeo ateacute chegar em Marx Tal

movimento simultacircneo de constituiccedilatildeodissoluccedilatildeo revela por seu rumo

imanentemente contraditoacuterio por seus caminhos e descaminhos histoacutericos a

dificuldade e a longa incapacidade na formulaccedilatildeo precisa de seu objeto e

alcance ou seja de sua natureza e propoacutesito - de sua funccedilatildeo orientadora e

sustentadora no plano teoacuterico e de sua origem praacutetica preacute-teoreacutetica

2) reconhecimento ontopraacutetico das formas dos seres e analiacutetica da

forma do ser apenas por meio da forccedila da abstraccedilatildeo no reconhecimento

ontopraacutetico os seres satildeo reconhecidos como substantivos e nesse caso ateacute

certo ponto vale para a observaccedilatildeo espontacircnea e observaccedilatildeo comum pois o

desvendamento completo exige forccedila de abstraccedilatildeo como verbo ( o ato de ser

de Gilson) soacute a forccedila da abstraccedilatildeo daiacute a facilidade para se cair no

abstrativismo

19

Eacute nesse preciso momento da exposiccedilatildeo chasiniana que surgem as

primeiras referecircncias a Eacute Gilson assim como a N Hartmann momentos mais agrave

frente Evidentemente que esse procedimento natildeo ocorre por acaso pois o que

estaacute em questatildeo agora satildeo as tentativas contemporacircneas de resgate da

tematizaccedilatildeo ontoloacutegica

Eacute Gilson afirma que o mais fundamental dos problemas da filosofia - a

relaccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia que por seu turno diz respeito agrave distinccedilatildeo

de ser como nome isto eacute como substantivo em latim ens (ente) e como verbo

esse Eacute sabido que o esse tomista eacute concebido como ato de ser - actus essendi -

significando portanto existecircncia ato de existir ato de ser

Chasin comenta a ambiguumlidade da noccedilatildeo de ser para qual Gilson

chama atenccedilatildeo afirmando o que se segue

1) Ens eacute um nome que significa um ser (determinado) ou seja a

natureza e a essecircncia de qualquer existente ou entatildeo - o ser mesmo - uma

propriedade comum a tudo aquilo que se pode dizer que eacute (que pertence a)

Em suma enquanto nome ou substantivo ser designa um existente

qualquer ou uma propriedade comum a todos os existentes designa o que

verdadeiramente eacute ou uma propriedade geral eacute um ente ou uma entidade

2) Enquanto verbo ser designa a accedilatildeo ou o ato de ser exercido pelo

ente Assim como verbo natildeo significa que algo eacute nem a existecircncia em geral

mas o ato mesmo pelo qual qualquer realidade dada eacute de fato ou existe

Precisamente a este ato Gilson chama de ser em contraposiccedilatildeo a ente

De todo modo feita a distinccedilatildeo Chasin considera existir um seacuterio

problema ao tomar em separado ens e esse indagando eacute possiacutevel pensar em

duas figuras no isolamento Seraacute que essa configuraccedilatildeo eacute de fato o mais

fundamental dos problemas ou eacute o mais antigo o mais remoto e o mais cultuado

dos equiacutevocos da histoacuteria da filosofia

20

De um lado a compreensatildeo da forma de ser enquanto verbo como

pura significaccedilatildeo verbal de existir de estar presente enquanto significaccedilatildeo de

ato ou presenccedila o verbo eacute forma simples e vazia de conteuacutedo pois reduzida ao

predicado mais geral e comum das coisas denota apenas sua existecircncia De

outro lado ocorre o mesmo problema com o substantivo ser - ens - pois redunda

em essecircncia imutaacutevel Em outras palavras na histoacuteria da filosofia nesses dois

caminhos houve de longa data polecircmica sobre o que existe em que plano se daacute

a existecircncia e assim por diante No caso do ser como verbo o ser eacute muito

parcamente categorial reduzido agrave presenccedila no tempo e no espaccedilo soacute possui o

predicado abstrato da existecircncia no caso do substantivo tomado sem o ato de

existir se converte em complexo de propriedades ou entidades perenes

A resoluccedilatildeo para tal questatildeo reside segundo Chasin em tomar o ser

enquanto complexo categorial daquilo que eacute como ente que existe Nesse

sentido o desvendamento tem ecircxito maior como mostra a ciecircncia que toma

para anaacutelise formas mais complicadas e replenas de conteuacutedo vale dizer uma

vez que tem por alvo o ser por sua efetividade e determinado por suas

qualidades natildeo apenas pelo reconhecimento de sua presenccedila mas pelo seu

complexo categorial

Ora arremata Chasin a forma sensiacutevel do ente compreende o ens e o

esse ou seja a plena riqueza do complexo categorial

- Loacutegica e Ciecircncia

Neste item Chasin defende a tese de que na medida em que

pretendeu e pretenda ser uma disciplina ou ciecircncia de chegada isto eacute

21

conclusiva autocircnoma e sistemaacutetica a ontologia acaba por ser transmutada em

loacutegica ou ciecircncia

Talvez possa ser dito que nas ontologias onde predomine

unilateralmente o ser como verbo ou o ente como essecircncia terminem por ser

uma loacutegica que de alguma forma acaba por ter a pretensatildeo de constituir o ser

a loacutegica eacute entatildeo o segredo uacuteltimo do ser ou sua base cognitiva e por essa via

sua base ontoloacutegica - que assim nega a ontologia ou seja o reconhecimento do

ser por si

De outra parte predominando o ser como substantivo o fim da

ontologia acaba por ser uma forma de ciecircncia ou seja a ontologia eacute novamente

negada como ocorreu com a ciecircncia moderna donde sua pretendida auto-

suficiecircncia que apenas admite por fundamento uma forma qualquer de

gnosiologia isto eacute uma forma a priori da operatividade subjetiva

desaparecendo assim a regecircncia do objeto o que ao contraacuterio caracteriza o

espiacuterito e o propoacutesito ontoloacutegicos ou seja o reconhecimento do ente enquanto

ente o oacuten qua oacuten ou ser por si

Em suma a ontologia quando centrada no ser como verbo rarefeita

pelo vazio de sua forma termina por ser loacutegica por outro lado quando centrada

no ser como substantivo agraves voltas com gecircneros formados por complexos

qualitativos termina por se constituir em ciecircncia particular e autocircnoma Assim

ao pretender ser tudo concludente sistemaacutetica e independente por sua forma

mais vazia ou por suas categorias abstratas e perenes a ontologia acaba por

ser negada pela loacutegica ou pela ciecircncia Pretendendo ser tudo acaba por

desaparecer

Ora ao tomar o ser como verbo a ontologia tem de compreender que

natildeo pode ser mais do que a anatomia de uma propriedade do ser - de sua

propriedade mais geral e vazia - a propriedade de sua presenccedila enquanto corpo

real ausente ou presenccedila de um complexo categorial abstraiacutedo O ser aqui eacute

22

reduzido agrave forma mais vazia a simples propriedade de um todo que escapa

completamente agrave sua jurisdiccedilatildeo Donde seu desenlace em loacutegica

De outra parte quando o ser eacute tomado em sua denotaccedilatildeo substantiva

ou seja na multiplicidade de suas propriedades qualitativas em interconexatildeo

especiacutefica transborda em ciecircncia na medida em que a ontologia pretenda a

condiccedilatildeo de disciplina ou ciecircncia sistemaacutetica

Donde a impossibilidade de a ontologia ficar adstrita agrave forma do verbo

nem se realizar como dilucidaccedilatildeo concreta do substantivo Assim deve-se

reconhecer que a ontologia natildeo pode se realizar em nenhum desses dois poacutelos

nem simples tematizaccedilatildeo do ato geneacuterico da presenccedila - que redundaria em

simples compoacutesito tautoloacutegico nem tematizaccedilatildeo do ser substantivo concreto

pois aiacute se desnaturaria em ciecircncia especiacutefica

Conclusivamente a ontologia nem eacute simples tautologia do ser em ato

nem efetivaccedilatildeo cientiacutefico-concreta do desvendamento do ser como substantivo

Enquanto tal a ontologia eacute uma realizaccedilatildeo necessaacuteria no espaccedilo que antecede

aqueles dois poacutelos em verdade a plataforma que leva da constataccedilatildeo mais

abstrata do ser (tanto como substantivo quanto verbo) agrave sua reproduccedilatildeo

cientiacutefica como substantivo Enquanto tal eacute um estatuto - uma filosofia primeira

o cacircnon da legalidade do ser matrizado pelos traccedilos ou vetores categoriais

fundamentais do ser por si que matriza a cientificidade tanto em sua forma mais

abstrata - loacutegica - quanto em sua forma mais concreta - ciecircncia

O problema fundamental da filosofia primeira - philosophia prima - eacute o

problema das categorias mais gerais do ser aiacute incluso o ato de ser donde em

sua plenitude o ato sensiacutevel de ser - ens e esse o ens essendi complexo

categorial pleno no ato de existir

Essa plataforma estatutaacuteria natildeo eacute uma disciplina situada entre outras

disciplinas entre a loacutegica e a ciecircncia como um campo intermediaacuterio entre o

verbo e o substantivo entre a maacutexima abstratividade e a efetividade concreta

23

Essa distribuiccedilatildeo topograacutefica confere agrave abstraccedilatildeo a condiccedilatildeo de fundaccedilatildeo

(determinaccedilatildeo originaacuteriaontoloacutegica) e fundamento (ponto de partida

epistemoloacutegico) Se assim fosse perderia a condiccedilatildeo de filosofia primeira

Enquanto filosofia primeira eacute o reconhecimento do substantivo verbal

do substantivo que eacute do ens essendi natildeo de uma substantividade qualquer em

abstrato mas da substantividade que existe por todas as modalidades

categoriais isto eacute reais (sensiacuteveis) natildeo apenas um substantivo pensado que

dependeria para ser do pensamento mas do substantivo que eacute por-si

independentemente se ser pensado o que requer o complexo categorial

da sensibilidade por isso eacute que soacute eacute ser o ser sensiacutevel Vale dizer o ser como

verbo eacute resultado do ser substantivo soacute um sujeito (em suas diversas formas na

cadeia do ser) eacute (soacute um sujeito existe eacute faz sente pensa etc de acordo com

seu grau na cadeia do ser)

A ontologia do puro verbo ser ou das puras essecircncias (complexo

categorial abstrativante e eterno) eacute a autonomizaccedilatildeo das categorias ou da

existecircncia em relaccedilatildeo ao ser e existir reais agraves formas reais de ser e existir satildeo

as categorias e a existecircncia sem corpo ou sujeito mais do que isso satildeo as

categorias (essecircncia) e existecircncia em geral universal e abstrata tornadas

sujeito a essecircncia ou a existecircncia abstratas personificadas - e isso satildeo

puramente figuras do pensamento o que jaacute eacute especulaccedilatildeo natildeo ontologia

Marx agrave semelhanccedila de Feuerbach soacute admite como ente ou melhor

como entificaccedilatildeo o ens essendi - o ente sendo o ente no ato de ser o ente

revestido de existecircncia atual - objetivo o ente no exerciacutecio da accedilatildeo ou ato de

ser eacute portanto um ente existente ou seja o ente que estaacute sendo o ente no ato

de existir

Donde do mesmo modo que em Feuerbach o ser eacute inseparaacutevel de sua

existecircncia Ser e existir constituem uma unidade indissoluacutevel complexo

24

categorial no ato de ser pela atualizaccedilatildeo do complexo categorial essecircncia

determinada e mutaacutevel na mutabilidade de ser e ir sendo (essendi)

Eacute chegada a hora depois desta etapa analiacutetica de vislumbrar qual eacute o

cenaacuterio em Marx que esse conjunto de questotildees se coloca Com esse objetivo e

como eacute tiacutepico de seu procedimento investigativo junto aos textos daquele autor

Chasin toma para anaacutelise o item 1 O Processo de Trabalho do capiacutetulo V de O

Capital Nele pode-se identificar em primeiro lugar a natureza geral (universal)

da atualizaccedilatildeo da forccedila de trabalho que se encontra em potecircncia nos indiviacuteduos

A produccedilatildeo de valores de uso ou bens natildeo muda sua natureza geral por se

realizar para o capitalista e sob seu controle Por isso o processo de trabalho

deve ser considerado de iniacutecio independentemente de qualquer forma social

determinada[x]

Por que o processo de trabalho deve ser considerado de iniacutecio

independentemente de qualquer forma social determinada indaga Chasin A

resposta eacute formulada em estilo direto Para natildeo ser perdida a natureza do

trabalho sua positividade enquanto atividade humana vital

Tem-se nessa passagem segundo Chasin um exemplo do exerciacutecio

de uma ontologia estatutaacuteria - a positividade (sua efetividade ou operosidade)

universal do trabalho enquanto atributo vital e inalienaacutevel do homem

independentemente de suas formas concretas que se apresentam na forma do

trabalho alienado

Eacute a determinaccedilatildeo universal do trabalho o traccedilo de sua legalidade

uacuteltima sua determinaccedilatildeo mais geral e essencial dimensatildeo que natildeo desaparece

nem mesmo sob suas formas concretas mais negativas

A ontologia estatutaacuteria registra o traccedilo ou rastro dessa dimensatildeo

permanente que atravessa as formas concretas em sua efetividade contraditoacuteria

e especialmente desfavoraacutevel para o homem enquanto maioria subjugada ao

longo de toda a preacute-histoacuteria da humanidade

25

Permanente mas permanente processual mutaacutevel diversamente

positivo quantitativa e qualitativamente em cada uma das formas concretas em

que o trabalho aparece nas configuraccedilotildees sociais determinadas

Nesse sentido abstratamente permanente abstratamente positivo mas

onde essa abstratividade natildeo corresponde a uma simples determinaccedilatildeo

conceitual Corresponde a uma efetividade em sua figura proacutepria em cada forma

social determinada

Agrave ontologia estatutaacuteria compete o reconhecimento dessa dimensatildeo mais

geral base para a decifraccedilatildeo cientiacutefica concreta dos casos efetivos que por sua

vez confirmam ou natildeo criticamente a determinaccedilatildeo mais geral ontoloacutegica Natildeo

haacute portanto um abismo separando ontologia de ciecircncia mas a continuidade de

momentos distintos de uma mesma unidade de conhecimento que interagem e

se medem reciprocamente se apoacuteiam estimulam e criticam um infinito processo

constitutivo das certezas

Continuando a anaacutelise do texto marxiano tem-se a descriccedilatildeo do

trabalho e o reconhecimento analiacutetico de sua natureza Antes de tudo [aqui

Chasin faz uma pequena observaccedilatildeo assinalando ou seja na raiz em seu

fundamento diria uma linguagem mais convencional e ciosa de suas

pretendidas atribuiccedilotildees] o trabalho eacute um processo entre o homem e a

natureza um processo em que o homem por sua proacutepria accedilatildeo medeia regula

controla seu metabolismo com a natureza Ele mesmo se defronta com a

mateacuteria natural Ele potildee em movimento as forccedilas naturais pertencentes agrave sua

corporalidade braccedilos e pernas cabeccedila e matildeo a fim de se apropriar da mateacuteria

natural numa forma uacutetil para a sua proacutepria vida Ao atuar por meio desse

movimento sobre a natureza externa a ele e ao modificaacute-la ele modifica ao

mesmo tempo sua proacutepria natureza Ele desenvolve as potecircncias nela

adormecidas e sujeita o jogo de suas forccedilas a seu proacuteprio domiacutenio[xi]

26

Observe-se que diz Chasin ao trabalhar ao mudar a forma da

natureza ao construir sua proacutepria mundaneidade o homem ele proacuteprio por

meio de seu proacuteprio trabalho transforma a sua proacutepria natureza Ou seja de ser

natural para social eis um novo exemplo de lineamento reconhecido e recolhido

agrave ontologia estatutaacuteria

Prosseguindo na especificaccedilatildeo Marx afirmaPressupomos o trabalho

numa forma que pertence exclusivamente ao homem Uma aranha executa

operaccedilotildees semelhantes agraves do tecelatildeo e a abelha envergonha mais de um

arquiteto humano com a construccedilatildeo dos favos de suas colmeacuteias Mas o que

distingue de antematildeo o pior arquiteto da melhor abelha eacute que ele construiu o

favo em sua cabeccedila antes de construiacute-lo em cera No fim do processo de

trabalho obteacutem-se um resultado que jaacute no iniacutecio deste existiu na imaginaccedilatildeo do

trabalhador e portanto idealmente Ele natildeo apenas efetua uma transformaccedilatildeo

da forma da mateacuteria natural realiza ao mesmo tempo na mateacuteria natural seu

objetivo que ele sabe que determina como lei a espeacutecie e o modo de sua

atividade e ao qual tem de subordina sua vontade E essa subordinaccedilatildeo natildeo eacute

um ato isolado Aleacutem do esforccedilo dos oacutergatildeos que trabalham eacute exigida a vontade

orientada a um fim que se manifesta como atenccedilatildeo durante todo o tempo de

trabalho e isso tanto mais quanto menos esse trabalho pelo proacuteprio conteuacutedo e

pela espeacutecie modo de sua execuccedilatildeo atrai o trabalhador portanto quanto

menos ele o aproveita como jogo de suas proacuteprias forccedilas fiacutesicas e espirituais[xii]

Chasin chama atenccedilatildeo para as seguintes observaccedilotildees

1) a preacutevia-ideaccedilatildeo do resultado (do fim) a existecircncia ideal do mesmo

na imaginaccedilatildeo donde o objeto ou um complexo categorial in mente e ante

res[xiii]

Preacutevia-ideaccedilatildeo e teleologia satildeo ou podem ser momentos confluentes

mas natildeo satildeo idecircnticos a preacutevia-ideaccedilatildeo estaacute no comeccedilo e eacute um desenho ideal

que implica o conhecimento da espeacutecie e do modo da atividade a realizar

27

conhecimento das malhas causais teleologia eacute simplesmente finalidade fim

objetivo podendo se apresentar de modo meramente volitivo e bem abstrato

natildeo mobilizante dos ou sem os meios de sua realizaccedilatildeo ou seja ter teleologia

sem preacutevia-ideaccedilatildeo natildeo conduz a nenhum processo de trabalho Quero assinar

que o termo teleologia pode ser demasiado vago no sentido de mero conceito

filosoacutefico convencional nesse sentido apenas alusivo e natildeo instrumentador de

operaccedilotildees na esfera da atividade sensiacutevel Pode ser entendido mais como

manifestaccedilatildeo de espiacuterito do que como exigecircncia de efetuaccedilatildeo de mudanccedila de

forma da mateacuteria natural e objetivaccedilatildeo de propoacutesito E de toda forma indica

antes de tudo que o fim o realizado estaacute no fim do processo fala do obtido ou

do a ser obtido nada nos diz da travessia que realiza da travessia que passa do

ideal para o real natildeo nos fala da mobilizaccedilatildeo ideal e material necessaacuterias

Quando a teleologia se manifesta como resultado jaacute natildeo eacute preciso dizer mais

nada a respeito Basta saudar e usufruir de sua apariccedilatildeo que nada tem de

maacutegica ou misteriosa mas antes de reconhececirc-la como produto das

metamorfoses de subjetividade e objetividade Ou seja em suas distintas

naturezas inconfundiacuteveis enquanto tais objetividade e subjetividade satildeo

entificaccedilotildees na mundaneidade humana e nessa qualidade estados ou momentos

do ser social momentos regidos pela atividade ideal e sensiacutevel do mesmo

Penso que Lukaacutecs ao transpor a questatildeo para a linguagem filosoacutefica

tradicional pode ter dissociado demais fins e meios o que natildeo eacute o caso dos

textos de Marx Por isso Lukaacutecs se vecirc obrigado depois a buscar a rearticulaccedilatildeo

entre teleologia e causalidade e nisso encontre natildeo poucas dificuldades (como

uma passa para outra e vice-versa parecendo que lida ao limite com

substacircncias incomunicaacuteveis natildeo as compreendendo em suas metamorfoses) e

deixe que se perca certa substacircncia da questatildeo antes de tudo o interfluxo entre

objetividade e subjetividade com seus distintos momentos preponderantes em

cada um dos passos dos momentos embricados dos processos Creio que as

duas esferas ficam sempre tradicionalmente um tanto estranhas uma em

28

relaccedilatildeo agrave outra seja para preservar a objetividade e aiacute se torna objetivista seja

para ressaltar a subjetividade e aiacute desliza para o subjetivismo

2) No fim do processo tem-se seu resultado que eacute a transformaccedilatildeo da

forma de uma dada mateacuteria natural e a realizaccedilatildeo do objetivo do trabalho que

existiu antes como preconfiguraccedilatildeo ideal Portanto o trabalho transforma

imagem ideal em ente real complexo categorial in rebus

Em suma no pensamento de Marx as categorias ou complexos

categoriais satildeo reconhecidos sob as trecircs formas in mente (existem idealmente

na imaginaccedilatildeo ou como reproduccedilatildeo mental das coisas categorias da

representaccedilatildeo) ante res (preacutevia-ideaccedilatildeo) e in rebus como efetividades quando

estatildeo na forma de ser Como confirmaccedilatildeo tome-se mais esta passagem do

mesmo capiacutetulo No processo de trabalho a atividade do homem efetua

portanto mediante o meio de trabalho uma transformaccedilatildeo do objeto de

trabalho pretendida desde o princiacutepio O processo extingue-se no produto Seu

produto eacute um valor de uso uma mateacuteria natural adaptada agraves necessidades

humanas mediante transformaccedilatildeo da forma O trabalho se uniu com seu objeto

O trabalho estaacute objetivado e o objeto trabalhado O que do lado do trabalhador

aparecia na forma de mobilidade aparece agora como propriedade imoacutevel na

forma do ser[xiv] do lado do produto Ele fiou e o produto eacute um fio[xv]

Como arremate analiacutetico dessa famosa mas muitas vezes mal

compreendida passagem de O Capital Chasin conclui ao mesmo tempo em que

visualiza uma nova tarefa Se assim eacute se as categorias podem aparecer nas

trecircs formas - in rebus - in mente - ante res - haacute entatildeo que determinar o que satildeo

cada uma dessas formas

Esquematicamente Chasin propotildee o seguinte

1) se estatildeo in rebus (nas coisas) estatildeo na forma do ser

29

2) se estatildeo in mente (na cabeccedila) estatildeo na forma da reproduccedilatildeo ideal

das coisas Trata-se da subjetividade receptora[xvi] que reproduz as coisas natildeo

captando apenas seus dados empiacutericos superando pois o empirismo e elabora

portanto a reproduccedilatildeo ideal dos entes e onde a subsunccedilatildeo aos objetos eacute a

atividade de sua elaboraccedilatildeo ideal

3) se estatildeo ante res (antes das coisas) estatildeo na forma da finalidade da

preacutevia mentalizaccedilatildeo de objetivos e meios

Poreacutem no segundo e terceiro casos as categorias estatildeo na forma de

espeacutecies de pensamento representaccedilotildees e projeccedilotildees do ser do vir-a-ser dos

meios materiais instrumentais processuais e dinacircmicos de entificaccedilatildeo dos

seres

Concluindo essa parte dizer pois que o homem e o mundo satildeo

atividade sensiacutevel que por criar seu mundo cria a si mesmo eacute determinar o

homem como a criatura criadora de seres

No entanto na medida em que apenas na configuraccedilatildeo histoacuterica regida

pela loacutegica do capital ou seja na plenitude da produccedilatildeo da riqueza entendida

por sua essecircncia subjetiva que eacute o trabalho que se atinou para determinaccedilatildeo

do homem como a criatura criadora de seres foi possiacutevel agrave reflexatildeo pode se

dar conta potencialmente da verdadeira problemaacutetica do ser

Em outras palavras eacute pela criacutetica ao criador de criaturas na forma da

alienaccedilatildeo - criacutetica marxiana agrave sociedade capitalista - eacute que a ontologia pode

atinar com seu verdadeiro objeto e modo de determinaccedilatildeo Natildeo eacute casual que

tenha emergido pela criacutetica feuerbachiana ao sistema hegeliano (a criaccedilatildeo

especulada dos entes) e ganho seus contornos efetivos no advento de uma

nova forma de pensamento e concepccedilatildeo de praacutetica - a doutrina de Marx

Resumindo no caso de Marx ontologia eacute estatuto ou filosofia primeira

do ser social que enquanto tal norteia a concreccedilatildeo cientiacutefica do mesmo cuja

30

realizaccedilatildeo corrige e enriquece o proacuteprio estatuto donde a sinergia e a reciacuteproca

dimensatildeo criacutetica entre estatuto ontoloacutegico e ciecircncia da histoacuteria em seus diversos

departamentos possiacuteveis estabelecidos jaacute por criteacuterio ontoloacutegico ou seja que

respeita a integridade das coisas em suas qualidades e processos interconexos

que as constituem em seu ser por si e enquanto tais satildeo reproduzidas

teoricamente

Enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma da legalidade objetiva (material

e espiritual) do ser social ou seja enquanto malha de asserccedilotildees ou

determinaccedilotildees de seu complexo categorial enquanto o permanente na forma de

processo a ontologia estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a

sociabilidade como substacircncia desse grau maacuteximo da cadeia do ser

Mas substacircncia como complexo categorial como siacutentese de categorias

essenciais que denota uma forma especiacutefica determinada de presenccedila ou

existecircncia plenamente qualificada

Por isso eacute estatuto ontoloacutegico pois a plataforma canocircnica do ser eacute o

coacutedigo do substantivo verbal como substacircncia substrato) assim o estatuto

ontoloacutegico do complexo substantivo do ser social deve reconhecer a

sociabilidade como substacircncia A sociabilidade como substrato dos homens

seja na forma da alienaccedilatildeo seja na forma de sua latecircncia de substancialidade

em vir-a-ser no caminho infinito de sua realizaccedilatildeo

Trata-se portanto em Marx de estatuto e natildeo sistema pois como

sistema seria um agregado de abstraccedilotildees uma filosofia que uma vez obtidas

noccedilotildees fundamentais passa a se edificar por si ou seja as noccedilotildees seriam

coaacutegulos inteligiacuteveis que passam por auto-sustentaccedilatildeo a configurar

dedutivamente o mundo Ao passo que estatuto eacute uma ordem a legalidade do

ser sensiacutevel - o ser na plenitude de seus atributos

tempo (histoacuteriaprocessoduraccedilatildeomutabilidade) lugar e sensibilidade

especificamente a legalidade do ser social imanente a si em sua especiacutefica

31

objetividade O ser sensiacutevel eacute a forma do ser porque eacute a plenitude das

categorias possiacuteveis

E as formaccedilotildees ideais

Segundo Chasin as formaccedilotildees ideais do mesmo modo que as

formaccedilotildees reais - formas do ser - tecircm lugar e tempo como categorias - o tempo

e o espaccedilo das formaccedilotildees sociais que satildeo engendradas mas estatildeo privadas de

sensibilidade

O sensiacutevel soacute eacute predicaccedilatildeo inerecircncia agrave forma do ser que conteacutem a

plenitude dos predicados possiacuteveis (sensibilidade espaccedilo tempo)

Essa forma de conceber o ser eacute reconhecer substancialidade ao

complexu agrave unidade totalizada ou seja ao conjunto pleno de atributos em ato

Em outras palavras ser eacute complexo categorial - tem a forma de ser -

completude ou forma conferida pelo sensiacutevel que se desdobra em muacuteltiplos

atributos e se condensa de infinitas maneiras no gradiente do ser

Em suma segundo Chasin tomando Marx como base e ponto de

referecircncia permanentes ser eacute plenitude categorial ou seja a plenitude

categorial eacute sua forma e por ser sensiacutevel compreende lugar e tempo

Donde se admitido o princiacutepio metoacutedico de Marx saber eacute saber do ser

que antes de tudo eacute um complexo sensiacutevel - tudo que eacute existe eacute sempre um

complexo natildeo uma substacircncia ou essecircncia pura e cristalina E a cadeia do ser eacute

o conjunto de graus do ser - do menos ao mais complexo

O preceito metodoloacutegico marxiano eacute pois ontoloacutegico sabe-se o que eacute

como se formou se desenvolveu e como depereceraacute

Por via de consequumlecircncia e diante das vicissitudes da histoacuteria da

ontologia de seu processo constitutivo e dissolutor diante da penosa rota da

32

conquista teoacuterica do real homoacuteloga ou equivalente agrave necessidade humana de

produzir a sua mundaneidade e a si mesmo a ontologia eacute o que pode ser - o

que natildeo eacute pouco - a esfera teoacuterica da incerteza propulsora positiva

afirmativamente organizada O patamar do incerto ordenado como plataforma da

busca infinita da certeza Impulsatildeo incontornaacutevel que natildeo pode ser eludida pela

presenccedila imperativa dos circuitos ontopraacuteticos

Talvez agora o estatuto ontoloacutegico marxiano possa ser enunciado do

seguinte modo eacute o estudo das categorias fundamentais - em traccedilos essenciais

abstratos em suas determinaccedilotildees mais gerais - da existecircncia social

historicamente constatada e reconhecida sendo possiacutevel exemplificar com as

seguintes categorias historicidade (processualidade ou mutabilidade)

concreticidade ou objetividade atividade sensiacutevel e ideal (trabalho e

reproduccedilatildeo) subjetividade (receptiva e proponente) valor individualidade

gecircnero (sociabilidade) Tudo isso perfilando o complexo de complexos da auto

realizaccedilatildeo do ser humano-societaacuterio entendido que o fim dos fins eacute a infinitude

da realizaccedilatildeo do humano - do autopor-se do aberto ser humano-societaacuterio

Estatuto que em outros termos eacute a ordem do reconhecimento ou

reproduccedilatildeo teoacuterica da identidade natureza e constituiccedilatildeo das coisas por si por

seus complexos categoriais decisivos independentemente em qualquer plano

de se tornarem objetos de praacutetica ou reflexatildeo

Enquanto tal eacute a teoria do reconhecimento da objetividade histoacuterico-

social imanente em suas distintas formas de apresentaccedilatildeo (natureza e

sociedade) Em termos muito breves eacute o momento mais abstrato do

reconhecimento da identidade das coisas por si enquanto tal um dos momentos

distintos da unidade do saber do qual participa um segundo sob forma

concreta que eacute a ciecircncia

Pela proacutepria natureza histoacuterica processual do ser a ontologia marxiana

natildeo corresponde nem poderia corresponder por simples imperativo de

33

coerecircncia agrave forma de um saber universal plantado sobre uma racionalidade

auto-sustentada ou seja fundado na razatildeo universal nada mais a versatildeo laica

ou profana de Deus no dizer de Feuerbach Ou seja trata-se enfim de uma

forma de ontologia sem parentesco com o saber absoluto e que recusa qualquer

tipo de fundamento especulativo pois absolutizaccedilatildeo de uma teoria da

fundamentaccedilatildeo eacute simplesmente a firmaccedilatildeo especulativa da razatildeo autocircnoma ou

de um princiacutepio de inteligibilidade situado para aleacutem das coisas que garante a

presenccedila e o conhecimento do sagrado e a vitoacuteria antecipada do idealismo Natildeo

correspondendo agrave qualquer forma de saber universal a ontologia marxiana

sustenta a possibilidade efetiva como jaacute vimos de um saber real

Por sua praacutetica teoacuterica e por um conjunto de lineamentos expliacutecitos

Marx deixou o legado de um especiacutefico estatuto ontoloacutegico natildeo um ontologia de

talhe convencional ou tradicional e natildeo apenas por que careceu de tempo

necessaacuterio para a realizaccedilatildeo de uma obra desse tipo mas fundamentalmente

pela distinccedilatildeo de natureza de seu estatuto ontoloacutegico radicalmente oposto ao

tratamento especulativo da mateacuteria

Esse estatuto eacute constituiacutedo a partir do universo praacutetico onticamente

referido ou seja eacute um estatuto ocircntico-ontoloacutegico pois evolve da efetividade

histoacuterica das coisas de suas relaccedilotildees e processos para sua reproduccedilatildeo

conceitual no plano de uma trama categorial em sua expressatildeo mais abstrata

Reconhecimento e Determinaccedilatildeo da Sociabilidade como Substacircncia

Vimos que segundo Chasin enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma

da legalidade do ser social em sua materialidade e espiritualidade[pode-se dizer

tambeacutem em sua objetividade sensiacutevel e supra-sensiacutevel] ou seja enquanto

malha de asserccedilotildees ou determinaccedilotildees de seu complexo categorial a ontologia

34

estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a sociabilidade como substacircncia desse

grau maacuteximo do ser

Embora Chasin natildeo tenha desenvolvido plenamente a questatildeo da

objetividade supra-sensiacutevel como tambeacutem a da sociabilidade como substacircncia

julgo conveniente transcrever tambeacutem algumas notas e comentaacuterios feitos em

sala de aula dada a importacircncia do tema

Em relaccedilatildeo agrave noccedilatildeo de substacircncia Chasin retoma sua noccedilatildeo mais geral

e tradicional Ou seja deixando de fora qualquer conotaccedilatildeo relativa a formas de

idealidade o que existe por si eacute um auto-engendrado a uacuteltima instacircncia de um

dado gecircnero de entificaccedilatildeo enquanto tal na medida em que eacute uma efetividade

eacute um complexo que a noccedilatildeo de substacircncia refere no mais alto grau de

abstraccedilatildeo Vale pois como abstraccedilatildeo razoaacutevel tal como todo conceito

marxiano nesse niacutevel de generalizaccedilatildeo a partir do qual pela via dos processos

de concreccedilatildeo satildeo determinaacuteveis as formas concretas de substacircncia

correspondentes agraves formaccedilotildees sociais reais

Dessa forma a substacircncia eacute um complexo histoacuterico natildeo uma

idealidade natildeo um construto da razatildeo auto-sustentada mas o resumo de uma

extraccedilatildeo justificada

Naturalidade e Sociabilidade

Sempre que se potildee a questatildeo da naturalidade e da sociabilidade essa

uacuteltima tende a ser examinada in statu nascendi ou de um estado original

imaginaacuterio natildeo se parte portanto de fatos pois os desconhecemos se eacute que

35

tenham existido mas de um mito E do mito se quer saltar para o quadro de uma

realidade complexa

Mas acompanhando Marx lembremos das pobres robinsonadas do

seacuteculo XVIII referidas logo agraves primeiras linhas da Introduccedilatildeo de 57 a) O

caccedilador e o pescador individuais e isolados de que partem Smith e Ricardo b)

o contrat social de Rousseau que relaciona e liga sujeitos independentes por

natureza por meio de um contrato Essas robinsonadas natildeo repousam sobre

(o) naturalismo E a argumentaccedilatildeo prossegue Trata-se ao contraacuterio de uma

antecipaccedilatildeo da sociedade (buumlrgelichen Gesellschaft) que se preparava desde

o seacuteculo XVI e no seacuteculo XVIII deu larguiacutessimos passos em direccedilatildeo agrave sua

maturidade Nesta sociedade da livre concorrecircncia o indiviacuteduo aparece

desprendido dos laccedilos naturais que em eacutepocas histoacutericas remotas fizeram dele

um acessoacuterio de um conglomerado humano limitado e determinado Os profetas

do seacuteculo XVIII sobre cujos ombros se apoacuteiam inteiramente Smith e Ricardo

imaginam o indiviacuteduo do seacuteculo XVIII como um ideal que teria existido no

passado Vecircem-no natildeo como um resultado histoacuterico mas como ponto de partida

da Histoacuteria porque o consideram como um indiviacuteduo conforme agrave natureza -

dentro da representaccedilatildeo que tinham da natureza humana - que natildeo se originou

historicamente mas foi posto como tal pela natureza[xvii]

Segundo Chasin tomando Marx novamente como ponto de referecircncia

os equiacutevocos que aparecem ao se tratar a relaccedilatildeo naturalidade sociabilidade

satildeo os seguintes

1) procurar deduzir em graus diferentes em cada caso o ser social do

natural esquecendo que se trata da emergecircncia do novo de uma configuraccedilatildeo

ontoloacutegica nova e que o novo nunca eacute um simples desdobramento do estaacutegio

anterior no caso - do grau de ser antecedente ou seja que entre os dois niacuteveis

ocorre o que se chama de salto um intervalo em que a potecircncia causal do

antecedente natildeo conteacutem a capacidade a potecircncia ou a potencialidade para

gerar o novo Um intervalo que fica assim indeterminado

36

2) o procedimento acima abre para a mera especulaccedilatildeo pois tende a

deduzir a indeterminaccedilatildeo a querer estabelecer nexos onde eles inexistem

tende a preencher o que de fato eacute um vazio A rigor natildeo se trata de um natildeo-

sabido mas da ausecircncia factual de um objeto ou processo em outros termos

se trata de um vazio ontoloacutegico de uma ausecircncia de nexos ontoloacutegicos

O correto segundo o modus operandi marxiano natildeo eacute partir da semente

ou do embriatildeo mas do complexo real maturado uma vez que

especialiacutessimamente na esfera social a loacutegica do gerado eacute diversa da loacutegica de

sua gecircnese aleacutem de que nesse acircmbito as entificaccedilotildees configuradas apagam a

rota e a loacutegica de sua formaccedilatildeo

Desse modo partindo do jaacute configurado e considerando que se trata de

uma configuraccedilatildeo infinita que compreende mutaccedilotildees qualitativas muito

importantes e natildeo esquecendo que permanecemos no estaacutegio preacute-histoacuterico (em

momento especialmente desequilibrado e contraditoacuterio) podemos e devemos

reconhecer por meio de algumas abstraccedilotildees razoaacuteveis o seguinte

1) A formaccedilatildeo do ser social eacute um processo da animalidade agrave

hominidade o andamento da naturalidade agrave sociabilidade o caminho infinito da

naturalidade dada agrave sociabilidade natildeo-dada em produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

perenes

2)Trata-se pois de uma entificaccedilatildeo processual entre dois niacuteveis ou

poacutelos da escala do ser sendo processo eacute intrinsecamente uma contradiccedilatildeo e soacute

enquanto tal se move eliminada a contradiccedilatildeo cessaria a possibilidade do

processo Com isso eacute dito algo muito importante pois ao reconhecer a

contraditoriedade entre naturalidade e sociabilidade natildeo eacute mais possiacutevel pensar

as mesmas a propoacutesito do ser social como um simples conjugado de fatores

mas obrigatoriamente como uma conjugaccedilatildeo contraditoacuteria de legalidades Isso

vai na esteira do que eacute compreendido desde Hegel - que o ser eacute uma unidade

contraditoacuteria - todavia com o acreacutescimo do problema da dupla legalidade De

37

que modo ou feiccedilatildeo chega cada uma delas agrave unidade contraditoacuteria do ser Pois

haacute que pensar na unidade ou siacutentese a natildeo ser que se queira desenhar o ser

social como uma aberraccedilatildeo hiacutebrida pode ser esta a fisionomia do grau mais

elevado do gradiente dos seres Assim tomada na devida consideraccedilatildeo essa

determinaccedilatildeo ontoloacutegica sem a qual a reflexatildeo perde o rumo trata-se de

compreender a dinacircmica especiacutefica dessa contradiccedilatildeo peculiar Vejamos

3) Em primeiro lugar esse processo contraditoacuterio gera novas

contradiccedilotildees agora dominantemente contradiccedilotildees da sociabilidade em

formaccedilatildeo de sorte que se trata de um processo cumulativo de

contraditoriedades no qual as novas contradiccedilotildees progressivamente vatildeo

tomando o lugar predominante e decisivo vale dizer a contradiccedilatildeo originaacuteria

cada vez mais coabita com contradiccedilotildees de outro gecircnero diante das quais sua

presenccedila vai mudando de forccedila e configuraccedilatildeo natildeo desaparece mas sua

qualidade vai mudando na proporccedilatildeo mesmo do desenvolvimento da

apropriaccedilatildeo societaacuteria da natureza cada vez mais puramente social - eacute no que

consiste de acordo com as palavras de Marx o progressivo afastamento das

barreiras naturais

4) Ou seja a matriz e a medida do afastamento eacute a forma cada vez

mais social de produzir e reproduzir as bases materiais da vida pela qual eacute

gerado o novo ser em direccedilatildeo agrave sua potecircncia ampliada de se auto-por de ir em

direccedilatildeo a si mesmo um si mesmo que natildeo eacute dado mas gerado na progressatildeo

da auto-posiccedilatildeo do auto-assentamento ou da auto-enformaccedilatildeo que inclui a

proacutepria daccedilatildeo de forma e resoluccedilatildeo ao predicado natural ou bioloacutegico daccedilatildeo de

forma que em suma eacute daccedilatildeo de forma social ao predicado natural

5) Essa possibilidade de daccedilatildeo de forma eacute afirmaccedilatildeo e realizaccedilatildeo da

essecircncia social que eacute o conjunto de relaccedilotildees sociais configuradas em cada

momento pelo modo de produzir da base material modo por sua vez que eacute

determinado pelo desenvolvimento das forccedilas produtivas entre as quais figura o

proacuteprio modo de organizaccedilatildeo do conjunto das relaccedilotildees sociais

38

6) Daccedilatildeo de forma eacute alteraccedilatildeo do lugar resolutivo e todo ente que muda

de lugar muda de natureza sem alterar uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo material

Vale dizer que a contradiccedilatildeo originaacuteria entre naturalidade e sociabilidade eacute

resolvida por uma nova contradiccedilatildeo - a da naturalidade que soacute se realiza na

forma e por meios sociais - no afastamento que eacute superaccedilatildeo da naturalidade

(processo histoacuterico) a legalidade natural eacute submetida agrave legalidade social

(diferentemente em cada modo de produccedilatildeo e de acordo com o

desenvolvimento das forccedilas produtivas) o fator natural natildeo eacute suprimido

suprimida eacute sua capacidade de autodeterminaccedilatildeo resta portanto

simplesmente o que natildeo eacute pouco como um predicado do ser humano um

predicado insuprimiacutevel mas apenas como predicado bioloacutegico de um ser de

outra natureza e essecircncia A naturalidade eacute retida como predicado

imprescindiacutevel mas natildeo como essecircncia Donde natildeo satildeo mais duas legalidades

ontoloacutegicas que coexistem mas a legalidade superior mais complexa subsume

a legalidade natural que natildeo mais se autodetermina mas eacute resolvida pela e do

interior da outra Assim o predicado natural do homem recebe forma e

resoluccedilatildeo sociais ou seja o predicado natural eacute subsumido agrave legalidade social

Natildeo resta mais o choque de duas legalidades contrapostas na

contradiccedilatildeo originaacuteria A legalidade natural vai sucumbindo na ruptura e

progressivamente agrave legalidade social em sua efetividade no ser social a

legalidade natural natildeo mais atua por si eacute dependente do social natildeo eacute mais a

legalidade de um ser pois natildeo haacute mais aiacute um ser natural mas um atributo

natural dependente da essecircncia social O homem eacute um ser social que

compreende sua essecircncia especiacutefica (variaacutevel) suas contingecircncias e seu

predicado bioloacutegico Na entificaccedilatildeo do ser social uacuteltimo grau da cadeia do ser a

legalidade natural eacute subalternizada agrave social por mais ruacutestica e restrita que seja a

essecircncia social primitiva e por mais precaacuteria que seja essa subalternizaccedilatildeo de

iniacutecio O processo de afastamento das barreiras naturais eacute assim o curso dessa

subalternizaccedilatildeo que desponta no iniacutecio na ruptura com a legalidade natural e

por mais longo e contraditoacuterio em avanccedilos e recuos que seja esse processo

39

7) de outra parte a loacutegica do predicado bioloacutegico natildeo soluciona natildeo

tem resposta para o complexo problemaacutetico da sociabilidade enquanto que esta

daacute soluccedilatildeo aos imperativos daquela Como diz Marx nos Manuscritos de 44 o

homem contempla a natureza e a si mesmo com um produto social [dos homens

interativos] com pleno direito mesmo que natildeo com elevada consciecircncia ou altos

valores

8) Donde a foacutermula lukaacutecsiana da dupla base eacute falsa pois a plataforma

eacute a sociabilidade enquanto a naturalidade eacute apenas o insuprimiacutevel predicado

bioloacutegico que passa a vigir na forma e sob a regecircncia da sociabilidade Natildeo

perde por isso uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo orgacircnica mas na sua efetividade

muda de caraacuteter No interiro da esfera societaacuteria o predicado bioloacutegico eacute um

outro de si Se originariamente foi o ponto de partida agora eacute produzido e

reproduzido pela legalidade de um ser que o ultrapassa e o domina vive e soacute

pode viver na subjugaccedilatildeo de um novo estatuto Ou seja ao integrar como

predicado o ser de niacutevel mais elevado realiza a sua maacutexima potecircncia e isso eacute

ao mesmo tempo sua desnaturalizaccedilatildeo ou perecimento Impereciacutevel como

predicado natildeo eacute base pois determina soacute por seus limites pelas carecircncias natildeo

pelas determinaccedilotildees resolutivas nem mesmo em suas forccedilas e sentidos pois

enquanto virtualidades estas soacute satildeo humanas e superiores em resoluccedilatildeo

societaacuteria Ademais natildeo eacute nunca um criador de novas necessidades o que

caracteriza a legalidade social

9) A argumentaccedilatildeo acima diz respeito diretamente ao ser social em sua

configuraccedilatildeo bipolar (indiviacuteduo e gecircnero) e desenvolvida em especial no poacutelo da

individualidade tendo por esteio o andamento do gecircnero e ao falar deste se diz

do seu metabolismo com a natureza Esse metabolismo fundamental que eacute em

suma a atividade vital do homem ao gerar produtos sociais

(utilidadesmercadorias) sem que se possa transpor a estes as mesmas

determinaccedilotildees que foram feitas para o ser social desde logo satildeo entes sociais

mas em outro grau da escala do ser social mas tambeacutem tecircm mudada a sua

natureza de naturais a utilidades (e na forma da alienaccedilatildeofetichismo as

40

mercadorias) de sorte que a apropriaccedilatildeo da natureza eacute igualmente sua

desnaturalizaccedilatildeo eacute forccedilaacute-las a deixar de ser o que satildeo em sua peculiaridade

para se tornarem um outro de si sob a regecircncia do estatuto societaacuterio Isso eacute a

manifestaccedilatildeo do poder e da superioridade do grau maacuteximo do ser Nenhum

outro ser realiza qualquer coisa semelhante nem longinquumlamente Repetindo

Kant e Hegel Marx tinha toda razatildeo quando disse que haacute mais grandeza e

misteacuterio na cabeccedila de um becircbado do que no conjunto do universo

10) a Sociabilidade imperfeita substacircncia ainda natildeo realizada enquanto

tal ou seja ainda incapaz de autonomia como complexo estruturado conduz agrave

poliacutetica Natildeo compreendida como substacircncia mas como simples organizaccedilatildeo

potildee o homem no outro poacutelo na dicotomia homemsociedade ou seja na

representaccedilatildeo socioloacutegica ou politoloacutegica o homem eacute um outro

Determinada ou compreendida como substacircncia eacute substacircncia humana

(perfeita e imperfeita com todas as grandezas e miseacuterias produzidas

modificadas suprimidas e repostas no curso histoacuterico) eacute a essecircncia mutante do

ser auto-engendrado e enquanto mutante e por ser mutante distinta tambeacutem

por essa mutabilidade do predicado bioloacutegico atemporalmente necessaacuterio mas

sempre e progressivamente insuficiente do ser social

O tomo IV do primeiro nuacutemero da Revista Ensaios Ad Hominem eacute

composto de seis artigos - aleacutem do texto de abertura de autoria de J Chasin -

que resultaram de siacutenteses ou modificaccedilatildeo de partes ou capiacutetulos de

dissertaccedilotildees defendidas entre os anos de 1998 e 1999 junto ao Programa de

Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia da UFMG

41

O artigo que abre a presente coletacircnea intitulado A Razatildeo como

Tribunal da Criacutetica Marx e A Gazeta Renana de autoria de Celso Eidt versa

sobre a concepccedilatildeo do jovem Marx sobre o papel da imprensa natildeo apenas como

o locus privilegiado para o debate filosoacutefico mas fundamentalmente para os

processos educativos tendo em vista a realizaccedilatildeo plena da liberdade humana Eacute

bom ressaltar que no periacuteodo em que tais artigos satildeo redigidos Marx

compartilha de uma visatildeo antropoloacutegica racional em que a natureza humana eacute

concebida como espiacuterito livre e racional enquanto esteio da proacutepria vida eacutetica

ou seja da praacutetica humana fundada na razatildeo universal

Ana Selva Albinati autora do artigo A Determinaccedilatildeo dos Valores

Morais nos textos de Marx de 1841 a 1847 se debruccedila justamente sobre tal

campo de reflexatildeo Seu trabalho eacute uma tentativa de sistematizaccedilatildeo das

consideraccedilotildees sobre os valores morais nos textos do periacuteodo que se inicia com

sua tese doutoral Diferenccedilas entre as Filosofias da Natureza de Demoacutecrito e

Epicuro prosseguindo ateacute A Miseacuteria da Filosofia Ana Selva procura demonstrar

que esse periacuteodo normalmente referido como sendo o da juventude de Marx eacute

na verdade constituiacutedo de dois momentos de sua elaboraccedilatildeo teoacuterica que tem

como momento de clivagem a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel de meados

de 1843 em que Marx rompe com o referencial teoacuterico do idealismo alematildeo Em

relaccedilatildeo agraves determinaccedilotildees sobre a moral essa ruptura se reflete na inflexatildeo

radical que diferencia a compreensatildeo da moralidade no primeiro e segundo

momentos de tal forma que a moralidade passa a ser compreendida como um

dos modos da consciecircncia socialmente determinada concepccedilatildeo completamente

distinta da primeira fase em que os valores morais eram compreendidos como

expressotildees da liberdade e da racionalidade humanas idealmente concebidas

No artigo A criacutetica da Especulaccedilatildeo nas Glosas de Kreuznach Milney

Chasin analisa o momento inicial e ao mesmo tempo decisivo da ruptura que

se verifica entre Marx e Hegel no plano das determinaccedilotildees do ser Desse modo

a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel inaugura a criacutetica marxiana da

especulaccedilatildeo no seu cerne o de rejeitar o procedimento especulativo

42

caracteriacutestico de se provir tudo da ideacuteia real de tornaacute-la sujeito isto eacute de

capacitar a abstraccedilatildeo ou conceito automovido - a partir das metamorfoses

hegelianas - de pocircr o multiverso sensiacutevel Em outros termos Milney Chasin no

referido artigo evidencia como a criacutetica da especulaccedilatildeo permite a Marx

ultrapassar os horizontes do idealismo alematildeo na direccedilatildeo do devido

reconhecimento da distinccedilatildeo entre ser e pensar de caracterizar a impropriedade

ontoloacutegica da loacutegica hegeliana de apurar os limites gnosioloacutegicos e

incongruecircncias de toda ordem Em suma permite o desvelamento da substacircncia

miacutestica oferecendo a explicitaccedilatildeo do meacutetodo hegeliano - das diabruras do

conceito autoposto - que articula abstraccedilotildees e finitude restando a esta a mera

condiccedilatildeo de apecircndice dissolvido isto eacute momento virtual da realizaccedilatildeo da

idealidade

O quarto artigo desta coletacircnea intitulado A Exteriorizaccedilatildeo da Vida nos

Manuscritos de 44 eacute parte da dissertaccedilatildeo de mestrado As Categorias

Lebensaumlusserung Entaumlusserung Entfremdung e Veraumlusserung nos Manuscritos

Economico-Filosoacuteficos de Karl Marxdefendida por Mocircnica H M da Costa em

que o interesse era acima de tudo averiguar se alienaccedilatildeo (Entaumlusserung) e

estranhamento (Entfremdung) teriam significados distintos A pesquisa acabou

opor apontar no entanto uma outra categoria como eixo desses manuscritos

Lebensaumlusserung traduzida por exteriorizaccedilatildeo da vida De fato o fio condutor

dos Manuscritos eacute a centralidade do trabalho na produccedilatildeo material e espiritual

da vida humana Tomando para anaacutelise criacutetica pela primeira vez os

economistas claacutessicos Marx explicita sua proacutepria compreensatildeo da forma

peculiar de engendramento da existecircncia do homem A criacutetica a Hegel completa

o quadro desta tematizaccedilatildeo que natildeo seraacute abandonada ateacute os uacuteltimos trabalhos

de Marx

Sabina Maura Silva no artigo A Fenomenologia do Egoiacutesmo Stirner e a

Criacutetica Marxiana tem como objetivo fundamental apresentar a concepccedilatildeo de

homem presente na obra O Uacutenico e Sua Propriedade de autoria do filoacutesofo

neohegeliano Max Stirner e expor a criacutetica de Marx a este autor contida em A

43

Ideologia Alematilde A autora mostra que para Stirner o Eu tomado como

individualidade singular eacute o fundamento de sua esfera existencial No entanto

para esse autor tudo tem determinado a existecircncia dos indiviacuteduos natildeo tendo

sido permitido a eles determinaacute-la O objetivo de Stirner eacute pois remeter ao

indiviacuteduo - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel - o que dele foi alienado e erigido

como algo autocircnomo Por seu turno a criacutetica de Marx tem como fim explicitar o

caraacuteter especulativo da anaacutelise stirneana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo

bem como salientar o aspecto pseudorevolucionaacuterio de suas proposituras

Assim segundo Marx Stirner tatildeo somente interpreta diferentemente o

existente isto eacute reconhece o existente mediante outra

interpretaccedilatildeoTransformando as contradiccedilotildees objetivas em contradiccedilotildees

subjetivas Stirner conserva e justifica as condiccedilotildees e estruturas efetivas que

esmagam e impedem a autodeterminaccedilatildeo das individualidades ao reconhecer

as circunstacircncias como determinaccedilotildees dos indiviacuteduos Acolhendo acriacutetica e

especulativamente em suas feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees

estranhadas de um momento histoacuterico particular da individuaccedilatildeo humana

Stirner erige como individualidade um ente que empobrecido e constrangido

pelas condiccedilotildees objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade

social pode somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria

sobre si e sobre o mundo

O uacuteltimo artigo do tomo IV da Revista Ensaios Ad Hominem eacute de

autoria de Antocircnio Joseacute Lopes Alves e leva o tiacutetulo de A Individualidade

Moderna nos Grundrisse Neste texto o autor procura demonstrar que a

moderna sociabilidade do capital eacute compreendida por Marx como forma

instaurada a partir da dissoluccedilatildeo dos liames sociais que uniam em tempos

anteriores os indiviacuteduos agrave comunidade Aleacutem disso destaca o fato apontado por

Marx de que tal processo se constitui numa verdadeira reconversatildeo ontoloacutegica

tanto dos indiviacuteduos quanto das condiccedilotildees da atividade vital ocorrendo uma

radical transformaccedilatildeo na forma de ser de ambos Sinteticamente trata-se de

reconfiguraccedilatildeo ontoloacutegica que determina como entes autocircnomos os indiviacuteduos

44

de um lado e as condiccedilotildees de trabalho de outro vale dizer do divoacutercio entre os

indiviacuteduos ativos e as condiccedilotildees de sua atividade Antocircnio Lopes buscou em

suma alinhar as determinaccedilotildees mais essenciais dos indiviacuteduos e da

sociablidade modernos no que respeita agrave forma mesma das relaccedilotildees sociais da

atividade sensiacutevel bem como da respectiva expressatildeo ideal como por exemplo

a configuraccedilatildeo das categorias da igualdade e liberdade

O leitor encontraraacute nas paacuteginas que se seguem o resultado do esforccedilo

de pesquisa voltado ao resgate da obra marxiana caracterizado pela busca do

rigor na leitura e interpretaccedilatildeo do pensamento de um autor cuja heranccedila

intelectual conheceu um destino traacutegico Natildeo eacute faacutecil portanto voltar-se a ela

sem os preconceitos da moda - como jaacute havia advertido Lukaacutecs Natildeo posso

afirmar com total certeza que um intento dessa natureza tenha sido plenamente

alcanccedilado Todavia eacute faacutecil perceber as diferenccedilas desse tipo de produccedilatildeo teoacuterica

com aquela apresentada tanto pelo marxismo adstringido e suas dissidecircncias

como pelo marxismo vulgar para utilizar as expressotildees cunhadas por Chasin no

intuito de designar as duas variantes de interpretaccedilatildeo da obra marxiana

Faccedilo aqui ao leitor interessado o convite para participar dessa

avaliaccedilatildeo

[1] Professora do Departamento de Filosofia da UFMG coordenadora

do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e Estudos Confluentes

45

[i] J CHASIN Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in

Teixeira FJS Pensando com Marx Editora Ensaio Satildeo Paulo 1995

[ii] K MARX amp F ENGELS A Sagrada Famiacutelia Ed Grijalbo trad

Wenceslao Roces Meacutexico DF 1960 p 120

[iii] Ver a respeito J CHASIN Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo

Metodoloacutegica opcit

[iv] J CHASIN O Futuro Ausente in Ensaios Ad Hominem 1 tomo III

Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem Satildeo Paulo 2000 p 166

[v] Ib p 167

[vi] Id

[vii] E CASSIRER A Filosofia do Iluminismo Editora da Unicamp

Campinas 1992 p 11

[viii] G LUKAacuteCS La Riproduzionein Per lOntologia delle Essere

Sociale Roma Editori Riuniti tomo II 1981 pp 180-81

[ix] N HARTMANN Ontologia Fondo de Cultura Econoacutemica Meacutexico D

F vol 1 1986

[x] K MARX O Capital vol I Ediccedilatildeo Abril Cultural Satildeo Paulo p 149

[xi] Id

[xii] Ib p 150

[xiii] (a respeito dessas categorias ver N HARTMANN Ontologia op cit

vol I p XII

46

47

[xiv] No original alematildeo in der Form des Seins Dietz Verlag 1971 p

195

[xv] Ib p 151

[xvi] Ver a respeito em J CHASIN Marx-Estatuto Ontoloacutegico e

Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica op cit

[xvii] K MARX op Cit p 126

Page 13: :: Verinotio - Revista On-line de Educao e Cincias Humanas · O leitor encontrará, portanto, nessa Apresentação o fruto de trabalho de coleta e organização de materiais utilizados

a ser confirmado ou ampliado ou ao inveacutes restringido na parte ou descartado

no todo posteriormente com todas as suas implicaccedilotildees correlatas

Em suma quando se utiliza a expressatildeo posiccedilatildeo ontoloacutegica e natildeo

perspectiva oacutetica prisma ou ponto de vista pretende-se remeter a lugar e agraves

coisas ou seja o reconhecimento do mundo como multiverso de entes reais

objetivos e que por isso mesmo faceiam o observador praacutetico ou teoacuterico natildeo

dependendo deste para existir em face do qual satildeo independentes Eacute

finalmente o reconhecimento da prioridade das coisas nas relaccedilotildees cognitivas

sem desconhecer eacute claro o caraacuteter ativo do investigador

Quando Chasin procura enfatizar o reconhecimento noccedilatildeo

imediatamente conexa a de posiccedilatildeo ontoloacutegica eacute por que aquela tem a

vantagem de colocar em primeiro lugar o caraacuteter natildeo puramente teoacuterico

contemplativo mas sobretudo praacutetico[viii] da aproximaccedilatildeo ao ente aleacutem da

natureza da operaccedilatildeo mental que designa - constataccedilatildeo ou recogniccedilatildeo vale

dizer a admissatildeo de algo a respeito do qual o discurso se pronuncia como forma

imediata de representaccedilatildeo

Relevar o caraacuteter praacutetico de aproximaccedilatildeo ao ente ou em outras

palavras partir ou dar prioridade agrave praacutetica significa por seu turno partir do

caraacuteter essencial do ser do homem por sua exteriorizaccedilatildeo operativa no mundo

que confirma sua forma de vida ou modo de existecircncia Quer dizer eacute um ponto

de partida desde logo sob criteacuterio ontoloacutegico ou seja que considera a

efetividade ocircntica do homem e do mundo de tal sorte que ambos satildeo

reconhecidos enquanto atividade sensiacutevel Caminho que tem o meacuterito de evitar

as vias reflexas[ix] como tambeacutem os engenhos e supostos dos encantamentos

especulativos como cogito sujeito transcendental ou os arqueacutetipos

generalizando uma expressatildeo marxiana os misticismos loacutegicos que nunca

deixam de mostrar sua condiccedilatildeo de artifiacutecios por mais rigorosos e envolventes

que sejam tanto que podem sempre ser contestados de algum modo ao passo

que os indiviacuteduos vivos e ativos os pressupostos dos quais Marx parte em A

13

Ideologia Alematilde natildeo podem nunca ser recusados a natildeo ser na fantasia e sob

pena de cancelar todo e qualquer andamento reflexivo

Em suma reconhecimento ontopraacutetico significa pois tomar como

ponto de partida a praacutetica - desde a praacutetica cotidiana agrave praacutetica cientiacutefica de ponta

- de um tempo dado

O plano ontopraacutetico jaacute bem delineado no texto de 1995 ganha nos

anos seguintes sucessivas correccedilotildees por parte do autor a ponto de se tornar o

eixo a partir do qual Chasin faz a criacutetica das Teorias da Fundamentaccedilatildeo ou

como ele as denomina ironicamente A Querela da Fundamentaccedilatildeo

A esse respeito costumava ele indagar O que eacute um fundamento Uma

Teoria da Subjetividade ou Uma Teoria da Objetividade

Se o fundamento for considerado a partir de uma teoria da

subjetividade por onde comeccedilar Pelo aparato sensorial como no empirismo

Ou pela consciecircncia ou coisa que o valha como o cogito cartesiano a

autoconsciecircncia a razatildeo ou as formas a priori do entendimento Ou ainda uma

teoria da mente

Ainda no plano do fundamento subjetivo poder-se-ia partir da

experiecircncia da vivecircncia do vivido Neste caso o vivido seria o preacute-teoreacutetico

mas enquanto experiecircncia existencial isto eacute as vivecircncias do indiviacuteduo isolado

em experiecircncia aleatoacuteria fortuita acidental

Mas se o fundamento for uma Teoria da Objetividade por onde

comeccedilar Pelos fenocircmenos empiacutericos Mas nesse caso natildeo terminariacuteamos

apenas no fundamento psicoloacutegico isto eacute teriacuteamos o psicologismo como

fundamento da verdade

14

E se partiacutessemos do todo concreto Natildeo findariacuteamos numa visatildeo

caoacutetica e abstrata de conjuntos indeterminados desamparados na companhia

de um punhado de abstraccedilotildees razoaacuteveis e irrazoaacuteveis

Feitas tais indagaccedilotildees Chasin conclui de modo enfaacutetico Toda peticcedilatildeo

de fundamento todo discurso por um fundamento estaacute encerrado na esfera

teoacuterica Aleacutem do mais todo discurso de fundamentaccedilatildeo pretende e implica uma

certeza ou seja de um modo ou de outro a suposiccedilatildeo de um saber absoluto

ainda que um simples momento do saber absoluto Vale dizer o discurso da

fundamentaccedilatildeo desemboca de algum modo na razatildeo especulativa Em outras

palavras implica algo que transcende a proacutepria natureza do saber que eacute um

processo infinito de aproximaccedilotildees

Para Chasin o reconhecimento do ontopraacutetico tem a vantagem de

escapar agrave querela da fundamentaccedilatildeo na medida em que parte da experiecircncia

real melhor dizendo da praacutetica real natildeo de uma experiecircncia isolada

arbitrariamente natildeo da experiecircncia aleatoacuteria da suposta existecircncia existencial

dos indiviacuteduos isolados dos indiviacuteduos em derreliccedilatildeo

O universo ontopraacutetico eacute o necessariamente vivido para que qualquer

pergunta possa se dar Eacute portanto a esfera preacute-teoreacutetica esfera que antecede

qualquer teoria Esfera sem a qual natildeo haacute vida humana e portanto sem a qual

natildeo pode haver qualquer pergunta teoacuterica

A reflexatildeo que tem como ponto de partida o ontopraacutetico estabelece

assim um pressuposto concreto (e natildeo uma verdade ideada) do qual natildeo posso

me afastar a natildeo ser na imaginaccedilatildeo

Em siacutentese a esfera ontopraacutetica representa o complexos dos homens

vivos e ativos A partir dessa abstraccedilatildeo razoaacutevel - o ontopraacutetico - pode-se

encontrar jaacute numa analiacutetica de desentranhamento desse complexo real o

devido lugar da ontologia da epistemologia e da ciecircncia da histoacuteria que

compreende dois grandes ramos natureza e sociedade

15

Em outras palavras sem a consideraccedilatildeo do ontopraacutetico torna-se

aleatoacuteria a localizaccedilatildeo que se confere tanto ao ontoloacutegico quanto ao epistecircmico

A opccedilatildeo por um deles se torna uma arbitrariedade teoacuterica e eacute justamente isto

que gera a querela da fundamentaccedilatildeo pois a decisatildeo fica submersa ao plano

teoacuterico ao jogo dos argumentos agrave ambivalecircncia do logos que eacute irresolutivo

Sem a consideraccedilatildeo do ontopraacutetico parte-se assim de imediato da

teoria e natildeo do ser que faz da teoria ou deste como uma abstraccedilatildeo da

inteligibilidade ou seja de uma faculdade abstraiacuteda do ser que a possui

gerando com isso um absurdo ontoloacutegico

Eacute portanto a partir da analiacutetica do ontopraacutetico pelo reconhecimento de

seus traccedilos categoriais que tem iniacutecio a elaboraccedilatildeo ontoloacutegica Ou seja a

ontologia nasce como reflexatildeo conscientizaccedilatildeo conceituaccedilatildeo do ontopraacutetico

enquanto primeiro objeto da ontologia que a partir daiacute se encaminha em

direccedilatildeo agrave criacutetica - em termos de sua necessidade e loacutegica especiacutefica - do proacuteprio

ontopraacutetico isto eacute do complexo dos objetos reais aiacute incluiacutedo o homem

Resta ainda em relaccedilatildeo agrave problemaacutetica geral em tela aflorar a questatildeo

da adequatio tal como era tematizada tambeacutem em seus cursos

Polemizando com a denominaccedilatildeo de realismo comumente utilizada

para denominar proposituras que conferem prioridade ao mundo objetual

Chasin afirmava que haacute realismo - antigo - quando eacute suposto que a ordem da

razatildeo agrave idecircntica a ordem do real e que a partir de axiomas por meios racionais-

dedutivos embuiacutedos do espiacuterito de sistema se possa estabelecer a verdade do

mundo

Em Marx entretanto a ordem das coisas e da razatildeo satildeo distintas (um

exemplo expressivo desta postura marxiana pode ser encontrada na famosa

Introduccedilatildeo de 57) ambas mutaacuteveis e processuais - unidade da desidentidade

entre ser e saber Assim o mundo natildeo pode ser deduzido racionalmente mas

reproduzido sob forma de ideacuteia por meio de aproximaccedilotildees - empiacuterico abstrato

16

concreto - num processo intensivo e extensivo historicamente condicionado

possibilitado ou impedido - na dependecircncia que fica da maturaccedilatildeo do objeto e

do posicionamento do sujeito O processo mimeacutetico eacute portanto reproduccedilatildeo

conceitual de efetividades donde se lida com duas ordens de formaccedilotildees real e

ideal A reproduccedilatildeo conceitual apresenta portanto sua proacutepria loacutegica mas no

interior da determinaccedilatildeo soacutecio-histoacuterica do pensamento de modo que uma

teoria do conhecimento (morfologia e dinacircmica da subjetividade in abstratu e

imutaacutevel) eacute incapaz de explicar o processo cognitivo pois a faculdade humana

da forccedila da abstraccedilatildeo depende das possibilidades oferecidas pela

determinaccedilatildeo social do pensamento que por sua vez se manifesta e se

configura pelo desenvolvimento dos objetos e da praacutetica humana que sobre eles

tem incidecircncia

Donde a franca afirmaccedilatildeo marxiana da possibilidade de conhecer natildeo

se confunde com a simplicidade e facilidade da concepccedilatildeo realista nem mesmo

no plano da ingenuidade cotidiana desde logo porque a atividade cotidiana -

que estaacute para aleacutem da ingenuidade ou lanccedila os sujeitos para aleacutem da

ingenuidade - eacute em si um complexo rico e desafiador matrizador inclusive da

intentio recta atitude natural e necessaacuteria da esfera ontopraacutetica

Haacute portanto que distinguir as grandes diferenccedilas ontoloacutegicas entre o

estatuto marxiano e a ontologia realista Na primeira a adequatio digamos

assim eacute correlaccedilatildeo entre formaccedilatildeo real e formaccedilatildeo ideal duas ordens distintas

de configuraccedilatildeo Em outras palavras eacute correlaccedilatildeo conceitual entre entificaccedilatildeo

concreta e reproduccedilatildeo conceitual Em suma a reproduccedilatildeo conceitual nada mais

eacute do que transposiccedilatildeo agrave cabeccedila ordenada pelos nexos do real na forma e pelos

meios da proacutepria atividade mental

I - Tomando Marx por Base e por Ponto de Chegada

17

Considerando como ponto de referecircncia as consideraccedilotildees

desenvolvidas por Marx em O Capital especificamente sobre a dificuldade

encontrada pela humanidade na compreensatildeo do valor ao longo de dois

milecircnios - de Aristoacuteteles a Ricardo - pode-se sustentar segundo Chasin que

um fenocircmeno muito similar a este se produziu no que tange agrave determinaccedilatildeo do

ser ou seja da(s) matriz(es) da(s) realidade(s) ou seja da efetividade

Tomemos as passagens em questatildeo que se encontram no Prefaacutecio agrave

Primeira Ediccedilatildeo de O Capital Todo comeccedilo eacute difiacutecil isso vale para qualquer

ciecircncia A forma do valor cuja figura acabada eacute a forma do dinheiro eacute muito

simples e vazia de conteuacutedo Mesmo assim o espiacuterito humano tem procurado

desvendaacute-la (ergruumlden) em vatildeo haacute mais de 2000 anos enquanto por outro lado

teve ecircxito ao menos aproximado a anaacutelise de formas muito mais complicadas e

replenas de conteuacutedo Por quecirc Porque o corpo desenvolvido eacute mais faacutecil de

estudar do que a ceacutelula do corpo Aleacutem disso na anaacutelise das formas econocircmicas

natildeo podem servir nem o microscoacutepio nem reagentes quiacutemicos A forccedila da

abstraccedilatildeo deve substituir a ambos Para o leigo a anaacutelise parece se perder

em pedantismo Trata-se efetivamente de pedantismo mas daquele de que se

ocupa a anatomia microscoacutepica

De acordo com Chasin eacute necessaacuterio reter os seguintes noacutedulos

significativos da citaccedilatildeo acima

1) todo iniacutecio de uma ciecircncia eacute difiacutecil donde o princiacutepio da ontologia o

princiacutepio da ciecircncia deve ser o mais difiacutecil de todos

2) haacute grande dificuldade na compreensatildeo da forma do valor que eacute um

objeto simples e vazio de conteuacutedo

3) haacute ecircxito maior na anaacutelise de formas mais complicadas e replenas de

conteuacutedo

18

Na mesma citaccedilatildeo Marx enuncia os motivos de tal dificuldade

1) o corpo desenvolvido eacute mais faacutecil de estudar do que a ceacutelula do

corpo

2) meacutetodos experimentais natildeo satildeo aplicaacuteveis a esse tipo de forma

3) a analiacutetica dessa forma pela forccedila da abstraccedilatildeo deve tomar o lugar

da observaccedilatildeo empiacuterica e experimental

4) anaacutelise voltada agrave anatomia microscoacutepica da forma estudada

A partir dessas indicaccedilotildees colhidas no texto de Marx Chasin elabora

um esboccedilo para fins unicamente didaacuteticos em que busca transpassaacute-las para a

proacutepria questatildeo ontoloacutegica afirmando o que se segue

1) o iniacutecio difiacutecil da ontologia perdurou tambeacutem por mais de 2000

anos trajetoacuteria em que se observa tateios imprecisos caracterizados por um

movimento simultacircneo de constituiccedilatildeodissoluccedilatildeo ateacute chegar em Marx Tal

movimento simultacircneo de constituiccedilatildeodissoluccedilatildeo revela por seu rumo

imanentemente contraditoacuterio por seus caminhos e descaminhos histoacutericos a

dificuldade e a longa incapacidade na formulaccedilatildeo precisa de seu objeto e

alcance ou seja de sua natureza e propoacutesito - de sua funccedilatildeo orientadora e

sustentadora no plano teoacuterico e de sua origem praacutetica preacute-teoreacutetica

2) reconhecimento ontopraacutetico das formas dos seres e analiacutetica da

forma do ser apenas por meio da forccedila da abstraccedilatildeo no reconhecimento

ontopraacutetico os seres satildeo reconhecidos como substantivos e nesse caso ateacute

certo ponto vale para a observaccedilatildeo espontacircnea e observaccedilatildeo comum pois o

desvendamento completo exige forccedila de abstraccedilatildeo como verbo ( o ato de ser

de Gilson) soacute a forccedila da abstraccedilatildeo daiacute a facilidade para se cair no

abstrativismo

19

Eacute nesse preciso momento da exposiccedilatildeo chasiniana que surgem as

primeiras referecircncias a Eacute Gilson assim como a N Hartmann momentos mais agrave

frente Evidentemente que esse procedimento natildeo ocorre por acaso pois o que

estaacute em questatildeo agora satildeo as tentativas contemporacircneas de resgate da

tematizaccedilatildeo ontoloacutegica

Eacute Gilson afirma que o mais fundamental dos problemas da filosofia - a

relaccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia que por seu turno diz respeito agrave distinccedilatildeo

de ser como nome isto eacute como substantivo em latim ens (ente) e como verbo

esse Eacute sabido que o esse tomista eacute concebido como ato de ser - actus essendi -

significando portanto existecircncia ato de existir ato de ser

Chasin comenta a ambiguumlidade da noccedilatildeo de ser para qual Gilson

chama atenccedilatildeo afirmando o que se segue

1) Ens eacute um nome que significa um ser (determinado) ou seja a

natureza e a essecircncia de qualquer existente ou entatildeo - o ser mesmo - uma

propriedade comum a tudo aquilo que se pode dizer que eacute (que pertence a)

Em suma enquanto nome ou substantivo ser designa um existente

qualquer ou uma propriedade comum a todos os existentes designa o que

verdadeiramente eacute ou uma propriedade geral eacute um ente ou uma entidade

2) Enquanto verbo ser designa a accedilatildeo ou o ato de ser exercido pelo

ente Assim como verbo natildeo significa que algo eacute nem a existecircncia em geral

mas o ato mesmo pelo qual qualquer realidade dada eacute de fato ou existe

Precisamente a este ato Gilson chama de ser em contraposiccedilatildeo a ente

De todo modo feita a distinccedilatildeo Chasin considera existir um seacuterio

problema ao tomar em separado ens e esse indagando eacute possiacutevel pensar em

duas figuras no isolamento Seraacute que essa configuraccedilatildeo eacute de fato o mais

fundamental dos problemas ou eacute o mais antigo o mais remoto e o mais cultuado

dos equiacutevocos da histoacuteria da filosofia

20

De um lado a compreensatildeo da forma de ser enquanto verbo como

pura significaccedilatildeo verbal de existir de estar presente enquanto significaccedilatildeo de

ato ou presenccedila o verbo eacute forma simples e vazia de conteuacutedo pois reduzida ao

predicado mais geral e comum das coisas denota apenas sua existecircncia De

outro lado ocorre o mesmo problema com o substantivo ser - ens - pois redunda

em essecircncia imutaacutevel Em outras palavras na histoacuteria da filosofia nesses dois

caminhos houve de longa data polecircmica sobre o que existe em que plano se daacute

a existecircncia e assim por diante No caso do ser como verbo o ser eacute muito

parcamente categorial reduzido agrave presenccedila no tempo e no espaccedilo soacute possui o

predicado abstrato da existecircncia no caso do substantivo tomado sem o ato de

existir se converte em complexo de propriedades ou entidades perenes

A resoluccedilatildeo para tal questatildeo reside segundo Chasin em tomar o ser

enquanto complexo categorial daquilo que eacute como ente que existe Nesse

sentido o desvendamento tem ecircxito maior como mostra a ciecircncia que toma

para anaacutelise formas mais complicadas e replenas de conteuacutedo vale dizer uma

vez que tem por alvo o ser por sua efetividade e determinado por suas

qualidades natildeo apenas pelo reconhecimento de sua presenccedila mas pelo seu

complexo categorial

Ora arremata Chasin a forma sensiacutevel do ente compreende o ens e o

esse ou seja a plena riqueza do complexo categorial

- Loacutegica e Ciecircncia

Neste item Chasin defende a tese de que na medida em que

pretendeu e pretenda ser uma disciplina ou ciecircncia de chegada isto eacute

21

conclusiva autocircnoma e sistemaacutetica a ontologia acaba por ser transmutada em

loacutegica ou ciecircncia

Talvez possa ser dito que nas ontologias onde predomine

unilateralmente o ser como verbo ou o ente como essecircncia terminem por ser

uma loacutegica que de alguma forma acaba por ter a pretensatildeo de constituir o ser

a loacutegica eacute entatildeo o segredo uacuteltimo do ser ou sua base cognitiva e por essa via

sua base ontoloacutegica - que assim nega a ontologia ou seja o reconhecimento do

ser por si

De outra parte predominando o ser como substantivo o fim da

ontologia acaba por ser uma forma de ciecircncia ou seja a ontologia eacute novamente

negada como ocorreu com a ciecircncia moderna donde sua pretendida auto-

suficiecircncia que apenas admite por fundamento uma forma qualquer de

gnosiologia isto eacute uma forma a priori da operatividade subjetiva

desaparecendo assim a regecircncia do objeto o que ao contraacuterio caracteriza o

espiacuterito e o propoacutesito ontoloacutegicos ou seja o reconhecimento do ente enquanto

ente o oacuten qua oacuten ou ser por si

Em suma a ontologia quando centrada no ser como verbo rarefeita

pelo vazio de sua forma termina por ser loacutegica por outro lado quando centrada

no ser como substantivo agraves voltas com gecircneros formados por complexos

qualitativos termina por se constituir em ciecircncia particular e autocircnoma Assim

ao pretender ser tudo concludente sistemaacutetica e independente por sua forma

mais vazia ou por suas categorias abstratas e perenes a ontologia acaba por

ser negada pela loacutegica ou pela ciecircncia Pretendendo ser tudo acaba por

desaparecer

Ora ao tomar o ser como verbo a ontologia tem de compreender que

natildeo pode ser mais do que a anatomia de uma propriedade do ser - de sua

propriedade mais geral e vazia - a propriedade de sua presenccedila enquanto corpo

real ausente ou presenccedila de um complexo categorial abstraiacutedo O ser aqui eacute

22

reduzido agrave forma mais vazia a simples propriedade de um todo que escapa

completamente agrave sua jurisdiccedilatildeo Donde seu desenlace em loacutegica

De outra parte quando o ser eacute tomado em sua denotaccedilatildeo substantiva

ou seja na multiplicidade de suas propriedades qualitativas em interconexatildeo

especiacutefica transborda em ciecircncia na medida em que a ontologia pretenda a

condiccedilatildeo de disciplina ou ciecircncia sistemaacutetica

Donde a impossibilidade de a ontologia ficar adstrita agrave forma do verbo

nem se realizar como dilucidaccedilatildeo concreta do substantivo Assim deve-se

reconhecer que a ontologia natildeo pode se realizar em nenhum desses dois poacutelos

nem simples tematizaccedilatildeo do ato geneacuterico da presenccedila - que redundaria em

simples compoacutesito tautoloacutegico nem tematizaccedilatildeo do ser substantivo concreto

pois aiacute se desnaturaria em ciecircncia especiacutefica

Conclusivamente a ontologia nem eacute simples tautologia do ser em ato

nem efetivaccedilatildeo cientiacutefico-concreta do desvendamento do ser como substantivo

Enquanto tal a ontologia eacute uma realizaccedilatildeo necessaacuteria no espaccedilo que antecede

aqueles dois poacutelos em verdade a plataforma que leva da constataccedilatildeo mais

abstrata do ser (tanto como substantivo quanto verbo) agrave sua reproduccedilatildeo

cientiacutefica como substantivo Enquanto tal eacute um estatuto - uma filosofia primeira

o cacircnon da legalidade do ser matrizado pelos traccedilos ou vetores categoriais

fundamentais do ser por si que matriza a cientificidade tanto em sua forma mais

abstrata - loacutegica - quanto em sua forma mais concreta - ciecircncia

O problema fundamental da filosofia primeira - philosophia prima - eacute o

problema das categorias mais gerais do ser aiacute incluso o ato de ser donde em

sua plenitude o ato sensiacutevel de ser - ens e esse o ens essendi complexo

categorial pleno no ato de existir

Essa plataforma estatutaacuteria natildeo eacute uma disciplina situada entre outras

disciplinas entre a loacutegica e a ciecircncia como um campo intermediaacuterio entre o

verbo e o substantivo entre a maacutexima abstratividade e a efetividade concreta

23

Essa distribuiccedilatildeo topograacutefica confere agrave abstraccedilatildeo a condiccedilatildeo de fundaccedilatildeo

(determinaccedilatildeo originaacuteriaontoloacutegica) e fundamento (ponto de partida

epistemoloacutegico) Se assim fosse perderia a condiccedilatildeo de filosofia primeira

Enquanto filosofia primeira eacute o reconhecimento do substantivo verbal

do substantivo que eacute do ens essendi natildeo de uma substantividade qualquer em

abstrato mas da substantividade que existe por todas as modalidades

categoriais isto eacute reais (sensiacuteveis) natildeo apenas um substantivo pensado que

dependeria para ser do pensamento mas do substantivo que eacute por-si

independentemente se ser pensado o que requer o complexo categorial

da sensibilidade por isso eacute que soacute eacute ser o ser sensiacutevel Vale dizer o ser como

verbo eacute resultado do ser substantivo soacute um sujeito (em suas diversas formas na

cadeia do ser) eacute (soacute um sujeito existe eacute faz sente pensa etc de acordo com

seu grau na cadeia do ser)

A ontologia do puro verbo ser ou das puras essecircncias (complexo

categorial abstrativante e eterno) eacute a autonomizaccedilatildeo das categorias ou da

existecircncia em relaccedilatildeo ao ser e existir reais agraves formas reais de ser e existir satildeo

as categorias e a existecircncia sem corpo ou sujeito mais do que isso satildeo as

categorias (essecircncia) e existecircncia em geral universal e abstrata tornadas

sujeito a essecircncia ou a existecircncia abstratas personificadas - e isso satildeo

puramente figuras do pensamento o que jaacute eacute especulaccedilatildeo natildeo ontologia

Marx agrave semelhanccedila de Feuerbach soacute admite como ente ou melhor

como entificaccedilatildeo o ens essendi - o ente sendo o ente no ato de ser o ente

revestido de existecircncia atual - objetivo o ente no exerciacutecio da accedilatildeo ou ato de

ser eacute portanto um ente existente ou seja o ente que estaacute sendo o ente no ato

de existir

Donde do mesmo modo que em Feuerbach o ser eacute inseparaacutevel de sua

existecircncia Ser e existir constituem uma unidade indissoluacutevel complexo

24

categorial no ato de ser pela atualizaccedilatildeo do complexo categorial essecircncia

determinada e mutaacutevel na mutabilidade de ser e ir sendo (essendi)

Eacute chegada a hora depois desta etapa analiacutetica de vislumbrar qual eacute o

cenaacuterio em Marx que esse conjunto de questotildees se coloca Com esse objetivo e

como eacute tiacutepico de seu procedimento investigativo junto aos textos daquele autor

Chasin toma para anaacutelise o item 1 O Processo de Trabalho do capiacutetulo V de O

Capital Nele pode-se identificar em primeiro lugar a natureza geral (universal)

da atualizaccedilatildeo da forccedila de trabalho que se encontra em potecircncia nos indiviacuteduos

A produccedilatildeo de valores de uso ou bens natildeo muda sua natureza geral por se

realizar para o capitalista e sob seu controle Por isso o processo de trabalho

deve ser considerado de iniacutecio independentemente de qualquer forma social

determinada[x]

Por que o processo de trabalho deve ser considerado de iniacutecio

independentemente de qualquer forma social determinada indaga Chasin A

resposta eacute formulada em estilo direto Para natildeo ser perdida a natureza do

trabalho sua positividade enquanto atividade humana vital

Tem-se nessa passagem segundo Chasin um exemplo do exerciacutecio

de uma ontologia estatutaacuteria - a positividade (sua efetividade ou operosidade)

universal do trabalho enquanto atributo vital e inalienaacutevel do homem

independentemente de suas formas concretas que se apresentam na forma do

trabalho alienado

Eacute a determinaccedilatildeo universal do trabalho o traccedilo de sua legalidade

uacuteltima sua determinaccedilatildeo mais geral e essencial dimensatildeo que natildeo desaparece

nem mesmo sob suas formas concretas mais negativas

A ontologia estatutaacuteria registra o traccedilo ou rastro dessa dimensatildeo

permanente que atravessa as formas concretas em sua efetividade contraditoacuteria

e especialmente desfavoraacutevel para o homem enquanto maioria subjugada ao

longo de toda a preacute-histoacuteria da humanidade

25

Permanente mas permanente processual mutaacutevel diversamente

positivo quantitativa e qualitativamente em cada uma das formas concretas em

que o trabalho aparece nas configuraccedilotildees sociais determinadas

Nesse sentido abstratamente permanente abstratamente positivo mas

onde essa abstratividade natildeo corresponde a uma simples determinaccedilatildeo

conceitual Corresponde a uma efetividade em sua figura proacutepria em cada forma

social determinada

Agrave ontologia estatutaacuteria compete o reconhecimento dessa dimensatildeo mais

geral base para a decifraccedilatildeo cientiacutefica concreta dos casos efetivos que por sua

vez confirmam ou natildeo criticamente a determinaccedilatildeo mais geral ontoloacutegica Natildeo

haacute portanto um abismo separando ontologia de ciecircncia mas a continuidade de

momentos distintos de uma mesma unidade de conhecimento que interagem e

se medem reciprocamente se apoacuteiam estimulam e criticam um infinito processo

constitutivo das certezas

Continuando a anaacutelise do texto marxiano tem-se a descriccedilatildeo do

trabalho e o reconhecimento analiacutetico de sua natureza Antes de tudo [aqui

Chasin faz uma pequena observaccedilatildeo assinalando ou seja na raiz em seu

fundamento diria uma linguagem mais convencional e ciosa de suas

pretendidas atribuiccedilotildees] o trabalho eacute um processo entre o homem e a

natureza um processo em que o homem por sua proacutepria accedilatildeo medeia regula

controla seu metabolismo com a natureza Ele mesmo se defronta com a

mateacuteria natural Ele potildee em movimento as forccedilas naturais pertencentes agrave sua

corporalidade braccedilos e pernas cabeccedila e matildeo a fim de se apropriar da mateacuteria

natural numa forma uacutetil para a sua proacutepria vida Ao atuar por meio desse

movimento sobre a natureza externa a ele e ao modificaacute-la ele modifica ao

mesmo tempo sua proacutepria natureza Ele desenvolve as potecircncias nela

adormecidas e sujeita o jogo de suas forccedilas a seu proacuteprio domiacutenio[xi]

26

Observe-se que diz Chasin ao trabalhar ao mudar a forma da

natureza ao construir sua proacutepria mundaneidade o homem ele proacuteprio por

meio de seu proacuteprio trabalho transforma a sua proacutepria natureza Ou seja de ser

natural para social eis um novo exemplo de lineamento reconhecido e recolhido

agrave ontologia estatutaacuteria

Prosseguindo na especificaccedilatildeo Marx afirmaPressupomos o trabalho

numa forma que pertence exclusivamente ao homem Uma aranha executa

operaccedilotildees semelhantes agraves do tecelatildeo e a abelha envergonha mais de um

arquiteto humano com a construccedilatildeo dos favos de suas colmeacuteias Mas o que

distingue de antematildeo o pior arquiteto da melhor abelha eacute que ele construiu o

favo em sua cabeccedila antes de construiacute-lo em cera No fim do processo de

trabalho obteacutem-se um resultado que jaacute no iniacutecio deste existiu na imaginaccedilatildeo do

trabalhador e portanto idealmente Ele natildeo apenas efetua uma transformaccedilatildeo

da forma da mateacuteria natural realiza ao mesmo tempo na mateacuteria natural seu

objetivo que ele sabe que determina como lei a espeacutecie e o modo de sua

atividade e ao qual tem de subordina sua vontade E essa subordinaccedilatildeo natildeo eacute

um ato isolado Aleacutem do esforccedilo dos oacutergatildeos que trabalham eacute exigida a vontade

orientada a um fim que se manifesta como atenccedilatildeo durante todo o tempo de

trabalho e isso tanto mais quanto menos esse trabalho pelo proacuteprio conteuacutedo e

pela espeacutecie modo de sua execuccedilatildeo atrai o trabalhador portanto quanto

menos ele o aproveita como jogo de suas proacuteprias forccedilas fiacutesicas e espirituais[xii]

Chasin chama atenccedilatildeo para as seguintes observaccedilotildees

1) a preacutevia-ideaccedilatildeo do resultado (do fim) a existecircncia ideal do mesmo

na imaginaccedilatildeo donde o objeto ou um complexo categorial in mente e ante

res[xiii]

Preacutevia-ideaccedilatildeo e teleologia satildeo ou podem ser momentos confluentes

mas natildeo satildeo idecircnticos a preacutevia-ideaccedilatildeo estaacute no comeccedilo e eacute um desenho ideal

que implica o conhecimento da espeacutecie e do modo da atividade a realizar

27

conhecimento das malhas causais teleologia eacute simplesmente finalidade fim

objetivo podendo se apresentar de modo meramente volitivo e bem abstrato

natildeo mobilizante dos ou sem os meios de sua realizaccedilatildeo ou seja ter teleologia

sem preacutevia-ideaccedilatildeo natildeo conduz a nenhum processo de trabalho Quero assinar

que o termo teleologia pode ser demasiado vago no sentido de mero conceito

filosoacutefico convencional nesse sentido apenas alusivo e natildeo instrumentador de

operaccedilotildees na esfera da atividade sensiacutevel Pode ser entendido mais como

manifestaccedilatildeo de espiacuterito do que como exigecircncia de efetuaccedilatildeo de mudanccedila de

forma da mateacuteria natural e objetivaccedilatildeo de propoacutesito E de toda forma indica

antes de tudo que o fim o realizado estaacute no fim do processo fala do obtido ou

do a ser obtido nada nos diz da travessia que realiza da travessia que passa do

ideal para o real natildeo nos fala da mobilizaccedilatildeo ideal e material necessaacuterias

Quando a teleologia se manifesta como resultado jaacute natildeo eacute preciso dizer mais

nada a respeito Basta saudar e usufruir de sua apariccedilatildeo que nada tem de

maacutegica ou misteriosa mas antes de reconhececirc-la como produto das

metamorfoses de subjetividade e objetividade Ou seja em suas distintas

naturezas inconfundiacuteveis enquanto tais objetividade e subjetividade satildeo

entificaccedilotildees na mundaneidade humana e nessa qualidade estados ou momentos

do ser social momentos regidos pela atividade ideal e sensiacutevel do mesmo

Penso que Lukaacutecs ao transpor a questatildeo para a linguagem filosoacutefica

tradicional pode ter dissociado demais fins e meios o que natildeo eacute o caso dos

textos de Marx Por isso Lukaacutecs se vecirc obrigado depois a buscar a rearticulaccedilatildeo

entre teleologia e causalidade e nisso encontre natildeo poucas dificuldades (como

uma passa para outra e vice-versa parecendo que lida ao limite com

substacircncias incomunicaacuteveis natildeo as compreendendo em suas metamorfoses) e

deixe que se perca certa substacircncia da questatildeo antes de tudo o interfluxo entre

objetividade e subjetividade com seus distintos momentos preponderantes em

cada um dos passos dos momentos embricados dos processos Creio que as

duas esferas ficam sempre tradicionalmente um tanto estranhas uma em

28

relaccedilatildeo agrave outra seja para preservar a objetividade e aiacute se torna objetivista seja

para ressaltar a subjetividade e aiacute desliza para o subjetivismo

2) No fim do processo tem-se seu resultado que eacute a transformaccedilatildeo da

forma de uma dada mateacuteria natural e a realizaccedilatildeo do objetivo do trabalho que

existiu antes como preconfiguraccedilatildeo ideal Portanto o trabalho transforma

imagem ideal em ente real complexo categorial in rebus

Em suma no pensamento de Marx as categorias ou complexos

categoriais satildeo reconhecidos sob as trecircs formas in mente (existem idealmente

na imaginaccedilatildeo ou como reproduccedilatildeo mental das coisas categorias da

representaccedilatildeo) ante res (preacutevia-ideaccedilatildeo) e in rebus como efetividades quando

estatildeo na forma de ser Como confirmaccedilatildeo tome-se mais esta passagem do

mesmo capiacutetulo No processo de trabalho a atividade do homem efetua

portanto mediante o meio de trabalho uma transformaccedilatildeo do objeto de

trabalho pretendida desde o princiacutepio O processo extingue-se no produto Seu

produto eacute um valor de uso uma mateacuteria natural adaptada agraves necessidades

humanas mediante transformaccedilatildeo da forma O trabalho se uniu com seu objeto

O trabalho estaacute objetivado e o objeto trabalhado O que do lado do trabalhador

aparecia na forma de mobilidade aparece agora como propriedade imoacutevel na

forma do ser[xiv] do lado do produto Ele fiou e o produto eacute um fio[xv]

Como arremate analiacutetico dessa famosa mas muitas vezes mal

compreendida passagem de O Capital Chasin conclui ao mesmo tempo em que

visualiza uma nova tarefa Se assim eacute se as categorias podem aparecer nas

trecircs formas - in rebus - in mente - ante res - haacute entatildeo que determinar o que satildeo

cada uma dessas formas

Esquematicamente Chasin propotildee o seguinte

1) se estatildeo in rebus (nas coisas) estatildeo na forma do ser

29

2) se estatildeo in mente (na cabeccedila) estatildeo na forma da reproduccedilatildeo ideal

das coisas Trata-se da subjetividade receptora[xvi] que reproduz as coisas natildeo

captando apenas seus dados empiacutericos superando pois o empirismo e elabora

portanto a reproduccedilatildeo ideal dos entes e onde a subsunccedilatildeo aos objetos eacute a

atividade de sua elaboraccedilatildeo ideal

3) se estatildeo ante res (antes das coisas) estatildeo na forma da finalidade da

preacutevia mentalizaccedilatildeo de objetivos e meios

Poreacutem no segundo e terceiro casos as categorias estatildeo na forma de

espeacutecies de pensamento representaccedilotildees e projeccedilotildees do ser do vir-a-ser dos

meios materiais instrumentais processuais e dinacircmicos de entificaccedilatildeo dos

seres

Concluindo essa parte dizer pois que o homem e o mundo satildeo

atividade sensiacutevel que por criar seu mundo cria a si mesmo eacute determinar o

homem como a criatura criadora de seres

No entanto na medida em que apenas na configuraccedilatildeo histoacuterica regida

pela loacutegica do capital ou seja na plenitude da produccedilatildeo da riqueza entendida

por sua essecircncia subjetiva que eacute o trabalho que se atinou para determinaccedilatildeo

do homem como a criatura criadora de seres foi possiacutevel agrave reflexatildeo pode se

dar conta potencialmente da verdadeira problemaacutetica do ser

Em outras palavras eacute pela criacutetica ao criador de criaturas na forma da

alienaccedilatildeo - criacutetica marxiana agrave sociedade capitalista - eacute que a ontologia pode

atinar com seu verdadeiro objeto e modo de determinaccedilatildeo Natildeo eacute casual que

tenha emergido pela criacutetica feuerbachiana ao sistema hegeliano (a criaccedilatildeo

especulada dos entes) e ganho seus contornos efetivos no advento de uma

nova forma de pensamento e concepccedilatildeo de praacutetica - a doutrina de Marx

Resumindo no caso de Marx ontologia eacute estatuto ou filosofia primeira

do ser social que enquanto tal norteia a concreccedilatildeo cientiacutefica do mesmo cuja

30

realizaccedilatildeo corrige e enriquece o proacuteprio estatuto donde a sinergia e a reciacuteproca

dimensatildeo criacutetica entre estatuto ontoloacutegico e ciecircncia da histoacuteria em seus diversos

departamentos possiacuteveis estabelecidos jaacute por criteacuterio ontoloacutegico ou seja que

respeita a integridade das coisas em suas qualidades e processos interconexos

que as constituem em seu ser por si e enquanto tais satildeo reproduzidas

teoricamente

Enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma da legalidade objetiva (material

e espiritual) do ser social ou seja enquanto malha de asserccedilotildees ou

determinaccedilotildees de seu complexo categorial enquanto o permanente na forma de

processo a ontologia estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a

sociabilidade como substacircncia desse grau maacuteximo da cadeia do ser

Mas substacircncia como complexo categorial como siacutentese de categorias

essenciais que denota uma forma especiacutefica determinada de presenccedila ou

existecircncia plenamente qualificada

Por isso eacute estatuto ontoloacutegico pois a plataforma canocircnica do ser eacute o

coacutedigo do substantivo verbal como substacircncia substrato) assim o estatuto

ontoloacutegico do complexo substantivo do ser social deve reconhecer a

sociabilidade como substacircncia A sociabilidade como substrato dos homens

seja na forma da alienaccedilatildeo seja na forma de sua latecircncia de substancialidade

em vir-a-ser no caminho infinito de sua realizaccedilatildeo

Trata-se portanto em Marx de estatuto e natildeo sistema pois como

sistema seria um agregado de abstraccedilotildees uma filosofia que uma vez obtidas

noccedilotildees fundamentais passa a se edificar por si ou seja as noccedilotildees seriam

coaacutegulos inteligiacuteveis que passam por auto-sustentaccedilatildeo a configurar

dedutivamente o mundo Ao passo que estatuto eacute uma ordem a legalidade do

ser sensiacutevel - o ser na plenitude de seus atributos

tempo (histoacuteriaprocessoduraccedilatildeomutabilidade) lugar e sensibilidade

especificamente a legalidade do ser social imanente a si em sua especiacutefica

31

objetividade O ser sensiacutevel eacute a forma do ser porque eacute a plenitude das

categorias possiacuteveis

E as formaccedilotildees ideais

Segundo Chasin as formaccedilotildees ideais do mesmo modo que as

formaccedilotildees reais - formas do ser - tecircm lugar e tempo como categorias - o tempo

e o espaccedilo das formaccedilotildees sociais que satildeo engendradas mas estatildeo privadas de

sensibilidade

O sensiacutevel soacute eacute predicaccedilatildeo inerecircncia agrave forma do ser que conteacutem a

plenitude dos predicados possiacuteveis (sensibilidade espaccedilo tempo)

Essa forma de conceber o ser eacute reconhecer substancialidade ao

complexu agrave unidade totalizada ou seja ao conjunto pleno de atributos em ato

Em outras palavras ser eacute complexo categorial - tem a forma de ser -

completude ou forma conferida pelo sensiacutevel que se desdobra em muacuteltiplos

atributos e se condensa de infinitas maneiras no gradiente do ser

Em suma segundo Chasin tomando Marx como base e ponto de

referecircncia permanentes ser eacute plenitude categorial ou seja a plenitude

categorial eacute sua forma e por ser sensiacutevel compreende lugar e tempo

Donde se admitido o princiacutepio metoacutedico de Marx saber eacute saber do ser

que antes de tudo eacute um complexo sensiacutevel - tudo que eacute existe eacute sempre um

complexo natildeo uma substacircncia ou essecircncia pura e cristalina E a cadeia do ser eacute

o conjunto de graus do ser - do menos ao mais complexo

O preceito metodoloacutegico marxiano eacute pois ontoloacutegico sabe-se o que eacute

como se formou se desenvolveu e como depereceraacute

Por via de consequumlecircncia e diante das vicissitudes da histoacuteria da

ontologia de seu processo constitutivo e dissolutor diante da penosa rota da

32

conquista teoacuterica do real homoacuteloga ou equivalente agrave necessidade humana de

produzir a sua mundaneidade e a si mesmo a ontologia eacute o que pode ser - o

que natildeo eacute pouco - a esfera teoacuterica da incerteza propulsora positiva

afirmativamente organizada O patamar do incerto ordenado como plataforma da

busca infinita da certeza Impulsatildeo incontornaacutevel que natildeo pode ser eludida pela

presenccedila imperativa dos circuitos ontopraacuteticos

Talvez agora o estatuto ontoloacutegico marxiano possa ser enunciado do

seguinte modo eacute o estudo das categorias fundamentais - em traccedilos essenciais

abstratos em suas determinaccedilotildees mais gerais - da existecircncia social

historicamente constatada e reconhecida sendo possiacutevel exemplificar com as

seguintes categorias historicidade (processualidade ou mutabilidade)

concreticidade ou objetividade atividade sensiacutevel e ideal (trabalho e

reproduccedilatildeo) subjetividade (receptiva e proponente) valor individualidade

gecircnero (sociabilidade) Tudo isso perfilando o complexo de complexos da auto

realizaccedilatildeo do ser humano-societaacuterio entendido que o fim dos fins eacute a infinitude

da realizaccedilatildeo do humano - do autopor-se do aberto ser humano-societaacuterio

Estatuto que em outros termos eacute a ordem do reconhecimento ou

reproduccedilatildeo teoacuterica da identidade natureza e constituiccedilatildeo das coisas por si por

seus complexos categoriais decisivos independentemente em qualquer plano

de se tornarem objetos de praacutetica ou reflexatildeo

Enquanto tal eacute a teoria do reconhecimento da objetividade histoacuterico-

social imanente em suas distintas formas de apresentaccedilatildeo (natureza e

sociedade) Em termos muito breves eacute o momento mais abstrato do

reconhecimento da identidade das coisas por si enquanto tal um dos momentos

distintos da unidade do saber do qual participa um segundo sob forma

concreta que eacute a ciecircncia

Pela proacutepria natureza histoacuterica processual do ser a ontologia marxiana

natildeo corresponde nem poderia corresponder por simples imperativo de

33

coerecircncia agrave forma de um saber universal plantado sobre uma racionalidade

auto-sustentada ou seja fundado na razatildeo universal nada mais a versatildeo laica

ou profana de Deus no dizer de Feuerbach Ou seja trata-se enfim de uma

forma de ontologia sem parentesco com o saber absoluto e que recusa qualquer

tipo de fundamento especulativo pois absolutizaccedilatildeo de uma teoria da

fundamentaccedilatildeo eacute simplesmente a firmaccedilatildeo especulativa da razatildeo autocircnoma ou

de um princiacutepio de inteligibilidade situado para aleacutem das coisas que garante a

presenccedila e o conhecimento do sagrado e a vitoacuteria antecipada do idealismo Natildeo

correspondendo agrave qualquer forma de saber universal a ontologia marxiana

sustenta a possibilidade efetiva como jaacute vimos de um saber real

Por sua praacutetica teoacuterica e por um conjunto de lineamentos expliacutecitos

Marx deixou o legado de um especiacutefico estatuto ontoloacutegico natildeo um ontologia de

talhe convencional ou tradicional e natildeo apenas por que careceu de tempo

necessaacuterio para a realizaccedilatildeo de uma obra desse tipo mas fundamentalmente

pela distinccedilatildeo de natureza de seu estatuto ontoloacutegico radicalmente oposto ao

tratamento especulativo da mateacuteria

Esse estatuto eacute constituiacutedo a partir do universo praacutetico onticamente

referido ou seja eacute um estatuto ocircntico-ontoloacutegico pois evolve da efetividade

histoacuterica das coisas de suas relaccedilotildees e processos para sua reproduccedilatildeo

conceitual no plano de uma trama categorial em sua expressatildeo mais abstrata

Reconhecimento e Determinaccedilatildeo da Sociabilidade como Substacircncia

Vimos que segundo Chasin enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma

da legalidade do ser social em sua materialidade e espiritualidade[pode-se dizer

tambeacutem em sua objetividade sensiacutevel e supra-sensiacutevel] ou seja enquanto

malha de asserccedilotildees ou determinaccedilotildees de seu complexo categorial a ontologia

34

estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a sociabilidade como substacircncia desse

grau maacuteximo do ser

Embora Chasin natildeo tenha desenvolvido plenamente a questatildeo da

objetividade supra-sensiacutevel como tambeacutem a da sociabilidade como substacircncia

julgo conveniente transcrever tambeacutem algumas notas e comentaacuterios feitos em

sala de aula dada a importacircncia do tema

Em relaccedilatildeo agrave noccedilatildeo de substacircncia Chasin retoma sua noccedilatildeo mais geral

e tradicional Ou seja deixando de fora qualquer conotaccedilatildeo relativa a formas de

idealidade o que existe por si eacute um auto-engendrado a uacuteltima instacircncia de um

dado gecircnero de entificaccedilatildeo enquanto tal na medida em que eacute uma efetividade

eacute um complexo que a noccedilatildeo de substacircncia refere no mais alto grau de

abstraccedilatildeo Vale pois como abstraccedilatildeo razoaacutevel tal como todo conceito

marxiano nesse niacutevel de generalizaccedilatildeo a partir do qual pela via dos processos

de concreccedilatildeo satildeo determinaacuteveis as formas concretas de substacircncia

correspondentes agraves formaccedilotildees sociais reais

Dessa forma a substacircncia eacute um complexo histoacuterico natildeo uma

idealidade natildeo um construto da razatildeo auto-sustentada mas o resumo de uma

extraccedilatildeo justificada

Naturalidade e Sociabilidade

Sempre que se potildee a questatildeo da naturalidade e da sociabilidade essa

uacuteltima tende a ser examinada in statu nascendi ou de um estado original

imaginaacuterio natildeo se parte portanto de fatos pois os desconhecemos se eacute que

35

tenham existido mas de um mito E do mito se quer saltar para o quadro de uma

realidade complexa

Mas acompanhando Marx lembremos das pobres robinsonadas do

seacuteculo XVIII referidas logo agraves primeiras linhas da Introduccedilatildeo de 57 a) O

caccedilador e o pescador individuais e isolados de que partem Smith e Ricardo b)

o contrat social de Rousseau que relaciona e liga sujeitos independentes por

natureza por meio de um contrato Essas robinsonadas natildeo repousam sobre

(o) naturalismo E a argumentaccedilatildeo prossegue Trata-se ao contraacuterio de uma

antecipaccedilatildeo da sociedade (buumlrgelichen Gesellschaft) que se preparava desde

o seacuteculo XVI e no seacuteculo XVIII deu larguiacutessimos passos em direccedilatildeo agrave sua

maturidade Nesta sociedade da livre concorrecircncia o indiviacuteduo aparece

desprendido dos laccedilos naturais que em eacutepocas histoacutericas remotas fizeram dele

um acessoacuterio de um conglomerado humano limitado e determinado Os profetas

do seacuteculo XVIII sobre cujos ombros se apoacuteiam inteiramente Smith e Ricardo

imaginam o indiviacuteduo do seacuteculo XVIII como um ideal que teria existido no

passado Vecircem-no natildeo como um resultado histoacuterico mas como ponto de partida

da Histoacuteria porque o consideram como um indiviacuteduo conforme agrave natureza -

dentro da representaccedilatildeo que tinham da natureza humana - que natildeo se originou

historicamente mas foi posto como tal pela natureza[xvii]

Segundo Chasin tomando Marx novamente como ponto de referecircncia

os equiacutevocos que aparecem ao se tratar a relaccedilatildeo naturalidade sociabilidade

satildeo os seguintes

1) procurar deduzir em graus diferentes em cada caso o ser social do

natural esquecendo que se trata da emergecircncia do novo de uma configuraccedilatildeo

ontoloacutegica nova e que o novo nunca eacute um simples desdobramento do estaacutegio

anterior no caso - do grau de ser antecedente ou seja que entre os dois niacuteveis

ocorre o que se chama de salto um intervalo em que a potecircncia causal do

antecedente natildeo conteacutem a capacidade a potecircncia ou a potencialidade para

gerar o novo Um intervalo que fica assim indeterminado

36

2) o procedimento acima abre para a mera especulaccedilatildeo pois tende a

deduzir a indeterminaccedilatildeo a querer estabelecer nexos onde eles inexistem

tende a preencher o que de fato eacute um vazio A rigor natildeo se trata de um natildeo-

sabido mas da ausecircncia factual de um objeto ou processo em outros termos

se trata de um vazio ontoloacutegico de uma ausecircncia de nexos ontoloacutegicos

O correto segundo o modus operandi marxiano natildeo eacute partir da semente

ou do embriatildeo mas do complexo real maturado uma vez que

especialiacutessimamente na esfera social a loacutegica do gerado eacute diversa da loacutegica de

sua gecircnese aleacutem de que nesse acircmbito as entificaccedilotildees configuradas apagam a

rota e a loacutegica de sua formaccedilatildeo

Desse modo partindo do jaacute configurado e considerando que se trata de

uma configuraccedilatildeo infinita que compreende mutaccedilotildees qualitativas muito

importantes e natildeo esquecendo que permanecemos no estaacutegio preacute-histoacuterico (em

momento especialmente desequilibrado e contraditoacuterio) podemos e devemos

reconhecer por meio de algumas abstraccedilotildees razoaacuteveis o seguinte

1) A formaccedilatildeo do ser social eacute um processo da animalidade agrave

hominidade o andamento da naturalidade agrave sociabilidade o caminho infinito da

naturalidade dada agrave sociabilidade natildeo-dada em produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

perenes

2)Trata-se pois de uma entificaccedilatildeo processual entre dois niacuteveis ou

poacutelos da escala do ser sendo processo eacute intrinsecamente uma contradiccedilatildeo e soacute

enquanto tal se move eliminada a contradiccedilatildeo cessaria a possibilidade do

processo Com isso eacute dito algo muito importante pois ao reconhecer a

contraditoriedade entre naturalidade e sociabilidade natildeo eacute mais possiacutevel pensar

as mesmas a propoacutesito do ser social como um simples conjugado de fatores

mas obrigatoriamente como uma conjugaccedilatildeo contraditoacuteria de legalidades Isso

vai na esteira do que eacute compreendido desde Hegel - que o ser eacute uma unidade

contraditoacuteria - todavia com o acreacutescimo do problema da dupla legalidade De

37

que modo ou feiccedilatildeo chega cada uma delas agrave unidade contraditoacuteria do ser Pois

haacute que pensar na unidade ou siacutentese a natildeo ser que se queira desenhar o ser

social como uma aberraccedilatildeo hiacutebrida pode ser esta a fisionomia do grau mais

elevado do gradiente dos seres Assim tomada na devida consideraccedilatildeo essa

determinaccedilatildeo ontoloacutegica sem a qual a reflexatildeo perde o rumo trata-se de

compreender a dinacircmica especiacutefica dessa contradiccedilatildeo peculiar Vejamos

3) Em primeiro lugar esse processo contraditoacuterio gera novas

contradiccedilotildees agora dominantemente contradiccedilotildees da sociabilidade em

formaccedilatildeo de sorte que se trata de um processo cumulativo de

contraditoriedades no qual as novas contradiccedilotildees progressivamente vatildeo

tomando o lugar predominante e decisivo vale dizer a contradiccedilatildeo originaacuteria

cada vez mais coabita com contradiccedilotildees de outro gecircnero diante das quais sua

presenccedila vai mudando de forccedila e configuraccedilatildeo natildeo desaparece mas sua

qualidade vai mudando na proporccedilatildeo mesmo do desenvolvimento da

apropriaccedilatildeo societaacuteria da natureza cada vez mais puramente social - eacute no que

consiste de acordo com as palavras de Marx o progressivo afastamento das

barreiras naturais

4) Ou seja a matriz e a medida do afastamento eacute a forma cada vez

mais social de produzir e reproduzir as bases materiais da vida pela qual eacute

gerado o novo ser em direccedilatildeo agrave sua potecircncia ampliada de se auto-por de ir em

direccedilatildeo a si mesmo um si mesmo que natildeo eacute dado mas gerado na progressatildeo

da auto-posiccedilatildeo do auto-assentamento ou da auto-enformaccedilatildeo que inclui a

proacutepria daccedilatildeo de forma e resoluccedilatildeo ao predicado natural ou bioloacutegico daccedilatildeo de

forma que em suma eacute daccedilatildeo de forma social ao predicado natural

5) Essa possibilidade de daccedilatildeo de forma eacute afirmaccedilatildeo e realizaccedilatildeo da

essecircncia social que eacute o conjunto de relaccedilotildees sociais configuradas em cada

momento pelo modo de produzir da base material modo por sua vez que eacute

determinado pelo desenvolvimento das forccedilas produtivas entre as quais figura o

proacuteprio modo de organizaccedilatildeo do conjunto das relaccedilotildees sociais

38

6) Daccedilatildeo de forma eacute alteraccedilatildeo do lugar resolutivo e todo ente que muda

de lugar muda de natureza sem alterar uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo material

Vale dizer que a contradiccedilatildeo originaacuteria entre naturalidade e sociabilidade eacute

resolvida por uma nova contradiccedilatildeo - a da naturalidade que soacute se realiza na

forma e por meios sociais - no afastamento que eacute superaccedilatildeo da naturalidade

(processo histoacuterico) a legalidade natural eacute submetida agrave legalidade social

(diferentemente em cada modo de produccedilatildeo e de acordo com o

desenvolvimento das forccedilas produtivas) o fator natural natildeo eacute suprimido

suprimida eacute sua capacidade de autodeterminaccedilatildeo resta portanto

simplesmente o que natildeo eacute pouco como um predicado do ser humano um

predicado insuprimiacutevel mas apenas como predicado bioloacutegico de um ser de

outra natureza e essecircncia A naturalidade eacute retida como predicado

imprescindiacutevel mas natildeo como essecircncia Donde natildeo satildeo mais duas legalidades

ontoloacutegicas que coexistem mas a legalidade superior mais complexa subsume

a legalidade natural que natildeo mais se autodetermina mas eacute resolvida pela e do

interior da outra Assim o predicado natural do homem recebe forma e

resoluccedilatildeo sociais ou seja o predicado natural eacute subsumido agrave legalidade social

Natildeo resta mais o choque de duas legalidades contrapostas na

contradiccedilatildeo originaacuteria A legalidade natural vai sucumbindo na ruptura e

progressivamente agrave legalidade social em sua efetividade no ser social a

legalidade natural natildeo mais atua por si eacute dependente do social natildeo eacute mais a

legalidade de um ser pois natildeo haacute mais aiacute um ser natural mas um atributo

natural dependente da essecircncia social O homem eacute um ser social que

compreende sua essecircncia especiacutefica (variaacutevel) suas contingecircncias e seu

predicado bioloacutegico Na entificaccedilatildeo do ser social uacuteltimo grau da cadeia do ser a

legalidade natural eacute subalternizada agrave social por mais ruacutestica e restrita que seja a

essecircncia social primitiva e por mais precaacuteria que seja essa subalternizaccedilatildeo de

iniacutecio O processo de afastamento das barreiras naturais eacute assim o curso dessa

subalternizaccedilatildeo que desponta no iniacutecio na ruptura com a legalidade natural e

por mais longo e contraditoacuterio em avanccedilos e recuos que seja esse processo

39

7) de outra parte a loacutegica do predicado bioloacutegico natildeo soluciona natildeo

tem resposta para o complexo problemaacutetico da sociabilidade enquanto que esta

daacute soluccedilatildeo aos imperativos daquela Como diz Marx nos Manuscritos de 44 o

homem contempla a natureza e a si mesmo com um produto social [dos homens

interativos] com pleno direito mesmo que natildeo com elevada consciecircncia ou altos

valores

8) Donde a foacutermula lukaacutecsiana da dupla base eacute falsa pois a plataforma

eacute a sociabilidade enquanto a naturalidade eacute apenas o insuprimiacutevel predicado

bioloacutegico que passa a vigir na forma e sob a regecircncia da sociabilidade Natildeo

perde por isso uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo orgacircnica mas na sua efetividade

muda de caraacuteter No interiro da esfera societaacuteria o predicado bioloacutegico eacute um

outro de si Se originariamente foi o ponto de partida agora eacute produzido e

reproduzido pela legalidade de um ser que o ultrapassa e o domina vive e soacute

pode viver na subjugaccedilatildeo de um novo estatuto Ou seja ao integrar como

predicado o ser de niacutevel mais elevado realiza a sua maacutexima potecircncia e isso eacute

ao mesmo tempo sua desnaturalizaccedilatildeo ou perecimento Impereciacutevel como

predicado natildeo eacute base pois determina soacute por seus limites pelas carecircncias natildeo

pelas determinaccedilotildees resolutivas nem mesmo em suas forccedilas e sentidos pois

enquanto virtualidades estas soacute satildeo humanas e superiores em resoluccedilatildeo

societaacuteria Ademais natildeo eacute nunca um criador de novas necessidades o que

caracteriza a legalidade social

9) A argumentaccedilatildeo acima diz respeito diretamente ao ser social em sua

configuraccedilatildeo bipolar (indiviacuteduo e gecircnero) e desenvolvida em especial no poacutelo da

individualidade tendo por esteio o andamento do gecircnero e ao falar deste se diz

do seu metabolismo com a natureza Esse metabolismo fundamental que eacute em

suma a atividade vital do homem ao gerar produtos sociais

(utilidadesmercadorias) sem que se possa transpor a estes as mesmas

determinaccedilotildees que foram feitas para o ser social desde logo satildeo entes sociais

mas em outro grau da escala do ser social mas tambeacutem tecircm mudada a sua

natureza de naturais a utilidades (e na forma da alienaccedilatildeofetichismo as

40

mercadorias) de sorte que a apropriaccedilatildeo da natureza eacute igualmente sua

desnaturalizaccedilatildeo eacute forccedilaacute-las a deixar de ser o que satildeo em sua peculiaridade

para se tornarem um outro de si sob a regecircncia do estatuto societaacuterio Isso eacute a

manifestaccedilatildeo do poder e da superioridade do grau maacuteximo do ser Nenhum

outro ser realiza qualquer coisa semelhante nem longinquumlamente Repetindo

Kant e Hegel Marx tinha toda razatildeo quando disse que haacute mais grandeza e

misteacuterio na cabeccedila de um becircbado do que no conjunto do universo

10) a Sociabilidade imperfeita substacircncia ainda natildeo realizada enquanto

tal ou seja ainda incapaz de autonomia como complexo estruturado conduz agrave

poliacutetica Natildeo compreendida como substacircncia mas como simples organizaccedilatildeo

potildee o homem no outro poacutelo na dicotomia homemsociedade ou seja na

representaccedilatildeo socioloacutegica ou politoloacutegica o homem eacute um outro

Determinada ou compreendida como substacircncia eacute substacircncia humana

(perfeita e imperfeita com todas as grandezas e miseacuterias produzidas

modificadas suprimidas e repostas no curso histoacuterico) eacute a essecircncia mutante do

ser auto-engendrado e enquanto mutante e por ser mutante distinta tambeacutem

por essa mutabilidade do predicado bioloacutegico atemporalmente necessaacuterio mas

sempre e progressivamente insuficiente do ser social

O tomo IV do primeiro nuacutemero da Revista Ensaios Ad Hominem eacute

composto de seis artigos - aleacutem do texto de abertura de autoria de J Chasin -

que resultaram de siacutenteses ou modificaccedilatildeo de partes ou capiacutetulos de

dissertaccedilotildees defendidas entre os anos de 1998 e 1999 junto ao Programa de

Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia da UFMG

41

O artigo que abre a presente coletacircnea intitulado A Razatildeo como

Tribunal da Criacutetica Marx e A Gazeta Renana de autoria de Celso Eidt versa

sobre a concepccedilatildeo do jovem Marx sobre o papel da imprensa natildeo apenas como

o locus privilegiado para o debate filosoacutefico mas fundamentalmente para os

processos educativos tendo em vista a realizaccedilatildeo plena da liberdade humana Eacute

bom ressaltar que no periacuteodo em que tais artigos satildeo redigidos Marx

compartilha de uma visatildeo antropoloacutegica racional em que a natureza humana eacute

concebida como espiacuterito livre e racional enquanto esteio da proacutepria vida eacutetica

ou seja da praacutetica humana fundada na razatildeo universal

Ana Selva Albinati autora do artigo A Determinaccedilatildeo dos Valores

Morais nos textos de Marx de 1841 a 1847 se debruccedila justamente sobre tal

campo de reflexatildeo Seu trabalho eacute uma tentativa de sistematizaccedilatildeo das

consideraccedilotildees sobre os valores morais nos textos do periacuteodo que se inicia com

sua tese doutoral Diferenccedilas entre as Filosofias da Natureza de Demoacutecrito e

Epicuro prosseguindo ateacute A Miseacuteria da Filosofia Ana Selva procura demonstrar

que esse periacuteodo normalmente referido como sendo o da juventude de Marx eacute

na verdade constituiacutedo de dois momentos de sua elaboraccedilatildeo teoacuterica que tem

como momento de clivagem a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel de meados

de 1843 em que Marx rompe com o referencial teoacuterico do idealismo alematildeo Em

relaccedilatildeo agraves determinaccedilotildees sobre a moral essa ruptura se reflete na inflexatildeo

radical que diferencia a compreensatildeo da moralidade no primeiro e segundo

momentos de tal forma que a moralidade passa a ser compreendida como um

dos modos da consciecircncia socialmente determinada concepccedilatildeo completamente

distinta da primeira fase em que os valores morais eram compreendidos como

expressotildees da liberdade e da racionalidade humanas idealmente concebidas

No artigo A criacutetica da Especulaccedilatildeo nas Glosas de Kreuznach Milney

Chasin analisa o momento inicial e ao mesmo tempo decisivo da ruptura que

se verifica entre Marx e Hegel no plano das determinaccedilotildees do ser Desse modo

a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel inaugura a criacutetica marxiana da

especulaccedilatildeo no seu cerne o de rejeitar o procedimento especulativo

42

caracteriacutestico de se provir tudo da ideacuteia real de tornaacute-la sujeito isto eacute de

capacitar a abstraccedilatildeo ou conceito automovido - a partir das metamorfoses

hegelianas - de pocircr o multiverso sensiacutevel Em outros termos Milney Chasin no

referido artigo evidencia como a criacutetica da especulaccedilatildeo permite a Marx

ultrapassar os horizontes do idealismo alematildeo na direccedilatildeo do devido

reconhecimento da distinccedilatildeo entre ser e pensar de caracterizar a impropriedade

ontoloacutegica da loacutegica hegeliana de apurar os limites gnosioloacutegicos e

incongruecircncias de toda ordem Em suma permite o desvelamento da substacircncia

miacutestica oferecendo a explicitaccedilatildeo do meacutetodo hegeliano - das diabruras do

conceito autoposto - que articula abstraccedilotildees e finitude restando a esta a mera

condiccedilatildeo de apecircndice dissolvido isto eacute momento virtual da realizaccedilatildeo da

idealidade

O quarto artigo desta coletacircnea intitulado A Exteriorizaccedilatildeo da Vida nos

Manuscritos de 44 eacute parte da dissertaccedilatildeo de mestrado As Categorias

Lebensaumlusserung Entaumlusserung Entfremdung e Veraumlusserung nos Manuscritos

Economico-Filosoacuteficos de Karl Marxdefendida por Mocircnica H M da Costa em

que o interesse era acima de tudo averiguar se alienaccedilatildeo (Entaumlusserung) e

estranhamento (Entfremdung) teriam significados distintos A pesquisa acabou

opor apontar no entanto uma outra categoria como eixo desses manuscritos

Lebensaumlusserung traduzida por exteriorizaccedilatildeo da vida De fato o fio condutor

dos Manuscritos eacute a centralidade do trabalho na produccedilatildeo material e espiritual

da vida humana Tomando para anaacutelise criacutetica pela primeira vez os

economistas claacutessicos Marx explicita sua proacutepria compreensatildeo da forma

peculiar de engendramento da existecircncia do homem A criacutetica a Hegel completa

o quadro desta tematizaccedilatildeo que natildeo seraacute abandonada ateacute os uacuteltimos trabalhos

de Marx

Sabina Maura Silva no artigo A Fenomenologia do Egoiacutesmo Stirner e a

Criacutetica Marxiana tem como objetivo fundamental apresentar a concepccedilatildeo de

homem presente na obra O Uacutenico e Sua Propriedade de autoria do filoacutesofo

neohegeliano Max Stirner e expor a criacutetica de Marx a este autor contida em A

43

Ideologia Alematilde A autora mostra que para Stirner o Eu tomado como

individualidade singular eacute o fundamento de sua esfera existencial No entanto

para esse autor tudo tem determinado a existecircncia dos indiviacuteduos natildeo tendo

sido permitido a eles determinaacute-la O objetivo de Stirner eacute pois remeter ao

indiviacuteduo - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel - o que dele foi alienado e erigido

como algo autocircnomo Por seu turno a criacutetica de Marx tem como fim explicitar o

caraacuteter especulativo da anaacutelise stirneana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo

bem como salientar o aspecto pseudorevolucionaacuterio de suas proposituras

Assim segundo Marx Stirner tatildeo somente interpreta diferentemente o

existente isto eacute reconhece o existente mediante outra

interpretaccedilatildeoTransformando as contradiccedilotildees objetivas em contradiccedilotildees

subjetivas Stirner conserva e justifica as condiccedilotildees e estruturas efetivas que

esmagam e impedem a autodeterminaccedilatildeo das individualidades ao reconhecer

as circunstacircncias como determinaccedilotildees dos indiviacuteduos Acolhendo acriacutetica e

especulativamente em suas feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees

estranhadas de um momento histoacuterico particular da individuaccedilatildeo humana

Stirner erige como individualidade um ente que empobrecido e constrangido

pelas condiccedilotildees objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade

social pode somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria

sobre si e sobre o mundo

O uacuteltimo artigo do tomo IV da Revista Ensaios Ad Hominem eacute de

autoria de Antocircnio Joseacute Lopes Alves e leva o tiacutetulo de A Individualidade

Moderna nos Grundrisse Neste texto o autor procura demonstrar que a

moderna sociabilidade do capital eacute compreendida por Marx como forma

instaurada a partir da dissoluccedilatildeo dos liames sociais que uniam em tempos

anteriores os indiviacuteduos agrave comunidade Aleacutem disso destaca o fato apontado por

Marx de que tal processo se constitui numa verdadeira reconversatildeo ontoloacutegica

tanto dos indiviacuteduos quanto das condiccedilotildees da atividade vital ocorrendo uma

radical transformaccedilatildeo na forma de ser de ambos Sinteticamente trata-se de

reconfiguraccedilatildeo ontoloacutegica que determina como entes autocircnomos os indiviacuteduos

44

de um lado e as condiccedilotildees de trabalho de outro vale dizer do divoacutercio entre os

indiviacuteduos ativos e as condiccedilotildees de sua atividade Antocircnio Lopes buscou em

suma alinhar as determinaccedilotildees mais essenciais dos indiviacuteduos e da

sociablidade modernos no que respeita agrave forma mesma das relaccedilotildees sociais da

atividade sensiacutevel bem como da respectiva expressatildeo ideal como por exemplo

a configuraccedilatildeo das categorias da igualdade e liberdade

O leitor encontraraacute nas paacuteginas que se seguem o resultado do esforccedilo

de pesquisa voltado ao resgate da obra marxiana caracterizado pela busca do

rigor na leitura e interpretaccedilatildeo do pensamento de um autor cuja heranccedila

intelectual conheceu um destino traacutegico Natildeo eacute faacutecil portanto voltar-se a ela

sem os preconceitos da moda - como jaacute havia advertido Lukaacutecs Natildeo posso

afirmar com total certeza que um intento dessa natureza tenha sido plenamente

alcanccedilado Todavia eacute faacutecil perceber as diferenccedilas desse tipo de produccedilatildeo teoacuterica

com aquela apresentada tanto pelo marxismo adstringido e suas dissidecircncias

como pelo marxismo vulgar para utilizar as expressotildees cunhadas por Chasin no

intuito de designar as duas variantes de interpretaccedilatildeo da obra marxiana

Faccedilo aqui ao leitor interessado o convite para participar dessa

avaliaccedilatildeo

[1] Professora do Departamento de Filosofia da UFMG coordenadora

do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e Estudos Confluentes

45

[i] J CHASIN Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in

Teixeira FJS Pensando com Marx Editora Ensaio Satildeo Paulo 1995

[ii] K MARX amp F ENGELS A Sagrada Famiacutelia Ed Grijalbo trad

Wenceslao Roces Meacutexico DF 1960 p 120

[iii] Ver a respeito J CHASIN Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo

Metodoloacutegica opcit

[iv] J CHASIN O Futuro Ausente in Ensaios Ad Hominem 1 tomo III

Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem Satildeo Paulo 2000 p 166

[v] Ib p 167

[vi] Id

[vii] E CASSIRER A Filosofia do Iluminismo Editora da Unicamp

Campinas 1992 p 11

[viii] G LUKAacuteCS La Riproduzionein Per lOntologia delle Essere

Sociale Roma Editori Riuniti tomo II 1981 pp 180-81

[ix] N HARTMANN Ontologia Fondo de Cultura Econoacutemica Meacutexico D

F vol 1 1986

[x] K MARX O Capital vol I Ediccedilatildeo Abril Cultural Satildeo Paulo p 149

[xi] Id

[xii] Ib p 150

[xiii] (a respeito dessas categorias ver N HARTMANN Ontologia op cit

vol I p XII

46

47

[xiv] No original alematildeo in der Form des Seins Dietz Verlag 1971 p

195

[xv] Ib p 151

[xvi] Ver a respeito em J CHASIN Marx-Estatuto Ontoloacutegico e

Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica op cit

[xvii] K MARX op Cit p 126

Page 14: :: Verinotio - Revista On-line de Educao e Cincias Humanas · O leitor encontrará, portanto, nessa Apresentação o fruto de trabalho de coleta e organização de materiais utilizados

Ideologia Alematilde natildeo podem nunca ser recusados a natildeo ser na fantasia e sob

pena de cancelar todo e qualquer andamento reflexivo

Em suma reconhecimento ontopraacutetico significa pois tomar como

ponto de partida a praacutetica - desde a praacutetica cotidiana agrave praacutetica cientiacutefica de ponta

- de um tempo dado

O plano ontopraacutetico jaacute bem delineado no texto de 1995 ganha nos

anos seguintes sucessivas correccedilotildees por parte do autor a ponto de se tornar o

eixo a partir do qual Chasin faz a criacutetica das Teorias da Fundamentaccedilatildeo ou

como ele as denomina ironicamente A Querela da Fundamentaccedilatildeo

A esse respeito costumava ele indagar O que eacute um fundamento Uma

Teoria da Subjetividade ou Uma Teoria da Objetividade

Se o fundamento for considerado a partir de uma teoria da

subjetividade por onde comeccedilar Pelo aparato sensorial como no empirismo

Ou pela consciecircncia ou coisa que o valha como o cogito cartesiano a

autoconsciecircncia a razatildeo ou as formas a priori do entendimento Ou ainda uma

teoria da mente

Ainda no plano do fundamento subjetivo poder-se-ia partir da

experiecircncia da vivecircncia do vivido Neste caso o vivido seria o preacute-teoreacutetico

mas enquanto experiecircncia existencial isto eacute as vivecircncias do indiviacuteduo isolado

em experiecircncia aleatoacuteria fortuita acidental

Mas se o fundamento for uma Teoria da Objetividade por onde

comeccedilar Pelos fenocircmenos empiacutericos Mas nesse caso natildeo terminariacuteamos

apenas no fundamento psicoloacutegico isto eacute teriacuteamos o psicologismo como

fundamento da verdade

14

E se partiacutessemos do todo concreto Natildeo findariacuteamos numa visatildeo

caoacutetica e abstrata de conjuntos indeterminados desamparados na companhia

de um punhado de abstraccedilotildees razoaacuteveis e irrazoaacuteveis

Feitas tais indagaccedilotildees Chasin conclui de modo enfaacutetico Toda peticcedilatildeo

de fundamento todo discurso por um fundamento estaacute encerrado na esfera

teoacuterica Aleacutem do mais todo discurso de fundamentaccedilatildeo pretende e implica uma

certeza ou seja de um modo ou de outro a suposiccedilatildeo de um saber absoluto

ainda que um simples momento do saber absoluto Vale dizer o discurso da

fundamentaccedilatildeo desemboca de algum modo na razatildeo especulativa Em outras

palavras implica algo que transcende a proacutepria natureza do saber que eacute um

processo infinito de aproximaccedilotildees

Para Chasin o reconhecimento do ontopraacutetico tem a vantagem de

escapar agrave querela da fundamentaccedilatildeo na medida em que parte da experiecircncia

real melhor dizendo da praacutetica real natildeo de uma experiecircncia isolada

arbitrariamente natildeo da experiecircncia aleatoacuteria da suposta existecircncia existencial

dos indiviacuteduos isolados dos indiviacuteduos em derreliccedilatildeo

O universo ontopraacutetico eacute o necessariamente vivido para que qualquer

pergunta possa se dar Eacute portanto a esfera preacute-teoreacutetica esfera que antecede

qualquer teoria Esfera sem a qual natildeo haacute vida humana e portanto sem a qual

natildeo pode haver qualquer pergunta teoacuterica

A reflexatildeo que tem como ponto de partida o ontopraacutetico estabelece

assim um pressuposto concreto (e natildeo uma verdade ideada) do qual natildeo posso

me afastar a natildeo ser na imaginaccedilatildeo

Em siacutentese a esfera ontopraacutetica representa o complexos dos homens

vivos e ativos A partir dessa abstraccedilatildeo razoaacutevel - o ontopraacutetico - pode-se

encontrar jaacute numa analiacutetica de desentranhamento desse complexo real o

devido lugar da ontologia da epistemologia e da ciecircncia da histoacuteria que

compreende dois grandes ramos natureza e sociedade

15

Em outras palavras sem a consideraccedilatildeo do ontopraacutetico torna-se

aleatoacuteria a localizaccedilatildeo que se confere tanto ao ontoloacutegico quanto ao epistecircmico

A opccedilatildeo por um deles se torna uma arbitrariedade teoacuterica e eacute justamente isto

que gera a querela da fundamentaccedilatildeo pois a decisatildeo fica submersa ao plano

teoacuterico ao jogo dos argumentos agrave ambivalecircncia do logos que eacute irresolutivo

Sem a consideraccedilatildeo do ontopraacutetico parte-se assim de imediato da

teoria e natildeo do ser que faz da teoria ou deste como uma abstraccedilatildeo da

inteligibilidade ou seja de uma faculdade abstraiacuteda do ser que a possui

gerando com isso um absurdo ontoloacutegico

Eacute portanto a partir da analiacutetica do ontopraacutetico pelo reconhecimento de

seus traccedilos categoriais que tem iniacutecio a elaboraccedilatildeo ontoloacutegica Ou seja a

ontologia nasce como reflexatildeo conscientizaccedilatildeo conceituaccedilatildeo do ontopraacutetico

enquanto primeiro objeto da ontologia que a partir daiacute se encaminha em

direccedilatildeo agrave criacutetica - em termos de sua necessidade e loacutegica especiacutefica - do proacuteprio

ontopraacutetico isto eacute do complexo dos objetos reais aiacute incluiacutedo o homem

Resta ainda em relaccedilatildeo agrave problemaacutetica geral em tela aflorar a questatildeo

da adequatio tal como era tematizada tambeacutem em seus cursos

Polemizando com a denominaccedilatildeo de realismo comumente utilizada

para denominar proposituras que conferem prioridade ao mundo objetual

Chasin afirmava que haacute realismo - antigo - quando eacute suposto que a ordem da

razatildeo agrave idecircntica a ordem do real e que a partir de axiomas por meios racionais-

dedutivos embuiacutedos do espiacuterito de sistema se possa estabelecer a verdade do

mundo

Em Marx entretanto a ordem das coisas e da razatildeo satildeo distintas (um

exemplo expressivo desta postura marxiana pode ser encontrada na famosa

Introduccedilatildeo de 57) ambas mutaacuteveis e processuais - unidade da desidentidade

entre ser e saber Assim o mundo natildeo pode ser deduzido racionalmente mas

reproduzido sob forma de ideacuteia por meio de aproximaccedilotildees - empiacuterico abstrato

16

concreto - num processo intensivo e extensivo historicamente condicionado

possibilitado ou impedido - na dependecircncia que fica da maturaccedilatildeo do objeto e

do posicionamento do sujeito O processo mimeacutetico eacute portanto reproduccedilatildeo

conceitual de efetividades donde se lida com duas ordens de formaccedilotildees real e

ideal A reproduccedilatildeo conceitual apresenta portanto sua proacutepria loacutegica mas no

interior da determinaccedilatildeo soacutecio-histoacuterica do pensamento de modo que uma

teoria do conhecimento (morfologia e dinacircmica da subjetividade in abstratu e

imutaacutevel) eacute incapaz de explicar o processo cognitivo pois a faculdade humana

da forccedila da abstraccedilatildeo depende das possibilidades oferecidas pela

determinaccedilatildeo social do pensamento que por sua vez se manifesta e se

configura pelo desenvolvimento dos objetos e da praacutetica humana que sobre eles

tem incidecircncia

Donde a franca afirmaccedilatildeo marxiana da possibilidade de conhecer natildeo

se confunde com a simplicidade e facilidade da concepccedilatildeo realista nem mesmo

no plano da ingenuidade cotidiana desde logo porque a atividade cotidiana -

que estaacute para aleacutem da ingenuidade ou lanccedila os sujeitos para aleacutem da

ingenuidade - eacute em si um complexo rico e desafiador matrizador inclusive da

intentio recta atitude natural e necessaacuteria da esfera ontopraacutetica

Haacute portanto que distinguir as grandes diferenccedilas ontoloacutegicas entre o

estatuto marxiano e a ontologia realista Na primeira a adequatio digamos

assim eacute correlaccedilatildeo entre formaccedilatildeo real e formaccedilatildeo ideal duas ordens distintas

de configuraccedilatildeo Em outras palavras eacute correlaccedilatildeo conceitual entre entificaccedilatildeo

concreta e reproduccedilatildeo conceitual Em suma a reproduccedilatildeo conceitual nada mais

eacute do que transposiccedilatildeo agrave cabeccedila ordenada pelos nexos do real na forma e pelos

meios da proacutepria atividade mental

I - Tomando Marx por Base e por Ponto de Chegada

17

Considerando como ponto de referecircncia as consideraccedilotildees

desenvolvidas por Marx em O Capital especificamente sobre a dificuldade

encontrada pela humanidade na compreensatildeo do valor ao longo de dois

milecircnios - de Aristoacuteteles a Ricardo - pode-se sustentar segundo Chasin que

um fenocircmeno muito similar a este se produziu no que tange agrave determinaccedilatildeo do

ser ou seja da(s) matriz(es) da(s) realidade(s) ou seja da efetividade

Tomemos as passagens em questatildeo que se encontram no Prefaacutecio agrave

Primeira Ediccedilatildeo de O Capital Todo comeccedilo eacute difiacutecil isso vale para qualquer

ciecircncia A forma do valor cuja figura acabada eacute a forma do dinheiro eacute muito

simples e vazia de conteuacutedo Mesmo assim o espiacuterito humano tem procurado

desvendaacute-la (ergruumlden) em vatildeo haacute mais de 2000 anos enquanto por outro lado

teve ecircxito ao menos aproximado a anaacutelise de formas muito mais complicadas e

replenas de conteuacutedo Por quecirc Porque o corpo desenvolvido eacute mais faacutecil de

estudar do que a ceacutelula do corpo Aleacutem disso na anaacutelise das formas econocircmicas

natildeo podem servir nem o microscoacutepio nem reagentes quiacutemicos A forccedila da

abstraccedilatildeo deve substituir a ambos Para o leigo a anaacutelise parece se perder

em pedantismo Trata-se efetivamente de pedantismo mas daquele de que se

ocupa a anatomia microscoacutepica

De acordo com Chasin eacute necessaacuterio reter os seguintes noacutedulos

significativos da citaccedilatildeo acima

1) todo iniacutecio de uma ciecircncia eacute difiacutecil donde o princiacutepio da ontologia o

princiacutepio da ciecircncia deve ser o mais difiacutecil de todos

2) haacute grande dificuldade na compreensatildeo da forma do valor que eacute um

objeto simples e vazio de conteuacutedo

3) haacute ecircxito maior na anaacutelise de formas mais complicadas e replenas de

conteuacutedo

18

Na mesma citaccedilatildeo Marx enuncia os motivos de tal dificuldade

1) o corpo desenvolvido eacute mais faacutecil de estudar do que a ceacutelula do

corpo

2) meacutetodos experimentais natildeo satildeo aplicaacuteveis a esse tipo de forma

3) a analiacutetica dessa forma pela forccedila da abstraccedilatildeo deve tomar o lugar

da observaccedilatildeo empiacuterica e experimental

4) anaacutelise voltada agrave anatomia microscoacutepica da forma estudada

A partir dessas indicaccedilotildees colhidas no texto de Marx Chasin elabora

um esboccedilo para fins unicamente didaacuteticos em que busca transpassaacute-las para a

proacutepria questatildeo ontoloacutegica afirmando o que se segue

1) o iniacutecio difiacutecil da ontologia perdurou tambeacutem por mais de 2000

anos trajetoacuteria em que se observa tateios imprecisos caracterizados por um

movimento simultacircneo de constituiccedilatildeodissoluccedilatildeo ateacute chegar em Marx Tal

movimento simultacircneo de constituiccedilatildeodissoluccedilatildeo revela por seu rumo

imanentemente contraditoacuterio por seus caminhos e descaminhos histoacutericos a

dificuldade e a longa incapacidade na formulaccedilatildeo precisa de seu objeto e

alcance ou seja de sua natureza e propoacutesito - de sua funccedilatildeo orientadora e

sustentadora no plano teoacuterico e de sua origem praacutetica preacute-teoreacutetica

2) reconhecimento ontopraacutetico das formas dos seres e analiacutetica da

forma do ser apenas por meio da forccedila da abstraccedilatildeo no reconhecimento

ontopraacutetico os seres satildeo reconhecidos como substantivos e nesse caso ateacute

certo ponto vale para a observaccedilatildeo espontacircnea e observaccedilatildeo comum pois o

desvendamento completo exige forccedila de abstraccedilatildeo como verbo ( o ato de ser

de Gilson) soacute a forccedila da abstraccedilatildeo daiacute a facilidade para se cair no

abstrativismo

19

Eacute nesse preciso momento da exposiccedilatildeo chasiniana que surgem as

primeiras referecircncias a Eacute Gilson assim como a N Hartmann momentos mais agrave

frente Evidentemente que esse procedimento natildeo ocorre por acaso pois o que

estaacute em questatildeo agora satildeo as tentativas contemporacircneas de resgate da

tematizaccedilatildeo ontoloacutegica

Eacute Gilson afirma que o mais fundamental dos problemas da filosofia - a

relaccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia que por seu turno diz respeito agrave distinccedilatildeo

de ser como nome isto eacute como substantivo em latim ens (ente) e como verbo

esse Eacute sabido que o esse tomista eacute concebido como ato de ser - actus essendi -

significando portanto existecircncia ato de existir ato de ser

Chasin comenta a ambiguumlidade da noccedilatildeo de ser para qual Gilson

chama atenccedilatildeo afirmando o que se segue

1) Ens eacute um nome que significa um ser (determinado) ou seja a

natureza e a essecircncia de qualquer existente ou entatildeo - o ser mesmo - uma

propriedade comum a tudo aquilo que se pode dizer que eacute (que pertence a)

Em suma enquanto nome ou substantivo ser designa um existente

qualquer ou uma propriedade comum a todos os existentes designa o que

verdadeiramente eacute ou uma propriedade geral eacute um ente ou uma entidade

2) Enquanto verbo ser designa a accedilatildeo ou o ato de ser exercido pelo

ente Assim como verbo natildeo significa que algo eacute nem a existecircncia em geral

mas o ato mesmo pelo qual qualquer realidade dada eacute de fato ou existe

Precisamente a este ato Gilson chama de ser em contraposiccedilatildeo a ente

De todo modo feita a distinccedilatildeo Chasin considera existir um seacuterio

problema ao tomar em separado ens e esse indagando eacute possiacutevel pensar em

duas figuras no isolamento Seraacute que essa configuraccedilatildeo eacute de fato o mais

fundamental dos problemas ou eacute o mais antigo o mais remoto e o mais cultuado

dos equiacutevocos da histoacuteria da filosofia

20

De um lado a compreensatildeo da forma de ser enquanto verbo como

pura significaccedilatildeo verbal de existir de estar presente enquanto significaccedilatildeo de

ato ou presenccedila o verbo eacute forma simples e vazia de conteuacutedo pois reduzida ao

predicado mais geral e comum das coisas denota apenas sua existecircncia De

outro lado ocorre o mesmo problema com o substantivo ser - ens - pois redunda

em essecircncia imutaacutevel Em outras palavras na histoacuteria da filosofia nesses dois

caminhos houve de longa data polecircmica sobre o que existe em que plano se daacute

a existecircncia e assim por diante No caso do ser como verbo o ser eacute muito

parcamente categorial reduzido agrave presenccedila no tempo e no espaccedilo soacute possui o

predicado abstrato da existecircncia no caso do substantivo tomado sem o ato de

existir se converte em complexo de propriedades ou entidades perenes

A resoluccedilatildeo para tal questatildeo reside segundo Chasin em tomar o ser

enquanto complexo categorial daquilo que eacute como ente que existe Nesse

sentido o desvendamento tem ecircxito maior como mostra a ciecircncia que toma

para anaacutelise formas mais complicadas e replenas de conteuacutedo vale dizer uma

vez que tem por alvo o ser por sua efetividade e determinado por suas

qualidades natildeo apenas pelo reconhecimento de sua presenccedila mas pelo seu

complexo categorial

Ora arremata Chasin a forma sensiacutevel do ente compreende o ens e o

esse ou seja a plena riqueza do complexo categorial

- Loacutegica e Ciecircncia

Neste item Chasin defende a tese de que na medida em que

pretendeu e pretenda ser uma disciplina ou ciecircncia de chegada isto eacute

21

conclusiva autocircnoma e sistemaacutetica a ontologia acaba por ser transmutada em

loacutegica ou ciecircncia

Talvez possa ser dito que nas ontologias onde predomine

unilateralmente o ser como verbo ou o ente como essecircncia terminem por ser

uma loacutegica que de alguma forma acaba por ter a pretensatildeo de constituir o ser

a loacutegica eacute entatildeo o segredo uacuteltimo do ser ou sua base cognitiva e por essa via

sua base ontoloacutegica - que assim nega a ontologia ou seja o reconhecimento do

ser por si

De outra parte predominando o ser como substantivo o fim da

ontologia acaba por ser uma forma de ciecircncia ou seja a ontologia eacute novamente

negada como ocorreu com a ciecircncia moderna donde sua pretendida auto-

suficiecircncia que apenas admite por fundamento uma forma qualquer de

gnosiologia isto eacute uma forma a priori da operatividade subjetiva

desaparecendo assim a regecircncia do objeto o que ao contraacuterio caracteriza o

espiacuterito e o propoacutesito ontoloacutegicos ou seja o reconhecimento do ente enquanto

ente o oacuten qua oacuten ou ser por si

Em suma a ontologia quando centrada no ser como verbo rarefeita

pelo vazio de sua forma termina por ser loacutegica por outro lado quando centrada

no ser como substantivo agraves voltas com gecircneros formados por complexos

qualitativos termina por se constituir em ciecircncia particular e autocircnoma Assim

ao pretender ser tudo concludente sistemaacutetica e independente por sua forma

mais vazia ou por suas categorias abstratas e perenes a ontologia acaba por

ser negada pela loacutegica ou pela ciecircncia Pretendendo ser tudo acaba por

desaparecer

Ora ao tomar o ser como verbo a ontologia tem de compreender que

natildeo pode ser mais do que a anatomia de uma propriedade do ser - de sua

propriedade mais geral e vazia - a propriedade de sua presenccedila enquanto corpo

real ausente ou presenccedila de um complexo categorial abstraiacutedo O ser aqui eacute

22

reduzido agrave forma mais vazia a simples propriedade de um todo que escapa

completamente agrave sua jurisdiccedilatildeo Donde seu desenlace em loacutegica

De outra parte quando o ser eacute tomado em sua denotaccedilatildeo substantiva

ou seja na multiplicidade de suas propriedades qualitativas em interconexatildeo

especiacutefica transborda em ciecircncia na medida em que a ontologia pretenda a

condiccedilatildeo de disciplina ou ciecircncia sistemaacutetica

Donde a impossibilidade de a ontologia ficar adstrita agrave forma do verbo

nem se realizar como dilucidaccedilatildeo concreta do substantivo Assim deve-se

reconhecer que a ontologia natildeo pode se realizar em nenhum desses dois poacutelos

nem simples tematizaccedilatildeo do ato geneacuterico da presenccedila - que redundaria em

simples compoacutesito tautoloacutegico nem tematizaccedilatildeo do ser substantivo concreto

pois aiacute se desnaturaria em ciecircncia especiacutefica

Conclusivamente a ontologia nem eacute simples tautologia do ser em ato

nem efetivaccedilatildeo cientiacutefico-concreta do desvendamento do ser como substantivo

Enquanto tal a ontologia eacute uma realizaccedilatildeo necessaacuteria no espaccedilo que antecede

aqueles dois poacutelos em verdade a plataforma que leva da constataccedilatildeo mais

abstrata do ser (tanto como substantivo quanto verbo) agrave sua reproduccedilatildeo

cientiacutefica como substantivo Enquanto tal eacute um estatuto - uma filosofia primeira

o cacircnon da legalidade do ser matrizado pelos traccedilos ou vetores categoriais

fundamentais do ser por si que matriza a cientificidade tanto em sua forma mais

abstrata - loacutegica - quanto em sua forma mais concreta - ciecircncia

O problema fundamental da filosofia primeira - philosophia prima - eacute o

problema das categorias mais gerais do ser aiacute incluso o ato de ser donde em

sua plenitude o ato sensiacutevel de ser - ens e esse o ens essendi complexo

categorial pleno no ato de existir

Essa plataforma estatutaacuteria natildeo eacute uma disciplina situada entre outras

disciplinas entre a loacutegica e a ciecircncia como um campo intermediaacuterio entre o

verbo e o substantivo entre a maacutexima abstratividade e a efetividade concreta

23

Essa distribuiccedilatildeo topograacutefica confere agrave abstraccedilatildeo a condiccedilatildeo de fundaccedilatildeo

(determinaccedilatildeo originaacuteriaontoloacutegica) e fundamento (ponto de partida

epistemoloacutegico) Se assim fosse perderia a condiccedilatildeo de filosofia primeira

Enquanto filosofia primeira eacute o reconhecimento do substantivo verbal

do substantivo que eacute do ens essendi natildeo de uma substantividade qualquer em

abstrato mas da substantividade que existe por todas as modalidades

categoriais isto eacute reais (sensiacuteveis) natildeo apenas um substantivo pensado que

dependeria para ser do pensamento mas do substantivo que eacute por-si

independentemente se ser pensado o que requer o complexo categorial

da sensibilidade por isso eacute que soacute eacute ser o ser sensiacutevel Vale dizer o ser como

verbo eacute resultado do ser substantivo soacute um sujeito (em suas diversas formas na

cadeia do ser) eacute (soacute um sujeito existe eacute faz sente pensa etc de acordo com

seu grau na cadeia do ser)

A ontologia do puro verbo ser ou das puras essecircncias (complexo

categorial abstrativante e eterno) eacute a autonomizaccedilatildeo das categorias ou da

existecircncia em relaccedilatildeo ao ser e existir reais agraves formas reais de ser e existir satildeo

as categorias e a existecircncia sem corpo ou sujeito mais do que isso satildeo as

categorias (essecircncia) e existecircncia em geral universal e abstrata tornadas

sujeito a essecircncia ou a existecircncia abstratas personificadas - e isso satildeo

puramente figuras do pensamento o que jaacute eacute especulaccedilatildeo natildeo ontologia

Marx agrave semelhanccedila de Feuerbach soacute admite como ente ou melhor

como entificaccedilatildeo o ens essendi - o ente sendo o ente no ato de ser o ente

revestido de existecircncia atual - objetivo o ente no exerciacutecio da accedilatildeo ou ato de

ser eacute portanto um ente existente ou seja o ente que estaacute sendo o ente no ato

de existir

Donde do mesmo modo que em Feuerbach o ser eacute inseparaacutevel de sua

existecircncia Ser e existir constituem uma unidade indissoluacutevel complexo

24

categorial no ato de ser pela atualizaccedilatildeo do complexo categorial essecircncia

determinada e mutaacutevel na mutabilidade de ser e ir sendo (essendi)

Eacute chegada a hora depois desta etapa analiacutetica de vislumbrar qual eacute o

cenaacuterio em Marx que esse conjunto de questotildees se coloca Com esse objetivo e

como eacute tiacutepico de seu procedimento investigativo junto aos textos daquele autor

Chasin toma para anaacutelise o item 1 O Processo de Trabalho do capiacutetulo V de O

Capital Nele pode-se identificar em primeiro lugar a natureza geral (universal)

da atualizaccedilatildeo da forccedila de trabalho que se encontra em potecircncia nos indiviacuteduos

A produccedilatildeo de valores de uso ou bens natildeo muda sua natureza geral por se

realizar para o capitalista e sob seu controle Por isso o processo de trabalho

deve ser considerado de iniacutecio independentemente de qualquer forma social

determinada[x]

Por que o processo de trabalho deve ser considerado de iniacutecio

independentemente de qualquer forma social determinada indaga Chasin A

resposta eacute formulada em estilo direto Para natildeo ser perdida a natureza do

trabalho sua positividade enquanto atividade humana vital

Tem-se nessa passagem segundo Chasin um exemplo do exerciacutecio

de uma ontologia estatutaacuteria - a positividade (sua efetividade ou operosidade)

universal do trabalho enquanto atributo vital e inalienaacutevel do homem

independentemente de suas formas concretas que se apresentam na forma do

trabalho alienado

Eacute a determinaccedilatildeo universal do trabalho o traccedilo de sua legalidade

uacuteltima sua determinaccedilatildeo mais geral e essencial dimensatildeo que natildeo desaparece

nem mesmo sob suas formas concretas mais negativas

A ontologia estatutaacuteria registra o traccedilo ou rastro dessa dimensatildeo

permanente que atravessa as formas concretas em sua efetividade contraditoacuteria

e especialmente desfavoraacutevel para o homem enquanto maioria subjugada ao

longo de toda a preacute-histoacuteria da humanidade

25

Permanente mas permanente processual mutaacutevel diversamente

positivo quantitativa e qualitativamente em cada uma das formas concretas em

que o trabalho aparece nas configuraccedilotildees sociais determinadas

Nesse sentido abstratamente permanente abstratamente positivo mas

onde essa abstratividade natildeo corresponde a uma simples determinaccedilatildeo

conceitual Corresponde a uma efetividade em sua figura proacutepria em cada forma

social determinada

Agrave ontologia estatutaacuteria compete o reconhecimento dessa dimensatildeo mais

geral base para a decifraccedilatildeo cientiacutefica concreta dos casos efetivos que por sua

vez confirmam ou natildeo criticamente a determinaccedilatildeo mais geral ontoloacutegica Natildeo

haacute portanto um abismo separando ontologia de ciecircncia mas a continuidade de

momentos distintos de uma mesma unidade de conhecimento que interagem e

se medem reciprocamente se apoacuteiam estimulam e criticam um infinito processo

constitutivo das certezas

Continuando a anaacutelise do texto marxiano tem-se a descriccedilatildeo do

trabalho e o reconhecimento analiacutetico de sua natureza Antes de tudo [aqui

Chasin faz uma pequena observaccedilatildeo assinalando ou seja na raiz em seu

fundamento diria uma linguagem mais convencional e ciosa de suas

pretendidas atribuiccedilotildees] o trabalho eacute um processo entre o homem e a

natureza um processo em que o homem por sua proacutepria accedilatildeo medeia regula

controla seu metabolismo com a natureza Ele mesmo se defronta com a

mateacuteria natural Ele potildee em movimento as forccedilas naturais pertencentes agrave sua

corporalidade braccedilos e pernas cabeccedila e matildeo a fim de se apropriar da mateacuteria

natural numa forma uacutetil para a sua proacutepria vida Ao atuar por meio desse

movimento sobre a natureza externa a ele e ao modificaacute-la ele modifica ao

mesmo tempo sua proacutepria natureza Ele desenvolve as potecircncias nela

adormecidas e sujeita o jogo de suas forccedilas a seu proacuteprio domiacutenio[xi]

26

Observe-se que diz Chasin ao trabalhar ao mudar a forma da

natureza ao construir sua proacutepria mundaneidade o homem ele proacuteprio por

meio de seu proacuteprio trabalho transforma a sua proacutepria natureza Ou seja de ser

natural para social eis um novo exemplo de lineamento reconhecido e recolhido

agrave ontologia estatutaacuteria

Prosseguindo na especificaccedilatildeo Marx afirmaPressupomos o trabalho

numa forma que pertence exclusivamente ao homem Uma aranha executa

operaccedilotildees semelhantes agraves do tecelatildeo e a abelha envergonha mais de um

arquiteto humano com a construccedilatildeo dos favos de suas colmeacuteias Mas o que

distingue de antematildeo o pior arquiteto da melhor abelha eacute que ele construiu o

favo em sua cabeccedila antes de construiacute-lo em cera No fim do processo de

trabalho obteacutem-se um resultado que jaacute no iniacutecio deste existiu na imaginaccedilatildeo do

trabalhador e portanto idealmente Ele natildeo apenas efetua uma transformaccedilatildeo

da forma da mateacuteria natural realiza ao mesmo tempo na mateacuteria natural seu

objetivo que ele sabe que determina como lei a espeacutecie e o modo de sua

atividade e ao qual tem de subordina sua vontade E essa subordinaccedilatildeo natildeo eacute

um ato isolado Aleacutem do esforccedilo dos oacutergatildeos que trabalham eacute exigida a vontade

orientada a um fim que se manifesta como atenccedilatildeo durante todo o tempo de

trabalho e isso tanto mais quanto menos esse trabalho pelo proacuteprio conteuacutedo e

pela espeacutecie modo de sua execuccedilatildeo atrai o trabalhador portanto quanto

menos ele o aproveita como jogo de suas proacuteprias forccedilas fiacutesicas e espirituais[xii]

Chasin chama atenccedilatildeo para as seguintes observaccedilotildees

1) a preacutevia-ideaccedilatildeo do resultado (do fim) a existecircncia ideal do mesmo

na imaginaccedilatildeo donde o objeto ou um complexo categorial in mente e ante

res[xiii]

Preacutevia-ideaccedilatildeo e teleologia satildeo ou podem ser momentos confluentes

mas natildeo satildeo idecircnticos a preacutevia-ideaccedilatildeo estaacute no comeccedilo e eacute um desenho ideal

que implica o conhecimento da espeacutecie e do modo da atividade a realizar

27

conhecimento das malhas causais teleologia eacute simplesmente finalidade fim

objetivo podendo se apresentar de modo meramente volitivo e bem abstrato

natildeo mobilizante dos ou sem os meios de sua realizaccedilatildeo ou seja ter teleologia

sem preacutevia-ideaccedilatildeo natildeo conduz a nenhum processo de trabalho Quero assinar

que o termo teleologia pode ser demasiado vago no sentido de mero conceito

filosoacutefico convencional nesse sentido apenas alusivo e natildeo instrumentador de

operaccedilotildees na esfera da atividade sensiacutevel Pode ser entendido mais como

manifestaccedilatildeo de espiacuterito do que como exigecircncia de efetuaccedilatildeo de mudanccedila de

forma da mateacuteria natural e objetivaccedilatildeo de propoacutesito E de toda forma indica

antes de tudo que o fim o realizado estaacute no fim do processo fala do obtido ou

do a ser obtido nada nos diz da travessia que realiza da travessia que passa do

ideal para o real natildeo nos fala da mobilizaccedilatildeo ideal e material necessaacuterias

Quando a teleologia se manifesta como resultado jaacute natildeo eacute preciso dizer mais

nada a respeito Basta saudar e usufruir de sua apariccedilatildeo que nada tem de

maacutegica ou misteriosa mas antes de reconhececirc-la como produto das

metamorfoses de subjetividade e objetividade Ou seja em suas distintas

naturezas inconfundiacuteveis enquanto tais objetividade e subjetividade satildeo

entificaccedilotildees na mundaneidade humana e nessa qualidade estados ou momentos

do ser social momentos regidos pela atividade ideal e sensiacutevel do mesmo

Penso que Lukaacutecs ao transpor a questatildeo para a linguagem filosoacutefica

tradicional pode ter dissociado demais fins e meios o que natildeo eacute o caso dos

textos de Marx Por isso Lukaacutecs se vecirc obrigado depois a buscar a rearticulaccedilatildeo

entre teleologia e causalidade e nisso encontre natildeo poucas dificuldades (como

uma passa para outra e vice-versa parecendo que lida ao limite com

substacircncias incomunicaacuteveis natildeo as compreendendo em suas metamorfoses) e

deixe que se perca certa substacircncia da questatildeo antes de tudo o interfluxo entre

objetividade e subjetividade com seus distintos momentos preponderantes em

cada um dos passos dos momentos embricados dos processos Creio que as

duas esferas ficam sempre tradicionalmente um tanto estranhas uma em

28

relaccedilatildeo agrave outra seja para preservar a objetividade e aiacute se torna objetivista seja

para ressaltar a subjetividade e aiacute desliza para o subjetivismo

2) No fim do processo tem-se seu resultado que eacute a transformaccedilatildeo da

forma de uma dada mateacuteria natural e a realizaccedilatildeo do objetivo do trabalho que

existiu antes como preconfiguraccedilatildeo ideal Portanto o trabalho transforma

imagem ideal em ente real complexo categorial in rebus

Em suma no pensamento de Marx as categorias ou complexos

categoriais satildeo reconhecidos sob as trecircs formas in mente (existem idealmente

na imaginaccedilatildeo ou como reproduccedilatildeo mental das coisas categorias da

representaccedilatildeo) ante res (preacutevia-ideaccedilatildeo) e in rebus como efetividades quando

estatildeo na forma de ser Como confirmaccedilatildeo tome-se mais esta passagem do

mesmo capiacutetulo No processo de trabalho a atividade do homem efetua

portanto mediante o meio de trabalho uma transformaccedilatildeo do objeto de

trabalho pretendida desde o princiacutepio O processo extingue-se no produto Seu

produto eacute um valor de uso uma mateacuteria natural adaptada agraves necessidades

humanas mediante transformaccedilatildeo da forma O trabalho se uniu com seu objeto

O trabalho estaacute objetivado e o objeto trabalhado O que do lado do trabalhador

aparecia na forma de mobilidade aparece agora como propriedade imoacutevel na

forma do ser[xiv] do lado do produto Ele fiou e o produto eacute um fio[xv]

Como arremate analiacutetico dessa famosa mas muitas vezes mal

compreendida passagem de O Capital Chasin conclui ao mesmo tempo em que

visualiza uma nova tarefa Se assim eacute se as categorias podem aparecer nas

trecircs formas - in rebus - in mente - ante res - haacute entatildeo que determinar o que satildeo

cada uma dessas formas

Esquematicamente Chasin propotildee o seguinte

1) se estatildeo in rebus (nas coisas) estatildeo na forma do ser

29

2) se estatildeo in mente (na cabeccedila) estatildeo na forma da reproduccedilatildeo ideal

das coisas Trata-se da subjetividade receptora[xvi] que reproduz as coisas natildeo

captando apenas seus dados empiacutericos superando pois o empirismo e elabora

portanto a reproduccedilatildeo ideal dos entes e onde a subsunccedilatildeo aos objetos eacute a

atividade de sua elaboraccedilatildeo ideal

3) se estatildeo ante res (antes das coisas) estatildeo na forma da finalidade da

preacutevia mentalizaccedilatildeo de objetivos e meios

Poreacutem no segundo e terceiro casos as categorias estatildeo na forma de

espeacutecies de pensamento representaccedilotildees e projeccedilotildees do ser do vir-a-ser dos

meios materiais instrumentais processuais e dinacircmicos de entificaccedilatildeo dos

seres

Concluindo essa parte dizer pois que o homem e o mundo satildeo

atividade sensiacutevel que por criar seu mundo cria a si mesmo eacute determinar o

homem como a criatura criadora de seres

No entanto na medida em que apenas na configuraccedilatildeo histoacuterica regida

pela loacutegica do capital ou seja na plenitude da produccedilatildeo da riqueza entendida

por sua essecircncia subjetiva que eacute o trabalho que se atinou para determinaccedilatildeo

do homem como a criatura criadora de seres foi possiacutevel agrave reflexatildeo pode se

dar conta potencialmente da verdadeira problemaacutetica do ser

Em outras palavras eacute pela criacutetica ao criador de criaturas na forma da

alienaccedilatildeo - criacutetica marxiana agrave sociedade capitalista - eacute que a ontologia pode

atinar com seu verdadeiro objeto e modo de determinaccedilatildeo Natildeo eacute casual que

tenha emergido pela criacutetica feuerbachiana ao sistema hegeliano (a criaccedilatildeo

especulada dos entes) e ganho seus contornos efetivos no advento de uma

nova forma de pensamento e concepccedilatildeo de praacutetica - a doutrina de Marx

Resumindo no caso de Marx ontologia eacute estatuto ou filosofia primeira

do ser social que enquanto tal norteia a concreccedilatildeo cientiacutefica do mesmo cuja

30

realizaccedilatildeo corrige e enriquece o proacuteprio estatuto donde a sinergia e a reciacuteproca

dimensatildeo criacutetica entre estatuto ontoloacutegico e ciecircncia da histoacuteria em seus diversos

departamentos possiacuteveis estabelecidos jaacute por criteacuterio ontoloacutegico ou seja que

respeita a integridade das coisas em suas qualidades e processos interconexos

que as constituem em seu ser por si e enquanto tais satildeo reproduzidas

teoricamente

Enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma da legalidade objetiva (material

e espiritual) do ser social ou seja enquanto malha de asserccedilotildees ou

determinaccedilotildees de seu complexo categorial enquanto o permanente na forma de

processo a ontologia estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a

sociabilidade como substacircncia desse grau maacuteximo da cadeia do ser

Mas substacircncia como complexo categorial como siacutentese de categorias

essenciais que denota uma forma especiacutefica determinada de presenccedila ou

existecircncia plenamente qualificada

Por isso eacute estatuto ontoloacutegico pois a plataforma canocircnica do ser eacute o

coacutedigo do substantivo verbal como substacircncia substrato) assim o estatuto

ontoloacutegico do complexo substantivo do ser social deve reconhecer a

sociabilidade como substacircncia A sociabilidade como substrato dos homens

seja na forma da alienaccedilatildeo seja na forma de sua latecircncia de substancialidade

em vir-a-ser no caminho infinito de sua realizaccedilatildeo

Trata-se portanto em Marx de estatuto e natildeo sistema pois como

sistema seria um agregado de abstraccedilotildees uma filosofia que uma vez obtidas

noccedilotildees fundamentais passa a se edificar por si ou seja as noccedilotildees seriam

coaacutegulos inteligiacuteveis que passam por auto-sustentaccedilatildeo a configurar

dedutivamente o mundo Ao passo que estatuto eacute uma ordem a legalidade do

ser sensiacutevel - o ser na plenitude de seus atributos

tempo (histoacuteriaprocessoduraccedilatildeomutabilidade) lugar e sensibilidade

especificamente a legalidade do ser social imanente a si em sua especiacutefica

31

objetividade O ser sensiacutevel eacute a forma do ser porque eacute a plenitude das

categorias possiacuteveis

E as formaccedilotildees ideais

Segundo Chasin as formaccedilotildees ideais do mesmo modo que as

formaccedilotildees reais - formas do ser - tecircm lugar e tempo como categorias - o tempo

e o espaccedilo das formaccedilotildees sociais que satildeo engendradas mas estatildeo privadas de

sensibilidade

O sensiacutevel soacute eacute predicaccedilatildeo inerecircncia agrave forma do ser que conteacutem a

plenitude dos predicados possiacuteveis (sensibilidade espaccedilo tempo)

Essa forma de conceber o ser eacute reconhecer substancialidade ao

complexu agrave unidade totalizada ou seja ao conjunto pleno de atributos em ato

Em outras palavras ser eacute complexo categorial - tem a forma de ser -

completude ou forma conferida pelo sensiacutevel que se desdobra em muacuteltiplos

atributos e se condensa de infinitas maneiras no gradiente do ser

Em suma segundo Chasin tomando Marx como base e ponto de

referecircncia permanentes ser eacute plenitude categorial ou seja a plenitude

categorial eacute sua forma e por ser sensiacutevel compreende lugar e tempo

Donde se admitido o princiacutepio metoacutedico de Marx saber eacute saber do ser

que antes de tudo eacute um complexo sensiacutevel - tudo que eacute existe eacute sempre um

complexo natildeo uma substacircncia ou essecircncia pura e cristalina E a cadeia do ser eacute

o conjunto de graus do ser - do menos ao mais complexo

O preceito metodoloacutegico marxiano eacute pois ontoloacutegico sabe-se o que eacute

como se formou se desenvolveu e como depereceraacute

Por via de consequumlecircncia e diante das vicissitudes da histoacuteria da

ontologia de seu processo constitutivo e dissolutor diante da penosa rota da

32

conquista teoacuterica do real homoacuteloga ou equivalente agrave necessidade humana de

produzir a sua mundaneidade e a si mesmo a ontologia eacute o que pode ser - o

que natildeo eacute pouco - a esfera teoacuterica da incerteza propulsora positiva

afirmativamente organizada O patamar do incerto ordenado como plataforma da

busca infinita da certeza Impulsatildeo incontornaacutevel que natildeo pode ser eludida pela

presenccedila imperativa dos circuitos ontopraacuteticos

Talvez agora o estatuto ontoloacutegico marxiano possa ser enunciado do

seguinte modo eacute o estudo das categorias fundamentais - em traccedilos essenciais

abstratos em suas determinaccedilotildees mais gerais - da existecircncia social

historicamente constatada e reconhecida sendo possiacutevel exemplificar com as

seguintes categorias historicidade (processualidade ou mutabilidade)

concreticidade ou objetividade atividade sensiacutevel e ideal (trabalho e

reproduccedilatildeo) subjetividade (receptiva e proponente) valor individualidade

gecircnero (sociabilidade) Tudo isso perfilando o complexo de complexos da auto

realizaccedilatildeo do ser humano-societaacuterio entendido que o fim dos fins eacute a infinitude

da realizaccedilatildeo do humano - do autopor-se do aberto ser humano-societaacuterio

Estatuto que em outros termos eacute a ordem do reconhecimento ou

reproduccedilatildeo teoacuterica da identidade natureza e constituiccedilatildeo das coisas por si por

seus complexos categoriais decisivos independentemente em qualquer plano

de se tornarem objetos de praacutetica ou reflexatildeo

Enquanto tal eacute a teoria do reconhecimento da objetividade histoacuterico-

social imanente em suas distintas formas de apresentaccedilatildeo (natureza e

sociedade) Em termos muito breves eacute o momento mais abstrato do

reconhecimento da identidade das coisas por si enquanto tal um dos momentos

distintos da unidade do saber do qual participa um segundo sob forma

concreta que eacute a ciecircncia

Pela proacutepria natureza histoacuterica processual do ser a ontologia marxiana

natildeo corresponde nem poderia corresponder por simples imperativo de

33

coerecircncia agrave forma de um saber universal plantado sobre uma racionalidade

auto-sustentada ou seja fundado na razatildeo universal nada mais a versatildeo laica

ou profana de Deus no dizer de Feuerbach Ou seja trata-se enfim de uma

forma de ontologia sem parentesco com o saber absoluto e que recusa qualquer

tipo de fundamento especulativo pois absolutizaccedilatildeo de uma teoria da

fundamentaccedilatildeo eacute simplesmente a firmaccedilatildeo especulativa da razatildeo autocircnoma ou

de um princiacutepio de inteligibilidade situado para aleacutem das coisas que garante a

presenccedila e o conhecimento do sagrado e a vitoacuteria antecipada do idealismo Natildeo

correspondendo agrave qualquer forma de saber universal a ontologia marxiana

sustenta a possibilidade efetiva como jaacute vimos de um saber real

Por sua praacutetica teoacuterica e por um conjunto de lineamentos expliacutecitos

Marx deixou o legado de um especiacutefico estatuto ontoloacutegico natildeo um ontologia de

talhe convencional ou tradicional e natildeo apenas por que careceu de tempo

necessaacuterio para a realizaccedilatildeo de uma obra desse tipo mas fundamentalmente

pela distinccedilatildeo de natureza de seu estatuto ontoloacutegico radicalmente oposto ao

tratamento especulativo da mateacuteria

Esse estatuto eacute constituiacutedo a partir do universo praacutetico onticamente

referido ou seja eacute um estatuto ocircntico-ontoloacutegico pois evolve da efetividade

histoacuterica das coisas de suas relaccedilotildees e processos para sua reproduccedilatildeo

conceitual no plano de uma trama categorial em sua expressatildeo mais abstrata

Reconhecimento e Determinaccedilatildeo da Sociabilidade como Substacircncia

Vimos que segundo Chasin enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma

da legalidade do ser social em sua materialidade e espiritualidade[pode-se dizer

tambeacutem em sua objetividade sensiacutevel e supra-sensiacutevel] ou seja enquanto

malha de asserccedilotildees ou determinaccedilotildees de seu complexo categorial a ontologia

34

estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a sociabilidade como substacircncia desse

grau maacuteximo do ser

Embora Chasin natildeo tenha desenvolvido plenamente a questatildeo da

objetividade supra-sensiacutevel como tambeacutem a da sociabilidade como substacircncia

julgo conveniente transcrever tambeacutem algumas notas e comentaacuterios feitos em

sala de aula dada a importacircncia do tema

Em relaccedilatildeo agrave noccedilatildeo de substacircncia Chasin retoma sua noccedilatildeo mais geral

e tradicional Ou seja deixando de fora qualquer conotaccedilatildeo relativa a formas de

idealidade o que existe por si eacute um auto-engendrado a uacuteltima instacircncia de um

dado gecircnero de entificaccedilatildeo enquanto tal na medida em que eacute uma efetividade

eacute um complexo que a noccedilatildeo de substacircncia refere no mais alto grau de

abstraccedilatildeo Vale pois como abstraccedilatildeo razoaacutevel tal como todo conceito

marxiano nesse niacutevel de generalizaccedilatildeo a partir do qual pela via dos processos

de concreccedilatildeo satildeo determinaacuteveis as formas concretas de substacircncia

correspondentes agraves formaccedilotildees sociais reais

Dessa forma a substacircncia eacute um complexo histoacuterico natildeo uma

idealidade natildeo um construto da razatildeo auto-sustentada mas o resumo de uma

extraccedilatildeo justificada

Naturalidade e Sociabilidade

Sempre que se potildee a questatildeo da naturalidade e da sociabilidade essa

uacuteltima tende a ser examinada in statu nascendi ou de um estado original

imaginaacuterio natildeo se parte portanto de fatos pois os desconhecemos se eacute que

35

tenham existido mas de um mito E do mito se quer saltar para o quadro de uma

realidade complexa

Mas acompanhando Marx lembremos das pobres robinsonadas do

seacuteculo XVIII referidas logo agraves primeiras linhas da Introduccedilatildeo de 57 a) O

caccedilador e o pescador individuais e isolados de que partem Smith e Ricardo b)

o contrat social de Rousseau que relaciona e liga sujeitos independentes por

natureza por meio de um contrato Essas robinsonadas natildeo repousam sobre

(o) naturalismo E a argumentaccedilatildeo prossegue Trata-se ao contraacuterio de uma

antecipaccedilatildeo da sociedade (buumlrgelichen Gesellschaft) que se preparava desde

o seacuteculo XVI e no seacuteculo XVIII deu larguiacutessimos passos em direccedilatildeo agrave sua

maturidade Nesta sociedade da livre concorrecircncia o indiviacuteduo aparece

desprendido dos laccedilos naturais que em eacutepocas histoacutericas remotas fizeram dele

um acessoacuterio de um conglomerado humano limitado e determinado Os profetas

do seacuteculo XVIII sobre cujos ombros se apoacuteiam inteiramente Smith e Ricardo

imaginam o indiviacuteduo do seacuteculo XVIII como um ideal que teria existido no

passado Vecircem-no natildeo como um resultado histoacuterico mas como ponto de partida

da Histoacuteria porque o consideram como um indiviacuteduo conforme agrave natureza -

dentro da representaccedilatildeo que tinham da natureza humana - que natildeo se originou

historicamente mas foi posto como tal pela natureza[xvii]

Segundo Chasin tomando Marx novamente como ponto de referecircncia

os equiacutevocos que aparecem ao se tratar a relaccedilatildeo naturalidade sociabilidade

satildeo os seguintes

1) procurar deduzir em graus diferentes em cada caso o ser social do

natural esquecendo que se trata da emergecircncia do novo de uma configuraccedilatildeo

ontoloacutegica nova e que o novo nunca eacute um simples desdobramento do estaacutegio

anterior no caso - do grau de ser antecedente ou seja que entre os dois niacuteveis

ocorre o que se chama de salto um intervalo em que a potecircncia causal do

antecedente natildeo conteacutem a capacidade a potecircncia ou a potencialidade para

gerar o novo Um intervalo que fica assim indeterminado

36

2) o procedimento acima abre para a mera especulaccedilatildeo pois tende a

deduzir a indeterminaccedilatildeo a querer estabelecer nexos onde eles inexistem

tende a preencher o que de fato eacute um vazio A rigor natildeo se trata de um natildeo-

sabido mas da ausecircncia factual de um objeto ou processo em outros termos

se trata de um vazio ontoloacutegico de uma ausecircncia de nexos ontoloacutegicos

O correto segundo o modus operandi marxiano natildeo eacute partir da semente

ou do embriatildeo mas do complexo real maturado uma vez que

especialiacutessimamente na esfera social a loacutegica do gerado eacute diversa da loacutegica de

sua gecircnese aleacutem de que nesse acircmbito as entificaccedilotildees configuradas apagam a

rota e a loacutegica de sua formaccedilatildeo

Desse modo partindo do jaacute configurado e considerando que se trata de

uma configuraccedilatildeo infinita que compreende mutaccedilotildees qualitativas muito

importantes e natildeo esquecendo que permanecemos no estaacutegio preacute-histoacuterico (em

momento especialmente desequilibrado e contraditoacuterio) podemos e devemos

reconhecer por meio de algumas abstraccedilotildees razoaacuteveis o seguinte

1) A formaccedilatildeo do ser social eacute um processo da animalidade agrave

hominidade o andamento da naturalidade agrave sociabilidade o caminho infinito da

naturalidade dada agrave sociabilidade natildeo-dada em produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

perenes

2)Trata-se pois de uma entificaccedilatildeo processual entre dois niacuteveis ou

poacutelos da escala do ser sendo processo eacute intrinsecamente uma contradiccedilatildeo e soacute

enquanto tal se move eliminada a contradiccedilatildeo cessaria a possibilidade do

processo Com isso eacute dito algo muito importante pois ao reconhecer a

contraditoriedade entre naturalidade e sociabilidade natildeo eacute mais possiacutevel pensar

as mesmas a propoacutesito do ser social como um simples conjugado de fatores

mas obrigatoriamente como uma conjugaccedilatildeo contraditoacuteria de legalidades Isso

vai na esteira do que eacute compreendido desde Hegel - que o ser eacute uma unidade

contraditoacuteria - todavia com o acreacutescimo do problema da dupla legalidade De

37

que modo ou feiccedilatildeo chega cada uma delas agrave unidade contraditoacuteria do ser Pois

haacute que pensar na unidade ou siacutentese a natildeo ser que se queira desenhar o ser

social como uma aberraccedilatildeo hiacutebrida pode ser esta a fisionomia do grau mais

elevado do gradiente dos seres Assim tomada na devida consideraccedilatildeo essa

determinaccedilatildeo ontoloacutegica sem a qual a reflexatildeo perde o rumo trata-se de

compreender a dinacircmica especiacutefica dessa contradiccedilatildeo peculiar Vejamos

3) Em primeiro lugar esse processo contraditoacuterio gera novas

contradiccedilotildees agora dominantemente contradiccedilotildees da sociabilidade em

formaccedilatildeo de sorte que se trata de um processo cumulativo de

contraditoriedades no qual as novas contradiccedilotildees progressivamente vatildeo

tomando o lugar predominante e decisivo vale dizer a contradiccedilatildeo originaacuteria

cada vez mais coabita com contradiccedilotildees de outro gecircnero diante das quais sua

presenccedila vai mudando de forccedila e configuraccedilatildeo natildeo desaparece mas sua

qualidade vai mudando na proporccedilatildeo mesmo do desenvolvimento da

apropriaccedilatildeo societaacuteria da natureza cada vez mais puramente social - eacute no que

consiste de acordo com as palavras de Marx o progressivo afastamento das

barreiras naturais

4) Ou seja a matriz e a medida do afastamento eacute a forma cada vez

mais social de produzir e reproduzir as bases materiais da vida pela qual eacute

gerado o novo ser em direccedilatildeo agrave sua potecircncia ampliada de se auto-por de ir em

direccedilatildeo a si mesmo um si mesmo que natildeo eacute dado mas gerado na progressatildeo

da auto-posiccedilatildeo do auto-assentamento ou da auto-enformaccedilatildeo que inclui a

proacutepria daccedilatildeo de forma e resoluccedilatildeo ao predicado natural ou bioloacutegico daccedilatildeo de

forma que em suma eacute daccedilatildeo de forma social ao predicado natural

5) Essa possibilidade de daccedilatildeo de forma eacute afirmaccedilatildeo e realizaccedilatildeo da

essecircncia social que eacute o conjunto de relaccedilotildees sociais configuradas em cada

momento pelo modo de produzir da base material modo por sua vez que eacute

determinado pelo desenvolvimento das forccedilas produtivas entre as quais figura o

proacuteprio modo de organizaccedilatildeo do conjunto das relaccedilotildees sociais

38

6) Daccedilatildeo de forma eacute alteraccedilatildeo do lugar resolutivo e todo ente que muda

de lugar muda de natureza sem alterar uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo material

Vale dizer que a contradiccedilatildeo originaacuteria entre naturalidade e sociabilidade eacute

resolvida por uma nova contradiccedilatildeo - a da naturalidade que soacute se realiza na

forma e por meios sociais - no afastamento que eacute superaccedilatildeo da naturalidade

(processo histoacuterico) a legalidade natural eacute submetida agrave legalidade social

(diferentemente em cada modo de produccedilatildeo e de acordo com o

desenvolvimento das forccedilas produtivas) o fator natural natildeo eacute suprimido

suprimida eacute sua capacidade de autodeterminaccedilatildeo resta portanto

simplesmente o que natildeo eacute pouco como um predicado do ser humano um

predicado insuprimiacutevel mas apenas como predicado bioloacutegico de um ser de

outra natureza e essecircncia A naturalidade eacute retida como predicado

imprescindiacutevel mas natildeo como essecircncia Donde natildeo satildeo mais duas legalidades

ontoloacutegicas que coexistem mas a legalidade superior mais complexa subsume

a legalidade natural que natildeo mais se autodetermina mas eacute resolvida pela e do

interior da outra Assim o predicado natural do homem recebe forma e

resoluccedilatildeo sociais ou seja o predicado natural eacute subsumido agrave legalidade social

Natildeo resta mais o choque de duas legalidades contrapostas na

contradiccedilatildeo originaacuteria A legalidade natural vai sucumbindo na ruptura e

progressivamente agrave legalidade social em sua efetividade no ser social a

legalidade natural natildeo mais atua por si eacute dependente do social natildeo eacute mais a

legalidade de um ser pois natildeo haacute mais aiacute um ser natural mas um atributo

natural dependente da essecircncia social O homem eacute um ser social que

compreende sua essecircncia especiacutefica (variaacutevel) suas contingecircncias e seu

predicado bioloacutegico Na entificaccedilatildeo do ser social uacuteltimo grau da cadeia do ser a

legalidade natural eacute subalternizada agrave social por mais ruacutestica e restrita que seja a

essecircncia social primitiva e por mais precaacuteria que seja essa subalternizaccedilatildeo de

iniacutecio O processo de afastamento das barreiras naturais eacute assim o curso dessa

subalternizaccedilatildeo que desponta no iniacutecio na ruptura com a legalidade natural e

por mais longo e contraditoacuterio em avanccedilos e recuos que seja esse processo

39

7) de outra parte a loacutegica do predicado bioloacutegico natildeo soluciona natildeo

tem resposta para o complexo problemaacutetico da sociabilidade enquanto que esta

daacute soluccedilatildeo aos imperativos daquela Como diz Marx nos Manuscritos de 44 o

homem contempla a natureza e a si mesmo com um produto social [dos homens

interativos] com pleno direito mesmo que natildeo com elevada consciecircncia ou altos

valores

8) Donde a foacutermula lukaacutecsiana da dupla base eacute falsa pois a plataforma

eacute a sociabilidade enquanto a naturalidade eacute apenas o insuprimiacutevel predicado

bioloacutegico que passa a vigir na forma e sob a regecircncia da sociabilidade Natildeo

perde por isso uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo orgacircnica mas na sua efetividade

muda de caraacuteter No interiro da esfera societaacuteria o predicado bioloacutegico eacute um

outro de si Se originariamente foi o ponto de partida agora eacute produzido e

reproduzido pela legalidade de um ser que o ultrapassa e o domina vive e soacute

pode viver na subjugaccedilatildeo de um novo estatuto Ou seja ao integrar como

predicado o ser de niacutevel mais elevado realiza a sua maacutexima potecircncia e isso eacute

ao mesmo tempo sua desnaturalizaccedilatildeo ou perecimento Impereciacutevel como

predicado natildeo eacute base pois determina soacute por seus limites pelas carecircncias natildeo

pelas determinaccedilotildees resolutivas nem mesmo em suas forccedilas e sentidos pois

enquanto virtualidades estas soacute satildeo humanas e superiores em resoluccedilatildeo

societaacuteria Ademais natildeo eacute nunca um criador de novas necessidades o que

caracteriza a legalidade social

9) A argumentaccedilatildeo acima diz respeito diretamente ao ser social em sua

configuraccedilatildeo bipolar (indiviacuteduo e gecircnero) e desenvolvida em especial no poacutelo da

individualidade tendo por esteio o andamento do gecircnero e ao falar deste se diz

do seu metabolismo com a natureza Esse metabolismo fundamental que eacute em

suma a atividade vital do homem ao gerar produtos sociais

(utilidadesmercadorias) sem que se possa transpor a estes as mesmas

determinaccedilotildees que foram feitas para o ser social desde logo satildeo entes sociais

mas em outro grau da escala do ser social mas tambeacutem tecircm mudada a sua

natureza de naturais a utilidades (e na forma da alienaccedilatildeofetichismo as

40

mercadorias) de sorte que a apropriaccedilatildeo da natureza eacute igualmente sua

desnaturalizaccedilatildeo eacute forccedilaacute-las a deixar de ser o que satildeo em sua peculiaridade

para se tornarem um outro de si sob a regecircncia do estatuto societaacuterio Isso eacute a

manifestaccedilatildeo do poder e da superioridade do grau maacuteximo do ser Nenhum

outro ser realiza qualquer coisa semelhante nem longinquumlamente Repetindo

Kant e Hegel Marx tinha toda razatildeo quando disse que haacute mais grandeza e

misteacuterio na cabeccedila de um becircbado do que no conjunto do universo

10) a Sociabilidade imperfeita substacircncia ainda natildeo realizada enquanto

tal ou seja ainda incapaz de autonomia como complexo estruturado conduz agrave

poliacutetica Natildeo compreendida como substacircncia mas como simples organizaccedilatildeo

potildee o homem no outro poacutelo na dicotomia homemsociedade ou seja na

representaccedilatildeo socioloacutegica ou politoloacutegica o homem eacute um outro

Determinada ou compreendida como substacircncia eacute substacircncia humana

(perfeita e imperfeita com todas as grandezas e miseacuterias produzidas

modificadas suprimidas e repostas no curso histoacuterico) eacute a essecircncia mutante do

ser auto-engendrado e enquanto mutante e por ser mutante distinta tambeacutem

por essa mutabilidade do predicado bioloacutegico atemporalmente necessaacuterio mas

sempre e progressivamente insuficiente do ser social

O tomo IV do primeiro nuacutemero da Revista Ensaios Ad Hominem eacute

composto de seis artigos - aleacutem do texto de abertura de autoria de J Chasin -

que resultaram de siacutenteses ou modificaccedilatildeo de partes ou capiacutetulos de

dissertaccedilotildees defendidas entre os anos de 1998 e 1999 junto ao Programa de

Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia da UFMG

41

O artigo que abre a presente coletacircnea intitulado A Razatildeo como

Tribunal da Criacutetica Marx e A Gazeta Renana de autoria de Celso Eidt versa

sobre a concepccedilatildeo do jovem Marx sobre o papel da imprensa natildeo apenas como

o locus privilegiado para o debate filosoacutefico mas fundamentalmente para os

processos educativos tendo em vista a realizaccedilatildeo plena da liberdade humana Eacute

bom ressaltar que no periacuteodo em que tais artigos satildeo redigidos Marx

compartilha de uma visatildeo antropoloacutegica racional em que a natureza humana eacute

concebida como espiacuterito livre e racional enquanto esteio da proacutepria vida eacutetica

ou seja da praacutetica humana fundada na razatildeo universal

Ana Selva Albinati autora do artigo A Determinaccedilatildeo dos Valores

Morais nos textos de Marx de 1841 a 1847 se debruccedila justamente sobre tal

campo de reflexatildeo Seu trabalho eacute uma tentativa de sistematizaccedilatildeo das

consideraccedilotildees sobre os valores morais nos textos do periacuteodo que se inicia com

sua tese doutoral Diferenccedilas entre as Filosofias da Natureza de Demoacutecrito e

Epicuro prosseguindo ateacute A Miseacuteria da Filosofia Ana Selva procura demonstrar

que esse periacuteodo normalmente referido como sendo o da juventude de Marx eacute

na verdade constituiacutedo de dois momentos de sua elaboraccedilatildeo teoacuterica que tem

como momento de clivagem a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel de meados

de 1843 em que Marx rompe com o referencial teoacuterico do idealismo alematildeo Em

relaccedilatildeo agraves determinaccedilotildees sobre a moral essa ruptura se reflete na inflexatildeo

radical que diferencia a compreensatildeo da moralidade no primeiro e segundo

momentos de tal forma que a moralidade passa a ser compreendida como um

dos modos da consciecircncia socialmente determinada concepccedilatildeo completamente

distinta da primeira fase em que os valores morais eram compreendidos como

expressotildees da liberdade e da racionalidade humanas idealmente concebidas

No artigo A criacutetica da Especulaccedilatildeo nas Glosas de Kreuznach Milney

Chasin analisa o momento inicial e ao mesmo tempo decisivo da ruptura que

se verifica entre Marx e Hegel no plano das determinaccedilotildees do ser Desse modo

a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel inaugura a criacutetica marxiana da

especulaccedilatildeo no seu cerne o de rejeitar o procedimento especulativo

42

caracteriacutestico de se provir tudo da ideacuteia real de tornaacute-la sujeito isto eacute de

capacitar a abstraccedilatildeo ou conceito automovido - a partir das metamorfoses

hegelianas - de pocircr o multiverso sensiacutevel Em outros termos Milney Chasin no

referido artigo evidencia como a criacutetica da especulaccedilatildeo permite a Marx

ultrapassar os horizontes do idealismo alematildeo na direccedilatildeo do devido

reconhecimento da distinccedilatildeo entre ser e pensar de caracterizar a impropriedade

ontoloacutegica da loacutegica hegeliana de apurar os limites gnosioloacutegicos e

incongruecircncias de toda ordem Em suma permite o desvelamento da substacircncia

miacutestica oferecendo a explicitaccedilatildeo do meacutetodo hegeliano - das diabruras do

conceito autoposto - que articula abstraccedilotildees e finitude restando a esta a mera

condiccedilatildeo de apecircndice dissolvido isto eacute momento virtual da realizaccedilatildeo da

idealidade

O quarto artigo desta coletacircnea intitulado A Exteriorizaccedilatildeo da Vida nos

Manuscritos de 44 eacute parte da dissertaccedilatildeo de mestrado As Categorias

Lebensaumlusserung Entaumlusserung Entfremdung e Veraumlusserung nos Manuscritos

Economico-Filosoacuteficos de Karl Marxdefendida por Mocircnica H M da Costa em

que o interesse era acima de tudo averiguar se alienaccedilatildeo (Entaumlusserung) e

estranhamento (Entfremdung) teriam significados distintos A pesquisa acabou

opor apontar no entanto uma outra categoria como eixo desses manuscritos

Lebensaumlusserung traduzida por exteriorizaccedilatildeo da vida De fato o fio condutor

dos Manuscritos eacute a centralidade do trabalho na produccedilatildeo material e espiritual

da vida humana Tomando para anaacutelise criacutetica pela primeira vez os

economistas claacutessicos Marx explicita sua proacutepria compreensatildeo da forma

peculiar de engendramento da existecircncia do homem A criacutetica a Hegel completa

o quadro desta tematizaccedilatildeo que natildeo seraacute abandonada ateacute os uacuteltimos trabalhos

de Marx

Sabina Maura Silva no artigo A Fenomenologia do Egoiacutesmo Stirner e a

Criacutetica Marxiana tem como objetivo fundamental apresentar a concepccedilatildeo de

homem presente na obra O Uacutenico e Sua Propriedade de autoria do filoacutesofo

neohegeliano Max Stirner e expor a criacutetica de Marx a este autor contida em A

43

Ideologia Alematilde A autora mostra que para Stirner o Eu tomado como

individualidade singular eacute o fundamento de sua esfera existencial No entanto

para esse autor tudo tem determinado a existecircncia dos indiviacuteduos natildeo tendo

sido permitido a eles determinaacute-la O objetivo de Stirner eacute pois remeter ao

indiviacuteduo - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel - o que dele foi alienado e erigido

como algo autocircnomo Por seu turno a criacutetica de Marx tem como fim explicitar o

caraacuteter especulativo da anaacutelise stirneana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo

bem como salientar o aspecto pseudorevolucionaacuterio de suas proposituras

Assim segundo Marx Stirner tatildeo somente interpreta diferentemente o

existente isto eacute reconhece o existente mediante outra

interpretaccedilatildeoTransformando as contradiccedilotildees objetivas em contradiccedilotildees

subjetivas Stirner conserva e justifica as condiccedilotildees e estruturas efetivas que

esmagam e impedem a autodeterminaccedilatildeo das individualidades ao reconhecer

as circunstacircncias como determinaccedilotildees dos indiviacuteduos Acolhendo acriacutetica e

especulativamente em suas feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees

estranhadas de um momento histoacuterico particular da individuaccedilatildeo humana

Stirner erige como individualidade um ente que empobrecido e constrangido

pelas condiccedilotildees objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade

social pode somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria

sobre si e sobre o mundo

O uacuteltimo artigo do tomo IV da Revista Ensaios Ad Hominem eacute de

autoria de Antocircnio Joseacute Lopes Alves e leva o tiacutetulo de A Individualidade

Moderna nos Grundrisse Neste texto o autor procura demonstrar que a

moderna sociabilidade do capital eacute compreendida por Marx como forma

instaurada a partir da dissoluccedilatildeo dos liames sociais que uniam em tempos

anteriores os indiviacuteduos agrave comunidade Aleacutem disso destaca o fato apontado por

Marx de que tal processo se constitui numa verdadeira reconversatildeo ontoloacutegica

tanto dos indiviacuteduos quanto das condiccedilotildees da atividade vital ocorrendo uma

radical transformaccedilatildeo na forma de ser de ambos Sinteticamente trata-se de

reconfiguraccedilatildeo ontoloacutegica que determina como entes autocircnomos os indiviacuteduos

44

de um lado e as condiccedilotildees de trabalho de outro vale dizer do divoacutercio entre os

indiviacuteduos ativos e as condiccedilotildees de sua atividade Antocircnio Lopes buscou em

suma alinhar as determinaccedilotildees mais essenciais dos indiviacuteduos e da

sociablidade modernos no que respeita agrave forma mesma das relaccedilotildees sociais da

atividade sensiacutevel bem como da respectiva expressatildeo ideal como por exemplo

a configuraccedilatildeo das categorias da igualdade e liberdade

O leitor encontraraacute nas paacuteginas que se seguem o resultado do esforccedilo

de pesquisa voltado ao resgate da obra marxiana caracterizado pela busca do

rigor na leitura e interpretaccedilatildeo do pensamento de um autor cuja heranccedila

intelectual conheceu um destino traacutegico Natildeo eacute faacutecil portanto voltar-se a ela

sem os preconceitos da moda - como jaacute havia advertido Lukaacutecs Natildeo posso

afirmar com total certeza que um intento dessa natureza tenha sido plenamente

alcanccedilado Todavia eacute faacutecil perceber as diferenccedilas desse tipo de produccedilatildeo teoacuterica

com aquela apresentada tanto pelo marxismo adstringido e suas dissidecircncias

como pelo marxismo vulgar para utilizar as expressotildees cunhadas por Chasin no

intuito de designar as duas variantes de interpretaccedilatildeo da obra marxiana

Faccedilo aqui ao leitor interessado o convite para participar dessa

avaliaccedilatildeo

[1] Professora do Departamento de Filosofia da UFMG coordenadora

do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e Estudos Confluentes

45

[i] J CHASIN Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in

Teixeira FJS Pensando com Marx Editora Ensaio Satildeo Paulo 1995

[ii] K MARX amp F ENGELS A Sagrada Famiacutelia Ed Grijalbo trad

Wenceslao Roces Meacutexico DF 1960 p 120

[iii] Ver a respeito J CHASIN Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo

Metodoloacutegica opcit

[iv] J CHASIN O Futuro Ausente in Ensaios Ad Hominem 1 tomo III

Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem Satildeo Paulo 2000 p 166

[v] Ib p 167

[vi] Id

[vii] E CASSIRER A Filosofia do Iluminismo Editora da Unicamp

Campinas 1992 p 11

[viii] G LUKAacuteCS La Riproduzionein Per lOntologia delle Essere

Sociale Roma Editori Riuniti tomo II 1981 pp 180-81

[ix] N HARTMANN Ontologia Fondo de Cultura Econoacutemica Meacutexico D

F vol 1 1986

[x] K MARX O Capital vol I Ediccedilatildeo Abril Cultural Satildeo Paulo p 149

[xi] Id

[xii] Ib p 150

[xiii] (a respeito dessas categorias ver N HARTMANN Ontologia op cit

vol I p XII

46

47

[xiv] No original alematildeo in der Form des Seins Dietz Verlag 1971 p

195

[xv] Ib p 151

[xvi] Ver a respeito em J CHASIN Marx-Estatuto Ontoloacutegico e

Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica op cit

[xvii] K MARX op Cit p 126

Page 15: :: Verinotio - Revista On-line de Educao e Cincias Humanas · O leitor encontrará, portanto, nessa Apresentação o fruto de trabalho de coleta e organização de materiais utilizados

E se partiacutessemos do todo concreto Natildeo findariacuteamos numa visatildeo

caoacutetica e abstrata de conjuntos indeterminados desamparados na companhia

de um punhado de abstraccedilotildees razoaacuteveis e irrazoaacuteveis

Feitas tais indagaccedilotildees Chasin conclui de modo enfaacutetico Toda peticcedilatildeo

de fundamento todo discurso por um fundamento estaacute encerrado na esfera

teoacuterica Aleacutem do mais todo discurso de fundamentaccedilatildeo pretende e implica uma

certeza ou seja de um modo ou de outro a suposiccedilatildeo de um saber absoluto

ainda que um simples momento do saber absoluto Vale dizer o discurso da

fundamentaccedilatildeo desemboca de algum modo na razatildeo especulativa Em outras

palavras implica algo que transcende a proacutepria natureza do saber que eacute um

processo infinito de aproximaccedilotildees

Para Chasin o reconhecimento do ontopraacutetico tem a vantagem de

escapar agrave querela da fundamentaccedilatildeo na medida em que parte da experiecircncia

real melhor dizendo da praacutetica real natildeo de uma experiecircncia isolada

arbitrariamente natildeo da experiecircncia aleatoacuteria da suposta existecircncia existencial

dos indiviacuteduos isolados dos indiviacuteduos em derreliccedilatildeo

O universo ontopraacutetico eacute o necessariamente vivido para que qualquer

pergunta possa se dar Eacute portanto a esfera preacute-teoreacutetica esfera que antecede

qualquer teoria Esfera sem a qual natildeo haacute vida humana e portanto sem a qual

natildeo pode haver qualquer pergunta teoacuterica

A reflexatildeo que tem como ponto de partida o ontopraacutetico estabelece

assim um pressuposto concreto (e natildeo uma verdade ideada) do qual natildeo posso

me afastar a natildeo ser na imaginaccedilatildeo

Em siacutentese a esfera ontopraacutetica representa o complexos dos homens

vivos e ativos A partir dessa abstraccedilatildeo razoaacutevel - o ontopraacutetico - pode-se

encontrar jaacute numa analiacutetica de desentranhamento desse complexo real o

devido lugar da ontologia da epistemologia e da ciecircncia da histoacuteria que

compreende dois grandes ramos natureza e sociedade

15

Em outras palavras sem a consideraccedilatildeo do ontopraacutetico torna-se

aleatoacuteria a localizaccedilatildeo que se confere tanto ao ontoloacutegico quanto ao epistecircmico

A opccedilatildeo por um deles se torna uma arbitrariedade teoacuterica e eacute justamente isto

que gera a querela da fundamentaccedilatildeo pois a decisatildeo fica submersa ao plano

teoacuterico ao jogo dos argumentos agrave ambivalecircncia do logos que eacute irresolutivo

Sem a consideraccedilatildeo do ontopraacutetico parte-se assim de imediato da

teoria e natildeo do ser que faz da teoria ou deste como uma abstraccedilatildeo da

inteligibilidade ou seja de uma faculdade abstraiacuteda do ser que a possui

gerando com isso um absurdo ontoloacutegico

Eacute portanto a partir da analiacutetica do ontopraacutetico pelo reconhecimento de

seus traccedilos categoriais que tem iniacutecio a elaboraccedilatildeo ontoloacutegica Ou seja a

ontologia nasce como reflexatildeo conscientizaccedilatildeo conceituaccedilatildeo do ontopraacutetico

enquanto primeiro objeto da ontologia que a partir daiacute se encaminha em

direccedilatildeo agrave criacutetica - em termos de sua necessidade e loacutegica especiacutefica - do proacuteprio

ontopraacutetico isto eacute do complexo dos objetos reais aiacute incluiacutedo o homem

Resta ainda em relaccedilatildeo agrave problemaacutetica geral em tela aflorar a questatildeo

da adequatio tal como era tematizada tambeacutem em seus cursos

Polemizando com a denominaccedilatildeo de realismo comumente utilizada

para denominar proposituras que conferem prioridade ao mundo objetual

Chasin afirmava que haacute realismo - antigo - quando eacute suposto que a ordem da

razatildeo agrave idecircntica a ordem do real e que a partir de axiomas por meios racionais-

dedutivos embuiacutedos do espiacuterito de sistema se possa estabelecer a verdade do

mundo

Em Marx entretanto a ordem das coisas e da razatildeo satildeo distintas (um

exemplo expressivo desta postura marxiana pode ser encontrada na famosa

Introduccedilatildeo de 57) ambas mutaacuteveis e processuais - unidade da desidentidade

entre ser e saber Assim o mundo natildeo pode ser deduzido racionalmente mas

reproduzido sob forma de ideacuteia por meio de aproximaccedilotildees - empiacuterico abstrato

16

concreto - num processo intensivo e extensivo historicamente condicionado

possibilitado ou impedido - na dependecircncia que fica da maturaccedilatildeo do objeto e

do posicionamento do sujeito O processo mimeacutetico eacute portanto reproduccedilatildeo

conceitual de efetividades donde se lida com duas ordens de formaccedilotildees real e

ideal A reproduccedilatildeo conceitual apresenta portanto sua proacutepria loacutegica mas no

interior da determinaccedilatildeo soacutecio-histoacuterica do pensamento de modo que uma

teoria do conhecimento (morfologia e dinacircmica da subjetividade in abstratu e

imutaacutevel) eacute incapaz de explicar o processo cognitivo pois a faculdade humana

da forccedila da abstraccedilatildeo depende das possibilidades oferecidas pela

determinaccedilatildeo social do pensamento que por sua vez se manifesta e se

configura pelo desenvolvimento dos objetos e da praacutetica humana que sobre eles

tem incidecircncia

Donde a franca afirmaccedilatildeo marxiana da possibilidade de conhecer natildeo

se confunde com a simplicidade e facilidade da concepccedilatildeo realista nem mesmo

no plano da ingenuidade cotidiana desde logo porque a atividade cotidiana -

que estaacute para aleacutem da ingenuidade ou lanccedila os sujeitos para aleacutem da

ingenuidade - eacute em si um complexo rico e desafiador matrizador inclusive da

intentio recta atitude natural e necessaacuteria da esfera ontopraacutetica

Haacute portanto que distinguir as grandes diferenccedilas ontoloacutegicas entre o

estatuto marxiano e a ontologia realista Na primeira a adequatio digamos

assim eacute correlaccedilatildeo entre formaccedilatildeo real e formaccedilatildeo ideal duas ordens distintas

de configuraccedilatildeo Em outras palavras eacute correlaccedilatildeo conceitual entre entificaccedilatildeo

concreta e reproduccedilatildeo conceitual Em suma a reproduccedilatildeo conceitual nada mais

eacute do que transposiccedilatildeo agrave cabeccedila ordenada pelos nexos do real na forma e pelos

meios da proacutepria atividade mental

I - Tomando Marx por Base e por Ponto de Chegada

17

Considerando como ponto de referecircncia as consideraccedilotildees

desenvolvidas por Marx em O Capital especificamente sobre a dificuldade

encontrada pela humanidade na compreensatildeo do valor ao longo de dois

milecircnios - de Aristoacuteteles a Ricardo - pode-se sustentar segundo Chasin que

um fenocircmeno muito similar a este se produziu no que tange agrave determinaccedilatildeo do

ser ou seja da(s) matriz(es) da(s) realidade(s) ou seja da efetividade

Tomemos as passagens em questatildeo que se encontram no Prefaacutecio agrave

Primeira Ediccedilatildeo de O Capital Todo comeccedilo eacute difiacutecil isso vale para qualquer

ciecircncia A forma do valor cuja figura acabada eacute a forma do dinheiro eacute muito

simples e vazia de conteuacutedo Mesmo assim o espiacuterito humano tem procurado

desvendaacute-la (ergruumlden) em vatildeo haacute mais de 2000 anos enquanto por outro lado

teve ecircxito ao menos aproximado a anaacutelise de formas muito mais complicadas e

replenas de conteuacutedo Por quecirc Porque o corpo desenvolvido eacute mais faacutecil de

estudar do que a ceacutelula do corpo Aleacutem disso na anaacutelise das formas econocircmicas

natildeo podem servir nem o microscoacutepio nem reagentes quiacutemicos A forccedila da

abstraccedilatildeo deve substituir a ambos Para o leigo a anaacutelise parece se perder

em pedantismo Trata-se efetivamente de pedantismo mas daquele de que se

ocupa a anatomia microscoacutepica

De acordo com Chasin eacute necessaacuterio reter os seguintes noacutedulos

significativos da citaccedilatildeo acima

1) todo iniacutecio de uma ciecircncia eacute difiacutecil donde o princiacutepio da ontologia o

princiacutepio da ciecircncia deve ser o mais difiacutecil de todos

2) haacute grande dificuldade na compreensatildeo da forma do valor que eacute um

objeto simples e vazio de conteuacutedo

3) haacute ecircxito maior na anaacutelise de formas mais complicadas e replenas de

conteuacutedo

18

Na mesma citaccedilatildeo Marx enuncia os motivos de tal dificuldade

1) o corpo desenvolvido eacute mais faacutecil de estudar do que a ceacutelula do

corpo

2) meacutetodos experimentais natildeo satildeo aplicaacuteveis a esse tipo de forma

3) a analiacutetica dessa forma pela forccedila da abstraccedilatildeo deve tomar o lugar

da observaccedilatildeo empiacuterica e experimental

4) anaacutelise voltada agrave anatomia microscoacutepica da forma estudada

A partir dessas indicaccedilotildees colhidas no texto de Marx Chasin elabora

um esboccedilo para fins unicamente didaacuteticos em que busca transpassaacute-las para a

proacutepria questatildeo ontoloacutegica afirmando o que se segue

1) o iniacutecio difiacutecil da ontologia perdurou tambeacutem por mais de 2000

anos trajetoacuteria em que se observa tateios imprecisos caracterizados por um

movimento simultacircneo de constituiccedilatildeodissoluccedilatildeo ateacute chegar em Marx Tal

movimento simultacircneo de constituiccedilatildeodissoluccedilatildeo revela por seu rumo

imanentemente contraditoacuterio por seus caminhos e descaminhos histoacutericos a

dificuldade e a longa incapacidade na formulaccedilatildeo precisa de seu objeto e

alcance ou seja de sua natureza e propoacutesito - de sua funccedilatildeo orientadora e

sustentadora no plano teoacuterico e de sua origem praacutetica preacute-teoreacutetica

2) reconhecimento ontopraacutetico das formas dos seres e analiacutetica da

forma do ser apenas por meio da forccedila da abstraccedilatildeo no reconhecimento

ontopraacutetico os seres satildeo reconhecidos como substantivos e nesse caso ateacute

certo ponto vale para a observaccedilatildeo espontacircnea e observaccedilatildeo comum pois o

desvendamento completo exige forccedila de abstraccedilatildeo como verbo ( o ato de ser

de Gilson) soacute a forccedila da abstraccedilatildeo daiacute a facilidade para se cair no

abstrativismo

19

Eacute nesse preciso momento da exposiccedilatildeo chasiniana que surgem as

primeiras referecircncias a Eacute Gilson assim como a N Hartmann momentos mais agrave

frente Evidentemente que esse procedimento natildeo ocorre por acaso pois o que

estaacute em questatildeo agora satildeo as tentativas contemporacircneas de resgate da

tematizaccedilatildeo ontoloacutegica

Eacute Gilson afirma que o mais fundamental dos problemas da filosofia - a

relaccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia que por seu turno diz respeito agrave distinccedilatildeo

de ser como nome isto eacute como substantivo em latim ens (ente) e como verbo

esse Eacute sabido que o esse tomista eacute concebido como ato de ser - actus essendi -

significando portanto existecircncia ato de existir ato de ser

Chasin comenta a ambiguumlidade da noccedilatildeo de ser para qual Gilson

chama atenccedilatildeo afirmando o que se segue

1) Ens eacute um nome que significa um ser (determinado) ou seja a

natureza e a essecircncia de qualquer existente ou entatildeo - o ser mesmo - uma

propriedade comum a tudo aquilo que se pode dizer que eacute (que pertence a)

Em suma enquanto nome ou substantivo ser designa um existente

qualquer ou uma propriedade comum a todos os existentes designa o que

verdadeiramente eacute ou uma propriedade geral eacute um ente ou uma entidade

2) Enquanto verbo ser designa a accedilatildeo ou o ato de ser exercido pelo

ente Assim como verbo natildeo significa que algo eacute nem a existecircncia em geral

mas o ato mesmo pelo qual qualquer realidade dada eacute de fato ou existe

Precisamente a este ato Gilson chama de ser em contraposiccedilatildeo a ente

De todo modo feita a distinccedilatildeo Chasin considera existir um seacuterio

problema ao tomar em separado ens e esse indagando eacute possiacutevel pensar em

duas figuras no isolamento Seraacute que essa configuraccedilatildeo eacute de fato o mais

fundamental dos problemas ou eacute o mais antigo o mais remoto e o mais cultuado

dos equiacutevocos da histoacuteria da filosofia

20

De um lado a compreensatildeo da forma de ser enquanto verbo como

pura significaccedilatildeo verbal de existir de estar presente enquanto significaccedilatildeo de

ato ou presenccedila o verbo eacute forma simples e vazia de conteuacutedo pois reduzida ao

predicado mais geral e comum das coisas denota apenas sua existecircncia De

outro lado ocorre o mesmo problema com o substantivo ser - ens - pois redunda

em essecircncia imutaacutevel Em outras palavras na histoacuteria da filosofia nesses dois

caminhos houve de longa data polecircmica sobre o que existe em que plano se daacute

a existecircncia e assim por diante No caso do ser como verbo o ser eacute muito

parcamente categorial reduzido agrave presenccedila no tempo e no espaccedilo soacute possui o

predicado abstrato da existecircncia no caso do substantivo tomado sem o ato de

existir se converte em complexo de propriedades ou entidades perenes

A resoluccedilatildeo para tal questatildeo reside segundo Chasin em tomar o ser

enquanto complexo categorial daquilo que eacute como ente que existe Nesse

sentido o desvendamento tem ecircxito maior como mostra a ciecircncia que toma

para anaacutelise formas mais complicadas e replenas de conteuacutedo vale dizer uma

vez que tem por alvo o ser por sua efetividade e determinado por suas

qualidades natildeo apenas pelo reconhecimento de sua presenccedila mas pelo seu

complexo categorial

Ora arremata Chasin a forma sensiacutevel do ente compreende o ens e o

esse ou seja a plena riqueza do complexo categorial

- Loacutegica e Ciecircncia

Neste item Chasin defende a tese de que na medida em que

pretendeu e pretenda ser uma disciplina ou ciecircncia de chegada isto eacute

21

conclusiva autocircnoma e sistemaacutetica a ontologia acaba por ser transmutada em

loacutegica ou ciecircncia

Talvez possa ser dito que nas ontologias onde predomine

unilateralmente o ser como verbo ou o ente como essecircncia terminem por ser

uma loacutegica que de alguma forma acaba por ter a pretensatildeo de constituir o ser

a loacutegica eacute entatildeo o segredo uacuteltimo do ser ou sua base cognitiva e por essa via

sua base ontoloacutegica - que assim nega a ontologia ou seja o reconhecimento do

ser por si

De outra parte predominando o ser como substantivo o fim da

ontologia acaba por ser uma forma de ciecircncia ou seja a ontologia eacute novamente

negada como ocorreu com a ciecircncia moderna donde sua pretendida auto-

suficiecircncia que apenas admite por fundamento uma forma qualquer de

gnosiologia isto eacute uma forma a priori da operatividade subjetiva

desaparecendo assim a regecircncia do objeto o que ao contraacuterio caracteriza o

espiacuterito e o propoacutesito ontoloacutegicos ou seja o reconhecimento do ente enquanto

ente o oacuten qua oacuten ou ser por si

Em suma a ontologia quando centrada no ser como verbo rarefeita

pelo vazio de sua forma termina por ser loacutegica por outro lado quando centrada

no ser como substantivo agraves voltas com gecircneros formados por complexos

qualitativos termina por se constituir em ciecircncia particular e autocircnoma Assim

ao pretender ser tudo concludente sistemaacutetica e independente por sua forma

mais vazia ou por suas categorias abstratas e perenes a ontologia acaba por

ser negada pela loacutegica ou pela ciecircncia Pretendendo ser tudo acaba por

desaparecer

Ora ao tomar o ser como verbo a ontologia tem de compreender que

natildeo pode ser mais do que a anatomia de uma propriedade do ser - de sua

propriedade mais geral e vazia - a propriedade de sua presenccedila enquanto corpo

real ausente ou presenccedila de um complexo categorial abstraiacutedo O ser aqui eacute

22

reduzido agrave forma mais vazia a simples propriedade de um todo que escapa

completamente agrave sua jurisdiccedilatildeo Donde seu desenlace em loacutegica

De outra parte quando o ser eacute tomado em sua denotaccedilatildeo substantiva

ou seja na multiplicidade de suas propriedades qualitativas em interconexatildeo

especiacutefica transborda em ciecircncia na medida em que a ontologia pretenda a

condiccedilatildeo de disciplina ou ciecircncia sistemaacutetica

Donde a impossibilidade de a ontologia ficar adstrita agrave forma do verbo

nem se realizar como dilucidaccedilatildeo concreta do substantivo Assim deve-se

reconhecer que a ontologia natildeo pode se realizar em nenhum desses dois poacutelos

nem simples tematizaccedilatildeo do ato geneacuterico da presenccedila - que redundaria em

simples compoacutesito tautoloacutegico nem tematizaccedilatildeo do ser substantivo concreto

pois aiacute se desnaturaria em ciecircncia especiacutefica

Conclusivamente a ontologia nem eacute simples tautologia do ser em ato

nem efetivaccedilatildeo cientiacutefico-concreta do desvendamento do ser como substantivo

Enquanto tal a ontologia eacute uma realizaccedilatildeo necessaacuteria no espaccedilo que antecede

aqueles dois poacutelos em verdade a plataforma que leva da constataccedilatildeo mais

abstrata do ser (tanto como substantivo quanto verbo) agrave sua reproduccedilatildeo

cientiacutefica como substantivo Enquanto tal eacute um estatuto - uma filosofia primeira

o cacircnon da legalidade do ser matrizado pelos traccedilos ou vetores categoriais

fundamentais do ser por si que matriza a cientificidade tanto em sua forma mais

abstrata - loacutegica - quanto em sua forma mais concreta - ciecircncia

O problema fundamental da filosofia primeira - philosophia prima - eacute o

problema das categorias mais gerais do ser aiacute incluso o ato de ser donde em

sua plenitude o ato sensiacutevel de ser - ens e esse o ens essendi complexo

categorial pleno no ato de existir

Essa plataforma estatutaacuteria natildeo eacute uma disciplina situada entre outras

disciplinas entre a loacutegica e a ciecircncia como um campo intermediaacuterio entre o

verbo e o substantivo entre a maacutexima abstratividade e a efetividade concreta

23

Essa distribuiccedilatildeo topograacutefica confere agrave abstraccedilatildeo a condiccedilatildeo de fundaccedilatildeo

(determinaccedilatildeo originaacuteriaontoloacutegica) e fundamento (ponto de partida

epistemoloacutegico) Se assim fosse perderia a condiccedilatildeo de filosofia primeira

Enquanto filosofia primeira eacute o reconhecimento do substantivo verbal

do substantivo que eacute do ens essendi natildeo de uma substantividade qualquer em

abstrato mas da substantividade que existe por todas as modalidades

categoriais isto eacute reais (sensiacuteveis) natildeo apenas um substantivo pensado que

dependeria para ser do pensamento mas do substantivo que eacute por-si

independentemente se ser pensado o que requer o complexo categorial

da sensibilidade por isso eacute que soacute eacute ser o ser sensiacutevel Vale dizer o ser como

verbo eacute resultado do ser substantivo soacute um sujeito (em suas diversas formas na

cadeia do ser) eacute (soacute um sujeito existe eacute faz sente pensa etc de acordo com

seu grau na cadeia do ser)

A ontologia do puro verbo ser ou das puras essecircncias (complexo

categorial abstrativante e eterno) eacute a autonomizaccedilatildeo das categorias ou da

existecircncia em relaccedilatildeo ao ser e existir reais agraves formas reais de ser e existir satildeo

as categorias e a existecircncia sem corpo ou sujeito mais do que isso satildeo as

categorias (essecircncia) e existecircncia em geral universal e abstrata tornadas

sujeito a essecircncia ou a existecircncia abstratas personificadas - e isso satildeo

puramente figuras do pensamento o que jaacute eacute especulaccedilatildeo natildeo ontologia

Marx agrave semelhanccedila de Feuerbach soacute admite como ente ou melhor

como entificaccedilatildeo o ens essendi - o ente sendo o ente no ato de ser o ente

revestido de existecircncia atual - objetivo o ente no exerciacutecio da accedilatildeo ou ato de

ser eacute portanto um ente existente ou seja o ente que estaacute sendo o ente no ato

de existir

Donde do mesmo modo que em Feuerbach o ser eacute inseparaacutevel de sua

existecircncia Ser e existir constituem uma unidade indissoluacutevel complexo

24

categorial no ato de ser pela atualizaccedilatildeo do complexo categorial essecircncia

determinada e mutaacutevel na mutabilidade de ser e ir sendo (essendi)

Eacute chegada a hora depois desta etapa analiacutetica de vislumbrar qual eacute o

cenaacuterio em Marx que esse conjunto de questotildees se coloca Com esse objetivo e

como eacute tiacutepico de seu procedimento investigativo junto aos textos daquele autor

Chasin toma para anaacutelise o item 1 O Processo de Trabalho do capiacutetulo V de O

Capital Nele pode-se identificar em primeiro lugar a natureza geral (universal)

da atualizaccedilatildeo da forccedila de trabalho que se encontra em potecircncia nos indiviacuteduos

A produccedilatildeo de valores de uso ou bens natildeo muda sua natureza geral por se

realizar para o capitalista e sob seu controle Por isso o processo de trabalho

deve ser considerado de iniacutecio independentemente de qualquer forma social

determinada[x]

Por que o processo de trabalho deve ser considerado de iniacutecio

independentemente de qualquer forma social determinada indaga Chasin A

resposta eacute formulada em estilo direto Para natildeo ser perdida a natureza do

trabalho sua positividade enquanto atividade humana vital

Tem-se nessa passagem segundo Chasin um exemplo do exerciacutecio

de uma ontologia estatutaacuteria - a positividade (sua efetividade ou operosidade)

universal do trabalho enquanto atributo vital e inalienaacutevel do homem

independentemente de suas formas concretas que se apresentam na forma do

trabalho alienado

Eacute a determinaccedilatildeo universal do trabalho o traccedilo de sua legalidade

uacuteltima sua determinaccedilatildeo mais geral e essencial dimensatildeo que natildeo desaparece

nem mesmo sob suas formas concretas mais negativas

A ontologia estatutaacuteria registra o traccedilo ou rastro dessa dimensatildeo

permanente que atravessa as formas concretas em sua efetividade contraditoacuteria

e especialmente desfavoraacutevel para o homem enquanto maioria subjugada ao

longo de toda a preacute-histoacuteria da humanidade

25

Permanente mas permanente processual mutaacutevel diversamente

positivo quantitativa e qualitativamente em cada uma das formas concretas em

que o trabalho aparece nas configuraccedilotildees sociais determinadas

Nesse sentido abstratamente permanente abstratamente positivo mas

onde essa abstratividade natildeo corresponde a uma simples determinaccedilatildeo

conceitual Corresponde a uma efetividade em sua figura proacutepria em cada forma

social determinada

Agrave ontologia estatutaacuteria compete o reconhecimento dessa dimensatildeo mais

geral base para a decifraccedilatildeo cientiacutefica concreta dos casos efetivos que por sua

vez confirmam ou natildeo criticamente a determinaccedilatildeo mais geral ontoloacutegica Natildeo

haacute portanto um abismo separando ontologia de ciecircncia mas a continuidade de

momentos distintos de uma mesma unidade de conhecimento que interagem e

se medem reciprocamente se apoacuteiam estimulam e criticam um infinito processo

constitutivo das certezas

Continuando a anaacutelise do texto marxiano tem-se a descriccedilatildeo do

trabalho e o reconhecimento analiacutetico de sua natureza Antes de tudo [aqui

Chasin faz uma pequena observaccedilatildeo assinalando ou seja na raiz em seu

fundamento diria uma linguagem mais convencional e ciosa de suas

pretendidas atribuiccedilotildees] o trabalho eacute um processo entre o homem e a

natureza um processo em que o homem por sua proacutepria accedilatildeo medeia regula

controla seu metabolismo com a natureza Ele mesmo se defronta com a

mateacuteria natural Ele potildee em movimento as forccedilas naturais pertencentes agrave sua

corporalidade braccedilos e pernas cabeccedila e matildeo a fim de se apropriar da mateacuteria

natural numa forma uacutetil para a sua proacutepria vida Ao atuar por meio desse

movimento sobre a natureza externa a ele e ao modificaacute-la ele modifica ao

mesmo tempo sua proacutepria natureza Ele desenvolve as potecircncias nela

adormecidas e sujeita o jogo de suas forccedilas a seu proacuteprio domiacutenio[xi]

26

Observe-se que diz Chasin ao trabalhar ao mudar a forma da

natureza ao construir sua proacutepria mundaneidade o homem ele proacuteprio por

meio de seu proacuteprio trabalho transforma a sua proacutepria natureza Ou seja de ser

natural para social eis um novo exemplo de lineamento reconhecido e recolhido

agrave ontologia estatutaacuteria

Prosseguindo na especificaccedilatildeo Marx afirmaPressupomos o trabalho

numa forma que pertence exclusivamente ao homem Uma aranha executa

operaccedilotildees semelhantes agraves do tecelatildeo e a abelha envergonha mais de um

arquiteto humano com a construccedilatildeo dos favos de suas colmeacuteias Mas o que

distingue de antematildeo o pior arquiteto da melhor abelha eacute que ele construiu o

favo em sua cabeccedila antes de construiacute-lo em cera No fim do processo de

trabalho obteacutem-se um resultado que jaacute no iniacutecio deste existiu na imaginaccedilatildeo do

trabalhador e portanto idealmente Ele natildeo apenas efetua uma transformaccedilatildeo

da forma da mateacuteria natural realiza ao mesmo tempo na mateacuteria natural seu

objetivo que ele sabe que determina como lei a espeacutecie e o modo de sua

atividade e ao qual tem de subordina sua vontade E essa subordinaccedilatildeo natildeo eacute

um ato isolado Aleacutem do esforccedilo dos oacutergatildeos que trabalham eacute exigida a vontade

orientada a um fim que se manifesta como atenccedilatildeo durante todo o tempo de

trabalho e isso tanto mais quanto menos esse trabalho pelo proacuteprio conteuacutedo e

pela espeacutecie modo de sua execuccedilatildeo atrai o trabalhador portanto quanto

menos ele o aproveita como jogo de suas proacuteprias forccedilas fiacutesicas e espirituais[xii]

Chasin chama atenccedilatildeo para as seguintes observaccedilotildees

1) a preacutevia-ideaccedilatildeo do resultado (do fim) a existecircncia ideal do mesmo

na imaginaccedilatildeo donde o objeto ou um complexo categorial in mente e ante

res[xiii]

Preacutevia-ideaccedilatildeo e teleologia satildeo ou podem ser momentos confluentes

mas natildeo satildeo idecircnticos a preacutevia-ideaccedilatildeo estaacute no comeccedilo e eacute um desenho ideal

que implica o conhecimento da espeacutecie e do modo da atividade a realizar

27

conhecimento das malhas causais teleologia eacute simplesmente finalidade fim

objetivo podendo se apresentar de modo meramente volitivo e bem abstrato

natildeo mobilizante dos ou sem os meios de sua realizaccedilatildeo ou seja ter teleologia

sem preacutevia-ideaccedilatildeo natildeo conduz a nenhum processo de trabalho Quero assinar

que o termo teleologia pode ser demasiado vago no sentido de mero conceito

filosoacutefico convencional nesse sentido apenas alusivo e natildeo instrumentador de

operaccedilotildees na esfera da atividade sensiacutevel Pode ser entendido mais como

manifestaccedilatildeo de espiacuterito do que como exigecircncia de efetuaccedilatildeo de mudanccedila de

forma da mateacuteria natural e objetivaccedilatildeo de propoacutesito E de toda forma indica

antes de tudo que o fim o realizado estaacute no fim do processo fala do obtido ou

do a ser obtido nada nos diz da travessia que realiza da travessia que passa do

ideal para o real natildeo nos fala da mobilizaccedilatildeo ideal e material necessaacuterias

Quando a teleologia se manifesta como resultado jaacute natildeo eacute preciso dizer mais

nada a respeito Basta saudar e usufruir de sua apariccedilatildeo que nada tem de

maacutegica ou misteriosa mas antes de reconhececirc-la como produto das

metamorfoses de subjetividade e objetividade Ou seja em suas distintas

naturezas inconfundiacuteveis enquanto tais objetividade e subjetividade satildeo

entificaccedilotildees na mundaneidade humana e nessa qualidade estados ou momentos

do ser social momentos regidos pela atividade ideal e sensiacutevel do mesmo

Penso que Lukaacutecs ao transpor a questatildeo para a linguagem filosoacutefica

tradicional pode ter dissociado demais fins e meios o que natildeo eacute o caso dos

textos de Marx Por isso Lukaacutecs se vecirc obrigado depois a buscar a rearticulaccedilatildeo

entre teleologia e causalidade e nisso encontre natildeo poucas dificuldades (como

uma passa para outra e vice-versa parecendo que lida ao limite com

substacircncias incomunicaacuteveis natildeo as compreendendo em suas metamorfoses) e

deixe que se perca certa substacircncia da questatildeo antes de tudo o interfluxo entre

objetividade e subjetividade com seus distintos momentos preponderantes em

cada um dos passos dos momentos embricados dos processos Creio que as

duas esferas ficam sempre tradicionalmente um tanto estranhas uma em

28

relaccedilatildeo agrave outra seja para preservar a objetividade e aiacute se torna objetivista seja

para ressaltar a subjetividade e aiacute desliza para o subjetivismo

2) No fim do processo tem-se seu resultado que eacute a transformaccedilatildeo da

forma de uma dada mateacuteria natural e a realizaccedilatildeo do objetivo do trabalho que

existiu antes como preconfiguraccedilatildeo ideal Portanto o trabalho transforma

imagem ideal em ente real complexo categorial in rebus

Em suma no pensamento de Marx as categorias ou complexos

categoriais satildeo reconhecidos sob as trecircs formas in mente (existem idealmente

na imaginaccedilatildeo ou como reproduccedilatildeo mental das coisas categorias da

representaccedilatildeo) ante res (preacutevia-ideaccedilatildeo) e in rebus como efetividades quando

estatildeo na forma de ser Como confirmaccedilatildeo tome-se mais esta passagem do

mesmo capiacutetulo No processo de trabalho a atividade do homem efetua

portanto mediante o meio de trabalho uma transformaccedilatildeo do objeto de

trabalho pretendida desde o princiacutepio O processo extingue-se no produto Seu

produto eacute um valor de uso uma mateacuteria natural adaptada agraves necessidades

humanas mediante transformaccedilatildeo da forma O trabalho se uniu com seu objeto

O trabalho estaacute objetivado e o objeto trabalhado O que do lado do trabalhador

aparecia na forma de mobilidade aparece agora como propriedade imoacutevel na

forma do ser[xiv] do lado do produto Ele fiou e o produto eacute um fio[xv]

Como arremate analiacutetico dessa famosa mas muitas vezes mal

compreendida passagem de O Capital Chasin conclui ao mesmo tempo em que

visualiza uma nova tarefa Se assim eacute se as categorias podem aparecer nas

trecircs formas - in rebus - in mente - ante res - haacute entatildeo que determinar o que satildeo

cada uma dessas formas

Esquematicamente Chasin propotildee o seguinte

1) se estatildeo in rebus (nas coisas) estatildeo na forma do ser

29

2) se estatildeo in mente (na cabeccedila) estatildeo na forma da reproduccedilatildeo ideal

das coisas Trata-se da subjetividade receptora[xvi] que reproduz as coisas natildeo

captando apenas seus dados empiacutericos superando pois o empirismo e elabora

portanto a reproduccedilatildeo ideal dos entes e onde a subsunccedilatildeo aos objetos eacute a

atividade de sua elaboraccedilatildeo ideal

3) se estatildeo ante res (antes das coisas) estatildeo na forma da finalidade da

preacutevia mentalizaccedilatildeo de objetivos e meios

Poreacutem no segundo e terceiro casos as categorias estatildeo na forma de

espeacutecies de pensamento representaccedilotildees e projeccedilotildees do ser do vir-a-ser dos

meios materiais instrumentais processuais e dinacircmicos de entificaccedilatildeo dos

seres

Concluindo essa parte dizer pois que o homem e o mundo satildeo

atividade sensiacutevel que por criar seu mundo cria a si mesmo eacute determinar o

homem como a criatura criadora de seres

No entanto na medida em que apenas na configuraccedilatildeo histoacuterica regida

pela loacutegica do capital ou seja na plenitude da produccedilatildeo da riqueza entendida

por sua essecircncia subjetiva que eacute o trabalho que se atinou para determinaccedilatildeo

do homem como a criatura criadora de seres foi possiacutevel agrave reflexatildeo pode se

dar conta potencialmente da verdadeira problemaacutetica do ser

Em outras palavras eacute pela criacutetica ao criador de criaturas na forma da

alienaccedilatildeo - criacutetica marxiana agrave sociedade capitalista - eacute que a ontologia pode

atinar com seu verdadeiro objeto e modo de determinaccedilatildeo Natildeo eacute casual que

tenha emergido pela criacutetica feuerbachiana ao sistema hegeliano (a criaccedilatildeo

especulada dos entes) e ganho seus contornos efetivos no advento de uma

nova forma de pensamento e concepccedilatildeo de praacutetica - a doutrina de Marx

Resumindo no caso de Marx ontologia eacute estatuto ou filosofia primeira

do ser social que enquanto tal norteia a concreccedilatildeo cientiacutefica do mesmo cuja

30

realizaccedilatildeo corrige e enriquece o proacuteprio estatuto donde a sinergia e a reciacuteproca

dimensatildeo criacutetica entre estatuto ontoloacutegico e ciecircncia da histoacuteria em seus diversos

departamentos possiacuteveis estabelecidos jaacute por criteacuterio ontoloacutegico ou seja que

respeita a integridade das coisas em suas qualidades e processos interconexos

que as constituem em seu ser por si e enquanto tais satildeo reproduzidas

teoricamente

Enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma da legalidade objetiva (material

e espiritual) do ser social ou seja enquanto malha de asserccedilotildees ou

determinaccedilotildees de seu complexo categorial enquanto o permanente na forma de

processo a ontologia estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a

sociabilidade como substacircncia desse grau maacuteximo da cadeia do ser

Mas substacircncia como complexo categorial como siacutentese de categorias

essenciais que denota uma forma especiacutefica determinada de presenccedila ou

existecircncia plenamente qualificada

Por isso eacute estatuto ontoloacutegico pois a plataforma canocircnica do ser eacute o

coacutedigo do substantivo verbal como substacircncia substrato) assim o estatuto

ontoloacutegico do complexo substantivo do ser social deve reconhecer a

sociabilidade como substacircncia A sociabilidade como substrato dos homens

seja na forma da alienaccedilatildeo seja na forma de sua latecircncia de substancialidade

em vir-a-ser no caminho infinito de sua realizaccedilatildeo

Trata-se portanto em Marx de estatuto e natildeo sistema pois como

sistema seria um agregado de abstraccedilotildees uma filosofia que uma vez obtidas

noccedilotildees fundamentais passa a se edificar por si ou seja as noccedilotildees seriam

coaacutegulos inteligiacuteveis que passam por auto-sustentaccedilatildeo a configurar

dedutivamente o mundo Ao passo que estatuto eacute uma ordem a legalidade do

ser sensiacutevel - o ser na plenitude de seus atributos

tempo (histoacuteriaprocessoduraccedilatildeomutabilidade) lugar e sensibilidade

especificamente a legalidade do ser social imanente a si em sua especiacutefica

31

objetividade O ser sensiacutevel eacute a forma do ser porque eacute a plenitude das

categorias possiacuteveis

E as formaccedilotildees ideais

Segundo Chasin as formaccedilotildees ideais do mesmo modo que as

formaccedilotildees reais - formas do ser - tecircm lugar e tempo como categorias - o tempo

e o espaccedilo das formaccedilotildees sociais que satildeo engendradas mas estatildeo privadas de

sensibilidade

O sensiacutevel soacute eacute predicaccedilatildeo inerecircncia agrave forma do ser que conteacutem a

plenitude dos predicados possiacuteveis (sensibilidade espaccedilo tempo)

Essa forma de conceber o ser eacute reconhecer substancialidade ao

complexu agrave unidade totalizada ou seja ao conjunto pleno de atributos em ato

Em outras palavras ser eacute complexo categorial - tem a forma de ser -

completude ou forma conferida pelo sensiacutevel que se desdobra em muacuteltiplos

atributos e se condensa de infinitas maneiras no gradiente do ser

Em suma segundo Chasin tomando Marx como base e ponto de

referecircncia permanentes ser eacute plenitude categorial ou seja a plenitude

categorial eacute sua forma e por ser sensiacutevel compreende lugar e tempo

Donde se admitido o princiacutepio metoacutedico de Marx saber eacute saber do ser

que antes de tudo eacute um complexo sensiacutevel - tudo que eacute existe eacute sempre um

complexo natildeo uma substacircncia ou essecircncia pura e cristalina E a cadeia do ser eacute

o conjunto de graus do ser - do menos ao mais complexo

O preceito metodoloacutegico marxiano eacute pois ontoloacutegico sabe-se o que eacute

como se formou se desenvolveu e como depereceraacute

Por via de consequumlecircncia e diante das vicissitudes da histoacuteria da

ontologia de seu processo constitutivo e dissolutor diante da penosa rota da

32

conquista teoacuterica do real homoacuteloga ou equivalente agrave necessidade humana de

produzir a sua mundaneidade e a si mesmo a ontologia eacute o que pode ser - o

que natildeo eacute pouco - a esfera teoacuterica da incerteza propulsora positiva

afirmativamente organizada O patamar do incerto ordenado como plataforma da

busca infinita da certeza Impulsatildeo incontornaacutevel que natildeo pode ser eludida pela

presenccedila imperativa dos circuitos ontopraacuteticos

Talvez agora o estatuto ontoloacutegico marxiano possa ser enunciado do

seguinte modo eacute o estudo das categorias fundamentais - em traccedilos essenciais

abstratos em suas determinaccedilotildees mais gerais - da existecircncia social

historicamente constatada e reconhecida sendo possiacutevel exemplificar com as

seguintes categorias historicidade (processualidade ou mutabilidade)

concreticidade ou objetividade atividade sensiacutevel e ideal (trabalho e

reproduccedilatildeo) subjetividade (receptiva e proponente) valor individualidade

gecircnero (sociabilidade) Tudo isso perfilando o complexo de complexos da auto

realizaccedilatildeo do ser humano-societaacuterio entendido que o fim dos fins eacute a infinitude

da realizaccedilatildeo do humano - do autopor-se do aberto ser humano-societaacuterio

Estatuto que em outros termos eacute a ordem do reconhecimento ou

reproduccedilatildeo teoacuterica da identidade natureza e constituiccedilatildeo das coisas por si por

seus complexos categoriais decisivos independentemente em qualquer plano

de se tornarem objetos de praacutetica ou reflexatildeo

Enquanto tal eacute a teoria do reconhecimento da objetividade histoacuterico-

social imanente em suas distintas formas de apresentaccedilatildeo (natureza e

sociedade) Em termos muito breves eacute o momento mais abstrato do

reconhecimento da identidade das coisas por si enquanto tal um dos momentos

distintos da unidade do saber do qual participa um segundo sob forma

concreta que eacute a ciecircncia

Pela proacutepria natureza histoacuterica processual do ser a ontologia marxiana

natildeo corresponde nem poderia corresponder por simples imperativo de

33

coerecircncia agrave forma de um saber universal plantado sobre uma racionalidade

auto-sustentada ou seja fundado na razatildeo universal nada mais a versatildeo laica

ou profana de Deus no dizer de Feuerbach Ou seja trata-se enfim de uma

forma de ontologia sem parentesco com o saber absoluto e que recusa qualquer

tipo de fundamento especulativo pois absolutizaccedilatildeo de uma teoria da

fundamentaccedilatildeo eacute simplesmente a firmaccedilatildeo especulativa da razatildeo autocircnoma ou

de um princiacutepio de inteligibilidade situado para aleacutem das coisas que garante a

presenccedila e o conhecimento do sagrado e a vitoacuteria antecipada do idealismo Natildeo

correspondendo agrave qualquer forma de saber universal a ontologia marxiana

sustenta a possibilidade efetiva como jaacute vimos de um saber real

Por sua praacutetica teoacuterica e por um conjunto de lineamentos expliacutecitos

Marx deixou o legado de um especiacutefico estatuto ontoloacutegico natildeo um ontologia de

talhe convencional ou tradicional e natildeo apenas por que careceu de tempo

necessaacuterio para a realizaccedilatildeo de uma obra desse tipo mas fundamentalmente

pela distinccedilatildeo de natureza de seu estatuto ontoloacutegico radicalmente oposto ao

tratamento especulativo da mateacuteria

Esse estatuto eacute constituiacutedo a partir do universo praacutetico onticamente

referido ou seja eacute um estatuto ocircntico-ontoloacutegico pois evolve da efetividade

histoacuterica das coisas de suas relaccedilotildees e processos para sua reproduccedilatildeo

conceitual no plano de uma trama categorial em sua expressatildeo mais abstrata

Reconhecimento e Determinaccedilatildeo da Sociabilidade como Substacircncia

Vimos que segundo Chasin enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma

da legalidade do ser social em sua materialidade e espiritualidade[pode-se dizer

tambeacutem em sua objetividade sensiacutevel e supra-sensiacutevel] ou seja enquanto

malha de asserccedilotildees ou determinaccedilotildees de seu complexo categorial a ontologia

34

estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a sociabilidade como substacircncia desse

grau maacuteximo do ser

Embora Chasin natildeo tenha desenvolvido plenamente a questatildeo da

objetividade supra-sensiacutevel como tambeacutem a da sociabilidade como substacircncia

julgo conveniente transcrever tambeacutem algumas notas e comentaacuterios feitos em

sala de aula dada a importacircncia do tema

Em relaccedilatildeo agrave noccedilatildeo de substacircncia Chasin retoma sua noccedilatildeo mais geral

e tradicional Ou seja deixando de fora qualquer conotaccedilatildeo relativa a formas de

idealidade o que existe por si eacute um auto-engendrado a uacuteltima instacircncia de um

dado gecircnero de entificaccedilatildeo enquanto tal na medida em que eacute uma efetividade

eacute um complexo que a noccedilatildeo de substacircncia refere no mais alto grau de

abstraccedilatildeo Vale pois como abstraccedilatildeo razoaacutevel tal como todo conceito

marxiano nesse niacutevel de generalizaccedilatildeo a partir do qual pela via dos processos

de concreccedilatildeo satildeo determinaacuteveis as formas concretas de substacircncia

correspondentes agraves formaccedilotildees sociais reais

Dessa forma a substacircncia eacute um complexo histoacuterico natildeo uma

idealidade natildeo um construto da razatildeo auto-sustentada mas o resumo de uma

extraccedilatildeo justificada

Naturalidade e Sociabilidade

Sempre que se potildee a questatildeo da naturalidade e da sociabilidade essa

uacuteltima tende a ser examinada in statu nascendi ou de um estado original

imaginaacuterio natildeo se parte portanto de fatos pois os desconhecemos se eacute que

35

tenham existido mas de um mito E do mito se quer saltar para o quadro de uma

realidade complexa

Mas acompanhando Marx lembremos das pobres robinsonadas do

seacuteculo XVIII referidas logo agraves primeiras linhas da Introduccedilatildeo de 57 a) O

caccedilador e o pescador individuais e isolados de que partem Smith e Ricardo b)

o contrat social de Rousseau que relaciona e liga sujeitos independentes por

natureza por meio de um contrato Essas robinsonadas natildeo repousam sobre

(o) naturalismo E a argumentaccedilatildeo prossegue Trata-se ao contraacuterio de uma

antecipaccedilatildeo da sociedade (buumlrgelichen Gesellschaft) que se preparava desde

o seacuteculo XVI e no seacuteculo XVIII deu larguiacutessimos passos em direccedilatildeo agrave sua

maturidade Nesta sociedade da livre concorrecircncia o indiviacuteduo aparece

desprendido dos laccedilos naturais que em eacutepocas histoacutericas remotas fizeram dele

um acessoacuterio de um conglomerado humano limitado e determinado Os profetas

do seacuteculo XVIII sobre cujos ombros se apoacuteiam inteiramente Smith e Ricardo

imaginam o indiviacuteduo do seacuteculo XVIII como um ideal que teria existido no

passado Vecircem-no natildeo como um resultado histoacuterico mas como ponto de partida

da Histoacuteria porque o consideram como um indiviacuteduo conforme agrave natureza -

dentro da representaccedilatildeo que tinham da natureza humana - que natildeo se originou

historicamente mas foi posto como tal pela natureza[xvii]

Segundo Chasin tomando Marx novamente como ponto de referecircncia

os equiacutevocos que aparecem ao se tratar a relaccedilatildeo naturalidade sociabilidade

satildeo os seguintes

1) procurar deduzir em graus diferentes em cada caso o ser social do

natural esquecendo que se trata da emergecircncia do novo de uma configuraccedilatildeo

ontoloacutegica nova e que o novo nunca eacute um simples desdobramento do estaacutegio

anterior no caso - do grau de ser antecedente ou seja que entre os dois niacuteveis

ocorre o que se chama de salto um intervalo em que a potecircncia causal do

antecedente natildeo conteacutem a capacidade a potecircncia ou a potencialidade para

gerar o novo Um intervalo que fica assim indeterminado

36

2) o procedimento acima abre para a mera especulaccedilatildeo pois tende a

deduzir a indeterminaccedilatildeo a querer estabelecer nexos onde eles inexistem

tende a preencher o que de fato eacute um vazio A rigor natildeo se trata de um natildeo-

sabido mas da ausecircncia factual de um objeto ou processo em outros termos

se trata de um vazio ontoloacutegico de uma ausecircncia de nexos ontoloacutegicos

O correto segundo o modus operandi marxiano natildeo eacute partir da semente

ou do embriatildeo mas do complexo real maturado uma vez que

especialiacutessimamente na esfera social a loacutegica do gerado eacute diversa da loacutegica de

sua gecircnese aleacutem de que nesse acircmbito as entificaccedilotildees configuradas apagam a

rota e a loacutegica de sua formaccedilatildeo

Desse modo partindo do jaacute configurado e considerando que se trata de

uma configuraccedilatildeo infinita que compreende mutaccedilotildees qualitativas muito

importantes e natildeo esquecendo que permanecemos no estaacutegio preacute-histoacuterico (em

momento especialmente desequilibrado e contraditoacuterio) podemos e devemos

reconhecer por meio de algumas abstraccedilotildees razoaacuteveis o seguinte

1) A formaccedilatildeo do ser social eacute um processo da animalidade agrave

hominidade o andamento da naturalidade agrave sociabilidade o caminho infinito da

naturalidade dada agrave sociabilidade natildeo-dada em produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

perenes

2)Trata-se pois de uma entificaccedilatildeo processual entre dois niacuteveis ou

poacutelos da escala do ser sendo processo eacute intrinsecamente uma contradiccedilatildeo e soacute

enquanto tal se move eliminada a contradiccedilatildeo cessaria a possibilidade do

processo Com isso eacute dito algo muito importante pois ao reconhecer a

contraditoriedade entre naturalidade e sociabilidade natildeo eacute mais possiacutevel pensar

as mesmas a propoacutesito do ser social como um simples conjugado de fatores

mas obrigatoriamente como uma conjugaccedilatildeo contraditoacuteria de legalidades Isso

vai na esteira do que eacute compreendido desde Hegel - que o ser eacute uma unidade

contraditoacuteria - todavia com o acreacutescimo do problema da dupla legalidade De

37

que modo ou feiccedilatildeo chega cada uma delas agrave unidade contraditoacuteria do ser Pois

haacute que pensar na unidade ou siacutentese a natildeo ser que se queira desenhar o ser

social como uma aberraccedilatildeo hiacutebrida pode ser esta a fisionomia do grau mais

elevado do gradiente dos seres Assim tomada na devida consideraccedilatildeo essa

determinaccedilatildeo ontoloacutegica sem a qual a reflexatildeo perde o rumo trata-se de

compreender a dinacircmica especiacutefica dessa contradiccedilatildeo peculiar Vejamos

3) Em primeiro lugar esse processo contraditoacuterio gera novas

contradiccedilotildees agora dominantemente contradiccedilotildees da sociabilidade em

formaccedilatildeo de sorte que se trata de um processo cumulativo de

contraditoriedades no qual as novas contradiccedilotildees progressivamente vatildeo

tomando o lugar predominante e decisivo vale dizer a contradiccedilatildeo originaacuteria

cada vez mais coabita com contradiccedilotildees de outro gecircnero diante das quais sua

presenccedila vai mudando de forccedila e configuraccedilatildeo natildeo desaparece mas sua

qualidade vai mudando na proporccedilatildeo mesmo do desenvolvimento da

apropriaccedilatildeo societaacuteria da natureza cada vez mais puramente social - eacute no que

consiste de acordo com as palavras de Marx o progressivo afastamento das

barreiras naturais

4) Ou seja a matriz e a medida do afastamento eacute a forma cada vez

mais social de produzir e reproduzir as bases materiais da vida pela qual eacute

gerado o novo ser em direccedilatildeo agrave sua potecircncia ampliada de se auto-por de ir em

direccedilatildeo a si mesmo um si mesmo que natildeo eacute dado mas gerado na progressatildeo

da auto-posiccedilatildeo do auto-assentamento ou da auto-enformaccedilatildeo que inclui a

proacutepria daccedilatildeo de forma e resoluccedilatildeo ao predicado natural ou bioloacutegico daccedilatildeo de

forma que em suma eacute daccedilatildeo de forma social ao predicado natural

5) Essa possibilidade de daccedilatildeo de forma eacute afirmaccedilatildeo e realizaccedilatildeo da

essecircncia social que eacute o conjunto de relaccedilotildees sociais configuradas em cada

momento pelo modo de produzir da base material modo por sua vez que eacute

determinado pelo desenvolvimento das forccedilas produtivas entre as quais figura o

proacuteprio modo de organizaccedilatildeo do conjunto das relaccedilotildees sociais

38

6) Daccedilatildeo de forma eacute alteraccedilatildeo do lugar resolutivo e todo ente que muda

de lugar muda de natureza sem alterar uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo material

Vale dizer que a contradiccedilatildeo originaacuteria entre naturalidade e sociabilidade eacute

resolvida por uma nova contradiccedilatildeo - a da naturalidade que soacute se realiza na

forma e por meios sociais - no afastamento que eacute superaccedilatildeo da naturalidade

(processo histoacuterico) a legalidade natural eacute submetida agrave legalidade social

(diferentemente em cada modo de produccedilatildeo e de acordo com o

desenvolvimento das forccedilas produtivas) o fator natural natildeo eacute suprimido

suprimida eacute sua capacidade de autodeterminaccedilatildeo resta portanto

simplesmente o que natildeo eacute pouco como um predicado do ser humano um

predicado insuprimiacutevel mas apenas como predicado bioloacutegico de um ser de

outra natureza e essecircncia A naturalidade eacute retida como predicado

imprescindiacutevel mas natildeo como essecircncia Donde natildeo satildeo mais duas legalidades

ontoloacutegicas que coexistem mas a legalidade superior mais complexa subsume

a legalidade natural que natildeo mais se autodetermina mas eacute resolvida pela e do

interior da outra Assim o predicado natural do homem recebe forma e

resoluccedilatildeo sociais ou seja o predicado natural eacute subsumido agrave legalidade social

Natildeo resta mais o choque de duas legalidades contrapostas na

contradiccedilatildeo originaacuteria A legalidade natural vai sucumbindo na ruptura e

progressivamente agrave legalidade social em sua efetividade no ser social a

legalidade natural natildeo mais atua por si eacute dependente do social natildeo eacute mais a

legalidade de um ser pois natildeo haacute mais aiacute um ser natural mas um atributo

natural dependente da essecircncia social O homem eacute um ser social que

compreende sua essecircncia especiacutefica (variaacutevel) suas contingecircncias e seu

predicado bioloacutegico Na entificaccedilatildeo do ser social uacuteltimo grau da cadeia do ser a

legalidade natural eacute subalternizada agrave social por mais ruacutestica e restrita que seja a

essecircncia social primitiva e por mais precaacuteria que seja essa subalternizaccedilatildeo de

iniacutecio O processo de afastamento das barreiras naturais eacute assim o curso dessa

subalternizaccedilatildeo que desponta no iniacutecio na ruptura com a legalidade natural e

por mais longo e contraditoacuterio em avanccedilos e recuos que seja esse processo

39

7) de outra parte a loacutegica do predicado bioloacutegico natildeo soluciona natildeo

tem resposta para o complexo problemaacutetico da sociabilidade enquanto que esta

daacute soluccedilatildeo aos imperativos daquela Como diz Marx nos Manuscritos de 44 o

homem contempla a natureza e a si mesmo com um produto social [dos homens

interativos] com pleno direito mesmo que natildeo com elevada consciecircncia ou altos

valores

8) Donde a foacutermula lukaacutecsiana da dupla base eacute falsa pois a plataforma

eacute a sociabilidade enquanto a naturalidade eacute apenas o insuprimiacutevel predicado

bioloacutegico que passa a vigir na forma e sob a regecircncia da sociabilidade Natildeo

perde por isso uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo orgacircnica mas na sua efetividade

muda de caraacuteter No interiro da esfera societaacuteria o predicado bioloacutegico eacute um

outro de si Se originariamente foi o ponto de partida agora eacute produzido e

reproduzido pela legalidade de um ser que o ultrapassa e o domina vive e soacute

pode viver na subjugaccedilatildeo de um novo estatuto Ou seja ao integrar como

predicado o ser de niacutevel mais elevado realiza a sua maacutexima potecircncia e isso eacute

ao mesmo tempo sua desnaturalizaccedilatildeo ou perecimento Impereciacutevel como

predicado natildeo eacute base pois determina soacute por seus limites pelas carecircncias natildeo

pelas determinaccedilotildees resolutivas nem mesmo em suas forccedilas e sentidos pois

enquanto virtualidades estas soacute satildeo humanas e superiores em resoluccedilatildeo

societaacuteria Ademais natildeo eacute nunca um criador de novas necessidades o que

caracteriza a legalidade social

9) A argumentaccedilatildeo acima diz respeito diretamente ao ser social em sua

configuraccedilatildeo bipolar (indiviacuteduo e gecircnero) e desenvolvida em especial no poacutelo da

individualidade tendo por esteio o andamento do gecircnero e ao falar deste se diz

do seu metabolismo com a natureza Esse metabolismo fundamental que eacute em

suma a atividade vital do homem ao gerar produtos sociais

(utilidadesmercadorias) sem que se possa transpor a estes as mesmas

determinaccedilotildees que foram feitas para o ser social desde logo satildeo entes sociais

mas em outro grau da escala do ser social mas tambeacutem tecircm mudada a sua

natureza de naturais a utilidades (e na forma da alienaccedilatildeofetichismo as

40

mercadorias) de sorte que a apropriaccedilatildeo da natureza eacute igualmente sua

desnaturalizaccedilatildeo eacute forccedilaacute-las a deixar de ser o que satildeo em sua peculiaridade

para se tornarem um outro de si sob a regecircncia do estatuto societaacuterio Isso eacute a

manifestaccedilatildeo do poder e da superioridade do grau maacuteximo do ser Nenhum

outro ser realiza qualquer coisa semelhante nem longinquumlamente Repetindo

Kant e Hegel Marx tinha toda razatildeo quando disse que haacute mais grandeza e

misteacuterio na cabeccedila de um becircbado do que no conjunto do universo

10) a Sociabilidade imperfeita substacircncia ainda natildeo realizada enquanto

tal ou seja ainda incapaz de autonomia como complexo estruturado conduz agrave

poliacutetica Natildeo compreendida como substacircncia mas como simples organizaccedilatildeo

potildee o homem no outro poacutelo na dicotomia homemsociedade ou seja na

representaccedilatildeo socioloacutegica ou politoloacutegica o homem eacute um outro

Determinada ou compreendida como substacircncia eacute substacircncia humana

(perfeita e imperfeita com todas as grandezas e miseacuterias produzidas

modificadas suprimidas e repostas no curso histoacuterico) eacute a essecircncia mutante do

ser auto-engendrado e enquanto mutante e por ser mutante distinta tambeacutem

por essa mutabilidade do predicado bioloacutegico atemporalmente necessaacuterio mas

sempre e progressivamente insuficiente do ser social

O tomo IV do primeiro nuacutemero da Revista Ensaios Ad Hominem eacute

composto de seis artigos - aleacutem do texto de abertura de autoria de J Chasin -

que resultaram de siacutenteses ou modificaccedilatildeo de partes ou capiacutetulos de

dissertaccedilotildees defendidas entre os anos de 1998 e 1999 junto ao Programa de

Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia da UFMG

41

O artigo que abre a presente coletacircnea intitulado A Razatildeo como

Tribunal da Criacutetica Marx e A Gazeta Renana de autoria de Celso Eidt versa

sobre a concepccedilatildeo do jovem Marx sobre o papel da imprensa natildeo apenas como

o locus privilegiado para o debate filosoacutefico mas fundamentalmente para os

processos educativos tendo em vista a realizaccedilatildeo plena da liberdade humana Eacute

bom ressaltar que no periacuteodo em que tais artigos satildeo redigidos Marx

compartilha de uma visatildeo antropoloacutegica racional em que a natureza humana eacute

concebida como espiacuterito livre e racional enquanto esteio da proacutepria vida eacutetica

ou seja da praacutetica humana fundada na razatildeo universal

Ana Selva Albinati autora do artigo A Determinaccedilatildeo dos Valores

Morais nos textos de Marx de 1841 a 1847 se debruccedila justamente sobre tal

campo de reflexatildeo Seu trabalho eacute uma tentativa de sistematizaccedilatildeo das

consideraccedilotildees sobre os valores morais nos textos do periacuteodo que se inicia com

sua tese doutoral Diferenccedilas entre as Filosofias da Natureza de Demoacutecrito e

Epicuro prosseguindo ateacute A Miseacuteria da Filosofia Ana Selva procura demonstrar

que esse periacuteodo normalmente referido como sendo o da juventude de Marx eacute

na verdade constituiacutedo de dois momentos de sua elaboraccedilatildeo teoacuterica que tem

como momento de clivagem a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel de meados

de 1843 em que Marx rompe com o referencial teoacuterico do idealismo alematildeo Em

relaccedilatildeo agraves determinaccedilotildees sobre a moral essa ruptura se reflete na inflexatildeo

radical que diferencia a compreensatildeo da moralidade no primeiro e segundo

momentos de tal forma que a moralidade passa a ser compreendida como um

dos modos da consciecircncia socialmente determinada concepccedilatildeo completamente

distinta da primeira fase em que os valores morais eram compreendidos como

expressotildees da liberdade e da racionalidade humanas idealmente concebidas

No artigo A criacutetica da Especulaccedilatildeo nas Glosas de Kreuznach Milney

Chasin analisa o momento inicial e ao mesmo tempo decisivo da ruptura que

se verifica entre Marx e Hegel no plano das determinaccedilotildees do ser Desse modo

a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel inaugura a criacutetica marxiana da

especulaccedilatildeo no seu cerne o de rejeitar o procedimento especulativo

42

caracteriacutestico de se provir tudo da ideacuteia real de tornaacute-la sujeito isto eacute de

capacitar a abstraccedilatildeo ou conceito automovido - a partir das metamorfoses

hegelianas - de pocircr o multiverso sensiacutevel Em outros termos Milney Chasin no

referido artigo evidencia como a criacutetica da especulaccedilatildeo permite a Marx

ultrapassar os horizontes do idealismo alematildeo na direccedilatildeo do devido

reconhecimento da distinccedilatildeo entre ser e pensar de caracterizar a impropriedade

ontoloacutegica da loacutegica hegeliana de apurar os limites gnosioloacutegicos e

incongruecircncias de toda ordem Em suma permite o desvelamento da substacircncia

miacutestica oferecendo a explicitaccedilatildeo do meacutetodo hegeliano - das diabruras do

conceito autoposto - que articula abstraccedilotildees e finitude restando a esta a mera

condiccedilatildeo de apecircndice dissolvido isto eacute momento virtual da realizaccedilatildeo da

idealidade

O quarto artigo desta coletacircnea intitulado A Exteriorizaccedilatildeo da Vida nos

Manuscritos de 44 eacute parte da dissertaccedilatildeo de mestrado As Categorias

Lebensaumlusserung Entaumlusserung Entfremdung e Veraumlusserung nos Manuscritos

Economico-Filosoacuteficos de Karl Marxdefendida por Mocircnica H M da Costa em

que o interesse era acima de tudo averiguar se alienaccedilatildeo (Entaumlusserung) e

estranhamento (Entfremdung) teriam significados distintos A pesquisa acabou

opor apontar no entanto uma outra categoria como eixo desses manuscritos

Lebensaumlusserung traduzida por exteriorizaccedilatildeo da vida De fato o fio condutor

dos Manuscritos eacute a centralidade do trabalho na produccedilatildeo material e espiritual

da vida humana Tomando para anaacutelise criacutetica pela primeira vez os

economistas claacutessicos Marx explicita sua proacutepria compreensatildeo da forma

peculiar de engendramento da existecircncia do homem A criacutetica a Hegel completa

o quadro desta tematizaccedilatildeo que natildeo seraacute abandonada ateacute os uacuteltimos trabalhos

de Marx

Sabina Maura Silva no artigo A Fenomenologia do Egoiacutesmo Stirner e a

Criacutetica Marxiana tem como objetivo fundamental apresentar a concepccedilatildeo de

homem presente na obra O Uacutenico e Sua Propriedade de autoria do filoacutesofo

neohegeliano Max Stirner e expor a criacutetica de Marx a este autor contida em A

43

Ideologia Alematilde A autora mostra que para Stirner o Eu tomado como

individualidade singular eacute o fundamento de sua esfera existencial No entanto

para esse autor tudo tem determinado a existecircncia dos indiviacuteduos natildeo tendo

sido permitido a eles determinaacute-la O objetivo de Stirner eacute pois remeter ao

indiviacuteduo - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel - o que dele foi alienado e erigido

como algo autocircnomo Por seu turno a criacutetica de Marx tem como fim explicitar o

caraacuteter especulativo da anaacutelise stirneana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo

bem como salientar o aspecto pseudorevolucionaacuterio de suas proposituras

Assim segundo Marx Stirner tatildeo somente interpreta diferentemente o

existente isto eacute reconhece o existente mediante outra

interpretaccedilatildeoTransformando as contradiccedilotildees objetivas em contradiccedilotildees

subjetivas Stirner conserva e justifica as condiccedilotildees e estruturas efetivas que

esmagam e impedem a autodeterminaccedilatildeo das individualidades ao reconhecer

as circunstacircncias como determinaccedilotildees dos indiviacuteduos Acolhendo acriacutetica e

especulativamente em suas feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees

estranhadas de um momento histoacuterico particular da individuaccedilatildeo humana

Stirner erige como individualidade um ente que empobrecido e constrangido

pelas condiccedilotildees objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade

social pode somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria

sobre si e sobre o mundo

O uacuteltimo artigo do tomo IV da Revista Ensaios Ad Hominem eacute de

autoria de Antocircnio Joseacute Lopes Alves e leva o tiacutetulo de A Individualidade

Moderna nos Grundrisse Neste texto o autor procura demonstrar que a

moderna sociabilidade do capital eacute compreendida por Marx como forma

instaurada a partir da dissoluccedilatildeo dos liames sociais que uniam em tempos

anteriores os indiviacuteduos agrave comunidade Aleacutem disso destaca o fato apontado por

Marx de que tal processo se constitui numa verdadeira reconversatildeo ontoloacutegica

tanto dos indiviacuteduos quanto das condiccedilotildees da atividade vital ocorrendo uma

radical transformaccedilatildeo na forma de ser de ambos Sinteticamente trata-se de

reconfiguraccedilatildeo ontoloacutegica que determina como entes autocircnomos os indiviacuteduos

44

de um lado e as condiccedilotildees de trabalho de outro vale dizer do divoacutercio entre os

indiviacuteduos ativos e as condiccedilotildees de sua atividade Antocircnio Lopes buscou em

suma alinhar as determinaccedilotildees mais essenciais dos indiviacuteduos e da

sociablidade modernos no que respeita agrave forma mesma das relaccedilotildees sociais da

atividade sensiacutevel bem como da respectiva expressatildeo ideal como por exemplo

a configuraccedilatildeo das categorias da igualdade e liberdade

O leitor encontraraacute nas paacuteginas que se seguem o resultado do esforccedilo

de pesquisa voltado ao resgate da obra marxiana caracterizado pela busca do

rigor na leitura e interpretaccedilatildeo do pensamento de um autor cuja heranccedila

intelectual conheceu um destino traacutegico Natildeo eacute faacutecil portanto voltar-se a ela

sem os preconceitos da moda - como jaacute havia advertido Lukaacutecs Natildeo posso

afirmar com total certeza que um intento dessa natureza tenha sido plenamente

alcanccedilado Todavia eacute faacutecil perceber as diferenccedilas desse tipo de produccedilatildeo teoacuterica

com aquela apresentada tanto pelo marxismo adstringido e suas dissidecircncias

como pelo marxismo vulgar para utilizar as expressotildees cunhadas por Chasin no

intuito de designar as duas variantes de interpretaccedilatildeo da obra marxiana

Faccedilo aqui ao leitor interessado o convite para participar dessa

avaliaccedilatildeo

[1] Professora do Departamento de Filosofia da UFMG coordenadora

do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e Estudos Confluentes

45

[i] J CHASIN Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in

Teixeira FJS Pensando com Marx Editora Ensaio Satildeo Paulo 1995

[ii] K MARX amp F ENGELS A Sagrada Famiacutelia Ed Grijalbo trad

Wenceslao Roces Meacutexico DF 1960 p 120

[iii] Ver a respeito J CHASIN Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo

Metodoloacutegica opcit

[iv] J CHASIN O Futuro Ausente in Ensaios Ad Hominem 1 tomo III

Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem Satildeo Paulo 2000 p 166

[v] Ib p 167

[vi] Id

[vii] E CASSIRER A Filosofia do Iluminismo Editora da Unicamp

Campinas 1992 p 11

[viii] G LUKAacuteCS La Riproduzionein Per lOntologia delle Essere

Sociale Roma Editori Riuniti tomo II 1981 pp 180-81

[ix] N HARTMANN Ontologia Fondo de Cultura Econoacutemica Meacutexico D

F vol 1 1986

[x] K MARX O Capital vol I Ediccedilatildeo Abril Cultural Satildeo Paulo p 149

[xi] Id

[xii] Ib p 150

[xiii] (a respeito dessas categorias ver N HARTMANN Ontologia op cit

vol I p XII

46

47

[xiv] No original alematildeo in der Form des Seins Dietz Verlag 1971 p

195

[xv] Ib p 151

[xvi] Ver a respeito em J CHASIN Marx-Estatuto Ontoloacutegico e

Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica op cit

[xvii] K MARX op Cit p 126

Page 16: :: Verinotio - Revista On-line de Educao e Cincias Humanas · O leitor encontrará, portanto, nessa Apresentação o fruto de trabalho de coleta e organização de materiais utilizados

Em outras palavras sem a consideraccedilatildeo do ontopraacutetico torna-se

aleatoacuteria a localizaccedilatildeo que se confere tanto ao ontoloacutegico quanto ao epistecircmico

A opccedilatildeo por um deles se torna uma arbitrariedade teoacuterica e eacute justamente isto

que gera a querela da fundamentaccedilatildeo pois a decisatildeo fica submersa ao plano

teoacuterico ao jogo dos argumentos agrave ambivalecircncia do logos que eacute irresolutivo

Sem a consideraccedilatildeo do ontopraacutetico parte-se assim de imediato da

teoria e natildeo do ser que faz da teoria ou deste como uma abstraccedilatildeo da

inteligibilidade ou seja de uma faculdade abstraiacuteda do ser que a possui

gerando com isso um absurdo ontoloacutegico

Eacute portanto a partir da analiacutetica do ontopraacutetico pelo reconhecimento de

seus traccedilos categoriais que tem iniacutecio a elaboraccedilatildeo ontoloacutegica Ou seja a

ontologia nasce como reflexatildeo conscientizaccedilatildeo conceituaccedilatildeo do ontopraacutetico

enquanto primeiro objeto da ontologia que a partir daiacute se encaminha em

direccedilatildeo agrave criacutetica - em termos de sua necessidade e loacutegica especiacutefica - do proacuteprio

ontopraacutetico isto eacute do complexo dos objetos reais aiacute incluiacutedo o homem

Resta ainda em relaccedilatildeo agrave problemaacutetica geral em tela aflorar a questatildeo

da adequatio tal como era tematizada tambeacutem em seus cursos

Polemizando com a denominaccedilatildeo de realismo comumente utilizada

para denominar proposituras que conferem prioridade ao mundo objetual

Chasin afirmava que haacute realismo - antigo - quando eacute suposto que a ordem da

razatildeo agrave idecircntica a ordem do real e que a partir de axiomas por meios racionais-

dedutivos embuiacutedos do espiacuterito de sistema se possa estabelecer a verdade do

mundo

Em Marx entretanto a ordem das coisas e da razatildeo satildeo distintas (um

exemplo expressivo desta postura marxiana pode ser encontrada na famosa

Introduccedilatildeo de 57) ambas mutaacuteveis e processuais - unidade da desidentidade

entre ser e saber Assim o mundo natildeo pode ser deduzido racionalmente mas

reproduzido sob forma de ideacuteia por meio de aproximaccedilotildees - empiacuterico abstrato

16

concreto - num processo intensivo e extensivo historicamente condicionado

possibilitado ou impedido - na dependecircncia que fica da maturaccedilatildeo do objeto e

do posicionamento do sujeito O processo mimeacutetico eacute portanto reproduccedilatildeo

conceitual de efetividades donde se lida com duas ordens de formaccedilotildees real e

ideal A reproduccedilatildeo conceitual apresenta portanto sua proacutepria loacutegica mas no

interior da determinaccedilatildeo soacutecio-histoacuterica do pensamento de modo que uma

teoria do conhecimento (morfologia e dinacircmica da subjetividade in abstratu e

imutaacutevel) eacute incapaz de explicar o processo cognitivo pois a faculdade humana

da forccedila da abstraccedilatildeo depende das possibilidades oferecidas pela

determinaccedilatildeo social do pensamento que por sua vez se manifesta e se

configura pelo desenvolvimento dos objetos e da praacutetica humana que sobre eles

tem incidecircncia

Donde a franca afirmaccedilatildeo marxiana da possibilidade de conhecer natildeo

se confunde com a simplicidade e facilidade da concepccedilatildeo realista nem mesmo

no plano da ingenuidade cotidiana desde logo porque a atividade cotidiana -

que estaacute para aleacutem da ingenuidade ou lanccedila os sujeitos para aleacutem da

ingenuidade - eacute em si um complexo rico e desafiador matrizador inclusive da

intentio recta atitude natural e necessaacuteria da esfera ontopraacutetica

Haacute portanto que distinguir as grandes diferenccedilas ontoloacutegicas entre o

estatuto marxiano e a ontologia realista Na primeira a adequatio digamos

assim eacute correlaccedilatildeo entre formaccedilatildeo real e formaccedilatildeo ideal duas ordens distintas

de configuraccedilatildeo Em outras palavras eacute correlaccedilatildeo conceitual entre entificaccedilatildeo

concreta e reproduccedilatildeo conceitual Em suma a reproduccedilatildeo conceitual nada mais

eacute do que transposiccedilatildeo agrave cabeccedila ordenada pelos nexos do real na forma e pelos

meios da proacutepria atividade mental

I - Tomando Marx por Base e por Ponto de Chegada

17

Considerando como ponto de referecircncia as consideraccedilotildees

desenvolvidas por Marx em O Capital especificamente sobre a dificuldade

encontrada pela humanidade na compreensatildeo do valor ao longo de dois

milecircnios - de Aristoacuteteles a Ricardo - pode-se sustentar segundo Chasin que

um fenocircmeno muito similar a este se produziu no que tange agrave determinaccedilatildeo do

ser ou seja da(s) matriz(es) da(s) realidade(s) ou seja da efetividade

Tomemos as passagens em questatildeo que se encontram no Prefaacutecio agrave

Primeira Ediccedilatildeo de O Capital Todo comeccedilo eacute difiacutecil isso vale para qualquer

ciecircncia A forma do valor cuja figura acabada eacute a forma do dinheiro eacute muito

simples e vazia de conteuacutedo Mesmo assim o espiacuterito humano tem procurado

desvendaacute-la (ergruumlden) em vatildeo haacute mais de 2000 anos enquanto por outro lado

teve ecircxito ao menos aproximado a anaacutelise de formas muito mais complicadas e

replenas de conteuacutedo Por quecirc Porque o corpo desenvolvido eacute mais faacutecil de

estudar do que a ceacutelula do corpo Aleacutem disso na anaacutelise das formas econocircmicas

natildeo podem servir nem o microscoacutepio nem reagentes quiacutemicos A forccedila da

abstraccedilatildeo deve substituir a ambos Para o leigo a anaacutelise parece se perder

em pedantismo Trata-se efetivamente de pedantismo mas daquele de que se

ocupa a anatomia microscoacutepica

De acordo com Chasin eacute necessaacuterio reter os seguintes noacutedulos

significativos da citaccedilatildeo acima

1) todo iniacutecio de uma ciecircncia eacute difiacutecil donde o princiacutepio da ontologia o

princiacutepio da ciecircncia deve ser o mais difiacutecil de todos

2) haacute grande dificuldade na compreensatildeo da forma do valor que eacute um

objeto simples e vazio de conteuacutedo

3) haacute ecircxito maior na anaacutelise de formas mais complicadas e replenas de

conteuacutedo

18

Na mesma citaccedilatildeo Marx enuncia os motivos de tal dificuldade

1) o corpo desenvolvido eacute mais faacutecil de estudar do que a ceacutelula do

corpo

2) meacutetodos experimentais natildeo satildeo aplicaacuteveis a esse tipo de forma

3) a analiacutetica dessa forma pela forccedila da abstraccedilatildeo deve tomar o lugar

da observaccedilatildeo empiacuterica e experimental

4) anaacutelise voltada agrave anatomia microscoacutepica da forma estudada

A partir dessas indicaccedilotildees colhidas no texto de Marx Chasin elabora

um esboccedilo para fins unicamente didaacuteticos em que busca transpassaacute-las para a

proacutepria questatildeo ontoloacutegica afirmando o que se segue

1) o iniacutecio difiacutecil da ontologia perdurou tambeacutem por mais de 2000

anos trajetoacuteria em que se observa tateios imprecisos caracterizados por um

movimento simultacircneo de constituiccedilatildeodissoluccedilatildeo ateacute chegar em Marx Tal

movimento simultacircneo de constituiccedilatildeodissoluccedilatildeo revela por seu rumo

imanentemente contraditoacuterio por seus caminhos e descaminhos histoacutericos a

dificuldade e a longa incapacidade na formulaccedilatildeo precisa de seu objeto e

alcance ou seja de sua natureza e propoacutesito - de sua funccedilatildeo orientadora e

sustentadora no plano teoacuterico e de sua origem praacutetica preacute-teoreacutetica

2) reconhecimento ontopraacutetico das formas dos seres e analiacutetica da

forma do ser apenas por meio da forccedila da abstraccedilatildeo no reconhecimento

ontopraacutetico os seres satildeo reconhecidos como substantivos e nesse caso ateacute

certo ponto vale para a observaccedilatildeo espontacircnea e observaccedilatildeo comum pois o

desvendamento completo exige forccedila de abstraccedilatildeo como verbo ( o ato de ser

de Gilson) soacute a forccedila da abstraccedilatildeo daiacute a facilidade para se cair no

abstrativismo

19

Eacute nesse preciso momento da exposiccedilatildeo chasiniana que surgem as

primeiras referecircncias a Eacute Gilson assim como a N Hartmann momentos mais agrave

frente Evidentemente que esse procedimento natildeo ocorre por acaso pois o que

estaacute em questatildeo agora satildeo as tentativas contemporacircneas de resgate da

tematizaccedilatildeo ontoloacutegica

Eacute Gilson afirma que o mais fundamental dos problemas da filosofia - a

relaccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia que por seu turno diz respeito agrave distinccedilatildeo

de ser como nome isto eacute como substantivo em latim ens (ente) e como verbo

esse Eacute sabido que o esse tomista eacute concebido como ato de ser - actus essendi -

significando portanto existecircncia ato de existir ato de ser

Chasin comenta a ambiguumlidade da noccedilatildeo de ser para qual Gilson

chama atenccedilatildeo afirmando o que se segue

1) Ens eacute um nome que significa um ser (determinado) ou seja a

natureza e a essecircncia de qualquer existente ou entatildeo - o ser mesmo - uma

propriedade comum a tudo aquilo que se pode dizer que eacute (que pertence a)

Em suma enquanto nome ou substantivo ser designa um existente

qualquer ou uma propriedade comum a todos os existentes designa o que

verdadeiramente eacute ou uma propriedade geral eacute um ente ou uma entidade

2) Enquanto verbo ser designa a accedilatildeo ou o ato de ser exercido pelo

ente Assim como verbo natildeo significa que algo eacute nem a existecircncia em geral

mas o ato mesmo pelo qual qualquer realidade dada eacute de fato ou existe

Precisamente a este ato Gilson chama de ser em contraposiccedilatildeo a ente

De todo modo feita a distinccedilatildeo Chasin considera existir um seacuterio

problema ao tomar em separado ens e esse indagando eacute possiacutevel pensar em

duas figuras no isolamento Seraacute que essa configuraccedilatildeo eacute de fato o mais

fundamental dos problemas ou eacute o mais antigo o mais remoto e o mais cultuado

dos equiacutevocos da histoacuteria da filosofia

20

De um lado a compreensatildeo da forma de ser enquanto verbo como

pura significaccedilatildeo verbal de existir de estar presente enquanto significaccedilatildeo de

ato ou presenccedila o verbo eacute forma simples e vazia de conteuacutedo pois reduzida ao

predicado mais geral e comum das coisas denota apenas sua existecircncia De

outro lado ocorre o mesmo problema com o substantivo ser - ens - pois redunda

em essecircncia imutaacutevel Em outras palavras na histoacuteria da filosofia nesses dois

caminhos houve de longa data polecircmica sobre o que existe em que plano se daacute

a existecircncia e assim por diante No caso do ser como verbo o ser eacute muito

parcamente categorial reduzido agrave presenccedila no tempo e no espaccedilo soacute possui o

predicado abstrato da existecircncia no caso do substantivo tomado sem o ato de

existir se converte em complexo de propriedades ou entidades perenes

A resoluccedilatildeo para tal questatildeo reside segundo Chasin em tomar o ser

enquanto complexo categorial daquilo que eacute como ente que existe Nesse

sentido o desvendamento tem ecircxito maior como mostra a ciecircncia que toma

para anaacutelise formas mais complicadas e replenas de conteuacutedo vale dizer uma

vez que tem por alvo o ser por sua efetividade e determinado por suas

qualidades natildeo apenas pelo reconhecimento de sua presenccedila mas pelo seu

complexo categorial

Ora arremata Chasin a forma sensiacutevel do ente compreende o ens e o

esse ou seja a plena riqueza do complexo categorial

- Loacutegica e Ciecircncia

Neste item Chasin defende a tese de que na medida em que

pretendeu e pretenda ser uma disciplina ou ciecircncia de chegada isto eacute

21

conclusiva autocircnoma e sistemaacutetica a ontologia acaba por ser transmutada em

loacutegica ou ciecircncia

Talvez possa ser dito que nas ontologias onde predomine

unilateralmente o ser como verbo ou o ente como essecircncia terminem por ser

uma loacutegica que de alguma forma acaba por ter a pretensatildeo de constituir o ser

a loacutegica eacute entatildeo o segredo uacuteltimo do ser ou sua base cognitiva e por essa via

sua base ontoloacutegica - que assim nega a ontologia ou seja o reconhecimento do

ser por si

De outra parte predominando o ser como substantivo o fim da

ontologia acaba por ser uma forma de ciecircncia ou seja a ontologia eacute novamente

negada como ocorreu com a ciecircncia moderna donde sua pretendida auto-

suficiecircncia que apenas admite por fundamento uma forma qualquer de

gnosiologia isto eacute uma forma a priori da operatividade subjetiva

desaparecendo assim a regecircncia do objeto o que ao contraacuterio caracteriza o

espiacuterito e o propoacutesito ontoloacutegicos ou seja o reconhecimento do ente enquanto

ente o oacuten qua oacuten ou ser por si

Em suma a ontologia quando centrada no ser como verbo rarefeita

pelo vazio de sua forma termina por ser loacutegica por outro lado quando centrada

no ser como substantivo agraves voltas com gecircneros formados por complexos

qualitativos termina por se constituir em ciecircncia particular e autocircnoma Assim

ao pretender ser tudo concludente sistemaacutetica e independente por sua forma

mais vazia ou por suas categorias abstratas e perenes a ontologia acaba por

ser negada pela loacutegica ou pela ciecircncia Pretendendo ser tudo acaba por

desaparecer

Ora ao tomar o ser como verbo a ontologia tem de compreender que

natildeo pode ser mais do que a anatomia de uma propriedade do ser - de sua

propriedade mais geral e vazia - a propriedade de sua presenccedila enquanto corpo

real ausente ou presenccedila de um complexo categorial abstraiacutedo O ser aqui eacute

22

reduzido agrave forma mais vazia a simples propriedade de um todo que escapa

completamente agrave sua jurisdiccedilatildeo Donde seu desenlace em loacutegica

De outra parte quando o ser eacute tomado em sua denotaccedilatildeo substantiva

ou seja na multiplicidade de suas propriedades qualitativas em interconexatildeo

especiacutefica transborda em ciecircncia na medida em que a ontologia pretenda a

condiccedilatildeo de disciplina ou ciecircncia sistemaacutetica

Donde a impossibilidade de a ontologia ficar adstrita agrave forma do verbo

nem se realizar como dilucidaccedilatildeo concreta do substantivo Assim deve-se

reconhecer que a ontologia natildeo pode se realizar em nenhum desses dois poacutelos

nem simples tematizaccedilatildeo do ato geneacuterico da presenccedila - que redundaria em

simples compoacutesito tautoloacutegico nem tematizaccedilatildeo do ser substantivo concreto

pois aiacute se desnaturaria em ciecircncia especiacutefica

Conclusivamente a ontologia nem eacute simples tautologia do ser em ato

nem efetivaccedilatildeo cientiacutefico-concreta do desvendamento do ser como substantivo

Enquanto tal a ontologia eacute uma realizaccedilatildeo necessaacuteria no espaccedilo que antecede

aqueles dois poacutelos em verdade a plataforma que leva da constataccedilatildeo mais

abstrata do ser (tanto como substantivo quanto verbo) agrave sua reproduccedilatildeo

cientiacutefica como substantivo Enquanto tal eacute um estatuto - uma filosofia primeira

o cacircnon da legalidade do ser matrizado pelos traccedilos ou vetores categoriais

fundamentais do ser por si que matriza a cientificidade tanto em sua forma mais

abstrata - loacutegica - quanto em sua forma mais concreta - ciecircncia

O problema fundamental da filosofia primeira - philosophia prima - eacute o

problema das categorias mais gerais do ser aiacute incluso o ato de ser donde em

sua plenitude o ato sensiacutevel de ser - ens e esse o ens essendi complexo

categorial pleno no ato de existir

Essa plataforma estatutaacuteria natildeo eacute uma disciplina situada entre outras

disciplinas entre a loacutegica e a ciecircncia como um campo intermediaacuterio entre o

verbo e o substantivo entre a maacutexima abstratividade e a efetividade concreta

23

Essa distribuiccedilatildeo topograacutefica confere agrave abstraccedilatildeo a condiccedilatildeo de fundaccedilatildeo

(determinaccedilatildeo originaacuteriaontoloacutegica) e fundamento (ponto de partida

epistemoloacutegico) Se assim fosse perderia a condiccedilatildeo de filosofia primeira

Enquanto filosofia primeira eacute o reconhecimento do substantivo verbal

do substantivo que eacute do ens essendi natildeo de uma substantividade qualquer em

abstrato mas da substantividade que existe por todas as modalidades

categoriais isto eacute reais (sensiacuteveis) natildeo apenas um substantivo pensado que

dependeria para ser do pensamento mas do substantivo que eacute por-si

independentemente se ser pensado o que requer o complexo categorial

da sensibilidade por isso eacute que soacute eacute ser o ser sensiacutevel Vale dizer o ser como

verbo eacute resultado do ser substantivo soacute um sujeito (em suas diversas formas na

cadeia do ser) eacute (soacute um sujeito existe eacute faz sente pensa etc de acordo com

seu grau na cadeia do ser)

A ontologia do puro verbo ser ou das puras essecircncias (complexo

categorial abstrativante e eterno) eacute a autonomizaccedilatildeo das categorias ou da

existecircncia em relaccedilatildeo ao ser e existir reais agraves formas reais de ser e existir satildeo

as categorias e a existecircncia sem corpo ou sujeito mais do que isso satildeo as

categorias (essecircncia) e existecircncia em geral universal e abstrata tornadas

sujeito a essecircncia ou a existecircncia abstratas personificadas - e isso satildeo

puramente figuras do pensamento o que jaacute eacute especulaccedilatildeo natildeo ontologia

Marx agrave semelhanccedila de Feuerbach soacute admite como ente ou melhor

como entificaccedilatildeo o ens essendi - o ente sendo o ente no ato de ser o ente

revestido de existecircncia atual - objetivo o ente no exerciacutecio da accedilatildeo ou ato de

ser eacute portanto um ente existente ou seja o ente que estaacute sendo o ente no ato

de existir

Donde do mesmo modo que em Feuerbach o ser eacute inseparaacutevel de sua

existecircncia Ser e existir constituem uma unidade indissoluacutevel complexo

24

categorial no ato de ser pela atualizaccedilatildeo do complexo categorial essecircncia

determinada e mutaacutevel na mutabilidade de ser e ir sendo (essendi)

Eacute chegada a hora depois desta etapa analiacutetica de vislumbrar qual eacute o

cenaacuterio em Marx que esse conjunto de questotildees se coloca Com esse objetivo e

como eacute tiacutepico de seu procedimento investigativo junto aos textos daquele autor

Chasin toma para anaacutelise o item 1 O Processo de Trabalho do capiacutetulo V de O

Capital Nele pode-se identificar em primeiro lugar a natureza geral (universal)

da atualizaccedilatildeo da forccedila de trabalho que se encontra em potecircncia nos indiviacuteduos

A produccedilatildeo de valores de uso ou bens natildeo muda sua natureza geral por se

realizar para o capitalista e sob seu controle Por isso o processo de trabalho

deve ser considerado de iniacutecio independentemente de qualquer forma social

determinada[x]

Por que o processo de trabalho deve ser considerado de iniacutecio

independentemente de qualquer forma social determinada indaga Chasin A

resposta eacute formulada em estilo direto Para natildeo ser perdida a natureza do

trabalho sua positividade enquanto atividade humana vital

Tem-se nessa passagem segundo Chasin um exemplo do exerciacutecio

de uma ontologia estatutaacuteria - a positividade (sua efetividade ou operosidade)

universal do trabalho enquanto atributo vital e inalienaacutevel do homem

independentemente de suas formas concretas que se apresentam na forma do

trabalho alienado

Eacute a determinaccedilatildeo universal do trabalho o traccedilo de sua legalidade

uacuteltima sua determinaccedilatildeo mais geral e essencial dimensatildeo que natildeo desaparece

nem mesmo sob suas formas concretas mais negativas

A ontologia estatutaacuteria registra o traccedilo ou rastro dessa dimensatildeo

permanente que atravessa as formas concretas em sua efetividade contraditoacuteria

e especialmente desfavoraacutevel para o homem enquanto maioria subjugada ao

longo de toda a preacute-histoacuteria da humanidade

25

Permanente mas permanente processual mutaacutevel diversamente

positivo quantitativa e qualitativamente em cada uma das formas concretas em

que o trabalho aparece nas configuraccedilotildees sociais determinadas

Nesse sentido abstratamente permanente abstratamente positivo mas

onde essa abstratividade natildeo corresponde a uma simples determinaccedilatildeo

conceitual Corresponde a uma efetividade em sua figura proacutepria em cada forma

social determinada

Agrave ontologia estatutaacuteria compete o reconhecimento dessa dimensatildeo mais

geral base para a decifraccedilatildeo cientiacutefica concreta dos casos efetivos que por sua

vez confirmam ou natildeo criticamente a determinaccedilatildeo mais geral ontoloacutegica Natildeo

haacute portanto um abismo separando ontologia de ciecircncia mas a continuidade de

momentos distintos de uma mesma unidade de conhecimento que interagem e

se medem reciprocamente se apoacuteiam estimulam e criticam um infinito processo

constitutivo das certezas

Continuando a anaacutelise do texto marxiano tem-se a descriccedilatildeo do

trabalho e o reconhecimento analiacutetico de sua natureza Antes de tudo [aqui

Chasin faz uma pequena observaccedilatildeo assinalando ou seja na raiz em seu

fundamento diria uma linguagem mais convencional e ciosa de suas

pretendidas atribuiccedilotildees] o trabalho eacute um processo entre o homem e a

natureza um processo em que o homem por sua proacutepria accedilatildeo medeia regula

controla seu metabolismo com a natureza Ele mesmo se defronta com a

mateacuteria natural Ele potildee em movimento as forccedilas naturais pertencentes agrave sua

corporalidade braccedilos e pernas cabeccedila e matildeo a fim de se apropriar da mateacuteria

natural numa forma uacutetil para a sua proacutepria vida Ao atuar por meio desse

movimento sobre a natureza externa a ele e ao modificaacute-la ele modifica ao

mesmo tempo sua proacutepria natureza Ele desenvolve as potecircncias nela

adormecidas e sujeita o jogo de suas forccedilas a seu proacuteprio domiacutenio[xi]

26

Observe-se que diz Chasin ao trabalhar ao mudar a forma da

natureza ao construir sua proacutepria mundaneidade o homem ele proacuteprio por

meio de seu proacuteprio trabalho transforma a sua proacutepria natureza Ou seja de ser

natural para social eis um novo exemplo de lineamento reconhecido e recolhido

agrave ontologia estatutaacuteria

Prosseguindo na especificaccedilatildeo Marx afirmaPressupomos o trabalho

numa forma que pertence exclusivamente ao homem Uma aranha executa

operaccedilotildees semelhantes agraves do tecelatildeo e a abelha envergonha mais de um

arquiteto humano com a construccedilatildeo dos favos de suas colmeacuteias Mas o que

distingue de antematildeo o pior arquiteto da melhor abelha eacute que ele construiu o

favo em sua cabeccedila antes de construiacute-lo em cera No fim do processo de

trabalho obteacutem-se um resultado que jaacute no iniacutecio deste existiu na imaginaccedilatildeo do

trabalhador e portanto idealmente Ele natildeo apenas efetua uma transformaccedilatildeo

da forma da mateacuteria natural realiza ao mesmo tempo na mateacuteria natural seu

objetivo que ele sabe que determina como lei a espeacutecie e o modo de sua

atividade e ao qual tem de subordina sua vontade E essa subordinaccedilatildeo natildeo eacute

um ato isolado Aleacutem do esforccedilo dos oacutergatildeos que trabalham eacute exigida a vontade

orientada a um fim que se manifesta como atenccedilatildeo durante todo o tempo de

trabalho e isso tanto mais quanto menos esse trabalho pelo proacuteprio conteuacutedo e

pela espeacutecie modo de sua execuccedilatildeo atrai o trabalhador portanto quanto

menos ele o aproveita como jogo de suas proacuteprias forccedilas fiacutesicas e espirituais[xii]

Chasin chama atenccedilatildeo para as seguintes observaccedilotildees

1) a preacutevia-ideaccedilatildeo do resultado (do fim) a existecircncia ideal do mesmo

na imaginaccedilatildeo donde o objeto ou um complexo categorial in mente e ante

res[xiii]

Preacutevia-ideaccedilatildeo e teleologia satildeo ou podem ser momentos confluentes

mas natildeo satildeo idecircnticos a preacutevia-ideaccedilatildeo estaacute no comeccedilo e eacute um desenho ideal

que implica o conhecimento da espeacutecie e do modo da atividade a realizar

27

conhecimento das malhas causais teleologia eacute simplesmente finalidade fim

objetivo podendo se apresentar de modo meramente volitivo e bem abstrato

natildeo mobilizante dos ou sem os meios de sua realizaccedilatildeo ou seja ter teleologia

sem preacutevia-ideaccedilatildeo natildeo conduz a nenhum processo de trabalho Quero assinar

que o termo teleologia pode ser demasiado vago no sentido de mero conceito

filosoacutefico convencional nesse sentido apenas alusivo e natildeo instrumentador de

operaccedilotildees na esfera da atividade sensiacutevel Pode ser entendido mais como

manifestaccedilatildeo de espiacuterito do que como exigecircncia de efetuaccedilatildeo de mudanccedila de

forma da mateacuteria natural e objetivaccedilatildeo de propoacutesito E de toda forma indica

antes de tudo que o fim o realizado estaacute no fim do processo fala do obtido ou

do a ser obtido nada nos diz da travessia que realiza da travessia que passa do

ideal para o real natildeo nos fala da mobilizaccedilatildeo ideal e material necessaacuterias

Quando a teleologia se manifesta como resultado jaacute natildeo eacute preciso dizer mais

nada a respeito Basta saudar e usufruir de sua apariccedilatildeo que nada tem de

maacutegica ou misteriosa mas antes de reconhececirc-la como produto das

metamorfoses de subjetividade e objetividade Ou seja em suas distintas

naturezas inconfundiacuteveis enquanto tais objetividade e subjetividade satildeo

entificaccedilotildees na mundaneidade humana e nessa qualidade estados ou momentos

do ser social momentos regidos pela atividade ideal e sensiacutevel do mesmo

Penso que Lukaacutecs ao transpor a questatildeo para a linguagem filosoacutefica

tradicional pode ter dissociado demais fins e meios o que natildeo eacute o caso dos

textos de Marx Por isso Lukaacutecs se vecirc obrigado depois a buscar a rearticulaccedilatildeo

entre teleologia e causalidade e nisso encontre natildeo poucas dificuldades (como

uma passa para outra e vice-versa parecendo que lida ao limite com

substacircncias incomunicaacuteveis natildeo as compreendendo em suas metamorfoses) e

deixe que se perca certa substacircncia da questatildeo antes de tudo o interfluxo entre

objetividade e subjetividade com seus distintos momentos preponderantes em

cada um dos passos dos momentos embricados dos processos Creio que as

duas esferas ficam sempre tradicionalmente um tanto estranhas uma em

28

relaccedilatildeo agrave outra seja para preservar a objetividade e aiacute se torna objetivista seja

para ressaltar a subjetividade e aiacute desliza para o subjetivismo

2) No fim do processo tem-se seu resultado que eacute a transformaccedilatildeo da

forma de uma dada mateacuteria natural e a realizaccedilatildeo do objetivo do trabalho que

existiu antes como preconfiguraccedilatildeo ideal Portanto o trabalho transforma

imagem ideal em ente real complexo categorial in rebus

Em suma no pensamento de Marx as categorias ou complexos

categoriais satildeo reconhecidos sob as trecircs formas in mente (existem idealmente

na imaginaccedilatildeo ou como reproduccedilatildeo mental das coisas categorias da

representaccedilatildeo) ante res (preacutevia-ideaccedilatildeo) e in rebus como efetividades quando

estatildeo na forma de ser Como confirmaccedilatildeo tome-se mais esta passagem do

mesmo capiacutetulo No processo de trabalho a atividade do homem efetua

portanto mediante o meio de trabalho uma transformaccedilatildeo do objeto de

trabalho pretendida desde o princiacutepio O processo extingue-se no produto Seu

produto eacute um valor de uso uma mateacuteria natural adaptada agraves necessidades

humanas mediante transformaccedilatildeo da forma O trabalho se uniu com seu objeto

O trabalho estaacute objetivado e o objeto trabalhado O que do lado do trabalhador

aparecia na forma de mobilidade aparece agora como propriedade imoacutevel na

forma do ser[xiv] do lado do produto Ele fiou e o produto eacute um fio[xv]

Como arremate analiacutetico dessa famosa mas muitas vezes mal

compreendida passagem de O Capital Chasin conclui ao mesmo tempo em que

visualiza uma nova tarefa Se assim eacute se as categorias podem aparecer nas

trecircs formas - in rebus - in mente - ante res - haacute entatildeo que determinar o que satildeo

cada uma dessas formas

Esquematicamente Chasin propotildee o seguinte

1) se estatildeo in rebus (nas coisas) estatildeo na forma do ser

29

2) se estatildeo in mente (na cabeccedila) estatildeo na forma da reproduccedilatildeo ideal

das coisas Trata-se da subjetividade receptora[xvi] que reproduz as coisas natildeo

captando apenas seus dados empiacutericos superando pois o empirismo e elabora

portanto a reproduccedilatildeo ideal dos entes e onde a subsunccedilatildeo aos objetos eacute a

atividade de sua elaboraccedilatildeo ideal

3) se estatildeo ante res (antes das coisas) estatildeo na forma da finalidade da

preacutevia mentalizaccedilatildeo de objetivos e meios

Poreacutem no segundo e terceiro casos as categorias estatildeo na forma de

espeacutecies de pensamento representaccedilotildees e projeccedilotildees do ser do vir-a-ser dos

meios materiais instrumentais processuais e dinacircmicos de entificaccedilatildeo dos

seres

Concluindo essa parte dizer pois que o homem e o mundo satildeo

atividade sensiacutevel que por criar seu mundo cria a si mesmo eacute determinar o

homem como a criatura criadora de seres

No entanto na medida em que apenas na configuraccedilatildeo histoacuterica regida

pela loacutegica do capital ou seja na plenitude da produccedilatildeo da riqueza entendida

por sua essecircncia subjetiva que eacute o trabalho que se atinou para determinaccedilatildeo

do homem como a criatura criadora de seres foi possiacutevel agrave reflexatildeo pode se

dar conta potencialmente da verdadeira problemaacutetica do ser

Em outras palavras eacute pela criacutetica ao criador de criaturas na forma da

alienaccedilatildeo - criacutetica marxiana agrave sociedade capitalista - eacute que a ontologia pode

atinar com seu verdadeiro objeto e modo de determinaccedilatildeo Natildeo eacute casual que

tenha emergido pela criacutetica feuerbachiana ao sistema hegeliano (a criaccedilatildeo

especulada dos entes) e ganho seus contornos efetivos no advento de uma

nova forma de pensamento e concepccedilatildeo de praacutetica - a doutrina de Marx

Resumindo no caso de Marx ontologia eacute estatuto ou filosofia primeira

do ser social que enquanto tal norteia a concreccedilatildeo cientiacutefica do mesmo cuja

30

realizaccedilatildeo corrige e enriquece o proacuteprio estatuto donde a sinergia e a reciacuteproca

dimensatildeo criacutetica entre estatuto ontoloacutegico e ciecircncia da histoacuteria em seus diversos

departamentos possiacuteveis estabelecidos jaacute por criteacuterio ontoloacutegico ou seja que

respeita a integridade das coisas em suas qualidades e processos interconexos

que as constituem em seu ser por si e enquanto tais satildeo reproduzidas

teoricamente

Enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma da legalidade objetiva (material

e espiritual) do ser social ou seja enquanto malha de asserccedilotildees ou

determinaccedilotildees de seu complexo categorial enquanto o permanente na forma de

processo a ontologia estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a

sociabilidade como substacircncia desse grau maacuteximo da cadeia do ser

Mas substacircncia como complexo categorial como siacutentese de categorias

essenciais que denota uma forma especiacutefica determinada de presenccedila ou

existecircncia plenamente qualificada

Por isso eacute estatuto ontoloacutegico pois a plataforma canocircnica do ser eacute o

coacutedigo do substantivo verbal como substacircncia substrato) assim o estatuto

ontoloacutegico do complexo substantivo do ser social deve reconhecer a

sociabilidade como substacircncia A sociabilidade como substrato dos homens

seja na forma da alienaccedilatildeo seja na forma de sua latecircncia de substancialidade

em vir-a-ser no caminho infinito de sua realizaccedilatildeo

Trata-se portanto em Marx de estatuto e natildeo sistema pois como

sistema seria um agregado de abstraccedilotildees uma filosofia que uma vez obtidas

noccedilotildees fundamentais passa a se edificar por si ou seja as noccedilotildees seriam

coaacutegulos inteligiacuteveis que passam por auto-sustentaccedilatildeo a configurar

dedutivamente o mundo Ao passo que estatuto eacute uma ordem a legalidade do

ser sensiacutevel - o ser na plenitude de seus atributos

tempo (histoacuteriaprocessoduraccedilatildeomutabilidade) lugar e sensibilidade

especificamente a legalidade do ser social imanente a si em sua especiacutefica

31

objetividade O ser sensiacutevel eacute a forma do ser porque eacute a plenitude das

categorias possiacuteveis

E as formaccedilotildees ideais

Segundo Chasin as formaccedilotildees ideais do mesmo modo que as

formaccedilotildees reais - formas do ser - tecircm lugar e tempo como categorias - o tempo

e o espaccedilo das formaccedilotildees sociais que satildeo engendradas mas estatildeo privadas de

sensibilidade

O sensiacutevel soacute eacute predicaccedilatildeo inerecircncia agrave forma do ser que conteacutem a

plenitude dos predicados possiacuteveis (sensibilidade espaccedilo tempo)

Essa forma de conceber o ser eacute reconhecer substancialidade ao

complexu agrave unidade totalizada ou seja ao conjunto pleno de atributos em ato

Em outras palavras ser eacute complexo categorial - tem a forma de ser -

completude ou forma conferida pelo sensiacutevel que se desdobra em muacuteltiplos

atributos e se condensa de infinitas maneiras no gradiente do ser

Em suma segundo Chasin tomando Marx como base e ponto de

referecircncia permanentes ser eacute plenitude categorial ou seja a plenitude

categorial eacute sua forma e por ser sensiacutevel compreende lugar e tempo

Donde se admitido o princiacutepio metoacutedico de Marx saber eacute saber do ser

que antes de tudo eacute um complexo sensiacutevel - tudo que eacute existe eacute sempre um

complexo natildeo uma substacircncia ou essecircncia pura e cristalina E a cadeia do ser eacute

o conjunto de graus do ser - do menos ao mais complexo

O preceito metodoloacutegico marxiano eacute pois ontoloacutegico sabe-se o que eacute

como se formou se desenvolveu e como depereceraacute

Por via de consequumlecircncia e diante das vicissitudes da histoacuteria da

ontologia de seu processo constitutivo e dissolutor diante da penosa rota da

32

conquista teoacuterica do real homoacuteloga ou equivalente agrave necessidade humana de

produzir a sua mundaneidade e a si mesmo a ontologia eacute o que pode ser - o

que natildeo eacute pouco - a esfera teoacuterica da incerteza propulsora positiva

afirmativamente organizada O patamar do incerto ordenado como plataforma da

busca infinita da certeza Impulsatildeo incontornaacutevel que natildeo pode ser eludida pela

presenccedila imperativa dos circuitos ontopraacuteticos

Talvez agora o estatuto ontoloacutegico marxiano possa ser enunciado do

seguinte modo eacute o estudo das categorias fundamentais - em traccedilos essenciais

abstratos em suas determinaccedilotildees mais gerais - da existecircncia social

historicamente constatada e reconhecida sendo possiacutevel exemplificar com as

seguintes categorias historicidade (processualidade ou mutabilidade)

concreticidade ou objetividade atividade sensiacutevel e ideal (trabalho e

reproduccedilatildeo) subjetividade (receptiva e proponente) valor individualidade

gecircnero (sociabilidade) Tudo isso perfilando o complexo de complexos da auto

realizaccedilatildeo do ser humano-societaacuterio entendido que o fim dos fins eacute a infinitude

da realizaccedilatildeo do humano - do autopor-se do aberto ser humano-societaacuterio

Estatuto que em outros termos eacute a ordem do reconhecimento ou

reproduccedilatildeo teoacuterica da identidade natureza e constituiccedilatildeo das coisas por si por

seus complexos categoriais decisivos independentemente em qualquer plano

de se tornarem objetos de praacutetica ou reflexatildeo

Enquanto tal eacute a teoria do reconhecimento da objetividade histoacuterico-

social imanente em suas distintas formas de apresentaccedilatildeo (natureza e

sociedade) Em termos muito breves eacute o momento mais abstrato do

reconhecimento da identidade das coisas por si enquanto tal um dos momentos

distintos da unidade do saber do qual participa um segundo sob forma

concreta que eacute a ciecircncia

Pela proacutepria natureza histoacuterica processual do ser a ontologia marxiana

natildeo corresponde nem poderia corresponder por simples imperativo de

33

coerecircncia agrave forma de um saber universal plantado sobre uma racionalidade

auto-sustentada ou seja fundado na razatildeo universal nada mais a versatildeo laica

ou profana de Deus no dizer de Feuerbach Ou seja trata-se enfim de uma

forma de ontologia sem parentesco com o saber absoluto e que recusa qualquer

tipo de fundamento especulativo pois absolutizaccedilatildeo de uma teoria da

fundamentaccedilatildeo eacute simplesmente a firmaccedilatildeo especulativa da razatildeo autocircnoma ou

de um princiacutepio de inteligibilidade situado para aleacutem das coisas que garante a

presenccedila e o conhecimento do sagrado e a vitoacuteria antecipada do idealismo Natildeo

correspondendo agrave qualquer forma de saber universal a ontologia marxiana

sustenta a possibilidade efetiva como jaacute vimos de um saber real

Por sua praacutetica teoacuterica e por um conjunto de lineamentos expliacutecitos

Marx deixou o legado de um especiacutefico estatuto ontoloacutegico natildeo um ontologia de

talhe convencional ou tradicional e natildeo apenas por que careceu de tempo

necessaacuterio para a realizaccedilatildeo de uma obra desse tipo mas fundamentalmente

pela distinccedilatildeo de natureza de seu estatuto ontoloacutegico radicalmente oposto ao

tratamento especulativo da mateacuteria

Esse estatuto eacute constituiacutedo a partir do universo praacutetico onticamente

referido ou seja eacute um estatuto ocircntico-ontoloacutegico pois evolve da efetividade

histoacuterica das coisas de suas relaccedilotildees e processos para sua reproduccedilatildeo

conceitual no plano de uma trama categorial em sua expressatildeo mais abstrata

Reconhecimento e Determinaccedilatildeo da Sociabilidade como Substacircncia

Vimos que segundo Chasin enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma

da legalidade do ser social em sua materialidade e espiritualidade[pode-se dizer

tambeacutem em sua objetividade sensiacutevel e supra-sensiacutevel] ou seja enquanto

malha de asserccedilotildees ou determinaccedilotildees de seu complexo categorial a ontologia

34

estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a sociabilidade como substacircncia desse

grau maacuteximo do ser

Embora Chasin natildeo tenha desenvolvido plenamente a questatildeo da

objetividade supra-sensiacutevel como tambeacutem a da sociabilidade como substacircncia

julgo conveniente transcrever tambeacutem algumas notas e comentaacuterios feitos em

sala de aula dada a importacircncia do tema

Em relaccedilatildeo agrave noccedilatildeo de substacircncia Chasin retoma sua noccedilatildeo mais geral

e tradicional Ou seja deixando de fora qualquer conotaccedilatildeo relativa a formas de

idealidade o que existe por si eacute um auto-engendrado a uacuteltima instacircncia de um

dado gecircnero de entificaccedilatildeo enquanto tal na medida em que eacute uma efetividade

eacute um complexo que a noccedilatildeo de substacircncia refere no mais alto grau de

abstraccedilatildeo Vale pois como abstraccedilatildeo razoaacutevel tal como todo conceito

marxiano nesse niacutevel de generalizaccedilatildeo a partir do qual pela via dos processos

de concreccedilatildeo satildeo determinaacuteveis as formas concretas de substacircncia

correspondentes agraves formaccedilotildees sociais reais

Dessa forma a substacircncia eacute um complexo histoacuterico natildeo uma

idealidade natildeo um construto da razatildeo auto-sustentada mas o resumo de uma

extraccedilatildeo justificada

Naturalidade e Sociabilidade

Sempre que se potildee a questatildeo da naturalidade e da sociabilidade essa

uacuteltima tende a ser examinada in statu nascendi ou de um estado original

imaginaacuterio natildeo se parte portanto de fatos pois os desconhecemos se eacute que

35

tenham existido mas de um mito E do mito se quer saltar para o quadro de uma

realidade complexa

Mas acompanhando Marx lembremos das pobres robinsonadas do

seacuteculo XVIII referidas logo agraves primeiras linhas da Introduccedilatildeo de 57 a) O

caccedilador e o pescador individuais e isolados de que partem Smith e Ricardo b)

o contrat social de Rousseau que relaciona e liga sujeitos independentes por

natureza por meio de um contrato Essas robinsonadas natildeo repousam sobre

(o) naturalismo E a argumentaccedilatildeo prossegue Trata-se ao contraacuterio de uma

antecipaccedilatildeo da sociedade (buumlrgelichen Gesellschaft) que se preparava desde

o seacuteculo XVI e no seacuteculo XVIII deu larguiacutessimos passos em direccedilatildeo agrave sua

maturidade Nesta sociedade da livre concorrecircncia o indiviacuteduo aparece

desprendido dos laccedilos naturais que em eacutepocas histoacutericas remotas fizeram dele

um acessoacuterio de um conglomerado humano limitado e determinado Os profetas

do seacuteculo XVIII sobre cujos ombros se apoacuteiam inteiramente Smith e Ricardo

imaginam o indiviacuteduo do seacuteculo XVIII como um ideal que teria existido no

passado Vecircem-no natildeo como um resultado histoacuterico mas como ponto de partida

da Histoacuteria porque o consideram como um indiviacuteduo conforme agrave natureza -

dentro da representaccedilatildeo que tinham da natureza humana - que natildeo se originou

historicamente mas foi posto como tal pela natureza[xvii]

Segundo Chasin tomando Marx novamente como ponto de referecircncia

os equiacutevocos que aparecem ao se tratar a relaccedilatildeo naturalidade sociabilidade

satildeo os seguintes

1) procurar deduzir em graus diferentes em cada caso o ser social do

natural esquecendo que se trata da emergecircncia do novo de uma configuraccedilatildeo

ontoloacutegica nova e que o novo nunca eacute um simples desdobramento do estaacutegio

anterior no caso - do grau de ser antecedente ou seja que entre os dois niacuteveis

ocorre o que se chama de salto um intervalo em que a potecircncia causal do

antecedente natildeo conteacutem a capacidade a potecircncia ou a potencialidade para

gerar o novo Um intervalo que fica assim indeterminado

36

2) o procedimento acima abre para a mera especulaccedilatildeo pois tende a

deduzir a indeterminaccedilatildeo a querer estabelecer nexos onde eles inexistem

tende a preencher o que de fato eacute um vazio A rigor natildeo se trata de um natildeo-

sabido mas da ausecircncia factual de um objeto ou processo em outros termos

se trata de um vazio ontoloacutegico de uma ausecircncia de nexos ontoloacutegicos

O correto segundo o modus operandi marxiano natildeo eacute partir da semente

ou do embriatildeo mas do complexo real maturado uma vez que

especialiacutessimamente na esfera social a loacutegica do gerado eacute diversa da loacutegica de

sua gecircnese aleacutem de que nesse acircmbito as entificaccedilotildees configuradas apagam a

rota e a loacutegica de sua formaccedilatildeo

Desse modo partindo do jaacute configurado e considerando que se trata de

uma configuraccedilatildeo infinita que compreende mutaccedilotildees qualitativas muito

importantes e natildeo esquecendo que permanecemos no estaacutegio preacute-histoacuterico (em

momento especialmente desequilibrado e contraditoacuterio) podemos e devemos

reconhecer por meio de algumas abstraccedilotildees razoaacuteveis o seguinte

1) A formaccedilatildeo do ser social eacute um processo da animalidade agrave

hominidade o andamento da naturalidade agrave sociabilidade o caminho infinito da

naturalidade dada agrave sociabilidade natildeo-dada em produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

perenes

2)Trata-se pois de uma entificaccedilatildeo processual entre dois niacuteveis ou

poacutelos da escala do ser sendo processo eacute intrinsecamente uma contradiccedilatildeo e soacute

enquanto tal se move eliminada a contradiccedilatildeo cessaria a possibilidade do

processo Com isso eacute dito algo muito importante pois ao reconhecer a

contraditoriedade entre naturalidade e sociabilidade natildeo eacute mais possiacutevel pensar

as mesmas a propoacutesito do ser social como um simples conjugado de fatores

mas obrigatoriamente como uma conjugaccedilatildeo contraditoacuteria de legalidades Isso

vai na esteira do que eacute compreendido desde Hegel - que o ser eacute uma unidade

contraditoacuteria - todavia com o acreacutescimo do problema da dupla legalidade De

37

que modo ou feiccedilatildeo chega cada uma delas agrave unidade contraditoacuteria do ser Pois

haacute que pensar na unidade ou siacutentese a natildeo ser que se queira desenhar o ser

social como uma aberraccedilatildeo hiacutebrida pode ser esta a fisionomia do grau mais

elevado do gradiente dos seres Assim tomada na devida consideraccedilatildeo essa

determinaccedilatildeo ontoloacutegica sem a qual a reflexatildeo perde o rumo trata-se de

compreender a dinacircmica especiacutefica dessa contradiccedilatildeo peculiar Vejamos

3) Em primeiro lugar esse processo contraditoacuterio gera novas

contradiccedilotildees agora dominantemente contradiccedilotildees da sociabilidade em

formaccedilatildeo de sorte que se trata de um processo cumulativo de

contraditoriedades no qual as novas contradiccedilotildees progressivamente vatildeo

tomando o lugar predominante e decisivo vale dizer a contradiccedilatildeo originaacuteria

cada vez mais coabita com contradiccedilotildees de outro gecircnero diante das quais sua

presenccedila vai mudando de forccedila e configuraccedilatildeo natildeo desaparece mas sua

qualidade vai mudando na proporccedilatildeo mesmo do desenvolvimento da

apropriaccedilatildeo societaacuteria da natureza cada vez mais puramente social - eacute no que

consiste de acordo com as palavras de Marx o progressivo afastamento das

barreiras naturais

4) Ou seja a matriz e a medida do afastamento eacute a forma cada vez

mais social de produzir e reproduzir as bases materiais da vida pela qual eacute

gerado o novo ser em direccedilatildeo agrave sua potecircncia ampliada de se auto-por de ir em

direccedilatildeo a si mesmo um si mesmo que natildeo eacute dado mas gerado na progressatildeo

da auto-posiccedilatildeo do auto-assentamento ou da auto-enformaccedilatildeo que inclui a

proacutepria daccedilatildeo de forma e resoluccedilatildeo ao predicado natural ou bioloacutegico daccedilatildeo de

forma que em suma eacute daccedilatildeo de forma social ao predicado natural

5) Essa possibilidade de daccedilatildeo de forma eacute afirmaccedilatildeo e realizaccedilatildeo da

essecircncia social que eacute o conjunto de relaccedilotildees sociais configuradas em cada

momento pelo modo de produzir da base material modo por sua vez que eacute

determinado pelo desenvolvimento das forccedilas produtivas entre as quais figura o

proacuteprio modo de organizaccedilatildeo do conjunto das relaccedilotildees sociais

38

6) Daccedilatildeo de forma eacute alteraccedilatildeo do lugar resolutivo e todo ente que muda

de lugar muda de natureza sem alterar uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo material

Vale dizer que a contradiccedilatildeo originaacuteria entre naturalidade e sociabilidade eacute

resolvida por uma nova contradiccedilatildeo - a da naturalidade que soacute se realiza na

forma e por meios sociais - no afastamento que eacute superaccedilatildeo da naturalidade

(processo histoacuterico) a legalidade natural eacute submetida agrave legalidade social

(diferentemente em cada modo de produccedilatildeo e de acordo com o

desenvolvimento das forccedilas produtivas) o fator natural natildeo eacute suprimido

suprimida eacute sua capacidade de autodeterminaccedilatildeo resta portanto

simplesmente o que natildeo eacute pouco como um predicado do ser humano um

predicado insuprimiacutevel mas apenas como predicado bioloacutegico de um ser de

outra natureza e essecircncia A naturalidade eacute retida como predicado

imprescindiacutevel mas natildeo como essecircncia Donde natildeo satildeo mais duas legalidades

ontoloacutegicas que coexistem mas a legalidade superior mais complexa subsume

a legalidade natural que natildeo mais se autodetermina mas eacute resolvida pela e do

interior da outra Assim o predicado natural do homem recebe forma e

resoluccedilatildeo sociais ou seja o predicado natural eacute subsumido agrave legalidade social

Natildeo resta mais o choque de duas legalidades contrapostas na

contradiccedilatildeo originaacuteria A legalidade natural vai sucumbindo na ruptura e

progressivamente agrave legalidade social em sua efetividade no ser social a

legalidade natural natildeo mais atua por si eacute dependente do social natildeo eacute mais a

legalidade de um ser pois natildeo haacute mais aiacute um ser natural mas um atributo

natural dependente da essecircncia social O homem eacute um ser social que

compreende sua essecircncia especiacutefica (variaacutevel) suas contingecircncias e seu

predicado bioloacutegico Na entificaccedilatildeo do ser social uacuteltimo grau da cadeia do ser a

legalidade natural eacute subalternizada agrave social por mais ruacutestica e restrita que seja a

essecircncia social primitiva e por mais precaacuteria que seja essa subalternizaccedilatildeo de

iniacutecio O processo de afastamento das barreiras naturais eacute assim o curso dessa

subalternizaccedilatildeo que desponta no iniacutecio na ruptura com a legalidade natural e

por mais longo e contraditoacuterio em avanccedilos e recuos que seja esse processo

39

7) de outra parte a loacutegica do predicado bioloacutegico natildeo soluciona natildeo

tem resposta para o complexo problemaacutetico da sociabilidade enquanto que esta

daacute soluccedilatildeo aos imperativos daquela Como diz Marx nos Manuscritos de 44 o

homem contempla a natureza e a si mesmo com um produto social [dos homens

interativos] com pleno direito mesmo que natildeo com elevada consciecircncia ou altos

valores

8) Donde a foacutermula lukaacutecsiana da dupla base eacute falsa pois a plataforma

eacute a sociabilidade enquanto a naturalidade eacute apenas o insuprimiacutevel predicado

bioloacutegico que passa a vigir na forma e sob a regecircncia da sociabilidade Natildeo

perde por isso uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo orgacircnica mas na sua efetividade

muda de caraacuteter No interiro da esfera societaacuteria o predicado bioloacutegico eacute um

outro de si Se originariamente foi o ponto de partida agora eacute produzido e

reproduzido pela legalidade de um ser que o ultrapassa e o domina vive e soacute

pode viver na subjugaccedilatildeo de um novo estatuto Ou seja ao integrar como

predicado o ser de niacutevel mais elevado realiza a sua maacutexima potecircncia e isso eacute

ao mesmo tempo sua desnaturalizaccedilatildeo ou perecimento Impereciacutevel como

predicado natildeo eacute base pois determina soacute por seus limites pelas carecircncias natildeo

pelas determinaccedilotildees resolutivas nem mesmo em suas forccedilas e sentidos pois

enquanto virtualidades estas soacute satildeo humanas e superiores em resoluccedilatildeo

societaacuteria Ademais natildeo eacute nunca um criador de novas necessidades o que

caracteriza a legalidade social

9) A argumentaccedilatildeo acima diz respeito diretamente ao ser social em sua

configuraccedilatildeo bipolar (indiviacuteduo e gecircnero) e desenvolvida em especial no poacutelo da

individualidade tendo por esteio o andamento do gecircnero e ao falar deste se diz

do seu metabolismo com a natureza Esse metabolismo fundamental que eacute em

suma a atividade vital do homem ao gerar produtos sociais

(utilidadesmercadorias) sem que se possa transpor a estes as mesmas

determinaccedilotildees que foram feitas para o ser social desde logo satildeo entes sociais

mas em outro grau da escala do ser social mas tambeacutem tecircm mudada a sua

natureza de naturais a utilidades (e na forma da alienaccedilatildeofetichismo as

40

mercadorias) de sorte que a apropriaccedilatildeo da natureza eacute igualmente sua

desnaturalizaccedilatildeo eacute forccedilaacute-las a deixar de ser o que satildeo em sua peculiaridade

para se tornarem um outro de si sob a regecircncia do estatuto societaacuterio Isso eacute a

manifestaccedilatildeo do poder e da superioridade do grau maacuteximo do ser Nenhum

outro ser realiza qualquer coisa semelhante nem longinquumlamente Repetindo

Kant e Hegel Marx tinha toda razatildeo quando disse que haacute mais grandeza e

misteacuterio na cabeccedila de um becircbado do que no conjunto do universo

10) a Sociabilidade imperfeita substacircncia ainda natildeo realizada enquanto

tal ou seja ainda incapaz de autonomia como complexo estruturado conduz agrave

poliacutetica Natildeo compreendida como substacircncia mas como simples organizaccedilatildeo

potildee o homem no outro poacutelo na dicotomia homemsociedade ou seja na

representaccedilatildeo socioloacutegica ou politoloacutegica o homem eacute um outro

Determinada ou compreendida como substacircncia eacute substacircncia humana

(perfeita e imperfeita com todas as grandezas e miseacuterias produzidas

modificadas suprimidas e repostas no curso histoacuterico) eacute a essecircncia mutante do

ser auto-engendrado e enquanto mutante e por ser mutante distinta tambeacutem

por essa mutabilidade do predicado bioloacutegico atemporalmente necessaacuterio mas

sempre e progressivamente insuficiente do ser social

O tomo IV do primeiro nuacutemero da Revista Ensaios Ad Hominem eacute

composto de seis artigos - aleacutem do texto de abertura de autoria de J Chasin -

que resultaram de siacutenteses ou modificaccedilatildeo de partes ou capiacutetulos de

dissertaccedilotildees defendidas entre os anos de 1998 e 1999 junto ao Programa de

Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia da UFMG

41

O artigo que abre a presente coletacircnea intitulado A Razatildeo como

Tribunal da Criacutetica Marx e A Gazeta Renana de autoria de Celso Eidt versa

sobre a concepccedilatildeo do jovem Marx sobre o papel da imprensa natildeo apenas como

o locus privilegiado para o debate filosoacutefico mas fundamentalmente para os

processos educativos tendo em vista a realizaccedilatildeo plena da liberdade humana Eacute

bom ressaltar que no periacuteodo em que tais artigos satildeo redigidos Marx

compartilha de uma visatildeo antropoloacutegica racional em que a natureza humana eacute

concebida como espiacuterito livre e racional enquanto esteio da proacutepria vida eacutetica

ou seja da praacutetica humana fundada na razatildeo universal

Ana Selva Albinati autora do artigo A Determinaccedilatildeo dos Valores

Morais nos textos de Marx de 1841 a 1847 se debruccedila justamente sobre tal

campo de reflexatildeo Seu trabalho eacute uma tentativa de sistematizaccedilatildeo das

consideraccedilotildees sobre os valores morais nos textos do periacuteodo que se inicia com

sua tese doutoral Diferenccedilas entre as Filosofias da Natureza de Demoacutecrito e

Epicuro prosseguindo ateacute A Miseacuteria da Filosofia Ana Selva procura demonstrar

que esse periacuteodo normalmente referido como sendo o da juventude de Marx eacute

na verdade constituiacutedo de dois momentos de sua elaboraccedilatildeo teoacuterica que tem

como momento de clivagem a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel de meados

de 1843 em que Marx rompe com o referencial teoacuterico do idealismo alematildeo Em

relaccedilatildeo agraves determinaccedilotildees sobre a moral essa ruptura se reflete na inflexatildeo

radical que diferencia a compreensatildeo da moralidade no primeiro e segundo

momentos de tal forma que a moralidade passa a ser compreendida como um

dos modos da consciecircncia socialmente determinada concepccedilatildeo completamente

distinta da primeira fase em que os valores morais eram compreendidos como

expressotildees da liberdade e da racionalidade humanas idealmente concebidas

No artigo A criacutetica da Especulaccedilatildeo nas Glosas de Kreuznach Milney

Chasin analisa o momento inicial e ao mesmo tempo decisivo da ruptura que

se verifica entre Marx e Hegel no plano das determinaccedilotildees do ser Desse modo

a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel inaugura a criacutetica marxiana da

especulaccedilatildeo no seu cerne o de rejeitar o procedimento especulativo

42

caracteriacutestico de se provir tudo da ideacuteia real de tornaacute-la sujeito isto eacute de

capacitar a abstraccedilatildeo ou conceito automovido - a partir das metamorfoses

hegelianas - de pocircr o multiverso sensiacutevel Em outros termos Milney Chasin no

referido artigo evidencia como a criacutetica da especulaccedilatildeo permite a Marx

ultrapassar os horizontes do idealismo alematildeo na direccedilatildeo do devido

reconhecimento da distinccedilatildeo entre ser e pensar de caracterizar a impropriedade

ontoloacutegica da loacutegica hegeliana de apurar os limites gnosioloacutegicos e

incongruecircncias de toda ordem Em suma permite o desvelamento da substacircncia

miacutestica oferecendo a explicitaccedilatildeo do meacutetodo hegeliano - das diabruras do

conceito autoposto - que articula abstraccedilotildees e finitude restando a esta a mera

condiccedilatildeo de apecircndice dissolvido isto eacute momento virtual da realizaccedilatildeo da

idealidade

O quarto artigo desta coletacircnea intitulado A Exteriorizaccedilatildeo da Vida nos

Manuscritos de 44 eacute parte da dissertaccedilatildeo de mestrado As Categorias

Lebensaumlusserung Entaumlusserung Entfremdung e Veraumlusserung nos Manuscritos

Economico-Filosoacuteficos de Karl Marxdefendida por Mocircnica H M da Costa em

que o interesse era acima de tudo averiguar se alienaccedilatildeo (Entaumlusserung) e

estranhamento (Entfremdung) teriam significados distintos A pesquisa acabou

opor apontar no entanto uma outra categoria como eixo desses manuscritos

Lebensaumlusserung traduzida por exteriorizaccedilatildeo da vida De fato o fio condutor

dos Manuscritos eacute a centralidade do trabalho na produccedilatildeo material e espiritual

da vida humana Tomando para anaacutelise criacutetica pela primeira vez os

economistas claacutessicos Marx explicita sua proacutepria compreensatildeo da forma

peculiar de engendramento da existecircncia do homem A criacutetica a Hegel completa

o quadro desta tematizaccedilatildeo que natildeo seraacute abandonada ateacute os uacuteltimos trabalhos

de Marx

Sabina Maura Silva no artigo A Fenomenologia do Egoiacutesmo Stirner e a

Criacutetica Marxiana tem como objetivo fundamental apresentar a concepccedilatildeo de

homem presente na obra O Uacutenico e Sua Propriedade de autoria do filoacutesofo

neohegeliano Max Stirner e expor a criacutetica de Marx a este autor contida em A

43

Ideologia Alematilde A autora mostra que para Stirner o Eu tomado como

individualidade singular eacute o fundamento de sua esfera existencial No entanto

para esse autor tudo tem determinado a existecircncia dos indiviacuteduos natildeo tendo

sido permitido a eles determinaacute-la O objetivo de Stirner eacute pois remeter ao

indiviacuteduo - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel - o que dele foi alienado e erigido

como algo autocircnomo Por seu turno a criacutetica de Marx tem como fim explicitar o

caraacuteter especulativo da anaacutelise stirneana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo

bem como salientar o aspecto pseudorevolucionaacuterio de suas proposituras

Assim segundo Marx Stirner tatildeo somente interpreta diferentemente o

existente isto eacute reconhece o existente mediante outra

interpretaccedilatildeoTransformando as contradiccedilotildees objetivas em contradiccedilotildees

subjetivas Stirner conserva e justifica as condiccedilotildees e estruturas efetivas que

esmagam e impedem a autodeterminaccedilatildeo das individualidades ao reconhecer

as circunstacircncias como determinaccedilotildees dos indiviacuteduos Acolhendo acriacutetica e

especulativamente em suas feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees

estranhadas de um momento histoacuterico particular da individuaccedilatildeo humana

Stirner erige como individualidade um ente que empobrecido e constrangido

pelas condiccedilotildees objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade

social pode somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria

sobre si e sobre o mundo

O uacuteltimo artigo do tomo IV da Revista Ensaios Ad Hominem eacute de

autoria de Antocircnio Joseacute Lopes Alves e leva o tiacutetulo de A Individualidade

Moderna nos Grundrisse Neste texto o autor procura demonstrar que a

moderna sociabilidade do capital eacute compreendida por Marx como forma

instaurada a partir da dissoluccedilatildeo dos liames sociais que uniam em tempos

anteriores os indiviacuteduos agrave comunidade Aleacutem disso destaca o fato apontado por

Marx de que tal processo se constitui numa verdadeira reconversatildeo ontoloacutegica

tanto dos indiviacuteduos quanto das condiccedilotildees da atividade vital ocorrendo uma

radical transformaccedilatildeo na forma de ser de ambos Sinteticamente trata-se de

reconfiguraccedilatildeo ontoloacutegica que determina como entes autocircnomos os indiviacuteduos

44

de um lado e as condiccedilotildees de trabalho de outro vale dizer do divoacutercio entre os

indiviacuteduos ativos e as condiccedilotildees de sua atividade Antocircnio Lopes buscou em

suma alinhar as determinaccedilotildees mais essenciais dos indiviacuteduos e da

sociablidade modernos no que respeita agrave forma mesma das relaccedilotildees sociais da

atividade sensiacutevel bem como da respectiva expressatildeo ideal como por exemplo

a configuraccedilatildeo das categorias da igualdade e liberdade

O leitor encontraraacute nas paacuteginas que se seguem o resultado do esforccedilo

de pesquisa voltado ao resgate da obra marxiana caracterizado pela busca do

rigor na leitura e interpretaccedilatildeo do pensamento de um autor cuja heranccedila

intelectual conheceu um destino traacutegico Natildeo eacute faacutecil portanto voltar-se a ela

sem os preconceitos da moda - como jaacute havia advertido Lukaacutecs Natildeo posso

afirmar com total certeza que um intento dessa natureza tenha sido plenamente

alcanccedilado Todavia eacute faacutecil perceber as diferenccedilas desse tipo de produccedilatildeo teoacuterica

com aquela apresentada tanto pelo marxismo adstringido e suas dissidecircncias

como pelo marxismo vulgar para utilizar as expressotildees cunhadas por Chasin no

intuito de designar as duas variantes de interpretaccedilatildeo da obra marxiana

Faccedilo aqui ao leitor interessado o convite para participar dessa

avaliaccedilatildeo

[1] Professora do Departamento de Filosofia da UFMG coordenadora

do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e Estudos Confluentes

45

[i] J CHASIN Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in

Teixeira FJS Pensando com Marx Editora Ensaio Satildeo Paulo 1995

[ii] K MARX amp F ENGELS A Sagrada Famiacutelia Ed Grijalbo trad

Wenceslao Roces Meacutexico DF 1960 p 120

[iii] Ver a respeito J CHASIN Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo

Metodoloacutegica opcit

[iv] J CHASIN O Futuro Ausente in Ensaios Ad Hominem 1 tomo III

Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem Satildeo Paulo 2000 p 166

[v] Ib p 167

[vi] Id

[vii] E CASSIRER A Filosofia do Iluminismo Editora da Unicamp

Campinas 1992 p 11

[viii] G LUKAacuteCS La Riproduzionein Per lOntologia delle Essere

Sociale Roma Editori Riuniti tomo II 1981 pp 180-81

[ix] N HARTMANN Ontologia Fondo de Cultura Econoacutemica Meacutexico D

F vol 1 1986

[x] K MARX O Capital vol I Ediccedilatildeo Abril Cultural Satildeo Paulo p 149

[xi] Id

[xii] Ib p 150

[xiii] (a respeito dessas categorias ver N HARTMANN Ontologia op cit

vol I p XII

46

47

[xiv] No original alematildeo in der Form des Seins Dietz Verlag 1971 p

195

[xv] Ib p 151

[xvi] Ver a respeito em J CHASIN Marx-Estatuto Ontoloacutegico e

Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica op cit

[xvii] K MARX op Cit p 126

Page 17: :: Verinotio - Revista On-line de Educao e Cincias Humanas · O leitor encontrará, portanto, nessa Apresentação o fruto de trabalho de coleta e organização de materiais utilizados

concreto - num processo intensivo e extensivo historicamente condicionado

possibilitado ou impedido - na dependecircncia que fica da maturaccedilatildeo do objeto e

do posicionamento do sujeito O processo mimeacutetico eacute portanto reproduccedilatildeo

conceitual de efetividades donde se lida com duas ordens de formaccedilotildees real e

ideal A reproduccedilatildeo conceitual apresenta portanto sua proacutepria loacutegica mas no

interior da determinaccedilatildeo soacutecio-histoacuterica do pensamento de modo que uma

teoria do conhecimento (morfologia e dinacircmica da subjetividade in abstratu e

imutaacutevel) eacute incapaz de explicar o processo cognitivo pois a faculdade humana

da forccedila da abstraccedilatildeo depende das possibilidades oferecidas pela

determinaccedilatildeo social do pensamento que por sua vez se manifesta e se

configura pelo desenvolvimento dos objetos e da praacutetica humana que sobre eles

tem incidecircncia

Donde a franca afirmaccedilatildeo marxiana da possibilidade de conhecer natildeo

se confunde com a simplicidade e facilidade da concepccedilatildeo realista nem mesmo

no plano da ingenuidade cotidiana desde logo porque a atividade cotidiana -

que estaacute para aleacutem da ingenuidade ou lanccedila os sujeitos para aleacutem da

ingenuidade - eacute em si um complexo rico e desafiador matrizador inclusive da

intentio recta atitude natural e necessaacuteria da esfera ontopraacutetica

Haacute portanto que distinguir as grandes diferenccedilas ontoloacutegicas entre o

estatuto marxiano e a ontologia realista Na primeira a adequatio digamos

assim eacute correlaccedilatildeo entre formaccedilatildeo real e formaccedilatildeo ideal duas ordens distintas

de configuraccedilatildeo Em outras palavras eacute correlaccedilatildeo conceitual entre entificaccedilatildeo

concreta e reproduccedilatildeo conceitual Em suma a reproduccedilatildeo conceitual nada mais

eacute do que transposiccedilatildeo agrave cabeccedila ordenada pelos nexos do real na forma e pelos

meios da proacutepria atividade mental

I - Tomando Marx por Base e por Ponto de Chegada

17

Considerando como ponto de referecircncia as consideraccedilotildees

desenvolvidas por Marx em O Capital especificamente sobre a dificuldade

encontrada pela humanidade na compreensatildeo do valor ao longo de dois

milecircnios - de Aristoacuteteles a Ricardo - pode-se sustentar segundo Chasin que

um fenocircmeno muito similar a este se produziu no que tange agrave determinaccedilatildeo do

ser ou seja da(s) matriz(es) da(s) realidade(s) ou seja da efetividade

Tomemos as passagens em questatildeo que se encontram no Prefaacutecio agrave

Primeira Ediccedilatildeo de O Capital Todo comeccedilo eacute difiacutecil isso vale para qualquer

ciecircncia A forma do valor cuja figura acabada eacute a forma do dinheiro eacute muito

simples e vazia de conteuacutedo Mesmo assim o espiacuterito humano tem procurado

desvendaacute-la (ergruumlden) em vatildeo haacute mais de 2000 anos enquanto por outro lado

teve ecircxito ao menos aproximado a anaacutelise de formas muito mais complicadas e

replenas de conteuacutedo Por quecirc Porque o corpo desenvolvido eacute mais faacutecil de

estudar do que a ceacutelula do corpo Aleacutem disso na anaacutelise das formas econocircmicas

natildeo podem servir nem o microscoacutepio nem reagentes quiacutemicos A forccedila da

abstraccedilatildeo deve substituir a ambos Para o leigo a anaacutelise parece se perder

em pedantismo Trata-se efetivamente de pedantismo mas daquele de que se

ocupa a anatomia microscoacutepica

De acordo com Chasin eacute necessaacuterio reter os seguintes noacutedulos

significativos da citaccedilatildeo acima

1) todo iniacutecio de uma ciecircncia eacute difiacutecil donde o princiacutepio da ontologia o

princiacutepio da ciecircncia deve ser o mais difiacutecil de todos

2) haacute grande dificuldade na compreensatildeo da forma do valor que eacute um

objeto simples e vazio de conteuacutedo

3) haacute ecircxito maior na anaacutelise de formas mais complicadas e replenas de

conteuacutedo

18

Na mesma citaccedilatildeo Marx enuncia os motivos de tal dificuldade

1) o corpo desenvolvido eacute mais faacutecil de estudar do que a ceacutelula do

corpo

2) meacutetodos experimentais natildeo satildeo aplicaacuteveis a esse tipo de forma

3) a analiacutetica dessa forma pela forccedila da abstraccedilatildeo deve tomar o lugar

da observaccedilatildeo empiacuterica e experimental

4) anaacutelise voltada agrave anatomia microscoacutepica da forma estudada

A partir dessas indicaccedilotildees colhidas no texto de Marx Chasin elabora

um esboccedilo para fins unicamente didaacuteticos em que busca transpassaacute-las para a

proacutepria questatildeo ontoloacutegica afirmando o que se segue

1) o iniacutecio difiacutecil da ontologia perdurou tambeacutem por mais de 2000

anos trajetoacuteria em que se observa tateios imprecisos caracterizados por um

movimento simultacircneo de constituiccedilatildeodissoluccedilatildeo ateacute chegar em Marx Tal

movimento simultacircneo de constituiccedilatildeodissoluccedilatildeo revela por seu rumo

imanentemente contraditoacuterio por seus caminhos e descaminhos histoacutericos a

dificuldade e a longa incapacidade na formulaccedilatildeo precisa de seu objeto e

alcance ou seja de sua natureza e propoacutesito - de sua funccedilatildeo orientadora e

sustentadora no plano teoacuterico e de sua origem praacutetica preacute-teoreacutetica

2) reconhecimento ontopraacutetico das formas dos seres e analiacutetica da

forma do ser apenas por meio da forccedila da abstraccedilatildeo no reconhecimento

ontopraacutetico os seres satildeo reconhecidos como substantivos e nesse caso ateacute

certo ponto vale para a observaccedilatildeo espontacircnea e observaccedilatildeo comum pois o

desvendamento completo exige forccedila de abstraccedilatildeo como verbo ( o ato de ser

de Gilson) soacute a forccedila da abstraccedilatildeo daiacute a facilidade para se cair no

abstrativismo

19

Eacute nesse preciso momento da exposiccedilatildeo chasiniana que surgem as

primeiras referecircncias a Eacute Gilson assim como a N Hartmann momentos mais agrave

frente Evidentemente que esse procedimento natildeo ocorre por acaso pois o que

estaacute em questatildeo agora satildeo as tentativas contemporacircneas de resgate da

tematizaccedilatildeo ontoloacutegica

Eacute Gilson afirma que o mais fundamental dos problemas da filosofia - a

relaccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia que por seu turno diz respeito agrave distinccedilatildeo

de ser como nome isto eacute como substantivo em latim ens (ente) e como verbo

esse Eacute sabido que o esse tomista eacute concebido como ato de ser - actus essendi -

significando portanto existecircncia ato de existir ato de ser

Chasin comenta a ambiguumlidade da noccedilatildeo de ser para qual Gilson

chama atenccedilatildeo afirmando o que se segue

1) Ens eacute um nome que significa um ser (determinado) ou seja a

natureza e a essecircncia de qualquer existente ou entatildeo - o ser mesmo - uma

propriedade comum a tudo aquilo que se pode dizer que eacute (que pertence a)

Em suma enquanto nome ou substantivo ser designa um existente

qualquer ou uma propriedade comum a todos os existentes designa o que

verdadeiramente eacute ou uma propriedade geral eacute um ente ou uma entidade

2) Enquanto verbo ser designa a accedilatildeo ou o ato de ser exercido pelo

ente Assim como verbo natildeo significa que algo eacute nem a existecircncia em geral

mas o ato mesmo pelo qual qualquer realidade dada eacute de fato ou existe

Precisamente a este ato Gilson chama de ser em contraposiccedilatildeo a ente

De todo modo feita a distinccedilatildeo Chasin considera existir um seacuterio

problema ao tomar em separado ens e esse indagando eacute possiacutevel pensar em

duas figuras no isolamento Seraacute que essa configuraccedilatildeo eacute de fato o mais

fundamental dos problemas ou eacute o mais antigo o mais remoto e o mais cultuado

dos equiacutevocos da histoacuteria da filosofia

20

De um lado a compreensatildeo da forma de ser enquanto verbo como

pura significaccedilatildeo verbal de existir de estar presente enquanto significaccedilatildeo de

ato ou presenccedila o verbo eacute forma simples e vazia de conteuacutedo pois reduzida ao

predicado mais geral e comum das coisas denota apenas sua existecircncia De

outro lado ocorre o mesmo problema com o substantivo ser - ens - pois redunda

em essecircncia imutaacutevel Em outras palavras na histoacuteria da filosofia nesses dois

caminhos houve de longa data polecircmica sobre o que existe em que plano se daacute

a existecircncia e assim por diante No caso do ser como verbo o ser eacute muito

parcamente categorial reduzido agrave presenccedila no tempo e no espaccedilo soacute possui o

predicado abstrato da existecircncia no caso do substantivo tomado sem o ato de

existir se converte em complexo de propriedades ou entidades perenes

A resoluccedilatildeo para tal questatildeo reside segundo Chasin em tomar o ser

enquanto complexo categorial daquilo que eacute como ente que existe Nesse

sentido o desvendamento tem ecircxito maior como mostra a ciecircncia que toma

para anaacutelise formas mais complicadas e replenas de conteuacutedo vale dizer uma

vez que tem por alvo o ser por sua efetividade e determinado por suas

qualidades natildeo apenas pelo reconhecimento de sua presenccedila mas pelo seu

complexo categorial

Ora arremata Chasin a forma sensiacutevel do ente compreende o ens e o

esse ou seja a plena riqueza do complexo categorial

- Loacutegica e Ciecircncia

Neste item Chasin defende a tese de que na medida em que

pretendeu e pretenda ser uma disciplina ou ciecircncia de chegada isto eacute

21

conclusiva autocircnoma e sistemaacutetica a ontologia acaba por ser transmutada em

loacutegica ou ciecircncia

Talvez possa ser dito que nas ontologias onde predomine

unilateralmente o ser como verbo ou o ente como essecircncia terminem por ser

uma loacutegica que de alguma forma acaba por ter a pretensatildeo de constituir o ser

a loacutegica eacute entatildeo o segredo uacuteltimo do ser ou sua base cognitiva e por essa via

sua base ontoloacutegica - que assim nega a ontologia ou seja o reconhecimento do

ser por si

De outra parte predominando o ser como substantivo o fim da

ontologia acaba por ser uma forma de ciecircncia ou seja a ontologia eacute novamente

negada como ocorreu com a ciecircncia moderna donde sua pretendida auto-

suficiecircncia que apenas admite por fundamento uma forma qualquer de

gnosiologia isto eacute uma forma a priori da operatividade subjetiva

desaparecendo assim a regecircncia do objeto o que ao contraacuterio caracteriza o

espiacuterito e o propoacutesito ontoloacutegicos ou seja o reconhecimento do ente enquanto

ente o oacuten qua oacuten ou ser por si

Em suma a ontologia quando centrada no ser como verbo rarefeita

pelo vazio de sua forma termina por ser loacutegica por outro lado quando centrada

no ser como substantivo agraves voltas com gecircneros formados por complexos

qualitativos termina por se constituir em ciecircncia particular e autocircnoma Assim

ao pretender ser tudo concludente sistemaacutetica e independente por sua forma

mais vazia ou por suas categorias abstratas e perenes a ontologia acaba por

ser negada pela loacutegica ou pela ciecircncia Pretendendo ser tudo acaba por

desaparecer

Ora ao tomar o ser como verbo a ontologia tem de compreender que

natildeo pode ser mais do que a anatomia de uma propriedade do ser - de sua

propriedade mais geral e vazia - a propriedade de sua presenccedila enquanto corpo

real ausente ou presenccedila de um complexo categorial abstraiacutedo O ser aqui eacute

22

reduzido agrave forma mais vazia a simples propriedade de um todo que escapa

completamente agrave sua jurisdiccedilatildeo Donde seu desenlace em loacutegica

De outra parte quando o ser eacute tomado em sua denotaccedilatildeo substantiva

ou seja na multiplicidade de suas propriedades qualitativas em interconexatildeo

especiacutefica transborda em ciecircncia na medida em que a ontologia pretenda a

condiccedilatildeo de disciplina ou ciecircncia sistemaacutetica

Donde a impossibilidade de a ontologia ficar adstrita agrave forma do verbo

nem se realizar como dilucidaccedilatildeo concreta do substantivo Assim deve-se

reconhecer que a ontologia natildeo pode se realizar em nenhum desses dois poacutelos

nem simples tematizaccedilatildeo do ato geneacuterico da presenccedila - que redundaria em

simples compoacutesito tautoloacutegico nem tematizaccedilatildeo do ser substantivo concreto

pois aiacute se desnaturaria em ciecircncia especiacutefica

Conclusivamente a ontologia nem eacute simples tautologia do ser em ato

nem efetivaccedilatildeo cientiacutefico-concreta do desvendamento do ser como substantivo

Enquanto tal a ontologia eacute uma realizaccedilatildeo necessaacuteria no espaccedilo que antecede

aqueles dois poacutelos em verdade a plataforma que leva da constataccedilatildeo mais

abstrata do ser (tanto como substantivo quanto verbo) agrave sua reproduccedilatildeo

cientiacutefica como substantivo Enquanto tal eacute um estatuto - uma filosofia primeira

o cacircnon da legalidade do ser matrizado pelos traccedilos ou vetores categoriais

fundamentais do ser por si que matriza a cientificidade tanto em sua forma mais

abstrata - loacutegica - quanto em sua forma mais concreta - ciecircncia

O problema fundamental da filosofia primeira - philosophia prima - eacute o

problema das categorias mais gerais do ser aiacute incluso o ato de ser donde em

sua plenitude o ato sensiacutevel de ser - ens e esse o ens essendi complexo

categorial pleno no ato de existir

Essa plataforma estatutaacuteria natildeo eacute uma disciplina situada entre outras

disciplinas entre a loacutegica e a ciecircncia como um campo intermediaacuterio entre o

verbo e o substantivo entre a maacutexima abstratividade e a efetividade concreta

23

Essa distribuiccedilatildeo topograacutefica confere agrave abstraccedilatildeo a condiccedilatildeo de fundaccedilatildeo

(determinaccedilatildeo originaacuteriaontoloacutegica) e fundamento (ponto de partida

epistemoloacutegico) Se assim fosse perderia a condiccedilatildeo de filosofia primeira

Enquanto filosofia primeira eacute o reconhecimento do substantivo verbal

do substantivo que eacute do ens essendi natildeo de uma substantividade qualquer em

abstrato mas da substantividade que existe por todas as modalidades

categoriais isto eacute reais (sensiacuteveis) natildeo apenas um substantivo pensado que

dependeria para ser do pensamento mas do substantivo que eacute por-si

independentemente se ser pensado o que requer o complexo categorial

da sensibilidade por isso eacute que soacute eacute ser o ser sensiacutevel Vale dizer o ser como

verbo eacute resultado do ser substantivo soacute um sujeito (em suas diversas formas na

cadeia do ser) eacute (soacute um sujeito existe eacute faz sente pensa etc de acordo com

seu grau na cadeia do ser)

A ontologia do puro verbo ser ou das puras essecircncias (complexo

categorial abstrativante e eterno) eacute a autonomizaccedilatildeo das categorias ou da

existecircncia em relaccedilatildeo ao ser e existir reais agraves formas reais de ser e existir satildeo

as categorias e a existecircncia sem corpo ou sujeito mais do que isso satildeo as

categorias (essecircncia) e existecircncia em geral universal e abstrata tornadas

sujeito a essecircncia ou a existecircncia abstratas personificadas - e isso satildeo

puramente figuras do pensamento o que jaacute eacute especulaccedilatildeo natildeo ontologia

Marx agrave semelhanccedila de Feuerbach soacute admite como ente ou melhor

como entificaccedilatildeo o ens essendi - o ente sendo o ente no ato de ser o ente

revestido de existecircncia atual - objetivo o ente no exerciacutecio da accedilatildeo ou ato de

ser eacute portanto um ente existente ou seja o ente que estaacute sendo o ente no ato

de existir

Donde do mesmo modo que em Feuerbach o ser eacute inseparaacutevel de sua

existecircncia Ser e existir constituem uma unidade indissoluacutevel complexo

24

categorial no ato de ser pela atualizaccedilatildeo do complexo categorial essecircncia

determinada e mutaacutevel na mutabilidade de ser e ir sendo (essendi)

Eacute chegada a hora depois desta etapa analiacutetica de vislumbrar qual eacute o

cenaacuterio em Marx que esse conjunto de questotildees se coloca Com esse objetivo e

como eacute tiacutepico de seu procedimento investigativo junto aos textos daquele autor

Chasin toma para anaacutelise o item 1 O Processo de Trabalho do capiacutetulo V de O

Capital Nele pode-se identificar em primeiro lugar a natureza geral (universal)

da atualizaccedilatildeo da forccedila de trabalho que se encontra em potecircncia nos indiviacuteduos

A produccedilatildeo de valores de uso ou bens natildeo muda sua natureza geral por se

realizar para o capitalista e sob seu controle Por isso o processo de trabalho

deve ser considerado de iniacutecio independentemente de qualquer forma social

determinada[x]

Por que o processo de trabalho deve ser considerado de iniacutecio

independentemente de qualquer forma social determinada indaga Chasin A

resposta eacute formulada em estilo direto Para natildeo ser perdida a natureza do

trabalho sua positividade enquanto atividade humana vital

Tem-se nessa passagem segundo Chasin um exemplo do exerciacutecio

de uma ontologia estatutaacuteria - a positividade (sua efetividade ou operosidade)

universal do trabalho enquanto atributo vital e inalienaacutevel do homem

independentemente de suas formas concretas que se apresentam na forma do

trabalho alienado

Eacute a determinaccedilatildeo universal do trabalho o traccedilo de sua legalidade

uacuteltima sua determinaccedilatildeo mais geral e essencial dimensatildeo que natildeo desaparece

nem mesmo sob suas formas concretas mais negativas

A ontologia estatutaacuteria registra o traccedilo ou rastro dessa dimensatildeo

permanente que atravessa as formas concretas em sua efetividade contraditoacuteria

e especialmente desfavoraacutevel para o homem enquanto maioria subjugada ao

longo de toda a preacute-histoacuteria da humanidade

25

Permanente mas permanente processual mutaacutevel diversamente

positivo quantitativa e qualitativamente em cada uma das formas concretas em

que o trabalho aparece nas configuraccedilotildees sociais determinadas

Nesse sentido abstratamente permanente abstratamente positivo mas

onde essa abstratividade natildeo corresponde a uma simples determinaccedilatildeo

conceitual Corresponde a uma efetividade em sua figura proacutepria em cada forma

social determinada

Agrave ontologia estatutaacuteria compete o reconhecimento dessa dimensatildeo mais

geral base para a decifraccedilatildeo cientiacutefica concreta dos casos efetivos que por sua

vez confirmam ou natildeo criticamente a determinaccedilatildeo mais geral ontoloacutegica Natildeo

haacute portanto um abismo separando ontologia de ciecircncia mas a continuidade de

momentos distintos de uma mesma unidade de conhecimento que interagem e

se medem reciprocamente se apoacuteiam estimulam e criticam um infinito processo

constitutivo das certezas

Continuando a anaacutelise do texto marxiano tem-se a descriccedilatildeo do

trabalho e o reconhecimento analiacutetico de sua natureza Antes de tudo [aqui

Chasin faz uma pequena observaccedilatildeo assinalando ou seja na raiz em seu

fundamento diria uma linguagem mais convencional e ciosa de suas

pretendidas atribuiccedilotildees] o trabalho eacute um processo entre o homem e a

natureza um processo em que o homem por sua proacutepria accedilatildeo medeia regula

controla seu metabolismo com a natureza Ele mesmo se defronta com a

mateacuteria natural Ele potildee em movimento as forccedilas naturais pertencentes agrave sua

corporalidade braccedilos e pernas cabeccedila e matildeo a fim de se apropriar da mateacuteria

natural numa forma uacutetil para a sua proacutepria vida Ao atuar por meio desse

movimento sobre a natureza externa a ele e ao modificaacute-la ele modifica ao

mesmo tempo sua proacutepria natureza Ele desenvolve as potecircncias nela

adormecidas e sujeita o jogo de suas forccedilas a seu proacuteprio domiacutenio[xi]

26

Observe-se que diz Chasin ao trabalhar ao mudar a forma da

natureza ao construir sua proacutepria mundaneidade o homem ele proacuteprio por

meio de seu proacuteprio trabalho transforma a sua proacutepria natureza Ou seja de ser

natural para social eis um novo exemplo de lineamento reconhecido e recolhido

agrave ontologia estatutaacuteria

Prosseguindo na especificaccedilatildeo Marx afirmaPressupomos o trabalho

numa forma que pertence exclusivamente ao homem Uma aranha executa

operaccedilotildees semelhantes agraves do tecelatildeo e a abelha envergonha mais de um

arquiteto humano com a construccedilatildeo dos favos de suas colmeacuteias Mas o que

distingue de antematildeo o pior arquiteto da melhor abelha eacute que ele construiu o

favo em sua cabeccedila antes de construiacute-lo em cera No fim do processo de

trabalho obteacutem-se um resultado que jaacute no iniacutecio deste existiu na imaginaccedilatildeo do

trabalhador e portanto idealmente Ele natildeo apenas efetua uma transformaccedilatildeo

da forma da mateacuteria natural realiza ao mesmo tempo na mateacuteria natural seu

objetivo que ele sabe que determina como lei a espeacutecie e o modo de sua

atividade e ao qual tem de subordina sua vontade E essa subordinaccedilatildeo natildeo eacute

um ato isolado Aleacutem do esforccedilo dos oacutergatildeos que trabalham eacute exigida a vontade

orientada a um fim que se manifesta como atenccedilatildeo durante todo o tempo de

trabalho e isso tanto mais quanto menos esse trabalho pelo proacuteprio conteuacutedo e

pela espeacutecie modo de sua execuccedilatildeo atrai o trabalhador portanto quanto

menos ele o aproveita como jogo de suas proacuteprias forccedilas fiacutesicas e espirituais[xii]

Chasin chama atenccedilatildeo para as seguintes observaccedilotildees

1) a preacutevia-ideaccedilatildeo do resultado (do fim) a existecircncia ideal do mesmo

na imaginaccedilatildeo donde o objeto ou um complexo categorial in mente e ante

res[xiii]

Preacutevia-ideaccedilatildeo e teleologia satildeo ou podem ser momentos confluentes

mas natildeo satildeo idecircnticos a preacutevia-ideaccedilatildeo estaacute no comeccedilo e eacute um desenho ideal

que implica o conhecimento da espeacutecie e do modo da atividade a realizar

27

conhecimento das malhas causais teleologia eacute simplesmente finalidade fim

objetivo podendo se apresentar de modo meramente volitivo e bem abstrato

natildeo mobilizante dos ou sem os meios de sua realizaccedilatildeo ou seja ter teleologia

sem preacutevia-ideaccedilatildeo natildeo conduz a nenhum processo de trabalho Quero assinar

que o termo teleologia pode ser demasiado vago no sentido de mero conceito

filosoacutefico convencional nesse sentido apenas alusivo e natildeo instrumentador de

operaccedilotildees na esfera da atividade sensiacutevel Pode ser entendido mais como

manifestaccedilatildeo de espiacuterito do que como exigecircncia de efetuaccedilatildeo de mudanccedila de

forma da mateacuteria natural e objetivaccedilatildeo de propoacutesito E de toda forma indica

antes de tudo que o fim o realizado estaacute no fim do processo fala do obtido ou

do a ser obtido nada nos diz da travessia que realiza da travessia que passa do

ideal para o real natildeo nos fala da mobilizaccedilatildeo ideal e material necessaacuterias

Quando a teleologia se manifesta como resultado jaacute natildeo eacute preciso dizer mais

nada a respeito Basta saudar e usufruir de sua apariccedilatildeo que nada tem de

maacutegica ou misteriosa mas antes de reconhececirc-la como produto das

metamorfoses de subjetividade e objetividade Ou seja em suas distintas

naturezas inconfundiacuteveis enquanto tais objetividade e subjetividade satildeo

entificaccedilotildees na mundaneidade humana e nessa qualidade estados ou momentos

do ser social momentos regidos pela atividade ideal e sensiacutevel do mesmo

Penso que Lukaacutecs ao transpor a questatildeo para a linguagem filosoacutefica

tradicional pode ter dissociado demais fins e meios o que natildeo eacute o caso dos

textos de Marx Por isso Lukaacutecs se vecirc obrigado depois a buscar a rearticulaccedilatildeo

entre teleologia e causalidade e nisso encontre natildeo poucas dificuldades (como

uma passa para outra e vice-versa parecendo que lida ao limite com

substacircncias incomunicaacuteveis natildeo as compreendendo em suas metamorfoses) e

deixe que se perca certa substacircncia da questatildeo antes de tudo o interfluxo entre

objetividade e subjetividade com seus distintos momentos preponderantes em

cada um dos passos dos momentos embricados dos processos Creio que as

duas esferas ficam sempre tradicionalmente um tanto estranhas uma em

28

relaccedilatildeo agrave outra seja para preservar a objetividade e aiacute se torna objetivista seja

para ressaltar a subjetividade e aiacute desliza para o subjetivismo

2) No fim do processo tem-se seu resultado que eacute a transformaccedilatildeo da

forma de uma dada mateacuteria natural e a realizaccedilatildeo do objetivo do trabalho que

existiu antes como preconfiguraccedilatildeo ideal Portanto o trabalho transforma

imagem ideal em ente real complexo categorial in rebus

Em suma no pensamento de Marx as categorias ou complexos

categoriais satildeo reconhecidos sob as trecircs formas in mente (existem idealmente

na imaginaccedilatildeo ou como reproduccedilatildeo mental das coisas categorias da

representaccedilatildeo) ante res (preacutevia-ideaccedilatildeo) e in rebus como efetividades quando

estatildeo na forma de ser Como confirmaccedilatildeo tome-se mais esta passagem do

mesmo capiacutetulo No processo de trabalho a atividade do homem efetua

portanto mediante o meio de trabalho uma transformaccedilatildeo do objeto de

trabalho pretendida desde o princiacutepio O processo extingue-se no produto Seu

produto eacute um valor de uso uma mateacuteria natural adaptada agraves necessidades

humanas mediante transformaccedilatildeo da forma O trabalho se uniu com seu objeto

O trabalho estaacute objetivado e o objeto trabalhado O que do lado do trabalhador

aparecia na forma de mobilidade aparece agora como propriedade imoacutevel na

forma do ser[xiv] do lado do produto Ele fiou e o produto eacute um fio[xv]

Como arremate analiacutetico dessa famosa mas muitas vezes mal

compreendida passagem de O Capital Chasin conclui ao mesmo tempo em que

visualiza uma nova tarefa Se assim eacute se as categorias podem aparecer nas

trecircs formas - in rebus - in mente - ante res - haacute entatildeo que determinar o que satildeo

cada uma dessas formas

Esquematicamente Chasin propotildee o seguinte

1) se estatildeo in rebus (nas coisas) estatildeo na forma do ser

29

2) se estatildeo in mente (na cabeccedila) estatildeo na forma da reproduccedilatildeo ideal

das coisas Trata-se da subjetividade receptora[xvi] que reproduz as coisas natildeo

captando apenas seus dados empiacutericos superando pois o empirismo e elabora

portanto a reproduccedilatildeo ideal dos entes e onde a subsunccedilatildeo aos objetos eacute a

atividade de sua elaboraccedilatildeo ideal

3) se estatildeo ante res (antes das coisas) estatildeo na forma da finalidade da

preacutevia mentalizaccedilatildeo de objetivos e meios

Poreacutem no segundo e terceiro casos as categorias estatildeo na forma de

espeacutecies de pensamento representaccedilotildees e projeccedilotildees do ser do vir-a-ser dos

meios materiais instrumentais processuais e dinacircmicos de entificaccedilatildeo dos

seres

Concluindo essa parte dizer pois que o homem e o mundo satildeo

atividade sensiacutevel que por criar seu mundo cria a si mesmo eacute determinar o

homem como a criatura criadora de seres

No entanto na medida em que apenas na configuraccedilatildeo histoacuterica regida

pela loacutegica do capital ou seja na plenitude da produccedilatildeo da riqueza entendida

por sua essecircncia subjetiva que eacute o trabalho que se atinou para determinaccedilatildeo

do homem como a criatura criadora de seres foi possiacutevel agrave reflexatildeo pode se

dar conta potencialmente da verdadeira problemaacutetica do ser

Em outras palavras eacute pela criacutetica ao criador de criaturas na forma da

alienaccedilatildeo - criacutetica marxiana agrave sociedade capitalista - eacute que a ontologia pode

atinar com seu verdadeiro objeto e modo de determinaccedilatildeo Natildeo eacute casual que

tenha emergido pela criacutetica feuerbachiana ao sistema hegeliano (a criaccedilatildeo

especulada dos entes) e ganho seus contornos efetivos no advento de uma

nova forma de pensamento e concepccedilatildeo de praacutetica - a doutrina de Marx

Resumindo no caso de Marx ontologia eacute estatuto ou filosofia primeira

do ser social que enquanto tal norteia a concreccedilatildeo cientiacutefica do mesmo cuja

30

realizaccedilatildeo corrige e enriquece o proacuteprio estatuto donde a sinergia e a reciacuteproca

dimensatildeo criacutetica entre estatuto ontoloacutegico e ciecircncia da histoacuteria em seus diversos

departamentos possiacuteveis estabelecidos jaacute por criteacuterio ontoloacutegico ou seja que

respeita a integridade das coisas em suas qualidades e processos interconexos

que as constituem em seu ser por si e enquanto tais satildeo reproduzidas

teoricamente

Enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma da legalidade objetiva (material

e espiritual) do ser social ou seja enquanto malha de asserccedilotildees ou

determinaccedilotildees de seu complexo categorial enquanto o permanente na forma de

processo a ontologia estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a

sociabilidade como substacircncia desse grau maacuteximo da cadeia do ser

Mas substacircncia como complexo categorial como siacutentese de categorias

essenciais que denota uma forma especiacutefica determinada de presenccedila ou

existecircncia plenamente qualificada

Por isso eacute estatuto ontoloacutegico pois a plataforma canocircnica do ser eacute o

coacutedigo do substantivo verbal como substacircncia substrato) assim o estatuto

ontoloacutegico do complexo substantivo do ser social deve reconhecer a

sociabilidade como substacircncia A sociabilidade como substrato dos homens

seja na forma da alienaccedilatildeo seja na forma de sua latecircncia de substancialidade

em vir-a-ser no caminho infinito de sua realizaccedilatildeo

Trata-se portanto em Marx de estatuto e natildeo sistema pois como

sistema seria um agregado de abstraccedilotildees uma filosofia que uma vez obtidas

noccedilotildees fundamentais passa a se edificar por si ou seja as noccedilotildees seriam

coaacutegulos inteligiacuteveis que passam por auto-sustentaccedilatildeo a configurar

dedutivamente o mundo Ao passo que estatuto eacute uma ordem a legalidade do

ser sensiacutevel - o ser na plenitude de seus atributos

tempo (histoacuteriaprocessoduraccedilatildeomutabilidade) lugar e sensibilidade

especificamente a legalidade do ser social imanente a si em sua especiacutefica

31

objetividade O ser sensiacutevel eacute a forma do ser porque eacute a plenitude das

categorias possiacuteveis

E as formaccedilotildees ideais

Segundo Chasin as formaccedilotildees ideais do mesmo modo que as

formaccedilotildees reais - formas do ser - tecircm lugar e tempo como categorias - o tempo

e o espaccedilo das formaccedilotildees sociais que satildeo engendradas mas estatildeo privadas de

sensibilidade

O sensiacutevel soacute eacute predicaccedilatildeo inerecircncia agrave forma do ser que conteacutem a

plenitude dos predicados possiacuteveis (sensibilidade espaccedilo tempo)

Essa forma de conceber o ser eacute reconhecer substancialidade ao

complexu agrave unidade totalizada ou seja ao conjunto pleno de atributos em ato

Em outras palavras ser eacute complexo categorial - tem a forma de ser -

completude ou forma conferida pelo sensiacutevel que se desdobra em muacuteltiplos

atributos e se condensa de infinitas maneiras no gradiente do ser

Em suma segundo Chasin tomando Marx como base e ponto de

referecircncia permanentes ser eacute plenitude categorial ou seja a plenitude

categorial eacute sua forma e por ser sensiacutevel compreende lugar e tempo

Donde se admitido o princiacutepio metoacutedico de Marx saber eacute saber do ser

que antes de tudo eacute um complexo sensiacutevel - tudo que eacute existe eacute sempre um

complexo natildeo uma substacircncia ou essecircncia pura e cristalina E a cadeia do ser eacute

o conjunto de graus do ser - do menos ao mais complexo

O preceito metodoloacutegico marxiano eacute pois ontoloacutegico sabe-se o que eacute

como se formou se desenvolveu e como depereceraacute

Por via de consequumlecircncia e diante das vicissitudes da histoacuteria da

ontologia de seu processo constitutivo e dissolutor diante da penosa rota da

32

conquista teoacuterica do real homoacuteloga ou equivalente agrave necessidade humana de

produzir a sua mundaneidade e a si mesmo a ontologia eacute o que pode ser - o

que natildeo eacute pouco - a esfera teoacuterica da incerteza propulsora positiva

afirmativamente organizada O patamar do incerto ordenado como plataforma da

busca infinita da certeza Impulsatildeo incontornaacutevel que natildeo pode ser eludida pela

presenccedila imperativa dos circuitos ontopraacuteticos

Talvez agora o estatuto ontoloacutegico marxiano possa ser enunciado do

seguinte modo eacute o estudo das categorias fundamentais - em traccedilos essenciais

abstratos em suas determinaccedilotildees mais gerais - da existecircncia social

historicamente constatada e reconhecida sendo possiacutevel exemplificar com as

seguintes categorias historicidade (processualidade ou mutabilidade)

concreticidade ou objetividade atividade sensiacutevel e ideal (trabalho e

reproduccedilatildeo) subjetividade (receptiva e proponente) valor individualidade

gecircnero (sociabilidade) Tudo isso perfilando o complexo de complexos da auto

realizaccedilatildeo do ser humano-societaacuterio entendido que o fim dos fins eacute a infinitude

da realizaccedilatildeo do humano - do autopor-se do aberto ser humano-societaacuterio

Estatuto que em outros termos eacute a ordem do reconhecimento ou

reproduccedilatildeo teoacuterica da identidade natureza e constituiccedilatildeo das coisas por si por

seus complexos categoriais decisivos independentemente em qualquer plano

de se tornarem objetos de praacutetica ou reflexatildeo

Enquanto tal eacute a teoria do reconhecimento da objetividade histoacuterico-

social imanente em suas distintas formas de apresentaccedilatildeo (natureza e

sociedade) Em termos muito breves eacute o momento mais abstrato do

reconhecimento da identidade das coisas por si enquanto tal um dos momentos

distintos da unidade do saber do qual participa um segundo sob forma

concreta que eacute a ciecircncia

Pela proacutepria natureza histoacuterica processual do ser a ontologia marxiana

natildeo corresponde nem poderia corresponder por simples imperativo de

33

coerecircncia agrave forma de um saber universal plantado sobre uma racionalidade

auto-sustentada ou seja fundado na razatildeo universal nada mais a versatildeo laica

ou profana de Deus no dizer de Feuerbach Ou seja trata-se enfim de uma

forma de ontologia sem parentesco com o saber absoluto e que recusa qualquer

tipo de fundamento especulativo pois absolutizaccedilatildeo de uma teoria da

fundamentaccedilatildeo eacute simplesmente a firmaccedilatildeo especulativa da razatildeo autocircnoma ou

de um princiacutepio de inteligibilidade situado para aleacutem das coisas que garante a

presenccedila e o conhecimento do sagrado e a vitoacuteria antecipada do idealismo Natildeo

correspondendo agrave qualquer forma de saber universal a ontologia marxiana

sustenta a possibilidade efetiva como jaacute vimos de um saber real

Por sua praacutetica teoacuterica e por um conjunto de lineamentos expliacutecitos

Marx deixou o legado de um especiacutefico estatuto ontoloacutegico natildeo um ontologia de

talhe convencional ou tradicional e natildeo apenas por que careceu de tempo

necessaacuterio para a realizaccedilatildeo de uma obra desse tipo mas fundamentalmente

pela distinccedilatildeo de natureza de seu estatuto ontoloacutegico radicalmente oposto ao

tratamento especulativo da mateacuteria

Esse estatuto eacute constituiacutedo a partir do universo praacutetico onticamente

referido ou seja eacute um estatuto ocircntico-ontoloacutegico pois evolve da efetividade

histoacuterica das coisas de suas relaccedilotildees e processos para sua reproduccedilatildeo

conceitual no plano de uma trama categorial em sua expressatildeo mais abstrata

Reconhecimento e Determinaccedilatildeo da Sociabilidade como Substacircncia

Vimos que segundo Chasin enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma

da legalidade do ser social em sua materialidade e espiritualidade[pode-se dizer

tambeacutem em sua objetividade sensiacutevel e supra-sensiacutevel] ou seja enquanto

malha de asserccedilotildees ou determinaccedilotildees de seu complexo categorial a ontologia

34

estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a sociabilidade como substacircncia desse

grau maacuteximo do ser

Embora Chasin natildeo tenha desenvolvido plenamente a questatildeo da

objetividade supra-sensiacutevel como tambeacutem a da sociabilidade como substacircncia

julgo conveniente transcrever tambeacutem algumas notas e comentaacuterios feitos em

sala de aula dada a importacircncia do tema

Em relaccedilatildeo agrave noccedilatildeo de substacircncia Chasin retoma sua noccedilatildeo mais geral

e tradicional Ou seja deixando de fora qualquer conotaccedilatildeo relativa a formas de

idealidade o que existe por si eacute um auto-engendrado a uacuteltima instacircncia de um

dado gecircnero de entificaccedilatildeo enquanto tal na medida em que eacute uma efetividade

eacute um complexo que a noccedilatildeo de substacircncia refere no mais alto grau de

abstraccedilatildeo Vale pois como abstraccedilatildeo razoaacutevel tal como todo conceito

marxiano nesse niacutevel de generalizaccedilatildeo a partir do qual pela via dos processos

de concreccedilatildeo satildeo determinaacuteveis as formas concretas de substacircncia

correspondentes agraves formaccedilotildees sociais reais

Dessa forma a substacircncia eacute um complexo histoacuterico natildeo uma

idealidade natildeo um construto da razatildeo auto-sustentada mas o resumo de uma

extraccedilatildeo justificada

Naturalidade e Sociabilidade

Sempre que se potildee a questatildeo da naturalidade e da sociabilidade essa

uacuteltima tende a ser examinada in statu nascendi ou de um estado original

imaginaacuterio natildeo se parte portanto de fatos pois os desconhecemos se eacute que

35

tenham existido mas de um mito E do mito se quer saltar para o quadro de uma

realidade complexa

Mas acompanhando Marx lembremos das pobres robinsonadas do

seacuteculo XVIII referidas logo agraves primeiras linhas da Introduccedilatildeo de 57 a) O

caccedilador e o pescador individuais e isolados de que partem Smith e Ricardo b)

o contrat social de Rousseau que relaciona e liga sujeitos independentes por

natureza por meio de um contrato Essas robinsonadas natildeo repousam sobre

(o) naturalismo E a argumentaccedilatildeo prossegue Trata-se ao contraacuterio de uma

antecipaccedilatildeo da sociedade (buumlrgelichen Gesellschaft) que se preparava desde

o seacuteculo XVI e no seacuteculo XVIII deu larguiacutessimos passos em direccedilatildeo agrave sua

maturidade Nesta sociedade da livre concorrecircncia o indiviacuteduo aparece

desprendido dos laccedilos naturais que em eacutepocas histoacutericas remotas fizeram dele

um acessoacuterio de um conglomerado humano limitado e determinado Os profetas

do seacuteculo XVIII sobre cujos ombros se apoacuteiam inteiramente Smith e Ricardo

imaginam o indiviacuteduo do seacuteculo XVIII como um ideal que teria existido no

passado Vecircem-no natildeo como um resultado histoacuterico mas como ponto de partida

da Histoacuteria porque o consideram como um indiviacuteduo conforme agrave natureza -

dentro da representaccedilatildeo que tinham da natureza humana - que natildeo se originou

historicamente mas foi posto como tal pela natureza[xvii]

Segundo Chasin tomando Marx novamente como ponto de referecircncia

os equiacutevocos que aparecem ao se tratar a relaccedilatildeo naturalidade sociabilidade

satildeo os seguintes

1) procurar deduzir em graus diferentes em cada caso o ser social do

natural esquecendo que se trata da emergecircncia do novo de uma configuraccedilatildeo

ontoloacutegica nova e que o novo nunca eacute um simples desdobramento do estaacutegio

anterior no caso - do grau de ser antecedente ou seja que entre os dois niacuteveis

ocorre o que se chama de salto um intervalo em que a potecircncia causal do

antecedente natildeo conteacutem a capacidade a potecircncia ou a potencialidade para

gerar o novo Um intervalo que fica assim indeterminado

36

2) o procedimento acima abre para a mera especulaccedilatildeo pois tende a

deduzir a indeterminaccedilatildeo a querer estabelecer nexos onde eles inexistem

tende a preencher o que de fato eacute um vazio A rigor natildeo se trata de um natildeo-

sabido mas da ausecircncia factual de um objeto ou processo em outros termos

se trata de um vazio ontoloacutegico de uma ausecircncia de nexos ontoloacutegicos

O correto segundo o modus operandi marxiano natildeo eacute partir da semente

ou do embriatildeo mas do complexo real maturado uma vez que

especialiacutessimamente na esfera social a loacutegica do gerado eacute diversa da loacutegica de

sua gecircnese aleacutem de que nesse acircmbito as entificaccedilotildees configuradas apagam a

rota e a loacutegica de sua formaccedilatildeo

Desse modo partindo do jaacute configurado e considerando que se trata de

uma configuraccedilatildeo infinita que compreende mutaccedilotildees qualitativas muito

importantes e natildeo esquecendo que permanecemos no estaacutegio preacute-histoacuterico (em

momento especialmente desequilibrado e contraditoacuterio) podemos e devemos

reconhecer por meio de algumas abstraccedilotildees razoaacuteveis o seguinte

1) A formaccedilatildeo do ser social eacute um processo da animalidade agrave

hominidade o andamento da naturalidade agrave sociabilidade o caminho infinito da

naturalidade dada agrave sociabilidade natildeo-dada em produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

perenes

2)Trata-se pois de uma entificaccedilatildeo processual entre dois niacuteveis ou

poacutelos da escala do ser sendo processo eacute intrinsecamente uma contradiccedilatildeo e soacute

enquanto tal se move eliminada a contradiccedilatildeo cessaria a possibilidade do

processo Com isso eacute dito algo muito importante pois ao reconhecer a

contraditoriedade entre naturalidade e sociabilidade natildeo eacute mais possiacutevel pensar

as mesmas a propoacutesito do ser social como um simples conjugado de fatores

mas obrigatoriamente como uma conjugaccedilatildeo contraditoacuteria de legalidades Isso

vai na esteira do que eacute compreendido desde Hegel - que o ser eacute uma unidade

contraditoacuteria - todavia com o acreacutescimo do problema da dupla legalidade De

37

que modo ou feiccedilatildeo chega cada uma delas agrave unidade contraditoacuteria do ser Pois

haacute que pensar na unidade ou siacutentese a natildeo ser que se queira desenhar o ser

social como uma aberraccedilatildeo hiacutebrida pode ser esta a fisionomia do grau mais

elevado do gradiente dos seres Assim tomada na devida consideraccedilatildeo essa

determinaccedilatildeo ontoloacutegica sem a qual a reflexatildeo perde o rumo trata-se de

compreender a dinacircmica especiacutefica dessa contradiccedilatildeo peculiar Vejamos

3) Em primeiro lugar esse processo contraditoacuterio gera novas

contradiccedilotildees agora dominantemente contradiccedilotildees da sociabilidade em

formaccedilatildeo de sorte que se trata de um processo cumulativo de

contraditoriedades no qual as novas contradiccedilotildees progressivamente vatildeo

tomando o lugar predominante e decisivo vale dizer a contradiccedilatildeo originaacuteria

cada vez mais coabita com contradiccedilotildees de outro gecircnero diante das quais sua

presenccedila vai mudando de forccedila e configuraccedilatildeo natildeo desaparece mas sua

qualidade vai mudando na proporccedilatildeo mesmo do desenvolvimento da

apropriaccedilatildeo societaacuteria da natureza cada vez mais puramente social - eacute no que

consiste de acordo com as palavras de Marx o progressivo afastamento das

barreiras naturais

4) Ou seja a matriz e a medida do afastamento eacute a forma cada vez

mais social de produzir e reproduzir as bases materiais da vida pela qual eacute

gerado o novo ser em direccedilatildeo agrave sua potecircncia ampliada de se auto-por de ir em

direccedilatildeo a si mesmo um si mesmo que natildeo eacute dado mas gerado na progressatildeo

da auto-posiccedilatildeo do auto-assentamento ou da auto-enformaccedilatildeo que inclui a

proacutepria daccedilatildeo de forma e resoluccedilatildeo ao predicado natural ou bioloacutegico daccedilatildeo de

forma que em suma eacute daccedilatildeo de forma social ao predicado natural

5) Essa possibilidade de daccedilatildeo de forma eacute afirmaccedilatildeo e realizaccedilatildeo da

essecircncia social que eacute o conjunto de relaccedilotildees sociais configuradas em cada

momento pelo modo de produzir da base material modo por sua vez que eacute

determinado pelo desenvolvimento das forccedilas produtivas entre as quais figura o

proacuteprio modo de organizaccedilatildeo do conjunto das relaccedilotildees sociais

38

6) Daccedilatildeo de forma eacute alteraccedilatildeo do lugar resolutivo e todo ente que muda

de lugar muda de natureza sem alterar uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo material

Vale dizer que a contradiccedilatildeo originaacuteria entre naturalidade e sociabilidade eacute

resolvida por uma nova contradiccedilatildeo - a da naturalidade que soacute se realiza na

forma e por meios sociais - no afastamento que eacute superaccedilatildeo da naturalidade

(processo histoacuterico) a legalidade natural eacute submetida agrave legalidade social

(diferentemente em cada modo de produccedilatildeo e de acordo com o

desenvolvimento das forccedilas produtivas) o fator natural natildeo eacute suprimido

suprimida eacute sua capacidade de autodeterminaccedilatildeo resta portanto

simplesmente o que natildeo eacute pouco como um predicado do ser humano um

predicado insuprimiacutevel mas apenas como predicado bioloacutegico de um ser de

outra natureza e essecircncia A naturalidade eacute retida como predicado

imprescindiacutevel mas natildeo como essecircncia Donde natildeo satildeo mais duas legalidades

ontoloacutegicas que coexistem mas a legalidade superior mais complexa subsume

a legalidade natural que natildeo mais se autodetermina mas eacute resolvida pela e do

interior da outra Assim o predicado natural do homem recebe forma e

resoluccedilatildeo sociais ou seja o predicado natural eacute subsumido agrave legalidade social

Natildeo resta mais o choque de duas legalidades contrapostas na

contradiccedilatildeo originaacuteria A legalidade natural vai sucumbindo na ruptura e

progressivamente agrave legalidade social em sua efetividade no ser social a

legalidade natural natildeo mais atua por si eacute dependente do social natildeo eacute mais a

legalidade de um ser pois natildeo haacute mais aiacute um ser natural mas um atributo

natural dependente da essecircncia social O homem eacute um ser social que

compreende sua essecircncia especiacutefica (variaacutevel) suas contingecircncias e seu

predicado bioloacutegico Na entificaccedilatildeo do ser social uacuteltimo grau da cadeia do ser a

legalidade natural eacute subalternizada agrave social por mais ruacutestica e restrita que seja a

essecircncia social primitiva e por mais precaacuteria que seja essa subalternizaccedilatildeo de

iniacutecio O processo de afastamento das barreiras naturais eacute assim o curso dessa

subalternizaccedilatildeo que desponta no iniacutecio na ruptura com a legalidade natural e

por mais longo e contraditoacuterio em avanccedilos e recuos que seja esse processo

39

7) de outra parte a loacutegica do predicado bioloacutegico natildeo soluciona natildeo

tem resposta para o complexo problemaacutetico da sociabilidade enquanto que esta

daacute soluccedilatildeo aos imperativos daquela Como diz Marx nos Manuscritos de 44 o

homem contempla a natureza e a si mesmo com um produto social [dos homens

interativos] com pleno direito mesmo que natildeo com elevada consciecircncia ou altos

valores

8) Donde a foacutermula lukaacutecsiana da dupla base eacute falsa pois a plataforma

eacute a sociabilidade enquanto a naturalidade eacute apenas o insuprimiacutevel predicado

bioloacutegico que passa a vigir na forma e sob a regecircncia da sociabilidade Natildeo

perde por isso uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo orgacircnica mas na sua efetividade

muda de caraacuteter No interiro da esfera societaacuteria o predicado bioloacutegico eacute um

outro de si Se originariamente foi o ponto de partida agora eacute produzido e

reproduzido pela legalidade de um ser que o ultrapassa e o domina vive e soacute

pode viver na subjugaccedilatildeo de um novo estatuto Ou seja ao integrar como

predicado o ser de niacutevel mais elevado realiza a sua maacutexima potecircncia e isso eacute

ao mesmo tempo sua desnaturalizaccedilatildeo ou perecimento Impereciacutevel como

predicado natildeo eacute base pois determina soacute por seus limites pelas carecircncias natildeo

pelas determinaccedilotildees resolutivas nem mesmo em suas forccedilas e sentidos pois

enquanto virtualidades estas soacute satildeo humanas e superiores em resoluccedilatildeo

societaacuteria Ademais natildeo eacute nunca um criador de novas necessidades o que

caracteriza a legalidade social

9) A argumentaccedilatildeo acima diz respeito diretamente ao ser social em sua

configuraccedilatildeo bipolar (indiviacuteduo e gecircnero) e desenvolvida em especial no poacutelo da

individualidade tendo por esteio o andamento do gecircnero e ao falar deste se diz

do seu metabolismo com a natureza Esse metabolismo fundamental que eacute em

suma a atividade vital do homem ao gerar produtos sociais

(utilidadesmercadorias) sem que se possa transpor a estes as mesmas

determinaccedilotildees que foram feitas para o ser social desde logo satildeo entes sociais

mas em outro grau da escala do ser social mas tambeacutem tecircm mudada a sua

natureza de naturais a utilidades (e na forma da alienaccedilatildeofetichismo as

40

mercadorias) de sorte que a apropriaccedilatildeo da natureza eacute igualmente sua

desnaturalizaccedilatildeo eacute forccedilaacute-las a deixar de ser o que satildeo em sua peculiaridade

para se tornarem um outro de si sob a regecircncia do estatuto societaacuterio Isso eacute a

manifestaccedilatildeo do poder e da superioridade do grau maacuteximo do ser Nenhum

outro ser realiza qualquer coisa semelhante nem longinquumlamente Repetindo

Kant e Hegel Marx tinha toda razatildeo quando disse que haacute mais grandeza e

misteacuterio na cabeccedila de um becircbado do que no conjunto do universo

10) a Sociabilidade imperfeita substacircncia ainda natildeo realizada enquanto

tal ou seja ainda incapaz de autonomia como complexo estruturado conduz agrave

poliacutetica Natildeo compreendida como substacircncia mas como simples organizaccedilatildeo

potildee o homem no outro poacutelo na dicotomia homemsociedade ou seja na

representaccedilatildeo socioloacutegica ou politoloacutegica o homem eacute um outro

Determinada ou compreendida como substacircncia eacute substacircncia humana

(perfeita e imperfeita com todas as grandezas e miseacuterias produzidas

modificadas suprimidas e repostas no curso histoacuterico) eacute a essecircncia mutante do

ser auto-engendrado e enquanto mutante e por ser mutante distinta tambeacutem

por essa mutabilidade do predicado bioloacutegico atemporalmente necessaacuterio mas

sempre e progressivamente insuficiente do ser social

O tomo IV do primeiro nuacutemero da Revista Ensaios Ad Hominem eacute

composto de seis artigos - aleacutem do texto de abertura de autoria de J Chasin -

que resultaram de siacutenteses ou modificaccedilatildeo de partes ou capiacutetulos de

dissertaccedilotildees defendidas entre os anos de 1998 e 1999 junto ao Programa de

Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia da UFMG

41

O artigo que abre a presente coletacircnea intitulado A Razatildeo como

Tribunal da Criacutetica Marx e A Gazeta Renana de autoria de Celso Eidt versa

sobre a concepccedilatildeo do jovem Marx sobre o papel da imprensa natildeo apenas como

o locus privilegiado para o debate filosoacutefico mas fundamentalmente para os

processos educativos tendo em vista a realizaccedilatildeo plena da liberdade humana Eacute

bom ressaltar que no periacuteodo em que tais artigos satildeo redigidos Marx

compartilha de uma visatildeo antropoloacutegica racional em que a natureza humana eacute

concebida como espiacuterito livre e racional enquanto esteio da proacutepria vida eacutetica

ou seja da praacutetica humana fundada na razatildeo universal

Ana Selva Albinati autora do artigo A Determinaccedilatildeo dos Valores

Morais nos textos de Marx de 1841 a 1847 se debruccedila justamente sobre tal

campo de reflexatildeo Seu trabalho eacute uma tentativa de sistematizaccedilatildeo das

consideraccedilotildees sobre os valores morais nos textos do periacuteodo que se inicia com

sua tese doutoral Diferenccedilas entre as Filosofias da Natureza de Demoacutecrito e

Epicuro prosseguindo ateacute A Miseacuteria da Filosofia Ana Selva procura demonstrar

que esse periacuteodo normalmente referido como sendo o da juventude de Marx eacute

na verdade constituiacutedo de dois momentos de sua elaboraccedilatildeo teoacuterica que tem

como momento de clivagem a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel de meados

de 1843 em que Marx rompe com o referencial teoacuterico do idealismo alematildeo Em

relaccedilatildeo agraves determinaccedilotildees sobre a moral essa ruptura se reflete na inflexatildeo

radical que diferencia a compreensatildeo da moralidade no primeiro e segundo

momentos de tal forma que a moralidade passa a ser compreendida como um

dos modos da consciecircncia socialmente determinada concepccedilatildeo completamente

distinta da primeira fase em que os valores morais eram compreendidos como

expressotildees da liberdade e da racionalidade humanas idealmente concebidas

No artigo A criacutetica da Especulaccedilatildeo nas Glosas de Kreuznach Milney

Chasin analisa o momento inicial e ao mesmo tempo decisivo da ruptura que

se verifica entre Marx e Hegel no plano das determinaccedilotildees do ser Desse modo

a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel inaugura a criacutetica marxiana da

especulaccedilatildeo no seu cerne o de rejeitar o procedimento especulativo

42

caracteriacutestico de se provir tudo da ideacuteia real de tornaacute-la sujeito isto eacute de

capacitar a abstraccedilatildeo ou conceito automovido - a partir das metamorfoses

hegelianas - de pocircr o multiverso sensiacutevel Em outros termos Milney Chasin no

referido artigo evidencia como a criacutetica da especulaccedilatildeo permite a Marx

ultrapassar os horizontes do idealismo alematildeo na direccedilatildeo do devido

reconhecimento da distinccedilatildeo entre ser e pensar de caracterizar a impropriedade

ontoloacutegica da loacutegica hegeliana de apurar os limites gnosioloacutegicos e

incongruecircncias de toda ordem Em suma permite o desvelamento da substacircncia

miacutestica oferecendo a explicitaccedilatildeo do meacutetodo hegeliano - das diabruras do

conceito autoposto - que articula abstraccedilotildees e finitude restando a esta a mera

condiccedilatildeo de apecircndice dissolvido isto eacute momento virtual da realizaccedilatildeo da

idealidade

O quarto artigo desta coletacircnea intitulado A Exteriorizaccedilatildeo da Vida nos

Manuscritos de 44 eacute parte da dissertaccedilatildeo de mestrado As Categorias

Lebensaumlusserung Entaumlusserung Entfremdung e Veraumlusserung nos Manuscritos

Economico-Filosoacuteficos de Karl Marxdefendida por Mocircnica H M da Costa em

que o interesse era acima de tudo averiguar se alienaccedilatildeo (Entaumlusserung) e

estranhamento (Entfremdung) teriam significados distintos A pesquisa acabou

opor apontar no entanto uma outra categoria como eixo desses manuscritos

Lebensaumlusserung traduzida por exteriorizaccedilatildeo da vida De fato o fio condutor

dos Manuscritos eacute a centralidade do trabalho na produccedilatildeo material e espiritual

da vida humana Tomando para anaacutelise criacutetica pela primeira vez os

economistas claacutessicos Marx explicita sua proacutepria compreensatildeo da forma

peculiar de engendramento da existecircncia do homem A criacutetica a Hegel completa

o quadro desta tematizaccedilatildeo que natildeo seraacute abandonada ateacute os uacuteltimos trabalhos

de Marx

Sabina Maura Silva no artigo A Fenomenologia do Egoiacutesmo Stirner e a

Criacutetica Marxiana tem como objetivo fundamental apresentar a concepccedilatildeo de

homem presente na obra O Uacutenico e Sua Propriedade de autoria do filoacutesofo

neohegeliano Max Stirner e expor a criacutetica de Marx a este autor contida em A

43

Ideologia Alematilde A autora mostra que para Stirner o Eu tomado como

individualidade singular eacute o fundamento de sua esfera existencial No entanto

para esse autor tudo tem determinado a existecircncia dos indiviacuteduos natildeo tendo

sido permitido a eles determinaacute-la O objetivo de Stirner eacute pois remeter ao

indiviacuteduo - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel - o que dele foi alienado e erigido

como algo autocircnomo Por seu turno a criacutetica de Marx tem como fim explicitar o

caraacuteter especulativo da anaacutelise stirneana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo

bem como salientar o aspecto pseudorevolucionaacuterio de suas proposituras

Assim segundo Marx Stirner tatildeo somente interpreta diferentemente o

existente isto eacute reconhece o existente mediante outra

interpretaccedilatildeoTransformando as contradiccedilotildees objetivas em contradiccedilotildees

subjetivas Stirner conserva e justifica as condiccedilotildees e estruturas efetivas que

esmagam e impedem a autodeterminaccedilatildeo das individualidades ao reconhecer

as circunstacircncias como determinaccedilotildees dos indiviacuteduos Acolhendo acriacutetica e

especulativamente em suas feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees

estranhadas de um momento histoacuterico particular da individuaccedilatildeo humana

Stirner erige como individualidade um ente que empobrecido e constrangido

pelas condiccedilotildees objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade

social pode somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria

sobre si e sobre o mundo

O uacuteltimo artigo do tomo IV da Revista Ensaios Ad Hominem eacute de

autoria de Antocircnio Joseacute Lopes Alves e leva o tiacutetulo de A Individualidade

Moderna nos Grundrisse Neste texto o autor procura demonstrar que a

moderna sociabilidade do capital eacute compreendida por Marx como forma

instaurada a partir da dissoluccedilatildeo dos liames sociais que uniam em tempos

anteriores os indiviacuteduos agrave comunidade Aleacutem disso destaca o fato apontado por

Marx de que tal processo se constitui numa verdadeira reconversatildeo ontoloacutegica

tanto dos indiviacuteduos quanto das condiccedilotildees da atividade vital ocorrendo uma

radical transformaccedilatildeo na forma de ser de ambos Sinteticamente trata-se de

reconfiguraccedilatildeo ontoloacutegica que determina como entes autocircnomos os indiviacuteduos

44

de um lado e as condiccedilotildees de trabalho de outro vale dizer do divoacutercio entre os

indiviacuteduos ativos e as condiccedilotildees de sua atividade Antocircnio Lopes buscou em

suma alinhar as determinaccedilotildees mais essenciais dos indiviacuteduos e da

sociablidade modernos no que respeita agrave forma mesma das relaccedilotildees sociais da

atividade sensiacutevel bem como da respectiva expressatildeo ideal como por exemplo

a configuraccedilatildeo das categorias da igualdade e liberdade

O leitor encontraraacute nas paacuteginas que se seguem o resultado do esforccedilo

de pesquisa voltado ao resgate da obra marxiana caracterizado pela busca do

rigor na leitura e interpretaccedilatildeo do pensamento de um autor cuja heranccedila

intelectual conheceu um destino traacutegico Natildeo eacute faacutecil portanto voltar-se a ela

sem os preconceitos da moda - como jaacute havia advertido Lukaacutecs Natildeo posso

afirmar com total certeza que um intento dessa natureza tenha sido plenamente

alcanccedilado Todavia eacute faacutecil perceber as diferenccedilas desse tipo de produccedilatildeo teoacuterica

com aquela apresentada tanto pelo marxismo adstringido e suas dissidecircncias

como pelo marxismo vulgar para utilizar as expressotildees cunhadas por Chasin no

intuito de designar as duas variantes de interpretaccedilatildeo da obra marxiana

Faccedilo aqui ao leitor interessado o convite para participar dessa

avaliaccedilatildeo

[1] Professora do Departamento de Filosofia da UFMG coordenadora

do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e Estudos Confluentes

45

[i] J CHASIN Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in

Teixeira FJS Pensando com Marx Editora Ensaio Satildeo Paulo 1995

[ii] K MARX amp F ENGELS A Sagrada Famiacutelia Ed Grijalbo trad

Wenceslao Roces Meacutexico DF 1960 p 120

[iii] Ver a respeito J CHASIN Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo

Metodoloacutegica opcit

[iv] J CHASIN O Futuro Ausente in Ensaios Ad Hominem 1 tomo III

Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem Satildeo Paulo 2000 p 166

[v] Ib p 167

[vi] Id

[vii] E CASSIRER A Filosofia do Iluminismo Editora da Unicamp

Campinas 1992 p 11

[viii] G LUKAacuteCS La Riproduzionein Per lOntologia delle Essere

Sociale Roma Editori Riuniti tomo II 1981 pp 180-81

[ix] N HARTMANN Ontologia Fondo de Cultura Econoacutemica Meacutexico D

F vol 1 1986

[x] K MARX O Capital vol I Ediccedilatildeo Abril Cultural Satildeo Paulo p 149

[xi] Id

[xii] Ib p 150

[xiii] (a respeito dessas categorias ver N HARTMANN Ontologia op cit

vol I p XII

46

47

[xiv] No original alematildeo in der Form des Seins Dietz Verlag 1971 p

195

[xv] Ib p 151

[xvi] Ver a respeito em J CHASIN Marx-Estatuto Ontoloacutegico e

Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica op cit

[xvii] K MARX op Cit p 126

Page 18: :: Verinotio - Revista On-line de Educao e Cincias Humanas · O leitor encontrará, portanto, nessa Apresentação o fruto de trabalho de coleta e organização de materiais utilizados

Considerando como ponto de referecircncia as consideraccedilotildees

desenvolvidas por Marx em O Capital especificamente sobre a dificuldade

encontrada pela humanidade na compreensatildeo do valor ao longo de dois

milecircnios - de Aristoacuteteles a Ricardo - pode-se sustentar segundo Chasin que

um fenocircmeno muito similar a este se produziu no que tange agrave determinaccedilatildeo do

ser ou seja da(s) matriz(es) da(s) realidade(s) ou seja da efetividade

Tomemos as passagens em questatildeo que se encontram no Prefaacutecio agrave

Primeira Ediccedilatildeo de O Capital Todo comeccedilo eacute difiacutecil isso vale para qualquer

ciecircncia A forma do valor cuja figura acabada eacute a forma do dinheiro eacute muito

simples e vazia de conteuacutedo Mesmo assim o espiacuterito humano tem procurado

desvendaacute-la (ergruumlden) em vatildeo haacute mais de 2000 anos enquanto por outro lado

teve ecircxito ao menos aproximado a anaacutelise de formas muito mais complicadas e

replenas de conteuacutedo Por quecirc Porque o corpo desenvolvido eacute mais faacutecil de

estudar do que a ceacutelula do corpo Aleacutem disso na anaacutelise das formas econocircmicas

natildeo podem servir nem o microscoacutepio nem reagentes quiacutemicos A forccedila da

abstraccedilatildeo deve substituir a ambos Para o leigo a anaacutelise parece se perder

em pedantismo Trata-se efetivamente de pedantismo mas daquele de que se

ocupa a anatomia microscoacutepica

De acordo com Chasin eacute necessaacuterio reter os seguintes noacutedulos

significativos da citaccedilatildeo acima

1) todo iniacutecio de uma ciecircncia eacute difiacutecil donde o princiacutepio da ontologia o

princiacutepio da ciecircncia deve ser o mais difiacutecil de todos

2) haacute grande dificuldade na compreensatildeo da forma do valor que eacute um

objeto simples e vazio de conteuacutedo

3) haacute ecircxito maior na anaacutelise de formas mais complicadas e replenas de

conteuacutedo

18

Na mesma citaccedilatildeo Marx enuncia os motivos de tal dificuldade

1) o corpo desenvolvido eacute mais faacutecil de estudar do que a ceacutelula do

corpo

2) meacutetodos experimentais natildeo satildeo aplicaacuteveis a esse tipo de forma

3) a analiacutetica dessa forma pela forccedila da abstraccedilatildeo deve tomar o lugar

da observaccedilatildeo empiacuterica e experimental

4) anaacutelise voltada agrave anatomia microscoacutepica da forma estudada

A partir dessas indicaccedilotildees colhidas no texto de Marx Chasin elabora

um esboccedilo para fins unicamente didaacuteticos em que busca transpassaacute-las para a

proacutepria questatildeo ontoloacutegica afirmando o que se segue

1) o iniacutecio difiacutecil da ontologia perdurou tambeacutem por mais de 2000

anos trajetoacuteria em que se observa tateios imprecisos caracterizados por um

movimento simultacircneo de constituiccedilatildeodissoluccedilatildeo ateacute chegar em Marx Tal

movimento simultacircneo de constituiccedilatildeodissoluccedilatildeo revela por seu rumo

imanentemente contraditoacuterio por seus caminhos e descaminhos histoacutericos a

dificuldade e a longa incapacidade na formulaccedilatildeo precisa de seu objeto e

alcance ou seja de sua natureza e propoacutesito - de sua funccedilatildeo orientadora e

sustentadora no plano teoacuterico e de sua origem praacutetica preacute-teoreacutetica

2) reconhecimento ontopraacutetico das formas dos seres e analiacutetica da

forma do ser apenas por meio da forccedila da abstraccedilatildeo no reconhecimento

ontopraacutetico os seres satildeo reconhecidos como substantivos e nesse caso ateacute

certo ponto vale para a observaccedilatildeo espontacircnea e observaccedilatildeo comum pois o

desvendamento completo exige forccedila de abstraccedilatildeo como verbo ( o ato de ser

de Gilson) soacute a forccedila da abstraccedilatildeo daiacute a facilidade para se cair no

abstrativismo

19

Eacute nesse preciso momento da exposiccedilatildeo chasiniana que surgem as

primeiras referecircncias a Eacute Gilson assim como a N Hartmann momentos mais agrave

frente Evidentemente que esse procedimento natildeo ocorre por acaso pois o que

estaacute em questatildeo agora satildeo as tentativas contemporacircneas de resgate da

tematizaccedilatildeo ontoloacutegica

Eacute Gilson afirma que o mais fundamental dos problemas da filosofia - a

relaccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia que por seu turno diz respeito agrave distinccedilatildeo

de ser como nome isto eacute como substantivo em latim ens (ente) e como verbo

esse Eacute sabido que o esse tomista eacute concebido como ato de ser - actus essendi -

significando portanto existecircncia ato de existir ato de ser

Chasin comenta a ambiguumlidade da noccedilatildeo de ser para qual Gilson

chama atenccedilatildeo afirmando o que se segue

1) Ens eacute um nome que significa um ser (determinado) ou seja a

natureza e a essecircncia de qualquer existente ou entatildeo - o ser mesmo - uma

propriedade comum a tudo aquilo que se pode dizer que eacute (que pertence a)

Em suma enquanto nome ou substantivo ser designa um existente

qualquer ou uma propriedade comum a todos os existentes designa o que

verdadeiramente eacute ou uma propriedade geral eacute um ente ou uma entidade

2) Enquanto verbo ser designa a accedilatildeo ou o ato de ser exercido pelo

ente Assim como verbo natildeo significa que algo eacute nem a existecircncia em geral

mas o ato mesmo pelo qual qualquer realidade dada eacute de fato ou existe

Precisamente a este ato Gilson chama de ser em contraposiccedilatildeo a ente

De todo modo feita a distinccedilatildeo Chasin considera existir um seacuterio

problema ao tomar em separado ens e esse indagando eacute possiacutevel pensar em

duas figuras no isolamento Seraacute que essa configuraccedilatildeo eacute de fato o mais

fundamental dos problemas ou eacute o mais antigo o mais remoto e o mais cultuado

dos equiacutevocos da histoacuteria da filosofia

20

De um lado a compreensatildeo da forma de ser enquanto verbo como

pura significaccedilatildeo verbal de existir de estar presente enquanto significaccedilatildeo de

ato ou presenccedila o verbo eacute forma simples e vazia de conteuacutedo pois reduzida ao

predicado mais geral e comum das coisas denota apenas sua existecircncia De

outro lado ocorre o mesmo problema com o substantivo ser - ens - pois redunda

em essecircncia imutaacutevel Em outras palavras na histoacuteria da filosofia nesses dois

caminhos houve de longa data polecircmica sobre o que existe em que plano se daacute

a existecircncia e assim por diante No caso do ser como verbo o ser eacute muito

parcamente categorial reduzido agrave presenccedila no tempo e no espaccedilo soacute possui o

predicado abstrato da existecircncia no caso do substantivo tomado sem o ato de

existir se converte em complexo de propriedades ou entidades perenes

A resoluccedilatildeo para tal questatildeo reside segundo Chasin em tomar o ser

enquanto complexo categorial daquilo que eacute como ente que existe Nesse

sentido o desvendamento tem ecircxito maior como mostra a ciecircncia que toma

para anaacutelise formas mais complicadas e replenas de conteuacutedo vale dizer uma

vez que tem por alvo o ser por sua efetividade e determinado por suas

qualidades natildeo apenas pelo reconhecimento de sua presenccedila mas pelo seu

complexo categorial

Ora arremata Chasin a forma sensiacutevel do ente compreende o ens e o

esse ou seja a plena riqueza do complexo categorial

- Loacutegica e Ciecircncia

Neste item Chasin defende a tese de que na medida em que

pretendeu e pretenda ser uma disciplina ou ciecircncia de chegada isto eacute

21

conclusiva autocircnoma e sistemaacutetica a ontologia acaba por ser transmutada em

loacutegica ou ciecircncia

Talvez possa ser dito que nas ontologias onde predomine

unilateralmente o ser como verbo ou o ente como essecircncia terminem por ser

uma loacutegica que de alguma forma acaba por ter a pretensatildeo de constituir o ser

a loacutegica eacute entatildeo o segredo uacuteltimo do ser ou sua base cognitiva e por essa via

sua base ontoloacutegica - que assim nega a ontologia ou seja o reconhecimento do

ser por si

De outra parte predominando o ser como substantivo o fim da

ontologia acaba por ser uma forma de ciecircncia ou seja a ontologia eacute novamente

negada como ocorreu com a ciecircncia moderna donde sua pretendida auto-

suficiecircncia que apenas admite por fundamento uma forma qualquer de

gnosiologia isto eacute uma forma a priori da operatividade subjetiva

desaparecendo assim a regecircncia do objeto o que ao contraacuterio caracteriza o

espiacuterito e o propoacutesito ontoloacutegicos ou seja o reconhecimento do ente enquanto

ente o oacuten qua oacuten ou ser por si

Em suma a ontologia quando centrada no ser como verbo rarefeita

pelo vazio de sua forma termina por ser loacutegica por outro lado quando centrada

no ser como substantivo agraves voltas com gecircneros formados por complexos

qualitativos termina por se constituir em ciecircncia particular e autocircnoma Assim

ao pretender ser tudo concludente sistemaacutetica e independente por sua forma

mais vazia ou por suas categorias abstratas e perenes a ontologia acaba por

ser negada pela loacutegica ou pela ciecircncia Pretendendo ser tudo acaba por

desaparecer

Ora ao tomar o ser como verbo a ontologia tem de compreender que

natildeo pode ser mais do que a anatomia de uma propriedade do ser - de sua

propriedade mais geral e vazia - a propriedade de sua presenccedila enquanto corpo

real ausente ou presenccedila de um complexo categorial abstraiacutedo O ser aqui eacute

22

reduzido agrave forma mais vazia a simples propriedade de um todo que escapa

completamente agrave sua jurisdiccedilatildeo Donde seu desenlace em loacutegica

De outra parte quando o ser eacute tomado em sua denotaccedilatildeo substantiva

ou seja na multiplicidade de suas propriedades qualitativas em interconexatildeo

especiacutefica transborda em ciecircncia na medida em que a ontologia pretenda a

condiccedilatildeo de disciplina ou ciecircncia sistemaacutetica

Donde a impossibilidade de a ontologia ficar adstrita agrave forma do verbo

nem se realizar como dilucidaccedilatildeo concreta do substantivo Assim deve-se

reconhecer que a ontologia natildeo pode se realizar em nenhum desses dois poacutelos

nem simples tematizaccedilatildeo do ato geneacuterico da presenccedila - que redundaria em

simples compoacutesito tautoloacutegico nem tematizaccedilatildeo do ser substantivo concreto

pois aiacute se desnaturaria em ciecircncia especiacutefica

Conclusivamente a ontologia nem eacute simples tautologia do ser em ato

nem efetivaccedilatildeo cientiacutefico-concreta do desvendamento do ser como substantivo

Enquanto tal a ontologia eacute uma realizaccedilatildeo necessaacuteria no espaccedilo que antecede

aqueles dois poacutelos em verdade a plataforma que leva da constataccedilatildeo mais

abstrata do ser (tanto como substantivo quanto verbo) agrave sua reproduccedilatildeo

cientiacutefica como substantivo Enquanto tal eacute um estatuto - uma filosofia primeira

o cacircnon da legalidade do ser matrizado pelos traccedilos ou vetores categoriais

fundamentais do ser por si que matriza a cientificidade tanto em sua forma mais

abstrata - loacutegica - quanto em sua forma mais concreta - ciecircncia

O problema fundamental da filosofia primeira - philosophia prima - eacute o

problema das categorias mais gerais do ser aiacute incluso o ato de ser donde em

sua plenitude o ato sensiacutevel de ser - ens e esse o ens essendi complexo

categorial pleno no ato de existir

Essa plataforma estatutaacuteria natildeo eacute uma disciplina situada entre outras

disciplinas entre a loacutegica e a ciecircncia como um campo intermediaacuterio entre o

verbo e o substantivo entre a maacutexima abstratividade e a efetividade concreta

23

Essa distribuiccedilatildeo topograacutefica confere agrave abstraccedilatildeo a condiccedilatildeo de fundaccedilatildeo

(determinaccedilatildeo originaacuteriaontoloacutegica) e fundamento (ponto de partida

epistemoloacutegico) Se assim fosse perderia a condiccedilatildeo de filosofia primeira

Enquanto filosofia primeira eacute o reconhecimento do substantivo verbal

do substantivo que eacute do ens essendi natildeo de uma substantividade qualquer em

abstrato mas da substantividade que existe por todas as modalidades

categoriais isto eacute reais (sensiacuteveis) natildeo apenas um substantivo pensado que

dependeria para ser do pensamento mas do substantivo que eacute por-si

independentemente se ser pensado o que requer o complexo categorial

da sensibilidade por isso eacute que soacute eacute ser o ser sensiacutevel Vale dizer o ser como

verbo eacute resultado do ser substantivo soacute um sujeito (em suas diversas formas na

cadeia do ser) eacute (soacute um sujeito existe eacute faz sente pensa etc de acordo com

seu grau na cadeia do ser)

A ontologia do puro verbo ser ou das puras essecircncias (complexo

categorial abstrativante e eterno) eacute a autonomizaccedilatildeo das categorias ou da

existecircncia em relaccedilatildeo ao ser e existir reais agraves formas reais de ser e existir satildeo

as categorias e a existecircncia sem corpo ou sujeito mais do que isso satildeo as

categorias (essecircncia) e existecircncia em geral universal e abstrata tornadas

sujeito a essecircncia ou a existecircncia abstratas personificadas - e isso satildeo

puramente figuras do pensamento o que jaacute eacute especulaccedilatildeo natildeo ontologia

Marx agrave semelhanccedila de Feuerbach soacute admite como ente ou melhor

como entificaccedilatildeo o ens essendi - o ente sendo o ente no ato de ser o ente

revestido de existecircncia atual - objetivo o ente no exerciacutecio da accedilatildeo ou ato de

ser eacute portanto um ente existente ou seja o ente que estaacute sendo o ente no ato

de existir

Donde do mesmo modo que em Feuerbach o ser eacute inseparaacutevel de sua

existecircncia Ser e existir constituem uma unidade indissoluacutevel complexo

24

categorial no ato de ser pela atualizaccedilatildeo do complexo categorial essecircncia

determinada e mutaacutevel na mutabilidade de ser e ir sendo (essendi)

Eacute chegada a hora depois desta etapa analiacutetica de vislumbrar qual eacute o

cenaacuterio em Marx que esse conjunto de questotildees se coloca Com esse objetivo e

como eacute tiacutepico de seu procedimento investigativo junto aos textos daquele autor

Chasin toma para anaacutelise o item 1 O Processo de Trabalho do capiacutetulo V de O

Capital Nele pode-se identificar em primeiro lugar a natureza geral (universal)

da atualizaccedilatildeo da forccedila de trabalho que se encontra em potecircncia nos indiviacuteduos

A produccedilatildeo de valores de uso ou bens natildeo muda sua natureza geral por se

realizar para o capitalista e sob seu controle Por isso o processo de trabalho

deve ser considerado de iniacutecio independentemente de qualquer forma social

determinada[x]

Por que o processo de trabalho deve ser considerado de iniacutecio

independentemente de qualquer forma social determinada indaga Chasin A

resposta eacute formulada em estilo direto Para natildeo ser perdida a natureza do

trabalho sua positividade enquanto atividade humana vital

Tem-se nessa passagem segundo Chasin um exemplo do exerciacutecio

de uma ontologia estatutaacuteria - a positividade (sua efetividade ou operosidade)

universal do trabalho enquanto atributo vital e inalienaacutevel do homem

independentemente de suas formas concretas que se apresentam na forma do

trabalho alienado

Eacute a determinaccedilatildeo universal do trabalho o traccedilo de sua legalidade

uacuteltima sua determinaccedilatildeo mais geral e essencial dimensatildeo que natildeo desaparece

nem mesmo sob suas formas concretas mais negativas

A ontologia estatutaacuteria registra o traccedilo ou rastro dessa dimensatildeo

permanente que atravessa as formas concretas em sua efetividade contraditoacuteria

e especialmente desfavoraacutevel para o homem enquanto maioria subjugada ao

longo de toda a preacute-histoacuteria da humanidade

25

Permanente mas permanente processual mutaacutevel diversamente

positivo quantitativa e qualitativamente em cada uma das formas concretas em

que o trabalho aparece nas configuraccedilotildees sociais determinadas

Nesse sentido abstratamente permanente abstratamente positivo mas

onde essa abstratividade natildeo corresponde a uma simples determinaccedilatildeo

conceitual Corresponde a uma efetividade em sua figura proacutepria em cada forma

social determinada

Agrave ontologia estatutaacuteria compete o reconhecimento dessa dimensatildeo mais

geral base para a decifraccedilatildeo cientiacutefica concreta dos casos efetivos que por sua

vez confirmam ou natildeo criticamente a determinaccedilatildeo mais geral ontoloacutegica Natildeo

haacute portanto um abismo separando ontologia de ciecircncia mas a continuidade de

momentos distintos de uma mesma unidade de conhecimento que interagem e

se medem reciprocamente se apoacuteiam estimulam e criticam um infinito processo

constitutivo das certezas

Continuando a anaacutelise do texto marxiano tem-se a descriccedilatildeo do

trabalho e o reconhecimento analiacutetico de sua natureza Antes de tudo [aqui

Chasin faz uma pequena observaccedilatildeo assinalando ou seja na raiz em seu

fundamento diria uma linguagem mais convencional e ciosa de suas

pretendidas atribuiccedilotildees] o trabalho eacute um processo entre o homem e a

natureza um processo em que o homem por sua proacutepria accedilatildeo medeia regula

controla seu metabolismo com a natureza Ele mesmo se defronta com a

mateacuteria natural Ele potildee em movimento as forccedilas naturais pertencentes agrave sua

corporalidade braccedilos e pernas cabeccedila e matildeo a fim de se apropriar da mateacuteria

natural numa forma uacutetil para a sua proacutepria vida Ao atuar por meio desse

movimento sobre a natureza externa a ele e ao modificaacute-la ele modifica ao

mesmo tempo sua proacutepria natureza Ele desenvolve as potecircncias nela

adormecidas e sujeita o jogo de suas forccedilas a seu proacuteprio domiacutenio[xi]

26

Observe-se que diz Chasin ao trabalhar ao mudar a forma da

natureza ao construir sua proacutepria mundaneidade o homem ele proacuteprio por

meio de seu proacuteprio trabalho transforma a sua proacutepria natureza Ou seja de ser

natural para social eis um novo exemplo de lineamento reconhecido e recolhido

agrave ontologia estatutaacuteria

Prosseguindo na especificaccedilatildeo Marx afirmaPressupomos o trabalho

numa forma que pertence exclusivamente ao homem Uma aranha executa

operaccedilotildees semelhantes agraves do tecelatildeo e a abelha envergonha mais de um

arquiteto humano com a construccedilatildeo dos favos de suas colmeacuteias Mas o que

distingue de antematildeo o pior arquiteto da melhor abelha eacute que ele construiu o

favo em sua cabeccedila antes de construiacute-lo em cera No fim do processo de

trabalho obteacutem-se um resultado que jaacute no iniacutecio deste existiu na imaginaccedilatildeo do

trabalhador e portanto idealmente Ele natildeo apenas efetua uma transformaccedilatildeo

da forma da mateacuteria natural realiza ao mesmo tempo na mateacuteria natural seu

objetivo que ele sabe que determina como lei a espeacutecie e o modo de sua

atividade e ao qual tem de subordina sua vontade E essa subordinaccedilatildeo natildeo eacute

um ato isolado Aleacutem do esforccedilo dos oacutergatildeos que trabalham eacute exigida a vontade

orientada a um fim que se manifesta como atenccedilatildeo durante todo o tempo de

trabalho e isso tanto mais quanto menos esse trabalho pelo proacuteprio conteuacutedo e

pela espeacutecie modo de sua execuccedilatildeo atrai o trabalhador portanto quanto

menos ele o aproveita como jogo de suas proacuteprias forccedilas fiacutesicas e espirituais[xii]

Chasin chama atenccedilatildeo para as seguintes observaccedilotildees

1) a preacutevia-ideaccedilatildeo do resultado (do fim) a existecircncia ideal do mesmo

na imaginaccedilatildeo donde o objeto ou um complexo categorial in mente e ante

res[xiii]

Preacutevia-ideaccedilatildeo e teleologia satildeo ou podem ser momentos confluentes

mas natildeo satildeo idecircnticos a preacutevia-ideaccedilatildeo estaacute no comeccedilo e eacute um desenho ideal

que implica o conhecimento da espeacutecie e do modo da atividade a realizar

27

conhecimento das malhas causais teleologia eacute simplesmente finalidade fim

objetivo podendo se apresentar de modo meramente volitivo e bem abstrato

natildeo mobilizante dos ou sem os meios de sua realizaccedilatildeo ou seja ter teleologia

sem preacutevia-ideaccedilatildeo natildeo conduz a nenhum processo de trabalho Quero assinar

que o termo teleologia pode ser demasiado vago no sentido de mero conceito

filosoacutefico convencional nesse sentido apenas alusivo e natildeo instrumentador de

operaccedilotildees na esfera da atividade sensiacutevel Pode ser entendido mais como

manifestaccedilatildeo de espiacuterito do que como exigecircncia de efetuaccedilatildeo de mudanccedila de

forma da mateacuteria natural e objetivaccedilatildeo de propoacutesito E de toda forma indica

antes de tudo que o fim o realizado estaacute no fim do processo fala do obtido ou

do a ser obtido nada nos diz da travessia que realiza da travessia que passa do

ideal para o real natildeo nos fala da mobilizaccedilatildeo ideal e material necessaacuterias

Quando a teleologia se manifesta como resultado jaacute natildeo eacute preciso dizer mais

nada a respeito Basta saudar e usufruir de sua apariccedilatildeo que nada tem de

maacutegica ou misteriosa mas antes de reconhececirc-la como produto das

metamorfoses de subjetividade e objetividade Ou seja em suas distintas

naturezas inconfundiacuteveis enquanto tais objetividade e subjetividade satildeo

entificaccedilotildees na mundaneidade humana e nessa qualidade estados ou momentos

do ser social momentos regidos pela atividade ideal e sensiacutevel do mesmo

Penso que Lukaacutecs ao transpor a questatildeo para a linguagem filosoacutefica

tradicional pode ter dissociado demais fins e meios o que natildeo eacute o caso dos

textos de Marx Por isso Lukaacutecs se vecirc obrigado depois a buscar a rearticulaccedilatildeo

entre teleologia e causalidade e nisso encontre natildeo poucas dificuldades (como

uma passa para outra e vice-versa parecendo que lida ao limite com

substacircncias incomunicaacuteveis natildeo as compreendendo em suas metamorfoses) e

deixe que se perca certa substacircncia da questatildeo antes de tudo o interfluxo entre

objetividade e subjetividade com seus distintos momentos preponderantes em

cada um dos passos dos momentos embricados dos processos Creio que as

duas esferas ficam sempre tradicionalmente um tanto estranhas uma em

28

relaccedilatildeo agrave outra seja para preservar a objetividade e aiacute se torna objetivista seja

para ressaltar a subjetividade e aiacute desliza para o subjetivismo

2) No fim do processo tem-se seu resultado que eacute a transformaccedilatildeo da

forma de uma dada mateacuteria natural e a realizaccedilatildeo do objetivo do trabalho que

existiu antes como preconfiguraccedilatildeo ideal Portanto o trabalho transforma

imagem ideal em ente real complexo categorial in rebus

Em suma no pensamento de Marx as categorias ou complexos

categoriais satildeo reconhecidos sob as trecircs formas in mente (existem idealmente

na imaginaccedilatildeo ou como reproduccedilatildeo mental das coisas categorias da

representaccedilatildeo) ante res (preacutevia-ideaccedilatildeo) e in rebus como efetividades quando

estatildeo na forma de ser Como confirmaccedilatildeo tome-se mais esta passagem do

mesmo capiacutetulo No processo de trabalho a atividade do homem efetua

portanto mediante o meio de trabalho uma transformaccedilatildeo do objeto de

trabalho pretendida desde o princiacutepio O processo extingue-se no produto Seu

produto eacute um valor de uso uma mateacuteria natural adaptada agraves necessidades

humanas mediante transformaccedilatildeo da forma O trabalho se uniu com seu objeto

O trabalho estaacute objetivado e o objeto trabalhado O que do lado do trabalhador

aparecia na forma de mobilidade aparece agora como propriedade imoacutevel na

forma do ser[xiv] do lado do produto Ele fiou e o produto eacute um fio[xv]

Como arremate analiacutetico dessa famosa mas muitas vezes mal

compreendida passagem de O Capital Chasin conclui ao mesmo tempo em que

visualiza uma nova tarefa Se assim eacute se as categorias podem aparecer nas

trecircs formas - in rebus - in mente - ante res - haacute entatildeo que determinar o que satildeo

cada uma dessas formas

Esquematicamente Chasin propotildee o seguinte

1) se estatildeo in rebus (nas coisas) estatildeo na forma do ser

29

2) se estatildeo in mente (na cabeccedila) estatildeo na forma da reproduccedilatildeo ideal

das coisas Trata-se da subjetividade receptora[xvi] que reproduz as coisas natildeo

captando apenas seus dados empiacutericos superando pois o empirismo e elabora

portanto a reproduccedilatildeo ideal dos entes e onde a subsunccedilatildeo aos objetos eacute a

atividade de sua elaboraccedilatildeo ideal

3) se estatildeo ante res (antes das coisas) estatildeo na forma da finalidade da

preacutevia mentalizaccedilatildeo de objetivos e meios

Poreacutem no segundo e terceiro casos as categorias estatildeo na forma de

espeacutecies de pensamento representaccedilotildees e projeccedilotildees do ser do vir-a-ser dos

meios materiais instrumentais processuais e dinacircmicos de entificaccedilatildeo dos

seres

Concluindo essa parte dizer pois que o homem e o mundo satildeo

atividade sensiacutevel que por criar seu mundo cria a si mesmo eacute determinar o

homem como a criatura criadora de seres

No entanto na medida em que apenas na configuraccedilatildeo histoacuterica regida

pela loacutegica do capital ou seja na plenitude da produccedilatildeo da riqueza entendida

por sua essecircncia subjetiva que eacute o trabalho que se atinou para determinaccedilatildeo

do homem como a criatura criadora de seres foi possiacutevel agrave reflexatildeo pode se

dar conta potencialmente da verdadeira problemaacutetica do ser

Em outras palavras eacute pela criacutetica ao criador de criaturas na forma da

alienaccedilatildeo - criacutetica marxiana agrave sociedade capitalista - eacute que a ontologia pode

atinar com seu verdadeiro objeto e modo de determinaccedilatildeo Natildeo eacute casual que

tenha emergido pela criacutetica feuerbachiana ao sistema hegeliano (a criaccedilatildeo

especulada dos entes) e ganho seus contornos efetivos no advento de uma

nova forma de pensamento e concepccedilatildeo de praacutetica - a doutrina de Marx

Resumindo no caso de Marx ontologia eacute estatuto ou filosofia primeira

do ser social que enquanto tal norteia a concreccedilatildeo cientiacutefica do mesmo cuja

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realizaccedilatildeo corrige e enriquece o proacuteprio estatuto donde a sinergia e a reciacuteproca

dimensatildeo criacutetica entre estatuto ontoloacutegico e ciecircncia da histoacuteria em seus diversos

departamentos possiacuteveis estabelecidos jaacute por criteacuterio ontoloacutegico ou seja que

respeita a integridade das coisas em suas qualidades e processos interconexos

que as constituem em seu ser por si e enquanto tais satildeo reproduzidas

teoricamente

Enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma da legalidade objetiva (material

e espiritual) do ser social ou seja enquanto malha de asserccedilotildees ou

determinaccedilotildees de seu complexo categorial enquanto o permanente na forma de

processo a ontologia estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a

sociabilidade como substacircncia desse grau maacuteximo da cadeia do ser

Mas substacircncia como complexo categorial como siacutentese de categorias

essenciais que denota uma forma especiacutefica determinada de presenccedila ou

existecircncia plenamente qualificada

Por isso eacute estatuto ontoloacutegico pois a plataforma canocircnica do ser eacute o

coacutedigo do substantivo verbal como substacircncia substrato) assim o estatuto

ontoloacutegico do complexo substantivo do ser social deve reconhecer a

sociabilidade como substacircncia A sociabilidade como substrato dos homens

seja na forma da alienaccedilatildeo seja na forma de sua latecircncia de substancialidade

em vir-a-ser no caminho infinito de sua realizaccedilatildeo

Trata-se portanto em Marx de estatuto e natildeo sistema pois como

sistema seria um agregado de abstraccedilotildees uma filosofia que uma vez obtidas

noccedilotildees fundamentais passa a se edificar por si ou seja as noccedilotildees seriam

coaacutegulos inteligiacuteveis que passam por auto-sustentaccedilatildeo a configurar

dedutivamente o mundo Ao passo que estatuto eacute uma ordem a legalidade do

ser sensiacutevel - o ser na plenitude de seus atributos

tempo (histoacuteriaprocessoduraccedilatildeomutabilidade) lugar e sensibilidade

especificamente a legalidade do ser social imanente a si em sua especiacutefica

31

objetividade O ser sensiacutevel eacute a forma do ser porque eacute a plenitude das

categorias possiacuteveis

E as formaccedilotildees ideais

Segundo Chasin as formaccedilotildees ideais do mesmo modo que as

formaccedilotildees reais - formas do ser - tecircm lugar e tempo como categorias - o tempo

e o espaccedilo das formaccedilotildees sociais que satildeo engendradas mas estatildeo privadas de

sensibilidade

O sensiacutevel soacute eacute predicaccedilatildeo inerecircncia agrave forma do ser que conteacutem a

plenitude dos predicados possiacuteveis (sensibilidade espaccedilo tempo)

Essa forma de conceber o ser eacute reconhecer substancialidade ao

complexu agrave unidade totalizada ou seja ao conjunto pleno de atributos em ato

Em outras palavras ser eacute complexo categorial - tem a forma de ser -

completude ou forma conferida pelo sensiacutevel que se desdobra em muacuteltiplos

atributos e se condensa de infinitas maneiras no gradiente do ser

Em suma segundo Chasin tomando Marx como base e ponto de

referecircncia permanentes ser eacute plenitude categorial ou seja a plenitude

categorial eacute sua forma e por ser sensiacutevel compreende lugar e tempo

Donde se admitido o princiacutepio metoacutedico de Marx saber eacute saber do ser

que antes de tudo eacute um complexo sensiacutevel - tudo que eacute existe eacute sempre um

complexo natildeo uma substacircncia ou essecircncia pura e cristalina E a cadeia do ser eacute

o conjunto de graus do ser - do menos ao mais complexo

O preceito metodoloacutegico marxiano eacute pois ontoloacutegico sabe-se o que eacute

como se formou se desenvolveu e como depereceraacute

Por via de consequumlecircncia e diante das vicissitudes da histoacuteria da

ontologia de seu processo constitutivo e dissolutor diante da penosa rota da

32

conquista teoacuterica do real homoacuteloga ou equivalente agrave necessidade humana de

produzir a sua mundaneidade e a si mesmo a ontologia eacute o que pode ser - o

que natildeo eacute pouco - a esfera teoacuterica da incerteza propulsora positiva

afirmativamente organizada O patamar do incerto ordenado como plataforma da

busca infinita da certeza Impulsatildeo incontornaacutevel que natildeo pode ser eludida pela

presenccedila imperativa dos circuitos ontopraacuteticos

Talvez agora o estatuto ontoloacutegico marxiano possa ser enunciado do

seguinte modo eacute o estudo das categorias fundamentais - em traccedilos essenciais

abstratos em suas determinaccedilotildees mais gerais - da existecircncia social

historicamente constatada e reconhecida sendo possiacutevel exemplificar com as

seguintes categorias historicidade (processualidade ou mutabilidade)

concreticidade ou objetividade atividade sensiacutevel e ideal (trabalho e

reproduccedilatildeo) subjetividade (receptiva e proponente) valor individualidade

gecircnero (sociabilidade) Tudo isso perfilando o complexo de complexos da auto

realizaccedilatildeo do ser humano-societaacuterio entendido que o fim dos fins eacute a infinitude

da realizaccedilatildeo do humano - do autopor-se do aberto ser humano-societaacuterio

Estatuto que em outros termos eacute a ordem do reconhecimento ou

reproduccedilatildeo teoacuterica da identidade natureza e constituiccedilatildeo das coisas por si por

seus complexos categoriais decisivos independentemente em qualquer plano

de se tornarem objetos de praacutetica ou reflexatildeo

Enquanto tal eacute a teoria do reconhecimento da objetividade histoacuterico-

social imanente em suas distintas formas de apresentaccedilatildeo (natureza e

sociedade) Em termos muito breves eacute o momento mais abstrato do

reconhecimento da identidade das coisas por si enquanto tal um dos momentos

distintos da unidade do saber do qual participa um segundo sob forma

concreta que eacute a ciecircncia

Pela proacutepria natureza histoacuterica processual do ser a ontologia marxiana

natildeo corresponde nem poderia corresponder por simples imperativo de

33

coerecircncia agrave forma de um saber universal plantado sobre uma racionalidade

auto-sustentada ou seja fundado na razatildeo universal nada mais a versatildeo laica

ou profana de Deus no dizer de Feuerbach Ou seja trata-se enfim de uma

forma de ontologia sem parentesco com o saber absoluto e que recusa qualquer

tipo de fundamento especulativo pois absolutizaccedilatildeo de uma teoria da

fundamentaccedilatildeo eacute simplesmente a firmaccedilatildeo especulativa da razatildeo autocircnoma ou

de um princiacutepio de inteligibilidade situado para aleacutem das coisas que garante a

presenccedila e o conhecimento do sagrado e a vitoacuteria antecipada do idealismo Natildeo

correspondendo agrave qualquer forma de saber universal a ontologia marxiana

sustenta a possibilidade efetiva como jaacute vimos de um saber real

Por sua praacutetica teoacuterica e por um conjunto de lineamentos expliacutecitos

Marx deixou o legado de um especiacutefico estatuto ontoloacutegico natildeo um ontologia de

talhe convencional ou tradicional e natildeo apenas por que careceu de tempo

necessaacuterio para a realizaccedilatildeo de uma obra desse tipo mas fundamentalmente

pela distinccedilatildeo de natureza de seu estatuto ontoloacutegico radicalmente oposto ao

tratamento especulativo da mateacuteria

Esse estatuto eacute constituiacutedo a partir do universo praacutetico onticamente

referido ou seja eacute um estatuto ocircntico-ontoloacutegico pois evolve da efetividade

histoacuterica das coisas de suas relaccedilotildees e processos para sua reproduccedilatildeo

conceitual no plano de uma trama categorial em sua expressatildeo mais abstrata

Reconhecimento e Determinaccedilatildeo da Sociabilidade como Substacircncia

Vimos que segundo Chasin enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma

da legalidade do ser social em sua materialidade e espiritualidade[pode-se dizer

tambeacutem em sua objetividade sensiacutevel e supra-sensiacutevel] ou seja enquanto

malha de asserccedilotildees ou determinaccedilotildees de seu complexo categorial a ontologia

34

estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a sociabilidade como substacircncia desse

grau maacuteximo do ser

Embora Chasin natildeo tenha desenvolvido plenamente a questatildeo da

objetividade supra-sensiacutevel como tambeacutem a da sociabilidade como substacircncia

julgo conveniente transcrever tambeacutem algumas notas e comentaacuterios feitos em

sala de aula dada a importacircncia do tema

Em relaccedilatildeo agrave noccedilatildeo de substacircncia Chasin retoma sua noccedilatildeo mais geral

e tradicional Ou seja deixando de fora qualquer conotaccedilatildeo relativa a formas de

idealidade o que existe por si eacute um auto-engendrado a uacuteltima instacircncia de um

dado gecircnero de entificaccedilatildeo enquanto tal na medida em que eacute uma efetividade

eacute um complexo que a noccedilatildeo de substacircncia refere no mais alto grau de

abstraccedilatildeo Vale pois como abstraccedilatildeo razoaacutevel tal como todo conceito

marxiano nesse niacutevel de generalizaccedilatildeo a partir do qual pela via dos processos

de concreccedilatildeo satildeo determinaacuteveis as formas concretas de substacircncia

correspondentes agraves formaccedilotildees sociais reais

Dessa forma a substacircncia eacute um complexo histoacuterico natildeo uma

idealidade natildeo um construto da razatildeo auto-sustentada mas o resumo de uma

extraccedilatildeo justificada

Naturalidade e Sociabilidade

Sempre que se potildee a questatildeo da naturalidade e da sociabilidade essa

uacuteltima tende a ser examinada in statu nascendi ou de um estado original

imaginaacuterio natildeo se parte portanto de fatos pois os desconhecemos se eacute que

35

tenham existido mas de um mito E do mito se quer saltar para o quadro de uma

realidade complexa

Mas acompanhando Marx lembremos das pobres robinsonadas do

seacuteculo XVIII referidas logo agraves primeiras linhas da Introduccedilatildeo de 57 a) O

caccedilador e o pescador individuais e isolados de que partem Smith e Ricardo b)

o contrat social de Rousseau que relaciona e liga sujeitos independentes por

natureza por meio de um contrato Essas robinsonadas natildeo repousam sobre

(o) naturalismo E a argumentaccedilatildeo prossegue Trata-se ao contraacuterio de uma

antecipaccedilatildeo da sociedade (buumlrgelichen Gesellschaft) que se preparava desde

o seacuteculo XVI e no seacuteculo XVIII deu larguiacutessimos passos em direccedilatildeo agrave sua

maturidade Nesta sociedade da livre concorrecircncia o indiviacuteduo aparece

desprendido dos laccedilos naturais que em eacutepocas histoacutericas remotas fizeram dele

um acessoacuterio de um conglomerado humano limitado e determinado Os profetas

do seacuteculo XVIII sobre cujos ombros se apoacuteiam inteiramente Smith e Ricardo

imaginam o indiviacuteduo do seacuteculo XVIII como um ideal que teria existido no

passado Vecircem-no natildeo como um resultado histoacuterico mas como ponto de partida

da Histoacuteria porque o consideram como um indiviacuteduo conforme agrave natureza -

dentro da representaccedilatildeo que tinham da natureza humana - que natildeo se originou

historicamente mas foi posto como tal pela natureza[xvii]

Segundo Chasin tomando Marx novamente como ponto de referecircncia

os equiacutevocos que aparecem ao se tratar a relaccedilatildeo naturalidade sociabilidade

satildeo os seguintes

1) procurar deduzir em graus diferentes em cada caso o ser social do

natural esquecendo que se trata da emergecircncia do novo de uma configuraccedilatildeo

ontoloacutegica nova e que o novo nunca eacute um simples desdobramento do estaacutegio

anterior no caso - do grau de ser antecedente ou seja que entre os dois niacuteveis

ocorre o que se chama de salto um intervalo em que a potecircncia causal do

antecedente natildeo conteacutem a capacidade a potecircncia ou a potencialidade para

gerar o novo Um intervalo que fica assim indeterminado

36

2) o procedimento acima abre para a mera especulaccedilatildeo pois tende a

deduzir a indeterminaccedilatildeo a querer estabelecer nexos onde eles inexistem

tende a preencher o que de fato eacute um vazio A rigor natildeo se trata de um natildeo-

sabido mas da ausecircncia factual de um objeto ou processo em outros termos

se trata de um vazio ontoloacutegico de uma ausecircncia de nexos ontoloacutegicos

O correto segundo o modus operandi marxiano natildeo eacute partir da semente

ou do embriatildeo mas do complexo real maturado uma vez que

especialiacutessimamente na esfera social a loacutegica do gerado eacute diversa da loacutegica de

sua gecircnese aleacutem de que nesse acircmbito as entificaccedilotildees configuradas apagam a

rota e a loacutegica de sua formaccedilatildeo

Desse modo partindo do jaacute configurado e considerando que se trata de

uma configuraccedilatildeo infinita que compreende mutaccedilotildees qualitativas muito

importantes e natildeo esquecendo que permanecemos no estaacutegio preacute-histoacuterico (em

momento especialmente desequilibrado e contraditoacuterio) podemos e devemos

reconhecer por meio de algumas abstraccedilotildees razoaacuteveis o seguinte

1) A formaccedilatildeo do ser social eacute um processo da animalidade agrave

hominidade o andamento da naturalidade agrave sociabilidade o caminho infinito da

naturalidade dada agrave sociabilidade natildeo-dada em produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

perenes

2)Trata-se pois de uma entificaccedilatildeo processual entre dois niacuteveis ou

poacutelos da escala do ser sendo processo eacute intrinsecamente uma contradiccedilatildeo e soacute

enquanto tal se move eliminada a contradiccedilatildeo cessaria a possibilidade do

processo Com isso eacute dito algo muito importante pois ao reconhecer a

contraditoriedade entre naturalidade e sociabilidade natildeo eacute mais possiacutevel pensar

as mesmas a propoacutesito do ser social como um simples conjugado de fatores

mas obrigatoriamente como uma conjugaccedilatildeo contraditoacuteria de legalidades Isso

vai na esteira do que eacute compreendido desde Hegel - que o ser eacute uma unidade

contraditoacuteria - todavia com o acreacutescimo do problema da dupla legalidade De

37

que modo ou feiccedilatildeo chega cada uma delas agrave unidade contraditoacuteria do ser Pois

haacute que pensar na unidade ou siacutentese a natildeo ser que se queira desenhar o ser

social como uma aberraccedilatildeo hiacutebrida pode ser esta a fisionomia do grau mais

elevado do gradiente dos seres Assim tomada na devida consideraccedilatildeo essa

determinaccedilatildeo ontoloacutegica sem a qual a reflexatildeo perde o rumo trata-se de

compreender a dinacircmica especiacutefica dessa contradiccedilatildeo peculiar Vejamos

3) Em primeiro lugar esse processo contraditoacuterio gera novas

contradiccedilotildees agora dominantemente contradiccedilotildees da sociabilidade em

formaccedilatildeo de sorte que se trata de um processo cumulativo de

contraditoriedades no qual as novas contradiccedilotildees progressivamente vatildeo

tomando o lugar predominante e decisivo vale dizer a contradiccedilatildeo originaacuteria

cada vez mais coabita com contradiccedilotildees de outro gecircnero diante das quais sua

presenccedila vai mudando de forccedila e configuraccedilatildeo natildeo desaparece mas sua

qualidade vai mudando na proporccedilatildeo mesmo do desenvolvimento da

apropriaccedilatildeo societaacuteria da natureza cada vez mais puramente social - eacute no que

consiste de acordo com as palavras de Marx o progressivo afastamento das

barreiras naturais

4) Ou seja a matriz e a medida do afastamento eacute a forma cada vez

mais social de produzir e reproduzir as bases materiais da vida pela qual eacute

gerado o novo ser em direccedilatildeo agrave sua potecircncia ampliada de se auto-por de ir em

direccedilatildeo a si mesmo um si mesmo que natildeo eacute dado mas gerado na progressatildeo

da auto-posiccedilatildeo do auto-assentamento ou da auto-enformaccedilatildeo que inclui a

proacutepria daccedilatildeo de forma e resoluccedilatildeo ao predicado natural ou bioloacutegico daccedilatildeo de

forma que em suma eacute daccedilatildeo de forma social ao predicado natural

5) Essa possibilidade de daccedilatildeo de forma eacute afirmaccedilatildeo e realizaccedilatildeo da

essecircncia social que eacute o conjunto de relaccedilotildees sociais configuradas em cada

momento pelo modo de produzir da base material modo por sua vez que eacute

determinado pelo desenvolvimento das forccedilas produtivas entre as quais figura o

proacuteprio modo de organizaccedilatildeo do conjunto das relaccedilotildees sociais

38

6) Daccedilatildeo de forma eacute alteraccedilatildeo do lugar resolutivo e todo ente que muda

de lugar muda de natureza sem alterar uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo material

Vale dizer que a contradiccedilatildeo originaacuteria entre naturalidade e sociabilidade eacute

resolvida por uma nova contradiccedilatildeo - a da naturalidade que soacute se realiza na

forma e por meios sociais - no afastamento que eacute superaccedilatildeo da naturalidade

(processo histoacuterico) a legalidade natural eacute submetida agrave legalidade social

(diferentemente em cada modo de produccedilatildeo e de acordo com o

desenvolvimento das forccedilas produtivas) o fator natural natildeo eacute suprimido

suprimida eacute sua capacidade de autodeterminaccedilatildeo resta portanto

simplesmente o que natildeo eacute pouco como um predicado do ser humano um

predicado insuprimiacutevel mas apenas como predicado bioloacutegico de um ser de

outra natureza e essecircncia A naturalidade eacute retida como predicado

imprescindiacutevel mas natildeo como essecircncia Donde natildeo satildeo mais duas legalidades

ontoloacutegicas que coexistem mas a legalidade superior mais complexa subsume

a legalidade natural que natildeo mais se autodetermina mas eacute resolvida pela e do

interior da outra Assim o predicado natural do homem recebe forma e

resoluccedilatildeo sociais ou seja o predicado natural eacute subsumido agrave legalidade social

Natildeo resta mais o choque de duas legalidades contrapostas na

contradiccedilatildeo originaacuteria A legalidade natural vai sucumbindo na ruptura e

progressivamente agrave legalidade social em sua efetividade no ser social a

legalidade natural natildeo mais atua por si eacute dependente do social natildeo eacute mais a

legalidade de um ser pois natildeo haacute mais aiacute um ser natural mas um atributo

natural dependente da essecircncia social O homem eacute um ser social que

compreende sua essecircncia especiacutefica (variaacutevel) suas contingecircncias e seu

predicado bioloacutegico Na entificaccedilatildeo do ser social uacuteltimo grau da cadeia do ser a

legalidade natural eacute subalternizada agrave social por mais ruacutestica e restrita que seja a

essecircncia social primitiva e por mais precaacuteria que seja essa subalternizaccedilatildeo de

iniacutecio O processo de afastamento das barreiras naturais eacute assim o curso dessa

subalternizaccedilatildeo que desponta no iniacutecio na ruptura com a legalidade natural e

por mais longo e contraditoacuterio em avanccedilos e recuos que seja esse processo

39

7) de outra parte a loacutegica do predicado bioloacutegico natildeo soluciona natildeo

tem resposta para o complexo problemaacutetico da sociabilidade enquanto que esta

daacute soluccedilatildeo aos imperativos daquela Como diz Marx nos Manuscritos de 44 o

homem contempla a natureza e a si mesmo com um produto social [dos homens

interativos] com pleno direito mesmo que natildeo com elevada consciecircncia ou altos

valores

8) Donde a foacutermula lukaacutecsiana da dupla base eacute falsa pois a plataforma

eacute a sociabilidade enquanto a naturalidade eacute apenas o insuprimiacutevel predicado

bioloacutegico que passa a vigir na forma e sob a regecircncia da sociabilidade Natildeo

perde por isso uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo orgacircnica mas na sua efetividade

muda de caraacuteter No interiro da esfera societaacuteria o predicado bioloacutegico eacute um

outro de si Se originariamente foi o ponto de partida agora eacute produzido e

reproduzido pela legalidade de um ser que o ultrapassa e o domina vive e soacute

pode viver na subjugaccedilatildeo de um novo estatuto Ou seja ao integrar como

predicado o ser de niacutevel mais elevado realiza a sua maacutexima potecircncia e isso eacute

ao mesmo tempo sua desnaturalizaccedilatildeo ou perecimento Impereciacutevel como

predicado natildeo eacute base pois determina soacute por seus limites pelas carecircncias natildeo

pelas determinaccedilotildees resolutivas nem mesmo em suas forccedilas e sentidos pois

enquanto virtualidades estas soacute satildeo humanas e superiores em resoluccedilatildeo

societaacuteria Ademais natildeo eacute nunca um criador de novas necessidades o que

caracteriza a legalidade social

9) A argumentaccedilatildeo acima diz respeito diretamente ao ser social em sua

configuraccedilatildeo bipolar (indiviacuteduo e gecircnero) e desenvolvida em especial no poacutelo da

individualidade tendo por esteio o andamento do gecircnero e ao falar deste se diz

do seu metabolismo com a natureza Esse metabolismo fundamental que eacute em

suma a atividade vital do homem ao gerar produtos sociais

(utilidadesmercadorias) sem que se possa transpor a estes as mesmas

determinaccedilotildees que foram feitas para o ser social desde logo satildeo entes sociais

mas em outro grau da escala do ser social mas tambeacutem tecircm mudada a sua

natureza de naturais a utilidades (e na forma da alienaccedilatildeofetichismo as

40

mercadorias) de sorte que a apropriaccedilatildeo da natureza eacute igualmente sua

desnaturalizaccedilatildeo eacute forccedilaacute-las a deixar de ser o que satildeo em sua peculiaridade

para se tornarem um outro de si sob a regecircncia do estatuto societaacuterio Isso eacute a

manifestaccedilatildeo do poder e da superioridade do grau maacuteximo do ser Nenhum

outro ser realiza qualquer coisa semelhante nem longinquumlamente Repetindo

Kant e Hegel Marx tinha toda razatildeo quando disse que haacute mais grandeza e

misteacuterio na cabeccedila de um becircbado do que no conjunto do universo

10) a Sociabilidade imperfeita substacircncia ainda natildeo realizada enquanto

tal ou seja ainda incapaz de autonomia como complexo estruturado conduz agrave

poliacutetica Natildeo compreendida como substacircncia mas como simples organizaccedilatildeo

potildee o homem no outro poacutelo na dicotomia homemsociedade ou seja na

representaccedilatildeo socioloacutegica ou politoloacutegica o homem eacute um outro

Determinada ou compreendida como substacircncia eacute substacircncia humana

(perfeita e imperfeita com todas as grandezas e miseacuterias produzidas

modificadas suprimidas e repostas no curso histoacuterico) eacute a essecircncia mutante do

ser auto-engendrado e enquanto mutante e por ser mutante distinta tambeacutem

por essa mutabilidade do predicado bioloacutegico atemporalmente necessaacuterio mas

sempre e progressivamente insuficiente do ser social

O tomo IV do primeiro nuacutemero da Revista Ensaios Ad Hominem eacute

composto de seis artigos - aleacutem do texto de abertura de autoria de J Chasin -

que resultaram de siacutenteses ou modificaccedilatildeo de partes ou capiacutetulos de

dissertaccedilotildees defendidas entre os anos de 1998 e 1999 junto ao Programa de

Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia da UFMG

41

O artigo que abre a presente coletacircnea intitulado A Razatildeo como

Tribunal da Criacutetica Marx e A Gazeta Renana de autoria de Celso Eidt versa

sobre a concepccedilatildeo do jovem Marx sobre o papel da imprensa natildeo apenas como

o locus privilegiado para o debate filosoacutefico mas fundamentalmente para os

processos educativos tendo em vista a realizaccedilatildeo plena da liberdade humana Eacute

bom ressaltar que no periacuteodo em que tais artigos satildeo redigidos Marx

compartilha de uma visatildeo antropoloacutegica racional em que a natureza humana eacute

concebida como espiacuterito livre e racional enquanto esteio da proacutepria vida eacutetica

ou seja da praacutetica humana fundada na razatildeo universal

Ana Selva Albinati autora do artigo A Determinaccedilatildeo dos Valores

Morais nos textos de Marx de 1841 a 1847 se debruccedila justamente sobre tal

campo de reflexatildeo Seu trabalho eacute uma tentativa de sistematizaccedilatildeo das

consideraccedilotildees sobre os valores morais nos textos do periacuteodo que se inicia com

sua tese doutoral Diferenccedilas entre as Filosofias da Natureza de Demoacutecrito e

Epicuro prosseguindo ateacute A Miseacuteria da Filosofia Ana Selva procura demonstrar

que esse periacuteodo normalmente referido como sendo o da juventude de Marx eacute

na verdade constituiacutedo de dois momentos de sua elaboraccedilatildeo teoacuterica que tem

como momento de clivagem a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel de meados

de 1843 em que Marx rompe com o referencial teoacuterico do idealismo alematildeo Em

relaccedilatildeo agraves determinaccedilotildees sobre a moral essa ruptura se reflete na inflexatildeo

radical que diferencia a compreensatildeo da moralidade no primeiro e segundo

momentos de tal forma que a moralidade passa a ser compreendida como um

dos modos da consciecircncia socialmente determinada concepccedilatildeo completamente

distinta da primeira fase em que os valores morais eram compreendidos como

expressotildees da liberdade e da racionalidade humanas idealmente concebidas

No artigo A criacutetica da Especulaccedilatildeo nas Glosas de Kreuznach Milney

Chasin analisa o momento inicial e ao mesmo tempo decisivo da ruptura que

se verifica entre Marx e Hegel no plano das determinaccedilotildees do ser Desse modo

a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel inaugura a criacutetica marxiana da

especulaccedilatildeo no seu cerne o de rejeitar o procedimento especulativo

42

caracteriacutestico de se provir tudo da ideacuteia real de tornaacute-la sujeito isto eacute de

capacitar a abstraccedilatildeo ou conceito automovido - a partir das metamorfoses

hegelianas - de pocircr o multiverso sensiacutevel Em outros termos Milney Chasin no

referido artigo evidencia como a criacutetica da especulaccedilatildeo permite a Marx

ultrapassar os horizontes do idealismo alematildeo na direccedilatildeo do devido

reconhecimento da distinccedilatildeo entre ser e pensar de caracterizar a impropriedade

ontoloacutegica da loacutegica hegeliana de apurar os limites gnosioloacutegicos e

incongruecircncias de toda ordem Em suma permite o desvelamento da substacircncia

miacutestica oferecendo a explicitaccedilatildeo do meacutetodo hegeliano - das diabruras do

conceito autoposto - que articula abstraccedilotildees e finitude restando a esta a mera

condiccedilatildeo de apecircndice dissolvido isto eacute momento virtual da realizaccedilatildeo da

idealidade

O quarto artigo desta coletacircnea intitulado A Exteriorizaccedilatildeo da Vida nos

Manuscritos de 44 eacute parte da dissertaccedilatildeo de mestrado As Categorias

Lebensaumlusserung Entaumlusserung Entfremdung e Veraumlusserung nos Manuscritos

Economico-Filosoacuteficos de Karl Marxdefendida por Mocircnica H M da Costa em

que o interesse era acima de tudo averiguar se alienaccedilatildeo (Entaumlusserung) e

estranhamento (Entfremdung) teriam significados distintos A pesquisa acabou

opor apontar no entanto uma outra categoria como eixo desses manuscritos

Lebensaumlusserung traduzida por exteriorizaccedilatildeo da vida De fato o fio condutor

dos Manuscritos eacute a centralidade do trabalho na produccedilatildeo material e espiritual

da vida humana Tomando para anaacutelise criacutetica pela primeira vez os

economistas claacutessicos Marx explicita sua proacutepria compreensatildeo da forma

peculiar de engendramento da existecircncia do homem A criacutetica a Hegel completa

o quadro desta tematizaccedilatildeo que natildeo seraacute abandonada ateacute os uacuteltimos trabalhos

de Marx

Sabina Maura Silva no artigo A Fenomenologia do Egoiacutesmo Stirner e a

Criacutetica Marxiana tem como objetivo fundamental apresentar a concepccedilatildeo de

homem presente na obra O Uacutenico e Sua Propriedade de autoria do filoacutesofo

neohegeliano Max Stirner e expor a criacutetica de Marx a este autor contida em A

43

Ideologia Alematilde A autora mostra que para Stirner o Eu tomado como

individualidade singular eacute o fundamento de sua esfera existencial No entanto

para esse autor tudo tem determinado a existecircncia dos indiviacuteduos natildeo tendo

sido permitido a eles determinaacute-la O objetivo de Stirner eacute pois remeter ao

indiviacuteduo - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel - o que dele foi alienado e erigido

como algo autocircnomo Por seu turno a criacutetica de Marx tem como fim explicitar o

caraacuteter especulativo da anaacutelise stirneana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo

bem como salientar o aspecto pseudorevolucionaacuterio de suas proposituras

Assim segundo Marx Stirner tatildeo somente interpreta diferentemente o

existente isto eacute reconhece o existente mediante outra

interpretaccedilatildeoTransformando as contradiccedilotildees objetivas em contradiccedilotildees

subjetivas Stirner conserva e justifica as condiccedilotildees e estruturas efetivas que

esmagam e impedem a autodeterminaccedilatildeo das individualidades ao reconhecer

as circunstacircncias como determinaccedilotildees dos indiviacuteduos Acolhendo acriacutetica e

especulativamente em suas feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees

estranhadas de um momento histoacuterico particular da individuaccedilatildeo humana

Stirner erige como individualidade um ente que empobrecido e constrangido

pelas condiccedilotildees objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade

social pode somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria

sobre si e sobre o mundo

O uacuteltimo artigo do tomo IV da Revista Ensaios Ad Hominem eacute de

autoria de Antocircnio Joseacute Lopes Alves e leva o tiacutetulo de A Individualidade

Moderna nos Grundrisse Neste texto o autor procura demonstrar que a

moderna sociabilidade do capital eacute compreendida por Marx como forma

instaurada a partir da dissoluccedilatildeo dos liames sociais que uniam em tempos

anteriores os indiviacuteduos agrave comunidade Aleacutem disso destaca o fato apontado por

Marx de que tal processo se constitui numa verdadeira reconversatildeo ontoloacutegica

tanto dos indiviacuteduos quanto das condiccedilotildees da atividade vital ocorrendo uma

radical transformaccedilatildeo na forma de ser de ambos Sinteticamente trata-se de

reconfiguraccedilatildeo ontoloacutegica que determina como entes autocircnomos os indiviacuteduos

44

de um lado e as condiccedilotildees de trabalho de outro vale dizer do divoacutercio entre os

indiviacuteduos ativos e as condiccedilotildees de sua atividade Antocircnio Lopes buscou em

suma alinhar as determinaccedilotildees mais essenciais dos indiviacuteduos e da

sociablidade modernos no que respeita agrave forma mesma das relaccedilotildees sociais da

atividade sensiacutevel bem como da respectiva expressatildeo ideal como por exemplo

a configuraccedilatildeo das categorias da igualdade e liberdade

O leitor encontraraacute nas paacuteginas que se seguem o resultado do esforccedilo

de pesquisa voltado ao resgate da obra marxiana caracterizado pela busca do

rigor na leitura e interpretaccedilatildeo do pensamento de um autor cuja heranccedila

intelectual conheceu um destino traacutegico Natildeo eacute faacutecil portanto voltar-se a ela

sem os preconceitos da moda - como jaacute havia advertido Lukaacutecs Natildeo posso

afirmar com total certeza que um intento dessa natureza tenha sido plenamente

alcanccedilado Todavia eacute faacutecil perceber as diferenccedilas desse tipo de produccedilatildeo teoacuterica

com aquela apresentada tanto pelo marxismo adstringido e suas dissidecircncias

como pelo marxismo vulgar para utilizar as expressotildees cunhadas por Chasin no

intuito de designar as duas variantes de interpretaccedilatildeo da obra marxiana

Faccedilo aqui ao leitor interessado o convite para participar dessa

avaliaccedilatildeo

[1] Professora do Departamento de Filosofia da UFMG coordenadora

do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e Estudos Confluentes

45

[i] J CHASIN Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in

Teixeira FJS Pensando com Marx Editora Ensaio Satildeo Paulo 1995

[ii] K MARX amp F ENGELS A Sagrada Famiacutelia Ed Grijalbo trad

Wenceslao Roces Meacutexico DF 1960 p 120

[iii] Ver a respeito J CHASIN Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo

Metodoloacutegica opcit

[iv] J CHASIN O Futuro Ausente in Ensaios Ad Hominem 1 tomo III

Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem Satildeo Paulo 2000 p 166

[v] Ib p 167

[vi] Id

[vii] E CASSIRER A Filosofia do Iluminismo Editora da Unicamp

Campinas 1992 p 11

[viii] G LUKAacuteCS La Riproduzionein Per lOntologia delle Essere

Sociale Roma Editori Riuniti tomo II 1981 pp 180-81

[ix] N HARTMANN Ontologia Fondo de Cultura Econoacutemica Meacutexico D

F vol 1 1986

[x] K MARX O Capital vol I Ediccedilatildeo Abril Cultural Satildeo Paulo p 149

[xi] Id

[xii] Ib p 150

[xiii] (a respeito dessas categorias ver N HARTMANN Ontologia op cit

vol I p XII

46

47

[xiv] No original alematildeo in der Form des Seins Dietz Verlag 1971 p

195

[xv] Ib p 151

[xvi] Ver a respeito em J CHASIN Marx-Estatuto Ontoloacutegico e

Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica op cit

[xvii] K MARX op Cit p 126

Page 19: :: Verinotio - Revista On-line de Educao e Cincias Humanas · O leitor encontrará, portanto, nessa Apresentação o fruto de trabalho de coleta e organização de materiais utilizados

Na mesma citaccedilatildeo Marx enuncia os motivos de tal dificuldade

1) o corpo desenvolvido eacute mais faacutecil de estudar do que a ceacutelula do

corpo

2) meacutetodos experimentais natildeo satildeo aplicaacuteveis a esse tipo de forma

3) a analiacutetica dessa forma pela forccedila da abstraccedilatildeo deve tomar o lugar

da observaccedilatildeo empiacuterica e experimental

4) anaacutelise voltada agrave anatomia microscoacutepica da forma estudada

A partir dessas indicaccedilotildees colhidas no texto de Marx Chasin elabora

um esboccedilo para fins unicamente didaacuteticos em que busca transpassaacute-las para a

proacutepria questatildeo ontoloacutegica afirmando o que se segue

1) o iniacutecio difiacutecil da ontologia perdurou tambeacutem por mais de 2000

anos trajetoacuteria em que se observa tateios imprecisos caracterizados por um

movimento simultacircneo de constituiccedilatildeodissoluccedilatildeo ateacute chegar em Marx Tal

movimento simultacircneo de constituiccedilatildeodissoluccedilatildeo revela por seu rumo

imanentemente contraditoacuterio por seus caminhos e descaminhos histoacutericos a

dificuldade e a longa incapacidade na formulaccedilatildeo precisa de seu objeto e

alcance ou seja de sua natureza e propoacutesito - de sua funccedilatildeo orientadora e

sustentadora no plano teoacuterico e de sua origem praacutetica preacute-teoreacutetica

2) reconhecimento ontopraacutetico das formas dos seres e analiacutetica da

forma do ser apenas por meio da forccedila da abstraccedilatildeo no reconhecimento

ontopraacutetico os seres satildeo reconhecidos como substantivos e nesse caso ateacute

certo ponto vale para a observaccedilatildeo espontacircnea e observaccedilatildeo comum pois o

desvendamento completo exige forccedila de abstraccedilatildeo como verbo ( o ato de ser

de Gilson) soacute a forccedila da abstraccedilatildeo daiacute a facilidade para se cair no

abstrativismo

19

Eacute nesse preciso momento da exposiccedilatildeo chasiniana que surgem as

primeiras referecircncias a Eacute Gilson assim como a N Hartmann momentos mais agrave

frente Evidentemente que esse procedimento natildeo ocorre por acaso pois o que

estaacute em questatildeo agora satildeo as tentativas contemporacircneas de resgate da

tematizaccedilatildeo ontoloacutegica

Eacute Gilson afirma que o mais fundamental dos problemas da filosofia - a

relaccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia que por seu turno diz respeito agrave distinccedilatildeo

de ser como nome isto eacute como substantivo em latim ens (ente) e como verbo

esse Eacute sabido que o esse tomista eacute concebido como ato de ser - actus essendi -

significando portanto existecircncia ato de existir ato de ser

Chasin comenta a ambiguumlidade da noccedilatildeo de ser para qual Gilson

chama atenccedilatildeo afirmando o que se segue

1) Ens eacute um nome que significa um ser (determinado) ou seja a

natureza e a essecircncia de qualquer existente ou entatildeo - o ser mesmo - uma

propriedade comum a tudo aquilo que se pode dizer que eacute (que pertence a)

Em suma enquanto nome ou substantivo ser designa um existente

qualquer ou uma propriedade comum a todos os existentes designa o que

verdadeiramente eacute ou uma propriedade geral eacute um ente ou uma entidade

2) Enquanto verbo ser designa a accedilatildeo ou o ato de ser exercido pelo

ente Assim como verbo natildeo significa que algo eacute nem a existecircncia em geral

mas o ato mesmo pelo qual qualquer realidade dada eacute de fato ou existe

Precisamente a este ato Gilson chama de ser em contraposiccedilatildeo a ente

De todo modo feita a distinccedilatildeo Chasin considera existir um seacuterio

problema ao tomar em separado ens e esse indagando eacute possiacutevel pensar em

duas figuras no isolamento Seraacute que essa configuraccedilatildeo eacute de fato o mais

fundamental dos problemas ou eacute o mais antigo o mais remoto e o mais cultuado

dos equiacutevocos da histoacuteria da filosofia

20

De um lado a compreensatildeo da forma de ser enquanto verbo como

pura significaccedilatildeo verbal de existir de estar presente enquanto significaccedilatildeo de

ato ou presenccedila o verbo eacute forma simples e vazia de conteuacutedo pois reduzida ao

predicado mais geral e comum das coisas denota apenas sua existecircncia De

outro lado ocorre o mesmo problema com o substantivo ser - ens - pois redunda

em essecircncia imutaacutevel Em outras palavras na histoacuteria da filosofia nesses dois

caminhos houve de longa data polecircmica sobre o que existe em que plano se daacute

a existecircncia e assim por diante No caso do ser como verbo o ser eacute muito

parcamente categorial reduzido agrave presenccedila no tempo e no espaccedilo soacute possui o

predicado abstrato da existecircncia no caso do substantivo tomado sem o ato de

existir se converte em complexo de propriedades ou entidades perenes

A resoluccedilatildeo para tal questatildeo reside segundo Chasin em tomar o ser

enquanto complexo categorial daquilo que eacute como ente que existe Nesse

sentido o desvendamento tem ecircxito maior como mostra a ciecircncia que toma

para anaacutelise formas mais complicadas e replenas de conteuacutedo vale dizer uma

vez que tem por alvo o ser por sua efetividade e determinado por suas

qualidades natildeo apenas pelo reconhecimento de sua presenccedila mas pelo seu

complexo categorial

Ora arremata Chasin a forma sensiacutevel do ente compreende o ens e o

esse ou seja a plena riqueza do complexo categorial

- Loacutegica e Ciecircncia

Neste item Chasin defende a tese de que na medida em que

pretendeu e pretenda ser uma disciplina ou ciecircncia de chegada isto eacute

21

conclusiva autocircnoma e sistemaacutetica a ontologia acaba por ser transmutada em

loacutegica ou ciecircncia

Talvez possa ser dito que nas ontologias onde predomine

unilateralmente o ser como verbo ou o ente como essecircncia terminem por ser

uma loacutegica que de alguma forma acaba por ter a pretensatildeo de constituir o ser

a loacutegica eacute entatildeo o segredo uacuteltimo do ser ou sua base cognitiva e por essa via

sua base ontoloacutegica - que assim nega a ontologia ou seja o reconhecimento do

ser por si

De outra parte predominando o ser como substantivo o fim da

ontologia acaba por ser uma forma de ciecircncia ou seja a ontologia eacute novamente

negada como ocorreu com a ciecircncia moderna donde sua pretendida auto-

suficiecircncia que apenas admite por fundamento uma forma qualquer de

gnosiologia isto eacute uma forma a priori da operatividade subjetiva

desaparecendo assim a regecircncia do objeto o que ao contraacuterio caracteriza o

espiacuterito e o propoacutesito ontoloacutegicos ou seja o reconhecimento do ente enquanto

ente o oacuten qua oacuten ou ser por si

Em suma a ontologia quando centrada no ser como verbo rarefeita

pelo vazio de sua forma termina por ser loacutegica por outro lado quando centrada

no ser como substantivo agraves voltas com gecircneros formados por complexos

qualitativos termina por se constituir em ciecircncia particular e autocircnoma Assim

ao pretender ser tudo concludente sistemaacutetica e independente por sua forma

mais vazia ou por suas categorias abstratas e perenes a ontologia acaba por

ser negada pela loacutegica ou pela ciecircncia Pretendendo ser tudo acaba por

desaparecer

Ora ao tomar o ser como verbo a ontologia tem de compreender que

natildeo pode ser mais do que a anatomia de uma propriedade do ser - de sua

propriedade mais geral e vazia - a propriedade de sua presenccedila enquanto corpo

real ausente ou presenccedila de um complexo categorial abstraiacutedo O ser aqui eacute

22

reduzido agrave forma mais vazia a simples propriedade de um todo que escapa

completamente agrave sua jurisdiccedilatildeo Donde seu desenlace em loacutegica

De outra parte quando o ser eacute tomado em sua denotaccedilatildeo substantiva

ou seja na multiplicidade de suas propriedades qualitativas em interconexatildeo

especiacutefica transborda em ciecircncia na medida em que a ontologia pretenda a

condiccedilatildeo de disciplina ou ciecircncia sistemaacutetica

Donde a impossibilidade de a ontologia ficar adstrita agrave forma do verbo

nem se realizar como dilucidaccedilatildeo concreta do substantivo Assim deve-se

reconhecer que a ontologia natildeo pode se realizar em nenhum desses dois poacutelos

nem simples tematizaccedilatildeo do ato geneacuterico da presenccedila - que redundaria em

simples compoacutesito tautoloacutegico nem tematizaccedilatildeo do ser substantivo concreto

pois aiacute se desnaturaria em ciecircncia especiacutefica

Conclusivamente a ontologia nem eacute simples tautologia do ser em ato

nem efetivaccedilatildeo cientiacutefico-concreta do desvendamento do ser como substantivo

Enquanto tal a ontologia eacute uma realizaccedilatildeo necessaacuteria no espaccedilo que antecede

aqueles dois poacutelos em verdade a plataforma que leva da constataccedilatildeo mais

abstrata do ser (tanto como substantivo quanto verbo) agrave sua reproduccedilatildeo

cientiacutefica como substantivo Enquanto tal eacute um estatuto - uma filosofia primeira

o cacircnon da legalidade do ser matrizado pelos traccedilos ou vetores categoriais

fundamentais do ser por si que matriza a cientificidade tanto em sua forma mais

abstrata - loacutegica - quanto em sua forma mais concreta - ciecircncia

O problema fundamental da filosofia primeira - philosophia prima - eacute o

problema das categorias mais gerais do ser aiacute incluso o ato de ser donde em

sua plenitude o ato sensiacutevel de ser - ens e esse o ens essendi complexo

categorial pleno no ato de existir

Essa plataforma estatutaacuteria natildeo eacute uma disciplina situada entre outras

disciplinas entre a loacutegica e a ciecircncia como um campo intermediaacuterio entre o

verbo e o substantivo entre a maacutexima abstratividade e a efetividade concreta

23

Essa distribuiccedilatildeo topograacutefica confere agrave abstraccedilatildeo a condiccedilatildeo de fundaccedilatildeo

(determinaccedilatildeo originaacuteriaontoloacutegica) e fundamento (ponto de partida

epistemoloacutegico) Se assim fosse perderia a condiccedilatildeo de filosofia primeira

Enquanto filosofia primeira eacute o reconhecimento do substantivo verbal

do substantivo que eacute do ens essendi natildeo de uma substantividade qualquer em

abstrato mas da substantividade que existe por todas as modalidades

categoriais isto eacute reais (sensiacuteveis) natildeo apenas um substantivo pensado que

dependeria para ser do pensamento mas do substantivo que eacute por-si

independentemente se ser pensado o que requer o complexo categorial

da sensibilidade por isso eacute que soacute eacute ser o ser sensiacutevel Vale dizer o ser como

verbo eacute resultado do ser substantivo soacute um sujeito (em suas diversas formas na

cadeia do ser) eacute (soacute um sujeito existe eacute faz sente pensa etc de acordo com

seu grau na cadeia do ser)

A ontologia do puro verbo ser ou das puras essecircncias (complexo

categorial abstrativante e eterno) eacute a autonomizaccedilatildeo das categorias ou da

existecircncia em relaccedilatildeo ao ser e existir reais agraves formas reais de ser e existir satildeo

as categorias e a existecircncia sem corpo ou sujeito mais do que isso satildeo as

categorias (essecircncia) e existecircncia em geral universal e abstrata tornadas

sujeito a essecircncia ou a existecircncia abstratas personificadas - e isso satildeo

puramente figuras do pensamento o que jaacute eacute especulaccedilatildeo natildeo ontologia

Marx agrave semelhanccedila de Feuerbach soacute admite como ente ou melhor

como entificaccedilatildeo o ens essendi - o ente sendo o ente no ato de ser o ente

revestido de existecircncia atual - objetivo o ente no exerciacutecio da accedilatildeo ou ato de

ser eacute portanto um ente existente ou seja o ente que estaacute sendo o ente no ato

de existir

Donde do mesmo modo que em Feuerbach o ser eacute inseparaacutevel de sua

existecircncia Ser e existir constituem uma unidade indissoluacutevel complexo

24

categorial no ato de ser pela atualizaccedilatildeo do complexo categorial essecircncia

determinada e mutaacutevel na mutabilidade de ser e ir sendo (essendi)

Eacute chegada a hora depois desta etapa analiacutetica de vislumbrar qual eacute o

cenaacuterio em Marx que esse conjunto de questotildees se coloca Com esse objetivo e

como eacute tiacutepico de seu procedimento investigativo junto aos textos daquele autor

Chasin toma para anaacutelise o item 1 O Processo de Trabalho do capiacutetulo V de O

Capital Nele pode-se identificar em primeiro lugar a natureza geral (universal)

da atualizaccedilatildeo da forccedila de trabalho que se encontra em potecircncia nos indiviacuteduos

A produccedilatildeo de valores de uso ou bens natildeo muda sua natureza geral por se

realizar para o capitalista e sob seu controle Por isso o processo de trabalho

deve ser considerado de iniacutecio independentemente de qualquer forma social

determinada[x]

Por que o processo de trabalho deve ser considerado de iniacutecio

independentemente de qualquer forma social determinada indaga Chasin A

resposta eacute formulada em estilo direto Para natildeo ser perdida a natureza do

trabalho sua positividade enquanto atividade humana vital

Tem-se nessa passagem segundo Chasin um exemplo do exerciacutecio

de uma ontologia estatutaacuteria - a positividade (sua efetividade ou operosidade)

universal do trabalho enquanto atributo vital e inalienaacutevel do homem

independentemente de suas formas concretas que se apresentam na forma do

trabalho alienado

Eacute a determinaccedilatildeo universal do trabalho o traccedilo de sua legalidade

uacuteltima sua determinaccedilatildeo mais geral e essencial dimensatildeo que natildeo desaparece

nem mesmo sob suas formas concretas mais negativas

A ontologia estatutaacuteria registra o traccedilo ou rastro dessa dimensatildeo

permanente que atravessa as formas concretas em sua efetividade contraditoacuteria

e especialmente desfavoraacutevel para o homem enquanto maioria subjugada ao

longo de toda a preacute-histoacuteria da humanidade

25

Permanente mas permanente processual mutaacutevel diversamente

positivo quantitativa e qualitativamente em cada uma das formas concretas em

que o trabalho aparece nas configuraccedilotildees sociais determinadas

Nesse sentido abstratamente permanente abstratamente positivo mas

onde essa abstratividade natildeo corresponde a uma simples determinaccedilatildeo

conceitual Corresponde a uma efetividade em sua figura proacutepria em cada forma

social determinada

Agrave ontologia estatutaacuteria compete o reconhecimento dessa dimensatildeo mais

geral base para a decifraccedilatildeo cientiacutefica concreta dos casos efetivos que por sua

vez confirmam ou natildeo criticamente a determinaccedilatildeo mais geral ontoloacutegica Natildeo

haacute portanto um abismo separando ontologia de ciecircncia mas a continuidade de

momentos distintos de uma mesma unidade de conhecimento que interagem e

se medem reciprocamente se apoacuteiam estimulam e criticam um infinito processo

constitutivo das certezas

Continuando a anaacutelise do texto marxiano tem-se a descriccedilatildeo do

trabalho e o reconhecimento analiacutetico de sua natureza Antes de tudo [aqui

Chasin faz uma pequena observaccedilatildeo assinalando ou seja na raiz em seu

fundamento diria uma linguagem mais convencional e ciosa de suas

pretendidas atribuiccedilotildees] o trabalho eacute um processo entre o homem e a

natureza um processo em que o homem por sua proacutepria accedilatildeo medeia regula

controla seu metabolismo com a natureza Ele mesmo se defronta com a

mateacuteria natural Ele potildee em movimento as forccedilas naturais pertencentes agrave sua

corporalidade braccedilos e pernas cabeccedila e matildeo a fim de se apropriar da mateacuteria

natural numa forma uacutetil para a sua proacutepria vida Ao atuar por meio desse

movimento sobre a natureza externa a ele e ao modificaacute-la ele modifica ao

mesmo tempo sua proacutepria natureza Ele desenvolve as potecircncias nela

adormecidas e sujeita o jogo de suas forccedilas a seu proacuteprio domiacutenio[xi]

26

Observe-se que diz Chasin ao trabalhar ao mudar a forma da

natureza ao construir sua proacutepria mundaneidade o homem ele proacuteprio por

meio de seu proacuteprio trabalho transforma a sua proacutepria natureza Ou seja de ser

natural para social eis um novo exemplo de lineamento reconhecido e recolhido

agrave ontologia estatutaacuteria

Prosseguindo na especificaccedilatildeo Marx afirmaPressupomos o trabalho

numa forma que pertence exclusivamente ao homem Uma aranha executa

operaccedilotildees semelhantes agraves do tecelatildeo e a abelha envergonha mais de um

arquiteto humano com a construccedilatildeo dos favos de suas colmeacuteias Mas o que

distingue de antematildeo o pior arquiteto da melhor abelha eacute que ele construiu o

favo em sua cabeccedila antes de construiacute-lo em cera No fim do processo de

trabalho obteacutem-se um resultado que jaacute no iniacutecio deste existiu na imaginaccedilatildeo do

trabalhador e portanto idealmente Ele natildeo apenas efetua uma transformaccedilatildeo

da forma da mateacuteria natural realiza ao mesmo tempo na mateacuteria natural seu

objetivo que ele sabe que determina como lei a espeacutecie e o modo de sua

atividade e ao qual tem de subordina sua vontade E essa subordinaccedilatildeo natildeo eacute

um ato isolado Aleacutem do esforccedilo dos oacutergatildeos que trabalham eacute exigida a vontade

orientada a um fim que se manifesta como atenccedilatildeo durante todo o tempo de

trabalho e isso tanto mais quanto menos esse trabalho pelo proacuteprio conteuacutedo e

pela espeacutecie modo de sua execuccedilatildeo atrai o trabalhador portanto quanto

menos ele o aproveita como jogo de suas proacuteprias forccedilas fiacutesicas e espirituais[xii]

Chasin chama atenccedilatildeo para as seguintes observaccedilotildees

1) a preacutevia-ideaccedilatildeo do resultado (do fim) a existecircncia ideal do mesmo

na imaginaccedilatildeo donde o objeto ou um complexo categorial in mente e ante

res[xiii]

Preacutevia-ideaccedilatildeo e teleologia satildeo ou podem ser momentos confluentes

mas natildeo satildeo idecircnticos a preacutevia-ideaccedilatildeo estaacute no comeccedilo e eacute um desenho ideal

que implica o conhecimento da espeacutecie e do modo da atividade a realizar

27

conhecimento das malhas causais teleologia eacute simplesmente finalidade fim

objetivo podendo se apresentar de modo meramente volitivo e bem abstrato

natildeo mobilizante dos ou sem os meios de sua realizaccedilatildeo ou seja ter teleologia

sem preacutevia-ideaccedilatildeo natildeo conduz a nenhum processo de trabalho Quero assinar

que o termo teleologia pode ser demasiado vago no sentido de mero conceito

filosoacutefico convencional nesse sentido apenas alusivo e natildeo instrumentador de

operaccedilotildees na esfera da atividade sensiacutevel Pode ser entendido mais como

manifestaccedilatildeo de espiacuterito do que como exigecircncia de efetuaccedilatildeo de mudanccedila de

forma da mateacuteria natural e objetivaccedilatildeo de propoacutesito E de toda forma indica

antes de tudo que o fim o realizado estaacute no fim do processo fala do obtido ou

do a ser obtido nada nos diz da travessia que realiza da travessia que passa do

ideal para o real natildeo nos fala da mobilizaccedilatildeo ideal e material necessaacuterias

Quando a teleologia se manifesta como resultado jaacute natildeo eacute preciso dizer mais

nada a respeito Basta saudar e usufruir de sua apariccedilatildeo que nada tem de

maacutegica ou misteriosa mas antes de reconhececirc-la como produto das

metamorfoses de subjetividade e objetividade Ou seja em suas distintas

naturezas inconfundiacuteveis enquanto tais objetividade e subjetividade satildeo

entificaccedilotildees na mundaneidade humana e nessa qualidade estados ou momentos

do ser social momentos regidos pela atividade ideal e sensiacutevel do mesmo

Penso que Lukaacutecs ao transpor a questatildeo para a linguagem filosoacutefica

tradicional pode ter dissociado demais fins e meios o que natildeo eacute o caso dos

textos de Marx Por isso Lukaacutecs se vecirc obrigado depois a buscar a rearticulaccedilatildeo

entre teleologia e causalidade e nisso encontre natildeo poucas dificuldades (como

uma passa para outra e vice-versa parecendo que lida ao limite com

substacircncias incomunicaacuteveis natildeo as compreendendo em suas metamorfoses) e

deixe que se perca certa substacircncia da questatildeo antes de tudo o interfluxo entre

objetividade e subjetividade com seus distintos momentos preponderantes em

cada um dos passos dos momentos embricados dos processos Creio que as

duas esferas ficam sempre tradicionalmente um tanto estranhas uma em

28

relaccedilatildeo agrave outra seja para preservar a objetividade e aiacute se torna objetivista seja

para ressaltar a subjetividade e aiacute desliza para o subjetivismo

2) No fim do processo tem-se seu resultado que eacute a transformaccedilatildeo da

forma de uma dada mateacuteria natural e a realizaccedilatildeo do objetivo do trabalho que

existiu antes como preconfiguraccedilatildeo ideal Portanto o trabalho transforma

imagem ideal em ente real complexo categorial in rebus

Em suma no pensamento de Marx as categorias ou complexos

categoriais satildeo reconhecidos sob as trecircs formas in mente (existem idealmente

na imaginaccedilatildeo ou como reproduccedilatildeo mental das coisas categorias da

representaccedilatildeo) ante res (preacutevia-ideaccedilatildeo) e in rebus como efetividades quando

estatildeo na forma de ser Como confirmaccedilatildeo tome-se mais esta passagem do

mesmo capiacutetulo No processo de trabalho a atividade do homem efetua

portanto mediante o meio de trabalho uma transformaccedilatildeo do objeto de

trabalho pretendida desde o princiacutepio O processo extingue-se no produto Seu

produto eacute um valor de uso uma mateacuteria natural adaptada agraves necessidades

humanas mediante transformaccedilatildeo da forma O trabalho se uniu com seu objeto

O trabalho estaacute objetivado e o objeto trabalhado O que do lado do trabalhador

aparecia na forma de mobilidade aparece agora como propriedade imoacutevel na

forma do ser[xiv] do lado do produto Ele fiou e o produto eacute um fio[xv]

Como arremate analiacutetico dessa famosa mas muitas vezes mal

compreendida passagem de O Capital Chasin conclui ao mesmo tempo em que

visualiza uma nova tarefa Se assim eacute se as categorias podem aparecer nas

trecircs formas - in rebus - in mente - ante res - haacute entatildeo que determinar o que satildeo

cada uma dessas formas

Esquematicamente Chasin propotildee o seguinte

1) se estatildeo in rebus (nas coisas) estatildeo na forma do ser

29

2) se estatildeo in mente (na cabeccedila) estatildeo na forma da reproduccedilatildeo ideal

das coisas Trata-se da subjetividade receptora[xvi] que reproduz as coisas natildeo

captando apenas seus dados empiacutericos superando pois o empirismo e elabora

portanto a reproduccedilatildeo ideal dos entes e onde a subsunccedilatildeo aos objetos eacute a

atividade de sua elaboraccedilatildeo ideal

3) se estatildeo ante res (antes das coisas) estatildeo na forma da finalidade da

preacutevia mentalizaccedilatildeo de objetivos e meios

Poreacutem no segundo e terceiro casos as categorias estatildeo na forma de

espeacutecies de pensamento representaccedilotildees e projeccedilotildees do ser do vir-a-ser dos

meios materiais instrumentais processuais e dinacircmicos de entificaccedilatildeo dos

seres

Concluindo essa parte dizer pois que o homem e o mundo satildeo

atividade sensiacutevel que por criar seu mundo cria a si mesmo eacute determinar o

homem como a criatura criadora de seres

No entanto na medida em que apenas na configuraccedilatildeo histoacuterica regida

pela loacutegica do capital ou seja na plenitude da produccedilatildeo da riqueza entendida

por sua essecircncia subjetiva que eacute o trabalho que se atinou para determinaccedilatildeo

do homem como a criatura criadora de seres foi possiacutevel agrave reflexatildeo pode se

dar conta potencialmente da verdadeira problemaacutetica do ser

Em outras palavras eacute pela criacutetica ao criador de criaturas na forma da

alienaccedilatildeo - criacutetica marxiana agrave sociedade capitalista - eacute que a ontologia pode

atinar com seu verdadeiro objeto e modo de determinaccedilatildeo Natildeo eacute casual que

tenha emergido pela criacutetica feuerbachiana ao sistema hegeliano (a criaccedilatildeo

especulada dos entes) e ganho seus contornos efetivos no advento de uma

nova forma de pensamento e concepccedilatildeo de praacutetica - a doutrina de Marx

Resumindo no caso de Marx ontologia eacute estatuto ou filosofia primeira

do ser social que enquanto tal norteia a concreccedilatildeo cientiacutefica do mesmo cuja

30

realizaccedilatildeo corrige e enriquece o proacuteprio estatuto donde a sinergia e a reciacuteproca

dimensatildeo criacutetica entre estatuto ontoloacutegico e ciecircncia da histoacuteria em seus diversos

departamentos possiacuteveis estabelecidos jaacute por criteacuterio ontoloacutegico ou seja que

respeita a integridade das coisas em suas qualidades e processos interconexos

que as constituem em seu ser por si e enquanto tais satildeo reproduzidas

teoricamente

Enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma da legalidade objetiva (material

e espiritual) do ser social ou seja enquanto malha de asserccedilotildees ou

determinaccedilotildees de seu complexo categorial enquanto o permanente na forma de

processo a ontologia estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a

sociabilidade como substacircncia desse grau maacuteximo da cadeia do ser

Mas substacircncia como complexo categorial como siacutentese de categorias

essenciais que denota uma forma especiacutefica determinada de presenccedila ou

existecircncia plenamente qualificada

Por isso eacute estatuto ontoloacutegico pois a plataforma canocircnica do ser eacute o

coacutedigo do substantivo verbal como substacircncia substrato) assim o estatuto

ontoloacutegico do complexo substantivo do ser social deve reconhecer a

sociabilidade como substacircncia A sociabilidade como substrato dos homens

seja na forma da alienaccedilatildeo seja na forma de sua latecircncia de substancialidade

em vir-a-ser no caminho infinito de sua realizaccedilatildeo

Trata-se portanto em Marx de estatuto e natildeo sistema pois como

sistema seria um agregado de abstraccedilotildees uma filosofia que uma vez obtidas

noccedilotildees fundamentais passa a se edificar por si ou seja as noccedilotildees seriam

coaacutegulos inteligiacuteveis que passam por auto-sustentaccedilatildeo a configurar

dedutivamente o mundo Ao passo que estatuto eacute uma ordem a legalidade do

ser sensiacutevel - o ser na plenitude de seus atributos

tempo (histoacuteriaprocessoduraccedilatildeomutabilidade) lugar e sensibilidade

especificamente a legalidade do ser social imanente a si em sua especiacutefica

31

objetividade O ser sensiacutevel eacute a forma do ser porque eacute a plenitude das

categorias possiacuteveis

E as formaccedilotildees ideais

Segundo Chasin as formaccedilotildees ideais do mesmo modo que as

formaccedilotildees reais - formas do ser - tecircm lugar e tempo como categorias - o tempo

e o espaccedilo das formaccedilotildees sociais que satildeo engendradas mas estatildeo privadas de

sensibilidade

O sensiacutevel soacute eacute predicaccedilatildeo inerecircncia agrave forma do ser que conteacutem a

plenitude dos predicados possiacuteveis (sensibilidade espaccedilo tempo)

Essa forma de conceber o ser eacute reconhecer substancialidade ao

complexu agrave unidade totalizada ou seja ao conjunto pleno de atributos em ato

Em outras palavras ser eacute complexo categorial - tem a forma de ser -

completude ou forma conferida pelo sensiacutevel que se desdobra em muacuteltiplos

atributos e se condensa de infinitas maneiras no gradiente do ser

Em suma segundo Chasin tomando Marx como base e ponto de

referecircncia permanentes ser eacute plenitude categorial ou seja a plenitude

categorial eacute sua forma e por ser sensiacutevel compreende lugar e tempo

Donde se admitido o princiacutepio metoacutedico de Marx saber eacute saber do ser

que antes de tudo eacute um complexo sensiacutevel - tudo que eacute existe eacute sempre um

complexo natildeo uma substacircncia ou essecircncia pura e cristalina E a cadeia do ser eacute

o conjunto de graus do ser - do menos ao mais complexo

O preceito metodoloacutegico marxiano eacute pois ontoloacutegico sabe-se o que eacute

como se formou se desenvolveu e como depereceraacute

Por via de consequumlecircncia e diante das vicissitudes da histoacuteria da

ontologia de seu processo constitutivo e dissolutor diante da penosa rota da

32

conquista teoacuterica do real homoacuteloga ou equivalente agrave necessidade humana de

produzir a sua mundaneidade e a si mesmo a ontologia eacute o que pode ser - o

que natildeo eacute pouco - a esfera teoacuterica da incerteza propulsora positiva

afirmativamente organizada O patamar do incerto ordenado como plataforma da

busca infinita da certeza Impulsatildeo incontornaacutevel que natildeo pode ser eludida pela

presenccedila imperativa dos circuitos ontopraacuteticos

Talvez agora o estatuto ontoloacutegico marxiano possa ser enunciado do

seguinte modo eacute o estudo das categorias fundamentais - em traccedilos essenciais

abstratos em suas determinaccedilotildees mais gerais - da existecircncia social

historicamente constatada e reconhecida sendo possiacutevel exemplificar com as

seguintes categorias historicidade (processualidade ou mutabilidade)

concreticidade ou objetividade atividade sensiacutevel e ideal (trabalho e

reproduccedilatildeo) subjetividade (receptiva e proponente) valor individualidade

gecircnero (sociabilidade) Tudo isso perfilando o complexo de complexos da auto

realizaccedilatildeo do ser humano-societaacuterio entendido que o fim dos fins eacute a infinitude

da realizaccedilatildeo do humano - do autopor-se do aberto ser humano-societaacuterio

Estatuto que em outros termos eacute a ordem do reconhecimento ou

reproduccedilatildeo teoacuterica da identidade natureza e constituiccedilatildeo das coisas por si por

seus complexos categoriais decisivos independentemente em qualquer plano

de se tornarem objetos de praacutetica ou reflexatildeo

Enquanto tal eacute a teoria do reconhecimento da objetividade histoacuterico-

social imanente em suas distintas formas de apresentaccedilatildeo (natureza e

sociedade) Em termos muito breves eacute o momento mais abstrato do

reconhecimento da identidade das coisas por si enquanto tal um dos momentos

distintos da unidade do saber do qual participa um segundo sob forma

concreta que eacute a ciecircncia

Pela proacutepria natureza histoacuterica processual do ser a ontologia marxiana

natildeo corresponde nem poderia corresponder por simples imperativo de

33

coerecircncia agrave forma de um saber universal plantado sobre uma racionalidade

auto-sustentada ou seja fundado na razatildeo universal nada mais a versatildeo laica

ou profana de Deus no dizer de Feuerbach Ou seja trata-se enfim de uma

forma de ontologia sem parentesco com o saber absoluto e que recusa qualquer

tipo de fundamento especulativo pois absolutizaccedilatildeo de uma teoria da

fundamentaccedilatildeo eacute simplesmente a firmaccedilatildeo especulativa da razatildeo autocircnoma ou

de um princiacutepio de inteligibilidade situado para aleacutem das coisas que garante a

presenccedila e o conhecimento do sagrado e a vitoacuteria antecipada do idealismo Natildeo

correspondendo agrave qualquer forma de saber universal a ontologia marxiana

sustenta a possibilidade efetiva como jaacute vimos de um saber real

Por sua praacutetica teoacuterica e por um conjunto de lineamentos expliacutecitos

Marx deixou o legado de um especiacutefico estatuto ontoloacutegico natildeo um ontologia de

talhe convencional ou tradicional e natildeo apenas por que careceu de tempo

necessaacuterio para a realizaccedilatildeo de uma obra desse tipo mas fundamentalmente

pela distinccedilatildeo de natureza de seu estatuto ontoloacutegico radicalmente oposto ao

tratamento especulativo da mateacuteria

Esse estatuto eacute constituiacutedo a partir do universo praacutetico onticamente

referido ou seja eacute um estatuto ocircntico-ontoloacutegico pois evolve da efetividade

histoacuterica das coisas de suas relaccedilotildees e processos para sua reproduccedilatildeo

conceitual no plano de uma trama categorial em sua expressatildeo mais abstrata

Reconhecimento e Determinaccedilatildeo da Sociabilidade como Substacircncia

Vimos que segundo Chasin enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma

da legalidade do ser social em sua materialidade e espiritualidade[pode-se dizer

tambeacutem em sua objetividade sensiacutevel e supra-sensiacutevel] ou seja enquanto

malha de asserccedilotildees ou determinaccedilotildees de seu complexo categorial a ontologia

34

estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a sociabilidade como substacircncia desse

grau maacuteximo do ser

Embora Chasin natildeo tenha desenvolvido plenamente a questatildeo da

objetividade supra-sensiacutevel como tambeacutem a da sociabilidade como substacircncia

julgo conveniente transcrever tambeacutem algumas notas e comentaacuterios feitos em

sala de aula dada a importacircncia do tema

Em relaccedilatildeo agrave noccedilatildeo de substacircncia Chasin retoma sua noccedilatildeo mais geral

e tradicional Ou seja deixando de fora qualquer conotaccedilatildeo relativa a formas de

idealidade o que existe por si eacute um auto-engendrado a uacuteltima instacircncia de um

dado gecircnero de entificaccedilatildeo enquanto tal na medida em que eacute uma efetividade

eacute um complexo que a noccedilatildeo de substacircncia refere no mais alto grau de

abstraccedilatildeo Vale pois como abstraccedilatildeo razoaacutevel tal como todo conceito

marxiano nesse niacutevel de generalizaccedilatildeo a partir do qual pela via dos processos

de concreccedilatildeo satildeo determinaacuteveis as formas concretas de substacircncia

correspondentes agraves formaccedilotildees sociais reais

Dessa forma a substacircncia eacute um complexo histoacuterico natildeo uma

idealidade natildeo um construto da razatildeo auto-sustentada mas o resumo de uma

extraccedilatildeo justificada

Naturalidade e Sociabilidade

Sempre que se potildee a questatildeo da naturalidade e da sociabilidade essa

uacuteltima tende a ser examinada in statu nascendi ou de um estado original

imaginaacuterio natildeo se parte portanto de fatos pois os desconhecemos se eacute que

35

tenham existido mas de um mito E do mito se quer saltar para o quadro de uma

realidade complexa

Mas acompanhando Marx lembremos das pobres robinsonadas do

seacuteculo XVIII referidas logo agraves primeiras linhas da Introduccedilatildeo de 57 a) O

caccedilador e o pescador individuais e isolados de que partem Smith e Ricardo b)

o contrat social de Rousseau que relaciona e liga sujeitos independentes por

natureza por meio de um contrato Essas robinsonadas natildeo repousam sobre

(o) naturalismo E a argumentaccedilatildeo prossegue Trata-se ao contraacuterio de uma

antecipaccedilatildeo da sociedade (buumlrgelichen Gesellschaft) que se preparava desde

o seacuteculo XVI e no seacuteculo XVIII deu larguiacutessimos passos em direccedilatildeo agrave sua

maturidade Nesta sociedade da livre concorrecircncia o indiviacuteduo aparece

desprendido dos laccedilos naturais que em eacutepocas histoacutericas remotas fizeram dele

um acessoacuterio de um conglomerado humano limitado e determinado Os profetas

do seacuteculo XVIII sobre cujos ombros se apoacuteiam inteiramente Smith e Ricardo

imaginam o indiviacuteduo do seacuteculo XVIII como um ideal que teria existido no

passado Vecircem-no natildeo como um resultado histoacuterico mas como ponto de partida

da Histoacuteria porque o consideram como um indiviacuteduo conforme agrave natureza -

dentro da representaccedilatildeo que tinham da natureza humana - que natildeo se originou

historicamente mas foi posto como tal pela natureza[xvii]

Segundo Chasin tomando Marx novamente como ponto de referecircncia

os equiacutevocos que aparecem ao se tratar a relaccedilatildeo naturalidade sociabilidade

satildeo os seguintes

1) procurar deduzir em graus diferentes em cada caso o ser social do

natural esquecendo que se trata da emergecircncia do novo de uma configuraccedilatildeo

ontoloacutegica nova e que o novo nunca eacute um simples desdobramento do estaacutegio

anterior no caso - do grau de ser antecedente ou seja que entre os dois niacuteveis

ocorre o que se chama de salto um intervalo em que a potecircncia causal do

antecedente natildeo conteacutem a capacidade a potecircncia ou a potencialidade para

gerar o novo Um intervalo que fica assim indeterminado

36

2) o procedimento acima abre para a mera especulaccedilatildeo pois tende a

deduzir a indeterminaccedilatildeo a querer estabelecer nexos onde eles inexistem

tende a preencher o que de fato eacute um vazio A rigor natildeo se trata de um natildeo-

sabido mas da ausecircncia factual de um objeto ou processo em outros termos

se trata de um vazio ontoloacutegico de uma ausecircncia de nexos ontoloacutegicos

O correto segundo o modus operandi marxiano natildeo eacute partir da semente

ou do embriatildeo mas do complexo real maturado uma vez que

especialiacutessimamente na esfera social a loacutegica do gerado eacute diversa da loacutegica de

sua gecircnese aleacutem de que nesse acircmbito as entificaccedilotildees configuradas apagam a

rota e a loacutegica de sua formaccedilatildeo

Desse modo partindo do jaacute configurado e considerando que se trata de

uma configuraccedilatildeo infinita que compreende mutaccedilotildees qualitativas muito

importantes e natildeo esquecendo que permanecemos no estaacutegio preacute-histoacuterico (em

momento especialmente desequilibrado e contraditoacuterio) podemos e devemos

reconhecer por meio de algumas abstraccedilotildees razoaacuteveis o seguinte

1) A formaccedilatildeo do ser social eacute um processo da animalidade agrave

hominidade o andamento da naturalidade agrave sociabilidade o caminho infinito da

naturalidade dada agrave sociabilidade natildeo-dada em produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

perenes

2)Trata-se pois de uma entificaccedilatildeo processual entre dois niacuteveis ou

poacutelos da escala do ser sendo processo eacute intrinsecamente uma contradiccedilatildeo e soacute

enquanto tal se move eliminada a contradiccedilatildeo cessaria a possibilidade do

processo Com isso eacute dito algo muito importante pois ao reconhecer a

contraditoriedade entre naturalidade e sociabilidade natildeo eacute mais possiacutevel pensar

as mesmas a propoacutesito do ser social como um simples conjugado de fatores

mas obrigatoriamente como uma conjugaccedilatildeo contraditoacuteria de legalidades Isso

vai na esteira do que eacute compreendido desde Hegel - que o ser eacute uma unidade

contraditoacuteria - todavia com o acreacutescimo do problema da dupla legalidade De

37

que modo ou feiccedilatildeo chega cada uma delas agrave unidade contraditoacuteria do ser Pois

haacute que pensar na unidade ou siacutentese a natildeo ser que se queira desenhar o ser

social como uma aberraccedilatildeo hiacutebrida pode ser esta a fisionomia do grau mais

elevado do gradiente dos seres Assim tomada na devida consideraccedilatildeo essa

determinaccedilatildeo ontoloacutegica sem a qual a reflexatildeo perde o rumo trata-se de

compreender a dinacircmica especiacutefica dessa contradiccedilatildeo peculiar Vejamos

3) Em primeiro lugar esse processo contraditoacuterio gera novas

contradiccedilotildees agora dominantemente contradiccedilotildees da sociabilidade em

formaccedilatildeo de sorte que se trata de um processo cumulativo de

contraditoriedades no qual as novas contradiccedilotildees progressivamente vatildeo

tomando o lugar predominante e decisivo vale dizer a contradiccedilatildeo originaacuteria

cada vez mais coabita com contradiccedilotildees de outro gecircnero diante das quais sua

presenccedila vai mudando de forccedila e configuraccedilatildeo natildeo desaparece mas sua

qualidade vai mudando na proporccedilatildeo mesmo do desenvolvimento da

apropriaccedilatildeo societaacuteria da natureza cada vez mais puramente social - eacute no que

consiste de acordo com as palavras de Marx o progressivo afastamento das

barreiras naturais

4) Ou seja a matriz e a medida do afastamento eacute a forma cada vez

mais social de produzir e reproduzir as bases materiais da vida pela qual eacute

gerado o novo ser em direccedilatildeo agrave sua potecircncia ampliada de se auto-por de ir em

direccedilatildeo a si mesmo um si mesmo que natildeo eacute dado mas gerado na progressatildeo

da auto-posiccedilatildeo do auto-assentamento ou da auto-enformaccedilatildeo que inclui a

proacutepria daccedilatildeo de forma e resoluccedilatildeo ao predicado natural ou bioloacutegico daccedilatildeo de

forma que em suma eacute daccedilatildeo de forma social ao predicado natural

5) Essa possibilidade de daccedilatildeo de forma eacute afirmaccedilatildeo e realizaccedilatildeo da

essecircncia social que eacute o conjunto de relaccedilotildees sociais configuradas em cada

momento pelo modo de produzir da base material modo por sua vez que eacute

determinado pelo desenvolvimento das forccedilas produtivas entre as quais figura o

proacuteprio modo de organizaccedilatildeo do conjunto das relaccedilotildees sociais

38

6) Daccedilatildeo de forma eacute alteraccedilatildeo do lugar resolutivo e todo ente que muda

de lugar muda de natureza sem alterar uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo material

Vale dizer que a contradiccedilatildeo originaacuteria entre naturalidade e sociabilidade eacute

resolvida por uma nova contradiccedilatildeo - a da naturalidade que soacute se realiza na

forma e por meios sociais - no afastamento que eacute superaccedilatildeo da naturalidade

(processo histoacuterico) a legalidade natural eacute submetida agrave legalidade social

(diferentemente em cada modo de produccedilatildeo e de acordo com o

desenvolvimento das forccedilas produtivas) o fator natural natildeo eacute suprimido

suprimida eacute sua capacidade de autodeterminaccedilatildeo resta portanto

simplesmente o que natildeo eacute pouco como um predicado do ser humano um

predicado insuprimiacutevel mas apenas como predicado bioloacutegico de um ser de

outra natureza e essecircncia A naturalidade eacute retida como predicado

imprescindiacutevel mas natildeo como essecircncia Donde natildeo satildeo mais duas legalidades

ontoloacutegicas que coexistem mas a legalidade superior mais complexa subsume

a legalidade natural que natildeo mais se autodetermina mas eacute resolvida pela e do

interior da outra Assim o predicado natural do homem recebe forma e

resoluccedilatildeo sociais ou seja o predicado natural eacute subsumido agrave legalidade social

Natildeo resta mais o choque de duas legalidades contrapostas na

contradiccedilatildeo originaacuteria A legalidade natural vai sucumbindo na ruptura e

progressivamente agrave legalidade social em sua efetividade no ser social a

legalidade natural natildeo mais atua por si eacute dependente do social natildeo eacute mais a

legalidade de um ser pois natildeo haacute mais aiacute um ser natural mas um atributo

natural dependente da essecircncia social O homem eacute um ser social que

compreende sua essecircncia especiacutefica (variaacutevel) suas contingecircncias e seu

predicado bioloacutegico Na entificaccedilatildeo do ser social uacuteltimo grau da cadeia do ser a

legalidade natural eacute subalternizada agrave social por mais ruacutestica e restrita que seja a

essecircncia social primitiva e por mais precaacuteria que seja essa subalternizaccedilatildeo de

iniacutecio O processo de afastamento das barreiras naturais eacute assim o curso dessa

subalternizaccedilatildeo que desponta no iniacutecio na ruptura com a legalidade natural e

por mais longo e contraditoacuterio em avanccedilos e recuos que seja esse processo

39

7) de outra parte a loacutegica do predicado bioloacutegico natildeo soluciona natildeo

tem resposta para o complexo problemaacutetico da sociabilidade enquanto que esta

daacute soluccedilatildeo aos imperativos daquela Como diz Marx nos Manuscritos de 44 o

homem contempla a natureza e a si mesmo com um produto social [dos homens

interativos] com pleno direito mesmo que natildeo com elevada consciecircncia ou altos

valores

8) Donde a foacutermula lukaacutecsiana da dupla base eacute falsa pois a plataforma

eacute a sociabilidade enquanto a naturalidade eacute apenas o insuprimiacutevel predicado

bioloacutegico que passa a vigir na forma e sob a regecircncia da sociabilidade Natildeo

perde por isso uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo orgacircnica mas na sua efetividade

muda de caraacuteter No interiro da esfera societaacuteria o predicado bioloacutegico eacute um

outro de si Se originariamente foi o ponto de partida agora eacute produzido e

reproduzido pela legalidade de um ser que o ultrapassa e o domina vive e soacute

pode viver na subjugaccedilatildeo de um novo estatuto Ou seja ao integrar como

predicado o ser de niacutevel mais elevado realiza a sua maacutexima potecircncia e isso eacute

ao mesmo tempo sua desnaturalizaccedilatildeo ou perecimento Impereciacutevel como

predicado natildeo eacute base pois determina soacute por seus limites pelas carecircncias natildeo

pelas determinaccedilotildees resolutivas nem mesmo em suas forccedilas e sentidos pois

enquanto virtualidades estas soacute satildeo humanas e superiores em resoluccedilatildeo

societaacuteria Ademais natildeo eacute nunca um criador de novas necessidades o que

caracteriza a legalidade social

9) A argumentaccedilatildeo acima diz respeito diretamente ao ser social em sua

configuraccedilatildeo bipolar (indiviacuteduo e gecircnero) e desenvolvida em especial no poacutelo da

individualidade tendo por esteio o andamento do gecircnero e ao falar deste se diz

do seu metabolismo com a natureza Esse metabolismo fundamental que eacute em

suma a atividade vital do homem ao gerar produtos sociais

(utilidadesmercadorias) sem que se possa transpor a estes as mesmas

determinaccedilotildees que foram feitas para o ser social desde logo satildeo entes sociais

mas em outro grau da escala do ser social mas tambeacutem tecircm mudada a sua

natureza de naturais a utilidades (e na forma da alienaccedilatildeofetichismo as

40

mercadorias) de sorte que a apropriaccedilatildeo da natureza eacute igualmente sua

desnaturalizaccedilatildeo eacute forccedilaacute-las a deixar de ser o que satildeo em sua peculiaridade

para se tornarem um outro de si sob a regecircncia do estatuto societaacuterio Isso eacute a

manifestaccedilatildeo do poder e da superioridade do grau maacuteximo do ser Nenhum

outro ser realiza qualquer coisa semelhante nem longinquumlamente Repetindo

Kant e Hegel Marx tinha toda razatildeo quando disse que haacute mais grandeza e

misteacuterio na cabeccedila de um becircbado do que no conjunto do universo

10) a Sociabilidade imperfeita substacircncia ainda natildeo realizada enquanto

tal ou seja ainda incapaz de autonomia como complexo estruturado conduz agrave

poliacutetica Natildeo compreendida como substacircncia mas como simples organizaccedilatildeo

potildee o homem no outro poacutelo na dicotomia homemsociedade ou seja na

representaccedilatildeo socioloacutegica ou politoloacutegica o homem eacute um outro

Determinada ou compreendida como substacircncia eacute substacircncia humana

(perfeita e imperfeita com todas as grandezas e miseacuterias produzidas

modificadas suprimidas e repostas no curso histoacuterico) eacute a essecircncia mutante do

ser auto-engendrado e enquanto mutante e por ser mutante distinta tambeacutem

por essa mutabilidade do predicado bioloacutegico atemporalmente necessaacuterio mas

sempre e progressivamente insuficiente do ser social

O tomo IV do primeiro nuacutemero da Revista Ensaios Ad Hominem eacute

composto de seis artigos - aleacutem do texto de abertura de autoria de J Chasin -

que resultaram de siacutenteses ou modificaccedilatildeo de partes ou capiacutetulos de

dissertaccedilotildees defendidas entre os anos de 1998 e 1999 junto ao Programa de

Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia da UFMG

41

O artigo que abre a presente coletacircnea intitulado A Razatildeo como

Tribunal da Criacutetica Marx e A Gazeta Renana de autoria de Celso Eidt versa

sobre a concepccedilatildeo do jovem Marx sobre o papel da imprensa natildeo apenas como

o locus privilegiado para o debate filosoacutefico mas fundamentalmente para os

processos educativos tendo em vista a realizaccedilatildeo plena da liberdade humana Eacute

bom ressaltar que no periacuteodo em que tais artigos satildeo redigidos Marx

compartilha de uma visatildeo antropoloacutegica racional em que a natureza humana eacute

concebida como espiacuterito livre e racional enquanto esteio da proacutepria vida eacutetica

ou seja da praacutetica humana fundada na razatildeo universal

Ana Selva Albinati autora do artigo A Determinaccedilatildeo dos Valores

Morais nos textos de Marx de 1841 a 1847 se debruccedila justamente sobre tal

campo de reflexatildeo Seu trabalho eacute uma tentativa de sistematizaccedilatildeo das

consideraccedilotildees sobre os valores morais nos textos do periacuteodo que se inicia com

sua tese doutoral Diferenccedilas entre as Filosofias da Natureza de Demoacutecrito e

Epicuro prosseguindo ateacute A Miseacuteria da Filosofia Ana Selva procura demonstrar

que esse periacuteodo normalmente referido como sendo o da juventude de Marx eacute

na verdade constituiacutedo de dois momentos de sua elaboraccedilatildeo teoacuterica que tem

como momento de clivagem a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel de meados

de 1843 em que Marx rompe com o referencial teoacuterico do idealismo alematildeo Em

relaccedilatildeo agraves determinaccedilotildees sobre a moral essa ruptura se reflete na inflexatildeo

radical que diferencia a compreensatildeo da moralidade no primeiro e segundo

momentos de tal forma que a moralidade passa a ser compreendida como um

dos modos da consciecircncia socialmente determinada concepccedilatildeo completamente

distinta da primeira fase em que os valores morais eram compreendidos como

expressotildees da liberdade e da racionalidade humanas idealmente concebidas

No artigo A criacutetica da Especulaccedilatildeo nas Glosas de Kreuznach Milney

Chasin analisa o momento inicial e ao mesmo tempo decisivo da ruptura que

se verifica entre Marx e Hegel no plano das determinaccedilotildees do ser Desse modo

a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel inaugura a criacutetica marxiana da

especulaccedilatildeo no seu cerne o de rejeitar o procedimento especulativo

42

caracteriacutestico de se provir tudo da ideacuteia real de tornaacute-la sujeito isto eacute de

capacitar a abstraccedilatildeo ou conceito automovido - a partir das metamorfoses

hegelianas - de pocircr o multiverso sensiacutevel Em outros termos Milney Chasin no

referido artigo evidencia como a criacutetica da especulaccedilatildeo permite a Marx

ultrapassar os horizontes do idealismo alematildeo na direccedilatildeo do devido

reconhecimento da distinccedilatildeo entre ser e pensar de caracterizar a impropriedade

ontoloacutegica da loacutegica hegeliana de apurar os limites gnosioloacutegicos e

incongruecircncias de toda ordem Em suma permite o desvelamento da substacircncia

miacutestica oferecendo a explicitaccedilatildeo do meacutetodo hegeliano - das diabruras do

conceito autoposto - que articula abstraccedilotildees e finitude restando a esta a mera

condiccedilatildeo de apecircndice dissolvido isto eacute momento virtual da realizaccedilatildeo da

idealidade

O quarto artigo desta coletacircnea intitulado A Exteriorizaccedilatildeo da Vida nos

Manuscritos de 44 eacute parte da dissertaccedilatildeo de mestrado As Categorias

Lebensaumlusserung Entaumlusserung Entfremdung e Veraumlusserung nos Manuscritos

Economico-Filosoacuteficos de Karl Marxdefendida por Mocircnica H M da Costa em

que o interesse era acima de tudo averiguar se alienaccedilatildeo (Entaumlusserung) e

estranhamento (Entfremdung) teriam significados distintos A pesquisa acabou

opor apontar no entanto uma outra categoria como eixo desses manuscritos

Lebensaumlusserung traduzida por exteriorizaccedilatildeo da vida De fato o fio condutor

dos Manuscritos eacute a centralidade do trabalho na produccedilatildeo material e espiritual

da vida humana Tomando para anaacutelise criacutetica pela primeira vez os

economistas claacutessicos Marx explicita sua proacutepria compreensatildeo da forma

peculiar de engendramento da existecircncia do homem A criacutetica a Hegel completa

o quadro desta tematizaccedilatildeo que natildeo seraacute abandonada ateacute os uacuteltimos trabalhos

de Marx

Sabina Maura Silva no artigo A Fenomenologia do Egoiacutesmo Stirner e a

Criacutetica Marxiana tem como objetivo fundamental apresentar a concepccedilatildeo de

homem presente na obra O Uacutenico e Sua Propriedade de autoria do filoacutesofo

neohegeliano Max Stirner e expor a criacutetica de Marx a este autor contida em A

43

Ideologia Alematilde A autora mostra que para Stirner o Eu tomado como

individualidade singular eacute o fundamento de sua esfera existencial No entanto

para esse autor tudo tem determinado a existecircncia dos indiviacuteduos natildeo tendo

sido permitido a eles determinaacute-la O objetivo de Stirner eacute pois remeter ao

indiviacuteduo - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel - o que dele foi alienado e erigido

como algo autocircnomo Por seu turno a criacutetica de Marx tem como fim explicitar o

caraacuteter especulativo da anaacutelise stirneana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo

bem como salientar o aspecto pseudorevolucionaacuterio de suas proposituras

Assim segundo Marx Stirner tatildeo somente interpreta diferentemente o

existente isto eacute reconhece o existente mediante outra

interpretaccedilatildeoTransformando as contradiccedilotildees objetivas em contradiccedilotildees

subjetivas Stirner conserva e justifica as condiccedilotildees e estruturas efetivas que

esmagam e impedem a autodeterminaccedilatildeo das individualidades ao reconhecer

as circunstacircncias como determinaccedilotildees dos indiviacuteduos Acolhendo acriacutetica e

especulativamente em suas feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees

estranhadas de um momento histoacuterico particular da individuaccedilatildeo humana

Stirner erige como individualidade um ente que empobrecido e constrangido

pelas condiccedilotildees objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade

social pode somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria

sobre si e sobre o mundo

O uacuteltimo artigo do tomo IV da Revista Ensaios Ad Hominem eacute de

autoria de Antocircnio Joseacute Lopes Alves e leva o tiacutetulo de A Individualidade

Moderna nos Grundrisse Neste texto o autor procura demonstrar que a

moderna sociabilidade do capital eacute compreendida por Marx como forma

instaurada a partir da dissoluccedilatildeo dos liames sociais que uniam em tempos

anteriores os indiviacuteduos agrave comunidade Aleacutem disso destaca o fato apontado por

Marx de que tal processo se constitui numa verdadeira reconversatildeo ontoloacutegica

tanto dos indiviacuteduos quanto das condiccedilotildees da atividade vital ocorrendo uma

radical transformaccedilatildeo na forma de ser de ambos Sinteticamente trata-se de

reconfiguraccedilatildeo ontoloacutegica que determina como entes autocircnomos os indiviacuteduos

44

de um lado e as condiccedilotildees de trabalho de outro vale dizer do divoacutercio entre os

indiviacuteduos ativos e as condiccedilotildees de sua atividade Antocircnio Lopes buscou em

suma alinhar as determinaccedilotildees mais essenciais dos indiviacuteduos e da

sociablidade modernos no que respeita agrave forma mesma das relaccedilotildees sociais da

atividade sensiacutevel bem como da respectiva expressatildeo ideal como por exemplo

a configuraccedilatildeo das categorias da igualdade e liberdade

O leitor encontraraacute nas paacuteginas que se seguem o resultado do esforccedilo

de pesquisa voltado ao resgate da obra marxiana caracterizado pela busca do

rigor na leitura e interpretaccedilatildeo do pensamento de um autor cuja heranccedila

intelectual conheceu um destino traacutegico Natildeo eacute faacutecil portanto voltar-se a ela

sem os preconceitos da moda - como jaacute havia advertido Lukaacutecs Natildeo posso

afirmar com total certeza que um intento dessa natureza tenha sido plenamente

alcanccedilado Todavia eacute faacutecil perceber as diferenccedilas desse tipo de produccedilatildeo teoacuterica

com aquela apresentada tanto pelo marxismo adstringido e suas dissidecircncias

como pelo marxismo vulgar para utilizar as expressotildees cunhadas por Chasin no

intuito de designar as duas variantes de interpretaccedilatildeo da obra marxiana

Faccedilo aqui ao leitor interessado o convite para participar dessa

avaliaccedilatildeo

[1] Professora do Departamento de Filosofia da UFMG coordenadora

do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e Estudos Confluentes

45

[i] J CHASIN Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in

Teixeira FJS Pensando com Marx Editora Ensaio Satildeo Paulo 1995

[ii] K MARX amp F ENGELS A Sagrada Famiacutelia Ed Grijalbo trad

Wenceslao Roces Meacutexico DF 1960 p 120

[iii] Ver a respeito J CHASIN Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo

Metodoloacutegica opcit

[iv] J CHASIN O Futuro Ausente in Ensaios Ad Hominem 1 tomo III

Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem Satildeo Paulo 2000 p 166

[v] Ib p 167

[vi] Id

[vii] E CASSIRER A Filosofia do Iluminismo Editora da Unicamp

Campinas 1992 p 11

[viii] G LUKAacuteCS La Riproduzionein Per lOntologia delle Essere

Sociale Roma Editori Riuniti tomo II 1981 pp 180-81

[ix] N HARTMANN Ontologia Fondo de Cultura Econoacutemica Meacutexico D

F vol 1 1986

[x] K MARX O Capital vol I Ediccedilatildeo Abril Cultural Satildeo Paulo p 149

[xi] Id

[xii] Ib p 150

[xiii] (a respeito dessas categorias ver N HARTMANN Ontologia op cit

vol I p XII

46

47

[xiv] No original alematildeo in der Form des Seins Dietz Verlag 1971 p

195

[xv] Ib p 151

[xvi] Ver a respeito em J CHASIN Marx-Estatuto Ontoloacutegico e

Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica op cit

[xvii] K MARX op Cit p 126

Page 20: :: Verinotio - Revista On-line de Educao e Cincias Humanas · O leitor encontrará, portanto, nessa Apresentação o fruto de trabalho de coleta e organização de materiais utilizados

Eacute nesse preciso momento da exposiccedilatildeo chasiniana que surgem as

primeiras referecircncias a Eacute Gilson assim como a N Hartmann momentos mais agrave

frente Evidentemente que esse procedimento natildeo ocorre por acaso pois o que

estaacute em questatildeo agora satildeo as tentativas contemporacircneas de resgate da

tematizaccedilatildeo ontoloacutegica

Eacute Gilson afirma que o mais fundamental dos problemas da filosofia - a

relaccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia que por seu turno diz respeito agrave distinccedilatildeo

de ser como nome isto eacute como substantivo em latim ens (ente) e como verbo

esse Eacute sabido que o esse tomista eacute concebido como ato de ser - actus essendi -

significando portanto existecircncia ato de existir ato de ser

Chasin comenta a ambiguumlidade da noccedilatildeo de ser para qual Gilson

chama atenccedilatildeo afirmando o que se segue

1) Ens eacute um nome que significa um ser (determinado) ou seja a

natureza e a essecircncia de qualquer existente ou entatildeo - o ser mesmo - uma

propriedade comum a tudo aquilo que se pode dizer que eacute (que pertence a)

Em suma enquanto nome ou substantivo ser designa um existente

qualquer ou uma propriedade comum a todos os existentes designa o que

verdadeiramente eacute ou uma propriedade geral eacute um ente ou uma entidade

2) Enquanto verbo ser designa a accedilatildeo ou o ato de ser exercido pelo

ente Assim como verbo natildeo significa que algo eacute nem a existecircncia em geral

mas o ato mesmo pelo qual qualquer realidade dada eacute de fato ou existe

Precisamente a este ato Gilson chama de ser em contraposiccedilatildeo a ente

De todo modo feita a distinccedilatildeo Chasin considera existir um seacuterio

problema ao tomar em separado ens e esse indagando eacute possiacutevel pensar em

duas figuras no isolamento Seraacute que essa configuraccedilatildeo eacute de fato o mais

fundamental dos problemas ou eacute o mais antigo o mais remoto e o mais cultuado

dos equiacutevocos da histoacuteria da filosofia

20

De um lado a compreensatildeo da forma de ser enquanto verbo como

pura significaccedilatildeo verbal de existir de estar presente enquanto significaccedilatildeo de

ato ou presenccedila o verbo eacute forma simples e vazia de conteuacutedo pois reduzida ao

predicado mais geral e comum das coisas denota apenas sua existecircncia De

outro lado ocorre o mesmo problema com o substantivo ser - ens - pois redunda

em essecircncia imutaacutevel Em outras palavras na histoacuteria da filosofia nesses dois

caminhos houve de longa data polecircmica sobre o que existe em que plano se daacute

a existecircncia e assim por diante No caso do ser como verbo o ser eacute muito

parcamente categorial reduzido agrave presenccedila no tempo e no espaccedilo soacute possui o

predicado abstrato da existecircncia no caso do substantivo tomado sem o ato de

existir se converte em complexo de propriedades ou entidades perenes

A resoluccedilatildeo para tal questatildeo reside segundo Chasin em tomar o ser

enquanto complexo categorial daquilo que eacute como ente que existe Nesse

sentido o desvendamento tem ecircxito maior como mostra a ciecircncia que toma

para anaacutelise formas mais complicadas e replenas de conteuacutedo vale dizer uma

vez que tem por alvo o ser por sua efetividade e determinado por suas

qualidades natildeo apenas pelo reconhecimento de sua presenccedila mas pelo seu

complexo categorial

Ora arremata Chasin a forma sensiacutevel do ente compreende o ens e o

esse ou seja a plena riqueza do complexo categorial

- Loacutegica e Ciecircncia

Neste item Chasin defende a tese de que na medida em que

pretendeu e pretenda ser uma disciplina ou ciecircncia de chegada isto eacute

21

conclusiva autocircnoma e sistemaacutetica a ontologia acaba por ser transmutada em

loacutegica ou ciecircncia

Talvez possa ser dito que nas ontologias onde predomine

unilateralmente o ser como verbo ou o ente como essecircncia terminem por ser

uma loacutegica que de alguma forma acaba por ter a pretensatildeo de constituir o ser

a loacutegica eacute entatildeo o segredo uacuteltimo do ser ou sua base cognitiva e por essa via

sua base ontoloacutegica - que assim nega a ontologia ou seja o reconhecimento do

ser por si

De outra parte predominando o ser como substantivo o fim da

ontologia acaba por ser uma forma de ciecircncia ou seja a ontologia eacute novamente

negada como ocorreu com a ciecircncia moderna donde sua pretendida auto-

suficiecircncia que apenas admite por fundamento uma forma qualquer de

gnosiologia isto eacute uma forma a priori da operatividade subjetiva

desaparecendo assim a regecircncia do objeto o que ao contraacuterio caracteriza o

espiacuterito e o propoacutesito ontoloacutegicos ou seja o reconhecimento do ente enquanto

ente o oacuten qua oacuten ou ser por si

Em suma a ontologia quando centrada no ser como verbo rarefeita

pelo vazio de sua forma termina por ser loacutegica por outro lado quando centrada

no ser como substantivo agraves voltas com gecircneros formados por complexos

qualitativos termina por se constituir em ciecircncia particular e autocircnoma Assim

ao pretender ser tudo concludente sistemaacutetica e independente por sua forma

mais vazia ou por suas categorias abstratas e perenes a ontologia acaba por

ser negada pela loacutegica ou pela ciecircncia Pretendendo ser tudo acaba por

desaparecer

Ora ao tomar o ser como verbo a ontologia tem de compreender que

natildeo pode ser mais do que a anatomia de uma propriedade do ser - de sua

propriedade mais geral e vazia - a propriedade de sua presenccedila enquanto corpo

real ausente ou presenccedila de um complexo categorial abstraiacutedo O ser aqui eacute

22

reduzido agrave forma mais vazia a simples propriedade de um todo que escapa

completamente agrave sua jurisdiccedilatildeo Donde seu desenlace em loacutegica

De outra parte quando o ser eacute tomado em sua denotaccedilatildeo substantiva

ou seja na multiplicidade de suas propriedades qualitativas em interconexatildeo

especiacutefica transborda em ciecircncia na medida em que a ontologia pretenda a

condiccedilatildeo de disciplina ou ciecircncia sistemaacutetica

Donde a impossibilidade de a ontologia ficar adstrita agrave forma do verbo

nem se realizar como dilucidaccedilatildeo concreta do substantivo Assim deve-se

reconhecer que a ontologia natildeo pode se realizar em nenhum desses dois poacutelos

nem simples tematizaccedilatildeo do ato geneacuterico da presenccedila - que redundaria em

simples compoacutesito tautoloacutegico nem tematizaccedilatildeo do ser substantivo concreto

pois aiacute se desnaturaria em ciecircncia especiacutefica

Conclusivamente a ontologia nem eacute simples tautologia do ser em ato

nem efetivaccedilatildeo cientiacutefico-concreta do desvendamento do ser como substantivo

Enquanto tal a ontologia eacute uma realizaccedilatildeo necessaacuteria no espaccedilo que antecede

aqueles dois poacutelos em verdade a plataforma que leva da constataccedilatildeo mais

abstrata do ser (tanto como substantivo quanto verbo) agrave sua reproduccedilatildeo

cientiacutefica como substantivo Enquanto tal eacute um estatuto - uma filosofia primeira

o cacircnon da legalidade do ser matrizado pelos traccedilos ou vetores categoriais

fundamentais do ser por si que matriza a cientificidade tanto em sua forma mais

abstrata - loacutegica - quanto em sua forma mais concreta - ciecircncia

O problema fundamental da filosofia primeira - philosophia prima - eacute o

problema das categorias mais gerais do ser aiacute incluso o ato de ser donde em

sua plenitude o ato sensiacutevel de ser - ens e esse o ens essendi complexo

categorial pleno no ato de existir

Essa plataforma estatutaacuteria natildeo eacute uma disciplina situada entre outras

disciplinas entre a loacutegica e a ciecircncia como um campo intermediaacuterio entre o

verbo e o substantivo entre a maacutexima abstratividade e a efetividade concreta

23

Essa distribuiccedilatildeo topograacutefica confere agrave abstraccedilatildeo a condiccedilatildeo de fundaccedilatildeo

(determinaccedilatildeo originaacuteriaontoloacutegica) e fundamento (ponto de partida

epistemoloacutegico) Se assim fosse perderia a condiccedilatildeo de filosofia primeira

Enquanto filosofia primeira eacute o reconhecimento do substantivo verbal

do substantivo que eacute do ens essendi natildeo de uma substantividade qualquer em

abstrato mas da substantividade que existe por todas as modalidades

categoriais isto eacute reais (sensiacuteveis) natildeo apenas um substantivo pensado que

dependeria para ser do pensamento mas do substantivo que eacute por-si

independentemente se ser pensado o que requer o complexo categorial

da sensibilidade por isso eacute que soacute eacute ser o ser sensiacutevel Vale dizer o ser como

verbo eacute resultado do ser substantivo soacute um sujeito (em suas diversas formas na

cadeia do ser) eacute (soacute um sujeito existe eacute faz sente pensa etc de acordo com

seu grau na cadeia do ser)

A ontologia do puro verbo ser ou das puras essecircncias (complexo

categorial abstrativante e eterno) eacute a autonomizaccedilatildeo das categorias ou da

existecircncia em relaccedilatildeo ao ser e existir reais agraves formas reais de ser e existir satildeo

as categorias e a existecircncia sem corpo ou sujeito mais do que isso satildeo as

categorias (essecircncia) e existecircncia em geral universal e abstrata tornadas

sujeito a essecircncia ou a existecircncia abstratas personificadas - e isso satildeo

puramente figuras do pensamento o que jaacute eacute especulaccedilatildeo natildeo ontologia

Marx agrave semelhanccedila de Feuerbach soacute admite como ente ou melhor

como entificaccedilatildeo o ens essendi - o ente sendo o ente no ato de ser o ente

revestido de existecircncia atual - objetivo o ente no exerciacutecio da accedilatildeo ou ato de

ser eacute portanto um ente existente ou seja o ente que estaacute sendo o ente no ato

de existir

Donde do mesmo modo que em Feuerbach o ser eacute inseparaacutevel de sua

existecircncia Ser e existir constituem uma unidade indissoluacutevel complexo

24

categorial no ato de ser pela atualizaccedilatildeo do complexo categorial essecircncia

determinada e mutaacutevel na mutabilidade de ser e ir sendo (essendi)

Eacute chegada a hora depois desta etapa analiacutetica de vislumbrar qual eacute o

cenaacuterio em Marx que esse conjunto de questotildees se coloca Com esse objetivo e

como eacute tiacutepico de seu procedimento investigativo junto aos textos daquele autor

Chasin toma para anaacutelise o item 1 O Processo de Trabalho do capiacutetulo V de O

Capital Nele pode-se identificar em primeiro lugar a natureza geral (universal)

da atualizaccedilatildeo da forccedila de trabalho que se encontra em potecircncia nos indiviacuteduos

A produccedilatildeo de valores de uso ou bens natildeo muda sua natureza geral por se

realizar para o capitalista e sob seu controle Por isso o processo de trabalho

deve ser considerado de iniacutecio independentemente de qualquer forma social

determinada[x]

Por que o processo de trabalho deve ser considerado de iniacutecio

independentemente de qualquer forma social determinada indaga Chasin A

resposta eacute formulada em estilo direto Para natildeo ser perdida a natureza do

trabalho sua positividade enquanto atividade humana vital

Tem-se nessa passagem segundo Chasin um exemplo do exerciacutecio

de uma ontologia estatutaacuteria - a positividade (sua efetividade ou operosidade)

universal do trabalho enquanto atributo vital e inalienaacutevel do homem

independentemente de suas formas concretas que se apresentam na forma do

trabalho alienado

Eacute a determinaccedilatildeo universal do trabalho o traccedilo de sua legalidade

uacuteltima sua determinaccedilatildeo mais geral e essencial dimensatildeo que natildeo desaparece

nem mesmo sob suas formas concretas mais negativas

A ontologia estatutaacuteria registra o traccedilo ou rastro dessa dimensatildeo

permanente que atravessa as formas concretas em sua efetividade contraditoacuteria

e especialmente desfavoraacutevel para o homem enquanto maioria subjugada ao

longo de toda a preacute-histoacuteria da humanidade

25

Permanente mas permanente processual mutaacutevel diversamente

positivo quantitativa e qualitativamente em cada uma das formas concretas em

que o trabalho aparece nas configuraccedilotildees sociais determinadas

Nesse sentido abstratamente permanente abstratamente positivo mas

onde essa abstratividade natildeo corresponde a uma simples determinaccedilatildeo

conceitual Corresponde a uma efetividade em sua figura proacutepria em cada forma

social determinada

Agrave ontologia estatutaacuteria compete o reconhecimento dessa dimensatildeo mais

geral base para a decifraccedilatildeo cientiacutefica concreta dos casos efetivos que por sua

vez confirmam ou natildeo criticamente a determinaccedilatildeo mais geral ontoloacutegica Natildeo

haacute portanto um abismo separando ontologia de ciecircncia mas a continuidade de

momentos distintos de uma mesma unidade de conhecimento que interagem e

se medem reciprocamente se apoacuteiam estimulam e criticam um infinito processo

constitutivo das certezas

Continuando a anaacutelise do texto marxiano tem-se a descriccedilatildeo do

trabalho e o reconhecimento analiacutetico de sua natureza Antes de tudo [aqui

Chasin faz uma pequena observaccedilatildeo assinalando ou seja na raiz em seu

fundamento diria uma linguagem mais convencional e ciosa de suas

pretendidas atribuiccedilotildees] o trabalho eacute um processo entre o homem e a

natureza um processo em que o homem por sua proacutepria accedilatildeo medeia regula

controla seu metabolismo com a natureza Ele mesmo se defronta com a

mateacuteria natural Ele potildee em movimento as forccedilas naturais pertencentes agrave sua

corporalidade braccedilos e pernas cabeccedila e matildeo a fim de se apropriar da mateacuteria

natural numa forma uacutetil para a sua proacutepria vida Ao atuar por meio desse

movimento sobre a natureza externa a ele e ao modificaacute-la ele modifica ao

mesmo tempo sua proacutepria natureza Ele desenvolve as potecircncias nela

adormecidas e sujeita o jogo de suas forccedilas a seu proacuteprio domiacutenio[xi]

26

Observe-se que diz Chasin ao trabalhar ao mudar a forma da

natureza ao construir sua proacutepria mundaneidade o homem ele proacuteprio por

meio de seu proacuteprio trabalho transforma a sua proacutepria natureza Ou seja de ser

natural para social eis um novo exemplo de lineamento reconhecido e recolhido

agrave ontologia estatutaacuteria

Prosseguindo na especificaccedilatildeo Marx afirmaPressupomos o trabalho

numa forma que pertence exclusivamente ao homem Uma aranha executa

operaccedilotildees semelhantes agraves do tecelatildeo e a abelha envergonha mais de um

arquiteto humano com a construccedilatildeo dos favos de suas colmeacuteias Mas o que

distingue de antematildeo o pior arquiteto da melhor abelha eacute que ele construiu o

favo em sua cabeccedila antes de construiacute-lo em cera No fim do processo de

trabalho obteacutem-se um resultado que jaacute no iniacutecio deste existiu na imaginaccedilatildeo do

trabalhador e portanto idealmente Ele natildeo apenas efetua uma transformaccedilatildeo

da forma da mateacuteria natural realiza ao mesmo tempo na mateacuteria natural seu

objetivo que ele sabe que determina como lei a espeacutecie e o modo de sua

atividade e ao qual tem de subordina sua vontade E essa subordinaccedilatildeo natildeo eacute

um ato isolado Aleacutem do esforccedilo dos oacutergatildeos que trabalham eacute exigida a vontade

orientada a um fim que se manifesta como atenccedilatildeo durante todo o tempo de

trabalho e isso tanto mais quanto menos esse trabalho pelo proacuteprio conteuacutedo e

pela espeacutecie modo de sua execuccedilatildeo atrai o trabalhador portanto quanto

menos ele o aproveita como jogo de suas proacuteprias forccedilas fiacutesicas e espirituais[xii]

Chasin chama atenccedilatildeo para as seguintes observaccedilotildees

1) a preacutevia-ideaccedilatildeo do resultado (do fim) a existecircncia ideal do mesmo

na imaginaccedilatildeo donde o objeto ou um complexo categorial in mente e ante

res[xiii]

Preacutevia-ideaccedilatildeo e teleologia satildeo ou podem ser momentos confluentes

mas natildeo satildeo idecircnticos a preacutevia-ideaccedilatildeo estaacute no comeccedilo e eacute um desenho ideal

que implica o conhecimento da espeacutecie e do modo da atividade a realizar

27

conhecimento das malhas causais teleologia eacute simplesmente finalidade fim

objetivo podendo se apresentar de modo meramente volitivo e bem abstrato

natildeo mobilizante dos ou sem os meios de sua realizaccedilatildeo ou seja ter teleologia

sem preacutevia-ideaccedilatildeo natildeo conduz a nenhum processo de trabalho Quero assinar

que o termo teleologia pode ser demasiado vago no sentido de mero conceito

filosoacutefico convencional nesse sentido apenas alusivo e natildeo instrumentador de

operaccedilotildees na esfera da atividade sensiacutevel Pode ser entendido mais como

manifestaccedilatildeo de espiacuterito do que como exigecircncia de efetuaccedilatildeo de mudanccedila de

forma da mateacuteria natural e objetivaccedilatildeo de propoacutesito E de toda forma indica

antes de tudo que o fim o realizado estaacute no fim do processo fala do obtido ou

do a ser obtido nada nos diz da travessia que realiza da travessia que passa do

ideal para o real natildeo nos fala da mobilizaccedilatildeo ideal e material necessaacuterias

Quando a teleologia se manifesta como resultado jaacute natildeo eacute preciso dizer mais

nada a respeito Basta saudar e usufruir de sua apariccedilatildeo que nada tem de

maacutegica ou misteriosa mas antes de reconhececirc-la como produto das

metamorfoses de subjetividade e objetividade Ou seja em suas distintas

naturezas inconfundiacuteveis enquanto tais objetividade e subjetividade satildeo

entificaccedilotildees na mundaneidade humana e nessa qualidade estados ou momentos

do ser social momentos regidos pela atividade ideal e sensiacutevel do mesmo

Penso que Lukaacutecs ao transpor a questatildeo para a linguagem filosoacutefica

tradicional pode ter dissociado demais fins e meios o que natildeo eacute o caso dos

textos de Marx Por isso Lukaacutecs se vecirc obrigado depois a buscar a rearticulaccedilatildeo

entre teleologia e causalidade e nisso encontre natildeo poucas dificuldades (como

uma passa para outra e vice-versa parecendo que lida ao limite com

substacircncias incomunicaacuteveis natildeo as compreendendo em suas metamorfoses) e

deixe que se perca certa substacircncia da questatildeo antes de tudo o interfluxo entre

objetividade e subjetividade com seus distintos momentos preponderantes em

cada um dos passos dos momentos embricados dos processos Creio que as

duas esferas ficam sempre tradicionalmente um tanto estranhas uma em

28

relaccedilatildeo agrave outra seja para preservar a objetividade e aiacute se torna objetivista seja

para ressaltar a subjetividade e aiacute desliza para o subjetivismo

2) No fim do processo tem-se seu resultado que eacute a transformaccedilatildeo da

forma de uma dada mateacuteria natural e a realizaccedilatildeo do objetivo do trabalho que

existiu antes como preconfiguraccedilatildeo ideal Portanto o trabalho transforma

imagem ideal em ente real complexo categorial in rebus

Em suma no pensamento de Marx as categorias ou complexos

categoriais satildeo reconhecidos sob as trecircs formas in mente (existem idealmente

na imaginaccedilatildeo ou como reproduccedilatildeo mental das coisas categorias da

representaccedilatildeo) ante res (preacutevia-ideaccedilatildeo) e in rebus como efetividades quando

estatildeo na forma de ser Como confirmaccedilatildeo tome-se mais esta passagem do

mesmo capiacutetulo No processo de trabalho a atividade do homem efetua

portanto mediante o meio de trabalho uma transformaccedilatildeo do objeto de

trabalho pretendida desde o princiacutepio O processo extingue-se no produto Seu

produto eacute um valor de uso uma mateacuteria natural adaptada agraves necessidades

humanas mediante transformaccedilatildeo da forma O trabalho se uniu com seu objeto

O trabalho estaacute objetivado e o objeto trabalhado O que do lado do trabalhador

aparecia na forma de mobilidade aparece agora como propriedade imoacutevel na

forma do ser[xiv] do lado do produto Ele fiou e o produto eacute um fio[xv]

Como arremate analiacutetico dessa famosa mas muitas vezes mal

compreendida passagem de O Capital Chasin conclui ao mesmo tempo em que

visualiza uma nova tarefa Se assim eacute se as categorias podem aparecer nas

trecircs formas - in rebus - in mente - ante res - haacute entatildeo que determinar o que satildeo

cada uma dessas formas

Esquematicamente Chasin propotildee o seguinte

1) se estatildeo in rebus (nas coisas) estatildeo na forma do ser

29

2) se estatildeo in mente (na cabeccedila) estatildeo na forma da reproduccedilatildeo ideal

das coisas Trata-se da subjetividade receptora[xvi] que reproduz as coisas natildeo

captando apenas seus dados empiacutericos superando pois o empirismo e elabora

portanto a reproduccedilatildeo ideal dos entes e onde a subsunccedilatildeo aos objetos eacute a

atividade de sua elaboraccedilatildeo ideal

3) se estatildeo ante res (antes das coisas) estatildeo na forma da finalidade da

preacutevia mentalizaccedilatildeo de objetivos e meios

Poreacutem no segundo e terceiro casos as categorias estatildeo na forma de

espeacutecies de pensamento representaccedilotildees e projeccedilotildees do ser do vir-a-ser dos

meios materiais instrumentais processuais e dinacircmicos de entificaccedilatildeo dos

seres

Concluindo essa parte dizer pois que o homem e o mundo satildeo

atividade sensiacutevel que por criar seu mundo cria a si mesmo eacute determinar o

homem como a criatura criadora de seres

No entanto na medida em que apenas na configuraccedilatildeo histoacuterica regida

pela loacutegica do capital ou seja na plenitude da produccedilatildeo da riqueza entendida

por sua essecircncia subjetiva que eacute o trabalho que se atinou para determinaccedilatildeo

do homem como a criatura criadora de seres foi possiacutevel agrave reflexatildeo pode se

dar conta potencialmente da verdadeira problemaacutetica do ser

Em outras palavras eacute pela criacutetica ao criador de criaturas na forma da

alienaccedilatildeo - criacutetica marxiana agrave sociedade capitalista - eacute que a ontologia pode

atinar com seu verdadeiro objeto e modo de determinaccedilatildeo Natildeo eacute casual que

tenha emergido pela criacutetica feuerbachiana ao sistema hegeliano (a criaccedilatildeo

especulada dos entes) e ganho seus contornos efetivos no advento de uma

nova forma de pensamento e concepccedilatildeo de praacutetica - a doutrina de Marx

Resumindo no caso de Marx ontologia eacute estatuto ou filosofia primeira

do ser social que enquanto tal norteia a concreccedilatildeo cientiacutefica do mesmo cuja

30

realizaccedilatildeo corrige e enriquece o proacuteprio estatuto donde a sinergia e a reciacuteproca

dimensatildeo criacutetica entre estatuto ontoloacutegico e ciecircncia da histoacuteria em seus diversos

departamentos possiacuteveis estabelecidos jaacute por criteacuterio ontoloacutegico ou seja que

respeita a integridade das coisas em suas qualidades e processos interconexos

que as constituem em seu ser por si e enquanto tais satildeo reproduzidas

teoricamente

Enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma da legalidade objetiva (material

e espiritual) do ser social ou seja enquanto malha de asserccedilotildees ou

determinaccedilotildees de seu complexo categorial enquanto o permanente na forma de

processo a ontologia estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a

sociabilidade como substacircncia desse grau maacuteximo da cadeia do ser

Mas substacircncia como complexo categorial como siacutentese de categorias

essenciais que denota uma forma especiacutefica determinada de presenccedila ou

existecircncia plenamente qualificada

Por isso eacute estatuto ontoloacutegico pois a plataforma canocircnica do ser eacute o

coacutedigo do substantivo verbal como substacircncia substrato) assim o estatuto

ontoloacutegico do complexo substantivo do ser social deve reconhecer a

sociabilidade como substacircncia A sociabilidade como substrato dos homens

seja na forma da alienaccedilatildeo seja na forma de sua latecircncia de substancialidade

em vir-a-ser no caminho infinito de sua realizaccedilatildeo

Trata-se portanto em Marx de estatuto e natildeo sistema pois como

sistema seria um agregado de abstraccedilotildees uma filosofia que uma vez obtidas

noccedilotildees fundamentais passa a se edificar por si ou seja as noccedilotildees seriam

coaacutegulos inteligiacuteveis que passam por auto-sustentaccedilatildeo a configurar

dedutivamente o mundo Ao passo que estatuto eacute uma ordem a legalidade do

ser sensiacutevel - o ser na plenitude de seus atributos

tempo (histoacuteriaprocessoduraccedilatildeomutabilidade) lugar e sensibilidade

especificamente a legalidade do ser social imanente a si em sua especiacutefica

31

objetividade O ser sensiacutevel eacute a forma do ser porque eacute a plenitude das

categorias possiacuteveis

E as formaccedilotildees ideais

Segundo Chasin as formaccedilotildees ideais do mesmo modo que as

formaccedilotildees reais - formas do ser - tecircm lugar e tempo como categorias - o tempo

e o espaccedilo das formaccedilotildees sociais que satildeo engendradas mas estatildeo privadas de

sensibilidade

O sensiacutevel soacute eacute predicaccedilatildeo inerecircncia agrave forma do ser que conteacutem a

plenitude dos predicados possiacuteveis (sensibilidade espaccedilo tempo)

Essa forma de conceber o ser eacute reconhecer substancialidade ao

complexu agrave unidade totalizada ou seja ao conjunto pleno de atributos em ato

Em outras palavras ser eacute complexo categorial - tem a forma de ser -

completude ou forma conferida pelo sensiacutevel que se desdobra em muacuteltiplos

atributos e se condensa de infinitas maneiras no gradiente do ser

Em suma segundo Chasin tomando Marx como base e ponto de

referecircncia permanentes ser eacute plenitude categorial ou seja a plenitude

categorial eacute sua forma e por ser sensiacutevel compreende lugar e tempo

Donde se admitido o princiacutepio metoacutedico de Marx saber eacute saber do ser

que antes de tudo eacute um complexo sensiacutevel - tudo que eacute existe eacute sempre um

complexo natildeo uma substacircncia ou essecircncia pura e cristalina E a cadeia do ser eacute

o conjunto de graus do ser - do menos ao mais complexo

O preceito metodoloacutegico marxiano eacute pois ontoloacutegico sabe-se o que eacute

como se formou se desenvolveu e como depereceraacute

Por via de consequumlecircncia e diante das vicissitudes da histoacuteria da

ontologia de seu processo constitutivo e dissolutor diante da penosa rota da

32

conquista teoacuterica do real homoacuteloga ou equivalente agrave necessidade humana de

produzir a sua mundaneidade e a si mesmo a ontologia eacute o que pode ser - o

que natildeo eacute pouco - a esfera teoacuterica da incerteza propulsora positiva

afirmativamente organizada O patamar do incerto ordenado como plataforma da

busca infinita da certeza Impulsatildeo incontornaacutevel que natildeo pode ser eludida pela

presenccedila imperativa dos circuitos ontopraacuteticos

Talvez agora o estatuto ontoloacutegico marxiano possa ser enunciado do

seguinte modo eacute o estudo das categorias fundamentais - em traccedilos essenciais

abstratos em suas determinaccedilotildees mais gerais - da existecircncia social

historicamente constatada e reconhecida sendo possiacutevel exemplificar com as

seguintes categorias historicidade (processualidade ou mutabilidade)

concreticidade ou objetividade atividade sensiacutevel e ideal (trabalho e

reproduccedilatildeo) subjetividade (receptiva e proponente) valor individualidade

gecircnero (sociabilidade) Tudo isso perfilando o complexo de complexos da auto

realizaccedilatildeo do ser humano-societaacuterio entendido que o fim dos fins eacute a infinitude

da realizaccedilatildeo do humano - do autopor-se do aberto ser humano-societaacuterio

Estatuto que em outros termos eacute a ordem do reconhecimento ou

reproduccedilatildeo teoacuterica da identidade natureza e constituiccedilatildeo das coisas por si por

seus complexos categoriais decisivos independentemente em qualquer plano

de se tornarem objetos de praacutetica ou reflexatildeo

Enquanto tal eacute a teoria do reconhecimento da objetividade histoacuterico-

social imanente em suas distintas formas de apresentaccedilatildeo (natureza e

sociedade) Em termos muito breves eacute o momento mais abstrato do

reconhecimento da identidade das coisas por si enquanto tal um dos momentos

distintos da unidade do saber do qual participa um segundo sob forma

concreta que eacute a ciecircncia

Pela proacutepria natureza histoacuterica processual do ser a ontologia marxiana

natildeo corresponde nem poderia corresponder por simples imperativo de

33

coerecircncia agrave forma de um saber universal plantado sobre uma racionalidade

auto-sustentada ou seja fundado na razatildeo universal nada mais a versatildeo laica

ou profana de Deus no dizer de Feuerbach Ou seja trata-se enfim de uma

forma de ontologia sem parentesco com o saber absoluto e que recusa qualquer

tipo de fundamento especulativo pois absolutizaccedilatildeo de uma teoria da

fundamentaccedilatildeo eacute simplesmente a firmaccedilatildeo especulativa da razatildeo autocircnoma ou

de um princiacutepio de inteligibilidade situado para aleacutem das coisas que garante a

presenccedila e o conhecimento do sagrado e a vitoacuteria antecipada do idealismo Natildeo

correspondendo agrave qualquer forma de saber universal a ontologia marxiana

sustenta a possibilidade efetiva como jaacute vimos de um saber real

Por sua praacutetica teoacuterica e por um conjunto de lineamentos expliacutecitos

Marx deixou o legado de um especiacutefico estatuto ontoloacutegico natildeo um ontologia de

talhe convencional ou tradicional e natildeo apenas por que careceu de tempo

necessaacuterio para a realizaccedilatildeo de uma obra desse tipo mas fundamentalmente

pela distinccedilatildeo de natureza de seu estatuto ontoloacutegico radicalmente oposto ao

tratamento especulativo da mateacuteria

Esse estatuto eacute constituiacutedo a partir do universo praacutetico onticamente

referido ou seja eacute um estatuto ocircntico-ontoloacutegico pois evolve da efetividade

histoacuterica das coisas de suas relaccedilotildees e processos para sua reproduccedilatildeo

conceitual no plano de uma trama categorial em sua expressatildeo mais abstrata

Reconhecimento e Determinaccedilatildeo da Sociabilidade como Substacircncia

Vimos que segundo Chasin enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma

da legalidade do ser social em sua materialidade e espiritualidade[pode-se dizer

tambeacutem em sua objetividade sensiacutevel e supra-sensiacutevel] ou seja enquanto

malha de asserccedilotildees ou determinaccedilotildees de seu complexo categorial a ontologia

34

estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a sociabilidade como substacircncia desse

grau maacuteximo do ser

Embora Chasin natildeo tenha desenvolvido plenamente a questatildeo da

objetividade supra-sensiacutevel como tambeacutem a da sociabilidade como substacircncia

julgo conveniente transcrever tambeacutem algumas notas e comentaacuterios feitos em

sala de aula dada a importacircncia do tema

Em relaccedilatildeo agrave noccedilatildeo de substacircncia Chasin retoma sua noccedilatildeo mais geral

e tradicional Ou seja deixando de fora qualquer conotaccedilatildeo relativa a formas de

idealidade o que existe por si eacute um auto-engendrado a uacuteltima instacircncia de um

dado gecircnero de entificaccedilatildeo enquanto tal na medida em que eacute uma efetividade

eacute um complexo que a noccedilatildeo de substacircncia refere no mais alto grau de

abstraccedilatildeo Vale pois como abstraccedilatildeo razoaacutevel tal como todo conceito

marxiano nesse niacutevel de generalizaccedilatildeo a partir do qual pela via dos processos

de concreccedilatildeo satildeo determinaacuteveis as formas concretas de substacircncia

correspondentes agraves formaccedilotildees sociais reais

Dessa forma a substacircncia eacute um complexo histoacuterico natildeo uma

idealidade natildeo um construto da razatildeo auto-sustentada mas o resumo de uma

extraccedilatildeo justificada

Naturalidade e Sociabilidade

Sempre que se potildee a questatildeo da naturalidade e da sociabilidade essa

uacuteltima tende a ser examinada in statu nascendi ou de um estado original

imaginaacuterio natildeo se parte portanto de fatos pois os desconhecemos se eacute que

35

tenham existido mas de um mito E do mito se quer saltar para o quadro de uma

realidade complexa

Mas acompanhando Marx lembremos das pobres robinsonadas do

seacuteculo XVIII referidas logo agraves primeiras linhas da Introduccedilatildeo de 57 a) O

caccedilador e o pescador individuais e isolados de que partem Smith e Ricardo b)

o contrat social de Rousseau que relaciona e liga sujeitos independentes por

natureza por meio de um contrato Essas robinsonadas natildeo repousam sobre

(o) naturalismo E a argumentaccedilatildeo prossegue Trata-se ao contraacuterio de uma

antecipaccedilatildeo da sociedade (buumlrgelichen Gesellschaft) que se preparava desde

o seacuteculo XVI e no seacuteculo XVIII deu larguiacutessimos passos em direccedilatildeo agrave sua

maturidade Nesta sociedade da livre concorrecircncia o indiviacuteduo aparece

desprendido dos laccedilos naturais que em eacutepocas histoacutericas remotas fizeram dele

um acessoacuterio de um conglomerado humano limitado e determinado Os profetas

do seacuteculo XVIII sobre cujos ombros se apoacuteiam inteiramente Smith e Ricardo

imaginam o indiviacuteduo do seacuteculo XVIII como um ideal que teria existido no

passado Vecircem-no natildeo como um resultado histoacuterico mas como ponto de partida

da Histoacuteria porque o consideram como um indiviacuteduo conforme agrave natureza -

dentro da representaccedilatildeo que tinham da natureza humana - que natildeo se originou

historicamente mas foi posto como tal pela natureza[xvii]

Segundo Chasin tomando Marx novamente como ponto de referecircncia

os equiacutevocos que aparecem ao se tratar a relaccedilatildeo naturalidade sociabilidade

satildeo os seguintes

1) procurar deduzir em graus diferentes em cada caso o ser social do

natural esquecendo que se trata da emergecircncia do novo de uma configuraccedilatildeo

ontoloacutegica nova e que o novo nunca eacute um simples desdobramento do estaacutegio

anterior no caso - do grau de ser antecedente ou seja que entre os dois niacuteveis

ocorre o que se chama de salto um intervalo em que a potecircncia causal do

antecedente natildeo conteacutem a capacidade a potecircncia ou a potencialidade para

gerar o novo Um intervalo que fica assim indeterminado

36

2) o procedimento acima abre para a mera especulaccedilatildeo pois tende a

deduzir a indeterminaccedilatildeo a querer estabelecer nexos onde eles inexistem

tende a preencher o que de fato eacute um vazio A rigor natildeo se trata de um natildeo-

sabido mas da ausecircncia factual de um objeto ou processo em outros termos

se trata de um vazio ontoloacutegico de uma ausecircncia de nexos ontoloacutegicos

O correto segundo o modus operandi marxiano natildeo eacute partir da semente

ou do embriatildeo mas do complexo real maturado uma vez que

especialiacutessimamente na esfera social a loacutegica do gerado eacute diversa da loacutegica de

sua gecircnese aleacutem de que nesse acircmbito as entificaccedilotildees configuradas apagam a

rota e a loacutegica de sua formaccedilatildeo

Desse modo partindo do jaacute configurado e considerando que se trata de

uma configuraccedilatildeo infinita que compreende mutaccedilotildees qualitativas muito

importantes e natildeo esquecendo que permanecemos no estaacutegio preacute-histoacuterico (em

momento especialmente desequilibrado e contraditoacuterio) podemos e devemos

reconhecer por meio de algumas abstraccedilotildees razoaacuteveis o seguinte

1) A formaccedilatildeo do ser social eacute um processo da animalidade agrave

hominidade o andamento da naturalidade agrave sociabilidade o caminho infinito da

naturalidade dada agrave sociabilidade natildeo-dada em produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

perenes

2)Trata-se pois de uma entificaccedilatildeo processual entre dois niacuteveis ou

poacutelos da escala do ser sendo processo eacute intrinsecamente uma contradiccedilatildeo e soacute

enquanto tal se move eliminada a contradiccedilatildeo cessaria a possibilidade do

processo Com isso eacute dito algo muito importante pois ao reconhecer a

contraditoriedade entre naturalidade e sociabilidade natildeo eacute mais possiacutevel pensar

as mesmas a propoacutesito do ser social como um simples conjugado de fatores

mas obrigatoriamente como uma conjugaccedilatildeo contraditoacuteria de legalidades Isso

vai na esteira do que eacute compreendido desde Hegel - que o ser eacute uma unidade

contraditoacuteria - todavia com o acreacutescimo do problema da dupla legalidade De

37

que modo ou feiccedilatildeo chega cada uma delas agrave unidade contraditoacuteria do ser Pois

haacute que pensar na unidade ou siacutentese a natildeo ser que se queira desenhar o ser

social como uma aberraccedilatildeo hiacutebrida pode ser esta a fisionomia do grau mais

elevado do gradiente dos seres Assim tomada na devida consideraccedilatildeo essa

determinaccedilatildeo ontoloacutegica sem a qual a reflexatildeo perde o rumo trata-se de

compreender a dinacircmica especiacutefica dessa contradiccedilatildeo peculiar Vejamos

3) Em primeiro lugar esse processo contraditoacuterio gera novas

contradiccedilotildees agora dominantemente contradiccedilotildees da sociabilidade em

formaccedilatildeo de sorte que se trata de um processo cumulativo de

contraditoriedades no qual as novas contradiccedilotildees progressivamente vatildeo

tomando o lugar predominante e decisivo vale dizer a contradiccedilatildeo originaacuteria

cada vez mais coabita com contradiccedilotildees de outro gecircnero diante das quais sua

presenccedila vai mudando de forccedila e configuraccedilatildeo natildeo desaparece mas sua

qualidade vai mudando na proporccedilatildeo mesmo do desenvolvimento da

apropriaccedilatildeo societaacuteria da natureza cada vez mais puramente social - eacute no que

consiste de acordo com as palavras de Marx o progressivo afastamento das

barreiras naturais

4) Ou seja a matriz e a medida do afastamento eacute a forma cada vez

mais social de produzir e reproduzir as bases materiais da vida pela qual eacute

gerado o novo ser em direccedilatildeo agrave sua potecircncia ampliada de se auto-por de ir em

direccedilatildeo a si mesmo um si mesmo que natildeo eacute dado mas gerado na progressatildeo

da auto-posiccedilatildeo do auto-assentamento ou da auto-enformaccedilatildeo que inclui a

proacutepria daccedilatildeo de forma e resoluccedilatildeo ao predicado natural ou bioloacutegico daccedilatildeo de

forma que em suma eacute daccedilatildeo de forma social ao predicado natural

5) Essa possibilidade de daccedilatildeo de forma eacute afirmaccedilatildeo e realizaccedilatildeo da

essecircncia social que eacute o conjunto de relaccedilotildees sociais configuradas em cada

momento pelo modo de produzir da base material modo por sua vez que eacute

determinado pelo desenvolvimento das forccedilas produtivas entre as quais figura o

proacuteprio modo de organizaccedilatildeo do conjunto das relaccedilotildees sociais

38

6) Daccedilatildeo de forma eacute alteraccedilatildeo do lugar resolutivo e todo ente que muda

de lugar muda de natureza sem alterar uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo material

Vale dizer que a contradiccedilatildeo originaacuteria entre naturalidade e sociabilidade eacute

resolvida por uma nova contradiccedilatildeo - a da naturalidade que soacute se realiza na

forma e por meios sociais - no afastamento que eacute superaccedilatildeo da naturalidade

(processo histoacuterico) a legalidade natural eacute submetida agrave legalidade social

(diferentemente em cada modo de produccedilatildeo e de acordo com o

desenvolvimento das forccedilas produtivas) o fator natural natildeo eacute suprimido

suprimida eacute sua capacidade de autodeterminaccedilatildeo resta portanto

simplesmente o que natildeo eacute pouco como um predicado do ser humano um

predicado insuprimiacutevel mas apenas como predicado bioloacutegico de um ser de

outra natureza e essecircncia A naturalidade eacute retida como predicado

imprescindiacutevel mas natildeo como essecircncia Donde natildeo satildeo mais duas legalidades

ontoloacutegicas que coexistem mas a legalidade superior mais complexa subsume

a legalidade natural que natildeo mais se autodetermina mas eacute resolvida pela e do

interior da outra Assim o predicado natural do homem recebe forma e

resoluccedilatildeo sociais ou seja o predicado natural eacute subsumido agrave legalidade social

Natildeo resta mais o choque de duas legalidades contrapostas na

contradiccedilatildeo originaacuteria A legalidade natural vai sucumbindo na ruptura e

progressivamente agrave legalidade social em sua efetividade no ser social a

legalidade natural natildeo mais atua por si eacute dependente do social natildeo eacute mais a

legalidade de um ser pois natildeo haacute mais aiacute um ser natural mas um atributo

natural dependente da essecircncia social O homem eacute um ser social que

compreende sua essecircncia especiacutefica (variaacutevel) suas contingecircncias e seu

predicado bioloacutegico Na entificaccedilatildeo do ser social uacuteltimo grau da cadeia do ser a

legalidade natural eacute subalternizada agrave social por mais ruacutestica e restrita que seja a

essecircncia social primitiva e por mais precaacuteria que seja essa subalternizaccedilatildeo de

iniacutecio O processo de afastamento das barreiras naturais eacute assim o curso dessa

subalternizaccedilatildeo que desponta no iniacutecio na ruptura com a legalidade natural e

por mais longo e contraditoacuterio em avanccedilos e recuos que seja esse processo

39

7) de outra parte a loacutegica do predicado bioloacutegico natildeo soluciona natildeo

tem resposta para o complexo problemaacutetico da sociabilidade enquanto que esta

daacute soluccedilatildeo aos imperativos daquela Como diz Marx nos Manuscritos de 44 o

homem contempla a natureza e a si mesmo com um produto social [dos homens

interativos] com pleno direito mesmo que natildeo com elevada consciecircncia ou altos

valores

8) Donde a foacutermula lukaacutecsiana da dupla base eacute falsa pois a plataforma

eacute a sociabilidade enquanto a naturalidade eacute apenas o insuprimiacutevel predicado

bioloacutegico que passa a vigir na forma e sob a regecircncia da sociabilidade Natildeo

perde por isso uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo orgacircnica mas na sua efetividade

muda de caraacuteter No interiro da esfera societaacuteria o predicado bioloacutegico eacute um

outro de si Se originariamente foi o ponto de partida agora eacute produzido e

reproduzido pela legalidade de um ser que o ultrapassa e o domina vive e soacute

pode viver na subjugaccedilatildeo de um novo estatuto Ou seja ao integrar como

predicado o ser de niacutevel mais elevado realiza a sua maacutexima potecircncia e isso eacute

ao mesmo tempo sua desnaturalizaccedilatildeo ou perecimento Impereciacutevel como

predicado natildeo eacute base pois determina soacute por seus limites pelas carecircncias natildeo

pelas determinaccedilotildees resolutivas nem mesmo em suas forccedilas e sentidos pois

enquanto virtualidades estas soacute satildeo humanas e superiores em resoluccedilatildeo

societaacuteria Ademais natildeo eacute nunca um criador de novas necessidades o que

caracteriza a legalidade social

9) A argumentaccedilatildeo acima diz respeito diretamente ao ser social em sua

configuraccedilatildeo bipolar (indiviacuteduo e gecircnero) e desenvolvida em especial no poacutelo da

individualidade tendo por esteio o andamento do gecircnero e ao falar deste se diz

do seu metabolismo com a natureza Esse metabolismo fundamental que eacute em

suma a atividade vital do homem ao gerar produtos sociais

(utilidadesmercadorias) sem que se possa transpor a estes as mesmas

determinaccedilotildees que foram feitas para o ser social desde logo satildeo entes sociais

mas em outro grau da escala do ser social mas tambeacutem tecircm mudada a sua

natureza de naturais a utilidades (e na forma da alienaccedilatildeofetichismo as

40

mercadorias) de sorte que a apropriaccedilatildeo da natureza eacute igualmente sua

desnaturalizaccedilatildeo eacute forccedilaacute-las a deixar de ser o que satildeo em sua peculiaridade

para se tornarem um outro de si sob a regecircncia do estatuto societaacuterio Isso eacute a

manifestaccedilatildeo do poder e da superioridade do grau maacuteximo do ser Nenhum

outro ser realiza qualquer coisa semelhante nem longinquumlamente Repetindo

Kant e Hegel Marx tinha toda razatildeo quando disse que haacute mais grandeza e

misteacuterio na cabeccedila de um becircbado do que no conjunto do universo

10) a Sociabilidade imperfeita substacircncia ainda natildeo realizada enquanto

tal ou seja ainda incapaz de autonomia como complexo estruturado conduz agrave

poliacutetica Natildeo compreendida como substacircncia mas como simples organizaccedilatildeo

potildee o homem no outro poacutelo na dicotomia homemsociedade ou seja na

representaccedilatildeo socioloacutegica ou politoloacutegica o homem eacute um outro

Determinada ou compreendida como substacircncia eacute substacircncia humana

(perfeita e imperfeita com todas as grandezas e miseacuterias produzidas

modificadas suprimidas e repostas no curso histoacuterico) eacute a essecircncia mutante do

ser auto-engendrado e enquanto mutante e por ser mutante distinta tambeacutem

por essa mutabilidade do predicado bioloacutegico atemporalmente necessaacuterio mas

sempre e progressivamente insuficiente do ser social

O tomo IV do primeiro nuacutemero da Revista Ensaios Ad Hominem eacute

composto de seis artigos - aleacutem do texto de abertura de autoria de J Chasin -

que resultaram de siacutenteses ou modificaccedilatildeo de partes ou capiacutetulos de

dissertaccedilotildees defendidas entre os anos de 1998 e 1999 junto ao Programa de

Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia da UFMG

41

O artigo que abre a presente coletacircnea intitulado A Razatildeo como

Tribunal da Criacutetica Marx e A Gazeta Renana de autoria de Celso Eidt versa

sobre a concepccedilatildeo do jovem Marx sobre o papel da imprensa natildeo apenas como

o locus privilegiado para o debate filosoacutefico mas fundamentalmente para os

processos educativos tendo em vista a realizaccedilatildeo plena da liberdade humana Eacute

bom ressaltar que no periacuteodo em que tais artigos satildeo redigidos Marx

compartilha de uma visatildeo antropoloacutegica racional em que a natureza humana eacute

concebida como espiacuterito livre e racional enquanto esteio da proacutepria vida eacutetica

ou seja da praacutetica humana fundada na razatildeo universal

Ana Selva Albinati autora do artigo A Determinaccedilatildeo dos Valores

Morais nos textos de Marx de 1841 a 1847 se debruccedila justamente sobre tal

campo de reflexatildeo Seu trabalho eacute uma tentativa de sistematizaccedilatildeo das

consideraccedilotildees sobre os valores morais nos textos do periacuteodo que se inicia com

sua tese doutoral Diferenccedilas entre as Filosofias da Natureza de Demoacutecrito e

Epicuro prosseguindo ateacute A Miseacuteria da Filosofia Ana Selva procura demonstrar

que esse periacuteodo normalmente referido como sendo o da juventude de Marx eacute

na verdade constituiacutedo de dois momentos de sua elaboraccedilatildeo teoacuterica que tem

como momento de clivagem a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel de meados

de 1843 em que Marx rompe com o referencial teoacuterico do idealismo alematildeo Em

relaccedilatildeo agraves determinaccedilotildees sobre a moral essa ruptura se reflete na inflexatildeo

radical que diferencia a compreensatildeo da moralidade no primeiro e segundo

momentos de tal forma que a moralidade passa a ser compreendida como um

dos modos da consciecircncia socialmente determinada concepccedilatildeo completamente

distinta da primeira fase em que os valores morais eram compreendidos como

expressotildees da liberdade e da racionalidade humanas idealmente concebidas

No artigo A criacutetica da Especulaccedilatildeo nas Glosas de Kreuznach Milney

Chasin analisa o momento inicial e ao mesmo tempo decisivo da ruptura que

se verifica entre Marx e Hegel no plano das determinaccedilotildees do ser Desse modo

a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel inaugura a criacutetica marxiana da

especulaccedilatildeo no seu cerne o de rejeitar o procedimento especulativo

42

caracteriacutestico de se provir tudo da ideacuteia real de tornaacute-la sujeito isto eacute de

capacitar a abstraccedilatildeo ou conceito automovido - a partir das metamorfoses

hegelianas - de pocircr o multiverso sensiacutevel Em outros termos Milney Chasin no

referido artigo evidencia como a criacutetica da especulaccedilatildeo permite a Marx

ultrapassar os horizontes do idealismo alematildeo na direccedilatildeo do devido

reconhecimento da distinccedilatildeo entre ser e pensar de caracterizar a impropriedade

ontoloacutegica da loacutegica hegeliana de apurar os limites gnosioloacutegicos e

incongruecircncias de toda ordem Em suma permite o desvelamento da substacircncia

miacutestica oferecendo a explicitaccedilatildeo do meacutetodo hegeliano - das diabruras do

conceito autoposto - que articula abstraccedilotildees e finitude restando a esta a mera

condiccedilatildeo de apecircndice dissolvido isto eacute momento virtual da realizaccedilatildeo da

idealidade

O quarto artigo desta coletacircnea intitulado A Exteriorizaccedilatildeo da Vida nos

Manuscritos de 44 eacute parte da dissertaccedilatildeo de mestrado As Categorias

Lebensaumlusserung Entaumlusserung Entfremdung e Veraumlusserung nos Manuscritos

Economico-Filosoacuteficos de Karl Marxdefendida por Mocircnica H M da Costa em

que o interesse era acima de tudo averiguar se alienaccedilatildeo (Entaumlusserung) e

estranhamento (Entfremdung) teriam significados distintos A pesquisa acabou

opor apontar no entanto uma outra categoria como eixo desses manuscritos

Lebensaumlusserung traduzida por exteriorizaccedilatildeo da vida De fato o fio condutor

dos Manuscritos eacute a centralidade do trabalho na produccedilatildeo material e espiritual

da vida humana Tomando para anaacutelise criacutetica pela primeira vez os

economistas claacutessicos Marx explicita sua proacutepria compreensatildeo da forma

peculiar de engendramento da existecircncia do homem A criacutetica a Hegel completa

o quadro desta tematizaccedilatildeo que natildeo seraacute abandonada ateacute os uacuteltimos trabalhos

de Marx

Sabina Maura Silva no artigo A Fenomenologia do Egoiacutesmo Stirner e a

Criacutetica Marxiana tem como objetivo fundamental apresentar a concepccedilatildeo de

homem presente na obra O Uacutenico e Sua Propriedade de autoria do filoacutesofo

neohegeliano Max Stirner e expor a criacutetica de Marx a este autor contida em A

43

Ideologia Alematilde A autora mostra que para Stirner o Eu tomado como

individualidade singular eacute o fundamento de sua esfera existencial No entanto

para esse autor tudo tem determinado a existecircncia dos indiviacuteduos natildeo tendo

sido permitido a eles determinaacute-la O objetivo de Stirner eacute pois remeter ao

indiviacuteduo - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel - o que dele foi alienado e erigido

como algo autocircnomo Por seu turno a criacutetica de Marx tem como fim explicitar o

caraacuteter especulativo da anaacutelise stirneana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo

bem como salientar o aspecto pseudorevolucionaacuterio de suas proposituras

Assim segundo Marx Stirner tatildeo somente interpreta diferentemente o

existente isto eacute reconhece o existente mediante outra

interpretaccedilatildeoTransformando as contradiccedilotildees objetivas em contradiccedilotildees

subjetivas Stirner conserva e justifica as condiccedilotildees e estruturas efetivas que

esmagam e impedem a autodeterminaccedilatildeo das individualidades ao reconhecer

as circunstacircncias como determinaccedilotildees dos indiviacuteduos Acolhendo acriacutetica e

especulativamente em suas feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees

estranhadas de um momento histoacuterico particular da individuaccedilatildeo humana

Stirner erige como individualidade um ente que empobrecido e constrangido

pelas condiccedilotildees objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade

social pode somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria

sobre si e sobre o mundo

O uacuteltimo artigo do tomo IV da Revista Ensaios Ad Hominem eacute de

autoria de Antocircnio Joseacute Lopes Alves e leva o tiacutetulo de A Individualidade

Moderna nos Grundrisse Neste texto o autor procura demonstrar que a

moderna sociabilidade do capital eacute compreendida por Marx como forma

instaurada a partir da dissoluccedilatildeo dos liames sociais que uniam em tempos

anteriores os indiviacuteduos agrave comunidade Aleacutem disso destaca o fato apontado por

Marx de que tal processo se constitui numa verdadeira reconversatildeo ontoloacutegica

tanto dos indiviacuteduos quanto das condiccedilotildees da atividade vital ocorrendo uma

radical transformaccedilatildeo na forma de ser de ambos Sinteticamente trata-se de

reconfiguraccedilatildeo ontoloacutegica que determina como entes autocircnomos os indiviacuteduos

44

de um lado e as condiccedilotildees de trabalho de outro vale dizer do divoacutercio entre os

indiviacuteduos ativos e as condiccedilotildees de sua atividade Antocircnio Lopes buscou em

suma alinhar as determinaccedilotildees mais essenciais dos indiviacuteduos e da

sociablidade modernos no que respeita agrave forma mesma das relaccedilotildees sociais da

atividade sensiacutevel bem como da respectiva expressatildeo ideal como por exemplo

a configuraccedilatildeo das categorias da igualdade e liberdade

O leitor encontraraacute nas paacuteginas que se seguem o resultado do esforccedilo

de pesquisa voltado ao resgate da obra marxiana caracterizado pela busca do

rigor na leitura e interpretaccedilatildeo do pensamento de um autor cuja heranccedila

intelectual conheceu um destino traacutegico Natildeo eacute faacutecil portanto voltar-se a ela

sem os preconceitos da moda - como jaacute havia advertido Lukaacutecs Natildeo posso

afirmar com total certeza que um intento dessa natureza tenha sido plenamente

alcanccedilado Todavia eacute faacutecil perceber as diferenccedilas desse tipo de produccedilatildeo teoacuterica

com aquela apresentada tanto pelo marxismo adstringido e suas dissidecircncias

como pelo marxismo vulgar para utilizar as expressotildees cunhadas por Chasin no

intuito de designar as duas variantes de interpretaccedilatildeo da obra marxiana

Faccedilo aqui ao leitor interessado o convite para participar dessa

avaliaccedilatildeo

[1] Professora do Departamento de Filosofia da UFMG coordenadora

do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e Estudos Confluentes

45

[i] J CHASIN Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in

Teixeira FJS Pensando com Marx Editora Ensaio Satildeo Paulo 1995

[ii] K MARX amp F ENGELS A Sagrada Famiacutelia Ed Grijalbo trad

Wenceslao Roces Meacutexico DF 1960 p 120

[iii] Ver a respeito J CHASIN Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo

Metodoloacutegica opcit

[iv] J CHASIN O Futuro Ausente in Ensaios Ad Hominem 1 tomo III

Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem Satildeo Paulo 2000 p 166

[v] Ib p 167

[vi] Id

[vii] E CASSIRER A Filosofia do Iluminismo Editora da Unicamp

Campinas 1992 p 11

[viii] G LUKAacuteCS La Riproduzionein Per lOntologia delle Essere

Sociale Roma Editori Riuniti tomo II 1981 pp 180-81

[ix] N HARTMANN Ontologia Fondo de Cultura Econoacutemica Meacutexico D

F vol 1 1986

[x] K MARX O Capital vol I Ediccedilatildeo Abril Cultural Satildeo Paulo p 149

[xi] Id

[xii] Ib p 150

[xiii] (a respeito dessas categorias ver N HARTMANN Ontologia op cit

vol I p XII

46

47

[xiv] No original alematildeo in der Form des Seins Dietz Verlag 1971 p

195

[xv] Ib p 151

[xvi] Ver a respeito em J CHASIN Marx-Estatuto Ontoloacutegico e

Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica op cit

[xvii] K MARX op Cit p 126

Page 21: :: Verinotio - Revista On-line de Educao e Cincias Humanas · O leitor encontrará, portanto, nessa Apresentação o fruto de trabalho de coleta e organização de materiais utilizados

De um lado a compreensatildeo da forma de ser enquanto verbo como

pura significaccedilatildeo verbal de existir de estar presente enquanto significaccedilatildeo de

ato ou presenccedila o verbo eacute forma simples e vazia de conteuacutedo pois reduzida ao

predicado mais geral e comum das coisas denota apenas sua existecircncia De

outro lado ocorre o mesmo problema com o substantivo ser - ens - pois redunda

em essecircncia imutaacutevel Em outras palavras na histoacuteria da filosofia nesses dois

caminhos houve de longa data polecircmica sobre o que existe em que plano se daacute

a existecircncia e assim por diante No caso do ser como verbo o ser eacute muito

parcamente categorial reduzido agrave presenccedila no tempo e no espaccedilo soacute possui o

predicado abstrato da existecircncia no caso do substantivo tomado sem o ato de

existir se converte em complexo de propriedades ou entidades perenes

A resoluccedilatildeo para tal questatildeo reside segundo Chasin em tomar o ser

enquanto complexo categorial daquilo que eacute como ente que existe Nesse

sentido o desvendamento tem ecircxito maior como mostra a ciecircncia que toma

para anaacutelise formas mais complicadas e replenas de conteuacutedo vale dizer uma

vez que tem por alvo o ser por sua efetividade e determinado por suas

qualidades natildeo apenas pelo reconhecimento de sua presenccedila mas pelo seu

complexo categorial

Ora arremata Chasin a forma sensiacutevel do ente compreende o ens e o

esse ou seja a plena riqueza do complexo categorial

- Loacutegica e Ciecircncia

Neste item Chasin defende a tese de que na medida em que

pretendeu e pretenda ser uma disciplina ou ciecircncia de chegada isto eacute

21

conclusiva autocircnoma e sistemaacutetica a ontologia acaba por ser transmutada em

loacutegica ou ciecircncia

Talvez possa ser dito que nas ontologias onde predomine

unilateralmente o ser como verbo ou o ente como essecircncia terminem por ser

uma loacutegica que de alguma forma acaba por ter a pretensatildeo de constituir o ser

a loacutegica eacute entatildeo o segredo uacuteltimo do ser ou sua base cognitiva e por essa via

sua base ontoloacutegica - que assim nega a ontologia ou seja o reconhecimento do

ser por si

De outra parte predominando o ser como substantivo o fim da

ontologia acaba por ser uma forma de ciecircncia ou seja a ontologia eacute novamente

negada como ocorreu com a ciecircncia moderna donde sua pretendida auto-

suficiecircncia que apenas admite por fundamento uma forma qualquer de

gnosiologia isto eacute uma forma a priori da operatividade subjetiva

desaparecendo assim a regecircncia do objeto o que ao contraacuterio caracteriza o

espiacuterito e o propoacutesito ontoloacutegicos ou seja o reconhecimento do ente enquanto

ente o oacuten qua oacuten ou ser por si

Em suma a ontologia quando centrada no ser como verbo rarefeita

pelo vazio de sua forma termina por ser loacutegica por outro lado quando centrada

no ser como substantivo agraves voltas com gecircneros formados por complexos

qualitativos termina por se constituir em ciecircncia particular e autocircnoma Assim

ao pretender ser tudo concludente sistemaacutetica e independente por sua forma

mais vazia ou por suas categorias abstratas e perenes a ontologia acaba por

ser negada pela loacutegica ou pela ciecircncia Pretendendo ser tudo acaba por

desaparecer

Ora ao tomar o ser como verbo a ontologia tem de compreender que

natildeo pode ser mais do que a anatomia de uma propriedade do ser - de sua

propriedade mais geral e vazia - a propriedade de sua presenccedila enquanto corpo

real ausente ou presenccedila de um complexo categorial abstraiacutedo O ser aqui eacute

22

reduzido agrave forma mais vazia a simples propriedade de um todo que escapa

completamente agrave sua jurisdiccedilatildeo Donde seu desenlace em loacutegica

De outra parte quando o ser eacute tomado em sua denotaccedilatildeo substantiva

ou seja na multiplicidade de suas propriedades qualitativas em interconexatildeo

especiacutefica transborda em ciecircncia na medida em que a ontologia pretenda a

condiccedilatildeo de disciplina ou ciecircncia sistemaacutetica

Donde a impossibilidade de a ontologia ficar adstrita agrave forma do verbo

nem se realizar como dilucidaccedilatildeo concreta do substantivo Assim deve-se

reconhecer que a ontologia natildeo pode se realizar em nenhum desses dois poacutelos

nem simples tematizaccedilatildeo do ato geneacuterico da presenccedila - que redundaria em

simples compoacutesito tautoloacutegico nem tematizaccedilatildeo do ser substantivo concreto

pois aiacute se desnaturaria em ciecircncia especiacutefica

Conclusivamente a ontologia nem eacute simples tautologia do ser em ato

nem efetivaccedilatildeo cientiacutefico-concreta do desvendamento do ser como substantivo

Enquanto tal a ontologia eacute uma realizaccedilatildeo necessaacuteria no espaccedilo que antecede

aqueles dois poacutelos em verdade a plataforma que leva da constataccedilatildeo mais

abstrata do ser (tanto como substantivo quanto verbo) agrave sua reproduccedilatildeo

cientiacutefica como substantivo Enquanto tal eacute um estatuto - uma filosofia primeira

o cacircnon da legalidade do ser matrizado pelos traccedilos ou vetores categoriais

fundamentais do ser por si que matriza a cientificidade tanto em sua forma mais

abstrata - loacutegica - quanto em sua forma mais concreta - ciecircncia

O problema fundamental da filosofia primeira - philosophia prima - eacute o

problema das categorias mais gerais do ser aiacute incluso o ato de ser donde em

sua plenitude o ato sensiacutevel de ser - ens e esse o ens essendi complexo

categorial pleno no ato de existir

Essa plataforma estatutaacuteria natildeo eacute uma disciplina situada entre outras

disciplinas entre a loacutegica e a ciecircncia como um campo intermediaacuterio entre o

verbo e o substantivo entre a maacutexima abstratividade e a efetividade concreta

23

Essa distribuiccedilatildeo topograacutefica confere agrave abstraccedilatildeo a condiccedilatildeo de fundaccedilatildeo

(determinaccedilatildeo originaacuteriaontoloacutegica) e fundamento (ponto de partida

epistemoloacutegico) Se assim fosse perderia a condiccedilatildeo de filosofia primeira

Enquanto filosofia primeira eacute o reconhecimento do substantivo verbal

do substantivo que eacute do ens essendi natildeo de uma substantividade qualquer em

abstrato mas da substantividade que existe por todas as modalidades

categoriais isto eacute reais (sensiacuteveis) natildeo apenas um substantivo pensado que

dependeria para ser do pensamento mas do substantivo que eacute por-si

independentemente se ser pensado o que requer o complexo categorial

da sensibilidade por isso eacute que soacute eacute ser o ser sensiacutevel Vale dizer o ser como

verbo eacute resultado do ser substantivo soacute um sujeito (em suas diversas formas na

cadeia do ser) eacute (soacute um sujeito existe eacute faz sente pensa etc de acordo com

seu grau na cadeia do ser)

A ontologia do puro verbo ser ou das puras essecircncias (complexo

categorial abstrativante e eterno) eacute a autonomizaccedilatildeo das categorias ou da

existecircncia em relaccedilatildeo ao ser e existir reais agraves formas reais de ser e existir satildeo

as categorias e a existecircncia sem corpo ou sujeito mais do que isso satildeo as

categorias (essecircncia) e existecircncia em geral universal e abstrata tornadas

sujeito a essecircncia ou a existecircncia abstratas personificadas - e isso satildeo

puramente figuras do pensamento o que jaacute eacute especulaccedilatildeo natildeo ontologia

Marx agrave semelhanccedila de Feuerbach soacute admite como ente ou melhor

como entificaccedilatildeo o ens essendi - o ente sendo o ente no ato de ser o ente

revestido de existecircncia atual - objetivo o ente no exerciacutecio da accedilatildeo ou ato de

ser eacute portanto um ente existente ou seja o ente que estaacute sendo o ente no ato

de existir

Donde do mesmo modo que em Feuerbach o ser eacute inseparaacutevel de sua

existecircncia Ser e existir constituem uma unidade indissoluacutevel complexo

24

categorial no ato de ser pela atualizaccedilatildeo do complexo categorial essecircncia

determinada e mutaacutevel na mutabilidade de ser e ir sendo (essendi)

Eacute chegada a hora depois desta etapa analiacutetica de vislumbrar qual eacute o

cenaacuterio em Marx que esse conjunto de questotildees se coloca Com esse objetivo e

como eacute tiacutepico de seu procedimento investigativo junto aos textos daquele autor

Chasin toma para anaacutelise o item 1 O Processo de Trabalho do capiacutetulo V de O

Capital Nele pode-se identificar em primeiro lugar a natureza geral (universal)

da atualizaccedilatildeo da forccedila de trabalho que se encontra em potecircncia nos indiviacuteduos

A produccedilatildeo de valores de uso ou bens natildeo muda sua natureza geral por se

realizar para o capitalista e sob seu controle Por isso o processo de trabalho

deve ser considerado de iniacutecio independentemente de qualquer forma social

determinada[x]

Por que o processo de trabalho deve ser considerado de iniacutecio

independentemente de qualquer forma social determinada indaga Chasin A

resposta eacute formulada em estilo direto Para natildeo ser perdida a natureza do

trabalho sua positividade enquanto atividade humana vital

Tem-se nessa passagem segundo Chasin um exemplo do exerciacutecio

de uma ontologia estatutaacuteria - a positividade (sua efetividade ou operosidade)

universal do trabalho enquanto atributo vital e inalienaacutevel do homem

independentemente de suas formas concretas que se apresentam na forma do

trabalho alienado

Eacute a determinaccedilatildeo universal do trabalho o traccedilo de sua legalidade

uacuteltima sua determinaccedilatildeo mais geral e essencial dimensatildeo que natildeo desaparece

nem mesmo sob suas formas concretas mais negativas

A ontologia estatutaacuteria registra o traccedilo ou rastro dessa dimensatildeo

permanente que atravessa as formas concretas em sua efetividade contraditoacuteria

e especialmente desfavoraacutevel para o homem enquanto maioria subjugada ao

longo de toda a preacute-histoacuteria da humanidade

25

Permanente mas permanente processual mutaacutevel diversamente

positivo quantitativa e qualitativamente em cada uma das formas concretas em

que o trabalho aparece nas configuraccedilotildees sociais determinadas

Nesse sentido abstratamente permanente abstratamente positivo mas

onde essa abstratividade natildeo corresponde a uma simples determinaccedilatildeo

conceitual Corresponde a uma efetividade em sua figura proacutepria em cada forma

social determinada

Agrave ontologia estatutaacuteria compete o reconhecimento dessa dimensatildeo mais

geral base para a decifraccedilatildeo cientiacutefica concreta dos casos efetivos que por sua

vez confirmam ou natildeo criticamente a determinaccedilatildeo mais geral ontoloacutegica Natildeo

haacute portanto um abismo separando ontologia de ciecircncia mas a continuidade de

momentos distintos de uma mesma unidade de conhecimento que interagem e

se medem reciprocamente se apoacuteiam estimulam e criticam um infinito processo

constitutivo das certezas

Continuando a anaacutelise do texto marxiano tem-se a descriccedilatildeo do

trabalho e o reconhecimento analiacutetico de sua natureza Antes de tudo [aqui

Chasin faz uma pequena observaccedilatildeo assinalando ou seja na raiz em seu

fundamento diria uma linguagem mais convencional e ciosa de suas

pretendidas atribuiccedilotildees] o trabalho eacute um processo entre o homem e a

natureza um processo em que o homem por sua proacutepria accedilatildeo medeia regula

controla seu metabolismo com a natureza Ele mesmo se defronta com a

mateacuteria natural Ele potildee em movimento as forccedilas naturais pertencentes agrave sua

corporalidade braccedilos e pernas cabeccedila e matildeo a fim de se apropriar da mateacuteria

natural numa forma uacutetil para a sua proacutepria vida Ao atuar por meio desse

movimento sobre a natureza externa a ele e ao modificaacute-la ele modifica ao

mesmo tempo sua proacutepria natureza Ele desenvolve as potecircncias nela

adormecidas e sujeita o jogo de suas forccedilas a seu proacuteprio domiacutenio[xi]

26

Observe-se que diz Chasin ao trabalhar ao mudar a forma da

natureza ao construir sua proacutepria mundaneidade o homem ele proacuteprio por

meio de seu proacuteprio trabalho transforma a sua proacutepria natureza Ou seja de ser

natural para social eis um novo exemplo de lineamento reconhecido e recolhido

agrave ontologia estatutaacuteria

Prosseguindo na especificaccedilatildeo Marx afirmaPressupomos o trabalho

numa forma que pertence exclusivamente ao homem Uma aranha executa

operaccedilotildees semelhantes agraves do tecelatildeo e a abelha envergonha mais de um

arquiteto humano com a construccedilatildeo dos favos de suas colmeacuteias Mas o que

distingue de antematildeo o pior arquiteto da melhor abelha eacute que ele construiu o

favo em sua cabeccedila antes de construiacute-lo em cera No fim do processo de

trabalho obteacutem-se um resultado que jaacute no iniacutecio deste existiu na imaginaccedilatildeo do

trabalhador e portanto idealmente Ele natildeo apenas efetua uma transformaccedilatildeo

da forma da mateacuteria natural realiza ao mesmo tempo na mateacuteria natural seu

objetivo que ele sabe que determina como lei a espeacutecie e o modo de sua

atividade e ao qual tem de subordina sua vontade E essa subordinaccedilatildeo natildeo eacute

um ato isolado Aleacutem do esforccedilo dos oacutergatildeos que trabalham eacute exigida a vontade

orientada a um fim que se manifesta como atenccedilatildeo durante todo o tempo de

trabalho e isso tanto mais quanto menos esse trabalho pelo proacuteprio conteuacutedo e

pela espeacutecie modo de sua execuccedilatildeo atrai o trabalhador portanto quanto

menos ele o aproveita como jogo de suas proacuteprias forccedilas fiacutesicas e espirituais[xii]

Chasin chama atenccedilatildeo para as seguintes observaccedilotildees

1) a preacutevia-ideaccedilatildeo do resultado (do fim) a existecircncia ideal do mesmo

na imaginaccedilatildeo donde o objeto ou um complexo categorial in mente e ante

res[xiii]

Preacutevia-ideaccedilatildeo e teleologia satildeo ou podem ser momentos confluentes

mas natildeo satildeo idecircnticos a preacutevia-ideaccedilatildeo estaacute no comeccedilo e eacute um desenho ideal

que implica o conhecimento da espeacutecie e do modo da atividade a realizar

27

conhecimento das malhas causais teleologia eacute simplesmente finalidade fim

objetivo podendo se apresentar de modo meramente volitivo e bem abstrato

natildeo mobilizante dos ou sem os meios de sua realizaccedilatildeo ou seja ter teleologia

sem preacutevia-ideaccedilatildeo natildeo conduz a nenhum processo de trabalho Quero assinar

que o termo teleologia pode ser demasiado vago no sentido de mero conceito

filosoacutefico convencional nesse sentido apenas alusivo e natildeo instrumentador de

operaccedilotildees na esfera da atividade sensiacutevel Pode ser entendido mais como

manifestaccedilatildeo de espiacuterito do que como exigecircncia de efetuaccedilatildeo de mudanccedila de

forma da mateacuteria natural e objetivaccedilatildeo de propoacutesito E de toda forma indica

antes de tudo que o fim o realizado estaacute no fim do processo fala do obtido ou

do a ser obtido nada nos diz da travessia que realiza da travessia que passa do

ideal para o real natildeo nos fala da mobilizaccedilatildeo ideal e material necessaacuterias

Quando a teleologia se manifesta como resultado jaacute natildeo eacute preciso dizer mais

nada a respeito Basta saudar e usufruir de sua apariccedilatildeo que nada tem de

maacutegica ou misteriosa mas antes de reconhececirc-la como produto das

metamorfoses de subjetividade e objetividade Ou seja em suas distintas

naturezas inconfundiacuteveis enquanto tais objetividade e subjetividade satildeo

entificaccedilotildees na mundaneidade humana e nessa qualidade estados ou momentos

do ser social momentos regidos pela atividade ideal e sensiacutevel do mesmo

Penso que Lukaacutecs ao transpor a questatildeo para a linguagem filosoacutefica

tradicional pode ter dissociado demais fins e meios o que natildeo eacute o caso dos

textos de Marx Por isso Lukaacutecs se vecirc obrigado depois a buscar a rearticulaccedilatildeo

entre teleologia e causalidade e nisso encontre natildeo poucas dificuldades (como

uma passa para outra e vice-versa parecendo que lida ao limite com

substacircncias incomunicaacuteveis natildeo as compreendendo em suas metamorfoses) e

deixe que se perca certa substacircncia da questatildeo antes de tudo o interfluxo entre

objetividade e subjetividade com seus distintos momentos preponderantes em

cada um dos passos dos momentos embricados dos processos Creio que as

duas esferas ficam sempre tradicionalmente um tanto estranhas uma em

28

relaccedilatildeo agrave outra seja para preservar a objetividade e aiacute se torna objetivista seja

para ressaltar a subjetividade e aiacute desliza para o subjetivismo

2) No fim do processo tem-se seu resultado que eacute a transformaccedilatildeo da

forma de uma dada mateacuteria natural e a realizaccedilatildeo do objetivo do trabalho que

existiu antes como preconfiguraccedilatildeo ideal Portanto o trabalho transforma

imagem ideal em ente real complexo categorial in rebus

Em suma no pensamento de Marx as categorias ou complexos

categoriais satildeo reconhecidos sob as trecircs formas in mente (existem idealmente

na imaginaccedilatildeo ou como reproduccedilatildeo mental das coisas categorias da

representaccedilatildeo) ante res (preacutevia-ideaccedilatildeo) e in rebus como efetividades quando

estatildeo na forma de ser Como confirmaccedilatildeo tome-se mais esta passagem do

mesmo capiacutetulo No processo de trabalho a atividade do homem efetua

portanto mediante o meio de trabalho uma transformaccedilatildeo do objeto de

trabalho pretendida desde o princiacutepio O processo extingue-se no produto Seu

produto eacute um valor de uso uma mateacuteria natural adaptada agraves necessidades

humanas mediante transformaccedilatildeo da forma O trabalho se uniu com seu objeto

O trabalho estaacute objetivado e o objeto trabalhado O que do lado do trabalhador

aparecia na forma de mobilidade aparece agora como propriedade imoacutevel na

forma do ser[xiv] do lado do produto Ele fiou e o produto eacute um fio[xv]

Como arremate analiacutetico dessa famosa mas muitas vezes mal

compreendida passagem de O Capital Chasin conclui ao mesmo tempo em que

visualiza uma nova tarefa Se assim eacute se as categorias podem aparecer nas

trecircs formas - in rebus - in mente - ante res - haacute entatildeo que determinar o que satildeo

cada uma dessas formas

Esquematicamente Chasin propotildee o seguinte

1) se estatildeo in rebus (nas coisas) estatildeo na forma do ser

29

2) se estatildeo in mente (na cabeccedila) estatildeo na forma da reproduccedilatildeo ideal

das coisas Trata-se da subjetividade receptora[xvi] que reproduz as coisas natildeo

captando apenas seus dados empiacutericos superando pois o empirismo e elabora

portanto a reproduccedilatildeo ideal dos entes e onde a subsunccedilatildeo aos objetos eacute a

atividade de sua elaboraccedilatildeo ideal

3) se estatildeo ante res (antes das coisas) estatildeo na forma da finalidade da

preacutevia mentalizaccedilatildeo de objetivos e meios

Poreacutem no segundo e terceiro casos as categorias estatildeo na forma de

espeacutecies de pensamento representaccedilotildees e projeccedilotildees do ser do vir-a-ser dos

meios materiais instrumentais processuais e dinacircmicos de entificaccedilatildeo dos

seres

Concluindo essa parte dizer pois que o homem e o mundo satildeo

atividade sensiacutevel que por criar seu mundo cria a si mesmo eacute determinar o

homem como a criatura criadora de seres

No entanto na medida em que apenas na configuraccedilatildeo histoacuterica regida

pela loacutegica do capital ou seja na plenitude da produccedilatildeo da riqueza entendida

por sua essecircncia subjetiva que eacute o trabalho que se atinou para determinaccedilatildeo

do homem como a criatura criadora de seres foi possiacutevel agrave reflexatildeo pode se

dar conta potencialmente da verdadeira problemaacutetica do ser

Em outras palavras eacute pela criacutetica ao criador de criaturas na forma da

alienaccedilatildeo - criacutetica marxiana agrave sociedade capitalista - eacute que a ontologia pode

atinar com seu verdadeiro objeto e modo de determinaccedilatildeo Natildeo eacute casual que

tenha emergido pela criacutetica feuerbachiana ao sistema hegeliano (a criaccedilatildeo

especulada dos entes) e ganho seus contornos efetivos no advento de uma

nova forma de pensamento e concepccedilatildeo de praacutetica - a doutrina de Marx

Resumindo no caso de Marx ontologia eacute estatuto ou filosofia primeira

do ser social que enquanto tal norteia a concreccedilatildeo cientiacutefica do mesmo cuja

30

realizaccedilatildeo corrige e enriquece o proacuteprio estatuto donde a sinergia e a reciacuteproca

dimensatildeo criacutetica entre estatuto ontoloacutegico e ciecircncia da histoacuteria em seus diversos

departamentos possiacuteveis estabelecidos jaacute por criteacuterio ontoloacutegico ou seja que

respeita a integridade das coisas em suas qualidades e processos interconexos

que as constituem em seu ser por si e enquanto tais satildeo reproduzidas

teoricamente

Enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma da legalidade objetiva (material

e espiritual) do ser social ou seja enquanto malha de asserccedilotildees ou

determinaccedilotildees de seu complexo categorial enquanto o permanente na forma de

processo a ontologia estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a

sociabilidade como substacircncia desse grau maacuteximo da cadeia do ser

Mas substacircncia como complexo categorial como siacutentese de categorias

essenciais que denota uma forma especiacutefica determinada de presenccedila ou

existecircncia plenamente qualificada

Por isso eacute estatuto ontoloacutegico pois a plataforma canocircnica do ser eacute o

coacutedigo do substantivo verbal como substacircncia substrato) assim o estatuto

ontoloacutegico do complexo substantivo do ser social deve reconhecer a

sociabilidade como substacircncia A sociabilidade como substrato dos homens

seja na forma da alienaccedilatildeo seja na forma de sua latecircncia de substancialidade

em vir-a-ser no caminho infinito de sua realizaccedilatildeo

Trata-se portanto em Marx de estatuto e natildeo sistema pois como

sistema seria um agregado de abstraccedilotildees uma filosofia que uma vez obtidas

noccedilotildees fundamentais passa a se edificar por si ou seja as noccedilotildees seriam

coaacutegulos inteligiacuteveis que passam por auto-sustentaccedilatildeo a configurar

dedutivamente o mundo Ao passo que estatuto eacute uma ordem a legalidade do

ser sensiacutevel - o ser na plenitude de seus atributos

tempo (histoacuteriaprocessoduraccedilatildeomutabilidade) lugar e sensibilidade

especificamente a legalidade do ser social imanente a si em sua especiacutefica

31

objetividade O ser sensiacutevel eacute a forma do ser porque eacute a plenitude das

categorias possiacuteveis

E as formaccedilotildees ideais

Segundo Chasin as formaccedilotildees ideais do mesmo modo que as

formaccedilotildees reais - formas do ser - tecircm lugar e tempo como categorias - o tempo

e o espaccedilo das formaccedilotildees sociais que satildeo engendradas mas estatildeo privadas de

sensibilidade

O sensiacutevel soacute eacute predicaccedilatildeo inerecircncia agrave forma do ser que conteacutem a

plenitude dos predicados possiacuteveis (sensibilidade espaccedilo tempo)

Essa forma de conceber o ser eacute reconhecer substancialidade ao

complexu agrave unidade totalizada ou seja ao conjunto pleno de atributos em ato

Em outras palavras ser eacute complexo categorial - tem a forma de ser -

completude ou forma conferida pelo sensiacutevel que se desdobra em muacuteltiplos

atributos e se condensa de infinitas maneiras no gradiente do ser

Em suma segundo Chasin tomando Marx como base e ponto de

referecircncia permanentes ser eacute plenitude categorial ou seja a plenitude

categorial eacute sua forma e por ser sensiacutevel compreende lugar e tempo

Donde se admitido o princiacutepio metoacutedico de Marx saber eacute saber do ser

que antes de tudo eacute um complexo sensiacutevel - tudo que eacute existe eacute sempre um

complexo natildeo uma substacircncia ou essecircncia pura e cristalina E a cadeia do ser eacute

o conjunto de graus do ser - do menos ao mais complexo

O preceito metodoloacutegico marxiano eacute pois ontoloacutegico sabe-se o que eacute

como se formou se desenvolveu e como depereceraacute

Por via de consequumlecircncia e diante das vicissitudes da histoacuteria da

ontologia de seu processo constitutivo e dissolutor diante da penosa rota da

32

conquista teoacuterica do real homoacuteloga ou equivalente agrave necessidade humana de

produzir a sua mundaneidade e a si mesmo a ontologia eacute o que pode ser - o

que natildeo eacute pouco - a esfera teoacuterica da incerteza propulsora positiva

afirmativamente organizada O patamar do incerto ordenado como plataforma da

busca infinita da certeza Impulsatildeo incontornaacutevel que natildeo pode ser eludida pela

presenccedila imperativa dos circuitos ontopraacuteticos

Talvez agora o estatuto ontoloacutegico marxiano possa ser enunciado do

seguinte modo eacute o estudo das categorias fundamentais - em traccedilos essenciais

abstratos em suas determinaccedilotildees mais gerais - da existecircncia social

historicamente constatada e reconhecida sendo possiacutevel exemplificar com as

seguintes categorias historicidade (processualidade ou mutabilidade)

concreticidade ou objetividade atividade sensiacutevel e ideal (trabalho e

reproduccedilatildeo) subjetividade (receptiva e proponente) valor individualidade

gecircnero (sociabilidade) Tudo isso perfilando o complexo de complexos da auto

realizaccedilatildeo do ser humano-societaacuterio entendido que o fim dos fins eacute a infinitude

da realizaccedilatildeo do humano - do autopor-se do aberto ser humano-societaacuterio

Estatuto que em outros termos eacute a ordem do reconhecimento ou

reproduccedilatildeo teoacuterica da identidade natureza e constituiccedilatildeo das coisas por si por

seus complexos categoriais decisivos independentemente em qualquer plano

de se tornarem objetos de praacutetica ou reflexatildeo

Enquanto tal eacute a teoria do reconhecimento da objetividade histoacuterico-

social imanente em suas distintas formas de apresentaccedilatildeo (natureza e

sociedade) Em termos muito breves eacute o momento mais abstrato do

reconhecimento da identidade das coisas por si enquanto tal um dos momentos

distintos da unidade do saber do qual participa um segundo sob forma

concreta que eacute a ciecircncia

Pela proacutepria natureza histoacuterica processual do ser a ontologia marxiana

natildeo corresponde nem poderia corresponder por simples imperativo de

33

coerecircncia agrave forma de um saber universal plantado sobre uma racionalidade

auto-sustentada ou seja fundado na razatildeo universal nada mais a versatildeo laica

ou profana de Deus no dizer de Feuerbach Ou seja trata-se enfim de uma

forma de ontologia sem parentesco com o saber absoluto e que recusa qualquer

tipo de fundamento especulativo pois absolutizaccedilatildeo de uma teoria da

fundamentaccedilatildeo eacute simplesmente a firmaccedilatildeo especulativa da razatildeo autocircnoma ou

de um princiacutepio de inteligibilidade situado para aleacutem das coisas que garante a

presenccedila e o conhecimento do sagrado e a vitoacuteria antecipada do idealismo Natildeo

correspondendo agrave qualquer forma de saber universal a ontologia marxiana

sustenta a possibilidade efetiva como jaacute vimos de um saber real

Por sua praacutetica teoacuterica e por um conjunto de lineamentos expliacutecitos

Marx deixou o legado de um especiacutefico estatuto ontoloacutegico natildeo um ontologia de

talhe convencional ou tradicional e natildeo apenas por que careceu de tempo

necessaacuterio para a realizaccedilatildeo de uma obra desse tipo mas fundamentalmente

pela distinccedilatildeo de natureza de seu estatuto ontoloacutegico radicalmente oposto ao

tratamento especulativo da mateacuteria

Esse estatuto eacute constituiacutedo a partir do universo praacutetico onticamente

referido ou seja eacute um estatuto ocircntico-ontoloacutegico pois evolve da efetividade

histoacuterica das coisas de suas relaccedilotildees e processos para sua reproduccedilatildeo

conceitual no plano de uma trama categorial em sua expressatildeo mais abstrata

Reconhecimento e Determinaccedilatildeo da Sociabilidade como Substacircncia

Vimos que segundo Chasin enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma

da legalidade do ser social em sua materialidade e espiritualidade[pode-se dizer

tambeacutem em sua objetividade sensiacutevel e supra-sensiacutevel] ou seja enquanto

malha de asserccedilotildees ou determinaccedilotildees de seu complexo categorial a ontologia

34

estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a sociabilidade como substacircncia desse

grau maacuteximo do ser

Embora Chasin natildeo tenha desenvolvido plenamente a questatildeo da

objetividade supra-sensiacutevel como tambeacutem a da sociabilidade como substacircncia

julgo conveniente transcrever tambeacutem algumas notas e comentaacuterios feitos em

sala de aula dada a importacircncia do tema

Em relaccedilatildeo agrave noccedilatildeo de substacircncia Chasin retoma sua noccedilatildeo mais geral

e tradicional Ou seja deixando de fora qualquer conotaccedilatildeo relativa a formas de

idealidade o que existe por si eacute um auto-engendrado a uacuteltima instacircncia de um

dado gecircnero de entificaccedilatildeo enquanto tal na medida em que eacute uma efetividade

eacute um complexo que a noccedilatildeo de substacircncia refere no mais alto grau de

abstraccedilatildeo Vale pois como abstraccedilatildeo razoaacutevel tal como todo conceito

marxiano nesse niacutevel de generalizaccedilatildeo a partir do qual pela via dos processos

de concreccedilatildeo satildeo determinaacuteveis as formas concretas de substacircncia

correspondentes agraves formaccedilotildees sociais reais

Dessa forma a substacircncia eacute um complexo histoacuterico natildeo uma

idealidade natildeo um construto da razatildeo auto-sustentada mas o resumo de uma

extraccedilatildeo justificada

Naturalidade e Sociabilidade

Sempre que se potildee a questatildeo da naturalidade e da sociabilidade essa

uacuteltima tende a ser examinada in statu nascendi ou de um estado original

imaginaacuterio natildeo se parte portanto de fatos pois os desconhecemos se eacute que

35

tenham existido mas de um mito E do mito se quer saltar para o quadro de uma

realidade complexa

Mas acompanhando Marx lembremos das pobres robinsonadas do

seacuteculo XVIII referidas logo agraves primeiras linhas da Introduccedilatildeo de 57 a) O

caccedilador e o pescador individuais e isolados de que partem Smith e Ricardo b)

o contrat social de Rousseau que relaciona e liga sujeitos independentes por

natureza por meio de um contrato Essas robinsonadas natildeo repousam sobre

(o) naturalismo E a argumentaccedilatildeo prossegue Trata-se ao contraacuterio de uma

antecipaccedilatildeo da sociedade (buumlrgelichen Gesellschaft) que se preparava desde

o seacuteculo XVI e no seacuteculo XVIII deu larguiacutessimos passos em direccedilatildeo agrave sua

maturidade Nesta sociedade da livre concorrecircncia o indiviacuteduo aparece

desprendido dos laccedilos naturais que em eacutepocas histoacutericas remotas fizeram dele

um acessoacuterio de um conglomerado humano limitado e determinado Os profetas

do seacuteculo XVIII sobre cujos ombros se apoacuteiam inteiramente Smith e Ricardo

imaginam o indiviacuteduo do seacuteculo XVIII como um ideal que teria existido no

passado Vecircem-no natildeo como um resultado histoacuterico mas como ponto de partida

da Histoacuteria porque o consideram como um indiviacuteduo conforme agrave natureza -

dentro da representaccedilatildeo que tinham da natureza humana - que natildeo se originou

historicamente mas foi posto como tal pela natureza[xvii]

Segundo Chasin tomando Marx novamente como ponto de referecircncia

os equiacutevocos que aparecem ao se tratar a relaccedilatildeo naturalidade sociabilidade

satildeo os seguintes

1) procurar deduzir em graus diferentes em cada caso o ser social do

natural esquecendo que se trata da emergecircncia do novo de uma configuraccedilatildeo

ontoloacutegica nova e que o novo nunca eacute um simples desdobramento do estaacutegio

anterior no caso - do grau de ser antecedente ou seja que entre os dois niacuteveis

ocorre o que se chama de salto um intervalo em que a potecircncia causal do

antecedente natildeo conteacutem a capacidade a potecircncia ou a potencialidade para

gerar o novo Um intervalo que fica assim indeterminado

36

2) o procedimento acima abre para a mera especulaccedilatildeo pois tende a

deduzir a indeterminaccedilatildeo a querer estabelecer nexos onde eles inexistem

tende a preencher o que de fato eacute um vazio A rigor natildeo se trata de um natildeo-

sabido mas da ausecircncia factual de um objeto ou processo em outros termos

se trata de um vazio ontoloacutegico de uma ausecircncia de nexos ontoloacutegicos

O correto segundo o modus operandi marxiano natildeo eacute partir da semente

ou do embriatildeo mas do complexo real maturado uma vez que

especialiacutessimamente na esfera social a loacutegica do gerado eacute diversa da loacutegica de

sua gecircnese aleacutem de que nesse acircmbito as entificaccedilotildees configuradas apagam a

rota e a loacutegica de sua formaccedilatildeo

Desse modo partindo do jaacute configurado e considerando que se trata de

uma configuraccedilatildeo infinita que compreende mutaccedilotildees qualitativas muito

importantes e natildeo esquecendo que permanecemos no estaacutegio preacute-histoacuterico (em

momento especialmente desequilibrado e contraditoacuterio) podemos e devemos

reconhecer por meio de algumas abstraccedilotildees razoaacuteveis o seguinte

1) A formaccedilatildeo do ser social eacute um processo da animalidade agrave

hominidade o andamento da naturalidade agrave sociabilidade o caminho infinito da

naturalidade dada agrave sociabilidade natildeo-dada em produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

perenes

2)Trata-se pois de uma entificaccedilatildeo processual entre dois niacuteveis ou

poacutelos da escala do ser sendo processo eacute intrinsecamente uma contradiccedilatildeo e soacute

enquanto tal se move eliminada a contradiccedilatildeo cessaria a possibilidade do

processo Com isso eacute dito algo muito importante pois ao reconhecer a

contraditoriedade entre naturalidade e sociabilidade natildeo eacute mais possiacutevel pensar

as mesmas a propoacutesito do ser social como um simples conjugado de fatores

mas obrigatoriamente como uma conjugaccedilatildeo contraditoacuteria de legalidades Isso

vai na esteira do que eacute compreendido desde Hegel - que o ser eacute uma unidade

contraditoacuteria - todavia com o acreacutescimo do problema da dupla legalidade De

37

que modo ou feiccedilatildeo chega cada uma delas agrave unidade contraditoacuteria do ser Pois

haacute que pensar na unidade ou siacutentese a natildeo ser que se queira desenhar o ser

social como uma aberraccedilatildeo hiacutebrida pode ser esta a fisionomia do grau mais

elevado do gradiente dos seres Assim tomada na devida consideraccedilatildeo essa

determinaccedilatildeo ontoloacutegica sem a qual a reflexatildeo perde o rumo trata-se de

compreender a dinacircmica especiacutefica dessa contradiccedilatildeo peculiar Vejamos

3) Em primeiro lugar esse processo contraditoacuterio gera novas

contradiccedilotildees agora dominantemente contradiccedilotildees da sociabilidade em

formaccedilatildeo de sorte que se trata de um processo cumulativo de

contraditoriedades no qual as novas contradiccedilotildees progressivamente vatildeo

tomando o lugar predominante e decisivo vale dizer a contradiccedilatildeo originaacuteria

cada vez mais coabita com contradiccedilotildees de outro gecircnero diante das quais sua

presenccedila vai mudando de forccedila e configuraccedilatildeo natildeo desaparece mas sua

qualidade vai mudando na proporccedilatildeo mesmo do desenvolvimento da

apropriaccedilatildeo societaacuteria da natureza cada vez mais puramente social - eacute no que

consiste de acordo com as palavras de Marx o progressivo afastamento das

barreiras naturais

4) Ou seja a matriz e a medida do afastamento eacute a forma cada vez

mais social de produzir e reproduzir as bases materiais da vida pela qual eacute

gerado o novo ser em direccedilatildeo agrave sua potecircncia ampliada de se auto-por de ir em

direccedilatildeo a si mesmo um si mesmo que natildeo eacute dado mas gerado na progressatildeo

da auto-posiccedilatildeo do auto-assentamento ou da auto-enformaccedilatildeo que inclui a

proacutepria daccedilatildeo de forma e resoluccedilatildeo ao predicado natural ou bioloacutegico daccedilatildeo de

forma que em suma eacute daccedilatildeo de forma social ao predicado natural

5) Essa possibilidade de daccedilatildeo de forma eacute afirmaccedilatildeo e realizaccedilatildeo da

essecircncia social que eacute o conjunto de relaccedilotildees sociais configuradas em cada

momento pelo modo de produzir da base material modo por sua vez que eacute

determinado pelo desenvolvimento das forccedilas produtivas entre as quais figura o

proacuteprio modo de organizaccedilatildeo do conjunto das relaccedilotildees sociais

38

6) Daccedilatildeo de forma eacute alteraccedilatildeo do lugar resolutivo e todo ente que muda

de lugar muda de natureza sem alterar uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo material

Vale dizer que a contradiccedilatildeo originaacuteria entre naturalidade e sociabilidade eacute

resolvida por uma nova contradiccedilatildeo - a da naturalidade que soacute se realiza na

forma e por meios sociais - no afastamento que eacute superaccedilatildeo da naturalidade

(processo histoacuterico) a legalidade natural eacute submetida agrave legalidade social

(diferentemente em cada modo de produccedilatildeo e de acordo com o

desenvolvimento das forccedilas produtivas) o fator natural natildeo eacute suprimido

suprimida eacute sua capacidade de autodeterminaccedilatildeo resta portanto

simplesmente o que natildeo eacute pouco como um predicado do ser humano um

predicado insuprimiacutevel mas apenas como predicado bioloacutegico de um ser de

outra natureza e essecircncia A naturalidade eacute retida como predicado

imprescindiacutevel mas natildeo como essecircncia Donde natildeo satildeo mais duas legalidades

ontoloacutegicas que coexistem mas a legalidade superior mais complexa subsume

a legalidade natural que natildeo mais se autodetermina mas eacute resolvida pela e do

interior da outra Assim o predicado natural do homem recebe forma e

resoluccedilatildeo sociais ou seja o predicado natural eacute subsumido agrave legalidade social

Natildeo resta mais o choque de duas legalidades contrapostas na

contradiccedilatildeo originaacuteria A legalidade natural vai sucumbindo na ruptura e

progressivamente agrave legalidade social em sua efetividade no ser social a

legalidade natural natildeo mais atua por si eacute dependente do social natildeo eacute mais a

legalidade de um ser pois natildeo haacute mais aiacute um ser natural mas um atributo

natural dependente da essecircncia social O homem eacute um ser social que

compreende sua essecircncia especiacutefica (variaacutevel) suas contingecircncias e seu

predicado bioloacutegico Na entificaccedilatildeo do ser social uacuteltimo grau da cadeia do ser a

legalidade natural eacute subalternizada agrave social por mais ruacutestica e restrita que seja a

essecircncia social primitiva e por mais precaacuteria que seja essa subalternizaccedilatildeo de

iniacutecio O processo de afastamento das barreiras naturais eacute assim o curso dessa

subalternizaccedilatildeo que desponta no iniacutecio na ruptura com a legalidade natural e

por mais longo e contraditoacuterio em avanccedilos e recuos que seja esse processo

39

7) de outra parte a loacutegica do predicado bioloacutegico natildeo soluciona natildeo

tem resposta para o complexo problemaacutetico da sociabilidade enquanto que esta

daacute soluccedilatildeo aos imperativos daquela Como diz Marx nos Manuscritos de 44 o

homem contempla a natureza e a si mesmo com um produto social [dos homens

interativos] com pleno direito mesmo que natildeo com elevada consciecircncia ou altos

valores

8) Donde a foacutermula lukaacutecsiana da dupla base eacute falsa pois a plataforma

eacute a sociabilidade enquanto a naturalidade eacute apenas o insuprimiacutevel predicado

bioloacutegico que passa a vigir na forma e sob a regecircncia da sociabilidade Natildeo

perde por isso uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo orgacircnica mas na sua efetividade

muda de caraacuteter No interiro da esfera societaacuteria o predicado bioloacutegico eacute um

outro de si Se originariamente foi o ponto de partida agora eacute produzido e

reproduzido pela legalidade de um ser que o ultrapassa e o domina vive e soacute

pode viver na subjugaccedilatildeo de um novo estatuto Ou seja ao integrar como

predicado o ser de niacutevel mais elevado realiza a sua maacutexima potecircncia e isso eacute

ao mesmo tempo sua desnaturalizaccedilatildeo ou perecimento Impereciacutevel como

predicado natildeo eacute base pois determina soacute por seus limites pelas carecircncias natildeo

pelas determinaccedilotildees resolutivas nem mesmo em suas forccedilas e sentidos pois

enquanto virtualidades estas soacute satildeo humanas e superiores em resoluccedilatildeo

societaacuteria Ademais natildeo eacute nunca um criador de novas necessidades o que

caracteriza a legalidade social

9) A argumentaccedilatildeo acima diz respeito diretamente ao ser social em sua

configuraccedilatildeo bipolar (indiviacuteduo e gecircnero) e desenvolvida em especial no poacutelo da

individualidade tendo por esteio o andamento do gecircnero e ao falar deste se diz

do seu metabolismo com a natureza Esse metabolismo fundamental que eacute em

suma a atividade vital do homem ao gerar produtos sociais

(utilidadesmercadorias) sem que se possa transpor a estes as mesmas

determinaccedilotildees que foram feitas para o ser social desde logo satildeo entes sociais

mas em outro grau da escala do ser social mas tambeacutem tecircm mudada a sua

natureza de naturais a utilidades (e na forma da alienaccedilatildeofetichismo as

40

mercadorias) de sorte que a apropriaccedilatildeo da natureza eacute igualmente sua

desnaturalizaccedilatildeo eacute forccedilaacute-las a deixar de ser o que satildeo em sua peculiaridade

para se tornarem um outro de si sob a regecircncia do estatuto societaacuterio Isso eacute a

manifestaccedilatildeo do poder e da superioridade do grau maacuteximo do ser Nenhum

outro ser realiza qualquer coisa semelhante nem longinquumlamente Repetindo

Kant e Hegel Marx tinha toda razatildeo quando disse que haacute mais grandeza e

misteacuterio na cabeccedila de um becircbado do que no conjunto do universo

10) a Sociabilidade imperfeita substacircncia ainda natildeo realizada enquanto

tal ou seja ainda incapaz de autonomia como complexo estruturado conduz agrave

poliacutetica Natildeo compreendida como substacircncia mas como simples organizaccedilatildeo

potildee o homem no outro poacutelo na dicotomia homemsociedade ou seja na

representaccedilatildeo socioloacutegica ou politoloacutegica o homem eacute um outro

Determinada ou compreendida como substacircncia eacute substacircncia humana

(perfeita e imperfeita com todas as grandezas e miseacuterias produzidas

modificadas suprimidas e repostas no curso histoacuterico) eacute a essecircncia mutante do

ser auto-engendrado e enquanto mutante e por ser mutante distinta tambeacutem

por essa mutabilidade do predicado bioloacutegico atemporalmente necessaacuterio mas

sempre e progressivamente insuficiente do ser social

O tomo IV do primeiro nuacutemero da Revista Ensaios Ad Hominem eacute

composto de seis artigos - aleacutem do texto de abertura de autoria de J Chasin -

que resultaram de siacutenteses ou modificaccedilatildeo de partes ou capiacutetulos de

dissertaccedilotildees defendidas entre os anos de 1998 e 1999 junto ao Programa de

Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia da UFMG

41

O artigo que abre a presente coletacircnea intitulado A Razatildeo como

Tribunal da Criacutetica Marx e A Gazeta Renana de autoria de Celso Eidt versa

sobre a concepccedilatildeo do jovem Marx sobre o papel da imprensa natildeo apenas como

o locus privilegiado para o debate filosoacutefico mas fundamentalmente para os

processos educativos tendo em vista a realizaccedilatildeo plena da liberdade humana Eacute

bom ressaltar que no periacuteodo em que tais artigos satildeo redigidos Marx

compartilha de uma visatildeo antropoloacutegica racional em que a natureza humana eacute

concebida como espiacuterito livre e racional enquanto esteio da proacutepria vida eacutetica

ou seja da praacutetica humana fundada na razatildeo universal

Ana Selva Albinati autora do artigo A Determinaccedilatildeo dos Valores

Morais nos textos de Marx de 1841 a 1847 se debruccedila justamente sobre tal

campo de reflexatildeo Seu trabalho eacute uma tentativa de sistematizaccedilatildeo das

consideraccedilotildees sobre os valores morais nos textos do periacuteodo que se inicia com

sua tese doutoral Diferenccedilas entre as Filosofias da Natureza de Demoacutecrito e

Epicuro prosseguindo ateacute A Miseacuteria da Filosofia Ana Selva procura demonstrar

que esse periacuteodo normalmente referido como sendo o da juventude de Marx eacute

na verdade constituiacutedo de dois momentos de sua elaboraccedilatildeo teoacuterica que tem

como momento de clivagem a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel de meados

de 1843 em que Marx rompe com o referencial teoacuterico do idealismo alematildeo Em

relaccedilatildeo agraves determinaccedilotildees sobre a moral essa ruptura se reflete na inflexatildeo

radical que diferencia a compreensatildeo da moralidade no primeiro e segundo

momentos de tal forma que a moralidade passa a ser compreendida como um

dos modos da consciecircncia socialmente determinada concepccedilatildeo completamente

distinta da primeira fase em que os valores morais eram compreendidos como

expressotildees da liberdade e da racionalidade humanas idealmente concebidas

No artigo A criacutetica da Especulaccedilatildeo nas Glosas de Kreuznach Milney

Chasin analisa o momento inicial e ao mesmo tempo decisivo da ruptura que

se verifica entre Marx e Hegel no plano das determinaccedilotildees do ser Desse modo

a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel inaugura a criacutetica marxiana da

especulaccedilatildeo no seu cerne o de rejeitar o procedimento especulativo

42

caracteriacutestico de se provir tudo da ideacuteia real de tornaacute-la sujeito isto eacute de

capacitar a abstraccedilatildeo ou conceito automovido - a partir das metamorfoses

hegelianas - de pocircr o multiverso sensiacutevel Em outros termos Milney Chasin no

referido artigo evidencia como a criacutetica da especulaccedilatildeo permite a Marx

ultrapassar os horizontes do idealismo alematildeo na direccedilatildeo do devido

reconhecimento da distinccedilatildeo entre ser e pensar de caracterizar a impropriedade

ontoloacutegica da loacutegica hegeliana de apurar os limites gnosioloacutegicos e

incongruecircncias de toda ordem Em suma permite o desvelamento da substacircncia

miacutestica oferecendo a explicitaccedilatildeo do meacutetodo hegeliano - das diabruras do

conceito autoposto - que articula abstraccedilotildees e finitude restando a esta a mera

condiccedilatildeo de apecircndice dissolvido isto eacute momento virtual da realizaccedilatildeo da

idealidade

O quarto artigo desta coletacircnea intitulado A Exteriorizaccedilatildeo da Vida nos

Manuscritos de 44 eacute parte da dissertaccedilatildeo de mestrado As Categorias

Lebensaumlusserung Entaumlusserung Entfremdung e Veraumlusserung nos Manuscritos

Economico-Filosoacuteficos de Karl Marxdefendida por Mocircnica H M da Costa em

que o interesse era acima de tudo averiguar se alienaccedilatildeo (Entaumlusserung) e

estranhamento (Entfremdung) teriam significados distintos A pesquisa acabou

opor apontar no entanto uma outra categoria como eixo desses manuscritos

Lebensaumlusserung traduzida por exteriorizaccedilatildeo da vida De fato o fio condutor

dos Manuscritos eacute a centralidade do trabalho na produccedilatildeo material e espiritual

da vida humana Tomando para anaacutelise criacutetica pela primeira vez os

economistas claacutessicos Marx explicita sua proacutepria compreensatildeo da forma

peculiar de engendramento da existecircncia do homem A criacutetica a Hegel completa

o quadro desta tematizaccedilatildeo que natildeo seraacute abandonada ateacute os uacuteltimos trabalhos

de Marx

Sabina Maura Silva no artigo A Fenomenologia do Egoiacutesmo Stirner e a

Criacutetica Marxiana tem como objetivo fundamental apresentar a concepccedilatildeo de

homem presente na obra O Uacutenico e Sua Propriedade de autoria do filoacutesofo

neohegeliano Max Stirner e expor a criacutetica de Marx a este autor contida em A

43

Ideologia Alematilde A autora mostra que para Stirner o Eu tomado como

individualidade singular eacute o fundamento de sua esfera existencial No entanto

para esse autor tudo tem determinado a existecircncia dos indiviacuteduos natildeo tendo

sido permitido a eles determinaacute-la O objetivo de Stirner eacute pois remeter ao

indiviacuteduo - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel - o que dele foi alienado e erigido

como algo autocircnomo Por seu turno a criacutetica de Marx tem como fim explicitar o

caraacuteter especulativo da anaacutelise stirneana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo

bem como salientar o aspecto pseudorevolucionaacuterio de suas proposituras

Assim segundo Marx Stirner tatildeo somente interpreta diferentemente o

existente isto eacute reconhece o existente mediante outra

interpretaccedilatildeoTransformando as contradiccedilotildees objetivas em contradiccedilotildees

subjetivas Stirner conserva e justifica as condiccedilotildees e estruturas efetivas que

esmagam e impedem a autodeterminaccedilatildeo das individualidades ao reconhecer

as circunstacircncias como determinaccedilotildees dos indiviacuteduos Acolhendo acriacutetica e

especulativamente em suas feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees

estranhadas de um momento histoacuterico particular da individuaccedilatildeo humana

Stirner erige como individualidade um ente que empobrecido e constrangido

pelas condiccedilotildees objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade

social pode somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria

sobre si e sobre o mundo

O uacuteltimo artigo do tomo IV da Revista Ensaios Ad Hominem eacute de

autoria de Antocircnio Joseacute Lopes Alves e leva o tiacutetulo de A Individualidade

Moderna nos Grundrisse Neste texto o autor procura demonstrar que a

moderna sociabilidade do capital eacute compreendida por Marx como forma

instaurada a partir da dissoluccedilatildeo dos liames sociais que uniam em tempos

anteriores os indiviacuteduos agrave comunidade Aleacutem disso destaca o fato apontado por

Marx de que tal processo se constitui numa verdadeira reconversatildeo ontoloacutegica

tanto dos indiviacuteduos quanto das condiccedilotildees da atividade vital ocorrendo uma

radical transformaccedilatildeo na forma de ser de ambos Sinteticamente trata-se de

reconfiguraccedilatildeo ontoloacutegica que determina como entes autocircnomos os indiviacuteduos

44

de um lado e as condiccedilotildees de trabalho de outro vale dizer do divoacutercio entre os

indiviacuteduos ativos e as condiccedilotildees de sua atividade Antocircnio Lopes buscou em

suma alinhar as determinaccedilotildees mais essenciais dos indiviacuteduos e da

sociablidade modernos no que respeita agrave forma mesma das relaccedilotildees sociais da

atividade sensiacutevel bem como da respectiva expressatildeo ideal como por exemplo

a configuraccedilatildeo das categorias da igualdade e liberdade

O leitor encontraraacute nas paacuteginas que se seguem o resultado do esforccedilo

de pesquisa voltado ao resgate da obra marxiana caracterizado pela busca do

rigor na leitura e interpretaccedilatildeo do pensamento de um autor cuja heranccedila

intelectual conheceu um destino traacutegico Natildeo eacute faacutecil portanto voltar-se a ela

sem os preconceitos da moda - como jaacute havia advertido Lukaacutecs Natildeo posso

afirmar com total certeza que um intento dessa natureza tenha sido plenamente

alcanccedilado Todavia eacute faacutecil perceber as diferenccedilas desse tipo de produccedilatildeo teoacuterica

com aquela apresentada tanto pelo marxismo adstringido e suas dissidecircncias

como pelo marxismo vulgar para utilizar as expressotildees cunhadas por Chasin no

intuito de designar as duas variantes de interpretaccedilatildeo da obra marxiana

Faccedilo aqui ao leitor interessado o convite para participar dessa

avaliaccedilatildeo

[1] Professora do Departamento de Filosofia da UFMG coordenadora

do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e Estudos Confluentes

45

[i] J CHASIN Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in

Teixeira FJS Pensando com Marx Editora Ensaio Satildeo Paulo 1995

[ii] K MARX amp F ENGELS A Sagrada Famiacutelia Ed Grijalbo trad

Wenceslao Roces Meacutexico DF 1960 p 120

[iii] Ver a respeito J CHASIN Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo

Metodoloacutegica opcit

[iv] J CHASIN O Futuro Ausente in Ensaios Ad Hominem 1 tomo III

Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem Satildeo Paulo 2000 p 166

[v] Ib p 167

[vi] Id

[vii] E CASSIRER A Filosofia do Iluminismo Editora da Unicamp

Campinas 1992 p 11

[viii] G LUKAacuteCS La Riproduzionein Per lOntologia delle Essere

Sociale Roma Editori Riuniti tomo II 1981 pp 180-81

[ix] N HARTMANN Ontologia Fondo de Cultura Econoacutemica Meacutexico D

F vol 1 1986

[x] K MARX O Capital vol I Ediccedilatildeo Abril Cultural Satildeo Paulo p 149

[xi] Id

[xii] Ib p 150

[xiii] (a respeito dessas categorias ver N HARTMANN Ontologia op cit

vol I p XII

46

47

[xiv] No original alematildeo in der Form des Seins Dietz Verlag 1971 p

195

[xv] Ib p 151

[xvi] Ver a respeito em J CHASIN Marx-Estatuto Ontoloacutegico e

Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica op cit

[xvii] K MARX op Cit p 126

Page 22: :: Verinotio - Revista On-line de Educao e Cincias Humanas · O leitor encontrará, portanto, nessa Apresentação o fruto de trabalho de coleta e organização de materiais utilizados

conclusiva autocircnoma e sistemaacutetica a ontologia acaba por ser transmutada em

loacutegica ou ciecircncia

Talvez possa ser dito que nas ontologias onde predomine

unilateralmente o ser como verbo ou o ente como essecircncia terminem por ser

uma loacutegica que de alguma forma acaba por ter a pretensatildeo de constituir o ser

a loacutegica eacute entatildeo o segredo uacuteltimo do ser ou sua base cognitiva e por essa via

sua base ontoloacutegica - que assim nega a ontologia ou seja o reconhecimento do

ser por si

De outra parte predominando o ser como substantivo o fim da

ontologia acaba por ser uma forma de ciecircncia ou seja a ontologia eacute novamente

negada como ocorreu com a ciecircncia moderna donde sua pretendida auto-

suficiecircncia que apenas admite por fundamento uma forma qualquer de

gnosiologia isto eacute uma forma a priori da operatividade subjetiva

desaparecendo assim a regecircncia do objeto o que ao contraacuterio caracteriza o

espiacuterito e o propoacutesito ontoloacutegicos ou seja o reconhecimento do ente enquanto

ente o oacuten qua oacuten ou ser por si

Em suma a ontologia quando centrada no ser como verbo rarefeita

pelo vazio de sua forma termina por ser loacutegica por outro lado quando centrada

no ser como substantivo agraves voltas com gecircneros formados por complexos

qualitativos termina por se constituir em ciecircncia particular e autocircnoma Assim

ao pretender ser tudo concludente sistemaacutetica e independente por sua forma

mais vazia ou por suas categorias abstratas e perenes a ontologia acaba por

ser negada pela loacutegica ou pela ciecircncia Pretendendo ser tudo acaba por

desaparecer

Ora ao tomar o ser como verbo a ontologia tem de compreender que

natildeo pode ser mais do que a anatomia de uma propriedade do ser - de sua

propriedade mais geral e vazia - a propriedade de sua presenccedila enquanto corpo

real ausente ou presenccedila de um complexo categorial abstraiacutedo O ser aqui eacute

22

reduzido agrave forma mais vazia a simples propriedade de um todo que escapa

completamente agrave sua jurisdiccedilatildeo Donde seu desenlace em loacutegica

De outra parte quando o ser eacute tomado em sua denotaccedilatildeo substantiva

ou seja na multiplicidade de suas propriedades qualitativas em interconexatildeo

especiacutefica transborda em ciecircncia na medida em que a ontologia pretenda a

condiccedilatildeo de disciplina ou ciecircncia sistemaacutetica

Donde a impossibilidade de a ontologia ficar adstrita agrave forma do verbo

nem se realizar como dilucidaccedilatildeo concreta do substantivo Assim deve-se

reconhecer que a ontologia natildeo pode se realizar em nenhum desses dois poacutelos

nem simples tematizaccedilatildeo do ato geneacuterico da presenccedila - que redundaria em

simples compoacutesito tautoloacutegico nem tematizaccedilatildeo do ser substantivo concreto

pois aiacute se desnaturaria em ciecircncia especiacutefica

Conclusivamente a ontologia nem eacute simples tautologia do ser em ato

nem efetivaccedilatildeo cientiacutefico-concreta do desvendamento do ser como substantivo

Enquanto tal a ontologia eacute uma realizaccedilatildeo necessaacuteria no espaccedilo que antecede

aqueles dois poacutelos em verdade a plataforma que leva da constataccedilatildeo mais

abstrata do ser (tanto como substantivo quanto verbo) agrave sua reproduccedilatildeo

cientiacutefica como substantivo Enquanto tal eacute um estatuto - uma filosofia primeira

o cacircnon da legalidade do ser matrizado pelos traccedilos ou vetores categoriais

fundamentais do ser por si que matriza a cientificidade tanto em sua forma mais

abstrata - loacutegica - quanto em sua forma mais concreta - ciecircncia

O problema fundamental da filosofia primeira - philosophia prima - eacute o

problema das categorias mais gerais do ser aiacute incluso o ato de ser donde em

sua plenitude o ato sensiacutevel de ser - ens e esse o ens essendi complexo

categorial pleno no ato de existir

Essa plataforma estatutaacuteria natildeo eacute uma disciplina situada entre outras

disciplinas entre a loacutegica e a ciecircncia como um campo intermediaacuterio entre o

verbo e o substantivo entre a maacutexima abstratividade e a efetividade concreta

23

Essa distribuiccedilatildeo topograacutefica confere agrave abstraccedilatildeo a condiccedilatildeo de fundaccedilatildeo

(determinaccedilatildeo originaacuteriaontoloacutegica) e fundamento (ponto de partida

epistemoloacutegico) Se assim fosse perderia a condiccedilatildeo de filosofia primeira

Enquanto filosofia primeira eacute o reconhecimento do substantivo verbal

do substantivo que eacute do ens essendi natildeo de uma substantividade qualquer em

abstrato mas da substantividade que existe por todas as modalidades

categoriais isto eacute reais (sensiacuteveis) natildeo apenas um substantivo pensado que

dependeria para ser do pensamento mas do substantivo que eacute por-si

independentemente se ser pensado o que requer o complexo categorial

da sensibilidade por isso eacute que soacute eacute ser o ser sensiacutevel Vale dizer o ser como

verbo eacute resultado do ser substantivo soacute um sujeito (em suas diversas formas na

cadeia do ser) eacute (soacute um sujeito existe eacute faz sente pensa etc de acordo com

seu grau na cadeia do ser)

A ontologia do puro verbo ser ou das puras essecircncias (complexo

categorial abstrativante e eterno) eacute a autonomizaccedilatildeo das categorias ou da

existecircncia em relaccedilatildeo ao ser e existir reais agraves formas reais de ser e existir satildeo

as categorias e a existecircncia sem corpo ou sujeito mais do que isso satildeo as

categorias (essecircncia) e existecircncia em geral universal e abstrata tornadas

sujeito a essecircncia ou a existecircncia abstratas personificadas - e isso satildeo

puramente figuras do pensamento o que jaacute eacute especulaccedilatildeo natildeo ontologia

Marx agrave semelhanccedila de Feuerbach soacute admite como ente ou melhor

como entificaccedilatildeo o ens essendi - o ente sendo o ente no ato de ser o ente

revestido de existecircncia atual - objetivo o ente no exerciacutecio da accedilatildeo ou ato de

ser eacute portanto um ente existente ou seja o ente que estaacute sendo o ente no ato

de existir

Donde do mesmo modo que em Feuerbach o ser eacute inseparaacutevel de sua

existecircncia Ser e existir constituem uma unidade indissoluacutevel complexo

24

categorial no ato de ser pela atualizaccedilatildeo do complexo categorial essecircncia

determinada e mutaacutevel na mutabilidade de ser e ir sendo (essendi)

Eacute chegada a hora depois desta etapa analiacutetica de vislumbrar qual eacute o

cenaacuterio em Marx que esse conjunto de questotildees se coloca Com esse objetivo e

como eacute tiacutepico de seu procedimento investigativo junto aos textos daquele autor

Chasin toma para anaacutelise o item 1 O Processo de Trabalho do capiacutetulo V de O

Capital Nele pode-se identificar em primeiro lugar a natureza geral (universal)

da atualizaccedilatildeo da forccedila de trabalho que se encontra em potecircncia nos indiviacuteduos

A produccedilatildeo de valores de uso ou bens natildeo muda sua natureza geral por se

realizar para o capitalista e sob seu controle Por isso o processo de trabalho

deve ser considerado de iniacutecio independentemente de qualquer forma social

determinada[x]

Por que o processo de trabalho deve ser considerado de iniacutecio

independentemente de qualquer forma social determinada indaga Chasin A

resposta eacute formulada em estilo direto Para natildeo ser perdida a natureza do

trabalho sua positividade enquanto atividade humana vital

Tem-se nessa passagem segundo Chasin um exemplo do exerciacutecio

de uma ontologia estatutaacuteria - a positividade (sua efetividade ou operosidade)

universal do trabalho enquanto atributo vital e inalienaacutevel do homem

independentemente de suas formas concretas que se apresentam na forma do

trabalho alienado

Eacute a determinaccedilatildeo universal do trabalho o traccedilo de sua legalidade

uacuteltima sua determinaccedilatildeo mais geral e essencial dimensatildeo que natildeo desaparece

nem mesmo sob suas formas concretas mais negativas

A ontologia estatutaacuteria registra o traccedilo ou rastro dessa dimensatildeo

permanente que atravessa as formas concretas em sua efetividade contraditoacuteria

e especialmente desfavoraacutevel para o homem enquanto maioria subjugada ao

longo de toda a preacute-histoacuteria da humanidade

25

Permanente mas permanente processual mutaacutevel diversamente

positivo quantitativa e qualitativamente em cada uma das formas concretas em

que o trabalho aparece nas configuraccedilotildees sociais determinadas

Nesse sentido abstratamente permanente abstratamente positivo mas

onde essa abstratividade natildeo corresponde a uma simples determinaccedilatildeo

conceitual Corresponde a uma efetividade em sua figura proacutepria em cada forma

social determinada

Agrave ontologia estatutaacuteria compete o reconhecimento dessa dimensatildeo mais

geral base para a decifraccedilatildeo cientiacutefica concreta dos casos efetivos que por sua

vez confirmam ou natildeo criticamente a determinaccedilatildeo mais geral ontoloacutegica Natildeo

haacute portanto um abismo separando ontologia de ciecircncia mas a continuidade de

momentos distintos de uma mesma unidade de conhecimento que interagem e

se medem reciprocamente se apoacuteiam estimulam e criticam um infinito processo

constitutivo das certezas

Continuando a anaacutelise do texto marxiano tem-se a descriccedilatildeo do

trabalho e o reconhecimento analiacutetico de sua natureza Antes de tudo [aqui

Chasin faz uma pequena observaccedilatildeo assinalando ou seja na raiz em seu

fundamento diria uma linguagem mais convencional e ciosa de suas

pretendidas atribuiccedilotildees] o trabalho eacute um processo entre o homem e a

natureza um processo em que o homem por sua proacutepria accedilatildeo medeia regula

controla seu metabolismo com a natureza Ele mesmo se defronta com a

mateacuteria natural Ele potildee em movimento as forccedilas naturais pertencentes agrave sua

corporalidade braccedilos e pernas cabeccedila e matildeo a fim de se apropriar da mateacuteria

natural numa forma uacutetil para a sua proacutepria vida Ao atuar por meio desse

movimento sobre a natureza externa a ele e ao modificaacute-la ele modifica ao

mesmo tempo sua proacutepria natureza Ele desenvolve as potecircncias nela

adormecidas e sujeita o jogo de suas forccedilas a seu proacuteprio domiacutenio[xi]

26

Observe-se que diz Chasin ao trabalhar ao mudar a forma da

natureza ao construir sua proacutepria mundaneidade o homem ele proacuteprio por

meio de seu proacuteprio trabalho transforma a sua proacutepria natureza Ou seja de ser

natural para social eis um novo exemplo de lineamento reconhecido e recolhido

agrave ontologia estatutaacuteria

Prosseguindo na especificaccedilatildeo Marx afirmaPressupomos o trabalho

numa forma que pertence exclusivamente ao homem Uma aranha executa

operaccedilotildees semelhantes agraves do tecelatildeo e a abelha envergonha mais de um

arquiteto humano com a construccedilatildeo dos favos de suas colmeacuteias Mas o que

distingue de antematildeo o pior arquiteto da melhor abelha eacute que ele construiu o

favo em sua cabeccedila antes de construiacute-lo em cera No fim do processo de

trabalho obteacutem-se um resultado que jaacute no iniacutecio deste existiu na imaginaccedilatildeo do

trabalhador e portanto idealmente Ele natildeo apenas efetua uma transformaccedilatildeo

da forma da mateacuteria natural realiza ao mesmo tempo na mateacuteria natural seu

objetivo que ele sabe que determina como lei a espeacutecie e o modo de sua

atividade e ao qual tem de subordina sua vontade E essa subordinaccedilatildeo natildeo eacute

um ato isolado Aleacutem do esforccedilo dos oacutergatildeos que trabalham eacute exigida a vontade

orientada a um fim que se manifesta como atenccedilatildeo durante todo o tempo de

trabalho e isso tanto mais quanto menos esse trabalho pelo proacuteprio conteuacutedo e

pela espeacutecie modo de sua execuccedilatildeo atrai o trabalhador portanto quanto

menos ele o aproveita como jogo de suas proacuteprias forccedilas fiacutesicas e espirituais[xii]

Chasin chama atenccedilatildeo para as seguintes observaccedilotildees

1) a preacutevia-ideaccedilatildeo do resultado (do fim) a existecircncia ideal do mesmo

na imaginaccedilatildeo donde o objeto ou um complexo categorial in mente e ante

res[xiii]

Preacutevia-ideaccedilatildeo e teleologia satildeo ou podem ser momentos confluentes

mas natildeo satildeo idecircnticos a preacutevia-ideaccedilatildeo estaacute no comeccedilo e eacute um desenho ideal

que implica o conhecimento da espeacutecie e do modo da atividade a realizar

27

conhecimento das malhas causais teleologia eacute simplesmente finalidade fim

objetivo podendo se apresentar de modo meramente volitivo e bem abstrato

natildeo mobilizante dos ou sem os meios de sua realizaccedilatildeo ou seja ter teleologia

sem preacutevia-ideaccedilatildeo natildeo conduz a nenhum processo de trabalho Quero assinar

que o termo teleologia pode ser demasiado vago no sentido de mero conceito

filosoacutefico convencional nesse sentido apenas alusivo e natildeo instrumentador de

operaccedilotildees na esfera da atividade sensiacutevel Pode ser entendido mais como

manifestaccedilatildeo de espiacuterito do que como exigecircncia de efetuaccedilatildeo de mudanccedila de

forma da mateacuteria natural e objetivaccedilatildeo de propoacutesito E de toda forma indica

antes de tudo que o fim o realizado estaacute no fim do processo fala do obtido ou

do a ser obtido nada nos diz da travessia que realiza da travessia que passa do

ideal para o real natildeo nos fala da mobilizaccedilatildeo ideal e material necessaacuterias

Quando a teleologia se manifesta como resultado jaacute natildeo eacute preciso dizer mais

nada a respeito Basta saudar e usufruir de sua apariccedilatildeo que nada tem de

maacutegica ou misteriosa mas antes de reconhececirc-la como produto das

metamorfoses de subjetividade e objetividade Ou seja em suas distintas

naturezas inconfundiacuteveis enquanto tais objetividade e subjetividade satildeo

entificaccedilotildees na mundaneidade humana e nessa qualidade estados ou momentos

do ser social momentos regidos pela atividade ideal e sensiacutevel do mesmo

Penso que Lukaacutecs ao transpor a questatildeo para a linguagem filosoacutefica

tradicional pode ter dissociado demais fins e meios o que natildeo eacute o caso dos

textos de Marx Por isso Lukaacutecs se vecirc obrigado depois a buscar a rearticulaccedilatildeo

entre teleologia e causalidade e nisso encontre natildeo poucas dificuldades (como

uma passa para outra e vice-versa parecendo que lida ao limite com

substacircncias incomunicaacuteveis natildeo as compreendendo em suas metamorfoses) e

deixe que se perca certa substacircncia da questatildeo antes de tudo o interfluxo entre

objetividade e subjetividade com seus distintos momentos preponderantes em

cada um dos passos dos momentos embricados dos processos Creio que as

duas esferas ficam sempre tradicionalmente um tanto estranhas uma em

28

relaccedilatildeo agrave outra seja para preservar a objetividade e aiacute se torna objetivista seja

para ressaltar a subjetividade e aiacute desliza para o subjetivismo

2) No fim do processo tem-se seu resultado que eacute a transformaccedilatildeo da

forma de uma dada mateacuteria natural e a realizaccedilatildeo do objetivo do trabalho que

existiu antes como preconfiguraccedilatildeo ideal Portanto o trabalho transforma

imagem ideal em ente real complexo categorial in rebus

Em suma no pensamento de Marx as categorias ou complexos

categoriais satildeo reconhecidos sob as trecircs formas in mente (existem idealmente

na imaginaccedilatildeo ou como reproduccedilatildeo mental das coisas categorias da

representaccedilatildeo) ante res (preacutevia-ideaccedilatildeo) e in rebus como efetividades quando

estatildeo na forma de ser Como confirmaccedilatildeo tome-se mais esta passagem do

mesmo capiacutetulo No processo de trabalho a atividade do homem efetua

portanto mediante o meio de trabalho uma transformaccedilatildeo do objeto de

trabalho pretendida desde o princiacutepio O processo extingue-se no produto Seu

produto eacute um valor de uso uma mateacuteria natural adaptada agraves necessidades

humanas mediante transformaccedilatildeo da forma O trabalho se uniu com seu objeto

O trabalho estaacute objetivado e o objeto trabalhado O que do lado do trabalhador

aparecia na forma de mobilidade aparece agora como propriedade imoacutevel na

forma do ser[xiv] do lado do produto Ele fiou e o produto eacute um fio[xv]

Como arremate analiacutetico dessa famosa mas muitas vezes mal

compreendida passagem de O Capital Chasin conclui ao mesmo tempo em que

visualiza uma nova tarefa Se assim eacute se as categorias podem aparecer nas

trecircs formas - in rebus - in mente - ante res - haacute entatildeo que determinar o que satildeo

cada uma dessas formas

Esquematicamente Chasin propotildee o seguinte

1) se estatildeo in rebus (nas coisas) estatildeo na forma do ser

29

2) se estatildeo in mente (na cabeccedila) estatildeo na forma da reproduccedilatildeo ideal

das coisas Trata-se da subjetividade receptora[xvi] que reproduz as coisas natildeo

captando apenas seus dados empiacutericos superando pois o empirismo e elabora

portanto a reproduccedilatildeo ideal dos entes e onde a subsunccedilatildeo aos objetos eacute a

atividade de sua elaboraccedilatildeo ideal

3) se estatildeo ante res (antes das coisas) estatildeo na forma da finalidade da

preacutevia mentalizaccedilatildeo de objetivos e meios

Poreacutem no segundo e terceiro casos as categorias estatildeo na forma de

espeacutecies de pensamento representaccedilotildees e projeccedilotildees do ser do vir-a-ser dos

meios materiais instrumentais processuais e dinacircmicos de entificaccedilatildeo dos

seres

Concluindo essa parte dizer pois que o homem e o mundo satildeo

atividade sensiacutevel que por criar seu mundo cria a si mesmo eacute determinar o

homem como a criatura criadora de seres

No entanto na medida em que apenas na configuraccedilatildeo histoacuterica regida

pela loacutegica do capital ou seja na plenitude da produccedilatildeo da riqueza entendida

por sua essecircncia subjetiva que eacute o trabalho que se atinou para determinaccedilatildeo

do homem como a criatura criadora de seres foi possiacutevel agrave reflexatildeo pode se

dar conta potencialmente da verdadeira problemaacutetica do ser

Em outras palavras eacute pela criacutetica ao criador de criaturas na forma da

alienaccedilatildeo - criacutetica marxiana agrave sociedade capitalista - eacute que a ontologia pode

atinar com seu verdadeiro objeto e modo de determinaccedilatildeo Natildeo eacute casual que

tenha emergido pela criacutetica feuerbachiana ao sistema hegeliano (a criaccedilatildeo

especulada dos entes) e ganho seus contornos efetivos no advento de uma

nova forma de pensamento e concepccedilatildeo de praacutetica - a doutrina de Marx

Resumindo no caso de Marx ontologia eacute estatuto ou filosofia primeira

do ser social que enquanto tal norteia a concreccedilatildeo cientiacutefica do mesmo cuja

30

realizaccedilatildeo corrige e enriquece o proacuteprio estatuto donde a sinergia e a reciacuteproca

dimensatildeo criacutetica entre estatuto ontoloacutegico e ciecircncia da histoacuteria em seus diversos

departamentos possiacuteveis estabelecidos jaacute por criteacuterio ontoloacutegico ou seja que

respeita a integridade das coisas em suas qualidades e processos interconexos

que as constituem em seu ser por si e enquanto tais satildeo reproduzidas

teoricamente

Enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma da legalidade objetiva (material

e espiritual) do ser social ou seja enquanto malha de asserccedilotildees ou

determinaccedilotildees de seu complexo categorial enquanto o permanente na forma de

processo a ontologia estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a

sociabilidade como substacircncia desse grau maacuteximo da cadeia do ser

Mas substacircncia como complexo categorial como siacutentese de categorias

essenciais que denota uma forma especiacutefica determinada de presenccedila ou

existecircncia plenamente qualificada

Por isso eacute estatuto ontoloacutegico pois a plataforma canocircnica do ser eacute o

coacutedigo do substantivo verbal como substacircncia substrato) assim o estatuto

ontoloacutegico do complexo substantivo do ser social deve reconhecer a

sociabilidade como substacircncia A sociabilidade como substrato dos homens

seja na forma da alienaccedilatildeo seja na forma de sua latecircncia de substancialidade

em vir-a-ser no caminho infinito de sua realizaccedilatildeo

Trata-se portanto em Marx de estatuto e natildeo sistema pois como

sistema seria um agregado de abstraccedilotildees uma filosofia que uma vez obtidas

noccedilotildees fundamentais passa a se edificar por si ou seja as noccedilotildees seriam

coaacutegulos inteligiacuteveis que passam por auto-sustentaccedilatildeo a configurar

dedutivamente o mundo Ao passo que estatuto eacute uma ordem a legalidade do

ser sensiacutevel - o ser na plenitude de seus atributos

tempo (histoacuteriaprocessoduraccedilatildeomutabilidade) lugar e sensibilidade

especificamente a legalidade do ser social imanente a si em sua especiacutefica

31

objetividade O ser sensiacutevel eacute a forma do ser porque eacute a plenitude das

categorias possiacuteveis

E as formaccedilotildees ideais

Segundo Chasin as formaccedilotildees ideais do mesmo modo que as

formaccedilotildees reais - formas do ser - tecircm lugar e tempo como categorias - o tempo

e o espaccedilo das formaccedilotildees sociais que satildeo engendradas mas estatildeo privadas de

sensibilidade

O sensiacutevel soacute eacute predicaccedilatildeo inerecircncia agrave forma do ser que conteacutem a

plenitude dos predicados possiacuteveis (sensibilidade espaccedilo tempo)

Essa forma de conceber o ser eacute reconhecer substancialidade ao

complexu agrave unidade totalizada ou seja ao conjunto pleno de atributos em ato

Em outras palavras ser eacute complexo categorial - tem a forma de ser -

completude ou forma conferida pelo sensiacutevel que se desdobra em muacuteltiplos

atributos e se condensa de infinitas maneiras no gradiente do ser

Em suma segundo Chasin tomando Marx como base e ponto de

referecircncia permanentes ser eacute plenitude categorial ou seja a plenitude

categorial eacute sua forma e por ser sensiacutevel compreende lugar e tempo

Donde se admitido o princiacutepio metoacutedico de Marx saber eacute saber do ser

que antes de tudo eacute um complexo sensiacutevel - tudo que eacute existe eacute sempre um

complexo natildeo uma substacircncia ou essecircncia pura e cristalina E a cadeia do ser eacute

o conjunto de graus do ser - do menos ao mais complexo

O preceito metodoloacutegico marxiano eacute pois ontoloacutegico sabe-se o que eacute

como se formou se desenvolveu e como depereceraacute

Por via de consequumlecircncia e diante das vicissitudes da histoacuteria da

ontologia de seu processo constitutivo e dissolutor diante da penosa rota da

32

conquista teoacuterica do real homoacuteloga ou equivalente agrave necessidade humana de

produzir a sua mundaneidade e a si mesmo a ontologia eacute o que pode ser - o

que natildeo eacute pouco - a esfera teoacuterica da incerteza propulsora positiva

afirmativamente organizada O patamar do incerto ordenado como plataforma da

busca infinita da certeza Impulsatildeo incontornaacutevel que natildeo pode ser eludida pela

presenccedila imperativa dos circuitos ontopraacuteticos

Talvez agora o estatuto ontoloacutegico marxiano possa ser enunciado do

seguinte modo eacute o estudo das categorias fundamentais - em traccedilos essenciais

abstratos em suas determinaccedilotildees mais gerais - da existecircncia social

historicamente constatada e reconhecida sendo possiacutevel exemplificar com as

seguintes categorias historicidade (processualidade ou mutabilidade)

concreticidade ou objetividade atividade sensiacutevel e ideal (trabalho e

reproduccedilatildeo) subjetividade (receptiva e proponente) valor individualidade

gecircnero (sociabilidade) Tudo isso perfilando o complexo de complexos da auto

realizaccedilatildeo do ser humano-societaacuterio entendido que o fim dos fins eacute a infinitude

da realizaccedilatildeo do humano - do autopor-se do aberto ser humano-societaacuterio

Estatuto que em outros termos eacute a ordem do reconhecimento ou

reproduccedilatildeo teoacuterica da identidade natureza e constituiccedilatildeo das coisas por si por

seus complexos categoriais decisivos independentemente em qualquer plano

de se tornarem objetos de praacutetica ou reflexatildeo

Enquanto tal eacute a teoria do reconhecimento da objetividade histoacuterico-

social imanente em suas distintas formas de apresentaccedilatildeo (natureza e

sociedade) Em termos muito breves eacute o momento mais abstrato do

reconhecimento da identidade das coisas por si enquanto tal um dos momentos

distintos da unidade do saber do qual participa um segundo sob forma

concreta que eacute a ciecircncia

Pela proacutepria natureza histoacuterica processual do ser a ontologia marxiana

natildeo corresponde nem poderia corresponder por simples imperativo de

33

coerecircncia agrave forma de um saber universal plantado sobre uma racionalidade

auto-sustentada ou seja fundado na razatildeo universal nada mais a versatildeo laica

ou profana de Deus no dizer de Feuerbach Ou seja trata-se enfim de uma

forma de ontologia sem parentesco com o saber absoluto e que recusa qualquer

tipo de fundamento especulativo pois absolutizaccedilatildeo de uma teoria da

fundamentaccedilatildeo eacute simplesmente a firmaccedilatildeo especulativa da razatildeo autocircnoma ou

de um princiacutepio de inteligibilidade situado para aleacutem das coisas que garante a

presenccedila e o conhecimento do sagrado e a vitoacuteria antecipada do idealismo Natildeo

correspondendo agrave qualquer forma de saber universal a ontologia marxiana

sustenta a possibilidade efetiva como jaacute vimos de um saber real

Por sua praacutetica teoacuterica e por um conjunto de lineamentos expliacutecitos

Marx deixou o legado de um especiacutefico estatuto ontoloacutegico natildeo um ontologia de

talhe convencional ou tradicional e natildeo apenas por que careceu de tempo

necessaacuterio para a realizaccedilatildeo de uma obra desse tipo mas fundamentalmente

pela distinccedilatildeo de natureza de seu estatuto ontoloacutegico radicalmente oposto ao

tratamento especulativo da mateacuteria

Esse estatuto eacute constituiacutedo a partir do universo praacutetico onticamente

referido ou seja eacute um estatuto ocircntico-ontoloacutegico pois evolve da efetividade

histoacuterica das coisas de suas relaccedilotildees e processos para sua reproduccedilatildeo

conceitual no plano de uma trama categorial em sua expressatildeo mais abstrata

Reconhecimento e Determinaccedilatildeo da Sociabilidade como Substacircncia

Vimos que segundo Chasin enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma

da legalidade do ser social em sua materialidade e espiritualidade[pode-se dizer

tambeacutem em sua objetividade sensiacutevel e supra-sensiacutevel] ou seja enquanto

malha de asserccedilotildees ou determinaccedilotildees de seu complexo categorial a ontologia

34

estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a sociabilidade como substacircncia desse

grau maacuteximo do ser

Embora Chasin natildeo tenha desenvolvido plenamente a questatildeo da

objetividade supra-sensiacutevel como tambeacutem a da sociabilidade como substacircncia

julgo conveniente transcrever tambeacutem algumas notas e comentaacuterios feitos em

sala de aula dada a importacircncia do tema

Em relaccedilatildeo agrave noccedilatildeo de substacircncia Chasin retoma sua noccedilatildeo mais geral

e tradicional Ou seja deixando de fora qualquer conotaccedilatildeo relativa a formas de

idealidade o que existe por si eacute um auto-engendrado a uacuteltima instacircncia de um

dado gecircnero de entificaccedilatildeo enquanto tal na medida em que eacute uma efetividade

eacute um complexo que a noccedilatildeo de substacircncia refere no mais alto grau de

abstraccedilatildeo Vale pois como abstraccedilatildeo razoaacutevel tal como todo conceito

marxiano nesse niacutevel de generalizaccedilatildeo a partir do qual pela via dos processos

de concreccedilatildeo satildeo determinaacuteveis as formas concretas de substacircncia

correspondentes agraves formaccedilotildees sociais reais

Dessa forma a substacircncia eacute um complexo histoacuterico natildeo uma

idealidade natildeo um construto da razatildeo auto-sustentada mas o resumo de uma

extraccedilatildeo justificada

Naturalidade e Sociabilidade

Sempre que se potildee a questatildeo da naturalidade e da sociabilidade essa

uacuteltima tende a ser examinada in statu nascendi ou de um estado original

imaginaacuterio natildeo se parte portanto de fatos pois os desconhecemos se eacute que

35

tenham existido mas de um mito E do mito se quer saltar para o quadro de uma

realidade complexa

Mas acompanhando Marx lembremos das pobres robinsonadas do

seacuteculo XVIII referidas logo agraves primeiras linhas da Introduccedilatildeo de 57 a) O

caccedilador e o pescador individuais e isolados de que partem Smith e Ricardo b)

o contrat social de Rousseau que relaciona e liga sujeitos independentes por

natureza por meio de um contrato Essas robinsonadas natildeo repousam sobre

(o) naturalismo E a argumentaccedilatildeo prossegue Trata-se ao contraacuterio de uma

antecipaccedilatildeo da sociedade (buumlrgelichen Gesellschaft) que se preparava desde

o seacuteculo XVI e no seacuteculo XVIII deu larguiacutessimos passos em direccedilatildeo agrave sua

maturidade Nesta sociedade da livre concorrecircncia o indiviacuteduo aparece

desprendido dos laccedilos naturais que em eacutepocas histoacutericas remotas fizeram dele

um acessoacuterio de um conglomerado humano limitado e determinado Os profetas

do seacuteculo XVIII sobre cujos ombros se apoacuteiam inteiramente Smith e Ricardo

imaginam o indiviacuteduo do seacuteculo XVIII como um ideal que teria existido no

passado Vecircem-no natildeo como um resultado histoacuterico mas como ponto de partida

da Histoacuteria porque o consideram como um indiviacuteduo conforme agrave natureza -

dentro da representaccedilatildeo que tinham da natureza humana - que natildeo se originou

historicamente mas foi posto como tal pela natureza[xvii]

Segundo Chasin tomando Marx novamente como ponto de referecircncia

os equiacutevocos que aparecem ao se tratar a relaccedilatildeo naturalidade sociabilidade

satildeo os seguintes

1) procurar deduzir em graus diferentes em cada caso o ser social do

natural esquecendo que se trata da emergecircncia do novo de uma configuraccedilatildeo

ontoloacutegica nova e que o novo nunca eacute um simples desdobramento do estaacutegio

anterior no caso - do grau de ser antecedente ou seja que entre os dois niacuteveis

ocorre o que se chama de salto um intervalo em que a potecircncia causal do

antecedente natildeo conteacutem a capacidade a potecircncia ou a potencialidade para

gerar o novo Um intervalo que fica assim indeterminado

36

2) o procedimento acima abre para a mera especulaccedilatildeo pois tende a

deduzir a indeterminaccedilatildeo a querer estabelecer nexos onde eles inexistem

tende a preencher o que de fato eacute um vazio A rigor natildeo se trata de um natildeo-

sabido mas da ausecircncia factual de um objeto ou processo em outros termos

se trata de um vazio ontoloacutegico de uma ausecircncia de nexos ontoloacutegicos

O correto segundo o modus operandi marxiano natildeo eacute partir da semente

ou do embriatildeo mas do complexo real maturado uma vez que

especialiacutessimamente na esfera social a loacutegica do gerado eacute diversa da loacutegica de

sua gecircnese aleacutem de que nesse acircmbito as entificaccedilotildees configuradas apagam a

rota e a loacutegica de sua formaccedilatildeo

Desse modo partindo do jaacute configurado e considerando que se trata de

uma configuraccedilatildeo infinita que compreende mutaccedilotildees qualitativas muito

importantes e natildeo esquecendo que permanecemos no estaacutegio preacute-histoacuterico (em

momento especialmente desequilibrado e contraditoacuterio) podemos e devemos

reconhecer por meio de algumas abstraccedilotildees razoaacuteveis o seguinte

1) A formaccedilatildeo do ser social eacute um processo da animalidade agrave

hominidade o andamento da naturalidade agrave sociabilidade o caminho infinito da

naturalidade dada agrave sociabilidade natildeo-dada em produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

perenes

2)Trata-se pois de uma entificaccedilatildeo processual entre dois niacuteveis ou

poacutelos da escala do ser sendo processo eacute intrinsecamente uma contradiccedilatildeo e soacute

enquanto tal se move eliminada a contradiccedilatildeo cessaria a possibilidade do

processo Com isso eacute dito algo muito importante pois ao reconhecer a

contraditoriedade entre naturalidade e sociabilidade natildeo eacute mais possiacutevel pensar

as mesmas a propoacutesito do ser social como um simples conjugado de fatores

mas obrigatoriamente como uma conjugaccedilatildeo contraditoacuteria de legalidades Isso

vai na esteira do que eacute compreendido desde Hegel - que o ser eacute uma unidade

contraditoacuteria - todavia com o acreacutescimo do problema da dupla legalidade De

37

que modo ou feiccedilatildeo chega cada uma delas agrave unidade contraditoacuteria do ser Pois

haacute que pensar na unidade ou siacutentese a natildeo ser que se queira desenhar o ser

social como uma aberraccedilatildeo hiacutebrida pode ser esta a fisionomia do grau mais

elevado do gradiente dos seres Assim tomada na devida consideraccedilatildeo essa

determinaccedilatildeo ontoloacutegica sem a qual a reflexatildeo perde o rumo trata-se de

compreender a dinacircmica especiacutefica dessa contradiccedilatildeo peculiar Vejamos

3) Em primeiro lugar esse processo contraditoacuterio gera novas

contradiccedilotildees agora dominantemente contradiccedilotildees da sociabilidade em

formaccedilatildeo de sorte que se trata de um processo cumulativo de

contraditoriedades no qual as novas contradiccedilotildees progressivamente vatildeo

tomando o lugar predominante e decisivo vale dizer a contradiccedilatildeo originaacuteria

cada vez mais coabita com contradiccedilotildees de outro gecircnero diante das quais sua

presenccedila vai mudando de forccedila e configuraccedilatildeo natildeo desaparece mas sua

qualidade vai mudando na proporccedilatildeo mesmo do desenvolvimento da

apropriaccedilatildeo societaacuteria da natureza cada vez mais puramente social - eacute no que

consiste de acordo com as palavras de Marx o progressivo afastamento das

barreiras naturais

4) Ou seja a matriz e a medida do afastamento eacute a forma cada vez

mais social de produzir e reproduzir as bases materiais da vida pela qual eacute

gerado o novo ser em direccedilatildeo agrave sua potecircncia ampliada de se auto-por de ir em

direccedilatildeo a si mesmo um si mesmo que natildeo eacute dado mas gerado na progressatildeo

da auto-posiccedilatildeo do auto-assentamento ou da auto-enformaccedilatildeo que inclui a

proacutepria daccedilatildeo de forma e resoluccedilatildeo ao predicado natural ou bioloacutegico daccedilatildeo de

forma que em suma eacute daccedilatildeo de forma social ao predicado natural

5) Essa possibilidade de daccedilatildeo de forma eacute afirmaccedilatildeo e realizaccedilatildeo da

essecircncia social que eacute o conjunto de relaccedilotildees sociais configuradas em cada

momento pelo modo de produzir da base material modo por sua vez que eacute

determinado pelo desenvolvimento das forccedilas produtivas entre as quais figura o

proacuteprio modo de organizaccedilatildeo do conjunto das relaccedilotildees sociais

38

6) Daccedilatildeo de forma eacute alteraccedilatildeo do lugar resolutivo e todo ente que muda

de lugar muda de natureza sem alterar uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo material

Vale dizer que a contradiccedilatildeo originaacuteria entre naturalidade e sociabilidade eacute

resolvida por uma nova contradiccedilatildeo - a da naturalidade que soacute se realiza na

forma e por meios sociais - no afastamento que eacute superaccedilatildeo da naturalidade

(processo histoacuterico) a legalidade natural eacute submetida agrave legalidade social

(diferentemente em cada modo de produccedilatildeo e de acordo com o

desenvolvimento das forccedilas produtivas) o fator natural natildeo eacute suprimido

suprimida eacute sua capacidade de autodeterminaccedilatildeo resta portanto

simplesmente o que natildeo eacute pouco como um predicado do ser humano um

predicado insuprimiacutevel mas apenas como predicado bioloacutegico de um ser de

outra natureza e essecircncia A naturalidade eacute retida como predicado

imprescindiacutevel mas natildeo como essecircncia Donde natildeo satildeo mais duas legalidades

ontoloacutegicas que coexistem mas a legalidade superior mais complexa subsume

a legalidade natural que natildeo mais se autodetermina mas eacute resolvida pela e do

interior da outra Assim o predicado natural do homem recebe forma e

resoluccedilatildeo sociais ou seja o predicado natural eacute subsumido agrave legalidade social

Natildeo resta mais o choque de duas legalidades contrapostas na

contradiccedilatildeo originaacuteria A legalidade natural vai sucumbindo na ruptura e

progressivamente agrave legalidade social em sua efetividade no ser social a

legalidade natural natildeo mais atua por si eacute dependente do social natildeo eacute mais a

legalidade de um ser pois natildeo haacute mais aiacute um ser natural mas um atributo

natural dependente da essecircncia social O homem eacute um ser social que

compreende sua essecircncia especiacutefica (variaacutevel) suas contingecircncias e seu

predicado bioloacutegico Na entificaccedilatildeo do ser social uacuteltimo grau da cadeia do ser a

legalidade natural eacute subalternizada agrave social por mais ruacutestica e restrita que seja a

essecircncia social primitiva e por mais precaacuteria que seja essa subalternizaccedilatildeo de

iniacutecio O processo de afastamento das barreiras naturais eacute assim o curso dessa

subalternizaccedilatildeo que desponta no iniacutecio na ruptura com a legalidade natural e

por mais longo e contraditoacuterio em avanccedilos e recuos que seja esse processo

39

7) de outra parte a loacutegica do predicado bioloacutegico natildeo soluciona natildeo

tem resposta para o complexo problemaacutetico da sociabilidade enquanto que esta

daacute soluccedilatildeo aos imperativos daquela Como diz Marx nos Manuscritos de 44 o

homem contempla a natureza e a si mesmo com um produto social [dos homens

interativos] com pleno direito mesmo que natildeo com elevada consciecircncia ou altos

valores

8) Donde a foacutermula lukaacutecsiana da dupla base eacute falsa pois a plataforma

eacute a sociabilidade enquanto a naturalidade eacute apenas o insuprimiacutevel predicado

bioloacutegico que passa a vigir na forma e sob a regecircncia da sociabilidade Natildeo

perde por isso uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo orgacircnica mas na sua efetividade

muda de caraacuteter No interiro da esfera societaacuteria o predicado bioloacutegico eacute um

outro de si Se originariamente foi o ponto de partida agora eacute produzido e

reproduzido pela legalidade de um ser que o ultrapassa e o domina vive e soacute

pode viver na subjugaccedilatildeo de um novo estatuto Ou seja ao integrar como

predicado o ser de niacutevel mais elevado realiza a sua maacutexima potecircncia e isso eacute

ao mesmo tempo sua desnaturalizaccedilatildeo ou perecimento Impereciacutevel como

predicado natildeo eacute base pois determina soacute por seus limites pelas carecircncias natildeo

pelas determinaccedilotildees resolutivas nem mesmo em suas forccedilas e sentidos pois

enquanto virtualidades estas soacute satildeo humanas e superiores em resoluccedilatildeo

societaacuteria Ademais natildeo eacute nunca um criador de novas necessidades o que

caracteriza a legalidade social

9) A argumentaccedilatildeo acima diz respeito diretamente ao ser social em sua

configuraccedilatildeo bipolar (indiviacuteduo e gecircnero) e desenvolvida em especial no poacutelo da

individualidade tendo por esteio o andamento do gecircnero e ao falar deste se diz

do seu metabolismo com a natureza Esse metabolismo fundamental que eacute em

suma a atividade vital do homem ao gerar produtos sociais

(utilidadesmercadorias) sem que se possa transpor a estes as mesmas

determinaccedilotildees que foram feitas para o ser social desde logo satildeo entes sociais

mas em outro grau da escala do ser social mas tambeacutem tecircm mudada a sua

natureza de naturais a utilidades (e na forma da alienaccedilatildeofetichismo as

40

mercadorias) de sorte que a apropriaccedilatildeo da natureza eacute igualmente sua

desnaturalizaccedilatildeo eacute forccedilaacute-las a deixar de ser o que satildeo em sua peculiaridade

para se tornarem um outro de si sob a regecircncia do estatuto societaacuterio Isso eacute a

manifestaccedilatildeo do poder e da superioridade do grau maacuteximo do ser Nenhum

outro ser realiza qualquer coisa semelhante nem longinquumlamente Repetindo

Kant e Hegel Marx tinha toda razatildeo quando disse que haacute mais grandeza e

misteacuterio na cabeccedila de um becircbado do que no conjunto do universo

10) a Sociabilidade imperfeita substacircncia ainda natildeo realizada enquanto

tal ou seja ainda incapaz de autonomia como complexo estruturado conduz agrave

poliacutetica Natildeo compreendida como substacircncia mas como simples organizaccedilatildeo

potildee o homem no outro poacutelo na dicotomia homemsociedade ou seja na

representaccedilatildeo socioloacutegica ou politoloacutegica o homem eacute um outro

Determinada ou compreendida como substacircncia eacute substacircncia humana

(perfeita e imperfeita com todas as grandezas e miseacuterias produzidas

modificadas suprimidas e repostas no curso histoacuterico) eacute a essecircncia mutante do

ser auto-engendrado e enquanto mutante e por ser mutante distinta tambeacutem

por essa mutabilidade do predicado bioloacutegico atemporalmente necessaacuterio mas

sempre e progressivamente insuficiente do ser social

O tomo IV do primeiro nuacutemero da Revista Ensaios Ad Hominem eacute

composto de seis artigos - aleacutem do texto de abertura de autoria de J Chasin -

que resultaram de siacutenteses ou modificaccedilatildeo de partes ou capiacutetulos de

dissertaccedilotildees defendidas entre os anos de 1998 e 1999 junto ao Programa de

Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia da UFMG

41

O artigo que abre a presente coletacircnea intitulado A Razatildeo como

Tribunal da Criacutetica Marx e A Gazeta Renana de autoria de Celso Eidt versa

sobre a concepccedilatildeo do jovem Marx sobre o papel da imprensa natildeo apenas como

o locus privilegiado para o debate filosoacutefico mas fundamentalmente para os

processos educativos tendo em vista a realizaccedilatildeo plena da liberdade humana Eacute

bom ressaltar que no periacuteodo em que tais artigos satildeo redigidos Marx

compartilha de uma visatildeo antropoloacutegica racional em que a natureza humana eacute

concebida como espiacuterito livre e racional enquanto esteio da proacutepria vida eacutetica

ou seja da praacutetica humana fundada na razatildeo universal

Ana Selva Albinati autora do artigo A Determinaccedilatildeo dos Valores

Morais nos textos de Marx de 1841 a 1847 se debruccedila justamente sobre tal

campo de reflexatildeo Seu trabalho eacute uma tentativa de sistematizaccedilatildeo das

consideraccedilotildees sobre os valores morais nos textos do periacuteodo que se inicia com

sua tese doutoral Diferenccedilas entre as Filosofias da Natureza de Demoacutecrito e

Epicuro prosseguindo ateacute A Miseacuteria da Filosofia Ana Selva procura demonstrar

que esse periacuteodo normalmente referido como sendo o da juventude de Marx eacute

na verdade constituiacutedo de dois momentos de sua elaboraccedilatildeo teoacuterica que tem

como momento de clivagem a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel de meados

de 1843 em que Marx rompe com o referencial teoacuterico do idealismo alematildeo Em

relaccedilatildeo agraves determinaccedilotildees sobre a moral essa ruptura se reflete na inflexatildeo

radical que diferencia a compreensatildeo da moralidade no primeiro e segundo

momentos de tal forma que a moralidade passa a ser compreendida como um

dos modos da consciecircncia socialmente determinada concepccedilatildeo completamente

distinta da primeira fase em que os valores morais eram compreendidos como

expressotildees da liberdade e da racionalidade humanas idealmente concebidas

No artigo A criacutetica da Especulaccedilatildeo nas Glosas de Kreuznach Milney

Chasin analisa o momento inicial e ao mesmo tempo decisivo da ruptura que

se verifica entre Marx e Hegel no plano das determinaccedilotildees do ser Desse modo

a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel inaugura a criacutetica marxiana da

especulaccedilatildeo no seu cerne o de rejeitar o procedimento especulativo

42

caracteriacutestico de se provir tudo da ideacuteia real de tornaacute-la sujeito isto eacute de

capacitar a abstraccedilatildeo ou conceito automovido - a partir das metamorfoses

hegelianas - de pocircr o multiverso sensiacutevel Em outros termos Milney Chasin no

referido artigo evidencia como a criacutetica da especulaccedilatildeo permite a Marx

ultrapassar os horizontes do idealismo alematildeo na direccedilatildeo do devido

reconhecimento da distinccedilatildeo entre ser e pensar de caracterizar a impropriedade

ontoloacutegica da loacutegica hegeliana de apurar os limites gnosioloacutegicos e

incongruecircncias de toda ordem Em suma permite o desvelamento da substacircncia

miacutestica oferecendo a explicitaccedilatildeo do meacutetodo hegeliano - das diabruras do

conceito autoposto - que articula abstraccedilotildees e finitude restando a esta a mera

condiccedilatildeo de apecircndice dissolvido isto eacute momento virtual da realizaccedilatildeo da

idealidade

O quarto artigo desta coletacircnea intitulado A Exteriorizaccedilatildeo da Vida nos

Manuscritos de 44 eacute parte da dissertaccedilatildeo de mestrado As Categorias

Lebensaumlusserung Entaumlusserung Entfremdung e Veraumlusserung nos Manuscritos

Economico-Filosoacuteficos de Karl Marxdefendida por Mocircnica H M da Costa em

que o interesse era acima de tudo averiguar se alienaccedilatildeo (Entaumlusserung) e

estranhamento (Entfremdung) teriam significados distintos A pesquisa acabou

opor apontar no entanto uma outra categoria como eixo desses manuscritos

Lebensaumlusserung traduzida por exteriorizaccedilatildeo da vida De fato o fio condutor

dos Manuscritos eacute a centralidade do trabalho na produccedilatildeo material e espiritual

da vida humana Tomando para anaacutelise criacutetica pela primeira vez os

economistas claacutessicos Marx explicita sua proacutepria compreensatildeo da forma

peculiar de engendramento da existecircncia do homem A criacutetica a Hegel completa

o quadro desta tematizaccedilatildeo que natildeo seraacute abandonada ateacute os uacuteltimos trabalhos

de Marx

Sabina Maura Silva no artigo A Fenomenologia do Egoiacutesmo Stirner e a

Criacutetica Marxiana tem como objetivo fundamental apresentar a concepccedilatildeo de

homem presente na obra O Uacutenico e Sua Propriedade de autoria do filoacutesofo

neohegeliano Max Stirner e expor a criacutetica de Marx a este autor contida em A

43

Ideologia Alematilde A autora mostra que para Stirner o Eu tomado como

individualidade singular eacute o fundamento de sua esfera existencial No entanto

para esse autor tudo tem determinado a existecircncia dos indiviacuteduos natildeo tendo

sido permitido a eles determinaacute-la O objetivo de Stirner eacute pois remeter ao

indiviacuteduo - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel - o que dele foi alienado e erigido

como algo autocircnomo Por seu turno a criacutetica de Marx tem como fim explicitar o

caraacuteter especulativo da anaacutelise stirneana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo

bem como salientar o aspecto pseudorevolucionaacuterio de suas proposituras

Assim segundo Marx Stirner tatildeo somente interpreta diferentemente o

existente isto eacute reconhece o existente mediante outra

interpretaccedilatildeoTransformando as contradiccedilotildees objetivas em contradiccedilotildees

subjetivas Stirner conserva e justifica as condiccedilotildees e estruturas efetivas que

esmagam e impedem a autodeterminaccedilatildeo das individualidades ao reconhecer

as circunstacircncias como determinaccedilotildees dos indiviacuteduos Acolhendo acriacutetica e

especulativamente em suas feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees

estranhadas de um momento histoacuterico particular da individuaccedilatildeo humana

Stirner erige como individualidade um ente que empobrecido e constrangido

pelas condiccedilotildees objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade

social pode somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria

sobre si e sobre o mundo

O uacuteltimo artigo do tomo IV da Revista Ensaios Ad Hominem eacute de

autoria de Antocircnio Joseacute Lopes Alves e leva o tiacutetulo de A Individualidade

Moderna nos Grundrisse Neste texto o autor procura demonstrar que a

moderna sociabilidade do capital eacute compreendida por Marx como forma

instaurada a partir da dissoluccedilatildeo dos liames sociais que uniam em tempos

anteriores os indiviacuteduos agrave comunidade Aleacutem disso destaca o fato apontado por

Marx de que tal processo se constitui numa verdadeira reconversatildeo ontoloacutegica

tanto dos indiviacuteduos quanto das condiccedilotildees da atividade vital ocorrendo uma

radical transformaccedilatildeo na forma de ser de ambos Sinteticamente trata-se de

reconfiguraccedilatildeo ontoloacutegica que determina como entes autocircnomos os indiviacuteduos

44

de um lado e as condiccedilotildees de trabalho de outro vale dizer do divoacutercio entre os

indiviacuteduos ativos e as condiccedilotildees de sua atividade Antocircnio Lopes buscou em

suma alinhar as determinaccedilotildees mais essenciais dos indiviacuteduos e da

sociablidade modernos no que respeita agrave forma mesma das relaccedilotildees sociais da

atividade sensiacutevel bem como da respectiva expressatildeo ideal como por exemplo

a configuraccedilatildeo das categorias da igualdade e liberdade

O leitor encontraraacute nas paacuteginas que se seguem o resultado do esforccedilo

de pesquisa voltado ao resgate da obra marxiana caracterizado pela busca do

rigor na leitura e interpretaccedilatildeo do pensamento de um autor cuja heranccedila

intelectual conheceu um destino traacutegico Natildeo eacute faacutecil portanto voltar-se a ela

sem os preconceitos da moda - como jaacute havia advertido Lukaacutecs Natildeo posso

afirmar com total certeza que um intento dessa natureza tenha sido plenamente

alcanccedilado Todavia eacute faacutecil perceber as diferenccedilas desse tipo de produccedilatildeo teoacuterica

com aquela apresentada tanto pelo marxismo adstringido e suas dissidecircncias

como pelo marxismo vulgar para utilizar as expressotildees cunhadas por Chasin no

intuito de designar as duas variantes de interpretaccedilatildeo da obra marxiana

Faccedilo aqui ao leitor interessado o convite para participar dessa

avaliaccedilatildeo

[1] Professora do Departamento de Filosofia da UFMG coordenadora

do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e Estudos Confluentes

45

[i] J CHASIN Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in

Teixeira FJS Pensando com Marx Editora Ensaio Satildeo Paulo 1995

[ii] K MARX amp F ENGELS A Sagrada Famiacutelia Ed Grijalbo trad

Wenceslao Roces Meacutexico DF 1960 p 120

[iii] Ver a respeito J CHASIN Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo

Metodoloacutegica opcit

[iv] J CHASIN O Futuro Ausente in Ensaios Ad Hominem 1 tomo III

Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem Satildeo Paulo 2000 p 166

[v] Ib p 167

[vi] Id

[vii] E CASSIRER A Filosofia do Iluminismo Editora da Unicamp

Campinas 1992 p 11

[viii] G LUKAacuteCS La Riproduzionein Per lOntologia delle Essere

Sociale Roma Editori Riuniti tomo II 1981 pp 180-81

[ix] N HARTMANN Ontologia Fondo de Cultura Econoacutemica Meacutexico D

F vol 1 1986

[x] K MARX O Capital vol I Ediccedilatildeo Abril Cultural Satildeo Paulo p 149

[xi] Id

[xii] Ib p 150

[xiii] (a respeito dessas categorias ver N HARTMANN Ontologia op cit

vol I p XII

46

47

[xiv] No original alematildeo in der Form des Seins Dietz Verlag 1971 p

195

[xv] Ib p 151

[xvi] Ver a respeito em J CHASIN Marx-Estatuto Ontoloacutegico e

Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica op cit

[xvii] K MARX op Cit p 126

Page 23: :: Verinotio - Revista On-line de Educao e Cincias Humanas · O leitor encontrará, portanto, nessa Apresentação o fruto de trabalho de coleta e organização de materiais utilizados

reduzido agrave forma mais vazia a simples propriedade de um todo que escapa

completamente agrave sua jurisdiccedilatildeo Donde seu desenlace em loacutegica

De outra parte quando o ser eacute tomado em sua denotaccedilatildeo substantiva

ou seja na multiplicidade de suas propriedades qualitativas em interconexatildeo

especiacutefica transborda em ciecircncia na medida em que a ontologia pretenda a

condiccedilatildeo de disciplina ou ciecircncia sistemaacutetica

Donde a impossibilidade de a ontologia ficar adstrita agrave forma do verbo

nem se realizar como dilucidaccedilatildeo concreta do substantivo Assim deve-se

reconhecer que a ontologia natildeo pode se realizar em nenhum desses dois poacutelos

nem simples tematizaccedilatildeo do ato geneacuterico da presenccedila - que redundaria em

simples compoacutesito tautoloacutegico nem tematizaccedilatildeo do ser substantivo concreto

pois aiacute se desnaturaria em ciecircncia especiacutefica

Conclusivamente a ontologia nem eacute simples tautologia do ser em ato

nem efetivaccedilatildeo cientiacutefico-concreta do desvendamento do ser como substantivo

Enquanto tal a ontologia eacute uma realizaccedilatildeo necessaacuteria no espaccedilo que antecede

aqueles dois poacutelos em verdade a plataforma que leva da constataccedilatildeo mais

abstrata do ser (tanto como substantivo quanto verbo) agrave sua reproduccedilatildeo

cientiacutefica como substantivo Enquanto tal eacute um estatuto - uma filosofia primeira

o cacircnon da legalidade do ser matrizado pelos traccedilos ou vetores categoriais

fundamentais do ser por si que matriza a cientificidade tanto em sua forma mais

abstrata - loacutegica - quanto em sua forma mais concreta - ciecircncia

O problema fundamental da filosofia primeira - philosophia prima - eacute o

problema das categorias mais gerais do ser aiacute incluso o ato de ser donde em

sua plenitude o ato sensiacutevel de ser - ens e esse o ens essendi complexo

categorial pleno no ato de existir

Essa plataforma estatutaacuteria natildeo eacute uma disciplina situada entre outras

disciplinas entre a loacutegica e a ciecircncia como um campo intermediaacuterio entre o

verbo e o substantivo entre a maacutexima abstratividade e a efetividade concreta

23

Essa distribuiccedilatildeo topograacutefica confere agrave abstraccedilatildeo a condiccedilatildeo de fundaccedilatildeo

(determinaccedilatildeo originaacuteriaontoloacutegica) e fundamento (ponto de partida

epistemoloacutegico) Se assim fosse perderia a condiccedilatildeo de filosofia primeira

Enquanto filosofia primeira eacute o reconhecimento do substantivo verbal

do substantivo que eacute do ens essendi natildeo de uma substantividade qualquer em

abstrato mas da substantividade que existe por todas as modalidades

categoriais isto eacute reais (sensiacuteveis) natildeo apenas um substantivo pensado que

dependeria para ser do pensamento mas do substantivo que eacute por-si

independentemente se ser pensado o que requer o complexo categorial

da sensibilidade por isso eacute que soacute eacute ser o ser sensiacutevel Vale dizer o ser como

verbo eacute resultado do ser substantivo soacute um sujeito (em suas diversas formas na

cadeia do ser) eacute (soacute um sujeito existe eacute faz sente pensa etc de acordo com

seu grau na cadeia do ser)

A ontologia do puro verbo ser ou das puras essecircncias (complexo

categorial abstrativante e eterno) eacute a autonomizaccedilatildeo das categorias ou da

existecircncia em relaccedilatildeo ao ser e existir reais agraves formas reais de ser e existir satildeo

as categorias e a existecircncia sem corpo ou sujeito mais do que isso satildeo as

categorias (essecircncia) e existecircncia em geral universal e abstrata tornadas

sujeito a essecircncia ou a existecircncia abstratas personificadas - e isso satildeo

puramente figuras do pensamento o que jaacute eacute especulaccedilatildeo natildeo ontologia

Marx agrave semelhanccedila de Feuerbach soacute admite como ente ou melhor

como entificaccedilatildeo o ens essendi - o ente sendo o ente no ato de ser o ente

revestido de existecircncia atual - objetivo o ente no exerciacutecio da accedilatildeo ou ato de

ser eacute portanto um ente existente ou seja o ente que estaacute sendo o ente no ato

de existir

Donde do mesmo modo que em Feuerbach o ser eacute inseparaacutevel de sua

existecircncia Ser e existir constituem uma unidade indissoluacutevel complexo

24

categorial no ato de ser pela atualizaccedilatildeo do complexo categorial essecircncia

determinada e mutaacutevel na mutabilidade de ser e ir sendo (essendi)

Eacute chegada a hora depois desta etapa analiacutetica de vislumbrar qual eacute o

cenaacuterio em Marx que esse conjunto de questotildees se coloca Com esse objetivo e

como eacute tiacutepico de seu procedimento investigativo junto aos textos daquele autor

Chasin toma para anaacutelise o item 1 O Processo de Trabalho do capiacutetulo V de O

Capital Nele pode-se identificar em primeiro lugar a natureza geral (universal)

da atualizaccedilatildeo da forccedila de trabalho que se encontra em potecircncia nos indiviacuteduos

A produccedilatildeo de valores de uso ou bens natildeo muda sua natureza geral por se

realizar para o capitalista e sob seu controle Por isso o processo de trabalho

deve ser considerado de iniacutecio independentemente de qualquer forma social

determinada[x]

Por que o processo de trabalho deve ser considerado de iniacutecio

independentemente de qualquer forma social determinada indaga Chasin A

resposta eacute formulada em estilo direto Para natildeo ser perdida a natureza do

trabalho sua positividade enquanto atividade humana vital

Tem-se nessa passagem segundo Chasin um exemplo do exerciacutecio

de uma ontologia estatutaacuteria - a positividade (sua efetividade ou operosidade)

universal do trabalho enquanto atributo vital e inalienaacutevel do homem

independentemente de suas formas concretas que se apresentam na forma do

trabalho alienado

Eacute a determinaccedilatildeo universal do trabalho o traccedilo de sua legalidade

uacuteltima sua determinaccedilatildeo mais geral e essencial dimensatildeo que natildeo desaparece

nem mesmo sob suas formas concretas mais negativas

A ontologia estatutaacuteria registra o traccedilo ou rastro dessa dimensatildeo

permanente que atravessa as formas concretas em sua efetividade contraditoacuteria

e especialmente desfavoraacutevel para o homem enquanto maioria subjugada ao

longo de toda a preacute-histoacuteria da humanidade

25

Permanente mas permanente processual mutaacutevel diversamente

positivo quantitativa e qualitativamente em cada uma das formas concretas em

que o trabalho aparece nas configuraccedilotildees sociais determinadas

Nesse sentido abstratamente permanente abstratamente positivo mas

onde essa abstratividade natildeo corresponde a uma simples determinaccedilatildeo

conceitual Corresponde a uma efetividade em sua figura proacutepria em cada forma

social determinada

Agrave ontologia estatutaacuteria compete o reconhecimento dessa dimensatildeo mais

geral base para a decifraccedilatildeo cientiacutefica concreta dos casos efetivos que por sua

vez confirmam ou natildeo criticamente a determinaccedilatildeo mais geral ontoloacutegica Natildeo

haacute portanto um abismo separando ontologia de ciecircncia mas a continuidade de

momentos distintos de uma mesma unidade de conhecimento que interagem e

se medem reciprocamente se apoacuteiam estimulam e criticam um infinito processo

constitutivo das certezas

Continuando a anaacutelise do texto marxiano tem-se a descriccedilatildeo do

trabalho e o reconhecimento analiacutetico de sua natureza Antes de tudo [aqui

Chasin faz uma pequena observaccedilatildeo assinalando ou seja na raiz em seu

fundamento diria uma linguagem mais convencional e ciosa de suas

pretendidas atribuiccedilotildees] o trabalho eacute um processo entre o homem e a

natureza um processo em que o homem por sua proacutepria accedilatildeo medeia regula

controla seu metabolismo com a natureza Ele mesmo se defronta com a

mateacuteria natural Ele potildee em movimento as forccedilas naturais pertencentes agrave sua

corporalidade braccedilos e pernas cabeccedila e matildeo a fim de se apropriar da mateacuteria

natural numa forma uacutetil para a sua proacutepria vida Ao atuar por meio desse

movimento sobre a natureza externa a ele e ao modificaacute-la ele modifica ao

mesmo tempo sua proacutepria natureza Ele desenvolve as potecircncias nela

adormecidas e sujeita o jogo de suas forccedilas a seu proacuteprio domiacutenio[xi]

26

Observe-se que diz Chasin ao trabalhar ao mudar a forma da

natureza ao construir sua proacutepria mundaneidade o homem ele proacuteprio por

meio de seu proacuteprio trabalho transforma a sua proacutepria natureza Ou seja de ser

natural para social eis um novo exemplo de lineamento reconhecido e recolhido

agrave ontologia estatutaacuteria

Prosseguindo na especificaccedilatildeo Marx afirmaPressupomos o trabalho

numa forma que pertence exclusivamente ao homem Uma aranha executa

operaccedilotildees semelhantes agraves do tecelatildeo e a abelha envergonha mais de um

arquiteto humano com a construccedilatildeo dos favos de suas colmeacuteias Mas o que

distingue de antematildeo o pior arquiteto da melhor abelha eacute que ele construiu o

favo em sua cabeccedila antes de construiacute-lo em cera No fim do processo de

trabalho obteacutem-se um resultado que jaacute no iniacutecio deste existiu na imaginaccedilatildeo do

trabalhador e portanto idealmente Ele natildeo apenas efetua uma transformaccedilatildeo

da forma da mateacuteria natural realiza ao mesmo tempo na mateacuteria natural seu

objetivo que ele sabe que determina como lei a espeacutecie e o modo de sua

atividade e ao qual tem de subordina sua vontade E essa subordinaccedilatildeo natildeo eacute

um ato isolado Aleacutem do esforccedilo dos oacutergatildeos que trabalham eacute exigida a vontade

orientada a um fim que se manifesta como atenccedilatildeo durante todo o tempo de

trabalho e isso tanto mais quanto menos esse trabalho pelo proacuteprio conteuacutedo e

pela espeacutecie modo de sua execuccedilatildeo atrai o trabalhador portanto quanto

menos ele o aproveita como jogo de suas proacuteprias forccedilas fiacutesicas e espirituais[xii]

Chasin chama atenccedilatildeo para as seguintes observaccedilotildees

1) a preacutevia-ideaccedilatildeo do resultado (do fim) a existecircncia ideal do mesmo

na imaginaccedilatildeo donde o objeto ou um complexo categorial in mente e ante

res[xiii]

Preacutevia-ideaccedilatildeo e teleologia satildeo ou podem ser momentos confluentes

mas natildeo satildeo idecircnticos a preacutevia-ideaccedilatildeo estaacute no comeccedilo e eacute um desenho ideal

que implica o conhecimento da espeacutecie e do modo da atividade a realizar

27

conhecimento das malhas causais teleologia eacute simplesmente finalidade fim

objetivo podendo se apresentar de modo meramente volitivo e bem abstrato

natildeo mobilizante dos ou sem os meios de sua realizaccedilatildeo ou seja ter teleologia

sem preacutevia-ideaccedilatildeo natildeo conduz a nenhum processo de trabalho Quero assinar

que o termo teleologia pode ser demasiado vago no sentido de mero conceito

filosoacutefico convencional nesse sentido apenas alusivo e natildeo instrumentador de

operaccedilotildees na esfera da atividade sensiacutevel Pode ser entendido mais como

manifestaccedilatildeo de espiacuterito do que como exigecircncia de efetuaccedilatildeo de mudanccedila de

forma da mateacuteria natural e objetivaccedilatildeo de propoacutesito E de toda forma indica

antes de tudo que o fim o realizado estaacute no fim do processo fala do obtido ou

do a ser obtido nada nos diz da travessia que realiza da travessia que passa do

ideal para o real natildeo nos fala da mobilizaccedilatildeo ideal e material necessaacuterias

Quando a teleologia se manifesta como resultado jaacute natildeo eacute preciso dizer mais

nada a respeito Basta saudar e usufruir de sua apariccedilatildeo que nada tem de

maacutegica ou misteriosa mas antes de reconhececirc-la como produto das

metamorfoses de subjetividade e objetividade Ou seja em suas distintas

naturezas inconfundiacuteveis enquanto tais objetividade e subjetividade satildeo

entificaccedilotildees na mundaneidade humana e nessa qualidade estados ou momentos

do ser social momentos regidos pela atividade ideal e sensiacutevel do mesmo

Penso que Lukaacutecs ao transpor a questatildeo para a linguagem filosoacutefica

tradicional pode ter dissociado demais fins e meios o que natildeo eacute o caso dos

textos de Marx Por isso Lukaacutecs se vecirc obrigado depois a buscar a rearticulaccedilatildeo

entre teleologia e causalidade e nisso encontre natildeo poucas dificuldades (como

uma passa para outra e vice-versa parecendo que lida ao limite com

substacircncias incomunicaacuteveis natildeo as compreendendo em suas metamorfoses) e

deixe que se perca certa substacircncia da questatildeo antes de tudo o interfluxo entre

objetividade e subjetividade com seus distintos momentos preponderantes em

cada um dos passos dos momentos embricados dos processos Creio que as

duas esferas ficam sempre tradicionalmente um tanto estranhas uma em

28

relaccedilatildeo agrave outra seja para preservar a objetividade e aiacute se torna objetivista seja

para ressaltar a subjetividade e aiacute desliza para o subjetivismo

2) No fim do processo tem-se seu resultado que eacute a transformaccedilatildeo da

forma de uma dada mateacuteria natural e a realizaccedilatildeo do objetivo do trabalho que

existiu antes como preconfiguraccedilatildeo ideal Portanto o trabalho transforma

imagem ideal em ente real complexo categorial in rebus

Em suma no pensamento de Marx as categorias ou complexos

categoriais satildeo reconhecidos sob as trecircs formas in mente (existem idealmente

na imaginaccedilatildeo ou como reproduccedilatildeo mental das coisas categorias da

representaccedilatildeo) ante res (preacutevia-ideaccedilatildeo) e in rebus como efetividades quando

estatildeo na forma de ser Como confirmaccedilatildeo tome-se mais esta passagem do

mesmo capiacutetulo No processo de trabalho a atividade do homem efetua

portanto mediante o meio de trabalho uma transformaccedilatildeo do objeto de

trabalho pretendida desde o princiacutepio O processo extingue-se no produto Seu

produto eacute um valor de uso uma mateacuteria natural adaptada agraves necessidades

humanas mediante transformaccedilatildeo da forma O trabalho se uniu com seu objeto

O trabalho estaacute objetivado e o objeto trabalhado O que do lado do trabalhador

aparecia na forma de mobilidade aparece agora como propriedade imoacutevel na

forma do ser[xiv] do lado do produto Ele fiou e o produto eacute um fio[xv]

Como arremate analiacutetico dessa famosa mas muitas vezes mal

compreendida passagem de O Capital Chasin conclui ao mesmo tempo em que

visualiza uma nova tarefa Se assim eacute se as categorias podem aparecer nas

trecircs formas - in rebus - in mente - ante res - haacute entatildeo que determinar o que satildeo

cada uma dessas formas

Esquematicamente Chasin propotildee o seguinte

1) se estatildeo in rebus (nas coisas) estatildeo na forma do ser

29

2) se estatildeo in mente (na cabeccedila) estatildeo na forma da reproduccedilatildeo ideal

das coisas Trata-se da subjetividade receptora[xvi] que reproduz as coisas natildeo

captando apenas seus dados empiacutericos superando pois o empirismo e elabora

portanto a reproduccedilatildeo ideal dos entes e onde a subsunccedilatildeo aos objetos eacute a

atividade de sua elaboraccedilatildeo ideal

3) se estatildeo ante res (antes das coisas) estatildeo na forma da finalidade da

preacutevia mentalizaccedilatildeo de objetivos e meios

Poreacutem no segundo e terceiro casos as categorias estatildeo na forma de

espeacutecies de pensamento representaccedilotildees e projeccedilotildees do ser do vir-a-ser dos

meios materiais instrumentais processuais e dinacircmicos de entificaccedilatildeo dos

seres

Concluindo essa parte dizer pois que o homem e o mundo satildeo

atividade sensiacutevel que por criar seu mundo cria a si mesmo eacute determinar o

homem como a criatura criadora de seres

No entanto na medida em que apenas na configuraccedilatildeo histoacuterica regida

pela loacutegica do capital ou seja na plenitude da produccedilatildeo da riqueza entendida

por sua essecircncia subjetiva que eacute o trabalho que se atinou para determinaccedilatildeo

do homem como a criatura criadora de seres foi possiacutevel agrave reflexatildeo pode se

dar conta potencialmente da verdadeira problemaacutetica do ser

Em outras palavras eacute pela criacutetica ao criador de criaturas na forma da

alienaccedilatildeo - criacutetica marxiana agrave sociedade capitalista - eacute que a ontologia pode

atinar com seu verdadeiro objeto e modo de determinaccedilatildeo Natildeo eacute casual que

tenha emergido pela criacutetica feuerbachiana ao sistema hegeliano (a criaccedilatildeo

especulada dos entes) e ganho seus contornos efetivos no advento de uma

nova forma de pensamento e concepccedilatildeo de praacutetica - a doutrina de Marx

Resumindo no caso de Marx ontologia eacute estatuto ou filosofia primeira

do ser social que enquanto tal norteia a concreccedilatildeo cientiacutefica do mesmo cuja

30

realizaccedilatildeo corrige e enriquece o proacuteprio estatuto donde a sinergia e a reciacuteproca

dimensatildeo criacutetica entre estatuto ontoloacutegico e ciecircncia da histoacuteria em seus diversos

departamentos possiacuteveis estabelecidos jaacute por criteacuterio ontoloacutegico ou seja que

respeita a integridade das coisas em suas qualidades e processos interconexos

que as constituem em seu ser por si e enquanto tais satildeo reproduzidas

teoricamente

Enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma da legalidade objetiva (material

e espiritual) do ser social ou seja enquanto malha de asserccedilotildees ou

determinaccedilotildees de seu complexo categorial enquanto o permanente na forma de

processo a ontologia estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a

sociabilidade como substacircncia desse grau maacuteximo da cadeia do ser

Mas substacircncia como complexo categorial como siacutentese de categorias

essenciais que denota uma forma especiacutefica determinada de presenccedila ou

existecircncia plenamente qualificada

Por isso eacute estatuto ontoloacutegico pois a plataforma canocircnica do ser eacute o

coacutedigo do substantivo verbal como substacircncia substrato) assim o estatuto

ontoloacutegico do complexo substantivo do ser social deve reconhecer a

sociabilidade como substacircncia A sociabilidade como substrato dos homens

seja na forma da alienaccedilatildeo seja na forma de sua latecircncia de substancialidade

em vir-a-ser no caminho infinito de sua realizaccedilatildeo

Trata-se portanto em Marx de estatuto e natildeo sistema pois como

sistema seria um agregado de abstraccedilotildees uma filosofia que uma vez obtidas

noccedilotildees fundamentais passa a se edificar por si ou seja as noccedilotildees seriam

coaacutegulos inteligiacuteveis que passam por auto-sustentaccedilatildeo a configurar

dedutivamente o mundo Ao passo que estatuto eacute uma ordem a legalidade do

ser sensiacutevel - o ser na plenitude de seus atributos

tempo (histoacuteriaprocessoduraccedilatildeomutabilidade) lugar e sensibilidade

especificamente a legalidade do ser social imanente a si em sua especiacutefica

31

objetividade O ser sensiacutevel eacute a forma do ser porque eacute a plenitude das

categorias possiacuteveis

E as formaccedilotildees ideais

Segundo Chasin as formaccedilotildees ideais do mesmo modo que as

formaccedilotildees reais - formas do ser - tecircm lugar e tempo como categorias - o tempo

e o espaccedilo das formaccedilotildees sociais que satildeo engendradas mas estatildeo privadas de

sensibilidade

O sensiacutevel soacute eacute predicaccedilatildeo inerecircncia agrave forma do ser que conteacutem a

plenitude dos predicados possiacuteveis (sensibilidade espaccedilo tempo)

Essa forma de conceber o ser eacute reconhecer substancialidade ao

complexu agrave unidade totalizada ou seja ao conjunto pleno de atributos em ato

Em outras palavras ser eacute complexo categorial - tem a forma de ser -

completude ou forma conferida pelo sensiacutevel que se desdobra em muacuteltiplos

atributos e se condensa de infinitas maneiras no gradiente do ser

Em suma segundo Chasin tomando Marx como base e ponto de

referecircncia permanentes ser eacute plenitude categorial ou seja a plenitude

categorial eacute sua forma e por ser sensiacutevel compreende lugar e tempo

Donde se admitido o princiacutepio metoacutedico de Marx saber eacute saber do ser

que antes de tudo eacute um complexo sensiacutevel - tudo que eacute existe eacute sempre um

complexo natildeo uma substacircncia ou essecircncia pura e cristalina E a cadeia do ser eacute

o conjunto de graus do ser - do menos ao mais complexo

O preceito metodoloacutegico marxiano eacute pois ontoloacutegico sabe-se o que eacute

como se formou se desenvolveu e como depereceraacute

Por via de consequumlecircncia e diante das vicissitudes da histoacuteria da

ontologia de seu processo constitutivo e dissolutor diante da penosa rota da

32

conquista teoacuterica do real homoacuteloga ou equivalente agrave necessidade humana de

produzir a sua mundaneidade e a si mesmo a ontologia eacute o que pode ser - o

que natildeo eacute pouco - a esfera teoacuterica da incerteza propulsora positiva

afirmativamente organizada O patamar do incerto ordenado como plataforma da

busca infinita da certeza Impulsatildeo incontornaacutevel que natildeo pode ser eludida pela

presenccedila imperativa dos circuitos ontopraacuteticos

Talvez agora o estatuto ontoloacutegico marxiano possa ser enunciado do

seguinte modo eacute o estudo das categorias fundamentais - em traccedilos essenciais

abstratos em suas determinaccedilotildees mais gerais - da existecircncia social

historicamente constatada e reconhecida sendo possiacutevel exemplificar com as

seguintes categorias historicidade (processualidade ou mutabilidade)

concreticidade ou objetividade atividade sensiacutevel e ideal (trabalho e

reproduccedilatildeo) subjetividade (receptiva e proponente) valor individualidade

gecircnero (sociabilidade) Tudo isso perfilando o complexo de complexos da auto

realizaccedilatildeo do ser humano-societaacuterio entendido que o fim dos fins eacute a infinitude

da realizaccedilatildeo do humano - do autopor-se do aberto ser humano-societaacuterio

Estatuto que em outros termos eacute a ordem do reconhecimento ou

reproduccedilatildeo teoacuterica da identidade natureza e constituiccedilatildeo das coisas por si por

seus complexos categoriais decisivos independentemente em qualquer plano

de se tornarem objetos de praacutetica ou reflexatildeo

Enquanto tal eacute a teoria do reconhecimento da objetividade histoacuterico-

social imanente em suas distintas formas de apresentaccedilatildeo (natureza e

sociedade) Em termos muito breves eacute o momento mais abstrato do

reconhecimento da identidade das coisas por si enquanto tal um dos momentos

distintos da unidade do saber do qual participa um segundo sob forma

concreta que eacute a ciecircncia

Pela proacutepria natureza histoacuterica processual do ser a ontologia marxiana

natildeo corresponde nem poderia corresponder por simples imperativo de

33

coerecircncia agrave forma de um saber universal plantado sobre uma racionalidade

auto-sustentada ou seja fundado na razatildeo universal nada mais a versatildeo laica

ou profana de Deus no dizer de Feuerbach Ou seja trata-se enfim de uma

forma de ontologia sem parentesco com o saber absoluto e que recusa qualquer

tipo de fundamento especulativo pois absolutizaccedilatildeo de uma teoria da

fundamentaccedilatildeo eacute simplesmente a firmaccedilatildeo especulativa da razatildeo autocircnoma ou

de um princiacutepio de inteligibilidade situado para aleacutem das coisas que garante a

presenccedila e o conhecimento do sagrado e a vitoacuteria antecipada do idealismo Natildeo

correspondendo agrave qualquer forma de saber universal a ontologia marxiana

sustenta a possibilidade efetiva como jaacute vimos de um saber real

Por sua praacutetica teoacuterica e por um conjunto de lineamentos expliacutecitos

Marx deixou o legado de um especiacutefico estatuto ontoloacutegico natildeo um ontologia de

talhe convencional ou tradicional e natildeo apenas por que careceu de tempo

necessaacuterio para a realizaccedilatildeo de uma obra desse tipo mas fundamentalmente

pela distinccedilatildeo de natureza de seu estatuto ontoloacutegico radicalmente oposto ao

tratamento especulativo da mateacuteria

Esse estatuto eacute constituiacutedo a partir do universo praacutetico onticamente

referido ou seja eacute um estatuto ocircntico-ontoloacutegico pois evolve da efetividade

histoacuterica das coisas de suas relaccedilotildees e processos para sua reproduccedilatildeo

conceitual no plano de uma trama categorial em sua expressatildeo mais abstrata

Reconhecimento e Determinaccedilatildeo da Sociabilidade como Substacircncia

Vimos que segundo Chasin enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma

da legalidade do ser social em sua materialidade e espiritualidade[pode-se dizer

tambeacutem em sua objetividade sensiacutevel e supra-sensiacutevel] ou seja enquanto

malha de asserccedilotildees ou determinaccedilotildees de seu complexo categorial a ontologia

34

estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a sociabilidade como substacircncia desse

grau maacuteximo do ser

Embora Chasin natildeo tenha desenvolvido plenamente a questatildeo da

objetividade supra-sensiacutevel como tambeacutem a da sociabilidade como substacircncia

julgo conveniente transcrever tambeacutem algumas notas e comentaacuterios feitos em

sala de aula dada a importacircncia do tema

Em relaccedilatildeo agrave noccedilatildeo de substacircncia Chasin retoma sua noccedilatildeo mais geral

e tradicional Ou seja deixando de fora qualquer conotaccedilatildeo relativa a formas de

idealidade o que existe por si eacute um auto-engendrado a uacuteltima instacircncia de um

dado gecircnero de entificaccedilatildeo enquanto tal na medida em que eacute uma efetividade

eacute um complexo que a noccedilatildeo de substacircncia refere no mais alto grau de

abstraccedilatildeo Vale pois como abstraccedilatildeo razoaacutevel tal como todo conceito

marxiano nesse niacutevel de generalizaccedilatildeo a partir do qual pela via dos processos

de concreccedilatildeo satildeo determinaacuteveis as formas concretas de substacircncia

correspondentes agraves formaccedilotildees sociais reais

Dessa forma a substacircncia eacute um complexo histoacuterico natildeo uma

idealidade natildeo um construto da razatildeo auto-sustentada mas o resumo de uma

extraccedilatildeo justificada

Naturalidade e Sociabilidade

Sempre que se potildee a questatildeo da naturalidade e da sociabilidade essa

uacuteltima tende a ser examinada in statu nascendi ou de um estado original

imaginaacuterio natildeo se parte portanto de fatos pois os desconhecemos se eacute que

35

tenham existido mas de um mito E do mito se quer saltar para o quadro de uma

realidade complexa

Mas acompanhando Marx lembremos das pobres robinsonadas do

seacuteculo XVIII referidas logo agraves primeiras linhas da Introduccedilatildeo de 57 a) O

caccedilador e o pescador individuais e isolados de que partem Smith e Ricardo b)

o contrat social de Rousseau que relaciona e liga sujeitos independentes por

natureza por meio de um contrato Essas robinsonadas natildeo repousam sobre

(o) naturalismo E a argumentaccedilatildeo prossegue Trata-se ao contraacuterio de uma

antecipaccedilatildeo da sociedade (buumlrgelichen Gesellschaft) que se preparava desde

o seacuteculo XVI e no seacuteculo XVIII deu larguiacutessimos passos em direccedilatildeo agrave sua

maturidade Nesta sociedade da livre concorrecircncia o indiviacuteduo aparece

desprendido dos laccedilos naturais que em eacutepocas histoacutericas remotas fizeram dele

um acessoacuterio de um conglomerado humano limitado e determinado Os profetas

do seacuteculo XVIII sobre cujos ombros se apoacuteiam inteiramente Smith e Ricardo

imaginam o indiviacuteduo do seacuteculo XVIII como um ideal que teria existido no

passado Vecircem-no natildeo como um resultado histoacuterico mas como ponto de partida

da Histoacuteria porque o consideram como um indiviacuteduo conforme agrave natureza -

dentro da representaccedilatildeo que tinham da natureza humana - que natildeo se originou

historicamente mas foi posto como tal pela natureza[xvii]

Segundo Chasin tomando Marx novamente como ponto de referecircncia

os equiacutevocos que aparecem ao se tratar a relaccedilatildeo naturalidade sociabilidade

satildeo os seguintes

1) procurar deduzir em graus diferentes em cada caso o ser social do

natural esquecendo que se trata da emergecircncia do novo de uma configuraccedilatildeo

ontoloacutegica nova e que o novo nunca eacute um simples desdobramento do estaacutegio

anterior no caso - do grau de ser antecedente ou seja que entre os dois niacuteveis

ocorre o que se chama de salto um intervalo em que a potecircncia causal do

antecedente natildeo conteacutem a capacidade a potecircncia ou a potencialidade para

gerar o novo Um intervalo que fica assim indeterminado

36

2) o procedimento acima abre para a mera especulaccedilatildeo pois tende a

deduzir a indeterminaccedilatildeo a querer estabelecer nexos onde eles inexistem

tende a preencher o que de fato eacute um vazio A rigor natildeo se trata de um natildeo-

sabido mas da ausecircncia factual de um objeto ou processo em outros termos

se trata de um vazio ontoloacutegico de uma ausecircncia de nexos ontoloacutegicos

O correto segundo o modus operandi marxiano natildeo eacute partir da semente

ou do embriatildeo mas do complexo real maturado uma vez que

especialiacutessimamente na esfera social a loacutegica do gerado eacute diversa da loacutegica de

sua gecircnese aleacutem de que nesse acircmbito as entificaccedilotildees configuradas apagam a

rota e a loacutegica de sua formaccedilatildeo

Desse modo partindo do jaacute configurado e considerando que se trata de

uma configuraccedilatildeo infinita que compreende mutaccedilotildees qualitativas muito

importantes e natildeo esquecendo que permanecemos no estaacutegio preacute-histoacuterico (em

momento especialmente desequilibrado e contraditoacuterio) podemos e devemos

reconhecer por meio de algumas abstraccedilotildees razoaacuteveis o seguinte

1) A formaccedilatildeo do ser social eacute um processo da animalidade agrave

hominidade o andamento da naturalidade agrave sociabilidade o caminho infinito da

naturalidade dada agrave sociabilidade natildeo-dada em produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

perenes

2)Trata-se pois de uma entificaccedilatildeo processual entre dois niacuteveis ou

poacutelos da escala do ser sendo processo eacute intrinsecamente uma contradiccedilatildeo e soacute

enquanto tal se move eliminada a contradiccedilatildeo cessaria a possibilidade do

processo Com isso eacute dito algo muito importante pois ao reconhecer a

contraditoriedade entre naturalidade e sociabilidade natildeo eacute mais possiacutevel pensar

as mesmas a propoacutesito do ser social como um simples conjugado de fatores

mas obrigatoriamente como uma conjugaccedilatildeo contraditoacuteria de legalidades Isso

vai na esteira do que eacute compreendido desde Hegel - que o ser eacute uma unidade

contraditoacuteria - todavia com o acreacutescimo do problema da dupla legalidade De

37

que modo ou feiccedilatildeo chega cada uma delas agrave unidade contraditoacuteria do ser Pois

haacute que pensar na unidade ou siacutentese a natildeo ser que se queira desenhar o ser

social como uma aberraccedilatildeo hiacutebrida pode ser esta a fisionomia do grau mais

elevado do gradiente dos seres Assim tomada na devida consideraccedilatildeo essa

determinaccedilatildeo ontoloacutegica sem a qual a reflexatildeo perde o rumo trata-se de

compreender a dinacircmica especiacutefica dessa contradiccedilatildeo peculiar Vejamos

3) Em primeiro lugar esse processo contraditoacuterio gera novas

contradiccedilotildees agora dominantemente contradiccedilotildees da sociabilidade em

formaccedilatildeo de sorte que se trata de um processo cumulativo de

contraditoriedades no qual as novas contradiccedilotildees progressivamente vatildeo

tomando o lugar predominante e decisivo vale dizer a contradiccedilatildeo originaacuteria

cada vez mais coabita com contradiccedilotildees de outro gecircnero diante das quais sua

presenccedila vai mudando de forccedila e configuraccedilatildeo natildeo desaparece mas sua

qualidade vai mudando na proporccedilatildeo mesmo do desenvolvimento da

apropriaccedilatildeo societaacuteria da natureza cada vez mais puramente social - eacute no que

consiste de acordo com as palavras de Marx o progressivo afastamento das

barreiras naturais

4) Ou seja a matriz e a medida do afastamento eacute a forma cada vez

mais social de produzir e reproduzir as bases materiais da vida pela qual eacute

gerado o novo ser em direccedilatildeo agrave sua potecircncia ampliada de se auto-por de ir em

direccedilatildeo a si mesmo um si mesmo que natildeo eacute dado mas gerado na progressatildeo

da auto-posiccedilatildeo do auto-assentamento ou da auto-enformaccedilatildeo que inclui a

proacutepria daccedilatildeo de forma e resoluccedilatildeo ao predicado natural ou bioloacutegico daccedilatildeo de

forma que em suma eacute daccedilatildeo de forma social ao predicado natural

5) Essa possibilidade de daccedilatildeo de forma eacute afirmaccedilatildeo e realizaccedilatildeo da

essecircncia social que eacute o conjunto de relaccedilotildees sociais configuradas em cada

momento pelo modo de produzir da base material modo por sua vez que eacute

determinado pelo desenvolvimento das forccedilas produtivas entre as quais figura o

proacuteprio modo de organizaccedilatildeo do conjunto das relaccedilotildees sociais

38

6) Daccedilatildeo de forma eacute alteraccedilatildeo do lugar resolutivo e todo ente que muda

de lugar muda de natureza sem alterar uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo material

Vale dizer que a contradiccedilatildeo originaacuteria entre naturalidade e sociabilidade eacute

resolvida por uma nova contradiccedilatildeo - a da naturalidade que soacute se realiza na

forma e por meios sociais - no afastamento que eacute superaccedilatildeo da naturalidade

(processo histoacuterico) a legalidade natural eacute submetida agrave legalidade social

(diferentemente em cada modo de produccedilatildeo e de acordo com o

desenvolvimento das forccedilas produtivas) o fator natural natildeo eacute suprimido

suprimida eacute sua capacidade de autodeterminaccedilatildeo resta portanto

simplesmente o que natildeo eacute pouco como um predicado do ser humano um

predicado insuprimiacutevel mas apenas como predicado bioloacutegico de um ser de

outra natureza e essecircncia A naturalidade eacute retida como predicado

imprescindiacutevel mas natildeo como essecircncia Donde natildeo satildeo mais duas legalidades

ontoloacutegicas que coexistem mas a legalidade superior mais complexa subsume

a legalidade natural que natildeo mais se autodetermina mas eacute resolvida pela e do

interior da outra Assim o predicado natural do homem recebe forma e

resoluccedilatildeo sociais ou seja o predicado natural eacute subsumido agrave legalidade social

Natildeo resta mais o choque de duas legalidades contrapostas na

contradiccedilatildeo originaacuteria A legalidade natural vai sucumbindo na ruptura e

progressivamente agrave legalidade social em sua efetividade no ser social a

legalidade natural natildeo mais atua por si eacute dependente do social natildeo eacute mais a

legalidade de um ser pois natildeo haacute mais aiacute um ser natural mas um atributo

natural dependente da essecircncia social O homem eacute um ser social que

compreende sua essecircncia especiacutefica (variaacutevel) suas contingecircncias e seu

predicado bioloacutegico Na entificaccedilatildeo do ser social uacuteltimo grau da cadeia do ser a

legalidade natural eacute subalternizada agrave social por mais ruacutestica e restrita que seja a

essecircncia social primitiva e por mais precaacuteria que seja essa subalternizaccedilatildeo de

iniacutecio O processo de afastamento das barreiras naturais eacute assim o curso dessa

subalternizaccedilatildeo que desponta no iniacutecio na ruptura com a legalidade natural e

por mais longo e contraditoacuterio em avanccedilos e recuos que seja esse processo

39

7) de outra parte a loacutegica do predicado bioloacutegico natildeo soluciona natildeo

tem resposta para o complexo problemaacutetico da sociabilidade enquanto que esta

daacute soluccedilatildeo aos imperativos daquela Como diz Marx nos Manuscritos de 44 o

homem contempla a natureza e a si mesmo com um produto social [dos homens

interativos] com pleno direito mesmo que natildeo com elevada consciecircncia ou altos

valores

8) Donde a foacutermula lukaacutecsiana da dupla base eacute falsa pois a plataforma

eacute a sociabilidade enquanto a naturalidade eacute apenas o insuprimiacutevel predicado

bioloacutegico que passa a vigir na forma e sob a regecircncia da sociabilidade Natildeo

perde por isso uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo orgacircnica mas na sua efetividade

muda de caraacuteter No interiro da esfera societaacuteria o predicado bioloacutegico eacute um

outro de si Se originariamente foi o ponto de partida agora eacute produzido e

reproduzido pela legalidade de um ser que o ultrapassa e o domina vive e soacute

pode viver na subjugaccedilatildeo de um novo estatuto Ou seja ao integrar como

predicado o ser de niacutevel mais elevado realiza a sua maacutexima potecircncia e isso eacute

ao mesmo tempo sua desnaturalizaccedilatildeo ou perecimento Impereciacutevel como

predicado natildeo eacute base pois determina soacute por seus limites pelas carecircncias natildeo

pelas determinaccedilotildees resolutivas nem mesmo em suas forccedilas e sentidos pois

enquanto virtualidades estas soacute satildeo humanas e superiores em resoluccedilatildeo

societaacuteria Ademais natildeo eacute nunca um criador de novas necessidades o que

caracteriza a legalidade social

9) A argumentaccedilatildeo acima diz respeito diretamente ao ser social em sua

configuraccedilatildeo bipolar (indiviacuteduo e gecircnero) e desenvolvida em especial no poacutelo da

individualidade tendo por esteio o andamento do gecircnero e ao falar deste se diz

do seu metabolismo com a natureza Esse metabolismo fundamental que eacute em

suma a atividade vital do homem ao gerar produtos sociais

(utilidadesmercadorias) sem que se possa transpor a estes as mesmas

determinaccedilotildees que foram feitas para o ser social desde logo satildeo entes sociais

mas em outro grau da escala do ser social mas tambeacutem tecircm mudada a sua

natureza de naturais a utilidades (e na forma da alienaccedilatildeofetichismo as

40

mercadorias) de sorte que a apropriaccedilatildeo da natureza eacute igualmente sua

desnaturalizaccedilatildeo eacute forccedilaacute-las a deixar de ser o que satildeo em sua peculiaridade

para se tornarem um outro de si sob a regecircncia do estatuto societaacuterio Isso eacute a

manifestaccedilatildeo do poder e da superioridade do grau maacuteximo do ser Nenhum

outro ser realiza qualquer coisa semelhante nem longinquumlamente Repetindo

Kant e Hegel Marx tinha toda razatildeo quando disse que haacute mais grandeza e

misteacuterio na cabeccedila de um becircbado do que no conjunto do universo

10) a Sociabilidade imperfeita substacircncia ainda natildeo realizada enquanto

tal ou seja ainda incapaz de autonomia como complexo estruturado conduz agrave

poliacutetica Natildeo compreendida como substacircncia mas como simples organizaccedilatildeo

potildee o homem no outro poacutelo na dicotomia homemsociedade ou seja na

representaccedilatildeo socioloacutegica ou politoloacutegica o homem eacute um outro

Determinada ou compreendida como substacircncia eacute substacircncia humana

(perfeita e imperfeita com todas as grandezas e miseacuterias produzidas

modificadas suprimidas e repostas no curso histoacuterico) eacute a essecircncia mutante do

ser auto-engendrado e enquanto mutante e por ser mutante distinta tambeacutem

por essa mutabilidade do predicado bioloacutegico atemporalmente necessaacuterio mas

sempre e progressivamente insuficiente do ser social

O tomo IV do primeiro nuacutemero da Revista Ensaios Ad Hominem eacute

composto de seis artigos - aleacutem do texto de abertura de autoria de J Chasin -

que resultaram de siacutenteses ou modificaccedilatildeo de partes ou capiacutetulos de

dissertaccedilotildees defendidas entre os anos de 1998 e 1999 junto ao Programa de

Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia da UFMG

41

O artigo que abre a presente coletacircnea intitulado A Razatildeo como

Tribunal da Criacutetica Marx e A Gazeta Renana de autoria de Celso Eidt versa

sobre a concepccedilatildeo do jovem Marx sobre o papel da imprensa natildeo apenas como

o locus privilegiado para o debate filosoacutefico mas fundamentalmente para os

processos educativos tendo em vista a realizaccedilatildeo plena da liberdade humana Eacute

bom ressaltar que no periacuteodo em que tais artigos satildeo redigidos Marx

compartilha de uma visatildeo antropoloacutegica racional em que a natureza humana eacute

concebida como espiacuterito livre e racional enquanto esteio da proacutepria vida eacutetica

ou seja da praacutetica humana fundada na razatildeo universal

Ana Selva Albinati autora do artigo A Determinaccedilatildeo dos Valores

Morais nos textos de Marx de 1841 a 1847 se debruccedila justamente sobre tal

campo de reflexatildeo Seu trabalho eacute uma tentativa de sistematizaccedilatildeo das

consideraccedilotildees sobre os valores morais nos textos do periacuteodo que se inicia com

sua tese doutoral Diferenccedilas entre as Filosofias da Natureza de Demoacutecrito e

Epicuro prosseguindo ateacute A Miseacuteria da Filosofia Ana Selva procura demonstrar

que esse periacuteodo normalmente referido como sendo o da juventude de Marx eacute

na verdade constituiacutedo de dois momentos de sua elaboraccedilatildeo teoacuterica que tem

como momento de clivagem a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel de meados

de 1843 em que Marx rompe com o referencial teoacuterico do idealismo alematildeo Em

relaccedilatildeo agraves determinaccedilotildees sobre a moral essa ruptura se reflete na inflexatildeo

radical que diferencia a compreensatildeo da moralidade no primeiro e segundo

momentos de tal forma que a moralidade passa a ser compreendida como um

dos modos da consciecircncia socialmente determinada concepccedilatildeo completamente

distinta da primeira fase em que os valores morais eram compreendidos como

expressotildees da liberdade e da racionalidade humanas idealmente concebidas

No artigo A criacutetica da Especulaccedilatildeo nas Glosas de Kreuznach Milney

Chasin analisa o momento inicial e ao mesmo tempo decisivo da ruptura que

se verifica entre Marx e Hegel no plano das determinaccedilotildees do ser Desse modo

a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel inaugura a criacutetica marxiana da

especulaccedilatildeo no seu cerne o de rejeitar o procedimento especulativo

42

caracteriacutestico de se provir tudo da ideacuteia real de tornaacute-la sujeito isto eacute de

capacitar a abstraccedilatildeo ou conceito automovido - a partir das metamorfoses

hegelianas - de pocircr o multiverso sensiacutevel Em outros termos Milney Chasin no

referido artigo evidencia como a criacutetica da especulaccedilatildeo permite a Marx

ultrapassar os horizontes do idealismo alematildeo na direccedilatildeo do devido

reconhecimento da distinccedilatildeo entre ser e pensar de caracterizar a impropriedade

ontoloacutegica da loacutegica hegeliana de apurar os limites gnosioloacutegicos e

incongruecircncias de toda ordem Em suma permite o desvelamento da substacircncia

miacutestica oferecendo a explicitaccedilatildeo do meacutetodo hegeliano - das diabruras do

conceito autoposto - que articula abstraccedilotildees e finitude restando a esta a mera

condiccedilatildeo de apecircndice dissolvido isto eacute momento virtual da realizaccedilatildeo da

idealidade

O quarto artigo desta coletacircnea intitulado A Exteriorizaccedilatildeo da Vida nos

Manuscritos de 44 eacute parte da dissertaccedilatildeo de mestrado As Categorias

Lebensaumlusserung Entaumlusserung Entfremdung e Veraumlusserung nos Manuscritos

Economico-Filosoacuteficos de Karl Marxdefendida por Mocircnica H M da Costa em

que o interesse era acima de tudo averiguar se alienaccedilatildeo (Entaumlusserung) e

estranhamento (Entfremdung) teriam significados distintos A pesquisa acabou

opor apontar no entanto uma outra categoria como eixo desses manuscritos

Lebensaumlusserung traduzida por exteriorizaccedilatildeo da vida De fato o fio condutor

dos Manuscritos eacute a centralidade do trabalho na produccedilatildeo material e espiritual

da vida humana Tomando para anaacutelise criacutetica pela primeira vez os

economistas claacutessicos Marx explicita sua proacutepria compreensatildeo da forma

peculiar de engendramento da existecircncia do homem A criacutetica a Hegel completa

o quadro desta tematizaccedilatildeo que natildeo seraacute abandonada ateacute os uacuteltimos trabalhos

de Marx

Sabina Maura Silva no artigo A Fenomenologia do Egoiacutesmo Stirner e a

Criacutetica Marxiana tem como objetivo fundamental apresentar a concepccedilatildeo de

homem presente na obra O Uacutenico e Sua Propriedade de autoria do filoacutesofo

neohegeliano Max Stirner e expor a criacutetica de Marx a este autor contida em A

43

Ideologia Alematilde A autora mostra que para Stirner o Eu tomado como

individualidade singular eacute o fundamento de sua esfera existencial No entanto

para esse autor tudo tem determinado a existecircncia dos indiviacuteduos natildeo tendo

sido permitido a eles determinaacute-la O objetivo de Stirner eacute pois remeter ao

indiviacuteduo - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel - o que dele foi alienado e erigido

como algo autocircnomo Por seu turno a criacutetica de Marx tem como fim explicitar o

caraacuteter especulativo da anaacutelise stirneana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo

bem como salientar o aspecto pseudorevolucionaacuterio de suas proposituras

Assim segundo Marx Stirner tatildeo somente interpreta diferentemente o

existente isto eacute reconhece o existente mediante outra

interpretaccedilatildeoTransformando as contradiccedilotildees objetivas em contradiccedilotildees

subjetivas Stirner conserva e justifica as condiccedilotildees e estruturas efetivas que

esmagam e impedem a autodeterminaccedilatildeo das individualidades ao reconhecer

as circunstacircncias como determinaccedilotildees dos indiviacuteduos Acolhendo acriacutetica e

especulativamente em suas feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees

estranhadas de um momento histoacuterico particular da individuaccedilatildeo humana

Stirner erige como individualidade um ente que empobrecido e constrangido

pelas condiccedilotildees objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade

social pode somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria

sobre si e sobre o mundo

O uacuteltimo artigo do tomo IV da Revista Ensaios Ad Hominem eacute de

autoria de Antocircnio Joseacute Lopes Alves e leva o tiacutetulo de A Individualidade

Moderna nos Grundrisse Neste texto o autor procura demonstrar que a

moderna sociabilidade do capital eacute compreendida por Marx como forma

instaurada a partir da dissoluccedilatildeo dos liames sociais que uniam em tempos

anteriores os indiviacuteduos agrave comunidade Aleacutem disso destaca o fato apontado por

Marx de que tal processo se constitui numa verdadeira reconversatildeo ontoloacutegica

tanto dos indiviacuteduos quanto das condiccedilotildees da atividade vital ocorrendo uma

radical transformaccedilatildeo na forma de ser de ambos Sinteticamente trata-se de

reconfiguraccedilatildeo ontoloacutegica que determina como entes autocircnomos os indiviacuteduos

44

de um lado e as condiccedilotildees de trabalho de outro vale dizer do divoacutercio entre os

indiviacuteduos ativos e as condiccedilotildees de sua atividade Antocircnio Lopes buscou em

suma alinhar as determinaccedilotildees mais essenciais dos indiviacuteduos e da

sociablidade modernos no que respeita agrave forma mesma das relaccedilotildees sociais da

atividade sensiacutevel bem como da respectiva expressatildeo ideal como por exemplo

a configuraccedilatildeo das categorias da igualdade e liberdade

O leitor encontraraacute nas paacuteginas que se seguem o resultado do esforccedilo

de pesquisa voltado ao resgate da obra marxiana caracterizado pela busca do

rigor na leitura e interpretaccedilatildeo do pensamento de um autor cuja heranccedila

intelectual conheceu um destino traacutegico Natildeo eacute faacutecil portanto voltar-se a ela

sem os preconceitos da moda - como jaacute havia advertido Lukaacutecs Natildeo posso

afirmar com total certeza que um intento dessa natureza tenha sido plenamente

alcanccedilado Todavia eacute faacutecil perceber as diferenccedilas desse tipo de produccedilatildeo teoacuterica

com aquela apresentada tanto pelo marxismo adstringido e suas dissidecircncias

como pelo marxismo vulgar para utilizar as expressotildees cunhadas por Chasin no

intuito de designar as duas variantes de interpretaccedilatildeo da obra marxiana

Faccedilo aqui ao leitor interessado o convite para participar dessa

avaliaccedilatildeo

[1] Professora do Departamento de Filosofia da UFMG coordenadora

do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e Estudos Confluentes

45

[i] J CHASIN Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in

Teixeira FJS Pensando com Marx Editora Ensaio Satildeo Paulo 1995

[ii] K MARX amp F ENGELS A Sagrada Famiacutelia Ed Grijalbo trad

Wenceslao Roces Meacutexico DF 1960 p 120

[iii] Ver a respeito J CHASIN Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo

Metodoloacutegica opcit

[iv] J CHASIN O Futuro Ausente in Ensaios Ad Hominem 1 tomo III

Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem Satildeo Paulo 2000 p 166

[v] Ib p 167

[vi] Id

[vii] E CASSIRER A Filosofia do Iluminismo Editora da Unicamp

Campinas 1992 p 11

[viii] G LUKAacuteCS La Riproduzionein Per lOntologia delle Essere

Sociale Roma Editori Riuniti tomo II 1981 pp 180-81

[ix] N HARTMANN Ontologia Fondo de Cultura Econoacutemica Meacutexico D

F vol 1 1986

[x] K MARX O Capital vol I Ediccedilatildeo Abril Cultural Satildeo Paulo p 149

[xi] Id

[xii] Ib p 150

[xiii] (a respeito dessas categorias ver N HARTMANN Ontologia op cit

vol I p XII

46

47

[xiv] No original alematildeo in der Form des Seins Dietz Verlag 1971 p

195

[xv] Ib p 151

[xvi] Ver a respeito em J CHASIN Marx-Estatuto Ontoloacutegico e

Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica op cit

[xvii] K MARX op Cit p 126

Page 24: :: Verinotio - Revista On-line de Educao e Cincias Humanas · O leitor encontrará, portanto, nessa Apresentação o fruto de trabalho de coleta e organização de materiais utilizados

Essa distribuiccedilatildeo topograacutefica confere agrave abstraccedilatildeo a condiccedilatildeo de fundaccedilatildeo

(determinaccedilatildeo originaacuteriaontoloacutegica) e fundamento (ponto de partida

epistemoloacutegico) Se assim fosse perderia a condiccedilatildeo de filosofia primeira

Enquanto filosofia primeira eacute o reconhecimento do substantivo verbal

do substantivo que eacute do ens essendi natildeo de uma substantividade qualquer em

abstrato mas da substantividade que existe por todas as modalidades

categoriais isto eacute reais (sensiacuteveis) natildeo apenas um substantivo pensado que

dependeria para ser do pensamento mas do substantivo que eacute por-si

independentemente se ser pensado o que requer o complexo categorial

da sensibilidade por isso eacute que soacute eacute ser o ser sensiacutevel Vale dizer o ser como

verbo eacute resultado do ser substantivo soacute um sujeito (em suas diversas formas na

cadeia do ser) eacute (soacute um sujeito existe eacute faz sente pensa etc de acordo com

seu grau na cadeia do ser)

A ontologia do puro verbo ser ou das puras essecircncias (complexo

categorial abstrativante e eterno) eacute a autonomizaccedilatildeo das categorias ou da

existecircncia em relaccedilatildeo ao ser e existir reais agraves formas reais de ser e existir satildeo

as categorias e a existecircncia sem corpo ou sujeito mais do que isso satildeo as

categorias (essecircncia) e existecircncia em geral universal e abstrata tornadas

sujeito a essecircncia ou a existecircncia abstratas personificadas - e isso satildeo

puramente figuras do pensamento o que jaacute eacute especulaccedilatildeo natildeo ontologia

Marx agrave semelhanccedila de Feuerbach soacute admite como ente ou melhor

como entificaccedilatildeo o ens essendi - o ente sendo o ente no ato de ser o ente

revestido de existecircncia atual - objetivo o ente no exerciacutecio da accedilatildeo ou ato de

ser eacute portanto um ente existente ou seja o ente que estaacute sendo o ente no ato

de existir

Donde do mesmo modo que em Feuerbach o ser eacute inseparaacutevel de sua

existecircncia Ser e existir constituem uma unidade indissoluacutevel complexo

24

categorial no ato de ser pela atualizaccedilatildeo do complexo categorial essecircncia

determinada e mutaacutevel na mutabilidade de ser e ir sendo (essendi)

Eacute chegada a hora depois desta etapa analiacutetica de vislumbrar qual eacute o

cenaacuterio em Marx que esse conjunto de questotildees se coloca Com esse objetivo e

como eacute tiacutepico de seu procedimento investigativo junto aos textos daquele autor

Chasin toma para anaacutelise o item 1 O Processo de Trabalho do capiacutetulo V de O

Capital Nele pode-se identificar em primeiro lugar a natureza geral (universal)

da atualizaccedilatildeo da forccedila de trabalho que se encontra em potecircncia nos indiviacuteduos

A produccedilatildeo de valores de uso ou bens natildeo muda sua natureza geral por se

realizar para o capitalista e sob seu controle Por isso o processo de trabalho

deve ser considerado de iniacutecio independentemente de qualquer forma social

determinada[x]

Por que o processo de trabalho deve ser considerado de iniacutecio

independentemente de qualquer forma social determinada indaga Chasin A

resposta eacute formulada em estilo direto Para natildeo ser perdida a natureza do

trabalho sua positividade enquanto atividade humana vital

Tem-se nessa passagem segundo Chasin um exemplo do exerciacutecio

de uma ontologia estatutaacuteria - a positividade (sua efetividade ou operosidade)

universal do trabalho enquanto atributo vital e inalienaacutevel do homem

independentemente de suas formas concretas que se apresentam na forma do

trabalho alienado

Eacute a determinaccedilatildeo universal do trabalho o traccedilo de sua legalidade

uacuteltima sua determinaccedilatildeo mais geral e essencial dimensatildeo que natildeo desaparece

nem mesmo sob suas formas concretas mais negativas

A ontologia estatutaacuteria registra o traccedilo ou rastro dessa dimensatildeo

permanente que atravessa as formas concretas em sua efetividade contraditoacuteria

e especialmente desfavoraacutevel para o homem enquanto maioria subjugada ao

longo de toda a preacute-histoacuteria da humanidade

25

Permanente mas permanente processual mutaacutevel diversamente

positivo quantitativa e qualitativamente em cada uma das formas concretas em

que o trabalho aparece nas configuraccedilotildees sociais determinadas

Nesse sentido abstratamente permanente abstratamente positivo mas

onde essa abstratividade natildeo corresponde a uma simples determinaccedilatildeo

conceitual Corresponde a uma efetividade em sua figura proacutepria em cada forma

social determinada

Agrave ontologia estatutaacuteria compete o reconhecimento dessa dimensatildeo mais

geral base para a decifraccedilatildeo cientiacutefica concreta dos casos efetivos que por sua

vez confirmam ou natildeo criticamente a determinaccedilatildeo mais geral ontoloacutegica Natildeo

haacute portanto um abismo separando ontologia de ciecircncia mas a continuidade de

momentos distintos de uma mesma unidade de conhecimento que interagem e

se medem reciprocamente se apoacuteiam estimulam e criticam um infinito processo

constitutivo das certezas

Continuando a anaacutelise do texto marxiano tem-se a descriccedilatildeo do

trabalho e o reconhecimento analiacutetico de sua natureza Antes de tudo [aqui

Chasin faz uma pequena observaccedilatildeo assinalando ou seja na raiz em seu

fundamento diria uma linguagem mais convencional e ciosa de suas

pretendidas atribuiccedilotildees] o trabalho eacute um processo entre o homem e a

natureza um processo em que o homem por sua proacutepria accedilatildeo medeia regula

controla seu metabolismo com a natureza Ele mesmo se defronta com a

mateacuteria natural Ele potildee em movimento as forccedilas naturais pertencentes agrave sua

corporalidade braccedilos e pernas cabeccedila e matildeo a fim de se apropriar da mateacuteria

natural numa forma uacutetil para a sua proacutepria vida Ao atuar por meio desse

movimento sobre a natureza externa a ele e ao modificaacute-la ele modifica ao

mesmo tempo sua proacutepria natureza Ele desenvolve as potecircncias nela

adormecidas e sujeita o jogo de suas forccedilas a seu proacuteprio domiacutenio[xi]

26

Observe-se que diz Chasin ao trabalhar ao mudar a forma da

natureza ao construir sua proacutepria mundaneidade o homem ele proacuteprio por

meio de seu proacuteprio trabalho transforma a sua proacutepria natureza Ou seja de ser

natural para social eis um novo exemplo de lineamento reconhecido e recolhido

agrave ontologia estatutaacuteria

Prosseguindo na especificaccedilatildeo Marx afirmaPressupomos o trabalho

numa forma que pertence exclusivamente ao homem Uma aranha executa

operaccedilotildees semelhantes agraves do tecelatildeo e a abelha envergonha mais de um

arquiteto humano com a construccedilatildeo dos favos de suas colmeacuteias Mas o que

distingue de antematildeo o pior arquiteto da melhor abelha eacute que ele construiu o

favo em sua cabeccedila antes de construiacute-lo em cera No fim do processo de

trabalho obteacutem-se um resultado que jaacute no iniacutecio deste existiu na imaginaccedilatildeo do

trabalhador e portanto idealmente Ele natildeo apenas efetua uma transformaccedilatildeo

da forma da mateacuteria natural realiza ao mesmo tempo na mateacuteria natural seu

objetivo que ele sabe que determina como lei a espeacutecie e o modo de sua

atividade e ao qual tem de subordina sua vontade E essa subordinaccedilatildeo natildeo eacute

um ato isolado Aleacutem do esforccedilo dos oacutergatildeos que trabalham eacute exigida a vontade

orientada a um fim que se manifesta como atenccedilatildeo durante todo o tempo de

trabalho e isso tanto mais quanto menos esse trabalho pelo proacuteprio conteuacutedo e

pela espeacutecie modo de sua execuccedilatildeo atrai o trabalhador portanto quanto

menos ele o aproveita como jogo de suas proacuteprias forccedilas fiacutesicas e espirituais[xii]

Chasin chama atenccedilatildeo para as seguintes observaccedilotildees

1) a preacutevia-ideaccedilatildeo do resultado (do fim) a existecircncia ideal do mesmo

na imaginaccedilatildeo donde o objeto ou um complexo categorial in mente e ante

res[xiii]

Preacutevia-ideaccedilatildeo e teleologia satildeo ou podem ser momentos confluentes

mas natildeo satildeo idecircnticos a preacutevia-ideaccedilatildeo estaacute no comeccedilo e eacute um desenho ideal

que implica o conhecimento da espeacutecie e do modo da atividade a realizar

27

conhecimento das malhas causais teleologia eacute simplesmente finalidade fim

objetivo podendo se apresentar de modo meramente volitivo e bem abstrato

natildeo mobilizante dos ou sem os meios de sua realizaccedilatildeo ou seja ter teleologia

sem preacutevia-ideaccedilatildeo natildeo conduz a nenhum processo de trabalho Quero assinar

que o termo teleologia pode ser demasiado vago no sentido de mero conceito

filosoacutefico convencional nesse sentido apenas alusivo e natildeo instrumentador de

operaccedilotildees na esfera da atividade sensiacutevel Pode ser entendido mais como

manifestaccedilatildeo de espiacuterito do que como exigecircncia de efetuaccedilatildeo de mudanccedila de

forma da mateacuteria natural e objetivaccedilatildeo de propoacutesito E de toda forma indica

antes de tudo que o fim o realizado estaacute no fim do processo fala do obtido ou

do a ser obtido nada nos diz da travessia que realiza da travessia que passa do

ideal para o real natildeo nos fala da mobilizaccedilatildeo ideal e material necessaacuterias

Quando a teleologia se manifesta como resultado jaacute natildeo eacute preciso dizer mais

nada a respeito Basta saudar e usufruir de sua apariccedilatildeo que nada tem de

maacutegica ou misteriosa mas antes de reconhececirc-la como produto das

metamorfoses de subjetividade e objetividade Ou seja em suas distintas

naturezas inconfundiacuteveis enquanto tais objetividade e subjetividade satildeo

entificaccedilotildees na mundaneidade humana e nessa qualidade estados ou momentos

do ser social momentos regidos pela atividade ideal e sensiacutevel do mesmo

Penso que Lukaacutecs ao transpor a questatildeo para a linguagem filosoacutefica

tradicional pode ter dissociado demais fins e meios o que natildeo eacute o caso dos

textos de Marx Por isso Lukaacutecs se vecirc obrigado depois a buscar a rearticulaccedilatildeo

entre teleologia e causalidade e nisso encontre natildeo poucas dificuldades (como

uma passa para outra e vice-versa parecendo que lida ao limite com

substacircncias incomunicaacuteveis natildeo as compreendendo em suas metamorfoses) e

deixe que se perca certa substacircncia da questatildeo antes de tudo o interfluxo entre

objetividade e subjetividade com seus distintos momentos preponderantes em

cada um dos passos dos momentos embricados dos processos Creio que as

duas esferas ficam sempre tradicionalmente um tanto estranhas uma em

28

relaccedilatildeo agrave outra seja para preservar a objetividade e aiacute se torna objetivista seja

para ressaltar a subjetividade e aiacute desliza para o subjetivismo

2) No fim do processo tem-se seu resultado que eacute a transformaccedilatildeo da

forma de uma dada mateacuteria natural e a realizaccedilatildeo do objetivo do trabalho que

existiu antes como preconfiguraccedilatildeo ideal Portanto o trabalho transforma

imagem ideal em ente real complexo categorial in rebus

Em suma no pensamento de Marx as categorias ou complexos

categoriais satildeo reconhecidos sob as trecircs formas in mente (existem idealmente

na imaginaccedilatildeo ou como reproduccedilatildeo mental das coisas categorias da

representaccedilatildeo) ante res (preacutevia-ideaccedilatildeo) e in rebus como efetividades quando

estatildeo na forma de ser Como confirmaccedilatildeo tome-se mais esta passagem do

mesmo capiacutetulo No processo de trabalho a atividade do homem efetua

portanto mediante o meio de trabalho uma transformaccedilatildeo do objeto de

trabalho pretendida desde o princiacutepio O processo extingue-se no produto Seu

produto eacute um valor de uso uma mateacuteria natural adaptada agraves necessidades

humanas mediante transformaccedilatildeo da forma O trabalho se uniu com seu objeto

O trabalho estaacute objetivado e o objeto trabalhado O que do lado do trabalhador

aparecia na forma de mobilidade aparece agora como propriedade imoacutevel na

forma do ser[xiv] do lado do produto Ele fiou e o produto eacute um fio[xv]

Como arremate analiacutetico dessa famosa mas muitas vezes mal

compreendida passagem de O Capital Chasin conclui ao mesmo tempo em que

visualiza uma nova tarefa Se assim eacute se as categorias podem aparecer nas

trecircs formas - in rebus - in mente - ante res - haacute entatildeo que determinar o que satildeo

cada uma dessas formas

Esquematicamente Chasin propotildee o seguinte

1) se estatildeo in rebus (nas coisas) estatildeo na forma do ser

29

2) se estatildeo in mente (na cabeccedila) estatildeo na forma da reproduccedilatildeo ideal

das coisas Trata-se da subjetividade receptora[xvi] que reproduz as coisas natildeo

captando apenas seus dados empiacutericos superando pois o empirismo e elabora

portanto a reproduccedilatildeo ideal dos entes e onde a subsunccedilatildeo aos objetos eacute a

atividade de sua elaboraccedilatildeo ideal

3) se estatildeo ante res (antes das coisas) estatildeo na forma da finalidade da

preacutevia mentalizaccedilatildeo de objetivos e meios

Poreacutem no segundo e terceiro casos as categorias estatildeo na forma de

espeacutecies de pensamento representaccedilotildees e projeccedilotildees do ser do vir-a-ser dos

meios materiais instrumentais processuais e dinacircmicos de entificaccedilatildeo dos

seres

Concluindo essa parte dizer pois que o homem e o mundo satildeo

atividade sensiacutevel que por criar seu mundo cria a si mesmo eacute determinar o

homem como a criatura criadora de seres

No entanto na medida em que apenas na configuraccedilatildeo histoacuterica regida

pela loacutegica do capital ou seja na plenitude da produccedilatildeo da riqueza entendida

por sua essecircncia subjetiva que eacute o trabalho que se atinou para determinaccedilatildeo

do homem como a criatura criadora de seres foi possiacutevel agrave reflexatildeo pode se

dar conta potencialmente da verdadeira problemaacutetica do ser

Em outras palavras eacute pela criacutetica ao criador de criaturas na forma da

alienaccedilatildeo - criacutetica marxiana agrave sociedade capitalista - eacute que a ontologia pode

atinar com seu verdadeiro objeto e modo de determinaccedilatildeo Natildeo eacute casual que

tenha emergido pela criacutetica feuerbachiana ao sistema hegeliano (a criaccedilatildeo

especulada dos entes) e ganho seus contornos efetivos no advento de uma

nova forma de pensamento e concepccedilatildeo de praacutetica - a doutrina de Marx

Resumindo no caso de Marx ontologia eacute estatuto ou filosofia primeira

do ser social que enquanto tal norteia a concreccedilatildeo cientiacutefica do mesmo cuja

30

realizaccedilatildeo corrige e enriquece o proacuteprio estatuto donde a sinergia e a reciacuteproca

dimensatildeo criacutetica entre estatuto ontoloacutegico e ciecircncia da histoacuteria em seus diversos

departamentos possiacuteveis estabelecidos jaacute por criteacuterio ontoloacutegico ou seja que

respeita a integridade das coisas em suas qualidades e processos interconexos

que as constituem em seu ser por si e enquanto tais satildeo reproduzidas

teoricamente

Enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma da legalidade objetiva (material

e espiritual) do ser social ou seja enquanto malha de asserccedilotildees ou

determinaccedilotildees de seu complexo categorial enquanto o permanente na forma de

processo a ontologia estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a

sociabilidade como substacircncia desse grau maacuteximo da cadeia do ser

Mas substacircncia como complexo categorial como siacutentese de categorias

essenciais que denota uma forma especiacutefica determinada de presenccedila ou

existecircncia plenamente qualificada

Por isso eacute estatuto ontoloacutegico pois a plataforma canocircnica do ser eacute o

coacutedigo do substantivo verbal como substacircncia substrato) assim o estatuto

ontoloacutegico do complexo substantivo do ser social deve reconhecer a

sociabilidade como substacircncia A sociabilidade como substrato dos homens

seja na forma da alienaccedilatildeo seja na forma de sua latecircncia de substancialidade

em vir-a-ser no caminho infinito de sua realizaccedilatildeo

Trata-se portanto em Marx de estatuto e natildeo sistema pois como

sistema seria um agregado de abstraccedilotildees uma filosofia que uma vez obtidas

noccedilotildees fundamentais passa a se edificar por si ou seja as noccedilotildees seriam

coaacutegulos inteligiacuteveis que passam por auto-sustentaccedilatildeo a configurar

dedutivamente o mundo Ao passo que estatuto eacute uma ordem a legalidade do

ser sensiacutevel - o ser na plenitude de seus atributos

tempo (histoacuteriaprocessoduraccedilatildeomutabilidade) lugar e sensibilidade

especificamente a legalidade do ser social imanente a si em sua especiacutefica

31

objetividade O ser sensiacutevel eacute a forma do ser porque eacute a plenitude das

categorias possiacuteveis

E as formaccedilotildees ideais

Segundo Chasin as formaccedilotildees ideais do mesmo modo que as

formaccedilotildees reais - formas do ser - tecircm lugar e tempo como categorias - o tempo

e o espaccedilo das formaccedilotildees sociais que satildeo engendradas mas estatildeo privadas de

sensibilidade

O sensiacutevel soacute eacute predicaccedilatildeo inerecircncia agrave forma do ser que conteacutem a

plenitude dos predicados possiacuteveis (sensibilidade espaccedilo tempo)

Essa forma de conceber o ser eacute reconhecer substancialidade ao

complexu agrave unidade totalizada ou seja ao conjunto pleno de atributos em ato

Em outras palavras ser eacute complexo categorial - tem a forma de ser -

completude ou forma conferida pelo sensiacutevel que se desdobra em muacuteltiplos

atributos e se condensa de infinitas maneiras no gradiente do ser

Em suma segundo Chasin tomando Marx como base e ponto de

referecircncia permanentes ser eacute plenitude categorial ou seja a plenitude

categorial eacute sua forma e por ser sensiacutevel compreende lugar e tempo

Donde se admitido o princiacutepio metoacutedico de Marx saber eacute saber do ser

que antes de tudo eacute um complexo sensiacutevel - tudo que eacute existe eacute sempre um

complexo natildeo uma substacircncia ou essecircncia pura e cristalina E a cadeia do ser eacute

o conjunto de graus do ser - do menos ao mais complexo

O preceito metodoloacutegico marxiano eacute pois ontoloacutegico sabe-se o que eacute

como se formou se desenvolveu e como depereceraacute

Por via de consequumlecircncia e diante das vicissitudes da histoacuteria da

ontologia de seu processo constitutivo e dissolutor diante da penosa rota da

32

conquista teoacuterica do real homoacuteloga ou equivalente agrave necessidade humana de

produzir a sua mundaneidade e a si mesmo a ontologia eacute o que pode ser - o

que natildeo eacute pouco - a esfera teoacuterica da incerteza propulsora positiva

afirmativamente organizada O patamar do incerto ordenado como plataforma da

busca infinita da certeza Impulsatildeo incontornaacutevel que natildeo pode ser eludida pela

presenccedila imperativa dos circuitos ontopraacuteticos

Talvez agora o estatuto ontoloacutegico marxiano possa ser enunciado do

seguinte modo eacute o estudo das categorias fundamentais - em traccedilos essenciais

abstratos em suas determinaccedilotildees mais gerais - da existecircncia social

historicamente constatada e reconhecida sendo possiacutevel exemplificar com as

seguintes categorias historicidade (processualidade ou mutabilidade)

concreticidade ou objetividade atividade sensiacutevel e ideal (trabalho e

reproduccedilatildeo) subjetividade (receptiva e proponente) valor individualidade

gecircnero (sociabilidade) Tudo isso perfilando o complexo de complexos da auto

realizaccedilatildeo do ser humano-societaacuterio entendido que o fim dos fins eacute a infinitude

da realizaccedilatildeo do humano - do autopor-se do aberto ser humano-societaacuterio

Estatuto que em outros termos eacute a ordem do reconhecimento ou

reproduccedilatildeo teoacuterica da identidade natureza e constituiccedilatildeo das coisas por si por

seus complexos categoriais decisivos independentemente em qualquer plano

de se tornarem objetos de praacutetica ou reflexatildeo

Enquanto tal eacute a teoria do reconhecimento da objetividade histoacuterico-

social imanente em suas distintas formas de apresentaccedilatildeo (natureza e

sociedade) Em termos muito breves eacute o momento mais abstrato do

reconhecimento da identidade das coisas por si enquanto tal um dos momentos

distintos da unidade do saber do qual participa um segundo sob forma

concreta que eacute a ciecircncia

Pela proacutepria natureza histoacuterica processual do ser a ontologia marxiana

natildeo corresponde nem poderia corresponder por simples imperativo de

33

coerecircncia agrave forma de um saber universal plantado sobre uma racionalidade

auto-sustentada ou seja fundado na razatildeo universal nada mais a versatildeo laica

ou profana de Deus no dizer de Feuerbach Ou seja trata-se enfim de uma

forma de ontologia sem parentesco com o saber absoluto e que recusa qualquer

tipo de fundamento especulativo pois absolutizaccedilatildeo de uma teoria da

fundamentaccedilatildeo eacute simplesmente a firmaccedilatildeo especulativa da razatildeo autocircnoma ou

de um princiacutepio de inteligibilidade situado para aleacutem das coisas que garante a

presenccedila e o conhecimento do sagrado e a vitoacuteria antecipada do idealismo Natildeo

correspondendo agrave qualquer forma de saber universal a ontologia marxiana

sustenta a possibilidade efetiva como jaacute vimos de um saber real

Por sua praacutetica teoacuterica e por um conjunto de lineamentos expliacutecitos

Marx deixou o legado de um especiacutefico estatuto ontoloacutegico natildeo um ontologia de

talhe convencional ou tradicional e natildeo apenas por que careceu de tempo

necessaacuterio para a realizaccedilatildeo de uma obra desse tipo mas fundamentalmente

pela distinccedilatildeo de natureza de seu estatuto ontoloacutegico radicalmente oposto ao

tratamento especulativo da mateacuteria

Esse estatuto eacute constituiacutedo a partir do universo praacutetico onticamente

referido ou seja eacute um estatuto ocircntico-ontoloacutegico pois evolve da efetividade

histoacuterica das coisas de suas relaccedilotildees e processos para sua reproduccedilatildeo

conceitual no plano de uma trama categorial em sua expressatildeo mais abstrata

Reconhecimento e Determinaccedilatildeo da Sociabilidade como Substacircncia

Vimos que segundo Chasin enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma

da legalidade do ser social em sua materialidade e espiritualidade[pode-se dizer

tambeacutem em sua objetividade sensiacutevel e supra-sensiacutevel] ou seja enquanto

malha de asserccedilotildees ou determinaccedilotildees de seu complexo categorial a ontologia

34

estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a sociabilidade como substacircncia desse

grau maacuteximo do ser

Embora Chasin natildeo tenha desenvolvido plenamente a questatildeo da

objetividade supra-sensiacutevel como tambeacutem a da sociabilidade como substacircncia

julgo conveniente transcrever tambeacutem algumas notas e comentaacuterios feitos em

sala de aula dada a importacircncia do tema

Em relaccedilatildeo agrave noccedilatildeo de substacircncia Chasin retoma sua noccedilatildeo mais geral

e tradicional Ou seja deixando de fora qualquer conotaccedilatildeo relativa a formas de

idealidade o que existe por si eacute um auto-engendrado a uacuteltima instacircncia de um

dado gecircnero de entificaccedilatildeo enquanto tal na medida em que eacute uma efetividade

eacute um complexo que a noccedilatildeo de substacircncia refere no mais alto grau de

abstraccedilatildeo Vale pois como abstraccedilatildeo razoaacutevel tal como todo conceito

marxiano nesse niacutevel de generalizaccedilatildeo a partir do qual pela via dos processos

de concreccedilatildeo satildeo determinaacuteveis as formas concretas de substacircncia

correspondentes agraves formaccedilotildees sociais reais

Dessa forma a substacircncia eacute um complexo histoacuterico natildeo uma

idealidade natildeo um construto da razatildeo auto-sustentada mas o resumo de uma

extraccedilatildeo justificada

Naturalidade e Sociabilidade

Sempre que se potildee a questatildeo da naturalidade e da sociabilidade essa

uacuteltima tende a ser examinada in statu nascendi ou de um estado original

imaginaacuterio natildeo se parte portanto de fatos pois os desconhecemos se eacute que

35

tenham existido mas de um mito E do mito se quer saltar para o quadro de uma

realidade complexa

Mas acompanhando Marx lembremos das pobres robinsonadas do

seacuteculo XVIII referidas logo agraves primeiras linhas da Introduccedilatildeo de 57 a) O

caccedilador e o pescador individuais e isolados de que partem Smith e Ricardo b)

o contrat social de Rousseau que relaciona e liga sujeitos independentes por

natureza por meio de um contrato Essas robinsonadas natildeo repousam sobre

(o) naturalismo E a argumentaccedilatildeo prossegue Trata-se ao contraacuterio de uma

antecipaccedilatildeo da sociedade (buumlrgelichen Gesellschaft) que se preparava desde

o seacuteculo XVI e no seacuteculo XVIII deu larguiacutessimos passos em direccedilatildeo agrave sua

maturidade Nesta sociedade da livre concorrecircncia o indiviacuteduo aparece

desprendido dos laccedilos naturais que em eacutepocas histoacutericas remotas fizeram dele

um acessoacuterio de um conglomerado humano limitado e determinado Os profetas

do seacuteculo XVIII sobre cujos ombros se apoacuteiam inteiramente Smith e Ricardo

imaginam o indiviacuteduo do seacuteculo XVIII como um ideal que teria existido no

passado Vecircem-no natildeo como um resultado histoacuterico mas como ponto de partida

da Histoacuteria porque o consideram como um indiviacuteduo conforme agrave natureza -

dentro da representaccedilatildeo que tinham da natureza humana - que natildeo se originou

historicamente mas foi posto como tal pela natureza[xvii]

Segundo Chasin tomando Marx novamente como ponto de referecircncia

os equiacutevocos que aparecem ao se tratar a relaccedilatildeo naturalidade sociabilidade

satildeo os seguintes

1) procurar deduzir em graus diferentes em cada caso o ser social do

natural esquecendo que se trata da emergecircncia do novo de uma configuraccedilatildeo

ontoloacutegica nova e que o novo nunca eacute um simples desdobramento do estaacutegio

anterior no caso - do grau de ser antecedente ou seja que entre os dois niacuteveis

ocorre o que se chama de salto um intervalo em que a potecircncia causal do

antecedente natildeo conteacutem a capacidade a potecircncia ou a potencialidade para

gerar o novo Um intervalo que fica assim indeterminado

36

2) o procedimento acima abre para a mera especulaccedilatildeo pois tende a

deduzir a indeterminaccedilatildeo a querer estabelecer nexos onde eles inexistem

tende a preencher o que de fato eacute um vazio A rigor natildeo se trata de um natildeo-

sabido mas da ausecircncia factual de um objeto ou processo em outros termos

se trata de um vazio ontoloacutegico de uma ausecircncia de nexos ontoloacutegicos

O correto segundo o modus operandi marxiano natildeo eacute partir da semente

ou do embriatildeo mas do complexo real maturado uma vez que

especialiacutessimamente na esfera social a loacutegica do gerado eacute diversa da loacutegica de

sua gecircnese aleacutem de que nesse acircmbito as entificaccedilotildees configuradas apagam a

rota e a loacutegica de sua formaccedilatildeo

Desse modo partindo do jaacute configurado e considerando que se trata de

uma configuraccedilatildeo infinita que compreende mutaccedilotildees qualitativas muito

importantes e natildeo esquecendo que permanecemos no estaacutegio preacute-histoacuterico (em

momento especialmente desequilibrado e contraditoacuterio) podemos e devemos

reconhecer por meio de algumas abstraccedilotildees razoaacuteveis o seguinte

1) A formaccedilatildeo do ser social eacute um processo da animalidade agrave

hominidade o andamento da naturalidade agrave sociabilidade o caminho infinito da

naturalidade dada agrave sociabilidade natildeo-dada em produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

perenes

2)Trata-se pois de uma entificaccedilatildeo processual entre dois niacuteveis ou

poacutelos da escala do ser sendo processo eacute intrinsecamente uma contradiccedilatildeo e soacute

enquanto tal se move eliminada a contradiccedilatildeo cessaria a possibilidade do

processo Com isso eacute dito algo muito importante pois ao reconhecer a

contraditoriedade entre naturalidade e sociabilidade natildeo eacute mais possiacutevel pensar

as mesmas a propoacutesito do ser social como um simples conjugado de fatores

mas obrigatoriamente como uma conjugaccedilatildeo contraditoacuteria de legalidades Isso

vai na esteira do que eacute compreendido desde Hegel - que o ser eacute uma unidade

contraditoacuteria - todavia com o acreacutescimo do problema da dupla legalidade De

37

que modo ou feiccedilatildeo chega cada uma delas agrave unidade contraditoacuteria do ser Pois

haacute que pensar na unidade ou siacutentese a natildeo ser que se queira desenhar o ser

social como uma aberraccedilatildeo hiacutebrida pode ser esta a fisionomia do grau mais

elevado do gradiente dos seres Assim tomada na devida consideraccedilatildeo essa

determinaccedilatildeo ontoloacutegica sem a qual a reflexatildeo perde o rumo trata-se de

compreender a dinacircmica especiacutefica dessa contradiccedilatildeo peculiar Vejamos

3) Em primeiro lugar esse processo contraditoacuterio gera novas

contradiccedilotildees agora dominantemente contradiccedilotildees da sociabilidade em

formaccedilatildeo de sorte que se trata de um processo cumulativo de

contraditoriedades no qual as novas contradiccedilotildees progressivamente vatildeo

tomando o lugar predominante e decisivo vale dizer a contradiccedilatildeo originaacuteria

cada vez mais coabita com contradiccedilotildees de outro gecircnero diante das quais sua

presenccedila vai mudando de forccedila e configuraccedilatildeo natildeo desaparece mas sua

qualidade vai mudando na proporccedilatildeo mesmo do desenvolvimento da

apropriaccedilatildeo societaacuteria da natureza cada vez mais puramente social - eacute no que

consiste de acordo com as palavras de Marx o progressivo afastamento das

barreiras naturais

4) Ou seja a matriz e a medida do afastamento eacute a forma cada vez

mais social de produzir e reproduzir as bases materiais da vida pela qual eacute

gerado o novo ser em direccedilatildeo agrave sua potecircncia ampliada de se auto-por de ir em

direccedilatildeo a si mesmo um si mesmo que natildeo eacute dado mas gerado na progressatildeo

da auto-posiccedilatildeo do auto-assentamento ou da auto-enformaccedilatildeo que inclui a

proacutepria daccedilatildeo de forma e resoluccedilatildeo ao predicado natural ou bioloacutegico daccedilatildeo de

forma que em suma eacute daccedilatildeo de forma social ao predicado natural

5) Essa possibilidade de daccedilatildeo de forma eacute afirmaccedilatildeo e realizaccedilatildeo da

essecircncia social que eacute o conjunto de relaccedilotildees sociais configuradas em cada

momento pelo modo de produzir da base material modo por sua vez que eacute

determinado pelo desenvolvimento das forccedilas produtivas entre as quais figura o

proacuteprio modo de organizaccedilatildeo do conjunto das relaccedilotildees sociais

38

6) Daccedilatildeo de forma eacute alteraccedilatildeo do lugar resolutivo e todo ente que muda

de lugar muda de natureza sem alterar uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo material

Vale dizer que a contradiccedilatildeo originaacuteria entre naturalidade e sociabilidade eacute

resolvida por uma nova contradiccedilatildeo - a da naturalidade que soacute se realiza na

forma e por meios sociais - no afastamento que eacute superaccedilatildeo da naturalidade

(processo histoacuterico) a legalidade natural eacute submetida agrave legalidade social

(diferentemente em cada modo de produccedilatildeo e de acordo com o

desenvolvimento das forccedilas produtivas) o fator natural natildeo eacute suprimido

suprimida eacute sua capacidade de autodeterminaccedilatildeo resta portanto

simplesmente o que natildeo eacute pouco como um predicado do ser humano um

predicado insuprimiacutevel mas apenas como predicado bioloacutegico de um ser de

outra natureza e essecircncia A naturalidade eacute retida como predicado

imprescindiacutevel mas natildeo como essecircncia Donde natildeo satildeo mais duas legalidades

ontoloacutegicas que coexistem mas a legalidade superior mais complexa subsume

a legalidade natural que natildeo mais se autodetermina mas eacute resolvida pela e do

interior da outra Assim o predicado natural do homem recebe forma e

resoluccedilatildeo sociais ou seja o predicado natural eacute subsumido agrave legalidade social

Natildeo resta mais o choque de duas legalidades contrapostas na

contradiccedilatildeo originaacuteria A legalidade natural vai sucumbindo na ruptura e

progressivamente agrave legalidade social em sua efetividade no ser social a

legalidade natural natildeo mais atua por si eacute dependente do social natildeo eacute mais a

legalidade de um ser pois natildeo haacute mais aiacute um ser natural mas um atributo

natural dependente da essecircncia social O homem eacute um ser social que

compreende sua essecircncia especiacutefica (variaacutevel) suas contingecircncias e seu

predicado bioloacutegico Na entificaccedilatildeo do ser social uacuteltimo grau da cadeia do ser a

legalidade natural eacute subalternizada agrave social por mais ruacutestica e restrita que seja a

essecircncia social primitiva e por mais precaacuteria que seja essa subalternizaccedilatildeo de

iniacutecio O processo de afastamento das barreiras naturais eacute assim o curso dessa

subalternizaccedilatildeo que desponta no iniacutecio na ruptura com a legalidade natural e

por mais longo e contraditoacuterio em avanccedilos e recuos que seja esse processo

39

7) de outra parte a loacutegica do predicado bioloacutegico natildeo soluciona natildeo

tem resposta para o complexo problemaacutetico da sociabilidade enquanto que esta

daacute soluccedilatildeo aos imperativos daquela Como diz Marx nos Manuscritos de 44 o

homem contempla a natureza e a si mesmo com um produto social [dos homens

interativos] com pleno direito mesmo que natildeo com elevada consciecircncia ou altos

valores

8) Donde a foacutermula lukaacutecsiana da dupla base eacute falsa pois a plataforma

eacute a sociabilidade enquanto a naturalidade eacute apenas o insuprimiacutevel predicado

bioloacutegico que passa a vigir na forma e sob a regecircncia da sociabilidade Natildeo

perde por isso uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo orgacircnica mas na sua efetividade

muda de caraacuteter No interiro da esfera societaacuteria o predicado bioloacutegico eacute um

outro de si Se originariamente foi o ponto de partida agora eacute produzido e

reproduzido pela legalidade de um ser que o ultrapassa e o domina vive e soacute

pode viver na subjugaccedilatildeo de um novo estatuto Ou seja ao integrar como

predicado o ser de niacutevel mais elevado realiza a sua maacutexima potecircncia e isso eacute

ao mesmo tempo sua desnaturalizaccedilatildeo ou perecimento Impereciacutevel como

predicado natildeo eacute base pois determina soacute por seus limites pelas carecircncias natildeo

pelas determinaccedilotildees resolutivas nem mesmo em suas forccedilas e sentidos pois

enquanto virtualidades estas soacute satildeo humanas e superiores em resoluccedilatildeo

societaacuteria Ademais natildeo eacute nunca um criador de novas necessidades o que

caracteriza a legalidade social

9) A argumentaccedilatildeo acima diz respeito diretamente ao ser social em sua

configuraccedilatildeo bipolar (indiviacuteduo e gecircnero) e desenvolvida em especial no poacutelo da

individualidade tendo por esteio o andamento do gecircnero e ao falar deste se diz

do seu metabolismo com a natureza Esse metabolismo fundamental que eacute em

suma a atividade vital do homem ao gerar produtos sociais

(utilidadesmercadorias) sem que se possa transpor a estes as mesmas

determinaccedilotildees que foram feitas para o ser social desde logo satildeo entes sociais

mas em outro grau da escala do ser social mas tambeacutem tecircm mudada a sua

natureza de naturais a utilidades (e na forma da alienaccedilatildeofetichismo as

40

mercadorias) de sorte que a apropriaccedilatildeo da natureza eacute igualmente sua

desnaturalizaccedilatildeo eacute forccedilaacute-las a deixar de ser o que satildeo em sua peculiaridade

para se tornarem um outro de si sob a regecircncia do estatuto societaacuterio Isso eacute a

manifestaccedilatildeo do poder e da superioridade do grau maacuteximo do ser Nenhum

outro ser realiza qualquer coisa semelhante nem longinquumlamente Repetindo

Kant e Hegel Marx tinha toda razatildeo quando disse que haacute mais grandeza e

misteacuterio na cabeccedila de um becircbado do que no conjunto do universo

10) a Sociabilidade imperfeita substacircncia ainda natildeo realizada enquanto

tal ou seja ainda incapaz de autonomia como complexo estruturado conduz agrave

poliacutetica Natildeo compreendida como substacircncia mas como simples organizaccedilatildeo

potildee o homem no outro poacutelo na dicotomia homemsociedade ou seja na

representaccedilatildeo socioloacutegica ou politoloacutegica o homem eacute um outro

Determinada ou compreendida como substacircncia eacute substacircncia humana

(perfeita e imperfeita com todas as grandezas e miseacuterias produzidas

modificadas suprimidas e repostas no curso histoacuterico) eacute a essecircncia mutante do

ser auto-engendrado e enquanto mutante e por ser mutante distinta tambeacutem

por essa mutabilidade do predicado bioloacutegico atemporalmente necessaacuterio mas

sempre e progressivamente insuficiente do ser social

O tomo IV do primeiro nuacutemero da Revista Ensaios Ad Hominem eacute

composto de seis artigos - aleacutem do texto de abertura de autoria de J Chasin -

que resultaram de siacutenteses ou modificaccedilatildeo de partes ou capiacutetulos de

dissertaccedilotildees defendidas entre os anos de 1998 e 1999 junto ao Programa de

Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia da UFMG

41

O artigo que abre a presente coletacircnea intitulado A Razatildeo como

Tribunal da Criacutetica Marx e A Gazeta Renana de autoria de Celso Eidt versa

sobre a concepccedilatildeo do jovem Marx sobre o papel da imprensa natildeo apenas como

o locus privilegiado para o debate filosoacutefico mas fundamentalmente para os

processos educativos tendo em vista a realizaccedilatildeo plena da liberdade humana Eacute

bom ressaltar que no periacuteodo em que tais artigos satildeo redigidos Marx

compartilha de uma visatildeo antropoloacutegica racional em que a natureza humana eacute

concebida como espiacuterito livre e racional enquanto esteio da proacutepria vida eacutetica

ou seja da praacutetica humana fundada na razatildeo universal

Ana Selva Albinati autora do artigo A Determinaccedilatildeo dos Valores

Morais nos textos de Marx de 1841 a 1847 se debruccedila justamente sobre tal

campo de reflexatildeo Seu trabalho eacute uma tentativa de sistematizaccedilatildeo das

consideraccedilotildees sobre os valores morais nos textos do periacuteodo que se inicia com

sua tese doutoral Diferenccedilas entre as Filosofias da Natureza de Demoacutecrito e

Epicuro prosseguindo ateacute A Miseacuteria da Filosofia Ana Selva procura demonstrar

que esse periacuteodo normalmente referido como sendo o da juventude de Marx eacute

na verdade constituiacutedo de dois momentos de sua elaboraccedilatildeo teoacuterica que tem

como momento de clivagem a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel de meados

de 1843 em que Marx rompe com o referencial teoacuterico do idealismo alematildeo Em

relaccedilatildeo agraves determinaccedilotildees sobre a moral essa ruptura se reflete na inflexatildeo

radical que diferencia a compreensatildeo da moralidade no primeiro e segundo

momentos de tal forma que a moralidade passa a ser compreendida como um

dos modos da consciecircncia socialmente determinada concepccedilatildeo completamente

distinta da primeira fase em que os valores morais eram compreendidos como

expressotildees da liberdade e da racionalidade humanas idealmente concebidas

No artigo A criacutetica da Especulaccedilatildeo nas Glosas de Kreuznach Milney

Chasin analisa o momento inicial e ao mesmo tempo decisivo da ruptura que

se verifica entre Marx e Hegel no plano das determinaccedilotildees do ser Desse modo

a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel inaugura a criacutetica marxiana da

especulaccedilatildeo no seu cerne o de rejeitar o procedimento especulativo

42

caracteriacutestico de se provir tudo da ideacuteia real de tornaacute-la sujeito isto eacute de

capacitar a abstraccedilatildeo ou conceito automovido - a partir das metamorfoses

hegelianas - de pocircr o multiverso sensiacutevel Em outros termos Milney Chasin no

referido artigo evidencia como a criacutetica da especulaccedilatildeo permite a Marx

ultrapassar os horizontes do idealismo alematildeo na direccedilatildeo do devido

reconhecimento da distinccedilatildeo entre ser e pensar de caracterizar a impropriedade

ontoloacutegica da loacutegica hegeliana de apurar os limites gnosioloacutegicos e

incongruecircncias de toda ordem Em suma permite o desvelamento da substacircncia

miacutestica oferecendo a explicitaccedilatildeo do meacutetodo hegeliano - das diabruras do

conceito autoposto - que articula abstraccedilotildees e finitude restando a esta a mera

condiccedilatildeo de apecircndice dissolvido isto eacute momento virtual da realizaccedilatildeo da

idealidade

O quarto artigo desta coletacircnea intitulado A Exteriorizaccedilatildeo da Vida nos

Manuscritos de 44 eacute parte da dissertaccedilatildeo de mestrado As Categorias

Lebensaumlusserung Entaumlusserung Entfremdung e Veraumlusserung nos Manuscritos

Economico-Filosoacuteficos de Karl Marxdefendida por Mocircnica H M da Costa em

que o interesse era acima de tudo averiguar se alienaccedilatildeo (Entaumlusserung) e

estranhamento (Entfremdung) teriam significados distintos A pesquisa acabou

opor apontar no entanto uma outra categoria como eixo desses manuscritos

Lebensaumlusserung traduzida por exteriorizaccedilatildeo da vida De fato o fio condutor

dos Manuscritos eacute a centralidade do trabalho na produccedilatildeo material e espiritual

da vida humana Tomando para anaacutelise criacutetica pela primeira vez os

economistas claacutessicos Marx explicita sua proacutepria compreensatildeo da forma

peculiar de engendramento da existecircncia do homem A criacutetica a Hegel completa

o quadro desta tematizaccedilatildeo que natildeo seraacute abandonada ateacute os uacuteltimos trabalhos

de Marx

Sabina Maura Silva no artigo A Fenomenologia do Egoiacutesmo Stirner e a

Criacutetica Marxiana tem como objetivo fundamental apresentar a concepccedilatildeo de

homem presente na obra O Uacutenico e Sua Propriedade de autoria do filoacutesofo

neohegeliano Max Stirner e expor a criacutetica de Marx a este autor contida em A

43

Ideologia Alematilde A autora mostra que para Stirner o Eu tomado como

individualidade singular eacute o fundamento de sua esfera existencial No entanto

para esse autor tudo tem determinado a existecircncia dos indiviacuteduos natildeo tendo

sido permitido a eles determinaacute-la O objetivo de Stirner eacute pois remeter ao

indiviacuteduo - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel - o que dele foi alienado e erigido

como algo autocircnomo Por seu turno a criacutetica de Marx tem como fim explicitar o

caraacuteter especulativo da anaacutelise stirneana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo

bem como salientar o aspecto pseudorevolucionaacuterio de suas proposituras

Assim segundo Marx Stirner tatildeo somente interpreta diferentemente o

existente isto eacute reconhece o existente mediante outra

interpretaccedilatildeoTransformando as contradiccedilotildees objetivas em contradiccedilotildees

subjetivas Stirner conserva e justifica as condiccedilotildees e estruturas efetivas que

esmagam e impedem a autodeterminaccedilatildeo das individualidades ao reconhecer

as circunstacircncias como determinaccedilotildees dos indiviacuteduos Acolhendo acriacutetica e

especulativamente em suas feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees

estranhadas de um momento histoacuterico particular da individuaccedilatildeo humana

Stirner erige como individualidade um ente que empobrecido e constrangido

pelas condiccedilotildees objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade

social pode somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria

sobre si e sobre o mundo

O uacuteltimo artigo do tomo IV da Revista Ensaios Ad Hominem eacute de

autoria de Antocircnio Joseacute Lopes Alves e leva o tiacutetulo de A Individualidade

Moderna nos Grundrisse Neste texto o autor procura demonstrar que a

moderna sociabilidade do capital eacute compreendida por Marx como forma

instaurada a partir da dissoluccedilatildeo dos liames sociais que uniam em tempos

anteriores os indiviacuteduos agrave comunidade Aleacutem disso destaca o fato apontado por

Marx de que tal processo se constitui numa verdadeira reconversatildeo ontoloacutegica

tanto dos indiviacuteduos quanto das condiccedilotildees da atividade vital ocorrendo uma

radical transformaccedilatildeo na forma de ser de ambos Sinteticamente trata-se de

reconfiguraccedilatildeo ontoloacutegica que determina como entes autocircnomos os indiviacuteduos

44

de um lado e as condiccedilotildees de trabalho de outro vale dizer do divoacutercio entre os

indiviacuteduos ativos e as condiccedilotildees de sua atividade Antocircnio Lopes buscou em

suma alinhar as determinaccedilotildees mais essenciais dos indiviacuteduos e da

sociablidade modernos no que respeita agrave forma mesma das relaccedilotildees sociais da

atividade sensiacutevel bem como da respectiva expressatildeo ideal como por exemplo

a configuraccedilatildeo das categorias da igualdade e liberdade

O leitor encontraraacute nas paacuteginas que se seguem o resultado do esforccedilo

de pesquisa voltado ao resgate da obra marxiana caracterizado pela busca do

rigor na leitura e interpretaccedilatildeo do pensamento de um autor cuja heranccedila

intelectual conheceu um destino traacutegico Natildeo eacute faacutecil portanto voltar-se a ela

sem os preconceitos da moda - como jaacute havia advertido Lukaacutecs Natildeo posso

afirmar com total certeza que um intento dessa natureza tenha sido plenamente

alcanccedilado Todavia eacute faacutecil perceber as diferenccedilas desse tipo de produccedilatildeo teoacuterica

com aquela apresentada tanto pelo marxismo adstringido e suas dissidecircncias

como pelo marxismo vulgar para utilizar as expressotildees cunhadas por Chasin no

intuito de designar as duas variantes de interpretaccedilatildeo da obra marxiana

Faccedilo aqui ao leitor interessado o convite para participar dessa

avaliaccedilatildeo

[1] Professora do Departamento de Filosofia da UFMG coordenadora

do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e Estudos Confluentes

45

[i] J CHASIN Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in

Teixeira FJS Pensando com Marx Editora Ensaio Satildeo Paulo 1995

[ii] K MARX amp F ENGELS A Sagrada Famiacutelia Ed Grijalbo trad

Wenceslao Roces Meacutexico DF 1960 p 120

[iii] Ver a respeito J CHASIN Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo

Metodoloacutegica opcit

[iv] J CHASIN O Futuro Ausente in Ensaios Ad Hominem 1 tomo III

Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem Satildeo Paulo 2000 p 166

[v] Ib p 167

[vi] Id

[vii] E CASSIRER A Filosofia do Iluminismo Editora da Unicamp

Campinas 1992 p 11

[viii] G LUKAacuteCS La Riproduzionein Per lOntologia delle Essere

Sociale Roma Editori Riuniti tomo II 1981 pp 180-81

[ix] N HARTMANN Ontologia Fondo de Cultura Econoacutemica Meacutexico D

F vol 1 1986

[x] K MARX O Capital vol I Ediccedilatildeo Abril Cultural Satildeo Paulo p 149

[xi] Id

[xii] Ib p 150

[xiii] (a respeito dessas categorias ver N HARTMANN Ontologia op cit

vol I p XII

46

47

[xiv] No original alematildeo in der Form des Seins Dietz Verlag 1971 p

195

[xv] Ib p 151

[xvi] Ver a respeito em J CHASIN Marx-Estatuto Ontoloacutegico e

Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica op cit

[xvii] K MARX op Cit p 126

Page 25: :: Verinotio - Revista On-line de Educao e Cincias Humanas · O leitor encontrará, portanto, nessa Apresentação o fruto de trabalho de coleta e organização de materiais utilizados

categorial no ato de ser pela atualizaccedilatildeo do complexo categorial essecircncia

determinada e mutaacutevel na mutabilidade de ser e ir sendo (essendi)

Eacute chegada a hora depois desta etapa analiacutetica de vislumbrar qual eacute o

cenaacuterio em Marx que esse conjunto de questotildees se coloca Com esse objetivo e

como eacute tiacutepico de seu procedimento investigativo junto aos textos daquele autor

Chasin toma para anaacutelise o item 1 O Processo de Trabalho do capiacutetulo V de O

Capital Nele pode-se identificar em primeiro lugar a natureza geral (universal)

da atualizaccedilatildeo da forccedila de trabalho que se encontra em potecircncia nos indiviacuteduos

A produccedilatildeo de valores de uso ou bens natildeo muda sua natureza geral por se

realizar para o capitalista e sob seu controle Por isso o processo de trabalho

deve ser considerado de iniacutecio independentemente de qualquer forma social

determinada[x]

Por que o processo de trabalho deve ser considerado de iniacutecio

independentemente de qualquer forma social determinada indaga Chasin A

resposta eacute formulada em estilo direto Para natildeo ser perdida a natureza do

trabalho sua positividade enquanto atividade humana vital

Tem-se nessa passagem segundo Chasin um exemplo do exerciacutecio

de uma ontologia estatutaacuteria - a positividade (sua efetividade ou operosidade)

universal do trabalho enquanto atributo vital e inalienaacutevel do homem

independentemente de suas formas concretas que se apresentam na forma do

trabalho alienado

Eacute a determinaccedilatildeo universal do trabalho o traccedilo de sua legalidade

uacuteltima sua determinaccedilatildeo mais geral e essencial dimensatildeo que natildeo desaparece

nem mesmo sob suas formas concretas mais negativas

A ontologia estatutaacuteria registra o traccedilo ou rastro dessa dimensatildeo

permanente que atravessa as formas concretas em sua efetividade contraditoacuteria

e especialmente desfavoraacutevel para o homem enquanto maioria subjugada ao

longo de toda a preacute-histoacuteria da humanidade

25

Permanente mas permanente processual mutaacutevel diversamente

positivo quantitativa e qualitativamente em cada uma das formas concretas em

que o trabalho aparece nas configuraccedilotildees sociais determinadas

Nesse sentido abstratamente permanente abstratamente positivo mas

onde essa abstratividade natildeo corresponde a uma simples determinaccedilatildeo

conceitual Corresponde a uma efetividade em sua figura proacutepria em cada forma

social determinada

Agrave ontologia estatutaacuteria compete o reconhecimento dessa dimensatildeo mais

geral base para a decifraccedilatildeo cientiacutefica concreta dos casos efetivos que por sua

vez confirmam ou natildeo criticamente a determinaccedilatildeo mais geral ontoloacutegica Natildeo

haacute portanto um abismo separando ontologia de ciecircncia mas a continuidade de

momentos distintos de uma mesma unidade de conhecimento que interagem e

se medem reciprocamente se apoacuteiam estimulam e criticam um infinito processo

constitutivo das certezas

Continuando a anaacutelise do texto marxiano tem-se a descriccedilatildeo do

trabalho e o reconhecimento analiacutetico de sua natureza Antes de tudo [aqui

Chasin faz uma pequena observaccedilatildeo assinalando ou seja na raiz em seu

fundamento diria uma linguagem mais convencional e ciosa de suas

pretendidas atribuiccedilotildees] o trabalho eacute um processo entre o homem e a

natureza um processo em que o homem por sua proacutepria accedilatildeo medeia regula

controla seu metabolismo com a natureza Ele mesmo se defronta com a

mateacuteria natural Ele potildee em movimento as forccedilas naturais pertencentes agrave sua

corporalidade braccedilos e pernas cabeccedila e matildeo a fim de se apropriar da mateacuteria

natural numa forma uacutetil para a sua proacutepria vida Ao atuar por meio desse

movimento sobre a natureza externa a ele e ao modificaacute-la ele modifica ao

mesmo tempo sua proacutepria natureza Ele desenvolve as potecircncias nela

adormecidas e sujeita o jogo de suas forccedilas a seu proacuteprio domiacutenio[xi]

26

Observe-se que diz Chasin ao trabalhar ao mudar a forma da

natureza ao construir sua proacutepria mundaneidade o homem ele proacuteprio por

meio de seu proacuteprio trabalho transforma a sua proacutepria natureza Ou seja de ser

natural para social eis um novo exemplo de lineamento reconhecido e recolhido

agrave ontologia estatutaacuteria

Prosseguindo na especificaccedilatildeo Marx afirmaPressupomos o trabalho

numa forma que pertence exclusivamente ao homem Uma aranha executa

operaccedilotildees semelhantes agraves do tecelatildeo e a abelha envergonha mais de um

arquiteto humano com a construccedilatildeo dos favos de suas colmeacuteias Mas o que

distingue de antematildeo o pior arquiteto da melhor abelha eacute que ele construiu o

favo em sua cabeccedila antes de construiacute-lo em cera No fim do processo de

trabalho obteacutem-se um resultado que jaacute no iniacutecio deste existiu na imaginaccedilatildeo do

trabalhador e portanto idealmente Ele natildeo apenas efetua uma transformaccedilatildeo

da forma da mateacuteria natural realiza ao mesmo tempo na mateacuteria natural seu

objetivo que ele sabe que determina como lei a espeacutecie e o modo de sua

atividade e ao qual tem de subordina sua vontade E essa subordinaccedilatildeo natildeo eacute

um ato isolado Aleacutem do esforccedilo dos oacutergatildeos que trabalham eacute exigida a vontade

orientada a um fim que se manifesta como atenccedilatildeo durante todo o tempo de

trabalho e isso tanto mais quanto menos esse trabalho pelo proacuteprio conteuacutedo e

pela espeacutecie modo de sua execuccedilatildeo atrai o trabalhador portanto quanto

menos ele o aproveita como jogo de suas proacuteprias forccedilas fiacutesicas e espirituais[xii]

Chasin chama atenccedilatildeo para as seguintes observaccedilotildees

1) a preacutevia-ideaccedilatildeo do resultado (do fim) a existecircncia ideal do mesmo

na imaginaccedilatildeo donde o objeto ou um complexo categorial in mente e ante

res[xiii]

Preacutevia-ideaccedilatildeo e teleologia satildeo ou podem ser momentos confluentes

mas natildeo satildeo idecircnticos a preacutevia-ideaccedilatildeo estaacute no comeccedilo e eacute um desenho ideal

que implica o conhecimento da espeacutecie e do modo da atividade a realizar

27

conhecimento das malhas causais teleologia eacute simplesmente finalidade fim

objetivo podendo se apresentar de modo meramente volitivo e bem abstrato

natildeo mobilizante dos ou sem os meios de sua realizaccedilatildeo ou seja ter teleologia

sem preacutevia-ideaccedilatildeo natildeo conduz a nenhum processo de trabalho Quero assinar

que o termo teleologia pode ser demasiado vago no sentido de mero conceito

filosoacutefico convencional nesse sentido apenas alusivo e natildeo instrumentador de

operaccedilotildees na esfera da atividade sensiacutevel Pode ser entendido mais como

manifestaccedilatildeo de espiacuterito do que como exigecircncia de efetuaccedilatildeo de mudanccedila de

forma da mateacuteria natural e objetivaccedilatildeo de propoacutesito E de toda forma indica

antes de tudo que o fim o realizado estaacute no fim do processo fala do obtido ou

do a ser obtido nada nos diz da travessia que realiza da travessia que passa do

ideal para o real natildeo nos fala da mobilizaccedilatildeo ideal e material necessaacuterias

Quando a teleologia se manifesta como resultado jaacute natildeo eacute preciso dizer mais

nada a respeito Basta saudar e usufruir de sua apariccedilatildeo que nada tem de

maacutegica ou misteriosa mas antes de reconhececirc-la como produto das

metamorfoses de subjetividade e objetividade Ou seja em suas distintas

naturezas inconfundiacuteveis enquanto tais objetividade e subjetividade satildeo

entificaccedilotildees na mundaneidade humana e nessa qualidade estados ou momentos

do ser social momentos regidos pela atividade ideal e sensiacutevel do mesmo

Penso que Lukaacutecs ao transpor a questatildeo para a linguagem filosoacutefica

tradicional pode ter dissociado demais fins e meios o que natildeo eacute o caso dos

textos de Marx Por isso Lukaacutecs se vecirc obrigado depois a buscar a rearticulaccedilatildeo

entre teleologia e causalidade e nisso encontre natildeo poucas dificuldades (como

uma passa para outra e vice-versa parecendo que lida ao limite com

substacircncias incomunicaacuteveis natildeo as compreendendo em suas metamorfoses) e

deixe que se perca certa substacircncia da questatildeo antes de tudo o interfluxo entre

objetividade e subjetividade com seus distintos momentos preponderantes em

cada um dos passos dos momentos embricados dos processos Creio que as

duas esferas ficam sempre tradicionalmente um tanto estranhas uma em

28

relaccedilatildeo agrave outra seja para preservar a objetividade e aiacute se torna objetivista seja

para ressaltar a subjetividade e aiacute desliza para o subjetivismo

2) No fim do processo tem-se seu resultado que eacute a transformaccedilatildeo da

forma de uma dada mateacuteria natural e a realizaccedilatildeo do objetivo do trabalho que

existiu antes como preconfiguraccedilatildeo ideal Portanto o trabalho transforma

imagem ideal em ente real complexo categorial in rebus

Em suma no pensamento de Marx as categorias ou complexos

categoriais satildeo reconhecidos sob as trecircs formas in mente (existem idealmente

na imaginaccedilatildeo ou como reproduccedilatildeo mental das coisas categorias da

representaccedilatildeo) ante res (preacutevia-ideaccedilatildeo) e in rebus como efetividades quando

estatildeo na forma de ser Como confirmaccedilatildeo tome-se mais esta passagem do

mesmo capiacutetulo No processo de trabalho a atividade do homem efetua

portanto mediante o meio de trabalho uma transformaccedilatildeo do objeto de

trabalho pretendida desde o princiacutepio O processo extingue-se no produto Seu

produto eacute um valor de uso uma mateacuteria natural adaptada agraves necessidades

humanas mediante transformaccedilatildeo da forma O trabalho se uniu com seu objeto

O trabalho estaacute objetivado e o objeto trabalhado O que do lado do trabalhador

aparecia na forma de mobilidade aparece agora como propriedade imoacutevel na

forma do ser[xiv] do lado do produto Ele fiou e o produto eacute um fio[xv]

Como arremate analiacutetico dessa famosa mas muitas vezes mal

compreendida passagem de O Capital Chasin conclui ao mesmo tempo em que

visualiza uma nova tarefa Se assim eacute se as categorias podem aparecer nas

trecircs formas - in rebus - in mente - ante res - haacute entatildeo que determinar o que satildeo

cada uma dessas formas

Esquematicamente Chasin propotildee o seguinte

1) se estatildeo in rebus (nas coisas) estatildeo na forma do ser

29

2) se estatildeo in mente (na cabeccedila) estatildeo na forma da reproduccedilatildeo ideal

das coisas Trata-se da subjetividade receptora[xvi] que reproduz as coisas natildeo

captando apenas seus dados empiacutericos superando pois o empirismo e elabora

portanto a reproduccedilatildeo ideal dos entes e onde a subsunccedilatildeo aos objetos eacute a

atividade de sua elaboraccedilatildeo ideal

3) se estatildeo ante res (antes das coisas) estatildeo na forma da finalidade da

preacutevia mentalizaccedilatildeo de objetivos e meios

Poreacutem no segundo e terceiro casos as categorias estatildeo na forma de

espeacutecies de pensamento representaccedilotildees e projeccedilotildees do ser do vir-a-ser dos

meios materiais instrumentais processuais e dinacircmicos de entificaccedilatildeo dos

seres

Concluindo essa parte dizer pois que o homem e o mundo satildeo

atividade sensiacutevel que por criar seu mundo cria a si mesmo eacute determinar o

homem como a criatura criadora de seres

No entanto na medida em que apenas na configuraccedilatildeo histoacuterica regida

pela loacutegica do capital ou seja na plenitude da produccedilatildeo da riqueza entendida

por sua essecircncia subjetiva que eacute o trabalho que se atinou para determinaccedilatildeo

do homem como a criatura criadora de seres foi possiacutevel agrave reflexatildeo pode se

dar conta potencialmente da verdadeira problemaacutetica do ser

Em outras palavras eacute pela criacutetica ao criador de criaturas na forma da

alienaccedilatildeo - criacutetica marxiana agrave sociedade capitalista - eacute que a ontologia pode

atinar com seu verdadeiro objeto e modo de determinaccedilatildeo Natildeo eacute casual que

tenha emergido pela criacutetica feuerbachiana ao sistema hegeliano (a criaccedilatildeo

especulada dos entes) e ganho seus contornos efetivos no advento de uma

nova forma de pensamento e concepccedilatildeo de praacutetica - a doutrina de Marx

Resumindo no caso de Marx ontologia eacute estatuto ou filosofia primeira

do ser social que enquanto tal norteia a concreccedilatildeo cientiacutefica do mesmo cuja

30

realizaccedilatildeo corrige e enriquece o proacuteprio estatuto donde a sinergia e a reciacuteproca

dimensatildeo criacutetica entre estatuto ontoloacutegico e ciecircncia da histoacuteria em seus diversos

departamentos possiacuteveis estabelecidos jaacute por criteacuterio ontoloacutegico ou seja que

respeita a integridade das coisas em suas qualidades e processos interconexos

que as constituem em seu ser por si e enquanto tais satildeo reproduzidas

teoricamente

Enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma da legalidade objetiva (material

e espiritual) do ser social ou seja enquanto malha de asserccedilotildees ou

determinaccedilotildees de seu complexo categorial enquanto o permanente na forma de

processo a ontologia estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a

sociabilidade como substacircncia desse grau maacuteximo da cadeia do ser

Mas substacircncia como complexo categorial como siacutentese de categorias

essenciais que denota uma forma especiacutefica determinada de presenccedila ou

existecircncia plenamente qualificada

Por isso eacute estatuto ontoloacutegico pois a plataforma canocircnica do ser eacute o

coacutedigo do substantivo verbal como substacircncia substrato) assim o estatuto

ontoloacutegico do complexo substantivo do ser social deve reconhecer a

sociabilidade como substacircncia A sociabilidade como substrato dos homens

seja na forma da alienaccedilatildeo seja na forma de sua latecircncia de substancialidade

em vir-a-ser no caminho infinito de sua realizaccedilatildeo

Trata-se portanto em Marx de estatuto e natildeo sistema pois como

sistema seria um agregado de abstraccedilotildees uma filosofia que uma vez obtidas

noccedilotildees fundamentais passa a se edificar por si ou seja as noccedilotildees seriam

coaacutegulos inteligiacuteveis que passam por auto-sustentaccedilatildeo a configurar

dedutivamente o mundo Ao passo que estatuto eacute uma ordem a legalidade do

ser sensiacutevel - o ser na plenitude de seus atributos

tempo (histoacuteriaprocessoduraccedilatildeomutabilidade) lugar e sensibilidade

especificamente a legalidade do ser social imanente a si em sua especiacutefica

31

objetividade O ser sensiacutevel eacute a forma do ser porque eacute a plenitude das

categorias possiacuteveis

E as formaccedilotildees ideais

Segundo Chasin as formaccedilotildees ideais do mesmo modo que as

formaccedilotildees reais - formas do ser - tecircm lugar e tempo como categorias - o tempo

e o espaccedilo das formaccedilotildees sociais que satildeo engendradas mas estatildeo privadas de

sensibilidade

O sensiacutevel soacute eacute predicaccedilatildeo inerecircncia agrave forma do ser que conteacutem a

plenitude dos predicados possiacuteveis (sensibilidade espaccedilo tempo)

Essa forma de conceber o ser eacute reconhecer substancialidade ao

complexu agrave unidade totalizada ou seja ao conjunto pleno de atributos em ato

Em outras palavras ser eacute complexo categorial - tem a forma de ser -

completude ou forma conferida pelo sensiacutevel que se desdobra em muacuteltiplos

atributos e se condensa de infinitas maneiras no gradiente do ser

Em suma segundo Chasin tomando Marx como base e ponto de

referecircncia permanentes ser eacute plenitude categorial ou seja a plenitude

categorial eacute sua forma e por ser sensiacutevel compreende lugar e tempo

Donde se admitido o princiacutepio metoacutedico de Marx saber eacute saber do ser

que antes de tudo eacute um complexo sensiacutevel - tudo que eacute existe eacute sempre um

complexo natildeo uma substacircncia ou essecircncia pura e cristalina E a cadeia do ser eacute

o conjunto de graus do ser - do menos ao mais complexo

O preceito metodoloacutegico marxiano eacute pois ontoloacutegico sabe-se o que eacute

como se formou se desenvolveu e como depereceraacute

Por via de consequumlecircncia e diante das vicissitudes da histoacuteria da

ontologia de seu processo constitutivo e dissolutor diante da penosa rota da

32

conquista teoacuterica do real homoacuteloga ou equivalente agrave necessidade humana de

produzir a sua mundaneidade e a si mesmo a ontologia eacute o que pode ser - o

que natildeo eacute pouco - a esfera teoacuterica da incerteza propulsora positiva

afirmativamente organizada O patamar do incerto ordenado como plataforma da

busca infinita da certeza Impulsatildeo incontornaacutevel que natildeo pode ser eludida pela

presenccedila imperativa dos circuitos ontopraacuteticos

Talvez agora o estatuto ontoloacutegico marxiano possa ser enunciado do

seguinte modo eacute o estudo das categorias fundamentais - em traccedilos essenciais

abstratos em suas determinaccedilotildees mais gerais - da existecircncia social

historicamente constatada e reconhecida sendo possiacutevel exemplificar com as

seguintes categorias historicidade (processualidade ou mutabilidade)

concreticidade ou objetividade atividade sensiacutevel e ideal (trabalho e

reproduccedilatildeo) subjetividade (receptiva e proponente) valor individualidade

gecircnero (sociabilidade) Tudo isso perfilando o complexo de complexos da auto

realizaccedilatildeo do ser humano-societaacuterio entendido que o fim dos fins eacute a infinitude

da realizaccedilatildeo do humano - do autopor-se do aberto ser humano-societaacuterio

Estatuto que em outros termos eacute a ordem do reconhecimento ou

reproduccedilatildeo teoacuterica da identidade natureza e constituiccedilatildeo das coisas por si por

seus complexos categoriais decisivos independentemente em qualquer plano

de se tornarem objetos de praacutetica ou reflexatildeo

Enquanto tal eacute a teoria do reconhecimento da objetividade histoacuterico-

social imanente em suas distintas formas de apresentaccedilatildeo (natureza e

sociedade) Em termos muito breves eacute o momento mais abstrato do

reconhecimento da identidade das coisas por si enquanto tal um dos momentos

distintos da unidade do saber do qual participa um segundo sob forma

concreta que eacute a ciecircncia

Pela proacutepria natureza histoacuterica processual do ser a ontologia marxiana

natildeo corresponde nem poderia corresponder por simples imperativo de

33

coerecircncia agrave forma de um saber universal plantado sobre uma racionalidade

auto-sustentada ou seja fundado na razatildeo universal nada mais a versatildeo laica

ou profana de Deus no dizer de Feuerbach Ou seja trata-se enfim de uma

forma de ontologia sem parentesco com o saber absoluto e que recusa qualquer

tipo de fundamento especulativo pois absolutizaccedilatildeo de uma teoria da

fundamentaccedilatildeo eacute simplesmente a firmaccedilatildeo especulativa da razatildeo autocircnoma ou

de um princiacutepio de inteligibilidade situado para aleacutem das coisas que garante a

presenccedila e o conhecimento do sagrado e a vitoacuteria antecipada do idealismo Natildeo

correspondendo agrave qualquer forma de saber universal a ontologia marxiana

sustenta a possibilidade efetiva como jaacute vimos de um saber real

Por sua praacutetica teoacuterica e por um conjunto de lineamentos expliacutecitos

Marx deixou o legado de um especiacutefico estatuto ontoloacutegico natildeo um ontologia de

talhe convencional ou tradicional e natildeo apenas por que careceu de tempo

necessaacuterio para a realizaccedilatildeo de uma obra desse tipo mas fundamentalmente

pela distinccedilatildeo de natureza de seu estatuto ontoloacutegico radicalmente oposto ao

tratamento especulativo da mateacuteria

Esse estatuto eacute constituiacutedo a partir do universo praacutetico onticamente

referido ou seja eacute um estatuto ocircntico-ontoloacutegico pois evolve da efetividade

histoacuterica das coisas de suas relaccedilotildees e processos para sua reproduccedilatildeo

conceitual no plano de uma trama categorial em sua expressatildeo mais abstrata

Reconhecimento e Determinaccedilatildeo da Sociabilidade como Substacircncia

Vimos que segundo Chasin enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma

da legalidade do ser social em sua materialidade e espiritualidade[pode-se dizer

tambeacutem em sua objetividade sensiacutevel e supra-sensiacutevel] ou seja enquanto

malha de asserccedilotildees ou determinaccedilotildees de seu complexo categorial a ontologia

34

estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a sociabilidade como substacircncia desse

grau maacuteximo do ser

Embora Chasin natildeo tenha desenvolvido plenamente a questatildeo da

objetividade supra-sensiacutevel como tambeacutem a da sociabilidade como substacircncia

julgo conveniente transcrever tambeacutem algumas notas e comentaacuterios feitos em

sala de aula dada a importacircncia do tema

Em relaccedilatildeo agrave noccedilatildeo de substacircncia Chasin retoma sua noccedilatildeo mais geral

e tradicional Ou seja deixando de fora qualquer conotaccedilatildeo relativa a formas de

idealidade o que existe por si eacute um auto-engendrado a uacuteltima instacircncia de um

dado gecircnero de entificaccedilatildeo enquanto tal na medida em que eacute uma efetividade

eacute um complexo que a noccedilatildeo de substacircncia refere no mais alto grau de

abstraccedilatildeo Vale pois como abstraccedilatildeo razoaacutevel tal como todo conceito

marxiano nesse niacutevel de generalizaccedilatildeo a partir do qual pela via dos processos

de concreccedilatildeo satildeo determinaacuteveis as formas concretas de substacircncia

correspondentes agraves formaccedilotildees sociais reais

Dessa forma a substacircncia eacute um complexo histoacuterico natildeo uma

idealidade natildeo um construto da razatildeo auto-sustentada mas o resumo de uma

extraccedilatildeo justificada

Naturalidade e Sociabilidade

Sempre que se potildee a questatildeo da naturalidade e da sociabilidade essa

uacuteltima tende a ser examinada in statu nascendi ou de um estado original

imaginaacuterio natildeo se parte portanto de fatos pois os desconhecemos se eacute que

35

tenham existido mas de um mito E do mito se quer saltar para o quadro de uma

realidade complexa

Mas acompanhando Marx lembremos das pobres robinsonadas do

seacuteculo XVIII referidas logo agraves primeiras linhas da Introduccedilatildeo de 57 a) O

caccedilador e o pescador individuais e isolados de que partem Smith e Ricardo b)

o contrat social de Rousseau que relaciona e liga sujeitos independentes por

natureza por meio de um contrato Essas robinsonadas natildeo repousam sobre

(o) naturalismo E a argumentaccedilatildeo prossegue Trata-se ao contraacuterio de uma

antecipaccedilatildeo da sociedade (buumlrgelichen Gesellschaft) que se preparava desde

o seacuteculo XVI e no seacuteculo XVIII deu larguiacutessimos passos em direccedilatildeo agrave sua

maturidade Nesta sociedade da livre concorrecircncia o indiviacuteduo aparece

desprendido dos laccedilos naturais que em eacutepocas histoacutericas remotas fizeram dele

um acessoacuterio de um conglomerado humano limitado e determinado Os profetas

do seacuteculo XVIII sobre cujos ombros se apoacuteiam inteiramente Smith e Ricardo

imaginam o indiviacuteduo do seacuteculo XVIII como um ideal que teria existido no

passado Vecircem-no natildeo como um resultado histoacuterico mas como ponto de partida

da Histoacuteria porque o consideram como um indiviacuteduo conforme agrave natureza -

dentro da representaccedilatildeo que tinham da natureza humana - que natildeo se originou

historicamente mas foi posto como tal pela natureza[xvii]

Segundo Chasin tomando Marx novamente como ponto de referecircncia

os equiacutevocos que aparecem ao se tratar a relaccedilatildeo naturalidade sociabilidade

satildeo os seguintes

1) procurar deduzir em graus diferentes em cada caso o ser social do

natural esquecendo que se trata da emergecircncia do novo de uma configuraccedilatildeo

ontoloacutegica nova e que o novo nunca eacute um simples desdobramento do estaacutegio

anterior no caso - do grau de ser antecedente ou seja que entre os dois niacuteveis

ocorre o que se chama de salto um intervalo em que a potecircncia causal do

antecedente natildeo conteacutem a capacidade a potecircncia ou a potencialidade para

gerar o novo Um intervalo que fica assim indeterminado

36

2) o procedimento acima abre para a mera especulaccedilatildeo pois tende a

deduzir a indeterminaccedilatildeo a querer estabelecer nexos onde eles inexistem

tende a preencher o que de fato eacute um vazio A rigor natildeo se trata de um natildeo-

sabido mas da ausecircncia factual de um objeto ou processo em outros termos

se trata de um vazio ontoloacutegico de uma ausecircncia de nexos ontoloacutegicos

O correto segundo o modus operandi marxiano natildeo eacute partir da semente

ou do embriatildeo mas do complexo real maturado uma vez que

especialiacutessimamente na esfera social a loacutegica do gerado eacute diversa da loacutegica de

sua gecircnese aleacutem de que nesse acircmbito as entificaccedilotildees configuradas apagam a

rota e a loacutegica de sua formaccedilatildeo

Desse modo partindo do jaacute configurado e considerando que se trata de

uma configuraccedilatildeo infinita que compreende mutaccedilotildees qualitativas muito

importantes e natildeo esquecendo que permanecemos no estaacutegio preacute-histoacuterico (em

momento especialmente desequilibrado e contraditoacuterio) podemos e devemos

reconhecer por meio de algumas abstraccedilotildees razoaacuteveis o seguinte

1) A formaccedilatildeo do ser social eacute um processo da animalidade agrave

hominidade o andamento da naturalidade agrave sociabilidade o caminho infinito da

naturalidade dada agrave sociabilidade natildeo-dada em produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

perenes

2)Trata-se pois de uma entificaccedilatildeo processual entre dois niacuteveis ou

poacutelos da escala do ser sendo processo eacute intrinsecamente uma contradiccedilatildeo e soacute

enquanto tal se move eliminada a contradiccedilatildeo cessaria a possibilidade do

processo Com isso eacute dito algo muito importante pois ao reconhecer a

contraditoriedade entre naturalidade e sociabilidade natildeo eacute mais possiacutevel pensar

as mesmas a propoacutesito do ser social como um simples conjugado de fatores

mas obrigatoriamente como uma conjugaccedilatildeo contraditoacuteria de legalidades Isso

vai na esteira do que eacute compreendido desde Hegel - que o ser eacute uma unidade

contraditoacuteria - todavia com o acreacutescimo do problema da dupla legalidade De

37

que modo ou feiccedilatildeo chega cada uma delas agrave unidade contraditoacuteria do ser Pois

haacute que pensar na unidade ou siacutentese a natildeo ser que se queira desenhar o ser

social como uma aberraccedilatildeo hiacutebrida pode ser esta a fisionomia do grau mais

elevado do gradiente dos seres Assim tomada na devida consideraccedilatildeo essa

determinaccedilatildeo ontoloacutegica sem a qual a reflexatildeo perde o rumo trata-se de

compreender a dinacircmica especiacutefica dessa contradiccedilatildeo peculiar Vejamos

3) Em primeiro lugar esse processo contraditoacuterio gera novas

contradiccedilotildees agora dominantemente contradiccedilotildees da sociabilidade em

formaccedilatildeo de sorte que se trata de um processo cumulativo de

contraditoriedades no qual as novas contradiccedilotildees progressivamente vatildeo

tomando o lugar predominante e decisivo vale dizer a contradiccedilatildeo originaacuteria

cada vez mais coabita com contradiccedilotildees de outro gecircnero diante das quais sua

presenccedila vai mudando de forccedila e configuraccedilatildeo natildeo desaparece mas sua

qualidade vai mudando na proporccedilatildeo mesmo do desenvolvimento da

apropriaccedilatildeo societaacuteria da natureza cada vez mais puramente social - eacute no que

consiste de acordo com as palavras de Marx o progressivo afastamento das

barreiras naturais

4) Ou seja a matriz e a medida do afastamento eacute a forma cada vez

mais social de produzir e reproduzir as bases materiais da vida pela qual eacute

gerado o novo ser em direccedilatildeo agrave sua potecircncia ampliada de se auto-por de ir em

direccedilatildeo a si mesmo um si mesmo que natildeo eacute dado mas gerado na progressatildeo

da auto-posiccedilatildeo do auto-assentamento ou da auto-enformaccedilatildeo que inclui a

proacutepria daccedilatildeo de forma e resoluccedilatildeo ao predicado natural ou bioloacutegico daccedilatildeo de

forma que em suma eacute daccedilatildeo de forma social ao predicado natural

5) Essa possibilidade de daccedilatildeo de forma eacute afirmaccedilatildeo e realizaccedilatildeo da

essecircncia social que eacute o conjunto de relaccedilotildees sociais configuradas em cada

momento pelo modo de produzir da base material modo por sua vez que eacute

determinado pelo desenvolvimento das forccedilas produtivas entre as quais figura o

proacuteprio modo de organizaccedilatildeo do conjunto das relaccedilotildees sociais

38

6) Daccedilatildeo de forma eacute alteraccedilatildeo do lugar resolutivo e todo ente que muda

de lugar muda de natureza sem alterar uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo material

Vale dizer que a contradiccedilatildeo originaacuteria entre naturalidade e sociabilidade eacute

resolvida por uma nova contradiccedilatildeo - a da naturalidade que soacute se realiza na

forma e por meios sociais - no afastamento que eacute superaccedilatildeo da naturalidade

(processo histoacuterico) a legalidade natural eacute submetida agrave legalidade social

(diferentemente em cada modo de produccedilatildeo e de acordo com o

desenvolvimento das forccedilas produtivas) o fator natural natildeo eacute suprimido

suprimida eacute sua capacidade de autodeterminaccedilatildeo resta portanto

simplesmente o que natildeo eacute pouco como um predicado do ser humano um

predicado insuprimiacutevel mas apenas como predicado bioloacutegico de um ser de

outra natureza e essecircncia A naturalidade eacute retida como predicado

imprescindiacutevel mas natildeo como essecircncia Donde natildeo satildeo mais duas legalidades

ontoloacutegicas que coexistem mas a legalidade superior mais complexa subsume

a legalidade natural que natildeo mais se autodetermina mas eacute resolvida pela e do

interior da outra Assim o predicado natural do homem recebe forma e

resoluccedilatildeo sociais ou seja o predicado natural eacute subsumido agrave legalidade social

Natildeo resta mais o choque de duas legalidades contrapostas na

contradiccedilatildeo originaacuteria A legalidade natural vai sucumbindo na ruptura e

progressivamente agrave legalidade social em sua efetividade no ser social a

legalidade natural natildeo mais atua por si eacute dependente do social natildeo eacute mais a

legalidade de um ser pois natildeo haacute mais aiacute um ser natural mas um atributo

natural dependente da essecircncia social O homem eacute um ser social que

compreende sua essecircncia especiacutefica (variaacutevel) suas contingecircncias e seu

predicado bioloacutegico Na entificaccedilatildeo do ser social uacuteltimo grau da cadeia do ser a

legalidade natural eacute subalternizada agrave social por mais ruacutestica e restrita que seja a

essecircncia social primitiva e por mais precaacuteria que seja essa subalternizaccedilatildeo de

iniacutecio O processo de afastamento das barreiras naturais eacute assim o curso dessa

subalternizaccedilatildeo que desponta no iniacutecio na ruptura com a legalidade natural e

por mais longo e contraditoacuterio em avanccedilos e recuos que seja esse processo

39

7) de outra parte a loacutegica do predicado bioloacutegico natildeo soluciona natildeo

tem resposta para o complexo problemaacutetico da sociabilidade enquanto que esta

daacute soluccedilatildeo aos imperativos daquela Como diz Marx nos Manuscritos de 44 o

homem contempla a natureza e a si mesmo com um produto social [dos homens

interativos] com pleno direito mesmo que natildeo com elevada consciecircncia ou altos

valores

8) Donde a foacutermula lukaacutecsiana da dupla base eacute falsa pois a plataforma

eacute a sociabilidade enquanto a naturalidade eacute apenas o insuprimiacutevel predicado

bioloacutegico que passa a vigir na forma e sob a regecircncia da sociabilidade Natildeo

perde por isso uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo orgacircnica mas na sua efetividade

muda de caraacuteter No interiro da esfera societaacuteria o predicado bioloacutegico eacute um

outro de si Se originariamente foi o ponto de partida agora eacute produzido e

reproduzido pela legalidade de um ser que o ultrapassa e o domina vive e soacute

pode viver na subjugaccedilatildeo de um novo estatuto Ou seja ao integrar como

predicado o ser de niacutevel mais elevado realiza a sua maacutexima potecircncia e isso eacute

ao mesmo tempo sua desnaturalizaccedilatildeo ou perecimento Impereciacutevel como

predicado natildeo eacute base pois determina soacute por seus limites pelas carecircncias natildeo

pelas determinaccedilotildees resolutivas nem mesmo em suas forccedilas e sentidos pois

enquanto virtualidades estas soacute satildeo humanas e superiores em resoluccedilatildeo

societaacuteria Ademais natildeo eacute nunca um criador de novas necessidades o que

caracteriza a legalidade social

9) A argumentaccedilatildeo acima diz respeito diretamente ao ser social em sua

configuraccedilatildeo bipolar (indiviacuteduo e gecircnero) e desenvolvida em especial no poacutelo da

individualidade tendo por esteio o andamento do gecircnero e ao falar deste se diz

do seu metabolismo com a natureza Esse metabolismo fundamental que eacute em

suma a atividade vital do homem ao gerar produtos sociais

(utilidadesmercadorias) sem que se possa transpor a estes as mesmas

determinaccedilotildees que foram feitas para o ser social desde logo satildeo entes sociais

mas em outro grau da escala do ser social mas tambeacutem tecircm mudada a sua

natureza de naturais a utilidades (e na forma da alienaccedilatildeofetichismo as

40

mercadorias) de sorte que a apropriaccedilatildeo da natureza eacute igualmente sua

desnaturalizaccedilatildeo eacute forccedilaacute-las a deixar de ser o que satildeo em sua peculiaridade

para se tornarem um outro de si sob a regecircncia do estatuto societaacuterio Isso eacute a

manifestaccedilatildeo do poder e da superioridade do grau maacuteximo do ser Nenhum

outro ser realiza qualquer coisa semelhante nem longinquumlamente Repetindo

Kant e Hegel Marx tinha toda razatildeo quando disse que haacute mais grandeza e

misteacuterio na cabeccedila de um becircbado do que no conjunto do universo

10) a Sociabilidade imperfeita substacircncia ainda natildeo realizada enquanto

tal ou seja ainda incapaz de autonomia como complexo estruturado conduz agrave

poliacutetica Natildeo compreendida como substacircncia mas como simples organizaccedilatildeo

potildee o homem no outro poacutelo na dicotomia homemsociedade ou seja na

representaccedilatildeo socioloacutegica ou politoloacutegica o homem eacute um outro

Determinada ou compreendida como substacircncia eacute substacircncia humana

(perfeita e imperfeita com todas as grandezas e miseacuterias produzidas

modificadas suprimidas e repostas no curso histoacuterico) eacute a essecircncia mutante do

ser auto-engendrado e enquanto mutante e por ser mutante distinta tambeacutem

por essa mutabilidade do predicado bioloacutegico atemporalmente necessaacuterio mas

sempre e progressivamente insuficiente do ser social

O tomo IV do primeiro nuacutemero da Revista Ensaios Ad Hominem eacute

composto de seis artigos - aleacutem do texto de abertura de autoria de J Chasin -

que resultaram de siacutenteses ou modificaccedilatildeo de partes ou capiacutetulos de

dissertaccedilotildees defendidas entre os anos de 1998 e 1999 junto ao Programa de

Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia da UFMG

41

O artigo que abre a presente coletacircnea intitulado A Razatildeo como

Tribunal da Criacutetica Marx e A Gazeta Renana de autoria de Celso Eidt versa

sobre a concepccedilatildeo do jovem Marx sobre o papel da imprensa natildeo apenas como

o locus privilegiado para o debate filosoacutefico mas fundamentalmente para os

processos educativos tendo em vista a realizaccedilatildeo plena da liberdade humana Eacute

bom ressaltar que no periacuteodo em que tais artigos satildeo redigidos Marx

compartilha de uma visatildeo antropoloacutegica racional em que a natureza humana eacute

concebida como espiacuterito livre e racional enquanto esteio da proacutepria vida eacutetica

ou seja da praacutetica humana fundada na razatildeo universal

Ana Selva Albinati autora do artigo A Determinaccedilatildeo dos Valores

Morais nos textos de Marx de 1841 a 1847 se debruccedila justamente sobre tal

campo de reflexatildeo Seu trabalho eacute uma tentativa de sistematizaccedilatildeo das

consideraccedilotildees sobre os valores morais nos textos do periacuteodo que se inicia com

sua tese doutoral Diferenccedilas entre as Filosofias da Natureza de Demoacutecrito e

Epicuro prosseguindo ateacute A Miseacuteria da Filosofia Ana Selva procura demonstrar

que esse periacuteodo normalmente referido como sendo o da juventude de Marx eacute

na verdade constituiacutedo de dois momentos de sua elaboraccedilatildeo teoacuterica que tem

como momento de clivagem a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel de meados

de 1843 em que Marx rompe com o referencial teoacuterico do idealismo alematildeo Em

relaccedilatildeo agraves determinaccedilotildees sobre a moral essa ruptura se reflete na inflexatildeo

radical que diferencia a compreensatildeo da moralidade no primeiro e segundo

momentos de tal forma que a moralidade passa a ser compreendida como um

dos modos da consciecircncia socialmente determinada concepccedilatildeo completamente

distinta da primeira fase em que os valores morais eram compreendidos como

expressotildees da liberdade e da racionalidade humanas idealmente concebidas

No artigo A criacutetica da Especulaccedilatildeo nas Glosas de Kreuznach Milney

Chasin analisa o momento inicial e ao mesmo tempo decisivo da ruptura que

se verifica entre Marx e Hegel no plano das determinaccedilotildees do ser Desse modo

a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel inaugura a criacutetica marxiana da

especulaccedilatildeo no seu cerne o de rejeitar o procedimento especulativo

42

caracteriacutestico de se provir tudo da ideacuteia real de tornaacute-la sujeito isto eacute de

capacitar a abstraccedilatildeo ou conceito automovido - a partir das metamorfoses

hegelianas - de pocircr o multiverso sensiacutevel Em outros termos Milney Chasin no

referido artigo evidencia como a criacutetica da especulaccedilatildeo permite a Marx

ultrapassar os horizontes do idealismo alematildeo na direccedilatildeo do devido

reconhecimento da distinccedilatildeo entre ser e pensar de caracterizar a impropriedade

ontoloacutegica da loacutegica hegeliana de apurar os limites gnosioloacutegicos e

incongruecircncias de toda ordem Em suma permite o desvelamento da substacircncia

miacutestica oferecendo a explicitaccedilatildeo do meacutetodo hegeliano - das diabruras do

conceito autoposto - que articula abstraccedilotildees e finitude restando a esta a mera

condiccedilatildeo de apecircndice dissolvido isto eacute momento virtual da realizaccedilatildeo da

idealidade

O quarto artigo desta coletacircnea intitulado A Exteriorizaccedilatildeo da Vida nos

Manuscritos de 44 eacute parte da dissertaccedilatildeo de mestrado As Categorias

Lebensaumlusserung Entaumlusserung Entfremdung e Veraumlusserung nos Manuscritos

Economico-Filosoacuteficos de Karl Marxdefendida por Mocircnica H M da Costa em

que o interesse era acima de tudo averiguar se alienaccedilatildeo (Entaumlusserung) e

estranhamento (Entfremdung) teriam significados distintos A pesquisa acabou

opor apontar no entanto uma outra categoria como eixo desses manuscritos

Lebensaumlusserung traduzida por exteriorizaccedilatildeo da vida De fato o fio condutor

dos Manuscritos eacute a centralidade do trabalho na produccedilatildeo material e espiritual

da vida humana Tomando para anaacutelise criacutetica pela primeira vez os

economistas claacutessicos Marx explicita sua proacutepria compreensatildeo da forma

peculiar de engendramento da existecircncia do homem A criacutetica a Hegel completa

o quadro desta tematizaccedilatildeo que natildeo seraacute abandonada ateacute os uacuteltimos trabalhos

de Marx

Sabina Maura Silva no artigo A Fenomenologia do Egoiacutesmo Stirner e a

Criacutetica Marxiana tem como objetivo fundamental apresentar a concepccedilatildeo de

homem presente na obra O Uacutenico e Sua Propriedade de autoria do filoacutesofo

neohegeliano Max Stirner e expor a criacutetica de Marx a este autor contida em A

43

Ideologia Alematilde A autora mostra que para Stirner o Eu tomado como

individualidade singular eacute o fundamento de sua esfera existencial No entanto

para esse autor tudo tem determinado a existecircncia dos indiviacuteduos natildeo tendo

sido permitido a eles determinaacute-la O objetivo de Stirner eacute pois remeter ao

indiviacuteduo - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel - o que dele foi alienado e erigido

como algo autocircnomo Por seu turno a criacutetica de Marx tem como fim explicitar o

caraacuteter especulativo da anaacutelise stirneana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo

bem como salientar o aspecto pseudorevolucionaacuterio de suas proposituras

Assim segundo Marx Stirner tatildeo somente interpreta diferentemente o

existente isto eacute reconhece o existente mediante outra

interpretaccedilatildeoTransformando as contradiccedilotildees objetivas em contradiccedilotildees

subjetivas Stirner conserva e justifica as condiccedilotildees e estruturas efetivas que

esmagam e impedem a autodeterminaccedilatildeo das individualidades ao reconhecer

as circunstacircncias como determinaccedilotildees dos indiviacuteduos Acolhendo acriacutetica e

especulativamente em suas feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees

estranhadas de um momento histoacuterico particular da individuaccedilatildeo humana

Stirner erige como individualidade um ente que empobrecido e constrangido

pelas condiccedilotildees objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade

social pode somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria

sobre si e sobre o mundo

O uacuteltimo artigo do tomo IV da Revista Ensaios Ad Hominem eacute de

autoria de Antocircnio Joseacute Lopes Alves e leva o tiacutetulo de A Individualidade

Moderna nos Grundrisse Neste texto o autor procura demonstrar que a

moderna sociabilidade do capital eacute compreendida por Marx como forma

instaurada a partir da dissoluccedilatildeo dos liames sociais que uniam em tempos

anteriores os indiviacuteduos agrave comunidade Aleacutem disso destaca o fato apontado por

Marx de que tal processo se constitui numa verdadeira reconversatildeo ontoloacutegica

tanto dos indiviacuteduos quanto das condiccedilotildees da atividade vital ocorrendo uma

radical transformaccedilatildeo na forma de ser de ambos Sinteticamente trata-se de

reconfiguraccedilatildeo ontoloacutegica que determina como entes autocircnomos os indiviacuteduos

44

de um lado e as condiccedilotildees de trabalho de outro vale dizer do divoacutercio entre os

indiviacuteduos ativos e as condiccedilotildees de sua atividade Antocircnio Lopes buscou em

suma alinhar as determinaccedilotildees mais essenciais dos indiviacuteduos e da

sociablidade modernos no que respeita agrave forma mesma das relaccedilotildees sociais da

atividade sensiacutevel bem como da respectiva expressatildeo ideal como por exemplo

a configuraccedilatildeo das categorias da igualdade e liberdade

O leitor encontraraacute nas paacuteginas que se seguem o resultado do esforccedilo

de pesquisa voltado ao resgate da obra marxiana caracterizado pela busca do

rigor na leitura e interpretaccedilatildeo do pensamento de um autor cuja heranccedila

intelectual conheceu um destino traacutegico Natildeo eacute faacutecil portanto voltar-se a ela

sem os preconceitos da moda - como jaacute havia advertido Lukaacutecs Natildeo posso

afirmar com total certeza que um intento dessa natureza tenha sido plenamente

alcanccedilado Todavia eacute faacutecil perceber as diferenccedilas desse tipo de produccedilatildeo teoacuterica

com aquela apresentada tanto pelo marxismo adstringido e suas dissidecircncias

como pelo marxismo vulgar para utilizar as expressotildees cunhadas por Chasin no

intuito de designar as duas variantes de interpretaccedilatildeo da obra marxiana

Faccedilo aqui ao leitor interessado o convite para participar dessa

avaliaccedilatildeo

[1] Professora do Departamento de Filosofia da UFMG coordenadora

do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e Estudos Confluentes

45

[i] J CHASIN Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in

Teixeira FJS Pensando com Marx Editora Ensaio Satildeo Paulo 1995

[ii] K MARX amp F ENGELS A Sagrada Famiacutelia Ed Grijalbo trad

Wenceslao Roces Meacutexico DF 1960 p 120

[iii] Ver a respeito J CHASIN Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo

Metodoloacutegica opcit

[iv] J CHASIN O Futuro Ausente in Ensaios Ad Hominem 1 tomo III

Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem Satildeo Paulo 2000 p 166

[v] Ib p 167

[vi] Id

[vii] E CASSIRER A Filosofia do Iluminismo Editora da Unicamp

Campinas 1992 p 11

[viii] G LUKAacuteCS La Riproduzionein Per lOntologia delle Essere

Sociale Roma Editori Riuniti tomo II 1981 pp 180-81

[ix] N HARTMANN Ontologia Fondo de Cultura Econoacutemica Meacutexico D

F vol 1 1986

[x] K MARX O Capital vol I Ediccedilatildeo Abril Cultural Satildeo Paulo p 149

[xi] Id

[xii] Ib p 150

[xiii] (a respeito dessas categorias ver N HARTMANN Ontologia op cit

vol I p XII

46

47

[xiv] No original alematildeo in der Form des Seins Dietz Verlag 1971 p

195

[xv] Ib p 151

[xvi] Ver a respeito em J CHASIN Marx-Estatuto Ontoloacutegico e

Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica op cit

[xvii] K MARX op Cit p 126

Page 26: :: Verinotio - Revista On-line de Educao e Cincias Humanas · O leitor encontrará, portanto, nessa Apresentação o fruto de trabalho de coleta e organização de materiais utilizados

Permanente mas permanente processual mutaacutevel diversamente

positivo quantitativa e qualitativamente em cada uma das formas concretas em

que o trabalho aparece nas configuraccedilotildees sociais determinadas

Nesse sentido abstratamente permanente abstratamente positivo mas

onde essa abstratividade natildeo corresponde a uma simples determinaccedilatildeo

conceitual Corresponde a uma efetividade em sua figura proacutepria em cada forma

social determinada

Agrave ontologia estatutaacuteria compete o reconhecimento dessa dimensatildeo mais

geral base para a decifraccedilatildeo cientiacutefica concreta dos casos efetivos que por sua

vez confirmam ou natildeo criticamente a determinaccedilatildeo mais geral ontoloacutegica Natildeo

haacute portanto um abismo separando ontologia de ciecircncia mas a continuidade de

momentos distintos de uma mesma unidade de conhecimento que interagem e

se medem reciprocamente se apoacuteiam estimulam e criticam um infinito processo

constitutivo das certezas

Continuando a anaacutelise do texto marxiano tem-se a descriccedilatildeo do

trabalho e o reconhecimento analiacutetico de sua natureza Antes de tudo [aqui

Chasin faz uma pequena observaccedilatildeo assinalando ou seja na raiz em seu

fundamento diria uma linguagem mais convencional e ciosa de suas

pretendidas atribuiccedilotildees] o trabalho eacute um processo entre o homem e a

natureza um processo em que o homem por sua proacutepria accedilatildeo medeia regula

controla seu metabolismo com a natureza Ele mesmo se defronta com a

mateacuteria natural Ele potildee em movimento as forccedilas naturais pertencentes agrave sua

corporalidade braccedilos e pernas cabeccedila e matildeo a fim de se apropriar da mateacuteria

natural numa forma uacutetil para a sua proacutepria vida Ao atuar por meio desse

movimento sobre a natureza externa a ele e ao modificaacute-la ele modifica ao

mesmo tempo sua proacutepria natureza Ele desenvolve as potecircncias nela

adormecidas e sujeita o jogo de suas forccedilas a seu proacuteprio domiacutenio[xi]

26

Observe-se que diz Chasin ao trabalhar ao mudar a forma da

natureza ao construir sua proacutepria mundaneidade o homem ele proacuteprio por

meio de seu proacuteprio trabalho transforma a sua proacutepria natureza Ou seja de ser

natural para social eis um novo exemplo de lineamento reconhecido e recolhido

agrave ontologia estatutaacuteria

Prosseguindo na especificaccedilatildeo Marx afirmaPressupomos o trabalho

numa forma que pertence exclusivamente ao homem Uma aranha executa

operaccedilotildees semelhantes agraves do tecelatildeo e a abelha envergonha mais de um

arquiteto humano com a construccedilatildeo dos favos de suas colmeacuteias Mas o que

distingue de antematildeo o pior arquiteto da melhor abelha eacute que ele construiu o

favo em sua cabeccedila antes de construiacute-lo em cera No fim do processo de

trabalho obteacutem-se um resultado que jaacute no iniacutecio deste existiu na imaginaccedilatildeo do

trabalhador e portanto idealmente Ele natildeo apenas efetua uma transformaccedilatildeo

da forma da mateacuteria natural realiza ao mesmo tempo na mateacuteria natural seu

objetivo que ele sabe que determina como lei a espeacutecie e o modo de sua

atividade e ao qual tem de subordina sua vontade E essa subordinaccedilatildeo natildeo eacute

um ato isolado Aleacutem do esforccedilo dos oacutergatildeos que trabalham eacute exigida a vontade

orientada a um fim que se manifesta como atenccedilatildeo durante todo o tempo de

trabalho e isso tanto mais quanto menos esse trabalho pelo proacuteprio conteuacutedo e

pela espeacutecie modo de sua execuccedilatildeo atrai o trabalhador portanto quanto

menos ele o aproveita como jogo de suas proacuteprias forccedilas fiacutesicas e espirituais[xii]

Chasin chama atenccedilatildeo para as seguintes observaccedilotildees

1) a preacutevia-ideaccedilatildeo do resultado (do fim) a existecircncia ideal do mesmo

na imaginaccedilatildeo donde o objeto ou um complexo categorial in mente e ante

res[xiii]

Preacutevia-ideaccedilatildeo e teleologia satildeo ou podem ser momentos confluentes

mas natildeo satildeo idecircnticos a preacutevia-ideaccedilatildeo estaacute no comeccedilo e eacute um desenho ideal

que implica o conhecimento da espeacutecie e do modo da atividade a realizar

27

conhecimento das malhas causais teleologia eacute simplesmente finalidade fim

objetivo podendo se apresentar de modo meramente volitivo e bem abstrato

natildeo mobilizante dos ou sem os meios de sua realizaccedilatildeo ou seja ter teleologia

sem preacutevia-ideaccedilatildeo natildeo conduz a nenhum processo de trabalho Quero assinar

que o termo teleologia pode ser demasiado vago no sentido de mero conceito

filosoacutefico convencional nesse sentido apenas alusivo e natildeo instrumentador de

operaccedilotildees na esfera da atividade sensiacutevel Pode ser entendido mais como

manifestaccedilatildeo de espiacuterito do que como exigecircncia de efetuaccedilatildeo de mudanccedila de

forma da mateacuteria natural e objetivaccedilatildeo de propoacutesito E de toda forma indica

antes de tudo que o fim o realizado estaacute no fim do processo fala do obtido ou

do a ser obtido nada nos diz da travessia que realiza da travessia que passa do

ideal para o real natildeo nos fala da mobilizaccedilatildeo ideal e material necessaacuterias

Quando a teleologia se manifesta como resultado jaacute natildeo eacute preciso dizer mais

nada a respeito Basta saudar e usufruir de sua apariccedilatildeo que nada tem de

maacutegica ou misteriosa mas antes de reconhececirc-la como produto das

metamorfoses de subjetividade e objetividade Ou seja em suas distintas

naturezas inconfundiacuteveis enquanto tais objetividade e subjetividade satildeo

entificaccedilotildees na mundaneidade humana e nessa qualidade estados ou momentos

do ser social momentos regidos pela atividade ideal e sensiacutevel do mesmo

Penso que Lukaacutecs ao transpor a questatildeo para a linguagem filosoacutefica

tradicional pode ter dissociado demais fins e meios o que natildeo eacute o caso dos

textos de Marx Por isso Lukaacutecs se vecirc obrigado depois a buscar a rearticulaccedilatildeo

entre teleologia e causalidade e nisso encontre natildeo poucas dificuldades (como

uma passa para outra e vice-versa parecendo que lida ao limite com

substacircncias incomunicaacuteveis natildeo as compreendendo em suas metamorfoses) e

deixe que se perca certa substacircncia da questatildeo antes de tudo o interfluxo entre

objetividade e subjetividade com seus distintos momentos preponderantes em

cada um dos passos dos momentos embricados dos processos Creio que as

duas esferas ficam sempre tradicionalmente um tanto estranhas uma em

28

relaccedilatildeo agrave outra seja para preservar a objetividade e aiacute se torna objetivista seja

para ressaltar a subjetividade e aiacute desliza para o subjetivismo

2) No fim do processo tem-se seu resultado que eacute a transformaccedilatildeo da

forma de uma dada mateacuteria natural e a realizaccedilatildeo do objetivo do trabalho que

existiu antes como preconfiguraccedilatildeo ideal Portanto o trabalho transforma

imagem ideal em ente real complexo categorial in rebus

Em suma no pensamento de Marx as categorias ou complexos

categoriais satildeo reconhecidos sob as trecircs formas in mente (existem idealmente

na imaginaccedilatildeo ou como reproduccedilatildeo mental das coisas categorias da

representaccedilatildeo) ante res (preacutevia-ideaccedilatildeo) e in rebus como efetividades quando

estatildeo na forma de ser Como confirmaccedilatildeo tome-se mais esta passagem do

mesmo capiacutetulo No processo de trabalho a atividade do homem efetua

portanto mediante o meio de trabalho uma transformaccedilatildeo do objeto de

trabalho pretendida desde o princiacutepio O processo extingue-se no produto Seu

produto eacute um valor de uso uma mateacuteria natural adaptada agraves necessidades

humanas mediante transformaccedilatildeo da forma O trabalho se uniu com seu objeto

O trabalho estaacute objetivado e o objeto trabalhado O que do lado do trabalhador

aparecia na forma de mobilidade aparece agora como propriedade imoacutevel na

forma do ser[xiv] do lado do produto Ele fiou e o produto eacute um fio[xv]

Como arremate analiacutetico dessa famosa mas muitas vezes mal

compreendida passagem de O Capital Chasin conclui ao mesmo tempo em que

visualiza uma nova tarefa Se assim eacute se as categorias podem aparecer nas

trecircs formas - in rebus - in mente - ante res - haacute entatildeo que determinar o que satildeo

cada uma dessas formas

Esquematicamente Chasin propotildee o seguinte

1) se estatildeo in rebus (nas coisas) estatildeo na forma do ser

29

2) se estatildeo in mente (na cabeccedila) estatildeo na forma da reproduccedilatildeo ideal

das coisas Trata-se da subjetividade receptora[xvi] que reproduz as coisas natildeo

captando apenas seus dados empiacutericos superando pois o empirismo e elabora

portanto a reproduccedilatildeo ideal dos entes e onde a subsunccedilatildeo aos objetos eacute a

atividade de sua elaboraccedilatildeo ideal

3) se estatildeo ante res (antes das coisas) estatildeo na forma da finalidade da

preacutevia mentalizaccedilatildeo de objetivos e meios

Poreacutem no segundo e terceiro casos as categorias estatildeo na forma de

espeacutecies de pensamento representaccedilotildees e projeccedilotildees do ser do vir-a-ser dos

meios materiais instrumentais processuais e dinacircmicos de entificaccedilatildeo dos

seres

Concluindo essa parte dizer pois que o homem e o mundo satildeo

atividade sensiacutevel que por criar seu mundo cria a si mesmo eacute determinar o

homem como a criatura criadora de seres

No entanto na medida em que apenas na configuraccedilatildeo histoacuterica regida

pela loacutegica do capital ou seja na plenitude da produccedilatildeo da riqueza entendida

por sua essecircncia subjetiva que eacute o trabalho que se atinou para determinaccedilatildeo

do homem como a criatura criadora de seres foi possiacutevel agrave reflexatildeo pode se

dar conta potencialmente da verdadeira problemaacutetica do ser

Em outras palavras eacute pela criacutetica ao criador de criaturas na forma da

alienaccedilatildeo - criacutetica marxiana agrave sociedade capitalista - eacute que a ontologia pode

atinar com seu verdadeiro objeto e modo de determinaccedilatildeo Natildeo eacute casual que

tenha emergido pela criacutetica feuerbachiana ao sistema hegeliano (a criaccedilatildeo

especulada dos entes) e ganho seus contornos efetivos no advento de uma

nova forma de pensamento e concepccedilatildeo de praacutetica - a doutrina de Marx

Resumindo no caso de Marx ontologia eacute estatuto ou filosofia primeira

do ser social que enquanto tal norteia a concreccedilatildeo cientiacutefica do mesmo cuja

30

realizaccedilatildeo corrige e enriquece o proacuteprio estatuto donde a sinergia e a reciacuteproca

dimensatildeo criacutetica entre estatuto ontoloacutegico e ciecircncia da histoacuteria em seus diversos

departamentos possiacuteveis estabelecidos jaacute por criteacuterio ontoloacutegico ou seja que

respeita a integridade das coisas em suas qualidades e processos interconexos

que as constituem em seu ser por si e enquanto tais satildeo reproduzidas

teoricamente

Enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma da legalidade objetiva (material

e espiritual) do ser social ou seja enquanto malha de asserccedilotildees ou

determinaccedilotildees de seu complexo categorial enquanto o permanente na forma de

processo a ontologia estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a

sociabilidade como substacircncia desse grau maacuteximo da cadeia do ser

Mas substacircncia como complexo categorial como siacutentese de categorias

essenciais que denota uma forma especiacutefica determinada de presenccedila ou

existecircncia plenamente qualificada

Por isso eacute estatuto ontoloacutegico pois a plataforma canocircnica do ser eacute o

coacutedigo do substantivo verbal como substacircncia substrato) assim o estatuto

ontoloacutegico do complexo substantivo do ser social deve reconhecer a

sociabilidade como substacircncia A sociabilidade como substrato dos homens

seja na forma da alienaccedilatildeo seja na forma de sua latecircncia de substancialidade

em vir-a-ser no caminho infinito de sua realizaccedilatildeo

Trata-se portanto em Marx de estatuto e natildeo sistema pois como

sistema seria um agregado de abstraccedilotildees uma filosofia que uma vez obtidas

noccedilotildees fundamentais passa a se edificar por si ou seja as noccedilotildees seriam

coaacutegulos inteligiacuteveis que passam por auto-sustentaccedilatildeo a configurar

dedutivamente o mundo Ao passo que estatuto eacute uma ordem a legalidade do

ser sensiacutevel - o ser na plenitude de seus atributos

tempo (histoacuteriaprocessoduraccedilatildeomutabilidade) lugar e sensibilidade

especificamente a legalidade do ser social imanente a si em sua especiacutefica

31

objetividade O ser sensiacutevel eacute a forma do ser porque eacute a plenitude das

categorias possiacuteveis

E as formaccedilotildees ideais

Segundo Chasin as formaccedilotildees ideais do mesmo modo que as

formaccedilotildees reais - formas do ser - tecircm lugar e tempo como categorias - o tempo

e o espaccedilo das formaccedilotildees sociais que satildeo engendradas mas estatildeo privadas de

sensibilidade

O sensiacutevel soacute eacute predicaccedilatildeo inerecircncia agrave forma do ser que conteacutem a

plenitude dos predicados possiacuteveis (sensibilidade espaccedilo tempo)

Essa forma de conceber o ser eacute reconhecer substancialidade ao

complexu agrave unidade totalizada ou seja ao conjunto pleno de atributos em ato

Em outras palavras ser eacute complexo categorial - tem a forma de ser -

completude ou forma conferida pelo sensiacutevel que se desdobra em muacuteltiplos

atributos e se condensa de infinitas maneiras no gradiente do ser

Em suma segundo Chasin tomando Marx como base e ponto de

referecircncia permanentes ser eacute plenitude categorial ou seja a plenitude

categorial eacute sua forma e por ser sensiacutevel compreende lugar e tempo

Donde se admitido o princiacutepio metoacutedico de Marx saber eacute saber do ser

que antes de tudo eacute um complexo sensiacutevel - tudo que eacute existe eacute sempre um

complexo natildeo uma substacircncia ou essecircncia pura e cristalina E a cadeia do ser eacute

o conjunto de graus do ser - do menos ao mais complexo

O preceito metodoloacutegico marxiano eacute pois ontoloacutegico sabe-se o que eacute

como se formou se desenvolveu e como depereceraacute

Por via de consequumlecircncia e diante das vicissitudes da histoacuteria da

ontologia de seu processo constitutivo e dissolutor diante da penosa rota da

32

conquista teoacuterica do real homoacuteloga ou equivalente agrave necessidade humana de

produzir a sua mundaneidade e a si mesmo a ontologia eacute o que pode ser - o

que natildeo eacute pouco - a esfera teoacuterica da incerteza propulsora positiva

afirmativamente organizada O patamar do incerto ordenado como plataforma da

busca infinita da certeza Impulsatildeo incontornaacutevel que natildeo pode ser eludida pela

presenccedila imperativa dos circuitos ontopraacuteticos

Talvez agora o estatuto ontoloacutegico marxiano possa ser enunciado do

seguinte modo eacute o estudo das categorias fundamentais - em traccedilos essenciais

abstratos em suas determinaccedilotildees mais gerais - da existecircncia social

historicamente constatada e reconhecida sendo possiacutevel exemplificar com as

seguintes categorias historicidade (processualidade ou mutabilidade)

concreticidade ou objetividade atividade sensiacutevel e ideal (trabalho e

reproduccedilatildeo) subjetividade (receptiva e proponente) valor individualidade

gecircnero (sociabilidade) Tudo isso perfilando o complexo de complexos da auto

realizaccedilatildeo do ser humano-societaacuterio entendido que o fim dos fins eacute a infinitude

da realizaccedilatildeo do humano - do autopor-se do aberto ser humano-societaacuterio

Estatuto que em outros termos eacute a ordem do reconhecimento ou

reproduccedilatildeo teoacuterica da identidade natureza e constituiccedilatildeo das coisas por si por

seus complexos categoriais decisivos independentemente em qualquer plano

de se tornarem objetos de praacutetica ou reflexatildeo

Enquanto tal eacute a teoria do reconhecimento da objetividade histoacuterico-

social imanente em suas distintas formas de apresentaccedilatildeo (natureza e

sociedade) Em termos muito breves eacute o momento mais abstrato do

reconhecimento da identidade das coisas por si enquanto tal um dos momentos

distintos da unidade do saber do qual participa um segundo sob forma

concreta que eacute a ciecircncia

Pela proacutepria natureza histoacuterica processual do ser a ontologia marxiana

natildeo corresponde nem poderia corresponder por simples imperativo de

33

coerecircncia agrave forma de um saber universal plantado sobre uma racionalidade

auto-sustentada ou seja fundado na razatildeo universal nada mais a versatildeo laica

ou profana de Deus no dizer de Feuerbach Ou seja trata-se enfim de uma

forma de ontologia sem parentesco com o saber absoluto e que recusa qualquer

tipo de fundamento especulativo pois absolutizaccedilatildeo de uma teoria da

fundamentaccedilatildeo eacute simplesmente a firmaccedilatildeo especulativa da razatildeo autocircnoma ou

de um princiacutepio de inteligibilidade situado para aleacutem das coisas que garante a

presenccedila e o conhecimento do sagrado e a vitoacuteria antecipada do idealismo Natildeo

correspondendo agrave qualquer forma de saber universal a ontologia marxiana

sustenta a possibilidade efetiva como jaacute vimos de um saber real

Por sua praacutetica teoacuterica e por um conjunto de lineamentos expliacutecitos

Marx deixou o legado de um especiacutefico estatuto ontoloacutegico natildeo um ontologia de

talhe convencional ou tradicional e natildeo apenas por que careceu de tempo

necessaacuterio para a realizaccedilatildeo de uma obra desse tipo mas fundamentalmente

pela distinccedilatildeo de natureza de seu estatuto ontoloacutegico radicalmente oposto ao

tratamento especulativo da mateacuteria

Esse estatuto eacute constituiacutedo a partir do universo praacutetico onticamente

referido ou seja eacute um estatuto ocircntico-ontoloacutegico pois evolve da efetividade

histoacuterica das coisas de suas relaccedilotildees e processos para sua reproduccedilatildeo

conceitual no plano de uma trama categorial em sua expressatildeo mais abstrata

Reconhecimento e Determinaccedilatildeo da Sociabilidade como Substacircncia

Vimos que segundo Chasin enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma

da legalidade do ser social em sua materialidade e espiritualidade[pode-se dizer

tambeacutem em sua objetividade sensiacutevel e supra-sensiacutevel] ou seja enquanto

malha de asserccedilotildees ou determinaccedilotildees de seu complexo categorial a ontologia

34

estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a sociabilidade como substacircncia desse

grau maacuteximo do ser

Embora Chasin natildeo tenha desenvolvido plenamente a questatildeo da

objetividade supra-sensiacutevel como tambeacutem a da sociabilidade como substacircncia

julgo conveniente transcrever tambeacutem algumas notas e comentaacuterios feitos em

sala de aula dada a importacircncia do tema

Em relaccedilatildeo agrave noccedilatildeo de substacircncia Chasin retoma sua noccedilatildeo mais geral

e tradicional Ou seja deixando de fora qualquer conotaccedilatildeo relativa a formas de

idealidade o que existe por si eacute um auto-engendrado a uacuteltima instacircncia de um

dado gecircnero de entificaccedilatildeo enquanto tal na medida em que eacute uma efetividade

eacute um complexo que a noccedilatildeo de substacircncia refere no mais alto grau de

abstraccedilatildeo Vale pois como abstraccedilatildeo razoaacutevel tal como todo conceito

marxiano nesse niacutevel de generalizaccedilatildeo a partir do qual pela via dos processos

de concreccedilatildeo satildeo determinaacuteveis as formas concretas de substacircncia

correspondentes agraves formaccedilotildees sociais reais

Dessa forma a substacircncia eacute um complexo histoacuterico natildeo uma

idealidade natildeo um construto da razatildeo auto-sustentada mas o resumo de uma

extraccedilatildeo justificada

Naturalidade e Sociabilidade

Sempre que se potildee a questatildeo da naturalidade e da sociabilidade essa

uacuteltima tende a ser examinada in statu nascendi ou de um estado original

imaginaacuterio natildeo se parte portanto de fatos pois os desconhecemos se eacute que

35

tenham existido mas de um mito E do mito se quer saltar para o quadro de uma

realidade complexa

Mas acompanhando Marx lembremos das pobres robinsonadas do

seacuteculo XVIII referidas logo agraves primeiras linhas da Introduccedilatildeo de 57 a) O

caccedilador e o pescador individuais e isolados de que partem Smith e Ricardo b)

o contrat social de Rousseau que relaciona e liga sujeitos independentes por

natureza por meio de um contrato Essas robinsonadas natildeo repousam sobre

(o) naturalismo E a argumentaccedilatildeo prossegue Trata-se ao contraacuterio de uma

antecipaccedilatildeo da sociedade (buumlrgelichen Gesellschaft) que se preparava desde

o seacuteculo XVI e no seacuteculo XVIII deu larguiacutessimos passos em direccedilatildeo agrave sua

maturidade Nesta sociedade da livre concorrecircncia o indiviacuteduo aparece

desprendido dos laccedilos naturais que em eacutepocas histoacutericas remotas fizeram dele

um acessoacuterio de um conglomerado humano limitado e determinado Os profetas

do seacuteculo XVIII sobre cujos ombros se apoacuteiam inteiramente Smith e Ricardo

imaginam o indiviacuteduo do seacuteculo XVIII como um ideal que teria existido no

passado Vecircem-no natildeo como um resultado histoacuterico mas como ponto de partida

da Histoacuteria porque o consideram como um indiviacuteduo conforme agrave natureza -

dentro da representaccedilatildeo que tinham da natureza humana - que natildeo se originou

historicamente mas foi posto como tal pela natureza[xvii]

Segundo Chasin tomando Marx novamente como ponto de referecircncia

os equiacutevocos que aparecem ao se tratar a relaccedilatildeo naturalidade sociabilidade

satildeo os seguintes

1) procurar deduzir em graus diferentes em cada caso o ser social do

natural esquecendo que se trata da emergecircncia do novo de uma configuraccedilatildeo

ontoloacutegica nova e que o novo nunca eacute um simples desdobramento do estaacutegio

anterior no caso - do grau de ser antecedente ou seja que entre os dois niacuteveis

ocorre o que se chama de salto um intervalo em que a potecircncia causal do

antecedente natildeo conteacutem a capacidade a potecircncia ou a potencialidade para

gerar o novo Um intervalo que fica assim indeterminado

36

2) o procedimento acima abre para a mera especulaccedilatildeo pois tende a

deduzir a indeterminaccedilatildeo a querer estabelecer nexos onde eles inexistem

tende a preencher o que de fato eacute um vazio A rigor natildeo se trata de um natildeo-

sabido mas da ausecircncia factual de um objeto ou processo em outros termos

se trata de um vazio ontoloacutegico de uma ausecircncia de nexos ontoloacutegicos

O correto segundo o modus operandi marxiano natildeo eacute partir da semente

ou do embriatildeo mas do complexo real maturado uma vez que

especialiacutessimamente na esfera social a loacutegica do gerado eacute diversa da loacutegica de

sua gecircnese aleacutem de que nesse acircmbito as entificaccedilotildees configuradas apagam a

rota e a loacutegica de sua formaccedilatildeo

Desse modo partindo do jaacute configurado e considerando que se trata de

uma configuraccedilatildeo infinita que compreende mutaccedilotildees qualitativas muito

importantes e natildeo esquecendo que permanecemos no estaacutegio preacute-histoacuterico (em

momento especialmente desequilibrado e contraditoacuterio) podemos e devemos

reconhecer por meio de algumas abstraccedilotildees razoaacuteveis o seguinte

1) A formaccedilatildeo do ser social eacute um processo da animalidade agrave

hominidade o andamento da naturalidade agrave sociabilidade o caminho infinito da

naturalidade dada agrave sociabilidade natildeo-dada em produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

perenes

2)Trata-se pois de uma entificaccedilatildeo processual entre dois niacuteveis ou

poacutelos da escala do ser sendo processo eacute intrinsecamente uma contradiccedilatildeo e soacute

enquanto tal se move eliminada a contradiccedilatildeo cessaria a possibilidade do

processo Com isso eacute dito algo muito importante pois ao reconhecer a

contraditoriedade entre naturalidade e sociabilidade natildeo eacute mais possiacutevel pensar

as mesmas a propoacutesito do ser social como um simples conjugado de fatores

mas obrigatoriamente como uma conjugaccedilatildeo contraditoacuteria de legalidades Isso

vai na esteira do que eacute compreendido desde Hegel - que o ser eacute uma unidade

contraditoacuteria - todavia com o acreacutescimo do problema da dupla legalidade De

37

que modo ou feiccedilatildeo chega cada uma delas agrave unidade contraditoacuteria do ser Pois

haacute que pensar na unidade ou siacutentese a natildeo ser que se queira desenhar o ser

social como uma aberraccedilatildeo hiacutebrida pode ser esta a fisionomia do grau mais

elevado do gradiente dos seres Assim tomada na devida consideraccedilatildeo essa

determinaccedilatildeo ontoloacutegica sem a qual a reflexatildeo perde o rumo trata-se de

compreender a dinacircmica especiacutefica dessa contradiccedilatildeo peculiar Vejamos

3) Em primeiro lugar esse processo contraditoacuterio gera novas

contradiccedilotildees agora dominantemente contradiccedilotildees da sociabilidade em

formaccedilatildeo de sorte que se trata de um processo cumulativo de

contraditoriedades no qual as novas contradiccedilotildees progressivamente vatildeo

tomando o lugar predominante e decisivo vale dizer a contradiccedilatildeo originaacuteria

cada vez mais coabita com contradiccedilotildees de outro gecircnero diante das quais sua

presenccedila vai mudando de forccedila e configuraccedilatildeo natildeo desaparece mas sua

qualidade vai mudando na proporccedilatildeo mesmo do desenvolvimento da

apropriaccedilatildeo societaacuteria da natureza cada vez mais puramente social - eacute no que

consiste de acordo com as palavras de Marx o progressivo afastamento das

barreiras naturais

4) Ou seja a matriz e a medida do afastamento eacute a forma cada vez

mais social de produzir e reproduzir as bases materiais da vida pela qual eacute

gerado o novo ser em direccedilatildeo agrave sua potecircncia ampliada de se auto-por de ir em

direccedilatildeo a si mesmo um si mesmo que natildeo eacute dado mas gerado na progressatildeo

da auto-posiccedilatildeo do auto-assentamento ou da auto-enformaccedilatildeo que inclui a

proacutepria daccedilatildeo de forma e resoluccedilatildeo ao predicado natural ou bioloacutegico daccedilatildeo de

forma que em suma eacute daccedilatildeo de forma social ao predicado natural

5) Essa possibilidade de daccedilatildeo de forma eacute afirmaccedilatildeo e realizaccedilatildeo da

essecircncia social que eacute o conjunto de relaccedilotildees sociais configuradas em cada

momento pelo modo de produzir da base material modo por sua vez que eacute

determinado pelo desenvolvimento das forccedilas produtivas entre as quais figura o

proacuteprio modo de organizaccedilatildeo do conjunto das relaccedilotildees sociais

38

6) Daccedilatildeo de forma eacute alteraccedilatildeo do lugar resolutivo e todo ente que muda

de lugar muda de natureza sem alterar uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo material

Vale dizer que a contradiccedilatildeo originaacuteria entre naturalidade e sociabilidade eacute

resolvida por uma nova contradiccedilatildeo - a da naturalidade que soacute se realiza na

forma e por meios sociais - no afastamento que eacute superaccedilatildeo da naturalidade

(processo histoacuterico) a legalidade natural eacute submetida agrave legalidade social

(diferentemente em cada modo de produccedilatildeo e de acordo com o

desenvolvimento das forccedilas produtivas) o fator natural natildeo eacute suprimido

suprimida eacute sua capacidade de autodeterminaccedilatildeo resta portanto

simplesmente o que natildeo eacute pouco como um predicado do ser humano um

predicado insuprimiacutevel mas apenas como predicado bioloacutegico de um ser de

outra natureza e essecircncia A naturalidade eacute retida como predicado

imprescindiacutevel mas natildeo como essecircncia Donde natildeo satildeo mais duas legalidades

ontoloacutegicas que coexistem mas a legalidade superior mais complexa subsume

a legalidade natural que natildeo mais se autodetermina mas eacute resolvida pela e do

interior da outra Assim o predicado natural do homem recebe forma e

resoluccedilatildeo sociais ou seja o predicado natural eacute subsumido agrave legalidade social

Natildeo resta mais o choque de duas legalidades contrapostas na

contradiccedilatildeo originaacuteria A legalidade natural vai sucumbindo na ruptura e

progressivamente agrave legalidade social em sua efetividade no ser social a

legalidade natural natildeo mais atua por si eacute dependente do social natildeo eacute mais a

legalidade de um ser pois natildeo haacute mais aiacute um ser natural mas um atributo

natural dependente da essecircncia social O homem eacute um ser social que

compreende sua essecircncia especiacutefica (variaacutevel) suas contingecircncias e seu

predicado bioloacutegico Na entificaccedilatildeo do ser social uacuteltimo grau da cadeia do ser a

legalidade natural eacute subalternizada agrave social por mais ruacutestica e restrita que seja a

essecircncia social primitiva e por mais precaacuteria que seja essa subalternizaccedilatildeo de

iniacutecio O processo de afastamento das barreiras naturais eacute assim o curso dessa

subalternizaccedilatildeo que desponta no iniacutecio na ruptura com a legalidade natural e

por mais longo e contraditoacuterio em avanccedilos e recuos que seja esse processo

39

7) de outra parte a loacutegica do predicado bioloacutegico natildeo soluciona natildeo

tem resposta para o complexo problemaacutetico da sociabilidade enquanto que esta

daacute soluccedilatildeo aos imperativos daquela Como diz Marx nos Manuscritos de 44 o

homem contempla a natureza e a si mesmo com um produto social [dos homens

interativos] com pleno direito mesmo que natildeo com elevada consciecircncia ou altos

valores

8) Donde a foacutermula lukaacutecsiana da dupla base eacute falsa pois a plataforma

eacute a sociabilidade enquanto a naturalidade eacute apenas o insuprimiacutevel predicado

bioloacutegico que passa a vigir na forma e sob a regecircncia da sociabilidade Natildeo

perde por isso uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo orgacircnica mas na sua efetividade

muda de caraacuteter No interiro da esfera societaacuteria o predicado bioloacutegico eacute um

outro de si Se originariamente foi o ponto de partida agora eacute produzido e

reproduzido pela legalidade de um ser que o ultrapassa e o domina vive e soacute

pode viver na subjugaccedilatildeo de um novo estatuto Ou seja ao integrar como

predicado o ser de niacutevel mais elevado realiza a sua maacutexima potecircncia e isso eacute

ao mesmo tempo sua desnaturalizaccedilatildeo ou perecimento Impereciacutevel como

predicado natildeo eacute base pois determina soacute por seus limites pelas carecircncias natildeo

pelas determinaccedilotildees resolutivas nem mesmo em suas forccedilas e sentidos pois

enquanto virtualidades estas soacute satildeo humanas e superiores em resoluccedilatildeo

societaacuteria Ademais natildeo eacute nunca um criador de novas necessidades o que

caracteriza a legalidade social

9) A argumentaccedilatildeo acima diz respeito diretamente ao ser social em sua

configuraccedilatildeo bipolar (indiviacuteduo e gecircnero) e desenvolvida em especial no poacutelo da

individualidade tendo por esteio o andamento do gecircnero e ao falar deste se diz

do seu metabolismo com a natureza Esse metabolismo fundamental que eacute em

suma a atividade vital do homem ao gerar produtos sociais

(utilidadesmercadorias) sem que se possa transpor a estes as mesmas

determinaccedilotildees que foram feitas para o ser social desde logo satildeo entes sociais

mas em outro grau da escala do ser social mas tambeacutem tecircm mudada a sua

natureza de naturais a utilidades (e na forma da alienaccedilatildeofetichismo as

40

mercadorias) de sorte que a apropriaccedilatildeo da natureza eacute igualmente sua

desnaturalizaccedilatildeo eacute forccedilaacute-las a deixar de ser o que satildeo em sua peculiaridade

para se tornarem um outro de si sob a regecircncia do estatuto societaacuterio Isso eacute a

manifestaccedilatildeo do poder e da superioridade do grau maacuteximo do ser Nenhum

outro ser realiza qualquer coisa semelhante nem longinquumlamente Repetindo

Kant e Hegel Marx tinha toda razatildeo quando disse que haacute mais grandeza e

misteacuterio na cabeccedila de um becircbado do que no conjunto do universo

10) a Sociabilidade imperfeita substacircncia ainda natildeo realizada enquanto

tal ou seja ainda incapaz de autonomia como complexo estruturado conduz agrave

poliacutetica Natildeo compreendida como substacircncia mas como simples organizaccedilatildeo

potildee o homem no outro poacutelo na dicotomia homemsociedade ou seja na

representaccedilatildeo socioloacutegica ou politoloacutegica o homem eacute um outro

Determinada ou compreendida como substacircncia eacute substacircncia humana

(perfeita e imperfeita com todas as grandezas e miseacuterias produzidas

modificadas suprimidas e repostas no curso histoacuterico) eacute a essecircncia mutante do

ser auto-engendrado e enquanto mutante e por ser mutante distinta tambeacutem

por essa mutabilidade do predicado bioloacutegico atemporalmente necessaacuterio mas

sempre e progressivamente insuficiente do ser social

O tomo IV do primeiro nuacutemero da Revista Ensaios Ad Hominem eacute

composto de seis artigos - aleacutem do texto de abertura de autoria de J Chasin -

que resultaram de siacutenteses ou modificaccedilatildeo de partes ou capiacutetulos de

dissertaccedilotildees defendidas entre os anos de 1998 e 1999 junto ao Programa de

Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia da UFMG

41

O artigo que abre a presente coletacircnea intitulado A Razatildeo como

Tribunal da Criacutetica Marx e A Gazeta Renana de autoria de Celso Eidt versa

sobre a concepccedilatildeo do jovem Marx sobre o papel da imprensa natildeo apenas como

o locus privilegiado para o debate filosoacutefico mas fundamentalmente para os

processos educativos tendo em vista a realizaccedilatildeo plena da liberdade humana Eacute

bom ressaltar que no periacuteodo em que tais artigos satildeo redigidos Marx

compartilha de uma visatildeo antropoloacutegica racional em que a natureza humana eacute

concebida como espiacuterito livre e racional enquanto esteio da proacutepria vida eacutetica

ou seja da praacutetica humana fundada na razatildeo universal

Ana Selva Albinati autora do artigo A Determinaccedilatildeo dos Valores

Morais nos textos de Marx de 1841 a 1847 se debruccedila justamente sobre tal

campo de reflexatildeo Seu trabalho eacute uma tentativa de sistematizaccedilatildeo das

consideraccedilotildees sobre os valores morais nos textos do periacuteodo que se inicia com

sua tese doutoral Diferenccedilas entre as Filosofias da Natureza de Demoacutecrito e

Epicuro prosseguindo ateacute A Miseacuteria da Filosofia Ana Selva procura demonstrar

que esse periacuteodo normalmente referido como sendo o da juventude de Marx eacute

na verdade constituiacutedo de dois momentos de sua elaboraccedilatildeo teoacuterica que tem

como momento de clivagem a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel de meados

de 1843 em que Marx rompe com o referencial teoacuterico do idealismo alematildeo Em

relaccedilatildeo agraves determinaccedilotildees sobre a moral essa ruptura se reflete na inflexatildeo

radical que diferencia a compreensatildeo da moralidade no primeiro e segundo

momentos de tal forma que a moralidade passa a ser compreendida como um

dos modos da consciecircncia socialmente determinada concepccedilatildeo completamente

distinta da primeira fase em que os valores morais eram compreendidos como

expressotildees da liberdade e da racionalidade humanas idealmente concebidas

No artigo A criacutetica da Especulaccedilatildeo nas Glosas de Kreuznach Milney

Chasin analisa o momento inicial e ao mesmo tempo decisivo da ruptura que

se verifica entre Marx e Hegel no plano das determinaccedilotildees do ser Desse modo

a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel inaugura a criacutetica marxiana da

especulaccedilatildeo no seu cerne o de rejeitar o procedimento especulativo

42

caracteriacutestico de se provir tudo da ideacuteia real de tornaacute-la sujeito isto eacute de

capacitar a abstraccedilatildeo ou conceito automovido - a partir das metamorfoses

hegelianas - de pocircr o multiverso sensiacutevel Em outros termos Milney Chasin no

referido artigo evidencia como a criacutetica da especulaccedilatildeo permite a Marx

ultrapassar os horizontes do idealismo alematildeo na direccedilatildeo do devido

reconhecimento da distinccedilatildeo entre ser e pensar de caracterizar a impropriedade

ontoloacutegica da loacutegica hegeliana de apurar os limites gnosioloacutegicos e

incongruecircncias de toda ordem Em suma permite o desvelamento da substacircncia

miacutestica oferecendo a explicitaccedilatildeo do meacutetodo hegeliano - das diabruras do

conceito autoposto - que articula abstraccedilotildees e finitude restando a esta a mera

condiccedilatildeo de apecircndice dissolvido isto eacute momento virtual da realizaccedilatildeo da

idealidade

O quarto artigo desta coletacircnea intitulado A Exteriorizaccedilatildeo da Vida nos

Manuscritos de 44 eacute parte da dissertaccedilatildeo de mestrado As Categorias

Lebensaumlusserung Entaumlusserung Entfremdung e Veraumlusserung nos Manuscritos

Economico-Filosoacuteficos de Karl Marxdefendida por Mocircnica H M da Costa em

que o interesse era acima de tudo averiguar se alienaccedilatildeo (Entaumlusserung) e

estranhamento (Entfremdung) teriam significados distintos A pesquisa acabou

opor apontar no entanto uma outra categoria como eixo desses manuscritos

Lebensaumlusserung traduzida por exteriorizaccedilatildeo da vida De fato o fio condutor

dos Manuscritos eacute a centralidade do trabalho na produccedilatildeo material e espiritual

da vida humana Tomando para anaacutelise criacutetica pela primeira vez os

economistas claacutessicos Marx explicita sua proacutepria compreensatildeo da forma

peculiar de engendramento da existecircncia do homem A criacutetica a Hegel completa

o quadro desta tematizaccedilatildeo que natildeo seraacute abandonada ateacute os uacuteltimos trabalhos

de Marx

Sabina Maura Silva no artigo A Fenomenologia do Egoiacutesmo Stirner e a

Criacutetica Marxiana tem como objetivo fundamental apresentar a concepccedilatildeo de

homem presente na obra O Uacutenico e Sua Propriedade de autoria do filoacutesofo

neohegeliano Max Stirner e expor a criacutetica de Marx a este autor contida em A

43

Ideologia Alematilde A autora mostra que para Stirner o Eu tomado como

individualidade singular eacute o fundamento de sua esfera existencial No entanto

para esse autor tudo tem determinado a existecircncia dos indiviacuteduos natildeo tendo

sido permitido a eles determinaacute-la O objetivo de Stirner eacute pois remeter ao

indiviacuteduo - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel - o que dele foi alienado e erigido

como algo autocircnomo Por seu turno a criacutetica de Marx tem como fim explicitar o

caraacuteter especulativo da anaacutelise stirneana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo

bem como salientar o aspecto pseudorevolucionaacuterio de suas proposituras

Assim segundo Marx Stirner tatildeo somente interpreta diferentemente o

existente isto eacute reconhece o existente mediante outra

interpretaccedilatildeoTransformando as contradiccedilotildees objetivas em contradiccedilotildees

subjetivas Stirner conserva e justifica as condiccedilotildees e estruturas efetivas que

esmagam e impedem a autodeterminaccedilatildeo das individualidades ao reconhecer

as circunstacircncias como determinaccedilotildees dos indiviacuteduos Acolhendo acriacutetica e

especulativamente em suas feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees

estranhadas de um momento histoacuterico particular da individuaccedilatildeo humana

Stirner erige como individualidade um ente que empobrecido e constrangido

pelas condiccedilotildees objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade

social pode somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria

sobre si e sobre o mundo

O uacuteltimo artigo do tomo IV da Revista Ensaios Ad Hominem eacute de

autoria de Antocircnio Joseacute Lopes Alves e leva o tiacutetulo de A Individualidade

Moderna nos Grundrisse Neste texto o autor procura demonstrar que a

moderna sociabilidade do capital eacute compreendida por Marx como forma

instaurada a partir da dissoluccedilatildeo dos liames sociais que uniam em tempos

anteriores os indiviacuteduos agrave comunidade Aleacutem disso destaca o fato apontado por

Marx de que tal processo se constitui numa verdadeira reconversatildeo ontoloacutegica

tanto dos indiviacuteduos quanto das condiccedilotildees da atividade vital ocorrendo uma

radical transformaccedilatildeo na forma de ser de ambos Sinteticamente trata-se de

reconfiguraccedilatildeo ontoloacutegica que determina como entes autocircnomos os indiviacuteduos

44

de um lado e as condiccedilotildees de trabalho de outro vale dizer do divoacutercio entre os

indiviacuteduos ativos e as condiccedilotildees de sua atividade Antocircnio Lopes buscou em

suma alinhar as determinaccedilotildees mais essenciais dos indiviacuteduos e da

sociablidade modernos no que respeita agrave forma mesma das relaccedilotildees sociais da

atividade sensiacutevel bem como da respectiva expressatildeo ideal como por exemplo

a configuraccedilatildeo das categorias da igualdade e liberdade

O leitor encontraraacute nas paacuteginas que se seguem o resultado do esforccedilo

de pesquisa voltado ao resgate da obra marxiana caracterizado pela busca do

rigor na leitura e interpretaccedilatildeo do pensamento de um autor cuja heranccedila

intelectual conheceu um destino traacutegico Natildeo eacute faacutecil portanto voltar-se a ela

sem os preconceitos da moda - como jaacute havia advertido Lukaacutecs Natildeo posso

afirmar com total certeza que um intento dessa natureza tenha sido plenamente

alcanccedilado Todavia eacute faacutecil perceber as diferenccedilas desse tipo de produccedilatildeo teoacuterica

com aquela apresentada tanto pelo marxismo adstringido e suas dissidecircncias

como pelo marxismo vulgar para utilizar as expressotildees cunhadas por Chasin no

intuito de designar as duas variantes de interpretaccedilatildeo da obra marxiana

Faccedilo aqui ao leitor interessado o convite para participar dessa

avaliaccedilatildeo

[1] Professora do Departamento de Filosofia da UFMG coordenadora

do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e Estudos Confluentes

45

[i] J CHASIN Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in

Teixeira FJS Pensando com Marx Editora Ensaio Satildeo Paulo 1995

[ii] K MARX amp F ENGELS A Sagrada Famiacutelia Ed Grijalbo trad

Wenceslao Roces Meacutexico DF 1960 p 120

[iii] Ver a respeito J CHASIN Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo

Metodoloacutegica opcit

[iv] J CHASIN O Futuro Ausente in Ensaios Ad Hominem 1 tomo III

Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem Satildeo Paulo 2000 p 166

[v] Ib p 167

[vi] Id

[vii] E CASSIRER A Filosofia do Iluminismo Editora da Unicamp

Campinas 1992 p 11

[viii] G LUKAacuteCS La Riproduzionein Per lOntologia delle Essere

Sociale Roma Editori Riuniti tomo II 1981 pp 180-81

[ix] N HARTMANN Ontologia Fondo de Cultura Econoacutemica Meacutexico D

F vol 1 1986

[x] K MARX O Capital vol I Ediccedilatildeo Abril Cultural Satildeo Paulo p 149

[xi] Id

[xii] Ib p 150

[xiii] (a respeito dessas categorias ver N HARTMANN Ontologia op cit

vol I p XII

46

47

[xiv] No original alematildeo in der Form des Seins Dietz Verlag 1971 p

195

[xv] Ib p 151

[xvi] Ver a respeito em J CHASIN Marx-Estatuto Ontoloacutegico e

Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica op cit

[xvii] K MARX op Cit p 126

Page 27: :: Verinotio - Revista On-line de Educao e Cincias Humanas · O leitor encontrará, portanto, nessa Apresentação o fruto de trabalho de coleta e organização de materiais utilizados

Observe-se que diz Chasin ao trabalhar ao mudar a forma da

natureza ao construir sua proacutepria mundaneidade o homem ele proacuteprio por

meio de seu proacuteprio trabalho transforma a sua proacutepria natureza Ou seja de ser

natural para social eis um novo exemplo de lineamento reconhecido e recolhido

agrave ontologia estatutaacuteria

Prosseguindo na especificaccedilatildeo Marx afirmaPressupomos o trabalho

numa forma que pertence exclusivamente ao homem Uma aranha executa

operaccedilotildees semelhantes agraves do tecelatildeo e a abelha envergonha mais de um

arquiteto humano com a construccedilatildeo dos favos de suas colmeacuteias Mas o que

distingue de antematildeo o pior arquiteto da melhor abelha eacute que ele construiu o

favo em sua cabeccedila antes de construiacute-lo em cera No fim do processo de

trabalho obteacutem-se um resultado que jaacute no iniacutecio deste existiu na imaginaccedilatildeo do

trabalhador e portanto idealmente Ele natildeo apenas efetua uma transformaccedilatildeo

da forma da mateacuteria natural realiza ao mesmo tempo na mateacuteria natural seu

objetivo que ele sabe que determina como lei a espeacutecie e o modo de sua

atividade e ao qual tem de subordina sua vontade E essa subordinaccedilatildeo natildeo eacute

um ato isolado Aleacutem do esforccedilo dos oacutergatildeos que trabalham eacute exigida a vontade

orientada a um fim que se manifesta como atenccedilatildeo durante todo o tempo de

trabalho e isso tanto mais quanto menos esse trabalho pelo proacuteprio conteuacutedo e

pela espeacutecie modo de sua execuccedilatildeo atrai o trabalhador portanto quanto

menos ele o aproveita como jogo de suas proacuteprias forccedilas fiacutesicas e espirituais[xii]

Chasin chama atenccedilatildeo para as seguintes observaccedilotildees

1) a preacutevia-ideaccedilatildeo do resultado (do fim) a existecircncia ideal do mesmo

na imaginaccedilatildeo donde o objeto ou um complexo categorial in mente e ante

res[xiii]

Preacutevia-ideaccedilatildeo e teleologia satildeo ou podem ser momentos confluentes

mas natildeo satildeo idecircnticos a preacutevia-ideaccedilatildeo estaacute no comeccedilo e eacute um desenho ideal

que implica o conhecimento da espeacutecie e do modo da atividade a realizar

27

conhecimento das malhas causais teleologia eacute simplesmente finalidade fim

objetivo podendo se apresentar de modo meramente volitivo e bem abstrato

natildeo mobilizante dos ou sem os meios de sua realizaccedilatildeo ou seja ter teleologia

sem preacutevia-ideaccedilatildeo natildeo conduz a nenhum processo de trabalho Quero assinar

que o termo teleologia pode ser demasiado vago no sentido de mero conceito

filosoacutefico convencional nesse sentido apenas alusivo e natildeo instrumentador de

operaccedilotildees na esfera da atividade sensiacutevel Pode ser entendido mais como

manifestaccedilatildeo de espiacuterito do que como exigecircncia de efetuaccedilatildeo de mudanccedila de

forma da mateacuteria natural e objetivaccedilatildeo de propoacutesito E de toda forma indica

antes de tudo que o fim o realizado estaacute no fim do processo fala do obtido ou

do a ser obtido nada nos diz da travessia que realiza da travessia que passa do

ideal para o real natildeo nos fala da mobilizaccedilatildeo ideal e material necessaacuterias

Quando a teleologia se manifesta como resultado jaacute natildeo eacute preciso dizer mais

nada a respeito Basta saudar e usufruir de sua apariccedilatildeo que nada tem de

maacutegica ou misteriosa mas antes de reconhececirc-la como produto das

metamorfoses de subjetividade e objetividade Ou seja em suas distintas

naturezas inconfundiacuteveis enquanto tais objetividade e subjetividade satildeo

entificaccedilotildees na mundaneidade humana e nessa qualidade estados ou momentos

do ser social momentos regidos pela atividade ideal e sensiacutevel do mesmo

Penso que Lukaacutecs ao transpor a questatildeo para a linguagem filosoacutefica

tradicional pode ter dissociado demais fins e meios o que natildeo eacute o caso dos

textos de Marx Por isso Lukaacutecs se vecirc obrigado depois a buscar a rearticulaccedilatildeo

entre teleologia e causalidade e nisso encontre natildeo poucas dificuldades (como

uma passa para outra e vice-versa parecendo que lida ao limite com

substacircncias incomunicaacuteveis natildeo as compreendendo em suas metamorfoses) e

deixe que se perca certa substacircncia da questatildeo antes de tudo o interfluxo entre

objetividade e subjetividade com seus distintos momentos preponderantes em

cada um dos passos dos momentos embricados dos processos Creio que as

duas esferas ficam sempre tradicionalmente um tanto estranhas uma em

28

relaccedilatildeo agrave outra seja para preservar a objetividade e aiacute se torna objetivista seja

para ressaltar a subjetividade e aiacute desliza para o subjetivismo

2) No fim do processo tem-se seu resultado que eacute a transformaccedilatildeo da

forma de uma dada mateacuteria natural e a realizaccedilatildeo do objetivo do trabalho que

existiu antes como preconfiguraccedilatildeo ideal Portanto o trabalho transforma

imagem ideal em ente real complexo categorial in rebus

Em suma no pensamento de Marx as categorias ou complexos

categoriais satildeo reconhecidos sob as trecircs formas in mente (existem idealmente

na imaginaccedilatildeo ou como reproduccedilatildeo mental das coisas categorias da

representaccedilatildeo) ante res (preacutevia-ideaccedilatildeo) e in rebus como efetividades quando

estatildeo na forma de ser Como confirmaccedilatildeo tome-se mais esta passagem do

mesmo capiacutetulo No processo de trabalho a atividade do homem efetua

portanto mediante o meio de trabalho uma transformaccedilatildeo do objeto de

trabalho pretendida desde o princiacutepio O processo extingue-se no produto Seu

produto eacute um valor de uso uma mateacuteria natural adaptada agraves necessidades

humanas mediante transformaccedilatildeo da forma O trabalho se uniu com seu objeto

O trabalho estaacute objetivado e o objeto trabalhado O que do lado do trabalhador

aparecia na forma de mobilidade aparece agora como propriedade imoacutevel na

forma do ser[xiv] do lado do produto Ele fiou e o produto eacute um fio[xv]

Como arremate analiacutetico dessa famosa mas muitas vezes mal

compreendida passagem de O Capital Chasin conclui ao mesmo tempo em que

visualiza uma nova tarefa Se assim eacute se as categorias podem aparecer nas

trecircs formas - in rebus - in mente - ante res - haacute entatildeo que determinar o que satildeo

cada uma dessas formas

Esquematicamente Chasin propotildee o seguinte

1) se estatildeo in rebus (nas coisas) estatildeo na forma do ser

29

2) se estatildeo in mente (na cabeccedila) estatildeo na forma da reproduccedilatildeo ideal

das coisas Trata-se da subjetividade receptora[xvi] que reproduz as coisas natildeo

captando apenas seus dados empiacutericos superando pois o empirismo e elabora

portanto a reproduccedilatildeo ideal dos entes e onde a subsunccedilatildeo aos objetos eacute a

atividade de sua elaboraccedilatildeo ideal

3) se estatildeo ante res (antes das coisas) estatildeo na forma da finalidade da

preacutevia mentalizaccedilatildeo de objetivos e meios

Poreacutem no segundo e terceiro casos as categorias estatildeo na forma de

espeacutecies de pensamento representaccedilotildees e projeccedilotildees do ser do vir-a-ser dos

meios materiais instrumentais processuais e dinacircmicos de entificaccedilatildeo dos

seres

Concluindo essa parte dizer pois que o homem e o mundo satildeo

atividade sensiacutevel que por criar seu mundo cria a si mesmo eacute determinar o

homem como a criatura criadora de seres

No entanto na medida em que apenas na configuraccedilatildeo histoacuterica regida

pela loacutegica do capital ou seja na plenitude da produccedilatildeo da riqueza entendida

por sua essecircncia subjetiva que eacute o trabalho que se atinou para determinaccedilatildeo

do homem como a criatura criadora de seres foi possiacutevel agrave reflexatildeo pode se

dar conta potencialmente da verdadeira problemaacutetica do ser

Em outras palavras eacute pela criacutetica ao criador de criaturas na forma da

alienaccedilatildeo - criacutetica marxiana agrave sociedade capitalista - eacute que a ontologia pode

atinar com seu verdadeiro objeto e modo de determinaccedilatildeo Natildeo eacute casual que

tenha emergido pela criacutetica feuerbachiana ao sistema hegeliano (a criaccedilatildeo

especulada dos entes) e ganho seus contornos efetivos no advento de uma

nova forma de pensamento e concepccedilatildeo de praacutetica - a doutrina de Marx

Resumindo no caso de Marx ontologia eacute estatuto ou filosofia primeira

do ser social que enquanto tal norteia a concreccedilatildeo cientiacutefica do mesmo cuja

30

realizaccedilatildeo corrige e enriquece o proacuteprio estatuto donde a sinergia e a reciacuteproca

dimensatildeo criacutetica entre estatuto ontoloacutegico e ciecircncia da histoacuteria em seus diversos

departamentos possiacuteveis estabelecidos jaacute por criteacuterio ontoloacutegico ou seja que

respeita a integridade das coisas em suas qualidades e processos interconexos

que as constituem em seu ser por si e enquanto tais satildeo reproduzidas

teoricamente

Enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma da legalidade objetiva (material

e espiritual) do ser social ou seja enquanto malha de asserccedilotildees ou

determinaccedilotildees de seu complexo categorial enquanto o permanente na forma de

processo a ontologia estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a

sociabilidade como substacircncia desse grau maacuteximo da cadeia do ser

Mas substacircncia como complexo categorial como siacutentese de categorias

essenciais que denota uma forma especiacutefica determinada de presenccedila ou

existecircncia plenamente qualificada

Por isso eacute estatuto ontoloacutegico pois a plataforma canocircnica do ser eacute o

coacutedigo do substantivo verbal como substacircncia substrato) assim o estatuto

ontoloacutegico do complexo substantivo do ser social deve reconhecer a

sociabilidade como substacircncia A sociabilidade como substrato dos homens

seja na forma da alienaccedilatildeo seja na forma de sua latecircncia de substancialidade

em vir-a-ser no caminho infinito de sua realizaccedilatildeo

Trata-se portanto em Marx de estatuto e natildeo sistema pois como

sistema seria um agregado de abstraccedilotildees uma filosofia que uma vez obtidas

noccedilotildees fundamentais passa a se edificar por si ou seja as noccedilotildees seriam

coaacutegulos inteligiacuteveis que passam por auto-sustentaccedilatildeo a configurar

dedutivamente o mundo Ao passo que estatuto eacute uma ordem a legalidade do

ser sensiacutevel - o ser na plenitude de seus atributos

tempo (histoacuteriaprocessoduraccedilatildeomutabilidade) lugar e sensibilidade

especificamente a legalidade do ser social imanente a si em sua especiacutefica

31

objetividade O ser sensiacutevel eacute a forma do ser porque eacute a plenitude das

categorias possiacuteveis

E as formaccedilotildees ideais

Segundo Chasin as formaccedilotildees ideais do mesmo modo que as

formaccedilotildees reais - formas do ser - tecircm lugar e tempo como categorias - o tempo

e o espaccedilo das formaccedilotildees sociais que satildeo engendradas mas estatildeo privadas de

sensibilidade

O sensiacutevel soacute eacute predicaccedilatildeo inerecircncia agrave forma do ser que conteacutem a

plenitude dos predicados possiacuteveis (sensibilidade espaccedilo tempo)

Essa forma de conceber o ser eacute reconhecer substancialidade ao

complexu agrave unidade totalizada ou seja ao conjunto pleno de atributos em ato

Em outras palavras ser eacute complexo categorial - tem a forma de ser -

completude ou forma conferida pelo sensiacutevel que se desdobra em muacuteltiplos

atributos e se condensa de infinitas maneiras no gradiente do ser

Em suma segundo Chasin tomando Marx como base e ponto de

referecircncia permanentes ser eacute plenitude categorial ou seja a plenitude

categorial eacute sua forma e por ser sensiacutevel compreende lugar e tempo

Donde se admitido o princiacutepio metoacutedico de Marx saber eacute saber do ser

que antes de tudo eacute um complexo sensiacutevel - tudo que eacute existe eacute sempre um

complexo natildeo uma substacircncia ou essecircncia pura e cristalina E a cadeia do ser eacute

o conjunto de graus do ser - do menos ao mais complexo

O preceito metodoloacutegico marxiano eacute pois ontoloacutegico sabe-se o que eacute

como se formou se desenvolveu e como depereceraacute

Por via de consequumlecircncia e diante das vicissitudes da histoacuteria da

ontologia de seu processo constitutivo e dissolutor diante da penosa rota da

32

conquista teoacuterica do real homoacuteloga ou equivalente agrave necessidade humana de

produzir a sua mundaneidade e a si mesmo a ontologia eacute o que pode ser - o

que natildeo eacute pouco - a esfera teoacuterica da incerteza propulsora positiva

afirmativamente organizada O patamar do incerto ordenado como plataforma da

busca infinita da certeza Impulsatildeo incontornaacutevel que natildeo pode ser eludida pela

presenccedila imperativa dos circuitos ontopraacuteticos

Talvez agora o estatuto ontoloacutegico marxiano possa ser enunciado do

seguinte modo eacute o estudo das categorias fundamentais - em traccedilos essenciais

abstratos em suas determinaccedilotildees mais gerais - da existecircncia social

historicamente constatada e reconhecida sendo possiacutevel exemplificar com as

seguintes categorias historicidade (processualidade ou mutabilidade)

concreticidade ou objetividade atividade sensiacutevel e ideal (trabalho e

reproduccedilatildeo) subjetividade (receptiva e proponente) valor individualidade

gecircnero (sociabilidade) Tudo isso perfilando o complexo de complexos da auto

realizaccedilatildeo do ser humano-societaacuterio entendido que o fim dos fins eacute a infinitude

da realizaccedilatildeo do humano - do autopor-se do aberto ser humano-societaacuterio

Estatuto que em outros termos eacute a ordem do reconhecimento ou

reproduccedilatildeo teoacuterica da identidade natureza e constituiccedilatildeo das coisas por si por

seus complexos categoriais decisivos independentemente em qualquer plano

de se tornarem objetos de praacutetica ou reflexatildeo

Enquanto tal eacute a teoria do reconhecimento da objetividade histoacuterico-

social imanente em suas distintas formas de apresentaccedilatildeo (natureza e

sociedade) Em termos muito breves eacute o momento mais abstrato do

reconhecimento da identidade das coisas por si enquanto tal um dos momentos

distintos da unidade do saber do qual participa um segundo sob forma

concreta que eacute a ciecircncia

Pela proacutepria natureza histoacuterica processual do ser a ontologia marxiana

natildeo corresponde nem poderia corresponder por simples imperativo de

33

coerecircncia agrave forma de um saber universal plantado sobre uma racionalidade

auto-sustentada ou seja fundado na razatildeo universal nada mais a versatildeo laica

ou profana de Deus no dizer de Feuerbach Ou seja trata-se enfim de uma

forma de ontologia sem parentesco com o saber absoluto e que recusa qualquer

tipo de fundamento especulativo pois absolutizaccedilatildeo de uma teoria da

fundamentaccedilatildeo eacute simplesmente a firmaccedilatildeo especulativa da razatildeo autocircnoma ou

de um princiacutepio de inteligibilidade situado para aleacutem das coisas que garante a

presenccedila e o conhecimento do sagrado e a vitoacuteria antecipada do idealismo Natildeo

correspondendo agrave qualquer forma de saber universal a ontologia marxiana

sustenta a possibilidade efetiva como jaacute vimos de um saber real

Por sua praacutetica teoacuterica e por um conjunto de lineamentos expliacutecitos

Marx deixou o legado de um especiacutefico estatuto ontoloacutegico natildeo um ontologia de

talhe convencional ou tradicional e natildeo apenas por que careceu de tempo

necessaacuterio para a realizaccedilatildeo de uma obra desse tipo mas fundamentalmente

pela distinccedilatildeo de natureza de seu estatuto ontoloacutegico radicalmente oposto ao

tratamento especulativo da mateacuteria

Esse estatuto eacute constituiacutedo a partir do universo praacutetico onticamente

referido ou seja eacute um estatuto ocircntico-ontoloacutegico pois evolve da efetividade

histoacuterica das coisas de suas relaccedilotildees e processos para sua reproduccedilatildeo

conceitual no plano de uma trama categorial em sua expressatildeo mais abstrata

Reconhecimento e Determinaccedilatildeo da Sociabilidade como Substacircncia

Vimos que segundo Chasin enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma

da legalidade do ser social em sua materialidade e espiritualidade[pode-se dizer

tambeacutem em sua objetividade sensiacutevel e supra-sensiacutevel] ou seja enquanto

malha de asserccedilotildees ou determinaccedilotildees de seu complexo categorial a ontologia

34

estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a sociabilidade como substacircncia desse

grau maacuteximo do ser

Embora Chasin natildeo tenha desenvolvido plenamente a questatildeo da

objetividade supra-sensiacutevel como tambeacutem a da sociabilidade como substacircncia

julgo conveniente transcrever tambeacutem algumas notas e comentaacuterios feitos em

sala de aula dada a importacircncia do tema

Em relaccedilatildeo agrave noccedilatildeo de substacircncia Chasin retoma sua noccedilatildeo mais geral

e tradicional Ou seja deixando de fora qualquer conotaccedilatildeo relativa a formas de

idealidade o que existe por si eacute um auto-engendrado a uacuteltima instacircncia de um

dado gecircnero de entificaccedilatildeo enquanto tal na medida em que eacute uma efetividade

eacute um complexo que a noccedilatildeo de substacircncia refere no mais alto grau de

abstraccedilatildeo Vale pois como abstraccedilatildeo razoaacutevel tal como todo conceito

marxiano nesse niacutevel de generalizaccedilatildeo a partir do qual pela via dos processos

de concreccedilatildeo satildeo determinaacuteveis as formas concretas de substacircncia

correspondentes agraves formaccedilotildees sociais reais

Dessa forma a substacircncia eacute um complexo histoacuterico natildeo uma

idealidade natildeo um construto da razatildeo auto-sustentada mas o resumo de uma

extraccedilatildeo justificada

Naturalidade e Sociabilidade

Sempre que se potildee a questatildeo da naturalidade e da sociabilidade essa

uacuteltima tende a ser examinada in statu nascendi ou de um estado original

imaginaacuterio natildeo se parte portanto de fatos pois os desconhecemos se eacute que

35

tenham existido mas de um mito E do mito se quer saltar para o quadro de uma

realidade complexa

Mas acompanhando Marx lembremos das pobres robinsonadas do

seacuteculo XVIII referidas logo agraves primeiras linhas da Introduccedilatildeo de 57 a) O

caccedilador e o pescador individuais e isolados de que partem Smith e Ricardo b)

o contrat social de Rousseau que relaciona e liga sujeitos independentes por

natureza por meio de um contrato Essas robinsonadas natildeo repousam sobre

(o) naturalismo E a argumentaccedilatildeo prossegue Trata-se ao contraacuterio de uma

antecipaccedilatildeo da sociedade (buumlrgelichen Gesellschaft) que se preparava desde

o seacuteculo XVI e no seacuteculo XVIII deu larguiacutessimos passos em direccedilatildeo agrave sua

maturidade Nesta sociedade da livre concorrecircncia o indiviacuteduo aparece

desprendido dos laccedilos naturais que em eacutepocas histoacutericas remotas fizeram dele

um acessoacuterio de um conglomerado humano limitado e determinado Os profetas

do seacuteculo XVIII sobre cujos ombros se apoacuteiam inteiramente Smith e Ricardo

imaginam o indiviacuteduo do seacuteculo XVIII como um ideal que teria existido no

passado Vecircem-no natildeo como um resultado histoacuterico mas como ponto de partida

da Histoacuteria porque o consideram como um indiviacuteduo conforme agrave natureza -

dentro da representaccedilatildeo que tinham da natureza humana - que natildeo se originou

historicamente mas foi posto como tal pela natureza[xvii]

Segundo Chasin tomando Marx novamente como ponto de referecircncia

os equiacutevocos que aparecem ao se tratar a relaccedilatildeo naturalidade sociabilidade

satildeo os seguintes

1) procurar deduzir em graus diferentes em cada caso o ser social do

natural esquecendo que se trata da emergecircncia do novo de uma configuraccedilatildeo

ontoloacutegica nova e que o novo nunca eacute um simples desdobramento do estaacutegio

anterior no caso - do grau de ser antecedente ou seja que entre os dois niacuteveis

ocorre o que se chama de salto um intervalo em que a potecircncia causal do

antecedente natildeo conteacutem a capacidade a potecircncia ou a potencialidade para

gerar o novo Um intervalo que fica assim indeterminado

36

2) o procedimento acima abre para a mera especulaccedilatildeo pois tende a

deduzir a indeterminaccedilatildeo a querer estabelecer nexos onde eles inexistem

tende a preencher o que de fato eacute um vazio A rigor natildeo se trata de um natildeo-

sabido mas da ausecircncia factual de um objeto ou processo em outros termos

se trata de um vazio ontoloacutegico de uma ausecircncia de nexos ontoloacutegicos

O correto segundo o modus operandi marxiano natildeo eacute partir da semente

ou do embriatildeo mas do complexo real maturado uma vez que

especialiacutessimamente na esfera social a loacutegica do gerado eacute diversa da loacutegica de

sua gecircnese aleacutem de que nesse acircmbito as entificaccedilotildees configuradas apagam a

rota e a loacutegica de sua formaccedilatildeo

Desse modo partindo do jaacute configurado e considerando que se trata de

uma configuraccedilatildeo infinita que compreende mutaccedilotildees qualitativas muito

importantes e natildeo esquecendo que permanecemos no estaacutegio preacute-histoacuterico (em

momento especialmente desequilibrado e contraditoacuterio) podemos e devemos

reconhecer por meio de algumas abstraccedilotildees razoaacuteveis o seguinte

1) A formaccedilatildeo do ser social eacute um processo da animalidade agrave

hominidade o andamento da naturalidade agrave sociabilidade o caminho infinito da

naturalidade dada agrave sociabilidade natildeo-dada em produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

perenes

2)Trata-se pois de uma entificaccedilatildeo processual entre dois niacuteveis ou

poacutelos da escala do ser sendo processo eacute intrinsecamente uma contradiccedilatildeo e soacute

enquanto tal se move eliminada a contradiccedilatildeo cessaria a possibilidade do

processo Com isso eacute dito algo muito importante pois ao reconhecer a

contraditoriedade entre naturalidade e sociabilidade natildeo eacute mais possiacutevel pensar

as mesmas a propoacutesito do ser social como um simples conjugado de fatores

mas obrigatoriamente como uma conjugaccedilatildeo contraditoacuteria de legalidades Isso

vai na esteira do que eacute compreendido desde Hegel - que o ser eacute uma unidade

contraditoacuteria - todavia com o acreacutescimo do problema da dupla legalidade De

37

que modo ou feiccedilatildeo chega cada uma delas agrave unidade contraditoacuteria do ser Pois

haacute que pensar na unidade ou siacutentese a natildeo ser que se queira desenhar o ser

social como uma aberraccedilatildeo hiacutebrida pode ser esta a fisionomia do grau mais

elevado do gradiente dos seres Assim tomada na devida consideraccedilatildeo essa

determinaccedilatildeo ontoloacutegica sem a qual a reflexatildeo perde o rumo trata-se de

compreender a dinacircmica especiacutefica dessa contradiccedilatildeo peculiar Vejamos

3) Em primeiro lugar esse processo contraditoacuterio gera novas

contradiccedilotildees agora dominantemente contradiccedilotildees da sociabilidade em

formaccedilatildeo de sorte que se trata de um processo cumulativo de

contraditoriedades no qual as novas contradiccedilotildees progressivamente vatildeo

tomando o lugar predominante e decisivo vale dizer a contradiccedilatildeo originaacuteria

cada vez mais coabita com contradiccedilotildees de outro gecircnero diante das quais sua

presenccedila vai mudando de forccedila e configuraccedilatildeo natildeo desaparece mas sua

qualidade vai mudando na proporccedilatildeo mesmo do desenvolvimento da

apropriaccedilatildeo societaacuteria da natureza cada vez mais puramente social - eacute no que

consiste de acordo com as palavras de Marx o progressivo afastamento das

barreiras naturais

4) Ou seja a matriz e a medida do afastamento eacute a forma cada vez

mais social de produzir e reproduzir as bases materiais da vida pela qual eacute

gerado o novo ser em direccedilatildeo agrave sua potecircncia ampliada de se auto-por de ir em

direccedilatildeo a si mesmo um si mesmo que natildeo eacute dado mas gerado na progressatildeo

da auto-posiccedilatildeo do auto-assentamento ou da auto-enformaccedilatildeo que inclui a

proacutepria daccedilatildeo de forma e resoluccedilatildeo ao predicado natural ou bioloacutegico daccedilatildeo de

forma que em suma eacute daccedilatildeo de forma social ao predicado natural

5) Essa possibilidade de daccedilatildeo de forma eacute afirmaccedilatildeo e realizaccedilatildeo da

essecircncia social que eacute o conjunto de relaccedilotildees sociais configuradas em cada

momento pelo modo de produzir da base material modo por sua vez que eacute

determinado pelo desenvolvimento das forccedilas produtivas entre as quais figura o

proacuteprio modo de organizaccedilatildeo do conjunto das relaccedilotildees sociais

38

6) Daccedilatildeo de forma eacute alteraccedilatildeo do lugar resolutivo e todo ente que muda

de lugar muda de natureza sem alterar uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo material

Vale dizer que a contradiccedilatildeo originaacuteria entre naturalidade e sociabilidade eacute

resolvida por uma nova contradiccedilatildeo - a da naturalidade que soacute se realiza na

forma e por meios sociais - no afastamento que eacute superaccedilatildeo da naturalidade

(processo histoacuterico) a legalidade natural eacute submetida agrave legalidade social

(diferentemente em cada modo de produccedilatildeo e de acordo com o

desenvolvimento das forccedilas produtivas) o fator natural natildeo eacute suprimido

suprimida eacute sua capacidade de autodeterminaccedilatildeo resta portanto

simplesmente o que natildeo eacute pouco como um predicado do ser humano um

predicado insuprimiacutevel mas apenas como predicado bioloacutegico de um ser de

outra natureza e essecircncia A naturalidade eacute retida como predicado

imprescindiacutevel mas natildeo como essecircncia Donde natildeo satildeo mais duas legalidades

ontoloacutegicas que coexistem mas a legalidade superior mais complexa subsume

a legalidade natural que natildeo mais se autodetermina mas eacute resolvida pela e do

interior da outra Assim o predicado natural do homem recebe forma e

resoluccedilatildeo sociais ou seja o predicado natural eacute subsumido agrave legalidade social

Natildeo resta mais o choque de duas legalidades contrapostas na

contradiccedilatildeo originaacuteria A legalidade natural vai sucumbindo na ruptura e

progressivamente agrave legalidade social em sua efetividade no ser social a

legalidade natural natildeo mais atua por si eacute dependente do social natildeo eacute mais a

legalidade de um ser pois natildeo haacute mais aiacute um ser natural mas um atributo

natural dependente da essecircncia social O homem eacute um ser social que

compreende sua essecircncia especiacutefica (variaacutevel) suas contingecircncias e seu

predicado bioloacutegico Na entificaccedilatildeo do ser social uacuteltimo grau da cadeia do ser a

legalidade natural eacute subalternizada agrave social por mais ruacutestica e restrita que seja a

essecircncia social primitiva e por mais precaacuteria que seja essa subalternizaccedilatildeo de

iniacutecio O processo de afastamento das barreiras naturais eacute assim o curso dessa

subalternizaccedilatildeo que desponta no iniacutecio na ruptura com a legalidade natural e

por mais longo e contraditoacuterio em avanccedilos e recuos que seja esse processo

39

7) de outra parte a loacutegica do predicado bioloacutegico natildeo soluciona natildeo

tem resposta para o complexo problemaacutetico da sociabilidade enquanto que esta

daacute soluccedilatildeo aos imperativos daquela Como diz Marx nos Manuscritos de 44 o

homem contempla a natureza e a si mesmo com um produto social [dos homens

interativos] com pleno direito mesmo que natildeo com elevada consciecircncia ou altos

valores

8) Donde a foacutermula lukaacutecsiana da dupla base eacute falsa pois a plataforma

eacute a sociabilidade enquanto a naturalidade eacute apenas o insuprimiacutevel predicado

bioloacutegico que passa a vigir na forma e sob a regecircncia da sociabilidade Natildeo

perde por isso uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo orgacircnica mas na sua efetividade

muda de caraacuteter No interiro da esfera societaacuteria o predicado bioloacutegico eacute um

outro de si Se originariamente foi o ponto de partida agora eacute produzido e

reproduzido pela legalidade de um ser que o ultrapassa e o domina vive e soacute

pode viver na subjugaccedilatildeo de um novo estatuto Ou seja ao integrar como

predicado o ser de niacutevel mais elevado realiza a sua maacutexima potecircncia e isso eacute

ao mesmo tempo sua desnaturalizaccedilatildeo ou perecimento Impereciacutevel como

predicado natildeo eacute base pois determina soacute por seus limites pelas carecircncias natildeo

pelas determinaccedilotildees resolutivas nem mesmo em suas forccedilas e sentidos pois

enquanto virtualidades estas soacute satildeo humanas e superiores em resoluccedilatildeo

societaacuteria Ademais natildeo eacute nunca um criador de novas necessidades o que

caracteriza a legalidade social

9) A argumentaccedilatildeo acima diz respeito diretamente ao ser social em sua

configuraccedilatildeo bipolar (indiviacuteduo e gecircnero) e desenvolvida em especial no poacutelo da

individualidade tendo por esteio o andamento do gecircnero e ao falar deste se diz

do seu metabolismo com a natureza Esse metabolismo fundamental que eacute em

suma a atividade vital do homem ao gerar produtos sociais

(utilidadesmercadorias) sem que se possa transpor a estes as mesmas

determinaccedilotildees que foram feitas para o ser social desde logo satildeo entes sociais

mas em outro grau da escala do ser social mas tambeacutem tecircm mudada a sua

natureza de naturais a utilidades (e na forma da alienaccedilatildeofetichismo as

40

mercadorias) de sorte que a apropriaccedilatildeo da natureza eacute igualmente sua

desnaturalizaccedilatildeo eacute forccedilaacute-las a deixar de ser o que satildeo em sua peculiaridade

para se tornarem um outro de si sob a regecircncia do estatuto societaacuterio Isso eacute a

manifestaccedilatildeo do poder e da superioridade do grau maacuteximo do ser Nenhum

outro ser realiza qualquer coisa semelhante nem longinquumlamente Repetindo

Kant e Hegel Marx tinha toda razatildeo quando disse que haacute mais grandeza e

misteacuterio na cabeccedila de um becircbado do que no conjunto do universo

10) a Sociabilidade imperfeita substacircncia ainda natildeo realizada enquanto

tal ou seja ainda incapaz de autonomia como complexo estruturado conduz agrave

poliacutetica Natildeo compreendida como substacircncia mas como simples organizaccedilatildeo

potildee o homem no outro poacutelo na dicotomia homemsociedade ou seja na

representaccedilatildeo socioloacutegica ou politoloacutegica o homem eacute um outro

Determinada ou compreendida como substacircncia eacute substacircncia humana

(perfeita e imperfeita com todas as grandezas e miseacuterias produzidas

modificadas suprimidas e repostas no curso histoacuterico) eacute a essecircncia mutante do

ser auto-engendrado e enquanto mutante e por ser mutante distinta tambeacutem

por essa mutabilidade do predicado bioloacutegico atemporalmente necessaacuterio mas

sempre e progressivamente insuficiente do ser social

O tomo IV do primeiro nuacutemero da Revista Ensaios Ad Hominem eacute

composto de seis artigos - aleacutem do texto de abertura de autoria de J Chasin -

que resultaram de siacutenteses ou modificaccedilatildeo de partes ou capiacutetulos de

dissertaccedilotildees defendidas entre os anos de 1998 e 1999 junto ao Programa de

Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia da UFMG

41

O artigo que abre a presente coletacircnea intitulado A Razatildeo como

Tribunal da Criacutetica Marx e A Gazeta Renana de autoria de Celso Eidt versa

sobre a concepccedilatildeo do jovem Marx sobre o papel da imprensa natildeo apenas como

o locus privilegiado para o debate filosoacutefico mas fundamentalmente para os

processos educativos tendo em vista a realizaccedilatildeo plena da liberdade humana Eacute

bom ressaltar que no periacuteodo em que tais artigos satildeo redigidos Marx

compartilha de uma visatildeo antropoloacutegica racional em que a natureza humana eacute

concebida como espiacuterito livre e racional enquanto esteio da proacutepria vida eacutetica

ou seja da praacutetica humana fundada na razatildeo universal

Ana Selva Albinati autora do artigo A Determinaccedilatildeo dos Valores

Morais nos textos de Marx de 1841 a 1847 se debruccedila justamente sobre tal

campo de reflexatildeo Seu trabalho eacute uma tentativa de sistematizaccedilatildeo das

consideraccedilotildees sobre os valores morais nos textos do periacuteodo que se inicia com

sua tese doutoral Diferenccedilas entre as Filosofias da Natureza de Demoacutecrito e

Epicuro prosseguindo ateacute A Miseacuteria da Filosofia Ana Selva procura demonstrar

que esse periacuteodo normalmente referido como sendo o da juventude de Marx eacute

na verdade constituiacutedo de dois momentos de sua elaboraccedilatildeo teoacuterica que tem

como momento de clivagem a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel de meados

de 1843 em que Marx rompe com o referencial teoacuterico do idealismo alematildeo Em

relaccedilatildeo agraves determinaccedilotildees sobre a moral essa ruptura se reflete na inflexatildeo

radical que diferencia a compreensatildeo da moralidade no primeiro e segundo

momentos de tal forma que a moralidade passa a ser compreendida como um

dos modos da consciecircncia socialmente determinada concepccedilatildeo completamente

distinta da primeira fase em que os valores morais eram compreendidos como

expressotildees da liberdade e da racionalidade humanas idealmente concebidas

No artigo A criacutetica da Especulaccedilatildeo nas Glosas de Kreuznach Milney

Chasin analisa o momento inicial e ao mesmo tempo decisivo da ruptura que

se verifica entre Marx e Hegel no plano das determinaccedilotildees do ser Desse modo

a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel inaugura a criacutetica marxiana da

especulaccedilatildeo no seu cerne o de rejeitar o procedimento especulativo

42

caracteriacutestico de se provir tudo da ideacuteia real de tornaacute-la sujeito isto eacute de

capacitar a abstraccedilatildeo ou conceito automovido - a partir das metamorfoses

hegelianas - de pocircr o multiverso sensiacutevel Em outros termos Milney Chasin no

referido artigo evidencia como a criacutetica da especulaccedilatildeo permite a Marx

ultrapassar os horizontes do idealismo alematildeo na direccedilatildeo do devido

reconhecimento da distinccedilatildeo entre ser e pensar de caracterizar a impropriedade

ontoloacutegica da loacutegica hegeliana de apurar os limites gnosioloacutegicos e

incongruecircncias de toda ordem Em suma permite o desvelamento da substacircncia

miacutestica oferecendo a explicitaccedilatildeo do meacutetodo hegeliano - das diabruras do

conceito autoposto - que articula abstraccedilotildees e finitude restando a esta a mera

condiccedilatildeo de apecircndice dissolvido isto eacute momento virtual da realizaccedilatildeo da

idealidade

O quarto artigo desta coletacircnea intitulado A Exteriorizaccedilatildeo da Vida nos

Manuscritos de 44 eacute parte da dissertaccedilatildeo de mestrado As Categorias

Lebensaumlusserung Entaumlusserung Entfremdung e Veraumlusserung nos Manuscritos

Economico-Filosoacuteficos de Karl Marxdefendida por Mocircnica H M da Costa em

que o interesse era acima de tudo averiguar se alienaccedilatildeo (Entaumlusserung) e

estranhamento (Entfremdung) teriam significados distintos A pesquisa acabou

opor apontar no entanto uma outra categoria como eixo desses manuscritos

Lebensaumlusserung traduzida por exteriorizaccedilatildeo da vida De fato o fio condutor

dos Manuscritos eacute a centralidade do trabalho na produccedilatildeo material e espiritual

da vida humana Tomando para anaacutelise criacutetica pela primeira vez os

economistas claacutessicos Marx explicita sua proacutepria compreensatildeo da forma

peculiar de engendramento da existecircncia do homem A criacutetica a Hegel completa

o quadro desta tematizaccedilatildeo que natildeo seraacute abandonada ateacute os uacuteltimos trabalhos

de Marx

Sabina Maura Silva no artigo A Fenomenologia do Egoiacutesmo Stirner e a

Criacutetica Marxiana tem como objetivo fundamental apresentar a concepccedilatildeo de

homem presente na obra O Uacutenico e Sua Propriedade de autoria do filoacutesofo

neohegeliano Max Stirner e expor a criacutetica de Marx a este autor contida em A

43

Ideologia Alematilde A autora mostra que para Stirner o Eu tomado como

individualidade singular eacute o fundamento de sua esfera existencial No entanto

para esse autor tudo tem determinado a existecircncia dos indiviacuteduos natildeo tendo

sido permitido a eles determinaacute-la O objetivo de Stirner eacute pois remeter ao

indiviacuteduo - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel - o que dele foi alienado e erigido

como algo autocircnomo Por seu turno a criacutetica de Marx tem como fim explicitar o

caraacuteter especulativo da anaacutelise stirneana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo

bem como salientar o aspecto pseudorevolucionaacuterio de suas proposituras

Assim segundo Marx Stirner tatildeo somente interpreta diferentemente o

existente isto eacute reconhece o existente mediante outra

interpretaccedilatildeoTransformando as contradiccedilotildees objetivas em contradiccedilotildees

subjetivas Stirner conserva e justifica as condiccedilotildees e estruturas efetivas que

esmagam e impedem a autodeterminaccedilatildeo das individualidades ao reconhecer

as circunstacircncias como determinaccedilotildees dos indiviacuteduos Acolhendo acriacutetica e

especulativamente em suas feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees

estranhadas de um momento histoacuterico particular da individuaccedilatildeo humana

Stirner erige como individualidade um ente que empobrecido e constrangido

pelas condiccedilotildees objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade

social pode somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria

sobre si e sobre o mundo

O uacuteltimo artigo do tomo IV da Revista Ensaios Ad Hominem eacute de

autoria de Antocircnio Joseacute Lopes Alves e leva o tiacutetulo de A Individualidade

Moderna nos Grundrisse Neste texto o autor procura demonstrar que a

moderna sociabilidade do capital eacute compreendida por Marx como forma

instaurada a partir da dissoluccedilatildeo dos liames sociais que uniam em tempos

anteriores os indiviacuteduos agrave comunidade Aleacutem disso destaca o fato apontado por

Marx de que tal processo se constitui numa verdadeira reconversatildeo ontoloacutegica

tanto dos indiviacuteduos quanto das condiccedilotildees da atividade vital ocorrendo uma

radical transformaccedilatildeo na forma de ser de ambos Sinteticamente trata-se de

reconfiguraccedilatildeo ontoloacutegica que determina como entes autocircnomos os indiviacuteduos

44

de um lado e as condiccedilotildees de trabalho de outro vale dizer do divoacutercio entre os

indiviacuteduos ativos e as condiccedilotildees de sua atividade Antocircnio Lopes buscou em

suma alinhar as determinaccedilotildees mais essenciais dos indiviacuteduos e da

sociablidade modernos no que respeita agrave forma mesma das relaccedilotildees sociais da

atividade sensiacutevel bem como da respectiva expressatildeo ideal como por exemplo

a configuraccedilatildeo das categorias da igualdade e liberdade

O leitor encontraraacute nas paacuteginas que se seguem o resultado do esforccedilo

de pesquisa voltado ao resgate da obra marxiana caracterizado pela busca do

rigor na leitura e interpretaccedilatildeo do pensamento de um autor cuja heranccedila

intelectual conheceu um destino traacutegico Natildeo eacute faacutecil portanto voltar-se a ela

sem os preconceitos da moda - como jaacute havia advertido Lukaacutecs Natildeo posso

afirmar com total certeza que um intento dessa natureza tenha sido plenamente

alcanccedilado Todavia eacute faacutecil perceber as diferenccedilas desse tipo de produccedilatildeo teoacuterica

com aquela apresentada tanto pelo marxismo adstringido e suas dissidecircncias

como pelo marxismo vulgar para utilizar as expressotildees cunhadas por Chasin no

intuito de designar as duas variantes de interpretaccedilatildeo da obra marxiana

Faccedilo aqui ao leitor interessado o convite para participar dessa

avaliaccedilatildeo

[1] Professora do Departamento de Filosofia da UFMG coordenadora

do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e Estudos Confluentes

45

[i] J CHASIN Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in

Teixeira FJS Pensando com Marx Editora Ensaio Satildeo Paulo 1995

[ii] K MARX amp F ENGELS A Sagrada Famiacutelia Ed Grijalbo trad

Wenceslao Roces Meacutexico DF 1960 p 120

[iii] Ver a respeito J CHASIN Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo

Metodoloacutegica opcit

[iv] J CHASIN O Futuro Ausente in Ensaios Ad Hominem 1 tomo III

Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem Satildeo Paulo 2000 p 166

[v] Ib p 167

[vi] Id

[vii] E CASSIRER A Filosofia do Iluminismo Editora da Unicamp

Campinas 1992 p 11

[viii] G LUKAacuteCS La Riproduzionein Per lOntologia delle Essere

Sociale Roma Editori Riuniti tomo II 1981 pp 180-81

[ix] N HARTMANN Ontologia Fondo de Cultura Econoacutemica Meacutexico D

F vol 1 1986

[x] K MARX O Capital vol I Ediccedilatildeo Abril Cultural Satildeo Paulo p 149

[xi] Id

[xii] Ib p 150

[xiii] (a respeito dessas categorias ver N HARTMANN Ontologia op cit

vol I p XII

46

47

[xiv] No original alematildeo in der Form des Seins Dietz Verlag 1971 p

195

[xv] Ib p 151

[xvi] Ver a respeito em J CHASIN Marx-Estatuto Ontoloacutegico e

Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica op cit

[xvii] K MARX op Cit p 126

Page 28: :: Verinotio - Revista On-line de Educao e Cincias Humanas · O leitor encontrará, portanto, nessa Apresentação o fruto de trabalho de coleta e organização de materiais utilizados

conhecimento das malhas causais teleologia eacute simplesmente finalidade fim

objetivo podendo se apresentar de modo meramente volitivo e bem abstrato

natildeo mobilizante dos ou sem os meios de sua realizaccedilatildeo ou seja ter teleologia

sem preacutevia-ideaccedilatildeo natildeo conduz a nenhum processo de trabalho Quero assinar

que o termo teleologia pode ser demasiado vago no sentido de mero conceito

filosoacutefico convencional nesse sentido apenas alusivo e natildeo instrumentador de

operaccedilotildees na esfera da atividade sensiacutevel Pode ser entendido mais como

manifestaccedilatildeo de espiacuterito do que como exigecircncia de efetuaccedilatildeo de mudanccedila de

forma da mateacuteria natural e objetivaccedilatildeo de propoacutesito E de toda forma indica

antes de tudo que o fim o realizado estaacute no fim do processo fala do obtido ou

do a ser obtido nada nos diz da travessia que realiza da travessia que passa do

ideal para o real natildeo nos fala da mobilizaccedilatildeo ideal e material necessaacuterias

Quando a teleologia se manifesta como resultado jaacute natildeo eacute preciso dizer mais

nada a respeito Basta saudar e usufruir de sua apariccedilatildeo que nada tem de

maacutegica ou misteriosa mas antes de reconhececirc-la como produto das

metamorfoses de subjetividade e objetividade Ou seja em suas distintas

naturezas inconfundiacuteveis enquanto tais objetividade e subjetividade satildeo

entificaccedilotildees na mundaneidade humana e nessa qualidade estados ou momentos

do ser social momentos regidos pela atividade ideal e sensiacutevel do mesmo

Penso que Lukaacutecs ao transpor a questatildeo para a linguagem filosoacutefica

tradicional pode ter dissociado demais fins e meios o que natildeo eacute o caso dos

textos de Marx Por isso Lukaacutecs se vecirc obrigado depois a buscar a rearticulaccedilatildeo

entre teleologia e causalidade e nisso encontre natildeo poucas dificuldades (como

uma passa para outra e vice-versa parecendo que lida ao limite com

substacircncias incomunicaacuteveis natildeo as compreendendo em suas metamorfoses) e

deixe que se perca certa substacircncia da questatildeo antes de tudo o interfluxo entre

objetividade e subjetividade com seus distintos momentos preponderantes em

cada um dos passos dos momentos embricados dos processos Creio que as

duas esferas ficam sempre tradicionalmente um tanto estranhas uma em

28

relaccedilatildeo agrave outra seja para preservar a objetividade e aiacute se torna objetivista seja

para ressaltar a subjetividade e aiacute desliza para o subjetivismo

2) No fim do processo tem-se seu resultado que eacute a transformaccedilatildeo da

forma de uma dada mateacuteria natural e a realizaccedilatildeo do objetivo do trabalho que

existiu antes como preconfiguraccedilatildeo ideal Portanto o trabalho transforma

imagem ideal em ente real complexo categorial in rebus

Em suma no pensamento de Marx as categorias ou complexos

categoriais satildeo reconhecidos sob as trecircs formas in mente (existem idealmente

na imaginaccedilatildeo ou como reproduccedilatildeo mental das coisas categorias da

representaccedilatildeo) ante res (preacutevia-ideaccedilatildeo) e in rebus como efetividades quando

estatildeo na forma de ser Como confirmaccedilatildeo tome-se mais esta passagem do

mesmo capiacutetulo No processo de trabalho a atividade do homem efetua

portanto mediante o meio de trabalho uma transformaccedilatildeo do objeto de

trabalho pretendida desde o princiacutepio O processo extingue-se no produto Seu

produto eacute um valor de uso uma mateacuteria natural adaptada agraves necessidades

humanas mediante transformaccedilatildeo da forma O trabalho se uniu com seu objeto

O trabalho estaacute objetivado e o objeto trabalhado O que do lado do trabalhador

aparecia na forma de mobilidade aparece agora como propriedade imoacutevel na

forma do ser[xiv] do lado do produto Ele fiou e o produto eacute um fio[xv]

Como arremate analiacutetico dessa famosa mas muitas vezes mal

compreendida passagem de O Capital Chasin conclui ao mesmo tempo em que

visualiza uma nova tarefa Se assim eacute se as categorias podem aparecer nas

trecircs formas - in rebus - in mente - ante res - haacute entatildeo que determinar o que satildeo

cada uma dessas formas

Esquematicamente Chasin propotildee o seguinte

1) se estatildeo in rebus (nas coisas) estatildeo na forma do ser

29

2) se estatildeo in mente (na cabeccedila) estatildeo na forma da reproduccedilatildeo ideal

das coisas Trata-se da subjetividade receptora[xvi] que reproduz as coisas natildeo

captando apenas seus dados empiacutericos superando pois o empirismo e elabora

portanto a reproduccedilatildeo ideal dos entes e onde a subsunccedilatildeo aos objetos eacute a

atividade de sua elaboraccedilatildeo ideal

3) se estatildeo ante res (antes das coisas) estatildeo na forma da finalidade da

preacutevia mentalizaccedilatildeo de objetivos e meios

Poreacutem no segundo e terceiro casos as categorias estatildeo na forma de

espeacutecies de pensamento representaccedilotildees e projeccedilotildees do ser do vir-a-ser dos

meios materiais instrumentais processuais e dinacircmicos de entificaccedilatildeo dos

seres

Concluindo essa parte dizer pois que o homem e o mundo satildeo

atividade sensiacutevel que por criar seu mundo cria a si mesmo eacute determinar o

homem como a criatura criadora de seres

No entanto na medida em que apenas na configuraccedilatildeo histoacuterica regida

pela loacutegica do capital ou seja na plenitude da produccedilatildeo da riqueza entendida

por sua essecircncia subjetiva que eacute o trabalho que se atinou para determinaccedilatildeo

do homem como a criatura criadora de seres foi possiacutevel agrave reflexatildeo pode se

dar conta potencialmente da verdadeira problemaacutetica do ser

Em outras palavras eacute pela criacutetica ao criador de criaturas na forma da

alienaccedilatildeo - criacutetica marxiana agrave sociedade capitalista - eacute que a ontologia pode

atinar com seu verdadeiro objeto e modo de determinaccedilatildeo Natildeo eacute casual que

tenha emergido pela criacutetica feuerbachiana ao sistema hegeliano (a criaccedilatildeo

especulada dos entes) e ganho seus contornos efetivos no advento de uma

nova forma de pensamento e concepccedilatildeo de praacutetica - a doutrina de Marx

Resumindo no caso de Marx ontologia eacute estatuto ou filosofia primeira

do ser social que enquanto tal norteia a concreccedilatildeo cientiacutefica do mesmo cuja

30

realizaccedilatildeo corrige e enriquece o proacuteprio estatuto donde a sinergia e a reciacuteproca

dimensatildeo criacutetica entre estatuto ontoloacutegico e ciecircncia da histoacuteria em seus diversos

departamentos possiacuteveis estabelecidos jaacute por criteacuterio ontoloacutegico ou seja que

respeita a integridade das coisas em suas qualidades e processos interconexos

que as constituem em seu ser por si e enquanto tais satildeo reproduzidas

teoricamente

Enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma da legalidade objetiva (material

e espiritual) do ser social ou seja enquanto malha de asserccedilotildees ou

determinaccedilotildees de seu complexo categorial enquanto o permanente na forma de

processo a ontologia estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a

sociabilidade como substacircncia desse grau maacuteximo da cadeia do ser

Mas substacircncia como complexo categorial como siacutentese de categorias

essenciais que denota uma forma especiacutefica determinada de presenccedila ou

existecircncia plenamente qualificada

Por isso eacute estatuto ontoloacutegico pois a plataforma canocircnica do ser eacute o

coacutedigo do substantivo verbal como substacircncia substrato) assim o estatuto

ontoloacutegico do complexo substantivo do ser social deve reconhecer a

sociabilidade como substacircncia A sociabilidade como substrato dos homens

seja na forma da alienaccedilatildeo seja na forma de sua latecircncia de substancialidade

em vir-a-ser no caminho infinito de sua realizaccedilatildeo

Trata-se portanto em Marx de estatuto e natildeo sistema pois como

sistema seria um agregado de abstraccedilotildees uma filosofia que uma vez obtidas

noccedilotildees fundamentais passa a se edificar por si ou seja as noccedilotildees seriam

coaacutegulos inteligiacuteveis que passam por auto-sustentaccedilatildeo a configurar

dedutivamente o mundo Ao passo que estatuto eacute uma ordem a legalidade do

ser sensiacutevel - o ser na plenitude de seus atributos

tempo (histoacuteriaprocessoduraccedilatildeomutabilidade) lugar e sensibilidade

especificamente a legalidade do ser social imanente a si em sua especiacutefica

31

objetividade O ser sensiacutevel eacute a forma do ser porque eacute a plenitude das

categorias possiacuteveis

E as formaccedilotildees ideais

Segundo Chasin as formaccedilotildees ideais do mesmo modo que as

formaccedilotildees reais - formas do ser - tecircm lugar e tempo como categorias - o tempo

e o espaccedilo das formaccedilotildees sociais que satildeo engendradas mas estatildeo privadas de

sensibilidade

O sensiacutevel soacute eacute predicaccedilatildeo inerecircncia agrave forma do ser que conteacutem a

plenitude dos predicados possiacuteveis (sensibilidade espaccedilo tempo)

Essa forma de conceber o ser eacute reconhecer substancialidade ao

complexu agrave unidade totalizada ou seja ao conjunto pleno de atributos em ato

Em outras palavras ser eacute complexo categorial - tem a forma de ser -

completude ou forma conferida pelo sensiacutevel que se desdobra em muacuteltiplos

atributos e se condensa de infinitas maneiras no gradiente do ser

Em suma segundo Chasin tomando Marx como base e ponto de

referecircncia permanentes ser eacute plenitude categorial ou seja a plenitude

categorial eacute sua forma e por ser sensiacutevel compreende lugar e tempo

Donde se admitido o princiacutepio metoacutedico de Marx saber eacute saber do ser

que antes de tudo eacute um complexo sensiacutevel - tudo que eacute existe eacute sempre um

complexo natildeo uma substacircncia ou essecircncia pura e cristalina E a cadeia do ser eacute

o conjunto de graus do ser - do menos ao mais complexo

O preceito metodoloacutegico marxiano eacute pois ontoloacutegico sabe-se o que eacute

como se formou se desenvolveu e como depereceraacute

Por via de consequumlecircncia e diante das vicissitudes da histoacuteria da

ontologia de seu processo constitutivo e dissolutor diante da penosa rota da

32

conquista teoacuterica do real homoacuteloga ou equivalente agrave necessidade humana de

produzir a sua mundaneidade e a si mesmo a ontologia eacute o que pode ser - o

que natildeo eacute pouco - a esfera teoacuterica da incerteza propulsora positiva

afirmativamente organizada O patamar do incerto ordenado como plataforma da

busca infinita da certeza Impulsatildeo incontornaacutevel que natildeo pode ser eludida pela

presenccedila imperativa dos circuitos ontopraacuteticos

Talvez agora o estatuto ontoloacutegico marxiano possa ser enunciado do

seguinte modo eacute o estudo das categorias fundamentais - em traccedilos essenciais

abstratos em suas determinaccedilotildees mais gerais - da existecircncia social

historicamente constatada e reconhecida sendo possiacutevel exemplificar com as

seguintes categorias historicidade (processualidade ou mutabilidade)

concreticidade ou objetividade atividade sensiacutevel e ideal (trabalho e

reproduccedilatildeo) subjetividade (receptiva e proponente) valor individualidade

gecircnero (sociabilidade) Tudo isso perfilando o complexo de complexos da auto

realizaccedilatildeo do ser humano-societaacuterio entendido que o fim dos fins eacute a infinitude

da realizaccedilatildeo do humano - do autopor-se do aberto ser humano-societaacuterio

Estatuto que em outros termos eacute a ordem do reconhecimento ou

reproduccedilatildeo teoacuterica da identidade natureza e constituiccedilatildeo das coisas por si por

seus complexos categoriais decisivos independentemente em qualquer plano

de se tornarem objetos de praacutetica ou reflexatildeo

Enquanto tal eacute a teoria do reconhecimento da objetividade histoacuterico-

social imanente em suas distintas formas de apresentaccedilatildeo (natureza e

sociedade) Em termos muito breves eacute o momento mais abstrato do

reconhecimento da identidade das coisas por si enquanto tal um dos momentos

distintos da unidade do saber do qual participa um segundo sob forma

concreta que eacute a ciecircncia

Pela proacutepria natureza histoacuterica processual do ser a ontologia marxiana

natildeo corresponde nem poderia corresponder por simples imperativo de

33

coerecircncia agrave forma de um saber universal plantado sobre uma racionalidade

auto-sustentada ou seja fundado na razatildeo universal nada mais a versatildeo laica

ou profana de Deus no dizer de Feuerbach Ou seja trata-se enfim de uma

forma de ontologia sem parentesco com o saber absoluto e que recusa qualquer

tipo de fundamento especulativo pois absolutizaccedilatildeo de uma teoria da

fundamentaccedilatildeo eacute simplesmente a firmaccedilatildeo especulativa da razatildeo autocircnoma ou

de um princiacutepio de inteligibilidade situado para aleacutem das coisas que garante a

presenccedila e o conhecimento do sagrado e a vitoacuteria antecipada do idealismo Natildeo

correspondendo agrave qualquer forma de saber universal a ontologia marxiana

sustenta a possibilidade efetiva como jaacute vimos de um saber real

Por sua praacutetica teoacuterica e por um conjunto de lineamentos expliacutecitos

Marx deixou o legado de um especiacutefico estatuto ontoloacutegico natildeo um ontologia de

talhe convencional ou tradicional e natildeo apenas por que careceu de tempo

necessaacuterio para a realizaccedilatildeo de uma obra desse tipo mas fundamentalmente

pela distinccedilatildeo de natureza de seu estatuto ontoloacutegico radicalmente oposto ao

tratamento especulativo da mateacuteria

Esse estatuto eacute constituiacutedo a partir do universo praacutetico onticamente

referido ou seja eacute um estatuto ocircntico-ontoloacutegico pois evolve da efetividade

histoacuterica das coisas de suas relaccedilotildees e processos para sua reproduccedilatildeo

conceitual no plano de uma trama categorial em sua expressatildeo mais abstrata

Reconhecimento e Determinaccedilatildeo da Sociabilidade como Substacircncia

Vimos que segundo Chasin enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma

da legalidade do ser social em sua materialidade e espiritualidade[pode-se dizer

tambeacutem em sua objetividade sensiacutevel e supra-sensiacutevel] ou seja enquanto

malha de asserccedilotildees ou determinaccedilotildees de seu complexo categorial a ontologia

34

estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a sociabilidade como substacircncia desse

grau maacuteximo do ser

Embora Chasin natildeo tenha desenvolvido plenamente a questatildeo da

objetividade supra-sensiacutevel como tambeacutem a da sociabilidade como substacircncia

julgo conveniente transcrever tambeacutem algumas notas e comentaacuterios feitos em

sala de aula dada a importacircncia do tema

Em relaccedilatildeo agrave noccedilatildeo de substacircncia Chasin retoma sua noccedilatildeo mais geral

e tradicional Ou seja deixando de fora qualquer conotaccedilatildeo relativa a formas de

idealidade o que existe por si eacute um auto-engendrado a uacuteltima instacircncia de um

dado gecircnero de entificaccedilatildeo enquanto tal na medida em que eacute uma efetividade

eacute um complexo que a noccedilatildeo de substacircncia refere no mais alto grau de

abstraccedilatildeo Vale pois como abstraccedilatildeo razoaacutevel tal como todo conceito

marxiano nesse niacutevel de generalizaccedilatildeo a partir do qual pela via dos processos

de concreccedilatildeo satildeo determinaacuteveis as formas concretas de substacircncia

correspondentes agraves formaccedilotildees sociais reais

Dessa forma a substacircncia eacute um complexo histoacuterico natildeo uma

idealidade natildeo um construto da razatildeo auto-sustentada mas o resumo de uma

extraccedilatildeo justificada

Naturalidade e Sociabilidade

Sempre que se potildee a questatildeo da naturalidade e da sociabilidade essa

uacuteltima tende a ser examinada in statu nascendi ou de um estado original

imaginaacuterio natildeo se parte portanto de fatos pois os desconhecemos se eacute que

35

tenham existido mas de um mito E do mito se quer saltar para o quadro de uma

realidade complexa

Mas acompanhando Marx lembremos das pobres robinsonadas do

seacuteculo XVIII referidas logo agraves primeiras linhas da Introduccedilatildeo de 57 a) O

caccedilador e o pescador individuais e isolados de que partem Smith e Ricardo b)

o contrat social de Rousseau que relaciona e liga sujeitos independentes por

natureza por meio de um contrato Essas robinsonadas natildeo repousam sobre

(o) naturalismo E a argumentaccedilatildeo prossegue Trata-se ao contraacuterio de uma

antecipaccedilatildeo da sociedade (buumlrgelichen Gesellschaft) que se preparava desde

o seacuteculo XVI e no seacuteculo XVIII deu larguiacutessimos passos em direccedilatildeo agrave sua

maturidade Nesta sociedade da livre concorrecircncia o indiviacuteduo aparece

desprendido dos laccedilos naturais que em eacutepocas histoacutericas remotas fizeram dele

um acessoacuterio de um conglomerado humano limitado e determinado Os profetas

do seacuteculo XVIII sobre cujos ombros se apoacuteiam inteiramente Smith e Ricardo

imaginam o indiviacuteduo do seacuteculo XVIII como um ideal que teria existido no

passado Vecircem-no natildeo como um resultado histoacuterico mas como ponto de partida

da Histoacuteria porque o consideram como um indiviacuteduo conforme agrave natureza -

dentro da representaccedilatildeo que tinham da natureza humana - que natildeo se originou

historicamente mas foi posto como tal pela natureza[xvii]

Segundo Chasin tomando Marx novamente como ponto de referecircncia

os equiacutevocos que aparecem ao se tratar a relaccedilatildeo naturalidade sociabilidade

satildeo os seguintes

1) procurar deduzir em graus diferentes em cada caso o ser social do

natural esquecendo que se trata da emergecircncia do novo de uma configuraccedilatildeo

ontoloacutegica nova e que o novo nunca eacute um simples desdobramento do estaacutegio

anterior no caso - do grau de ser antecedente ou seja que entre os dois niacuteveis

ocorre o que se chama de salto um intervalo em que a potecircncia causal do

antecedente natildeo conteacutem a capacidade a potecircncia ou a potencialidade para

gerar o novo Um intervalo que fica assim indeterminado

36

2) o procedimento acima abre para a mera especulaccedilatildeo pois tende a

deduzir a indeterminaccedilatildeo a querer estabelecer nexos onde eles inexistem

tende a preencher o que de fato eacute um vazio A rigor natildeo se trata de um natildeo-

sabido mas da ausecircncia factual de um objeto ou processo em outros termos

se trata de um vazio ontoloacutegico de uma ausecircncia de nexos ontoloacutegicos

O correto segundo o modus operandi marxiano natildeo eacute partir da semente

ou do embriatildeo mas do complexo real maturado uma vez que

especialiacutessimamente na esfera social a loacutegica do gerado eacute diversa da loacutegica de

sua gecircnese aleacutem de que nesse acircmbito as entificaccedilotildees configuradas apagam a

rota e a loacutegica de sua formaccedilatildeo

Desse modo partindo do jaacute configurado e considerando que se trata de

uma configuraccedilatildeo infinita que compreende mutaccedilotildees qualitativas muito

importantes e natildeo esquecendo que permanecemos no estaacutegio preacute-histoacuterico (em

momento especialmente desequilibrado e contraditoacuterio) podemos e devemos

reconhecer por meio de algumas abstraccedilotildees razoaacuteveis o seguinte

1) A formaccedilatildeo do ser social eacute um processo da animalidade agrave

hominidade o andamento da naturalidade agrave sociabilidade o caminho infinito da

naturalidade dada agrave sociabilidade natildeo-dada em produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

perenes

2)Trata-se pois de uma entificaccedilatildeo processual entre dois niacuteveis ou

poacutelos da escala do ser sendo processo eacute intrinsecamente uma contradiccedilatildeo e soacute

enquanto tal se move eliminada a contradiccedilatildeo cessaria a possibilidade do

processo Com isso eacute dito algo muito importante pois ao reconhecer a

contraditoriedade entre naturalidade e sociabilidade natildeo eacute mais possiacutevel pensar

as mesmas a propoacutesito do ser social como um simples conjugado de fatores

mas obrigatoriamente como uma conjugaccedilatildeo contraditoacuteria de legalidades Isso

vai na esteira do que eacute compreendido desde Hegel - que o ser eacute uma unidade

contraditoacuteria - todavia com o acreacutescimo do problema da dupla legalidade De

37

que modo ou feiccedilatildeo chega cada uma delas agrave unidade contraditoacuteria do ser Pois

haacute que pensar na unidade ou siacutentese a natildeo ser que se queira desenhar o ser

social como uma aberraccedilatildeo hiacutebrida pode ser esta a fisionomia do grau mais

elevado do gradiente dos seres Assim tomada na devida consideraccedilatildeo essa

determinaccedilatildeo ontoloacutegica sem a qual a reflexatildeo perde o rumo trata-se de

compreender a dinacircmica especiacutefica dessa contradiccedilatildeo peculiar Vejamos

3) Em primeiro lugar esse processo contraditoacuterio gera novas

contradiccedilotildees agora dominantemente contradiccedilotildees da sociabilidade em

formaccedilatildeo de sorte que se trata de um processo cumulativo de

contraditoriedades no qual as novas contradiccedilotildees progressivamente vatildeo

tomando o lugar predominante e decisivo vale dizer a contradiccedilatildeo originaacuteria

cada vez mais coabita com contradiccedilotildees de outro gecircnero diante das quais sua

presenccedila vai mudando de forccedila e configuraccedilatildeo natildeo desaparece mas sua

qualidade vai mudando na proporccedilatildeo mesmo do desenvolvimento da

apropriaccedilatildeo societaacuteria da natureza cada vez mais puramente social - eacute no que

consiste de acordo com as palavras de Marx o progressivo afastamento das

barreiras naturais

4) Ou seja a matriz e a medida do afastamento eacute a forma cada vez

mais social de produzir e reproduzir as bases materiais da vida pela qual eacute

gerado o novo ser em direccedilatildeo agrave sua potecircncia ampliada de se auto-por de ir em

direccedilatildeo a si mesmo um si mesmo que natildeo eacute dado mas gerado na progressatildeo

da auto-posiccedilatildeo do auto-assentamento ou da auto-enformaccedilatildeo que inclui a

proacutepria daccedilatildeo de forma e resoluccedilatildeo ao predicado natural ou bioloacutegico daccedilatildeo de

forma que em suma eacute daccedilatildeo de forma social ao predicado natural

5) Essa possibilidade de daccedilatildeo de forma eacute afirmaccedilatildeo e realizaccedilatildeo da

essecircncia social que eacute o conjunto de relaccedilotildees sociais configuradas em cada

momento pelo modo de produzir da base material modo por sua vez que eacute

determinado pelo desenvolvimento das forccedilas produtivas entre as quais figura o

proacuteprio modo de organizaccedilatildeo do conjunto das relaccedilotildees sociais

38

6) Daccedilatildeo de forma eacute alteraccedilatildeo do lugar resolutivo e todo ente que muda

de lugar muda de natureza sem alterar uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo material

Vale dizer que a contradiccedilatildeo originaacuteria entre naturalidade e sociabilidade eacute

resolvida por uma nova contradiccedilatildeo - a da naturalidade que soacute se realiza na

forma e por meios sociais - no afastamento que eacute superaccedilatildeo da naturalidade

(processo histoacuterico) a legalidade natural eacute submetida agrave legalidade social

(diferentemente em cada modo de produccedilatildeo e de acordo com o

desenvolvimento das forccedilas produtivas) o fator natural natildeo eacute suprimido

suprimida eacute sua capacidade de autodeterminaccedilatildeo resta portanto

simplesmente o que natildeo eacute pouco como um predicado do ser humano um

predicado insuprimiacutevel mas apenas como predicado bioloacutegico de um ser de

outra natureza e essecircncia A naturalidade eacute retida como predicado

imprescindiacutevel mas natildeo como essecircncia Donde natildeo satildeo mais duas legalidades

ontoloacutegicas que coexistem mas a legalidade superior mais complexa subsume

a legalidade natural que natildeo mais se autodetermina mas eacute resolvida pela e do

interior da outra Assim o predicado natural do homem recebe forma e

resoluccedilatildeo sociais ou seja o predicado natural eacute subsumido agrave legalidade social

Natildeo resta mais o choque de duas legalidades contrapostas na

contradiccedilatildeo originaacuteria A legalidade natural vai sucumbindo na ruptura e

progressivamente agrave legalidade social em sua efetividade no ser social a

legalidade natural natildeo mais atua por si eacute dependente do social natildeo eacute mais a

legalidade de um ser pois natildeo haacute mais aiacute um ser natural mas um atributo

natural dependente da essecircncia social O homem eacute um ser social que

compreende sua essecircncia especiacutefica (variaacutevel) suas contingecircncias e seu

predicado bioloacutegico Na entificaccedilatildeo do ser social uacuteltimo grau da cadeia do ser a

legalidade natural eacute subalternizada agrave social por mais ruacutestica e restrita que seja a

essecircncia social primitiva e por mais precaacuteria que seja essa subalternizaccedilatildeo de

iniacutecio O processo de afastamento das barreiras naturais eacute assim o curso dessa

subalternizaccedilatildeo que desponta no iniacutecio na ruptura com a legalidade natural e

por mais longo e contraditoacuterio em avanccedilos e recuos que seja esse processo

39

7) de outra parte a loacutegica do predicado bioloacutegico natildeo soluciona natildeo

tem resposta para o complexo problemaacutetico da sociabilidade enquanto que esta

daacute soluccedilatildeo aos imperativos daquela Como diz Marx nos Manuscritos de 44 o

homem contempla a natureza e a si mesmo com um produto social [dos homens

interativos] com pleno direito mesmo que natildeo com elevada consciecircncia ou altos

valores

8) Donde a foacutermula lukaacutecsiana da dupla base eacute falsa pois a plataforma

eacute a sociabilidade enquanto a naturalidade eacute apenas o insuprimiacutevel predicado

bioloacutegico que passa a vigir na forma e sob a regecircncia da sociabilidade Natildeo

perde por isso uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo orgacircnica mas na sua efetividade

muda de caraacuteter No interiro da esfera societaacuteria o predicado bioloacutegico eacute um

outro de si Se originariamente foi o ponto de partida agora eacute produzido e

reproduzido pela legalidade de um ser que o ultrapassa e o domina vive e soacute

pode viver na subjugaccedilatildeo de um novo estatuto Ou seja ao integrar como

predicado o ser de niacutevel mais elevado realiza a sua maacutexima potecircncia e isso eacute

ao mesmo tempo sua desnaturalizaccedilatildeo ou perecimento Impereciacutevel como

predicado natildeo eacute base pois determina soacute por seus limites pelas carecircncias natildeo

pelas determinaccedilotildees resolutivas nem mesmo em suas forccedilas e sentidos pois

enquanto virtualidades estas soacute satildeo humanas e superiores em resoluccedilatildeo

societaacuteria Ademais natildeo eacute nunca um criador de novas necessidades o que

caracteriza a legalidade social

9) A argumentaccedilatildeo acima diz respeito diretamente ao ser social em sua

configuraccedilatildeo bipolar (indiviacuteduo e gecircnero) e desenvolvida em especial no poacutelo da

individualidade tendo por esteio o andamento do gecircnero e ao falar deste se diz

do seu metabolismo com a natureza Esse metabolismo fundamental que eacute em

suma a atividade vital do homem ao gerar produtos sociais

(utilidadesmercadorias) sem que se possa transpor a estes as mesmas

determinaccedilotildees que foram feitas para o ser social desde logo satildeo entes sociais

mas em outro grau da escala do ser social mas tambeacutem tecircm mudada a sua

natureza de naturais a utilidades (e na forma da alienaccedilatildeofetichismo as

40

mercadorias) de sorte que a apropriaccedilatildeo da natureza eacute igualmente sua

desnaturalizaccedilatildeo eacute forccedilaacute-las a deixar de ser o que satildeo em sua peculiaridade

para se tornarem um outro de si sob a regecircncia do estatuto societaacuterio Isso eacute a

manifestaccedilatildeo do poder e da superioridade do grau maacuteximo do ser Nenhum

outro ser realiza qualquer coisa semelhante nem longinquumlamente Repetindo

Kant e Hegel Marx tinha toda razatildeo quando disse que haacute mais grandeza e

misteacuterio na cabeccedila de um becircbado do que no conjunto do universo

10) a Sociabilidade imperfeita substacircncia ainda natildeo realizada enquanto

tal ou seja ainda incapaz de autonomia como complexo estruturado conduz agrave

poliacutetica Natildeo compreendida como substacircncia mas como simples organizaccedilatildeo

potildee o homem no outro poacutelo na dicotomia homemsociedade ou seja na

representaccedilatildeo socioloacutegica ou politoloacutegica o homem eacute um outro

Determinada ou compreendida como substacircncia eacute substacircncia humana

(perfeita e imperfeita com todas as grandezas e miseacuterias produzidas

modificadas suprimidas e repostas no curso histoacuterico) eacute a essecircncia mutante do

ser auto-engendrado e enquanto mutante e por ser mutante distinta tambeacutem

por essa mutabilidade do predicado bioloacutegico atemporalmente necessaacuterio mas

sempre e progressivamente insuficiente do ser social

O tomo IV do primeiro nuacutemero da Revista Ensaios Ad Hominem eacute

composto de seis artigos - aleacutem do texto de abertura de autoria de J Chasin -

que resultaram de siacutenteses ou modificaccedilatildeo de partes ou capiacutetulos de

dissertaccedilotildees defendidas entre os anos de 1998 e 1999 junto ao Programa de

Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia da UFMG

41

O artigo que abre a presente coletacircnea intitulado A Razatildeo como

Tribunal da Criacutetica Marx e A Gazeta Renana de autoria de Celso Eidt versa

sobre a concepccedilatildeo do jovem Marx sobre o papel da imprensa natildeo apenas como

o locus privilegiado para o debate filosoacutefico mas fundamentalmente para os

processos educativos tendo em vista a realizaccedilatildeo plena da liberdade humana Eacute

bom ressaltar que no periacuteodo em que tais artigos satildeo redigidos Marx

compartilha de uma visatildeo antropoloacutegica racional em que a natureza humana eacute

concebida como espiacuterito livre e racional enquanto esteio da proacutepria vida eacutetica

ou seja da praacutetica humana fundada na razatildeo universal

Ana Selva Albinati autora do artigo A Determinaccedilatildeo dos Valores

Morais nos textos de Marx de 1841 a 1847 se debruccedila justamente sobre tal

campo de reflexatildeo Seu trabalho eacute uma tentativa de sistematizaccedilatildeo das

consideraccedilotildees sobre os valores morais nos textos do periacuteodo que se inicia com

sua tese doutoral Diferenccedilas entre as Filosofias da Natureza de Demoacutecrito e

Epicuro prosseguindo ateacute A Miseacuteria da Filosofia Ana Selva procura demonstrar

que esse periacuteodo normalmente referido como sendo o da juventude de Marx eacute

na verdade constituiacutedo de dois momentos de sua elaboraccedilatildeo teoacuterica que tem

como momento de clivagem a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel de meados

de 1843 em que Marx rompe com o referencial teoacuterico do idealismo alematildeo Em

relaccedilatildeo agraves determinaccedilotildees sobre a moral essa ruptura se reflete na inflexatildeo

radical que diferencia a compreensatildeo da moralidade no primeiro e segundo

momentos de tal forma que a moralidade passa a ser compreendida como um

dos modos da consciecircncia socialmente determinada concepccedilatildeo completamente

distinta da primeira fase em que os valores morais eram compreendidos como

expressotildees da liberdade e da racionalidade humanas idealmente concebidas

No artigo A criacutetica da Especulaccedilatildeo nas Glosas de Kreuznach Milney

Chasin analisa o momento inicial e ao mesmo tempo decisivo da ruptura que

se verifica entre Marx e Hegel no plano das determinaccedilotildees do ser Desse modo

a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel inaugura a criacutetica marxiana da

especulaccedilatildeo no seu cerne o de rejeitar o procedimento especulativo

42

caracteriacutestico de se provir tudo da ideacuteia real de tornaacute-la sujeito isto eacute de

capacitar a abstraccedilatildeo ou conceito automovido - a partir das metamorfoses

hegelianas - de pocircr o multiverso sensiacutevel Em outros termos Milney Chasin no

referido artigo evidencia como a criacutetica da especulaccedilatildeo permite a Marx

ultrapassar os horizontes do idealismo alematildeo na direccedilatildeo do devido

reconhecimento da distinccedilatildeo entre ser e pensar de caracterizar a impropriedade

ontoloacutegica da loacutegica hegeliana de apurar os limites gnosioloacutegicos e

incongruecircncias de toda ordem Em suma permite o desvelamento da substacircncia

miacutestica oferecendo a explicitaccedilatildeo do meacutetodo hegeliano - das diabruras do

conceito autoposto - que articula abstraccedilotildees e finitude restando a esta a mera

condiccedilatildeo de apecircndice dissolvido isto eacute momento virtual da realizaccedilatildeo da

idealidade

O quarto artigo desta coletacircnea intitulado A Exteriorizaccedilatildeo da Vida nos

Manuscritos de 44 eacute parte da dissertaccedilatildeo de mestrado As Categorias

Lebensaumlusserung Entaumlusserung Entfremdung e Veraumlusserung nos Manuscritos

Economico-Filosoacuteficos de Karl Marxdefendida por Mocircnica H M da Costa em

que o interesse era acima de tudo averiguar se alienaccedilatildeo (Entaumlusserung) e

estranhamento (Entfremdung) teriam significados distintos A pesquisa acabou

opor apontar no entanto uma outra categoria como eixo desses manuscritos

Lebensaumlusserung traduzida por exteriorizaccedilatildeo da vida De fato o fio condutor

dos Manuscritos eacute a centralidade do trabalho na produccedilatildeo material e espiritual

da vida humana Tomando para anaacutelise criacutetica pela primeira vez os

economistas claacutessicos Marx explicita sua proacutepria compreensatildeo da forma

peculiar de engendramento da existecircncia do homem A criacutetica a Hegel completa

o quadro desta tematizaccedilatildeo que natildeo seraacute abandonada ateacute os uacuteltimos trabalhos

de Marx

Sabina Maura Silva no artigo A Fenomenologia do Egoiacutesmo Stirner e a

Criacutetica Marxiana tem como objetivo fundamental apresentar a concepccedilatildeo de

homem presente na obra O Uacutenico e Sua Propriedade de autoria do filoacutesofo

neohegeliano Max Stirner e expor a criacutetica de Marx a este autor contida em A

43

Ideologia Alematilde A autora mostra que para Stirner o Eu tomado como

individualidade singular eacute o fundamento de sua esfera existencial No entanto

para esse autor tudo tem determinado a existecircncia dos indiviacuteduos natildeo tendo

sido permitido a eles determinaacute-la O objetivo de Stirner eacute pois remeter ao

indiviacuteduo - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel - o que dele foi alienado e erigido

como algo autocircnomo Por seu turno a criacutetica de Marx tem como fim explicitar o

caraacuteter especulativo da anaacutelise stirneana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo

bem como salientar o aspecto pseudorevolucionaacuterio de suas proposituras

Assim segundo Marx Stirner tatildeo somente interpreta diferentemente o

existente isto eacute reconhece o existente mediante outra

interpretaccedilatildeoTransformando as contradiccedilotildees objetivas em contradiccedilotildees

subjetivas Stirner conserva e justifica as condiccedilotildees e estruturas efetivas que

esmagam e impedem a autodeterminaccedilatildeo das individualidades ao reconhecer

as circunstacircncias como determinaccedilotildees dos indiviacuteduos Acolhendo acriacutetica e

especulativamente em suas feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees

estranhadas de um momento histoacuterico particular da individuaccedilatildeo humana

Stirner erige como individualidade um ente que empobrecido e constrangido

pelas condiccedilotildees objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade

social pode somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria

sobre si e sobre o mundo

O uacuteltimo artigo do tomo IV da Revista Ensaios Ad Hominem eacute de

autoria de Antocircnio Joseacute Lopes Alves e leva o tiacutetulo de A Individualidade

Moderna nos Grundrisse Neste texto o autor procura demonstrar que a

moderna sociabilidade do capital eacute compreendida por Marx como forma

instaurada a partir da dissoluccedilatildeo dos liames sociais que uniam em tempos

anteriores os indiviacuteduos agrave comunidade Aleacutem disso destaca o fato apontado por

Marx de que tal processo se constitui numa verdadeira reconversatildeo ontoloacutegica

tanto dos indiviacuteduos quanto das condiccedilotildees da atividade vital ocorrendo uma

radical transformaccedilatildeo na forma de ser de ambos Sinteticamente trata-se de

reconfiguraccedilatildeo ontoloacutegica que determina como entes autocircnomos os indiviacuteduos

44

de um lado e as condiccedilotildees de trabalho de outro vale dizer do divoacutercio entre os

indiviacuteduos ativos e as condiccedilotildees de sua atividade Antocircnio Lopes buscou em

suma alinhar as determinaccedilotildees mais essenciais dos indiviacuteduos e da

sociablidade modernos no que respeita agrave forma mesma das relaccedilotildees sociais da

atividade sensiacutevel bem como da respectiva expressatildeo ideal como por exemplo

a configuraccedilatildeo das categorias da igualdade e liberdade

O leitor encontraraacute nas paacuteginas que se seguem o resultado do esforccedilo

de pesquisa voltado ao resgate da obra marxiana caracterizado pela busca do

rigor na leitura e interpretaccedilatildeo do pensamento de um autor cuja heranccedila

intelectual conheceu um destino traacutegico Natildeo eacute faacutecil portanto voltar-se a ela

sem os preconceitos da moda - como jaacute havia advertido Lukaacutecs Natildeo posso

afirmar com total certeza que um intento dessa natureza tenha sido plenamente

alcanccedilado Todavia eacute faacutecil perceber as diferenccedilas desse tipo de produccedilatildeo teoacuterica

com aquela apresentada tanto pelo marxismo adstringido e suas dissidecircncias

como pelo marxismo vulgar para utilizar as expressotildees cunhadas por Chasin no

intuito de designar as duas variantes de interpretaccedilatildeo da obra marxiana

Faccedilo aqui ao leitor interessado o convite para participar dessa

avaliaccedilatildeo

[1] Professora do Departamento de Filosofia da UFMG coordenadora

do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e Estudos Confluentes

45

[i] J CHASIN Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in

Teixeira FJS Pensando com Marx Editora Ensaio Satildeo Paulo 1995

[ii] K MARX amp F ENGELS A Sagrada Famiacutelia Ed Grijalbo trad

Wenceslao Roces Meacutexico DF 1960 p 120

[iii] Ver a respeito J CHASIN Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo

Metodoloacutegica opcit

[iv] J CHASIN O Futuro Ausente in Ensaios Ad Hominem 1 tomo III

Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem Satildeo Paulo 2000 p 166

[v] Ib p 167

[vi] Id

[vii] E CASSIRER A Filosofia do Iluminismo Editora da Unicamp

Campinas 1992 p 11

[viii] G LUKAacuteCS La Riproduzionein Per lOntologia delle Essere

Sociale Roma Editori Riuniti tomo II 1981 pp 180-81

[ix] N HARTMANN Ontologia Fondo de Cultura Econoacutemica Meacutexico D

F vol 1 1986

[x] K MARX O Capital vol I Ediccedilatildeo Abril Cultural Satildeo Paulo p 149

[xi] Id

[xii] Ib p 150

[xiii] (a respeito dessas categorias ver N HARTMANN Ontologia op cit

vol I p XII

46

47

[xiv] No original alematildeo in der Form des Seins Dietz Verlag 1971 p

195

[xv] Ib p 151

[xvi] Ver a respeito em J CHASIN Marx-Estatuto Ontoloacutegico e

Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica op cit

[xvii] K MARX op Cit p 126

Page 29: :: Verinotio - Revista On-line de Educao e Cincias Humanas · O leitor encontrará, portanto, nessa Apresentação o fruto de trabalho de coleta e organização de materiais utilizados

relaccedilatildeo agrave outra seja para preservar a objetividade e aiacute se torna objetivista seja

para ressaltar a subjetividade e aiacute desliza para o subjetivismo

2) No fim do processo tem-se seu resultado que eacute a transformaccedilatildeo da

forma de uma dada mateacuteria natural e a realizaccedilatildeo do objetivo do trabalho que

existiu antes como preconfiguraccedilatildeo ideal Portanto o trabalho transforma

imagem ideal em ente real complexo categorial in rebus

Em suma no pensamento de Marx as categorias ou complexos

categoriais satildeo reconhecidos sob as trecircs formas in mente (existem idealmente

na imaginaccedilatildeo ou como reproduccedilatildeo mental das coisas categorias da

representaccedilatildeo) ante res (preacutevia-ideaccedilatildeo) e in rebus como efetividades quando

estatildeo na forma de ser Como confirmaccedilatildeo tome-se mais esta passagem do

mesmo capiacutetulo No processo de trabalho a atividade do homem efetua

portanto mediante o meio de trabalho uma transformaccedilatildeo do objeto de

trabalho pretendida desde o princiacutepio O processo extingue-se no produto Seu

produto eacute um valor de uso uma mateacuteria natural adaptada agraves necessidades

humanas mediante transformaccedilatildeo da forma O trabalho se uniu com seu objeto

O trabalho estaacute objetivado e o objeto trabalhado O que do lado do trabalhador

aparecia na forma de mobilidade aparece agora como propriedade imoacutevel na

forma do ser[xiv] do lado do produto Ele fiou e o produto eacute um fio[xv]

Como arremate analiacutetico dessa famosa mas muitas vezes mal

compreendida passagem de O Capital Chasin conclui ao mesmo tempo em que

visualiza uma nova tarefa Se assim eacute se as categorias podem aparecer nas

trecircs formas - in rebus - in mente - ante res - haacute entatildeo que determinar o que satildeo

cada uma dessas formas

Esquematicamente Chasin propotildee o seguinte

1) se estatildeo in rebus (nas coisas) estatildeo na forma do ser

29

2) se estatildeo in mente (na cabeccedila) estatildeo na forma da reproduccedilatildeo ideal

das coisas Trata-se da subjetividade receptora[xvi] que reproduz as coisas natildeo

captando apenas seus dados empiacutericos superando pois o empirismo e elabora

portanto a reproduccedilatildeo ideal dos entes e onde a subsunccedilatildeo aos objetos eacute a

atividade de sua elaboraccedilatildeo ideal

3) se estatildeo ante res (antes das coisas) estatildeo na forma da finalidade da

preacutevia mentalizaccedilatildeo de objetivos e meios

Poreacutem no segundo e terceiro casos as categorias estatildeo na forma de

espeacutecies de pensamento representaccedilotildees e projeccedilotildees do ser do vir-a-ser dos

meios materiais instrumentais processuais e dinacircmicos de entificaccedilatildeo dos

seres

Concluindo essa parte dizer pois que o homem e o mundo satildeo

atividade sensiacutevel que por criar seu mundo cria a si mesmo eacute determinar o

homem como a criatura criadora de seres

No entanto na medida em que apenas na configuraccedilatildeo histoacuterica regida

pela loacutegica do capital ou seja na plenitude da produccedilatildeo da riqueza entendida

por sua essecircncia subjetiva que eacute o trabalho que se atinou para determinaccedilatildeo

do homem como a criatura criadora de seres foi possiacutevel agrave reflexatildeo pode se

dar conta potencialmente da verdadeira problemaacutetica do ser

Em outras palavras eacute pela criacutetica ao criador de criaturas na forma da

alienaccedilatildeo - criacutetica marxiana agrave sociedade capitalista - eacute que a ontologia pode

atinar com seu verdadeiro objeto e modo de determinaccedilatildeo Natildeo eacute casual que

tenha emergido pela criacutetica feuerbachiana ao sistema hegeliano (a criaccedilatildeo

especulada dos entes) e ganho seus contornos efetivos no advento de uma

nova forma de pensamento e concepccedilatildeo de praacutetica - a doutrina de Marx

Resumindo no caso de Marx ontologia eacute estatuto ou filosofia primeira

do ser social que enquanto tal norteia a concreccedilatildeo cientiacutefica do mesmo cuja

30

realizaccedilatildeo corrige e enriquece o proacuteprio estatuto donde a sinergia e a reciacuteproca

dimensatildeo criacutetica entre estatuto ontoloacutegico e ciecircncia da histoacuteria em seus diversos

departamentos possiacuteveis estabelecidos jaacute por criteacuterio ontoloacutegico ou seja que

respeita a integridade das coisas em suas qualidades e processos interconexos

que as constituem em seu ser por si e enquanto tais satildeo reproduzidas

teoricamente

Enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma da legalidade objetiva (material

e espiritual) do ser social ou seja enquanto malha de asserccedilotildees ou

determinaccedilotildees de seu complexo categorial enquanto o permanente na forma de

processo a ontologia estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a

sociabilidade como substacircncia desse grau maacuteximo da cadeia do ser

Mas substacircncia como complexo categorial como siacutentese de categorias

essenciais que denota uma forma especiacutefica determinada de presenccedila ou

existecircncia plenamente qualificada

Por isso eacute estatuto ontoloacutegico pois a plataforma canocircnica do ser eacute o

coacutedigo do substantivo verbal como substacircncia substrato) assim o estatuto

ontoloacutegico do complexo substantivo do ser social deve reconhecer a

sociabilidade como substacircncia A sociabilidade como substrato dos homens

seja na forma da alienaccedilatildeo seja na forma de sua latecircncia de substancialidade

em vir-a-ser no caminho infinito de sua realizaccedilatildeo

Trata-se portanto em Marx de estatuto e natildeo sistema pois como

sistema seria um agregado de abstraccedilotildees uma filosofia que uma vez obtidas

noccedilotildees fundamentais passa a se edificar por si ou seja as noccedilotildees seriam

coaacutegulos inteligiacuteveis que passam por auto-sustentaccedilatildeo a configurar

dedutivamente o mundo Ao passo que estatuto eacute uma ordem a legalidade do

ser sensiacutevel - o ser na plenitude de seus atributos

tempo (histoacuteriaprocessoduraccedilatildeomutabilidade) lugar e sensibilidade

especificamente a legalidade do ser social imanente a si em sua especiacutefica

31

objetividade O ser sensiacutevel eacute a forma do ser porque eacute a plenitude das

categorias possiacuteveis

E as formaccedilotildees ideais

Segundo Chasin as formaccedilotildees ideais do mesmo modo que as

formaccedilotildees reais - formas do ser - tecircm lugar e tempo como categorias - o tempo

e o espaccedilo das formaccedilotildees sociais que satildeo engendradas mas estatildeo privadas de

sensibilidade

O sensiacutevel soacute eacute predicaccedilatildeo inerecircncia agrave forma do ser que conteacutem a

plenitude dos predicados possiacuteveis (sensibilidade espaccedilo tempo)

Essa forma de conceber o ser eacute reconhecer substancialidade ao

complexu agrave unidade totalizada ou seja ao conjunto pleno de atributos em ato

Em outras palavras ser eacute complexo categorial - tem a forma de ser -

completude ou forma conferida pelo sensiacutevel que se desdobra em muacuteltiplos

atributos e se condensa de infinitas maneiras no gradiente do ser

Em suma segundo Chasin tomando Marx como base e ponto de

referecircncia permanentes ser eacute plenitude categorial ou seja a plenitude

categorial eacute sua forma e por ser sensiacutevel compreende lugar e tempo

Donde se admitido o princiacutepio metoacutedico de Marx saber eacute saber do ser

que antes de tudo eacute um complexo sensiacutevel - tudo que eacute existe eacute sempre um

complexo natildeo uma substacircncia ou essecircncia pura e cristalina E a cadeia do ser eacute

o conjunto de graus do ser - do menos ao mais complexo

O preceito metodoloacutegico marxiano eacute pois ontoloacutegico sabe-se o que eacute

como se formou se desenvolveu e como depereceraacute

Por via de consequumlecircncia e diante das vicissitudes da histoacuteria da

ontologia de seu processo constitutivo e dissolutor diante da penosa rota da

32

conquista teoacuterica do real homoacuteloga ou equivalente agrave necessidade humana de

produzir a sua mundaneidade e a si mesmo a ontologia eacute o que pode ser - o

que natildeo eacute pouco - a esfera teoacuterica da incerteza propulsora positiva

afirmativamente organizada O patamar do incerto ordenado como plataforma da

busca infinita da certeza Impulsatildeo incontornaacutevel que natildeo pode ser eludida pela

presenccedila imperativa dos circuitos ontopraacuteticos

Talvez agora o estatuto ontoloacutegico marxiano possa ser enunciado do

seguinte modo eacute o estudo das categorias fundamentais - em traccedilos essenciais

abstratos em suas determinaccedilotildees mais gerais - da existecircncia social

historicamente constatada e reconhecida sendo possiacutevel exemplificar com as

seguintes categorias historicidade (processualidade ou mutabilidade)

concreticidade ou objetividade atividade sensiacutevel e ideal (trabalho e

reproduccedilatildeo) subjetividade (receptiva e proponente) valor individualidade

gecircnero (sociabilidade) Tudo isso perfilando o complexo de complexos da auto

realizaccedilatildeo do ser humano-societaacuterio entendido que o fim dos fins eacute a infinitude

da realizaccedilatildeo do humano - do autopor-se do aberto ser humano-societaacuterio

Estatuto que em outros termos eacute a ordem do reconhecimento ou

reproduccedilatildeo teoacuterica da identidade natureza e constituiccedilatildeo das coisas por si por

seus complexos categoriais decisivos independentemente em qualquer plano

de se tornarem objetos de praacutetica ou reflexatildeo

Enquanto tal eacute a teoria do reconhecimento da objetividade histoacuterico-

social imanente em suas distintas formas de apresentaccedilatildeo (natureza e

sociedade) Em termos muito breves eacute o momento mais abstrato do

reconhecimento da identidade das coisas por si enquanto tal um dos momentos

distintos da unidade do saber do qual participa um segundo sob forma

concreta que eacute a ciecircncia

Pela proacutepria natureza histoacuterica processual do ser a ontologia marxiana

natildeo corresponde nem poderia corresponder por simples imperativo de

33

coerecircncia agrave forma de um saber universal plantado sobre uma racionalidade

auto-sustentada ou seja fundado na razatildeo universal nada mais a versatildeo laica

ou profana de Deus no dizer de Feuerbach Ou seja trata-se enfim de uma

forma de ontologia sem parentesco com o saber absoluto e que recusa qualquer

tipo de fundamento especulativo pois absolutizaccedilatildeo de uma teoria da

fundamentaccedilatildeo eacute simplesmente a firmaccedilatildeo especulativa da razatildeo autocircnoma ou

de um princiacutepio de inteligibilidade situado para aleacutem das coisas que garante a

presenccedila e o conhecimento do sagrado e a vitoacuteria antecipada do idealismo Natildeo

correspondendo agrave qualquer forma de saber universal a ontologia marxiana

sustenta a possibilidade efetiva como jaacute vimos de um saber real

Por sua praacutetica teoacuterica e por um conjunto de lineamentos expliacutecitos

Marx deixou o legado de um especiacutefico estatuto ontoloacutegico natildeo um ontologia de

talhe convencional ou tradicional e natildeo apenas por que careceu de tempo

necessaacuterio para a realizaccedilatildeo de uma obra desse tipo mas fundamentalmente

pela distinccedilatildeo de natureza de seu estatuto ontoloacutegico radicalmente oposto ao

tratamento especulativo da mateacuteria

Esse estatuto eacute constituiacutedo a partir do universo praacutetico onticamente

referido ou seja eacute um estatuto ocircntico-ontoloacutegico pois evolve da efetividade

histoacuterica das coisas de suas relaccedilotildees e processos para sua reproduccedilatildeo

conceitual no plano de uma trama categorial em sua expressatildeo mais abstrata

Reconhecimento e Determinaccedilatildeo da Sociabilidade como Substacircncia

Vimos que segundo Chasin enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma

da legalidade do ser social em sua materialidade e espiritualidade[pode-se dizer

tambeacutem em sua objetividade sensiacutevel e supra-sensiacutevel] ou seja enquanto

malha de asserccedilotildees ou determinaccedilotildees de seu complexo categorial a ontologia

34

estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a sociabilidade como substacircncia desse

grau maacuteximo do ser

Embora Chasin natildeo tenha desenvolvido plenamente a questatildeo da

objetividade supra-sensiacutevel como tambeacutem a da sociabilidade como substacircncia

julgo conveniente transcrever tambeacutem algumas notas e comentaacuterios feitos em

sala de aula dada a importacircncia do tema

Em relaccedilatildeo agrave noccedilatildeo de substacircncia Chasin retoma sua noccedilatildeo mais geral

e tradicional Ou seja deixando de fora qualquer conotaccedilatildeo relativa a formas de

idealidade o que existe por si eacute um auto-engendrado a uacuteltima instacircncia de um

dado gecircnero de entificaccedilatildeo enquanto tal na medida em que eacute uma efetividade

eacute um complexo que a noccedilatildeo de substacircncia refere no mais alto grau de

abstraccedilatildeo Vale pois como abstraccedilatildeo razoaacutevel tal como todo conceito

marxiano nesse niacutevel de generalizaccedilatildeo a partir do qual pela via dos processos

de concreccedilatildeo satildeo determinaacuteveis as formas concretas de substacircncia

correspondentes agraves formaccedilotildees sociais reais

Dessa forma a substacircncia eacute um complexo histoacuterico natildeo uma

idealidade natildeo um construto da razatildeo auto-sustentada mas o resumo de uma

extraccedilatildeo justificada

Naturalidade e Sociabilidade

Sempre que se potildee a questatildeo da naturalidade e da sociabilidade essa

uacuteltima tende a ser examinada in statu nascendi ou de um estado original

imaginaacuterio natildeo se parte portanto de fatos pois os desconhecemos se eacute que

35

tenham existido mas de um mito E do mito se quer saltar para o quadro de uma

realidade complexa

Mas acompanhando Marx lembremos das pobres robinsonadas do

seacuteculo XVIII referidas logo agraves primeiras linhas da Introduccedilatildeo de 57 a) O

caccedilador e o pescador individuais e isolados de que partem Smith e Ricardo b)

o contrat social de Rousseau que relaciona e liga sujeitos independentes por

natureza por meio de um contrato Essas robinsonadas natildeo repousam sobre

(o) naturalismo E a argumentaccedilatildeo prossegue Trata-se ao contraacuterio de uma

antecipaccedilatildeo da sociedade (buumlrgelichen Gesellschaft) que se preparava desde

o seacuteculo XVI e no seacuteculo XVIII deu larguiacutessimos passos em direccedilatildeo agrave sua

maturidade Nesta sociedade da livre concorrecircncia o indiviacuteduo aparece

desprendido dos laccedilos naturais que em eacutepocas histoacutericas remotas fizeram dele

um acessoacuterio de um conglomerado humano limitado e determinado Os profetas

do seacuteculo XVIII sobre cujos ombros se apoacuteiam inteiramente Smith e Ricardo

imaginam o indiviacuteduo do seacuteculo XVIII como um ideal que teria existido no

passado Vecircem-no natildeo como um resultado histoacuterico mas como ponto de partida

da Histoacuteria porque o consideram como um indiviacuteduo conforme agrave natureza -

dentro da representaccedilatildeo que tinham da natureza humana - que natildeo se originou

historicamente mas foi posto como tal pela natureza[xvii]

Segundo Chasin tomando Marx novamente como ponto de referecircncia

os equiacutevocos que aparecem ao se tratar a relaccedilatildeo naturalidade sociabilidade

satildeo os seguintes

1) procurar deduzir em graus diferentes em cada caso o ser social do

natural esquecendo que se trata da emergecircncia do novo de uma configuraccedilatildeo

ontoloacutegica nova e que o novo nunca eacute um simples desdobramento do estaacutegio

anterior no caso - do grau de ser antecedente ou seja que entre os dois niacuteveis

ocorre o que se chama de salto um intervalo em que a potecircncia causal do

antecedente natildeo conteacutem a capacidade a potecircncia ou a potencialidade para

gerar o novo Um intervalo que fica assim indeterminado

36

2) o procedimento acima abre para a mera especulaccedilatildeo pois tende a

deduzir a indeterminaccedilatildeo a querer estabelecer nexos onde eles inexistem

tende a preencher o que de fato eacute um vazio A rigor natildeo se trata de um natildeo-

sabido mas da ausecircncia factual de um objeto ou processo em outros termos

se trata de um vazio ontoloacutegico de uma ausecircncia de nexos ontoloacutegicos

O correto segundo o modus operandi marxiano natildeo eacute partir da semente

ou do embriatildeo mas do complexo real maturado uma vez que

especialiacutessimamente na esfera social a loacutegica do gerado eacute diversa da loacutegica de

sua gecircnese aleacutem de que nesse acircmbito as entificaccedilotildees configuradas apagam a

rota e a loacutegica de sua formaccedilatildeo

Desse modo partindo do jaacute configurado e considerando que se trata de

uma configuraccedilatildeo infinita que compreende mutaccedilotildees qualitativas muito

importantes e natildeo esquecendo que permanecemos no estaacutegio preacute-histoacuterico (em

momento especialmente desequilibrado e contraditoacuterio) podemos e devemos

reconhecer por meio de algumas abstraccedilotildees razoaacuteveis o seguinte

1) A formaccedilatildeo do ser social eacute um processo da animalidade agrave

hominidade o andamento da naturalidade agrave sociabilidade o caminho infinito da

naturalidade dada agrave sociabilidade natildeo-dada em produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

perenes

2)Trata-se pois de uma entificaccedilatildeo processual entre dois niacuteveis ou

poacutelos da escala do ser sendo processo eacute intrinsecamente uma contradiccedilatildeo e soacute

enquanto tal se move eliminada a contradiccedilatildeo cessaria a possibilidade do

processo Com isso eacute dito algo muito importante pois ao reconhecer a

contraditoriedade entre naturalidade e sociabilidade natildeo eacute mais possiacutevel pensar

as mesmas a propoacutesito do ser social como um simples conjugado de fatores

mas obrigatoriamente como uma conjugaccedilatildeo contraditoacuteria de legalidades Isso

vai na esteira do que eacute compreendido desde Hegel - que o ser eacute uma unidade

contraditoacuteria - todavia com o acreacutescimo do problema da dupla legalidade De

37

que modo ou feiccedilatildeo chega cada uma delas agrave unidade contraditoacuteria do ser Pois

haacute que pensar na unidade ou siacutentese a natildeo ser que se queira desenhar o ser

social como uma aberraccedilatildeo hiacutebrida pode ser esta a fisionomia do grau mais

elevado do gradiente dos seres Assim tomada na devida consideraccedilatildeo essa

determinaccedilatildeo ontoloacutegica sem a qual a reflexatildeo perde o rumo trata-se de

compreender a dinacircmica especiacutefica dessa contradiccedilatildeo peculiar Vejamos

3) Em primeiro lugar esse processo contraditoacuterio gera novas

contradiccedilotildees agora dominantemente contradiccedilotildees da sociabilidade em

formaccedilatildeo de sorte que se trata de um processo cumulativo de

contraditoriedades no qual as novas contradiccedilotildees progressivamente vatildeo

tomando o lugar predominante e decisivo vale dizer a contradiccedilatildeo originaacuteria

cada vez mais coabita com contradiccedilotildees de outro gecircnero diante das quais sua

presenccedila vai mudando de forccedila e configuraccedilatildeo natildeo desaparece mas sua

qualidade vai mudando na proporccedilatildeo mesmo do desenvolvimento da

apropriaccedilatildeo societaacuteria da natureza cada vez mais puramente social - eacute no que

consiste de acordo com as palavras de Marx o progressivo afastamento das

barreiras naturais

4) Ou seja a matriz e a medida do afastamento eacute a forma cada vez

mais social de produzir e reproduzir as bases materiais da vida pela qual eacute

gerado o novo ser em direccedilatildeo agrave sua potecircncia ampliada de se auto-por de ir em

direccedilatildeo a si mesmo um si mesmo que natildeo eacute dado mas gerado na progressatildeo

da auto-posiccedilatildeo do auto-assentamento ou da auto-enformaccedilatildeo que inclui a

proacutepria daccedilatildeo de forma e resoluccedilatildeo ao predicado natural ou bioloacutegico daccedilatildeo de

forma que em suma eacute daccedilatildeo de forma social ao predicado natural

5) Essa possibilidade de daccedilatildeo de forma eacute afirmaccedilatildeo e realizaccedilatildeo da

essecircncia social que eacute o conjunto de relaccedilotildees sociais configuradas em cada

momento pelo modo de produzir da base material modo por sua vez que eacute

determinado pelo desenvolvimento das forccedilas produtivas entre as quais figura o

proacuteprio modo de organizaccedilatildeo do conjunto das relaccedilotildees sociais

38

6) Daccedilatildeo de forma eacute alteraccedilatildeo do lugar resolutivo e todo ente que muda

de lugar muda de natureza sem alterar uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo material

Vale dizer que a contradiccedilatildeo originaacuteria entre naturalidade e sociabilidade eacute

resolvida por uma nova contradiccedilatildeo - a da naturalidade que soacute se realiza na

forma e por meios sociais - no afastamento que eacute superaccedilatildeo da naturalidade

(processo histoacuterico) a legalidade natural eacute submetida agrave legalidade social

(diferentemente em cada modo de produccedilatildeo e de acordo com o

desenvolvimento das forccedilas produtivas) o fator natural natildeo eacute suprimido

suprimida eacute sua capacidade de autodeterminaccedilatildeo resta portanto

simplesmente o que natildeo eacute pouco como um predicado do ser humano um

predicado insuprimiacutevel mas apenas como predicado bioloacutegico de um ser de

outra natureza e essecircncia A naturalidade eacute retida como predicado

imprescindiacutevel mas natildeo como essecircncia Donde natildeo satildeo mais duas legalidades

ontoloacutegicas que coexistem mas a legalidade superior mais complexa subsume

a legalidade natural que natildeo mais se autodetermina mas eacute resolvida pela e do

interior da outra Assim o predicado natural do homem recebe forma e

resoluccedilatildeo sociais ou seja o predicado natural eacute subsumido agrave legalidade social

Natildeo resta mais o choque de duas legalidades contrapostas na

contradiccedilatildeo originaacuteria A legalidade natural vai sucumbindo na ruptura e

progressivamente agrave legalidade social em sua efetividade no ser social a

legalidade natural natildeo mais atua por si eacute dependente do social natildeo eacute mais a

legalidade de um ser pois natildeo haacute mais aiacute um ser natural mas um atributo

natural dependente da essecircncia social O homem eacute um ser social que

compreende sua essecircncia especiacutefica (variaacutevel) suas contingecircncias e seu

predicado bioloacutegico Na entificaccedilatildeo do ser social uacuteltimo grau da cadeia do ser a

legalidade natural eacute subalternizada agrave social por mais ruacutestica e restrita que seja a

essecircncia social primitiva e por mais precaacuteria que seja essa subalternizaccedilatildeo de

iniacutecio O processo de afastamento das barreiras naturais eacute assim o curso dessa

subalternizaccedilatildeo que desponta no iniacutecio na ruptura com a legalidade natural e

por mais longo e contraditoacuterio em avanccedilos e recuos que seja esse processo

39

7) de outra parte a loacutegica do predicado bioloacutegico natildeo soluciona natildeo

tem resposta para o complexo problemaacutetico da sociabilidade enquanto que esta

daacute soluccedilatildeo aos imperativos daquela Como diz Marx nos Manuscritos de 44 o

homem contempla a natureza e a si mesmo com um produto social [dos homens

interativos] com pleno direito mesmo que natildeo com elevada consciecircncia ou altos

valores

8) Donde a foacutermula lukaacutecsiana da dupla base eacute falsa pois a plataforma

eacute a sociabilidade enquanto a naturalidade eacute apenas o insuprimiacutevel predicado

bioloacutegico que passa a vigir na forma e sob a regecircncia da sociabilidade Natildeo

perde por isso uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo orgacircnica mas na sua efetividade

muda de caraacuteter No interiro da esfera societaacuteria o predicado bioloacutegico eacute um

outro de si Se originariamente foi o ponto de partida agora eacute produzido e

reproduzido pela legalidade de um ser que o ultrapassa e o domina vive e soacute

pode viver na subjugaccedilatildeo de um novo estatuto Ou seja ao integrar como

predicado o ser de niacutevel mais elevado realiza a sua maacutexima potecircncia e isso eacute

ao mesmo tempo sua desnaturalizaccedilatildeo ou perecimento Impereciacutevel como

predicado natildeo eacute base pois determina soacute por seus limites pelas carecircncias natildeo

pelas determinaccedilotildees resolutivas nem mesmo em suas forccedilas e sentidos pois

enquanto virtualidades estas soacute satildeo humanas e superiores em resoluccedilatildeo

societaacuteria Ademais natildeo eacute nunca um criador de novas necessidades o que

caracteriza a legalidade social

9) A argumentaccedilatildeo acima diz respeito diretamente ao ser social em sua

configuraccedilatildeo bipolar (indiviacuteduo e gecircnero) e desenvolvida em especial no poacutelo da

individualidade tendo por esteio o andamento do gecircnero e ao falar deste se diz

do seu metabolismo com a natureza Esse metabolismo fundamental que eacute em

suma a atividade vital do homem ao gerar produtos sociais

(utilidadesmercadorias) sem que se possa transpor a estes as mesmas

determinaccedilotildees que foram feitas para o ser social desde logo satildeo entes sociais

mas em outro grau da escala do ser social mas tambeacutem tecircm mudada a sua

natureza de naturais a utilidades (e na forma da alienaccedilatildeofetichismo as

40

mercadorias) de sorte que a apropriaccedilatildeo da natureza eacute igualmente sua

desnaturalizaccedilatildeo eacute forccedilaacute-las a deixar de ser o que satildeo em sua peculiaridade

para se tornarem um outro de si sob a regecircncia do estatuto societaacuterio Isso eacute a

manifestaccedilatildeo do poder e da superioridade do grau maacuteximo do ser Nenhum

outro ser realiza qualquer coisa semelhante nem longinquumlamente Repetindo

Kant e Hegel Marx tinha toda razatildeo quando disse que haacute mais grandeza e

misteacuterio na cabeccedila de um becircbado do que no conjunto do universo

10) a Sociabilidade imperfeita substacircncia ainda natildeo realizada enquanto

tal ou seja ainda incapaz de autonomia como complexo estruturado conduz agrave

poliacutetica Natildeo compreendida como substacircncia mas como simples organizaccedilatildeo

potildee o homem no outro poacutelo na dicotomia homemsociedade ou seja na

representaccedilatildeo socioloacutegica ou politoloacutegica o homem eacute um outro

Determinada ou compreendida como substacircncia eacute substacircncia humana

(perfeita e imperfeita com todas as grandezas e miseacuterias produzidas

modificadas suprimidas e repostas no curso histoacuterico) eacute a essecircncia mutante do

ser auto-engendrado e enquanto mutante e por ser mutante distinta tambeacutem

por essa mutabilidade do predicado bioloacutegico atemporalmente necessaacuterio mas

sempre e progressivamente insuficiente do ser social

O tomo IV do primeiro nuacutemero da Revista Ensaios Ad Hominem eacute

composto de seis artigos - aleacutem do texto de abertura de autoria de J Chasin -

que resultaram de siacutenteses ou modificaccedilatildeo de partes ou capiacutetulos de

dissertaccedilotildees defendidas entre os anos de 1998 e 1999 junto ao Programa de

Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia da UFMG

41

O artigo que abre a presente coletacircnea intitulado A Razatildeo como

Tribunal da Criacutetica Marx e A Gazeta Renana de autoria de Celso Eidt versa

sobre a concepccedilatildeo do jovem Marx sobre o papel da imprensa natildeo apenas como

o locus privilegiado para o debate filosoacutefico mas fundamentalmente para os

processos educativos tendo em vista a realizaccedilatildeo plena da liberdade humana Eacute

bom ressaltar que no periacuteodo em que tais artigos satildeo redigidos Marx

compartilha de uma visatildeo antropoloacutegica racional em que a natureza humana eacute

concebida como espiacuterito livre e racional enquanto esteio da proacutepria vida eacutetica

ou seja da praacutetica humana fundada na razatildeo universal

Ana Selva Albinati autora do artigo A Determinaccedilatildeo dos Valores

Morais nos textos de Marx de 1841 a 1847 se debruccedila justamente sobre tal

campo de reflexatildeo Seu trabalho eacute uma tentativa de sistematizaccedilatildeo das

consideraccedilotildees sobre os valores morais nos textos do periacuteodo que se inicia com

sua tese doutoral Diferenccedilas entre as Filosofias da Natureza de Demoacutecrito e

Epicuro prosseguindo ateacute A Miseacuteria da Filosofia Ana Selva procura demonstrar

que esse periacuteodo normalmente referido como sendo o da juventude de Marx eacute

na verdade constituiacutedo de dois momentos de sua elaboraccedilatildeo teoacuterica que tem

como momento de clivagem a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel de meados

de 1843 em que Marx rompe com o referencial teoacuterico do idealismo alematildeo Em

relaccedilatildeo agraves determinaccedilotildees sobre a moral essa ruptura se reflete na inflexatildeo

radical que diferencia a compreensatildeo da moralidade no primeiro e segundo

momentos de tal forma que a moralidade passa a ser compreendida como um

dos modos da consciecircncia socialmente determinada concepccedilatildeo completamente

distinta da primeira fase em que os valores morais eram compreendidos como

expressotildees da liberdade e da racionalidade humanas idealmente concebidas

No artigo A criacutetica da Especulaccedilatildeo nas Glosas de Kreuznach Milney

Chasin analisa o momento inicial e ao mesmo tempo decisivo da ruptura que

se verifica entre Marx e Hegel no plano das determinaccedilotildees do ser Desse modo

a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel inaugura a criacutetica marxiana da

especulaccedilatildeo no seu cerne o de rejeitar o procedimento especulativo

42

caracteriacutestico de se provir tudo da ideacuteia real de tornaacute-la sujeito isto eacute de

capacitar a abstraccedilatildeo ou conceito automovido - a partir das metamorfoses

hegelianas - de pocircr o multiverso sensiacutevel Em outros termos Milney Chasin no

referido artigo evidencia como a criacutetica da especulaccedilatildeo permite a Marx

ultrapassar os horizontes do idealismo alematildeo na direccedilatildeo do devido

reconhecimento da distinccedilatildeo entre ser e pensar de caracterizar a impropriedade

ontoloacutegica da loacutegica hegeliana de apurar os limites gnosioloacutegicos e

incongruecircncias de toda ordem Em suma permite o desvelamento da substacircncia

miacutestica oferecendo a explicitaccedilatildeo do meacutetodo hegeliano - das diabruras do

conceito autoposto - que articula abstraccedilotildees e finitude restando a esta a mera

condiccedilatildeo de apecircndice dissolvido isto eacute momento virtual da realizaccedilatildeo da

idealidade

O quarto artigo desta coletacircnea intitulado A Exteriorizaccedilatildeo da Vida nos

Manuscritos de 44 eacute parte da dissertaccedilatildeo de mestrado As Categorias

Lebensaumlusserung Entaumlusserung Entfremdung e Veraumlusserung nos Manuscritos

Economico-Filosoacuteficos de Karl Marxdefendida por Mocircnica H M da Costa em

que o interesse era acima de tudo averiguar se alienaccedilatildeo (Entaumlusserung) e

estranhamento (Entfremdung) teriam significados distintos A pesquisa acabou

opor apontar no entanto uma outra categoria como eixo desses manuscritos

Lebensaumlusserung traduzida por exteriorizaccedilatildeo da vida De fato o fio condutor

dos Manuscritos eacute a centralidade do trabalho na produccedilatildeo material e espiritual

da vida humana Tomando para anaacutelise criacutetica pela primeira vez os

economistas claacutessicos Marx explicita sua proacutepria compreensatildeo da forma

peculiar de engendramento da existecircncia do homem A criacutetica a Hegel completa

o quadro desta tematizaccedilatildeo que natildeo seraacute abandonada ateacute os uacuteltimos trabalhos

de Marx

Sabina Maura Silva no artigo A Fenomenologia do Egoiacutesmo Stirner e a

Criacutetica Marxiana tem como objetivo fundamental apresentar a concepccedilatildeo de

homem presente na obra O Uacutenico e Sua Propriedade de autoria do filoacutesofo

neohegeliano Max Stirner e expor a criacutetica de Marx a este autor contida em A

43

Ideologia Alematilde A autora mostra que para Stirner o Eu tomado como

individualidade singular eacute o fundamento de sua esfera existencial No entanto

para esse autor tudo tem determinado a existecircncia dos indiviacuteduos natildeo tendo

sido permitido a eles determinaacute-la O objetivo de Stirner eacute pois remeter ao

indiviacuteduo - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel - o que dele foi alienado e erigido

como algo autocircnomo Por seu turno a criacutetica de Marx tem como fim explicitar o

caraacuteter especulativo da anaacutelise stirneana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo

bem como salientar o aspecto pseudorevolucionaacuterio de suas proposituras

Assim segundo Marx Stirner tatildeo somente interpreta diferentemente o

existente isto eacute reconhece o existente mediante outra

interpretaccedilatildeoTransformando as contradiccedilotildees objetivas em contradiccedilotildees

subjetivas Stirner conserva e justifica as condiccedilotildees e estruturas efetivas que

esmagam e impedem a autodeterminaccedilatildeo das individualidades ao reconhecer

as circunstacircncias como determinaccedilotildees dos indiviacuteduos Acolhendo acriacutetica e

especulativamente em suas feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees

estranhadas de um momento histoacuterico particular da individuaccedilatildeo humana

Stirner erige como individualidade um ente que empobrecido e constrangido

pelas condiccedilotildees objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade

social pode somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria

sobre si e sobre o mundo

O uacuteltimo artigo do tomo IV da Revista Ensaios Ad Hominem eacute de

autoria de Antocircnio Joseacute Lopes Alves e leva o tiacutetulo de A Individualidade

Moderna nos Grundrisse Neste texto o autor procura demonstrar que a

moderna sociabilidade do capital eacute compreendida por Marx como forma

instaurada a partir da dissoluccedilatildeo dos liames sociais que uniam em tempos

anteriores os indiviacuteduos agrave comunidade Aleacutem disso destaca o fato apontado por

Marx de que tal processo se constitui numa verdadeira reconversatildeo ontoloacutegica

tanto dos indiviacuteduos quanto das condiccedilotildees da atividade vital ocorrendo uma

radical transformaccedilatildeo na forma de ser de ambos Sinteticamente trata-se de

reconfiguraccedilatildeo ontoloacutegica que determina como entes autocircnomos os indiviacuteduos

44

de um lado e as condiccedilotildees de trabalho de outro vale dizer do divoacutercio entre os

indiviacuteduos ativos e as condiccedilotildees de sua atividade Antocircnio Lopes buscou em

suma alinhar as determinaccedilotildees mais essenciais dos indiviacuteduos e da

sociablidade modernos no que respeita agrave forma mesma das relaccedilotildees sociais da

atividade sensiacutevel bem como da respectiva expressatildeo ideal como por exemplo

a configuraccedilatildeo das categorias da igualdade e liberdade

O leitor encontraraacute nas paacuteginas que se seguem o resultado do esforccedilo

de pesquisa voltado ao resgate da obra marxiana caracterizado pela busca do

rigor na leitura e interpretaccedilatildeo do pensamento de um autor cuja heranccedila

intelectual conheceu um destino traacutegico Natildeo eacute faacutecil portanto voltar-se a ela

sem os preconceitos da moda - como jaacute havia advertido Lukaacutecs Natildeo posso

afirmar com total certeza que um intento dessa natureza tenha sido plenamente

alcanccedilado Todavia eacute faacutecil perceber as diferenccedilas desse tipo de produccedilatildeo teoacuterica

com aquela apresentada tanto pelo marxismo adstringido e suas dissidecircncias

como pelo marxismo vulgar para utilizar as expressotildees cunhadas por Chasin no

intuito de designar as duas variantes de interpretaccedilatildeo da obra marxiana

Faccedilo aqui ao leitor interessado o convite para participar dessa

avaliaccedilatildeo

[1] Professora do Departamento de Filosofia da UFMG coordenadora

do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e Estudos Confluentes

45

[i] J CHASIN Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in

Teixeira FJS Pensando com Marx Editora Ensaio Satildeo Paulo 1995

[ii] K MARX amp F ENGELS A Sagrada Famiacutelia Ed Grijalbo trad

Wenceslao Roces Meacutexico DF 1960 p 120

[iii] Ver a respeito J CHASIN Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo

Metodoloacutegica opcit

[iv] J CHASIN O Futuro Ausente in Ensaios Ad Hominem 1 tomo III

Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem Satildeo Paulo 2000 p 166

[v] Ib p 167

[vi] Id

[vii] E CASSIRER A Filosofia do Iluminismo Editora da Unicamp

Campinas 1992 p 11

[viii] G LUKAacuteCS La Riproduzionein Per lOntologia delle Essere

Sociale Roma Editori Riuniti tomo II 1981 pp 180-81

[ix] N HARTMANN Ontologia Fondo de Cultura Econoacutemica Meacutexico D

F vol 1 1986

[x] K MARX O Capital vol I Ediccedilatildeo Abril Cultural Satildeo Paulo p 149

[xi] Id

[xii] Ib p 150

[xiii] (a respeito dessas categorias ver N HARTMANN Ontologia op cit

vol I p XII

46

47

[xiv] No original alematildeo in der Form des Seins Dietz Verlag 1971 p

195

[xv] Ib p 151

[xvi] Ver a respeito em J CHASIN Marx-Estatuto Ontoloacutegico e

Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica op cit

[xvii] K MARX op Cit p 126

Page 30: :: Verinotio - Revista On-line de Educao e Cincias Humanas · O leitor encontrará, portanto, nessa Apresentação o fruto de trabalho de coleta e organização de materiais utilizados

2) se estatildeo in mente (na cabeccedila) estatildeo na forma da reproduccedilatildeo ideal

das coisas Trata-se da subjetividade receptora[xvi] que reproduz as coisas natildeo

captando apenas seus dados empiacutericos superando pois o empirismo e elabora

portanto a reproduccedilatildeo ideal dos entes e onde a subsunccedilatildeo aos objetos eacute a

atividade de sua elaboraccedilatildeo ideal

3) se estatildeo ante res (antes das coisas) estatildeo na forma da finalidade da

preacutevia mentalizaccedilatildeo de objetivos e meios

Poreacutem no segundo e terceiro casos as categorias estatildeo na forma de

espeacutecies de pensamento representaccedilotildees e projeccedilotildees do ser do vir-a-ser dos

meios materiais instrumentais processuais e dinacircmicos de entificaccedilatildeo dos

seres

Concluindo essa parte dizer pois que o homem e o mundo satildeo

atividade sensiacutevel que por criar seu mundo cria a si mesmo eacute determinar o

homem como a criatura criadora de seres

No entanto na medida em que apenas na configuraccedilatildeo histoacuterica regida

pela loacutegica do capital ou seja na plenitude da produccedilatildeo da riqueza entendida

por sua essecircncia subjetiva que eacute o trabalho que se atinou para determinaccedilatildeo

do homem como a criatura criadora de seres foi possiacutevel agrave reflexatildeo pode se

dar conta potencialmente da verdadeira problemaacutetica do ser

Em outras palavras eacute pela criacutetica ao criador de criaturas na forma da

alienaccedilatildeo - criacutetica marxiana agrave sociedade capitalista - eacute que a ontologia pode

atinar com seu verdadeiro objeto e modo de determinaccedilatildeo Natildeo eacute casual que

tenha emergido pela criacutetica feuerbachiana ao sistema hegeliano (a criaccedilatildeo

especulada dos entes) e ganho seus contornos efetivos no advento de uma

nova forma de pensamento e concepccedilatildeo de praacutetica - a doutrina de Marx

Resumindo no caso de Marx ontologia eacute estatuto ou filosofia primeira

do ser social que enquanto tal norteia a concreccedilatildeo cientiacutefica do mesmo cuja

30

realizaccedilatildeo corrige e enriquece o proacuteprio estatuto donde a sinergia e a reciacuteproca

dimensatildeo criacutetica entre estatuto ontoloacutegico e ciecircncia da histoacuteria em seus diversos

departamentos possiacuteveis estabelecidos jaacute por criteacuterio ontoloacutegico ou seja que

respeita a integridade das coisas em suas qualidades e processos interconexos

que as constituem em seu ser por si e enquanto tais satildeo reproduzidas

teoricamente

Enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma da legalidade objetiva (material

e espiritual) do ser social ou seja enquanto malha de asserccedilotildees ou

determinaccedilotildees de seu complexo categorial enquanto o permanente na forma de

processo a ontologia estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a

sociabilidade como substacircncia desse grau maacuteximo da cadeia do ser

Mas substacircncia como complexo categorial como siacutentese de categorias

essenciais que denota uma forma especiacutefica determinada de presenccedila ou

existecircncia plenamente qualificada

Por isso eacute estatuto ontoloacutegico pois a plataforma canocircnica do ser eacute o

coacutedigo do substantivo verbal como substacircncia substrato) assim o estatuto

ontoloacutegico do complexo substantivo do ser social deve reconhecer a

sociabilidade como substacircncia A sociabilidade como substrato dos homens

seja na forma da alienaccedilatildeo seja na forma de sua latecircncia de substancialidade

em vir-a-ser no caminho infinito de sua realizaccedilatildeo

Trata-se portanto em Marx de estatuto e natildeo sistema pois como

sistema seria um agregado de abstraccedilotildees uma filosofia que uma vez obtidas

noccedilotildees fundamentais passa a se edificar por si ou seja as noccedilotildees seriam

coaacutegulos inteligiacuteveis que passam por auto-sustentaccedilatildeo a configurar

dedutivamente o mundo Ao passo que estatuto eacute uma ordem a legalidade do

ser sensiacutevel - o ser na plenitude de seus atributos

tempo (histoacuteriaprocessoduraccedilatildeomutabilidade) lugar e sensibilidade

especificamente a legalidade do ser social imanente a si em sua especiacutefica

31

objetividade O ser sensiacutevel eacute a forma do ser porque eacute a plenitude das

categorias possiacuteveis

E as formaccedilotildees ideais

Segundo Chasin as formaccedilotildees ideais do mesmo modo que as

formaccedilotildees reais - formas do ser - tecircm lugar e tempo como categorias - o tempo

e o espaccedilo das formaccedilotildees sociais que satildeo engendradas mas estatildeo privadas de

sensibilidade

O sensiacutevel soacute eacute predicaccedilatildeo inerecircncia agrave forma do ser que conteacutem a

plenitude dos predicados possiacuteveis (sensibilidade espaccedilo tempo)

Essa forma de conceber o ser eacute reconhecer substancialidade ao

complexu agrave unidade totalizada ou seja ao conjunto pleno de atributos em ato

Em outras palavras ser eacute complexo categorial - tem a forma de ser -

completude ou forma conferida pelo sensiacutevel que se desdobra em muacuteltiplos

atributos e se condensa de infinitas maneiras no gradiente do ser

Em suma segundo Chasin tomando Marx como base e ponto de

referecircncia permanentes ser eacute plenitude categorial ou seja a plenitude

categorial eacute sua forma e por ser sensiacutevel compreende lugar e tempo

Donde se admitido o princiacutepio metoacutedico de Marx saber eacute saber do ser

que antes de tudo eacute um complexo sensiacutevel - tudo que eacute existe eacute sempre um

complexo natildeo uma substacircncia ou essecircncia pura e cristalina E a cadeia do ser eacute

o conjunto de graus do ser - do menos ao mais complexo

O preceito metodoloacutegico marxiano eacute pois ontoloacutegico sabe-se o que eacute

como se formou se desenvolveu e como depereceraacute

Por via de consequumlecircncia e diante das vicissitudes da histoacuteria da

ontologia de seu processo constitutivo e dissolutor diante da penosa rota da

32

conquista teoacuterica do real homoacuteloga ou equivalente agrave necessidade humana de

produzir a sua mundaneidade e a si mesmo a ontologia eacute o que pode ser - o

que natildeo eacute pouco - a esfera teoacuterica da incerteza propulsora positiva

afirmativamente organizada O patamar do incerto ordenado como plataforma da

busca infinita da certeza Impulsatildeo incontornaacutevel que natildeo pode ser eludida pela

presenccedila imperativa dos circuitos ontopraacuteticos

Talvez agora o estatuto ontoloacutegico marxiano possa ser enunciado do

seguinte modo eacute o estudo das categorias fundamentais - em traccedilos essenciais

abstratos em suas determinaccedilotildees mais gerais - da existecircncia social

historicamente constatada e reconhecida sendo possiacutevel exemplificar com as

seguintes categorias historicidade (processualidade ou mutabilidade)

concreticidade ou objetividade atividade sensiacutevel e ideal (trabalho e

reproduccedilatildeo) subjetividade (receptiva e proponente) valor individualidade

gecircnero (sociabilidade) Tudo isso perfilando o complexo de complexos da auto

realizaccedilatildeo do ser humano-societaacuterio entendido que o fim dos fins eacute a infinitude

da realizaccedilatildeo do humano - do autopor-se do aberto ser humano-societaacuterio

Estatuto que em outros termos eacute a ordem do reconhecimento ou

reproduccedilatildeo teoacuterica da identidade natureza e constituiccedilatildeo das coisas por si por

seus complexos categoriais decisivos independentemente em qualquer plano

de se tornarem objetos de praacutetica ou reflexatildeo

Enquanto tal eacute a teoria do reconhecimento da objetividade histoacuterico-

social imanente em suas distintas formas de apresentaccedilatildeo (natureza e

sociedade) Em termos muito breves eacute o momento mais abstrato do

reconhecimento da identidade das coisas por si enquanto tal um dos momentos

distintos da unidade do saber do qual participa um segundo sob forma

concreta que eacute a ciecircncia

Pela proacutepria natureza histoacuterica processual do ser a ontologia marxiana

natildeo corresponde nem poderia corresponder por simples imperativo de

33

coerecircncia agrave forma de um saber universal plantado sobre uma racionalidade

auto-sustentada ou seja fundado na razatildeo universal nada mais a versatildeo laica

ou profana de Deus no dizer de Feuerbach Ou seja trata-se enfim de uma

forma de ontologia sem parentesco com o saber absoluto e que recusa qualquer

tipo de fundamento especulativo pois absolutizaccedilatildeo de uma teoria da

fundamentaccedilatildeo eacute simplesmente a firmaccedilatildeo especulativa da razatildeo autocircnoma ou

de um princiacutepio de inteligibilidade situado para aleacutem das coisas que garante a

presenccedila e o conhecimento do sagrado e a vitoacuteria antecipada do idealismo Natildeo

correspondendo agrave qualquer forma de saber universal a ontologia marxiana

sustenta a possibilidade efetiva como jaacute vimos de um saber real

Por sua praacutetica teoacuterica e por um conjunto de lineamentos expliacutecitos

Marx deixou o legado de um especiacutefico estatuto ontoloacutegico natildeo um ontologia de

talhe convencional ou tradicional e natildeo apenas por que careceu de tempo

necessaacuterio para a realizaccedilatildeo de uma obra desse tipo mas fundamentalmente

pela distinccedilatildeo de natureza de seu estatuto ontoloacutegico radicalmente oposto ao

tratamento especulativo da mateacuteria

Esse estatuto eacute constituiacutedo a partir do universo praacutetico onticamente

referido ou seja eacute um estatuto ocircntico-ontoloacutegico pois evolve da efetividade

histoacuterica das coisas de suas relaccedilotildees e processos para sua reproduccedilatildeo

conceitual no plano de uma trama categorial em sua expressatildeo mais abstrata

Reconhecimento e Determinaccedilatildeo da Sociabilidade como Substacircncia

Vimos que segundo Chasin enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma

da legalidade do ser social em sua materialidade e espiritualidade[pode-se dizer

tambeacutem em sua objetividade sensiacutevel e supra-sensiacutevel] ou seja enquanto

malha de asserccedilotildees ou determinaccedilotildees de seu complexo categorial a ontologia

34

estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a sociabilidade como substacircncia desse

grau maacuteximo do ser

Embora Chasin natildeo tenha desenvolvido plenamente a questatildeo da

objetividade supra-sensiacutevel como tambeacutem a da sociabilidade como substacircncia

julgo conveniente transcrever tambeacutem algumas notas e comentaacuterios feitos em

sala de aula dada a importacircncia do tema

Em relaccedilatildeo agrave noccedilatildeo de substacircncia Chasin retoma sua noccedilatildeo mais geral

e tradicional Ou seja deixando de fora qualquer conotaccedilatildeo relativa a formas de

idealidade o que existe por si eacute um auto-engendrado a uacuteltima instacircncia de um

dado gecircnero de entificaccedilatildeo enquanto tal na medida em que eacute uma efetividade

eacute um complexo que a noccedilatildeo de substacircncia refere no mais alto grau de

abstraccedilatildeo Vale pois como abstraccedilatildeo razoaacutevel tal como todo conceito

marxiano nesse niacutevel de generalizaccedilatildeo a partir do qual pela via dos processos

de concreccedilatildeo satildeo determinaacuteveis as formas concretas de substacircncia

correspondentes agraves formaccedilotildees sociais reais

Dessa forma a substacircncia eacute um complexo histoacuterico natildeo uma

idealidade natildeo um construto da razatildeo auto-sustentada mas o resumo de uma

extraccedilatildeo justificada

Naturalidade e Sociabilidade

Sempre que se potildee a questatildeo da naturalidade e da sociabilidade essa

uacuteltima tende a ser examinada in statu nascendi ou de um estado original

imaginaacuterio natildeo se parte portanto de fatos pois os desconhecemos se eacute que

35

tenham existido mas de um mito E do mito se quer saltar para o quadro de uma

realidade complexa

Mas acompanhando Marx lembremos das pobres robinsonadas do

seacuteculo XVIII referidas logo agraves primeiras linhas da Introduccedilatildeo de 57 a) O

caccedilador e o pescador individuais e isolados de que partem Smith e Ricardo b)

o contrat social de Rousseau que relaciona e liga sujeitos independentes por

natureza por meio de um contrato Essas robinsonadas natildeo repousam sobre

(o) naturalismo E a argumentaccedilatildeo prossegue Trata-se ao contraacuterio de uma

antecipaccedilatildeo da sociedade (buumlrgelichen Gesellschaft) que se preparava desde

o seacuteculo XVI e no seacuteculo XVIII deu larguiacutessimos passos em direccedilatildeo agrave sua

maturidade Nesta sociedade da livre concorrecircncia o indiviacuteduo aparece

desprendido dos laccedilos naturais que em eacutepocas histoacutericas remotas fizeram dele

um acessoacuterio de um conglomerado humano limitado e determinado Os profetas

do seacuteculo XVIII sobre cujos ombros se apoacuteiam inteiramente Smith e Ricardo

imaginam o indiviacuteduo do seacuteculo XVIII como um ideal que teria existido no

passado Vecircem-no natildeo como um resultado histoacuterico mas como ponto de partida

da Histoacuteria porque o consideram como um indiviacuteduo conforme agrave natureza -

dentro da representaccedilatildeo que tinham da natureza humana - que natildeo se originou

historicamente mas foi posto como tal pela natureza[xvii]

Segundo Chasin tomando Marx novamente como ponto de referecircncia

os equiacutevocos que aparecem ao se tratar a relaccedilatildeo naturalidade sociabilidade

satildeo os seguintes

1) procurar deduzir em graus diferentes em cada caso o ser social do

natural esquecendo que se trata da emergecircncia do novo de uma configuraccedilatildeo

ontoloacutegica nova e que o novo nunca eacute um simples desdobramento do estaacutegio

anterior no caso - do grau de ser antecedente ou seja que entre os dois niacuteveis

ocorre o que se chama de salto um intervalo em que a potecircncia causal do

antecedente natildeo conteacutem a capacidade a potecircncia ou a potencialidade para

gerar o novo Um intervalo que fica assim indeterminado

36

2) o procedimento acima abre para a mera especulaccedilatildeo pois tende a

deduzir a indeterminaccedilatildeo a querer estabelecer nexos onde eles inexistem

tende a preencher o que de fato eacute um vazio A rigor natildeo se trata de um natildeo-

sabido mas da ausecircncia factual de um objeto ou processo em outros termos

se trata de um vazio ontoloacutegico de uma ausecircncia de nexos ontoloacutegicos

O correto segundo o modus operandi marxiano natildeo eacute partir da semente

ou do embriatildeo mas do complexo real maturado uma vez que

especialiacutessimamente na esfera social a loacutegica do gerado eacute diversa da loacutegica de

sua gecircnese aleacutem de que nesse acircmbito as entificaccedilotildees configuradas apagam a

rota e a loacutegica de sua formaccedilatildeo

Desse modo partindo do jaacute configurado e considerando que se trata de

uma configuraccedilatildeo infinita que compreende mutaccedilotildees qualitativas muito

importantes e natildeo esquecendo que permanecemos no estaacutegio preacute-histoacuterico (em

momento especialmente desequilibrado e contraditoacuterio) podemos e devemos

reconhecer por meio de algumas abstraccedilotildees razoaacuteveis o seguinte

1) A formaccedilatildeo do ser social eacute um processo da animalidade agrave

hominidade o andamento da naturalidade agrave sociabilidade o caminho infinito da

naturalidade dada agrave sociabilidade natildeo-dada em produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

perenes

2)Trata-se pois de uma entificaccedilatildeo processual entre dois niacuteveis ou

poacutelos da escala do ser sendo processo eacute intrinsecamente uma contradiccedilatildeo e soacute

enquanto tal se move eliminada a contradiccedilatildeo cessaria a possibilidade do

processo Com isso eacute dito algo muito importante pois ao reconhecer a

contraditoriedade entre naturalidade e sociabilidade natildeo eacute mais possiacutevel pensar

as mesmas a propoacutesito do ser social como um simples conjugado de fatores

mas obrigatoriamente como uma conjugaccedilatildeo contraditoacuteria de legalidades Isso

vai na esteira do que eacute compreendido desde Hegel - que o ser eacute uma unidade

contraditoacuteria - todavia com o acreacutescimo do problema da dupla legalidade De

37

que modo ou feiccedilatildeo chega cada uma delas agrave unidade contraditoacuteria do ser Pois

haacute que pensar na unidade ou siacutentese a natildeo ser que se queira desenhar o ser

social como uma aberraccedilatildeo hiacutebrida pode ser esta a fisionomia do grau mais

elevado do gradiente dos seres Assim tomada na devida consideraccedilatildeo essa

determinaccedilatildeo ontoloacutegica sem a qual a reflexatildeo perde o rumo trata-se de

compreender a dinacircmica especiacutefica dessa contradiccedilatildeo peculiar Vejamos

3) Em primeiro lugar esse processo contraditoacuterio gera novas

contradiccedilotildees agora dominantemente contradiccedilotildees da sociabilidade em

formaccedilatildeo de sorte que se trata de um processo cumulativo de

contraditoriedades no qual as novas contradiccedilotildees progressivamente vatildeo

tomando o lugar predominante e decisivo vale dizer a contradiccedilatildeo originaacuteria

cada vez mais coabita com contradiccedilotildees de outro gecircnero diante das quais sua

presenccedila vai mudando de forccedila e configuraccedilatildeo natildeo desaparece mas sua

qualidade vai mudando na proporccedilatildeo mesmo do desenvolvimento da

apropriaccedilatildeo societaacuteria da natureza cada vez mais puramente social - eacute no que

consiste de acordo com as palavras de Marx o progressivo afastamento das

barreiras naturais

4) Ou seja a matriz e a medida do afastamento eacute a forma cada vez

mais social de produzir e reproduzir as bases materiais da vida pela qual eacute

gerado o novo ser em direccedilatildeo agrave sua potecircncia ampliada de se auto-por de ir em

direccedilatildeo a si mesmo um si mesmo que natildeo eacute dado mas gerado na progressatildeo

da auto-posiccedilatildeo do auto-assentamento ou da auto-enformaccedilatildeo que inclui a

proacutepria daccedilatildeo de forma e resoluccedilatildeo ao predicado natural ou bioloacutegico daccedilatildeo de

forma que em suma eacute daccedilatildeo de forma social ao predicado natural

5) Essa possibilidade de daccedilatildeo de forma eacute afirmaccedilatildeo e realizaccedilatildeo da

essecircncia social que eacute o conjunto de relaccedilotildees sociais configuradas em cada

momento pelo modo de produzir da base material modo por sua vez que eacute

determinado pelo desenvolvimento das forccedilas produtivas entre as quais figura o

proacuteprio modo de organizaccedilatildeo do conjunto das relaccedilotildees sociais

38

6) Daccedilatildeo de forma eacute alteraccedilatildeo do lugar resolutivo e todo ente que muda

de lugar muda de natureza sem alterar uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo material

Vale dizer que a contradiccedilatildeo originaacuteria entre naturalidade e sociabilidade eacute

resolvida por uma nova contradiccedilatildeo - a da naturalidade que soacute se realiza na

forma e por meios sociais - no afastamento que eacute superaccedilatildeo da naturalidade

(processo histoacuterico) a legalidade natural eacute submetida agrave legalidade social

(diferentemente em cada modo de produccedilatildeo e de acordo com o

desenvolvimento das forccedilas produtivas) o fator natural natildeo eacute suprimido

suprimida eacute sua capacidade de autodeterminaccedilatildeo resta portanto

simplesmente o que natildeo eacute pouco como um predicado do ser humano um

predicado insuprimiacutevel mas apenas como predicado bioloacutegico de um ser de

outra natureza e essecircncia A naturalidade eacute retida como predicado

imprescindiacutevel mas natildeo como essecircncia Donde natildeo satildeo mais duas legalidades

ontoloacutegicas que coexistem mas a legalidade superior mais complexa subsume

a legalidade natural que natildeo mais se autodetermina mas eacute resolvida pela e do

interior da outra Assim o predicado natural do homem recebe forma e

resoluccedilatildeo sociais ou seja o predicado natural eacute subsumido agrave legalidade social

Natildeo resta mais o choque de duas legalidades contrapostas na

contradiccedilatildeo originaacuteria A legalidade natural vai sucumbindo na ruptura e

progressivamente agrave legalidade social em sua efetividade no ser social a

legalidade natural natildeo mais atua por si eacute dependente do social natildeo eacute mais a

legalidade de um ser pois natildeo haacute mais aiacute um ser natural mas um atributo

natural dependente da essecircncia social O homem eacute um ser social que

compreende sua essecircncia especiacutefica (variaacutevel) suas contingecircncias e seu

predicado bioloacutegico Na entificaccedilatildeo do ser social uacuteltimo grau da cadeia do ser a

legalidade natural eacute subalternizada agrave social por mais ruacutestica e restrita que seja a

essecircncia social primitiva e por mais precaacuteria que seja essa subalternizaccedilatildeo de

iniacutecio O processo de afastamento das barreiras naturais eacute assim o curso dessa

subalternizaccedilatildeo que desponta no iniacutecio na ruptura com a legalidade natural e

por mais longo e contraditoacuterio em avanccedilos e recuos que seja esse processo

39

7) de outra parte a loacutegica do predicado bioloacutegico natildeo soluciona natildeo

tem resposta para o complexo problemaacutetico da sociabilidade enquanto que esta

daacute soluccedilatildeo aos imperativos daquela Como diz Marx nos Manuscritos de 44 o

homem contempla a natureza e a si mesmo com um produto social [dos homens

interativos] com pleno direito mesmo que natildeo com elevada consciecircncia ou altos

valores

8) Donde a foacutermula lukaacutecsiana da dupla base eacute falsa pois a plataforma

eacute a sociabilidade enquanto a naturalidade eacute apenas o insuprimiacutevel predicado

bioloacutegico que passa a vigir na forma e sob a regecircncia da sociabilidade Natildeo

perde por isso uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo orgacircnica mas na sua efetividade

muda de caraacuteter No interiro da esfera societaacuteria o predicado bioloacutegico eacute um

outro de si Se originariamente foi o ponto de partida agora eacute produzido e

reproduzido pela legalidade de um ser que o ultrapassa e o domina vive e soacute

pode viver na subjugaccedilatildeo de um novo estatuto Ou seja ao integrar como

predicado o ser de niacutevel mais elevado realiza a sua maacutexima potecircncia e isso eacute

ao mesmo tempo sua desnaturalizaccedilatildeo ou perecimento Impereciacutevel como

predicado natildeo eacute base pois determina soacute por seus limites pelas carecircncias natildeo

pelas determinaccedilotildees resolutivas nem mesmo em suas forccedilas e sentidos pois

enquanto virtualidades estas soacute satildeo humanas e superiores em resoluccedilatildeo

societaacuteria Ademais natildeo eacute nunca um criador de novas necessidades o que

caracteriza a legalidade social

9) A argumentaccedilatildeo acima diz respeito diretamente ao ser social em sua

configuraccedilatildeo bipolar (indiviacuteduo e gecircnero) e desenvolvida em especial no poacutelo da

individualidade tendo por esteio o andamento do gecircnero e ao falar deste se diz

do seu metabolismo com a natureza Esse metabolismo fundamental que eacute em

suma a atividade vital do homem ao gerar produtos sociais

(utilidadesmercadorias) sem que se possa transpor a estes as mesmas

determinaccedilotildees que foram feitas para o ser social desde logo satildeo entes sociais

mas em outro grau da escala do ser social mas tambeacutem tecircm mudada a sua

natureza de naturais a utilidades (e na forma da alienaccedilatildeofetichismo as

40

mercadorias) de sorte que a apropriaccedilatildeo da natureza eacute igualmente sua

desnaturalizaccedilatildeo eacute forccedilaacute-las a deixar de ser o que satildeo em sua peculiaridade

para se tornarem um outro de si sob a regecircncia do estatuto societaacuterio Isso eacute a

manifestaccedilatildeo do poder e da superioridade do grau maacuteximo do ser Nenhum

outro ser realiza qualquer coisa semelhante nem longinquumlamente Repetindo

Kant e Hegel Marx tinha toda razatildeo quando disse que haacute mais grandeza e

misteacuterio na cabeccedila de um becircbado do que no conjunto do universo

10) a Sociabilidade imperfeita substacircncia ainda natildeo realizada enquanto

tal ou seja ainda incapaz de autonomia como complexo estruturado conduz agrave

poliacutetica Natildeo compreendida como substacircncia mas como simples organizaccedilatildeo

potildee o homem no outro poacutelo na dicotomia homemsociedade ou seja na

representaccedilatildeo socioloacutegica ou politoloacutegica o homem eacute um outro

Determinada ou compreendida como substacircncia eacute substacircncia humana

(perfeita e imperfeita com todas as grandezas e miseacuterias produzidas

modificadas suprimidas e repostas no curso histoacuterico) eacute a essecircncia mutante do

ser auto-engendrado e enquanto mutante e por ser mutante distinta tambeacutem

por essa mutabilidade do predicado bioloacutegico atemporalmente necessaacuterio mas

sempre e progressivamente insuficiente do ser social

O tomo IV do primeiro nuacutemero da Revista Ensaios Ad Hominem eacute

composto de seis artigos - aleacutem do texto de abertura de autoria de J Chasin -

que resultaram de siacutenteses ou modificaccedilatildeo de partes ou capiacutetulos de

dissertaccedilotildees defendidas entre os anos de 1998 e 1999 junto ao Programa de

Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia da UFMG

41

O artigo que abre a presente coletacircnea intitulado A Razatildeo como

Tribunal da Criacutetica Marx e A Gazeta Renana de autoria de Celso Eidt versa

sobre a concepccedilatildeo do jovem Marx sobre o papel da imprensa natildeo apenas como

o locus privilegiado para o debate filosoacutefico mas fundamentalmente para os

processos educativos tendo em vista a realizaccedilatildeo plena da liberdade humana Eacute

bom ressaltar que no periacuteodo em que tais artigos satildeo redigidos Marx

compartilha de uma visatildeo antropoloacutegica racional em que a natureza humana eacute

concebida como espiacuterito livre e racional enquanto esteio da proacutepria vida eacutetica

ou seja da praacutetica humana fundada na razatildeo universal

Ana Selva Albinati autora do artigo A Determinaccedilatildeo dos Valores

Morais nos textos de Marx de 1841 a 1847 se debruccedila justamente sobre tal

campo de reflexatildeo Seu trabalho eacute uma tentativa de sistematizaccedilatildeo das

consideraccedilotildees sobre os valores morais nos textos do periacuteodo que se inicia com

sua tese doutoral Diferenccedilas entre as Filosofias da Natureza de Demoacutecrito e

Epicuro prosseguindo ateacute A Miseacuteria da Filosofia Ana Selva procura demonstrar

que esse periacuteodo normalmente referido como sendo o da juventude de Marx eacute

na verdade constituiacutedo de dois momentos de sua elaboraccedilatildeo teoacuterica que tem

como momento de clivagem a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel de meados

de 1843 em que Marx rompe com o referencial teoacuterico do idealismo alematildeo Em

relaccedilatildeo agraves determinaccedilotildees sobre a moral essa ruptura se reflete na inflexatildeo

radical que diferencia a compreensatildeo da moralidade no primeiro e segundo

momentos de tal forma que a moralidade passa a ser compreendida como um

dos modos da consciecircncia socialmente determinada concepccedilatildeo completamente

distinta da primeira fase em que os valores morais eram compreendidos como

expressotildees da liberdade e da racionalidade humanas idealmente concebidas

No artigo A criacutetica da Especulaccedilatildeo nas Glosas de Kreuznach Milney

Chasin analisa o momento inicial e ao mesmo tempo decisivo da ruptura que

se verifica entre Marx e Hegel no plano das determinaccedilotildees do ser Desse modo

a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel inaugura a criacutetica marxiana da

especulaccedilatildeo no seu cerne o de rejeitar o procedimento especulativo

42

caracteriacutestico de se provir tudo da ideacuteia real de tornaacute-la sujeito isto eacute de

capacitar a abstraccedilatildeo ou conceito automovido - a partir das metamorfoses

hegelianas - de pocircr o multiverso sensiacutevel Em outros termos Milney Chasin no

referido artigo evidencia como a criacutetica da especulaccedilatildeo permite a Marx

ultrapassar os horizontes do idealismo alematildeo na direccedilatildeo do devido

reconhecimento da distinccedilatildeo entre ser e pensar de caracterizar a impropriedade

ontoloacutegica da loacutegica hegeliana de apurar os limites gnosioloacutegicos e

incongruecircncias de toda ordem Em suma permite o desvelamento da substacircncia

miacutestica oferecendo a explicitaccedilatildeo do meacutetodo hegeliano - das diabruras do

conceito autoposto - que articula abstraccedilotildees e finitude restando a esta a mera

condiccedilatildeo de apecircndice dissolvido isto eacute momento virtual da realizaccedilatildeo da

idealidade

O quarto artigo desta coletacircnea intitulado A Exteriorizaccedilatildeo da Vida nos

Manuscritos de 44 eacute parte da dissertaccedilatildeo de mestrado As Categorias

Lebensaumlusserung Entaumlusserung Entfremdung e Veraumlusserung nos Manuscritos

Economico-Filosoacuteficos de Karl Marxdefendida por Mocircnica H M da Costa em

que o interesse era acima de tudo averiguar se alienaccedilatildeo (Entaumlusserung) e

estranhamento (Entfremdung) teriam significados distintos A pesquisa acabou

opor apontar no entanto uma outra categoria como eixo desses manuscritos

Lebensaumlusserung traduzida por exteriorizaccedilatildeo da vida De fato o fio condutor

dos Manuscritos eacute a centralidade do trabalho na produccedilatildeo material e espiritual

da vida humana Tomando para anaacutelise criacutetica pela primeira vez os

economistas claacutessicos Marx explicita sua proacutepria compreensatildeo da forma

peculiar de engendramento da existecircncia do homem A criacutetica a Hegel completa

o quadro desta tematizaccedilatildeo que natildeo seraacute abandonada ateacute os uacuteltimos trabalhos

de Marx

Sabina Maura Silva no artigo A Fenomenologia do Egoiacutesmo Stirner e a

Criacutetica Marxiana tem como objetivo fundamental apresentar a concepccedilatildeo de

homem presente na obra O Uacutenico e Sua Propriedade de autoria do filoacutesofo

neohegeliano Max Stirner e expor a criacutetica de Marx a este autor contida em A

43

Ideologia Alematilde A autora mostra que para Stirner o Eu tomado como

individualidade singular eacute o fundamento de sua esfera existencial No entanto

para esse autor tudo tem determinado a existecircncia dos indiviacuteduos natildeo tendo

sido permitido a eles determinaacute-la O objetivo de Stirner eacute pois remeter ao

indiviacuteduo - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel - o que dele foi alienado e erigido

como algo autocircnomo Por seu turno a criacutetica de Marx tem como fim explicitar o

caraacuteter especulativo da anaacutelise stirneana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo

bem como salientar o aspecto pseudorevolucionaacuterio de suas proposituras

Assim segundo Marx Stirner tatildeo somente interpreta diferentemente o

existente isto eacute reconhece o existente mediante outra

interpretaccedilatildeoTransformando as contradiccedilotildees objetivas em contradiccedilotildees

subjetivas Stirner conserva e justifica as condiccedilotildees e estruturas efetivas que

esmagam e impedem a autodeterminaccedilatildeo das individualidades ao reconhecer

as circunstacircncias como determinaccedilotildees dos indiviacuteduos Acolhendo acriacutetica e

especulativamente em suas feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees

estranhadas de um momento histoacuterico particular da individuaccedilatildeo humana

Stirner erige como individualidade um ente que empobrecido e constrangido

pelas condiccedilotildees objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade

social pode somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria

sobre si e sobre o mundo

O uacuteltimo artigo do tomo IV da Revista Ensaios Ad Hominem eacute de

autoria de Antocircnio Joseacute Lopes Alves e leva o tiacutetulo de A Individualidade

Moderna nos Grundrisse Neste texto o autor procura demonstrar que a

moderna sociabilidade do capital eacute compreendida por Marx como forma

instaurada a partir da dissoluccedilatildeo dos liames sociais que uniam em tempos

anteriores os indiviacuteduos agrave comunidade Aleacutem disso destaca o fato apontado por

Marx de que tal processo se constitui numa verdadeira reconversatildeo ontoloacutegica

tanto dos indiviacuteduos quanto das condiccedilotildees da atividade vital ocorrendo uma

radical transformaccedilatildeo na forma de ser de ambos Sinteticamente trata-se de

reconfiguraccedilatildeo ontoloacutegica que determina como entes autocircnomos os indiviacuteduos

44

de um lado e as condiccedilotildees de trabalho de outro vale dizer do divoacutercio entre os

indiviacuteduos ativos e as condiccedilotildees de sua atividade Antocircnio Lopes buscou em

suma alinhar as determinaccedilotildees mais essenciais dos indiviacuteduos e da

sociablidade modernos no que respeita agrave forma mesma das relaccedilotildees sociais da

atividade sensiacutevel bem como da respectiva expressatildeo ideal como por exemplo

a configuraccedilatildeo das categorias da igualdade e liberdade

O leitor encontraraacute nas paacuteginas que se seguem o resultado do esforccedilo

de pesquisa voltado ao resgate da obra marxiana caracterizado pela busca do

rigor na leitura e interpretaccedilatildeo do pensamento de um autor cuja heranccedila

intelectual conheceu um destino traacutegico Natildeo eacute faacutecil portanto voltar-se a ela

sem os preconceitos da moda - como jaacute havia advertido Lukaacutecs Natildeo posso

afirmar com total certeza que um intento dessa natureza tenha sido plenamente

alcanccedilado Todavia eacute faacutecil perceber as diferenccedilas desse tipo de produccedilatildeo teoacuterica

com aquela apresentada tanto pelo marxismo adstringido e suas dissidecircncias

como pelo marxismo vulgar para utilizar as expressotildees cunhadas por Chasin no

intuito de designar as duas variantes de interpretaccedilatildeo da obra marxiana

Faccedilo aqui ao leitor interessado o convite para participar dessa

avaliaccedilatildeo

[1] Professora do Departamento de Filosofia da UFMG coordenadora

do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e Estudos Confluentes

45

[i] J CHASIN Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in

Teixeira FJS Pensando com Marx Editora Ensaio Satildeo Paulo 1995

[ii] K MARX amp F ENGELS A Sagrada Famiacutelia Ed Grijalbo trad

Wenceslao Roces Meacutexico DF 1960 p 120

[iii] Ver a respeito J CHASIN Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo

Metodoloacutegica opcit

[iv] J CHASIN O Futuro Ausente in Ensaios Ad Hominem 1 tomo III

Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem Satildeo Paulo 2000 p 166

[v] Ib p 167

[vi] Id

[vii] E CASSIRER A Filosofia do Iluminismo Editora da Unicamp

Campinas 1992 p 11

[viii] G LUKAacuteCS La Riproduzionein Per lOntologia delle Essere

Sociale Roma Editori Riuniti tomo II 1981 pp 180-81

[ix] N HARTMANN Ontologia Fondo de Cultura Econoacutemica Meacutexico D

F vol 1 1986

[x] K MARX O Capital vol I Ediccedilatildeo Abril Cultural Satildeo Paulo p 149

[xi] Id

[xii] Ib p 150

[xiii] (a respeito dessas categorias ver N HARTMANN Ontologia op cit

vol I p XII

46

47

[xiv] No original alematildeo in der Form des Seins Dietz Verlag 1971 p

195

[xv] Ib p 151

[xvi] Ver a respeito em J CHASIN Marx-Estatuto Ontoloacutegico e

Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica op cit

[xvii] K MARX op Cit p 126

Page 31: :: Verinotio - Revista On-line de Educao e Cincias Humanas · O leitor encontrará, portanto, nessa Apresentação o fruto de trabalho de coleta e organização de materiais utilizados

realizaccedilatildeo corrige e enriquece o proacuteprio estatuto donde a sinergia e a reciacuteproca

dimensatildeo criacutetica entre estatuto ontoloacutegico e ciecircncia da histoacuteria em seus diversos

departamentos possiacuteveis estabelecidos jaacute por criteacuterio ontoloacutegico ou seja que

respeita a integridade das coisas em suas qualidades e processos interconexos

que as constituem em seu ser por si e enquanto tais satildeo reproduzidas

teoricamente

Enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma da legalidade objetiva (material

e espiritual) do ser social ou seja enquanto malha de asserccedilotildees ou

determinaccedilotildees de seu complexo categorial enquanto o permanente na forma de

processo a ontologia estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a

sociabilidade como substacircncia desse grau maacuteximo da cadeia do ser

Mas substacircncia como complexo categorial como siacutentese de categorias

essenciais que denota uma forma especiacutefica determinada de presenccedila ou

existecircncia plenamente qualificada

Por isso eacute estatuto ontoloacutegico pois a plataforma canocircnica do ser eacute o

coacutedigo do substantivo verbal como substacircncia substrato) assim o estatuto

ontoloacutegico do complexo substantivo do ser social deve reconhecer a

sociabilidade como substacircncia A sociabilidade como substrato dos homens

seja na forma da alienaccedilatildeo seja na forma de sua latecircncia de substancialidade

em vir-a-ser no caminho infinito de sua realizaccedilatildeo

Trata-se portanto em Marx de estatuto e natildeo sistema pois como

sistema seria um agregado de abstraccedilotildees uma filosofia que uma vez obtidas

noccedilotildees fundamentais passa a se edificar por si ou seja as noccedilotildees seriam

coaacutegulos inteligiacuteveis que passam por auto-sustentaccedilatildeo a configurar

dedutivamente o mundo Ao passo que estatuto eacute uma ordem a legalidade do

ser sensiacutevel - o ser na plenitude de seus atributos

tempo (histoacuteriaprocessoduraccedilatildeomutabilidade) lugar e sensibilidade

especificamente a legalidade do ser social imanente a si em sua especiacutefica

31

objetividade O ser sensiacutevel eacute a forma do ser porque eacute a plenitude das

categorias possiacuteveis

E as formaccedilotildees ideais

Segundo Chasin as formaccedilotildees ideais do mesmo modo que as

formaccedilotildees reais - formas do ser - tecircm lugar e tempo como categorias - o tempo

e o espaccedilo das formaccedilotildees sociais que satildeo engendradas mas estatildeo privadas de

sensibilidade

O sensiacutevel soacute eacute predicaccedilatildeo inerecircncia agrave forma do ser que conteacutem a

plenitude dos predicados possiacuteveis (sensibilidade espaccedilo tempo)

Essa forma de conceber o ser eacute reconhecer substancialidade ao

complexu agrave unidade totalizada ou seja ao conjunto pleno de atributos em ato

Em outras palavras ser eacute complexo categorial - tem a forma de ser -

completude ou forma conferida pelo sensiacutevel que se desdobra em muacuteltiplos

atributos e se condensa de infinitas maneiras no gradiente do ser

Em suma segundo Chasin tomando Marx como base e ponto de

referecircncia permanentes ser eacute plenitude categorial ou seja a plenitude

categorial eacute sua forma e por ser sensiacutevel compreende lugar e tempo

Donde se admitido o princiacutepio metoacutedico de Marx saber eacute saber do ser

que antes de tudo eacute um complexo sensiacutevel - tudo que eacute existe eacute sempre um

complexo natildeo uma substacircncia ou essecircncia pura e cristalina E a cadeia do ser eacute

o conjunto de graus do ser - do menos ao mais complexo

O preceito metodoloacutegico marxiano eacute pois ontoloacutegico sabe-se o que eacute

como se formou se desenvolveu e como depereceraacute

Por via de consequumlecircncia e diante das vicissitudes da histoacuteria da

ontologia de seu processo constitutivo e dissolutor diante da penosa rota da

32

conquista teoacuterica do real homoacuteloga ou equivalente agrave necessidade humana de

produzir a sua mundaneidade e a si mesmo a ontologia eacute o que pode ser - o

que natildeo eacute pouco - a esfera teoacuterica da incerteza propulsora positiva

afirmativamente organizada O patamar do incerto ordenado como plataforma da

busca infinita da certeza Impulsatildeo incontornaacutevel que natildeo pode ser eludida pela

presenccedila imperativa dos circuitos ontopraacuteticos

Talvez agora o estatuto ontoloacutegico marxiano possa ser enunciado do

seguinte modo eacute o estudo das categorias fundamentais - em traccedilos essenciais

abstratos em suas determinaccedilotildees mais gerais - da existecircncia social

historicamente constatada e reconhecida sendo possiacutevel exemplificar com as

seguintes categorias historicidade (processualidade ou mutabilidade)

concreticidade ou objetividade atividade sensiacutevel e ideal (trabalho e

reproduccedilatildeo) subjetividade (receptiva e proponente) valor individualidade

gecircnero (sociabilidade) Tudo isso perfilando o complexo de complexos da auto

realizaccedilatildeo do ser humano-societaacuterio entendido que o fim dos fins eacute a infinitude

da realizaccedilatildeo do humano - do autopor-se do aberto ser humano-societaacuterio

Estatuto que em outros termos eacute a ordem do reconhecimento ou

reproduccedilatildeo teoacuterica da identidade natureza e constituiccedilatildeo das coisas por si por

seus complexos categoriais decisivos independentemente em qualquer plano

de se tornarem objetos de praacutetica ou reflexatildeo

Enquanto tal eacute a teoria do reconhecimento da objetividade histoacuterico-

social imanente em suas distintas formas de apresentaccedilatildeo (natureza e

sociedade) Em termos muito breves eacute o momento mais abstrato do

reconhecimento da identidade das coisas por si enquanto tal um dos momentos

distintos da unidade do saber do qual participa um segundo sob forma

concreta que eacute a ciecircncia

Pela proacutepria natureza histoacuterica processual do ser a ontologia marxiana

natildeo corresponde nem poderia corresponder por simples imperativo de

33

coerecircncia agrave forma de um saber universal plantado sobre uma racionalidade

auto-sustentada ou seja fundado na razatildeo universal nada mais a versatildeo laica

ou profana de Deus no dizer de Feuerbach Ou seja trata-se enfim de uma

forma de ontologia sem parentesco com o saber absoluto e que recusa qualquer

tipo de fundamento especulativo pois absolutizaccedilatildeo de uma teoria da

fundamentaccedilatildeo eacute simplesmente a firmaccedilatildeo especulativa da razatildeo autocircnoma ou

de um princiacutepio de inteligibilidade situado para aleacutem das coisas que garante a

presenccedila e o conhecimento do sagrado e a vitoacuteria antecipada do idealismo Natildeo

correspondendo agrave qualquer forma de saber universal a ontologia marxiana

sustenta a possibilidade efetiva como jaacute vimos de um saber real

Por sua praacutetica teoacuterica e por um conjunto de lineamentos expliacutecitos

Marx deixou o legado de um especiacutefico estatuto ontoloacutegico natildeo um ontologia de

talhe convencional ou tradicional e natildeo apenas por que careceu de tempo

necessaacuterio para a realizaccedilatildeo de uma obra desse tipo mas fundamentalmente

pela distinccedilatildeo de natureza de seu estatuto ontoloacutegico radicalmente oposto ao

tratamento especulativo da mateacuteria

Esse estatuto eacute constituiacutedo a partir do universo praacutetico onticamente

referido ou seja eacute um estatuto ocircntico-ontoloacutegico pois evolve da efetividade

histoacuterica das coisas de suas relaccedilotildees e processos para sua reproduccedilatildeo

conceitual no plano de uma trama categorial em sua expressatildeo mais abstrata

Reconhecimento e Determinaccedilatildeo da Sociabilidade como Substacircncia

Vimos que segundo Chasin enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma

da legalidade do ser social em sua materialidade e espiritualidade[pode-se dizer

tambeacutem em sua objetividade sensiacutevel e supra-sensiacutevel] ou seja enquanto

malha de asserccedilotildees ou determinaccedilotildees de seu complexo categorial a ontologia

34

estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a sociabilidade como substacircncia desse

grau maacuteximo do ser

Embora Chasin natildeo tenha desenvolvido plenamente a questatildeo da

objetividade supra-sensiacutevel como tambeacutem a da sociabilidade como substacircncia

julgo conveniente transcrever tambeacutem algumas notas e comentaacuterios feitos em

sala de aula dada a importacircncia do tema

Em relaccedilatildeo agrave noccedilatildeo de substacircncia Chasin retoma sua noccedilatildeo mais geral

e tradicional Ou seja deixando de fora qualquer conotaccedilatildeo relativa a formas de

idealidade o que existe por si eacute um auto-engendrado a uacuteltima instacircncia de um

dado gecircnero de entificaccedilatildeo enquanto tal na medida em que eacute uma efetividade

eacute um complexo que a noccedilatildeo de substacircncia refere no mais alto grau de

abstraccedilatildeo Vale pois como abstraccedilatildeo razoaacutevel tal como todo conceito

marxiano nesse niacutevel de generalizaccedilatildeo a partir do qual pela via dos processos

de concreccedilatildeo satildeo determinaacuteveis as formas concretas de substacircncia

correspondentes agraves formaccedilotildees sociais reais

Dessa forma a substacircncia eacute um complexo histoacuterico natildeo uma

idealidade natildeo um construto da razatildeo auto-sustentada mas o resumo de uma

extraccedilatildeo justificada

Naturalidade e Sociabilidade

Sempre que se potildee a questatildeo da naturalidade e da sociabilidade essa

uacuteltima tende a ser examinada in statu nascendi ou de um estado original

imaginaacuterio natildeo se parte portanto de fatos pois os desconhecemos se eacute que

35

tenham existido mas de um mito E do mito se quer saltar para o quadro de uma

realidade complexa

Mas acompanhando Marx lembremos das pobres robinsonadas do

seacuteculo XVIII referidas logo agraves primeiras linhas da Introduccedilatildeo de 57 a) O

caccedilador e o pescador individuais e isolados de que partem Smith e Ricardo b)

o contrat social de Rousseau que relaciona e liga sujeitos independentes por

natureza por meio de um contrato Essas robinsonadas natildeo repousam sobre

(o) naturalismo E a argumentaccedilatildeo prossegue Trata-se ao contraacuterio de uma

antecipaccedilatildeo da sociedade (buumlrgelichen Gesellschaft) que se preparava desde

o seacuteculo XVI e no seacuteculo XVIII deu larguiacutessimos passos em direccedilatildeo agrave sua

maturidade Nesta sociedade da livre concorrecircncia o indiviacuteduo aparece

desprendido dos laccedilos naturais que em eacutepocas histoacutericas remotas fizeram dele

um acessoacuterio de um conglomerado humano limitado e determinado Os profetas

do seacuteculo XVIII sobre cujos ombros se apoacuteiam inteiramente Smith e Ricardo

imaginam o indiviacuteduo do seacuteculo XVIII como um ideal que teria existido no

passado Vecircem-no natildeo como um resultado histoacuterico mas como ponto de partida

da Histoacuteria porque o consideram como um indiviacuteduo conforme agrave natureza -

dentro da representaccedilatildeo que tinham da natureza humana - que natildeo se originou

historicamente mas foi posto como tal pela natureza[xvii]

Segundo Chasin tomando Marx novamente como ponto de referecircncia

os equiacutevocos que aparecem ao se tratar a relaccedilatildeo naturalidade sociabilidade

satildeo os seguintes

1) procurar deduzir em graus diferentes em cada caso o ser social do

natural esquecendo que se trata da emergecircncia do novo de uma configuraccedilatildeo

ontoloacutegica nova e que o novo nunca eacute um simples desdobramento do estaacutegio

anterior no caso - do grau de ser antecedente ou seja que entre os dois niacuteveis

ocorre o que se chama de salto um intervalo em que a potecircncia causal do

antecedente natildeo conteacutem a capacidade a potecircncia ou a potencialidade para

gerar o novo Um intervalo que fica assim indeterminado

36

2) o procedimento acima abre para a mera especulaccedilatildeo pois tende a

deduzir a indeterminaccedilatildeo a querer estabelecer nexos onde eles inexistem

tende a preencher o que de fato eacute um vazio A rigor natildeo se trata de um natildeo-

sabido mas da ausecircncia factual de um objeto ou processo em outros termos

se trata de um vazio ontoloacutegico de uma ausecircncia de nexos ontoloacutegicos

O correto segundo o modus operandi marxiano natildeo eacute partir da semente

ou do embriatildeo mas do complexo real maturado uma vez que

especialiacutessimamente na esfera social a loacutegica do gerado eacute diversa da loacutegica de

sua gecircnese aleacutem de que nesse acircmbito as entificaccedilotildees configuradas apagam a

rota e a loacutegica de sua formaccedilatildeo

Desse modo partindo do jaacute configurado e considerando que se trata de

uma configuraccedilatildeo infinita que compreende mutaccedilotildees qualitativas muito

importantes e natildeo esquecendo que permanecemos no estaacutegio preacute-histoacuterico (em

momento especialmente desequilibrado e contraditoacuterio) podemos e devemos

reconhecer por meio de algumas abstraccedilotildees razoaacuteveis o seguinte

1) A formaccedilatildeo do ser social eacute um processo da animalidade agrave

hominidade o andamento da naturalidade agrave sociabilidade o caminho infinito da

naturalidade dada agrave sociabilidade natildeo-dada em produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

perenes

2)Trata-se pois de uma entificaccedilatildeo processual entre dois niacuteveis ou

poacutelos da escala do ser sendo processo eacute intrinsecamente uma contradiccedilatildeo e soacute

enquanto tal se move eliminada a contradiccedilatildeo cessaria a possibilidade do

processo Com isso eacute dito algo muito importante pois ao reconhecer a

contraditoriedade entre naturalidade e sociabilidade natildeo eacute mais possiacutevel pensar

as mesmas a propoacutesito do ser social como um simples conjugado de fatores

mas obrigatoriamente como uma conjugaccedilatildeo contraditoacuteria de legalidades Isso

vai na esteira do que eacute compreendido desde Hegel - que o ser eacute uma unidade

contraditoacuteria - todavia com o acreacutescimo do problema da dupla legalidade De

37

que modo ou feiccedilatildeo chega cada uma delas agrave unidade contraditoacuteria do ser Pois

haacute que pensar na unidade ou siacutentese a natildeo ser que se queira desenhar o ser

social como uma aberraccedilatildeo hiacutebrida pode ser esta a fisionomia do grau mais

elevado do gradiente dos seres Assim tomada na devida consideraccedilatildeo essa

determinaccedilatildeo ontoloacutegica sem a qual a reflexatildeo perde o rumo trata-se de

compreender a dinacircmica especiacutefica dessa contradiccedilatildeo peculiar Vejamos

3) Em primeiro lugar esse processo contraditoacuterio gera novas

contradiccedilotildees agora dominantemente contradiccedilotildees da sociabilidade em

formaccedilatildeo de sorte que se trata de um processo cumulativo de

contraditoriedades no qual as novas contradiccedilotildees progressivamente vatildeo

tomando o lugar predominante e decisivo vale dizer a contradiccedilatildeo originaacuteria

cada vez mais coabita com contradiccedilotildees de outro gecircnero diante das quais sua

presenccedila vai mudando de forccedila e configuraccedilatildeo natildeo desaparece mas sua

qualidade vai mudando na proporccedilatildeo mesmo do desenvolvimento da

apropriaccedilatildeo societaacuteria da natureza cada vez mais puramente social - eacute no que

consiste de acordo com as palavras de Marx o progressivo afastamento das

barreiras naturais

4) Ou seja a matriz e a medida do afastamento eacute a forma cada vez

mais social de produzir e reproduzir as bases materiais da vida pela qual eacute

gerado o novo ser em direccedilatildeo agrave sua potecircncia ampliada de se auto-por de ir em

direccedilatildeo a si mesmo um si mesmo que natildeo eacute dado mas gerado na progressatildeo

da auto-posiccedilatildeo do auto-assentamento ou da auto-enformaccedilatildeo que inclui a

proacutepria daccedilatildeo de forma e resoluccedilatildeo ao predicado natural ou bioloacutegico daccedilatildeo de

forma que em suma eacute daccedilatildeo de forma social ao predicado natural

5) Essa possibilidade de daccedilatildeo de forma eacute afirmaccedilatildeo e realizaccedilatildeo da

essecircncia social que eacute o conjunto de relaccedilotildees sociais configuradas em cada

momento pelo modo de produzir da base material modo por sua vez que eacute

determinado pelo desenvolvimento das forccedilas produtivas entre as quais figura o

proacuteprio modo de organizaccedilatildeo do conjunto das relaccedilotildees sociais

38

6) Daccedilatildeo de forma eacute alteraccedilatildeo do lugar resolutivo e todo ente que muda

de lugar muda de natureza sem alterar uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo material

Vale dizer que a contradiccedilatildeo originaacuteria entre naturalidade e sociabilidade eacute

resolvida por uma nova contradiccedilatildeo - a da naturalidade que soacute se realiza na

forma e por meios sociais - no afastamento que eacute superaccedilatildeo da naturalidade

(processo histoacuterico) a legalidade natural eacute submetida agrave legalidade social

(diferentemente em cada modo de produccedilatildeo e de acordo com o

desenvolvimento das forccedilas produtivas) o fator natural natildeo eacute suprimido

suprimida eacute sua capacidade de autodeterminaccedilatildeo resta portanto

simplesmente o que natildeo eacute pouco como um predicado do ser humano um

predicado insuprimiacutevel mas apenas como predicado bioloacutegico de um ser de

outra natureza e essecircncia A naturalidade eacute retida como predicado

imprescindiacutevel mas natildeo como essecircncia Donde natildeo satildeo mais duas legalidades

ontoloacutegicas que coexistem mas a legalidade superior mais complexa subsume

a legalidade natural que natildeo mais se autodetermina mas eacute resolvida pela e do

interior da outra Assim o predicado natural do homem recebe forma e

resoluccedilatildeo sociais ou seja o predicado natural eacute subsumido agrave legalidade social

Natildeo resta mais o choque de duas legalidades contrapostas na

contradiccedilatildeo originaacuteria A legalidade natural vai sucumbindo na ruptura e

progressivamente agrave legalidade social em sua efetividade no ser social a

legalidade natural natildeo mais atua por si eacute dependente do social natildeo eacute mais a

legalidade de um ser pois natildeo haacute mais aiacute um ser natural mas um atributo

natural dependente da essecircncia social O homem eacute um ser social que

compreende sua essecircncia especiacutefica (variaacutevel) suas contingecircncias e seu

predicado bioloacutegico Na entificaccedilatildeo do ser social uacuteltimo grau da cadeia do ser a

legalidade natural eacute subalternizada agrave social por mais ruacutestica e restrita que seja a

essecircncia social primitiva e por mais precaacuteria que seja essa subalternizaccedilatildeo de

iniacutecio O processo de afastamento das barreiras naturais eacute assim o curso dessa

subalternizaccedilatildeo que desponta no iniacutecio na ruptura com a legalidade natural e

por mais longo e contraditoacuterio em avanccedilos e recuos que seja esse processo

39

7) de outra parte a loacutegica do predicado bioloacutegico natildeo soluciona natildeo

tem resposta para o complexo problemaacutetico da sociabilidade enquanto que esta

daacute soluccedilatildeo aos imperativos daquela Como diz Marx nos Manuscritos de 44 o

homem contempla a natureza e a si mesmo com um produto social [dos homens

interativos] com pleno direito mesmo que natildeo com elevada consciecircncia ou altos

valores

8) Donde a foacutermula lukaacutecsiana da dupla base eacute falsa pois a plataforma

eacute a sociabilidade enquanto a naturalidade eacute apenas o insuprimiacutevel predicado

bioloacutegico que passa a vigir na forma e sob a regecircncia da sociabilidade Natildeo

perde por isso uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo orgacircnica mas na sua efetividade

muda de caraacuteter No interiro da esfera societaacuteria o predicado bioloacutegico eacute um

outro de si Se originariamente foi o ponto de partida agora eacute produzido e

reproduzido pela legalidade de um ser que o ultrapassa e o domina vive e soacute

pode viver na subjugaccedilatildeo de um novo estatuto Ou seja ao integrar como

predicado o ser de niacutevel mais elevado realiza a sua maacutexima potecircncia e isso eacute

ao mesmo tempo sua desnaturalizaccedilatildeo ou perecimento Impereciacutevel como

predicado natildeo eacute base pois determina soacute por seus limites pelas carecircncias natildeo

pelas determinaccedilotildees resolutivas nem mesmo em suas forccedilas e sentidos pois

enquanto virtualidades estas soacute satildeo humanas e superiores em resoluccedilatildeo

societaacuteria Ademais natildeo eacute nunca um criador de novas necessidades o que

caracteriza a legalidade social

9) A argumentaccedilatildeo acima diz respeito diretamente ao ser social em sua

configuraccedilatildeo bipolar (indiviacuteduo e gecircnero) e desenvolvida em especial no poacutelo da

individualidade tendo por esteio o andamento do gecircnero e ao falar deste se diz

do seu metabolismo com a natureza Esse metabolismo fundamental que eacute em

suma a atividade vital do homem ao gerar produtos sociais

(utilidadesmercadorias) sem que se possa transpor a estes as mesmas

determinaccedilotildees que foram feitas para o ser social desde logo satildeo entes sociais

mas em outro grau da escala do ser social mas tambeacutem tecircm mudada a sua

natureza de naturais a utilidades (e na forma da alienaccedilatildeofetichismo as

40

mercadorias) de sorte que a apropriaccedilatildeo da natureza eacute igualmente sua

desnaturalizaccedilatildeo eacute forccedilaacute-las a deixar de ser o que satildeo em sua peculiaridade

para se tornarem um outro de si sob a regecircncia do estatuto societaacuterio Isso eacute a

manifestaccedilatildeo do poder e da superioridade do grau maacuteximo do ser Nenhum

outro ser realiza qualquer coisa semelhante nem longinquumlamente Repetindo

Kant e Hegel Marx tinha toda razatildeo quando disse que haacute mais grandeza e

misteacuterio na cabeccedila de um becircbado do que no conjunto do universo

10) a Sociabilidade imperfeita substacircncia ainda natildeo realizada enquanto

tal ou seja ainda incapaz de autonomia como complexo estruturado conduz agrave

poliacutetica Natildeo compreendida como substacircncia mas como simples organizaccedilatildeo

potildee o homem no outro poacutelo na dicotomia homemsociedade ou seja na

representaccedilatildeo socioloacutegica ou politoloacutegica o homem eacute um outro

Determinada ou compreendida como substacircncia eacute substacircncia humana

(perfeita e imperfeita com todas as grandezas e miseacuterias produzidas

modificadas suprimidas e repostas no curso histoacuterico) eacute a essecircncia mutante do

ser auto-engendrado e enquanto mutante e por ser mutante distinta tambeacutem

por essa mutabilidade do predicado bioloacutegico atemporalmente necessaacuterio mas

sempre e progressivamente insuficiente do ser social

O tomo IV do primeiro nuacutemero da Revista Ensaios Ad Hominem eacute

composto de seis artigos - aleacutem do texto de abertura de autoria de J Chasin -

que resultaram de siacutenteses ou modificaccedilatildeo de partes ou capiacutetulos de

dissertaccedilotildees defendidas entre os anos de 1998 e 1999 junto ao Programa de

Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia da UFMG

41

O artigo que abre a presente coletacircnea intitulado A Razatildeo como

Tribunal da Criacutetica Marx e A Gazeta Renana de autoria de Celso Eidt versa

sobre a concepccedilatildeo do jovem Marx sobre o papel da imprensa natildeo apenas como

o locus privilegiado para o debate filosoacutefico mas fundamentalmente para os

processos educativos tendo em vista a realizaccedilatildeo plena da liberdade humana Eacute

bom ressaltar que no periacuteodo em que tais artigos satildeo redigidos Marx

compartilha de uma visatildeo antropoloacutegica racional em que a natureza humana eacute

concebida como espiacuterito livre e racional enquanto esteio da proacutepria vida eacutetica

ou seja da praacutetica humana fundada na razatildeo universal

Ana Selva Albinati autora do artigo A Determinaccedilatildeo dos Valores

Morais nos textos de Marx de 1841 a 1847 se debruccedila justamente sobre tal

campo de reflexatildeo Seu trabalho eacute uma tentativa de sistematizaccedilatildeo das

consideraccedilotildees sobre os valores morais nos textos do periacuteodo que se inicia com

sua tese doutoral Diferenccedilas entre as Filosofias da Natureza de Demoacutecrito e

Epicuro prosseguindo ateacute A Miseacuteria da Filosofia Ana Selva procura demonstrar

que esse periacuteodo normalmente referido como sendo o da juventude de Marx eacute

na verdade constituiacutedo de dois momentos de sua elaboraccedilatildeo teoacuterica que tem

como momento de clivagem a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel de meados

de 1843 em que Marx rompe com o referencial teoacuterico do idealismo alematildeo Em

relaccedilatildeo agraves determinaccedilotildees sobre a moral essa ruptura se reflete na inflexatildeo

radical que diferencia a compreensatildeo da moralidade no primeiro e segundo

momentos de tal forma que a moralidade passa a ser compreendida como um

dos modos da consciecircncia socialmente determinada concepccedilatildeo completamente

distinta da primeira fase em que os valores morais eram compreendidos como

expressotildees da liberdade e da racionalidade humanas idealmente concebidas

No artigo A criacutetica da Especulaccedilatildeo nas Glosas de Kreuznach Milney

Chasin analisa o momento inicial e ao mesmo tempo decisivo da ruptura que

se verifica entre Marx e Hegel no plano das determinaccedilotildees do ser Desse modo

a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel inaugura a criacutetica marxiana da

especulaccedilatildeo no seu cerne o de rejeitar o procedimento especulativo

42

caracteriacutestico de se provir tudo da ideacuteia real de tornaacute-la sujeito isto eacute de

capacitar a abstraccedilatildeo ou conceito automovido - a partir das metamorfoses

hegelianas - de pocircr o multiverso sensiacutevel Em outros termos Milney Chasin no

referido artigo evidencia como a criacutetica da especulaccedilatildeo permite a Marx

ultrapassar os horizontes do idealismo alematildeo na direccedilatildeo do devido

reconhecimento da distinccedilatildeo entre ser e pensar de caracterizar a impropriedade

ontoloacutegica da loacutegica hegeliana de apurar os limites gnosioloacutegicos e

incongruecircncias de toda ordem Em suma permite o desvelamento da substacircncia

miacutestica oferecendo a explicitaccedilatildeo do meacutetodo hegeliano - das diabruras do

conceito autoposto - que articula abstraccedilotildees e finitude restando a esta a mera

condiccedilatildeo de apecircndice dissolvido isto eacute momento virtual da realizaccedilatildeo da

idealidade

O quarto artigo desta coletacircnea intitulado A Exteriorizaccedilatildeo da Vida nos

Manuscritos de 44 eacute parte da dissertaccedilatildeo de mestrado As Categorias

Lebensaumlusserung Entaumlusserung Entfremdung e Veraumlusserung nos Manuscritos

Economico-Filosoacuteficos de Karl Marxdefendida por Mocircnica H M da Costa em

que o interesse era acima de tudo averiguar se alienaccedilatildeo (Entaumlusserung) e

estranhamento (Entfremdung) teriam significados distintos A pesquisa acabou

opor apontar no entanto uma outra categoria como eixo desses manuscritos

Lebensaumlusserung traduzida por exteriorizaccedilatildeo da vida De fato o fio condutor

dos Manuscritos eacute a centralidade do trabalho na produccedilatildeo material e espiritual

da vida humana Tomando para anaacutelise criacutetica pela primeira vez os

economistas claacutessicos Marx explicita sua proacutepria compreensatildeo da forma

peculiar de engendramento da existecircncia do homem A criacutetica a Hegel completa

o quadro desta tematizaccedilatildeo que natildeo seraacute abandonada ateacute os uacuteltimos trabalhos

de Marx

Sabina Maura Silva no artigo A Fenomenologia do Egoiacutesmo Stirner e a

Criacutetica Marxiana tem como objetivo fundamental apresentar a concepccedilatildeo de

homem presente na obra O Uacutenico e Sua Propriedade de autoria do filoacutesofo

neohegeliano Max Stirner e expor a criacutetica de Marx a este autor contida em A

43

Ideologia Alematilde A autora mostra que para Stirner o Eu tomado como

individualidade singular eacute o fundamento de sua esfera existencial No entanto

para esse autor tudo tem determinado a existecircncia dos indiviacuteduos natildeo tendo

sido permitido a eles determinaacute-la O objetivo de Stirner eacute pois remeter ao

indiviacuteduo - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel - o que dele foi alienado e erigido

como algo autocircnomo Por seu turno a criacutetica de Marx tem como fim explicitar o

caraacuteter especulativo da anaacutelise stirneana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo

bem como salientar o aspecto pseudorevolucionaacuterio de suas proposituras

Assim segundo Marx Stirner tatildeo somente interpreta diferentemente o

existente isto eacute reconhece o existente mediante outra

interpretaccedilatildeoTransformando as contradiccedilotildees objetivas em contradiccedilotildees

subjetivas Stirner conserva e justifica as condiccedilotildees e estruturas efetivas que

esmagam e impedem a autodeterminaccedilatildeo das individualidades ao reconhecer

as circunstacircncias como determinaccedilotildees dos indiviacuteduos Acolhendo acriacutetica e

especulativamente em suas feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees

estranhadas de um momento histoacuterico particular da individuaccedilatildeo humana

Stirner erige como individualidade um ente que empobrecido e constrangido

pelas condiccedilotildees objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade

social pode somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria

sobre si e sobre o mundo

O uacuteltimo artigo do tomo IV da Revista Ensaios Ad Hominem eacute de

autoria de Antocircnio Joseacute Lopes Alves e leva o tiacutetulo de A Individualidade

Moderna nos Grundrisse Neste texto o autor procura demonstrar que a

moderna sociabilidade do capital eacute compreendida por Marx como forma

instaurada a partir da dissoluccedilatildeo dos liames sociais que uniam em tempos

anteriores os indiviacuteduos agrave comunidade Aleacutem disso destaca o fato apontado por

Marx de que tal processo se constitui numa verdadeira reconversatildeo ontoloacutegica

tanto dos indiviacuteduos quanto das condiccedilotildees da atividade vital ocorrendo uma

radical transformaccedilatildeo na forma de ser de ambos Sinteticamente trata-se de

reconfiguraccedilatildeo ontoloacutegica que determina como entes autocircnomos os indiviacuteduos

44

de um lado e as condiccedilotildees de trabalho de outro vale dizer do divoacutercio entre os

indiviacuteduos ativos e as condiccedilotildees de sua atividade Antocircnio Lopes buscou em

suma alinhar as determinaccedilotildees mais essenciais dos indiviacuteduos e da

sociablidade modernos no que respeita agrave forma mesma das relaccedilotildees sociais da

atividade sensiacutevel bem como da respectiva expressatildeo ideal como por exemplo

a configuraccedilatildeo das categorias da igualdade e liberdade

O leitor encontraraacute nas paacuteginas que se seguem o resultado do esforccedilo

de pesquisa voltado ao resgate da obra marxiana caracterizado pela busca do

rigor na leitura e interpretaccedilatildeo do pensamento de um autor cuja heranccedila

intelectual conheceu um destino traacutegico Natildeo eacute faacutecil portanto voltar-se a ela

sem os preconceitos da moda - como jaacute havia advertido Lukaacutecs Natildeo posso

afirmar com total certeza que um intento dessa natureza tenha sido plenamente

alcanccedilado Todavia eacute faacutecil perceber as diferenccedilas desse tipo de produccedilatildeo teoacuterica

com aquela apresentada tanto pelo marxismo adstringido e suas dissidecircncias

como pelo marxismo vulgar para utilizar as expressotildees cunhadas por Chasin no

intuito de designar as duas variantes de interpretaccedilatildeo da obra marxiana

Faccedilo aqui ao leitor interessado o convite para participar dessa

avaliaccedilatildeo

[1] Professora do Departamento de Filosofia da UFMG coordenadora

do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e Estudos Confluentes

45

[i] J CHASIN Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in

Teixeira FJS Pensando com Marx Editora Ensaio Satildeo Paulo 1995

[ii] K MARX amp F ENGELS A Sagrada Famiacutelia Ed Grijalbo trad

Wenceslao Roces Meacutexico DF 1960 p 120

[iii] Ver a respeito J CHASIN Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo

Metodoloacutegica opcit

[iv] J CHASIN O Futuro Ausente in Ensaios Ad Hominem 1 tomo III

Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem Satildeo Paulo 2000 p 166

[v] Ib p 167

[vi] Id

[vii] E CASSIRER A Filosofia do Iluminismo Editora da Unicamp

Campinas 1992 p 11

[viii] G LUKAacuteCS La Riproduzionein Per lOntologia delle Essere

Sociale Roma Editori Riuniti tomo II 1981 pp 180-81

[ix] N HARTMANN Ontologia Fondo de Cultura Econoacutemica Meacutexico D

F vol 1 1986

[x] K MARX O Capital vol I Ediccedilatildeo Abril Cultural Satildeo Paulo p 149

[xi] Id

[xii] Ib p 150

[xiii] (a respeito dessas categorias ver N HARTMANN Ontologia op cit

vol I p XII

46

47

[xiv] No original alematildeo in der Form des Seins Dietz Verlag 1971 p

195

[xv] Ib p 151

[xvi] Ver a respeito em J CHASIN Marx-Estatuto Ontoloacutegico e

Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica op cit

[xvii] K MARX op Cit p 126

Page 32: :: Verinotio - Revista On-line de Educao e Cincias Humanas · O leitor encontrará, portanto, nessa Apresentação o fruto de trabalho de coleta e organização de materiais utilizados

objetividade O ser sensiacutevel eacute a forma do ser porque eacute a plenitude das

categorias possiacuteveis

E as formaccedilotildees ideais

Segundo Chasin as formaccedilotildees ideais do mesmo modo que as

formaccedilotildees reais - formas do ser - tecircm lugar e tempo como categorias - o tempo

e o espaccedilo das formaccedilotildees sociais que satildeo engendradas mas estatildeo privadas de

sensibilidade

O sensiacutevel soacute eacute predicaccedilatildeo inerecircncia agrave forma do ser que conteacutem a

plenitude dos predicados possiacuteveis (sensibilidade espaccedilo tempo)

Essa forma de conceber o ser eacute reconhecer substancialidade ao

complexu agrave unidade totalizada ou seja ao conjunto pleno de atributos em ato

Em outras palavras ser eacute complexo categorial - tem a forma de ser -

completude ou forma conferida pelo sensiacutevel que se desdobra em muacuteltiplos

atributos e se condensa de infinitas maneiras no gradiente do ser

Em suma segundo Chasin tomando Marx como base e ponto de

referecircncia permanentes ser eacute plenitude categorial ou seja a plenitude

categorial eacute sua forma e por ser sensiacutevel compreende lugar e tempo

Donde se admitido o princiacutepio metoacutedico de Marx saber eacute saber do ser

que antes de tudo eacute um complexo sensiacutevel - tudo que eacute existe eacute sempre um

complexo natildeo uma substacircncia ou essecircncia pura e cristalina E a cadeia do ser eacute

o conjunto de graus do ser - do menos ao mais complexo

O preceito metodoloacutegico marxiano eacute pois ontoloacutegico sabe-se o que eacute

como se formou se desenvolveu e como depereceraacute

Por via de consequumlecircncia e diante das vicissitudes da histoacuteria da

ontologia de seu processo constitutivo e dissolutor diante da penosa rota da

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conquista teoacuterica do real homoacuteloga ou equivalente agrave necessidade humana de

produzir a sua mundaneidade e a si mesmo a ontologia eacute o que pode ser - o

que natildeo eacute pouco - a esfera teoacuterica da incerteza propulsora positiva

afirmativamente organizada O patamar do incerto ordenado como plataforma da

busca infinita da certeza Impulsatildeo incontornaacutevel que natildeo pode ser eludida pela

presenccedila imperativa dos circuitos ontopraacuteticos

Talvez agora o estatuto ontoloacutegico marxiano possa ser enunciado do

seguinte modo eacute o estudo das categorias fundamentais - em traccedilos essenciais

abstratos em suas determinaccedilotildees mais gerais - da existecircncia social

historicamente constatada e reconhecida sendo possiacutevel exemplificar com as

seguintes categorias historicidade (processualidade ou mutabilidade)

concreticidade ou objetividade atividade sensiacutevel e ideal (trabalho e

reproduccedilatildeo) subjetividade (receptiva e proponente) valor individualidade

gecircnero (sociabilidade) Tudo isso perfilando o complexo de complexos da auto

realizaccedilatildeo do ser humano-societaacuterio entendido que o fim dos fins eacute a infinitude

da realizaccedilatildeo do humano - do autopor-se do aberto ser humano-societaacuterio

Estatuto que em outros termos eacute a ordem do reconhecimento ou

reproduccedilatildeo teoacuterica da identidade natureza e constituiccedilatildeo das coisas por si por

seus complexos categoriais decisivos independentemente em qualquer plano

de se tornarem objetos de praacutetica ou reflexatildeo

Enquanto tal eacute a teoria do reconhecimento da objetividade histoacuterico-

social imanente em suas distintas formas de apresentaccedilatildeo (natureza e

sociedade) Em termos muito breves eacute o momento mais abstrato do

reconhecimento da identidade das coisas por si enquanto tal um dos momentos

distintos da unidade do saber do qual participa um segundo sob forma

concreta que eacute a ciecircncia

Pela proacutepria natureza histoacuterica processual do ser a ontologia marxiana

natildeo corresponde nem poderia corresponder por simples imperativo de

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coerecircncia agrave forma de um saber universal plantado sobre uma racionalidade

auto-sustentada ou seja fundado na razatildeo universal nada mais a versatildeo laica

ou profana de Deus no dizer de Feuerbach Ou seja trata-se enfim de uma

forma de ontologia sem parentesco com o saber absoluto e que recusa qualquer

tipo de fundamento especulativo pois absolutizaccedilatildeo de uma teoria da

fundamentaccedilatildeo eacute simplesmente a firmaccedilatildeo especulativa da razatildeo autocircnoma ou

de um princiacutepio de inteligibilidade situado para aleacutem das coisas que garante a

presenccedila e o conhecimento do sagrado e a vitoacuteria antecipada do idealismo Natildeo

correspondendo agrave qualquer forma de saber universal a ontologia marxiana

sustenta a possibilidade efetiva como jaacute vimos de um saber real

Por sua praacutetica teoacuterica e por um conjunto de lineamentos expliacutecitos

Marx deixou o legado de um especiacutefico estatuto ontoloacutegico natildeo um ontologia de

talhe convencional ou tradicional e natildeo apenas por que careceu de tempo

necessaacuterio para a realizaccedilatildeo de uma obra desse tipo mas fundamentalmente

pela distinccedilatildeo de natureza de seu estatuto ontoloacutegico radicalmente oposto ao

tratamento especulativo da mateacuteria

Esse estatuto eacute constituiacutedo a partir do universo praacutetico onticamente

referido ou seja eacute um estatuto ocircntico-ontoloacutegico pois evolve da efetividade

histoacuterica das coisas de suas relaccedilotildees e processos para sua reproduccedilatildeo

conceitual no plano de uma trama categorial em sua expressatildeo mais abstrata

Reconhecimento e Determinaccedilatildeo da Sociabilidade como Substacircncia

Vimos que segundo Chasin enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma

da legalidade do ser social em sua materialidade e espiritualidade[pode-se dizer

tambeacutem em sua objetividade sensiacutevel e supra-sensiacutevel] ou seja enquanto

malha de asserccedilotildees ou determinaccedilotildees de seu complexo categorial a ontologia

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estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a sociabilidade como substacircncia desse

grau maacuteximo do ser

Embora Chasin natildeo tenha desenvolvido plenamente a questatildeo da

objetividade supra-sensiacutevel como tambeacutem a da sociabilidade como substacircncia

julgo conveniente transcrever tambeacutem algumas notas e comentaacuterios feitos em

sala de aula dada a importacircncia do tema

Em relaccedilatildeo agrave noccedilatildeo de substacircncia Chasin retoma sua noccedilatildeo mais geral

e tradicional Ou seja deixando de fora qualquer conotaccedilatildeo relativa a formas de

idealidade o que existe por si eacute um auto-engendrado a uacuteltima instacircncia de um

dado gecircnero de entificaccedilatildeo enquanto tal na medida em que eacute uma efetividade

eacute um complexo que a noccedilatildeo de substacircncia refere no mais alto grau de

abstraccedilatildeo Vale pois como abstraccedilatildeo razoaacutevel tal como todo conceito

marxiano nesse niacutevel de generalizaccedilatildeo a partir do qual pela via dos processos

de concreccedilatildeo satildeo determinaacuteveis as formas concretas de substacircncia

correspondentes agraves formaccedilotildees sociais reais

Dessa forma a substacircncia eacute um complexo histoacuterico natildeo uma

idealidade natildeo um construto da razatildeo auto-sustentada mas o resumo de uma

extraccedilatildeo justificada

Naturalidade e Sociabilidade

Sempre que se potildee a questatildeo da naturalidade e da sociabilidade essa

uacuteltima tende a ser examinada in statu nascendi ou de um estado original

imaginaacuterio natildeo se parte portanto de fatos pois os desconhecemos se eacute que

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tenham existido mas de um mito E do mito se quer saltar para o quadro de uma

realidade complexa

Mas acompanhando Marx lembremos das pobres robinsonadas do

seacuteculo XVIII referidas logo agraves primeiras linhas da Introduccedilatildeo de 57 a) O

caccedilador e o pescador individuais e isolados de que partem Smith e Ricardo b)

o contrat social de Rousseau que relaciona e liga sujeitos independentes por

natureza por meio de um contrato Essas robinsonadas natildeo repousam sobre

(o) naturalismo E a argumentaccedilatildeo prossegue Trata-se ao contraacuterio de uma

antecipaccedilatildeo da sociedade (buumlrgelichen Gesellschaft) que se preparava desde

o seacuteculo XVI e no seacuteculo XVIII deu larguiacutessimos passos em direccedilatildeo agrave sua

maturidade Nesta sociedade da livre concorrecircncia o indiviacuteduo aparece

desprendido dos laccedilos naturais que em eacutepocas histoacutericas remotas fizeram dele

um acessoacuterio de um conglomerado humano limitado e determinado Os profetas

do seacuteculo XVIII sobre cujos ombros se apoacuteiam inteiramente Smith e Ricardo

imaginam o indiviacuteduo do seacuteculo XVIII como um ideal que teria existido no

passado Vecircem-no natildeo como um resultado histoacuterico mas como ponto de partida

da Histoacuteria porque o consideram como um indiviacuteduo conforme agrave natureza -

dentro da representaccedilatildeo que tinham da natureza humana - que natildeo se originou

historicamente mas foi posto como tal pela natureza[xvii]

Segundo Chasin tomando Marx novamente como ponto de referecircncia

os equiacutevocos que aparecem ao se tratar a relaccedilatildeo naturalidade sociabilidade

satildeo os seguintes

1) procurar deduzir em graus diferentes em cada caso o ser social do

natural esquecendo que se trata da emergecircncia do novo de uma configuraccedilatildeo

ontoloacutegica nova e que o novo nunca eacute um simples desdobramento do estaacutegio

anterior no caso - do grau de ser antecedente ou seja que entre os dois niacuteveis

ocorre o que se chama de salto um intervalo em que a potecircncia causal do

antecedente natildeo conteacutem a capacidade a potecircncia ou a potencialidade para

gerar o novo Um intervalo que fica assim indeterminado

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2) o procedimento acima abre para a mera especulaccedilatildeo pois tende a

deduzir a indeterminaccedilatildeo a querer estabelecer nexos onde eles inexistem

tende a preencher o que de fato eacute um vazio A rigor natildeo se trata de um natildeo-

sabido mas da ausecircncia factual de um objeto ou processo em outros termos

se trata de um vazio ontoloacutegico de uma ausecircncia de nexos ontoloacutegicos

O correto segundo o modus operandi marxiano natildeo eacute partir da semente

ou do embriatildeo mas do complexo real maturado uma vez que

especialiacutessimamente na esfera social a loacutegica do gerado eacute diversa da loacutegica de

sua gecircnese aleacutem de que nesse acircmbito as entificaccedilotildees configuradas apagam a

rota e a loacutegica de sua formaccedilatildeo

Desse modo partindo do jaacute configurado e considerando que se trata de

uma configuraccedilatildeo infinita que compreende mutaccedilotildees qualitativas muito

importantes e natildeo esquecendo que permanecemos no estaacutegio preacute-histoacuterico (em

momento especialmente desequilibrado e contraditoacuterio) podemos e devemos

reconhecer por meio de algumas abstraccedilotildees razoaacuteveis o seguinte

1) A formaccedilatildeo do ser social eacute um processo da animalidade agrave

hominidade o andamento da naturalidade agrave sociabilidade o caminho infinito da

naturalidade dada agrave sociabilidade natildeo-dada em produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

perenes

2)Trata-se pois de uma entificaccedilatildeo processual entre dois niacuteveis ou

poacutelos da escala do ser sendo processo eacute intrinsecamente uma contradiccedilatildeo e soacute

enquanto tal se move eliminada a contradiccedilatildeo cessaria a possibilidade do

processo Com isso eacute dito algo muito importante pois ao reconhecer a

contraditoriedade entre naturalidade e sociabilidade natildeo eacute mais possiacutevel pensar

as mesmas a propoacutesito do ser social como um simples conjugado de fatores

mas obrigatoriamente como uma conjugaccedilatildeo contraditoacuteria de legalidades Isso

vai na esteira do que eacute compreendido desde Hegel - que o ser eacute uma unidade

contraditoacuteria - todavia com o acreacutescimo do problema da dupla legalidade De

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que modo ou feiccedilatildeo chega cada uma delas agrave unidade contraditoacuteria do ser Pois

haacute que pensar na unidade ou siacutentese a natildeo ser que se queira desenhar o ser

social como uma aberraccedilatildeo hiacutebrida pode ser esta a fisionomia do grau mais

elevado do gradiente dos seres Assim tomada na devida consideraccedilatildeo essa

determinaccedilatildeo ontoloacutegica sem a qual a reflexatildeo perde o rumo trata-se de

compreender a dinacircmica especiacutefica dessa contradiccedilatildeo peculiar Vejamos

3) Em primeiro lugar esse processo contraditoacuterio gera novas

contradiccedilotildees agora dominantemente contradiccedilotildees da sociabilidade em

formaccedilatildeo de sorte que se trata de um processo cumulativo de

contraditoriedades no qual as novas contradiccedilotildees progressivamente vatildeo

tomando o lugar predominante e decisivo vale dizer a contradiccedilatildeo originaacuteria

cada vez mais coabita com contradiccedilotildees de outro gecircnero diante das quais sua

presenccedila vai mudando de forccedila e configuraccedilatildeo natildeo desaparece mas sua

qualidade vai mudando na proporccedilatildeo mesmo do desenvolvimento da

apropriaccedilatildeo societaacuteria da natureza cada vez mais puramente social - eacute no que

consiste de acordo com as palavras de Marx o progressivo afastamento das

barreiras naturais

4) Ou seja a matriz e a medida do afastamento eacute a forma cada vez

mais social de produzir e reproduzir as bases materiais da vida pela qual eacute

gerado o novo ser em direccedilatildeo agrave sua potecircncia ampliada de se auto-por de ir em

direccedilatildeo a si mesmo um si mesmo que natildeo eacute dado mas gerado na progressatildeo

da auto-posiccedilatildeo do auto-assentamento ou da auto-enformaccedilatildeo que inclui a

proacutepria daccedilatildeo de forma e resoluccedilatildeo ao predicado natural ou bioloacutegico daccedilatildeo de

forma que em suma eacute daccedilatildeo de forma social ao predicado natural

5) Essa possibilidade de daccedilatildeo de forma eacute afirmaccedilatildeo e realizaccedilatildeo da

essecircncia social que eacute o conjunto de relaccedilotildees sociais configuradas em cada

momento pelo modo de produzir da base material modo por sua vez que eacute

determinado pelo desenvolvimento das forccedilas produtivas entre as quais figura o

proacuteprio modo de organizaccedilatildeo do conjunto das relaccedilotildees sociais

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6) Daccedilatildeo de forma eacute alteraccedilatildeo do lugar resolutivo e todo ente que muda

de lugar muda de natureza sem alterar uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo material

Vale dizer que a contradiccedilatildeo originaacuteria entre naturalidade e sociabilidade eacute

resolvida por uma nova contradiccedilatildeo - a da naturalidade que soacute se realiza na

forma e por meios sociais - no afastamento que eacute superaccedilatildeo da naturalidade

(processo histoacuterico) a legalidade natural eacute submetida agrave legalidade social

(diferentemente em cada modo de produccedilatildeo e de acordo com o

desenvolvimento das forccedilas produtivas) o fator natural natildeo eacute suprimido

suprimida eacute sua capacidade de autodeterminaccedilatildeo resta portanto

simplesmente o que natildeo eacute pouco como um predicado do ser humano um

predicado insuprimiacutevel mas apenas como predicado bioloacutegico de um ser de

outra natureza e essecircncia A naturalidade eacute retida como predicado

imprescindiacutevel mas natildeo como essecircncia Donde natildeo satildeo mais duas legalidades

ontoloacutegicas que coexistem mas a legalidade superior mais complexa subsume

a legalidade natural que natildeo mais se autodetermina mas eacute resolvida pela e do

interior da outra Assim o predicado natural do homem recebe forma e

resoluccedilatildeo sociais ou seja o predicado natural eacute subsumido agrave legalidade social

Natildeo resta mais o choque de duas legalidades contrapostas na

contradiccedilatildeo originaacuteria A legalidade natural vai sucumbindo na ruptura e

progressivamente agrave legalidade social em sua efetividade no ser social a

legalidade natural natildeo mais atua por si eacute dependente do social natildeo eacute mais a

legalidade de um ser pois natildeo haacute mais aiacute um ser natural mas um atributo

natural dependente da essecircncia social O homem eacute um ser social que

compreende sua essecircncia especiacutefica (variaacutevel) suas contingecircncias e seu

predicado bioloacutegico Na entificaccedilatildeo do ser social uacuteltimo grau da cadeia do ser a

legalidade natural eacute subalternizada agrave social por mais ruacutestica e restrita que seja a

essecircncia social primitiva e por mais precaacuteria que seja essa subalternizaccedilatildeo de

iniacutecio O processo de afastamento das barreiras naturais eacute assim o curso dessa

subalternizaccedilatildeo que desponta no iniacutecio na ruptura com a legalidade natural e

por mais longo e contraditoacuterio em avanccedilos e recuos que seja esse processo

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7) de outra parte a loacutegica do predicado bioloacutegico natildeo soluciona natildeo

tem resposta para o complexo problemaacutetico da sociabilidade enquanto que esta

daacute soluccedilatildeo aos imperativos daquela Como diz Marx nos Manuscritos de 44 o

homem contempla a natureza e a si mesmo com um produto social [dos homens

interativos] com pleno direito mesmo que natildeo com elevada consciecircncia ou altos

valores

8) Donde a foacutermula lukaacutecsiana da dupla base eacute falsa pois a plataforma

eacute a sociabilidade enquanto a naturalidade eacute apenas o insuprimiacutevel predicado

bioloacutegico que passa a vigir na forma e sob a regecircncia da sociabilidade Natildeo

perde por isso uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo orgacircnica mas na sua efetividade

muda de caraacuteter No interiro da esfera societaacuteria o predicado bioloacutegico eacute um

outro de si Se originariamente foi o ponto de partida agora eacute produzido e

reproduzido pela legalidade de um ser que o ultrapassa e o domina vive e soacute

pode viver na subjugaccedilatildeo de um novo estatuto Ou seja ao integrar como

predicado o ser de niacutevel mais elevado realiza a sua maacutexima potecircncia e isso eacute

ao mesmo tempo sua desnaturalizaccedilatildeo ou perecimento Impereciacutevel como

predicado natildeo eacute base pois determina soacute por seus limites pelas carecircncias natildeo

pelas determinaccedilotildees resolutivas nem mesmo em suas forccedilas e sentidos pois

enquanto virtualidades estas soacute satildeo humanas e superiores em resoluccedilatildeo

societaacuteria Ademais natildeo eacute nunca um criador de novas necessidades o que

caracteriza a legalidade social

9) A argumentaccedilatildeo acima diz respeito diretamente ao ser social em sua

configuraccedilatildeo bipolar (indiviacuteduo e gecircnero) e desenvolvida em especial no poacutelo da

individualidade tendo por esteio o andamento do gecircnero e ao falar deste se diz

do seu metabolismo com a natureza Esse metabolismo fundamental que eacute em

suma a atividade vital do homem ao gerar produtos sociais

(utilidadesmercadorias) sem que se possa transpor a estes as mesmas

determinaccedilotildees que foram feitas para o ser social desde logo satildeo entes sociais

mas em outro grau da escala do ser social mas tambeacutem tecircm mudada a sua

natureza de naturais a utilidades (e na forma da alienaccedilatildeofetichismo as

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mercadorias) de sorte que a apropriaccedilatildeo da natureza eacute igualmente sua

desnaturalizaccedilatildeo eacute forccedilaacute-las a deixar de ser o que satildeo em sua peculiaridade

para se tornarem um outro de si sob a regecircncia do estatuto societaacuterio Isso eacute a

manifestaccedilatildeo do poder e da superioridade do grau maacuteximo do ser Nenhum

outro ser realiza qualquer coisa semelhante nem longinquumlamente Repetindo

Kant e Hegel Marx tinha toda razatildeo quando disse que haacute mais grandeza e

misteacuterio na cabeccedila de um becircbado do que no conjunto do universo

10) a Sociabilidade imperfeita substacircncia ainda natildeo realizada enquanto

tal ou seja ainda incapaz de autonomia como complexo estruturado conduz agrave

poliacutetica Natildeo compreendida como substacircncia mas como simples organizaccedilatildeo

potildee o homem no outro poacutelo na dicotomia homemsociedade ou seja na

representaccedilatildeo socioloacutegica ou politoloacutegica o homem eacute um outro

Determinada ou compreendida como substacircncia eacute substacircncia humana

(perfeita e imperfeita com todas as grandezas e miseacuterias produzidas

modificadas suprimidas e repostas no curso histoacuterico) eacute a essecircncia mutante do

ser auto-engendrado e enquanto mutante e por ser mutante distinta tambeacutem

por essa mutabilidade do predicado bioloacutegico atemporalmente necessaacuterio mas

sempre e progressivamente insuficiente do ser social

O tomo IV do primeiro nuacutemero da Revista Ensaios Ad Hominem eacute

composto de seis artigos - aleacutem do texto de abertura de autoria de J Chasin -

que resultaram de siacutenteses ou modificaccedilatildeo de partes ou capiacutetulos de

dissertaccedilotildees defendidas entre os anos de 1998 e 1999 junto ao Programa de

Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia da UFMG

41

O artigo que abre a presente coletacircnea intitulado A Razatildeo como

Tribunal da Criacutetica Marx e A Gazeta Renana de autoria de Celso Eidt versa

sobre a concepccedilatildeo do jovem Marx sobre o papel da imprensa natildeo apenas como

o locus privilegiado para o debate filosoacutefico mas fundamentalmente para os

processos educativos tendo em vista a realizaccedilatildeo plena da liberdade humana Eacute

bom ressaltar que no periacuteodo em que tais artigos satildeo redigidos Marx

compartilha de uma visatildeo antropoloacutegica racional em que a natureza humana eacute

concebida como espiacuterito livre e racional enquanto esteio da proacutepria vida eacutetica

ou seja da praacutetica humana fundada na razatildeo universal

Ana Selva Albinati autora do artigo A Determinaccedilatildeo dos Valores

Morais nos textos de Marx de 1841 a 1847 se debruccedila justamente sobre tal

campo de reflexatildeo Seu trabalho eacute uma tentativa de sistematizaccedilatildeo das

consideraccedilotildees sobre os valores morais nos textos do periacuteodo que se inicia com

sua tese doutoral Diferenccedilas entre as Filosofias da Natureza de Demoacutecrito e

Epicuro prosseguindo ateacute A Miseacuteria da Filosofia Ana Selva procura demonstrar

que esse periacuteodo normalmente referido como sendo o da juventude de Marx eacute

na verdade constituiacutedo de dois momentos de sua elaboraccedilatildeo teoacuterica que tem

como momento de clivagem a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel de meados

de 1843 em que Marx rompe com o referencial teoacuterico do idealismo alematildeo Em

relaccedilatildeo agraves determinaccedilotildees sobre a moral essa ruptura se reflete na inflexatildeo

radical que diferencia a compreensatildeo da moralidade no primeiro e segundo

momentos de tal forma que a moralidade passa a ser compreendida como um

dos modos da consciecircncia socialmente determinada concepccedilatildeo completamente

distinta da primeira fase em que os valores morais eram compreendidos como

expressotildees da liberdade e da racionalidade humanas idealmente concebidas

No artigo A criacutetica da Especulaccedilatildeo nas Glosas de Kreuznach Milney

Chasin analisa o momento inicial e ao mesmo tempo decisivo da ruptura que

se verifica entre Marx e Hegel no plano das determinaccedilotildees do ser Desse modo

a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel inaugura a criacutetica marxiana da

especulaccedilatildeo no seu cerne o de rejeitar o procedimento especulativo

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caracteriacutestico de se provir tudo da ideacuteia real de tornaacute-la sujeito isto eacute de

capacitar a abstraccedilatildeo ou conceito automovido - a partir das metamorfoses

hegelianas - de pocircr o multiverso sensiacutevel Em outros termos Milney Chasin no

referido artigo evidencia como a criacutetica da especulaccedilatildeo permite a Marx

ultrapassar os horizontes do idealismo alematildeo na direccedilatildeo do devido

reconhecimento da distinccedilatildeo entre ser e pensar de caracterizar a impropriedade

ontoloacutegica da loacutegica hegeliana de apurar os limites gnosioloacutegicos e

incongruecircncias de toda ordem Em suma permite o desvelamento da substacircncia

miacutestica oferecendo a explicitaccedilatildeo do meacutetodo hegeliano - das diabruras do

conceito autoposto - que articula abstraccedilotildees e finitude restando a esta a mera

condiccedilatildeo de apecircndice dissolvido isto eacute momento virtual da realizaccedilatildeo da

idealidade

O quarto artigo desta coletacircnea intitulado A Exteriorizaccedilatildeo da Vida nos

Manuscritos de 44 eacute parte da dissertaccedilatildeo de mestrado As Categorias

Lebensaumlusserung Entaumlusserung Entfremdung e Veraumlusserung nos Manuscritos

Economico-Filosoacuteficos de Karl Marxdefendida por Mocircnica H M da Costa em

que o interesse era acima de tudo averiguar se alienaccedilatildeo (Entaumlusserung) e

estranhamento (Entfremdung) teriam significados distintos A pesquisa acabou

opor apontar no entanto uma outra categoria como eixo desses manuscritos

Lebensaumlusserung traduzida por exteriorizaccedilatildeo da vida De fato o fio condutor

dos Manuscritos eacute a centralidade do trabalho na produccedilatildeo material e espiritual

da vida humana Tomando para anaacutelise criacutetica pela primeira vez os

economistas claacutessicos Marx explicita sua proacutepria compreensatildeo da forma

peculiar de engendramento da existecircncia do homem A criacutetica a Hegel completa

o quadro desta tematizaccedilatildeo que natildeo seraacute abandonada ateacute os uacuteltimos trabalhos

de Marx

Sabina Maura Silva no artigo A Fenomenologia do Egoiacutesmo Stirner e a

Criacutetica Marxiana tem como objetivo fundamental apresentar a concepccedilatildeo de

homem presente na obra O Uacutenico e Sua Propriedade de autoria do filoacutesofo

neohegeliano Max Stirner e expor a criacutetica de Marx a este autor contida em A

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Ideologia Alematilde A autora mostra que para Stirner o Eu tomado como

individualidade singular eacute o fundamento de sua esfera existencial No entanto

para esse autor tudo tem determinado a existecircncia dos indiviacuteduos natildeo tendo

sido permitido a eles determinaacute-la O objetivo de Stirner eacute pois remeter ao

indiviacuteduo - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel - o que dele foi alienado e erigido

como algo autocircnomo Por seu turno a criacutetica de Marx tem como fim explicitar o

caraacuteter especulativo da anaacutelise stirneana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo

bem como salientar o aspecto pseudorevolucionaacuterio de suas proposituras

Assim segundo Marx Stirner tatildeo somente interpreta diferentemente o

existente isto eacute reconhece o existente mediante outra

interpretaccedilatildeoTransformando as contradiccedilotildees objetivas em contradiccedilotildees

subjetivas Stirner conserva e justifica as condiccedilotildees e estruturas efetivas que

esmagam e impedem a autodeterminaccedilatildeo das individualidades ao reconhecer

as circunstacircncias como determinaccedilotildees dos indiviacuteduos Acolhendo acriacutetica e

especulativamente em suas feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees

estranhadas de um momento histoacuterico particular da individuaccedilatildeo humana

Stirner erige como individualidade um ente que empobrecido e constrangido

pelas condiccedilotildees objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade

social pode somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria

sobre si e sobre o mundo

O uacuteltimo artigo do tomo IV da Revista Ensaios Ad Hominem eacute de

autoria de Antocircnio Joseacute Lopes Alves e leva o tiacutetulo de A Individualidade

Moderna nos Grundrisse Neste texto o autor procura demonstrar que a

moderna sociabilidade do capital eacute compreendida por Marx como forma

instaurada a partir da dissoluccedilatildeo dos liames sociais que uniam em tempos

anteriores os indiviacuteduos agrave comunidade Aleacutem disso destaca o fato apontado por

Marx de que tal processo se constitui numa verdadeira reconversatildeo ontoloacutegica

tanto dos indiviacuteduos quanto das condiccedilotildees da atividade vital ocorrendo uma

radical transformaccedilatildeo na forma de ser de ambos Sinteticamente trata-se de

reconfiguraccedilatildeo ontoloacutegica que determina como entes autocircnomos os indiviacuteduos

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de um lado e as condiccedilotildees de trabalho de outro vale dizer do divoacutercio entre os

indiviacuteduos ativos e as condiccedilotildees de sua atividade Antocircnio Lopes buscou em

suma alinhar as determinaccedilotildees mais essenciais dos indiviacuteduos e da

sociablidade modernos no que respeita agrave forma mesma das relaccedilotildees sociais da

atividade sensiacutevel bem como da respectiva expressatildeo ideal como por exemplo

a configuraccedilatildeo das categorias da igualdade e liberdade

O leitor encontraraacute nas paacuteginas que se seguem o resultado do esforccedilo

de pesquisa voltado ao resgate da obra marxiana caracterizado pela busca do

rigor na leitura e interpretaccedilatildeo do pensamento de um autor cuja heranccedila

intelectual conheceu um destino traacutegico Natildeo eacute faacutecil portanto voltar-se a ela

sem os preconceitos da moda - como jaacute havia advertido Lukaacutecs Natildeo posso

afirmar com total certeza que um intento dessa natureza tenha sido plenamente

alcanccedilado Todavia eacute faacutecil perceber as diferenccedilas desse tipo de produccedilatildeo teoacuterica

com aquela apresentada tanto pelo marxismo adstringido e suas dissidecircncias

como pelo marxismo vulgar para utilizar as expressotildees cunhadas por Chasin no

intuito de designar as duas variantes de interpretaccedilatildeo da obra marxiana

Faccedilo aqui ao leitor interessado o convite para participar dessa

avaliaccedilatildeo

[1] Professora do Departamento de Filosofia da UFMG coordenadora

do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e Estudos Confluentes

45

[i] J CHASIN Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in

Teixeira FJS Pensando com Marx Editora Ensaio Satildeo Paulo 1995

[ii] K MARX amp F ENGELS A Sagrada Famiacutelia Ed Grijalbo trad

Wenceslao Roces Meacutexico DF 1960 p 120

[iii] Ver a respeito J CHASIN Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo

Metodoloacutegica opcit

[iv] J CHASIN O Futuro Ausente in Ensaios Ad Hominem 1 tomo III

Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem Satildeo Paulo 2000 p 166

[v] Ib p 167

[vi] Id

[vii] E CASSIRER A Filosofia do Iluminismo Editora da Unicamp

Campinas 1992 p 11

[viii] G LUKAacuteCS La Riproduzionein Per lOntologia delle Essere

Sociale Roma Editori Riuniti tomo II 1981 pp 180-81

[ix] N HARTMANN Ontologia Fondo de Cultura Econoacutemica Meacutexico D

F vol 1 1986

[x] K MARX O Capital vol I Ediccedilatildeo Abril Cultural Satildeo Paulo p 149

[xi] Id

[xii] Ib p 150

[xiii] (a respeito dessas categorias ver N HARTMANN Ontologia op cit

vol I p XII

46

47

[xiv] No original alematildeo in der Form des Seins Dietz Verlag 1971 p

195

[xv] Ib p 151

[xvi] Ver a respeito em J CHASIN Marx-Estatuto Ontoloacutegico e

Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica op cit

[xvii] K MARX op Cit p 126

Page 33: :: Verinotio - Revista On-line de Educao e Cincias Humanas · O leitor encontrará, portanto, nessa Apresentação o fruto de trabalho de coleta e organização de materiais utilizados

conquista teoacuterica do real homoacuteloga ou equivalente agrave necessidade humana de

produzir a sua mundaneidade e a si mesmo a ontologia eacute o que pode ser - o

que natildeo eacute pouco - a esfera teoacuterica da incerteza propulsora positiva

afirmativamente organizada O patamar do incerto ordenado como plataforma da

busca infinita da certeza Impulsatildeo incontornaacutevel que natildeo pode ser eludida pela

presenccedila imperativa dos circuitos ontopraacuteticos

Talvez agora o estatuto ontoloacutegico marxiano possa ser enunciado do

seguinte modo eacute o estudo das categorias fundamentais - em traccedilos essenciais

abstratos em suas determinaccedilotildees mais gerais - da existecircncia social

historicamente constatada e reconhecida sendo possiacutevel exemplificar com as

seguintes categorias historicidade (processualidade ou mutabilidade)

concreticidade ou objetividade atividade sensiacutevel e ideal (trabalho e

reproduccedilatildeo) subjetividade (receptiva e proponente) valor individualidade

gecircnero (sociabilidade) Tudo isso perfilando o complexo de complexos da auto

realizaccedilatildeo do ser humano-societaacuterio entendido que o fim dos fins eacute a infinitude

da realizaccedilatildeo do humano - do autopor-se do aberto ser humano-societaacuterio

Estatuto que em outros termos eacute a ordem do reconhecimento ou

reproduccedilatildeo teoacuterica da identidade natureza e constituiccedilatildeo das coisas por si por

seus complexos categoriais decisivos independentemente em qualquer plano

de se tornarem objetos de praacutetica ou reflexatildeo

Enquanto tal eacute a teoria do reconhecimento da objetividade histoacuterico-

social imanente em suas distintas formas de apresentaccedilatildeo (natureza e

sociedade) Em termos muito breves eacute o momento mais abstrato do

reconhecimento da identidade das coisas por si enquanto tal um dos momentos

distintos da unidade do saber do qual participa um segundo sob forma

concreta que eacute a ciecircncia

Pela proacutepria natureza histoacuterica processual do ser a ontologia marxiana

natildeo corresponde nem poderia corresponder por simples imperativo de

33

coerecircncia agrave forma de um saber universal plantado sobre uma racionalidade

auto-sustentada ou seja fundado na razatildeo universal nada mais a versatildeo laica

ou profana de Deus no dizer de Feuerbach Ou seja trata-se enfim de uma

forma de ontologia sem parentesco com o saber absoluto e que recusa qualquer

tipo de fundamento especulativo pois absolutizaccedilatildeo de uma teoria da

fundamentaccedilatildeo eacute simplesmente a firmaccedilatildeo especulativa da razatildeo autocircnoma ou

de um princiacutepio de inteligibilidade situado para aleacutem das coisas que garante a

presenccedila e o conhecimento do sagrado e a vitoacuteria antecipada do idealismo Natildeo

correspondendo agrave qualquer forma de saber universal a ontologia marxiana

sustenta a possibilidade efetiva como jaacute vimos de um saber real

Por sua praacutetica teoacuterica e por um conjunto de lineamentos expliacutecitos

Marx deixou o legado de um especiacutefico estatuto ontoloacutegico natildeo um ontologia de

talhe convencional ou tradicional e natildeo apenas por que careceu de tempo

necessaacuterio para a realizaccedilatildeo de uma obra desse tipo mas fundamentalmente

pela distinccedilatildeo de natureza de seu estatuto ontoloacutegico radicalmente oposto ao

tratamento especulativo da mateacuteria

Esse estatuto eacute constituiacutedo a partir do universo praacutetico onticamente

referido ou seja eacute um estatuto ocircntico-ontoloacutegico pois evolve da efetividade

histoacuterica das coisas de suas relaccedilotildees e processos para sua reproduccedilatildeo

conceitual no plano de uma trama categorial em sua expressatildeo mais abstrata

Reconhecimento e Determinaccedilatildeo da Sociabilidade como Substacircncia

Vimos que segundo Chasin enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma

da legalidade do ser social em sua materialidade e espiritualidade[pode-se dizer

tambeacutem em sua objetividade sensiacutevel e supra-sensiacutevel] ou seja enquanto

malha de asserccedilotildees ou determinaccedilotildees de seu complexo categorial a ontologia

34

estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a sociabilidade como substacircncia desse

grau maacuteximo do ser

Embora Chasin natildeo tenha desenvolvido plenamente a questatildeo da

objetividade supra-sensiacutevel como tambeacutem a da sociabilidade como substacircncia

julgo conveniente transcrever tambeacutem algumas notas e comentaacuterios feitos em

sala de aula dada a importacircncia do tema

Em relaccedilatildeo agrave noccedilatildeo de substacircncia Chasin retoma sua noccedilatildeo mais geral

e tradicional Ou seja deixando de fora qualquer conotaccedilatildeo relativa a formas de

idealidade o que existe por si eacute um auto-engendrado a uacuteltima instacircncia de um

dado gecircnero de entificaccedilatildeo enquanto tal na medida em que eacute uma efetividade

eacute um complexo que a noccedilatildeo de substacircncia refere no mais alto grau de

abstraccedilatildeo Vale pois como abstraccedilatildeo razoaacutevel tal como todo conceito

marxiano nesse niacutevel de generalizaccedilatildeo a partir do qual pela via dos processos

de concreccedilatildeo satildeo determinaacuteveis as formas concretas de substacircncia

correspondentes agraves formaccedilotildees sociais reais

Dessa forma a substacircncia eacute um complexo histoacuterico natildeo uma

idealidade natildeo um construto da razatildeo auto-sustentada mas o resumo de uma

extraccedilatildeo justificada

Naturalidade e Sociabilidade

Sempre que se potildee a questatildeo da naturalidade e da sociabilidade essa

uacuteltima tende a ser examinada in statu nascendi ou de um estado original

imaginaacuterio natildeo se parte portanto de fatos pois os desconhecemos se eacute que

35

tenham existido mas de um mito E do mito se quer saltar para o quadro de uma

realidade complexa

Mas acompanhando Marx lembremos das pobres robinsonadas do

seacuteculo XVIII referidas logo agraves primeiras linhas da Introduccedilatildeo de 57 a) O

caccedilador e o pescador individuais e isolados de que partem Smith e Ricardo b)

o contrat social de Rousseau que relaciona e liga sujeitos independentes por

natureza por meio de um contrato Essas robinsonadas natildeo repousam sobre

(o) naturalismo E a argumentaccedilatildeo prossegue Trata-se ao contraacuterio de uma

antecipaccedilatildeo da sociedade (buumlrgelichen Gesellschaft) que se preparava desde

o seacuteculo XVI e no seacuteculo XVIII deu larguiacutessimos passos em direccedilatildeo agrave sua

maturidade Nesta sociedade da livre concorrecircncia o indiviacuteduo aparece

desprendido dos laccedilos naturais que em eacutepocas histoacutericas remotas fizeram dele

um acessoacuterio de um conglomerado humano limitado e determinado Os profetas

do seacuteculo XVIII sobre cujos ombros se apoacuteiam inteiramente Smith e Ricardo

imaginam o indiviacuteduo do seacuteculo XVIII como um ideal que teria existido no

passado Vecircem-no natildeo como um resultado histoacuterico mas como ponto de partida

da Histoacuteria porque o consideram como um indiviacuteduo conforme agrave natureza -

dentro da representaccedilatildeo que tinham da natureza humana - que natildeo se originou

historicamente mas foi posto como tal pela natureza[xvii]

Segundo Chasin tomando Marx novamente como ponto de referecircncia

os equiacutevocos que aparecem ao se tratar a relaccedilatildeo naturalidade sociabilidade

satildeo os seguintes

1) procurar deduzir em graus diferentes em cada caso o ser social do

natural esquecendo que se trata da emergecircncia do novo de uma configuraccedilatildeo

ontoloacutegica nova e que o novo nunca eacute um simples desdobramento do estaacutegio

anterior no caso - do grau de ser antecedente ou seja que entre os dois niacuteveis

ocorre o que se chama de salto um intervalo em que a potecircncia causal do

antecedente natildeo conteacutem a capacidade a potecircncia ou a potencialidade para

gerar o novo Um intervalo que fica assim indeterminado

36

2) o procedimento acima abre para a mera especulaccedilatildeo pois tende a

deduzir a indeterminaccedilatildeo a querer estabelecer nexos onde eles inexistem

tende a preencher o que de fato eacute um vazio A rigor natildeo se trata de um natildeo-

sabido mas da ausecircncia factual de um objeto ou processo em outros termos

se trata de um vazio ontoloacutegico de uma ausecircncia de nexos ontoloacutegicos

O correto segundo o modus operandi marxiano natildeo eacute partir da semente

ou do embriatildeo mas do complexo real maturado uma vez que

especialiacutessimamente na esfera social a loacutegica do gerado eacute diversa da loacutegica de

sua gecircnese aleacutem de que nesse acircmbito as entificaccedilotildees configuradas apagam a

rota e a loacutegica de sua formaccedilatildeo

Desse modo partindo do jaacute configurado e considerando que se trata de

uma configuraccedilatildeo infinita que compreende mutaccedilotildees qualitativas muito

importantes e natildeo esquecendo que permanecemos no estaacutegio preacute-histoacuterico (em

momento especialmente desequilibrado e contraditoacuterio) podemos e devemos

reconhecer por meio de algumas abstraccedilotildees razoaacuteveis o seguinte

1) A formaccedilatildeo do ser social eacute um processo da animalidade agrave

hominidade o andamento da naturalidade agrave sociabilidade o caminho infinito da

naturalidade dada agrave sociabilidade natildeo-dada em produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

perenes

2)Trata-se pois de uma entificaccedilatildeo processual entre dois niacuteveis ou

poacutelos da escala do ser sendo processo eacute intrinsecamente uma contradiccedilatildeo e soacute

enquanto tal se move eliminada a contradiccedilatildeo cessaria a possibilidade do

processo Com isso eacute dito algo muito importante pois ao reconhecer a

contraditoriedade entre naturalidade e sociabilidade natildeo eacute mais possiacutevel pensar

as mesmas a propoacutesito do ser social como um simples conjugado de fatores

mas obrigatoriamente como uma conjugaccedilatildeo contraditoacuteria de legalidades Isso

vai na esteira do que eacute compreendido desde Hegel - que o ser eacute uma unidade

contraditoacuteria - todavia com o acreacutescimo do problema da dupla legalidade De

37

que modo ou feiccedilatildeo chega cada uma delas agrave unidade contraditoacuteria do ser Pois

haacute que pensar na unidade ou siacutentese a natildeo ser que se queira desenhar o ser

social como uma aberraccedilatildeo hiacutebrida pode ser esta a fisionomia do grau mais

elevado do gradiente dos seres Assim tomada na devida consideraccedilatildeo essa

determinaccedilatildeo ontoloacutegica sem a qual a reflexatildeo perde o rumo trata-se de

compreender a dinacircmica especiacutefica dessa contradiccedilatildeo peculiar Vejamos

3) Em primeiro lugar esse processo contraditoacuterio gera novas

contradiccedilotildees agora dominantemente contradiccedilotildees da sociabilidade em

formaccedilatildeo de sorte que se trata de um processo cumulativo de

contraditoriedades no qual as novas contradiccedilotildees progressivamente vatildeo

tomando o lugar predominante e decisivo vale dizer a contradiccedilatildeo originaacuteria

cada vez mais coabita com contradiccedilotildees de outro gecircnero diante das quais sua

presenccedila vai mudando de forccedila e configuraccedilatildeo natildeo desaparece mas sua

qualidade vai mudando na proporccedilatildeo mesmo do desenvolvimento da

apropriaccedilatildeo societaacuteria da natureza cada vez mais puramente social - eacute no que

consiste de acordo com as palavras de Marx o progressivo afastamento das

barreiras naturais

4) Ou seja a matriz e a medida do afastamento eacute a forma cada vez

mais social de produzir e reproduzir as bases materiais da vida pela qual eacute

gerado o novo ser em direccedilatildeo agrave sua potecircncia ampliada de se auto-por de ir em

direccedilatildeo a si mesmo um si mesmo que natildeo eacute dado mas gerado na progressatildeo

da auto-posiccedilatildeo do auto-assentamento ou da auto-enformaccedilatildeo que inclui a

proacutepria daccedilatildeo de forma e resoluccedilatildeo ao predicado natural ou bioloacutegico daccedilatildeo de

forma que em suma eacute daccedilatildeo de forma social ao predicado natural

5) Essa possibilidade de daccedilatildeo de forma eacute afirmaccedilatildeo e realizaccedilatildeo da

essecircncia social que eacute o conjunto de relaccedilotildees sociais configuradas em cada

momento pelo modo de produzir da base material modo por sua vez que eacute

determinado pelo desenvolvimento das forccedilas produtivas entre as quais figura o

proacuteprio modo de organizaccedilatildeo do conjunto das relaccedilotildees sociais

38

6) Daccedilatildeo de forma eacute alteraccedilatildeo do lugar resolutivo e todo ente que muda

de lugar muda de natureza sem alterar uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo material

Vale dizer que a contradiccedilatildeo originaacuteria entre naturalidade e sociabilidade eacute

resolvida por uma nova contradiccedilatildeo - a da naturalidade que soacute se realiza na

forma e por meios sociais - no afastamento que eacute superaccedilatildeo da naturalidade

(processo histoacuterico) a legalidade natural eacute submetida agrave legalidade social

(diferentemente em cada modo de produccedilatildeo e de acordo com o

desenvolvimento das forccedilas produtivas) o fator natural natildeo eacute suprimido

suprimida eacute sua capacidade de autodeterminaccedilatildeo resta portanto

simplesmente o que natildeo eacute pouco como um predicado do ser humano um

predicado insuprimiacutevel mas apenas como predicado bioloacutegico de um ser de

outra natureza e essecircncia A naturalidade eacute retida como predicado

imprescindiacutevel mas natildeo como essecircncia Donde natildeo satildeo mais duas legalidades

ontoloacutegicas que coexistem mas a legalidade superior mais complexa subsume

a legalidade natural que natildeo mais se autodetermina mas eacute resolvida pela e do

interior da outra Assim o predicado natural do homem recebe forma e

resoluccedilatildeo sociais ou seja o predicado natural eacute subsumido agrave legalidade social

Natildeo resta mais o choque de duas legalidades contrapostas na

contradiccedilatildeo originaacuteria A legalidade natural vai sucumbindo na ruptura e

progressivamente agrave legalidade social em sua efetividade no ser social a

legalidade natural natildeo mais atua por si eacute dependente do social natildeo eacute mais a

legalidade de um ser pois natildeo haacute mais aiacute um ser natural mas um atributo

natural dependente da essecircncia social O homem eacute um ser social que

compreende sua essecircncia especiacutefica (variaacutevel) suas contingecircncias e seu

predicado bioloacutegico Na entificaccedilatildeo do ser social uacuteltimo grau da cadeia do ser a

legalidade natural eacute subalternizada agrave social por mais ruacutestica e restrita que seja a

essecircncia social primitiva e por mais precaacuteria que seja essa subalternizaccedilatildeo de

iniacutecio O processo de afastamento das barreiras naturais eacute assim o curso dessa

subalternizaccedilatildeo que desponta no iniacutecio na ruptura com a legalidade natural e

por mais longo e contraditoacuterio em avanccedilos e recuos que seja esse processo

39

7) de outra parte a loacutegica do predicado bioloacutegico natildeo soluciona natildeo

tem resposta para o complexo problemaacutetico da sociabilidade enquanto que esta

daacute soluccedilatildeo aos imperativos daquela Como diz Marx nos Manuscritos de 44 o

homem contempla a natureza e a si mesmo com um produto social [dos homens

interativos] com pleno direito mesmo que natildeo com elevada consciecircncia ou altos

valores

8) Donde a foacutermula lukaacutecsiana da dupla base eacute falsa pois a plataforma

eacute a sociabilidade enquanto a naturalidade eacute apenas o insuprimiacutevel predicado

bioloacutegico que passa a vigir na forma e sob a regecircncia da sociabilidade Natildeo

perde por isso uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo orgacircnica mas na sua efetividade

muda de caraacuteter No interiro da esfera societaacuteria o predicado bioloacutegico eacute um

outro de si Se originariamente foi o ponto de partida agora eacute produzido e

reproduzido pela legalidade de um ser que o ultrapassa e o domina vive e soacute

pode viver na subjugaccedilatildeo de um novo estatuto Ou seja ao integrar como

predicado o ser de niacutevel mais elevado realiza a sua maacutexima potecircncia e isso eacute

ao mesmo tempo sua desnaturalizaccedilatildeo ou perecimento Impereciacutevel como

predicado natildeo eacute base pois determina soacute por seus limites pelas carecircncias natildeo

pelas determinaccedilotildees resolutivas nem mesmo em suas forccedilas e sentidos pois

enquanto virtualidades estas soacute satildeo humanas e superiores em resoluccedilatildeo

societaacuteria Ademais natildeo eacute nunca um criador de novas necessidades o que

caracteriza a legalidade social

9) A argumentaccedilatildeo acima diz respeito diretamente ao ser social em sua

configuraccedilatildeo bipolar (indiviacuteduo e gecircnero) e desenvolvida em especial no poacutelo da

individualidade tendo por esteio o andamento do gecircnero e ao falar deste se diz

do seu metabolismo com a natureza Esse metabolismo fundamental que eacute em

suma a atividade vital do homem ao gerar produtos sociais

(utilidadesmercadorias) sem que se possa transpor a estes as mesmas

determinaccedilotildees que foram feitas para o ser social desde logo satildeo entes sociais

mas em outro grau da escala do ser social mas tambeacutem tecircm mudada a sua

natureza de naturais a utilidades (e na forma da alienaccedilatildeofetichismo as

40

mercadorias) de sorte que a apropriaccedilatildeo da natureza eacute igualmente sua

desnaturalizaccedilatildeo eacute forccedilaacute-las a deixar de ser o que satildeo em sua peculiaridade

para se tornarem um outro de si sob a regecircncia do estatuto societaacuterio Isso eacute a

manifestaccedilatildeo do poder e da superioridade do grau maacuteximo do ser Nenhum

outro ser realiza qualquer coisa semelhante nem longinquumlamente Repetindo

Kant e Hegel Marx tinha toda razatildeo quando disse que haacute mais grandeza e

misteacuterio na cabeccedila de um becircbado do que no conjunto do universo

10) a Sociabilidade imperfeita substacircncia ainda natildeo realizada enquanto

tal ou seja ainda incapaz de autonomia como complexo estruturado conduz agrave

poliacutetica Natildeo compreendida como substacircncia mas como simples organizaccedilatildeo

potildee o homem no outro poacutelo na dicotomia homemsociedade ou seja na

representaccedilatildeo socioloacutegica ou politoloacutegica o homem eacute um outro

Determinada ou compreendida como substacircncia eacute substacircncia humana

(perfeita e imperfeita com todas as grandezas e miseacuterias produzidas

modificadas suprimidas e repostas no curso histoacuterico) eacute a essecircncia mutante do

ser auto-engendrado e enquanto mutante e por ser mutante distinta tambeacutem

por essa mutabilidade do predicado bioloacutegico atemporalmente necessaacuterio mas

sempre e progressivamente insuficiente do ser social

O tomo IV do primeiro nuacutemero da Revista Ensaios Ad Hominem eacute

composto de seis artigos - aleacutem do texto de abertura de autoria de J Chasin -

que resultaram de siacutenteses ou modificaccedilatildeo de partes ou capiacutetulos de

dissertaccedilotildees defendidas entre os anos de 1998 e 1999 junto ao Programa de

Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia da UFMG

41

O artigo que abre a presente coletacircnea intitulado A Razatildeo como

Tribunal da Criacutetica Marx e A Gazeta Renana de autoria de Celso Eidt versa

sobre a concepccedilatildeo do jovem Marx sobre o papel da imprensa natildeo apenas como

o locus privilegiado para o debate filosoacutefico mas fundamentalmente para os

processos educativos tendo em vista a realizaccedilatildeo plena da liberdade humana Eacute

bom ressaltar que no periacuteodo em que tais artigos satildeo redigidos Marx

compartilha de uma visatildeo antropoloacutegica racional em que a natureza humana eacute

concebida como espiacuterito livre e racional enquanto esteio da proacutepria vida eacutetica

ou seja da praacutetica humana fundada na razatildeo universal

Ana Selva Albinati autora do artigo A Determinaccedilatildeo dos Valores

Morais nos textos de Marx de 1841 a 1847 se debruccedila justamente sobre tal

campo de reflexatildeo Seu trabalho eacute uma tentativa de sistematizaccedilatildeo das

consideraccedilotildees sobre os valores morais nos textos do periacuteodo que se inicia com

sua tese doutoral Diferenccedilas entre as Filosofias da Natureza de Demoacutecrito e

Epicuro prosseguindo ateacute A Miseacuteria da Filosofia Ana Selva procura demonstrar

que esse periacuteodo normalmente referido como sendo o da juventude de Marx eacute

na verdade constituiacutedo de dois momentos de sua elaboraccedilatildeo teoacuterica que tem

como momento de clivagem a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel de meados

de 1843 em que Marx rompe com o referencial teoacuterico do idealismo alematildeo Em

relaccedilatildeo agraves determinaccedilotildees sobre a moral essa ruptura se reflete na inflexatildeo

radical que diferencia a compreensatildeo da moralidade no primeiro e segundo

momentos de tal forma que a moralidade passa a ser compreendida como um

dos modos da consciecircncia socialmente determinada concepccedilatildeo completamente

distinta da primeira fase em que os valores morais eram compreendidos como

expressotildees da liberdade e da racionalidade humanas idealmente concebidas

No artigo A criacutetica da Especulaccedilatildeo nas Glosas de Kreuznach Milney

Chasin analisa o momento inicial e ao mesmo tempo decisivo da ruptura que

se verifica entre Marx e Hegel no plano das determinaccedilotildees do ser Desse modo

a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel inaugura a criacutetica marxiana da

especulaccedilatildeo no seu cerne o de rejeitar o procedimento especulativo

42

caracteriacutestico de se provir tudo da ideacuteia real de tornaacute-la sujeito isto eacute de

capacitar a abstraccedilatildeo ou conceito automovido - a partir das metamorfoses

hegelianas - de pocircr o multiverso sensiacutevel Em outros termos Milney Chasin no

referido artigo evidencia como a criacutetica da especulaccedilatildeo permite a Marx

ultrapassar os horizontes do idealismo alematildeo na direccedilatildeo do devido

reconhecimento da distinccedilatildeo entre ser e pensar de caracterizar a impropriedade

ontoloacutegica da loacutegica hegeliana de apurar os limites gnosioloacutegicos e

incongruecircncias de toda ordem Em suma permite o desvelamento da substacircncia

miacutestica oferecendo a explicitaccedilatildeo do meacutetodo hegeliano - das diabruras do

conceito autoposto - que articula abstraccedilotildees e finitude restando a esta a mera

condiccedilatildeo de apecircndice dissolvido isto eacute momento virtual da realizaccedilatildeo da

idealidade

O quarto artigo desta coletacircnea intitulado A Exteriorizaccedilatildeo da Vida nos

Manuscritos de 44 eacute parte da dissertaccedilatildeo de mestrado As Categorias

Lebensaumlusserung Entaumlusserung Entfremdung e Veraumlusserung nos Manuscritos

Economico-Filosoacuteficos de Karl Marxdefendida por Mocircnica H M da Costa em

que o interesse era acima de tudo averiguar se alienaccedilatildeo (Entaumlusserung) e

estranhamento (Entfremdung) teriam significados distintos A pesquisa acabou

opor apontar no entanto uma outra categoria como eixo desses manuscritos

Lebensaumlusserung traduzida por exteriorizaccedilatildeo da vida De fato o fio condutor

dos Manuscritos eacute a centralidade do trabalho na produccedilatildeo material e espiritual

da vida humana Tomando para anaacutelise criacutetica pela primeira vez os

economistas claacutessicos Marx explicita sua proacutepria compreensatildeo da forma

peculiar de engendramento da existecircncia do homem A criacutetica a Hegel completa

o quadro desta tematizaccedilatildeo que natildeo seraacute abandonada ateacute os uacuteltimos trabalhos

de Marx

Sabina Maura Silva no artigo A Fenomenologia do Egoiacutesmo Stirner e a

Criacutetica Marxiana tem como objetivo fundamental apresentar a concepccedilatildeo de

homem presente na obra O Uacutenico e Sua Propriedade de autoria do filoacutesofo

neohegeliano Max Stirner e expor a criacutetica de Marx a este autor contida em A

43

Ideologia Alematilde A autora mostra que para Stirner o Eu tomado como

individualidade singular eacute o fundamento de sua esfera existencial No entanto

para esse autor tudo tem determinado a existecircncia dos indiviacuteduos natildeo tendo

sido permitido a eles determinaacute-la O objetivo de Stirner eacute pois remeter ao

indiviacuteduo - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel - o que dele foi alienado e erigido

como algo autocircnomo Por seu turno a criacutetica de Marx tem como fim explicitar o

caraacuteter especulativo da anaacutelise stirneana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo

bem como salientar o aspecto pseudorevolucionaacuterio de suas proposituras

Assim segundo Marx Stirner tatildeo somente interpreta diferentemente o

existente isto eacute reconhece o existente mediante outra

interpretaccedilatildeoTransformando as contradiccedilotildees objetivas em contradiccedilotildees

subjetivas Stirner conserva e justifica as condiccedilotildees e estruturas efetivas que

esmagam e impedem a autodeterminaccedilatildeo das individualidades ao reconhecer

as circunstacircncias como determinaccedilotildees dos indiviacuteduos Acolhendo acriacutetica e

especulativamente em suas feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees

estranhadas de um momento histoacuterico particular da individuaccedilatildeo humana

Stirner erige como individualidade um ente que empobrecido e constrangido

pelas condiccedilotildees objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade

social pode somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria

sobre si e sobre o mundo

O uacuteltimo artigo do tomo IV da Revista Ensaios Ad Hominem eacute de

autoria de Antocircnio Joseacute Lopes Alves e leva o tiacutetulo de A Individualidade

Moderna nos Grundrisse Neste texto o autor procura demonstrar que a

moderna sociabilidade do capital eacute compreendida por Marx como forma

instaurada a partir da dissoluccedilatildeo dos liames sociais que uniam em tempos

anteriores os indiviacuteduos agrave comunidade Aleacutem disso destaca o fato apontado por

Marx de que tal processo se constitui numa verdadeira reconversatildeo ontoloacutegica

tanto dos indiviacuteduos quanto das condiccedilotildees da atividade vital ocorrendo uma

radical transformaccedilatildeo na forma de ser de ambos Sinteticamente trata-se de

reconfiguraccedilatildeo ontoloacutegica que determina como entes autocircnomos os indiviacuteduos

44

de um lado e as condiccedilotildees de trabalho de outro vale dizer do divoacutercio entre os

indiviacuteduos ativos e as condiccedilotildees de sua atividade Antocircnio Lopes buscou em

suma alinhar as determinaccedilotildees mais essenciais dos indiviacuteduos e da

sociablidade modernos no que respeita agrave forma mesma das relaccedilotildees sociais da

atividade sensiacutevel bem como da respectiva expressatildeo ideal como por exemplo

a configuraccedilatildeo das categorias da igualdade e liberdade

O leitor encontraraacute nas paacuteginas que se seguem o resultado do esforccedilo

de pesquisa voltado ao resgate da obra marxiana caracterizado pela busca do

rigor na leitura e interpretaccedilatildeo do pensamento de um autor cuja heranccedila

intelectual conheceu um destino traacutegico Natildeo eacute faacutecil portanto voltar-se a ela

sem os preconceitos da moda - como jaacute havia advertido Lukaacutecs Natildeo posso

afirmar com total certeza que um intento dessa natureza tenha sido plenamente

alcanccedilado Todavia eacute faacutecil perceber as diferenccedilas desse tipo de produccedilatildeo teoacuterica

com aquela apresentada tanto pelo marxismo adstringido e suas dissidecircncias

como pelo marxismo vulgar para utilizar as expressotildees cunhadas por Chasin no

intuito de designar as duas variantes de interpretaccedilatildeo da obra marxiana

Faccedilo aqui ao leitor interessado o convite para participar dessa

avaliaccedilatildeo

[1] Professora do Departamento de Filosofia da UFMG coordenadora

do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e Estudos Confluentes

45

[i] J CHASIN Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in

Teixeira FJS Pensando com Marx Editora Ensaio Satildeo Paulo 1995

[ii] K MARX amp F ENGELS A Sagrada Famiacutelia Ed Grijalbo trad

Wenceslao Roces Meacutexico DF 1960 p 120

[iii] Ver a respeito J CHASIN Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo

Metodoloacutegica opcit

[iv] J CHASIN O Futuro Ausente in Ensaios Ad Hominem 1 tomo III

Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem Satildeo Paulo 2000 p 166

[v] Ib p 167

[vi] Id

[vii] E CASSIRER A Filosofia do Iluminismo Editora da Unicamp

Campinas 1992 p 11

[viii] G LUKAacuteCS La Riproduzionein Per lOntologia delle Essere

Sociale Roma Editori Riuniti tomo II 1981 pp 180-81

[ix] N HARTMANN Ontologia Fondo de Cultura Econoacutemica Meacutexico D

F vol 1 1986

[x] K MARX O Capital vol I Ediccedilatildeo Abril Cultural Satildeo Paulo p 149

[xi] Id

[xii] Ib p 150

[xiii] (a respeito dessas categorias ver N HARTMANN Ontologia op cit

vol I p XII

46

47

[xiv] No original alematildeo in der Form des Seins Dietz Verlag 1971 p

195

[xv] Ib p 151

[xvi] Ver a respeito em J CHASIN Marx-Estatuto Ontoloacutegico e

Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica op cit

[xvii] K MARX op Cit p 126

Page 34: :: Verinotio - Revista On-line de Educao e Cincias Humanas · O leitor encontrará, portanto, nessa Apresentação o fruto de trabalho de coleta e organização de materiais utilizados

coerecircncia agrave forma de um saber universal plantado sobre uma racionalidade

auto-sustentada ou seja fundado na razatildeo universal nada mais a versatildeo laica

ou profana de Deus no dizer de Feuerbach Ou seja trata-se enfim de uma

forma de ontologia sem parentesco com o saber absoluto e que recusa qualquer

tipo de fundamento especulativo pois absolutizaccedilatildeo de uma teoria da

fundamentaccedilatildeo eacute simplesmente a firmaccedilatildeo especulativa da razatildeo autocircnoma ou

de um princiacutepio de inteligibilidade situado para aleacutem das coisas que garante a

presenccedila e o conhecimento do sagrado e a vitoacuteria antecipada do idealismo Natildeo

correspondendo agrave qualquer forma de saber universal a ontologia marxiana

sustenta a possibilidade efetiva como jaacute vimos de um saber real

Por sua praacutetica teoacuterica e por um conjunto de lineamentos expliacutecitos

Marx deixou o legado de um especiacutefico estatuto ontoloacutegico natildeo um ontologia de

talhe convencional ou tradicional e natildeo apenas por que careceu de tempo

necessaacuterio para a realizaccedilatildeo de uma obra desse tipo mas fundamentalmente

pela distinccedilatildeo de natureza de seu estatuto ontoloacutegico radicalmente oposto ao

tratamento especulativo da mateacuteria

Esse estatuto eacute constituiacutedo a partir do universo praacutetico onticamente

referido ou seja eacute um estatuto ocircntico-ontoloacutegico pois evolve da efetividade

histoacuterica das coisas de suas relaccedilotildees e processos para sua reproduccedilatildeo

conceitual no plano de uma trama categorial em sua expressatildeo mais abstrata

Reconhecimento e Determinaccedilatildeo da Sociabilidade como Substacircncia

Vimos que segundo Chasin enquanto estatuto coacutedigo ou plataforma

da legalidade do ser social em sua materialidade e espiritualidade[pode-se dizer

tambeacutem em sua objetividade sensiacutevel e supra-sensiacutevel] ou seja enquanto

malha de asserccedilotildees ou determinaccedilotildees de seu complexo categorial a ontologia

34

estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a sociabilidade como substacircncia desse

grau maacuteximo do ser

Embora Chasin natildeo tenha desenvolvido plenamente a questatildeo da

objetividade supra-sensiacutevel como tambeacutem a da sociabilidade como substacircncia

julgo conveniente transcrever tambeacutem algumas notas e comentaacuterios feitos em

sala de aula dada a importacircncia do tema

Em relaccedilatildeo agrave noccedilatildeo de substacircncia Chasin retoma sua noccedilatildeo mais geral

e tradicional Ou seja deixando de fora qualquer conotaccedilatildeo relativa a formas de

idealidade o que existe por si eacute um auto-engendrado a uacuteltima instacircncia de um

dado gecircnero de entificaccedilatildeo enquanto tal na medida em que eacute uma efetividade

eacute um complexo que a noccedilatildeo de substacircncia refere no mais alto grau de

abstraccedilatildeo Vale pois como abstraccedilatildeo razoaacutevel tal como todo conceito

marxiano nesse niacutevel de generalizaccedilatildeo a partir do qual pela via dos processos

de concreccedilatildeo satildeo determinaacuteveis as formas concretas de substacircncia

correspondentes agraves formaccedilotildees sociais reais

Dessa forma a substacircncia eacute um complexo histoacuterico natildeo uma

idealidade natildeo um construto da razatildeo auto-sustentada mas o resumo de uma

extraccedilatildeo justificada

Naturalidade e Sociabilidade

Sempre que se potildee a questatildeo da naturalidade e da sociabilidade essa

uacuteltima tende a ser examinada in statu nascendi ou de um estado original

imaginaacuterio natildeo se parte portanto de fatos pois os desconhecemos se eacute que

35

tenham existido mas de um mito E do mito se quer saltar para o quadro de uma

realidade complexa

Mas acompanhando Marx lembremos das pobres robinsonadas do

seacuteculo XVIII referidas logo agraves primeiras linhas da Introduccedilatildeo de 57 a) O

caccedilador e o pescador individuais e isolados de que partem Smith e Ricardo b)

o contrat social de Rousseau que relaciona e liga sujeitos independentes por

natureza por meio de um contrato Essas robinsonadas natildeo repousam sobre

(o) naturalismo E a argumentaccedilatildeo prossegue Trata-se ao contraacuterio de uma

antecipaccedilatildeo da sociedade (buumlrgelichen Gesellschaft) que se preparava desde

o seacuteculo XVI e no seacuteculo XVIII deu larguiacutessimos passos em direccedilatildeo agrave sua

maturidade Nesta sociedade da livre concorrecircncia o indiviacuteduo aparece

desprendido dos laccedilos naturais que em eacutepocas histoacutericas remotas fizeram dele

um acessoacuterio de um conglomerado humano limitado e determinado Os profetas

do seacuteculo XVIII sobre cujos ombros se apoacuteiam inteiramente Smith e Ricardo

imaginam o indiviacuteduo do seacuteculo XVIII como um ideal que teria existido no

passado Vecircem-no natildeo como um resultado histoacuterico mas como ponto de partida

da Histoacuteria porque o consideram como um indiviacuteduo conforme agrave natureza -

dentro da representaccedilatildeo que tinham da natureza humana - que natildeo se originou

historicamente mas foi posto como tal pela natureza[xvii]

Segundo Chasin tomando Marx novamente como ponto de referecircncia

os equiacutevocos que aparecem ao se tratar a relaccedilatildeo naturalidade sociabilidade

satildeo os seguintes

1) procurar deduzir em graus diferentes em cada caso o ser social do

natural esquecendo que se trata da emergecircncia do novo de uma configuraccedilatildeo

ontoloacutegica nova e que o novo nunca eacute um simples desdobramento do estaacutegio

anterior no caso - do grau de ser antecedente ou seja que entre os dois niacuteveis

ocorre o que se chama de salto um intervalo em que a potecircncia causal do

antecedente natildeo conteacutem a capacidade a potecircncia ou a potencialidade para

gerar o novo Um intervalo que fica assim indeterminado

36

2) o procedimento acima abre para a mera especulaccedilatildeo pois tende a

deduzir a indeterminaccedilatildeo a querer estabelecer nexos onde eles inexistem

tende a preencher o que de fato eacute um vazio A rigor natildeo se trata de um natildeo-

sabido mas da ausecircncia factual de um objeto ou processo em outros termos

se trata de um vazio ontoloacutegico de uma ausecircncia de nexos ontoloacutegicos

O correto segundo o modus operandi marxiano natildeo eacute partir da semente

ou do embriatildeo mas do complexo real maturado uma vez que

especialiacutessimamente na esfera social a loacutegica do gerado eacute diversa da loacutegica de

sua gecircnese aleacutem de que nesse acircmbito as entificaccedilotildees configuradas apagam a

rota e a loacutegica de sua formaccedilatildeo

Desse modo partindo do jaacute configurado e considerando que se trata de

uma configuraccedilatildeo infinita que compreende mutaccedilotildees qualitativas muito

importantes e natildeo esquecendo que permanecemos no estaacutegio preacute-histoacuterico (em

momento especialmente desequilibrado e contraditoacuterio) podemos e devemos

reconhecer por meio de algumas abstraccedilotildees razoaacuteveis o seguinte

1) A formaccedilatildeo do ser social eacute um processo da animalidade agrave

hominidade o andamento da naturalidade agrave sociabilidade o caminho infinito da

naturalidade dada agrave sociabilidade natildeo-dada em produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

perenes

2)Trata-se pois de uma entificaccedilatildeo processual entre dois niacuteveis ou

poacutelos da escala do ser sendo processo eacute intrinsecamente uma contradiccedilatildeo e soacute

enquanto tal se move eliminada a contradiccedilatildeo cessaria a possibilidade do

processo Com isso eacute dito algo muito importante pois ao reconhecer a

contraditoriedade entre naturalidade e sociabilidade natildeo eacute mais possiacutevel pensar

as mesmas a propoacutesito do ser social como um simples conjugado de fatores

mas obrigatoriamente como uma conjugaccedilatildeo contraditoacuteria de legalidades Isso

vai na esteira do que eacute compreendido desde Hegel - que o ser eacute uma unidade

contraditoacuteria - todavia com o acreacutescimo do problema da dupla legalidade De

37

que modo ou feiccedilatildeo chega cada uma delas agrave unidade contraditoacuteria do ser Pois

haacute que pensar na unidade ou siacutentese a natildeo ser que se queira desenhar o ser

social como uma aberraccedilatildeo hiacutebrida pode ser esta a fisionomia do grau mais

elevado do gradiente dos seres Assim tomada na devida consideraccedilatildeo essa

determinaccedilatildeo ontoloacutegica sem a qual a reflexatildeo perde o rumo trata-se de

compreender a dinacircmica especiacutefica dessa contradiccedilatildeo peculiar Vejamos

3) Em primeiro lugar esse processo contraditoacuterio gera novas

contradiccedilotildees agora dominantemente contradiccedilotildees da sociabilidade em

formaccedilatildeo de sorte que se trata de um processo cumulativo de

contraditoriedades no qual as novas contradiccedilotildees progressivamente vatildeo

tomando o lugar predominante e decisivo vale dizer a contradiccedilatildeo originaacuteria

cada vez mais coabita com contradiccedilotildees de outro gecircnero diante das quais sua

presenccedila vai mudando de forccedila e configuraccedilatildeo natildeo desaparece mas sua

qualidade vai mudando na proporccedilatildeo mesmo do desenvolvimento da

apropriaccedilatildeo societaacuteria da natureza cada vez mais puramente social - eacute no que

consiste de acordo com as palavras de Marx o progressivo afastamento das

barreiras naturais

4) Ou seja a matriz e a medida do afastamento eacute a forma cada vez

mais social de produzir e reproduzir as bases materiais da vida pela qual eacute

gerado o novo ser em direccedilatildeo agrave sua potecircncia ampliada de se auto-por de ir em

direccedilatildeo a si mesmo um si mesmo que natildeo eacute dado mas gerado na progressatildeo

da auto-posiccedilatildeo do auto-assentamento ou da auto-enformaccedilatildeo que inclui a

proacutepria daccedilatildeo de forma e resoluccedilatildeo ao predicado natural ou bioloacutegico daccedilatildeo de

forma que em suma eacute daccedilatildeo de forma social ao predicado natural

5) Essa possibilidade de daccedilatildeo de forma eacute afirmaccedilatildeo e realizaccedilatildeo da

essecircncia social que eacute o conjunto de relaccedilotildees sociais configuradas em cada

momento pelo modo de produzir da base material modo por sua vez que eacute

determinado pelo desenvolvimento das forccedilas produtivas entre as quais figura o

proacuteprio modo de organizaccedilatildeo do conjunto das relaccedilotildees sociais

38

6) Daccedilatildeo de forma eacute alteraccedilatildeo do lugar resolutivo e todo ente que muda

de lugar muda de natureza sem alterar uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo material

Vale dizer que a contradiccedilatildeo originaacuteria entre naturalidade e sociabilidade eacute

resolvida por uma nova contradiccedilatildeo - a da naturalidade que soacute se realiza na

forma e por meios sociais - no afastamento que eacute superaccedilatildeo da naturalidade

(processo histoacuterico) a legalidade natural eacute submetida agrave legalidade social

(diferentemente em cada modo de produccedilatildeo e de acordo com o

desenvolvimento das forccedilas produtivas) o fator natural natildeo eacute suprimido

suprimida eacute sua capacidade de autodeterminaccedilatildeo resta portanto

simplesmente o que natildeo eacute pouco como um predicado do ser humano um

predicado insuprimiacutevel mas apenas como predicado bioloacutegico de um ser de

outra natureza e essecircncia A naturalidade eacute retida como predicado

imprescindiacutevel mas natildeo como essecircncia Donde natildeo satildeo mais duas legalidades

ontoloacutegicas que coexistem mas a legalidade superior mais complexa subsume

a legalidade natural que natildeo mais se autodetermina mas eacute resolvida pela e do

interior da outra Assim o predicado natural do homem recebe forma e

resoluccedilatildeo sociais ou seja o predicado natural eacute subsumido agrave legalidade social

Natildeo resta mais o choque de duas legalidades contrapostas na

contradiccedilatildeo originaacuteria A legalidade natural vai sucumbindo na ruptura e

progressivamente agrave legalidade social em sua efetividade no ser social a

legalidade natural natildeo mais atua por si eacute dependente do social natildeo eacute mais a

legalidade de um ser pois natildeo haacute mais aiacute um ser natural mas um atributo

natural dependente da essecircncia social O homem eacute um ser social que

compreende sua essecircncia especiacutefica (variaacutevel) suas contingecircncias e seu

predicado bioloacutegico Na entificaccedilatildeo do ser social uacuteltimo grau da cadeia do ser a

legalidade natural eacute subalternizada agrave social por mais ruacutestica e restrita que seja a

essecircncia social primitiva e por mais precaacuteria que seja essa subalternizaccedilatildeo de

iniacutecio O processo de afastamento das barreiras naturais eacute assim o curso dessa

subalternizaccedilatildeo que desponta no iniacutecio na ruptura com a legalidade natural e

por mais longo e contraditoacuterio em avanccedilos e recuos que seja esse processo

39

7) de outra parte a loacutegica do predicado bioloacutegico natildeo soluciona natildeo

tem resposta para o complexo problemaacutetico da sociabilidade enquanto que esta

daacute soluccedilatildeo aos imperativos daquela Como diz Marx nos Manuscritos de 44 o

homem contempla a natureza e a si mesmo com um produto social [dos homens

interativos] com pleno direito mesmo que natildeo com elevada consciecircncia ou altos

valores

8) Donde a foacutermula lukaacutecsiana da dupla base eacute falsa pois a plataforma

eacute a sociabilidade enquanto a naturalidade eacute apenas o insuprimiacutevel predicado

bioloacutegico que passa a vigir na forma e sob a regecircncia da sociabilidade Natildeo

perde por isso uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo orgacircnica mas na sua efetividade

muda de caraacuteter No interiro da esfera societaacuteria o predicado bioloacutegico eacute um

outro de si Se originariamente foi o ponto de partida agora eacute produzido e

reproduzido pela legalidade de um ser que o ultrapassa e o domina vive e soacute

pode viver na subjugaccedilatildeo de um novo estatuto Ou seja ao integrar como

predicado o ser de niacutevel mais elevado realiza a sua maacutexima potecircncia e isso eacute

ao mesmo tempo sua desnaturalizaccedilatildeo ou perecimento Impereciacutevel como

predicado natildeo eacute base pois determina soacute por seus limites pelas carecircncias natildeo

pelas determinaccedilotildees resolutivas nem mesmo em suas forccedilas e sentidos pois

enquanto virtualidades estas soacute satildeo humanas e superiores em resoluccedilatildeo

societaacuteria Ademais natildeo eacute nunca um criador de novas necessidades o que

caracteriza a legalidade social

9) A argumentaccedilatildeo acima diz respeito diretamente ao ser social em sua

configuraccedilatildeo bipolar (indiviacuteduo e gecircnero) e desenvolvida em especial no poacutelo da

individualidade tendo por esteio o andamento do gecircnero e ao falar deste se diz

do seu metabolismo com a natureza Esse metabolismo fundamental que eacute em

suma a atividade vital do homem ao gerar produtos sociais

(utilidadesmercadorias) sem que se possa transpor a estes as mesmas

determinaccedilotildees que foram feitas para o ser social desde logo satildeo entes sociais

mas em outro grau da escala do ser social mas tambeacutem tecircm mudada a sua

natureza de naturais a utilidades (e na forma da alienaccedilatildeofetichismo as

40

mercadorias) de sorte que a apropriaccedilatildeo da natureza eacute igualmente sua

desnaturalizaccedilatildeo eacute forccedilaacute-las a deixar de ser o que satildeo em sua peculiaridade

para se tornarem um outro de si sob a regecircncia do estatuto societaacuterio Isso eacute a

manifestaccedilatildeo do poder e da superioridade do grau maacuteximo do ser Nenhum

outro ser realiza qualquer coisa semelhante nem longinquumlamente Repetindo

Kant e Hegel Marx tinha toda razatildeo quando disse que haacute mais grandeza e

misteacuterio na cabeccedila de um becircbado do que no conjunto do universo

10) a Sociabilidade imperfeita substacircncia ainda natildeo realizada enquanto

tal ou seja ainda incapaz de autonomia como complexo estruturado conduz agrave

poliacutetica Natildeo compreendida como substacircncia mas como simples organizaccedilatildeo

potildee o homem no outro poacutelo na dicotomia homemsociedade ou seja na

representaccedilatildeo socioloacutegica ou politoloacutegica o homem eacute um outro

Determinada ou compreendida como substacircncia eacute substacircncia humana

(perfeita e imperfeita com todas as grandezas e miseacuterias produzidas

modificadas suprimidas e repostas no curso histoacuterico) eacute a essecircncia mutante do

ser auto-engendrado e enquanto mutante e por ser mutante distinta tambeacutem

por essa mutabilidade do predicado bioloacutegico atemporalmente necessaacuterio mas

sempre e progressivamente insuficiente do ser social

O tomo IV do primeiro nuacutemero da Revista Ensaios Ad Hominem eacute

composto de seis artigos - aleacutem do texto de abertura de autoria de J Chasin -

que resultaram de siacutenteses ou modificaccedilatildeo de partes ou capiacutetulos de

dissertaccedilotildees defendidas entre os anos de 1998 e 1999 junto ao Programa de

Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia da UFMG

41

O artigo que abre a presente coletacircnea intitulado A Razatildeo como

Tribunal da Criacutetica Marx e A Gazeta Renana de autoria de Celso Eidt versa

sobre a concepccedilatildeo do jovem Marx sobre o papel da imprensa natildeo apenas como

o locus privilegiado para o debate filosoacutefico mas fundamentalmente para os

processos educativos tendo em vista a realizaccedilatildeo plena da liberdade humana Eacute

bom ressaltar que no periacuteodo em que tais artigos satildeo redigidos Marx

compartilha de uma visatildeo antropoloacutegica racional em que a natureza humana eacute

concebida como espiacuterito livre e racional enquanto esteio da proacutepria vida eacutetica

ou seja da praacutetica humana fundada na razatildeo universal

Ana Selva Albinati autora do artigo A Determinaccedilatildeo dos Valores

Morais nos textos de Marx de 1841 a 1847 se debruccedila justamente sobre tal

campo de reflexatildeo Seu trabalho eacute uma tentativa de sistematizaccedilatildeo das

consideraccedilotildees sobre os valores morais nos textos do periacuteodo que se inicia com

sua tese doutoral Diferenccedilas entre as Filosofias da Natureza de Demoacutecrito e

Epicuro prosseguindo ateacute A Miseacuteria da Filosofia Ana Selva procura demonstrar

que esse periacuteodo normalmente referido como sendo o da juventude de Marx eacute

na verdade constituiacutedo de dois momentos de sua elaboraccedilatildeo teoacuterica que tem

como momento de clivagem a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel de meados

de 1843 em que Marx rompe com o referencial teoacuterico do idealismo alematildeo Em

relaccedilatildeo agraves determinaccedilotildees sobre a moral essa ruptura se reflete na inflexatildeo

radical que diferencia a compreensatildeo da moralidade no primeiro e segundo

momentos de tal forma que a moralidade passa a ser compreendida como um

dos modos da consciecircncia socialmente determinada concepccedilatildeo completamente

distinta da primeira fase em que os valores morais eram compreendidos como

expressotildees da liberdade e da racionalidade humanas idealmente concebidas

No artigo A criacutetica da Especulaccedilatildeo nas Glosas de Kreuznach Milney

Chasin analisa o momento inicial e ao mesmo tempo decisivo da ruptura que

se verifica entre Marx e Hegel no plano das determinaccedilotildees do ser Desse modo

a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel inaugura a criacutetica marxiana da

especulaccedilatildeo no seu cerne o de rejeitar o procedimento especulativo

42

caracteriacutestico de se provir tudo da ideacuteia real de tornaacute-la sujeito isto eacute de

capacitar a abstraccedilatildeo ou conceito automovido - a partir das metamorfoses

hegelianas - de pocircr o multiverso sensiacutevel Em outros termos Milney Chasin no

referido artigo evidencia como a criacutetica da especulaccedilatildeo permite a Marx

ultrapassar os horizontes do idealismo alematildeo na direccedilatildeo do devido

reconhecimento da distinccedilatildeo entre ser e pensar de caracterizar a impropriedade

ontoloacutegica da loacutegica hegeliana de apurar os limites gnosioloacutegicos e

incongruecircncias de toda ordem Em suma permite o desvelamento da substacircncia

miacutestica oferecendo a explicitaccedilatildeo do meacutetodo hegeliano - das diabruras do

conceito autoposto - que articula abstraccedilotildees e finitude restando a esta a mera

condiccedilatildeo de apecircndice dissolvido isto eacute momento virtual da realizaccedilatildeo da

idealidade

O quarto artigo desta coletacircnea intitulado A Exteriorizaccedilatildeo da Vida nos

Manuscritos de 44 eacute parte da dissertaccedilatildeo de mestrado As Categorias

Lebensaumlusserung Entaumlusserung Entfremdung e Veraumlusserung nos Manuscritos

Economico-Filosoacuteficos de Karl Marxdefendida por Mocircnica H M da Costa em

que o interesse era acima de tudo averiguar se alienaccedilatildeo (Entaumlusserung) e

estranhamento (Entfremdung) teriam significados distintos A pesquisa acabou

opor apontar no entanto uma outra categoria como eixo desses manuscritos

Lebensaumlusserung traduzida por exteriorizaccedilatildeo da vida De fato o fio condutor

dos Manuscritos eacute a centralidade do trabalho na produccedilatildeo material e espiritual

da vida humana Tomando para anaacutelise criacutetica pela primeira vez os

economistas claacutessicos Marx explicita sua proacutepria compreensatildeo da forma

peculiar de engendramento da existecircncia do homem A criacutetica a Hegel completa

o quadro desta tematizaccedilatildeo que natildeo seraacute abandonada ateacute os uacuteltimos trabalhos

de Marx

Sabina Maura Silva no artigo A Fenomenologia do Egoiacutesmo Stirner e a

Criacutetica Marxiana tem como objetivo fundamental apresentar a concepccedilatildeo de

homem presente na obra O Uacutenico e Sua Propriedade de autoria do filoacutesofo

neohegeliano Max Stirner e expor a criacutetica de Marx a este autor contida em A

43

Ideologia Alematilde A autora mostra que para Stirner o Eu tomado como

individualidade singular eacute o fundamento de sua esfera existencial No entanto

para esse autor tudo tem determinado a existecircncia dos indiviacuteduos natildeo tendo

sido permitido a eles determinaacute-la O objetivo de Stirner eacute pois remeter ao

indiviacuteduo - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel - o que dele foi alienado e erigido

como algo autocircnomo Por seu turno a criacutetica de Marx tem como fim explicitar o

caraacuteter especulativo da anaacutelise stirneana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo

bem como salientar o aspecto pseudorevolucionaacuterio de suas proposituras

Assim segundo Marx Stirner tatildeo somente interpreta diferentemente o

existente isto eacute reconhece o existente mediante outra

interpretaccedilatildeoTransformando as contradiccedilotildees objetivas em contradiccedilotildees

subjetivas Stirner conserva e justifica as condiccedilotildees e estruturas efetivas que

esmagam e impedem a autodeterminaccedilatildeo das individualidades ao reconhecer

as circunstacircncias como determinaccedilotildees dos indiviacuteduos Acolhendo acriacutetica e

especulativamente em suas feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees

estranhadas de um momento histoacuterico particular da individuaccedilatildeo humana

Stirner erige como individualidade um ente que empobrecido e constrangido

pelas condiccedilotildees objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade

social pode somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria

sobre si e sobre o mundo

O uacuteltimo artigo do tomo IV da Revista Ensaios Ad Hominem eacute de

autoria de Antocircnio Joseacute Lopes Alves e leva o tiacutetulo de A Individualidade

Moderna nos Grundrisse Neste texto o autor procura demonstrar que a

moderna sociabilidade do capital eacute compreendida por Marx como forma

instaurada a partir da dissoluccedilatildeo dos liames sociais que uniam em tempos

anteriores os indiviacuteduos agrave comunidade Aleacutem disso destaca o fato apontado por

Marx de que tal processo se constitui numa verdadeira reconversatildeo ontoloacutegica

tanto dos indiviacuteduos quanto das condiccedilotildees da atividade vital ocorrendo uma

radical transformaccedilatildeo na forma de ser de ambos Sinteticamente trata-se de

reconfiguraccedilatildeo ontoloacutegica que determina como entes autocircnomos os indiviacuteduos

44

de um lado e as condiccedilotildees de trabalho de outro vale dizer do divoacutercio entre os

indiviacuteduos ativos e as condiccedilotildees de sua atividade Antocircnio Lopes buscou em

suma alinhar as determinaccedilotildees mais essenciais dos indiviacuteduos e da

sociablidade modernos no que respeita agrave forma mesma das relaccedilotildees sociais da

atividade sensiacutevel bem como da respectiva expressatildeo ideal como por exemplo

a configuraccedilatildeo das categorias da igualdade e liberdade

O leitor encontraraacute nas paacuteginas que se seguem o resultado do esforccedilo

de pesquisa voltado ao resgate da obra marxiana caracterizado pela busca do

rigor na leitura e interpretaccedilatildeo do pensamento de um autor cuja heranccedila

intelectual conheceu um destino traacutegico Natildeo eacute faacutecil portanto voltar-se a ela

sem os preconceitos da moda - como jaacute havia advertido Lukaacutecs Natildeo posso

afirmar com total certeza que um intento dessa natureza tenha sido plenamente

alcanccedilado Todavia eacute faacutecil perceber as diferenccedilas desse tipo de produccedilatildeo teoacuterica

com aquela apresentada tanto pelo marxismo adstringido e suas dissidecircncias

como pelo marxismo vulgar para utilizar as expressotildees cunhadas por Chasin no

intuito de designar as duas variantes de interpretaccedilatildeo da obra marxiana

Faccedilo aqui ao leitor interessado o convite para participar dessa

avaliaccedilatildeo

[1] Professora do Departamento de Filosofia da UFMG coordenadora

do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e Estudos Confluentes

45

[i] J CHASIN Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in

Teixeira FJS Pensando com Marx Editora Ensaio Satildeo Paulo 1995

[ii] K MARX amp F ENGELS A Sagrada Famiacutelia Ed Grijalbo trad

Wenceslao Roces Meacutexico DF 1960 p 120

[iii] Ver a respeito J CHASIN Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo

Metodoloacutegica opcit

[iv] J CHASIN O Futuro Ausente in Ensaios Ad Hominem 1 tomo III

Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem Satildeo Paulo 2000 p 166

[v] Ib p 167

[vi] Id

[vii] E CASSIRER A Filosofia do Iluminismo Editora da Unicamp

Campinas 1992 p 11

[viii] G LUKAacuteCS La Riproduzionein Per lOntologia delle Essere

Sociale Roma Editori Riuniti tomo II 1981 pp 180-81

[ix] N HARTMANN Ontologia Fondo de Cultura Econoacutemica Meacutexico D

F vol 1 1986

[x] K MARX O Capital vol I Ediccedilatildeo Abril Cultural Satildeo Paulo p 149

[xi] Id

[xii] Ib p 150

[xiii] (a respeito dessas categorias ver N HARTMANN Ontologia op cit

vol I p XII

46

47

[xiv] No original alematildeo in der Form des Seins Dietz Verlag 1971 p

195

[xv] Ib p 151

[xvi] Ver a respeito em J CHASIN Marx-Estatuto Ontoloacutegico e

Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica op cit

[xvii] K MARX op Cit p 126

Page 35: :: Verinotio - Revista On-line de Educao e Cincias Humanas · O leitor encontrará, portanto, nessa Apresentação o fruto de trabalho de coleta e organização de materiais utilizados

estatutaacuteria tem de reconhecer e expor a sociabilidade como substacircncia desse

grau maacuteximo do ser

Embora Chasin natildeo tenha desenvolvido plenamente a questatildeo da

objetividade supra-sensiacutevel como tambeacutem a da sociabilidade como substacircncia

julgo conveniente transcrever tambeacutem algumas notas e comentaacuterios feitos em

sala de aula dada a importacircncia do tema

Em relaccedilatildeo agrave noccedilatildeo de substacircncia Chasin retoma sua noccedilatildeo mais geral

e tradicional Ou seja deixando de fora qualquer conotaccedilatildeo relativa a formas de

idealidade o que existe por si eacute um auto-engendrado a uacuteltima instacircncia de um

dado gecircnero de entificaccedilatildeo enquanto tal na medida em que eacute uma efetividade

eacute um complexo que a noccedilatildeo de substacircncia refere no mais alto grau de

abstraccedilatildeo Vale pois como abstraccedilatildeo razoaacutevel tal como todo conceito

marxiano nesse niacutevel de generalizaccedilatildeo a partir do qual pela via dos processos

de concreccedilatildeo satildeo determinaacuteveis as formas concretas de substacircncia

correspondentes agraves formaccedilotildees sociais reais

Dessa forma a substacircncia eacute um complexo histoacuterico natildeo uma

idealidade natildeo um construto da razatildeo auto-sustentada mas o resumo de uma

extraccedilatildeo justificada

Naturalidade e Sociabilidade

Sempre que se potildee a questatildeo da naturalidade e da sociabilidade essa

uacuteltima tende a ser examinada in statu nascendi ou de um estado original

imaginaacuterio natildeo se parte portanto de fatos pois os desconhecemos se eacute que

35

tenham existido mas de um mito E do mito se quer saltar para o quadro de uma

realidade complexa

Mas acompanhando Marx lembremos das pobres robinsonadas do

seacuteculo XVIII referidas logo agraves primeiras linhas da Introduccedilatildeo de 57 a) O

caccedilador e o pescador individuais e isolados de que partem Smith e Ricardo b)

o contrat social de Rousseau que relaciona e liga sujeitos independentes por

natureza por meio de um contrato Essas robinsonadas natildeo repousam sobre

(o) naturalismo E a argumentaccedilatildeo prossegue Trata-se ao contraacuterio de uma

antecipaccedilatildeo da sociedade (buumlrgelichen Gesellschaft) que se preparava desde

o seacuteculo XVI e no seacuteculo XVIII deu larguiacutessimos passos em direccedilatildeo agrave sua

maturidade Nesta sociedade da livre concorrecircncia o indiviacuteduo aparece

desprendido dos laccedilos naturais que em eacutepocas histoacutericas remotas fizeram dele

um acessoacuterio de um conglomerado humano limitado e determinado Os profetas

do seacuteculo XVIII sobre cujos ombros se apoacuteiam inteiramente Smith e Ricardo

imaginam o indiviacuteduo do seacuteculo XVIII como um ideal que teria existido no

passado Vecircem-no natildeo como um resultado histoacuterico mas como ponto de partida

da Histoacuteria porque o consideram como um indiviacuteduo conforme agrave natureza -

dentro da representaccedilatildeo que tinham da natureza humana - que natildeo se originou

historicamente mas foi posto como tal pela natureza[xvii]

Segundo Chasin tomando Marx novamente como ponto de referecircncia

os equiacutevocos que aparecem ao se tratar a relaccedilatildeo naturalidade sociabilidade

satildeo os seguintes

1) procurar deduzir em graus diferentes em cada caso o ser social do

natural esquecendo que se trata da emergecircncia do novo de uma configuraccedilatildeo

ontoloacutegica nova e que o novo nunca eacute um simples desdobramento do estaacutegio

anterior no caso - do grau de ser antecedente ou seja que entre os dois niacuteveis

ocorre o que se chama de salto um intervalo em que a potecircncia causal do

antecedente natildeo conteacutem a capacidade a potecircncia ou a potencialidade para

gerar o novo Um intervalo que fica assim indeterminado

36

2) o procedimento acima abre para a mera especulaccedilatildeo pois tende a

deduzir a indeterminaccedilatildeo a querer estabelecer nexos onde eles inexistem

tende a preencher o que de fato eacute um vazio A rigor natildeo se trata de um natildeo-

sabido mas da ausecircncia factual de um objeto ou processo em outros termos

se trata de um vazio ontoloacutegico de uma ausecircncia de nexos ontoloacutegicos

O correto segundo o modus operandi marxiano natildeo eacute partir da semente

ou do embriatildeo mas do complexo real maturado uma vez que

especialiacutessimamente na esfera social a loacutegica do gerado eacute diversa da loacutegica de

sua gecircnese aleacutem de que nesse acircmbito as entificaccedilotildees configuradas apagam a

rota e a loacutegica de sua formaccedilatildeo

Desse modo partindo do jaacute configurado e considerando que se trata de

uma configuraccedilatildeo infinita que compreende mutaccedilotildees qualitativas muito

importantes e natildeo esquecendo que permanecemos no estaacutegio preacute-histoacuterico (em

momento especialmente desequilibrado e contraditoacuterio) podemos e devemos

reconhecer por meio de algumas abstraccedilotildees razoaacuteveis o seguinte

1) A formaccedilatildeo do ser social eacute um processo da animalidade agrave

hominidade o andamento da naturalidade agrave sociabilidade o caminho infinito da

naturalidade dada agrave sociabilidade natildeo-dada em produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

perenes

2)Trata-se pois de uma entificaccedilatildeo processual entre dois niacuteveis ou

poacutelos da escala do ser sendo processo eacute intrinsecamente uma contradiccedilatildeo e soacute

enquanto tal se move eliminada a contradiccedilatildeo cessaria a possibilidade do

processo Com isso eacute dito algo muito importante pois ao reconhecer a

contraditoriedade entre naturalidade e sociabilidade natildeo eacute mais possiacutevel pensar

as mesmas a propoacutesito do ser social como um simples conjugado de fatores

mas obrigatoriamente como uma conjugaccedilatildeo contraditoacuteria de legalidades Isso

vai na esteira do que eacute compreendido desde Hegel - que o ser eacute uma unidade

contraditoacuteria - todavia com o acreacutescimo do problema da dupla legalidade De

37

que modo ou feiccedilatildeo chega cada uma delas agrave unidade contraditoacuteria do ser Pois

haacute que pensar na unidade ou siacutentese a natildeo ser que se queira desenhar o ser

social como uma aberraccedilatildeo hiacutebrida pode ser esta a fisionomia do grau mais

elevado do gradiente dos seres Assim tomada na devida consideraccedilatildeo essa

determinaccedilatildeo ontoloacutegica sem a qual a reflexatildeo perde o rumo trata-se de

compreender a dinacircmica especiacutefica dessa contradiccedilatildeo peculiar Vejamos

3) Em primeiro lugar esse processo contraditoacuterio gera novas

contradiccedilotildees agora dominantemente contradiccedilotildees da sociabilidade em

formaccedilatildeo de sorte que se trata de um processo cumulativo de

contraditoriedades no qual as novas contradiccedilotildees progressivamente vatildeo

tomando o lugar predominante e decisivo vale dizer a contradiccedilatildeo originaacuteria

cada vez mais coabita com contradiccedilotildees de outro gecircnero diante das quais sua

presenccedila vai mudando de forccedila e configuraccedilatildeo natildeo desaparece mas sua

qualidade vai mudando na proporccedilatildeo mesmo do desenvolvimento da

apropriaccedilatildeo societaacuteria da natureza cada vez mais puramente social - eacute no que

consiste de acordo com as palavras de Marx o progressivo afastamento das

barreiras naturais

4) Ou seja a matriz e a medida do afastamento eacute a forma cada vez

mais social de produzir e reproduzir as bases materiais da vida pela qual eacute

gerado o novo ser em direccedilatildeo agrave sua potecircncia ampliada de se auto-por de ir em

direccedilatildeo a si mesmo um si mesmo que natildeo eacute dado mas gerado na progressatildeo

da auto-posiccedilatildeo do auto-assentamento ou da auto-enformaccedilatildeo que inclui a

proacutepria daccedilatildeo de forma e resoluccedilatildeo ao predicado natural ou bioloacutegico daccedilatildeo de

forma que em suma eacute daccedilatildeo de forma social ao predicado natural

5) Essa possibilidade de daccedilatildeo de forma eacute afirmaccedilatildeo e realizaccedilatildeo da

essecircncia social que eacute o conjunto de relaccedilotildees sociais configuradas em cada

momento pelo modo de produzir da base material modo por sua vez que eacute

determinado pelo desenvolvimento das forccedilas produtivas entre as quais figura o

proacuteprio modo de organizaccedilatildeo do conjunto das relaccedilotildees sociais

38

6) Daccedilatildeo de forma eacute alteraccedilatildeo do lugar resolutivo e todo ente que muda

de lugar muda de natureza sem alterar uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo material

Vale dizer que a contradiccedilatildeo originaacuteria entre naturalidade e sociabilidade eacute

resolvida por uma nova contradiccedilatildeo - a da naturalidade que soacute se realiza na

forma e por meios sociais - no afastamento que eacute superaccedilatildeo da naturalidade

(processo histoacuterico) a legalidade natural eacute submetida agrave legalidade social

(diferentemente em cada modo de produccedilatildeo e de acordo com o

desenvolvimento das forccedilas produtivas) o fator natural natildeo eacute suprimido

suprimida eacute sua capacidade de autodeterminaccedilatildeo resta portanto

simplesmente o que natildeo eacute pouco como um predicado do ser humano um

predicado insuprimiacutevel mas apenas como predicado bioloacutegico de um ser de

outra natureza e essecircncia A naturalidade eacute retida como predicado

imprescindiacutevel mas natildeo como essecircncia Donde natildeo satildeo mais duas legalidades

ontoloacutegicas que coexistem mas a legalidade superior mais complexa subsume

a legalidade natural que natildeo mais se autodetermina mas eacute resolvida pela e do

interior da outra Assim o predicado natural do homem recebe forma e

resoluccedilatildeo sociais ou seja o predicado natural eacute subsumido agrave legalidade social

Natildeo resta mais o choque de duas legalidades contrapostas na

contradiccedilatildeo originaacuteria A legalidade natural vai sucumbindo na ruptura e

progressivamente agrave legalidade social em sua efetividade no ser social a

legalidade natural natildeo mais atua por si eacute dependente do social natildeo eacute mais a

legalidade de um ser pois natildeo haacute mais aiacute um ser natural mas um atributo

natural dependente da essecircncia social O homem eacute um ser social que

compreende sua essecircncia especiacutefica (variaacutevel) suas contingecircncias e seu

predicado bioloacutegico Na entificaccedilatildeo do ser social uacuteltimo grau da cadeia do ser a

legalidade natural eacute subalternizada agrave social por mais ruacutestica e restrita que seja a

essecircncia social primitiva e por mais precaacuteria que seja essa subalternizaccedilatildeo de

iniacutecio O processo de afastamento das barreiras naturais eacute assim o curso dessa

subalternizaccedilatildeo que desponta no iniacutecio na ruptura com a legalidade natural e

por mais longo e contraditoacuterio em avanccedilos e recuos que seja esse processo

39

7) de outra parte a loacutegica do predicado bioloacutegico natildeo soluciona natildeo

tem resposta para o complexo problemaacutetico da sociabilidade enquanto que esta

daacute soluccedilatildeo aos imperativos daquela Como diz Marx nos Manuscritos de 44 o

homem contempla a natureza e a si mesmo com um produto social [dos homens

interativos] com pleno direito mesmo que natildeo com elevada consciecircncia ou altos

valores

8) Donde a foacutermula lukaacutecsiana da dupla base eacute falsa pois a plataforma

eacute a sociabilidade enquanto a naturalidade eacute apenas o insuprimiacutevel predicado

bioloacutegico que passa a vigir na forma e sob a regecircncia da sociabilidade Natildeo

perde por isso uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo orgacircnica mas na sua efetividade

muda de caraacuteter No interiro da esfera societaacuteria o predicado bioloacutegico eacute um

outro de si Se originariamente foi o ponto de partida agora eacute produzido e

reproduzido pela legalidade de um ser que o ultrapassa e o domina vive e soacute

pode viver na subjugaccedilatildeo de um novo estatuto Ou seja ao integrar como

predicado o ser de niacutevel mais elevado realiza a sua maacutexima potecircncia e isso eacute

ao mesmo tempo sua desnaturalizaccedilatildeo ou perecimento Impereciacutevel como

predicado natildeo eacute base pois determina soacute por seus limites pelas carecircncias natildeo

pelas determinaccedilotildees resolutivas nem mesmo em suas forccedilas e sentidos pois

enquanto virtualidades estas soacute satildeo humanas e superiores em resoluccedilatildeo

societaacuteria Ademais natildeo eacute nunca um criador de novas necessidades o que

caracteriza a legalidade social

9) A argumentaccedilatildeo acima diz respeito diretamente ao ser social em sua

configuraccedilatildeo bipolar (indiviacuteduo e gecircnero) e desenvolvida em especial no poacutelo da

individualidade tendo por esteio o andamento do gecircnero e ao falar deste se diz

do seu metabolismo com a natureza Esse metabolismo fundamental que eacute em

suma a atividade vital do homem ao gerar produtos sociais

(utilidadesmercadorias) sem que se possa transpor a estes as mesmas

determinaccedilotildees que foram feitas para o ser social desde logo satildeo entes sociais

mas em outro grau da escala do ser social mas tambeacutem tecircm mudada a sua

natureza de naturais a utilidades (e na forma da alienaccedilatildeofetichismo as

40

mercadorias) de sorte que a apropriaccedilatildeo da natureza eacute igualmente sua

desnaturalizaccedilatildeo eacute forccedilaacute-las a deixar de ser o que satildeo em sua peculiaridade

para se tornarem um outro de si sob a regecircncia do estatuto societaacuterio Isso eacute a

manifestaccedilatildeo do poder e da superioridade do grau maacuteximo do ser Nenhum

outro ser realiza qualquer coisa semelhante nem longinquumlamente Repetindo

Kant e Hegel Marx tinha toda razatildeo quando disse que haacute mais grandeza e

misteacuterio na cabeccedila de um becircbado do que no conjunto do universo

10) a Sociabilidade imperfeita substacircncia ainda natildeo realizada enquanto

tal ou seja ainda incapaz de autonomia como complexo estruturado conduz agrave

poliacutetica Natildeo compreendida como substacircncia mas como simples organizaccedilatildeo

potildee o homem no outro poacutelo na dicotomia homemsociedade ou seja na

representaccedilatildeo socioloacutegica ou politoloacutegica o homem eacute um outro

Determinada ou compreendida como substacircncia eacute substacircncia humana

(perfeita e imperfeita com todas as grandezas e miseacuterias produzidas

modificadas suprimidas e repostas no curso histoacuterico) eacute a essecircncia mutante do

ser auto-engendrado e enquanto mutante e por ser mutante distinta tambeacutem

por essa mutabilidade do predicado bioloacutegico atemporalmente necessaacuterio mas

sempre e progressivamente insuficiente do ser social

O tomo IV do primeiro nuacutemero da Revista Ensaios Ad Hominem eacute

composto de seis artigos - aleacutem do texto de abertura de autoria de J Chasin -

que resultaram de siacutenteses ou modificaccedilatildeo de partes ou capiacutetulos de

dissertaccedilotildees defendidas entre os anos de 1998 e 1999 junto ao Programa de

Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia da UFMG

41

O artigo que abre a presente coletacircnea intitulado A Razatildeo como

Tribunal da Criacutetica Marx e A Gazeta Renana de autoria de Celso Eidt versa

sobre a concepccedilatildeo do jovem Marx sobre o papel da imprensa natildeo apenas como

o locus privilegiado para o debate filosoacutefico mas fundamentalmente para os

processos educativos tendo em vista a realizaccedilatildeo plena da liberdade humana Eacute

bom ressaltar que no periacuteodo em que tais artigos satildeo redigidos Marx

compartilha de uma visatildeo antropoloacutegica racional em que a natureza humana eacute

concebida como espiacuterito livre e racional enquanto esteio da proacutepria vida eacutetica

ou seja da praacutetica humana fundada na razatildeo universal

Ana Selva Albinati autora do artigo A Determinaccedilatildeo dos Valores

Morais nos textos de Marx de 1841 a 1847 se debruccedila justamente sobre tal

campo de reflexatildeo Seu trabalho eacute uma tentativa de sistematizaccedilatildeo das

consideraccedilotildees sobre os valores morais nos textos do periacuteodo que se inicia com

sua tese doutoral Diferenccedilas entre as Filosofias da Natureza de Demoacutecrito e

Epicuro prosseguindo ateacute A Miseacuteria da Filosofia Ana Selva procura demonstrar

que esse periacuteodo normalmente referido como sendo o da juventude de Marx eacute

na verdade constituiacutedo de dois momentos de sua elaboraccedilatildeo teoacuterica que tem

como momento de clivagem a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel de meados

de 1843 em que Marx rompe com o referencial teoacuterico do idealismo alematildeo Em

relaccedilatildeo agraves determinaccedilotildees sobre a moral essa ruptura se reflete na inflexatildeo

radical que diferencia a compreensatildeo da moralidade no primeiro e segundo

momentos de tal forma que a moralidade passa a ser compreendida como um

dos modos da consciecircncia socialmente determinada concepccedilatildeo completamente

distinta da primeira fase em que os valores morais eram compreendidos como

expressotildees da liberdade e da racionalidade humanas idealmente concebidas

No artigo A criacutetica da Especulaccedilatildeo nas Glosas de Kreuznach Milney

Chasin analisa o momento inicial e ao mesmo tempo decisivo da ruptura que

se verifica entre Marx e Hegel no plano das determinaccedilotildees do ser Desse modo

a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel inaugura a criacutetica marxiana da

especulaccedilatildeo no seu cerne o de rejeitar o procedimento especulativo

42

caracteriacutestico de se provir tudo da ideacuteia real de tornaacute-la sujeito isto eacute de

capacitar a abstraccedilatildeo ou conceito automovido - a partir das metamorfoses

hegelianas - de pocircr o multiverso sensiacutevel Em outros termos Milney Chasin no

referido artigo evidencia como a criacutetica da especulaccedilatildeo permite a Marx

ultrapassar os horizontes do idealismo alematildeo na direccedilatildeo do devido

reconhecimento da distinccedilatildeo entre ser e pensar de caracterizar a impropriedade

ontoloacutegica da loacutegica hegeliana de apurar os limites gnosioloacutegicos e

incongruecircncias de toda ordem Em suma permite o desvelamento da substacircncia

miacutestica oferecendo a explicitaccedilatildeo do meacutetodo hegeliano - das diabruras do

conceito autoposto - que articula abstraccedilotildees e finitude restando a esta a mera

condiccedilatildeo de apecircndice dissolvido isto eacute momento virtual da realizaccedilatildeo da

idealidade

O quarto artigo desta coletacircnea intitulado A Exteriorizaccedilatildeo da Vida nos

Manuscritos de 44 eacute parte da dissertaccedilatildeo de mestrado As Categorias

Lebensaumlusserung Entaumlusserung Entfremdung e Veraumlusserung nos Manuscritos

Economico-Filosoacuteficos de Karl Marxdefendida por Mocircnica H M da Costa em

que o interesse era acima de tudo averiguar se alienaccedilatildeo (Entaumlusserung) e

estranhamento (Entfremdung) teriam significados distintos A pesquisa acabou

opor apontar no entanto uma outra categoria como eixo desses manuscritos

Lebensaumlusserung traduzida por exteriorizaccedilatildeo da vida De fato o fio condutor

dos Manuscritos eacute a centralidade do trabalho na produccedilatildeo material e espiritual

da vida humana Tomando para anaacutelise criacutetica pela primeira vez os

economistas claacutessicos Marx explicita sua proacutepria compreensatildeo da forma

peculiar de engendramento da existecircncia do homem A criacutetica a Hegel completa

o quadro desta tematizaccedilatildeo que natildeo seraacute abandonada ateacute os uacuteltimos trabalhos

de Marx

Sabina Maura Silva no artigo A Fenomenologia do Egoiacutesmo Stirner e a

Criacutetica Marxiana tem como objetivo fundamental apresentar a concepccedilatildeo de

homem presente na obra O Uacutenico e Sua Propriedade de autoria do filoacutesofo

neohegeliano Max Stirner e expor a criacutetica de Marx a este autor contida em A

43

Ideologia Alematilde A autora mostra que para Stirner o Eu tomado como

individualidade singular eacute o fundamento de sua esfera existencial No entanto

para esse autor tudo tem determinado a existecircncia dos indiviacuteduos natildeo tendo

sido permitido a eles determinaacute-la O objetivo de Stirner eacute pois remeter ao

indiviacuteduo - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel - o que dele foi alienado e erigido

como algo autocircnomo Por seu turno a criacutetica de Marx tem como fim explicitar o

caraacuteter especulativo da anaacutelise stirneana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo

bem como salientar o aspecto pseudorevolucionaacuterio de suas proposituras

Assim segundo Marx Stirner tatildeo somente interpreta diferentemente o

existente isto eacute reconhece o existente mediante outra

interpretaccedilatildeoTransformando as contradiccedilotildees objetivas em contradiccedilotildees

subjetivas Stirner conserva e justifica as condiccedilotildees e estruturas efetivas que

esmagam e impedem a autodeterminaccedilatildeo das individualidades ao reconhecer

as circunstacircncias como determinaccedilotildees dos indiviacuteduos Acolhendo acriacutetica e

especulativamente em suas feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees

estranhadas de um momento histoacuterico particular da individuaccedilatildeo humana

Stirner erige como individualidade um ente que empobrecido e constrangido

pelas condiccedilotildees objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade

social pode somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria

sobre si e sobre o mundo

O uacuteltimo artigo do tomo IV da Revista Ensaios Ad Hominem eacute de

autoria de Antocircnio Joseacute Lopes Alves e leva o tiacutetulo de A Individualidade

Moderna nos Grundrisse Neste texto o autor procura demonstrar que a

moderna sociabilidade do capital eacute compreendida por Marx como forma

instaurada a partir da dissoluccedilatildeo dos liames sociais que uniam em tempos

anteriores os indiviacuteduos agrave comunidade Aleacutem disso destaca o fato apontado por

Marx de que tal processo se constitui numa verdadeira reconversatildeo ontoloacutegica

tanto dos indiviacuteduos quanto das condiccedilotildees da atividade vital ocorrendo uma

radical transformaccedilatildeo na forma de ser de ambos Sinteticamente trata-se de

reconfiguraccedilatildeo ontoloacutegica que determina como entes autocircnomos os indiviacuteduos

44

de um lado e as condiccedilotildees de trabalho de outro vale dizer do divoacutercio entre os

indiviacuteduos ativos e as condiccedilotildees de sua atividade Antocircnio Lopes buscou em

suma alinhar as determinaccedilotildees mais essenciais dos indiviacuteduos e da

sociablidade modernos no que respeita agrave forma mesma das relaccedilotildees sociais da

atividade sensiacutevel bem como da respectiva expressatildeo ideal como por exemplo

a configuraccedilatildeo das categorias da igualdade e liberdade

O leitor encontraraacute nas paacuteginas que se seguem o resultado do esforccedilo

de pesquisa voltado ao resgate da obra marxiana caracterizado pela busca do

rigor na leitura e interpretaccedilatildeo do pensamento de um autor cuja heranccedila

intelectual conheceu um destino traacutegico Natildeo eacute faacutecil portanto voltar-se a ela

sem os preconceitos da moda - como jaacute havia advertido Lukaacutecs Natildeo posso

afirmar com total certeza que um intento dessa natureza tenha sido plenamente

alcanccedilado Todavia eacute faacutecil perceber as diferenccedilas desse tipo de produccedilatildeo teoacuterica

com aquela apresentada tanto pelo marxismo adstringido e suas dissidecircncias

como pelo marxismo vulgar para utilizar as expressotildees cunhadas por Chasin no

intuito de designar as duas variantes de interpretaccedilatildeo da obra marxiana

Faccedilo aqui ao leitor interessado o convite para participar dessa

avaliaccedilatildeo

[1] Professora do Departamento de Filosofia da UFMG coordenadora

do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e Estudos Confluentes

45

[i] J CHASIN Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in

Teixeira FJS Pensando com Marx Editora Ensaio Satildeo Paulo 1995

[ii] K MARX amp F ENGELS A Sagrada Famiacutelia Ed Grijalbo trad

Wenceslao Roces Meacutexico DF 1960 p 120

[iii] Ver a respeito J CHASIN Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo

Metodoloacutegica opcit

[iv] J CHASIN O Futuro Ausente in Ensaios Ad Hominem 1 tomo III

Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem Satildeo Paulo 2000 p 166

[v] Ib p 167

[vi] Id

[vii] E CASSIRER A Filosofia do Iluminismo Editora da Unicamp

Campinas 1992 p 11

[viii] G LUKAacuteCS La Riproduzionein Per lOntologia delle Essere

Sociale Roma Editori Riuniti tomo II 1981 pp 180-81

[ix] N HARTMANN Ontologia Fondo de Cultura Econoacutemica Meacutexico D

F vol 1 1986

[x] K MARX O Capital vol I Ediccedilatildeo Abril Cultural Satildeo Paulo p 149

[xi] Id

[xii] Ib p 150

[xiii] (a respeito dessas categorias ver N HARTMANN Ontologia op cit

vol I p XII

46

47

[xiv] No original alematildeo in der Form des Seins Dietz Verlag 1971 p

195

[xv] Ib p 151

[xvi] Ver a respeito em J CHASIN Marx-Estatuto Ontoloacutegico e

Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica op cit

[xvii] K MARX op Cit p 126

Page 36: :: Verinotio - Revista On-line de Educao e Cincias Humanas · O leitor encontrará, portanto, nessa Apresentação o fruto de trabalho de coleta e organização de materiais utilizados

tenham existido mas de um mito E do mito se quer saltar para o quadro de uma

realidade complexa

Mas acompanhando Marx lembremos das pobres robinsonadas do

seacuteculo XVIII referidas logo agraves primeiras linhas da Introduccedilatildeo de 57 a) O

caccedilador e o pescador individuais e isolados de que partem Smith e Ricardo b)

o contrat social de Rousseau que relaciona e liga sujeitos independentes por

natureza por meio de um contrato Essas robinsonadas natildeo repousam sobre

(o) naturalismo E a argumentaccedilatildeo prossegue Trata-se ao contraacuterio de uma

antecipaccedilatildeo da sociedade (buumlrgelichen Gesellschaft) que se preparava desde

o seacuteculo XVI e no seacuteculo XVIII deu larguiacutessimos passos em direccedilatildeo agrave sua

maturidade Nesta sociedade da livre concorrecircncia o indiviacuteduo aparece

desprendido dos laccedilos naturais que em eacutepocas histoacutericas remotas fizeram dele

um acessoacuterio de um conglomerado humano limitado e determinado Os profetas

do seacuteculo XVIII sobre cujos ombros se apoacuteiam inteiramente Smith e Ricardo

imaginam o indiviacuteduo do seacuteculo XVIII como um ideal que teria existido no

passado Vecircem-no natildeo como um resultado histoacuterico mas como ponto de partida

da Histoacuteria porque o consideram como um indiviacuteduo conforme agrave natureza -

dentro da representaccedilatildeo que tinham da natureza humana - que natildeo se originou

historicamente mas foi posto como tal pela natureza[xvii]

Segundo Chasin tomando Marx novamente como ponto de referecircncia

os equiacutevocos que aparecem ao se tratar a relaccedilatildeo naturalidade sociabilidade

satildeo os seguintes

1) procurar deduzir em graus diferentes em cada caso o ser social do

natural esquecendo que se trata da emergecircncia do novo de uma configuraccedilatildeo

ontoloacutegica nova e que o novo nunca eacute um simples desdobramento do estaacutegio

anterior no caso - do grau de ser antecedente ou seja que entre os dois niacuteveis

ocorre o que se chama de salto um intervalo em que a potecircncia causal do

antecedente natildeo conteacutem a capacidade a potecircncia ou a potencialidade para

gerar o novo Um intervalo que fica assim indeterminado

36

2) o procedimento acima abre para a mera especulaccedilatildeo pois tende a

deduzir a indeterminaccedilatildeo a querer estabelecer nexos onde eles inexistem

tende a preencher o que de fato eacute um vazio A rigor natildeo se trata de um natildeo-

sabido mas da ausecircncia factual de um objeto ou processo em outros termos

se trata de um vazio ontoloacutegico de uma ausecircncia de nexos ontoloacutegicos

O correto segundo o modus operandi marxiano natildeo eacute partir da semente

ou do embriatildeo mas do complexo real maturado uma vez que

especialiacutessimamente na esfera social a loacutegica do gerado eacute diversa da loacutegica de

sua gecircnese aleacutem de que nesse acircmbito as entificaccedilotildees configuradas apagam a

rota e a loacutegica de sua formaccedilatildeo

Desse modo partindo do jaacute configurado e considerando que se trata de

uma configuraccedilatildeo infinita que compreende mutaccedilotildees qualitativas muito

importantes e natildeo esquecendo que permanecemos no estaacutegio preacute-histoacuterico (em

momento especialmente desequilibrado e contraditoacuterio) podemos e devemos

reconhecer por meio de algumas abstraccedilotildees razoaacuteveis o seguinte

1) A formaccedilatildeo do ser social eacute um processo da animalidade agrave

hominidade o andamento da naturalidade agrave sociabilidade o caminho infinito da

naturalidade dada agrave sociabilidade natildeo-dada em produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

perenes

2)Trata-se pois de uma entificaccedilatildeo processual entre dois niacuteveis ou

poacutelos da escala do ser sendo processo eacute intrinsecamente uma contradiccedilatildeo e soacute

enquanto tal se move eliminada a contradiccedilatildeo cessaria a possibilidade do

processo Com isso eacute dito algo muito importante pois ao reconhecer a

contraditoriedade entre naturalidade e sociabilidade natildeo eacute mais possiacutevel pensar

as mesmas a propoacutesito do ser social como um simples conjugado de fatores

mas obrigatoriamente como uma conjugaccedilatildeo contraditoacuteria de legalidades Isso

vai na esteira do que eacute compreendido desde Hegel - que o ser eacute uma unidade

contraditoacuteria - todavia com o acreacutescimo do problema da dupla legalidade De

37

que modo ou feiccedilatildeo chega cada uma delas agrave unidade contraditoacuteria do ser Pois

haacute que pensar na unidade ou siacutentese a natildeo ser que se queira desenhar o ser

social como uma aberraccedilatildeo hiacutebrida pode ser esta a fisionomia do grau mais

elevado do gradiente dos seres Assim tomada na devida consideraccedilatildeo essa

determinaccedilatildeo ontoloacutegica sem a qual a reflexatildeo perde o rumo trata-se de

compreender a dinacircmica especiacutefica dessa contradiccedilatildeo peculiar Vejamos

3) Em primeiro lugar esse processo contraditoacuterio gera novas

contradiccedilotildees agora dominantemente contradiccedilotildees da sociabilidade em

formaccedilatildeo de sorte que se trata de um processo cumulativo de

contraditoriedades no qual as novas contradiccedilotildees progressivamente vatildeo

tomando o lugar predominante e decisivo vale dizer a contradiccedilatildeo originaacuteria

cada vez mais coabita com contradiccedilotildees de outro gecircnero diante das quais sua

presenccedila vai mudando de forccedila e configuraccedilatildeo natildeo desaparece mas sua

qualidade vai mudando na proporccedilatildeo mesmo do desenvolvimento da

apropriaccedilatildeo societaacuteria da natureza cada vez mais puramente social - eacute no que

consiste de acordo com as palavras de Marx o progressivo afastamento das

barreiras naturais

4) Ou seja a matriz e a medida do afastamento eacute a forma cada vez

mais social de produzir e reproduzir as bases materiais da vida pela qual eacute

gerado o novo ser em direccedilatildeo agrave sua potecircncia ampliada de se auto-por de ir em

direccedilatildeo a si mesmo um si mesmo que natildeo eacute dado mas gerado na progressatildeo

da auto-posiccedilatildeo do auto-assentamento ou da auto-enformaccedilatildeo que inclui a

proacutepria daccedilatildeo de forma e resoluccedilatildeo ao predicado natural ou bioloacutegico daccedilatildeo de

forma que em suma eacute daccedilatildeo de forma social ao predicado natural

5) Essa possibilidade de daccedilatildeo de forma eacute afirmaccedilatildeo e realizaccedilatildeo da

essecircncia social que eacute o conjunto de relaccedilotildees sociais configuradas em cada

momento pelo modo de produzir da base material modo por sua vez que eacute

determinado pelo desenvolvimento das forccedilas produtivas entre as quais figura o

proacuteprio modo de organizaccedilatildeo do conjunto das relaccedilotildees sociais

38

6) Daccedilatildeo de forma eacute alteraccedilatildeo do lugar resolutivo e todo ente que muda

de lugar muda de natureza sem alterar uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo material

Vale dizer que a contradiccedilatildeo originaacuteria entre naturalidade e sociabilidade eacute

resolvida por uma nova contradiccedilatildeo - a da naturalidade que soacute se realiza na

forma e por meios sociais - no afastamento que eacute superaccedilatildeo da naturalidade

(processo histoacuterico) a legalidade natural eacute submetida agrave legalidade social

(diferentemente em cada modo de produccedilatildeo e de acordo com o

desenvolvimento das forccedilas produtivas) o fator natural natildeo eacute suprimido

suprimida eacute sua capacidade de autodeterminaccedilatildeo resta portanto

simplesmente o que natildeo eacute pouco como um predicado do ser humano um

predicado insuprimiacutevel mas apenas como predicado bioloacutegico de um ser de

outra natureza e essecircncia A naturalidade eacute retida como predicado

imprescindiacutevel mas natildeo como essecircncia Donde natildeo satildeo mais duas legalidades

ontoloacutegicas que coexistem mas a legalidade superior mais complexa subsume

a legalidade natural que natildeo mais se autodetermina mas eacute resolvida pela e do

interior da outra Assim o predicado natural do homem recebe forma e

resoluccedilatildeo sociais ou seja o predicado natural eacute subsumido agrave legalidade social

Natildeo resta mais o choque de duas legalidades contrapostas na

contradiccedilatildeo originaacuteria A legalidade natural vai sucumbindo na ruptura e

progressivamente agrave legalidade social em sua efetividade no ser social a

legalidade natural natildeo mais atua por si eacute dependente do social natildeo eacute mais a

legalidade de um ser pois natildeo haacute mais aiacute um ser natural mas um atributo

natural dependente da essecircncia social O homem eacute um ser social que

compreende sua essecircncia especiacutefica (variaacutevel) suas contingecircncias e seu

predicado bioloacutegico Na entificaccedilatildeo do ser social uacuteltimo grau da cadeia do ser a

legalidade natural eacute subalternizada agrave social por mais ruacutestica e restrita que seja a

essecircncia social primitiva e por mais precaacuteria que seja essa subalternizaccedilatildeo de

iniacutecio O processo de afastamento das barreiras naturais eacute assim o curso dessa

subalternizaccedilatildeo que desponta no iniacutecio na ruptura com a legalidade natural e

por mais longo e contraditoacuterio em avanccedilos e recuos que seja esse processo

39

7) de outra parte a loacutegica do predicado bioloacutegico natildeo soluciona natildeo

tem resposta para o complexo problemaacutetico da sociabilidade enquanto que esta

daacute soluccedilatildeo aos imperativos daquela Como diz Marx nos Manuscritos de 44 o

homem contempla a natureza e a si mesmo com um produto social [dos homens

interativos] com pleno direito mesmo que natildeo com elevada consciecircncia ou altos

valores

8) Donde a foacutermula lukaacutecsiana da dupla base eacute falsa pois a plataforma

eacute a sociabilidade enquanto a naturalidade eacute apenas o insuprimiacutevel predicado

bioloacutegico que passa a vigir na forma e sob a regecircncia da sociabilidade Natildeo

perde por isso uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo orgacircnica mas na sua efetividade

muda de caraacuteter No interiro da esfera societaacuteria o predicado bioloacutegico eacute um

outro de si Se originariamente foi o ponto de partida agora eacute produzido e

reproduzido pela legalidade de um ser que o ultrapassa e o domina vive e soacute

pode viver na subjugaccedilatildeo de um novo estatuto Ou seja ao integrar como

predicado o ser de niacutevel mais elevado realiza a sua maacutexima potecircncia e isso eacute

ao mesmo tempo sua desnaturalizaccedilatildeo ou perecimento Impereciacutevel como

predicado natildeo eacute base pois determina soacute por seus limites pelas carecircncias natildeo

pelas determinaccedilotildees resolutivas nem mesmo em suas forccedilas e sentidos pois

enquanto virtualidades estas soacute satildeo humanas e superiores em resoluccedilatildeo

societaacuteria Ademais natildeo eacute nunca um criador de novas necessidades o que

caracteriza a legalidade social

9) A argumentaccedilatildeo acima diz respeito diretamente ao ser social em sua

configuraccedilatildeo bipolar (indiviacuteduo e gecircnero) e desenvolvida em especial no poacutelo da

individualidade tendo por esteio o andamento do gecircnero e ao falar deste se diz

do seu metabolismo com a natureza Esse metabolismo fundamental que eacute em

suma a atividade vital do homem ao gerar produtos sociais

(utilidadesmercadorias) sem que se possa transpor a estes as mesmas

determinaccedilotildees que foram feitas para o ser social desde logo satildeo entes sociais

mas em outro grau da escala do ser social mas tambeacutem tecircm mudada a sua

natureza de naturais a utilidades (e na forma da alienaccedilatildeofetichismo as

40

mercadorias) de sorte que a apropriaccedilatildeo da natureza eacute igualmente sua

desnaturalizaccedilatildeo eacute forccedilaacute-las a deixar de ser o que satildeo em sua peculiaridade

para se tornarem um outro de si sob a regecircncia do estatuto societaacuterio Isso eacute a

manifestaccedilatildeo do poder e da superioridade do grau maacuteximo do ser Nenhum

outro ser realiza qualquer coisa semelhante nem longinquumlamente Repetindo

Kant e Hegel Marx tinha toda razatildeo quando disse que haacute mais grandeza e

misteacuterio na cabeccedila de um becircbado do que no conjunto do universo

10) a Sociabilidade imperfeita substacircncia ainda natildeo realizada enquanto

tal ou seja ainda incapaz de autonomia como complexo estruturado conduz agrave

poliacutetica Natildeo compreendida como substacircncia mas como simples organizaccedilatildeo

potildee o homem no outro poacutelo na dicotomia homemsociedade ou seja na

representaccedilatildeo socioloacutegica ou politoloacutegica o homem eacute um outro

Determinada ou compreendida como substacircncia eacute substacircncia humana

(perfeita e imperfeita com todas as grandezas e miseacuterias produzidas

modificadas suprimidas e repostas no curso histoacuterico) eacute a essecircncia mutante do

ser auto-engendrado e enquanto mutante e por ser mutante distinta tambeacutem

por essa mutabilidade do predicado bioloacutegico atemporalmente necessaacuterio mas

sempre e progressivamente insuficiente do ser social

O tomo IV do primeiro nuacutemero da Revista Ensaios Ad Hominem eacute

composto de seis artigos - aleacutem do texto de abertura de autoria de J Chasin -

que resultaram de siacutenteses ou modificaccedilatildeo de partes ou capiacutetulos de

dissertaccedilotildees defendidas entre os anos de 1998 e 1999 junto ao Programa de

Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia da UFMG

41

O artigo que abre a presente coletacircnea intitulado A Razatildeo como

Tribunal da Criacutetica Marx e A Gazeta Renana de autoria de Celso Eidt versa

sobre a concepccedilatildeo do jovem Marx sobre o papel da imprensa natildeo apenas como

o locus privilegiado para o debate filosoacutefico mas fundamentalmente para os

processos educativos tendo em vista a realizaccedilatildeo plena da liberdade humana Eacute

bom ressaltar que no periacuteodo em que tais artigos satildeo redigidos Marx

compartilha de uma visatildeo antropoloacutegica racional em que a natureza humana eacute

concebida como espiacuterito livre e racional enquanto esteio da proacutepria vida eacutetica

ou seja da praacutetica humana fundada na razatildeo universal

Ana Selva Albinati autora do artigo A Determinaccedilatildeo dos Valores

Morais nos textos de Marx de 1841 a 1847 se debruccedila justamente sobre tal

campo de reflexatildeo Seu trabalho eacute uma tentativa de sistematizaccedilatildeo das

consideraccedilotildees sobre os valores morais nos textos do periacuteodo que se inicia com

sua tese doutoral Diferenccedilas entre as Filosofias da Natureza de Demoacutecrito e

Epicuro prosseguindo ateacute A Miseacuteria da Filosofia Ana Selva procura demonstrar

que esse periacuteodo normalmente referido como sendo o da juventude de Marx eacute

na verdade constituiacutedo de dois momentos de sua elaboraccedilatildeo teoacuterica que tem

como momento de clivagem a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel de meados

de 1843 em que Marx rompe com o referencial teoacuterico do idealismo alematildeo Em

relaccedilatildeo agraves determinaccedilotildees sobre a moral essa ruptura se reflete na inflexatildeo

radical que diferencia a compreensatildeo da moralidade no primeiro e segundo

momentos de tal forma que a moralidade passa a ser compreendida como um

dos modos da consciecircncia socialmente determinada concepccedilatildeo completamente

distinta da primeira fase em que os valores morais eram compreendidos como

expressotildees da liberdade e da racionalidade humanas idealmente concebidas

No artigo A criacutetica da Especulaccedilatildeo nas Glosas de Kreuznach Milney

Chasin analisa o momento inicial e ao mesmo tempo decisivo da ruptura que

se verifica entre Marx e Hegel no plano das determinaccedilotildees do ser Desse modo

a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel inaugura a criacutetica marxiana da

especulaccedilatildeo no seu cerne o de rejeitar o procedimento especulativo

42

caracteriacutestico de se provir tudo da ideacuteia real de tornaacute-la sujeito isto eacute de

capacitar a abstraccedilatildeo ou conceito automovido - a partir das metamorfoses

hegelianas - de pocircr o multiverso sensiacutevel Em outros termos Milney Chasin no

referido artigo evidencia como a criacutetica da especulaccedilatildeo permite a Marx

ultrapassar os horizontes do idealismo alematildeo na direccedilatildeo do devido

reconhecimento da distinccedilatildeo entre ser e pensar de caracterizar a impropriedade

ontoloacutegica da loacutegica hegeliana de apurar os limites gnosioloacutegicos e

incongruecircncias de toda ordem Em suma permite o desvelamento da substacircncia

miacutestica oferecendo a explicitaccedilatildeo do meacutetodo hegeliano - das diabruras do

conceito autoposto - que articula abstraccedilotildees e finitude restando a esta a mera

condiccedilatildeo de apecircndice dissolvido isto eacute momento virtual da realizaccedilatildeo da

idealidade

O quarto artigo desta coletacircnea intitulado A Exteriorizaccedilatildeo da Vida nos

Manuscritos de 44 eacute parte da dissertaccedilatildeo de mestrado As Categorias

Lebensaumlusserung Entaumlusserung Entfremdung e Veraumlusserung nos Manuscritos

Economico-Filosoacuteficos de Karl Marxdefendida por Mocircnica H M da Costa em

que o interesse era acima de tudo averiguar se alienaccedilatildeo (Entaumlusserung) e

estranhamento (Entfremdung) teriam significados distintos A pesquisa acabou

opor apontar no entanto uma outra categoria como eixo desses manuscritos

Lebensaumlusserung traduzida por exteriorizaccedilatildeo da vida De fato o fio condutor

dos Manuscritos eacute a centralidade do trabalho na produccedilatildeo material e espiritual

da vida humana Tomando para anaacutelise criacutetica pela primeira vez os

economistas claacutessicos Marx explicita sua proacutepria compreensatildeo da forma

peculiar de engendramento da existecircncia do homem A criacutetica a Hegel completa

o quadro desta tematizaccedilatildeo que natildeo seraacute abandonada ateacute os uacuteltimos trabalhos

de Marx

Sabina Maura Silva no artigo A Fenomenologia do Egoiacutesmo Stirner e a

Criacutetica Marxiana tem como objetivo fundamental apresentar a concepccedilatildeo de

homem presente na obra O Uacutenico e Sua Propriedade de autoria do filoacutesofo

neohegeliano Max Stirner e expor a criacutetica de Marx a este autor contida em A

43

Ideologia Alematilde A autora mostra que para Stirner o Eu tomado como

individualidade singular eacute o fundamento de sua esfera existencial No entanto

para esse autor tudo tem determinado a existecircncia dos indiviacuteduos natildeo tendo

sido permitido a eles determinaacute-la O objetivo de Stirner eacute pois remeter ao

indiviacuteduo - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel - o que dele foi alienado e erigido

como algo autocircnomo Por seu turno a criacutetica de Marx tem como fim explicitar o

caraacuteter especulativo da anaacutelise stirneana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo

bem como salientar o aspecto pseudorevolucionaacuterio de suas proposituras

Assim segundo Marx Stirner tatildeo somente interpreta diferentemente o

existente isto eacute reconhece o existente mediante outra

interpretaccedilatildeoTransformando as contradiccedilotildees objetivas em contradiccedilotildees

subjetivas Stirner conserva e justifica as condiccedilotildees e estruturas efetivas que

esmagam e impedem a autodeterminaccedilatildeo das individualidades ao reconhecer

as circunstacircncias como determinaccedilotildees dos indiviacuteduos Acolhendo acriacutetica e

especulativamente em suas feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees

estranhadas de um momento histoacuterico particular da individuaccedilatildeo humana

Stirner erige como individualidade um ente que empobrecido e constrangido

pelas condiccedilotildees objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade

social pode somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria

sobre si e sobre o mundo

O uacuteltimo artigo do tomo IV da Revista Ensaios Ad Hominem eacute de

autoria de Antocircnio Joseacute Lopes Alves e leva o tiacutetulo de A Individualidade

Moderna nos Grundrisse Neste texto o autor procura demonstrar que a

moderna sociabilidade do capital eacute compreendida por Marx como forma

instaurada a partir da dissoluccedilatildeo dos liames sociais que uniam em tempos

anteriores os indiviacuteduos agrave comunidade Aleacutem disso destaca o fato apontado por

Marx de que tal processo se constitui numa verdadeira reconversatildeo ontoloacutegica

tanto dos indiviacuteduos quanto das condiccedilotildees da atividade vital ocorrendo uma

radical transformaccedilatildeo na forma de ser de ambos Sinteticamente trata-se de

reconfiguraccedilatildeo ontoloacutegica que determina como entes autocircnomos os indiviacuteduos

44

de um lado e as condiccedilotildees de trabalho de outro vale dizer do divoacutercio entre os

indiviacuteduos ativos e as condiccedilotildees de sua atividade Antocircnio Lopes buscou em

suma alinhar as determinaccedilotildees mais essenciais dos indiviacuteduos e da

sociablidade modernos no que respeita agrave forma mesma das relaccedilotildees sociais da

atividade sensiacutevel bem como da respectiva expressatildeo ideal como por exemplo

a configuraccedilatildeo das categorias da igualdade e liberdade

O leitor encontraraacute nas paacuteginas que se seguem o resultado do esforccedilo

de pesquisa voltado ao resgate da obra marxiana caracterizado pela busca do

rigor na leitura e interpretaccedilatildeo do pensamento de um autor cuja heranccedila

intelectual conheceu um destino traacutegico Natildeo eacute faacutecil portanto voltar-se a ela

sem os preconceitos da moda - como jaacute havia advertido Lukaacutecs Natildeo posso

afirmar com total certeza que um intento dessa natureza tenha sido plenamente

alcanccedilado Todavia eacute faacutecil perceber as diferenccedilas desse tipo de produccedilatildeo teoacuterica

com aquela apresentada tanto pelo marxismo adstringido e suas dissidecircncias

como pelo marxismo vulgar para utilizar as expressotildees cunhadas por Chasin no

intuito de designar as duas variantes de interpretaccedilatildeo da obra marxiana

Faccedilo aqui ao leitor interessado o convite para participar dessa

avaliaccedilatildeo

[1] Professora do Departamento de Filosofia da UFMG coordenadora

do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e Estudos Confluentes

45

[i] J CHASIN Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in

Teixeira FJS Pensando com Marx Editora Ensaio Satildeo Paulo 1995

[ii] K MARX amp F ENGELS A Sagrada Famiacutelia Ed Grijalbo trad

Wenceslao Roces Meacutexico DF 1960 p 120

[iii] Ver a respeito J CHASIN Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo

Metodoloacutegica opcit

[iv] J CHASIN O Futuro Ausente in Ensaios Ad Hominem 1 tomo III

Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem Satildeo Paulo 2000 p 166

[v] Ib p 167

[vi] Id

[vii] E CASSIRER A Filosofia do Iluminismo Editora da Unicamp

Campinas 1992 p 11

[viii] G LUKAacuteCS La Riproduzionein Per lOntologia delle Essere

Sociale Roma Editori Riuniti tomo II 1981 pp 180-81

[ix] N HARTMANN Ontologia Fondo de Cultura Econoacutemica Meacutexico D

F vol 1 1986

[x] K MARX O Capital vol I Ediccedilatildeo Abril Cultural Satildeo Paulo p 149

[xi] Id

[xii] Ib p 150

[xiii] (a respeito dessas categorias ver N HARTMANN Ontologia op cit

vol I p XII

46

47

[xiv] No original alematildeo in der Form des Seins Dietz Verlag 1971 p

195

[xv] Ib p 151

[xvi] Ver a respeito em J CHASIN Marx-Estatuto Ontoloacutegico e

Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica op cit

[xvii] K MARX op Cit p 126

Page 37: :: Verinotio - Revista On-line de Educao e Cincias Humanas · O leitor encontrará, portanto, nessa Apresentação o fruto de trabalho de coleta e organização de materiais utilizados

2) o procedimento acima abre para a mera especulaccedilatildeo pois tende a

deduzir a indeterminaccedilatildeo a querer estabelecer nexos onde eles inexistem

tende a preencher o que de fato eacute um vazio A rigor natildeo se trata de um natildeo-

sabido mas da ausecircncia factual de um objeto ou processo em outros termos

se trata de um vazio ontoloacutegico de uma ausecircncia de nexos ontoloacutegicos

O correto segundo o modus operandi marxiano natildeo eacute partir da semente

ou do embriatildeo mas do complexo real maturado uma vez que

especialiacutessimamente na esfera social a loacutegica do gerado eacute diversa da loacutegica de

sua gecircnese aleacutem de que nesse acircmbito as entificaccedilotildees configuradas apagam a

rota e a loacutegica de sua formaccedilatildeo

Desse modo partindo do jaacute configurado e considerando que se trata de

uma configuraccedilatildeo infinita que compreende mutaccedilotildees qualitativas muito

importantes e natildeo esquecendo que permanecemos no estaacutegio preacute-histoacuterico (em

momento especialmente desequilibrado e contraditoacuterio) podemos e devemos

reconhecer por meio de algumas abstraccedilotildees razoaacuteveis o seguinte

1) A formaccedilatildeo do ser social eacute um processo da animalidade agrave

hominidade o andamento da naturalidade agrave sociabilidade o caminho infinito da

naturalidade dada agrave sociabilidade natildeo-dada em produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

perenes

2)Trata-se pois de uma entificaccedilatildeo processual entre dois niacuteveis ou

poacutelos da escala do ser sendo processo eacute intrinsecamente uma contradiccedilatildeo e soacute

enquanto tal se move eliminada a contradiccedilatildeo cessaria a possibilidade do

processo Com isso eacute dito algo muito importante pois ao reconhecer a

contraditoriedade entre naturalidade e sociabilidade natildeo eacute mais possiacutevel pensar

as mesmas a propoacutesito do ser social como um simples conjugado de fatores

mas obrigatoriamente como uma conjugaccedilatildeo contraditoacuteria de legalidades Isso

vai na esteira do que eacute compreendido desde Hegel - que o ser eacute uma unidade

contraditoacuteria - todavia com o acreacutescimo do problema da dupla legalidade De

37

que modo ou feiccedilatildeo chega cada uma delas agrave unidade contraditoacuteria do ser Pois

haacute que pensar na unidade ou siacutentese a natildeo ser que se queira desenhar o ser

social como uma aberraccedilatildeo hiacutebrida pode ser esta a fisionomia do grau mais

elevado do gradiente dos seres Assim tomada na devida consideraccedilatildeo essa

determinaccedilatildeo ontoloacutegica sem a qual a reflexatildeo perde o rumo trata-se de

compreender a dinacircmica especiacutefica dessa contradiccedilatildeo peculiar Vejamos

3) Em primeiro lugar esse processo contraditoacuterio gera novas

contradiccedilotildees agora dominantemente contradiccedilotildees da sociabilidade em

formaccedilatildeo de sorte que se trata de um processo cumulativo de

contraditoriedades no qual as novas contradiccedilotildees progressivamente vatildeo

tomando o lugar predominante e decisivo vale dizer a contradiccedilatildeo originaacuteria

cada vez mais coabita com contradiccedilotildees de outro gecircnero diante das quais sua

presenccedila vai mudando de forccedila e configuraccedilatildeo natildeo desaparece mas sua

qualidade vai mudando na proporccedilatildeo mesmo do desenvolvimento da

apropriaccedilatildeo societaacuteria da natureza cada vez mais puramente social - eacute no que

consiste de acordo com as palavras de Marx o progressivo afastamento das

barreiras naturais

4) Ou seja a matriz e a medida do afastamento eacute a forma cada vez

mais social de produzir e reproduzir as bases materiais da vida pela qual eacute

gerado o novo ser em direccedilatildeo agrave sua potecircncia ampliada de se auto-por de ir em

direccedilatildeo a si mesmo um si mesmo que natildeo eacute dado mas gerado na progressatildeo

da auto-posiccedilatildeo do auto-assentamento ou da auto-enformaccedilatildeo que inclui a

proacutepria daccedilatildeo de forma e resoluccedilatildeo ao predicado natural ou bioloacutegico daccedilatildeo de

forma que em suma eacute daccedilatildeo de forma social ao predicado natural

5) Essa possibilidade de daccedilatildeo de forma eacute afirmaccedilatildeo e realizaccedilatildeo da

essecircncia social que eacute o conjunto de relaccedilotildees sociais configuradas em cada

momento pelo modo de produzir da base material modo por sua vez que eacute

determinado pelo desenvolvimento das forccedilas produtivas entre as quais figura o

proacuteprio modo de organizaccedilatildeo do conjunto das relaccedilotildees sociais

38

6) Daccedilatildeo de forma eacute alteraccedilatildeo do lugar resolutivo e todo ente que muda

de lugar muda de natureza sem alterar uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo material

Vale dizer que a contradiccedilatildeo originaacuteria entre naturalidade e sociabilidade eacute

resolvida por uma nova contradiccedilatildeo - a da naturalidade que soacute se realiza na

forma e por meios sociais - no afastamento que eacute superaccedilatildeo da naturalidade

(processo histoacuterico) a legalidade natural eacute submetida agrave legalidade social

(diferentemente em cada modo de produccedilatildeo e de acordo com o

desenvolvimento das forccedilas produtivas) o fator natural natildeo eacute suprimido

suprimida eacute sua capacidade de autodeterminaccedilatildeo resta portanto

simplesmente o que natildeo eacute pouco como um predicado do ser humano um

predicado insuprimiacutevel mas apenas como predicado bioloacutegico de um ser de

outra natureza e essecircncia A naturalidade eacute retida como predicado

imprescindiacutevel mas natildeo como essecircncia Donde natildeo satildeo mais duas legalidades

ontoloacutegicas que coexistem mas a legalidade superior mais complexa subsume

a legalidade natural que natildeo mais se autodetermina mas eacute resolvida pela e do

interior da outra Assim o predicado natural do homem recebe forma e

resoluccedilatildeo sociais ou seja o predicado natural eacute subsumido agrave legalidade social

Natildeo resta mais o choque de duas legalidades contrapostas na

contradiccedilatildeo originaacuteria A legalidade natural vai sucumbindo na ruptura e

progressivamente agrave legalidade social em sua efetividade no ser social a

legalidade natural natildeo mais atua por si eacute dependente do social natildeo eacute mais a

legalidade de um ser pois natildeo haacute mais aiacute um ser natural mas um atributo

natural dependente da essecircncia social O homem eacute um ser social que

compreende sua essecircncia especiacutefica (variaacutevel) suas contingecircncias e seu

predicado bioloacutegico Na entificaccedilatildeo do ser social uacuteltimo grau da cadeia do ser a

legalidade natural eacute subalternizada agrave social por mais ruacutestica e restrita que seja a

essecircncia social primitiva e por mais precaacuteria que seja essa subalternizaccedilatildeo de

iniacutecio O processo de afastamento das barreiras naturais eacute assim o curso dessa

subalternizaccedilatildeo que desponta no iniacutecio na ruptura com a legalidade natural e

por mais longo e contraditoacuterio em avanccedilos e recuos que seja esse processo

39

7) de outra parte a loacutegica do predicado bioloacutegico natildeo soluciona natildeo

tem resposta para o complexo problemaacutetico da sociabilidade enquanto que esta

daacute soluccedilatildeo aos imperativos daquela Como diz Marx nos Manuscritos de 44 o

homem contempla a natureza e a si mesmo com um produto social [dos homens

interativos] com pleno direito mesmo que natildeo com elevada consciecircncia ou altos

valores

8) Donde a foacutermula lukaacutecsiana da dupla base eacute falsa pois a plataforma

eacute a sociabilidade enquanto a naturalidade eacute apenas o insuprimiacutevel predicado

bioloacutegico que passa a vigir na forma e sob a regecircncia da sociabilidade Natildeo

perde por isso uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo orgacircnica mas na sua efetividade

muda de caraacuteter No interiro da esfera societaacuteria o predicado bioloacutegico eacute um

outro de si Se originariamente foi o ponto de partida agora eacute produzido e

reproduzido pela legalidade de um ser que o ultrapassa e o domina vive e soacute

pode viver na subjugaccedilatildeo de um novo estatuto Ou seja ao integrar como

predicado o ser de niacutevel mais elevado realiza a sua maacutexima potecircncia e isso eacute

ao mesmo tempo sua desnaturalizaccedilatildeo ou perecimento Impereciacutevel como

predicado natildeo eacute base pois determina soacute por seus limites pelas carecircncias natildeo

pelas determinaccedilotildees resolutivas nem mesmo em suas forccedilas e sentidos pois

enquanto virtualidades estas soacute satildeo humanas e superiores em resoluccedilatildeo

societaacuteria Ademais natildeo eacute nunca um criador de novas necessidades o que

caracteriza a legalidade social

9) A argumentaccedilatildeo acima diz respeito diretamente ao ser social em sua

configuraccedilatildeo bipolar (indiviacuteduo e gecircnero) e desenvolvida em especial no poacutelo da

individualidade tendo por esteio o andamento do gecircnero e ao falar deste se diz

do seu metabolismo com a natureza Esse metabolismo fundamental que eacute em

suma a atividade vital do homem ao gerar produtos sociais

(utilidadesmercadorias) sem que se possa transpor a estes as mesmas

determinaccedilotildees que foram feitas para o ser social desde logo satildeo entes sociais

mas em outro grau da escala do ser social mas tambeacutem tecircm mudada a sua

natureza de naturais a utilidades (e na forma da alienaccedilatildeofetichismo as

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mercadorias) de sorte que a apropriaccedilatildeo da natureza eacute igualmente sua

desnaturalizaccedilatildeo eacute forccedilaacute-las a deixar de ser o que satildeo em sua peculiaridade

para se tornarem um outro de si sob a regecircncia do estatuto societaacuterio Isso eacute a

manifestaccedilatildeo do poder e da superioridade do grau maacuteximo do ser Nenhum

outro ser realiza qualquer coisa semelhante nem longinquumlamente Repetindo

Kant e Hegel Marx tinha toda razatildeo quando disse que haacute mais grandeza e

misteacuterio na cabeccedila de um becircbado do que no conjunto do universo

10) a Sociabilidade imperfeita substacircncia ainda natildeo realizada enquanto

tal ou seja ainda incapaz de autonomia como complexo estruturado conduz agrave

poliacutetica Natildeo compreendida como substacircncia mas como simples organizaccedilatildeo

potildee o homem no outro poacutelo na dicotomia homemsociedade ou seja na

representaccedilatildeo socioloacutegica ou politoloacutegica o homem eacute um outro

Determinada ou compreendida como substacircncia eacute substacircncia humana

(perfeita e imperfeita com todas as grandezas e miseacuterias produzidas

modificadas suprimidas e repostas no curso histoacuterico) eacute a essecircncia mutante do

ser auto-engendrado e enquanto mutante e por ser mutante distinta tambeacutem

por essa mutabilidade do predicado bioloacutegico atemporalmente necessaacuterio mas

sempre e progressivamente insuficiente do ser social

O tomo IV do primeiro nuacutemero da Revista Ensaios Ad Hominem eacute

composto de seis artigos - aleacutem do texto de abertura de autoria de J Chasin -

que resultaram de siacutenteses ou modificaccedilatildeo de partes ou capiacutetulos de

dissertaccedilotildees defendidas entre os anos de 1998 e 1999 junto ao Programa de

Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia da UFMG

41

O artigo que abre a presente coletacircnea intitulado A Razatildeo como

Tribunal da Criacutetica Marx e A Gazeta Renana de autoria de Celso Eidt versa

sobre a concepccedilatildeo do jovem Marx sobre o papel da imprensa natildeo apenas como

o locus privilegiado para o debate filosoacutefico mas fundamentalmente para os

processos educativos tendo em vista a realizaccedilatildeo plena da liberdade humana Eacute

bom ressaltar que no periacuteodo em que tais artigos satildeo redigidos Marx

compartilha de uma visatildeo antropoloacutegica racional em que a natureza humana eacute

concebida como espiacuterito livre e racional enquanto esteio da proacutepria vida eacutetica

ou seja da praacutetica humana fundada na razatildeo universal

Ana Selva Albinati autora do artigo A Determinaccedilatildeo dos Valores

Morais nos textos de Marx de 1841 a 1847 se debruccedila justamente sobre tal

campo de reflexatildeo Seu trabalho eacute uma tentativa de sistematizaccedilatildeo das

consideraccedilotildees sobre os valores morais nos textos do periacuteodo que se inicia com

sua tese doutoral Diferenccedilas entre as Filosofias da Natureza de Demoacutecrito e

Epicuro prosseguindo ateacute A Miseacuteria da Filosofia Ana Selva procura demonstrar

que esse periacuteodo normalmente referido como sendo o da juventude de Marx eacute

na verdade constituiacutedo de dois momentos de sua elaboraccedilatildeo teoacuterica que tem

como momento de clivagem a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel de meados

de 1843 em que Marx rompe com o referencial teoacuterico do idealismo alematildeo Em

relaccedilatildeo agraves determinaccedilotildees sobre a moral essa ruptura se reflete na inflexatildeo

radical que diferencia a compreensatildeo da moralidade no primeiro e segundo

momentos de tal forma que a moralidade passa a ser compreendida como um

dos modos da consciecircncia socialmente determinada concepccedilatildeo completamente

distinta da primeira fase em que os valores morais eram compreendidos como

expressotildees da liberdade e da racionalidade humanas idealmente concebidas

No artigo A criacutetica da Especulaccedilatildeo nas Glosas de Kreuznach Milney

Chasin analisa o momento inicial e ao mesmo tempo decisivo da ruptura que

se verifica entre Marx e Hegel no plano das determinaccedilotildees do ser Desse modo

a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel inaugura a criacutetica marxiana da

especulaccedilatildeo no seu cerne o de rejeitar o procedimento especulativo

42

caracteriacutestico de se provir tudo da ideacuteia real de tornaacute-la sujeito isto eacute de

capacitar a abstraccedilatildeo ou conceito automovido - a partir das metamorfoses

hegelianas - de pocircr o multiverso sensiacutevel Em outros termos Milney Chasin no

referido artigo evidencia como a criacutetica da especulaccedilatildeo permite a Marx

ultrapassar os horizontes do idealismo alematildeo na direccedilatildeo do devido

reconhecimento da distinccedilatildeo entre ser e pensar de caracterizar a impropriedade

ontoloacutegica da loacutegica hegeliana de apurar os limites gnosioloacutegicos e

incongruecircncias de toda ordem Em suma permite o desvelamento da substacircncia

miacutestica oferecendo a explicitaccedilatildeo do meacutetodo hegeliano - das diabruras do

conceito autoposto - que articula abstraccedilotildees e finitude restando a esta a mera

condiccedilatildeo de apecircndice dissolvido isto eacute momento virtual da realizaccedilatildeo da

idealidade

O quarto artigo desta coletacircnea intitulado A Exteriorizaccedilatildeo da Vida nos

Manuscritos de 44 eacute parte da dissertaccedilatildeo de mestrado As Categorias

Lebensaumlusserung Entaumlusserung Entfremdung e Veraumlusserung nos Manuscritos

Economico-Filosoacuteficos de Karl Marxdefendida por Mocircnica H M da Costa em

que o interesse era acima de tudo averiguar se alienaccedilatildeo (Entaumlusserung) e

estranhamento (Entfremdung) teriam significados distintos A pesquisa acabou

opor apontar no entanto uma outra categoria como eixo desses manuscritos

Lebensaumlusserung traduzida por exteriorizaccedilatildeo da vida De fato o fio condutor

dos Manuscritos eacute a centralidade do trabalho na produccedilatildeo material e espiritual

da vida humana Tomando para anaacutelise criacutetica pela primeira vez os

economistas claacutessicos Marx explicita sua proacutepria compreensatildeo da forma

peculiar de engendramento da existecircncia do homem A criacutetica a Hegel completa

o quadro desta tematizaccedilatildeo que natildeo seraacute abandonada ateacute os uacuteltimos trabalhos

de Marx

Sabina Maura Silva no artigo A Fenomenologia do Egoiacutesmo Stirner e a

Criacutetica Marxiana tem como objetivo fundamental apresentar a concepccedilatildeo de

homem presente na obra O Uacutenico e Sua Propriedade de autoria do filoacutesofo

neohegeliano Max Stirner e expor a criacutetica de Marx a este autor contida em A

43

Ideologia Alematilde A autora mostra que para Stirner o Eu tomado como

individualidade singular eacute o fundamento de sua esfera existencial No entanto

para esse autor tudo tem determinado a existecircncia dos indiviacuteduos natildeo tendo

sido permitido a eles determinaacute-la O objetivo de Stirner eacute pois remeter ao

indiviacuteduo - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel - o que dele foi alienado e erigido

como algo autocircnomo Por seu turno a criacutetica de Marx tem como fim explicitar o

caraacuteter especulativo da anaacutelise stirneana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo

bem como salientar o aspecto pseudorevolucionaacuterio de suas proposituras

Assim segundo Marx Stirner tatildeo somente interpreta diferentemente o

existente isto eacute reconhece o existente mediante outra

interpretaccedilatildeoTransformando as contradiccedilotildees objetivas em contradiccedilotildees

subjetivas Stirner conserva e justifica as condiccedilotildees e estruturas efetivas que

esmagam e impedem a autodeterminaccedilatildeo das individualidades ao reconhecer

as circunstacircncias como determinaccedilotildees dos indiviacuteduos Acolhendo acriacutetica e

especulativamente em suas feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees

estranhadas de um momento histoacuterico particular da individuaccedilatildeo humana

Stirner erige como individualidade um ente que empobrecido e constrangido

pelas condiccedilotildees objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade

social pode somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria

sobre si e sobre o mundo

O uacuteltimo artigo do tomo IV da Revista Ensaios Ad Hominem eacute de

autoria de Antocircnio Joseacute Lopes Alves e leva o tiacutetulo de A Individualidade

Moderna nos Grundrisse Neste texto o autor procura demonstrar que a

moderna sociabilidade do capital eacute compreendida por Marx como forma

instaurada a partir da dissoluccedilatildeo dos liames sociais que uniam em tempos

anteriores os indiviacuteduos agrave comunidade Aleacutem disso destaca o fato apontado por

Marx de que tal processo se constitui numa verdadeira reconversatildeo ontoloacutegica

tanto dos indiviacuteduos quanto das condiccedilotildees da atividade vital ocorrendo uma

radical transformaccedilatildeo na forma de ser de ambos Sinteticamente trata-se de

reconfiguraccedilatildeo ontoloacutegica que determina como entes autocircnomos os indiviacuteduos

44

de um lado e as condiccedilotildees de trabalho de outro vale dizer do divoacutercio entre os

indiviacuteduos ativos e as condiccedilotildees de sua atividade Antocircnio Lopes buscou em

suma alinhar as determinaccedilotildees mais essenciais dos indiviacuteduos e da

sociablidade modernos no que respeita agrave forma mesma das relaccedilotildees sociais da

atividade sensiacutevel bem como da respectiva expressatildeo ideal como por exemplo

a configuraccedilatildeo das categorias da igualdade e liberdade

O leitor encontraraacute nas paacuteginas que se seguem o resultado do esforccedilo

de pesquisa voltado ao resgate da obra marxiana caracterizado pela busca do

rigor na leitura e interpretaccedilatildeo do pensamento de um autor cuja heranccedila

intelectual conheceu um destino traacutegico Natildeo eacute faacutecil portanto voltar-se a ela

sem os preconceitos da moda - como jaacute havia advertido Lukaacutecs Natildeo posso

afirmar com total certeza que um intento dessa natureza tenha sido plenamente

alcanccedilado Todavia eacute faacutecil perceber as diferenccedilas desse tipo de produccedilatildeo teoacuterica

com aquela apresentada tanto pelo marxismo adstringido e suas dissidecircncias

como pelo marxismo vulgar para utilizar as expressotildees cunhadas por Chasin no

intuito de designar as duas variantes de interpretaccedilatildeo da obra marxiana

Faccedilo aqui ao leitor interessado o convite para participar dessa

avaliaccedilatildeo

[1] Professora do Departamento de Filosofia da UFMG coordenadora

do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e Estudos Confluentes

45

[i] J CHASIN Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in

Teixeira FJS Pensando com Marx Editora Ensaio Satildeo Paulo 1995

[ii] K MARX amp F ENGELS A Sagrada Famiacutelia Ed Grijalbo trad

Wenceslao Roces Meacutexico DF 1960 p 120

[iii] Ver a respeito J CHASIN Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo

Metodoloacutegica opcit

[iv] J CHASIN O Futuro Ausente in Ensaios Ad Hominem 1 tomo III

Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem Satildeo Paulo 2000 p 166

[v] Ib p 167

[vi] Id

[vii] E CASSIRER A Filosofia do Iluminismo Editora da Unicamp

Campinas 1992 p 11

[viii] G LUKAacuteCS La Riproduzionein Per lOntologia delle Essere

Sociale Roma Editori Riuniti tomo II 1981 pp 180-81

[ix] N HARTMANN Ontologia Fondo de Cultura Econoacutemica Meacutexico D

F vol 1 1986

[x] K MARX O Capital vol I Ediccedilatildeo Abril Cultural Satildeo Paulo p 149

[xi] Id

[xii] Ib p 150

[xiii] (a respeito dessas categorias ver N HARTMANN Ontologia op cit

vol I p XII

46

47

[xiv] No original alematildeo in der Form des Seins Dietz Verlag 1971 p

195

[xv] Ib p 151

[xvi] Ver a respeito em J CHASIN Marx-Estatuto Ontoloacutegico e

Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica op cit

[xvii] K MARX op Cit p 126

Page 38: :: Verinotio - Revista On-line de Educao e Cincias Humanas · O leitor encontrará, portanto, nessa Apresentação o fruto de trabalho de coleta e organização de materiais utilizados

que modo ou feiccedilatildeo chega cada uma delas agrave unidade contraditoacuteria do ser Pois

haacute que pensar na unidade ou siacutentese a natildeo ser que se queira desenhar o ser

social como uma aberraccedilatildeo hiacutebrida pode ser esta a fisionomia do grau mais

elevado do gradiente dos seres Assim tomada na devida consideraccedilatildeo essa

determinaccedilatildeo ontoloacutegica sem a qual a reflexatildeo perde o rumo trata-se de

compreender a dinacircmica especiacutefica dessa contradiccedilatildeo peculiar Vejamos

3) Em primeiro lugar esse processo contraditoacuterio gera novas

contradiccedilotildees agora dominantemente contradiccedilotildees da sociabilidade em

formaccedilatildeo de sorte que se trata de um processo cumulativo de

contraditoriedades no qual as novas contradiccedilotildees progressivamente vatildeo

tomando o lugar predominante e decisivo vale dizer a contradiccedilatildeo originaacuteria

cada vez mais coabita com contradiccedilotildees de outro gecircnero diante das quais sua

presenccedila vai mudando de forccedila e configuraccedilatildeo natildeo desaparece mas sua

qualidade vai mudando na proporccedilatildeo mesmo do desenvolvimento da

apropriaccedilatildeo societaacuteria da natureza cada vez mais puramente social - eacute no que

consiste de acordo com as palavras de Marx o progressivo afastamento das

barreiras naturais

4) Ou seja a matriz e a medida do afastamento eacute a forma cada vez

mais social de produzir e reproduzir as bases materiais da vida pela qual eacute

gerado o novo ser em direccedilatildeo agrave sua potecircncia ampliada de se auto-por de ir em

direccedilatildeo a si mesmo um si mesmo que natildeo eacute dado mas gerado na progressatildeo

da auto-posiccedilatildeo do auto-assentamento ou da auto-enformaccedilatildeo que inclui a

proacutepria daccedilatildeo de forma e resoluccedilatildeo ao predicado natural ou bioloacutegico daccedilatildeo de

forma que em suma eacute daccedilatildeo de forma social ao predicado natural

5) Essa possibilidade de daccedilatildeo de forma eacute afirmaccedilatildeo e realizaccedilatildeo da

essecircncia social que eacute o conjunto de relaccedilotildees sociais configuradas em cada

momento pelo modo de produzir da base material modo por sua vez que eacute

determinado pelo desenvolvimento das forccedilas produtivas entre as quais figura o

proacuteprio modo de organizaccedilatildeo do conjunto das relaccedilotildees sociais

38

6) Daccedilatildeo de forma eacute alteraccedilatildeo do lugar resolutivo e todo ente que muda

de lugar muda de natureza sem alterar uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo material

Vale dizer que a contradiccedilatildeo originaacuteria entre naturalidade e sociabilidade eacute

resolvida por uma nova contradiccedilatildeo - a da naturalidade que soacute se realiza na

forma e por meios sociais - no afastamento que eacute superaccedilatildeo da naturalidade

(processo histoacuterico) a legalidade natural eacute submetida agrave legalidade social

(diferentemente em cada modo de produccedilatildeo e de acordo com o

desenvolvimento das forccedilas produtivas) o fator natural natildeo eacute suprimido

suprimida eacute sua capacidade de autodeterminaccedilatildeo resta portanto

simplesmente o que natildeo eacute pouco como um predicado do ser humano um

predicado insuprimiacutevel mas apenas como predicado bioloacutegico de um ser de

outra natureza e essecircncia A naturalidade eacute retida como predicado

imprescindiacutevel mas natildeo como essecircncia Donde natildeo satildeo mais duas legalidades

ontoloacutegicas que coexistem mas a legalidade superior mais complexa subsume

a legalidade natural que natildeo mais se autodetermina mas eacute resolvida pela e do

interior da outra Assim o predicado natural do homem recebe forma e

resoluccedilatildeo sociais ou seja o predicado natural eacute subsumido agrave legalidade social

Natildeo resta mais o choque de duas legalidades contrapostas na

contradiccedilatildeo originaacuteria A legalidade natural vai sucumbindo na ruptura e

progressivamente agrave legalidade social em sua efetividade no ser social a

legalidade natural natildeo mais atua por si eacute dependente do social natildeo eacute mais a

legalidade de um ser pois natildeo haacute mais aiacute um ser natural mas um atributo

natural dependente da essecircncia social O homem eacute um ser social que

compreende sua essecircncia especiacutefica (variaacutevel) suas contingecircncias e seu

predicado bioloacutegico Na entificaccedilatildeo do ser social uacuteltimo grau da cadeia do ser a

legalidade natural eacute subalternizada agrave social por mais ruacutestica e restrita que seja a

essecircncia social primitiva e por mais precaacuteria que seja essa subalternizaccedilatildeo de

iniacutecio O processo de afastamento das barreiras naturais eacute assim o curso dessa

subalternizaccedilatildeo que desponta no iniacutecio na ruptura com a legalidade natural e

por mais longo e contraditoacuterio em avanccedilos e recuos que seja esse processo

39

7) de outra parte a loacutegica do predicado bioloacutegico natildeo soluciona natildeo

tem resposta para o complexo problemaacutetico da sociabilidade enquanto que esta

daacute soluccedilatildeo aos imperativos daquela Como diz Marx nos Manuscritos de 44 o

homem contempla a natureza e a si mesmo com um produto social [dos homens

interativos] com pleno direito mesmo que natildeo com elevada consciecircncia ou altos

valores

8) Donde a foacutermula lukaacutecsiana da dupla base eacute falsa pois a plataforma

eacute a sociabilidade enquanto a naturalidade eacute apenas o insuprimiacutevel predicado

bioloacutegico que passa a vigir na forma e sob a regecircncia da sociabilidade Natildeo

perde por isso uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo orgacircnica mas na sua efetividade

muda de caraacuteter No interiro da esfera societaacuteria o predicado bioloacutegico eacute um

outro de si Se originariamente foi o ponto de partida agora eacute produzido e

reproduzido pela legalidade de um ser que o ultrapassa e o domina vive e soacute

pode viver na subjugaccedilatildeo de um novo estatuto Ou seja ao integrar como

predicado o ser de niacutevel mais elevado realiza a sua maacutexima potecircncia e isso eacute

ao mesmo tempo sua desnaturalizaccedilatildeo ou perecimento Impereciacutevel como

predicado natildeo eacute base pois determina soacute por seus limites pelas carecircncias natildeo

pelas determinaccedilotildees resolutivas nem mesmo em suas forccedilas e sentidos pois

enquanto virtualidades estas soacute satildeo humanas e superiores em resoluccedilatildeo

societaacuteria Ademais natildeo eacute nunca um criador de novas necessidades o que

caracteriza a legalidade social

9) A argumentaccedilatildeo acima diz respeito diretamente ao ser social em sua

configuraccedilatildeo bipolar (indiviacuteduo e gecircnero) e desenvolvida em especial no poacutelo da

individualidade tendo por esteio o andamento do gecircnero e ao falar deste se diz

do seu metabolismo com a natureza Esse metabolismo fundamental que eacute em

suma a atividade vital do homem ao gerar produtos sociais

(utilidadesmercadorias) sem que se possa transpor a estes as mesmas

determinaccedilotildees que foram feitas para o ser social desde logo satildeo entes sociais

mas em outro grau da escala do ser social mas tambeacutem tecircm mudada a sua

natureza de naturais a utilidades (e na forma da alienaccedilatildeofetichismo as

40

mercadorias) de sorte que a apropriaccedilatildeo da natureza eacute igualmente sua

desnaturalizaccedilatildeo eacute forccedilaacute-las a deixar de ser o que satildeo em sua peculiaridade

para se tornarem um outro de si sob a regecircncia do estatuto societaacuterio Isso eacute a

manifestaccedilatildeo do poder e da superioridade do grau maacuteximo do ser Nenhum

outro ser realiza qualquer coisa semelhante nem longinquumlamente Repetindo

Kant e Hegel Marx tinha toda razatildeo quando disse que haacute mais grandeza e

misteacuterio na cabeccedila de um becircbado do que no conjunto do universo

10) a Sociabilidade imperfeita substacircncia ainda natildeo realizada enquanto

tal ou seja ainda incapaz de autonomia como complexo estruturado conduz agrave

poliacutetica Natildeo compreendida como substacircncia mas como simples organizaccedilatildeo

potildee o homem no outro poacutelo na dicotomia homemsociedade ou seja na

representaccedilatildeo socioloacutegica ou politoloacutegica o homem eacute um outro

Determinada ou compreendida como substacircncia eacute substacircncia humana

(perfeita e imperfeita com todas as grandezas e miseacuterias produzidas

modificadas suprimidas e repostas no curso histoacuterico) eacute a essecircncia mutante do

ser auto-engendrado e enquanto mutante e por ser mutante distinta tambeacutem

por essa mutabilidade do predicado bioloacutegico atemporalmente necessaacuterio mas

sempre e progressivamente insuficiente do ser social

O tomo IV do primeiro nuacutemero da Revista Ensaios Ad Hominem eacute

composto de seis artigos - aleacutem do texto de abertura de autoria de J Chasin -

que resultaram de siacutenteses ou modificaccedilatildeo de partes ou capiacutetulos de

dissertaccedilotildees defendidas entre os anos de 1998 e 1999 junto ao Programa de

Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia da UFMG

41

O artigo que abre a presente coletacircnea intitulado A Razatildeo como

Tribunal da Criacutetica Marx e A Gazeta Renana de autoria de Celso Eidt versa

sobre a concepccedilatildeo do jovem Marx sobre o papel da imprensa natildeo apenas como

o locus privilegiado para o debate filosoacutefico mas fundamentalmente para os

processos educativos tendo em vista a realizaccedilatildeo plena da liberdade humana Eacute

bom ressaltar que no periacuteodo em que tais artigos satildeo redigidos Marx

compartilha de uma visatildeo antropoloacutegica racional em que a natureza humana eacute

concebida como espiacuterito livre e racional enquanto esteio da proacutepria vida eacutetica

ou seja da praacutetica humana fundada na razatildeo universal

Ana Selva Albinati autora do artigo A Determinaccedilatildeo dos Valores

Morais nos textos de Marx de 1841 a 1847 se debruccedila justamente sobre tal

campo de reflexatildeo Seu trabalho eacute uma tentativa de sistematizaccedilatildeo das

consideraccedilotildees sobre os valores morais nos textos do periacuteodo que se inicia com

sua tese doutoral Diferenccedilas entre as Filosofias da Natureza de Demoacutecrito e

Epicuro prosseguindo ateacute A Miseacuteria da Filosofia Ana Selva procura demonstrar

que esse periacuteodo normalmente referido como sendo o da juventude de Marx eacute

na verdade constituiacutedo de dois momentos de sua elaboraccedilatildeo teoacuterica que tem

como momento de clivagem a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel de meados

de 1843 em que Marx rompe com o referencial teoacuterico do idealismo alematildeo Em

relaccedilatildeo agraves determinaccedilotildees sobre a moral essa ruptura se reflete na inflexatildeo

radical que diferencia a compreensatildeo da moralidade no primeiro e segundo

momentos de tal forma que a moralidade passa a ser compreendida como um

dos modos da consciecircncia socialmente determinada concepccedilatildeo completamente

distinta da primeira fase em que os valores morais eram compreendidos como

expressotildees da liberdade e da racionalidade humanas idealmente concebidas

No artigo A criacutetica da Especulaccedilatildeo nas Glosas de Kreuznach Milney

Chasin analisa o momento inicial e ao mesmo tempo decisivo da ruptura que

se verifica entre Marx e Hegel no plano das determinaccedilotildees do ser Desse modo

a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel inaugura a criacutetica marxiana da

especulaccedilatildeo no seu cerne o de rejeitar o procedimento especulativo

42

caracteriacutestico de se provir tudo da ideacuteia real de tornaacute-la sujeito isto eacute de

capacitar a abstraccedilatildeo ou conceito automovido - a partir das metamorfoses

hegelianas - de pocircr o multiverso sensiacutevel Em outros termos Milney Chasin no

referido artigo evidencia como a criacutetica da especulaccedilatildeo permite a Marx

ultrapassar os horizontes do idealismo alematildeo na direccedilatildeo do devido

reconhecimento da distinccedilatildeo entre ser e pensar de caracterizar a impropriedade

ontoloacutegica da loacutegica hegeliana de apurar os limites gnosioloacutegicos e

incongruecircncias de toda ordem Em suma permite o desvelamento da substacircncia

miacutestica oferecendo a explicitaccedilatildeo do meacutetodo hegeliano - das diabruras do

conceito autoposto - que articula abstraccedilotildees e finitude restando a esta a mera

condiccedilatildeo de apecircndice dissolvido isto eacute momento virtual da realizaccedilatildeo da

idealidade

O quarto artigo desta coletacircnea intitulado A Exteriorizaccedilatildeo da Vida nos

Manuscritos de 44 eacute parte da dissertaccedilatildeo de mestrado As Categorias

Lebensaumlusserung Entaumlusserung Entfremdung e Veraumlusserung nos Manuscritos

Economico-Filosoacuteficos de Karl Marxdefendida por Mocircnica H M da Costa em

que o interesse era acima de tudo averiguar se alienaccedilatildeo (Entaumlusserung) e

estranhamento (Entfremdung) teriam significados distintos A pesquisa acabou

opor apontar no entanto uma outra categoria como eixo desses manuscritos

Lebensaumlusserung traduzida por exteriorizaccedilatildeo da vida De fato o fio condutor

dos Manuscritos eacute a centralidade do trabalho na produccedilatildeo material e espiritual

da vida humana Tomando para anaacutelise criacutetica pela primeira vez os

economistas claacutessicos Marx explicita sua proacutepria compreensatildeo da forma

peculiar de engendramento da existecircncia do homem A criacutetica a Hegel completa

o quadro desta tematizaccedilatildeo que natildeo seraacute abandonada ateacute os uacuteltimos trabalhos

de Marx

Sabina Maura Silva no artigo A Fenomenologia do Egoiacutesmo Stirner e a

Criacutetica Marxiana tem como objetivo fundamental apresentar a concepccedilatildeo de

homem presente na obra O Uacutenico e Sua Propriedade de autoria do filoacutesofo

neohegeliano Max Stirner e expor a criacutetica de Marx a este autor contida em A

43

Ideologia Alematilde A autora mostra que para Stirner o Eu tomado como

individualidade singular eacute o fundamento de sua esfera existencial No entanto

para esse autor tudo tem determinado a existecircncia dos indiviacuteduos natildeo tendo

sido permitido a eles determinaacute-la O objetivo de Stirner eacute pois remeter ao

indiviacuteduo - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel - o que dele foi alienado e erigido

como algo autocircnomo Por seu turno a criacutetica de Marx tem como fim explicitar o

caraacuteter especulativo da anaacutelise stirneana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo

bem como salientar o aspecto pseudorevolucionaacuterio de suas proposituras

Assim segundo Marx Stirner tatildeo somente interpreta diferentemente o

existente isto eacute reconhece o existente mediante outra

interpretaccedilatildeoTransformando as contradiccedilotildees objetivas em contradiccedilotildees

subjetivas Stirner conserva e justifica as condiccedilotildees e estruturas efetivas que

esmagam e impedem a autodeterminaccedilatildeo das individualidades ao reconhecer

as circunstacircncias como determinaccedilotildees dos indiviacuteduos Acolhendo acriacutetica e

especulativamente em suas feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees

estranhadas de um momento histoacuterico particular da individuaccedilatildeo humana

Stirner erige como individualidade um ente que empobrecido e constrangido

pelas condiccedilotildees objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade

social pode somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria

sobre si e sobre o mundo

O uacuteltimo artigo do tomo IV da Revista Ensaios Ad Hominem eacute de

autoria de Antocircnio Joseacute Lopes Alves e leva o tiacutetulo de A Individualidade

Moderna nos Grundrisse Neste texto o autor procura demonstrar que a

moderna sociabilidade do capital eacute compreendida por Marx como forma

instaurada a partir da dissoluccedilatildeo dos liames sociais que uniam em tempos

anteriores os indiviacuteduos agrave comunidade Aleacutem disso destaca o fato apontado por

Marx de que tal processo se constitui numa verdadeira reconversatildeo ontoloacutegica

tanto dos indiviacuteduos quanto das condiccedilotildees da atividade vital ocorrendo uma

radical transformaccedilatildeo na forma de ser de ambos Sinteticamente trata-se de

reconfiguraccedilatildeo ontoloacutegica que determina como entes autocircnomos os indiviacuteduos

44

de um lado e as condiccedilotildees de trabalho de outro vale dizer do divoacutercio entre os

indiviacuteduos ativos e as condiccedilotildees de sua atividade Antocircnio Lopes buscou em

suma alinhar as determinaccedilotildees mais essenciais dos indiviacuteduos e da

sociablidade modernos no que respeita agrave forma mesma das relaccedilotildees sociais da

atividade sensiacutevel bem como da respectiva expressatildeo ideal como por exemplo

a configuraccedilatildeo das categorias da igualdade e liberdade

O leitor encontraraacute nas paacuteginas que se seguem o resultado do esforccedilo

de pesquisa voltado ao resgate da obra marxiana caracterizado pela busca do

rigor na leitura e interpretaccedilatildeo do pensamento de um autor cuja heranccedila

intelectual conheceu um destino traacutegico Natildeo eacute faacutecil portanto voltar-se a ela

sem os preconceitos da moda - como jaacute havia advertido Lukaacutecs Natildeo posso

afirmar com total certeza que um intento dessa natureza tenha sido plenamente

alcanccedilado Todavia eacute faacutecil perceber as diferenccedilas desse tipo de produccedilatildeo teoacuterica

com aquela apresentada tanto pelo marxismo adstringido e suas dissidecircncias

como pelo marxismo vulgar para utilizar as expressotildees cunhadas por Chasin no

intuito de designar as duas variantes de interpretaccedilatildeo da obra marxiana

Faccedilo aqui ao leitor interessado o convite para participar dessa

avaliaccedilatildeo

[1] Professora do Departamento de Filosofia da UFMG coordenadora

do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e Estudos Confluentes

45

[i] J CHASIN Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in

Teixeira FJS Pensando com Marx Editora Ensaio Satildeo Paulo 1995

[ii] K MARX amp F ENGELS A Sagrada Famiacutelia Ed Grijalbo trad

Wenceslao Roces Meacutexico DF 1960 p 120

[iii] Ver a respeito J CHASIN Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo

Metodoloacutegica opcit

[iv] J CHASIN O Futuro Ausente in Ensaios Ad Hominem 1 tomo III

Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem Satildeo Paulo 2000 p 166

[v] Ib p 167

[vi] Id

[vii] E CASSIRER A Filosofia do Iluminismo Editora da Unicamp

Campinas 1992 p 11

[viii] G LUKAacuteCS La Riproduzionein Per lOntologia delle Essere

Sociale Roma Editori Riuniti tomo II 1981 pp 180-81

[ix] N HARTMANN Ontologia Fondo de Cultura Econoacutemica Meacutexico D

F vol 1 1986

[x] K MARX O Capital vol I Ediccedilatildeo Abril Cultural Satildeo Paulo p 149

[xi] Id

[xii] Ib p 150

[xiii] (a respeito dessas categorias ver N HARTMANN Ontologia op cit

vol I p XII

46

47

[xiv] No original alematildeo in der Form des Seins Dietz Verlag 1971 p

195

[xv] Ib p 151

[xvi] Ver a respeito em J CHASIN Marx-Estatuto Ontoloacutegico e

Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica op cit

[xvii] K MARX op Cit p 126

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6) Daccedilatildeo de forma eacute alteraccedilatildeo do lugar resolutivo e todo ente que muda

de lugar muda de natureza sem alterar uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo material

Vale dizer que a contradiccedilatildeo originaacuteria entre naturalidade e sociabilidade eacute

resolvida por uma nova contradiccedilatildeo - a da naturalidade que soacute se realiza na

forma e por meios sociais - no afastamento que eacute superaccedilatildeo da naturalidade

(processo histoacuterico) a legalidade natural eacute submetida agrave legalidade social

(diferentemente em cada modo de produccedilatildeo e de acordo com o

desenvolvimento das forccedilas produtivas) o fator natural natildeo eacute suprimido

suprimida eacute sua capacidade de autodeterminaccedilatildeo resta portanto

simplesmente o que natildeo eacute pouco como um predicado do ser humano um

predicado insuprimiacutevel mas apenas como predicado bioloacutegico de um ser de

outra natureza e essecircncia A naturalidade eacute retida como predicado

imprescindiacutevel mas natildeo como essecircncia Donde natildeo satildeo mais duas legalidades

ontoloacutegicas que coexistem mas a legalidade superior mais complexa subsume

a legalidade natural que natildeo mais se autodetermina mas eacute resolvida pela e do

interior da outra Assim o predicado natural do homem recebe forma e

resoluccedilatildeo sociais ou seja o predicado natural eacute subsumido agrave legalidade social

Natildeo resta mais o choque de duas legalidades contrapostas na

contradiccedilatildeo originaacuteria A legalidade natural vai sucumbindo na ruptura e

progressivamente agrave legalidade social em sua efetividade no ser social a

legalidade natural natildeo mais atua por si eacute dependente do social natildeo eacute mais a

legalidade de um ser pois natildeo haacute mais aiacute um ser natural mas um atributo

natural dependente da essecircncia social O homem eacute um ser social que

compreende sua essecircncia especiacutefica (variaacutevel) suas contingecircncias e seu

predicado bioloacutegico Na entificaccedilatildeo do ser social uacuteltimo grau da cadeia do ser a

legalidade natural eacute subalternizada agrave social por mais ruacutestica e restrita que seja a

essecircncia social primitiva e por mais precaacuteria que seja essa subalternizaccedilatildeo de

iniacutecio O processo de afastamento das barreiras naturais eacute assim o curso dessa

subalternizaccedilatildeo que desponta no iniacutecio na ruptura com a legalidade natural e

por mais longo e contraditoacuterio em avanccedilos e recuos que seja esse processo

39

7) de outra parte a loacutegica do predicado bioloacutegico natildeo soluciona natildeo

tem resposta para o complexo problemaacutetico da sociabilidade enquanto que esta

daacute soluccedilatildeo aos imperativos daquela Como diz Marx nos Manuscritos de 44 o

homem contempla a natureza e a si mesmo com um produto social [dos homens

interativos] com pleno direito mesmo que natildeo com elevada consciecircncia ou altos

valores

8) Donde a foacutermula lukaacutecsiana da dupla base eacute falsa pois a plataforma

eacute a sociabilidade enquanto a naturalidade eacute apenas o insuprimiacutevel predicado

bioloacutegico que passa a vigir na forma e sob a regecircncia da sociabilidade Natildeo

perde por isso uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo orgacircnica mas na sua efetividade

muda de caraacuteter No interiro da esfera societaacuteria o predicado bioloacutegico eacute um

outro de si Se originariamente foi o ponto de partida agora eacute produzido e

reproduzido pela legalidade de um ser que o ultrapassa e o domina vive e soacute

pode viver na subjugaccedilatildeo de um novo estatuto Ou seja ao integrar como

predicado o ser de niacutevel mais elevado realiza a sua maacutexima potecircncia e isso eacute

ao mesmo tempo sua desnaturalizaccedilatildeo ou perecimento Impereciacutevel como

predicado natildeo eacute base pois determina soacute por seus limites pelas carecircncias natildeo

pelas determinaccedilotildees resolutivas nem mesmo em suas forccedilas e sentidos pois

enquanto virtualidades estas soacute satildeo humanas e superiores em resoluccedilatildeo

societaacuteria Ademais natildeo eacute nunca um criador de novas necessidades o que

caracteriza a legalidade social

9) A argumentaccedilatildeo acima diz respeito diretamente ao ser social em sua

configuraccedilatildeo bipolar (indiviacuteduo e gecircnero) e desenvolvida em especial no poacutelo da

individualidade tendo por esteio o andamento do gecircnero e ao falar deste se diz

do seu metabolismo com a natureza Esse metabolismo fundamental que eacute em

suma a atividade vital do homem ao gerar produtos sociais

(utilidadesmercadorias) sem que se possa transpor a estes as mesmas

determinaccedilotildees que foram feitas para o ser social desde logo satildeo entes sociais

mas em outro grau da escala do ser social mas tambeacutem tecircm mudada a sua

natureza de naturais a utilidades (e na forma da alienaccedilatildeofetichismo as

40

mercadorias) de sorte que a apropriaccedilatildeo da natureza eacute igualmente sua

desnaturalizaccedilatildeo eacute forccedilaacute-las a deixar de ser o que satildeo em sua peculiaridade

para se tornarem um outro de si sob a regecircncia do estatuto societaacuterio Isso eacute a

manifestaccedilatildeo do poder e da superioridade do grau maacuteximo do ser Nenhum

outro ser realiza qualquer coisa semelhante nem longinquumlamente Repetindo

Kant e Hegel Marx tinha toda razatildeo quando disse que haacute mais grandeza e

misteacuterio na cabeccedila de um becircbado do que no conjunto do universo

10) a Sociabilidade imperfeita substacircncia ainda natildeo realizada enquanto

tal ou seja ainda incapaz de autonomia como complexo estruturado conduz agrave

poliacutetica Natildeo compreendida como substacircncia mas como simples organizaccedilatildeo

potildee o homem no outro poacutelo na dicotomia homemsociedade ou seja na

representaccedilatildeo socioloacutegica ou politoloacutegica o homem eacute um outro

Determinada ou compreendida como substacircncia eacute substacircncia humana

(perfeita e imperfeita com todas as grandezas e miseacuterias produzidas

modificadas suprimidas e repostas no curso histoacuterico) eacute a essecircncia mutante do

ser auto-engendrado e enquanto mutante e por ser mutante distinta tambeacutem

por essa mutabilidade do predicado bioloacutegico atemporalmente necessaacuterio mas

sempre e progressivamente insuficiente do ser social

O tomo IV do primeiro nuacutemero da Revista Ensaios Ad Hominem eacute

composto de seis artigos - aleacutem do texto de abertura de autoria de J Chasin -

que resultaram de siacutenteses ou modificaccedilatildeo de partes ou capiacutetulos de

dissertaccedilotildees defendidas entre os anos de 1998 e 1999 junto ao Programa de

Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia da UFMG

41

O artigo que abre a presente coletacircnea intitulado A Razatildeo como

Tribunal da Criacutetica Marx e A Gazeta Renana de autoria de Celso Eidt versa

sobre a concepccedilatildeo do jovem Marx sobre o papel da imprensa natildeo apenas como

o locus privilegiado para o debate filosoacutefico mas fundamentalmente para os

processos educativos tendo em vista a realizaccedilatildeo plena da liberdade humana Eacute

bom ressaltar que no periacuteodo em que tais artigos satildeo redigidos Marx

compartilha de uma visatildeo antropoloacutegica racional em que a natureza humana eacute

concebida como espiacuterito livre e racional enquanto esteio da proacutepria vida eacutetica

ou seja da praacutetica humana fundada na razatildeo universal

Ana Selva Albinati autora do artigo A Determinaccedilatildeo dos Valores

Morais nos textos de Marx de 1841 a 1847 se debruccedila justamente sobre tal

campo de reflexatildeo Seu trabalho eacute uma tentativa de sistematizaccedilatildeo das

consideraccedilotildees sobre os valores morais nos textos do periacuteodo que se inicia com

sua tese doutoral Diferenccedilas entre as Filosofias da Natureza de Demoacutecrito e

Epicuro prosseguindo ateacute A Miseacuteria da Filosofia Ana Selva procura demonstrar

que esse periacuteodo normalmente referido como sendo o da juventude de Marx eacute

na verdade constituiacutedo de dois momentos de sua elaboraccedilatildeo teoacuterica que tem

como momento de clivagem a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel de meados

de 1843 em que Marx rompe com o referencial teoacuterico do idealismo alematildeo Em

relaccedilatildeo agraves determinaccedilotildees sobre a moral essa ruptura se reflete na inflexatildeo

radical que diferencia a compreensatildeo da moralidade no primeiro e segundo

momentos de tal forma que a moralidade passa a ser compreendida como um

dos modos da consciecircncia socialmente determinada concepccedilatildeo completamente

distinta da primeira fase em que os valores morais eram compreendidos como

expressotildees da liberdade e da racionalidade humanas idealmente concebidas

No artigo A criacutetica da Especulaccedilatildeo nas Glosas de Kreuznach Milney

Chasin analisa o momento inicial e ao mesmo tempo decisivo da ruptura que

se verifica entre Marx e Hegel no plano das determinaccedilotildees do ser Desse modo

a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel inaugura a criacutetica marxiana da

especulaccedilatildeo no seu cerne o de rejeitar o procedimento especulativo

42

caracteriacutestico de se provir tudo da ideacuteia real de tornaacute-la sujeito isto eacute de

capacitar a abstraccedilatildeo ou conceito automovido - a partir das metamorfoses

hegelianas - de pocircr o multiverso sensiacutevel Em outros termos Milney Chasin no

referido artigo evidencia como a criacutetica da especulaccedilatildeo permite a Marx

ultrapassar os horizontes do idealismo alematildeo na direccedilatildeo do devido

reconhecimento da distinccedilatildeo entre ser e pensar de caracterizar a impropriedade

ontoloacutegica da loacutegica hegeliana de apurar os limites gnosioloacutegicos e

incongruecircncias de toda ordem Em suma permite o desvelamento da substacircncia

miacutestica oferecendo a explicitaccedilatildeo do meacutetodo hegeliano - das diabruras do

conceito autoposto - que articula abstraccedilotildees e finitude restando a esta a mera

condiccedilatildeo de apecircndice dissolvido isto eacute momento virtual da realizaccedilatildeo da

idealidade

O quarto artigo desta coletacircnea intitulado A Exteriorizaccedilatildeo da Vida nos

Manuscritos de 44 eacute parte da dissertaccedilatildeo de mestrado As Categorias

Lebensaumlusserung Entaumlusserung Entfremdung e Veraumlusserung nos Manuscritos

Economico-Filosoacuteficos de Karl Marxdefendida por Mocircnica H M da Costa em

que o interesse era acima de tudo averiguar se alienaccedilatildeo (Entaumlusserung) e

estranhamento (Entfremdung) teriam significados distintos A pesquisa acabou

opor apontar no entanto uma outra categoria como eixo desses manuscritos

Lebensaumlusserung traduzida por exteriorizaccedilatildeo da vida De fato o fio condutor

dos Manuscritos eacute a centralidade do trabalho na produccedilatildeo material e espiritual

da vida humana Tomando para anaacutelise criacutetica pela primeira vez os

economistas claacutessicos Marx explicita sua proacutepria compreensatildeo da forma

peculiar de engendramento da existecircncia do homem A criacutetica a Hegel completa

o quadro desta tematizaccedilatildeo que natildeo seraacute abandonada ateacute os uacuteltimos trabalhos

de Marx

Sabina Maura Silva no artigo A Fenomenologia do Egoiacutesmo Stirner e a

Criacutetica Marxiana tem como objetivo fundamental apresentar a concepccedilatildeo de

homem presente na obra O Uacutenico e Sua Propriedade de autoria do filoacutesofo

neohegeliano Max Stirner e expor a criacutetica de Marx a este autor contida em A

43

Ideologia Alematilde A autora mostra que para Stirner o Eu tomado como

individualidade singular eacute o fundamento de sua esfera existencial No entanto

para esse autor tudo tem determinado a existecircncia dos indiviacuteduos natildeo tendo

sido permitido a eles determinaacute-la O objetivo de Stirner eacute pois remeter ao

indiviacuteduo - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel - o que dele foi alienado e erigido

como algo autocircnomo Por seu turno a criacutetica de Marx tem como fim explicitar o

caraacuteter especulativo da anaacutelise stirneana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo

bem como salientar o aspecto pseudorevolucionaacuterio de suas proposituras

Assim segundo Marx Stirner tatildeo somente interpreta diferentemente o

existente isto eacute reconhece o existente mediante outra

interpretaccedilatildeoTransformando as contradiccedilotildees objetivas em contradiccedilotildees

subjetivas Stirner conserva e justifica as condiccedilotildees e estruturas efetivas que

esmagam e impedem a autodeterminaccedilatildeo das individualidades ao reconhecer

as circunstacircncias como determinaccedilotildees dos indiviacuteduos Acolhendo acriacutetica e

especulativamente em suas feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees

estranhadas de um momento histoacuterico particular da individuaccedilatildeo humana

Stirner erige como individualidade um ente que empobrecido e constrangido

pelas condiccedilotildees objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade

social pode somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria

sobre si e sobre o mundo

O uacuteltimo artigo do tomo IV da Revista Ensaios Ad Hominem eacute de

autoria de Antocircnio Joseacute Lopes Alves e leva o tiacutetulo de A Individualidade

Moderna nos Grundrisse Neste texto o autor procura demonstrar que a

moderna sociabilidade do capital eacute compreendida por Marx como forma

instaurada a partir da dissoluccedilatildeo dos liames sociais que uniam em tempos

anteriores os indiviacuteduos agrave comunidade Aleacutem disso destaca o fato apontado por

Marx de que tal processo se constitui numa verdadeira reconversatildeo ontoloacutegica

tanto dos indiviacuteduos quanto das condiccedilotildees da atividade vital ocorrendo uma

radical transformaccedilatildeo na forma de ser de ambos Sinteticamente trata-se de

reconfiguraccedilatildeo ontoloacutegica que determina como entes autocircnomos os indiviacuteduos

44

de um lado e as condiccedilotildees de trabalho de outro vale dizer do divoacutercio entre os

indiviacuteduos ativos e as condiccedilotildees de sua atividade Antocircnio Lopes buscou em

suma alinhar as determinaccedilotildees mais essenciais dos indiviacuteduos e da

sociablidade modernos no que respeita agrave forma mesma das relaccedilotildees sociais da

atividade sensiacutevel bem como da respectiva expressatildeo ideal como por exemplo

a configuraccedilatildeo das categorias da igualdade e liberdade

O leitor encontraraacute nas paacuteginas que se seguem o resultado do esforccedilo

de pesquisa voltado ao resgate da obra marxiana caracterizado pela busca do

rigor na leitura e interpretaccedilatildeo do pensamento de um autor cuja heranccedila

intelectual conheceu um destino traacutegico Natildeo eacute faacutecil portanto voltar-se a ela

sem os preconceitos da moda - como jaacute havia advertido Lukaacutecs Natildeo posso

afirmar com total certeza que um intento dessa natureza tenha sido plenamente

alcanccedilado Todavia eacute faacutecil perceber as diferenccedilas desse tipo de produccedilatildeo teoacuterica

com aquela apresentada tanto pelo marxismo adstringido e suas dissidecircncias

como pelo marxismo vulgar para utilizar as expressotildees cunhadas por Chasin no

intuito de designar as duas variantes de interpretaccedilatildeo da obra marxiana

Faccedilo aqui ao leitor interessado o convite para participar dessa

avaliaccedilatildeo

[1] Professora do Departamento de Filosofia da UFMG coordenadora

do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e Estudos Confluentes

45

[i] J CHASIN Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in

Teixeira FJS Pensando com Marx Editora Ensaio Satildeo Paulo 1995

[ii] K MARX amp F ENGELS A Sagrada Famiacutelia Ed Grijalbo trad

Wenceslao Roces Meacutexico DF 1960 p 120

[iii] Ver a respeito J CHASIN Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo

Metodoloacutegica opcit

[iv] J CHASIN O Futuro Ausente in Ensaios Ad Hominem 1 tomo III

Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem Satildeo Paulo 2000 p 166

[v] Ib p 167

[vi] Id

[vii] E CASSIRER A Filosofia do Iluminismo Editora da Unicamp

Campinas 1992 p 11

[viii] G LUKAacuteCS La Riproduzionein Per lOntologia delle Essere

Sociale Roma Editori Riuniti tomo II 1981 pp 180-81

[ix] N HARTMANN Ontologia Fondo de Cultura Econoacutemica Meacutexico D

F vol 1 1986

[x] K MARX O Capital vol I Ediccedilatildeo Abril Cultural Satildeo Paulo p 149

[xi] Id

[xii] Ib p 150

[xiii] (a respeito dessas categorias ver N HARTMANN Ontologia op cit

vol I p XII

46

47

[xiv] No original alematildeo in der Form des Seins Dietz Verlag 1971 p

195

[xv] Ib p 151

[xvi] Ver a respeito em J CHASIN Marx-Estatuto Ontoloacutegico e

Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica op cit

[xvii] K MARX op Cit p 126

Page 40: :: Verinotio - Revista On-line de Educao e Cincias Humanas · O leitor encontrará, portanto, nessa Apresentação o fruto de trabalho de coleta e organização de materiais utilizados

7) de outra parte a loacutegica do predicado bioloacutegico natildeo soluciona natildeo

tem resposta para o complexo problemaacutetico da sociabilidade enquanto que esta

daacute soluccedilatildeo aos imperativos daquela Como diz Marx nos Manuscritos de 44 o

homem contempla a natureza e a si mesmo com um produto social [dos homens

interativos] com pleno direito mesmo que natildeo com elevada consciecircncia ou altos

valores

8) Donde a foacutermula lukaacutecsiana da dupla base eacute falsa pois a plataforma

eacute a sociabilidade enquanto a naturalidade eacute apenas o insuprimiacutevel predicado

bioloacutegico que passa a vigir na forma e sob a regecircncia da sociabilidade Natildeo

perde por isso uma ceacutelula de sua composiccedilatildeo orgacircnica mas na sua efetividade

muda de caraacuteter No interiro da esfera societaacuteria o predicado bioloacutegico eacute um

outro de si Se originariamente foi o ponto de partida agora eacute produzido e

reproduzido pela legalidade de um ser que o ultrapassa e o domina vive e soacute

pode viver na subjugaccedilatildeo de um novo estatuto Ou seja ao integrar como

predicado o ser de niacutevel mais elevado realiza a sua maacutexima potecircncia e isso eacute

ao mesmo tempo sua desnaturalizaccedilatildeo ou perecimento Impereciacutevel como

predicado natildeo eacute base pois determina soacute por seus limites pelas carecircncias natildeo

pelas determinaccedilotildees resolutivas nem mesmo em suas forccedilas e sentidos pois

enquanto virtualidades estas soacute satildeo humanas e superiores em resoluccedilatildeo

societaacuteria Ademais natildeo eacute nunca um criador de novas necessidades o que

caracteriza a legalidade social

9) A argumentaccedilatildeo acima diz respeito diretamente ao ser social em sua

configuraccedilatildeo bipolar (indiviacuteduo e gecircnero) e desenvolvida em especial no poacutelo da

individualidade tendo por esteio o andamento do gecircnero e ao falar deste se diz

do seu metabolismo com a natureza Esse metabolismo fundamental que eacute em

suma a atividade vital do homem ao gerar produtos sociais

(utilidadesmercadorias) sem que se possa transpor a estes as mesmas

determinaccedilotildees que foram feitas para o ser social desde logo satildeo entes sociais

mas em outro grau da escala do ser social mas tambeacutem tecircm mudada a sua

natureza de naturais a utilidades (e na forma da alienaccedilatildeofetichismo as

40

mercadorias) de sorte que a apropriaccedilatildeo da natureza eacute igualmente sua

desnaturalizaccedilatildeo eacute forccedilaacute-las a deixar de ser o que satildeo em sua peculiaridade

para se tornarem um outro de si sob a regecircncia do estatuto societaacuterio Isso eacute a

manifestaccedilatildeo do poder e da superioridade do grau maacuteximo do ser Nenhum

outro ser realiza qualquer coisa semelhante nem longinquumlamente Repetindo

Kant e Hegel Marx tinha toda razatildeo quando disse que haacute mais grandeza e

misteacuterio na cabeccedila de um becircbado do que no conjunto do universo

10) a Sociabilidade imperfeita substacircncia ainda natildeo realizada enquanto

tal ou seja ainda incapaz de autonomia como complexo estruturado conduz agrave

poliacutetica Natildeo compreendida como substacircncia mas como simples organizaccedilatildeo

potildee o homem no outro poacutelo na dicotomia homemsociedade ou seja na

representaccedilatildeo socioloacutegica ou politoloacutegica o homem eacute um outro

Determinada ou compreendida como substacircncia eacute substacircncia humana

(perfeita e imperfeita com todas as grandezas e miseacuterias produzidas

modificadas suprimidas e repostas no curso histoacuterico) eacute a essecircncia mutante do

ser auto-engendrado e enquanto mutante e por ser mutante distinta tambeacutem

por essa mutabilidade do predicado bioloacutegico atemporalmente necessaacuterio mas

sempre e progressivamente insuficiente do ser social

O tomo IV do primeiro nuacutemero da Revista Ensaios Ad Hominem eacute

composto de seis artigos - aleacutem do texto de abertura de autoria de J Chasin -

que resultaram de siacutenteses ou modificaccedilatildeo de partes ou capiacutetulos de

dissertaccedilotildees defendidas entre os anos de 1998 e 1999 junto ao Programa de

Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia da UFMG

41

O artigo que abre a presente coletacircnea intitulado A Razatildeo como

Tribunal da Criacutetica Marx e A Gazeta Renana de autoria de Celso Eidt versa

sobre a concepccedilatildeo do jovem Marx sobre o papel da imprensa natildeo apenas como

o locus privilegiado para o debate filosoacutefico mas fundamentalmente para os

processos educativos tendo em vista a realizaccedilatildeo plena da liberdade humana Eacute

bom ressaltar que no periacuteodo em que tais artigos satildeo redigidos Marx

compartilha de uma visatildeo antropoloacutegica racional em que a natureza humana eacute

concebida como espiacuterito livre e racional enquanto esteio da proacutepria vida eacutetica

ou seja da praacutetica humana fundada na razatildeo universal

Ana Selva Albinati autora do artigo A Determinaccedilatildeo dos Valores

Morais nos textos de Marx de 1841 a 1847 se debruccedila justamente sobre tal

campo de reflexatildeo Seu trabalho eacute uma tentativa de sistematizaccedilatildeo das

consideraccedilotildees sobre os valores morais nos textos do periacuteodo que se inicia com

sua tese doutoral Diferenccedilas entre as Filosofias da Natureza de Demoacutecrito e

Epicuro prosseguindo ateacute A Miseacuteria da Filosofia Ana Selva procura demonstrar

que esse periacuteodo normalmente referido como sendo o da juventude de Marx eacute

na verdade constituiacutedo de dois momentos de sua elaboraccedilatildeo teoacuterica que tem

como momento de clivagem a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel de meados

de 1843 em que Marx rompe com o referencial teoacuterico do idealismo alematildeo Em

relaccedilatildeo agraves determinaccedilotildees sobre a moral essa ruptura se reflete na inflexatildeo

radical que diferencia a compreensatildeo da moralidade no primeiro e segundo

momentos de tal forma que a moralidade passa a ser compreendida como um

dos modos da consciecircncia socialmente determinada concepccedilatildeo completamente

distinta da primeira fase em que os valores morais eram compreendidos como

expressotildees da liberdade e da racionalidade humanas idealmente concebidas

No artigo A criacutetica da Especulaccedilatildeo nas Glosas de Kreuznach Milney

Chasin analisa o momento inicial e ao mesmo tempo decisivo da ruptura que

se verifica entre Marx e Hegel no plano das determinaccedilotildees do ser Desse modo

a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel inaugura a criacutetica marxiana da

especulaccedilatildeo no seu cerne o de rejeitar o procedimento especulativo

42

caracteriacutestico de se provir tudo da ideacuteia real de tornaacute-la sujeito isto eacute de

capacitar a abstraccedilatildeo ou conceito automovido - a partir das metamorfoses

hegelianas - de pocircr o multiverso sensiacutevel Em outros termos Milney Chasin no

referido artigo evidencia como a criacutetica da especulaccedilatildeo permite a Marx

ultrapassar os horizontes do idealismo alematildeo na direccedilatildeo do devido

reconhecimento da distinccedilatildeo entre ser e pensar de caracterizar a impropriedade

ontoloacutegica da loacutegica hegeliana de apurar os limites gnosioloacutegicos e

incongruecircncias de toda ordem Em suma permite o desvelamento da substacircncia

miacutestica oferecendo a explicitaccedilatildeo do meacutetodo hegeliano - das diabruras do

conceito autoposto - que articula abstraccedilotildees e finitude restando a esta a mera

condiccedilatildeo de apecircndice dissolvido isto eacute momento virtual da realizaccedilatildeo da

idealidade

O quarto artigo desta coletacircnea intitulado A Exteriorizaccedilatildeo da Vida nos

Manuscritos de 44 eacute parte da dissertaccedilatildeo de mestrado As Categorias

Lebensaumlusserung Entaumlusserung Entfremdung e Veraumlusserung nos Manuscritos

Economico-Filosoacuteficos de Karl Marxdefendida por Mocircnica H M da Costa em

que o interesse era acima de tudo averiguar se alienaccedilatildeo (Entaumlusserung) e

estranhamento (Entfremdung) teriam significados distintos A pesquisa acabou

opor apontar no entanto uma outra categoria como eixo desses manuscritos

Lebensaumlusserung traduzida por exteriorizaccedilatildeo da vida De fato o fio condutor

dos Manuscritos eacute a centralidade do trabalho na produccedilatildeo material e espiritual

da vida humana Tomando para anaacutelise criacutetica pela primeira vez os

economistas claacutessicos Marx explicita sua proacutepria compreensatildeo da forma

peculiar de engendramento da existecircncia do homem A criacutetica a Hegel completa

o quadro desta tematizaccedilatildeo que natildeo seraacute abandonada ateacute os uacuteltimos trabalhos

de Marx

Sabina Maura Silva no artigo A Fenomenologia do Egoiacutesmo Stirner e a

Criacutetica Marxiana tem como objetivo fundamental apresentar a concepccedilatildeo de

homem presente na obra O Uacutenico e Sua Propriedade de autoria do filoacutesofo

neohegeliano Max Stirner e expor a criacutetica de Marx a este autor contida em A

43

Ideologia Alematilde A autora mostra que para Stirner o Eu tomado como

individualidade singular eacute o fundamento de sua esfera existencial No entanto

para esse autor tudo tem determinado a existecircncia dos indiviacuteduos natildeo tendo

sido permitido a eles determinaacute-la O objetivo de Stirner eacute pois remeter ao

indiviacuteduo - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel - o que dele foi alienado e erigido

como algo autocircnomo Por seu turno a criacutetica de Marx tem como fim explicitar o

caraacuteter especulativo da anaacutelise stirneana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo

bem como salientar o aspecto pseudorevolucionaacuterio de suas proposituras

Assim segundo Marx Stirner tatildeo somente interpreta diferentemente o

existente isto eacute reconhece o existente mediante outra

interpretaccedilatildeoTransformando as contradiccedilotildees objetivas em contradiccedilotildees

subjetivas Stirner conserva e justifica as condiccedilotildees e estruturas efetivas que

esmagam e impedem a autodeterminaccedilatildeo das individualidades ao reconhecer

as circunstacircncias como determinaccedilotildees dos indiviacuteduos Acolhendo acriacutetica e

especulativamente em suas feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees

estranhadas de um momento histoacuterico particular da individuaccedilatildeo humana

Stirner erige como individualidade um ente que empobrecido e constrangido

pelas condiccedilotildees objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade

social pode somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria

sobre si e sobre o mundo

O uacuteltimo artigo do tomo IV da Revista Ensaios Ad Hominem eacute de

autoria de Antocircnio Joseacute Lopes Alves e leva o tiacutetulo de A Individualidade

Moderna nos Grundrisse Neste texto o autor procura demonstrar que a

moderna sociabilidade do capital eacute compreendida por Marx como forma

instaurada a partir da dissoluccedilatildeo dos liames sociais que uniam em tempos

anteriores os indiviacuteduos agrave comunidade Aleacutem disso destaca o fato apontado por

Marx de que tal processo se constitui numa verdadeira reconversatildeo ontoloacutegica

tanto dos indiviacuteduos quanto das condiccedilotildees da atividade vital ocorrendo uma

radical transformaccedilatildeo na forma de ser de ambos Sinteticamente trata-se de

reconfiguraccedilatildeo ontoloacutegica que determina como entes autocircnomos os indiviacuteduos

44

de um lado e as condiccedilotildees de trabalho de outro vale dizer do divoacutercio entre os

indiviacuteduos ativos e as condiccedilotildees de sua atividade Antocircnio Lopes buscou em

suma alinhar as determinaccedilotildees mais essenciais dos indiviacuteduos e da

sociablidade modernos no que respeita agrave forma mesma das relaccedilotildees sociais da

atividade sensiacutevel bem como da respectiva expressatildeo ideal como por exemplo

a configuraccedilatildeo das categorias da igualdade e liberdade

O leitor encontraraacute nas paacuteginas que se seguem o resultado do esforccedilo

de pesquisa voltado ao resgate da obra marxiana caracterizado pela busca do

rigor na leitura e interpretaccedilatildeo do pensamento de um autor cuja heranccedila

intelectual conheceu um destino traacutegico Natildeo eacute faacutecil portanto voltar-se a ela

sem os preconceitos da moda - como jaacute havia advertido Lukaacutecs Natildeo posso

afirmar com total certeza que um intento dessa natureza tenha sido plenamente

alcanccedilado Todavia eacute faacutecil perceber as diferenccedilas desse tipo de produccedilatildeo teoacuterica

com aquela apresentada tanto pelo marxismo adstringido e suas dissidecircncias

como pelo marxismo vulgar para utilizar as expressotildees cunhadas por Chasin no

intuito de designar as duas variantes de interpretaccedilatildeo da obra marxiana

Faccedilo aqui ao leitor interessado o convite para participar dessa

avaliaccedilatildeo

[1] Professora do Departamento de Filosofia da UFMG coordenadora

do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e Estudos Confluentes

45

[i] J CHASIN Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in

Teixeira FJS Pensando com Marx Editora Ensaio Satildeo Paulo 1995

[ii] K MARX amp F ENGELS A Sagrada Famiacutelia Ed Grijalbo trad

Wenceslao Roces Meacutexico DF 1960 p 120

[iii] Ver a respeito J CHASIN Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo

Metodoloacutegica opcit

[iv] J CHASIN O Futuro Ausente in Ensaios Ad Hominem 1 tomo III

Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem Satildeo Paulo 2000 p 166

[v] Ib p 167

[vi] Id

[vii] E CASSIRER A Filosofia do Iluminismo Editora da Unicamp

Campinas 1992 p 11

[viii] G LUKAacuteCS La Riproduzionein Per lOntologia delle Essere

Sociale Roma Editori Riuniti tomo II 1981 pp 180-81

[ix] N HARTMANN Ontologia Fondo de Cultura Econoacutemica Meacutexico D

F vol 1 1986

[x] K MARX O Capital vol I Ediccedilatildeo Abril Cultural Satildeo Paulo p 149

[xi] Id

[xii] Ib p 150

[xiii] (a respeito dessas categorias ver N HARTMANN Ontologia op cit

vol I p XII

46

47

[xiv] No original alematildeo in der Form des Seins Dietz Verlag 1971 p

195

[xv] Ib p 151

[xvi] Ver a respeito em J CHASIN Marx-Estatuto Ontoloacutegico e

Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica op cit

[xvii] K MARX op Cit p 126

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mercadorias) de sorte que a apropriaccedilatildeo da natureza eacute igualmente sua

desnaturalizaccedilatildeo eacute forccedilaacute-las a deixar de ser o que satildeo em sua peculiaridade

para se tornarem um outro de si sob a regecircncia do estatuto societaacuterio Isso eacute a

manifestaccedilatildeo do poder e da superioridade do grau maacuteximo do ser Nenhum

outro ser realiza qualquer coisa semelhante nem longinquumlamente Repetindo

Kant e Hegel Marx tinha toda razatildeo quando disse que haacute mais grandeza e

misteacuterio na cabeccedila de um becircbado do que no conjunto do universo

10) a Sociabilidade imperfeita substacircncia ainda natildeo realizada enquanto

tal ou seja ainda incapaz de autonomia como complexo estruturado conduz agrave

poliacutetica Natildeo compreendida como substacircncia mas como simples organizaccedilatildeo

potildee o homem no outro poacutelo na dicotomia homemsociedade ou seja na

representaccedilatildeo socioloacutegica ou politoloacutegica o homem eacute um outro

Determinada ou compreendida como substacircncia eacute substacircncia humana

(perfeita e imperfeita com todas as grandezas e miseacuterias produzidas

modificadas suprimidas e repostas no curso histoacuterico) eacute a essecircncia mutante do

ser auto-engendrado e enquanto mutante e por ser mutante distinta tambeacutem

por essa mutabilidade do predicado bioloacutegico atemporalmente necessaacuterio mas

sempre e progressivamente insuficiente do ser social

O tomo IV do primeiro nuacutemero da Revista Ensaios Ad Hominem eacute

composto de seis artigos - aleacutem do texto de abertura de autoria de J Chasin -

que resultaram de siacutenteses ou modificaccedilatildeo de partes ou capiacutetulos de

dissertaccedilotildees defendidas entre os anos de 1998 e 1999 junto ao Programa de

Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia da UFMG

41

O artigo que abre a presente coletacircnea intitulado A Razatildeo como

Tribunal da Criacutetica Marx e A Gazeta Renana de autoria de Celso Eidt versa

sobre a concepccedilatildeo do jovem Marx sobre o papel da imprensa natildeo apenas como

o locus privilegiado para o debate filosoacutefico mas fundamentalmente para os

processos educativos tendo em vista a realizaccedilatildeo plena da liberdade humana Eacute

bom ressaltar que no periacuteodo em que tais artigos satildeo redigidos Marx

compartilha de uma visatildeo antropoloacutegica racional em que a natureza humana eacute

concebida como espiacuterito livre e racional enquanto esteio da proacutepria vida eacutetica

ou seja da praacutetica humana fundada na razatildeo universal

Ana Selva Albinati autora do artigo A Determinaccedilatildeo dos Valores

Morais nos textos de Marx de 1841 a 1847 se debruccedila justamente sobre tal

campo de reflexatildeo Seu trabalho eacute uma tentativa de sistematizaccedilatildeo das

consideraccedilotildees sobre os valores morais nos textos do periacuteodo que se inicia com

sua tese doutoral Diferenccedilas entre as Filosofias da Natureza de Demoacutecrito e

Epicuro prosseguindo ateacute A Miseacuteria da Filosofia Ana Selva procura demonstrar

que esse periacuteodo normalmente referido como sendo o da juventude de Marx eacute

na verdade constituiacutedo de dois momentos de sua elaboraccedilatildeo teoacuterica que tem

como momento de clivagem a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel de meados

de 1843 em que Marx rompe com o referencial teoacuterico do idealismo alematildeo Em

relaccedilatildeo agraves determinaccedilotildees sobre a moral essa ruptura se reflete na inflexatildeo

radical que diferencia a compreensatildeo da moralidade no primeiro e segundo

momentos de tal forma que a moralidade passa a ser compreendida como um

dos modos da consciecircncia socialmente determinada concepccedilatildeo completamente

distinta da primeira fase em que os valores morais eram compreendidos como

expressotildees da liberdade e da racionalidade humanas idealmente concebidas

No artigo A criacutetica da Especulaccedilatildeo nas Glosas de Kreuznach Milney

Chasin analisa o momento inicial e ao mesmo tempo decisivo da ruptura que

se verifica entre Marx e Hegel no plano das determinaccedilotildees do ser Desse modo

a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel inaugura a criacutetica marxiana da

especulaccedilatildeo no seu cerne o de rejeitar o procedimento especulativo

42

caracteriacutestico de se provir tudo da ideacuteia real de tornaacute-la sujeito isto eacute de

capacitar a abstraccedilatildeo ou conceito automovido - a partir das metamorfoses

hegelianas - de pocircr o multiverso sensiacutevel Em outros termos Milney Chasin no

referido artigo evidencia como a criacutetica da especulaccedilatildeo permite a Marx

ultrapassar os horizontes do idealismo alematildeo na direccedilatildeo do devido

reconhecimento da distinccedilatildeo entre ser e pensar de caracterizar a impropriedade

ontoloacutegica da loacutegica hegeliana de apurar os limites gnosioloacutegicos e

incongruecircncias de toda ordem Em suma permite o desvelamento da substacircncia

miacutestica oferecendo a explicitaccedilatildeo do meacutetodo hegeliano - das diabruras do

conceito autoposto - que articula abstraccedilotildees e finitude restando a esta a mera

condiccedilatildeo de apecircndice dissolvido isto eacute momento virtual da realizaccedilatildeo da

idealidade

O quarto artigo desta coletacircnea intitulado A Exteriorizaccedilatildeo da Vida nos

Manuscritos de 44 eacute parte da dissertaccedilatildeo de mestrado As Categorias

Lebensaumlusserung Entaumlusserung Entfremdung e Veraumlusserung nos Manuscritos

Economico-Filosoacuteficos de Karl Marxdefendida por Mocircnica H M da Costa em

que o interesse era acima de tudo averiguar se alienaccedilatildeo (Entaumlusserung) e

estranhamento (Entfremdung) teriam significados distintos A pesquisa acabou

opor apontar no entanto uma outra categoria como eixo desses manuscritos

Lebensaumlusserung traduzida por exteriorizaccedilatildeo da vida De fato o fio condutor

dos Manuscritos eacute a centralidade do trabalho na produccedilatildeo material e espiritual

da vida humana Tomando para anaacutelise criacutetica pela primeira vez os

economistas claacutessicos Marx explicita sua proacutepria compreensatildeo da forma

peculiar de engendramento da existecircncia do homem A criacutetica a Hegel completa

o quadro desta tematizaccedilatildeo que natildeo seraacute abandonada ateacute os uacuteltimos trabalhos

de Marx

Sabina Maura Silva no artigo A Fenomenologia do Egoiacutesmo Stirner e a

Criacutetica Marxiana tem como objetivo fundamental apresentar a concepccedilatildeo de

homem presente na obra O Uacutenico e Sua Propriedade de autoria do filoacutesofo

neohegeliano Max Stirner e expor a criacutetica de Marx a este autor contida em A

43

Ideologia Alematilde A autora mostra que para Stirner o Eu tomado como

individualidade singular eacute o fundamento de sua esfera existencial No entanto

para esse autor tudo tem determinado a existecircncia dos indiviacuteduos natildeo tendo

sido permitido a eles determinaacute-la O objetivo de Stirner eacute pois remeter ao

indiviacuteduo - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel - o que dele foi alienado e erigido

como algo autocircnomo Por seu turno a criacutetica de Marx tem como fim explicitar o

caraacuteter especulativo da anaacutelise stirneana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo

bem como salientar o aspecto pseudorevolucionaacuterio de suas proposituras

Assim segundo Marx Stirner tatildeo somente interpreta diferentemente o

existente isto eacute reconhece o existente mediante outra

interpretaccedilatildeoTransformando as contradiccedilotildees objetivas em contradiccedilotildees

subjetivas Stirner conserva e justifica as condiccedilotildees e estruturas efetivas que

esmagam e impedem a autodeterminaccedilatildeo das individualidades ao reconhecer

as circunstacircncias como determinaccedilotildees dos indiviacuteduos Acolhendo acriacutetica e

especulativamente em suas feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees

estranhadas de um momento histoacuterico particular da individuaccedilatildeo humana

Stirner erige como individualidade um ente que empobrecido e constrangido

pelas condiccedilotildees objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade

social pode somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria

sobre si e sobre o mundo

O uacuteltimo artigo do tomo IV da Revista Ensaios Ad Hominem eacute de

autoria de Antocircnio Joseacute Lopes Alves e leva o tiacutetulo de A Individualidade

Moderna nos Grundrisse Neste texto o autor procura demonstrar que a

moderna sociabilidade do capital eacute compreendida por Marx como forma

instaurada a partir da dissoluccedilatildeo dos liames sociais que uniam em tempos

anteriores os indiviacuteduos agrave comunidade Aleacutem disso destaca o fato apontado por

Marx de que tal processo se constitui numa verdadeira reconversatildeo ontoloacutegica

tanto dos indiviacuteduos quanto das condiccedilotildees da atividade vital ocorrendo uma

radical transformaccedilatildeo na forma de ser de ambos Sinteticamente trata-se de

reconfiguraccedilatildeo ontoloacutegica que determina como entes autocircnomos os indiviacuteduos

44

de um lado e as condiccedilotildees de trabalho de outro vale dizer do divoacutercio entre os

indiviacuteduos ativos e as condiccedilotildees de sua atividade Antocircnio Lopes buscou em

suma alinhar as determinaccedilotildees mais essenciais dos indiviacuteduos e da

sociablidade modernos no que respeita agrave forma mesma das relaccedilotildees sociais da

atividade sensiacutevel bem como da respectiva expressatildeo ideal como por exemplo

a configuraccedilatildeo das categorias da igualdade e liberdade

O leitor encontraraacute nas paacuteginas que se seguem o resultado do esforccedilo

de pesquisa voltado ao resgate da obra marxiana caracterizado pela busca do

rigor na leitura e interpretaccedilatildeo do pensamento de um autor cuja heranccedila

intelectual conheceu um destino traacutegico Natildeo eacute faacutecil portanto voltar-se a ela

sem os preconceitos da moda - como jaacute havia advertido Lukaacutecs Natildeo posso

afirmar com total certeza que um intento dessa natureza tenha sido plenamente

alcanccedilado Todavia eacute faacutecil perceber as diferenccedilas desse tipo de produccedilatildeo teoacuterica

com aquela apresentada tanto pelo marxismo adstringido e suas dissidecircncias

como pelo marxismo vulgar para utilizar as expressotildees cunhadas por Chasin no

intuito de designar as duas variantes de interpretaccedilatildeo da obra marxiana

Faccedilo aqui ao leitor interessado o convite para participar dessa

avaliaccedilatildeo

[1] Professora do Departamento de Filosofia da UFMG coordenadora

do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e Estudos Confluentes

45

[i] J CHASIN Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in

Teixeira FJS Pensando com Marx Editora Ensaio Satildeo Paulo 1995

[ii] K MARX amp F ENGELS A Sagrada Famiacutelia Ed Grijalbo trad

Wenceslao Roces Meacutexico DF 1960 p 120

[iii] Ver a respeito J CHASIN Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo

Metodoloacutegica opcit

[iv] J CHASIN O Futuro Ausente in Ensaios Ad Hominem 1 tomo III

Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem Satildeo Paulo 2000 p 166

[v] Ib p 167

[vi] Id

[vii] E CASSIRER A Filosofia do Iluminismo Editora da Unicamp

Campinas 1992 p 11

[viii] G LUKAacuteCS La Riproduzionein Per lOntologia delle Essere

Sociale Roma Editori Riuniti tomo II 1981 pp 180-81

[ix] N HARTMANN Ontologia Fondo de Cultura Econoacutemica Meacutexico D

F vol 1 1986

[x] K MARX O Capital vol I Ediccedilatildeo Abril Cultural Satildeo Paulo p 149

[xi] Id

[xii] Ib p 150

[xiii] (a respeito dessas categorias ver N HARTMANN Ontologia op cit

vol I p XII

46

47

[xiv] No original alematildeo in der Form des Seins Dietz Verlag 1971 p

195

[xv] Ib p 151

[xvi] Ver a respeito em J CHASIN Marx-Estatuto Ontoloacutegico e

Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica op cit

[xvii] K MARX op Cit p 126

Page 42: :: Verinotio - Revista On-line de Educao e Cincias Humanas · O leitor encontrará, portanto, nessa Apresentação o fruto de trabalho de coleta e organização de materiais utilizados

O artigo que abre a presente coletacircnea intitulado A Razatildeo como

Tribunal da Criacutetica Marx e A Gazeta Renana de autoria de Celso Eidt versa

sobre a concepccedilatildeo do jovem Marx sobre o papel da imprensa natildeo apenas como

o locus privilegiado para o debate filosoacutefico mas fundamentalmente para os

processos educativos tendo em vista a realizaccedilatildeo plena da liberdade humana Eacute

bom ressaltar que no periacuteodo em que tais artigos satildeo redigidos Marx

compartilha de uma visatildeo antropoloacutegica racional em que a natureza humana eacute

concebida como espiacuterito livre e racional enquanto esteio da proacutepria vida eacutetica

ou seja da praacutetica humana fundada na razatildeo universal

Ana Selva Albinati autora do artigo A Determinaccedilatildeo dos Valores

Morais nos textos de Marx de 1841 a 1847 se debruccedila justamente sobre tal

campo de reflexatildeo Seu trabalho eacute uma tentativa de sistematizaccedilatildeo das

consideraccedilotildees sobre os valores morais nos textos do periacuteodo que se inicia com

sua tese doutoral Diferenccedilas entre as Filosofias da Natureza de Demoacutecrito e

Epicuro prosseguindo ateacute A Miseacuteria da Filosofia Ana Selva procura demonstrar

que esse periacuteodo normalmente referido como sendo o da juventude de Marx eacute

na verdade constituiacutedo de dois momentos de sua elaboraccedilatildeo teoacuterica que tem

como momento de clivagem a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel de meados

de 1843 em que Marx rompe com o referencial teoacuterico do idealismo alematildeo Em

relaccedilatildeo agraves determinaccedilotildees sobre a moral essa ruptura se reflete na inflexatildeo

radical que diferencia a compreensatildeo da moralidade no primeiro e segundo

momentos de tal forma que a moralidade passa a ser compreendida como um

dos modos da consciecircncia socialmente determinada concepccedilatildeo completamente

distinta da primeira fase em que os valores morais eram compreendidos como

expressotildees da liberdade e da racionalidade humanas idealmente concebidas

No artigo A criacutetica da Especulaccedilatildeo nas Glosas de Kreuznach Milney

Chasin analisa o momento inicial e ao mesmo tempo decisivo da ruptura que

se verifica entre Marx e Hegel no plano das determinaccedilotildees do ser Desse modo

a Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel inaugura a criacutetica marxiana da

especulaccedilatildeo no seu cerne o de rejeitar o procedimento especulativo

42

caracteriacutestico de se provir tudo da ideacuteia real de tornaacute-la sujeito isto eacute de

capacitar a abstraccedilatildeo ou conceito automovido - a partir das metamorfoses

hegelianas - de pocircr o multiverso sensiacutevel Em outros termos Milney Chasin no

referido artigo evidencia como a criacutetica da especulaccedilatildeo permite a Marx

ultrapassar os horizontes do idealismo alematildeo na direccedilatildeo do devido

reconhecimento da distinccedilatildeo entre ser e pensar de caracterizar a impropriedade

ontoloacutegica da loacutegica hegeliana de apurar os limites gnosioloacutegicos e

incongruecircncias de toda ordem Em suma permite o desvelamento da substacircncia

miacutestica oferecendo a explicitaccedilatildeo do meacutetodo hegeliano - das diabruras do

conceito autoposto - que articula abstraccedilotildees e finitude restando a esta a mera

condiccedilatildeo de apecircndice dissolvido isto eacute momento virtual da realizaccedilatildeo da

idealidade

O quarto artigo desta coletacircnea intitulado A Exteriorizaccedilatildeo da Vida nos

Manuscritos de 44 eacute parte da dissertaccedilatildeo de mestrado As Categorias

Lebensaumlusserung Entaumlusserung Entfremdung e Veraumlusserung nos Manuscritos

Economico-Filosoacuteficos de Karl Marxdefendida por Mocircnica H M da Costa em

que o interesse era acima de tudo averiguar se alienaccedilatildeo (Entaumlusserung) e

estranhamento (Entfremdung) teriam significados distintos A pesquisa acabou

opor apontar no entanto uma outra categoria como eixo desses manuscritos

Lebensaumlusserung traduzida por exteriorizaccedilatildeo da vida De fato o fio condutor

dos Manuscritos eacute a centralidade do trabalho na produccedilatildeo material e espiritual

da vida humana Tomando para anaacutelise criacutetica pela primeira vez os

economistas claacutessicos Marx explicita sua proacutepria compreensatildeo da forma

peculiar de engendramento da existecircncia do homem A criacutetica a Hegel completa

o quadro desta tematizaccedilatildeo que natildeo seraacute abandonada ateacute os uacuteltimos trabalhos

de Marx

Sabina Maura Silva no artigo A Fenomenologia do Egoiacutesmo Stirner e a

Criacutetica Marxiana tem como objetivo fundamental apresentar a concepccedilatildeo de

homem presente na obra O Uacutenico e Sua Propriedade de autoria do filoacutesofo

neohegeliano Max Stirner e expor a criacutetica de Marx a este autor contida em A

43

Ideologia Alematilde A autora mostra que para Stirner o Eu tomado como

individualidade singular eacute o fundamento de sua esfera existencial No entanto

para esse autor tudo tem determinado a existecircncia dos indiviacuteduos natildeo tendo

sido permitido a eles determinaacute-la O objetivo de Stirner eacute pois remeter ao

indiviacuteduo - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel - o que dele foi alienado e erigido

como algo autocircnomo Por seu turno a criacutetica de Marx tem como fim explicitar o

caraacuteter especulativo da anaacutelise stirneana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo

bem como salientar o aspecto pseudorevolucionaacuterio de suas proposituras

Assim segundo Marx Stirner tatildeo somente interpreta diferentemente o

existente isto eacute reconhece o existente mediante outra

interpretaccedilatildeoTransformando as contradiccedilotildees objetivas em contradiccedilotildees

subjetivas Stirner conserva e justifica as condiccedilotildees e estruturas efetivas que

esmagam e impedem a autodeterminaccedilatildeo das individualidades ao reconhecer

as circunstacircncias como determinaccedilotildees dos indiviacuteduos Acolhendo acriacutetica e

especulativamente em suas feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees

estranhadas de um momento histoacuterico particular da individuaccedilatildeo humana

Stirner erige como individualidade um ente que empobrecido e constrangido

pelas condiccedilotildees objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade

social pode somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria

sobre si e sobre o mundo

O uacuteltimo artigo do tomo IV da Revista Ensaios Ad Hominem eacute de

autoria de Antocircnio Joseacute Lopes Alves e leva o tiacutetulo de A Individualidade

Moderna nos Grundrisse Neste texto o autor procura demonstrar que a

moderna sociabilidade do capital eacute compreendida por Marx como forma

instaurada a partir da dissoluccedilatildeo dos liames sociais que uniam em tempos

anteriores os indiviacuteduos agrave comunidade Aleacutem disso destaca o fato apontado por

Marx de que tal processo se constitui numa verdadeira reconversatildeo ontoloacutegica

tanto dos indiviacuteduos quanto das condiccedilotildees da atividade vital ocorrendo uma

radical transformaccedilatildeo na forma de ser de ambos Sinteticamente trata-se de

reconfiguraccedilatildeo ontoloacutegica que determina como entes autocircnomos os indiviacuteduos

44

de um lado e as condiccedilotildees de trabalho de outro vale dizer do divoacutercio entre os

indiviacuteduos ativos e as condiccedilotildees de sua atividade Antocircnio Lopes buscou em

suma alinhar as determinaccedilotildees mais essenciais dos indiviacuteduos e da

sociablidade modernos no que respeita agrave forma mesma das relaccedilotildees sociais da

atividade sensiacutevel bem como da respectiva expressatildeo ideal como por exemplo

a configuraccedilatildeo das categorias da igualdade e liberdade

O leitor encontraraacute nas paacuteginas que se seguem o resultado do esforccedilo

de pesquisa voltado ao resgate da obra marxiana caracterizado pela busca do

rigor na leitura e interpretaccedilatildeo do pensamento de um autor cuja heranccedila

intelectual conheceu um destino traacutegico Natildeo eacute faacutecil portanto voltar-se a ela

sem os preconceitos da moda - como jaacute havia advertido Lukaacutecs Natildeo posso

afirmar com total certeza que um intento dessa natureza tenha sido plenamente

alcanccedilado Todavia eacute faacutecil perceber as diferenccedilas desse tipo de produccedilatildeo teoacuterica

com aquela apresentada tanto pelo marxismo adstringido e suas dissidecircncias

como pelo marxismo vulgar para utilizar as expressotildees cunhadas por Chasin no

intuito de designar as duas variantes de interpretaccedilatildeo da obra marxiana

Faccedilo aqui ao leitor interessado o convite para participar dessa

avaliaccedilatildeo

[1] Professora do Departamento de Filosofia da UFMG coordenadora

do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e Estudos Confluentes

45

[i] J CHASIN Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in

Teixeira FJS Pensando com Marx Editora Ensaio Satildeo Paulo 1995

[ii] K MARX amp F ENGELS A Sagrada Famiacutelia Ed Grijalbo trad

Wenceslao Roces Meacutexico DF 1960 p 120

[iii] Ver a respeito J CHASIN Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo

Metodoloacutegica opcit

[iv] J CHASIN O Futuro Ausente in Ensaios Ad Hominem 1 tomo III

Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem Satildeo Paulo 2000 p 166

[v] Ib p 167

[vi] Id

[vii] E CASSIRER A Filosofia do Iluminismo Editora da Unicamp

Campinas 1992 p 11

[viii] G LUKAacuteCS La Riproduzionein Per lOntologia delle Essere

Sociale Roma Editori Riuniti tomo II 1981 pp 180-81

[ix] N HARTMANN Ontologia Fondo de Cultura Econoacutemica Meacutexico D

F vol 1 1986

[x] K MARX O Capital vol I Ediccedilatildeo Abril Cultural Satildeo Paulo p 149

[xi] Id

[xii] Ib p 150

[xiii] (a respeito dessas categorias ver N HARTMANN Ontologia op cit

vol I p XII

46

47

[xiv] No original alematildeo in der Form des Seins Dietz Verlag 1971 p

195

[xv] Ib p 151

[xvi] Ver a respeito em J CHASIN Marx-Estatuto Ontoloacutegico e

Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica op cit

[xvii] K MARX op Cit p 126

Page 43: :: Verinotio - Revista On-line de Educao e Cincias Humanas · O leitor encontrará, portanto, nessa Apresentação o fruto de trabalho de coleta e organização de materiais utilizados

caracteriacutestico de se provir tudo da ideacuteia real de tornaacute-la sujeito isto eacute de

capacitar a abstraccedilatildeo ou conceito automovido - a partir das metamorfoses

hegelianas - de pocircr o multiverso sensiacutevel Em outros termos Milney Chasin no

referido artigo evidencia como a criacutetica da especulaccedilatildeo permite a Marx

ultrapassar os horizontes do idealismo alematildeo na direccedilatildeo do devido

reconhecimento da distinccedilatildeo entre ser e pensar de caracterizar a impropriedade

ontoloacutegica da loacutegica hegeliana de apurar os limites gnosioloacutegicos e

incongruecircncias de toda ordem Em suma permite o desvelamento da substacircncia

miacutestica oferecendo a explicitaccedilatildeo do meacutetodo hegeliano - das diabruras do

conceito autoposto - que articula abstraccedilotildees e finitude restando a esta a mera

condiccedilatildeo de apecircndice dissolvido isto eacute momento virtual da realizaccedilatildeo da

idealidade

O quarto artigo desta coletacircnea intitulado A Exteriorizaccedilatildeo da Vida nos

Manuscritos de 44 eacute parte da dissertaccedilatildeo de mestrado As Categorias

Lebensaumlusserung Entaumlusserung Entfremdung e Veraumlusserung nos Manuscritos

Economico-Filosoacuteficos de Karl Marxdefendida por Mocircnica H M da Costa em

que o interesse era acima de tudo averiguar se alienaccedilatildeo (Entaumlusserung) e

estranhamento (Entfremdung) teriam significados distintos A pesquisa acabou

opor apontar no entanto uma outra categoria como eixo desses manuscritos

Lebensaumlusserung traduzida por exteriorizaccedilatildeo da vida De fato o fio condutor

dos Manuscritos eacute a centralidade do trabalho na produccedilatildeo material e espiritual

da vida humana Tomando para anaacutelise criacutetica pela primeira vez os

economistas claacutessicos Marx explicita sua proacutepria compreensatildeo da forma

peculiar de engendramento da existecircncia do homem A criacutetica a Hegel completa

o quadro desta tematizaccedilatildeo que natildeo seraacute abandonada ateacute os uacuteltimos trabalhos

de Marx

Sabina Maura Silva no artigo A Fenomenologia do Egoiacutesmo Stirner e a

Criacutetica Marxiana tem como objetivo fundamental apresentar a concepccedilatildeo de

homem presente na obra O Uacutenico e Sua Propriedade de autoria do filoacutesofo

neohegeliano Max Stirner e expor a criacutetica de Marx a este autor contida em A

43

Ideologia Alematilde A autora mostra que para Stirner o Eu tomado como

individualidade singular eacute o fundamento de sua esfera existencial No entanto

para esse autor tudo tem determinado a existecircncia dos indiviacuteduos natildeo tendo

sido permitido a eles determinaacute-la O objetivo de Stirner eacute pois remeter ao

indiviacuteduo - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel - o que dele foi alienado e erigido

como algo autocircnomo Por seu turno a criacutetica de Marx tem como fim explicitar o

caraacuteter especulativo da anaacutelise stirneana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo

bem como salientar o aspecto pseudorevolucionaacuterio de suas proposituras

Assim segundo Marx Stirner tatildeo somente interpreta diferentemente o

existente isto eacute reconhece o existente mediante outra

interpretaccedilatildeoTransformando as contradiccedilotildees objetivas em contradiccedilotildees

subjetivas Stirner conserva e justifica as condiccedilotildees e estruturas efetivas que

esmagam e impedem a autodeterminaccedilatildeo das individualidades ao reconhecer

as circunstacircncias como determinaccedilotildees dos indiviacuteduos Acolhendo acriacutetica e

especulativamente em suas feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees

estranhadas de um momento histoacuterico particular da individuaccedilatildeo humana

Stirner erige como individualidade um ente que empobrecido e constrangido

pelas condiccedilotildees objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade

social pode somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria

sobre si e sobre o mundo

O uacuteltimo artigo do tomo IV da Revista Ensaios Ad Hominem eacute de

autoria de Antocircnio Joseacute Lopes Alves e leva o tiacutetulo de A Individualidade

Moderna nos Grundrisse Neste texto o autor procura demonstrar que a

moderna sociabilidade do capital eacute compreendida por Marx como forma

instaurada a partir da dissoluccedilatildeo dos liames sociais que uniam em tempos

anteriores os indiviacuteduos agrave comunidade Aleacutem disso destaca o fato apontado por

Marx de que tal processo se constitui numa verdadeira reconversatildeo ontoloacutegica

tanto dos indiviacuteduos quanto das condiccedilotildees da atividade vital ocorrendo uma

radical transformaccedilatildeo na forma de ser de ambos Sinteticamente trata-se de

reconfiguraccedilatildeo ontoloacutegica que determina como entes autocircnomos os indiviacuteduos

44

de um lado e as condiccedilotildees de trabalho de outro vale dizer do divoacutercio entre os

indiviacuteduos ativos e as condiccedilotildees de sua atividade Antocircnio Lopes buscou em

suma alinhar as determinaccedilotildees mais essenciais dos indiviacuteduos e da

sociablidade modernos no que respeita agrave forma mesma das relaccedilotildees sociais da

atividade sensiacutevel bem como da respectiva expressatildeo ideal como por exemplo

a configuraccedilatildeo das categorias da igualdade e liberdade

O leitor encontraraacute nas paacuteginas que se seguem o resultado do esforccedilo

de pesquisa voltado ao resgate da obra marxiana caracterizado pela busca do

rigor na leitura e interpretaccedilatildeo do pensamento de um autor cuja heranccedila

intelectual conheceu um destino traacutegico Natildeo eacute faacutecil portanto voltar-se a ela

sem os preconceitos da moda - como jaacute havia advertido Lukaacutecs Natildeo posso

afirmar com total certeza que um intento dessa natureza tenha sido plenamente

alcanccedilado Todavia eacute faacutecil perceber as diferenccedilas desse tipo de produccedilatildeo teoacuterica

com aquela apresentada tanto pelo marxismo adstringido e suas dissidecircncias

como pelo marxismo vulgar para utilizar as expressotildees cunhadas por Chasin no

intuito de designar as duas variantes de interpretaccedilatildeo da obra marxiana

Faccedilo aqui ao leitor interessado o convite para participar dessa

avaliaccedilatildeo

[1] Professora do Departamento de Filosofia da UFMG coordenadora

do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e Estudos Confluentes

45

[i] J CHASIN Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in

Teixeira FJS Pensando com Marx Editora Ensaio Satildeo Paulo 1995

[ii] K MARX amp F ENGELS A Sagrada Famiacutelia Ed Grijalbo trad

Wenceslao Roces Meacutexico DF 1960 p 120

[iii] Ver a respeito J CHASIN Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo

Metodoloacutegica opcit

[iv] J CHASIN O Futuro Ausente in Ensaios Ad Hominem 1 tomo III

Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem Satildeo Paulo 2000 p 166

[v] Ib p 167

[vi] Id

[vii] E CASSIRER A Filosofia do Iluminismo Editora da Unicamp

Campinas 1992 p 11

[viii] G LUKAacuteCS La Riproduzionein Per lOntologia delle Essere

Sociale Roma Editori Riuniti tomo II 1981 pp 180-81

[ix] N HARTMANN Ontologia Fondo de Cultura Econoacutemica Meacutexico D

F vol 1 1986

[x] K MARX O Capital vol I Ediccedilatildeo Abril Cultural Satildeo Paulo p 149

[xi] Id

[xii] Ib p 150

[xiii] (a respeito dessas categorias ver N HARTMANN Ontologia op cit

vol I p XII

46

47

[xiv] No original alematildeo in der Form des Seins Dietz Verlag 1971 p

195

[xv] Ib p 151

[xvi] Ver a respeito em J CHASIN Marx-Estatuto Ontoloacutegico e

Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica op cit

[xvii] K MARX op Cit p 126

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Ideologia Alematilde A autora mostra que para Stirner o Eu tomado como

individualidade singular eacute o fundamento de sua esfera existencial No entanto

para esse autor tudo tem determinado a existecircncia dos indiviacuteduos natildeo tendo

sido permitido a eles determinaacute-la O objetivo de Stirner eacute pois remeter ao

indiviacuteduo - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel - o que dele foi alienado e erigido

como algo autocircnomo Por seu turno a criacutetica de Marx tem como fim explicitar o

caraacuteter especulativo da anaacutelise stirneana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo

bem como salientar o aspecto pseudorevolucionaacuterio de suas proposituras

Assim segundo Marx Stirner tatildeo somente interpreta diferentemente o

existente isto eacute reconhece o existente mediante outra

interpretaccedilatildeoTransformando as contradiccedilotildees objetivas em contradiccedilotildees

subjetivas Stirner conserva e justifica as condiccedilotildees e estruturas efetivas que

esmagam e impedem a autodeterminaccedilatildeo das individualidades ao reconhecer

as circunstacircncias como determinaccedilotildees dos indiviacuteduos Acolhendo acriacutetica e

especulativamente em suas feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees

estranhadas de um momento histoacuterico particular da individuaccedilatildeo humana

Stirner erige como individualidade um ente que empobrecido e constrangido

pelas condiccedilotildees objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade

social pode somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria

sobre si e sobre o mundo

O uacuteltimo artigo do tomo IV da Revista Ensaios Ad Hominem eacute de

autoria de Antocircnio Joseacute Lopes Alves e leva o tiacutetulo de A Individualidade

Moderna nos Grundrisse Neste texto o autor procura demonstrar que a

moderna sociabilidade do capital eacute compreendida por Marx como forma

instaurada a partir da dissoluccedilatildeo dos liames sociais que uniam em tempos

anteriores os indiviacuteduos agrave comunidade Aleacutem disso destaca o fato apontado por

Marx de que tal processo se constitui numa verdadeira reconversatildeo ontoloacutegica

tanto dos indiviacuteduos quanto das condiccedilotildees da atividade vital ocorrendo uma

radical transformaccedilatildeo na forma de ser de ambos Sinteticamente trata-se de

reconfiguraccedilatildeo ontoloacutegica que determina como entes autocircnomos os indiviacuteduos

44

de um lado e as condiccedilotildees de trabalho de outro vale dizer do divoacutercio entre os

indiviacuteduos ativos e as condiccedilotildees de sua atividade Antocircnio Lopes buscou em

suma alinhar as determinaccedilotildees mais essenciais dos indiviacuteduos e da

sociablidade modernos no que respeita agrave forma mesma das relaccedilotildees sociais da

atividade sensiacutevel bem como da respectiva expressatildeo ideal como por exemplo

a configuraccedilatildeo das categorias da igualdade e liberdade

O leitor encontraraacute nas paacuteginas que se seguem o resultado do esforccedilo

de pesquisa voltado ao resgate da obra marxiana caracterizado pela busca do

rigor na leitura e interpretaccedilatildeo do pensamento de um autor cuja heranccedila

intelectual conheceu um destino traacutegico Natildeo eacute faacutecil portanto voltar-se a ela

sem os preconceitos da moda - como jaacute havia advertido Lukaacutecs Natildeo posso

afirmar com total certeza que um intento dessa natureza tenha sido plenamente

alcanccedilado Todavia eacute faacutecil perceber as diferenccedilas desse tipo de produccedilatildeo teoacuterica

com aquela apresentada tanto pelo marxismo adstringido e suas dissidecircncias

como pelo marxismo vulgar para utilizar as expressotildees cunhadas por Chasin no

intuito de designar as duas variantes de interpretaccedilatildeo da obra marxiana

Faccedilo aqui ao leitor interessado o convite para participar dessa

avaliaccedilatildeo

[1] Professora do Departamento de Filosofia da UFMG coordenadora

do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e Estudos Confluentes

45

[i] J CHASIN Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in

Teixeira FJS Pensando com Marx Editora Ensaio Satildeo Paulo 1995

[ii] K MARX amp F ENGELS A Sagrada Famiacutelia Ed Grijalbo trad

Wenceslao Roces Meacutexico DF 1960 p 120

[iii] Ver a respeito J CHASIN Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo

Metodoloacutegica opcit

[iv] J CHASIN O Futuro Ausente in Ensaios Ad Hominem 1 tomo III

Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem Satildeo Paulo 2000 p 166

[v] Ib p 167

[vi] Id

[vii] E CASSIRER A Filosofia do Iluminismo Editora da Unicamp

Campinas 1992 p 11

[viii] G LUKAacuteCS La Riproduzionein Per lOntologia delle Essere

Sociale Roma Editori Riuniti tomo II 1981 pp 180-81

[ix] N HARTMANN Ontologia Fondo de Cultura Econoacutemica Meacutexico D

F vol 1 1986

[x] K MARX O Capital vol I Ediccedilatildeo Abril Cultural Satildeo Paulo p 149

[xi] Id

[xii] Ib p 150

[xiii] (a respeito dessas categorias ver N HARTMANN Ontologia op cit

vol I p XII

46

47

[xiv] No original alematildeo in der Form des Seins Dietz Verlag 1971 p

195

[xv] Ib p 151

[xvi] Ver a respeito em J CHASIN Marx-Estatuto Ontoloacutegico e

Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica op cit

[xvii] K MARX op Cit p 126

Page 45: :: Verinotio - Revista On-line de Educao e Cincias Humanas · O leitor encontrará, portanto, nessa Apresentação o fruto de trabalho de coleta e organização de materiais utilizados

de um lado e as condiccedilotildees de trabalho de outro vale dizer do divoacutercio entre os

indiviacuteduos ativos e as condiccedilotildees de sua atividade Antocircnio Lopes buscou em

suma alinhar as determinaccedilotildees mais essenciais dos indiviacuteduos e da

sociablidade modernos no que respeita agrave forma mesma das relaccedilotildees sociais da

atividade sensiacutevel bem como da respectiva expressatildeo ideal como por exemplo

a configuraccedilatildeo das categorias da igualdade e liberdade

O leitor encontraraacute nas paacuteginas que se seguem o resultado do esforccedilo

de pesquisa voltado ao resgate da obra marxiana caracterizado pela busca do

rigor na leitura e interpretaccedilatildeo do pensamento de um autor cuja heranccedila

intelectual conheceu um destino traacutegico Natildeo eacute faacutecil portanto voltar-se a ela

sem os preconceitos da moda - como jaacute havia advertido Lukaacutecs Natildeo posso

afirmar com total certeza que um intento dessa natureza tenha sido plenamente

alcanccedilado Todavia eacute faacutecil perceber as diferenccedilas desse tipo de produccedilatildeo teoacuterica

com aquela apresentada tanto pelo marxismo adstringido e suas dissidecircncias

como pelo marxismo vulgar para utilizar as expressotildees cunhadas por Chasin no

intuito de designar as duas variantes de interpretaccedilatildeo da obra marxiana

Faccedilo aqui ao leitor interessado o convite para participar dessa

avaliaccedilatildeo

[1] Professora do Departamento de Filosofia da UFMG coordenadora

do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e Estudos Confluentes

45

[i] J CHASIN Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in

Teixeira FJS Pensando com Marx Editora Ensaio Satildeo Paulo 1995

[ii] K MARX amp F ENGELS A Sagrada Famiacutelia Ed Grijalbo trad

Wenceslao Roces Meacutexico DF 1960 p 120

[iii] Ver a respeito J CHASIN Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo

Metodoloacutegica opcit

[iv] J CHASIN O Futuro Ausente in Ensaios Ad Hominem 1 tomo III

Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem Satildeo Paulo 2000 p 166

[v] Ib p 167

[vi] Id

[vii] E CASSIRER A Filosofia do Iluminismo Editora da Unicamp

Campinas 1992 p 11

[viii] G LUKAacuteCS La Riproduzionein Per lOntologia delle Essere

Sociale Roma Editori Riuniti tomo II 1981 pp 180-81

[ix] N HARTMANN Ontologia Fondo de Cultura Econoacutemica Meacutexico D

F vol 1 1986

[x] K MARX O Capital vol I Ediccedilatildeo Abril Cultural Satildeo Paulo p 149

[xi] Id

[xii] Ib p 150

[xiii] (a respeito dessas categorias ver N HARTMANN Ontologia op cit

vol I p XII

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[xiv] No original alematildeo in der Form des Seins Dietz Verlag 1971 p

195

[xv] Ib p 151

[xvi] Ver a respeito em J CHASIN Marx-Estatuto Ontoloacutegico e

Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica op cit

[xvii] K MARX op Cit p 126

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[i] J CHASIN Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in

Teixeira FJS Pensando com Marx Editora Ensaio Satildeo Paulo 1995

[ii] K MARX amp F ENGELS A Sagrada Famiacutelia Ed Grijalbo trad

Wenceslao Roces Meacutexico DF 1960 p 120

[iii] Ver a respeito J CHASIN Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo

Metodoloacutegica opcit

[iv] J CHASIN O Futuro Ausente in Ensaios Ad Hominem 1 tomo III

Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem Satildeo Paulo 2000 p 166

[v] Ib p 167

[vi] Id

[vii] E CASSIRER A Filosofia do Iluminismo Editora da Unicamp

Campinas 1992 p 11

[viii] G LUKAacuteCS La Riproduzionein Per lOntologia delle Essere

Sociale Roma Editori Riuniti tomo II 1981 pp 180-81

[ix] N HARTMANN Ontologia Fondo de Cultura Econoacutemica Meacutexico D

F vol 1 1986

[x] K MARX O Capital vol I Ediccedilatildeo Abril Cultural Satildeo Paulo p 149

[xi] Id

[xii] Ib p 150

[xiii] (a respeito dessas categorias ver N HARTMANN Ontologia op cit

vol I p XII

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[xiv] No original alematildeo in der Form des Seins Dietz Verlag 1971 p

195

[xv] Ib p 151

[xvi] Ver a respeito em J CHASIN Marx-Estatuto Ontoloacutegico e

Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica op cit

[xvii] K MARX op Cit p 126

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[xiv] No original alematildeo in der Form des Seins Dietz Verlag 1971 p

195

[xv] Ib p 151

[xvi] Ver a respeito em J CHASIN Marx-Estatuto Ontoloacutegico e

Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica op cit

[xvii] K MARX op Cit p 126