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© Tarcizo Roberto do Nascimento 2021

Produção editorial: Vanessa PedrosoRevisão: dos AutoresCapa: Equipe Marca FácilEditoração: Nathalia B. CecconelloAutores: Celmira Alfredo Barros, Lady Adelina Domingos Rosa, Adlezio Agostinho, Anildo Alfredo João Joaquim, Carlos Manuel Borges Garcia, Hirondina Maria Lima, Alcides Gomes, Januário Pedro Correia, Maicisse Machute, Noémia Camoto, Sónia Moreira Reis, Roberto do Espírito Cotrim, Wildiley Afonso Fernandes Barroca, Robert Oliveira Monteiro, Lizziane Martins Lima, Tarcizo Roberto do Nascimento, Elmo José Duarte de Almeida Júnior, Allyny Ribeiro Martins, Suzana Schwerz Funghetto, Marcus Vinícius do Carmo Martins CavalcanteCoordenação: Tarcizo Roberto do NascimentoColaboração: Robert Oliveira Monteiro, Allyny Ribeiro Martins, Lizziane Martins Lima, Elmo José Duarte de Almeida Júnior, Francisca Rodrigues Pereira

CIP-Brasil. Catalogação na Publicação Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

N199p Nascimento, Tarcizo Roberto do Perspectivas sobre o ensino jurídico em países de língua portuguesa[recurso eletrônico] / Tarcizo Roberto do Nascimento.1. ed. - Porto Alegre [RS] : Buqui, 2021.recurso digitalFormato: epdfRequisitos do sistema: adobe acrobat readerModo de acesso: world wide webISBN 978-65-86118-93-3 (recurso eletrônico)1. Direito - Estudo e ensino. 2. Livros eletrônicos. I. Título.21-69288 | CDU: 340.11

Camila Donis Hartmann - Bibliotecária - CRB-7/6472

Todos os direitos desta edição reservados à

Buqui Comércio de Livros Eireli.Rua Dr Timóteo, 475 sala 102 Porto Alegre | RS | BrasilFone: +55 51 3508.3991 www.editorabuqui.com.brwww.facebook.com/buquistorewww.instagram.com/editorabuqui

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PREFÁCIO

O PASSADO, O PRESENTE E OFUTURO DO ENSINO JURÍDICO

EM PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA

Marcos Ehrhardt Júnior1

É por todos bem conhecida a escassez de livros e tra-balhos doutrinários sobre o ensino jurídico. Tal afirmação pode ser empiricamente verificada em toda a comunidade de países de língua portuguesa, quer seja o Brasil, Angola, Cabo Verde ou São Tomé, quer seja Príncipe ou Guiné-Bis-sau, apenas para fazer referência expressa àqueles cujas ex-periências são apresentadas neste livro.

Curioso como o foco dos debates sobre os problemas e desafios do ensino jurídico se concentra sobre os seus sinto-mas, deixando em segundo plano as deficiências estruturais e históricas compartilhadas por esta comunidade de países. Vivemos num cenário capitalista de maximização do lucro e enfatização dos resultados, que põe em evidência os núme-ros no atacado, enquanto negligencia as pessoas que, no va-rejo, integram uma complexa rede de necessidades, anseios e esperança de alcançar emancipação e autonomia através do conhecimento e da educação jurídica.

1 Advogado. Doutor em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Professor de Direito Civil da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e do Centro Universitário Cesmac. Editor da Revista Fórum de Direito Civil (RFDC). Vice-Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Civil (IBDCIVIL). Presidente da Comissão de Enunciados do Instituto Brasileiro de Direito de Fa-mília (IBDFAM). Membro Fundador do Instituto Brasileiro de Direito Contratual – IBDCont e do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil (Iberc). E-mail: [email protected]

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Para que serve a formação jurídica? Quais os objetivos que ela precisa alcançar? O que fazemos atualmente está em sintonia com as necessidades do corpo social e do mercado de trabalho? Como incorporar o debate sobre o avanço das novas tecnologias no mundo jurídico?

Grande parte das perguntas acima apontadas é en-frentada ao longo deste livro, que promove um diálogo rico e construtivo, a partir de perspectivas plurais, que nos con-vida a transitar pelo passado e presente do ensino jurídico na Língua de Camões, Padre Vieira, Eça de Queirós, Lídia Jorge, Inês Pedrosa, José Saramago e Fernando Pessoa. Ape-nas quando nos conscientizamos das origens históricas que nos trouxeram ao momento presente, podemos ajustar as velas para os desafios futuros.

Nessa troca de experiências, que tem como denomi-nador comum a colonização portuguesa, deve-se ressaltar a importância de se atentar para peculiaridades locais de cada ordenamento jurídico, no que diz respeito às suas fontes e modo de organização, afastando as tentativas de empreen-der um sincretismo doutrinário e metodológico acrítico que ignora valores e tradições culturais dos grupos sociais e muitas vezes se mostra descompromissado com a proteção dos indivíduos, especialmente de grupos vulneráveis.

Vivenciamos um crescente movimento de massifica-ção do ensino, de concentração das atividades em grandes conglomerados transnacionais educacionais, que precisa enfrentar a falta de contemporaneidade dos currículos uni-versitários. Esses devem espelhar a preocupação com a es-cassez dos recursos naturais, com a liberdade de expressão, o combate à violência e a discriminação contra crianças, idosos, mulheres e refugiados; a proteção a pessoas superen-dividadas e que não conseguem ingressar num mercado de

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trabalho que já não garante vagas para todos os indivíduos. Tudo isso sem considerar temas afetos a compliance, gover-nança, proteção de dados pessoais e combate à corrupção.

A longa lista de temas e desafios a que os operadores jurídicos precisam atentar para o desenvolvimento de com-petências e habilidades ainda envolve os avanços da enge-nharia genética e das aplicações de inteligência artificial, num mundo onde os marcos divisórios entre o físico e o vir-tual estão cada vez mais borrados e precisam ser constante-mente ressignificados.

Também é preciso lançar um olhar sobre o lado “b” da intensa utilização de recursos tecnológicos, pois em ra-zão inversamente proporcional ao acesso facilitado a fontes bibliográficas, do intercâmbio com outros pesquisadores e da facilidade de comunicação de pesquisas e estudos, estão os efeitos cruéis da exclusão digital ‒ quer seja pela impos-sibilidade de acesso a equipamentos, quer seja pela própria infraestrutura de conexão com a rede mundial de computa-dores, que ignora docentes e estudantes menos favorecidos, integrantes da parcela off line da população.

É justamente neste caldo de revolução tecnológica, cultural e social que o diálogo sobre experiências bem-suce-didas sobre sistemas de regulação e avaliação da qualidade do ensino jurídico são muito bem-vindos, mormente quan-do incentivam a interação do ensino com a pesquisa e as atividades de extensão. É muito bom ter acesso a vivências de colegas em outros países e perceber que, em diversos as-pectos, a realidade não é tão distante, sobretudo no que se refere aos desafios relacionados à motivação de estudantes e à necessidade de superação das deficiências que se verifica desde o ensino fundamental.

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Num mundo global em que a tecnologia relativizou as fronteira físicas, é preciso comemorar iniciativas como esta, que privilegiam um intercâmbio saudável de ideias e lan-çam as bases para novos projetos de cooperação. Parabéns a todos os envolvidos. Que as vozes nas próximas páginas possam ecoar, inspirar e suscitar belas reflexões.

Maceió, Alagoas, Brasil, 29 de janeiro de 2021.

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SUMÁRIO

Os desafios da docência e o ensino jurídico em AngolaCelmira Alfredo Barros ................................................................. 10

O sistema de avaliação do ensino juridico e a busca pela qualidadeLady Adelina Domingos Rosa ........................................................ 28

O ensino do Direito Constitucional nas instituições públicas e privadas de AngolaAdlezio Agostinho ......................................................................... 44

A defesa dos direitos fundamentais a partir do direito a educação juridicaAnildo Alfredo João Joaquim ........................................................ 53

Contributos para a melhoria da justiça em Cabo VerdeCarlos Manuel Borges Garcia ........................................................ 68

A qualidade do ensino do direitoHirondina Maria Lima ................................................................. 86

O contributo da Faculdade de Direito de Bissau na formação jurídica e na construção do Estado de DireitoAlcides Gomes ..............................................................................117

O Ensino Jurídico: Da pretensa originalidade do ensino do direito bancário na Guiné BissauJanuário Pedro Correia ............................................................... 129

O exame profissional realizado em MoçambiqueMaicisse Machute e Noémia Camoto ........................................... 152

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O ensino do Direito e a Justiça Restaurativa Sónia Moreira Reis ...................................................................... 166

Medidas de coacção em São Tomé e Príncipe Roberto do Espírito Cotrim ......................................................... 182

O Mercado de trabalho para os operadores de Direito em São Tomé e Príncipe Wildiley Afonso Fernandes Barroca ............................................ 203

O Docente Jurídico e a educação à Distância Robert Oliveira Monteiro .............................................................217

A qualidade do Ensino Jurídico Brasileiro aferida por meio do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE) e pelo Exame de Ordem da OAB Lizziane Martins Lima e Tarcizo Roberto do Nascimento ............ 231

Direitos sociais, educação e a (perda da) qualidade do Ensino Jurídico BrasileiroElmo José Duarte de Almeida Júnior ........................................... 259

Plágio, o desafio ético do Ensino Jurídico na era digital Allyny Ribeiro Martins................................................................ 280

Educação Superior no Século XXI Suzana Schwerz Funghetto e Marcus Vinícius do Carmo Martins Cavalcante .................................................................................. 291

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OS DESAFIOS DA DOCÊNCIA EO ENSINO JURÍDICO EM ANGOLA

Celmira Alfredo Barros2

“A politização das faculdades de Direito é um fenó-meno contraproducente e que põe em causa a inde-pendência e a credibilidade científicas das institui-ções das instituições que ensinam o Direito”3

RESUMOO presente artigo se propõe a fazer uma análise do en-

sino do direito angolano, ilustrando sua semelhança com o ensino do direito português. Sem olvidar a riqueza de um ensino de um direito de matriz filosófica Bantu. Será igual-mente dada atenção ao fenômeno da turba docência como um factor desqualificativo no ensino superior angolano.

Palavras-chave: ensino jurídico; direito costumeiro; ciência jurídica angolana; direito filósofico bantu.

ABSTRACTThis article proposes to make an analysis of the tea-

ching of Angolan law, illustrating its similarity with the tea-ching of Portuguese law. Without forgetting the richness of a teaching of a Bantu philosophical matrix right. Attention

2 Celmira Alfredo Barros; Licenciada em Direito pela Universidade Metodista de Angola (2011); Mestre em Ciências Jurídicas-Direitos Humanos pela Universi-dade Federal da Paraíba; Docente Universitária e Consultora Jurídica.3 https://www.portoeditora.pt/sites/ensino-direito-portugal/, Acesso em 10 de Abril de 2019, as 11h.

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will also be given to the phenomena of peat teaching as a disqualifying factor in Angolan higher education.

Keywords: legal education; customary law; Angolan legal science; Bantu philosophical law.

1. IntroduçãoO Ensino Superior em Angola é assegurado em rede

pública por oito regiões académicas, dividas pelas 18 pro-víncias do País4, que têm servido de suporte aos que por fal-ta de meios econômico-financeiros não têm possibilidade de custear a sua formação nas Instituições Superior Privadas de Ensino.

O curso de direito está presente em maior parte das Instituições de Ensino Superior públicas assim como nas Instituições de Ensino Superior privadas e, grosso modo, tem sido muito concorrido, pois o número de candidatos ul-trapassa as metas previamente definidas no início de cada ano académico.

Os indicadores de qualidade ou a inexistência desta na formação do jurista angolano, é de certo modo comum a todas as Instituições, na medida em que, padecem quase todas dos mesmos vícios: um ensino não voltado a pesquisa, uma importação dos curriculum de IES portuguesas e au-sência de bibliografia local. No presente artigo, não é nossa intenção dar mais razão aquela ou esta IES, mas sim, fazer uma apreciação generalizada apontando um outro caso de

4 Existem no país oito Universidades Públicas e 20 Institutos Superiores Públi-cos até ao ano de 2015. Ao passo que das IES privadas, dados avançados em 2018 pelo Ministério do Ensino Superior Ciência, Tecnologia e Inovação, dão conta de que existem no país 55 Instituições de Ensino Superior privadas, sendo que 10 são Universidades e 45 são Institutos Superiores Politécnicos.

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progresso num aspecto que se quer qualitativo, para as no-vas metodologias do ensino de direito.

Aos docentes se impõem os desafios de se reinventar a cada dia, para responder aos anseios dos discentes. Refor-mulando seus métodos de ensino, se adoptará um ensino do modelo de aulas expositivas com análises, com maior parti-cipação e interação dos estudantes, uma vez que o docente em sala de aula, não se deve cingir tão somente em ensinar, mas também em a aprender.

É nosso propósito igualmente, enunciar aqui a ne-cessidade de olhar para um ensino voltado a matriz fi-losófica Bantu, ao contrário da acentuação da matriz romano-germânica.

2. O ensino jurídico angolano reprodução do ensino português

Os registos históricos narram que o ensino superior foi implantado no país na década de 1960, para ser mais pre-cisa em 1962.5 Isto pressupõe dizer que ao longo de várias décadas existia uma única Universidade no país, que tinha polos nas suas 18 províncias. A Universidade Agostinho Neto (UAN) foi criada um ano depois da proclamação da independência, em 1976. Em 1992, foi dado o aval a Igreja

5 “O ensino superior foi implantado em Angola (então colónia portuguesa) so-mente no ano de 1962, com a criação dos Estudos Gerais Universitários de Angola. A Igreja Católica tinha, porém, criado em 1958 o seu Seminário, com estudos su-periores em Luanda e no Huambo1. À criação dos Estudos Gerais Universitários de Angola seguiu-se a criação de cursos nas cidades de Luanda (medicina, ciências e engenharias), Huambo (agronomia e veterinária) e Lubango2 (letras, geografia e pedagogia). Em 1968, os Estudos Gerais Universitários de Angola foram trans-formados em Universidade de Luanda, tendo em 1969 sido inaugurado o Hospi-tal Universitário de Luanda. A Igreja Católica havia, entretanto, criado em 1962 o Instituto Pio XII, destinado à formação de assistentes sociais”. https://journals.openedition.org/ras/422 Acesso em 10 de Março de 2019, as 17h.

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Católica para tornar funcional o seu projecto de Instituição de Ensino Superior (IES), dando assim lugar a primeira IES privada no país, e encorajando também os demais que vi-ram nisto mais uma oportunidade de negócio do que pro-priamente uma parceria com o Estado na materialização do direito a educação neste nível de ensino.6

Na realidade angolana, o curso de direito está presente na maioria das IES, aliás, é quase impossível não vislum-brarmos uma IES que não tenha o curso de direito na sua grelha de oferta formativa, e isso também se deve ao facto de ser dos mais procurados pelos potenciais estudantes desde o fenômeno conhecido como “mercantilização do ensino.

Ora, do anterior colonizador herdamos, dentre outras coisas, o lado tradicional do ensino do direito, não há muita diferença entre estar numa sala de aula no curso de direito em Lisboa e em Luanda são como que siamesas. Se quiser-mos ser mais elucidativos, neste particular o Jurista do sítio Maka Angola, Rui Verde, pontua que:

Do ensino português não herdamos só o modo de mi-nistração das aulas, como também, o ordenamento jurídico, e pese embora aqueles já tenham efetuado reformas legisla-tivas de muitos dos seus códigos, do nosso lado, só a coisa de dois meses conseguimos aprovar um novo código penal, por exemplo. A metodologia adotada consiste em o Professor ser o “sumo do saber”, que chega a sala de aula e passeia todo o seu vocabulário do mais rebuscado (aliás quanto mais re-buscado melhor), e o aluno limita-se a ouvir e a tomar notas,

6 Dados oficiais do Ministério do Ensino Superior em 2015, davam conta da existência de 62 IES, hoje certamente, o número terá crescido, porquanto em 2017, ano eleitoral, os “investidores” do Sector de Ensino Superior, aproveitam para fa-zer pressão em troca de votos. Partindo do pressuposto que quem Governa não organiza pleito eleitoral para perder, é a oportunidade que os investidores têm para aprovar todo o tipo de projecto de IES, desprovida da observância do rigor e qualidade que se impõem para a criação e licenciamento de uma IES

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criando seres acríticos para um nível de ensino que se quer ser pensantes e capazes de solucionar os diferentes proble-mas sociais, socorrendo-se dos métodos de cientificidade.

O jurista Rui Verde, do sítio Maka Angola, faz-nos re-flectir na existência de um pluralismo jurídico pelo território nacional e na riqueza das “normas consuetudinárias”, ensino este que não tem lugar nas salas de aulas, porquanto, ainda é notória a cópia do curriculum das IES portuguesas. Há um es-forço tímido em pensar o direito a partir de uma perspectiva filosófica-bantu, desde a sala de aula até mesmo aos tribunais comuns, ignorando a existência dos tribunais costumeiros.

Na verdade, estes Tribunais costumeiros7 são de uma rique-za cultural e ancestral que não fica nada a dever ao direito de matriz ocidental, impostos pela colonização.

“Há uma história do direito em Angola que não é a história do direito português, há uma história das ideias em África que não é só a história das ideias na Europa. Há temas específicos para a realidade ango-lana, o direito costumeiro, local, rural, de resolução alternativa dos conflitos, que não é abordada nas fa-culdades de direito.”

Impõem-se deixar assente que o ensino jurídico em Angola, como aludido acima, é semelhante ao ensino portu-guês do ponto de vista da ministração das aulas, sem olvi-dar a grelha curricular de algumas IES que é uma cópia fiel de IES portuguesas. Daí se entender o facto do analista Rui Verde ter denominado o seu artigo nos termos “pela desco-

7 Os Tribunais costumeiros são presentes, grosso modo, em localidades que dis-tam a quilómetros da cidade principal, onde normalmente é possível encontrar a jurisdição comum. Quando assim ocorre, a autoridade tradicional, naquele lugar, substitui o Estado (jurisdição comum) e a luz do direito costumeiro realiza julga-mentos.

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lonização do ensino do direito em angola”, sinalizando neste que:

Se repararmos no currículo do curso de Direito da Universidade Agostinho Neto, vemos que este não é mais do que uma imitação do que se fazia em Por-tugal antes de 2005/2006 (altura em que nas terras lusas se comprimiram os cursos para 4 anos, em vir-tude do chamado processo de Bolonha). Não existe uma única cadeira específica vocacionada para An-gola. O curso de Direito poderia ser leccionado em Luanda ou em Bragança. (..)8

Tal argumento tem sido fundamentado quando de forma discriminatória o acesso a contratação é maiorita-riamente facilitado, se nos permitem o termo, para os for-mandos em direito em Portugal do que em qualquer outro país, asseverando as similitudes de um com outro. Sobre esta questão ainda nos debruçaremos quando abordarmos as grelhas curriculares de algumas IES, como elemento es-sencial da qualidade dos seus formandos

3. A qualidade do ensino jurídico e a má prestação da classe jurídica

É ponto assente que há uma necessidade de se efe-tuar uma reforma dos currículos, de modo a torná-los mais atractivos às exigências e aos desafios do agressivo mercado para as diferentes profissões jurídicas, impõe-se que o aluno saia da Universidade dotado de saberes que o mercado soli-

8 https://www.makaangola.org/2018/09/pela-descolonizacao-do-ensino-do-di-reito-em-angola/, acesso em 18 de Março de 2019, as 22h.

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cita. Como bem assevera o Professor Catedrático da Univer-sidade Agostinho Neto (UAN), Carlos Feijó:

“Na verdade, o que nós assistimos é o seguinte: a for-mação que nós recebemos na Faculdade é, a todos os títulos, deficiente. Os planos curriculares das Facul-dades, hoje, não nos dão a formação que, na minha opinião, nos pode tornar suficientemente competiti-vos. Nós estamos a fornecer, hoje (e nós a recebemos quando estudamos aqui em Angola), uma formação que eu chamo clássica. Ensinaram-nos o direito dos códigos, mas há disciplinas jurídicas novas que não nos foram ensinadas e que não são ensinadas hoje. E tudo isto leva a que a maior parte dos advogados angolanos não domine determinadas tecnologias jurídicas modernas. Não por culpa deles, mas por-que não são esses os instrumentos que são ensinados aqui em Angola. E nem todos têm a possibilidade de ir para o estrangeiro fazer a sua formação e nem deve ser esta a política de formação que se deve seguir.”9

Associado a isto, sublinha-se ainda que na realidade angolana, não há um ensino voltado para uma metodologia de pesquisa científica, há sim, como bem sinaliza o Profes-sor Carlos Feijó, a ministração das aulas voltada para in-terpretação superficial dos comandos normativos, contri-buindo em larga medida para a “deformação” da classe de juristas, salvo raríssimas excepções, em que os estudantes com possibilidade de fazer outras formações no estrangei-ro, conseguem sair e obter outras valências. No final da li-cenciatura (graduação), empreendendo esforço para seguir 9 http://www.angonoticias.com/Artigos/item/9152/jurista-carlos-feijo-defen-de-reforma-curricular-dos-cursos-de-direito. Acesso em 15 de Março de 2019, as 19h.

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para o estrangeiro, hoje por hoje, os países de eleição ainda são Portugal e Brasil, devido a facilidade linguística. Porém, os problemas do ensino jurídico angolano passam também pelas questões pontuadas pelo Jurista Albano Pedro que se prendem com:

“a qualidade de docentes a partir dos conteúdos curriculares. Os resultados são, por si só, eloquentes Professores com conhecimentos mecanizados (limi-tados aos magros fascículos que utilizam como base bibliográfica) e com níveis de exigências abusivas (reprovando discentes de forma aleatória), sendo que aqueles que satisfazem as exigências desses mesmos docentes, nem por isso podem decantar manifestos proveitos das lições “mecanizadas” na vida pós-aca-démica ou profissional.”10

Tal como mencionamos acima, o curso de direito está presente na maioria das IES existentes no país, pelas razões igualmente já evocadas, porém, não existe uma uniformiza-ção dos Currículos, não obstante a Ordem dos Advogados de Angola (OAA), diligenciar junto do Ministério do Ensino Superior, Ciência Tecnologia e Inovação (MESCTI), ainda assim, tem sido inglório o esforço. Os currículos aqui são apresentados como medidor da qualidade ministrada pelas IES, na medida em que estes representam a qualidade do formando que sairá daquela IES, por isso, impõe-se a sua actualização de acordo com os desafios hoje apresentados no exercício das distintas profissões jurídicas.

10 http://jukulomesso.blogspot.com/2009/06/o-ensino-do-direito-em-angola--do-ensino.html

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4. O fenômeno da turbo docência como indicador da ausência de qualidade

O conhecido fenômeno ‘turbo docência’ é um dos ini-migos da qualidade do ensino jurídico em Angola, a ele está associado um problema estruturante cuja resolução deverá originar-se da susperestrutura do Estado. Este fenômeno espelha um grosso de pessoas que acorrem ao exercício do serviço docente sem estarem imbuídas do espírito de fazer academia com rigor e qualidade exigíveis, mas apenas como uma oportunidade de ter um emprego, dando assim lugar ao subemprego, fruto da dificuldade enfrentada para ter um vínculo profissional. Porquanto, não obstante as distintas saídas profissionais do curso, há um outro handicap provi-do pela formação do jurista angolano: olha-se ou para a Ma-gistratura, quer Judicial como do Ministério Público, como carreira no funcionalismo público.11

A turbo docência na realidade angolana, resulta do facto de o professor trabalhar e leccionar em mais de cinco IES, quer públicas e privadas, com o fim único de no final puder ter o suficiente para a satisfação das suas necessida-des, o que é legítimo. Mas, ilegítimo é ludibriar e ser apenas o que despeja uma série, muitas vezes desordenadas do con-teúdo, sem se quer permitir que o discente o questione para esclarecimentos da matéria ministrada, e isto depreende-se nos elementos de avaliação.

11 Considerando que desde a década de 1990, salvo erro, que há no país uma lógica de que o formando em Direito tem uma porta aberta para trabalhar nos Gabinetes Presidencial e Ministeriais, tal facto originou que muitos, mesmo sem ser o tal curso escolhido, rumaram para formação em direito, vendo assim uma porta fácil para chegar perto do Poder Executivo.

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5. Programas curriculares das IES no paísOs professores das cadeiras processuais ao invés de le-

varem o processo enquanto actos subsequentes, levam me-ras hipóteses práticas que na prática, no exercício da profis-são, se apresentam de forma completamente diferente. Neste particular, diferente dos currículos das 45 IES com o curso de direito, há uma que se distingue por ter na sua grelha curricular a disciplina de “Redacção de Peças Jurídicas”.12

O professor Esteves Hilário defende que a formação em direito do estudante angolano deve acompanhar a reali-dade do mercado angolano, em que se impõe saber que tipo de jurista pretendemos para o Direito angolano: um jurista que questiona ou um jurista que reproduza as decisões dos legisladores. Uma vez definido o tipo de jurista, a questão prenderia-se então em passar as habilidades e ferramentas necessárias para que o formando em direito não seja um mero repetidor de legislações, mas um estudante que pensa, questiona, problematiza, e dá soluções às questões a si apre-sentadas. Dito de outro modo, um jurista muito mais apto para responder as reais necessidades do mercado de traba-lho13. Entre académicos, advogados e outros operadores do direito, a questão da reforma e práticas pedagógicas de níveis aceitáveis é o ecoar que não cessa. Porém, os currículos são os que mais alto ecoam na medida em que estes representam ou orientam o arcabouço do que há-de conter a formação do formando em direito, o que ele vai na sua essência trazer como mais valia para o mercado de trabalho.

12 Universidade Metodista de Angola efectuou uma reforma Curricular em 2010, incluindo cadeiras como Métodos Alternativos de Resolução de Conflitos; Processo Constitucional, Lógica e Hermenêutica Jurídica; e outras que anexamos ao presente artigo.13 https://www.facebook.com/AEFDUAN18/videos/395704344543244/UzpfS-TEwMDAwMDA3ODE1ODE2MzoyNDEzNDY2MzQ4NjY1OTQ3/

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“A qualidade dos juristas formados pelas institui-ções de ensino de direito do país, sobretudo da nossa província em particular, está ainda aquém da dese-jada para ao exercício da advocacia”, desabafou. Para se ultrapassar tal situação, Domingos Sassi apela que as faculdades e institutos superiores vocacionados à formação de juristas melhorem as suas políticas pe-dagógicas, através de elaboração de planos curricu-lares e constituição de um corpo docente que res-pondam os desafios da profissão.”14

Alicerçados no pensamento do Professor Esteves Hi-lário, sublinhamos que o que se impõe não é uma uniformi-zação das grelhas curriculares de todas as IES, mas que estas tenham em atenção a formação oferecida, com vista a tornar o licenciando apto para dar vazão ao desafiante e agressivo mercado de trabalho.15

6. Ensino de um direito de matriz filosófica bantuO constituinte angolano de 2010, teve o cuidado de no

seu artigo 7.º validar o costume como fonte imediata do di-reito, aparecendo este no segundo plano depois da Consti-tuição: “ É reconhecida a validade e a força do costume que não seja contrário à Constituição nem atente contra a digni-dade da pessoa humana”. 16Ou seja, desde que não inobserve

14 http://www.angop.ao/angola/pt_pt/noticias/sociedade/2018/7/33/Ordem--dos-advogados-quer-mais-qualidade-formacao-juristas,8740ebb3-61dd-4358-a-ad8-4d703e0ae11f.html15 Grelha Curricular da Universidade Agostinho Neto http://www.fduan.ao/li-cenciatura.php. Acesso em 12 de Avril 15h.Grelha curricular da Universidade Católica de Angola http://www.ucan.edu/www14/index.php/2015-03-03-10-34-48/plano-curricular-faculdade-direito. Acesso em 15 de Abril de 2019 as 1h :47 min.16 Artigo 7.º da Constituição da República de Angola de 2010.

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a Constituição da República de Angola (C.R.A), e não ofen-da a dignidade da pessoa humana, o costume é válido no ordenamento jurídico angolano, fazendo recurso aos usos e costumes que nossos ancestrais nos passaram.

De que serve esta reflexão para o nosso estudo, ensino jurídico e qualidade da formação jurídica em Angola? Ora, a resposta a esta indagação não poderia ser outra senão a necessidade de se levantar pesquisadores em direito imbuí-dos do fervor académico. E revisitar um direito de matriz filosófica bantu, alicerçado nos nossos usos e costumes, que não fica nada a dever ao direito de matriz ocidental. Discus-são essa muito bem pontuada pelo Professor Esteves Hilário no seu Ensaio sobre o conteúdo jus-filosófico do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (Hilário, 2018, p. 61).

Os participantes do III Encontro Nacional de Estudan-tes de Direito (ENED-2019),  reflectiram em torno das novas metodologias do ensino do direito em Angola17, tendo para o efeito visitado o Reino do Bailundo onde puderam assistir um julgamento costumeiro, em que as partes envolvidas na querela têm de pagar o que no direito de matriz ocidental chamamos de custas Judicias18, no valor de dez mil kwanzas. Na eventualidade de uma das partes não tiver o que pagar, o processo segue o seu curso normal, para não configurar o que chamariam de denegação de justiça por falta de cus-

17 O III Encontro Nacional de Estudantes de Direito (ENED-2019), orientado pelo lema: Estudantes de Direito: em busca da excelência no ensino e investigação face aos novos desafios sociais, realizou-se de 27 e 31 de Março, na província do Huambo, sendo que os dias 28 e 29 foram dedicados a actividades científico-a-cadémicas, que teve como palco o auditório da rádio Huambo e o Anfiteatro do Instituto Politécnico Superior do Huambo. https://www.facebook.com/anisiosa-mandjata.samandjata/posts/2178771432206442?__tn__=K-R. Acesso aos 15 de Abril de 201918 https://www.facebook.com/auriodaniel.claudio/posts/2076623025767825, Acesso em 15 de Abril de 2019, as 23h:30 min.

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tas, o que em outros ordenamentos jurídicos poderia levar a deserção do recurso. São valências identificadas no direito costumeiro que deveriam fazer parte dos currículos acadé-micos das diferentes IES no país. Por este facto, o Professor Carlos Feijó assevera:

“O estatuto do Direito Costumeiro na Constitui-ção de 2010 e a construção da disciplina de Direito Costumeiro no ensino das Faculdades de Direito”, tema enquadrado na segunda Jornada Científica da Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto (UAN).(…), existem muitas nuances do Direito Costumeiro que devem ser avaliadas, logo as ciên-cias invocadas, a par do Direito Comparado (como de países como África de Sul, Namíbia, Botswana), podem contribuir para a estruturação de uma disci-plina de Direito Costumeiro.19

O ensino de um direito contextualizado tem que ver com a dissociação que se impõe fazer do direito ocidental até aqui ensinado. Impõe-se que os professores estejam ca-pacitados para observar os fenômenos culturais existentes no nosso mosaico etno-linguístico e cultural e o modo de resolução de conflitos, só para citar estes. Por exemplo, o en-sino do direito de matriz ocidental ensina que nas relações conjugais os cônjuges são livres de se divorciar, bastando que haja manifesta vontade de um deles. Ora, no direito de matriz bantu que se impõe estudar e contextualizar, não se apela a separação do casal sem a reconciliação, isto é aquilo que o direito positivo chamaria de tentativa de conciliação.

19 http://www.angonoticias.com/Artigos/item/36007/teorizacao-do-direito--costumeiro-em-angola-passa-pelo-estudo-de-outras-ciencias, Acesso aos 14 de Abril de 2019.

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Ou seja, antes da imposição do direito positivo, existia aqui um direito costumeiro, que ficou só nos Reinos como aludi-do acima sobre a Ombala Yo Balundo, ao passo que as IES voltaram a sua grelha curricular e seus métodos de ensino ao direito de matriz romano -germânica com ênfase na rea-lidade portuguesa, e ainda de uma forma tímida do Brasil, tal, verifica-se no ainda paupérrimo acervo bibliográfico angolano, onde é quase nula uma citação em sede do direito comparado de um país africano.

A riqueza da tradição Bantu ainda não é tida em con-ta, são poucos os centros de pesquisa das IES, e poucos são os docentes que se encarregam de estudar e fazer a correla-ção do direito de matriz ocidental com o direito de matriz romano -germânica do que filosófica Bantu (Hilário, 2018, p.61).

7. ConclusãoEm guisa de conclusão, importa sublinhar que não foi

pretensão nossa passar a ideia de que as reformas curricula-res devam abranger tudo, pois estamos cônscios de que nem tudo caberia na licenciatura, mas, que há uma necessidade das mesmas se materializarem tornando os currículos mais desafiantes para as exigências do mercado actual. Nem tão pouco foi nossa intenção deixar a ideia da uniformização dos currículos, pois, como enunciava o Professor Esteves Hilário, “a uniformidade pode prejudicar a liberdade”.20

É imperioso que haja um ensino muito mais ao estilo do ensino das ciências auxiliares do direito, que ajudam o putativo jurista a pensar o direito, a problematizar e obvia-

20 https://www.facebook.com/AEFDUAN18/videos/395704344543244/. Acesso em 15 de Abril de 2018.

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mente a dar cabal resposta aos desafios diários do exercício da profissão. O ensino voltado a interpretação dos coman-dos normativos, desprovido da exegese e hermenêutica lógi-ca filosófica que se impõe não é recomendável, pois, só ajuda a criar legalistas, facto que é notório nas diferentes peças ou actos processuais dos actores ou da justiça em Angola.

Os programas curriculares devem sofrer reformas. Há igualmente a necessidade de se fazer aposta séria na quali-dade do corpo docente, desde a formação que os documen-tos de formação dizem ter até a necessidade de avaliação da qualidade docente, passando pelos programas disciplinares, bem como pelos métodos utilizados para ministração das aulas e para as avaliações dos estudantes.

É imprescindível apostar num corpo docente voca-cionado a produção científica e mais comprometido com o saber; e formar a classe de juristas para as exigentes e de-safiantes situações do mercado de trabalho, de modos que sejam capazes de dar respostas aos problemas envolta da exegese, enquanto cultores do saber jurídico.

Implementar estágios no quinto ano como carreira curricular, de forma a permitir que o licenciando em direito tenha domínio das ferramentas quando for a selva denomi-nada mercado de trabalho. Implementar a cadeira de mono-grafia, para que ao fim de cinco anos o finalista possa apre-sentar diante de uma banca examinadora um produto final sobre uma determinada área, com qual se sente a vontade. Isto permitiria que, a longo prazo, conseguíssemos ter no-tável bibliografia angolana escrita por angolanos, deixando assim a necessidade de vezes sem conta recorrer, sobretudo, a doutrina portuguesa não como direito comparado, mas como fonte principal de consulta doutrinária, por conta das similitudes do ordenamento jurídico.

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Impõe-se ainda que as IES públicas e privadas apos-tem sério na qualidade do corpo docente, criem programas com uma boa política de incentivo a pesquisa científica, com vista a ensinarmos um direito mais pensando em nós, na nossa história e na riqueza do nosso mosaico etnolin-guístico e cultural,

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http://www.angonoticias.com/Artigos/item/36007/teorizacao-do-direito-costumeiro-em-angola-passa-pelo--estudo-de-outras-ciencias, Acesso aos 14 de Abril de 2019.

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O SISTEMA DE AVALIAÇÃO DOENSINO JURIDICO E A

BUSCA PELA QUALIDADE

Lady Adelina Domingos Rosa21

RESUMOPelos factos estatísticos e observados é possível afirmar

que o ensino jurídico evoluiu bastante desde a instalação dos primeiros cursos jurídicos na Grécia até a contempora-neidade. Ademais, pese essa evolução, o ensino jurídico ain-da apresenta problemas oriundos do seu processo histórico. O modelo político liberal e o não liberal são predominantes na Europa e na África, na época dos cursos jurídicos, im-pregnou na realidade jurídica, os primeiros advogados que actuavam e defendiam tão-somente os interesses da classe dominante, prejudicando a população que necessitava dos serviços os para defesa dos seus direitos. Todavia, mesmo diante das deficiências, existe uma expectativa de melhoria da qualidade, recomenda”, um referencial concedido para as instituições que apresentam bons resultados nas avaliações elencadas pelos programas jurídicos a nível dos Países da CPLP.

Palavras-chave: Ensino Jurídico, História do Ensino Jurídico; Sistema Jurídico.

21 Licenciada em Relações Internacionais e Direito pelo Instituto Superior Poli-técnico do Cazenga - Luanda, Angola.

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ABSTRACTSummary: Based on the statistical and observed facts,

it is possible to affirm that legal education has evolved con-siderably since the installation of the first legal courses in Greece until the present time. In addition, despite this evo-lution, legal education still presents problems arising from its historical process. The liberal and non-liberal political model prevailed in Europe and Africa at the time of legal courses, impregnated in the legal reality, the first lawyers who acted and defended only the interests of the ruling class, harming the population that needed the services to defend their rights. However, even in the face of deficiencies, there is an expectation of quality improvement, “he said,” a benchmark for institutions that perform well in assessments set out by legal programs at CPLP country level.

Keywords: LEGAL TEACHING; HISTORY OF JURI-DICAL TEACHING; JURIDICAL SYSTEM;

1. Introdução Quando nos propusemos em analisar profundamente

a história, sobre os ditames da educação jurídica podemos perceber que há realidades fundamentais que vão além da-quilo que observamos. De certo estudar a origem do ensino jurídico, e as dificuldades de um sistema rotulado para a implementação do mesmo estamos convictos de que o pro-cesso de transformação política e cultural nos países como Portugal, foram importantes referenciais para a formação da cultura jurídica de alguns países da CPLP, indo além da-quilo que são os ditames que se observam, pois houve in-

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f luências, pela cultura europeia vigente na época da criação dos cursos jurídicos.

Importa aqui realçar que foi devido ao liberalismo po-lítico e socioeconómico que se aplicou novas medidas de au-toridades, na inclusão e criação dos cursos jurídicos. Como tudo não devia deixar de ser, os problemas eram e são vá-rios, devido ao fraco acesso a falta da cultura jurídica, que aqui se assistia e ainda se assiste, os que advogados e juristas que foram chegando ao mercado e sendo estes visíveis, eram formados em Coimbra, Portugal. Além de ser um número reduzido de profissionais, a grande maioria da população dos países que pertenciam a CPLP eram pobres, escravos e nativos, não tendo quaisquer condições de frequentar esses cursos. Se pensarmos a questão do negro e o processo de abolição, constataremos que não eram considerados pes-soas, o que restringia bastante os letrados em territórios como Brazil, Angola, Guine Bissau, Cabo Verde e S. Tomé.

Os cursos jurídicos foram criados nestes países em épocas diferentes, mais acabaram sendo os grandes respon-sáveis na inserção dos primeiros advogados, da mesma ma-neira, os responsáveis por ocupar os cargos mais elevados da estrutura burocrática estatal que estava se formando, o que inclui altos cargos da administração pública e também na política, gerando prestígio aos formados. Mas, de frisar que apesar da demanda que se via nesse aspecto, em nada bene-ficiou a sociedade, visto que esses profissionais defendiam os interesses da elite dominante.

Com mais preceitos foram surgindo novos e mais cur-sos jurídicos, e com o nascimento de vários problemas, os quais muitos deles ainda persistem no cotidiano da classe jurídica. Todavia, é mister ter em conta que o ensino jurí-

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dico não pode se resumir ao mero depósito de informações, mas deve se pautar na construção de cidadãos críticos.

Pensar criticamente é contestar os conteúdos e não simplesmente aceitá-los como uma verdade absoluta. Com base nessa realidade é que se vê a necessidade da adoção do selo de qualidade, conforme realidade da Ordem dos Ad-vogados no Brasil, sendo agora um desafio de Angola, com a implementação do exame para aderir a Ordem dos Ad-vogados de Angola, como preceitua a nova legislação sobre advocacia.

Ademais, recomendam que “Com esse novo mode-lo de avaliação, acredita-se numa mudança de postura por parte das instituições e também dos professores quanto à busca de uma melhor qualidade para os cursos, fazendo uso de critérios quantitativos e qualitativos, para seja um impor-tante instrumento para o futuro do ensino jurídico.

2. Breve contexto histórico do ensino jurídicoO ensino jurídico de educação ou a educação jurídica

é a formação em nível superior para lidar com o fenóme-no do Direito. Hoje em dia, os cursos intitulados “ciências sociais e jurídicas” e “bacharelado em direito” fornecem o aparato teórico e prático para examinar esse fenómeno e aplicá-lo em questões quotidianas. Além da formação para a pesquisa académica, essa educação jurídica geralmente serve aos operadores do direito tais como notários públicos, para legais, solicitadores, advogados, juízes e promotores de justiça e procuradores ou aos que visam obter conhecimen-tos jurídicos para um fim específico indirectamente ligado ao Direito.

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Assim, o ensino jurídico apresenta um desenvolvi-mento notável em relação ao período em que foi criado. Mas, não se pode omitir a crise de efectividade do direito em relação a sociedade. Os problemas na área educacional acabam por influir na sociedade por conta dos milhares de profissionais que deixam os bancos académicos e vão traba-lhar, prestando seus serviços no sector público e/ou priva-do. As dificuldades e os problemas do ensino jurídico não se restringem ao âmbito das instituições educacionais, mas abrange a própria legislação que regulamenta o sector. Nes-te contexto, a melhor maneira de verificar esses problemas é analisar a história dos cursos jurídicos, pois é o ponto de ligação para entendermos alguns problemas que enfrenta-mos hoje. A ideologia presente no início dos cursos jurídicos estava distante dos preceitos democráticos e de humanida-de, bem como, do enfrentamento dos problemas vivenciados naquela sociedade.

Segundo Daniela Emmerich de Souza Mossini na sua tese descreve que a situação actual do ensino superior jurí-dico demonstra desajustes de diversas ordens, desde proble-mas de democratização do acesso aos alunos provenientes de um ensino fundamental e médio em transformação, pas-sando por um processo de ensino e aprendizagem no ensino superior que não consegue agregar conhecimento, até um prometido sucesso profissional que não garante ao aluno sequer uma competição justa por uma vaga no mercado de trabalho.

Portanto, os cursos eram influenciados por essa ideo-logia liberal europeia e por outras culturas jurídicas. Ba-seada na tese de RODRIGUES, 2012, a autora explica que a política liberal tem aspectos conservadores, individualistas, antipopulares e não democráticos. Também tem um aspecto

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juridicionista, o qual conjugando o individualismo político e o formalismo legalista formou o perfil de uma cultura ju-rídica, ensejando o chamado “direito jurídico liberal”. De aferir que foi por meio do ensino de Direito é que se formou a elite política que comandou e ditou os rumos dos Estados imperiais e democráticos. A preocupação do ensino jurídico não residia tanto na formação de juristas, mas, sim, na for-mação do indivíduo para que pudessem assumir os diversos cargos que a burocracia estatal ofertava, nos poderes admi-nistrativo, legislativo e judiciário, formando regras e nor-mas que pudessem reger uma determinada sociedade que de per si não se podia manter.

Enfim, feitas as observações em escala macro, prin-cipalmente sobre a raiz material, histórica, económica e política do ensino de Direito, a sequência deve necessaria-mente tratar dos aspectos fulcrais para a área da educação, e, dentre os variados aportes teóricos, privilegiou-se aqueles que revelam as noções de competência e habilidades por se-rem as ditadas pela política educacional através da edição de actos administrativos normativos22. A título de exemplo pode-se aferir as pesquisas e estudos que foram realizados, de acordo os dados que LOUZADA (2010) mostra na sua abordagem sobre o ensino de administração, analisou o en-sino jurídico com a verificação do seu grau de conformida-de com as directrizes propostas pelo próprio Estado, mas pautando a análise pelo prisma histórico. Destarte, o con-traste entre a tradição arraigada secularmente e a novidade relativa das normas é o que marca o ensino jurídico na sua 22 Roberto Lousada - O conceito de competência e o ensino de administração. Por oportuno, conquanto o termo “sistema jurídico” se configura no conjunto de normas jurídicas interdependentes, reunidas segundo um princípio unificador, que utilizam uma linguagem prescritiva, cuja finalidade é disciplinar a convivência social, o direito positivo é um sistema nomo empírico prescritivo, pois objectiva preceituar a conduta dos indivíduos.

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evolução histórica, permitindo aferir pela não aderência das instituições de ensino de Direito à Política Educacional. Em suma se deve dizer que o ensino, de modo bastante sumaria-do, compreende, essencialmente uma situação e relação dela decorrente. A relação, como se pretendeu clarear na secção anterior do presente estudo, segue as especificidades histó-ricas de tempo e lugar. Tanto assim o é que em duas situa-ções aparentemente iguais, bastante parecidas como o caso de um mesmo professor, leccionando a mesma disciplina, mas em duas salas distintas, obtém como resposta resulta-dos diferentes. Portanto, todo ensino é situacional, ocorren-do conforme os aspectos históricos, variando conforme o tempo/época. Todavia, posto isso, natural que, na medida em que as fases históricas se sucedem, também o ensino ex-perimenta mudanças em sua conformação

3. O sistema jurídico entre o tradicional e a modernização

Pela relação umbilical entre Estado e Direito, o siste-ma jurídico, desde sua génese, oscilou em sua conformação tal qual seu objecto o Direito e o Estado em constante modi-ficação, impactando também a actuação e a importância do bacharel em Direito.

No Tradicionalismo existia o Ensino conteúdista que vem de inúmeras vertentes, centrada no professor, que é um transmissor de cultura. O sistema de avaliação procurava aferir a quantidade de informação absorvida pelo aluno. Esse modelo de ensino foi difundido pelas escolas públicas francesas a partir do Iluminismo (séc. 18). Pretendiam uni-versalizar o acesso ao conhecimento para formar cidadãos.

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Contudo pese embora a fluente dinâmica da sociedade a tradição conteúdista, tida como ultrapassada e acrítica du-rante as décadas de 60 e 70, volta a ter prestígio, nas escolas que já foram construtivistas. Crê-se que não há como for-mar um aluno crítico e questionador sem uma base sólida de informação.

A referência ao direito na modernidade demanda as-sinalar, previamente, características das sociedades moder-nas, preceituando um elenco conceitual e factual que, em linhas gerais, expõe uma sociedade complexa, vivida me-diante interesses, necessidades e percepções extremamente diversificados, rompida com parâmetros tradicionais, in-dividualista, e que adopta uma racionalidade do tipo ins-trumental como padrão de organização, sendo adequada às evolutivas, em graus diferenciados, e se aplica àquelas cujo desenvolvimento ocorreu em sua órbita.

Já com os efeitos da globalização e a modernização, o sistema jurídico na Política Educacional, conheceu primeiro a alteração da ênfase de um ensino centrado em currículo mínimo, priorizando um ensino crítico reflexivo em detri-mento de modelo conteúdista, bem como pelo estabeleci-mento do perfil do egresso, introduzindo as noções habi-lidades e competências, alterou substancialmente o sistema do ensino com vistas a uma formação mais consentânea com a realidade do mundo contemporâneo. O estudo do sistema foi dedicado a verificação dos principais aspectos determi-nados pela Política Educacional para os cursos de graduação em Direito e em que medida tais determinações contribui-rão para a discrepância da tendência histórica e inclusive da motivação de criação dos referidos cursos

Trazendo o conceito para a prática moderna, vale des-tacar que o modelo actual de sistema jurídico deve estar vin-

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culado aos valores da Constituição, funcionando como uma rede harmónica de cumprimento aos princípios e objectivos do Estado Democrático de Direito.

Ademais, convém, ainda sublinhar que o sistema ju-rídico moderno é de carácter prescritivo/imperativo, im-plicando que quer significar a posse por um sujeito de al-gum interesse juridicamente relevante, como, por exemplo: o direito a educação, que pode coincidir com os augustos mandamentos do bem viver, com a ideia de Justiça, quando então, se pode nomear Direito Natural. O sistema jurídico na sua essência deve compreender como desde sempre o tra-to de todas estas múltiplas dimensões ou acepções. Um dos fins colimados com a pesquisa é a constatação de efectivida-de disso, ou seja, em qual medida o sistema jurídico desde ao tradicional até a modernidade, consegue desempenhar as funções legalmente exigidas acompanhando a dinâmica e a demanda da sociedade.

Entretanto, ab initio o ensino de direito sempre foi im-pregnado de dogmatismo, a tal ponto que contribuiu para alguma mudança nos paradigmas do Direito ao longo da História, sendo menos o conteúdo e a estrutura forma das poucas faculdades de Direito e o ambiente que, aglutinan-do vários pensadores, fomentou a reflexão tão necessária à qualquer ciência. Logo, dado o papel essencial de Direito para a manutenção do status quo, ocorre uma atribuição de prestígio para tais profissionais.

António Carlos Wolkmer (1998), no seu livro “fun-damentos da história do direito”, ao considerar sobre a for-mação e ideologia dos atores jurídicos, traz ideia de que, no contexto de uma cultura marcada pelo individualismo político e pelo formalismo legalista, a necessidade de um agente profissional que tivesse como encargo a composição

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dos quadros políticos burocráticos do Império. Direito uma constante na vida política de Países como Brasil, não pres-supunha ou continha qualquer dimensão crítica e sequer capaz de extravasar o domínio enciclopédico do conteúdo legislado. È imperioso realçar que trata-se de uma questão histórica de raízes profundas e que mantém resquícios, ac-tualmente. O doutrinário António Ferreira de Almeida Jú-nior, ao analisar o sistema jurídico no que tange ao ensino no período imperial antes da reforma do ensino livre (1951), apontou os males que atingiam esse sistema jurídico na sua abrangência a nível de ensino na época, dentre os quais se destacaram as péssimas instalações das instituições de ensi-no; a ênfase da protecção política na escolha dos professores; a pouca assiduidade dos docentes bem como o descaso do Poder Público para todas essas imperfeições.

Em qualquer hipótese, tem-se a emergir uma dimen-são jurídico-racional imanente ao processo de moderniza-ção que, na esteira da ruptura com esquemas tradicionais de ordenação social, provoca uma tendência à burocrati-zação da vida em sociedade. Trata-se de uma sociedade na qual o direito passa, paulatinamente, de circunstância super estrutural subordinada a protagonista, no bojo de um pro-cesso social que envolve, simultaneamente, burocratização, especialização e reconfiguração das noções de direito e ci-dadania. Os profissionais do direito estão hoje muito mais expostos a operações que têm algum componente jurídico internacional do que estavam há uma década; e provavel-mente estarão ainda mais expostos num futuro próximo do que estão hoje. Contudo, a globalização é não apenas mais intensa, como assume novas configurações a cada desloca-mento dos fluxos económicos, a cada crise, a cada mudança de paradigma tecnológico.

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4. As dificuldades do sistema juridicoEntre todos os direitos prometidos e garantidos aos

cidadãos é certo que o acesso á justiça figura como o prin-cipal, haja vista seu carácter de pressupostos de alicerce das demais garantias. O acesso á justiça representa o direito que abre as portas para se poder caminhar e garantir os outros direitos previstos. Vimos neste desiderato que nem sempre se teve muita atenção á garantia do direito de acesso á jus-tiça para todos os cidadãos. Em tempos não muito distante, séculos XVII e XIX, sob as premissas do modelo de Estado de Direito e Democrático.

Os especialistas Mauro Cappelletti e Bryant Garth, em matéria sobre o acesso a justiça, explicam a garantia do aces-so á justiça como requisito fundamental e mais básico dos direitos humanos previstos em um sistema jurídico moder-no e igualitário que visa garantir, e não apenas proclamar, os direitos de todos. E aponta como realidade e ponto nega-tivo o fato que: paradoxalmente, nossas estruturas de ensino jurídico, práticas jurídicas, hábitos profissionais, pesquisa e teorias jurídicas, prestação de serviços legais, etc., não tem dado o devido valor ao tema “acesso à justiça”, contando as-sim a primeira dificuldade do sistema jurídico.

Ao frisar sobre acesso a justiça remete ao pensamento de uma justiça eficaz, célere e acessível às pessoas que dela necessitam. Sob a vigência de um Estado Democrático de Di-reito o acesso á justiça primordialmente deve ser garantido, por se tratar de um eficaz mecanismo da igualdade jurídica. O alto custo da prestação jurisdicional, infindáveis números de processos, a falta de estrutura, a escassez de funcioná-rios, de defensores públicos, de promotores s de juízes, etc, corroborados pela desinformação e desconhecimento dos próprios direitos por parte dos cidadãos, tende a causar uma

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incidência no que tange as dificuldades de sistema judiciário que se pretenda eficácia. Neste sentido, Mauro Cappelletti e Bryan Garth apontam como principais obstáculos do acesso á justiça a serem combatidos os de natureza económica e psicológica e cultural. No cerne dos obstáculos de natureza económica, esta o acesso a justiça, não é negado apenas em virtude do problema da morosidade, mais sim empecilho apontado perceptíveis na realidade país é o alto custo que se tem para manter um processo. Assim os mais carencia-dos são os que mais sofrem com esse ônus. Um processo gera gastos de diversas naturezas, seja em virtude dos altos valores cobrados pelos advogados, ou mesmo, em virtude de pagamento de custas, isso sem falar no problema dos re-cursos, que por seus custos torna o Estado Democrático de Direito novamente um Estado Liberal, muitas vezes o acesso á justiça é tão dispendioso que os custos do processo não compensam o valor da causa pleiteado. Já nos preceitos dos pressupostos de natureza psicológica e cultural, prendem-se presentes á realização do acesso á justiça pode ser detecta-do nas barreiras culturais e psicológicas. È f lagrante que as pessoas que possuem maior grau de instrução são as que accionam o Estado. Ao passo que as pessoas mais pobres sentem-se intimidadas pelos ambientes sempre formais do poder Judiciário, além, de se sentirem envergonhadas a pos-tularem direitos individuais e/ou coletivos e difusos. Neste sentido Cappelleti e Garth explicam que litigantes habituais levam vantagens sobre litigantes eventuais, seja em virtude da desmistificação da justiça totalmente inacessível ou em virtude de possíveis simpatias desenvolvidas entre estes e aqueles que julgam.

Segundo Kelsen, a direção relevante dentro da teoria do direito material, usualmente designada como racionalis-

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ta. È aquela cujos representantes, procuram deduzir da ra-zão as normas de um direito justo. Eles admitem que estas normas são imanentes á razão ou, o que dá no mesmo, que a razão, como autoridade normativa, como legisladora, pres-creve aos homens conduta reta, isto é, a conduta justa. Este direito é o natural, porque é o racional. (Kelsem, 2003, p. 85) Assim para acabar com as assimetrias e as dificuldades de um sistema jurídico é imperioso que é o factor social seja o principal na especificação do direito de acesso á justiça, sem preponderância dos factores políticos, sociais, culturais e económicos que reflectem, directa e indirectamente, na apli-cação direito, influenciando na formação e manutenção de um quadro de diferenças e exclusões. No geral, existe uma indiscriminada exigência no vasto mundo em que o Direito actua, a saber, que todos sejam tratados de igual maneira. A efectiva igualdade exige um nivelamento cultural, que pode ser obtido através de informações e orientações que permi-tem o pleno conhecimento da existência de um direito.

Ademais, todos devem ser tratados de maneira unís-sona, sendo imune de discriminações, sejam elas de nature-za social, económica ou ética, Não obstante sejam visíveis e profundas as desigualdades que evidenciam as disparidades da concentração de renda, quanto menor o poder aquisiti-vo do cidadão, menor o seu conhecimento acerca de seus direitos e menor a sua capacidade de identificar um direito violado e passível de reparação judicial. Em virtude desta discrepância social, grandes são as dificuldades para acessar e movimentar a justiça uma vês que, sem condições finan-ceiras, não é possível um esclarecimento a cerca das leis pro-cessuais vigentes no país. Estes factores, somados á demora de tramitação dos processos, convergem a uma imperfeição no acesso á justiça.

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5. ConclusãoSob o modelo de Estado Democrático de Direito o

acesso á justiça é direito primordial a ser garantido. Nos es-tados dos países oficial de língua portuguesa devem se ar-vorar de mecanismo que venham materializar essa garantia, em consonância aos princípios basilares de nossa declaração dos direitos humanos, especificamente ao previsto na refor-ma processual sobre a celeridade processual. Em fim, o aces-so á justiça nem de longe é o ideal. Muito ainda precisa sair da abstração do papel e ser efectivamente garantido para os cidadãos. O Acesso à Justiça” é imprescindível para a con-cretização do Estado Democrático de Direito. O problema do acesso á Justiça não é uma questão de acesso propria-mente dito, pois a entrada o acesso é fácil, entra quem quer, seja através de advogado ou defensor público, não havendo, sob esse prisma, nenhuma dificuldade de acesso. Porém o problema está na resolução do litígio é na saída da justiça que paira na morosidade, por conseguinte, todos entram, mas poucos conseguem sair num prazo razoável.

Portanto, um dos meios para desafogar o Judiciário é a criação de assistências judiciária nas faculdades de direito, associações de moradores, organizações não governamen-tais, porque o serviço de assistência judiciária deve ter como incumbência, de instrumento do regime democrático, fun-damentalmente, a orientação jurídica gratuita, a postulação e a defesa em todos os graus e instâncias judicial e extraju-dicialmente, dos direitos e interesse individual, colectivos, sociais, políticos dos necessitados. Em guisa de conclusão os serviços de assistência judiciária deverão ter duas fun-ções em especial, a primeira seria a de prestar a orientação jurídica, que significa um trabalho pedagógico de educação e informação á população necessitada sobre os direitos, e as

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formas de alcançá-los e conquistá-los, pese embora em al-guns países como Angola, já se fazer sentir. A segunda deve garantir o acesso dessa população á justiça, promover as ac-ções cabíveis para obtenção de direitos ou na defesa de seus interesses.

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O ENSINO DO DIREITOCONSTITUCIONAL NAS

INSTITUIÇÕES PÚBLICASE PRIVADAS DE ANGOLA

Adlezio Agostinho23

Não podia descrever um argumento tão importan-te como este, sem antes abordar a forma conceitual do que realmente é o Direito Constitucional e para que serve, a fim de melhor percebermos o espirito do enunciado.

É de domínio comum que às leis são instrumentos es-senciais para que haja convívio humano e para que se man-tenha a ordem de uma sociedade. À medida que um grupo social se torna mais democrático, aberto e pluralista, mais sua legislação é aprimorada; o Direito Constitucional, cons-titui à lei fundamental de um determinado Estado, sobre a qual deve ser edificado todo o Ordenamento Jurídico. Basta recordarmos as expressões “deve ser conforme” deve estar de acordo” com à Constituição.

O estudo do Direito Constitucional, depois de 1834, tornou-se num imperativo categórico para qualquer técnico jurídico, por influência de François Guizot (1787-1874), en-tão Ministro da Instrução Pública do reinado do Rei Luís Fi-lipe, foi criada à primeira cátedra de Direito Constitucional na Faculdade de Direito de París, cuja a titularidade coube ao constitucionalista italiano Pellegrino Rossi, autor do fa-moso livro Cours de Droit Constitutionnel24. Dali em diante, 23 Doutorado em Direito pela Pontificia Università Lateranense, Roma, Itália.24 Cfr. D.C. JÚNIOR, Curso de Direito Constitucional, Edições JusPodivm, Salvador-Bahia 2008. Apesar das primeiras disciplinas de Direito Constitucional terem sido criadas, sob influência da Revolução Francesa, no norte da Itália, ini-cialmente na cidade de Ferrara, em 1797, onde assumiu Giuseppe Compagnoni di

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os Estados foram incorporando à ideia da real necessidade do estudo do direito constitucional, não somente como uma disciplina, mas como uma ciência jurídica.

O Direito Constitucional, é um ramo do Direito Pu-blico que estuda:

a) Os princípios e as normas sobre a estrutura do Es-tado: nesta perspectiva, o Estado, é, considerado nos seus elementos constitutivos, na sua formação, modificação e ex-tinção, na sua forma e no seu sistema de governo;

b) A composição e funcionamento dos órgãos consti-tucionais: o Direito Constitucional não se ocupa de todos os órgãos do Estado, mas apenas dos órgãos constitucionais; os órgãos administrativos e os órgãos judiciais permanecem, portanto, excluídos do direito constitucional;

c) Por último estuda os princípios fundamentais do regime político do Estado: nem sempre os princípios fun-damentais que informam o regime político do Estado são constitucionalizados e consagrados em normas constitucio-nais; isso, no entanto, ocorre geralmente nas constituições modernas, consideradas longas; à constitucionalização tem o efeito que tais princípios se coloquem como limites ma-teriais para o exercício do poder legislativo e, outras vezes, como preceitos imediatamente obrigatórios nas relações en-tre o Estado e os cidadãos. Por tudo isto, o direito constitu-cional, constitui a árvore genealógica de toda plataforma ju-rídica, é dela que brotam todos os outros ramos do direito25.

Luzo, seu primeiro titular. Posteriormente, em 1798, é enquadrada nas Universi-dades de Pádoa e Bolonha a disciplina de Direito Constitucional. Na França, esta disciplina foi criada com um certo atraso, e mesmo assim somente sendo possível após a queda dos Bourbons, com a consolidação política da Monarquia liberal de Luís Filipe.25 S. MUSSO, Osservazioni per uno studio del diritto costituzionale quale strut-tura sociale, in Studi Esposito, 1557. Sulla inutilizzabilità ai fini giuridici della no-zione di "Stato sociale", GIANNINI, Stato sociale: una nozione inutile, in Scritti

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O Direito Constitucional em Angola, apesar de estar presente em todas as faculdades de direitos das instituições de Ensino Superior, tem ainda um longo percurso por fazer. Para uma maior percepção é necessário descrevé-lo em duas perspectivas: jurídico formal e didática.

Quanto a perspectiva jurídico-formal, deve-se dizer que ela é fruto das situações socio políticas e económicas e jurídicas do Estado angolano, desde à sua independência até à criação da Constituição. Nos referimos concretamen-te ao constitucionalismo angolano, o movimento cultural e político que deu origem à criação da Constituição desde às primeiras Monarquias Absolutas (época pré e pós colonial) até à democracia, Constituição da República de Angola26.

“Com a promulgação da Constituição provamos uma vez mais que temos capacidade para gerir e resolver os nossos próprios assuntos, sem interferências externas, e que sabemos ser originais e levar em conta a nossa realida-de sem entrar em choque com os princípios democráticos universalmente aceites”27. Pois, o marco histórico do Direito Constitucional deu-se com a promulgação da Constituição, aprovada pela Assembleia Constituinte em 21 de Janeiro de 2010, na sequência do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 11/2010 de 30 de Janeiro, e a ulterior promulgação em 05 de Fevereiro de 2010 o qual se atinge o ponto mais alto da constitucionalização angolana.

Por razões sociopolítica muitas vezes os textos consti-tucionais foram e são lidos numa perspectiva mais política que jurídica. Facto que contraria o ideal do constitucionalis-per Mortati, I, 141.26 Cfr. A. CORREIA, S. BORNITO, História Constitucional de Angola, Coim-bra, Almedina, 1996, pag. 2 sgt.27 Extracto do discurso do Ex. Presidente da República de Angola no Acto da promulgação da Constituição da República de Angola, no dia 05 de Fevereiro de 2010.

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mo, que está relacionado à limitação do poder político, e não tem sentido quando esta vem elaborada com fundamentos políticos. “Qui ça”, a demorosa efetivação do Tribunal Cons-titucional28, que tornou-se efetivo somente em 2008 tenha também influenciado na estagnação da expansão da cultura constitucional.

Partilhamos da ideia de que as modernas Constitui-ções não sejam só resultado do compromisso liberal, mas também, a síntese do resíduo positivismo das ideologias que se sucederam no decurso dos séculos e da civilização mun-dial. Apesar deste facto, há necessidade que à Carta Fun-damental Angolana seja lida à luz da realidade cultural do povo angolano, de acordo com os aspectos culturais e so-ciais deste povo. A título de exemplo, nos países ocidentais existem certos valores culturais completamente diferentes aos valores culturais dos países africanos, nos quais este povo crê e são elaboradas e revistas suas Constituições. Para Angola não deveria ser diferente, o Texto Constitucional deve imperativamente ser lido na perspectiva cultural afri-cana, pois, deve adaptar-se as reais necessidades da popula-ção num determinado momento histórico. O critério  copy and paste,  feito na elaboração do texto constitucional deve ser revisto. Pois, como disse Jose Alexandrino no seu trata-do sobre o constitucionalismo, “o costume tem um grande peso e valor na África”. Como descreve veemente o art. 7º da CRA, “É reconhecida a validade e força do costume que não seja contrária à Constituição nem atente contra a dignidade da pessoa humana”. Com esta posição, o legislador consti-tuinte realça o valor e a real importância dos costumes na vida da população africana e angolana em particular, ao não

28 De acordo com o Art. 180º da CRA, compete ao Tribunal Constitucional, em geral administrar ajustiça em matéria de natureza jurídico-constitucional.

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descrever “que não sejam também contrários à lei”. Não dá primazia à lei em relação ao costume. O legislador consti-tuinte não foi claro quanto a categorização do costume na hierarquia das fontes de direito em relação à lei ordinária. Não foi claro, porque tinha a consciência da importância do costume na cultura jurídica africana. Afinal aquilo que hoje chamamos Direito Positivo é fruto do processo evolu-tivo dos costumes e em Angola existem realmente valores que se devem se ter em conta, por serem completamente opostos ao pensamento jurídico ocidental (direito positivo). Até a própria codificação justinianea Corpus Iuris Civili, Triboniano e seus colaborados, na compilação deste texto, as contradições e repetições eram feitas de escolhas e muitas leis foram ultrapassadas para abrir caminho aquelas con-sideradas mais em linha com a mentalidade da época29. As constituições africanas têm de ser interpretadas, elaboradas e promulgadas de acordo com valores e da realidade africa-na, isto é, nos seus aspectos morais, culturais, religiosos e sociais.

Na perspectiva didática, pretende-se sublinhar o im-put que estas instituições de ensino têm vindo a dar na ex-pansão, afirmação e progresso do Direito Constitucional. É de recordar que à Universidade Agostinho Neto (UAN) é herdeira dos Estudos Gerais Universitários (EGU) de An-gola e Moçambique, criados pelo poder colonial português, através do Decreto-Lei nº 44.530, de 21 de Agosto de 1962, que viriam a ser inaugurados em Luanda, a 6 de Outubro de 1963 pelo então Presidente da República portuguesa, Con-tra-Almirante Américo Thomaz. Mais tarde, com a recon-

29 Cfr. MARTINS, José Eduardo Figueiredo de Andrade. Corpus Juris Civilis: Justiniano e o Direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3417, 8 nov. 2012. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/22969>. Acesso em: 20 maio 2018.

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quista da soberania nacional, a 11 de Novembro de 1975, à Universidade de Luanda ganha estatuto de universidade nacional e passa a designar-se Universidade de Angola, com a promulgação da portaria nº 77-A/76, de 28 de Setembro, do primeiro Governo de Angola Independente.

A 24 de Janeiro de 1985, por força da Resolução 1/85, do Conselho de Defesa e Segurança (DR 9-1ª Série, 28/1/1985) à Universidade de Angola passou a designar-se Universidade Agostinho Neto, abreviadamente UAN, em homenagem ao primeiro Presidente da República Popular de Angola e seu primeiro Reitor após à independência (1976 a 1979).

Desta forma, à Universidade Agostinho Neto (UAN) torna-se à primeira Instituição de Ensino Superior Pública em Angola. A Faculdade de Direito da Universidade Agos-tinho Neto foi aberta no ano lectivo 1979/80, por despacho ministerial nº 32779, e à sua criação confirmada pelo Decre-to nº 152/780, de 29-09-80, do Conselho de Ministros30.

Da Comissão Instaladora faziam parte os professo-res Adérito Correia de feliz memória e Fernando Oliveira, reformado desde 2012. Efectivamente o curso Direito teve a sua abertura em 1975, tendo como Decano o Dr. Antó-nio Alberto Neto, por razões política (em consequência da tentativa do golpe de Estado de 1977), o curso foi suspenso tendo o seu arranque em 1979, e teve os primeiros finalistas em 1984. Dentre estes se destaca-se Dr. José Lopes Seme-do, Dr. Cristiano André, Doutora Elisa Rangel, Doutor José Eduardo Sambo, Dr. Hélder Pitta Grós então procurador da República de Angola.

Com este primeiro curso começa o estudo do Direi-to Constitucional em Angola, até que nos últimos anos se foram agregando outras instituições privadas como: à Uni-

30 Cfr. https://www.uan.ao/historia/ acesso aos 23/abril/2019

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versidade Católica Angola, Universidade Independente An-gola, Universidade Lusíada Angola, Universidade Metodista Angola, IMETRO, Universidade Piaget, Gregório Semedo, entre outras, que de certa forma têm contribuído na expan-são do interesse da matéria.

Hoje apesar de ter sido enraizado na grelha curricular destas mencionadas Universidades ainda padece de muitas problemáticas dentre às várias destacam-se:

A ausência de uniformidade na ministração dos temas constitucionais. Basta reparar ao conteúdo programático da Universidade Agostinho Neto, Universidade Católica, Universidade Lusíada, Universidade Gregório Semedo entre outras, todas elas tem um conteúdo programático comple-tamente diferente31.

Por outra, há necessidade de se criar uma escola de Direito Constitucional, onde a bibliografia norteadora não seja somente os manuais portugueses, mas manuais escritos de acordo com o texto constitucional angolano e tendo em conta a realidade angolana. Pois, com esta afirmação não se pretende negar o apoio que nos podem servir às obras portuguesas de Direito constitucional ( ex. Manual Direito Constitucional e Teoria da Constituição ... José Joaquim Go-mes Canotilho entre outros), um manual o qual temos mui-to respeito e admiração pela riqueza do seu conteúdo. Mas fazer recordar que este foi escrito seguindo a articulação da Constituição portuguesa e não à angolana, portanto não é o manual idóneo para ministrar os cursos de Direito Cons-titucional nas instituições públicas e privada, mas deve ser sim o manual de apoio, o báculo no qual se poderia recor-rer para aprimorar determinados conceitos sobre o Direito Constitucional Geral.

31 Cfr. Conteúdo Programático das citadas universidades.

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Destarte, muitos destes manuais são propostos a estu-dantes provenientes de instituições do ensino médio (muitas vezes com fraca preparação) e deparando-se com um ma-nual estreitamente técnico com uma linguagem complexa somente digno de um jurista formado, terão grandes difi-culdade na percepção e na apreensão dos conhecimentos. Resultado deste facto, a disciplina de Direito constitucional acaba por ser a disciplina mais complexa e difícil no siste-ma curricular do curso de direito, os estudantes terminam o curso de direito sem um conhecimento sólido da matéria, quando nas grandes Universidades é uma disciplina quadro, e fundamental para a real compreensão da estrutura e fun-cionamento do Estado.

É necessário com auxílio do Ministério de tutela, criar uma unicidade no conteúdo programático desta disciplina, do ponto de vista sistemático (seja para as instituições pú-blicas como às privadas). Há necessidade de renovar os pro-gramas, e não conformar-se com programas baseados aos manuais de direito constitucionais de outros Estados. Exis-tem programas com mais de 20 anos, quando na verdade os programas das unidades curriculares deveriam ser revistos de 3 ou 4 anos com base as necessidades e dinâmicas/cultu-rais (neste caso revisões constitucionais, revogações de cer-tos regulamentos e leis ordinárias etc.).

Os docentes destas disciplinas têm formação em ou-tros campos do direito, e têm estes programas como dog-ma irrenunciável e não são susceptíveis a acréscimos ou re-duções, limitando o dinamismo da disciplina, e rompendo com a qualidade do ensino e da aprendizagem do próprio estudante.

Para concluir, estamos na era da constitucionalização dos direitos, os direitos subjectivos e interesses legítimos

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hoje são lidos à luz dos textos constitucionais, por esta razão há necessidade de verter este quadro, fazer a interpretação da Constituição à luz da cultura e dos valores africanos e formar uma escola de direito constitucional, capaz de dar resposta as inúmeras questões de natureza jurídico cons-titucionais, de forma a não termos somente documentado, mas termos também de uma forma prática os efeitos de um Estado Democrático e de Direito, porque é só com o respeito e o cumprimento da Constituição enquanto Carta Funda-mental de um determinado Estado que se consegue manter equilíbrio e o controlo do iceberg político, isto é, o poder dos governantes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASD.C. JÚNIOR, Curso de Direito Constitucional, Edi-

ções JusPodivm, Salvador-Bahia 2008

S. MUSSO, Osservazioni per uno studio del diritto costituzionale quale struttura sociale, in Studi Esposito, 1557. Sulla inutilizzabilità ai fini giuridici della nozione di "Stato sociale", GIANNINI, Stato sociale: una nozione inuti-le, in Scritti per Mortati, I, 141.

A. CORREIA, S. BORNITO, História Constitucional de Angola, Coimbra, Almedina, 1996, pag. 2 sgt.

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A DEFESA DOS DIREITOFUNDAMENTAIS A PARTIR DO

DIREITO A EDUCAÇÃO JURIDICA

Anildo Alfredo João Joaquim32

RESUMOApesar de se notar nos últimos meses boas intenções

da parte do Estado e não só em defender os direitos fun-damentais e considerando que a educação é um elemento transformador da sociedade, tem se feito muito pouco no que diz respeito a promoção da educação jurídica ou em direitos fundamentais em todos os níveis de ensino, pois entendemos que é importante a implementação de discipli-nas ligadas aos direitos fundamentais no plano curricular do Ensino Geral isto é, a partir do ensino primário porque assim começaremos a conscientizar os cidadãos a partir de terra idade o que são direitos fundamentais, para que ser-vem e como se incidem.

Palavras-chave: acesso a justiça; educação jurídica; direitos fundamentais.

ABSTRACTDespite good intentions on the part of the State in re-

cent months and not only in defending fundamental rights and considering that education is a transforming element of society, very little has been done with regard to the pro-motion of legal education or rights fundamental in all levels

32 Licenciado em Direito pela Universidade Kimpa Vita, professor do Ensino Geral.

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of education, because we understand that it is important to implement disciplines linked to fundamental rights in the curriculum of General Education ie, from primary educa-tion because this will begin to raise citizens’ awareness of the land that they are fundamental rights, what they serve and how they are affected.

Keywords: access to justice; legal education; funda-mental rights.

1. IntroduçãoOs direitos fundamentais previstos no título IIº da

Constituição da Republica de Angola que doravante chama-remos de C.R.A, é o eixo central no nosso ordenamento jurí-dico. Irradiam-se para todos os campos do Direito, servindo como vector para os juristas. Entretanto, uma das questões é como fomentar os direitos fundamentais dando eficácia e eficiência aos mesmos, sendo que "todos gozam dos direitos, das liberdades e das garantias constitucionalmente consa-grados" nos termos do artigo 22o nº1 da C.R.A33.

Considerando que a educação tem um potencial trans-formador incrível na sociedade, estrategicamente, deve-se investir na educação em direitos fundamentais em todos os níveis de educação, mas principalmente nas faculdades de Direito.

Uma sociedade calcada nos direitos fundamentais co-meça pela conscientização do que são estes direitos, para que servem e como incidem. De igual forma, esta mesma sociedade precisa ter juristas que acreditem e propaguem os direitos fundamentais, os quais deve ser constantemente in-33 Constituição da Republica de Angola de 05 de Fevereiro de 2010.

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centivados, pesquizados e principalmente, defendidos, já que não são raros os ataques contra os direitos fundamentais, os quais precisam ser preservados, vedando-se retrocessos.

Assim sendo, o ensino jurídico possui destaque e re-levância, considerando que é nas faculdades de Direito que os Direitos fundamentais são estudados com mais afinco. Portanto, é o local ideal para intenso debate, analise, apoio e incentivo. Sem dúvidas, devem as Faculdades de Direito assumir importante papel de desenvolvimento dos direitos fundamentais.

Abordar a questão do ensino jurídico correlacionado com os direitos fundamentais é um desafio interessante e enriquecedor uma vez que defender os direitos fundamen-tais deve ser uma bandeira de todos os juristas, sendo que essa defesa passa pela articulação de um ensino jurídico de qualidade que seja pautado nos verdadeiros interesses da so-ciedade: a formação dos direitos fundamentais e a concreti-zação da cidadania plena.

1.1 Um Ensino Jurídico Voltado Para A Defesa E Concretização Dos Direitos Fundamentais

O ensino jurídico precisa possuir uma autêntica fun-ção social, sendo que a visão ultrapassada do conhecimento das leis, doutrina e jurisprudência não é mais suficiente, já que superada. O ensino jurídico deve estar voltado para a interferência na sociedade e com isso, promover a necessária mudança social em busca de justiça e harmonia. A promo-ção dos direitos fundamentais começa nas faculdades de Di-reito, sendo que a partir de então deve se espalhar por toda sociedade, a qual deve ter ciência e exercer os seus direitos,

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principalmente os fundamentais, pois somente dessa forma teremos uma efectiva e plena cidadania.

A C.R.A nos termos do artigo 29o garante "o acesso ao direito e a tutela jurisdicional efectiva" mas em Angola, entendemos ainda fraca a cultura jurídica pelo facto de ain-da não existir operadores do Direito em todas as regiões do país e em consequência disso, muitos cidadãos vê seus di-reitos a serem violados mas simplesmente ficam calados por falta de conhecimento ou seja, não sabem quais mecanis-mos a accionar para ver os seus direitos protegidos e por este motivo entendemos que a educação jurídica dos cidadãos é fundamental no fortalecimento do Estado Democrático de Direito.

A Democracia não se resume a representação, mas a participação activa da comunidade popular. Para isso faz--se necessário a conscientização dos direitos, bem como os instrumentos para a sua efectivação e protecção. Torna-se evidente a correlação e interdependência das questões de di-reitos fundamentais, democracia e cidadania, para a concre-tização de um legítimo Estado Democrático de Direito, com possibilidade de redução das desigualdades.

Há uma missão constitucional de defesa legítima da ordem jurídica democrática pelos operadores do Direito, a alternativa que resta aos integrantes das carreiras jurídi-cas é, segundo pensamos, a de actuar mais no sentido do aprofundamento da Democracia no âmbito das classes po-pulares, lutando pela distribuição igualitária dos direitos fundamentais da pessoa humana e pela radicalidade da ci-dadania, do que propriamente, actuar apenas na aplicação e fiscalização formalística de uma legalidade na maioria das vezes bloqueia a inclusão da massas populares, limitando a

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distribuição democrática da justiça social em nome da lei e da ordem.

Sem duvida alguma, se se tiver que pensar na modi-ficação das praticas jurídicas, aperfeiçoamento do ordena-mento jurídico angolano, na modificação da cultura das instituições, ter-se-á que partir pela reforma do próprio mo-dus pelo qual o Direito é ensinado, e da interacção entre a teoria e a prática entre escolas e profissões, entre reflexão académica e implementação de reformas institucionais, po-de-se até mesmo entrever, haverá de surgir a necessária e in-dispensável simbiose para a readequação do ensino jurídico angolano.

O ensino jurídico te de estar voltado para uma visão social, a qual passa pelo fomento, promoção, defesa e busca de efectivação dos direitos fundamentais e para concretiza-ção deste desiderato, precisamos ter juristas com a supera-ção dos velhos paradigmas do ensino jurídico, o qual tem que reconhecer a centralidade dos direitos humanos, abar-cando uma formação humanística que busque expandir na sociedade a cultura dos direitos fundamentais.

1.2 Mecanismos Jurídicos De Protecção Dos Direitos Fundamentais A Luz Da Constituição Da Republica De Angola

Se o Direito está ao serviço da pessoa, não se pode en-tender que o ordenamento jurídico de uma comunidade não estivesse ao serviço da tutela dos direitos fundamentais da pessoa. Na realidade, deveria algures estar escrita a regra segundo o qual "a todo o direito fundamental corresponde uma tutela adequada".

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De algum modo é esse o sentido do principio enuncia-do no artigo 29o nº1 da C.R.C, quando nos diz que "a todos é assegurado a acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos".

Porém, e como de certo modo já sabemos, trata-se da afirmação de um direito geral de protecção que não dispen-sa uma configuração pelo legislador dos mecanismos que efectivamente o concretizem; de outro modo, mal se enten-diam as disposições dos n º 4 e 5 desse mesmo artigo ou 72o da C.R.A.

Portanto, o mais conveniente parece ser a investigação dos principais mecanismos de protecção dos direitos funda-mentais (também ditos remédios) no ordenamento jurídico.

Num sistema muito geral, esses mecanismos podem ser: internos ou internacionais34.

1.3 Mecanismos internosO ordenamento jurídico angolano dispõe de remé-

dio próprio destinado a reparação de violações de direitos e liberdades e garantias (e direitos análogos) cometidos por decisões judiciais ou por actos administrativos: trata-se do recurso extraordinário de inconstitucionalidade, nos ter-mos do artigo 49o e seguintes da Lei Orgânica do processo constitucional.

E um mecanismo que se aproxima da queixa consti-tucional alemã e do recurso de amparo existente um pouco pela América Latina ou na Espanha. Não existe em Portu-gal. Mas precisamente por isso, é para realçar a importância desse remédio angolano.

34 MELO, A José) O Novo Constitucionalismo Angolano, Lisboa, Instituto de ciências jurídicas – Politicas (2013), pág.106

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Numa perspectiva da sociologia politica, o acesso ain-da que remoto é extraordinário, a instância máxima da justi-ça, constitucional significa adopção de uma postura politica antropologicamente amiga da dinamização processual dos direitos fundamentais. Mas tendo em conta que, no siste-ma de comunicação entre o Estado e o cidadão, são ainda o exercício do direito de voto e a reclamação judicial de direi-tos, as formas paradigmáticas de comunicação do cidadão com o Estado. Em múltiplos casos de violação de Direitos fundamentais, apenas o tribunal constitucional poderá estar num plano funcional e institucionalmente adequado para revelar e aferir a natureza dessa chama de atenção.

Em segundo lugar, na perspectiva moral e jurídico--constitucional, parece evidente a necessidade de uma ar-ticulação entre a componente material da constituição (os valores aí recebidos e os direitos que destes são concretiza-ção), o princípio geral da tutela jurisdicional efectiva e a ga-rantia de um elevado nível de efectividade jurídica dos direi-tos fundamentais. Ora, em casos de violação (e não de mera inconstitucionalidade de normas) de direitos fundamenta-líssimos, atenta a gravidade da ilicitude e a importância do plano normativo em que a mesma ocorre, é natural que em derradeira instância o julgamento desses casos seja entre a um (novo) tribunal do Areópago.

Ainda na perspectiva do prestígio das instituições do Estado, não parece conveniente que, por falta de mecanis-mos desse tipo, a concessão de amparo a Direitos e liberda-des fundamentais deva ser deferida para a instância inter-nacional, com dupla consequência (1) Da menorização do sistema de protecção e (2) aumento da frequência das conde-nações do Estado pelos tribunais internacionais de direitos humanos.

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Em quarto lugar, na perspectiva do Direito compara-do há agora três outras observações a reter:

a) A primeira é a de que foi instituído o amparo (na Constituição Mexicana de 1917), a tendência aponta no sen-tido de existência de algum mecanismo do acesso do par-ticular ao tribunal constitucional para a protecção de pelo menos certos direitos e liberdades fundamentais – neste sen-tido a mais de três dezenas de países (da Europa, América Latina, da Asia e da Africa) que possuem esses mecanismos.

b) A segunda é a de que essa evolução se fez sentir in-clusivamente no plano internacional (com o acesso direito ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, ao Tribu-nal Internacional Africano dos Direitos do Homem e dos Povos).

c) A terceira para assinalar o facto de a própria frança ter enfim cedido à introdução da questão da constituciona-lidade e precisamente nos casos de violação de direitos e li-berdades garantidos pela Constituição35.

1.4 Mecanismos geraisSão eles os meios de protecção do contencioso admi-

nistrativo e os meios de protecção subjacentes a fiscalização da constitucionalidade de normas.

a) Contencioso administrativo tem a sua regulação de-finida na Lei nº 2/94, de 14 de Janeiro e no Decreto-Lei nº 4/96, de 5 de Abril, permitindo obter uma tutela considera-da relativamente limitada (e, em diversos aspectos, ate sus-peita de inconstitucionalidade), em todo caso, os actos ad-ministrativos definitivos e executivos feridos de ilegalidade

35 Op.cit.,p.106.

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por lesão de direitos fundamentais podem ser impugnados ao abrigo dessa legislação.

b) Quanto aos mecanismos de fiscalização da consti-tucionalidade de normas, uma vez exceptuada a fiscalização preventiva, todas as modalidades de fiscalização apresen-tam virtualidade na tutela na tutela dos Direitos fundamen-tais dos cidadãos.

1.5 Modalidades de controlo da constitucionalidade1º Quanto a fiscalização sucessiva abstracta (artigos

230o e 231o da C.R.A), importa talvez dizer que se trata do mecanismo mais poderoso de intervenção do tribunal cons-titucional conta os actos do poder legislativo, uma vez que a decisão de inconstitucionalidade daí resultante não só destrói a norma declarada inconstitucional como destrói re-troactivamente todos os efeitos por ela produzidos (salvo as sentenças transitadas em julgado). Mas a decisão impede o legislador de reeditar uma norma com o mesmo teor.

O Tribunal Constitucional funciona aqui como um verdadeiro legislador negativo, projectando-se o resultado da sua decisão, tanto no presente, como no passado e no fu-turo. Os cidadãos têm acesso indirecto a fiscalização suces-siva abstracta através de entidades com legitimidade para tal, que podem actuar em seu nome, em especial o Provedor de Justiça, Ordem do Advogados de Angola e a Procurado-ria - Geral da Republica, basta para o efeito que apresentem petições a esses órgãos, para que estes, dentro da sua mar-gem de apreciação, decidam ou não avançar com os corres-pondentes pedidos.

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2º Quanto a fiscalização da inconstitucionalidade por omissões legislativas (artigo 232o da C.R.A), ela tem por ob-jectivo omissões legislativas, que se projectam sobre tudo em matérias de direitos, económicos, sociais e culturais. Trata-se de um mecanismo mais débil que no final conduz a uma espécie de sentença apelativa, em que o Tribunal Cons-titucional dará conta da omissão legislativa à Assembleia Nacional, indicando-lhe um prazo razoável para a supressão da lacuna ou inacção.

3º Finalmente, quanto a fiscalização concreta (artigo 180o, nº 2, alínea d) e e) da C.R.A) que surge na lei orgânica de processo nas vestes de " recursos ordinários de inconsti-tucionalidade", há a registar pelo menos a seguintes notas:

a) Trata-se em regra, no Direito comparado, de um mecanismo muito utilizado pelos particulares na defesa dos seus direitos fundamentais, que tem na C.R.A o direito fun-damental análogo de suscitar a questão da constitucionali-dade de uma norma durante qualquer processo em que seja parte;

b) Embora no recurso do particular a fiscalização te-nha uma feição mista (subjectiva e objectiva) quando inter-venha o Ministério Publico, a fiscalização tem um cunho essencialmente objectivo, podendo o recurso ser obrigato-riamente para esta entidade (artigo 21o, nº3 da LOTC).

c) Esse recurso tem por objectivo a constitucionalida-de de uma norma que o juiz aplicou na sentença ou a que escusou aplicação, estando o Tribunal Constitucional cingi-do a apreciar apenas essa norma, sendo-lhe por conseguinte vedado a apreciar a decisão recorrida.

d) No caso de recurso obter provimento, processo bai-xa ao tribunal de onde proveio, para que o juiz do processo

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principal reforme a sentença em conformidade com o julga-mento do Tribunal Constitucional (artigo 47o nº2 da LOPC).

Por fim, alem desses dois mecanismos gerais, o Direito angolano conhece ainda alguns meios processuais próprios (remédios) especificadamente dirigidos a tutela de determi-nados direitos fundamentais: o habeas corpus (relativamente ao direito a liberdade física e a segurança pessoal,), o habeas data (relativamente as garantias em matérias de tratamento de dados pessoas) e também mecanismos em sede do con-tencioso eleitoral e dos partidos políticos (relativamente a um conjunto de direitos de participação politica)36.

1.6 Mecanismos internacionaisTendo Angola ratificado a Carta Africana de Direi-

tos do Homem e dos Povos, instrumentos que dispõe desde 2006 da assistência de um tribunal (o Tribunal Africano dos Direitos do Homem e dos Povos), dispõe ainda os cidadãos, e naturalmente também os estrangeiros, desse importante nível suplementar de protecção.

Uma pessoa sob a jurisdição do Estado angolano que alegue a violação de um dos direitos protegidos na Carta Africana (ou em outros tratados de direitos humanos), pode, uma vez esgotados os recursos internos, apresentar uma queixa ao tribunal Africano dos Direitos do Homem e dos Povos, caso o Estado angolano tenha expressamente admiti-do a possibilidade da queixa individual. Na hipótese de essa declaração não ter sido feita, o interessado poderá sempre apresentar uma comunicação a Comissão Africana de Di-reitos do Homem e dos Povos, com base na referida violação.

36 Op. Cit. pp.111 e 112.

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Esta interacção e "cooperação estratégica" entre os me-canismos internos e os mecanismo externos de protecção e, segundo me parece verdadeiramente querida tanto pelo Di-reito Internacional como pela Constituição da Republica de Angola. Espera-se agora essa vontade de direitos fundamen-tais e de direitos humanos também seja querida e amparada na prática pelos juristas angolanos.37

2. Os tribunais perante as normas de direitos fundamentais

O verdadeiro valor dos direitos fundamentais traduz--se numa palavra: efectividade (ou seja, realização e protec-ção efectiva dos bens e interesses básicos da pessoa huma-na, ao nível da existência da autonomia e do poder). Ora, se esta efectividade, de facto, em primeira linha, tem de estar articulada com um conjunto de pressupostos reais (os cha-mados pressupostos dos direitos fundamentais), ela depende em larga medida da existência, do prestígio social efectivo e do bom funcionamento de um sistema jurisdicional capaz de fazer garantir aquele valor.

De acordo com a CRA, compete aos tribunais assegu-rar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos (artigo 174º, nº 2), cabendo-lhes igualmente garantir e assegurar a observância da Constituição (artigo 1770 nº1).

O poder judicial parece-nos desta feita na CRA como verdadeiro guardião da Constituição como sistema especial-mente colocado na defesa de direitos fundamentais na rea-

37 Op. Cit.p.112.

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lidade, sejam quias forem os direitos básicos da pessoa hu-mana reconhecidos em normas de Direito Internacional).38

2.1 A vinculação dos tribunais às normas de direitos, liberdades e garantias

Mas os tribunais, constituindo órgãos de soberania, são entidades para efeitos da segunda regra de que fala o artigo 280 nº1 da CRA (a de que os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias vinculam to-das as entidades públicas)

A este respeito, podemos começar por dizer que o princípio da vinculação incide sobre os tribunais de múlti-plas formas:

Desde logo, por via do princípio da constitucionalida-de (artigo 2260 da CRA);

Depois por via da enfase na ideia da vinculação do Es-tado e das demais entidades públicas aos direitos, liberda-des e garantias (artigo 20 nº 2; 210 alínea b); 280 nº1 e 560 da CRA);

Em terceiro lugar, por ter sido confiado aos tribunais um especial encargo de defesa dos direitos (artigos 290; 1770 nº1 da CRA);

E ainda pelo facto de também a eles ter confiada a protecção jurisdicional dos direitos humanos, quer porque o Direito Internacional endossou aos tribunais internos essa tarefa na esfera territorial do Estado, quer porque a CRA consagrou expressamente essa articulação (artigo 260 nº3).

Como é óbvio, o sentido primário desta vinculação é ainda o de uma proibição. Os tribunais estão proibidos de praticar actos que violem os direitos, liberdades e garantias e 38 Op.cit.p.97.

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estão obrigados a pautar a sua actividade e o desenvolvimen-to dos processos judiciais pelo respeito e protecção estrita desses direitos (os direitos também são triunfos contra os actos dos juízes que encoraram em violação desses direitos).

Por outro lado, parece claro que a vinculação dos tri-bunais pelos direitos, liberdades e garantias constitui uma expressão marcante do dever de protecção que incumbe ao Estado relativamente a efectivação dos direitos.

A CRA confere uma significativa atenção às garan-tias dos direitos ( a tal ponto de autonomizar uma secção própria), preocupação também visível no que diz respeito às instituições essenciais à justiça, nomeadamente á defesa dos cidadãos. Este desenvolvimento dado pela CRA às garantias fundamentais processuais não só tem raízes no constitucio-nalismo clássico como corresponde a uma tendência moder-na de valorização dessas dimensões.

Por seu lado, alguns dos direitos impedem de forma muito especial sobre os tribunais, sobre o serviço de justiça e o poder judicial como um todo: é o caso do direito de uma decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo (artigo 290 nº 4) ou do direito a um julgamento justo e célere (artigo 720 da CRA) é o caso de direitos em que uma even-tual emergência só pode ser determinada ou autorizada por decisão judicial (artigo 340, nº2, da CRA por exemplo) ou de direitos especiais de protecção exercidos perante um tri-bunal (habeas corpus, habeas data, acção popular, acção de responsabilidade civil contra o Estado, recurso de inconsti-tucionalidade, recurso contencioso)

Também nunca é demais lembrar que é nesta zona da capacidade de prestação do sistema judicial que se situa tal-vez a maior dificuldade de efectivação dos direitos, liberda-des e garantias (o espinho do jardim dos direitos), pelo me-

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nos a julgar pela jurisprudência do Tribunal Europeia dos Direitos do Homem – aqui nos encontramos, uma vez mais, com os pressupostos dos direitos fundamentais39.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS MELO, A. José. O Novo Constitucionalismo Angolano,

Lisboa, Instituto de Ciências Jurídicas – Políticas (2013)

39 Op.cit.pp.101; 102 e 103.

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CONTRIBUTOS PARA AMELHORIA DA JUSTIÇA

EM CABO VERDE

Carlos Manuel Borges Garcia40

RESUMOCom o presente artigo pretendemos dar um contribu-

to para a melhoria da justiça em Cabo Verde, com o acento tónico no setor da justiça administrativa. Neste contexto, com suporte em vários artigos publicados sobre o conten-cioso administrativo cabo-verdiano, apresentaremos o esta-do crítico do mesmo, apontando as pistas para a sua melho-ria, de acordo com os ditames da Constituição.

Palavras-chave: Contencioso Administrativo, Consti-tuição, Reforma, Anteprojeto

ABSTRACTWith the present article we intend to contribute to the

improvement of justice in Cape Verde, with the emphasis on the administrative justice sector. In this context, with support in several published articles on Cape Verdean li-tigation, we will prepare the critical state of the litigation, pointing out the clues for its improvement, according to the dictates of the Constitution.

Keywords: Administrative Litigation, Constitution, Reform, Draft

40 Licenciatura em Direito pela Universidade do Minho; Mestrado em Direito Administrativo pela Universidade do Minho - Braga, Portugal.

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1. IntroduçãoCom o presente artigo, como sugere o título, pre-

tendemos dar um modesto contributo para a melhoria da justiça em Cabo Verde, com o acento tónico na justiça administrativa.

É sabido por todos que a Constituição vigente em Cabo Verde consagra um conjunto de direitos e garantias de que gozam os cidadãos face à Administração Pública, como resulta do seu artigo 245.º.

No que se refere às garantias a que se convencionou chamar de “administrativas”, parece que se pode afirmar, salvo o devido respeito por opinião contrária, que os cida-dãos não têm razões de queixa, pois além da sua previsão constitucional, há várias leis ordinárias que as concretizam.

Já o mesmo não se pode dizer em relação às garan-tias contenciosas ou jurisdicionais, pois, apesar de ser hoje aceite por todos que a Constituição previu o princípio da tutela jurisdicional efetiva, quando afirma que o particular, diretamente ou por intermédio de associações ou organiza-ções de defesa de interesses difusos a que pertença, tem, nos termos da lei, direito a requerer e obter tutela jurisdicional efetiva dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, nomeadamente através da impugnação de quaisquer atos administrativos que os lesem, independentemente da for-ma de que se revistam, de ações de reconhecimento judicial desses direitos e interesses, de pedido de adoção de medidas cautelares adequadas e de imposição judicial à Administra-ção de prática de atos administrativos legalmente devidos41; direito de impugnar as normas administrativas com eficá-cia externa lesivas dos seus direitos ou interesses legalmen-

41 Cfr. artigo 245.º, alínea e), da Constituição da República de Cabo Verde, do-ravante, CRCV.

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te protegidos42, bem como direito a ser indemnizado pelos danos resultantes da violação dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, por ação ou omissão de agentes pú-blicos, praticadas no exercício de funções e por causa delas, dizíamos, apesar disso, o legislador ordinário não concreti-zou essas normas, deixando os aplicadores do direito com muitas dificuldades, o que, aliás, tem dado azo a interpreta-ções díspares, ao ponto de dois tribunais decidirem de forma completamente diferente sobre a mesma questão jurídica.

Na verdade, com essas normas constitucionais, consi-deradas pela doutrina como análogas aos direitos, liberdades e garantias e com a recente aprovação da Lei n.º 88/VII/2011, de 14 de fevereiro43, que define a organização, a competência e o funcionamento dos tribunais judiciais, passámos, em Cabo Verde, no que se refere ao contencioso administrativo, a con-viver com três diplomas neste matéria, a saber: 1) a Constitui-ção da República; 2) a Lei n.º 88/VII/2011, de 14 de fevereiro

, acima referida e 3) o Decreto-Lei n.º 14-A/83, de 22 de mar-ço, diploma que regula o contencioso administrativo

Sem olvidar, ainda, que o próprio diploma em vigor remete para o código de processo civil, aplicado como direi-to subsidiário44, processo esse que sofreu muitas alterações, contrariamente ao contencioso administrativo.

Só para dar um exemplo, em matéria das “ações”, o di-ploma que regula o contencioso administrativo remete para

42 Cfr. artigo 245.º, alínea f), da CRCV.43 Cfr. os seus artigos 17.º, n. º2; 34.º, alínea d); 39.º, alínea b) e 59.º, n, º2. Desses artigos resulta que compete aos tribunais judiciais, através dos juízos cíveis, a ad-ministração da justiça administrativa, sendo que hoje são competentes os Tribu-nais de primeira instância, os Tribunais de segunda instância (ou de Relação) e o Supremo Tribunal de Justiça. Faz-se notar que face a lei vigente, competente nessa matéria são os tribunais regionais da Praia e São Vicente e o Supremo Tribunal de Justiça. Essas normas carecem de uma interpretação atualista.44 Cfr. o seu artigo 55.º.

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a forma de processo sumário45, que, como se sabe, já não existe na nossa lei processual civil.

Assim, com este artigo pretendemos apresentar, em síntese, as reflexões que vários autores têm feito sobre o con-tencioso administrativo vigente, denunciando a sua incons-titucionalidade, reflexões essas que vão no mesmo sentido, dando pistas para se resolver o problema, a bem dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos face à Ad-ministração Pública e da justiça no seu todo.

Ao longo do artigo faremos uma exposição crítica, oferecendo a nossa perspetiva sobre a problemática.

2. O processo moroso da reforma do contencioso ad-ministrativo em Cabo Verde

O contencioso administrativo cabo-verdiano encon-tra-se neste momento em processo de reforma, uma vez que a “vetusta”46 lei do contencioso administrativo de 1983 está completamente desfasada da realidade e dos preceitos cons-titucionais, o que levou a que se iniciasse esse processo de reforma, embora esteja longe de ser concluída.

De fato, já há um anteprojeto do código da justiça administrativa, projeto esse muito moderno e que, como veremos, vem reforçar as garantias dos particulares face à Administração, nos termos das exigências constitucionais, pois prevê, como já acontece noutras paragens, novos me-canismos, que vão dos processos urgentes – principais (inti-mações e impugnações) e cautelares ou não principais – (ou

45 Cfr. o seu artigo 41.º.46 É esta a expressão que muitos juristas cabo-verdianos têm usado quando se referem a esse diploma, que deste então até hoje tem regulado o contencioso ad-ministrativo neste arquipélago – note-se, não obstante as mudanças sociológicas, politicas, etc. Daí a justificação das críticas que a mesma “lei” tem sido alvo.

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seja, acrescentaram-se outros à suspensão da executorieda-de do ato administrativo, o único meio cautelar conhecido) à condenação da Administração à prática do ato devido, etc.

Numa palavra, esse anteprojeto, quando se materia-lizar em verdadeiro código, vai “subjetivar” a justiça ad-ministrativa cabo-verdiana, como aliás já é um imperati-vo constitucional, com vantagens claras para os cidadãos e constituirá um grande ganho para o nosso Estado de Direito Democrático, rumo a uma maior consolidação.

Note-se que, neste contexto, Arlindo Medina, então Juiz Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, a propósi-to da falta de uma lei moderna de justiça/contencioso ad-ministrativo, disse na abertura do I Congresso de Direito Constitucional Cabo-verdiano, Lusófono e Comparado que presidiu na Cidade da Praia, que o “poder político, numa ar-repiante inércia, não se dignou facultar aos cabo-verdianos uma lei moderna capaz de lhes oferecer uma tutela jurisdi-cional efetiva e de lhes assegurar uma adequada proteção jurisdicional nas suas relações com o Estado”.

Refira-se que o Decreto-Lei n-º 14-A/83, de 12 de mar-ço, na altura em que foi aprovado, marcou uma rotura com o status quo ante, pois antes dele a Administração e o Go-verno estavam “libertos” de qualquer controlo judicial. No fundo, estávamos perante um verdadeiro sistema de “admi-nistrador-juiz”, como aconteceu inicialmente em França, nos primórdios da revolução de 1789.

De fato, como nos conta David Hopffer Almada, “os atos definitivos e executórios dos membros do Governo podiam ser impugnados apenas perante o Conselho de Mi-nistros, conforme rezava o diploma de 1977 (Decreto-Lei n.º 101/77, de 08 de Outubro)”. Por outro lado, na esteira do mesmo autor, “os atos legislativos do Governo (Decre-

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to-Lei) só podiam ser impugnados, mediante recurso de constitucionalidade para a Assembleia Nacional Popular, ou então sujeitos à ratificação desta, mediante solicitação fei-ta por qualquer deputado, até a primeira sessão seguinte à sua publicação, sem o que se considerava automaticamente ratificado”.

Nas palavras do autor “não é normal, sendo mesmo contra natura em regimes mono partidários (como era o caso), o Governo sujeitar-se e sujeitar os seus atos à impug-nação contenciosa perante os Tribunais.”

Daí que alguns autores, como por exemplo, Freitas do Amaral e Gomes Canotilho, na visita que fizeram a Cabo Verde na altura, como nos da conta o autor, terem estra-nhado essa opção do Legislador de 83 em subter os atos do Governo ao controlo judicial47.

3. Inconstitucionalidade superveniente do Decreto--Lei n-º 14-A/83, de 12 de março, que regula o contencioso administrativo

Lendo o Decreto-Lei n-º 14-A/83, de 12 de março, fa-cilmente se concluirá que o contencioso cabo-verdiano é de mera anulação e actocêntrico (ao ato), com prejuízos claros para os direitos e interesses legalmente protegido dos par-ticulares, contrariando, de certo modo, o que está previsto na atual Constituição da República na parte referente a essa matéria.

47 Para maior desenvolvimento sobre o assunto, veja-se ALMADA, David Hopf-fer, A Construção do Estado e a Democratização do Poder em Cabo Verde, Cidade da Praia, 2010, pp. 70 e ss, e nota 27.

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Aliás, esse diploma tem merecido duras críticas por parte de juristas nacionais e internacionais, nos termos que demonstraremos de seguida.

Na nossa doutrina, destaca-se o Dr. Mário Silva que tem dado um grande contributo nessa matéria, clamando re-correntemente para uma reforma da justiça administrativa48.

Em 2009, num artigo publicado na Revista cabo-ver-diana Direito e Cidadania49, onde, nas palavras do autor, se pretendia “dar a conhecer ao público cabo-verdiano a pu-blicação de um dos últimos livros de WLADIMIR BRITO, Professor da Escola de Direito da Universidade do Minho e um nome cimeiro do Direito Público de Língua Portugue-sa”: Lições de Direito Processual Administrativo, o mesmo autor debruçou-se praticamente sobre todo o conteúdo do livro e, na ultima parte do artigo, sob a epígrafe “ A IM-PORTÂNCIA DA OBRA PARA OS PAÍSES AFRICANOS DE LÍNGUA OFICIAL PORTUGUESA”, diz-nos que o tra-balho de Wladimir Brito “constitui um valioso instrumento de inspiração e de estímulo para a reforma do contencioso administrativo nos Países Africanos de Língua Oficial Por-tuguesa, pelas informações que nos faculta e pela análise que adota”(…).

Ora bem, no que a Cabo Verde se refere, continua o autor, dizendo que “num momento em que paira um grande silêncio sobre esta matéria, depois da discussão pública da versão zero do projeto de Código de Justiça Administrativa, esta obra de WLADIMIR BRITO assume grande importân-

48 O autor publicou recentemente um livro, onde aponta os caminhos para a re-forma da justiça administrativa. Para mais desenvolvimento, veja-se SILVA, Mário Ramos Pereira -Os Caminhos da Reforma da Justiça Administrativa Cabo-verdia-na, Livraria Pedro Cardoso, julho de 2016, Praia, Cabo Verde.49 Veja-se SILVA, Mário Ramos Pereira, «Direito Processual Administrativo ou Wladminir Brito e o Novo Paradigma de Justiça Administrativa», Cidade da Praia, Cabo Verde, in Revista Direito e Cidadania, Ano X, N.º 29, Quadrimestral, 2009, p. 336

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cia, não só pelos já referidos aspetos, mas também por ser uma voz autorizada a certificar o fim do contencioso admi-nistrativo de anulação, baseado num "processo ao ato", na consagração de vários círculos de imunidade do poder, na sentença anulatória, na inoperância do sistema de execução de sentenças e na suspensão da eficácia do ato administra-tivo como única providência cautelar, entre outros aspetos”.

À guisa de conclusão, e bem, o mesmo autor demons-tra o seu descontentamento com o atual contencioso exis-tente em Cabo Verde, dizendo que “Mal se compreende que um país como o nosso, que inscreveu na sua Constituição um modelo de justiça administrativa de natureza subjeti-va, ainda com aspetos objetivos decorrentes da existência de ação pública e da ação popular, continue a hesitar em levar a cabo uma reforma constitucionalmente adequada e protele por mais tempo a adoção de medidas impostas pela Constituição”50.

Nessa esteira, Sérvulo Correia, um ilustre jurista por-tuguês, a propósito do baseamento da República de Cabo Verde na dignidade da pessoa humana – pelo menos à luz da Lei mãe –, diz-nos que “Não parece satisfatoriamente sinto-nizado com esta filosofia constitucional um sistema de ju-risdição administrativa em que os meios de processo visem tão só a reposição da integridade do ordenamento jurídico objetivo e, apenas por arrastamento, de um modo reflexo, a reintegração das situações jurídicas subjetivas ofendidas”51.

Entende o autor que “Daqui resultaria, muito possivel-mente, a insuficiência, à face da Constituição de Cabo Ver-de, de um modelo de Contencioso Administrativo que, tal

50 Idem, ibidem51 Veja-se CORREIA, José Manuel Sérvulo, «Modernização do Contencioso Administrativo», Cidade da Praia, Cabo Verde, in Revista Direito e Cidadania, Ano VII, N.º 24, Quadrimestral, 2006, Praia, Cabo Verde., p. 139.

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como aquele que vigorou em Portugal pelo menos até 1985, apenas assentasse num recurso contencioso meramente cas-satório e em algumas ações de plena jurisdição, mas cingi-das a um curto elenco de objetos: os litígios sobre contratos administrativos e responsabilidade civil extracontratual por atos de gestão pública”52. O autor dá-nos conta das “técni-cas de que o legislador contemporâneo deverá lançar mão para vincar o caracter subjetivista da tutela jurisdicional administrativa”.

Um outro autor cabo-verdiano, Dr. Anildo Martins, que também é Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, dado a desconformidade do diploma que regula o contencioso administrativo com a Constituição da Repúbli-ca, num artigo publicado, igualmente na Revista Direito e Cidadania53, não hesita em dizer que o objetivo maior da re-forma do nosso contencioso administrativo deverá consistir na adequação do diploma de 83 acima referido ao Estado de Direito Democrático gizado na Constituição da República de Cabo Verde.

Na altura, dizia o autor, “Para atingir tal objetivo ci-meiro, dois objetivos estratégicos deverão nortear a ação do nosso legislador, a saber:

O primeiro diz respeito ao reforço das garantias dos cidadãos perante a Administração Pública ou a realização da (almejada) tutela efetiva dos direitos dos cidadãos, ou seja, tratar-se-á aqui do chamado contencioso subjetivo, isto é, gizado para a defesa dos direitos e interesses legítimos do cidadão perante a Administração Pública. (…).

52 Idem, ibidem, pp. 139-140.53 MARTINS, Anildo, «Contencioso Administrativo (Algumas Questões)», Ci-dade da Praia, Cabo Verde, in Revista Direito e Cidadania, Ano VI, N.ºs 20/21, maio a dezembro, 2004, p. 189.

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O segundo objetivo estratégico consistirá no reforço do chamado contencioso objetivo, no âmbito do qual se des-tacará o importante papel do Ministério Público enquanto fiscal da legalidade”54.

Na esteira do exposto, importa acentuar que, de facto, a Constituição da República de Cabo Verde não se limita, abstratamente, a prever a garantia geral de acesso à justiça e de acesso aos Tribunais. Com efeito, a par dessa garantia geral, a lei magna de Cabo Verde contempla igualmente uma garantia especial de acesso à justiça administrativa55.

Neste ensejo, o seu inciso 245.º, sob a epígrafe “Direi-tos e garantias do particular face à Administração”, como se disse, dispõe, por um lado, que “O particular, diretamente ou por intermédio de associações ou organizações de defesa de interesses difusos a quem pertença, tem, nos termos da lei, direito a: requerer e obter tutela jurisdicional efetiva dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, nomeada-mente através da impugnação de quaisquer atos administra-tivos que os lesem, independentemente da forma de que se revistam, de ações de reconhecimento judicial desses direi-tos e interesses, de adoção de medidas cautelares adequadas a imposição judicial à Administração de prática de atos ad-ministrativos legalmente devidos”56.

54 Para maior desenvolvimento sobre esses dois objetivos estratégicos, veja-se idem, ibidem, pp. 189-197.55 Assim, DELGADO, José Pina e DELGADO, Liriam Tiujo, O Sistema Cabo--verdiano de Direitos Fundamentais – Notas de Aula, Cidade da Praia, Cabo Ver-de, 2009, p. 99.56 Cfr. alínea e) do citado artigo 245.º Faz-se notar que muitos têm entendido que esta norma é análoga aos direitos, liberdades e garantias. Com efeito, por essa razão, alguns advogam, e bem em nossa opinião, que a inércia do novo legislador não obsta à sua direta invocação pelos particulares, isto porque, por força dos ar-tigos 18.º e 26.º da CRCV, essas normas vinculam todas as entidades publicas e privadas e são diretamente aplicáveis.

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Por outro lado, esse mesmo particular tem direi-to a: impugnar as normas administrativas com eficácia externa lesivas dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos”57.

Segundo Eduardo Rodrigues, o então artigo 267.º, n.º 2, alínea b) – que previa as garantias dos administrados na versão originária da Constituição de 1992 – “deixa perfeita-mente delineada a vontade normativa de um sistema onde pontifique o princípio da garantia de plena jurisdição na im-pugnação da atividade administrativa”.

Tendo dito isto, diz-nos ainda que “Natural será que a seu tempo, que se deseja muito breve, a lei ordinária venha a dar devido implemento a tal princípio”58, pois, acrescenta-mos nós, como diz Sérvulo Correia a propósito do atual con-tencioso administrativo cabo-verdiano, “No quadro (…) de uma Constituição que, acima de tudo, coloca a República ao serviço da dignidade da pessoa humana e da inviolabilidade dos direitos do homem, a efetividade da jurisdição adminis-trativa significa em primeiro lugar a efetividade da tutela subjetiva, ou seja, da tutela jurisdicional das situações jurí-dicas subjetivas dos particulares em face da administração”.

De fato, acompanhamos o autor quando diz que “as regras processuais não poderão constituir uma barreira ab-soluta à reintegração possível de certos direitos e interesses legalmente protegidos que tenham sido ofendidos”59.

57 Cfr. alínea f) do mesmo inciso. Não obstante a clareza dessa alínea, ao prever que os particulares podem “Impugnar as normas administrativas com eficácia ex-terna lesivas dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos”, importa, neste particular, ter em atenção que o diploma que regula o contencioso administrativo não tem mecanismos eficazes que permitem aos particulares e a administração impugnar normas – regulamentares, note-se – consideradas ilegais. Ou seja, a Constituição, nesta matéria, também não está devidamente concretizada.58 RODRIGUES, Eduardo, «Garantia dos Administrados», Cidade da Praia, Cabo Verde, in Revista Direito e Cidadania, Ano III, N. º8, 1999, p. 255)59 Para mais desenvolvimento, veja-se CORREIA, José Manuel Sérvulo, «Mo-

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De realçar que, como fazem notar José Pina Delgado e Liriam Tiujo Delgado60,“o contencioso administrativo não se limita a ser um remédio para a tutela dos direitos funda-mentais, mas poderá alcançar qualquer tipo de direito ou inclusivamente interesses legítimos individuais e difusos.”

No entanto, como se disse acima, e parafraseando Anildo Martins 61e outros

autores, na conjuntura atual temos um conjunto de normas e princípios constitucionais que não estão efetiva-dos ou que estão efetivados de forma incompleta na discipli-na e controlo da atividade administrativa.

Para resolver essa situação em que nos encontramos, Anildo Martins concluiu o seu artigo dizendo que “Importa pois que o legislador ordinário tenha sabedoria e a perspicá-cia para”, em cumprimento da disposição n.º 6 do art.º 21.º da CRCV62, estabelecer os “procedimentos judiciais céleres e prioritários que assegurem a tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças e violações” dos direitos, liberdades e ga-rantias individuais, “encontrar os mecanismos mais apro-priados que permitam ao MP uma tutela mais eficiente e eficaz do interesse público e da legalidade, bem assim uma regulamentação atualizada do importante instrumento de cidadania e participação cívica que é a ação popular”63.

Note-se que, por causa dessa desconformidade da “lei” do contencioso administrativo com a atual Constitui-ção da República, sente-se uma dificuldade óbvia em qua-

dernização do Contencioso Administrativo», ob. cit., pp. 3 e ss.60 Cfr. DELGADO, José Pina e DELGADO, Liriam Tiujo, O Sistema Cabo-ver-diano de Direitos Fundamentais – Notas de Aula, ob. cit., p. 99.61 MARTINS, Anildo, «Contencioso Administrativo (Algumas Questões)», ob. cit., p 197.62 Atualmente, coma revisão de 2010, passou a ser o artigo 22.º63 MARTINS, Anildo, «Contencioso Administrativo (Algumas Questões)», Ci-dade da Praia, Cabo Verde, ob.cit., p. 197.

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lificar a justiça administrativa cabo-verdiana, com base nos dois modelos de justiças administrativa dominantes, que nos são apresentados por Wladimir Brito64, a saber: a) Mo-delo Administrativista e o b) Modelo Jurisdicionalizados ou Judicialista.

Com efeito, se sob o ponto de vista da separação de poderes podemos dizer, sem margem para dúvidas, que se-guimos o modelo Judicialista, isto porque, como nos ensina o autor acima citado, nesses modelos “As questões adminis-trativas podem ser apreciadas quer por tribunais especiali-zados, quer por tribunais comuns sem qualquer especiali-zação, sendo certo que, num ou noutro caso, a decisão final poderá ser tomada pelo tribunal hierarquicamente superior nessa ordem jurisdicional única”65, já sob o ponto de vis-ta processual constata-se que a nossa justiça administrativa segue o modelo administrativista, isto, claro está, tendo em conta só a “lei” do contencioso administrativo, pois, como nos dá conta o mesmo autor, esse “modelo é por natureza objetivista, tendo no recurso de anulação do ato adminis-trativo o seu principal meio”66, sem olvidar, no entanto, que, complementar a esse meio, são “admitidos outros meios processuais, como acontece com a apreciação de litígios decorrentes de contratos administrativos e relativos a res-ponsabilidade civil, em que o contencioso passa a ser de ju-risdição plena, embora limitado ao princípio da decisão ad-ministrativa prévia e a impossibilidade de injunções diretas à administração”67.

64 Para mais desenvolvimentos, veja-se BRITO, Wladimir, Lições de direito Processual Administrativo, Portugal, 2ªEdição, Coimbra Editora, 2008, pp. 34-39.65 Idem, ibidem.66 Idem, ibidem.67 Idem, ibidem.

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Ora, tendo dito isto, salvo o devido respeito, pare-ce-nos que se pode dizer que temos, em Cabo Verde, um modelo de justiça administrativa que não é nem judicialista puro, nem administrativista, mas sim um modelo “comple-xo” de justiça administrativa.

4. Solução para os problemas do contencioso admi-nistrativo vigente

Como se pode intuir pelo que acabamos de expor, as soluções para se resolver os vários problemas que existem no seio do contencioso administrativo e que há muito já foram detetadas, o que faz com que não se compreenda os reias motivos para essa demora.

De fato, como se disse, todos – advogados, magistra-dos, académicos e o próprio legislador –, já chegaram à con-clusão de que a resolução desses problemas é simples e passa apenas por efetivar a Constituição da República, desenvol-vendo os mecanismos previstos, respetivamente, nas alíneas e) e f) do artigo 245.º da lei fundamental.

Tão consciente está o nosso legislador, que o Minis-tério da Justiça, departamento do Governo com atribuições na matéria, apresentou, em 2007, a versão 0 do “ANTEPRO-CJETO DE CÓDIGO DA JUSTIÇA ADMINISTRATIVA”, onde, logo no primeiro parágrafo da nota justifica, nos dá conta de que “O Código da Justiça Administrativa que ora se apresenta em ante-projecto dá corpo às orientações cons-titucionais em matéria do contencioso administrativo, vaza-dos no artigo 241.º e)68 da nossa Lei Fundamental. E, porque

68 Estávamos nós em 2007, antes da revisão constitucional de 2010.Hoje, com o mesmo teor, o artigo 241.º, alínea e), na versão que lhe foi dada pela revisão consti-tucional de 1999, passou para o artigo 245.º, alínea e). Na sequência do que se disse acima, acrescentamos o artigo 245.º, alínea f), que também deve ser concretizado,

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assim faz, constitui uma ruptura profunda e extensa com o paradigma do Decreto-lei n.º 14-A/83, de 22 de Março, que há mais de vinte e quatro anos, rege o contencioso adminis-trativo em Cabo Verde”.

Exposto isto, cumpre dizer que da leitura do antepro-jeto do código da justiça administrativa de Cabo Verde, aci-ma referido, pode concluir-se, salvo pequenas adaptações ao nosso quadro jurídico, que a reforma do nosso contencioso administrativo que está em curso, quando for operada, do ponto de vista dos novos mecanismos que serão postos a disposição dos particulares para a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, irá ao encontro da realiza-da em Portugal69, sendo que todas as normas constitucionais acima referidas serão concretizadas.

De fato, tanto a alínea e), como a alínea f) do artigo 245.º foram concretizadas, com a previsão, no anteprojeto, do “princípio da tutela jurisdicional efetiva70”; de várias for-mas de processo, como a) ação administrativa comum71; b)ações administrativas especiais72; c) os processos urgentes73; isso a propósito dos regulamentos (normas administrativas), sem olvidar ainda um importante setor da atividade administrativa, que é a contratação pública.69 Veja-se o Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e Esta-tuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) de Portugal, que reforçaram o poder dos tribunais administrativos.70 Cfr. artigo 10.º do anteprojeto do código da justiça administrativa, com o qual passar-se-á, de fato, a ter uma tutela sem lacunas;71 A ação administrativa comum é concebida como o processo comum da jus-tiça administrativa, isto é, aquele que se aplica nos casos para que não seja esta-belecido processo especial. Para mais desenvolvimento, cfr. as páginas 31 e 32 do anteprojeto (nota explicativas), bem como os seus artigos 120.º a 134.º.72 As ações administrativas especiais aplicam-se aos casos em que o pedido emirja da prática ou omissão de ato ou norma que tenha sido ou devesse ter sido emitida ao abrigo de direito administrativo. Recobre o atual contencioso de anu-lação, mas alarga-se também à condenação na prática de ato devido e à impug-nação de normas regulamentares e à declaração de ilegalidade por não emissão de normas regulamentares necessárias ao exercício pleno de direitos. Para mais desenvolvimento, cfr. as páginas 32 a 35 do anteprojeto, bem com os artigos 135.º a 183.º do mesmo.73 Sob a epígrafe “Dos Processos Urgentes” o anteprojeto do código regula, dan-

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d) os processos cautelares74; e) os processos executivos; e f) os recursos.

Claro está que hoje, o referido anteprojeto, teria que sofrer algumas modificações, fruto da reforma que aconte-ceu no setor da justiça com a revisão constitucional de 2010, que depois veio a ser concretizada em leis ordinárias, como por exemplo, por causa da criação dos Tribunais de segunda instância – Tribunais de Relações –, em Sotavento e Barla-vento, entre outros aspetos, que o espaço deste artigo não nos permite aprofundar.

Só nos resta dizer que urge a aprovação desse código, com as devidas adaptações ao novo contexto. Eis a solução para o problema, que não é novidade para ninguém, como se disse.

5. ConclusãoEm face do exposto, concluímos que, para se efetivar a

reforma da justiça administrativa é preciso vontade politica que, diga-se de passagem, e salvo o devido respeito, não tem havido, pois essa reforma trata-se de dar mais meios aos ci-dadãos para se defenderem dos atos da Administração, que, de acordo com a Constituição, tem como órgão superior o Governo.

Em Cabo Verde, essa reforma tem vindo a ser lidera-da pelo Governo, que parece ter sido a entidade responsável do-lhes carácter urgente: (a) o contencioso eleitoral; (b) o contencioso pré contra-tual; e (c) as intimações. Para mais desenvolvimento, veja-se as páginas 39 a 41, e os artigos 184.º a 204.º do mesmo.74 Em clara rotura com a legislação atual, em que o único procedimento caute-lar é o incidente de suspensão de executoriedade do ato impugnado, inserido no próprio recurso contencioso, o Código estabelece um amplo sistema de processos cautelares, regulando o seu regime geral e comum e alguns regimes especiais em termos inovadores relativamente ao processo civil. Para mais desenvolvimento, veja-se as páginas 42 a 45, bem como os seus artigos 205.º a 226.º

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pela contratação de uma consultoria para a elaboração do referido anteprojeto, sendo que está claro que a mesma não vai passar disso mesmo, um anteprojeto, por muito mais tempo, pois, segundo informações que se tem, um ilustre administrativista luso, disse, em Cabo Verde, que a Admi-nistração Pública não está preparada para ter esse código, que é muito moderno e que concede muitas garantias aos cidadãos face à mesma Administração.

Salvo o devido respeito, esse argumento não pode ser aceite, pois essas garantias há muito que estão consagradas na lei fundamental. Assim, mais vale aprovar o código, com um período de vacatio legis longo, dando tempo à Adminis-tração para se preparar, do que deixar as coisas como estão.

Em síntese, só com a aprovação, o quanto antes, do referido anteprojeto, com as adaptações que se impuserem, é que se resolvem os problemas do atual contencioso admi-nistrativo, pois o mesmo prevê os mecanismos para a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, de acordo com as orientações previstas na Constituição.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASALMADA, David Hopffer, A Construção do Estado

e a Democratização do Poder em Cabo Verde, Cidade da Praia, 2010, pp. 70 e ss, e nota 27.

CORREIA, José Manuel Sérvulo, "Modernização do Contencioso Administrativo", Cidade da Praia, Cabo Verde, in Revista Direito e Cidadania, Ano VII, N.º 24, Quadrimes-tral, 2006, Praia, Cabo Verde., p. 139.

85

DELGADO, José Pina e DELGADO, Liriam Tiujo, O Sistema Cabo-verdiano de Direitos Fundamentais – Notas de Aula, Cidade da Praia, Cabo Verde, 2009, p. 99.

MARTINS, Anildo, "Contencioso Administrativo (Al-gumas Questões)", Cidade da Praia, Cabo Verde, in Revista Direito e Cidadania, Ano VI, N.ºs 20/21, maio a dezembro, 2004, p. 189.

SILVA, Mário Ramos Pereira -Os Caminhos da Refor-ma da Justiça Administrativa Cabo-verdiana, Livraria Pe-dro Cardoso, julho de 2016, Praia, Cabo Verde.

SILVA, Mário Ramos Pereira, "Direito Processual Ad-ministrativo ou Wladminir Brito e o Novo Paradigma de Jus-tiça Administrativa", Cidade da Praia, Cabo Verde, in Revis-ta Direito e Cidadania, Ano X, N.º 29, Quadrimestral, 2009, p. 336

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A QUALIDADE DOENSINO DO DIREITO

Hirondina Maria Lima75

AGRADECIMENTOS Longa e extensa seria a lista de agradecimentos se ti-

vesse a pretensão de destacar todas as pessoas que direta e indiretamente contribuíram para a realização deste traba-lho, mas no fundo, todos sabem o quão estou agradecida. Entretanto, algumas pessoas merecem ser referidas de uma forma especial. O meu profundo agradecimento à minha Família e ao Sr. Eng.º Luciano Dias Da Fonseca, que acre-ditaram nas minhas capacidades e pela confiança deposi-tada em minha pessoa, perante todas as adversidades que surgiram.

Um muito obrigado ao Prof. Doutor Tarcizo Roberto pelas sábias orientações, pelas competências, apoio, paciên-cia, disponibilidade e carinho a mim dedicados. A minha gratidão vai também, para todos os Colegas Juristas, Advo-gados e Jurisconsultos de profissão em Cabo Verde.

Por último agradeço à minha família, amigos e cole-gas. Em memória, da minha querida Mãe Maria Das Neves Lopes Lima, que partiu muito cedo e da minha Avó Marce-lina Do Carmo Lima. Estejam em paz!

RESUMO No desenvolvimento económico e social de um País,

a educação superior tem como objetivo de alcançar a for-mação de capital humano de qualidade. A temática da

75 Licenciada em “Droit Public”

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qualidade do ensino do direito e das instituições de ensino superior têm vindo a ganhar força e relevância nos deba-tes protagonizados pelos agentes educativos, pelas entida-des governamentais e pela sociedade, em geral. Nos últimos tempos, têm havido muitos debates sobre a qualidade do en-sino ministrado nas Instituições de Ensino Superiores Ca-bo-Verdianas. O objetivo deste artigo, é analisar de forma crítica a qualidade do Ensino do Direito em Cabo Verde, onde optámos pelo estudo de caso, de Cabo Verde como ob-jeto empírico para esta investigação. A partir do modelo de qualidade existente, avaliámos a gestão e a oferta educativa nas universidades com base numa pesquisa de cunho teó-rico-descritivo-bibliográfico sobre o tema. Ora, este artigo apresenta um enquadramento sobre o ensino de qualidade do direito nas Universidades em Cabo Verde permitiu-nos perceber que cumpre de forma parcial os requisitos e serão apresentados as dimensões dos modelos de qualidade usa-dos no país. Concluindo, afirmamos que Cabo Verde tem ainda um caminho a percorrer para se tornar uma institui-ção de ensino superior de excelência e atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

Palavras-chave: Qualidade, Direito, Ensino Superior, Cabo Verde, Certificação

ABSTRACTIn the economic and social development of this coun-

try, higher education aims to achieve the formation of qua-lity human capital. The quality of teaching law and higher education institutions have gained strength and relevance in the debates carried out by educational agents, government agencies and society in general. In recent times, there have

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been many debates about the quality of teaching delivered at CaboVerdian Higher Education Institutions. The objec-tive of this dissertation is to critically analyze the quality of Law Teaching in Cabo Verde, where we have chosen the case study of Cabo Verde as an empirical object for this investi-gation. Based on the existing quality model, we evaluated the management and educational offer in universities based on a theoretical-descriptive-bibliographic research on the subject. However, this article presents a framework on the teaching of quality of law in universities in Cabo Verde al-lowed us to realize that it partially fulfills the requirements and will present the dimensions of the quality models used in the country. In conclusion, we affirm that Cabo Verde still has a way to go to become a higher education institu-tion of excellence and achieve the Sustainable Development Objectives (ODS).

Keywords: Quality, Law, Higher Education, Cabo Verde, Certification

GLOSSÁRIO DE SIGLASBM – Banco Mundial CHEA – Council For Hiher Education Accreditation -

An Overview of U.S. AccreditationEQUIS – European Quality Improvement SystemIES – Instituição de Ensino SuperiorLBSE – Lei de Base do Sistema Educativo LMD – Sistema Licenciatura-Mestrado-DoutoradoODS – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável OE – Orçamento do EstadoPEDS – Plano Estratégico de Desenvolvimento

Sustentável

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UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

Uni-CV – Universidade de Cabo VerdeUNI Piaget – Universidade Jean Piaget

1. Introdução Num passado recente, a formação superior dos cabo-

-verdianos realizava-se fundamentalmente no exterior. Esta situação sofreu uma alteração radical nestes primeiros anos do novo século: as instituições públicas de ensino superior existentes foram integradas na Universidade de Cabo Verde, universidade pública criada em Novembro de 2006, e várias instituições de ensino superior privado iniciaram a sua ac-tividade após reconhecimento por parte do Ministério da tutela. Hoje, é significativamente superior o número de es-tudantes do ensino superior a receberem formação em Cabo Verde relativamente aos dos que estudam fora do País.

Na altura o desafio que se colocava a todas as institui-ções de ensino superior caboverdianas era o da qualidade, isto é, contribuir para que esta notável expansão do ensino superior seja acompanhada de níveis de rigor reconhecidos quer internamente quer a nível externo, trabalhando assim para a projecção do País. O “Programa do Governo para a VII Legislatura, 2006-2011” afirma a “opção política de Cabo Verde por um ensino de qualidade e o entendimento do ensino superior como instrumento de desenvolvimento duradouro do país e motor de sua inserção competitiva no mercado mundial” e identifica, entre outras, as seguintes medidas:

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• “Promoção de um ensino superior de qualidade, através de mecanismos jurídicos e institucionais apropria-dos (...)”;

• “Elaboração, aprovação e implementação de normas reguladoras do funcionamento e financiamento do Ensino Superior, nomeadamente, os Estatutos do Ensino Superior Público, Privado e Cooperativo (...)” – Estatutos que vieram a ser aprovados pelo Decreto-Lei nº 17/2007, de 7 de Maio;

• “Credenciamento de instituições e cursos do ensino superior segundo um conjunto de critérios e parâmetros bá-sicos, estabelecidos por lei (...)”;

• “Criação e instalação de um órgão regulador da qua-lidade do ensino, habilitado para realizar e promover, de forma periódica, a avaliação do desempenho institucional das instituições.”

Segundo Sá Nogueira (2015:197), a qualidade na edu-cação é um conceito dinâmico e polissémico, dependen-do do contexto histórico, cultural e temporal. No dizer da UNESCO (2001), a educação de qualidade deve proporcio-nar a todos, uma participação ativa na sociedade e a serem cidadãos do mundo. Este estudo pretende debruçar-se con-cretamente sobre a qualidade do ensino do direito minis-trado nas Universidades de Cabo Verde. Ora, pretende-se averiguar até que ponto as universidades reúnem os requi-sitos necessários para ser ou não uma instituição de ensino superior de excelência e atingir os Objetivos de Desenvolvi-mento Sustentável (ODS). No que concerne à natureza e os objetivos deste artigo, optou-se pela metodologia, estudo de caso, as universidades de Cabo Verde como objeto empírico para esta investigação e com base numa pesquisa de cunho teórico-descritivo-bibliográfico sobre o tema.

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2. Pertinência do ensino do Direito em Cabo VerdeSegundo o Dr. Mário Silva76 A necessidade de se insti-

tuir um sistema de ensino do Direito77 entre nós fez-se sentir de forma intensa nos últimos trinta anos. Sendo o Direito um dos cursos clássicos mais procurados, a Justiça um va-lor que faz parte da nossa cultura, do nosso modo de ser e da nossa convivência comum e havendo um número muito reduzido de juristas no período pós-independência, a ne-cessidade de formação na área jurídica impôs-se desde logo. Nos finais dos anos setenta e início dos anos oitenta realiza-ram-se cursos virados para a formação de quadros judiciais e administrativos em que o Direito esteve sempre presente, incluindo cursos específicos de formação judiciária, dada a escassez de juízes e procuradores, mas como esses cursos não tiveram continuidade não se fez Escola; posteriormente, surgiu o curso de Direito realizado em cooperação com a Universidade de Havana, mas foi sol de pouca dura. Actual-mente, os institutos superiores do país ensinam disciplinas jurídicas e a Universidade Jean Piaget lecciona mais de uma dezena de cadeiras de Direito nos seus vários cursos.2 No entanto, o país resistiu sempre em organizar cursos que con-ferem o grau de Licenciatura, com argumentos de vária or-dem, ressaltando-se o reduzido número de Licenciados com longa experiência, Mestres e Doutores. Nos últimos tempos a Fundação Direito e Justiça tem vindo a organizar cursos de aperfeiçoamento e de pós-graduação e anuncia-se para este ano o arranque da Licenciatura em Direito.

Para contextualizar e delimitar o problema, convém admitir que a inovação está se tornando um tema cada vez 76 Formado em Direito, Mário Silva é docente da Universidade Jean Piaget de Cabo Verde, tendo a cargo cadeiras jurídicas importantes dos 4º e 5º anos de diversos cursos.77 In “O Ensino do Direito em Cabo Verde - Nota breve, 2003

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mais central em nossa sociedade e está diretamente asso-ciada à possibilidade de um desenvolvimento económico, social e ambiental sustentável. Neste cenário, as instituições educacionais têm assumido um papel cada vez mais rele-vante no desenvolvimento económico baseado em inovação. Consequentemente, a educação inclui entre suas principais missões a de colaborar na promoção de um desenvolvimen-to sustentável com preservação ambiental.

Segundo Oliveira (2014:9,10) sobre os desafios da edu-cação neste mundo globalizado:

“Esse potencial conflito entre desenvolvimento e preservação pode ser devidamente equacionado via estímulo à inovação, correto uso de novas tecno-logias e disseminação, pela educação, em todos os níveis, de métodos de gestão apropriados, baseados na colaboração entre escolas, pesquisadores, tecnó-logos, empresas e sociedade em geral. Uma educação contemporânea, baseada na metodologia da apren-dizagem independente, abrangendo soluções inova-doras para um desenvolvimento sustentável, tem a chance de contribuir para corrigir os caminhos ado-tados até aqui, de modo que um balanço econômico seja atingido de forma equilibrada, com preservação ambiental e desenvolvimento social.”

Em Cabo Verde, a Lei de Base do Sistema Educativo - LBSE diz que compete ao Estado, através do departamento governamental responsável pelo ensino superior, assegurar a coordenação e supervisão da política educativa além do funcionamento das instituições deste subsistema de ensino. A última revisão da lei eliminou o grau de bacharelado. DL 2010. Ultimamente, com o novo Governo de situação, com o

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Decreto-Lei nº 13/2018 procedeu-se a primeira alteração ao Decreto-Legislativo nº. 2/2010, de 7 de maio, que define as bases do sistema educativo.

Nos termos do artigo 21º nº.1 alinea c) do regime ju-rídico das instituições de Ensino Superior (RJIES) aprovado pelo Decreto –Lei nº 20/2012 de 19 de julho, a avaliação das instituições é uma tarefa que incumbe ao Estado.

O Sistema LMD - (Licenciatura-Mestrado-Doutora-do) atualmente sendo implementado em estruturas de ensi-no superior. A nível do ensino superior, a UNESCO Dakar apoiou a harmonização das ofertas de formação Licenciatu-ra-Master-Doutorado (LMD) em universidades na sub-re-gião para melhorar a comparabilidade da formação e mobi-lidade dos estudantes et professores.

Segundo os estudos existentes sobre a qualidade do ensino superior no país, segundo o Anuário Estatístico, a matricula em 2015/2016 no ensino superior público e priva-do somam 12622 alunos, 84 alunos a mais que no ano letivo precedente, evidenciando um crescimento a um ritmo mui-to lento (0,7%).

Analisando os dados, pode-se identificar dois mo-mentos distintos no que toca ao acesso e participação ao en-sino superior:

Primeiro, regista-se um claro aumento das inscrições (13,5%) nas instituições do Ensino Superior Cabo-verdiano que passaram de 11800 efetivos em 2011/12 para 13397 em 2013/14.

Segundo, o número de estudantes diminuiu em 5,8%, passando de 13397 em 2013/14 para 12622 em 2015/16.

A diminuição do ritmo de crescimento dos estudan-tes no Ensino Superior poderá ter sido condicionada, por um lado pela estabilização de crescimento no Ensino Secun-

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dário e por outro lado pelas dificuldades financeiras que as famílias enfrentam em manter os seus educandos nas insti-tuições do Ensino Superior.

Em termos de género, a diminuição dos estudantes no segundo período em referência tem maior incidência nos ra-pazes (-6,9%) do que nas raparigas (-5,0%).

Importa ainda realçar que a diminuição de estudantes no período 2013/14 a 2015/16 ocorreu sobretudo nas insti-tuições privadas.

Em suma, segundo Pires Brites (2015: 2), o ensino su-perior em Cabo Verde, atualmente, é constituído por 10 ins-tituições de ensino superior, sendo 8 privadas e 2 públicas. Estas instituições estão sediadas na duas principais ilhas do país, nomeadamente na capital do país (Santiago) e as outras na ilha de São Vicente. Cabe realçar que, destas 10 instituições, seis são Universidades e quatro são Institutos Universitários.

Em anexos, encontra-se apresentado, os alunos ma-triculados por ano de estudos e género segundo as insti-tuições de formação. Têm-se notado um esforço do gover-no Cabo-Verdiano, no intuito de promover uma educação de qualidade no país e como tal têm criado instrumentos (Plano estratégico para educação e também o Programa do Governo para a VIII Legislatura 2011- 2016) a fim de ga-rantir a sustentabilidade e a qualidade do ensino superior. Um passo importante para um ensino de qualidade, foi a criação da Comissão Nacional de Acesso ao Ensino Superior (CNAES). Este diploma, “foi criado ao abrigo do Decreto--Lei nº 36/2014 inserto no Boletim Oficial nº 44, Iª Série, de 23 de Julho de 2014, órgão com vocação para a gestão do regime de acesso, ingresso, reingresso, mudança e transfe-rência de curso de ensino superior” (MESCI:2014). O obje-

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tivo da CNAES é organizar as provas de acesso ao ensino superior, que começaram a ser aplicadas em Junho de 2015, têm caráter experimental, mas são obrigatórias.

E, segundo Pires Brites (2015: 3), apesar de existirem vários modelos de qualidade, o seu estudo centrou-se no modelo EQUIS (European Quality Improvement System), visto que, este modelo é abrangente e avalia a instituição como um todo.

3. Enquadramento conceptual e revisão bibliográficaDe acordo com Sá Nogueira (CEDU2015: 198), a ques-

tão da qualidade “não se limita ao conceito polissémico e nem aos fatores intra e extra curriculares”.

Em 1972, a UNESCO implementou a noção da educa-ção permanente, enquanto garante do ensino de qualidade. Anos mais tarde esse organismo enveredou-se para aprendi-zagem ao longo da vida assente em pilares, nomeadamente, aprender a aprender, aprender a fazer, aprender a ser e apren-der a conviver. Em 2002 uma nova tentativa da UNESCO foi na ótica de Educação para o Desenvolvimento Sustentável cuja ideia é implementar os princípios, as práticas e os valo-res do desenvolvimento sustentável em todos os aspetos da educação e ensino. A sustentabilidade significa o bem-estar pessoal em perfeita harmonia com o ambiente e equilíbrio com a pessoa do outro. Nesse contexto, a educação joga um papel importante no sentido que a sustentabilidade social e ambiental depende de aquisição de consciência e a escola tem como missão educar consciências, (UNESCO, 2005:57, citado Gadotti, 2009).

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3.1 Conceitos de Qualidade Segundo Sá Nogueira (CEDU2015: 197), para definir o

conceito de qualidade:

“O conceito de qualidade da educação é dinâmico e com múltiplos significados; depende do espaço e tempo. Existem várias condicionantes da qualidade da educação, nomeadamente a qualificação docente, na melhoria das condições mínimas de lecionação e o resgate da dignidade profissional.”

Cabe realçar que, “Deming baseava a qualidade no controlo e melhoria dos processos, utilizando métodos esta-tísticos. Juran defendia a qualidade como adequação ao uso (“o que o cliente quer”). Crosby fazia menção da qualidade como produto isento de defeitos (“zero defeito”). Ishikawa focava a qualidade na capacidade de atender as expetativas e necessidades dos clientes. Taguchi considerava qualidade como a mínima perda de produtos” (Avelino, 2005:7).

3.2 Qualidade No Ensino Superior Segundo um estudo do Banco Mundial sobre o ensino

superior em Cabo Verde:

“Até ao final do século 20, a qualidade dos insumos (por exemplo, pessoal, bibliotecas, equipamentos de laboratório e instalações físicas) no ensino superior era geralmente assumido como determinantes da qualidade dos seus resultados, ou seja, graduados e pesquisa. Nos últimos anos, no entanto, um novo pa-radigma tem argumentado que os insumos de qua-

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lidade não garantem necessariamente resultados de qualidade. A única maneira segura de avaliar a qua-lidade do ensino é avaliar o resultado da educação medido pelo desempenho de aprendizagem dos alu-nos. Para esse efeito, segundo um estudo do Banco Mundial (2012:54) quatro avaliações internacionais de aprendizagem foram desenvolvidos e lançados, a fim de comparar os resultados académicos dos estu-dantes em todas as nações. Elas são (i) as Tendências Internacionais no Estudo de Matemática e Ciências (TIMSS), que avalia os alunos do 4º e 8º anos de 48 países desde 1995, (ii) o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA), uma avaliação dos alu-nos de 15 anos de idade de 74 países, que começou em 1997, (iii) o Progresso no Estudo Internacional sobre Leitura (PIRLS), que avalia os alunos do 4º ano de 35 países, e (iv) o Programa da Avaliação Interna-cional das Competências dos Adultos (PIAAC) que, a partir de 2011, vai usar pesquisas nos países sobre a população adulta para medir as habilidades e com-petências que os indivíduos precisam possuir para uma maior participação na sociedade e para que as economias prosperem.”

Mas até 2013, nenhuma ferramenta estava disponível para avaliar o sucesso da aprendizagem no ensino superior. Felizmente, esta situação mudou como resultado da Ava-liação da OCDE sobre os Resultados das Aprendizagens no Ensino Superior (AHELO), que estava a ser desenvolvido para avaliar o que os estudantes do ensino superior sabem e podem fazer após a formação. A AHELO incidirá sobre as competências genéricas comuns a todos os estudantes, tais como pensamento crítico, raciocínio analítico, resolução de

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problemas, comunicação escrita, assim como sobre habili-dades específicas.

No final, alguns Autores propuseram o modelo de avaliação EQUIS (European Quality Improvement System), como sendo um sistema eficiente e com eficácia.

Mo entanto, convém realçar que a Bastonária da Or-dem dos Advogados de Cabo Verde ressaltou a deficiência de formação técnica e ética em “muitos dos actuais licen-ciandos em Direito”, apelando a uma fiscalização do Go-verno para garantir que as escolas formem profissionais capacitados.

Sofia de Oliveira fez estas declarações78 enquanto dis-cursava na cerimónia de abertura do ano Judicial 2018/19, ocorrida hoje no Palácio da Justiça, cidade da Praia. Disse ainda que esse seria o seu último discurso enquanto basto-nária, sem entretanto avançar o motivo.

A Sra Bastonária da Ordem dos Advogados de Cabo Verde disse que :

“Em Cabo Verde temos cinco ou seis escolas que dão licenciatura em Direito, mas nem todas têm formado pessoas com a capacidade técnica e ética adequadas para o exercício das profissões que legitimamente al-mejam exercer”.

Sofia Oliveira afirmou ainda que tem constatado ha-ver “notável deficiência de formação técnica e ética” e que “muitos dos actuais licenciandos em direito, desde logo, têm como a primeira deficiência a fraca capacidade de expressão oral e escrita”.

78 In, Inforpress, 2 de Novembro de 2018

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3.2.1 Certificação, avaliação e acreditação das Universidades

Segundo Varela, Ph.D. da Universidade de Cabo Ver-de79, “no contexto actual do ensino superior cabo-verdiano, torna-se imperiosa a institucionalização de um sistema cre-dível de avaliação da qualidade de desempenho das insti-tuições do ensino superior, conjugando as componentes de avaliação externa e interna e tendo por premissas essenciais: o imperativo de o ensino superior pátrio evoluir na senda das melhores referências internacionais de qualidade acadé-mica; a necessidade da devida consideração, nos processos avaliativos, do contexto e das especificidades nacionais em que as mesmas actuam para o cumprimento das respectivas missões”.

Sabemos que a gestão da qualidade de ensino envolve atividades que determinam a política, o acompanhamento, a garantia e a melhoria da qualidade no âmbito do ensino. A administração da IES deve definir e documentar sua po-lítica da qualidade coerente com as outras políticas da Ins-tituição, e tomar providências para que sua política seja en-tendida, implementada e analisada criticamente por todos os níveis da IES.

Assim existem agora em Cabo Verde Padrões de Qua-lidade e Critérios de Avaliação dos Cursos de Graduação em Direito.

Segundo os estudos existentes, em particular segundo o estudo “Qualidade do Ensino Superior em Cabo Verde: O caso da Universidade do Mindelo”, Pires Brites (2015/12:13), “de um modo geral, a acreditação é feita por instituições pri-vadas, com a mesma finalidade que o CHEA. Entre outras

79 In, “Importância da avaliação das instituições e cursos do ensino superior em Cabo Verde”, 2013

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organizações especializadas de acreditação podemos desta-car a AACSB e a EFMD para o ensino da gestão. O CHEA (2012:04 e 05) identifica 5 fases no processo de acreditação: § Fase de auto-avaliação: as instituições e programas prepa-ram um sumário escrito sobre o seu desempenho baseando--se nos Standards das organizações. § Fase da avaliação por pares: o processo de acreditação é conduzido essencialmente por docentes, administrativos e membros públicos. § Fase de visita às instalações: a entidade certificadora normalmente envia um grupo para avaliar a instituição ou o programa. Os membros do grupo são voluntários. § Fase de ação (julga-mento) por parte da organização de acreditação: a entidade certificadora tem uma comissão que toma as decisões sobre o estado de acreditação da instituição ou do programa. § Fase da avaliação externa contínua (ongoing): as instituições e os programas são avaliadas por ciclos entre 3 (três) e os 10 (dez) anos (espaços temporários curtos). Geralmente as avaliações incluem uma visita às instalações. É de referir que há vários organismos de acreditação que procederam a criação de seus próprios modelos para avaliar e certificar a qualidade nas instituições de ensino. Entre elas destaca-se a, AACSB e o EQUIS.”

Segundo Pires Brites (2015), apesar de existirem vários modelos de qualidade, o seu estudo centrou-se no modelo EQUIS (European Quality Improvement System), visto que, este modelo é abrangente e avalia a instituição como um todo.

A acreditação EQUIS é o sistema de acreditação ins-titucional mais abrangente para escolas de negócios e de gestão. É reconhecido mundialmente por potenciais estu-dantes, professores, empregadores, clientes corporativos e a

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mídia, sendo muitas vezes um pré-requisito para a entrada no ranking.

A acreditação EQUIS garante um rigoroso controlo de qualidade, comparando sua escola com os padrões in-ternacionais em termos de governança, programas, alunos, corpo docente, pesquisa, internacionalização, ética, res-ponsabilidade e sustentabilidade, bem como o engajamento corporativo.

O EQUIS cobre todas as atividades da sua escola, in-cluindo programas de graduação e não-graduação, geração de conhecimento e contribuição para a comunidade.

O EQUIS ajuda você a buscar a excelência em um pro-cesso de melhoria contínua após cada visita de credencia-mento ou recredenciamento.

O EQUIS considera a grande diversidade de culturas nacionais e sistemas educacionais em todo o mundo. Reco-nhece que é essencial compreender as particularidades do contexto local em todos os processos de avaliação.

3.3 Implementação de Modelos de Qualidade no En-sino Superior

De acordo com Sá et al., (2011:02), (...) “é urgente que as instituições de ensino superior encontrem formas efica-zes e eficientes para responder aos requisitos da acreditação e implementação de sistemas internos de garantia da quali-dade”. Qualquer instituição de ensino superior pode utili-zar um dos vários modelos de qualidade que existem, onde aprendam a utilizar um modelo de análise organizacional, com foco na melhoria continua.

Segundo Saraiva (2003:363), “no entanto, seja qual for o modelo utilizado, ele deverá estar adequadamente ligado

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à missão da instituição, à cultura, às suas forças e fraquezas, às oportunidades e às ameaças manifestadas no meio envol-vente, de modo a não serem cometidos erros na sua imple-mentação. Para além desses erros, também poderão surgir diversos obstáculos mas os benefícios potenciais obtidos justificam largamente os esforços e o tempo empenhado”.

Nos últimos tempos, têm surgido inúmeras aborda-gens no que diz respeito à implementação do EQUIS no en-sino superior, onde se destacam as pesquisas de T.S. Proitz et al., (2004), com uma pesquisa intitulada “Accreditation, standards and diversity: an analysis of EQUIS accreditation reports, Assessment & Evaluation in Higher Education”; Abdul (2010), com uma investigação no contexto africano, mais precisamente numa universidade em Moçambique, in-titulada “Análise da Qualidade da Universidade Politécni-ca”, onde esta autora conclui que, “a implementação de um sistema de avaliação da qualidade nas instituições de ensino superior conduzem posteriormente a um processo de me-lhoria da qualidade e consequentemente a um aumento de satisfação dos seus stakeholders” (Abdul, 2010:65); Dióge-nes et al., (2013), com o estudo intitulado, “a influência da EQUIS na qualidade do ensino: uma análise nas escolas eu-ropeias de gestão”. De acordo com estes autores, “a Certifi-cação EQUIS orientada pelos seus 10 critérios impactam po-sitivamente a qualidade do ensino desenvolvido nas escolas europeias de Gestão certificadas” (Diógenes et al., 2013:11).

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4. Avaliação da qualidade4.1 Caracterização do Ensino Superior Cabo-Verdiano De acordo com o decreto-legislativo nº2/2010, o ensi-

no superior Cabo-Verdiano compreende o ensino universi-tário e o ensino politécnico. Este mesmo decreto-legislativo enfatiza que, “o ensino universitário visa, através da promo-ção da investigação e da criação do saber, assegurar uma só-lida preparação científica, técnica e cultural dos indivíduos, habilitando-os para o desenvolvimento das capacidades de concepção, análise crítica e inovação para o exercício de atividades profissionais, socioeconómicas e culturais” en-quanto, “o ensino politécnico visa, através da promoção da investigação aplicada e de desenvolvimento, proporcionar aos indivíduos conhecimentos científicos de índole teórica e prática e uma sólida formação cultural e técnica de nível su-perior, desenvolvendo as suas capacidades de inovação e de análise crítica, de compreensão e solução de problemas con-cretos, com vista ao exercício de atividades profissionais”. Segundo o decreto-lei nº22/2012, “no ensino universitário são conferidos os Diplomas de Estudos Superiores Profis-sionalizantes (DESP) e os graus académicos de licenciatura, mestrado e doutoramento., enquanto no ensino politécnico são conferidos o DESP e o grau académico de licenciatura” (Decreto-Lei, 2012:956).

Assim como referido acima, com o novo Governo de situação, com o Decreto-Lei nº 13/2018 procedeu-se a pri-meira alteração ao Decreto-Legislativo nº. 2/2010, de 7 de maio, que define as bases do sistema educativo.

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4.2 Caracterização das Universidades de Cabo Verde Segundo o Anuário 2015/2016, o Ensino Superior fun-

cionou durante o ano letivo 2015/16 com 10 universidades e institutos superiores sendo 8 privados e 2 públicos. O núme-ro de salas de aulas era de 225, distribuído pelas instituições públicas (99) e privadas (126).

Em média, a nível global, o número de alunos por sa-las é de 56. Entretanto, como as salas são utilizadas em três períodos, a média real por cada período é de aproximada-mente de 19 alunos. A média de alunos por sala no ensino superior público (58) é um pouco acima do ensino superior privado (54). O rácio alunos/professor nas instituições pú-blicas e privadas é igual ou seja 9.

Importa realçar que o rácio de 9 alunos por professor não significa que cada professor tenha efetivamente 9 alunos sob a sua responsabilidade uma vez que um aluno pode ter 6 ou mais professores. Alem disso, existem professores com vínculos diferentes.

Os dados referentes ao ano letivo 2015/16 apontam para um aumento das ofertas formativas nos níveis de licen-ciatura e mestrado, diminuição nos CESPs e complemento de licenciatura e estabilização no nível de doutoramento.

No ano letivo 2015/16 a maioria das ofertas era do ní-vel de licenciatura (78), seguido dos mestrados (30), CESPs (18), complementos de licenciatura (8), bacharelato (5) e doutoramento com apenas 1 curso. Recorde-se que a nova Lei de Bases do Sistema Educativo aprovada em 2010 optou por descontinuar o bacharelato sendo que os cursos atual-mente existentes são residuais.

Em termos de área de formação verifica-se o seguinte: Do universo dos cursos ministrados ao nível da licen-

ciatura, 43,6% são da área das Ciências exatas, engenharias

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e tecnologias e das Ciências da vida, ambiente e saúde. As áreas das Ciências Económicas, Jurídicas e Políticas e as das Ciências Sociais, Humanas Letras e Línguas respondem por 56,4% do universo das ofertas.

A nível de mestrado, mais de dois terços das ofertas (70,0%) recai sobre as Ciências Económicas, Jurídicas e Po-líticas e as Ciências Sociais, Humanas, Letras e Línguas, re-gistando um ligeiro aumento do seu peso no universo dos cursos face a 2014/15. As áreas das Ciências Exatas, Enge-nharias e Tecnologias as das Ciências da vida, ambiente e saúde representam não mais do que 30% do total dos cursos.

No que concerne ao CESP, verifica-se a diminuição do peso das áreas das Ciências exatas, engenharias e tecnologias (2,24%) e Ciências económicas, jurídicas e políticas (2,8%).

4.3 Análise das Universidades de Cabo Verde O Anuário Estatístico do ensino superior em Cabo

Verde congrega informações sobre alunos, professores e funcionários dos estabelecimentos do ensino superior na-cionais, público e privado, bem como dados acerca de bolsas de estudos e das finanças do sector. Deve-se dizer que as informações daqui constantes são resultado de inquéritos dirigidos a todos os Institutos/Universidades em Cabo Ver-de assim como das coletas elaboradas na Direção Geral do Ensino Superior (DGES).

A recolha, o tratamento e a validação dos dados são feitos tanto ao nível central como ao das Universidades/Ins-titutos, que forneceram todas as informações solicitadas. Os dados reunidos no Anuário Estatístico do Ensino Superior podem ser consultados na versão eletrónica disponível nos

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sites do Ministério da Educação (www.minedu.gov.cv ) e da Direção Geral do Ensino Superior (www.dges.gov.cv ).

A unidade estatística adotada foi Universidade / Insti-tuto Superior e o processamento utilizou todos os níveis de agregação, ou seja, desde a referida unidade até ao nível mais alto de agregação, que é o País.

Assim sendo, segundo o Anuário Estatístico do ensino superior 2015/2016, a análise dos diplomados no fim do cur-so permite-nos avaliar de certa forma o nível da eficiência do sistema de ensino.

Em relação as áreas científicas, a área das Ciências So-ciais, Humanas, Letras e Línguas foi aquela que teve maior proporção de diplomados (39,4%), seguida das Ciências Eco-nómicas, Jurídicas e Políticas (30,9%), das Ciências da Vida, Ambiente e Saúde (15,2%) e das Ciências exatas, Engenha-rias e Tecnologias (14,5%).

Em termos gerais pode-se concluir que a nível do aces-so e participação no ensino superior registou-se um cresci-mento de estudantes entre 2011/12 e 2013/14 e uma diminui-ção em 2015/16.

Nota-se também no período 2012/13 e 2015/16 uma certa estabilização da taxa bruta de escolarização, situan-do-se entre 23% e 24%. Este indicador mostra o peso dos matriculados sobre a população na faixa etária 18 – 24 anos.

No ano letivo 2015/16 a área das ciências económicas, jurídicas e políticas e a das ciências sociais, humanas, letras e línguas representaram 64,56% do universo dos estudantes, enquanto as ciências exatas, engenharias e tecnologias e as ciências da vida, ambiente e saúde representaram 35,44%.

No que diz respeito ao nível de formação do corpo do-cente, nota-se que mais de metade (62,2%) dos professores

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que lecionaram nas instituições do ensino superior no ano letivo 2015/16 são mestres ou doutores.

Em 2015, 1383 estudantes diplomaram-se nas insti-tuições do ensino superior CaboVerdianas sendo 1268 no nível de licenciatura, 18 no mestrado, 18 em complemento de licenciatura e 76 nos CESPs. O número de diplomados diminuiu em 22,5% face a 2014.

5. Discussão do casoForça é de realçar que as Faculdades de Direito exis-

tem para formar juristas e a sua formação não se faz sem tempo; por isso, não cumprirão a sua função se abdicarem da excelência dos seus docentes e da qualidade do seu ensi-no. O jurista não pode ser um simples tecnico-servidor de qualquer poder legislativo: e muito mais porque lhe cabe a nobre função de servir a justiça sem a qual a sociedade será impossível80.

Uma das principais prioridades do Orçamento do Es-tado – OE 2019, alinhadas com o Plano Estratégico de De-senvolvimento Sustentável (PEDS), é investir na juventude para que estejam melhor preparados para o futuro, através de uma educação de excelência e da promoção de valores.

5.1 2 Discussão do Casoa) Qualidade de ensino e aprendizagemSegundo o estudo do Banco Mundial, “a consciência

da necessidade de promover a qualidade do ensino e apren-

80 in "Reflectir Bolonha: Reformar o Ensino Superior”, A Declaração de Bolonha e a Reforma do Ensino do Direito, III Seminário realizado no auditório da Univer-sidade do Porto, em 27 de Maio de 2003 A. Santos Justo.

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dizagem através da formação do pessoal docente, concen-trando-se no desenvolvimento de competências académicas dos professores, está a crescer em Cabo Verde. Em parte, essa consciência tem sido fomentada pela percepção de que o grande número de pessoal docente com licenciatura não tem uma verdadeira preparação para o ensino. Em resposta, a Uni-CV começou a oferecer cursos de curta duração em planeamento de aulas e pedagogia para os seus professores com qualificações mais baixas. Além disso, diversas parce-rias internacionais com instituições estrangeiras do ensino superior também incluem atividades de desenvolvimento de tais quadros. Ainda assim, muito mais poderia ser feito nes-ta área crítica.”

A solução proposta na altura foi : “Uma possibilidade seria o MESCI organizar um calendário de cursos de for-mação regular para a globalidade do sistema, que seriam abertos a todos os docentes, tanto das instituições públicas como privadas.

De facto, É do interesse nacional a produção de diplo-mados de boa qualidade, não importando onde eles sejam formados, e a divisão público/privado no ensino superior não deve ser um impedimento para isso - especialmente porque muitos docentes ensinam simultaneamente em ins-tituições públicas e privadas.

A segunda circunstância que interfere com a qualida-de do ensino e aprendizagem é o facto de que todas as ins-tituições do ensino superior têm uma grande percentagem de estudantes que trabalham, que se estima ser da ordem de 70 a 80 por cento do total. Isso restringe a sua capacida-de de absorver os conhecimentos transmitidos, e fazer os trabalhos solicitados pelos docentes. Como resultado, estes estudantes supostamente não dominam as matérias e, por

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causa do seu grande número, os seus pontos fracos tornam--se a norma nas salas de aula. No nível de pós-graduação, praticamente todos os alunos do mestrado têm um emprego em tempo integral. Isto levanta interrogações sobre a sua ca-pacidade para adquirir os conhecimentos em profundidade e compreensão que é a marca da pós-graduação. Na medida em que os líderes académicos acreditam que o emprego em tempo integral dos estudantes pode vir a corroer a quali-dade dos resultados de aprendizagem, eles podem querer considerar a utilização de uma forma de teste baseada na competência em que determinados padrões de domínio das matérias do curso devem ser atingidos antes que o aluno possa receber o crédito para o curso - e, finalmente, obtenha uma pós-graduação.

b) Admissão competitivaO uso de um exame de admissão para admitir es-

tudantes numa universidade em regime de concorrência também oferece alguma protecção para a qualidade, pois garante que os alunos com baixo desempenho não entrem na universidade para desviar o tempo de ensino e recursos institucionais desproporcionalmente para satisfazer as suas maiores necessidades de assistência académica. Além disso, ter uma sala de aula com alunos preparados adequadamente permite que o instrutor possa conduzir a aula a um ritmo mais rápido, cobrindo assim mais material do que seria pos-sível com os alunos inadequadamente preparados. Em Cabo Verde, a Uni-CV instituiu um exame de admissão competi-tiva desde a sua abertura em 2006. Até 2012, a taxa de suces-so dos candidatos variou entre 34 por cento e 49 por cento, demonstrando que há muito mais do que um nível simbóli-co da concorrência.

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c) Avaliação dos alunos e resultados de aprendizagem.Um benefício do exame de admissão da Uni-CV é que

ele oferece um meio de avaliar os pontos fortes e fracos dos estudantes provenientes do ensino secundário. Por exemplo, os resultados recentes demonstram boas notas em biologia e geografia, mas notas fracas em português, inglês, matemá-tica e física. Uma vez no ensino superior, as avaliações dos alunos tendem a avaliar as capacidades de memorizar infor-mações com base em respostas curtas a perguntas específi-cas. Embora alguns professores manifestem a necessidade de adoptar exames que coloquem maior ênfase no pensa-mento analítico e na capacidade de resolver problemas, isso ainda não é prática corrente.

Depois que os programas AHELO e / ou EQUIS aci-ma mencionado se tornarem operacionais, foi proposto na altura que o MESC poderia considerar um pedido de adesão de Cabo Verde à OCDE, ou pelo menos de aconselhamento sobre a melhor forma de avaliar a aprendizagem dos alunos.

d) A questão de desempregoA compreensão do problema do desemprego em Cabo

Verde em geral, e do desemprego dos licenciados em parti-cular, exigirá um melhor conhecimento de ambas a reali-dade e das condições do mercado de trabalho em termos de absorção e de integração de jovens diplomados, bem como medidas políticas que favoreçam a inclusão dos diplomados, especialmente os do sexo feminino.

Um estudo do Banco Mundial sugeri logo em 2012/13 que o desemprego era devido em menor grau a distorções da oferta, e talvez mais aos ajustes do lado da procura de uma economia em transição, que inevitavelmente gera um grau de “agitação” no mercado de trabalho. Mas se o pro-

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blema, em última análise, reside na incompatibilidade de competências entre as previstas pelo sistema de ensino e as exigidas pelo mercado de trabalho, ou na quantidade de trabalhadores qualificados disponíveis para os sectores de crescimento mais dinâmico, é claro que mais atenção deve ser dada a todos os aspectos do desenvolvimento de compe-tências no sistema educativo - e não apenas ao seu segmento técnico-profissional.

e) A empregabilidadeExemplo de caso: A Universidade Jean Piaget81

A Universidade Jean Piaget elaborou em 2011 um es-tudo sobre o “Nível de Empregabilidade dos Diplomados da UniPiaget de Cabo Verde Provenientes do Interior de San-tiago”. Foi aplicado um inquérito por questionário a uma amostra aleatória simples a 64 diplomados da UniPiaget do interior de Santiago, representando uma taxa de amostra-gem de 58%. Os dados foram tratados e analisados através do programa Statístical Package for the Social Science (SPSS), versão 15.0. A empregabilidade é um tema muito relevante, no entanto, bastante complexo. A procura pela empregabili-dade exige profissionais capacitados e de preferência com o domínio de muitas áreas. Os resultados obtidos revelam que 93,8% dos diplomados do interior de Santiago afirmarem ter um emprego. O Ministério da Educação é o maior emprega-dor dos referidos diplomados.

Os Licenciados são geralmente nas áreas de Economia, Gestão, Psicologia, Sociologia, Engenharia e Direito.

O Curso de Direito da Universidade Jean Piaget de Cabo Verde tem em vista formar profissionais competentes

81 Site web : http://led.cv.unipiaget.org/unipiaget/frontend/web/index.php?r=-site/formacao_detalhes&id=24

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em Direito, bem como possibilitar a formação complemen-tar aprofundada e a investigação de carácter inter e trans-disciplinar no domínio das ciências jurídicas.

A Universidade Jean Piaget de Cabo Verde já vem lec-cionando várias disciplinas jurídicas integradas em diversos cursos.

O curso procura formar profissionais capazes de res-ponder adequadamente aos novos desafios no domínio das ciências jurídicas, impostos quer pela globalização, que marca o Mundo, quer pelas exigências e perspectivas de de-senvolvimento de Cabo Verde, no quadro de um Estado de Direito democrático que procura consolidar-se e em que um ambiente legal e institucional, e uma cultura jurídica favorá-veis constituem factor relevante de sucesso.

f) Saídas ProfissionaisA licenciatura em Direito procura formar cidadãos e

profissionais competentes, dotados de conhecimentos técni-cos no domínio do Direito, e familiarizados com conceitos teóricos e com prática nas áreas jurídicas. Terão competên-cia para pesquisa, análise e investigação em Ciências Jurí-dicas. Estarão preparados para diversas áreas profissionais.

6. ConclusãoForça é de reconhecer que existem poucos estudos so-

bre a temática da qualidade do ensino do direito e das insti-tuições de ensino superior, que no entanto têm vindo a ga-nhar força e relevância nos diversos debates protagonizados pelos agentes educativos, pelas entidades governamentais e pela sociedade, em geral.

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A metodologia usada base numa pesquisa de cunho teórico-descritivo-bibliográfico sobre o tema.

Apesar de existirem vários modelos de qualidade, um dos estudos existentes centrou-se mais no modelo EQUIS (European Quality Improvement System), visto que, “este modelo é abrangente e avalia a instituição como um todo”.

As Faculdades de Direito existem para formar juris-tas e a sua formação não se faz sem tempo; por isso, não cumprirão a sua função se abdicarem da excelência dos seus docentes e da qualidade do seu ensino. O jurista não pode ser um simples tecnico-servidor de qualquer poder legislati-vo: e muito mais porque lhe cabe a nobre função de servir a justiça sem a qual a sociedade será impossível.

Uma das principais prioridades do Orçamento do Es-tado – OE 2019, alinhadas com o Plano Estratégico de De-senvolvimento Sustentável (PEDS), é investir na juventude para que estejam melhor preparados para o futuro, através de uma educação de excelência e da promoção de valores.

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Decreto-Lei nº 13/2018 procedeu-se a primeira alte-ração ao Decreto-Legislativo nº. 2/2010, de 7 de maio, que define as bases do sistema educativo

Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei nº 103/III/90, publicada no Boletim Oficial n.º 52 de 29/12/90).

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RCV/RTC

http://www.rtc.cv/rcv/index.php?paginas=9&id_cod=8613

Abertura do ano Judicial: Ordem dos Advogados questiona qualidade do ensino de direito em Cabo Verde

/ Cidade da Praia, 12 Nov 2018, (Inforpress) in “Re-flectir Bolonha: Reformar o Ensino Superior”, A Declaração de Bolonha e a Reforma do Ensino do Direito, III Seminário realizado no auditório da Universidade do Porto, em 27 de Maio de 2003 A. Santos Justo

3– Estudo de caso Universidade Jean Piaget

Site web : http://led.cv.unipiaget.org/unipiaget/fron-tend/web/index.php?r=site/formacao_detalhes&id=24

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O CONTRIBUTO DA FACULDADE DE DIREITO DE BISSAU NA FORMAÇÃO

JURÍDICA E NA CONSTRUÇÃO DO ESTADO DE DIREITO

Alcides Gomes82

RESUMO O curso de direito é reconhecido desde 1979 como fun-

damental para a estruturação do estado guineense e, para o efeito, criou-se em 1990, a Faculdade de Direito de Bissau cuja missão se traduzia no apoio à formação, na interpreta-ção e aplicação de leis e à alteração legislativa. A Faculdade de Direito de Bissau conseguiu nestes 28 anos da sua criação criar um curso que serve os interesses do país, no que tem a ver com a qualidade da formação e de investigação que leva a cabo. A qualidade firmada na realização das atividades permitiu com que se criasse uma classe jurídica de compe-tência reconhecida, mas, e sobretudo, com consciência do interesse público e da defesa dos valores da democracia, da liberdade e do estado de direito. Este é o caminho percorri-do, com algumas trilhas, mas que está a permitir alcançar os objetivos.

Palavras-chave: Estado de direito; Formação; Facul-dade; Cooperação; Instituição

82 Licenciado pela Faculdade de Direito de Bissau, Mestre pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa; Docente e Diretor da Faculdade de Direito de Bissau; Advogado e Consultor da Sociedade Quid Juris.

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ABSTRACT The course of law has been recognizedsince 1979 as

fundamental forthe structuring of the Guinean State. To this end, the Bissau Law School was created in 1990, whose mission was to supporttraining, interpretation and appli-cation of laws and regulations, legislative amendment. The Law School of Bissau has could create a course that serves the interests of the country in the 28 years since its incep-tion. It must do with the quality of the training and research that it carries out. The quality established in the realization of the activities allowed the creation of a class with recog-nized legal competence, but above all, with awareness of the public interest and the defence of the values of democracy, freedom and the rule of law.This is the path travelled, with some trails, but that is achieving the goals.

Keywords: Rule of law; formation; Faculty; Coopera-tion; Institution

1. IntroduçãoO presente trabalho tem como finalidade dar a conhe-

cer aquilo que é a realidade do ensino de Direito na Faculda-de de Direito de Bissau (FDB) e como, através dela, tem sido possível obter resultados na formação de quadros nacionais e o apoio na construção de um Estado de Direito.

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2. Criação da Faculdade de Direito de BissauA FDB foi criada em 1990, através do Decreto N.º

34/90, de 26 de novembro83 e veio substituir a Escola de Di-reito, também ela criada por um Decreto - N.º 22/79, de 27 de setembro84.

A Escola de Direito e a Faculdade de Direito de Bissau, tiveram ambas, como base ou fundamento das respetivas criações o apoio à edificação do Estado guineense, embora as respetivas causas se fundarem em motivações ou reali-dades diversas. Aliás, no momento da criação da Escola de Direito, vivia-se num Estado que assentava nos princípios de uma legalidade revolucionária, um pouco à moda do que saiu da Revolução de Outubro de 1917 na Rússia, apesar de não exatamente igual, e, por isso, a Escola serviria como ins-trumento para se apoiar a estrutura do Estado85.

Nos finais da década oitenta, abria-se a porta para o multipartidarismo na Guiné-Bissau e, nesta senda, à demo-cracia, ao Estado de direito, a um país assente em respeito

83 Publicado no Suplemento ao Boletim Oficial N.º 48, de 26 de novembro. De-ve-se, em abono da verdade, esclarecer que ao abrigo de Acordo de Cooperação Jurídica assinado em 1988 entre Portugal e Guiné-Bissau, a FDB foi criada em 1989, tendo começado as suas atividades letivas em janeiro de 1990, sendo, por-tanto, o diploma uma confirmação de jure de uma situação factual já existente.84 Publicado no Boletim Oficial N.º 38 da mesma data. A Escola de Direito ministrava o curso intermédio em direito e não a licencia-tura e foi criada com base num sistema de apoio docente diversificado de vários países (Faculdades de Direito de Lisboa e de Coimbra em Portugal e instituições universitárias do Brasil, República Democrática Alemã e URSS), sem, no entanto, haver qualquer apoio de cooperação coordenado, facto que levou à suspensão do respetivo curso em 1986, somado obviamente a vários fatores de ordem interna.85 Estabelecem os artigos 1º e 2º dos Estatutos da Escola de Direito, respetiva-mente: Art. 1º - “O Direito na República da Guiné-Bissau é um instrumento de realização dos legítimos interesses das massas populares e assegura a materiali-zação dos objectivos da Constituição”. Art. 2º - “O Técnico de Direito desempe-nhará uma função pública e social de primordial importância, devendo conhecer e dar expressão às aspirações e interesses vitais do seu povo e colaborar activa e eficazmente na construção e defesa das estruturas fundamentais do Estado e dos princípios da legalidade revolucionária”. (itálico nosso)

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pela legalidade e pela justiça, o que só podia acontecer a par-tir de formação de juristas qualificados que permitissem a longo prazo este desiderato, isto sem escudar que se precisa-va de uma entidade com competências técnicas elevadas que prestassem apoio jurídico aos órgãos de soberania86.

Em 1979, com um Estado acabado de criar e que se centrava num sistema de Partido Único e sem muitas liber-dades políticas e/ou económicas (para não dizer nenhuma), uma Escola de Direito local era uma ideia emsi nobre, por-quanto permitiria uma formação de pessoas com acento na realidade jurídica interna, ainda que apenas para técnicos intermédios, aliás, o país, à data da independência em 1973, não dispunha praticamente de quadros no domínio jurídico que permitissem a aplicação da lei87-88.

Já em 1990, estava-se a viver o período da abertura política, em que se transformaria uma política centrada no partido único (seria ditatorial?) num multipartidarismo em que se impunha outros valores e outras liberdades, sentiu-se a necessidade de o projeto de criação de uma Faculdade que teria como finalidade apoiar a construção desta democracia e ajudar a Administração Pública a ter pessoal com compe-tências técnicas que permitam o respeito pelas leis e pelos direitos subjetivos bem como pelos interesses legalmente protegidos dos cidadãos.

86 Para a explicação da motivação da criação da FDB, consultar Subsídios para a História do Centro de Estudos e Apoio às Reformas Legislativas, edição da Facul-dade de Direito de Bissau, 2007, pág. 5 e ss. 87 No preâmbulo do Decreto criador da Escola de Direito é deixada de forma clara e inequívoca a ideia de que “a falta de quadros tem vindo a revelar-se uma constante em todas as iniciativas do nosso Governo nesta fase de Reconstrução Nacional”.88 A Guiné-Bissau declarou unilateralmente a sua independência de Portugal a 24 de setembro de 1973 (publicada no Boletim Oficial N.º 1, de 4 de janeiro de 1975), embora o acordo com Portugal se tenha dado apenas praticamente um ano depois, a 10 de setembro de 1974, em Argel, reconhecendo esta independência.

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Aliás, esta é a motivação porque a FDB tem uma for-mação em Direito com menção em Administração Pública89.

Nesta abordagem síntese, pode-se constatar desde logo que no momento da criação da FDB já se pensava na edificação do Estado de Direito, visando o respeito do Es-tado guineense pelos direitos e liberdades dos cidadãos, na formação de pessoas que possam garantir a boa interpreta-ção e aplicação das leis.

A FDB é, naturalmente, uma sequência lógica (e cro-nológica) da Escola do Direito, embora não tenha havido uma transformação, talvez justificada pelo facto de a Escola de Direito ter tido alguns problemas que levaram a que ces-sasse as suas atividades letivas no ano de 1986, o que corres-ponde a um período de interregno de 4 anos em relação à data da criação da FDB.

Refere-se esta ideia de continuidade na medida em que na altura da criação da Escola de Direito já se ter deixado no preâmbulo do Decreto N.º 22/79, de 27 de setembro90, a ideia de que “Justifica-se, assim, a criação de uma Escola para a formação de técnicos de Direito de grau intermédio e, mais tarde, com a evolução da Escola, técnicos de grau superior”.

Os objetivos da criação da Escola de Direito e da sua sucessora Faculdade de Direito de Bissau prendem-se, sem dúvida, e em primeiro lugar, com a carência de quadros para o exercício das profissões tradicionalmente tidas como jurí-

89 Embora projetada esta vertente desde o início da FDB, apenas no ano de 2005 se conseguiu materializar esta ideia, através da alteração do seu Decreto criador pelo Decreto N.º 4-A/2005, de 18 de julho (Publicado no Boletim Oficial N.º 29, da mesma data).A formação em Menção da Administração Pública inicia-se a partir do 3º ano de curso (o curso na FDB tem atualmente a duração de 6 anos – incluindo um ano propedêutico (Ano 0), incluído por circunstâncias diversas que ocorreram entre os anos de 2003 a 2005 – ano da sua instituição).90 Publicado no Boletim Oficial N.º 38, da mesma data.

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dicas: Magistratura, Advocacia, Notariado, Conservatória e na própria Administração Pública.

A vantagem da FDB tem a ver com o facto de existir uma cooperação centrada numa única instituição universi-tária (Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa), mas continua o erro da Escola de Direito que reside no facto de não se ter pensado nas consequências e nos custos do ensino do Direito, sobretudo na dimensão do próprio crescimento da FDB.

3. Docência, formação e investigação viradas ao con-texto do Estado de Direito

Aquando da sua criação em 1990, a FDB dispunha de um número insignificante de docentes nacionais.

Os que se encontravam no corpo docente ocupavam, na sua grande maioria, a função de assistente e na maioria dos casos, as disciplinas mais importantes ficavam sob res-ponsabilidade dos docentes portugueses.

No início, os docentes (quer portugueses como gui-neenses) tinham apenas grau de licenciatura em Direito e, em alguns casos, de Mestre.

Hoje o cenário é totalmente diferente, sendo que ape-nas leciona um docente português, que ocupa o cargo de Assessor Científico (e consequentemente, do Presidente do Conselho Científico e do Presidente do Centro de Estudos e de Apoio às Reformas Legislativas91) e com grau de Doutor, e uma leitora de português, sendo o resto do corpo docente composto por nacionais, num total de 50, sendo que dentre

91 Cujas funções são de realizar estudos e projetos de investigação, apoiar a elaboração de projetos legislativos quer para as entidades públicas como para as privadas.

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estes quatro (4) são Doutores, trinta e três (33) Mestres e tre-ze (13) Licenciados92.

O sucesso que se reivindica no âmbito da atividade docente é igualmente reclamado no domínio das profissões jurídicas. Quando se faz esta afirmação é porque se sabe que a FDB tem sido o “fornecedor principal” de pessoal com for-mação jurídica às diversas instituições do país, quer sejam elas públicas como privadas, acabando por ter um domínio quase absoluto nos concursos públicos abertos nos últimos anos.

Por esta razão, está a constituir a maioria dos quadros nas Magistraturas, inclusive a Administração Pública (pen-sando nos quadros com formação jurídica). É obrigatório referir ainda que hoje os órgãos auxiliares da investigação criminal como a Polícia Judiciária e os organismos interna-cionais no país estão “recheados” de pessoas com formação superior de base desta nossa Faculdade.

Ao se falar desses números tão expressivos, a única conclusão a que se pode chegar diz respeito ao facto de a Fa-culdade de Direito de Bissau estar a fazer o seu trabalho de formação com uma competência inegável, de ter tido uma ideia clara do que quer, que tipo de profissionais pretende formar e que caminhos pretende seguir para conseguir os seus objetivos.

O curso, considerado longo para a realidade atual da generalidade dos países, continua a ser defendido, tendo em conta as particularidades do ensino básico ministrado no país, e assenta essencialmente numa formação genérica que visa apetrechar o aluno de conhecimentos mínimos em to-

92 Salienta-se muito o sucesso da FDB neste prisma, por atingir o objetivo de apropriação da atividade docente pelos nacionais, o que já vem acontecendo há alguns anos, embora ainda a coordenação científica e pedagógica continue a per-tencer à Faculdade de Direito de Universidade Clássica de Lisboa.

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das as vertentes do Direito, pelo menos as que se consideram como principais, impondo sempre uma carga horária que permita também que as matérias sejam lecionadas com al-gum pormenor, permitindo-lhe conhecer o “funcionamento do conjunto do Direito”, que tenha consciência que se está perante um sistema e que como tal deve ser visto e encarado.

Mais do que isso, o ensino tem sido assentado na pre-missa de o Direito ser uma realidade humana e social, ra-zão pela qual nunca o jurista pode “afastar-se” da sociedade e que só se consegue realizar a justiça se “estivermos” na sociedade93.

Podemos, em resumo, dizer que a Faculdade tem consciência sobre o papel que quer que as pessoas ali forma-das desempenhem na sociedade e tem percebido o quanto a organização do curso possa ser importante neste aspeto94.

Na prossecução das suas tarefas, a Faculdade ao longo da sua existência, descontados os anos do conflito político--militar que assolou a Guiné-Bissau, concretamente entre 1998 e 2000, anos em que permaneceu encerrada, a FDB

93 Vou permitir-me o furto de umas belas palavras retiradas de uma publicação da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, do Brasil, através da sua Escola Superior da Magistratura do Rio Grande do Sul, que, creio, espelha, o que deve estar na meta de qualquer formação jurídica. Eis as palavras “Afinal, o juiz inter-preta a letra fria da lei, dando-lhe vida. E, ao fazê-lo, recorre à sua experiência de vida, à sua percepção da cultura humana, do viver, do sofrer, do morrer… Como ser ele um mero técnico encastelado numa inexpugnável torre de marfim, como se tiversse recebido o toque divino? Como se nascesse tudo sabendo? Quem tudo sabe, quem não precisa aprender a vida toda, o tempo todo, simplesmente deixou de viver. Quem não acompanha as mudanças da cultura, converte-se num fóssil, cujo destino acaba sendo o esquecimento, ou, na melhor das hipóteses, a vitrine de um museu. Não! O juiz precisa a cada minuto de sua existência intuir, interpretar a alma humana. Vive a cada instante o drama de estar ou não construindo a melhor solução, pois pela consciência do juiz passam as consciências de todos nós.”, Axt-Gunter, Uma idéia se forma, germina um conceito, in Um ideal de humanismo na justiça: a Escola Superior da Magistratura do Rio Grande do Sul, 2009, pág. 12 e 13.94 Em relação ao papel do jurista, cfr. Gouveia, Jorge Bacelar, A formação e o papel do jurista numa Globalização sustentável: o contributo do Direito Constitu-cional, Revista de Direito de Língua Portuguesa, número 2, julho/dezembro 2013, pág. 121 e ss.

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tem prestado apoio a várias instituições, através de parecer, formação para quadros técnicos e outros95.

Não se pode deixar de destacar o relevante papel que a FDB tem vindo a prestar no domínio do estudo do direito costumeiro/consuetudinário guineense96.

A relevância faz-se sentir se tomarmos em conta que a realidade cultural guineense é diferente daquela em assen-tou a elaboração de muitas leis que hoje regem as pessoas neste país, nomeadamente, o Código Civil, cuja linha ideo-lógica e cultural provem de Portugal, sobretudo no domínio do Direito da Família e das Sucessões que precisam de uma revisão que contemple também a realidade comum às etnias que compõem o mosaico étnico guineense.

Com base neste ideal, num trabalho feito a pedido do PNUD e da União Europeia, a FDB dirigiu, com o apoio do INEP97, um estudo sobre o direito consuetudinário de algu-mas etnias guineenses98 que veio a ser publicado em 2012 com o título “Direito Costumeiro vigente na República da Guiné-Bissau”, incidindo-se nas etnias Balanta, Fula, Man-canha, Manjaca, Mandinga e Pepel.

De destacar ainda que a FDB tem sido chamada para emissão de pareceres sobre assuntos importantes do país e, sobretudo, no domínio da elaboração de legislações, como é

95 Em relação aos dados sobre algum trabalho feito até ao período de 2006/2007, cfr. Subsídios, cit., pág. 5 e ss.96 Para o efeito, a FDB tem uma disciplina de Introdução ao Estudo de Direito e ao Direito Consuetudinário, sendo que, já houve tempo (ano letivo 1997/1998 e 2000/2001) em que se criou uma disciplina de Direito Consuetudinário, com o objetivo de permitir conhecer a realidade jurídica costumeira do país.97 Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, uma instituição de investigação científica que, hoje, com a FDB e outras Faculdades, formam a Universidade Amí-lcar Cabral.98 A coordenação Geral do Trabalho ficou a cargo do Professor Doutor Fernan-do Loureiro Bastos, então Assessor Científico da Faculdade de Direito de Bissau, entre os anos 2007 e 2011.

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o caso do recente Código de Procedimento Administrativo adotado no país.

A vantagem da formação jurídica da FDB assenta des-de logo no facto de ter sido pensado na perspetiva de ter em conta a realidade social guineense e, por conseguinte, ter sempre atenção e uma visão crítica quanto à mesma, proce-dendo ao seu estudo pormenorizado99, sem se olvidar ao que se já referiu atrás quanto à formação de pessoas com vista a se tornarem em juristas humanistas.

Não obstante todo o sucesso alcançado, a Faculdade de Direito de Bissau tem consciência de que o seu papel está longe de terminar e que cada dia torna mais exigente e mais complexo.

A estas dificuldades acresce outras ligadas ao facto de existir ainda uma dependência ao Governo para assuntos como a alteração do conteúdo curricular, a abertura de mais cursos.

99 A importância do conhecimento das diversas realidades étnicas do país cons-titui fator de importância primordial, na medida em que num país com realidades culturais multifacetadas – pluralismo interno – existe necessariamente um risco de desagregação e de conflitos ocasionados por esta diversidade cultural (e linguís-tica) pelo que, o mecanismo ideal para minimizar esta conflitualidade latente é o conhecimento das realidades e o realçar de pontos de convergência que permitem essencialmente salientar os aspetos comuns e permitir com que a diferença não se sobreponha, evitando-se marginalização de uns e privilégio de outros, isto porque cada cidadão deve se sentir nas leis do país, tem que estar identificado nessas leis – tem que ouvir o seu tambor, o seu cantar, sentir a sua dança e perceber a sua língua, ainda que por intermédio de outra língua, ou, como diz Adriano Moreira, "…a língua não é nossa, mas também nossa…", O Direito Português da Língua, in I Congresso do Direito de Língua Portuguesa (Coord. Jorge Bacelar Gouveia), Coimbra, Almedina, 2010, pág. 15. Cfr. ainda, a propósito da necessidade de ter em conta a realidade social no estudo e na criação de leis, o estudo de KafftKosta, Emílio, O poder autóctene na arquitectura do estado – bicameralismo?,

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4. ConclusãoComo conclusão, permitimo-nos neste momento

enaltecer a ideia de a realização desta tarefa ser de louvar e de agradecimentos ao convite formulado para escrever este artigo.

A maior herança que a FDB deixa para aqueles que ali estudam e trabalham é a capacidade de resistir às dificulda-des, de criação de consciência de se lutar pela modificação de situações negativas existentes, da valorização do mérito e da dignidade.

Para aquele que conhece o contexto em que labora esta instituição (docentes, funcionários e estudantes), saberá o quanto a luta pelos valores tem sido travada nos últimos anos e que uma parte importante são pessoas que tiveram uma ligação a esta instituição e do seu aprendizado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASConsultar Subsídios para a História do Centro de Estu-

dos e Apoio às Reformas Legislativas, edição da Faculdade de Direito de Bissau, 2007, pág. 5

O Direito Português da Língua, in I Congresso do Di-reito de Língua Portuguesa (Coord. Jorge Bacelar Gouveia), Coimbra, Almedina, 2010, pág. 15.

Boletim da Faculdade de Direito de Bissau, N.º 8, 2007, pág. 63 e ss., em particular, quando salienta: “Se a entidade representativa da pan-nacionalidade é um referencial, ele não é o referencial na Guiné de hoje. Sê-lo-ão também, por conseguinte, outras entidades de recorte cultural e geográ-fico mais limitado. Uns mais vigorosamente do que outros,

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mas, em todo o caso, realidades porfiadamente viventes, infra-estruturantes e superestruturantes do modo-de-ser guineense. O resto é fantasia, que não deve ser o método da ciência jurídica, uma ciência da normatividade posta e vi-vida. Fala-se muito e todos falam da riqueza da diversidade (cultural, étnica, etc.), mas poucos da extensão até às últi-mas consequências dessa tese.” (sublinhado nosso), pág. 74.

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O ENSINO JURÍDICO: DA PRETENSA ORIGINALIDADE DO ENSINO

DO DIREITO BANCÁRIONA GUINÉ BISSAU

Januário Pedro Correia100

RESUMOO presente artigo tem a virtualidade de trazer uma

brevíssima abordagem panorâmica sobre a história do en-sino do direito na Guiné-Bissau, os desafios que enfrenta nos tempos que correm, maxime de integração regional e comunitária, e proposta de metodologia, de uniformização do plano curricular das universidades no domínio do ensi-no jurídico (em especial do Direito Bancário), execução do quadro jurídico virado à valorização e requalificação dos es-tatutos e da carreira docente na Guiné-Bissau.

Palavras-chave: Direito bancário, ensino do direito e educação jurídica

ABSTRACTThis article has the potential to bring a very brief over-

view of the history of law education in Guinea-Bissau, the challenges it faces in these days, the maximum of regional and community integration, and the proposal of methodo-logy, of standardization of the curricular plan of universities in the field of legal education (in particular Banking Law),

100 Doutor em Direito, Licenciado pela Faculdade de Direito de Bissau, Mestra-do e Doutorado pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Advogado e Consultor da Sociedade Quid Juris, Vice - Bastonário da Ordem dos Advogados da Guiné-Bissau, Director Jurídico e Secretário-Geral do Banco BAO

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implementation of the legal framework aimed at enhancing and re-qualifying the statutes and the teaching career in Guiné-Bissau.

Keywords: Banking law, teaching law end legal education

1. IntroduçãoÉ com júbilo e incomensurável satisfação que recebe-

mos e aceitamos o convite para participar neste projeto de juristas/advogados de países da CPLP intitulado “ENSINO DO DIREITO EM PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA”, traduzido na aproximação dos ilustres confrades e admirá-veis profissionais forenses através de experiências que visem aprimorar os nossos conhecimentos em matéria do ensino da mais antiga e respeitável ciência – o Direito, e aprender com os demais o que se passa nos outros países, natural-mente, sem olvidar da nossa realidade jurídica concreta.

Dr. Tarcizo Nascimento, ilustre colega Advogado e co-laborador da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, quem tive a oportunidade de conhecer pessoalmente em Brasília numa missão da Ordem dos Advogados da Guiné-Bissau, a sua ideia transformada neste projeto real é, por simples-mente, genial e de excelência, merece, por isso, a nossa ad-miração e agradecimento por esta iniciativa de aproximar os juristas falantes da língua portuguesa.

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2. Painel sinóptico: sobre ideia geral do ensino jurídico

O tema objeto do presente projecto tem por finalidade lançar base do ensino jurídico em geral e em particular do ensino do Direito Bancário na Guiné-Bissau, consubstan-ciado numa estruturação jurídica assente na complexidade dos valores sociais, culturais e jurídicas, que se assumem multidimensional, originário e eclético. A partir dessas pre-missas, suas análises e críticas, pretende-se proporcionar diretivas que assegurem a qualificação e valorização da ati-vidade docente e do aprendizado, desejando como contri-buição final a melhoria da qualidade do ensino jurídico em geral, e em particular do Direito Bancário em todo território nacional. Enfim, o tema busca inserir na realidade atual da educação jurídica com suas peculiaridades e problemáticas próprias de um país africano em vias de desenvolvimento, fortemente marcado por legado de matriz da colonização portuguesa, igualmente inserido no contexto de integração económica e financeira, Regional da Organização para Har-monização do Direito dos Negócios em África (OHADA)101 e Comunitária da União Monetária Oeste Africana (UMOA).

A adesão da GB à UMOA teve como consequência imediata, para além da adoção da moeda única, o Franco da 101 A OHADA (do francês Organisation pour l'Harmonisation en Afrique du Droit des Affaires) foi instituída pelo Tratado de Port-Louis em de 17 de Outubro de 1993, sendo seus membros: a República do Benim, o Burkina Faso, a República dos Camarões, a República Centro-Africana, a República Islâmica das Comores, a República do Congo, a República da Costa do Marfim, a República do Gabão, a República da Guiné, a República da Guiné-Bissau, a República da Guiné Equa-torial, a República do Mali, a República do Níger, a República do Senegal, a Re-pública do Chade e a República do Togo. Para uma visão panorâmica sobre a sua constituição, estatutos e outros documentos oficiais consultar http://www.ohada.com, Januário Pedro Correia, “OHADA: O Federalismo Jurídico Africano. Géne-se, Evolução e Perspectivas Futuras”, Bissau, FDB, Dia da OHADA, 2010; Januário Pedro Correia, “Plano de Insolvência CIRE. Concordatas no AUOPCAP da OHA-DA e o Plano de Recuperação na Nova Lei de Falência Brasileira. Breve Estudo Comparado”, in Estudo Sobre a OHADA, FDB, Bissau, 2008. P.117 e ss;

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Comunidade Financeira Africana - FCFA102, a uniformiza-ção do direito bancário e, particularmente, do regime uni-forme dos instrumentos de pagamentos, tais como cartões de pagamentos, cheques, etc...

Assim sendo, representado que seja o Direito Bancá-rio103 como um repositório de normas jurídicas, à sua pon-deração e valoração deve atender esses conjuntos de con-ceitos e princípios éticos, sociais e até políticos. Deve-se tentar estruturar esses conceitos em um sistema universal de normas e princípios com único propósito de atingir um ponderado equilíbrio, por parte de quem compete ensinar o direito. É precisamente neste contexto vivenciado em África em geral, em particular na Guiné-Bissau, que qualquer en-sino jurídico deve estruturar com base na premissa de que o ensino a empreender deve, no essencial, e atendendo aos traços marcantes do nosso tempo, pautar-se pela conjuga-

102 Cf. Lei n.º 1/97, de 13 de Março de 1997 (Publicada no Supl. ao BO n.º 12, de 24 de Março de 1997), que estabeleceu como unidade monetária da GB, o Franco da Comunidade Financeira Africana (FCFA), outrossim, a taxa de conversão au-tomática de todos os valores expressos com base no então Peso (PG) para a nova moeda da União, calculados à razão de 65 PG por 1 FCFA.103 Direito Bancário é definido como conjunto de normas e princípios estru-turantes que regem a profissão bancária e a respetiva operação e serviços. Assim, compreendido como ramo de Direito híbrido – combinando zonas de direito privado, relacionado, v.g., aos negócios, contratos, operações e responsabilidade bancária, e de direito público, v.g., encarado como direito de supervisão, autori-zação bancária e sanções. Neste mesmo sentido, os italianos procuram sintetizar o conceito de Direito Bancário “come il complesso di norme che regolano de la constituzione, l`organizzazione e l`esercizio dell`impresa bancaria, nonché ogni rapporto che attiene allo svolgimento dell`actività creditizia” (Gino Cavalli e Mia Callegari Lezioni Sui Contratti Bancari, Bolonha, Zenichelli Editore, 2008, Reimp. 2012, p. 2). Já Paolo Ferro-Luzzi, no âmbito do enquadramento geral da disciplina do Direito Bancário no plano político, económico, social e legal, na ordem jurí-dica italiana, encarou o Direito Bancário como direito das empresas e a atividade bancária como atividade deferida a essas empresas bancárias, cujo núcleo duro encontra-se respaldo no Codice Civile italiano, il Capo XVII del Libro IV, dedica-do especialmente aos “Contratti bancari”, v.g., a conta, depósito bancário, abertura de crédito, antecipação bancária, desconto bancário, crédito fundiário, garantia bancária, leasing, factoring, e os serviços bancários em geral. Nesse sentido Cf., Calvão da Silva, Banca, Bolsa e Seguros. Tomo I – Direito Europeu e Português, Coimbra, Almedina, 2012, p. 21.

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ção possível da perspetiva legal, prática e ética, bem como atender ao paradigma sociocultural e da integração local, comunitária e internacional, para compatibilizar e equacio-nar meios para solucionar conflitos dos mais variados qua-drantes de interesses difusos oriundos do direito positivo, v.g., das situações jurídicas civis, comerciais, das operações, dos contratos, intermediações nos serviços e créditos, e do direito consuetudinário ou costumeiro104.

Neste sentido, movido pela vontade de querer e crer no amor ao ensino do Direito e à Justiça, e pela defesa irreve-rente da nossa ciência jurídica, enquanto resguardo do valor positivado e sociocultural, aliás como advertiu António Me-nezes Cordeiro, consciente de que “o caminho faz-se cami-nhando” no célebre dito de José Ortega Y Gasset, “Hay tan-tas realidades como puntos de vista. El punto de vista crea el panorama”105, de que o Direito é uma ciência. Baseando-se e fundamentando-se nas suas garras, os docentes do nosso tempo devem despertar e concentrar-se na busca incessan-te de reflexão com a profundidade que a ciência do direito exige, pautado, essencialmente, pelos valores fundamentais que nos conduz ao efetivo contributo para a construção de uma sociedade que se pretende mais justa, alicerçada e com-prometida na defesa dos valores fundamentais do direito, da dignidade da pessoa humana, da democracia e da ética.

Ainda, no tocante a metodologia do ensino jurídico, parafraseamos M. Almira Soares, segundo o qual “O ano lectivo é quase como um rio que nasce, engrossa e desagua.

104 Sobre o modelo do ensino jurídico em África, veja-se Eduardo Vera-Cruz - Pinto «A Responsabilidade Jurídica dos Bancos e o Ensino do Direito em África: Breve Apontamento», in Alexandre Guerra e Marcelo Benacchio (ed.), Responsa-bilidade Civil Bancária, São Paulo, Editora Quartier Latin do Brasil, 2011.105 Se hace camino al andar», de António Machado, poeta espanhol, in estrofe de poesia , «Proverbios y cantares» do livro «Campos de Castilla». In www.interes-sante.es. ! celebres frases de José Ortega y Gasset

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O ano lectivo é tempo, que nunca pára e em que nada se repete. Um tempo rio em que o professor e aluno vão em águas nunca repetidas. O ano lectivo desenha-se como um arco que vai da semente ao fruto, da nascente à foz. Fruto são ou fruto podre; rio vivo ou rio de águas mortas. O pro-fessor previdente é o que, na semente, vê o fruto; o que, na primeira gota que brota da fenda da rocha, vê o caudal gros-so que há-de ir ser mar. O professor é obrigado a ir à fren-te dos seus alunos, a conhecer os efeitos no momento das causas (…). Cada docente, em cada momento, não pode ser apenas aquele docente naquele momento, mas deve assumir uma discussão in tempore fluente. Ele deve ver o seu aluno aqui e agora na relação que forçosamente existirá entre este aqui e agora e um ali e um mais tarde106.”

É assente que o direito se funde em normas jurídicas, interpretações, princípios, teorias e suas análises são com-plexas, por isso o docente deve assumir a responsabilidade académica e social de trazê-las de forma seletiva e aprofun-dada aos alunos. A partir dessa possibilidade de apresenta-ção de uma ciência, das peculiaridades do direito enquanto ciência não empírica, bem assim do indiscriminado surgi-mento de faculdades de direito e o papel do docente neste processo, e através do ensino jurídico, deve contribuir para a formação de profissionais que cooperem com a sociedade e que respondam às expectativas próprias da formação jurí-dica de uma geração de profissionais do direito capazes de

106 Cf. M. Amira Soares, Ensinar, Ed., Presença, Lisboa, pp. 21-23. Neste senti-do, HABERMAS ao tratar dos discursos diz que “Os discursos são como máqui-nas de lavar: filtram aquilo que é racionalmente aceitável para todos. Separam as crenças questionáveis e desqualificadas daquelas que, por um certo tempo, rece-bem licença para voltar ao status de conhecimento não problemático. A necessária dinâmica de cada qual ver o que o outro vê está embutida nos pressupostos prag-máticos do próprio discurso prático” (Jürgen Habermas. A ética da discussão e a questão da verdade. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p.63).

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acrescentar algo no exercício de sua atividade à sociedade plural dos nossos tempos, alicerçados nos valores funda-mentais dos direitos humanos, e sem abstrair também pela busca do ideal “justiça”.

O direito é uma ciência que não é passível de demons-tração, ou seja, aquilo que se fala ou se diz não tem como ser provado, dando margem para que os que ensinam façam uso do seu método para transmitir informação à sua ma-neira. Portanto, assiste ao docente, ao seu critério, escolher a forma mais adequada de satisfazer os propósitos da edu-cação jurídica dos discentes, conducentes à formação de um jurista íntegro, capaz de defender e garantir a integridade da sociedade que se pretende mais justa, equitativa e estribada nos valores básicos da justiça e da democracia pluralista.

3. Particularidade do ensino do direito na guiné-bissau

No geral, à semelhança dos países africanos emergen-tes do jugo colonial, a experiência do ensino superior na Guiné-Bissau é relativamente recente, i.e., data da segunda metade do século XX. Com efeito, a experiência do ensino do direito teve inicio com a criação e institucionalização da Faculdade de Direito de Bissau – FDB, atribuindo-lhe, tradi-cionalmente, a nobre missão do ensino jurídico.

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3.1 A institucionalização e missão da FDBA FDB foi criada em 1989, tendo iniciado o primei-

ro ano lectivo em 1990107. Dessa forma deu-se início a uma nova experiência de formação jurídica, que sucedia à antiga Escola de Direito, que limitava-se a ministrar cursos de for-mações e reciclagens aos operadores do aparelho do Estado, maxime do judiciário.

O surgimento da FDB é fruto de um Acordo de Coo-peração Jurídica bilateral celebrado entre a República da Guiné-Bissau e a República Portuguesa, cuja execução, pela parte portuguesa, foi confiada à Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa - FDUL, por isso, a FDB conta desde o início da sua entrada em funcionamento até à data pre-sente com docentes portugueses, seleccionados e enviados pela FDUL, incluindo um Assessor Científico, que coordena todos os cursos e disciplinas ministradas na FDB.

Na nossa modesta opinião, o protocolo de coopera-ção que instituiu à FDB, deu corpo a um dos projetos mais importante que a Guiné-Bissau jamais implementou com o apoio do Estado Português, cujos resultados falam por si, pelos números de quadros formados e pelos indispensáveis apoios que tem vindo a prestar na construção, edificação e concretização de um verdadeiro Estado de Direito e Demo-crático na Guiné-Bissau.

Com o processo de abertura económica e democrá-tica iniciado em meados de 1986-1991, com vista à insti-tucionalização de um verdadeiro Estado social de direito, democrático e justo, virado à tutela do valor da dignidade da pessoa humana, a FDB surge como um complemento

107 A FDB foi institucionalizada através do Decreto N.º 34/90, de 26 de no-vembro (Pub. No Supl. BO N.º 48, de 26/11), em substituição da então Escola de Direito criada por Decreto - N.º 22/79, de 27 de Setembro (Pub. no BO N.º 38, de 27/09).

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para execução deste novo desiderato social e constitucional, incumbe-se a tarefa de suprir as carências de quadros com formação técnico-jurídica, na administração da justiça e na administração pública guineense. Com efeito, para levar à cabo a nobre missão, nomeadamente – as reformas legislati-vas, o funcionamento eficaz da administração da justiça, da administração pública, a justa e correcta aplicação de leis, o patrocínio judiciário, a garantia e a segurança das operações económicas, criação de um ambiente seguro e eficiente para o investimento privado nacional e estrangeiro, a Guiné-Bis-sau carecia de uma instituição como FDB que cabe ministrar a formação jurídica local e rigorosa aos quadros nacionais integrados na realidade jurídica interna, social, económica e cultural do país. Foi esta tarefa que a FDB, com o apoio do Estado português, através da FDUL, tem vindo a desenvol-ver há já 30 anos da sua existência.

A FDB formou mais de duas centenas de juristas que estão a exercer as suas profissões nos tribunais, Ministério Público, Corpos Policiais, Administração Pública, nas em-presas, nas profissões liberais, etc… Neste preciso momento, está a constituir um corpo docente nacional sólido, formado pela própria FDB e graduado com mestrado e Doutorado na FDUL, isto sem olvidar de inúmeros apoios concedidos ao Estado guineense no domínio de reformas legais, maxime na elaboração de estudos, projectos e propostas de reformas legislativas nas áreas jurídicas privadas (civil, penal e co-mercial), públicas, etc...

Portanto, recentemente a FDB procedeu profunda reforma no seu plano curricular para responder mais uma demanda e necessidade no domínio da reforma em curso na administração pública da Guiné-Bissau, com a introdu-ção no seu plano do curso de licenciatura, a par do tronco

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comum (área jurídica “pura”), a licenciatura com a menção em administração pública, permitindo assim uma formação especializada no domínio da administração pública, v.g., no Direito do Mar/Marítimo, Direito do Ambiente/Urbanismo, Legística, Ciência da Administração, e agora também o Di-reito Bancário.

3.2 A insolvência do ensino do direitoNo capítulo da organização do ensino superior, apesar

de se registar pouca vontade política na sua qualificação e valorização, saliente-se que foram aprovados e promulga-dos um pacote de legislações em matéria do ensino superior, designadamente a Lei Base do Ensino Superior, Estatuto de Carreira Docente108 e novo regulamento de avaliação da FDB.

Entretanto, em todo o caso, importa sublinhar que a situação atual do ensino do direito reclama uma mudan-ça séria e profunda de paradigma para contrariar o estado actual da sua insolvência e total descredibilização. Tal re-clamada mudança de paradigma deve partir dos mais ele-mentares aos mais complexos pactos sociais e políticos que visem o seu aprimoramento e relançamento, a iniciar com a publicação e execução dos diplomas legais acima referencia-dos, a definição e clarificação da base geral do ensino e dos respectivos planos curriculares, os estatutos e carreira do-cente devem ser valorizados, o plano curricular das univer-sidades privadas devem atender as necessidades e políticas públicas do setor, uniformização de cursos e metodologia do ensino do direito, e sem olvidar de qualificação e curso

108 Cf. Lei n.º 7/2014, de17/12/14, Pub.2º Supl. BO n.º 50, que “Regulamenta o Estatuto da carreira Docente Universitária”.

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jurídico a empreender pelo docente universitário, que con-tribuam para a qualidade do ensino jurídico.

Registamos nas últimas décadas uma explosão de cur-sos de direito pelo país afora, milhares de licenciados que já foram e serão lançados à sociedade como formados em direito e, por conseguinte, devem e deverão corresponder às expectativas e necessidades do país. Com efeito, neste mo-mento atual em que assistimos o surgimento em progressão geométrica de faculdades de direito, o modelo do ensino do direito a empreender é fundamental para resguardar o mé-rito da formação em direito. O docente deve encarar e con-trariar o desafio dos tempos atuais em que assistimos a uma proliferação e a consequente desqualificação e grave crise no ensino do direito.

Portanto, em função dessa multiplicação de faculda-des de direito, sem mínimas qualificações e condições para ministrar curso de direito, é hora de se reflectir sobre o mo-delo do ensino que queremos ter, a uniformização do pro-grama curricular das escolas e do ensino jurídico do docen-te, permitindo a manutenção de bons cursos de graduação em direito que acompanhem e preparem os futuros profis-sionais formatados para construção da sociedade mais justa.

3.3 Processo do ensino do direito bancário baseado na premissa e atualidade do sistema económico e financei-ro guineense

O processo do ensino no domínio do Direito Financei-ro em geral e em particular do Direito Bancário, no âmbito nacional, deve ser desenhado e ancorado na estrutura orga-nizacional e operacional do sistema financeiro guineense, atender e compreender que a estrutura da banca na Guiné-

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-Bissau alterou-se profundamente desde há mais de quaren-ta anos, a contar a partir da independência da Guiné-Bissau em 24 de Setembro de 1973.

Compreender que a dinâmica do setor bancário e da economia guineense constituem reflexos das reformas económicas estruturais introduzidas no triénio de 1986-1989, sob égide do Fundo Monetário Internacional (FMI), permitindo, assim, a operacionalidade de um conjunto de transformações com impactos relevantes na economia, na sociedade, no sistema financeiro em geral e na banca em especial. O setor financeiro, em geral e o setor bancário, em particular, beneficiaram dessas transformações nos domí-nios económicos, financeiros, institucionais e legais, sobre-tudo nas três últimas décadas, altura em que foram concre-tizados programas e medidas estruturantes da reforma do sistema económico e financeiro. Assim, durante a vigência da Constituição da República da Guiné-Bissau (CRGB) de 1973109, a banca guineense exibia e assumia uma tendência e dinâmica própria de um modelo de operação, serviços e in-termediação pública, caracterizada, no essencial, pela reali-zação concomitante das operações bancárias e de prestação de serviços por parte do Banco Nacional da Guiné-Bissau, e mais tarde pelo Banco Central da Guiné-Bissau (BCGB), que fazia, igualmente, o papel do banco emissor, do tesouro público, do banco comercial ou da intermediação financei-ra, sob comando e orientação máxima de uma estrutura po-lítica, estatizada e dirigista.

109 Cf. António E. Duarte Silva, Invenção e Construção da Guiné-Bissau – Ad-ministração Colonial, Nacionalismo, Constitucionalismo, Coimbra, Almedina, 2010; António E. Duarte Silva, «O Constitucionalismo da Guiné-Bissau (1973-2005)», in AA. VV., Estudos em Memória do Conselheiro Luís Nunes de Almeida, Coimbra, Coimbra Editora, 2007; Kafft Kosta, Estado de Direito. O Paradigma Zero: Entre Lipoaspiração e Dispensabilidade, Coimbra, Almedina, 2007, p. 127 e ss.

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Com efeito, esta tendência de governabilidade da ban-ca na GB ainda fez eco até meados de 1986-1989, tendo re-sistido à CRGB abortada de 1980 e ainda pela CRGB 1984, ainda formalmente em vigor.

As transformações económicas, financeiras, sociais e políticas ocorridas entre meados de 1986-1989 provocaram revisões constitucionais introduzidas à CRGB de 1984, no-meadamente a partir de 1990. Por conseguinte, criaram-se bases de legitimação de uma nova abordagem e perspetiva económica, permitindo que os diversos sectores económicos tivessem uma dinâmica assente na lógica da lex market e do respetivo funcionamento.

Assim sendo, constituem alavancas para a materializa-ção deste desiderato económico, financeiro e social, a ampla admissibilidade da privatização da então propriedade esta-tizada ou nacionalizada, o reconhecimento da propriedade e da iniciativa privada, e o modelo da economia assente na lógica da interacção das forças do mercado, a adoção de um código atrativo de investimento privado e estrangeiro, etc…

No caso particular da banca, a aludida evolução faz--se sentir com a efetiva separação institucional das funções comercial e de banco central, que vinham a ser assumidas cumulativamente pelo BCGB, com a aprovação da sua Lei Orgânica (LO)110..Por seu turno, abriu-se uma janela de oportunidade para o surgimento das primeiras instituições de crédito na Guiné-Bissau, fruto da dinâmica própria de um modelo de intermediação financeira privada, com apro-vação de um quadro jurídico normativo ex novo referente à constituição, organização e funcionamento dos bancos, bem como, às operações que lhes são autorizadas, sob a super-visão, regulação e fiscalização do BCGB. Surgiram, assim,

110 Cf. Decreto n.º 32/89, de 27 de Dezembro, que aprovara a LO do BCGB.

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os primeiros bancos comerciais e agrícolas privados, como Banco de Crédito Agrícola, Banco de Crédito, a que se se-guiu e justificou a criação de outras instituições de crédito e sociedade financeira, como Banco Internacional da Guiné--Bissau (BIGB) e Sucursal Totta & Açores.

Mais tarde, o sistema financeiro guineense sofreu pro-funda alteração por virtude da integração monetária e eco-nómica à UMOA, concretizada pelo Estado da Guiné-Bis-sau, com a assinatura do Tratado da UMOA111, acarretando desta feita a transferência da soberania monetária para a UMOA112 tendo, consequentemente, impulsionado a criação de novos bancos comerciais e das sociedades financeiras, como Banco da África Ocidental (BAO), Banco Regional de Solidariedade – BRS (Atualmente Orabank), Ecobank Guiné-Bissau, Banco da União (BDU) e Banque Atlantique, destacando-se as entradas de capitais estrangeiro no sector bancário, gerando-se assim, um importante efeito traduzido nas novas formas de concorrência do mercado. No que con-cerne à estrutura de capital, deve-se salientar que todos os bancos compreendem participações maioritariamente de-tidas pelos investidores estrangeiros, situadas muito acima dos 80% do total de capital social no setor bancário. Ainda, como corolário da integração da UMOA, adotou-se a então Lei n.º 10/97, de 2 de Dezembro, referente ao quadro - jurí-dico aplicável às instituições de crédito e às suas operações,

111 Pelas Resoluções n.º 27 e 28/2007, a Assembleia Nacional Popular aprova o Tratado da UMOA, os Estatutos do BCEAO e seus privilégios e imunidades, bem como aprovação da Convenção que regula a Comissão Bancária da UMOA e o respetivo anexo (ambos publicados no 4º Suplemento ao BO n.º 8, de 29 de Fevereiro de 2008).112 Para mais informações sobre a UMOA, sua criação, ideais, estrutura e fun-cionamento, veja-se, Etienne Carexhe, «Un Phénomène d`Intégration – L`UE-MOA», in António Menezes Cordeiro et al., Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Paulo de Pitta e Cunha, vol I - Assuntos Europeus e Integração Económica, Coimbra, Almedina, 2010, p. 167 e ss.

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a chamada “Lei de Regulamentação Bancária”, que revogara as leis aplicáveis às instituições de crédito adotadas em 1989, e que veio caucionar o aprofundamento e a consolidação do setor bancário ao regular, em especial, as tipologias das ins-tituições de crédito e financeiras, bem como as operações deferidas aos bancos – contribuindo para o incremento e funcionamento de bancos universais no setor bancário.

A regulação e supervisão do sector bancário na GB passou, em consequência da integração, para as instâncias e mecanismos definidos no Tratado da UMOA, nomeada-mente pelo Banco Central dos Estados da África Ocidental (BCEAO), e as estruturas especializadas do apoio e controlo da UMOA, tais como a Comissão Bancária da UMOA, em substituição do então BCGB. Assim, podemos afirmar que o setor bancário assenta, hoje, numa dinâmica própria de um modelo de integração sub-regional ou comunitária e de intermediação privada, sob a regulação e supervisão de uma entidade independente de cariz internacional – a UMOA, fortemente caraterizado pela realização das operações ban-cárias, prestação de serviços de excelência e cada vez mais qualificados, sob olhar e um controlo apertado da entidade reguladora do sector bancário – BCEAO113.

O setor bancário nacional, não obstante o retrocesso derivado da cíclica crise política enraizada no país desde 2012, tem registado notáveis indicadores e níveis de cres-cimento do ativo total e de rendibilidade, baseado no in-cremento da carteira de crédito e ganhos de eficiência no

113 Cf. Règlement n°. 15/2002/CM/UEMOA relatif aux systèmes de paiement dans les états membres de l’Union économique et monétaire ouest africaine (UE-MOA), de 19 de Setembro de 2002, aprovado por força dos artigos 6º, 7º, 16º, 21º, 42º, 43º, 44º, 45º, 95º, 96º, 98º, 112º e 113º do Tratado da UEMOA e do art. 22º do Tratado da UMOA; ver também a Loi Uniforme relative a la repression des infrac-tions en matiere de cheque, de carte bancaire et d’autres instruments et procedes electroniques de paiement, Dakar, BCEAO, Dezembro 2011.

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processo de intermediação financeira, acoplada à concen-tração bancária resultante do aumento das quotas de mer-cado detido pelos dois grandes bancos – BAO e Ecobank. Entretanto, concomitantemente, vive-se hoje um cenário perigosíssimo de expansão do sector bancário, traduzido na oferta monetária e creditícia à economia, de uma fraca captação de poupanças num sistema de mercado repleto de reticências que não inspira confiança e de elevado índice de iliteracia bancária, (atenuada pela resiliência da banca aos choques internos e externos, bem como pelo desempenho apresentado, em particular sustentado num nível satisfató-rio de indicadores como a solvabilidade), de uma melhoria do nível de gestão global e de uma melhoria contínua da eficiência e satisfação nos domínios da banca electrónica e sistema dos pagamentos eletrónicos. Isto, sem olvidarmos de uma ameaça séria à qualidade da carteira de crédito e da própria banca, consistindo numa manifesta tendência de su-bida galopante dos indicadores e índice do incumprimento e do crédito duvidoso e litigioso (malparado), que a banca e o sistema em geral, devem considerar e equacionar como prius nas suas agendas, sobretudo perante a quase inope-rância do sistema coativo de recuperação de crédito assente nas instâncias judiciais. Com efeito, diante de todas as pe-ripécias e de todo o quadro evolutivo acima demonstrado, reconhece-se que, em mais de quarenta anos da indepen-dência da GB, a temática do Direito Bancário nunca me-receu uma reflexão profunda, nem sistemática na literatu-ra jurídica e na jurisprudência guineense, o que constitui, nesta perspetiva, absoluta novidade. Não obstante, o docen-te não deve assumir uma postura de mera transposição da solução vigente na Europa ou noutro quadrante do mundo fora onde o tema já se encontra na sua fase bastante evoluí-

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da. Antes pelo contrário, impõe-se uma abordagem integra-da decorrente do relançamento da profissão e da atividade bancária na GB, com abertura de novos bancos comerciais depois da recessão gerada pelo conflito político militar de 1998, que acarretou a retirada da sucursal do banco Totta & Açores na Guiné-Bissau e a falência do BIGB, bem como a receção económica derivada do golpe de 12 de Abril de 2012, num contexto da economia do mercado e da integra-ção económica e monetária, nomeadamente na UMOA.114-115

114 A estrutura política e económica, inspirada no modelo e ideologia marxis-ta-leninista, assumida pelo então poder político implantado logo após a indepen-dência da GB, proclamada no dia 24 de Setembro de 1973, impedia o exercício da profissão e da atividade bancária privada, aliados à nacionalização e à centraliza-ção da economia, das empresas e a estatização das terras, sem descurar da pobreza extrema, tendo contribuído de modo significante para a fragilidade da economia e para um apagado papel do sistema financeiro e da importância da banca no contexto do modelo económico estatizado então adotado, com forte cunho, inter-venção e a presença do Estado na vida económica, bem como o empobrecimen-to da “classe empresarial”, fugas de capitais e a corrupção generalizada. A efetiva abertura económica e o reforço do princípio da economia do mercado tornou-se possível graças à implementação do Programa de Reajustamento Estrutural, tendo sido constituído por duas fases: a primeira traduz-se na estabilização da economia entre 1986-1989; a segunda refere a meta de crescimento económico entre 1990-1992, cujo objectivo prioritário de redução de dívida externa que então se estimava em 270 milhões de dólares em 1986. Entretanto, para ultrapassar este período da crise, a GB viu-se obrigada a firmar acordo com as instituições de Bretton Woods, permitindo, designadamente, a adoção de medidas e condições do saneamento das finanças públicas guineense. Sobre o Programa de Reajustamento Estrutural, veja-se Luís Barbosa Rodrigues, A Transição Constitucional Guineense, Lisboa, AAFDL, 1995, p. 63; Rosemary E. Galli e Úrsula Funk, «O Ajustamento Estrutural e Género na Guiné-Bissau», Revista Internacional de Estudos Africanos, n.ºs 16-17, Lisboa, Instituto de Investigação Científica Tropical – Centro de Estudos Afri-canos e Asiáticos, 1992-1994, pp. 235-254; João Mendes Pereira, Descentralização Financeira, Integração Económica e Estabilização. Caso Guineense, Dissertação de Mestrado em Ciências Jurídico-Económica, Lisboa, FDUL, 1999/2000; Vasco Manuel Evangelista Biaguê, «As Constituições Económicas Portuguesa e Guineen-se: Uma análise comparativa», in Fernando Loureiro Bastos (ed.), Estudos Come-morativos dos Vinte Anos da Faculdade de Direito de Bissau – 1990-2010, Vol. II, Lisboa - Bissau, AAFDL, 2010, p. 814 e ss. 115 A Constituição da República da Guiné-Bissau de 1984 e as suas revisões subsequentes não regulam e nem reconhecem o sistema financeiro, bem como o modelo de integração económica e monetária, criando brechas e confusões na sua articulação com o direito comunitário, designadamente da UMOA.

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No entanto, a situação atual, de crescente massificação e agressividade do setor bancário na venda de produtos, ser-viços bancários e na disponibilização de condições cada vez mais facilitadas do acesso à banca (ainda assim ficando mui-to abaixo da taxa de bancarização de 5% previsto pelo Banco Central – BCEAO116 tem vindo a dar ao direito bancário um lugar cada vez mais de destaque. Em particular, justificado no crescente esforço dos bancos comerciais na moderniza-ção e na informatização dos serviços de pagamentos, sobre-tudo na implementação dos serviços eletrónicos disponíveis para saques de valores, pagamentos de bens e serviços atra-vés dos TPAs, e a expansão de cartões de débitos, emissões de cartões internacionais, tais como visa, mastercard, de utilização além fronteira, operação cash advance, etc…

116 Com único propósito de proporcionar o aumento da taxa de bancarização bem como incentivar e expandir a utilização do sistema eletrónico e meio escritu-ral de pagamentos de bens e serviços, o Conselho de Ministro da UEMOA adotou, nesta matéria, a Diretiva 08/2002/CM/UEMOA, de 19 de Setembro de 2002. Entre outras medidas que visam promover a bancarização, impôs conjuntos de medidas relacionadas com a obrigatoriedade em certos pagamentos que envolvem valores elevados serem efetuados através do sistema financeiro, através de contas abertas nos livros dos bancos, bem como a obrigatoriedade de todos os pagamentos de bens e serviços do Estado serem efetuados através de contas e a bancarização dos salários dos servidores do Estado e das outras instituições públicas ou privadas. A fraca taxa de bancarização - situada muito aquém dos 5% - acaba por justificar e representar por si só um cenário real da absoluta inoperância do BCEAO e do executivo guineense no sentido de adoção de políticas e medidas consistentes para garantir a subida significativa da taxa de bancarização, quer através de campanha efetuada neste sentido, quer pelos programas de expansão seguidos pelos bancos comerciais, ou através de criações de incentivos fiscais e condições de seguranças aos bancos que abrissem agências ou caixas na parte menos favorecida no país, por exemplo, a parte insular da Guiné-Bissau e nas zonas mais longínquas do interior do país. No entanto, em termos comparativo, resultante da análise que a Consul-tora KPMG faz do sector bancário angolano referente ao ano de 2011, o grau de bancarização em Angola subiu significativamente até meados de Agosto, situando em 22% da população angolana, móbil de uma forte ação conjunta do executivo e do Banco Nacional de Angola (BNA), sobretudo as campanhas levadas a cabo pelo BNA, ainda assim, uma taxa de bancarização baixa em comparação com a taxa média de bancarização de 30% dos outros países situados ao mesmo nível de crescimento de Angola. Armindo Saraiva Matias, Direito Bancário, Coimbra, Coimbra Editora, 1998, p. 88.

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Assim sendo, assumimos, sem reserva, que o tema do ensino do Direito Bancário no direito guineense não é, se-guramente, uma miragem, mas um assunto por desbravar, face também à absoluta inexistência da construção dogmá-tica relativa à banca e a atividade bancária.

Pelo exposto, configure-se importante realçar que a originalidade do ensino do Direito Bancário na ordem ju-rídica guineense, não precisa de ser demonstrada, basta para tal verificar o grande relevo que os bancos assumem na atualidade e a justificada necessidade da bancarização, sobretudo num sistema económico e financeiro frágil como o nosso, que talvez só a construção, a defesa e uma proteção bem conseguida em torno do ensino do Direito Bancário, poderá minimizar o efeito pernicioso do ponto de vista so-cial, legal e prática e, consequentemente, premiar a corrida à banca e ao sistema financeiro.

4. Parâmetro transversal e internacional do direito bancário

O ensino do Direito Bancário deve ser encarado de forma atual, complexa e transversal, pois para além da sua cristalização legal um pouco por todo o mundo, comporta outra dimensão internacional nos tempos atuais, fortemente dominado pela política do combate aos crimes transnacio-nais, evasão fiscal, a luta contra o branqueamento de capi-tais e terrorismo internacional, etc... Tal relevo internacional do ensino do direito bancário faz-se sentir com referências às normas de supervisões prudenciais impostas pelos dis-positivos de Basileia I, II e III, das Nações Unidas, da União

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Europeia e da Organização para a Cooperação e Desenvol-vimento Económico (OCDE)117.

O ensino do Direito Bancário impõe uma análise e estudo transversal, com recurso a outros ramos de Direito, com destaque para o Direito Constitucional, o Direito Civil, o Direito Penal, o Direito Processual Penal, o Direito Fiscal, Direito Comercial, Direito Societário, Direito Financeiro, etc…Trata-se, por outro lado, de um tema que não prescin-de uma profunda análise do sistema vigente no direito es-trangeiro, sendo fundamental estudar os regimes e práticas vigentes em países como Portugal, a Alemanha, a França, a Suíça, o Reino Unido, a Espanha, o Brasil, os países de ex-pressão portuguesa e os países da África ocidental, com des-taque para os que integram a UMOA, como Senegal, Togo, Mali, etc...

5. ConclusãoAb initio, assume-se a estrutura exclusiva e monopo-

lista do ensino do direito na Guiné-Bissau, o qual a Facul-dade de Direito de Bissau cabe, tradicionalmente, com ex-117 OCDE foi criada em 30 de Setembro de 1961, com os propósitos de apoiar o crescimento económico duradouro, desenvolver o emprego, elevar o nível de vida, manter a estabilidade financeira, ajudar os países a desenvolver as suas economias, contribuir para o crescimento mundial, etc… No período da crise, esta instituição tem-se preocupado com questões ligadas a supervisão comportamental, emitindo, por isso, importantes recomendações nesta matéria, nomeadamente: Recommen-dation on Principles and Good Practices for Financial Education and Awareness em julho de 2005, Recommndation on Good Practices for Financial Education Relating to Private Pensions em março de 2008, Recommendation on Good Prac-tices for Enhanced Risk Awareness and Education on Insurance Issues em março de 2008, Recommendation on Good Practices for Financial Education and Aware-ness Relating to Credit em Maio de 2009; igualmente acentuou a missão na área de proteção aos consumidores, através da adoção de um plano de monitoramento, de educação financeira, e recomendações, nomeadamente as elaboradas na sequência da reunião do G20, de 19 e 20 de Fevereiro de 2011, transpostas para o documento intitulado G20 High-Level Principles on Financial Consumer Protection, sobre a proteção do consumidor financeiro.

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clusividade essa missão, com único propósito de colmatar o sistema e suprir as carências dos operadores judiciários e administrativos versados em direito.

Entretanto, actualmente, assiste-se um cenário peri-gosíssimo de expansão e de proliferação descontrolada das escolas e das Faculdades de Direito, perante ausência abso-luta de política pública de requalificação dos docentes, qua-lificação do conteúdo, controlo apertado e uniformização de plano curricular, com reflexo imediato na inoportunidade do conteúdo e deficiente formação jurídica ministrada.

O processo do ensino do direito em geral, em particu-lar do Direito Bancário, deve olhar as premissas locais, aten-dendo as suas peculiaridades e complexidades estribadas no legado histórico do direito positivo e consuetudinário, as conquistas e os desafios que enfrenta, e sem olvidar dos traços próprios marcantes dos tempos atuais, fortemente vinculados pela integração Comunitária da UMOA, Regio-nal da OHADA e mundial - no domínio particular das ope-rações e serviços bancários, supervisão prudencial assente nos dispositivos de Basileia I, II e III, prevenção e repressão de branqueamento de capitais, evasão fiscal e terrorismo internacional.

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152

O EXAME PROFISSIONALREALIZADO EM MOÇAMBIQUE

Maicisse Machute118

Noémia Camoto119

RESUMO O presente artigo, tem como tema O Exame Profis-

sional Realizado em Moçambique, sendo esse, “conditio sine qua non” para o ingresso na Ordem dos Advogados em Moçambique. Pretendemos com o mesmo, trazer uma breve abordagem do regime jurídico que traça as diretrizes para se chegar a qualidade de Advogado no nosso país. Fa-zendo, a partir deste, um breve estudo comparado com os demais ordenamentos dos países falantes da língua portu-guesa (CPLP), buscando analisar aspectos positivos e/ou ne-gativos que acoberta cada um dos ordenamentos, servindo essa análise de alicerce para destacar pontos de melhoria na qualidade do ensino de Direito, bem como dos profissionais dessa área, nos países falantes da língua portuguesa tendo em conta o contributo de cada um desses países. Destarte, teremos como base para elaboração do presente artigo O Es-tatuto da Ordem dos Advogados de Moçambique (EOAM) e O Regulamento de Estágio Profissional e Exame Nacional de Acesso (REPENA), bem como os demais instrumentos normativos que regulam a questão do Exame Profissional nos demais ordenamentos retro referenciados. 118 Licenciada em Direito pela Universidade Zambeze-Moçambique-Beira, ad-vogada, estagiária do MM Advocacia e Consultoria, Directora Nacional de Marke-ting, Estágios Internacionais e Projectos Sociai na empresa Vale Moçambique119 Licenciada em Direito pela Univerdade Zambeze-Moçambique, docente universitária nas Cadeiras de Direitos dos Transportes e Práticas Forenses na Uni-versidade Pedagógica de Moçambique-Beira, advogada estagiária do MM Advo-cacia e Consultoria

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Palavras-Chave: Exame profissional; Ordem dos Ad-vogados de Moçambique; Estágio Profissional; Advogado Estagiário; CPLP.

ABSTRACT In this article we will talk about, The Professional

Exam conducted in Mozambique, which is “conditio sine qua non” for joining the Mozambican Bar Association. We intend with this, to unveil a new approach to the legal re-gime that outlines how to reach a quality of Lawyer in our country. Based on this, a brief study compared to the other Portuguese-speaking countries (CPLP), seeking to analyze positive and negative aspects that cover each of the legal sys-tems, and this analysis of the foundation to highlight points of improvement in the quality of legal education, as well as professionals in this area, in the Portuguesespeaking coun-tries, based on the contribution of each of these countries. Thus, we will have as basis for the elaboration of this article The Statute of the Mozambican Bar Association (EOAM) and the Regulation of Professional Internship and National Examination of Access (REPENA), as well as the other nor-mative instruments that regulate the question of Professio-nal Examination.

Keywords: Professional examination; Mozambican Bar Association; Professional internship; Trainee lawyer; CPLP.

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1. Introdução Hodiernamente, existem várias instituições de ensino

que lecionam o curso de Direito, o que tem vindo de tem-pos em tempos a colocar em causa a meritocracia do ensino jurídico, isto é, verificamos uma banalização e consequen-temente, a deficiente formação profissional que se recebe, antes de começar a exercer a profissão de advogado e/ou qualquer outra profissão que tenha como base para o seu exercício a formação em Direito.

Existem vários relatos, que associam o Exame Profis-sional para obtenção da carteira de Advogado, como uma resposta as críticas feitas pelos magistrados que recebiam certas peças processuais, não dignas de um profissional de Direito, isto não só por causa da questão técnica, mas prin-cipalmente por causa das questões linguísticas, desde a con-cordância verbal, a escrita e outros aspectos.

Esta “falta de preparação teórica e prática alegada”, recém-formados em Direito para o exercício da advocacia, levou a que determinadas medidas fossem tomadas. Isso porque, é notório até os dias de hoje que muitos jovens ad-vogados encontram-se numa situação de vulnerabilidade profissional, originada pela fraca preparação, Sabe-se, que desde sempre para se ser Magistrado quer Judicial, quer do Ministério Público, ou mesmo para exercer a profissão de Notário, foi necessário passar por um Concurso Público. O mesmo nunca aconteceu com o Advogado, o que se calhar nem seja pertinente. Porém, como resposta a esta crise surge o modelo de formação profissional para o exercício da ad-vocacia, ministrado pela Ordem dos Advogados de Moçam-bique (OAM), aos advogados estagiários, que teve início em 2009, pela necessidade de colmatar algumas lacunas exis-tentes na lei nº7/94 de 14 de Setembro, bem como adequar

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a estrutura e funcionamento da Ordem dos advogados de Moçambique e as condições necessárias para o exercício da advocacia no ordenamento jurídico moçambicano.

Já, o exame profissional realizado em Moçambique o seu surgimento remonta de 30 de Janeiro de 2014 com a in-trodução do Regulamento de Estágio Profissional e Exame Nacional de Acesso (REPENA).

2. Genealogia Da OAMA Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM),

é uma pessoa colectiva de Direito Público, criada a 14 de Setembro de 1994, pela Lei nº7/94, de 14 de Setembro que aprovou também os estatutos da organização.

A Ordem dos Advogados (OA) é um órgão indepen-dente sendo livre e autónomas as suas regras de funciona-mento, gozando igualmente de personalidade jurídica pró-pria, autonomia financeira, administrativa e patrimonial.

Actualmente, com vinte e quatro anos de existência OAM concebe-se como o único órgão representativo da ad-vocacia no país, isto é, beneficia do princípio da unicida-de, sendo proibida em todo o território nacional a existên-cia de qualquer outra associação pública representativa da advocacia.120

Sendo igualmente, o garante da valorização, da con-fiança e da credibilização do Advogado em face da socie-dade e intuições, cujos interesses são chamados a defender.

120 Artigo 110 da lei nº7/2012 de 08 de Fevereiro

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3. O Estágio Profissional Como Requisito Primordial Para O Exame de Acesso À OA

Como referimos no preâmbulo da nossa abordagem, um dos graves problemas que motivou a OAM, a instituir os estágios profissionais para o exercício da advocacia no ordenamento jurídico moçambicano é a deficiente formação profissional dos candidatos a advocacia, durante a fase da formação académica.

Essa deficiência não é tanto ao nível dos conhecimen-tos jurídicos e científicos mas sobretudo ao nível de prepara-ção técnica e pratica para o exercício da profissão.

O Estatuto da Ordem dos Advogados de Moçambique, regula a questão do Estágio Profissional entre os arts.143-148. Existem duas janelas de ingresso ao estágio da OA, a de Fevereiro e a de Agosto.

O Estágio foi estabelecido, como um meio de prepara-ção para o Exame Profissional, onde o Advogado Estagiário passa por um processo de aprendizagem contínua e faseada, durante um período estabelecido de 14 meses sob tutela de um patrono, que deve ser um Advogado com experiência mínima no exercício de advocacia de 5 anos.

3.1. As Fases do Estágio Profissional No nosso ordenamento, o estágio profissional está di-

vidido em duas fases, tendo a primeira a duração de 8 meses e a segunda 6 meses, respectivamente.

a) Primeira Fase – Das Formações Teóricas Numa primeira fase, temos um sistema de formação

de cariz “escolar”, estruturado segundo a dicotomia clássica,

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professor (patrono), aluno (estagiário), ou seja, fora a forma-ção académica de quatro anos e meio, nas universidades, os candidatos à advocacia passam a receber na OAM, forma-ções ministradas através de aulas teóricas, que reproduzem ao fundo, “com mais qualidade”, propriedade e práticidade as matérias relacionadas ao exercício da prática forense e da organização judiciária, bem como aprofundar o estudo de matérias do direito adjectivo e substantivo, incluindo as matérias relativas a ética e deontologia profissional que nor-teiam a actuação do advogado, com a sua ordem, a socieda-de, os colegas, os tribunais e demais órgãos da administra-ção da justiça existentes no ordenamento jurídico pátrio121.

Hoje em dia são 6, os principais temas que tem con-duzido a formação teórica, mormente: “Ética e Deontologia Profissional; Direito Processual Civil; Direito Processual Pe-nal; Práticas Jurídicas Forenses; Práticas Jurídicas Multidis-ciplinares e Direito processual Laboral”

Tendo essas, carácter obrigatório, sob pena de suspen-são automática do estágio122. Por sua vez, como forma a mos-trar os conhecimentos adquiridos e a forma que o mesmo foi aplicado durante os 8 meses, o estagiário deve no final das 6 formações apresentar um relatório onde expõe de forma sucinta o conhecimento adquirido. Sendo esse culminar da primeira fase, uma vez aprovado pela comissão de avaliação da OAM123.

121 2 Nº3 do artigo 145 do EOAM e o Nº 1 do artigo 7 do REPENA.122 3 Nos termos do artigo 22 do REPENA.123 Artigo 18 do REPENA

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b) Segunda Fase – Prática de Alguns Actos Próprios da Profissão

Com duração de 6 meses, a segunda fase da forma-ção, consiste numa experiência alargada, complementar e progressiva dos advogados estagiários, através da vivência da profissão, de intervenções judiciais em prática tutelada, assim como o aprofundamento dos conhecimentos e apura-mento da consciência deontológica124.

Esta fase é concebida como condição de acesso ao exa-me final e como não podia ser diferente, dentre outras obri-gações impostas ao advogado estagiário, nesta fase também o Advogado Estagiário está sujeito a participar nas acções de formações ministradas pela OAM e coordenadas pelo Insti-tuto de assistência jurídica125, artigo 20 do REPENA.

Durante esta fase, o Advogado Estagiário esta obriga-do patrocinar, seja em regime de mandato, ou de nomeação oficiosa de não menos de 10 processos judiciais em que re-presente cidadãos carenciados, em processo laboral, cível e criminal em valor que não exceda o previsto em processo sumário, no processo cível, e em causas que não extravasam o processo sumário e de policia correccional, no processo crime.

4. O Exame Nacional De Acesso Realizado Em Moçambique Breve Contextualização

A obrigação da aprovação no exame nacional de Aces-so como condição indispensável para a inscrição, como ad-vogado, dos advogados estagiários e dos licenciados em di-124 Nos termos do nº4 do EOAM e nº 2 do artigo 7 do REPANA125 Actualmente, o IAJ, não esta em funcionamento. Os advogados estagiários da segunda fase, realizam os mandatos e as defesas oficiosas previstas na b), nº1 do REPENA, no Instituto de Assistência e Patrocínio Jurídico (IPAJ).

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reito que prestam assistência jurídica, apenas surgiu, com a aprovação do REPENA, em 30 de Janeiro de 2014126 . Como necessidade de reformular o modelo de estágio e como for-ma de assegurar que as matérias leccionadas durante os pe-ríodos do estágio foram devidamente assimiladas, e igual-mente assegurar a qualidade dos profissionais inscritos naquela ordem.

Ora, o EOAM, estabelece a obrigatoriedade de reali-zação do Exame Nacional de Acesso como requisito para os cidadãos nacionais se tornarem advogados. Não sendo sufi-ciente a aprovação dos relatórios submetidos pelos advoga-dos estagiários a OA, na primeira e segunda fase.

A Instituição do Exame Nacional de Acesso, como forma de selecção dos candidatos mais aptos para o exer-cício da advocacia é oportuna e nos últimos anos, obteve apoio da maioria dos advogados.

Se a ordem dos advogados é o órgão que representa os advogados no ordenamento jurídico moçambicano, é na-tural que a OAM, prepare os licenciados em direito para o exercício da advocacia, ministrando as acções de formação profissional, necessárias com domínio da ética e deontolo-gia profissional e das práticas forenses.

Daí que, a instituição do exame nacional de acesso como forma de selecção dos candidatos mais aptos para o exercício da advocacia, afigurou-se pontual e pertinente.

Com efeito, como forma de assegurar o grau de as-similação das matérias aprendidas quer nas acções de for-mação, no escritório, com o patrono ou no fórum com as acções de formação e principalmente, assegurar o nível de qualidade dos profissionais de direito, institui-se o Exame Nacional de Acesso.

126 No seu artigo 24.

160

O exame nacional de aceso está previsto no artigo 24 do REPENA e é concebido como condição indispensável para a inscrição, como advogado, dos advogados estagiários e dos licenciados em direito que prestam assistência jurídica pelo período de 16 meses no IPAJ.

4.1. Fases do Exame Nacional de AcessoEste Exame, compreende duas partes, escrita e oral,

sendo que cada uma delas vale 20 valores, que é a pontuação máxima de avaliação em Moçambique o que corresponde a nota 10 no Brasil. Na execução das mesmas provas só é per-mitida a consulta da legislação.

O Exame Nacional de Acesso é de época única, e as da-tas e locais são designados por deliberação do Conselho Na-cional da OAM, sempre que o número dos inscritos se jus-tifique, não existindo um número mínimo pré-estabelecido, ou pelo menos não do conhecimento do público que exista, isso porque o número de candidatos é sempre variável.

Os exames são realizados no mesmo dia e hora, em pelo menos três cidades do país, distribuídas entre as três regiões do país Sul, Centro e Norte127. Devendo sempre os candidatos que não tem base e nenhuma das três cidades se deslocar a fim de poder fazer o exame.

O júri para efeitos da prova oral do exame nacional de acesso é composto por três membros indicados pelo CNAEE.

A prova oral consiste numa exposição pelo advogado estagiário, sobre um caso concreto que foi objecto do tra-tamento doutrinário ou jurisdicional controverso, presen-

127 Maputo, representando a zona sul, Sofala, representando o Centro e Nam-pula representando o norte do pais

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cialmente do que tenha tido conhecimento ao longo do seu estágio128.

A prova escrita, tem duração máxima de três horas e deve ter cumulativamente, pelo menos, um exercício racio-nal com a ética e deontologia profissional, um exercício que obriga a elaboração de peças processuais ou que importe a elaboração de um parecer jurídico relevante para o exercício da profissão no contesto especifico do pais e um exercício da área penal, cível e laboral129.

4.2. Vantagens e Desvantagens da Instituição do Exame de Acesso como Requisito para Ingressar a Ordem dos Advogados

Como diz o ditado Latim Ubi Commoda, Ibi Incom-moda. Diferente não acontece quando falamos do Exame de Acesso, pois existem varias vantagens que por si só são no-tórias, porém existem também algumas inquietações, para não tratarmos directamente como desvantagens salvo me-lhor entendimento.

Da Vantagem • Uma forma de garantir advogados com uma forma-

ção de qualidade, e com capacidade mínima de garantir a justiça aos cidadãos que confiam nas suas habilidades técni-cas de gerir conflitos que envolvem conhecimento jurídico;

Da Desvantagem • Alto número de reprovações dos candidatos que se

submetem ao Exame, isso as vezes não pela falta de prepa-

128 Artigo 28 do REPENA129 Artigo 27 do REPENA.

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ração do estagiário, mas pela falta de clareza na forma que é feito o processo de avaliação. O que em algum momento leva a questionar a imparcialidade do processo.

5. Direito ComparadoTal como ocorre em Moçambique, também na maioria

dos países da CPLP, tais como Portugal, Brasil e Cabo Ver-de os licenciados em Direito estão sujeitos a comprovação da aptidão profissional através de um Exame Nacional de Acesso as respectivas Ordens de Advogados.

Em Moçambique, a legalidade do exame nacional vem implicitamente regulado no EOAM n.o5 do artigo 145.Tal como acontece nos demais ordenamentos, duma forma ex-pressa, os estatutos já preveem a figura do exame profissio-nal como um elemento chave para se chegar a qualidade de Advogado. Todos os aspectos relacionados ao Exame, vem definido no REPENA. Realiza-se o exame nacional de aces-so a OAM, sob amparo legal do regulamento de Estágio Pro-fissional e Exame Nacional de Acesso à Advocacia130.

No Brasil, esta questão está devidamente consagrada no artigo 8º, VI, da Lei 8.906, de 1994 e rege-se pelo provi-mento nº 144/2011.

Em Portugal, é o artigo 195º do Estatuto que qualifica o exame como o culminar do período do estágio, onde se realiza a prova de agregação131.

130 Deliberação nº8/CN/2014 de 30 de Janeiro, que aprova o REPENA131 A prova de agregação consiste em avaliar os conhecimentos adquiridos nas duas fazes do estágio, dependendo a atribuição do título de advogado de aprova-ção nesta prova., nº 6 do artigo 195 do EOAP

163

Por seu turno, em Cabo Verde, este dever, cons-ta do Capítulo IV, artigo 33 do Regulamento Nacional de Estágio132.

O exame nacional de acesso, tanto em Moçambique, como em Portugal e em Cabo Verde, é concebido como o culminar das duas fases do estágio profissional para o exer-cício da advocacia e é condição necessária para adquirir a qualidade de advogado133.

Pelo contrário, no ordenamento jurídico brasileiro, os estágios profissionais, fazem parte dos currículos das facul-dades de direito, a OAB, não efectua qualquer tipo de fisca-lização ao estágio. O papel da OAB, cinge-se na aferição da qualidade profissional dos licenciados em direito através da realização do exame nacional de acesso a OAB. Assim como acontece em Moçambique nos demais países da CPLP, tal como, São Tomé e Angola, os estatutos são claros, para o exercício da advocacia basta que se seja licenciado em Direi-to e tenha realizado com êxito o estágio profissional para o exercício da advocacia, significando a realização com êxito, ter sido aprovado nos exames da OAM.

6. ConclusãoExame nacional de acesso está previsto no artigo 24 do

REPENA e é concebido como condição indispensável para a inscrição, como advogado, dos advogados estagiários e dos licenciados em direito que prestam assistência jurídica pelo período de 16 meses no IPAJ. Essa obrigação de aprovação no exame nacional de acesso como condição indispensável

132 Regulamento 52-A/2005133 Para Portugal, artigo 195 do EOAP e para Moçambique o artigo 145 do EAOM e para Cabo Verde o Regulamento Nacional de Estágio.

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apenas surgiu, com a aprovação do REPENA, em 30 de Ja-neiro de 2014.

Sendo uma necessidade de ordem social e/ou legal, é legítimo que a OAM, prepare os licenciados em direito para o exercício da advocacia, ministrando as acções de formação profissional, necessárias com domínio da ética e deontolo-gia profissional e das práticas forenses. Culminando com o exame nacional de acesso como forma de selecção dos can-didatos “mais aptos” (diga-se de passagem) para o exercício da advocacia, isto pela necessidade de trazer indivíduos com capacidade técnica e moral adequada para servir a justiça e representar os interesses dos cidadãos, junto as instâncias competentes.

E conforme verificamos a realização do Exame Profis-sional, para ingressar na Ordem dos Advogados, não é uma prática exclusiva de Moçambique, mas nos demais países da CPLP, os licenciados em Direito que queiram exercer a fun-ção de Advogado são submetidos a um Exame. Com isto, entendemos nós que esse processo, não deve ser um entrave para que os recém-licenciados obtenham a carteira, mas sim uma oportunidade de aprendizado.

Temos constantemente verificado um número eleva-do de reprovações, o que leva-nos a questionar, se a falha tem mesmo que ver com o fraco conhecimento por parte dos estudantes das matérias avaliadas, ou a baixa qualidade e acompanhamento, e/ou fiscalização no período de estágio que se apresenta como uma fraqueza na preparação dos nos-sos futuros Advogados.

A ser assim, seria de bom-tom que a rigorosidade apli-cada no período do Exame, fosse também capitalizada no período da realização do estágio, só assim estaremos a ir de

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encontro com o real objectivo do Exame selecionar os “me-lhores entre os bons, e não os maus entre os piores”

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASCORREIA, Gilberto. Estatuto da OAM e Lei das So-

ciedades de Advogados, Anotado e Comentado, primeira Ed. W_Editora,2014.

REPENA Aprovado pela Deliberação n.o8/CN/2014, de 30 de Janeiro.

Lei n.o10/2006 regula o Estatuto da Ordem dos Advo-gados São Tomé e Príncipe.

Lei n.o8.906 de 04 de Julho de 1994, Estatuto da Advo-cacia e da OAB e Legislação Complementar.

REFERÊNCIAS ELETRÔNICASwww.sigarra.up.pt/ptnoticiasgeral.ver_noticia?p_nr=602 www.oam.org.mzpautageral-do-ena-outubro-2018-e-

-analise-estatistica/

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O ENSINO DO DIREITOE A JUSTIÇA RESTAURATIVA

Sónia Moreira Reis134

RESUMOO ensino do direito e a Justiça Restaurativa é o tema

que aqui se procura explorar. Surgindo a Justiça Restau-rativa como uma teoria de Justiça que busca um modo de reação ao crime que dê resposta à vítima e às suas necessi-dades, deslocando assim o foco da Justiça tradicional, que normalmente impende sobre o agente do crime, para a ví-tima, resulta evidente que a interseção a estabelecer entre o ensino do Direito e a Justiça Restaurativa se centra no plano do Direito Penal e do Direito Processual Penal. Qual o con-teúdo desse ensino a promover é o que se delimitará no texto seguinte.

Palavras-chave: Justiça Restaurativa, reparação, me-diação, vítima, ofensor.

134 Assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Doutoranda e Mestre (ramo de Ciências Jurídico-Criminais) pela mesma Faculdade. É mem-bro do Instituto de Direito Penal e Ciências Criminais (IDPCC) e do Centro de In-vestigação em Direito Penal e Ciências Criminais (CIDPCC), ambos da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Colabora regularmente com Instituições de Ensino Superior nacionais (Instituto Superior de Ciências Sociais e Humanas da Universidade de Lisboa) e estrangeiras (Fachhochschule Kiel im Fachbereich Soziale Arbeit und Gesundheit - Alemanha) e participa regularmente em projetos financiados pela UE (Restorative Justice at Post-Sentencing level – Supporting and protecting victims: JUST/2011 – 2012/AG; Building Bridges: JUST/2013/JPEN/AG; Protasis: JUST/2015/RDAP/AG/VICT/9318; Pro Victims: JUST-AG-2017/JUST-JACC-AG-2017). Já exerceu funções públicas no âmbito da Justiça Restau-rativa (Diretora-Adjunta do GRAL-Ministério da Justiça, 2008-2011).

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ABSTRACTTeaching law and Restorative Justice is the topic that

one wishes to explore on the following text. Taking to ac-count that Restorative Justice arises as a theory of justice that seeks a way of responding to crime mainly focused on the victim and on the victim’s needs and that, to do so, it tries to change the traditional justice lenses, generally focu-sed on the perpetrator, into the victim and to the victim’s needs, it turns evident that the intersection to be established between the teaching of Law and Restorative Justice must be focused on Criminal Law and Criminal Procedure Law. What should be the content of this teaching will be outlined on the following text.

Keywords: Restorative Justice, reparation, mediation, victim, offender.

1. IntroduçãoEm Portugal, a Justiça Restaurativa não integra o pla-

no de estudos dos cursos de licenciatura em Direito de modo autónomo. Ou seja, no primeiro ciclo de estudos não há uma disciplina de Justiça Restaurativa, nem na oferta de ensino público, nem na de ensino privado. Embora esta ausência não constitua solução original na vertente comparada, a ver-dade é que há interseção entre o ensino do Direito e a Justiça Restaurativa no plano penal. E isto em duas dimensões: uma substantiva e outra adjetiva. O presente texto pretende pre-cisamente evidenciar o modo como essa interseção se pode efetivar, delimitando os conteúdos dogmáticos a explorar em cada um dos planos assinalados. Para esse efeito, come-

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çaremos por definir a Justiça Restaurativa (ponto n.º 2), para depois analisar as dimensões substantiva (ponto n.º 3) e ad-jetiva (ponto n.º 4) da presente reflexão, avançando por fim para breves conclusões (ponto n.º 5).

Adianta-se que o ponto de partida do texto subse-quente é o ordenamento jurídico português, onde a Justiça Restaurativa está em geral presente por meio da referência a uma das suas práticas: a mediação. Entendo que a Justiça Restaurativa é o campo dogmático que incorpora diferentes práticas restaurativas, como a mediação, os círculos de sen-tença o conferencing ou as Family Group Conferences, por exemplo, pelo que a designação chapéu ou abrangente será Justiça Restaurativa. Não obstante, o legislador nacional, em cumprimento de obrigações assumidas no contexto da União Europeia (UE), terá optado na aprovação da Lei n.º 21/2007, de 12 de junho, por um modelo que cria um regime de mediação penal, em execução do artigo 10.º da Decisão Quadro n.º 2001/220/JAI, do Conselho, de 15 de Março, re-lativa ao estatuto da vítima em processo penal. Mas a verda-de é que já anteriormente a Lei Tutelar Educativa, aprovada pela Lei n.º 166/99, de 14 de setembro, consagrava a media-ção como um princípio geral do processo tutelar destinado a jovens em situação de delinquência entre os 12 e até perfa-zerem 16 anos (cf. artigo 40.º da Lei), idade em que se atin-ge a maioridade penal em Portugal, de acordo com o artigo 19.º do Código Penal Português. Esta preferência declarada pelo legislador luso pela mediação explica-se por ser esta a prática restaurativa mais difundida no contexto Europeu e presente nas orientações da UE, como na Decisão Quadro n.º 2001/220/JAI já mencionada. Todavia, este estado de coi-sas mudou com o Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei n.º 115/2009, de

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12 de outubro, cujo artigo 47.º, n.º 4 estabelece a possibilida-de de o recluso participar em programas de Justiça Restau-rativa, nomeadamente através de sessões de mediação com o ofendido.

Gizado o enquadramento legal da Justiça Restaurativa em Portugal, inicia-se a reflexão proposta.

2. O que é a Justiça Restaurativa?Com raízes culturais e religiosas ancestrais, presen-

tes nas culturas Índia da América do Norte, Maori da Nova Zelândia ou Aborígene da Austrália, a Justiça Restaurativa ganhou dignidade dogmática e expressão prática sobretudo na segunda metade do século XX, altura em que se iniciou a busca por uma (nova) forma de realização de Justiça, cen-trada na vítima e nas necessidades que o crime nela geram. É que a Justiça Penal até então vigente era essencialmente retributiva, assente na punição do agente, que deveria expiar o seu crime como quem expia um pecado. E para efetivar essa punição, a vítima servia como prova e todo o sistema jurídico-penal era erigido em torno do agente do crime, des-curando a vítima. Por isso que processos de vitimização se-cundária, em que a vítima era vítima do crime e depois do próprio processo instaurado, eram frequentes, já que ela era vista como um meio de obtenção de prova, que não impe-dia que fosse por exemplo sistematicamente interrogada ou confrontada com o agressor, sem qualquer proteção.

A reação a este estado de coisas e a busca de refor-ma(s) do sistema criminal ecoava em várias fontes. Desde a Vitimologia à Criminologia, passando pelos estudos Femi-nistas do Direito, várias eram as vozes que clamavam por uma forma de Justiça menos adversarial e masculina e mais

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conciliadora e feminina. É neste contexto que surge, a partir de meados da década de 70 do século XX, a moderna roupa-gem da Justiça Restaurativa (Restorative Justice), altura em que Eglash terá pela primeira vez utilizado essa expressão135. E foi também nessa década que uma das práticas restaura-tivas de maior expressão, a mediação, foi pela primeira vez utilizada no plano judicial por iniciativa de um probation officer, chamado Mark Yantzi, em Kitchener (Ontário), no Canadá, que obteve autorização para o efeito num processo judicial que envolvia dois jovens, de 18 e 19 anos, que teriam cometido 22 crimes de dano numa noite, causadores de um grande e grave alarme social naquela pequena comunida-de136. A teorização da Justiça Restaurativa continuou, com particular fulgor a partir dos trabalhos de Zehr, que propu-nha uma mudança da “lente” da Justiça, trocando a objetiva punitiva por uma outra restaurativa137. Esse fulgor não mais esmoreceu, com intensa teorização e produção científica promovida por vários AA., até ao momento presente138.

135 Sobre o surgimento da Justiça Restaurativa e dessa expressão em concreto a partir da distinção entre Justiça Retributiva, Justiça Distributiva e Justiça Res-taurativa, sustentada por Eglash num conjunto de escritos publicados entre 1958 e 1977, REIS, Sónia Moreira. Justiça Restaurativa, in Criminologia e Reinserção Social (coord. Fausto Amaro e Dália Costa). Lisboa: Pactor, 2019 (pp. 231-251), pp. 232 e ss.136 Desenvolvidamente, REIS, Sónia Moreira. Justiça Restaurativa..., como na nota anterior, p. 234.137 Cf. ZEHR, Howard. Changing lenses: a new focus for crime and justice, Scottsdale, PA: Herald Press. 1990; The little book of Restorative Justice. Intercou-rse, PA: Good Books, 2002.138 A obra mais recente com maior projeção internacional relacionada com o foco de análise que ora se pretende promover talvez seja, pela dimensão e temas abordados, GRAVIELIDES, Theo (ed.). Routledge International Handbook of Restorative Justice, NY: Routledge, 2019. Mas também será de destacar, por es-pecialmente focados na relação entre a Justiça Restaurativa e o sistema criminal: O’MAHONY, David; DOAK, Jonathan. Reimagining Restorative Justice: Agency and Accountability in the Criminal Process, Oxford e Portland, Oregon: Hart Pu-blications, 2017. Em Portugal, a obra de fundo sobre Justiça Restaurativa pertence a SANTOS, Cláudia Cruz. A Justiça Restaurativa. Um modelo de reacção ao crime diferente da Justiça Penal. Porquê, Para quê e como?, Coimbra: Coimbra Editora,

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Nestes termos, a Justiça Restaurativa potencia a repa-ração dos danos causados pelo crime e permite a reparação das relações humanas, repondo a dignidade, a segurança, a confiança e a responsabilidade abaladas pela prática do cri-me. Para isso, é promovido um processo restaurativo, que conta com a presença da vítima, do ofensor e, por vezes, de representantes da comunidade, que são auxiliados por um terceiro imparcial, que pode ser o mediador ou o facilita-dor, consoante o processo restaurativo em causa, com vista à promoção do diálogo entre os intervenientes, à assunção de responsabilidade por parte do ofensor, à restituição do poder à vítima que o crime lhe sonegou (empowerment=em-poderamento) e, em última análise, à reparação do dano ocasionado pela prática do crime. Por isso que a definição mais comum de Justiça Restaurativa tem ínsita a ideia de um processo em que participam a vítima, o ofensor e, quando apropriado, representantes da comunidade, sempre auxilia-dos por um terceiro imparcial.

E é precisamente essa a definição que encontramos na generalidade dos instrumentos de Direito Internacional que consagram a Justiça Restaurativa, designadamente na Reso-lução n.º 2002/12, de 24 de julho, do Conselho Económico e Social da Organização das Nações Unidas (ponto 1-2 do Anexo), na Diretiva 2012/29/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012, que estabelece nor-mas mínimas relativas aos direitos, ao apoio e à proteção das vítimas da criminalidade e que substitui a Decisão-Quadro 2001/220/JAI do Conselho (cf. artigo 2.º, n.º 1, alínea d) da Diretiva) ou na Recomendação do Conselho da Europa (2018)8, de 3 de outubro, sobre a Justiça Restaurativa em matéria penal (cf. anexo II. 3.). Também no plano interna-

2014.

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cional se deu uma mudança de paradigma, pois ao contrário dos instrumentos iniciais, focados quase sempre na media-ção, o tempo é agora da Justiça Restaurativa139.

Definida a Justiça Restaurativa, apuremos como pode ser o seu ensino promovido no âmbito do Direito Penal pri-meiro e no do Direito Processual Penal depois.

3. O ensino da Justiça Restaurativa no Direito PenalNo plano do Direito Penal, o ensino da Justiça Res-

taurativa pode ser promovido 1) a propósito do estudo do conceito material de crime quando se utilize o argumento criminológico para efeitos da determinação dos limites do Direito Penal140; 2) relativamente à análise das sanções cri-minais, explorando as diferentes possibilidades de um mo-delo de reparação; 3) e ainda nos quadros da discussão dos fins das penas, sendo de discutir se a reparação que a Justi-ça Restaurativa promove será um fim a autonomizar, para além da prevenção geral e da prevenção especial.

Quanto ao estudo do conceito material de crime e ao argumento criminológico referido como ponto 1, a vergonha reintegrativa (reintegrative shaming) assume aqui um papel

139 Vejam-se o artigo 10.º da Decisão Quadro n.º 2001/220/JAI, do Conselho, de 15 de Março, que entretanto deu lugar à Diretiva 2012/29/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012, a que já se fez menção ou a Re-comendação do Conselho da Europa n.º R(99, de 15 de setembro, sobre mediação em matéria penal, entretanto suplantada pela citada Recomendação do Conselho da Europa (2018)8, de 3 de outubro, onde se giza o plano de intervenção da Justiça Restaurativa em matéria penal. Sobre a mudança de paradigma a propósito da mui recente Recomendação do Conselho da Europa (2018)8, de 3 de outubro, HAGE-MANN, Otmar. Commentary on the Council of Europe Recomendation (2018)8, Revista de Victimologia, n.º 8, 2018 (pp. 154-176), p. 154 e ss.140 A construção do conceito de material de crime também a partir do argu-mento criminológico segue o ensinamento de PALMA, Maria Fernanda, Direito Penal, conceito material de crime, princípios e fundamentos. Teoria da lei penal: interpretação, aplicação no tempo, no espaço e quanto às pessoas, 4.ª ed., Lisboa: AAFDL, 2019.

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de destaque. A partir dos estudos de Braithwaite141, no con-texto das teorias do controlo142, a teoria da vergonha reinte-grativa arranca da ideia central de que uma reação social ao crime assente em uma pirâmide regulatória, com estruturas informais de controlo na base, que se vão progressivamen-te formalizando e endurecendo no modo de intervenção até atingir o vértice superior da pirâmide, evitaria fenómenos de déviance secundária. Esclareçamos. Em geral, o senti-mento de vergonha assume conotação negativa. Todavia, na Teoria de Braithwaite, a provocação de vergonha naquele que prevaricou tem lugar em um ambiente seguro, normal-mente integrado por elementos da sua família e por outras pessoas significativas. Tudo isto se desenrola nos quadros de um processo restaurativo, como o conferencing, em que para além do agente do crime e das suas pessoas significativas, estarão igualmente presentes a vítima, os apoiantes desta, a par dos facilitadores. Eventualmente, participarão repre-sentantes da comunidade. Durante o processo restaurativo a empreender, a vítima e os demais participantes no processo restaurativo terão oportunidade de confrontar o agente do crime com perguntas relacionadas com o contexto em que

141 Seu pensamento, posteriormente aprimorado e alargado. Exemplifica-tivamente: Diversion, reintegrative shaming and Republican Criminology, in Diversion and informal social control (ed. Günter Albrecht e Wolfgang Ludwi-g-Mayerhofer. Berilm e NY: Walter de Gruyter, 1995, pp. 141-158. Note-se que Braithwaite também tem desenvolvido o seu pensamento em parceria com outros AA., por exemplo: BRAITHWAITE, John, e PETTIT, Phillip. Not just deserts: a re-publican theory of Criminal Justice. Oxford: Oxford University Press, 1990; BRAI-THWAITE, John et all. Shame Management Through Reintegration. Melbourne: Cambridge University Press, 2001142 Neste sentido, AMARO, Fausto. Criminologia e Reinserção Social, in Cri-minologia e Reinserção Social (coord. Fausto Amaro e Dália Costa). Lisboa: Pac-tor, 2019 (pp.1-20), pp. 8-10. Todavia, a recondução do pensamento de Braithwaite às teorias do controlo não é inequívoca, dada a plêiade de influências criminoló-gicas que o inspiram. Sobre isto, UGGEN, Christopher. Reintegrating Braithwaite: shame and consensus in criminological theory. Law & Social Inquiry, vol. 18, n.º 3 (pp. 481-499), pp. 481 e ss.

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o crime foi praticado, com as consequências e implicações pessoais e outras que o crime trouxe para a vida da vítima ou o que se revela necessário para que o dano ocasionado pela prática do crime possa ser reparado. Durante este pro-cesso, a vergonha do agente prevaricador emerge. Trata-se de uma vergonha que o reintegra na sociedade e que implica a reconstrução de si mesmo, por meio de um processo de transformação interior143. É assim reintegrativa e por isso positiva, por promover a assunção de responsabilidade pelo agente. Este será dos primeiros níveis de intervenção que a pirâmide regulatória de Braithwaite sustenta. Frustrando--se esta forma de intervenção, nomeadamente por o agente violar os termos do acordo de reparação alcançado e rein-cidir na prática de crime(s), seguir-se-ão outras formas de intervenção presentes na pirâmide regulatória, incluindo a judicial144. A construção do conceito material de crime a partir do argumento criminológico com apelo à vergonha reintegrativa será portanto uma primeira linha de interse-ção a explorar.

Olhando agora para o ponto n.º 2 proposto, as sanções criminais, a discussão gira em torno da questão de saber se a Justiça Restaurativa pode ser erigida em consequência jurídica do crime, reflexão normalmente realizada a partir dos modelos de reparação. Tomando os diferentes modelos explicativos que são gizados a este propósito145, e pondo de-

143 PALMA, Maria Fernanda, Direito Penal, conceito material de crime, prin-cípios e fundamentos. Teoria da lei penal: interpretação, aplicação no tempo, no espaço e quanto às pessoas, cit., p. 35.144 Note-se que, embora esta construção piramidal tenha um claro intento de intervenção do processo restaurativo em fases pré-judiciais, a verdade é que o mo-delo pode ser adaptado e a promoção dos processos restaurativos pode ter lugar nas várias fases processuais, incluindo na fase pós-sentença, como em Portugal o Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade permite.145 Desenvolvidamente, MONTE, Mário Ferreira. Da Reparação Penal Como Consequência Jurídica Autónoma do Crime, in “Liber Discipulorum” para Jorge

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claradamente de parte aquele que se pode intitular de auto-nomista radical ou mesmo abolicionista146, designadamente por entender que a Constituição da República Portuguesa (CRP) legitima tanto o Direito Penal como as restrições dos direitos, liberdades e garantias que nos seus quadros se promove. Por isso, não haverá lugar para a substituição do Direito Penal pela Justiça Restaurativa. Assim, a discussão situa-se nos modelos autonomista, em sentido estrito ou moderado. A questão fundamental a debater é esta: deve ou não a Justiça Restaurativa e o seu ideal reparador con-substanciar uma terceira via, ou, nas palavras de Hassemer uma terceira gaveta (dritte Schublade) das consequências ju-rídicas do crime, que pode ser aberta em articulação com a primeira gaveta, que conteria as penas, e com a segunda, onde constariam as medidas de segurança147? A ideia de que a reparação poderia ser autonomizada foi avançada há mui-to por AA. como Albin Eser ou Claus Roxin que, em 1992, apresentaram, juntamente com outros Professores de na-cionalidades alemã, austríaca e suíça, o Projeto Alternativo de Reparação do Dano (Alternativ-Entwurf Wiedergutma-chung - AE-WGM148, onde a efetivação da reparação daria de Figueiredo Dias (org. Manuel da Costa Andrade et al.). Coimbra: Coimbra Edi-tora, 2003, pp.129-155.146 Sobre isto, HASSEMER, Winfried, Contra el Abolicionismo: Acerca del Por-qué No se Debería Suprimir el Derecho Penal. Revista Penal, n.º 11, 2003 (pp. 31-40), pp. 31 e ss.; HIRSCH, Hans Joachim, La Reparación del Daño en el Marco del Derecho Penal Material, in De los Delitos y de las Víctimas (coord. Julio B. J. Maier). Buenos Aires: ADHOC, 1992 (pp. 55-90), pp. 58 e ss.147 Sobre a imagem aludida, HASSEMER, Winfried. Warum Strafe Sein Muss, 2.ª ed., Berlim: Ullstein, 2009, pp. 246 e ss. Note-se que a ideia da reparação como terceira via das consequências jurídicas do crime também é sustentada em Por-tugal, por exemplo por DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal Português, Parte Geral II, As Consequências Jurídicas do Crime. Lisboa: Notícias Editorial, 1993, pp. 45-46 e 77-79.148 Para um enquadramento histórico e dogmático do Projeto Alternativo de Reparação do Dano, PALERMO, Pablo Galain. La reparación del daño a la víctima del delito. Valencia: Tirant lo Blanch, 2010, pp. 147 e ss.; SANTANA, Selma Pereira de. A reparação como consequência jurídico-penal autônoma do delito, o projeto

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preferencialmente lugar à não punição ou à atenuação da pena. Não obstante, creio que o foco de discussão se modi-ficou. Ali discutia-se o ideal reparador, apenas. Mas o que ora proponho é que a ideia de reparação seja apreciada sob o enfoque da Justiça Restaurativa. A uma nova luz, portan-to. Acredito que foi isso que fez já o legislador alemão que, no §46a do Strafgesetzbuch (StGB), a propósito da determi-nação da sentença, admite que, no caso de ter havido lugar a mediação vítima-ofensor (Täter-Opfer-Ausgleich), com a consequente reparação da vítima (seja ela material ou sim-bólica), a sentença possa ser atenuada ou, no caso de estar em causa a condenação a pena de prisão efetiva até um ano ou pena de multa até 360 dias, poderá mesmo o julgador equacionar a não cominação daquelas penas. Em Portugal, apesar de o princípio geral da reparação constar do Código Penal, não se prevê norma semelhante à do StGB, pelo que, a meu ver, o ideal reparador que aqui se consagra não implica necessariamente um processo restaurativo, o mesmo é dizer que não terá sempre o envolvimento da vítima, ao contrário do que se busca no âmbito da Justiça Restaurativa.

Passemos, por último, para o ponto n.º 3 proposto. O facto de a aproximação reparadora implicar, nos quadros da Justiça Restaurativa, uma composição a concretizar entre o agente e a vítima significa para alguns a privatização do cri-me, pelo que a Justiça Restaurativa seria alheia à prossecu-ção de quaisquer fins149. O entendimento que aqui sustento é diverso. O processo restaurativo promove, por via da media-

alternativo de reparação: algumas objeções, in “Liber Discipulorum” para Jorge de Figueiredo Dias (org. Manuel da Costa Andrade et al.), Vol. II. Coimbra: Coimbra Editora, 2009 (pp. 890-930), pp. 896 e ss.149 Sobre o problema, FARIA, Paula Ribeiro de, A Reparação Punitiva – Uma “Terceira Via” na Efectivação da Responsabilidade Penal?, in “Liber Discipulo-rum” para Jorge de Figueiredo Dias (org. Manuel da Costa Andrade et al.). Coim-bra: Coimbra Editora, 2003 (pp. 259-291), p. 269.

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ção, do conferencing ou de outro processo restaurativo eleito, a assunção de responsabilidade pelo agente. Isto não é pouco. Ao assumir responsabilidade quanto ao facto praticado, o agente está na realidade a reconhecer que agiu contrariando o que o ordenamento jurídico, e por esse meio a comunida-de, exigia e esperava. Por isso, ao assumir responsabilidade, o agente está a reconhecer a validade da norma que violou e assim a proteção do bem jurídico que lhe é conferida. A repa-ração, percebida enquanto consequência jurídica do crime, tem assim um efeito preventivo geral no seu melhor senti-do150. Quer dizer, a paz jurídica é restaurada principalmente através do ressarcimento da vítima e da conciliação entre autor e vítima. Logo, o conflito é resolvido, a ordem jurídica restabelecida e a força impositiva do Direito comprovada de um modo claro para a generalidade dos indivíduos. Mas a reparação também é ajustada aos fins de prevenção especial

. Importa aclarar que a reparação que se considera nos qua-dros da Justiça Restaurativa é estritamente voluntária, ou seja, a participação no processo restaurativo é sempre volun-tária para todos os envolvidos, maxime para o agente e para a vítima. Assim, durante o processo restaurativo, o agente debate-se interiormente de modo voluntário com o facto que praticou e suas consequências. Aceitando reparar, ajuda a vítima por meio de prestações ativas. Donde, é o próprio agente que atua, voluntariamente, de modo ressocializador. De facto, é o agente que pratica o crime que promove a sua reintegração na sociedade, ativamente, o que resulta do pro-

150 Assim, ALMEIDA, Carlota Pizarro de. A Mediação Perante os Objetivos do Direito Penal, in A Introdução da Mediação Vítima-Agressor no Ordenamento Jurídico Português. Coimbra: Almedina, 2005 (pp. 39-51), pp. 40-41; DIAS; MO-RÃO, Helena, «Justiça Restaurativa e Crimes Patrimoniais na Reforma Penal de 2007», in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias (org. Manuel da Costa Andrade et al.), Vol. III. Coimbra: Coimbra Editora, 2010 (pp. 527-543), p. 531.

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cesso restaurativo. E assim se alcança também a finalidade de prevenção especial151. Do exposto não resulta, pois, a au-tonomização da Justiça Restaurativa e do seu ideal repara-dor como um fim em si mesmo ou como um específico fim das penas. Na posição aqui sustentada, a Justiça Restaura-tiva prossegue e realiza finalidades de prevenção geral e de prevenção especial.

Passemos agora para o plano adjetivo.

4. O ensino da Justiça Restaurativa no Direito Pro-cessual Penal

Embora entenda que a Justiça Restaurativa e as suas práticas devem poder ter lugar em qualquer fase do processo penal, por não encontrar objeções constitucionais ou obs-táculos dogmáticos a uma tal solução, a verdade é que em Portugal essa possibilidade vai restrita à fase de inquérito, nos termos estabelecidos na Lei n.º 21/2007, de 12 de junho, antes citada.

Trata-se de um modelo intraprocessual, que apenas permite a remessa de processos para mediação penal quando tenha sido instaurado um processo crime, o que veda qual-quer possibilidade de mediação informal prévia ao processo penal ou tendente a evitar um processo, em cumprimento do princípio da legalidade, distanciando-se por isso o modelo legislativo português das soluções mais comuns do mundo anglo-saxónico. Por outro lado, o facto de o legislador vedar em absoluto a mediação aos crimes de natureza pública e aos que compreendam pena de prisão superior a 5 anos tra-duz-se, a final, num fraco saldo de crimes suscetíveis de ser remetidos para o processo de mediação: apenas os crimes de 151 Assim também MORÃO, Helena, como na nota anterior, p. 530.

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natureza particular ou de natureza semi-pública, exceto os crimes contra a liberdade e contra a audeterminação sexual, são abarcados152. Este afunilamento sucessivo dos requisi-tos legais explica o também sucessivo emagrecimento dos processos remetidos para o Sistema de Mediação Penal. De acordo com os dados estatísticos da Direção-Geral da Polí-tica da Justiça, organismo da Administração central do Es-tado que em Portugal gere os sistemas de mediação pública, onde se insere o Sistema de Mediação Penal, a par dos Sis-temas de Mediação Civil, Familiar e Laboral, o número de processos remetidos para mediação penal nos anos de 2017 e 2018 é inexistente, ou seja, a informação não é facultada, o que significa que os números se situam próximo do 0153. Não pretendo com isto declarar o óbito da mediação penal e por essa via da Justiça Restaurativa. Aliás, toda a minha atuação científica e prática na Academia a que pertenço tem visado sempre a promoção da Justiça Restaurativa e suas práticas, designadamente em ambiente prisional. Faço assim notar que pugno pela existência e pelo impulso da Justiça Restaurativa. Nunca pelo seu óbito. Porém, os números são elucidativos. E a verdade é que, em certa medida, eles são ex-plicados por uma opção dogmática e legislativa: o legislador português perspetivou o Sistema de Mediação Penal criado essencialmente como uma alternativa ao sistema processual

152 Desenvolvidamente, REIS, Sónia Moreira. Justiça Restaurativa..., cit., pp. 246 e ss. e A vítima na mediação penal em Portugal, Revista da Ordem dos Advo-gados, ano 70, Vol. I/IV (pp. 573-590), pp. 573 e ss., disponível em https://portal.oa.pt.153 Informação disponível no site www.dgpj.mj.pt, consultado pela última vez em 15.04.2019. A conclusão de que o número de processos remetidos para media-ção penal se situa próximo do 0 resulta do facto de, em termos legais, o segredo estatístico impedir a divulgação dos números disponíveis sempre que o número de processos seja muito reduzido, com vista à salvaguarda da privacidade dos cida-dãos e da confiança no sistema, em cumprimento do princípio do segredo estatís-tico, que integra o Sistema Estatístico Nacional, nos termos do disposto no artigo 6.º da Lei n.º 22/2008, de 13 de maio.

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penal. Ou seja, o Sistema de Mediação Penal opera estrita-mente durante a fase de inquérito e a remessa de processos para esse Sistema tem sido encarada como uma forma de diversão processual, a par de outras, como o arquivamento em caso de dispensa de pena (artigo 280.º do Código de Pro-cesso Penal – CPP) ou a suspensão provisória do processo (artigo 281.º do CPP). Quer isto significar a opção por um modelo alternativo de Justiça Restaurativa, que será ativa-do em vez do sistema tradicional de justiça. Opção que por sua vez justifica a restrição do Sistema de Mediação Penal à pequena criminalidade, atenta a necessidade de proteção dos bens jurídicos, que um sistema alternativo não pode-rá asseverar. Quid iuris se equacionarmos uma mudança de paradigma, com o abandono da alternatividade descrita e com a passagem a um modelo complementar à Justiça Tra-dicional? Um modelo complementar em que a Justiça Res-taurativa e as suas práticas, como a mediação, operariam a par do sistema tradicional de justiça, comunicando com ele. Talvez assim o âmbito de aplicação do Sistema de Mediação Penal pudesse ser reequacionado, abarcando tipologia de crimes mais abrange. E com penas mais graves. Mais além, é possível que a discussão no ensino da disciplina de Direito Processual Penal, hoje cingida sobretudo à questão de saber em que momento da fase de inquérito pode o processo ser remetido para mediação penal, se logo que reunidos os ele-mentos essenciais que compõem o objeto do processo, como a identificação do arguido, da vítima, da tipologia de crime e da base factual essencial, ou se apenas no final da fase de inquérito, seria ultrapassada por uma discussão mais alar-gada, abrangendo todas as fases processuais154. Mas essa é por ora uma discussão estritamente académica...

154 Sobre os termos da discussão, REIS, Sónia, A vítima na mediação penal

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5. ConclusãoO ensino da Justiça Restaurativa no contexto penal

iniciou há pouco o seu caminho em Portugal. A próxima dé-cada será de afirmação científica, com expansão do campo de intervenção, até à autonomização do seu estudo em uma nova disciplina do plano de estudos do curso de licenciatu-ra. Nascerá assim a disciplina Justiça Restaurativa, dotada de um quadro jusdogmático próprio. É esta a conclusão que vaticino. Estimo que o futuro efetive este breve exercício de prospetiva...

em Portugal..., cit.. Sustentando a mediação penal como uma forma de diversão processual, por exemplo MENDES, Paulo de Sousa. Lições de Direito Processual Penal. Coimbra: Almedina, 2018, p. 84.

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MEDIDAS DE COACÇÃOEM SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE

Roberto do Espírito Cotrim155

RESUMOAo longo da dissertação, iremos tratar do regime ju-

rídico da medida de coacção. As medidas de coacção são meios processuais de limitação da liberdade pessoal que têm por finalidade acautelar a eficácia do procedimento tanto quanto ao seu desenvolvimento, como quanto à execução das decições condenatórias. O procedimento penal nasce com um acto do Ministério Público, em consequência da notícia do crime e até à sua conclusão pode se mostrar um processo moroso. Durante qualquer das fases do processo o arguido poderá frustar-se à acção da justiça, fugindo ou procurando fugir, poderá dificultar a investigação, procu-rando esconder ou destruir meios de prova , ou intimidando as testemunhas e poderá continuar a sua actividade crimi-nosa. Para evitar estes riscos, o CPP predispõe de uma série de medidas cautelares de natureza penal com o fim de im-por limitações à liberdade pessoal dos arguidos. O que se pretende com este trabalho é fazer uma abordagem por toda a problemática das medidas de coacção, começando pela sua noção, enquadramento e finalidades, passando por tudo o que envolve a sua aplicação e cumprimento. E finalizando com a caracterização e posição no que se refere ao reexame oficoso das medidas de coacção.

155 Licenciado em Direito, pela Faculdade de Ciências e das Tacnologias, da Universidade de São Tomé e Príncipe, Advogado Estagiário, Yali Network Mem-ber, Entrepreneur Social e Membro Fundador da Jovem 3.0.

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Palavras-chave: Direito, Direito penal, Medidas de coacção, arguido, legalidade.

ABSTRACTThroughout the dissertation, we will deal with the le-

gal regime of the measure of coercion. Measures of coercion are procedural means of limiting personal freedom, which are intended to protect the effectiveness of the procedure both in its it development and in the enforcement of convic-tions. The criminal procedure is born with an act of the Pu-blic Prosecutor, as a result of the news of the crime and until its completion takes some time, sometimes long. During any stage of the proceedings, the accused may be frustrated by the action of justice, f leeing or trying to escape, may hin-der the investigation, seek to conceal or destroy evidence or coerce or intimidate witnesses and may continue their criminal activity. To avoid such risks, the CPP predisposes a series of precautionary measures of a criminal nature in order to impose limitations on the personal freedom of the defendants. The aim of this work is to approach the problem of coercive measures, starting with their notion, in terms and purposes, through everything that involves their appli-cation and fulfillment, ending with the characterization and position in what is of the coercive measures.

Keywords: Law, Criminal law, Measures of coercion, defendant, legality.

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1. IntroduçãoO presente trabalho tem como tema Medidas de Coac-

ção. Este trabalho não tem a pretensão de esgotar o tema, nem tão pouco tratar minuciosamente sobre a temática, já que para esta finalidade seria necessário um estudo bem mais aprofundado.

O interesse para a definição do tema iniciou com a vivência judicial que ao longo de meses foi alimentando o interesse no tema, atento aos valores e repercursões que lhe estão subjacentes, designadamente no que diz respeito ao arguido, alvo dessas medidas de coacção, e à sociedade em geral cada vez menos tolerante a injustiças.

Deste modo, o trabalho começa por falar sobre o que significam as medidas de coação, sobre as suas condições gerais de aplicação e sobre os seus requisitos gerais.

No percurso seguinte serão abordados os princípios subjacentes às medidas de coacção, com especial realce no que se refere ao princípio da legalidade e ao princípio da pre-sunção da inocência.

Em último lugar, abordaremos a temática referente ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva prevista no artigo 173.º, do CPP, incidindo nas questões relativas ao mesmo, como o prazo.

A metodologia utilizada na elaboração deste trabalho, passou por pesquisas bibliográficas e consultas de processos.

2. Medidas de coacção 2.1 Noção, enquadramento legal e finalidadeUm dos princípios fundamentais da Constituição da

República Democrática de São Tomé e Príncipe e de um Es-

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tado de Direito, é o princípio da liberdade, tal como se en-contra consagrado no art. 36, n.º 1, da CRDTSP.

Ao princípio constitucional supra referido acresce o princípio previsto no art. 19, também da Constituição, que sob a epígrafe “restrição e suspensão”, estabelece no seu n.º 1, que a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na CRDSTP, devendo tais restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

Neste sentido, como ensina o Prof. Germano Mar-ques da Silva, as medidas de coacção “são meios processuais de limitação da liberdade pessoal que têm por finalidade acautelar a eficácia do procedimento tanto quanto ao seu desenvolvimento, como quanto à execução das decisões condenatórias”156.

“Medidas de coação são restrições impostas aos di-reitos das pessoas em função de exigências processuais de natureza cautelar, que só podem ser aplicadas a arguidos, em processo penal, e hão de respeitar os princípios da ade-quação de da proporcionalidade e incluir-se entre os tipos taxativamente previstos na lei”157.

Visam assim, satisfazer exigências cautelares exclu-sivamente processuais, de garantia do bom andamento do processo e do efeito útil da decisão, e que resultam da con-creta verificação dos perigos previstos nas três alíneas, do n.º 1, do art. 161.º, do CPP, sendo de considerar ilegítima qualquer outra finalidade, de natureza substantiva, retribu-tiva, preventiva, ou mesmo de protecção do arguido.

156 Marques da Silva, Germano; Curso de Processo Penal – Volume II: 3.ª edi-ção, Verbo Editora, 2002, pág. 283-284.157 Eiras, Henriques e Fortes, Guilhermina, Dicionário de Direito Penal e Pro-cesso Penal, 3.ª Edição, Quid Juris, Lisboa, 2010, pág. 484.

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Como condições gerais de aplicação exige-se, formal-mente, a prévia constituição como arguido, nos termos do art. 159.º, n.º 1, do CPP, e a existência de um processo crimi-nal já instaurado, ou seja, um juizo de indiciação da prática de crime e a probabilidade de aplicação de uma pena.

Do princípio da presunção de inocência, afirmado nos art. 11.º, da DUDH, art. 7.º, n.º 1, da CADHP, art. 40.º, n.º 2, da CRDSTP, será sempre aplicada a medida de coacção menos gravosa de entre todas as admissíveis, com respeito pelos princípios da necessidade, da adequação, da propor-cionalidade, art. 159.º, n.º 2, do CPP e intervenção miníma, num critério de concordância prática.

Assim, todas as medidas, à excepção da relativa ao ter-mo de identidade e residência, são aplicáveis por um juiz, como se alcança dos arts. 163.º, e 267.º, nº 1, al. b), do CPP.

A matéria em apreço encontra-se prevista pelo Código de Processo Penal, constam do Capítulo II - Das medidas cautelares e de polícia, Título II - Do processo propriamente dito, Livro II do CPP e circunscreve-se aos seus arts. 159.º a 183.º.

Entre as medidas de coacção admissíveis há como uma hierárquia em razão da sua gravidade, ou melhor, o CPP está elencado e organizado por ordem crescente de gravidade.

3. Condições gerais de aplicação das medidas de coacção

A aplicação de medidas de coacção depende da verifi-cação de algumas condições. Ao nível do processo penal, e nos termos do art.º 159.º, n.º 1, do CPP, são condições neces-sárias, à sua aplicação, a existência de um processo criminal, a constituição de arguido, a existÊncia de indícios, em cer-

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tos casos fortes, da prática de crime doloso e a verificação de exigências cautelares.

Assim, para a aplicação de medidas de coacção, terá de haver um prévio procedimento, ou seja, só poderão ter lugar no âmbito de um processo já instaurado e a correr termos, sendo ainda condição básica, a prévia constituição como ar-guido, art.º 38.º, do CPP, da pessoa que a ela for submetido. Essa constituição como arguido tem por objectivo assegurar à pessoa a quem for aplicada qualquer medida de coação, o exercício de direitos e deveres processuais que por essa ra-zão passam caber-lhe, arts. 41.º e ss, do CPP.

Nos termos do art. 38.º, n.º 1, al. a), do CPP, exige-se que corra instrução contra pessoa determinada, esta prestar declarações perante o juiz, o Ministério Público ou órgãos de polícia criminal quando haja suspeita fundade da prática de crime.

4. Requisitos de aplicação das medidas de coacçãoPara aplicação de uma medida de coacção, à excepção

da relativa ao termo de identidade e residência, para além da existência de indícios da prática de crime e dos requisitos específicos de cada uma delas, importa que se verifique pelo menos um dos requsitos gerais anunciados nas alíneas a), b) e c), do art.º 161.º, do CPP.

De assinalar que em qualquer daquelas alíneas se uti-liza a palavra “perigo”, o que significa que devemos estar perante um perigo “iminente, não meramente hipotético ou longínquo”.

Assim, no momento da aplicação de uma medida de coacção, terá de se verificar, em concreto, pelo menos um dos requisitos:

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a) Fuga ou fundado perigo de fugaCom esta previsão anunciada na alínea a), pretende-se

acautelar a presença do arguido no decurso da tramitação do processo e a efectividade da decisão final, como tem sido entendido por grande parte da doutrina. É uma situação concreta indiciadora de que, previsivelmente, o arguido vai querer subtrair-se à acção da justiça. O perigo de fuga é um dos requisitos gerais alternativos de aplicação de medidas de coacção.

Devemos ter em conta que é com base num juizo glo-bal de todas as circunstâncias do caso, que se pode funda-mentar uma conclusão sobre a verificação de perigo de fuga face a gravidade do crime imputado, a personalidade do arguido revelada nos factos e suas consequências, a situa-ção financeira, familiar, profissional e social do arguido, a incerteza relativamente ao modo de vida e paradeiro do ar-guido, as ligações com países estrangeiros, e a existência de sinais de que o arguido prepara a sua fuga, como por exem-plo, bilhete de passagem, para viajar para o estrageiro num dos dias seguintes.

b) Perigo de pertubação da investigação ou da reali-zação da audiência de julgamento e, nomeadamente, perigo para aquisição, conservação ou veracidade da prova

Importa desde já clarificar que este requisito abran-ge todas as fases do processo, pelo menos enquanto a pro-va não estiver fixada. Esse perigo é mais intenso na fase da investigação.

Este perigo envolve toda a actividade de recolha de elementos de prova, em qualquer das fases do processo. O arguido pode ser um agente bastante perturbador, na me-

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dida em que pode prejudicar a aquisição, conservação ou verasidade da prova.

Para além disso, em liberdade, nada impede que o arguido possa perturbar a investigação, atemorizando ou subornando as testemunhas, ou fazendo desaparecer docu-mentos probatórios, produzindo documentos falsos, etc.

c) Atual e fundado perigo de continuação da activida-de criminosa ou de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, em razão da natureza, circunstâncias do crime e da personalidade do delinquente

No que se refere a estas circunstâncias, diremos que a utilização da prisão preventiva como forma de impedir a continuação da actividade criminosa constitui claramente uma medida de defesa social, uma medida de segurança, mais até do que antecipação da pena, o que viola frontal-mente diversos princípios constitucionais, entre os quais a presunção de inocência. Por outro lado, a prisão preventiva como meio de prevenção geral, a salvaguarda das famosas expectativas comunitárias, mas não é evidentemente uma medida cautelar do processo, violando o princípio da pre-sunção de inocência.

Ainda no que respeita ao perigo de este pertubar a or-dem e a tranquilidade públicas, leva a ter cautela na sua in-terpretação, uma vez que é imperioso que se exclua qualquer ideia ou tentação de aí ver uma possibilidade de utilização de medida de coacção como uma espécie de pena antecipa-da, ou fundamentar tal medida com motivos de prevenção geral de pacificação da comunidade.

Entendemos que tais finalidades cautelares, devem ser aplicadas pressupondo o completo conhecimento do proces-so e do arguido e não uma qualquer presunção retirada do

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tipo de crime que lhe é imputado, para que se justifique a absoluta necessidade de aplicação das medidas de coacção quando confrontadas com o desvirtuamento do sistema que podem acarretar.

5. Princípios subjacentes à aplicação das medidas de coacção

a) Princípio da legalidadeO primeiro princípio a ter em consideração aquando

do requerimento de uma medida de coacção é o da legali-dade, consagrado no art. 159.º, n.º 1, do CPP, -“Só o arguido pode ser sujeito a medidas de coacção.”.

Este princípio para além de significar que só pode ser aplicada medida de coacção prevista na lei e para os fins de natureza cautelar nele previstos, concretiza direito interna-cional dos direitos humanos, como se alcança dos artigos 36.º, 37 e 98.º, al. k), da CRDSTP e art art. 6.º CADHP, refe-rindo-se que este protege a liberdade pessoal, isto é, a liber-dade de ir e vir. E mais ainda, este princípio constitui uma decorrência do princípio constitucional consagrado no art. 38.º, n.º 1, da CRDSTP, o que não poderia deixar de ser, dado que é através do processo penal que se aplica o direito penal.

O princípio da legalidade impõe que as medidas de coacção se encontrem taxativamente previstas na lei no me-mento da sua aplicação.

b) Princípio da presunção da inocênciaO princípio da presunção da inocência constitui um

imperativo constitucional que se pode constar no art. 40.º, n.º 2, da CRDSTP, de tal modo que “todo o arguido se presu-

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me inocente até ao trânsito em julgado da setença de conde-nação”. Do mesmo modo se estipula no art. 7, n.º 1, al. b), da CADHP, que “o direito de presunção de inocência até que a sua culpabilidade seja reconhecida por um tribunal”.

O princípio da presunção da inocência assume uma grande importância tanto a nível nacional, com internacio-nal, estando plasmado na lei fundamental, como se anun-ciou, como em instrumentos internacionais, como no art. 11.º da DUDH.

Neste sentido, este princípio tem a sua relevância na medida em que, o processo deve assegurar todas as necessá-rias garantias práticas de defesa do inocente e não há razão para não considerar inocente quem não foi ainda solene e publicamente julgado culpado por sentença transitada em jugado. Assim, este princípio tem de ser respeitado pelo legislador processual penal, enquanto princípio jurídico--constitucional, e obriga todos os restantes actores judiciais do processo a tratar o arguido tendo como ponto de partida a sua inicência e não a sua culpabilidade, que só com sen-tença será fixada. Trata-se de uma exigência de um processo equitativo que ao arguido seja dispensado, ao longo de todo o processo, um tratamento equivalente com uma presunção de inocência.

c) Princípio do prévio procedimentoEste princípio tem a ver com a finalidade das próprias

medidas de coacção, ou seja, só podem ter lugar dentro de um processo já instaurado e a correr termos.

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d) Princípio da prévia constituição de arguidoEste princípio define que é condição básica para apli-

cação de medidas de coacção a prévia constituição como ar-guido da pessoa que a ela for submetido, ou seja, exatamente como alude o art. 159.º, n.º 1, do CPP.

Aquela constituição como arguido tem por objectivo assegurar à pessoa a quem for aplicada qualquer medida de coacção, o exercício de direitos processuais atinentes à qua-lidade de arguido, como se alcança dos artigos 38.º e seguin-tes do CPP.

e) Princípio da adequação, da necessidade e da proporcionalidade

Qualquer medida restritiva, como já foi aludido, na es-teira da Constituição, terá que assumir sempre um carácter excepcional, tão-só admitida quando estiver em defesa ou proteção de outros direitos, também, constitucionalmente garantidos e na medida necessária à prossecução dos fins que com esses meios se pretende acautelar, conforme o art. 19.º, n.º 2, da CRDSTP, proibindo-se, deste modo, o excesso das medidas relativamente aos fins pretendidos.

Princípio da adequação significa que o tribunal deve escolher, dentre as medidas de coacção previstas na lei, aque-la que se adapte melhor ao caso concreto. Quer isto dizer que, só serão aplicada medida mais grave no caso concreto quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção.

Princípio da necessidade significa que, na aplicação das medidas de coação há-de atender-se ao respeito pela pessoa humana e que as restrições aos direitos, liberda-des e garantias devem limitar-se ao necessário para salva-

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guardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

Princípio da proporcionalidade, segundo este princí-pio, a medida de coacção deve ser proporcional à gravidade do crime e à sanção que previsivelmente venha a ser aplicada ao arguido em razão da prática do crime ou crimes indicia-dos no processo. Devem, por isso, ser ponderados factores muito específicos do caso em concreto, como a gravidade dos factos, o relevo dos bens jurídicos violados e a culpabi-lidade do agente.

6. O ministério públicoSendo uma das implicações do princípio do acusatório,

a iniciativa do esclarecimento de um crime e dos seus agen-tes, e a posterior investigação, deve ser levada a efeito por uma entidade diferente da julgadora, que deve também diri-gir esta mesma fase inicial, a fase de instrução preparatória.

Em processo penal a acção penal é pública e compete ao Ministério Público o seu exercício , cfr. o art. 26.º, do CPP, cabendo-lhe reprimir a criminalidade, garantir que todos os actos de investigação ocorram de acordo com a estrita lega-lidade e ainda velar pela protecção dos direitos fundamen-tais do cidadão158, especialmente daquele que é constituido arguido, o que comportará, sem dúvida, um efeito estigma-tizante imediato e quase irremediável na sua via pessoal.

158 Júnior, Arthur Pinto de Lemos, O papel do Ministério Público, dentro do Processo Penal, à vista dos princípios constitucionais – uma visão fundada no Di-reito Processual Penal Português, Revista do MP, Ano 24, n.º 93, Janeiro – Março, 2003, pág. 38. “Apenas com as faces opostas de Jano é que parquet poderá cumprir o seu papel de dirigir a investigação criminal e deduzir a acção penal”, numa lógica de perspectivas alargadas e de busca da verdade material.

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Atualmente, a instrução preparatória é dirigido pelo Ministério Público159, sendo esta a fase destina à realização das “diligências de prova que permitirão uma reconstituição dos factos, sob a égide do princípio da verdade material, que aliás informará todo o processamento subsequente”160-161.

A instrução preparatória pode ser a única fase do processo, dado que a instrução é facultativa e o Ministério Público pode decidir no sentido de não submeter o argui-do a julgamento, na hipótese da não existência de “indícios suficientes”162.

O Ministério Público goza de autonomia e estatuto próprio. O MP representa o Estado, defende os interesses que a lei determinar, participa na execução da política cri-minal definida pelos órgãos de soberania, exerce a acção pe-nal orientada pelo princípio da legalidade e defende a legali-dade democrática, nos termos da Constituição, do presente Estatuto e da lei, como se alcança do art. 1.º do EMP.

7. Competência para aplicação das medidas de coacção

A aplicação das medidas de coação, à excepçãp do termo de identidade e residência, é da exclusiva competên-cia do Juiz, sendo durante a Instrução a requerimento do Ministério Público e, depois da Instrução, mesmo oficiosa-

159 Art. 266.º, do CPP: “A direcção da instrução preparatória cabe ao Ministério Público, a quem será prestado pelas autoridades e agentes policiais todo o auxílio que para esse fim necessitar160 Moura, José Souto de, Inquérito e Instrução”. Jornadas de Direito Processual Penal – O novo Código de Processo Penal, p. 81-115, Coimbra, Livraria Almedina, 1988, pág. 84.161 Art. 262.º, n.º 1, do CPP.162 Art. 273.º, n.º 1, do CPP.

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mente, depois de ouvido o Ministério Público, conforme se dispõe no art. 267.º, n.º 1, al. b), do CPP.

Na fase de instrução, cabe ao Ministério Público, en-quanto requerente da medida de coacção, aferir e provar a admissibilidade e proporcionalidade legal de harmonia com os seus pressupostos e a sua necessidade, adequação e pro-porcionalidade, e de acordo com a específica estratégia de investigação levada a efeito.

Ao Juiz de Instrução Criminal cabe verificar a confor-midade do requerimento do MP com os pressupostos legais e todo o condicionalismo que envolve o processo.

Na fase de Instrução, compete ao Juiz de Instrução a aplicação das medidas de coacção, mesmo oficiosamente, ouvindo, no entando, e previamente, o Ministério Público, como dispõe o art. 163.º, n.º 2, do CPP.

A aplicação dessas medidas, terá de ser precedida de audição do arguido, sendo que o despacho qua aplicar as mesmas, também a excepção do termo de identidade e resi-dência, deve ser fundamentado, nos termos do que se dispõe no art. 69.º, n.º 4, do CPP.

Assim, sempre que seja aplicada uma medida de coac-ção diferente do termo de identidade e residência, o arguido é, por regra ouvido, previamente ao respectivo despacho, nos termos do art. 69.º, n.º 4, aplicando-se para tal o que se dispõe no art. 215.º, n.º 4, ambos do CPP, ou seja, o arguido é obrigatoriamente informado previamente, dos motivos da detenção quando tal acontece, dos factos que lhe são concre-tamente imputados e os elementos do processo que indiciam os mesmos.

A fundamentação do despacho de aplicação das me-didas de coacção, também com excepção do termo de iden-tidade e residência, deve conter, sob pena de nulidade, a

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descrição dos factos concretamente imputados aoa rguido, a anunciação dos elementos do processo que indiciam os fac-tos imputados e sua qualificação jurídica, e ainda a referên-cia aos factos concretos que preenchem os pressupostos de aplicação da medida de coacção.

7.1 Medidas de coacção admissíveisO elenco das medidas de coacção, de carácter pessoal,

que se dirigem exclusivamente ao arguido, aludidas dos ar-tigos 164.º a 171.º, do CPP é o seguinte:

i) Termo de Identidade e residênciaO termo de identidade e residência, para além de ser a

primeira medida de coação prevista no CPP e de ser consi-derada a menos gravosa, encontra-se prevista no art. 164.º, daquele diploma, sendo apenas necessário para a sua aplica-ção a prévia constituição de arguido, ou seja, será aplicado de imediato a todo o arguido que seja constituído como tal.

Assim, logo após essa constituição de arguido, tanto a autoridade judiciária como o órgão de polícia criminal, conforme o caso, terá logo de sujeitar aquela à prestação do termo de identidade e residência, nos termos do art. 163.º, n.º 1, do CPP.

Esta medida visa garantir a disponibilidade do argui-do para os fins do processo, destacando-se a possibilidade de realização do arguido na sua ausência.

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ii) Obrigação de apresentação e proibição de se ausen-tar do local de residência

A obrigação de apresentação consiste na injunção ao arguido de uma obrigação de comparência perante uma entidade judiciário ou a um determinado órgão de polícia criminal em dias e horas preestabelecidas e visa assegurar o cumprimento dos deveres processuais do arguido, sendo uma medida mais restritiva da liberdade que a relativa ao termo de identidade e residência.

Esta medida de coacção é obrigatoriamente aplicada pelo juiz, como as demais exceptuando a relativa ao termo de identidade e residência, durante a instrução a requeri-mento do Ministério Público.

iii) CauçãoEsta medida de coação encontra-se prevista no art.

166.º, do CPP, constituindo numa garantia patrimonial im-posta ao arguido, tendo como finalidade a garantia do cum-primento dos seus deveres processuais, como seja, assegurar a sua presença a acto a que deva comparecer e à observância de outras obrigações derivadas de qualquer outra medida de coacção que lhe tenha sido imposta.

O não cumprimento de tais obrigações de forma in-justificada, implica para o arguido a quebra da caução, re-vertendo o seu valor para o Estado, como dispõe o art. 168.º, do CPP.

A caução pode também ser substituída pelo Juiz a re-querimento do arguido, com argumentação de impossibili-dade da sua prestação ou que a prestação lhe causa graves dificuldades ou inconvenientes em prestá-la, cfr. art. 167.º, do CPP.

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iv) Proibição de saída de paísEsta medida de coacção encontra-se prevista no art.

170.º, do CPP e só pode ser aplicada quando houver fortes indícios da prática de crime doloso punível com pena de pri-são superior a três anos – requisitos específicos.

Constata-se que relativamente às anteriores, é a pri-meira a requerer, como condição de aplicação, a verificação de fortes indícios da prática de crime doloso, punível com a pena aludida.

Significa isto que existe uma clara preocupação legal com a prova indiciária existente no respectivo processo no que concerne ao crime imputado ao arguido, pois para apli-car esta medida de coacção não basta a existência de indí-cios, mas sim que os existentes sejam fortes, de forma que essa prova indiciária reunida, aponte estar muito bem sus-tentada para aexistência do crime e para a sua autoria por parte do arguido. Por outro lado, a forma de cometimento do crime tem de ser dolosa e não negligente.

v) Prisão PreventivaTrata-se de uma medida de coacção que consiste na

privação da liberdade de locomoção do arguido. Esta me-dida de coacção encontra-se prevista no art. 171.º, do CPP. É uma medida de natureza excepcional163, uma medida de coacção de ultima ratio, aplicável só quando todas as outras forem inadequadas ou insuficientes. Pode ser revogada, alte-rada, suspensa ou extinta – cfr. arts.175.º a 177.º, CPP.

Portanto, estamos presença da medida de coacção mais gravosa.

163 Eiras, Henriques e Fortes, Guilhermina, Dicionário de Direito Penal e Pro-cesso Penal, 3.ª Edição, Quid Juris, Lisboa, 2010, pág. 611.

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Para aplicação da medida de coacção de prisão pre-ventiva, serão necessários os mesmos demais requisitos da proibição de saída do país e a verificação de fortes indícios da prática de crime doloso, punível com pena de prisão de superior a três anos, como dispõe o art. 171.º, do CPP. A pri-são preventiva está sujeita obrigatoriamente a reapreciação, nos termos do art. 173.º, do CPP.

8. O reexame oficioso das medidas de coacçãoComo é perfeitamente claro, o legislador tomou as

preocações que entendeu necessárias, ao disciplinar as me-didas de coacção, por estas atingirem de forma directa o direito fundamental à liberdade. Contudo, não menos im-portante que o momento da aplicação das medidas, é a fase seguinte. Assim, e por serem medidas aplicadas a um pre-sumivel inocente, além dos requisitos necessários para a sua aplicação, depois de aplicadas, o Código de Processo Penal dedica quatro artigos para a revogação, alteração e extinção das medidas de coacção.

Assim, o art. 173.º, do CPP, determina a obrigatorieda-de de reexame oficioso pelo juiz, dos pressupostos da prisão preventiva.

Esse reexame, quando da sua realização, irá no sen-tido de manter, substituir ou revogar as medidas, no prazo máximo de três meses a contar da data da sua aplicação ou do último reexame, cfr. art. 173.º, do CPP.

Como regra, o Juiz, antes de apreciar uma medida de coacção ao arguido, procede à audição do mesmo e do MP, só não acontece em casos de impossibilidade devidamente fundamentada.

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Portanto, no âmbito da aplicação das medidas de coac-ção, a fundamentação das decisões dos tribunais, na nossa perspectiva, é correcta, clara, bem estruturada, e correspon-de ao que nessa matéria é legalmente exígivel.

9. ConclusãoEm jeito de conclusão, as medidas de coacção, enquan-

to meios processuais de limitação de liberdade, actividade, e direitos pessoais, têm por função acautelar a eficácia do procedimento penal, quer no que respeita ao seu desenvolvi-mento, quer quanto à execução das decisões condenatórias, exigindo-se, por isso, tratando-se de matéria respeitante a actividade e direitos do arguido, uma definição rigorosa e clara dos pressupostos das medidas impostas.

A regra fundamental, constitucionalmente consagra-da, é a liberdade e a do pleno exercício de actividade e de direitos , sendo as respectivas restrições ou limitações, só podem ser interpostas as medidas de coacção previstas na lei, cfr. artigos 164.º a 171.º, do CPP.

A presunção de inocência é uma exigência durante todo o processo, implicando o tratamento do arguido como tal, sendo que o respectivo princípio tem importantes impli-cações quando da aplicação de qualquer medida de coacção.

As medidas de coacção são as que se encontram pre-vistas no CPP, hierarquizadas, por ordem crescente da gra-vidade, previstas nos seus artigos 164.º a 171.º.

Deve notar-se que aos requisitos específicos da apli-cação de qualquer uma das medidas de coacção legalmente previstas, acresce sempre, com excepção da relativa ao ter-mo de identidade e residência, a concreta verificação de um dos três requisitos gerais enunciados no art. 161, do CPP.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASCANOTILHO, José Joaquim Gomes e Moreira, Vital;

Constituição da República Portuguesa Anotada, artigos 1.º a 107.º; 4.ª Edição Revista; Coimbra Editora; 2010;

DIAS, Jorge Figueiredo; Direito Processual Penal I; Coimbra Editora; 1974;

DIAS, Jorge Figueiredo; Direito Processual Penal, Li-ções do Prof. Doutor Jorge Figueiredo Dias, coligidas por Maria João Antunes, Assistente da Faculdade de Direito de Coimbra; Coimbra: edição policopiada; Secção de textos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra; 1988-89;

EIRAS, Henriques e Fortes, Guilhermina, Dicionário de Direito Penal e Processo Penal, 3.ª Edição, Quid Juris, Lisboa, 2010;

EIRAS, Henriques; Processo Penal Elementar; 4.ª edi-ção, Quid Juris; Lisboa; 2003;

JÚNIOR, Arthur Pinto de Lemos, O papel do Ministé-rio Público, dentro do Processo Penal, à vista dos princípios constitucionais – uma visão fundada no Direito Processual Penal Português, Revista do MP, Ano 24, n.º 93, Janeiro – Março, 2003;

MARQUES DA SILVA, Germano; Curso de Processo Penal – Volume II; 3.ª edição; Verbo Editora; 2002;

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LEGISLAÇÃOConstituição da República Democrática de São Tomé

e Príncipe, aprovado pela Lei n.º 1/2003, de 29 de Janeiro de 2003.

Código de Processo Penal, aprovado pela Lei n.º 19/2009, de 17 de Novembro.

203

O MERCADO DE TRABALHO PARA OS OPERADORES DE DIREITO EM

SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE

Wildiley Afonso Fernandes Barroca164

RESUMOO Exercício da Advocacia em São Tomé e Principe é

uma actividade que teve seu inicio antes mesmo da consti-tuição da Ordem dos Advogados no território São-Tomense. Importa neste sentido salientar que Dr. Palma Carlos, cida-dão português, fora no passado, ainda no período colonial, o primeiro indivíduo a exercer a advocacia no país, tendo le-vado a cabo uma acção de advocacia selvática de resistência ao então governador das ilhas, o tenente coronel Carlos de Sousa Gorgulho em detrimento do povo São-Tomense e da libertação de São Tomé e Príncipe do jugo colonial. Após a independência, porém, surge uma corrente de jovens recém chegados do Brasil165, França, Portugal e Ex. União Soviética, que começam a exercer a advocacia em São Tome e Principe, e que de certa forma dominam até a presente data o merca-do de trabalho no exercício da advocacia e da magistratura em todo território nacional. Entrementes, desenvolvimento neste seguimento de prestação de serviço tem conhecido di-versas e consideráveis evoluções nos últimos dez anos a esta parte. Facto este que, a seguir se pretende expor:164 Fundador do Parlamento Nacional da Juventude para a Água (PNJA - STP); Presidente da União Literária e Artística da Juventude (ULAJE Clube UNESCO), Licenciatura em Direito na República Democrática de São Tome e Príncipe. Presi-dente da Humanity First STP e Vice-Presidente da Aliança Francesa de São Tome e Príncipe165 Dr. Guilherme Posser da Costa; Dr. Filinto Costa Alegre; Dr. Afonso da Gra-ça Varela; Dr. André Auréliano Aragão; Dr.Aristides Salvateira, Dr. Pascoal dos Santos Daio; Dr. Alberto Paulino.

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Palavras-chave: Advogado, mercado de trabalho, Di-reito, Abertura do mercado Nacional, Qualidade dos Ope-radores já existentes.

ABSTRACTThe Law Firm in São Tomé and Principe is an activity

that began even before the Bar Association was established in São Tomé and Príncipe. It is important to point out that Dr. Palma Carlos, a Portuguese citizen, had been in the co-lonial period the first individual to practice law in the coun-try, having carried out a jungle advocacy action against the then governor of the islands, Lieutenant Colonel Carlos de Sousa Gorgulho to the detriment of the people of Sao Tome and the liberation of São Tomé and Príncipe from the colo-nial yoke. After independence, however, a chain of young people from France, the former Soviet Union, and Portugal, who began to practice law in Sao Tome and Principe, emer-ged, and to a certain extent the Labor Market in the practice of law and magistracy in all national territory. Meanwhile, development in this follow-up of service has known several and considerable evolutions in the last ten years to this part. The following is an attempt to explain:

Keywords: Lawyer, Labor Market, Law, Opening of the National Market, Quality of existing operators.

1. IntroduçãoO presente trabalho foi elaborado no âmbito do con-

vite formulado aos Juristas da CPLP levado a cabo pelo Dr. Tarcizo Nascimento com vista a conhecer a Educação Ju-

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rídica nos Países de Expressão Lusófona. Nesta vertente, é principal objetivo do presente ensaio tecer considerações acerca do “mercado de trabalho para os operadores de direito em São Tomé e Principe”.

Assim, no decorrer da presente abordagem que se pre-tende resumida e concisa, se procederá a considerações so-bre alguns dos mais relevantes aspectos relativos ao tema em apreço, a saber, a possibilidade legal existente no exer-cício de Advocacia na República Democrática de São Tome e Príncipe, protecção da ordem profissional, abertura do mercado nacional quanto ao possibilidade de uma possível concorrência proveniente do exterior do país, concorrência no referido seguimento económico a nível interno, a quali-dade dos operadores já existentes no mercado, a viabilidade de novos juristas no mercado e como solução aplicativa e, por fim, teceremos algumas Considerações finais no que a nossa abordagem diz respeito.

Ao longo desta abordagem, deixaremos antever, de igual forma, possíveis soluções na resolução dos problemas que poderão ser, também nesta sede, levantados com vista a incrementar a visão que se poderá construir acerca do pró-prio sistema.

2. Possibilidade Legal Existente no exercício de Ad-vocacia na República Democrática de São Tome e Príncipe

A Lei 10/2006, Estatuto da Ordem dos Advogados de São Tome e Príncipe no seu artigo 33.º elucida-nos que só os advogados e advogados estagiários com inscrição em vi-gor na ordem podem, em todo o território nacional e pe-rante qualquer jurisdição, instancia, autoridade ou entidade pública ou privada, praticar actos próprios da profissão e,

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designadamente, exercer o mandato judicial ou funções de consulta jurídica em regime de profissão liberal remunerada.

O exercício da consulta jurídica por licenciados em Direito que sejam funcionários públicos ou que a exerçam em regime de trabalho subordinado não carece de inscrição na Ordem dos Advogados. Não pode denominar-se advoga-do quem como tal não estiver inscrito, salvo os advogados honorários, desde que seguidamente a denominação de ad-vogados façam a inscrição dessa qualidade. No exercício das suas funções, o advogado goza de imunidade, não podendo ser detido, nem preso, salvo nos casos de flagrante delito e por crime punível com pena de prisão maior. A supra men-cionada lei vem ainda proibir o funcionamento de escritório de procuradoria, designadamente judicial, administrativa, fiscal e laboral, ou de escritório que preste, de forma regular e remunerada, consulta jurídica a terceiros, ainda que, em qualquer dos casos, sob a direcção efectiva de pessoa habili-tada a exercer o mandato judicial, mas protege os gabinetes formados exclusivamente por advogados ou por solicitado-res, os que não estão sujeitos a referida proibição.

No nosso ordenamento jurídico, é vedado ao advoga-do o direito de repartir honorários, excepto com colegas que tenham prestado colaboração e estabelecer que o direito a honorários fique dependente dos resultados da demanda ou negócio. O advogado não pode ainda ser responsabilizado pela falta de pagamento de custas ou quaisquer despesas se, tendo pedido ao cliente as importâncias para tal necessárias, as não tiver recebido, e não é obrigado a dispor, para aquele efeito, das provisões que tenha recebido para honorários.

Estão impedidos de exercer a advocacia os advogados que sejam funcionários e agentes administrativos, na situa-ção de aposentados, de inactividade ou de licença ilimitada

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ou de reserva, em quaisquer assuntos em que esteja em cau-sa os serviços públicos ou administrativos a que estiveram ligados.

Na Republica Democratica de São Tome e Principe, o início do exercício de actividade profissional é sempre pre-cedido de um período de estágio de seis meses, durante o qual, sob a direcção de um patrono, o advogado estagiário efectuará consulta jurídica e prática forense. Todavia, a ins-crição como advogado é precedida de um estágio durante doze meses com boa informação.A inscrição como advoga-do, nas respectivas ordens, de cidadãos oriundos dos Paí-ses membros da CPLP, é reconhecida para efeito de inscri-ção na Ordem dos Advogados, observado o princípio da reciprocidade.

Os estrangeiros diplomados em Faculdades de Direi-to estrangeiras, com residência permanente no território da República Democrática de São Tomé e Príncipe podem ins-crever-se na Ordem dos Advogados de São Tomé e Príncipe, nos mesmos termos que são-tomenses, se o seu país conce-der igual regalia a estes últimos. Os Advogados diplomados por qualquer Faculdade de Direito dos Países membros da CPLP podem inscrever-se na Ordem dos Advogados em re-gime de reciprocidade.

3. Proteção da Ordem profissionalEm São Tome e Principe, os advogados são considera-

dos por lei, como uma das peças basilares do sistema judi-ciário e um complemento indispensável à boa administra-ção da justiça..

Os advogados têm o direito a requerer a intervenção da Ordem para defesa dos seus direitos ou dos legítimos in-

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teresses da classe, nos termos previstos no Estatuto da Or-dem dos Advogados. Os magistrados, agentes da autorida-de e funcionários públicos devem assegurar aos advogados, quando do exercício da sua profissão, tratamento compa-tível com a dignidade da advocacia e condições adequadas para o cabal desempenho do mandato.

Nas audiências de julgamento, os advogados dispõem de bancada própria e podem falar sentados. Os advogados têm direito, nos termos da lei, de comunicar, pessoal e re-servadamente, com os seus patrocinados, mesmo que estes se achem presos ou detidos em estabelecimento civil ou mi-litar. No exercício da sua profissão, o advogado pode solici-tar em qualquer tribunal ou repartição pública o exame de processos, livros ou documentos que não tenham carácter reservado ou secreto, bem como requerer verbalmente ou por escrito a passagem de certidões, sem necessidade de exi-bir procuração. Os advogados, no exercício da sua profissão, têm preferência para ser atendidos por quaisquer funcioná-rios a quem devam dirigir-se e têm o direito de ingresso nas secretarias judiciais.

Todavia, no ano 2018, verificou-se uma autentica mo-notonia no funcionamento dos tribunais porque em finais de 2017 / 2018 houve as férias judiciais, e no decurso de 2018 a destituição dos Juízes do Supremo Tribunal de Justiça e a entrada de novos juízes. Criou-se no entanto as novas secre-tarias como forma de responder as demandas dos tribunais no quadro da nova dinâmica judicial, o que de certa forma dificultou os trabalhos para os advogados no exercicio da sua actividade. porque os advogados ao chegarem as secre-tarias, não conseguiam ser devidamente atendidos porque os funcionários evocavam desconhecer o processo ou mes-mo a sua localização, e em muitos casos, o mais recorrente,

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eram informados que os processos ainda estavam no poder do juiz da causa aguardando o despacho.

Neste sentido, não se tornaria de todo parcial dizer que as últimas mudanças na liderança do Supremo Tribunal de Justiça São-tomense, veio dificultar os trabalhos para os operadores de direito em São tomé e Principe166.

A nível da Constituição da República, é importante notar que, de acordo com o J.Jhunior G. Ceita167, embora não o faça de forma directa, o legislador constituinte ins-tituiu a existencia dos advogados como factor essencial de prestação dos serviços da justiça pelo sistema nos termos do artigo 20º da CRSTP quando conjugado com o artigo 40º, relacionando de forma directa os “direitos de acesso aos tribunais” e o “direito de garantias de processos criminais”. Ainda de acordo com o autor, embora se esteja perante ga-rantias essencialmente de ordem dos processos penais, deve-rá entender-se extensível aos demais processos uma vez que, de acorco com um dos básicos princípios do direito, quem pode mais deverá, por maioria de razão, poder o menos (en-tendendo-se aqui por menos os processos de outra natureza que não criminais, uma vez que nestes, isto é, processos que não sejam de natureza criminal, o princípio da liberdade processual deverá entende-se como tendo um maior peso no decurso dos processos). Todavia, este entendimento não de-verá ser confundido com uma proteção aos próprios advo-gados uma vez que, para este efeito, não existem quaisquer

166 Destacamos, porém, que, enquanto preparávamos o presente trabalho, de-senhou-se e procedeu-se ao restabelecimento dos Juízes do Supremo Tribunal de Justiça compulsivamente mandados para reforma pela Assembleia Nacional, facto que os faz retomar as suas actividades normais como Juízes do STJ-STP.167 Licenciado e Mestre em Direito pela Universidade de Coimbra, autor de diversas Obras Jurídicas, Especialista em Ciência Jurídico-Politicas, Direito Ad-ministrativo , Constitucional e Petrolífero. Presidente do Instituto de Direito e Cidadania, Director Adjunto do Anuário de Direito de São Tomé e Príncipe, In-vestigador no United Kingdomof GB and Northen Ireland.

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prerrogativas constitucionais que os defendam e os prote-jam no exercicio das suas funçoes ou fora dele, excepto a Lei 10/2006, referente ao Estatuto da Ordem dos Advogados.

4. Abertura do mercado NacionalDas organizações Internacionais viradas a promoção

da defesa do Estado de Direito, das liberdades e das garan-tias individuais, São Tomé e Príncipe é membro da UALP – União dos Advogados da Língua portuguesa, e goza de uma boa relação institucional com a União Internacional dos Advogados que ainda não tem a inscrição feita como membro. E mesmo por via deste mecanismo está vedado ao cidadão estrangeiro o exercício da profissão no território São-tomense, devido a ausência do regime de reciprocidade.

Assim, esta actividade está actividade está reservada apenas aos cidadãos São-tomenses, a não ser que o cidadão estrangeiro depois de residir no país, obtenha a nacionali-dade São-Tomense, e na qualidade de cidadão nacional pode vir a inscrever-se na respectiva Ordem.

Em suma, o Exercício da advocacia por estrangeiros é uma faculdade que consta do n. 1 e 2 do artigo 126º da Lei 10/2006, desde que se verifica o regime de reciprocidade.

5. Concorrência no referido seguimento económicoNão existem dados estatísticos concretos sobre o nú-

mero de juristas no país, mas os dados especulativos apon-tam para um número não inferior a 10 mil licenciados em Direito, numa população de 197 mil habitantes.

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Segundo a Ordem dos Advogados de São Tomé e Prín-cipe, existem actualmente 175 advogados e advogados esta-giários inscritos na Ordem, mas apenas 72 têm inscrição em vigor e em pleno exercício da profissão.

Existe uma franja de advogados que se destacam na prestação destes serviços, o mercado de advocacia, que fa-zem parte da geração pré-independência, e ainda continuam a dominar o mercado dado o elevado nível de trabalho pres-tado, enfatizando assim as suas respectivas Academias por ondem passaram. por um lado as universidades onde estu-daram, não colocando em causa as nossas universidades no país, onde necessidades imperativas urgem no sentido de melhorar a qualidade do ensino e dos docentes.

Surge no entanto, uma geração de jovens, do período pós-independência que têm forjado uma entrada compul-siva no mercado de advocacia no país, mas para estes são reservados apenas casos de interesse bagatelar.

Em consequência deste facto, há em Sao Tomé e Prin-cipe poucos escritórios de advocacia instalados e as que há são quase todos eles, pertencentes aos da primeira geração de advogados em São Tomé e Principe. Porém, não é de se me-nosprezar os esforços levados a cabo pena nova geraçºao de advogados que detêm algumas das Sociedades constituídas.

Os factos acima expostos, levam-nos a um imperativo a que, neste trabalho também se torna dígno de notam qual seja , o aparecimento de concorrência na prestação destes servicos ao público.

Assim e no que a concorrência diz respeito, é mister salientar que, o que se verifica é que os grandes escritórios acabam por conseguir chamar para si a maior parte dos pro-cessos, de grande vulto, os mediaticos ou aqueles que têm maior vantagem financeira, e sendo ainda estes escritórios

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que conseguem contratos de avenças com os bancos e outras entidades. Os mais recentes porém, têm uma tarefa hérculea com vista a se estabelecerem com um verdadeiro concor-rente, sendo que apenas exploradicamente conseguem pro-cessos cíveis de vulto (uma vez que a maior parte dos seus processos são de natureza criminais).

6. Qualidade dos Operadores já existentesNo que diz respeito a qualidade dos operadores exis-

tentes, é importante realçar que, salvo parcas excepções, os operadores que hoje se apresentam como os principais pla-yers no mercado gozam de grande deficiência a nível técni-co e daí a necessidade, para um exercício da profissão com maior seriedade, maior rigor, formação e capacitação bem como, no âmbito das suas ações, maior isenção, o que mi-nimizaria imenso a deficiência de que sofrem. De facto, na atual conjuntura, alguns no exercício das suas funções não prima pelos princípios que regem a boa conduta profissio-nais da área.

A Ordem dos Advogados faz uma avaliação critica do seu próprio desempenho, porque tem se verificado que nem todos os advogados têm exercido de forma deonto-logicamente aceitável a sua profissão, tendo havido casos que alguns colegas introduzem queixas visando outros Por questões deontológicas que na pratica diária se verifica o incumprimento dos princípios deontológicos no seio dos jo-vens advogados o que acaba por manchar o próprio nome da classe. Não se tratando porém de um acto generalizado, tem sido prática nos advogados da nova geração.

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7. Viabilidade de novos Juristas no Mercado e como Solução Aplicativa

É nosso entendimento que mercado está aberto á en-trada de mais profissionais, no sentido de aumentar a con-corrência e promover a qualidade dos operadores de direito.Todavia, um jurista que pretende exercer a advocacia, deve-rá contar com alguns desafios, nomeadamente o estágio não remunerado de 6 meses, inscrição na Ordem, e o início da actividade que passa muitas vezes pela constituição de uma sociedade de advogados que, a procura dos novos clientes constitui um problema desmedido.

8. ConclusãoPosto isto, é imperativo concluirmos que ao longo da

abordagem alguns aspectos relativos ao tema deverão ser salientados como sendo pedra basilar quanto ao mercado de trabalho para os operadores de direito em São Tomé e Príncipe.

Ora, por tudo o que acima se afirmou, temos que, no que diz respeito a possibilidade legal existente no exercício de Advocacia na República Democrática de São Tomé e Prínci-pe, os Estatutos da Ordem dos Advigados em vigor no país, mormente no seu artigo 33º, que só os advogados e advoga-dos estagiários com inscrição em vigor na ordem podem, em todo o território nacional e perante qualquer jurisdição, instancia, autoridade ou entidade pública ou privada, prati-car actos próprios da profissão e, designadamente, exercer o mandato judicial ou funções de consulta jurídica em regime de profissão liberal remunerada o que por outras palavras significa que para além destes sujeitos, à mais nenhum é re-

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conhecido esta tal faculdade. Quanto a importante questão que se prende com a protecção da ordem profissional, ficou patente que em São Tome e Principe, os advogados são con-siderados por lei, como uma das peças basilares do sistema judiciário e um complemento indispensável à boa adminis-tração da justiça, gozendo estes do direito a requerer a inter-venção da Ordem para defesa dos seus direitos ou dos legíti-mos interesses (nos termos previstos no Estatuto da Ordem dos Advogados), devendo a estes ser assegurado, aquando do exercício da sua profissão, tratamento compatível com a dignidade da advocacia e condições adequadas para o cabal desempenho do mandato, tanto pelos magistrados, agentes da autoridade, bem como pelos funcionários públicos em geral. Já no que diz respeito à abertura do mercado nacio-nal quanto ao possibilidade de uma possível concorrência proveniente do exterior do país, vimos que nos termos dos estatutos da Ordem dos Advogados em vigor no país, esta actividade está reservada apenas aos cidadãos São-tomen-ses, a não ser que o cidadão estrangeiro depois de residir no país, obtenha a nacionalidade São-Tomense, e na qua-lidade de cidadão nacional pode vir a inscrever-se na res-pectiva Ordem, Abordou-se a questão da concorrência no referido seguimento económico a nível interno, caso em que concluimos que para além de um número limitado de Ad-vogados de grande reconhecimento e da velha guarda, ape-nas conta-se com jovens advogados e pequenas sociedades de advogados que se resumem a defesa de casos bagatelares e pouco mais, dada a sua pouca capacidade científica e ou reconhecimento no mercado. A qualidade dos operadores já existentes no mercado, também mereceu atenção da nossa parte e vimos que com excepções muito raras, quase todas as sociedades e advogados singulares necessitam de maior

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improvimento e mais investimento na formação contítua no sentido de manter os seus clientes plenamente servidos. Finalmente, abordamos os aspectos relativos à viabilidade de novos juristas no mercado e como solução aplicativa e, neste sentido, foi clara a conclusão a que chegamos, a saber, que mercado está aberto á entrada de mais profissionais, no sentido de aumentar a concorrência e promover a qualidade dos operadores de direito.

Sendo certo que as deficiencias do ensino superior em São Tomé e Príncipe são aberta e sobejamente conhe-cidas, também é verdade que esforços têm sido feitos, tanto por parte das instituições do Estado, como pelas institui-ções privadas de ensino , com vista a promover uma maior cientificidade dos cursos aí ministrados, com particular in-cidência no que as ciências jurídicas dizem respeitos. Entre-mentes, e é bom que se saliente esta questão, muito ainda precisa de ser feito com vista a criar condiçõs propícias para que mercado de trabalho para os operadores de direito em são tomé e principe correspondam as espectiativas dos que a ele recorrem.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS GENTIL, Jonas e G.CEITA, J.Jhunior Constituição

da República de São Tomé e Príncipe in “Constituição da República São-Tomense e Legislação Fundamenta”, pp. 11 e ss, Lisboa. IdiLP-Instituto do Direito de Língua Portuguesa Novembro, 2018

GENTIL, Jonas e CEITA, J.Jhunior. Lei Orgânica do Tribunal Constitucional de São Tomé e Príncipe, in “Cons-tituição da República São-Tomense e Legislação Fundamen-tal”, pp 111 e ss. Lisboa. IdiLP-Instituto do Direito de Língua Portuguesa Novembro, 2018.

Estatuto da Ordem dos Advogados de São Tomé e Príncipe, Lei 10/2006.

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O DOCENTE JURÍDICOE A EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA

Robert Oliveira Monteiro 168

RESUMOO presente estudo tem como objetivo geral analisar as

características contemporâneas da Educação à Distância do ponto de vista laboral dos docentes no Brasil. A Educação à Distância (EAD) tem se tornado uma ferramenta de suma valia para a expansão do Ensino Superior e trouxe consigo dilemas e mudanças no cenário pedagógico nacional. Dian-te da perspectiva sistemática do ensino tradicional empre-gada nos cursos de Direito no país, o EAD tem enfrentado incompatibilidades, principalmente no tocante as metodolo-gias para a formação docente, razão pela qual é fundamental encontrar um caminho adequado diante da necessidade da melhoria da qualidade do Ensino Superior no Brasil.

Palavras-chave: Educação à Distânca. Formação Do-cente. Ensino Jurídico.

ABSTRACTThe present study aims to analyze the contemporary

characteristics of Distance Education from the point of view of teachers in Brazil. Distance Education has become an ex-tremely valuable tool for the expansion of Education and has brought dilemmas and changes in the national pedagogical scenario. In view of the systematic perspective of traditional

168 Graduado em Letras pela Universidade de Brasília e pós-graduado em Do-cência Presencial e Virtual do Ensino Superior pela Universidade Católica de Bra-sília

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teaching employed in law courses in the country, Distance Education has faced incompatibilities, especially regarding the methodologies for teacher training, which is why it is essential to find an adequate path in view of the need to im-prove the quality of Higher Education in Brazil.

Keywords: Distance Education. Teacher Training. Legal.

1. IntroduçãoA Educação Superior no Brasil, diferentemente dos

países europeus e demais nações já desenvolvidas intelec-tualmente, foi expandida de forma tardia. Diversas expe-riências e dilemas enfretados atualmente por essa nação já foram alvo de estudos e críticas em todo o mundo, e a Edu-cação à Distância (EAD) também vêm sendo alvo de críticas de diversos pesquisadores que partilham o interesse na área, contudo divergem em suas análises.

Preliminarmente cabe destacar que o presente artigo não tem como escopo fazer juízo de valor sobre a efetiva aplicabilidade funcional da Educação à Distância, e sim ana-lisar as mudanças decorrentes desse processo metodológico, especialmente no que concerne ao ensino jurídico brasileiro.

Para fins de organização estrutural, o artigo será divi-dido em quatro partes, sendo elas: “A Origem e Expansão da Educação à Distância”, “Os Cursos de Direito no Brasil”, “O Papel Docente no Ensino Superior” e por último “Dilemas e Aplicabilidade da Educação à Distância”.

Cabe destacar que o artigo terá como viés informa-ções referentes ao Brasil e suas peculidades, além disso, em razão das inúmeras opiniões e divergências sobre o assunto,

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o estudo fará uso apenas de fontes de confiabilidade, ratifi-cando-se, ainda, que as informações utilizadas sem fontes de referência são de conhecimento comum ou não possuem atribuição a nenhum autor em específico.

2. A Origem e Expansão da Educação à DistânciaA profissão docente, desde os primórdios dos tempos,

sempre foi vista como nobre e respeitosa. O docente jurídico no Brasil, carrega consigo até os dias de hoje essa bagagem histórica.

Os primeiros cursos de Direito criados na nação bra-sileira datam do ano de 1827, contudo, entraram em funcio-namento somente no ano subsequente, e em 1854 receberam a denominação de Faculdades de Direito, conforme citado por Nascimento.

Oficialmente, a profissão docente no Brasil surgiu no mesmo ano que os primeiros cursos de Direito, por ordem imperial de D. Pedro I, ao determinar que “todas as cidades, vilas e lugarejos tivessem suas escolas de primeiras letras”. A partir desse momento, o atual ensino superior no país foi se adaptando constantemente e ganhando a forma que possui nos dias atuais. Durante esse processo de desenvolvimento, diversas mudanças ocorreram, com destaque para a preocu-pação do governo em democratizar o ensino na década de 1960.

É de conhecimento comum que as primeiras Institui-ções de Ensino foram criadas com destinação apenas para a reduzida parcela da elite no país. Nesse sentido, constata-se que o Ensino Superior nunca foi planejado de modo a aten-der todos os públicos da nação, pelo contrário, foi uma for-ma de promover a formação apenas daqueles que tinham, de

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alguma forma, poder financeiro e político. Contudo, como já afirmado, muitas mudanças ocorreram no decorrer dos tempos.

Nesse diapasão, a Educação a Distância surgiu como uma nova forma de democratização do ensino e um meio facilitador do Ensino Superior no País. Apesar de somente ter sido implantada de maneira massificada no Século XXI, existem registros jornalísticos que datam do ano de 1904 formas de ensino não presencial no Brasil, os quais, à época, eram ofertados por intermédio de periódicos.

Conforme abordado pelo professor Felipe Augusto Fernandes Borges (apud Saraiva 1996 apud Costa, 2008) e Costa (2012):

“a EaD no Brasil tem real aplicação a partir de 1923, por meio da criação da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, por Edgar Roquette-Pinto. Esse processo tinha como finalidade ampliar o acesso à educa-ção por meio da radiodifusão, portanto, apontam os autores, seria uma primeira forma de levar um conteúdo educacional à população por meios não presenciais.”

Atualmente, existem duas correntes que dividem opi-niões sobre a implantação da EaD no Brasil. Para aqueles que defendem a universalização do ensino, a EaD surgiu como a solução do acesso da população hipossuficiete ao Ensino Superior. Nesse sentido, os baixos custos e pratici-dade do ensino são extremamente benéficos ao desenvolvi-mento do país. Em contrapartida, uma outra vertente defen-de que a massificação do ensino no país tem sido realizada de maneira descontrolada, o que vem resultando na mer-

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cantilização e baixa qualidade do ensino. Apesar das dife-rentes visões acerca da EaD do Brasil, essa modalidade já se encontra implantada e em pleno funcionamento em diversas Instituições.

Independentemente da data precisa do surgimento da EaD no Brasil, é fundamental indicar que nem todos os cur-sos de licenciatura e bacharelado atualmente ofertam essa modalidade de Ensino. O modalidade de ensino presencial é tida como tradicional por muitos pesquisadores e especia-listas em educação e encontra-se bastante enraizado sob a premissa de ser uma metodologia confiável que é praticada em toda a rede de ensino fundamental vigente.

3. O Papel Docente no Ensino SuperiorA evolução do ensino, assim como o avanço tecnoló-

gico da sociedade, foram fundamentais para o desenvolvi-mento do país. Pari passu, o docente se adaptou de forma a acompanhar essas mudanças. O perfil docente implan-tado no Brasil no século XIX em muito divergia do que encontramos hoje nas salas de aula. Os cursos de Direito, especialmente, são ministrados por docentes extremamente versados nas ciências jurídicas. Em termos legislativos, para poder ministrar aulas no ensino superior basta possuir uma pós-graduação lato sensu, comumente conhecida como es-pecialização, entretanto, o que vemos no âmbito jurídico das Instituições de Ensino são professores com formação stricto sensu, ou seja, mestrado e doutorado.

Nessa linha de raciocínio, chegamos aos seguintes questionamentos: O que difere o docente jurídico das de-mais áreas do conhecimento? Para respondermos essa per-gunta devemos nos atentar mais uma vez a um indicador já

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citado, a nobreza da profissão. Quando falamos de nobreza não apenas em termos de vaidade, mas por sua origem histó-rica. O Direito como ciência social aplicada é extremamente vasto e dominar essa ciência em suas diversas ramificações demanda bastante tempo, razão pela qual, atualmente os cursos de Direito tem duração mínima de 5 anos, conforme Resolução CNE/CES n. 5 de 2018 e Resolução CNE/CES nº 2, de 2007.

O docente, traz consigo, a imagem do detentor do co-nhecimento, por essa razão, muitos o veem como uma au-toridade absoluta em sala de aula, pois ele é o responsável pela transmissão de conhecimento aos deus estudantes, é ele quem escolhe a melhor forma de de ministrar as aulas, desde o planejamento, execução e avaliação, respeitadas as exigências do plano de ensino da Instituição de Ensino. No ensino à distância nos temos uma inversão desses papéis. No ensino presencial superior contemporâneo utilizado no Brasil, o docente é o responsável de modo geral pelos estu-dantes, enquanto que no EaD o próprio estudante é respon-sável pelos seus estudos de maneira geral. Essa autonomia concede aos alunos uma liberdade com a qual eles nem sem-pre estão acostumados, o que pode acarretar na ausência de dedicação e compromisso do estudante, levando-o, conse-quentemente, a evasão do curso.

A autonomia dos estudantes de ensino superior no Brasil, infelizmente, ainda está longe do patamar desejável. Ocorre que a ausência do contexto educacional tido como padrão no país, ou seja, um ambiente físico como sala de aula, o papel pedagógico ativo do professor, a periodicidade das aulas presenciais, entre outros fatores, acaba afastando os estudantes do ensino à distância, principalmente devido a ausencia de comprometimento dos estudantes, o que in-

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tenfisica a visão negativa da aplicabilidade do Ensino à Dis-tância no país.

4. A Educação a Distância no Brasil e a Ciência Jurídica

Com base nos dados presentes no Censo da Educação Superior de 2018/2019 da Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED), existem atualmente em funcionamen-to no Brasil 16.750 cursos totalmente a distância, conforme gráfico abaixo:

Ao analisarmos o gráfico acima, constatamos que en-tre os anos de 2017 e 2018 tivemos um aumento de aproxi-madamente 366% na oferta de cursos totalmente a distân-cia. Contudo, ocorre que essa modalidade de ensino não vem sendo utilizada no âmbito do curso de Direito, apesar do enorme interesse de diversos atores do Ensino Superior Brasileiro. Quais os motivos para a EaD expadir-se de forma tão grande nas diversas áres do conhecimento e não no Di-reito? Para explicarmos esse quadro temos que adentrar em diversas outras questões dentre elas, a mais importante é a qualidade do ensino superior no Brasil.

Durante a trajetória do Ensino nacional diversas mudanças ocorreram, como já explicitado anteriormente. Nesse sentido, atualmente existe um conjunto de objetivos traçados pelo Ministério da Educação, em conjunto com di-versos entidades e pesquisadores do assunto para ampliar o acesso a educação em todos os seus níveis. Esse conjunto de metas foi denominado como Plano Nacional de Educação (PNE), criado pela lei Lei n° 13.005/2014. Dentre as 20 metas estabelecidas por essa lei, a expansão do ensino superior foi abordada da seguinte forma:

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“META 12 Elevar a taxa bruta de matrícula na edu-cação superior para 50% (cinquenta por cento) e a taxa líquida para 33% (trinta e três por cento) da po-pulação de 18 (dezoito) a 24 (vinte e quatro) anos, assegurada a qualidade da oferta e expansão para, pelo menos, 40% (quarenta por cento) das novas ma-trículas, no segmento público.” (Plano Nacional de Educação)

O ensino jurídico e os docentes que exercem essa pro-fissão são afetados diretamente por essa meta, bem como as demais políticas públicas criadas com o mesmo objetivo. Ocorre que diferentemente do ensino presencial, o ensino superior a distância não demanda a existência de um am-biente físico específico para isso, ou seja, não há necessidade de salas de aula presenciais.

Considerando-se que os cursos de Direito no Bra-sil são dividos entre os eixos de Formação Geral, Forma-ção Técnico-Jurídica e Formação Prático-Profissional, é de suma importância que as Instituições de Ensino Superior possuam um corpo docente vasto com profissionais capaci-tados à atender os inúmeros conteúdos provenientes desses eixos formativos, contudo, o ensino a distância é distribuído de uma maneira em que um único professor, por intermé-dio de videoaulas, artigos científicos e atividades pré-orga-nizadas, possa realizar o trabalho de diversos docentes ao mesmo tempo, mediante o apoio de um outro profissional, o qual se caracteriza como um suporte mediador entre o docente e estudantes, principalmente no tocante ao acom-panhamento períodico das plataformas virtuais de ensino. Essa nova figura, denominada como tutor, é o agente res-ponsável, também, pela interação com os estudantes a fim de sanar eventuais dúvidas e dificuldade operacionais.

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5 Aplicabilidade da Educação à DistânciaO cenário atual da educação a distância demonstra

que, apesar das opiniões divergentes acerca da EaD, o cres-cimento dessa modalidade é uma realidade contemporânea. Como se vê a seguir em uma reportagem do site terra da pesquisadora Lucia Maria Martins Giraffa:

[...] “pela primeira vez o total de vagas ofertadas no ensino superior a distância ultrapassou as oferecidas na modalidade presencial. Dados do Censo de Edu-cação Superior do Ministério da Educação (MEC) mostram que foram 7,1 milhões de vagas EAD ante 6,4 milhões presenciais. Isso apenas na graduação. Se somar as ofertas de curso livre e pós-graduação a distância, já são quase 10 milhões de vagas EAD.” (Reportagem do portal virtual “Estadão” )

Diante do cenário atual, é fundamental que as dis-cussões acerca do EaD sejam direcionadas aos impactos da implantação dessa modalidade e quais metodologias de su-pervisão devem ser adotadas para essa modalidade não se torne um gargalo para a implantação de uma metodologia de ensino em massa que prejudicará a qualidade do ensino no país.

Os grandes grupos eduacacionais e mantenedoras vem buscando formas de utilizar a EaD com o viés lucrati-vo unicamente o que acarreta, consquentemente, na baixa qualidade do ensino. Os docentes são os agentes educacio-nais mais prejudicados nessa situação, pois essas mudanças ocasionam a redução drástica do corpo docentes dos cursos de Direito no país, o que é nítido na onda de demissão em massa ocorrida nos últimos anos em Insituições de Ensino Superior Privadas brasileiras.

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Corroborando a esse fato, em dezembro de 2018, o Ministério da Educação (MEC) editou a portaria 1.428 que ampliou o percentual do EaD nos cursos regulares de gra-duação ofertados por Universidades no país, como se vê a seguir:

“Art. 2º As IES que possuam pelo menos 1 (um) cur-so de graduação reconhecido poderão introduzir a oferta de disciplinas na modalidade a distância na organização pedagógica e curricular de seus cursos de graduação presenciais regularmente autorizados, até o limite de 20% (vinte por cento) da carga horária total do curso. [...] Art. 3º O limite de 20% (vinte por cento) definido art. 2º poderá ser ampliado para até 40% (quarenta por cento) para cursos de graduação presencial, desde que também atendidos os seguin-tes requisitos: [...]” (Portal do Ministério da Educa-ção – sem grifo no original)

De que maneira esse aumento da carga EaD nos cursos presenciais é vantajosa para os estudantes que buscam uma formação superior? Para respondermos esse questionamen-to precisamos nos ater ao fato que o ensino superior no Bra-sil tem como prioridade máxima promover o acesso de toda a população a formação superior, dessa forma a qualidade não se encontra em primeiro lugar. Isso não signfica dizer que a qualidade do EaD é precária, mas, de forma realista, a forma como ela se encontra implantada no país está muito aquém dos padrões mínimos de qualidade adequados.

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6. O futuro da EaD e dos docentes jurídico no BrasilO avanço da tecnologia de um ponto de vista geral

sempre é benéfico para toda a população, contudo, é preo-cupante analisar como os professores jurídicos se encaixa-rão nessa nova realidade. Pensar no docente como alguém que realizará apenas atividades virtuais, ministrando aulas apenas para câmeras é um tanto quanto surreal, porém, é para esse caminho que a EaD vem rumando. Mesmo com o surgimento da figura do tutor de EaD, o docente como nós conhecemos não se findará, mas grande parte dos pro-fessores que existem hoje vão ter que se adaptar a essa nova metodologia de ensino virtual.

É importante frisar que existem vários fatores que contribuem para a permanência dos docentes, não apenas no ensino presencial, mas também no ensino virtual. O pri-meiro deles é pela natureza da ciência jurídica. Diferente-mente de ciências exatas ou até mesmo de conhecimentos históricos globais, a ciência jurídica é viva e se transforma a cada dia, logo, nenhum tipo de aula gravada ou artigo cien-tífico escrito será considerado verdade absoluta ad eternum. O docente acima de tudo é um ser humano que se adapta de acordo com as necessidades, diante disso, por mais efetivo e prático que seja o ensino a distância, os docentes sempre serão os responáveis diretos por sistematizar esse conheci-mento novo a fim de encontrar a melhor forma de transmi-tí-los aos estudantes.

O segundo fator de permanência dos docentes encon-tra-se na qualidade do ensino. Ao considerar a qualidade é imporante destacar não necessariamente estamos critican-do o ensino a distância como um adversário despreperado, entretanto, a realidade vem mostrando que o ensino presen-cial traz intrinsecamente consigo um padrão de qualidade

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superior. No que tange os cursos de Direito no Brasil, essa questão é mais complexa ainda, pois atualmente a posição divergente da Ordem dos Advogados do Brasil, conjunta-mente com diversos especialistas da área e outras entidades, é totalmente contrária a criação de cursos de graduação em Direito virtuais, diante disso, a existência desses cursos é praticamente inexistente.

Além dos pontos já elencados, atualmente no país existem mais de mil e setecentos cursos de Direito em fun-cionamento com um altíssimo número de vagas ociosas, se-gundo dados oficiais do Ministério da Educação. Cada um desses cursos possui, ou deveria, um corpo docente qualifi-cado e apto a ministrar aulas. Levando-se em consideração que esses cursos atendem os requisitos estabelecidos pelo Ministério da Educação, inclusive no que tange a existência de um corpo docente qualificado e experiente, temos uma “garantia” da profissão por um longo período.

Por último, porém, não menos importante, temos um fator historicamente especial e afeto à educação, a intera-ção. Essa relação entre professor e aluno é tão antiga quan-to o próprio ensino. Diversas pesquisas e o conhecimento empírico em si, demonstram que esse tipo de experiência é extremamente vantajosa, logo, o ensino tradicional em sala de aula, apesar de antiquado para alguns, tem resultados excelentes.

A profissão docente é caracterizada por vários fatores, mas dentre todos, a preocupação e o tato em lidar com os alunos diariamente é algo que somente um professor com-preende. O professor como profissional e ser humano não é o principal responsável pela ensino dos estudantes, pois isso é uma função exclusiva dos próprios estudantes, mas é ele quem promove o interesse e a paixão pela ciência jurídica,

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demonstrando ao aluno como trabalhar com as ferramentas legais de modo a obter resultados desejados. Substituir com-pletamente esse contato entre mestre e aprendiz é algo que o ensino a distância levará anos para alcançar, caso isso seja realmente possível.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASALONSO, Kátia Morosov. A Expansão do En-

sino Superior no Brasil e a EAD: Dinâmicas e luga-res. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pi-d=S0101-73302010000400014&script=sci_abstract&tlng=pt

BORGES, Felipe Augusto Fernandes. A EaD no Brasil e o Processo de Democratização do Acesso ao Ensino Supe-rior: Diálogos Possíveis. Disponível em: http://pat.educacao.ba.gov.br/conteudos-digitais/conteudo/exibir/id/9326

CARMO, Renata de Oliveira Souza; FRANCO, Aléxia Pádua. Da Docência Presencial à Docência Online: Aprendi-zagens de Professores Universitários na Educação a Distância. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S0102-46982019000100420&lng=pt&nrm=i-so

GIRAFFA, Lucia Maria Martins. O desafio do EAD é garantir que tudo o que está no papel ocorre. Disponível em: https://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,o-desa-fio-do-ead-e-garantir-que-tudo-o-que-esta-no-papel-ocor-re,70003089267

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MOURA, Taísa Ilana Maia de; TASSIGNY, Mônica Mota; SILVA, Thomaz Edson Veloso. O Uso da Tecnologia no Ensino Jurídico: O Método do Ensino Híbrido no Curso de Direito. Disponível em: https://revista.univap.br/index.php/revistaunivap/article/view/2018/1480

NASCIMENTO, Tarcizo Roberto. O Marco Regulató-rio da Educação Jurídica Brasileira e a Redefinição do Pa-ppel do Interventor. Tipográfica. 2016.

PARDO, Paulo; BARCZSZ Silvio Silvestre. Reflexões Sobre o Curso de Direito a Distância no Brasil: Uma Análise Bibliográfica. Disponível em: http://www.abed.org.br/hotsi-te/20-ciaed/pt/anais/pdf/288.pdf

Ministério da Educação. Como Surgiu a Profissão. Disponível em:

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Plano Nacional de Educação. Ministério da Educação. Disponível em:

http://pne.mec.gov.br/18-planos-subnacionais-de-e-ducacao/543-plano-nacional-de-educacao-lei-n-13-005-2014

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A QUALIDADE DO ENSINO JURÍDICO BRASILEIRO AFERIDA POR MEIO DO EXAME NACIONAL DE DESEMPENHO

DE ESTUDANTES (ENADE) E PELO EXAME DE ORDEM DA OAB

Lizziane Martins Lima 169

Tarcizo Roberto do Nascimento170

1. Histórico da regulação e avaliação de cursos superiores

O Cenário de oferta de cursos jurídicos no Brasil re-quer entender seu contexto histórico de evolução das ava-liações de cursos e a contribuição dessas avaliações para a melhoria da qualidade dos bacharelados em ciências jurídi-cas. Conhecer os parâmetros que são utilizados para avaliar a qualidade dos cursos de direito e, se essas normas vigen-tes são efetivamente capazes de aferir a qualidade do ensi-no ofertado nesses bacharelados, é condição essencial para compreender as diversas nuances que envolvem os modelos de avaliação da qualidade da formação ofertada nos cursos de direito, permitindo nessa perspectiva, analisar o contra-ponto entre o ENADE e o EXAME DE ORDEM e suas con-tribuições para a melhoria dessa oferta.

169 Bacharel em Direito pela Faculdade Processus. Graduada em Pedagogia pela Universidade Católica de Brasília (UCB), Especialista em Direito e Gestão Educa-cional pelo Instituto Latino Americano de Planejamento Educacional (ILAPE), Especialista em Educação a Distância pela Universidade Católica de Brasília. 170 Bacharel em Direito pelo Centro Universitário do Distrito Federal (UDF), Especialista em Direito e Gestão Educacional pelo Instituto Latino Americano de Planejamento Educacional (ILAPE), Advogado, Mestre em Direito e Relações In-ternacionais pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Membro da Associa-ção Brasileira de Direito Educacional (ABRADE).

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A avaliação de cursos de graduação apresenta funda-mento legal na Constituição Federal de 1988, quando asse-vera que é um dever do Estado propiciar os processos de avaliação, instituindo padrão mínimo de qualidade a todo o sistema de ensino, ou seja, o preceito tem eficácia plena e abrange também os cursos ofertados pelas Instituições de Ensino Superior – IES.

Nesse sentido, corroborando para o entendimento do princípio constitucional supramencionado, a Lei de Diretri-zes e Bases da Educação (LDB) consolidou em seu art. 46171 a periodicidade nas avaliações dos cursos de graduação, com a finalidade precípua de acompanhar e tornar oficial a au-torização e o reconhecimento dos cursos ofertados e sua re-novação periódica.

A Constituição Federal de 1988, quando incluiu os di-reitos sociais em seu artigo 6º, inseriu em seu rol o direito a educação. Além disso, tratou de forma pormenorizada, em seu artigo 206, destacando que, para além das condições de igualdade de acesso (I), liberdade de aprender, ensinar, pes-quisar, e divulgar o pensamento, a arte e o saber (II), plura-lismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino (III), [...], pree-xiste uma questão social, voltada a garantia do padrão de qualidade, que envolve não somente a avaliação no seu con-ceito mais estrito e pormenorizado de avaliar o saber, mas sim, de avaliar todo o contexto educacional que envolve a formação, desde a qualidade para a oferta até o atendimento da necessidade social a qual o ensino está inserido.

Assim, sendo a educação um direito social e que inte-ressa a toda sociedade, a garantia do padrão de qualidade, 171 Art. 46. A autorização e o reconhecimento de cursos, bem como o creden-ciamento de instituições de educação superior, terão prazos limitados, sendo reno-vados, periodicamente, após processo regular de avaliação.

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nada mais é que, prover meios que garantam um processo de formação de qualidade, que visa o pleno desenvolvimen-to do homem e sua contribuição plena para o contexto social o qual está inserido.

Diante dessa perspectiva e com esse olhar voltado para a melhoria do ensino jurídico, o cenário de mudanças no ensino trouxe à tona muitas demandas educacionais, tais como, criação de um novo Conselho Nacional de Educação (CNE), que até então era Conselho Federal de Ensino (CFE); a necessidade de rever as normas e regulamentos e tornar relevante o papel da avaliação do ensino superior, tornan-do-a como elemento essencial para o sistema de regulação. (...) “A avaliação do sistema como instrumento do processo de regulação é muito mais adequada e legítima num regime democrático do que impedir o crescimento do sistema de forma burocrática e casuística”172.

Não apartado de toda essa dinâmica, situa-se os cur-sos jurídicos, que buscou desde o seu nascedouro implemen-tar as melhores práticas que pudessem avaliar e melhorar a qualidade de oferta desses cursos. Nessa conjuntura de mu-danças, e muito anterior a elas, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), esteve sempre presente, por meio de sua Co-missão de Ensino Jurídico (CEJ), criada em 1991 e atuou de forma veemente, debruçando-se sobre o diagnóstico e solu-ções para a crise do ensino jurídico, relacionadas à época173.

Em trabalho conjunto com o Ministério da Educação, a OAB, por intermédio da CEJ, esteve presente nas tratativas de melhorias constantes em busca da qualidade dos cursos jurídicos, foi então, promulgada a Portaria 1.886 no ano de

172 FEITOSA NETO, Inácio josé. O ensino jurídico Brasileiro: uma análise dos discursos do MEC e da OAB. Recife: Ed. do Autor, 2007, p. 87.173 Ensino Jurídico OAB: 170 anos de cursos jurídicos no Brasil. Brasília, DF: OAB, Conselho Federal, 1997, p.57.

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94, que tratava das diretrizes curriculares para o curso de direito.

Todo esse debate entre órgão regulador e entidade de classe tem um papel relevante, tanto no contexto da regu-lação em prol da melhoria, quanto na efetividade do papel social das instituições de ensino, ou seja, todo esse proces-so de discussão, tanto de diretrizes curriculares, como de instrumentos de avaliação, tem foco na adequação da ofer-ta em conformidade com aquilo se pretende como perfil do egresso e, para além disso, o como e qual profissional às IES entregarão para a sociedade.

É importante frisar que toda essa discussão em prol da qualidade da oferta e das formas de avaliação, está posi-tivada no Direito Brasileiro, desde a Constituição Federal, passando pelo Estatuto da Advocacia e chegando as normas infra-legais174.

Portanto, no que diz respeito a esses processos de ava-liação, tanto do ENADE quanto do EXAME de ORDEM tem respaldo jurídico e tem em seu bojo a intencionalidade de melhorar a qualidade do ensino dos cursos jurídicos, pois, não a razão no plano da eficácia jurídica, um arcabouço de normas que não cumprem seu papel social, pois o que está em voga é a formação e qualificação para o trabalho. Sendo assim, menciona BRAGA em seu artigo:

O controle de qualidade por parte das corporações profissionais se dá por meio da regulamentação a respeito do ingresso na profissão. Isso ocorre, em maior medida, na advocacia, por conta do Exame de Ordem para ingresso na OAB. Nessa área, não res-tam dúvidas de que esse exame tem influência dire-

174 BIRNFELD, Carlos André. Manual prático dos critérios de avaliação da qualidade dos cursos jurídicos. Pelotas: Delfos, 2001 p.32.

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ta sobre a qualidade dos cursos, uma vez que a taxa de aprovação dos egressos nessa prova é periodica-mente divulgada...]. [...a existência das comissões de ensino jurídico, bem como, a manifestação a respei-to dos processos de autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento de cursos exemplifica de forma clara a influência da Ordem dos Advoga-dos do Brasil no controle de qualidade dos cursos.]175

Nesse sentido e no propósito de contribuir de forma conjunta com a regulação realizada pelo setor público, a lei instituiu no Estatuto da OAB, por meio do Art. 54, inciso XV, a sua competência para “colaborar com o aperfeiçoa-mento dos cursos jurídicos e opinar, previamente, nos pedi-dos apresentados aos órgãos competentes para criação, reco-nhecimento ou credenciamento destes cursos”176.

Esse regulamento vem demonstrar a real importância do papel do órgão de classe como “regulador”, pois, amplia as possibilidades de melhoria e corrobora com o entendi-mento da avaliação como um processo realizado por pares.

Nesse contexto, no ano de 2004 foi instituído o Siste-ma Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), que traz em sua concepção a avaliação das instituições, dos cursos e dos estudantes, esse último aferido pelo ENADE.

Como norma disciplinadora dos processos e atos ava-liativos do contexto educacional do ensino superior, a Lei do SINAES trouxe a reboque um conjunto de normas (decretos, resoluções, pareceres e regulamentos) que compõem o cam-po legislativo da educação e nele estão contidas as normas 175 BRAGA, Claudio Mendonça. Construção de novos parâmetros para avalia-ção qualitativa: a relação entre o Ministério da Educação e a Ordem dos Advoga-dos do Brasil na atividade de regulação e supervisão dos cursos jurídicos.176 ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – Estatuto da Advocacia – Lei 8.906 de 04/07/1994.

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relativas aos processos de avaliação a qualidade do ensino e que, conforme a evolução dos fatos sociais relacionados ao contexto social sob a ótica do ensino, se moldam, ou não, para atingir as melhorias preconizadas pela Lei suprema.

Como premissa, o SINAES tem o objetivo de avaliar instituições e cursos, conforme preconizado em seu artigo 1º:

Fica instituído o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior - SINAES, com o objetivo de as-segurar processo nacional de avaliação das institui-ções de educação superior, dos cursos de graduação e do desempenho acadêmico de seus estudantes, nos termos do art. 9º, VI, VIII e IX, da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. § 1º O SINAES tem por finalidades a melhoria da qualidade da educação superior, a orientação da expansão da sua oferta, o aumento permanente da sua eficácia institucional e efetividade acadêmica e social e, especialmente, a promoção do aprofundamento dos compromissos e responsabilidades sociais das instituições de educa-ção superior, por meio da valorização de sua missão pública, da promoção dos valores democráticos, do respeito à diferença e à diversidade, da afirmação da autonomia e da identidade institucional177.

Conforme posto, muitas são as finalidades preconiza-das pela Lei do SINAES, trazendo em seu bojo aspectos re-lacionados a expansão, efetividade acadêmica e social, e res-ponsabilidade das instituições, com vistas a regulamentar e

177 BRASIL. Lei 10.861/2004 – Dispõe sobre o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior.

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buscar o alcance do preceito constitucional de melhoria do padrão de qualidade.

Diante de tantas demandas que contemplam a forma-ção jurídica, todo o sistema de regulação e avaliação do en-sino não tem conseguido alcançar o êxito em seus processos e atos administrativos. O excesso de pedidos e autorizações de cursos jurídicos permeiam a realidade da falta de quali-dade dos cursos jurídicos, sendo um mercado em expansão muito além daquele vivenciado na década de 90.

Dessa forma, mesmo com tratativas constantes entre MEC e OAB e dados relevantes sobre ENADE e Exame de Ordem, a formação dos bacharéis em direito não tem atin-gido os melhores patamares nos últimos anos, prevalecen-do um cenário bem mais caótico ao vivenciado em outros tempos.

2. A garantia do padrão de qualidade como princí-pio constitucional

Como fonte primeira do Direito educacional, a Cons-tituição Federal contempla dez artigos que versam sobre a educação. Diversas normas educacionais são deflagradas a partir do texto constitucional, tais como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, o Estatuto da Criança e do Adolescen-te, etc.

Dentre os diversos aspectos trazidos pelo texto cons-titucional, um deles chama atenção para o trabalho em tela, que é a garantia do padrão de qualidade do ensino, com previsão normativa no artigo 206, inc.VII e a sua regula-mentação pelo texto da Lei ordinária que preceitua que “o ensino é livre a iniciativa privada, atendidas as seguintes condições:[...] autorização e avaliação de qualidade pelo Po-

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der Público, cabendo à União “assegurar processo nacional de avaliação do rendimento escolar no ensino fundamental, médio e superior, em colaboração com os sistemas de ensi-no, objetivando a definição de prioridades e a melhoria da qualidade do ensino”.

O padrão mínimo de qualidade está expresso no arti-go 206, inciso VII, o qual assevera:

Art.206. O ensino será ministrado com base nos se-guintes princípios: [...]VII – garantia do padrão de qualidade.178

Anterior a esse preceito Constitucional o art. 205 do texto constitucional da CF 88, versa sobre três aspectos, os quais são objetivos básicos definidos para educação: a) o ple-no desenvolvimento da pessoa; b) preparo da pessoa para o exercício da cidadania; c) qualificação da pessoa para o trabalho.

No entanto, nem o texto constitucional e nem as nor-mas infraconstitucionais, tais como a Lei de Diretrizes e Ba-ses da Educação – LDB, menciona o que seria de fato esse “padrão de qualidade”, e nos leva a inferir que o verdadeiro termômetro é a efetividade da atuação profissional e o como esses profissionais estão chegando ao mercado.

Com isso, árdua tarefa é mensurar se as inovações tra-zidas pelas constantes mudanças nas normas que envolvem o contexto de regulação do ensino superior têm garantido esse padrão de qualidade para o ensino, necessitando, assim, de alterações emergentes das políticas adotadas, tornando

178 VILAS-BÔAS, Renata Malta. Direito à Educação de qualidade como forma de garantir a cidadania apud Direitos Humanos, Políticas Públicas e Cidadania. Alane de Lucena [et.al.] / Rodrigo Freitas Palma (Org). – Brasília: Processus, 2014, pg.325.

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mais eficaz e efetivo os processos de avaliação que envolvem a formação jurídica.

3. A Avaliação dos cursos de direito como processo de melhoria da qualidade do ensino jurídico

Como forma de dimensionar a avaliação da formação no âmbito do ensino jurídico e com vistas a contribuir para a melhoria do padrão de qualidade do ensino superior, o SI-NAES objetiva mensurar a qualidade da formação ofertada nos cursos superiores, dentre eles, os cursos jurídicos, por meio da avaliação das instituições, cursos e alunos.

Entendendo a avaliação como processo formativo de melhoria da qualidade do ensino e considerando a dinâmica do estado em sistematizar a oferta da graduação, novas dire-trizes de avaliação são instituídas a partir de 2004, por meio da Lei 10.461/2004 o Sistema Nacional de Avaliação do En-sino Superior – SINAES, que dentre outros aspectos de ava-liação (autoavaliação e avaliação externa), traz em seu bojo o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE.

O exame tem por objetivo verificar a cada ciclo de 3 anos o desempenho dos alunos egressos dos cursos de gra-duação e será aferida por meio de conceito ordenado em escala de 1 a 5, avaliando o desempenho de concluintes de cursos de graduação com relação aos conteúdos e as compe-tências previstas para sua formação.

O ENADE é um exame de caráter obrigatório e tem status de componente curricular, ou seja, é necessário que o aluno concluinte responda ao questionário do estudante e realize a prova para poder colar grau179.

179 Instituto Nacional Anísio Teixeira – INEP - http://portal.inep.gov.br/arti-go/-/asset_publisher/B4AQV9zFY7Bv/content/mec-e-inep-divulgam-resultados-

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Nesse contexto de avaliação, ressalta-se o papel do Ministério da Educação como agente regulador, quando da verificação do desempenho dos alunos por meio do ENA-DE. Vale mencionar que existe obrigatoriedade do aluno em comparecer ao exame, no entanto, não existe obrigatorieda-de na realização da prova, contando somente como registro de comparecimento.

Dos resultados do ENADE derivam dois indicadores de qualidade da educação superior que são insumos para a melhoria da qualidade dos projetos pedagógicos de curso. O conceito ENADE é calculado a partir do desempenho do es-tudante concluinte do curso de graduação, buscando agre-gar o desempenho do aluno desde o seu ingresso, normal-mente aferido pelo ENEM e pelo ENADE, pelos concluintes.

Nesse sentido, é importante ressaltar que nem todos os alunos que realizam o ENADE prestaram o ENEM e, portanto, esse indicador aliado a falta de obrigatoriedade na resolução da prova, se torna fragilizado como fator de men-suração da qualidade da formação dos cursos jurídicos.

Diante desse cenário é mister analisar de forma por-menorizada se existe efetividade nas avaliações impostas pelo agente regulador e qual o contraponto existente dessas avaliações realizadas, especificamente nos cursos de direito. Elas contribuem para o cumprimento do preceito constitu-cional? Contribuem para a formação do futuro bacharel em direito? Melhoram a qualidade dos cursos? Demonstram re-sultados coerentes àquilo a que se propõem?

O resultado do ENADE por si só não tem implicações regulatórias, ou seja, o resultado do desempenho dos estudantes na prova não é considerado igual à qua-

-do-enade-2017-e-indicadores-de-qualidade-da-educacao-superior/21206

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lidade do curso e, portanto, não é suficiente para re-conhecer ou deixar de reconhecer um curso180.

É provável que o arcabouço normativo que regula o ensino jurídico no país, mesmo com sua amplitude, não contribua de forma eficaz e eficiente aos termos de garantia do padrão de qualidade do ensino, no entanto, é válido in-vestigar, no âmbito da IES particulares do DF, o quanto des-se padrão de qualidade tem sido alcançado, verificando tan-to sob a ótica do ENADE quanto do EXAME de ORDEM, resguardando a peculiaridade de cada uma das avaliações.

Quando o assunto é avaliação, o momento atual é cru-cial para acalorar os debates acerca da qualidade de ensino ofertada no país. Esse momento de expansão desordenada requer um controle mais efetivo do Estado e uma revisão premente dos critérios adotados para autorização dos cursos de direito no país.

Nesse contexto, o papel da avaliação é de grande re-levância quando possibilita que a sociedade tenha acesso as informações sobre a qualidade dos cursos e das instituições do país, aferidas por meio de critérios estabelecidos pela Lei do SINAES, e sob a ótica da formação a aplicação do ENADE.

A ausência de imparcialidade na autorização dos cur-sos, tem tornado cada vez mais difícil o controle da qualida-de por meio dos órgãos responsáveis. Não há como aferir a qualidade dos cursos, pois, a velocidade em que se autoriza não é a mesma em que avalia, abrindo assim, uma lacuna entre o funcionamento dos cursos e o processo de avaliação desses. A fiscalização está na contramão da arbitrariedade do processo regulatório.

180 RISTOFF DILVO. Revista Brasileira de Pós-Graduação - (RBPG, Brasília, v. 3, n. 6, O Sinaes como sistema, p. 208, 210 e 211)

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Como já mencionado, a revelia do posicionamento da OAB, esse preconizado pela Lei 8.906 de 1994, o qual de-termina a colaboração da OAB para o aperfeiçoamento dos cursos jurídicos em opinião prévia, o MEC desconsidera o filtro da OAB, tornando discrepante a abertura de cursos.

Nesse sentido é questionável a avaliação da qualida-de dos cursos por meio do ENADE, uma prova de análise amostral, a qual coletam-se diversos dados, desde do con-texto socioeconômico ao contexto da formação, mas ques-tiona-se qual o resultado efetivo e a contribuição social des-sa avaliação para mensurar a qualidade do ensino. Não se pode negar que os dados são de grande relevância para o estudo socioeconômico, mas em que tem contribuído para o ensino?

Nesse sentido o Exame da OAB tem sido um filtro im-portante que avalia a qualidade da formação no seu senti-do mais stritu, ou seja, avaliando a formação específica do egresso, podendo ser ferramenta de grande valia para o con-trole efetivo da qualidade dos cursos jurídicos.

O exame da Ordem está previsto no artigo 58, inciso VI da Lei 8.906, de 1994 e é regulamentado pelo Provimento nº 109, de 2005181.

Para que o Bacharel em Direito possa ser inscrito nos quadros da OAB é critério previsto no provimento que te-nha sido aprovado no Exame.

O Exame da Ordem é realizado três vezes ano e tem por objetivo aferir a qualidade da formação do Bacharel em Direito. O Exame de Ordem também é um indicador poten-cial para medir a qualidade dos cursos. Sendo assim, seus dados são utilizados pela OAB para conceder às melhores

181 PROVIMENTO OAB N. 109, de 05.12.05. Estabelece normas e diretrizes do Exame de Ordem.

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instituições o selo de qualidade pelo programa denominado OAB recomenda.

Embora entendendo a importância e relevância dos dados coletados por meio desses dois instrumentos do órgão de classe (Exame de Ordem e OAB recomenda), esses meca-nismos não são oficiais, mas trazem importantes insumos para a avaliação da qualidade dos cursos jurídicos.

4. O Avaliação de larga escala no Ensino Superior – Exame Nacional de Avaliação de Desempenho de Estu-dantes (ENADE)

Todo esse enredo suscita debates relevantes, tanto no contexto educacional, quanto no campo jurídico da efeti-vidade das normas impostas pelo Estado, não que elas não tenham que existir, mas o desafio é realmente adequar o que se pretende para o ensino com aquilo que realmente está sendo ofertado para que a engrenagem funcione e traga resultados.

Sendo assim, o papel social da avaliação é prestar para a sociedade informações relevantes, uma forma de prestar contas da qualidade dos cursos e das instituições, vislum-brando a formação de cidadãos com a devida formação téc-nica para atuar no mercado de trabalho.

Com a intenção de buscar a melhoria da qualidade da educação superior, foi instituída a Lei do SINAES nº 10.861, que traz as referências necessárias do processo avaliativo.

Baseando-se nessa Lei, o MEC criou um sistema de avaliação para as IES, utilizando-se de metodologia baseada em indicadores e para avaliação do ensino superior utiliza--se do Conceito de Índice Geral de Cursos (IGC) como pa-râmetro para medir a qualidade das Instituições.

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Assim, o MEC realiza suas avaliações oficiais com foco na aferição satisfatória da oferta do ensino superior, se valendo de ferramentas de verificação in loco e de verifica-ção do desempenho de estudantes, conforme previsto na Lei 10.861 de 2004182:

[...O Sinaes possui uma série de instrumentos com-plementares: autoavaliação, avaliação externa, Ena-de, Avaliação dos cursos de graduação e instru-mentos de informação como o censo e o cadastro. A integração dos instrumentos permite que sejam atribuídos alguns conceitos, ordenados numa es-cala com cinco níveis, a cada uma das dimensões e ao conjunto das dimensões avaliadas. O Ministério da Educação torna público e disponível o resultado da avaliação das instituições de ensino superior e de seus cursos. A divulgação abrange tanto instru-mentos de informação (dados do censo, do cadas-tro, CPC e IGC) quanto os conceitos das avaliações para os atos de Renovação de Reconhecimento e de Recredenciamento (parte do ciclo trienal do Sinaes, com base nos cursos contemplados no Enade a cada ano)].

Desse modo, pode-se inferir por meio da citação, tratar-se de um sistema de grande complexidade devido a abrangência de informações coletadas por meio dos instru-mentos de avaliação. Segundo o órgão regulador, os resul-tados das avaliações proporcionam uma análise global da qualidade do ensino.

Todo o processo regulatório é composto por indicado-res de qualidade da educação superior, instrumentalizados

182 http://portal.inep.gov.br/sinaes

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para dar base ao processo de regulação tanto dos cursos, quanto das IES. Para fins de entendimento, vale mencionar os conceitos e índices aferidos nos processos regulatórios183:

a) Conceito Enade (CE): avalia os cursos de gradua-ção a partir dos resultados obtidos pelos estudantes no Enade. É divulgado anualmente para os cursos que tiveram pelo menos dois estudantes concluintes participantes do Exame. Os resultados do Enade são considerados na composição de índices de qualidade relativos aos cursos e às instituições (como o CPC e o IGC);b) Conceito Preliminar de Cursos (CPC): combina, em uma única medida, diferentes aspectos relativos aos cursos de graduação. Seus componentes podem ser agrupados em quatro dimensões – desempenho dos estudantes, valor agregado pelo processo forma-tivo oferecido pelo curso, corpo docente, e condi-ções oferecidas para o desenvolvimento do processo formativo;c) Conceito de Curso (CC): composto a partir da avaliação in loco do curso pelo MEC, pode confir-mar ou modificar o CPC. A necessidade de avaliação in loco para a renovação do reconhecimento dos cur-sos é determinada pelo CPC: cursos que obtiverem CPC 1 e 2 serão automaticamente incluídos no cro-nograma de avaliação in loco. Cursos com conceito igual ou maior que 3 podem optar por não receber a visita dos avaliadores e, assim, transformar o CPC em CC, que é um conceito permanente.d) Índice Geral de Cursos (IGC): Resultado de ava-liação das Instituições de Educação Superior. É uma

183 https://contas.tcu.gov.br/sagas/SvlVisualizarRelVotoAcRtf?codFiltro=SA-GAS-SESSAO-ENCERRADA&seOcultaPagina=S&item0=620273

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média ponderada, a partir da distribuição dos es-tudantes nos níveis de ensino, que envolve as notas contínuas de CPC dos cursos de graduação e os con-ceitos Capes dos cursos de programas de pós-gra-duação stricto sensu das IES. O indicador pode ser confirmado ou alterado pelo Conceito Institucional (CI);e) Conceito Institucional: composto a partir da ava-liação in loco da instituição pelo MEC, pode confir-mar ou modificar o IGC.

Diante de tantos mecanismos, vale ressaltar a impor-tância e contribuição de um deles para melhoria da qualida-de do ensino, qual seja o ENADE.

O ENADE, conforme já fora mencionado, é um exa-me que avalia o rendimento dos concluintes dos cursos de graduação que acontece de 3 em 3 anos para cada área de conhecimento. Para o curso de direito os últimos exames aconteceram em 2012, 2015 e 2018. Conforme já menciona-do na Lei do SINAES, o ENADE tem a seguinte definição conforme artigo 5º da Lei do SINAES184:

Art. 5o A avaliação do desempenho dos estudantes dos cursos de graduação será realizada mediante aplicação do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes - ENADE.§ 1o O ENADE aferirá o desempenho dos estudantes em relação aos conteúdos programáticos previstos nas diretrizes curriculares do respectivo curso de graduação, suas habilidades para ajustamento às exi-gências decorrentes da evolução do conhecimento e suas competências para compreender temas exte-

184 http://portal.inep.gov.br/sinaes

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riores ao âmbito específico de sua profissão, ligados à realidade brasileira e mundial e a outras áreas do conhecimento.§ 2o O ENADE será aplicado periodicamente, admi-tida a utilização de procedimentos amostrais, aos alunos de todos os cursos de graduação, ao final do primeiro e do último ano de curso.§ 3o A periodicidade máxima de aplicação do ENA-DE aos estudantes de cada curso de graduação será trienal.§ 4o A aplicação do ENADE será acompanhada de instrumento destinado a levantar o perfil dos es-tudantes, relevante para a compreensão de seus resultados.§ 5o O ENADE é componente curricular obrigatório dos cursos de graduação, sendo inscrita no histórico escolar do estudante somente a sua situação regu-lar com relação a essa obrigação, atestada pela sua efetiva participação ou, quando for o caso, dispensa oficial pelo Ministério da Educação, na forma esta-belecida em regulamento.

Vale mencionar que no contexto de avaliação do ensi-no, o ENADE tem papel de grande relevância para as IES, pois, o Conceito Preliminar de Curso tem em sua compo-sição a nota aferida pelo ENADE, bem como, o Indicador de Diferença entre os Desempenhos Observado e Esperado (IDD) e por fatores que consideram a titulação dos professo-res, o percentual de docentes que cumprem regime parcial ou integral (não horistas), recursos didáticos-pedagógicos, infraestrutura e instalações físicas.

É importante frisar que o ENADE tem grande impac-to no CPC quando, a partir de seus resultados, o curso pode

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ter conceito relevante ou pode até mesmo ficar sem conceito se não for realizado por pelo menos dois alunos concluintes. Conforme Nota Técnica nº 16/2018:

O cálculo do Conceito ENADE, realizado por códi-go de curso, leva em consideração as seguintes in-formações: a) o número de estudantes concluintes participantes, com resultados válidos, aqui denomi-nados participantes; b) o desempenho dos estudan-tes participantes na parte de Formação Geral (FG) do exame; c) o desempenho dos estudantes partici-pantes na parte de Componente Específico (CE) do exame.

Com isso e para além desses cálculos, a que se analisar se os critérios definidos pelo ENADE têm buscado, de fato, aferir o padrão de qualidade dos cursos. Em posicionamen-to recente o Tribunal de Contas da União (TCU) criticou o sistema de Avaliação e a subjetividade de seus indicadores, dentre eles, do conceito ENADE.

A fiscalização do TCU teve por objeto avaliar à re-gulação e avaliação dos cursos superiores que teve origem em uma solicitação da Comissão de Defesa do Consumidor para avaliar a atuação do MEC nos procedimentos de ava-liação dos cursos de direito. Conforme relatado consta no relatório, o que motivou a solicitação foi a questão da oferta da qualidade do ensino superior e os mecanismos de contro-le, conforme relato que segue185:

“Não obstante todo o aparato legislativo para que o Ministério da Educação (MEC) exerça a fiscalização

185 https://contas.tcu.gov.br/sagas/SvlVisualizarRelVotoAcRtf?codFiltro=SA-GAS-SESSAO-ENCERRADA&seOcultaPagina=S&item0=620273

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sobre o funcionamento das Faculdades de Direito, os estudantes têm visto seus direitos de consumidores prejudicados diante da péssima qualidade de muitas instituições. Basta, para tanto, verificar o baixíssimo índice de aprovação no Exames da OAB para con-cluir que a formação de Bacharéis em Direito está comprometida.”

Com isso, percebe-se que os mecanismos de controle de qualidade dos cursos e das instituições de ensino, mais uma vez passa por questionamentos, necessitando assim de adequação e revisão das políticas públicas voltadas ao pro-cesso de regulação do ensino superior, com vistas a contem-plar o preconizado pela CF 88 e pela LDB.

5. Exame de Ordem sob a ótica de avaliação e suas contribuições para o Processo de formação do Bacharel em Direito

Assim como o processo nacional de avaliação, o Exa-me de Ordem, apesar de não avaliação oficial, sofreu ade-quações ao longo de sua existência, para que assim, acompa-nhasse a evolução do ensino, tanto nos aspectos qualitativos, quanto quantitativos da oferta de cursos e, por consequência do aumento do número de Bacharéis, oriundos dos cursos de direito. Nesse sentido, todo esse processo culminou na criação do Exame de Ordem Unificado (EOU), que unificou a prova em todo país.

Muitas discussões existem em torno da constituciona-lidade do Exame de Ordem, o qual o exercício da advocacia à prévia aprovação no Exame de ordem. Nesse contexto o STF apreciou o texto constitucional do artigo 5º, XIII, que

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preconiza que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofí-cio ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.

Nesse contexto, a Lei 8.906/94 regulamentou esse dispositivo constitucional e o STF entendeu que o Exame de Ordem atende legalmente aos preceitos constitucionais. Além disso, o STF entendeu, ainda, que o referido Exame tem fundamental importância para selecionar os profissio-nais que realmente estão aptos ao exercício da profissão.

No entanto, nem o posicionamento do STF com re-lação ao Exame de Ordem foi suficiente para amenizar os acalorados debates. Muitas discussões acerca desse assunto ainda rebatem sobre sua necessidade, no entanto, diante do cenário posto sobre a expansão de cursos jurídicos, o Exame de Ordem é essencial para validar a formação e tornar o Ba-charel apto ao exercício da profissão, conforme segue:

O Exame, inicialmente previsto no artigo 48, inci-so III, da Lei nº 4.215/63 e hoje no artigo 8º, inciso IV, da Lei nº 8.906/94, mostra-se consentâneo com a Constituição Federal. Com ela é compatível a prer-rogativa conferida à Ordem dos Advogados do Brasil para aplicação do exame de suficiência relativo ao acesso à advocacia. Redação da tese aprovada nos termos do item 2 da Ata da 12ª Sessão Administrati-va do STF, realizada em 09/12/2015186.

Os posicionamentos rebatem o Exame de Ordem, co-locando-o como sendo um meio de reserva de mercado e criticando que a OAB sob sua legitimidade para tomar parte 186 http://stf. jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.as-p?s1=%28RE%24%2ESCLA%2E+E+603583%2ENUME%2E%29+OU-+%28RE%2EACMS%2E+ADJ2+603583%2EACMS%2E%29&base=baseAcorda-os&url=http://tinyurl.com/b8pgqz3

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no ensino jurídico, sendo que a formação do Bacharel está ligada a uma multiplicidade de carreiras.

Nesse diapasão, vale mencionar que a OAB não tem interesse em fazer reserva de mercado, há uma preocupação latente na melhoria da qualidade do ensino, na melhoria dos cursos e dos processos avaliativos, com a finalidade de tor-nar o Exame de Ordem, não somente um exame de aptidão, mas sim que seja uma fonte de dados capaz de proporcionar melhorias para o ensino ofertado nos cursos jurídicos.

Nesse sentido, o Exame de Ordem tem por objetivo mensurar a qualificação do Bacharel para exercer a profis-são, aferindo em suas duas fases, conhecimentos teóricos e práticos voltados ao seu exercício profissional.

Assim, a legislação impõe que o exercício da profis-são esteja ligado a outras condições, tais como: a posse do diploma registrado em uma instituição de ensino superior e credenciada junto ao MEC, fiscalização da atuação do ad-vogado em conformidade com os padrões de ética, critérios esses já estabelecidos pelo Estatuto da OAB – Lei 8.906/64 Artigos 3º e 8º:

O exercício da atividade de advocacia no território brasileiro e a denominação de advogado são privati-vos dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e para inscrição como advogado é necessário: I – capacidade civil; II - diploma ou certidão de gra-duação em Direito, obtido em instituição de ensino oficialmente autorizada e credenciada; III – título de eleitor e quitação do serviço militar, se brasileiro; IV – aprovação em Exame de Ordem.

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Vale ressaltar que essa prática não é realizada somente no Brasil, em análise comparada, o Exame de Ordem já se tornou prática consolidada em outros países, resguardada as devidas peculiaridades, conforme segue:

Com as devidas diferenças, a obrigatoriedade da avaliação como prática admissional dos bacharéis em Direito é uma prática consolidada nos Estados Unidos, através do Bar Examination, e na maioria dos países da União Européia (UE). Segundo aponta relatório recente da Comissão Europeia para a Efi-ciência da Justiça, responsável pela avaliação dos sis-temas jurídicos europeus, apesar das diferenças em termos de requisitos de treinamento e qualificação entre os Estados membros, exige-se, em geral, que os candidatos à prática da advocadcia satisfaçam uma série de condições, incluindo: (i) a obtenção de um diploma certificado; (ii) a aprovação nas avalia-ções necessárias; (iii) a admissão em uma associação profissional (Bar Association). Em alguns casos, os pré-requisitos podem incluir, ainda, um período de estágio inicial, treinamento contínuo e/ou específico para especialização do profissional187.

Com isso infere-se que a necessidade de avaliar a for-mação por meio de um Exame não é prerrogativa da dinâ-mica instituída no Brasil, até porque o Exame de Ordem pode trazer insumos importantes, com critérios objetivos para a melhoria dos projetos pedagógicos dos cursos de Di-reito e por consequência, melhorar o processo de formação dos bacharéis.

187 Exame de Ordem em Números – Fundação Getúlio Vargas – FGV Projetos

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Com vistas a contribuir para o padrão da qualidade do ensino jurídico, a Comissão Nacional de Ensino Jurídico, entrou num combate intenso com o Ministério da Educação, a fim de tentar frear a quantidade de cursos autorizados, pois, os resultados do Exame de Ordem, tem demonstrado que a abertura desordenada de cursos jurídicos, em institui-ções com qualidade duvidosa, tem refletido nos resultados da qualidade do ensino do bacharel em Direito.

Com isso, em conjunto com o Ministério da Educação a OAB continua na tentativa constante de melhorar o ensino nos cursos de Direito. O Exame de Ordem traz muitas in-ferências para a análise global dos cursos, uma porque ava-lia o egresso em seu contexto profissional mais específico e outra que, por ser uma prova em que o bacharel realiza vo-luntariamente, traz mais efetividade e segurança nos dados coletados.

O Exame de Ordem aliado aos instrumentos de aferi-ção do MEC é uma alternativa potencial para verificar com mais critério a qualidade da formação. Como já mencionado o TCU tem criticado a subjetividade trazida pelo ENADE, por ser esse um meio de avaliação que não traz em seu bojo a consistência de uma avaliação da formação, pois o seu cará-ter amostral traz resultados muitas vezes prejudiciais às IES.

Sendo assim, o momento é oportuno para abertura de debates sobre a melhoria da qualidade do ensino jurídico. O padrão regulatório e burocrático contribui para o atendi-mento de interesses pessoais, para o marketing institucio-nal, mas não para o cumprimento do padrão de qualidade preceituado pela constituição.

Nesse contexto, é relevante analisar tanto os aspectos qualitativos, representados pela análise dos dados puros, dos resultados desse contexto de avaliações, como os dados

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que trazem em seu cerne a subjetividade. O que isso sig-nifica? Significa dizer que, de nada vale o esforço da OAB em buscar a melhoria para o ensino jurídico, melhorando as diretrizes, oferecendo insumos importantes por meio do Exame de Ordem e do Selo OAB, se o MEC não promove ações conjuntas para propiciar essa melhoria, ignora o posi-cionamento da OAB acerca da qualidade dos cursos.

O esforço será em vão, se essas avaliações não forem utilizadas como ferramentas fundamentais para a melhoria constante da formação. As avaliações devem ter um caráter diagnóstico, que contribua para evolução do ensino jurídico, não ter caráter punitivo, imposto pelo Estado, com instru-mentos que não avaliam com efetividade o ensino superior, responsabilizando, muitas vezes o gestor do ensino. É ne-cessário unir esforços, a fim de atingir a finalidade precípua da oferta do ensino jurídico, que é alcançar o patamar mais elevado padrão de qualidade na oferta do ensino jurídico do país.

Cada avaliação traz em seu bojo suas especificidades, as quais não podem ser relegadas, é necessário identificar a contribuição de cada uma nesse processo, considerado os seus aspectos gerais e específicos e assim analisar o contra-ponto entre elas, para que se possa extrair o melhor de todo o processo.

Sejam as avaliações oficiais do MEC ou as avaliações e contribuições da OAB, o que está no cerne da questão é a melhoria constante do ensino ofertando e das normas esta-belecidas, buscando sempre e da melhor forma alavancar a qualidade dos cursos e das instituições, afunilando a ofer-ta e melhorando os processos que aferem a entrega desse egresso ao mercado de trabalho.

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Sendo assim, todos esses indicadores, quando divul-gados, constituem medida de qualidade capazes de contri-buir para o a melhoria da qualidade dos cursos e da IES e para prestar serviço voltado a sociedade como fonte de con-sulta, proporcionado assim, o desenvolvimento de políticas públicas para o ensino superior.

Diante de todo esse contexto e de toda a grandiosi-dade que envolve a contribuição do Exame de Ordem e das demais avaliações, é mister considerar que as melhorias são sempre necessárias, mas a não realização do Exame de Or-dem poderá promover um abismo da qualidade do ensino jurídico do país.

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DIREITOS SOCIAIS, EDUCAÇÃO E A (PERDA DA) QUALIDADE DO ENSINO

JURÍDICO BRASILEIRO

Elmo José Duarte de Almeida Júnior188

1. IntroduçãoA história da evolução humana é permeada de con-

quistas e avanços tecnológicos que propiciaram o nosso de-senvolvimento enquanto sociedade organizada.

As maiores conquistas humanas se encontram no campo imaterial e estão relacionadas a uma gama de direi-tos inalienáveis e inerentes a cada pessoa, que foram aper-feiçoados e transmitidos, de geração a geração, através dos milênios. Estes direitos, por sua envergadura e feição estru-tural na sociedade moderna, se encontram reconhecidos in-ternacionalmente e garantem, ainda que de forma não com-plemente satisfativa, a continuidade do desenvolvimento da espécie.

O reconhecimento progressivo desse rol de direi-tos, classificados como fundamentais, adquiriu um caráter cumulativo, fruto de constantes reivindicações concretas dos indivíduos, geradas por situações de agressão a bens es-truturais e elementares do ser humano. A acumulação de novos direitos acabou por influenciar o seu conteúdo e a própria maneira de se alcançar o maior grau de efetividade daqueles já positivados no ordenamento jurídico.

188 Procurador da Fazenda Nacional. Especialista em Direito Constitucional pela Escola Paulista de Direito. Mestre em Direito, Relações Internacionais e De-senvolvimento pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Professor de cursos de pós-graduação em Direito. Autor e coautor de obras na área jurídica.

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É justamente neste contexto que assume relevo o com-portamento ativo do Estado na efetivação dos direitos fun-damentais sociais, em resposta aos anseios cada vez mais potencializados de uma sociedade sedenta por políticas pú-blicas que busquem o bem-estar social dos indivíduos, aí in-cluída a necessidade de garantia do acesso à educação.

Afinal, somente a constante produção de conhecimen-to, através de suas várias interfaces científicas, doutrinárias, filosóficas ou tecnológicas, possibilita manter o sistema que retroalimenta a necessidade de garantia e evolução desses direitos fundamentais. Ou seja, a garantia dessa gama de direitos relacionados à própria existência humana, aí in-cluído o direito à educação, somente é necessária diante de seu constante aperfeiçoamento e conveniência na vida em sociedade.

No dia em que a educação deixar de ser um fator es-trutural para a evolução humana, estarão abertas as portas para os questionamentos acerca da necessidade de se garan-ti-la, enquanto direito fundamental.

E, dentro desse contexto, convém analisar, ainda que de forma não profunda, adequada ao formato desta escrita, alguns aspectos relacionados à educação enquanto direito fundamental social, o acesso à educação superior no Brasil e os seus reflexos na qualidade do ensino jurídico.

Sigamos, pois, na análise dos caminhos estruturantes que possibilitam o aperfeiçoamento e a difusão do saber.

2. Os direitos sociais de prestaçãoAs bases do constitucionalismo moderno se encon-

tram completamente lastreadas no contexto dos direitos fundamentais. Frutos de reivindicações constantes dos in-

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divíduos, os direitos fundamentais acabaram por condicio-nar a validade substancial de todo o ordenamento jurídico atual, impondo limites e modelando o Estado Democrático de Direito. A íntima ligação entre os direitos fundamentais e o Estado de Direito acabou por gerar uma relação de in-terdependência, ao passo que não é possível se conceber a realização de um Estado de Direito sem o reconhecimento dos direitos fundamentais e, tampouco, efetivar os direitos fundamentais sem a noção de Estado Constitucional.

Neste relevo, a manifestação de Norberto Bobbio (1996, p. 01) se mostra bastante pertinente ao afirmar que a paz, a democracia e os direitos fundamentais constituem três momentos necessários do mesmo movimento histórico, sendo que a paz atua como pressuposto necessário para o re-conhecimento e efetiva proteção dos direitos fundamentais, ao passo que não poderá haver democracia onde não forem assegurados os direitos fundamentais e, inexistindo demo-cracia, não existirão as condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos.

Dentro desse contexto essencial de que os direitos fundamentais se fundem com a própria noção de Estado Democrático de Direito, a doutrina, baseando-se nos histó-ricos postulados de liberdade, igualdade e fraternidade da Revolução Francesa, passou a classificar esses direitos em “gerações”.

Embora uma pequena parte da doutrina repudie essa terminologia, sob a argumentação de que “o uso da expres-são ‘gerações’ pode ensejar a falsa impressão da substitui-ção gradativa de uma geração por outra, razão pela qual há quem prefira o termo ‘dimensões’ dos direitos fundamen-tais” (SARLET, 2007, p. 54), a classificação dos direitos fun-damentais em gerações expõe as diversas transformações de

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conteúdo, alcance e efetividade percebidas durante todo o seu processo histórico.

Os direitos fundamentais de primeira geração, ori-ginados basicamente pela influência dos ideais iluministas dos jusnaturalistas dos séculos XVII e XVIII, inauguram o período de reconhecimento da liberdade dos indivíduos frente ao Estado.

Por este motivo, segundo as lições de SARLET (2007, p. 56), são definidos como “direitos de cunho ‘negativo’, uma vez que dirigidos a uma abstenção, e não a uma conduta po-sitiva por parte dos poderes públicos, sendo, neste sentido, ‘direitos de resistência ou de oposição perante o Estado’”. Integram os direitos de primeira geração os direitos à vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade.

Os direitos de segunda geração, originados no século XIX em virtude dos relevantes problemas sociais e econô-micos que acompanharam o processo de industrialização, apresentam-se como uma dimensão positiva do Estado no intuito de patrocinar um “bem-estar social”. Caracterizam--se por outorgarem aos indivíduos direitos a prestações so-ciais por parte do Estado, tais como assistência social, saúde, educação e trabalho. No século XX, de modo especial após a Segunda Guerra, esses direitos fundamentais acabaram por ser consagrados em várias constituições e tratados interna-cionais (SARLET, 2007, p. 57).

Por sua vez, os direitos de terceira geração, comumen-te chamados de direitos de fraternidade ou de solidariedade, focalizam a sociedade como um todo, desvinculando-se da figura do homem como indivíduo e assumindo, portanto, uma dimensão coletiva ou difusa. A proteção do meio-am-biente e do patrimônio histórico, a paz dos povos e a sua

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qualidade de vida são frequentemente citados como exem-plos de direitos fundamentais de terceira geração.

A doutrina moderna costuma apresentar uma quarta e até mesmo uma quinta geração de direitos fundamentais, que não são relevantes para o presente estudo.

Partindo especificamente para os direitos fundamen-tais sociais, Alexandre de Moraes (2003, p. 202) os define como direitos do homem, que se caracterizam como verda-deiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, cujo objetivo é a melhoria da qualidade de vida dos menos favorecidos e a concretização da igualdade social.

De acordo com a doutrina tradicional, os direitos so-ciais que, dada sua extrema importância, foram merecedo-res de capítulo específico na Constituição Federal de 1988, são típicos exemplos de direitos de prestação.

Porém, embora possam apresentar em sua grande maioria uma noção de direitos de prestação, reclamando uma postura ativa do Estado, os direitos sociais vão além dessa classificação para também incluir em seu bojo as cha-madas “liberdades sociais”, de cunho eminentemente nega-tivo ou de defesa.

É o que aponta Ingo Wolfgang Sarlet (2001):

[...] percebe-se, com facilidade, que vários destes di-reitos fundamentais sociais não exercem a função precípua de direitos a prestações, podendo ser, na verdade, reconduzidos ao grupo de direitos de de-fesa, como ocorre como direito de greve (art. 9º, da CF), a liberdade de associação sindical (art. 8º, da CF), e as proibições contra discriminações nas rela-

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ções trabalhistas consagradas no art. 7º, incs. XXXI e XXXII, de nossa Lei Fundamental.

Esclarecida essa questão e delimitando o presente es-tudo unicamente no aspecto positivo e prestacional dos di-reitos sociais, pode-se afirmar que essa categoria de direitos fundamentais possui ampla conexão com o direito de igual-dade, valendo como pressuposto de gozo de direitos indivi-duais, na medida em que cria condições materiais favoráveis à aquisição da igualdade real e da própria liberdade (SILVA, 2000, p. 289).

Assim, os direitos sociais são considerados fatores de implementação da justiça social, uma vez que se encontram vinculados à efetivação de políticas públicas por parte do Estado.

2.1 A educação enquanto direito social de prestaçãoA educação, em sua própria essência, é um fenômeno

social e universal, necessário ao funcionamento e manuten-ção das sociedades, apesar de suas diferentes concepções e abordagens em cada ramo do conhecimento (JOAQUIM, 2009, p. 35).

A Constituição Federal de 1988 inseriu a educação no rol de direitos sociais previstos em seu artigo 6º189. Além do mais, definiu ser competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios proporcionar, dentre outros, os meios de acesso à educação190.189 “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Cons-tituição.”190 “Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

265

Dessa forma, o ordenamento constitucional demons-tra uma nítida intenção de se manter prestações positivas do Poder Público para a garantia do amplo acesso às atividades educacionais.

Por outro lado, ciente de que o poder de tributar traz consigo, intimamente atado, um poder paralelo de se des-truir191 (direitos, principalmente), o legislador constituinte previu várias imunidades tributárias, que representam ver-dadeiros freios ao exercício da tributação.

De fato, as imunidades tributárias representam níti-da tentativa de se encontrar um ponto de equilíbrio entre o poder fiscal e os direitos fundamentais constitucionalmente consagrados, buscando oferecer coerência ao próprio siste-ma que impõe tributos, mas reconhece direitos como pilares de todo o seu modelo de estado democrático (ALMEIDA JÚNIOR, 2016, p. 55).

Assim, a Carta Magna de 1988 vedou a instituição de impostos sobre as entidades de educação e de assistência social, desde que atendidos os requisitos previstos em lei192.

(...)V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação; (...)”

191 Julgado em 1819, sob a relatoria do Chief Justice John Marschall, o caso Mc Culloch v. Maryland discutiu a possibilidade de um Estado-membro da federação norte-americana cobrar impostos de um banco nacional. Marschall, apoiado no princípio da supremacia da União e sob o argumento de que o poder de tributar envolve o poder de destruir (the power to tax involves the power to destroy), deci-diu que se o Estado-membro pudesse cobrar impostos do patrimônio do Governo Federal, acabaria por destruir o que a ele caberia preservar. (TORRES, 2005, p. 225)192 “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:(...)VI - instituir impostos sobre:(...)

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Para além de uma proteção constitucional, esta nobre imunidade tributária traz um estímulo para as instituições de educação e assistência social que, atendidos os requisi-tos previstos em lei, atuem em um campo onde é impossível se verificar a onipresença do Estado. De fato, constatada a incapacidade do Estado em atender todas as demandas de educação exigidas pela sociedade, nada mais salutar do que estimular as instituições que se dediquem a este mister.

Afinal, as entidades de educação desenvolvem ativi-dades básicas que cumpririam, a princípio, ao Estado de-sempenhar. Ao antever as dificuldades de desempenho, de forma satisfatória, por parte do Poder Público, o legislador constituinte optou por não só proteger este direito funda-mental social, mas também fomentar a sua oferta através de instituições privadas que a ela se dediquem, nos termos da lei.

Não por acaso, o artigo 205 da Constituição Federal193 prevê que a educação é um direito de todos e um dever do Estado e da família, a qual será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, objetivando o pleno desen-volvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cida-dania e sua qualificação para o mercado de trabalho.

E, sendo a educação um direito fundamental social, que exige prestações positivas, ela acaba por também se in-serir no rol de deveres do Estado, devendo ser vista e acom-panhada de maneira cuidadosa pela sociedade, eis que se trata de um direito inalienável. O pacto social que nos rege

c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assis-tência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; (...)”193 “Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno de-senvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualifi-cação para o trabalho.”

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garante ao indivíduo o direito de se desenvolver em função das possibilidades de conhecimento existentes, traduzindo, por outro lado, em uma obrigação da sociedade em transfor-mar tais possibilidades em realizações efetivas.

Não se pode negar que a educação é uma das maio-res riquezas de um país, talvez a maior. Por constituir fer-ramenta de inclusão e desenvolvimento social, ela traduz a essência de um povo. Quanto maior o investimento em edu-cação, tende a ser maior o compromisso da sociedade com a redução das desigualdades sociais.

Sobre o tema, GOMES (2014, p. 114) afirmou:

[...] common sense dictates that education is one of the best financial investiments States can make. States like Brazil, Costa Rica and Philippines have constitutional provisions guaranteeing a percentage of the national budget for education, in accordan-ce withe the ICESCR. Educated people are more skilled, more motivated, more healthy – so, more productive.

Certamente, as bases educacionais de um país são de-terminantes para o desenvolvimento de sua nação.

O artigo 206 da Constituição Federal de 1988 deta-lha os princípios norteadores do ensino brasileiro, dentre os quais, destacam-se: a igualdade de condições de acesso e permanência na escola; garantia do padrão de qualida-de; valorização dos profissionais de educação; liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; gratuidade do ensino público; e outros194.194 “Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

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Como fonte de custeio das atividades relacionadas à educação, a Carta Maior também prevê percentuais míni-mos da arrecadação a serem aplicados pelos Entes Federa-dos, em suas respectivas esferas de competência195.

II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de institui-ções públicas e privadas de ensino; IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII - garantia de padrão de qualidade. VIII - piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal.IX - garantia do direito à educação e à aprendizagem ao longo da vida.”195 “Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Es-tados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino. § 1º A parcela da arrecadação de impostos transferida pela União aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, ou pelos Estados aos respectivos Municípios, não é considerada, para efeito do cálculo previsto neste artigo, receita do governo que a transferir. § 2º Para efeito do cumprimento do disposto no ‘caput’ deste artigo, serão consi-derados os sistemas de ensino federal, estadual e municipal e os recursos aplicados na forma do art. 213. § 3º A distribuição dos recursos públicos assegurará prioridade ao atendimento das necessidades do ensino obrigatório, no que se refere a universalização, garan-tia de padrão de qualidade e equidade, nos termos do plano nacional de educação. § 4º Os programas suplementares de alimentação e assistência à saúde previstos no art. 208, VII, serão financiados com recursos provenientes de contribuições sociais e outros recursos orçamentários. § 5º A educação básica pública terá como fonte adicional de financiamento a con-tribuição social do salário-educação, recolhida pelas empresas na forma da lei.§ 6º As cotas estaduais e municipais da arrecadação da contribuição social do sa-lário-educação serão distribuídas proporcionalmente ao número de alunos matri-culados na educação básica nas respectivas redes públicas de ensino.§ 7º É vedado o uso dos recursos referidos no caput e nos §§ 5º e 6º deste artigo para pagamento de aposentadorias e de pensões.§ 8º Na hipótese de extinção ou de substituição de impostos, serão redefinidos os percentuais referidos no caput deste artigo e no inciso II do caput do art. 212-A, de modo que resultem recursos vinculados à manutenção e ao desenvolvimento do

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ensino, bem como os recursos subvinculados aos fundos de que trata o art. 212-A desta Constituição, em aplicações equivalentes às anteriormente praticadas.§ 9º A lei disporá sobre normas de fiscalização, de avaliação e de controle das des-pesas com educação nas esferas estadual, distrital e municipal.

Art. 212-A. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios destinarão parte dos recursos a que se refere o caput do art. 212 desta Constituição à manutenção e ao desenvolvimento do ensino na educação básica e à remuneração condigna de seus profissionais, respeitadas as seguintes disposições: I - a distribuição dos recursos e de responsabilidades entre o Distrito Federal, os Estados e seus Municípios é assegurada mediante a instituição, no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, de um Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), de natureza contábil;II - os fundos referidos no inciso I do caput deste artigo serão constituídos por 20% (vinte por cento) dos recursos a que se referem os incisos I, II e III do caput do art. 155, o inciso II do caput do art. 157, os incisos II, III e IV do caput do art. 158 e as alíneas "a" e "b" do inciso I e o inciso II do caput do art. 159 desta Constituição; III - os recursos referidos no inciso II do caput deste artigo serão distribuídos entre cada Estado e seus Municípios, proporcionalmente ao número de alunos das diversas etapas e modalidades da educação básica presencial matriculados nas respectivas redes, nos âmbitos de atuação prioritária, conforme estabelecido nos §§ 2º e 3º do art. 211 desta Constituição, observadas as ponderações referidas na alínea "a" do inciso X do caput e no § 2º deste artigo; IV - a União complementará os recursos dos fundos a que se refere o inciso II do caput deste artigo;V - a complementação da União será equivalente a, no mínimo, 23% (vinte e três por cento) do total de recursos a que se refere o inciso II do caput deste artigo, distribuída da seguinte forma: a) 10 (dez) pontos percentuais no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, sempre que o valor anual por aluno (VAAF), nos termos do inciso III do caput deste artigo, não alcançar o mínimo definido nacionalmente; b) no mínimo, 10,5 (dez inteiros e cinco décimos) pontos percentuais em cada rede pública de ensino municipal, estadual ou distrital, sempre que o valor anual total por aluno (VAAT), referido no inciso VI do caput deste artigo, não alcançar o mínimo definido nacionalmente; c) 2,5 (dois inteiros e cinco décimos) pontos percentuais nas redes públicas que, cumpridas condicionalidades de melhoria de gestão previstas em lei, alcançarem evolução de indicadores a serem definidos, de atendimento e melhoria da apren-dizagem com redução das desigualdades, nos termos do sistema nacional de ava-liação da educação básica; VI - o VAAT será calculado, na forma da lei de que trata o inciso X do caput deste artigo, com base nos recursos a que se refere o inciso II do caput deste artigo, acrescidos de outras receitas e de transferências vinculadas à educação, observado o disposto no § 1º e consideradas as matrículas nos termos do inciso III do caput deste artigo;

270

VII - os recursos de que tratam os incisos II e IV do caput deste artigo serão apli-cados pelos Estados e pelos Municípios exclusivamente nos respectivos âmbitos de atuação prioritária, conforme estabelecido nos §§ 2º e 3º do art. 211 desta Cons-tituição; VIII - a vinculação de recursos à manutenção e ao desenvolvimento do ensino estabelecida no art. 212 desta Constituição suportará, no máximo, 30% (trinta por cento) da complementação da União, considerados para os fins deste inciso os valores previstos no inciso V do caput deste artigo; IX - o disposto no caput do art. 160 desta Constituição aplica-se aos recursos refe-ridos nos incisos II e IV do caput deste artigo, e seu descumprimento pela autori-dade competente importará em crime de responsabilidade;X - a lei disporá, observadas as garantias estabelecidas nos incisos I, II, III e IV do caput e no § 1º do art. 208 e as metas pertinentes do plano nacional de educação, nos termos previstos no art. 214 desta Constituição, sobre:a) a organização dos fundos referidos no inciso I do caput deste artigo e a distri-buição proporcional de seus recursos, as diferenças e as ponderações quanto ao valor anual por aluno entre etapas, modalidades, duração da jornada e tipos de estabelecimento de ensino, observados as respectivas especificidades e os insumos necessários para a garantia de sua qualidade; b) a forma de cálculo do VAAF decorrente do inciso III do caput deste artigo e do VAAT referido no inciso VI do caput deste artigo;c) a forma de cálculo para distribuição prevista na alínea "c" do inciso V do caput deste artigo; d) a transparência, o monitoramento, a fiscalização e o controle interno, externo e social dos fundos referidos no inciso I do caput deste artigo, assegurada a criação, a autonomia, a manutenção e a consolidação de conselhos de acompanhamento e controle social, admitida sua integração aos conselhos de educação;e) o conteúdo e a periodicidade da avaliação, por parte do órgão responsável, dos efeitos redistributivos, da melhoria dos indicadores educacionais e da ampliação do atendimento; XI - proporção não inferior a 70% (setenta por cento) de cada fundo referido no inciso I do caput deste artigo, excluídos os recursos de que trata a alínea "c" do inciso V do caput deste artigo, será destinada ao pagamento dos profissionais da educação básica em efetivo exercício, observado, em relação aos recursos previstos na alínea "b" do inciso V do caput deste artigo, o percentual mínimo de 15% (quin-ze por cento) para despesas de capital; XII - lei específica disporá sobre o piso salarial profissional nacional para os pro-fissionais do magistério da educação básica pública;XIII - a utilização dos recursos a que se refere o § 5º do art. 212 desta Constituição para a complementação da União ao Fundeb, referida no inciso V do caput deste artigo, é vedada. § 1º O cálculo do VAAT, referido no inciso VI do caput deste artigo, deverá consi-derar, além dos recursos previstos no inciso II do caput deste artigo, pelo menos, as seguintes disponibilidades: I - receitas de Estados, do Distrito Federal e de Municípios vinculadas à manu-tenção e ao desenvolvimento do ensino não integrantes dos fundos referidos no

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2.2 A questão da efetividade do direito à educação no brasil

Como se nota, arcabouço jurídico não falta ao Brasil para a implementação eficaz de políticas públicas capazes de possibilitar o pleno acesso a uma educação de qualidade.

Entretanto, no que tange ao direito à educação, a reali-dade normativa e principiológica brasileira não acompanha a realidade fático-social.

A falta de comprometimento com o direito à educação é facilmente constatada por escolas públicas sem condições físicas de funcionamento, ausência de uma política de valo-rização e remuneração digna dos professores, universidades desprovidas de laboratórios ou com laboratórios sucateados, ausência de programas amplos e acessíveis de financiamen-to estudantil, dentre outros aspectos.

O ensino, muitas vezes amplificado por instituições privadas, também não atinge índices mínimos de qualidade.

Infelizmente, a realidade do direito à educação se mostra muito distante daquilo que é constitucionalmen-te resguardado no pacto social brasileiro. Isto porque, nos moldes em que é observada, a educação não promove, em boa parte dos casos, o desenvolvimento pessoal e a qualifi-inciso I do caput deste artigo; II - cotas estaduais e municipais da arrecadação do salário-educação de que trata o § 6º do art. 212 desta Constituição; III - complementação da União transferida a Estados, ao Distrito Federal e a Mu-nicípios nos termos da alínea "a" do inciso V do caput deste artigo.§ 2º Além das ponderações previstas na alínea "a" do inciso X do caput deste ar-tigo, a lei definirá outras relativas ao nível socioeconômico dos educandos e aos indicadores de disponibilidade de recursos vinculados à educação e de potencial de arrecadação tributária de cada ente federado, bem como seus prazos de imple-mentação. § 3º Será destinada à educação infantil a proporção de 50% (cinquenta por cento) dos recursos globais a que se refere a alínea "b" do inciso V do caput deste artigo, nos termos da lei."

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cação necessária para o crescimento individual e profissio-nal do indivíduo.

Alguns estudiosos do tema suscitam a teoria da reser-va do possível196 como limitadora da efetiva implementação dos direitos fundamentais sociais, dentre os quais se inclui a educação.

Como mencionado em linhas volvidas, o Brasil possui generosas normas constitucionais que definem, inclusive, percentuais mínimos de determinados segmentos da arre-cadação estatal para serem aplicados na educação.

Todavia, a efetivação do direito à educação não ocor-re simplesmente com sua previsão constitucional. A imple-mentação efetiva desse direito tão caro aos indivíduos exige um amplo projeto que envolva todas as esferas administra-tivas do Estado, a ser construído com vontade política e co-brança da sociedade.

Afinal, a educação se insere dentro da restrita gama de direitos que compõem o mínimo necessário à existência digna das pessoas. É através da educação que uma sociedade consegue reduzir suas desigualdades sociais e regionais, di-minuindo, por consequência, a pobreza. A educação permi-te que uma família interrompa um ciclo de miséria e exclu-são sócio-cultural que a acompanha por inúmeras gerações.

A ausência da completa efetivação do direito à educa-ção segmenta a sociedade em bolhas, não permitindo que todos os indivíduos contribuam para o desenvolvimento na-cional e a evolução social. Aqueles que passam ao largo da educação, facilmente também estarão alocados à margem da 196 Originária dos julgados da Corte Constitucional Alemã, a teoria da reserva do possível define a limitação dos recursos públicos para fazer frente às necessida-des sempre crescentes dos indivíduos, que exigem prestações positivas por parte do Estado. Em outras palavras, prevê que a implementação de políticas públicas, ainda que sejam relacionadas aos direitos fundamentais sociais, está sujeita à dis-ponibilidade orçamentária.

273

sociedade, aumentado a massa de manobra cultural e politi-camente dominada.

A educação cria asas e o conhecimento possibilita o voo.

Assim, falta priorizar a educação, de qualidade, como um direito acessível a todos, indistintamente.

De acordo com o Anuário de Competitividade Mun-dial 2020 (World Competitiveness Yearbook – WCY197), o Brasil está em último lugar no fator educação. A posição do país é a de 63, duas abaixo do ano de 2019198.

Os números falam por si só e demonstram que exis-te um longo caminho a ser percorrido entre o direito cons-titucionalmente consagrado e sua efetivação no plano fático-social.

3. A massificação e a (perda da) qualidade do ensino jurídico

No âmbito do ensino superior jurídico, o país viven-cia, há décadas, uma explosão dos cursos de Direito oferta-dos especialmente em faculdades e universidades privadas.

Em que pese toda a preferência por um ensino público e de qualidade, não existem universidades públicas suficien-tes para atenderem todos os estudantes aptos ao ingresso nos cursos de ensino superior.

Assim, as universidades privadas constituem uma op-ção para ampliar o acesso do ensino àqueles que possuam condições (ainda que por intermédio de bolsas ou financia-mento estudantil) de custear o investimento necessário. 197 <https://www.imd.org/wcc/world-competitiveness-center/>. Acesso em 21/01/2021.198 <https://noticiasconcursos.com.br/educacao/educacao-brasil-cai-para-ulti-ma-posicao-em-ranking-global/>. Acesso em 23/01/2021.

274

Contudo, a ampliação desenfreada dos cursos de Di-reito no país criou um paradoxo que, sob o pretexto de se ampliar o acesso à educação, iniciou-se um processo de crise no ensino jurídico, com reflexos no mercado de trabalho e na qualidade técnica dos profissionais da área.

De acordo com o portal Educação Jurídica de A a Z199, o Brasil possuía, até outubro de 2020, o montante de 1.801 (mil, oitocentos e um) cursos de Direito autorizados pelo Ministério da Educação.

Por outro lado, estima-se que país ultrapasse a marca de 2 (dois) milhões de advogados até o ano de 2023200. Até outubro de 2019, estimava-se uma média de um advogado para cada grupo de 190 (cento e noventa) cidadãos201.

A análise isolada desses números indica, por si só, os problemas estruturais que os acompanham. Certamen-te a massificação do ensino jurídico não veio acompanha-da de um controle de qualidade dos cursos oferecidos, por parte dos órgãos estatais competentes, fator que acaba por comprometer o alcance da plena efetividade do direito à educação.

Afinal, o direito à educação pressupõe um ensino do-tado de padrões mínimos de qualidade, que permitam ao es-tudante não somente reter o conhecimento necessário para o exercício profissional, mas também para adquirir senso crítico e caráter reflexivo sobre todo o conteúdo, teórico e prático, ofertado nos bancos da graduação superior.

A partir desse ponto, o estudante poderá adquirir a segurança necessária para a sua autonomia profissional. 199 Educação Jurídica de A a Z (facebook) e @edujuridica (instagram)200 <https://www.rotajuridica.com.br/ate-2023-o-brasil-devera-ter-2-milhoes--de-advogados-numero-de-profissionais-e-um-desafio-para-o-mercado/>. Aces-so em 20/01/2021.201 <https://migalhas.uol.com.br/quentes/312946/brasil-tem-um-advogado--para-cada-190-habitantes>. Acesso em 20/01/2021.

275

Nota-se, por outro lado, o caráter mercantil de gran-de parte das instituições de ensino superior que oferecem o curso de Direito. A intenção de lucro extremo, evidenciada pela baixa remuneração do quadro de professores, falta de dedicação exclusiva à docência, ausência de programas de pesquisa e extensão, comprometem a qualidade do ensino.

As grades curriculares, por sua vez, acabam por ofer-tar apenas as disciplinas básicas para a conclusão do curso, se mostrando insuficientes para a gama de matérias abarca-das pela ciência jurídica e a necessária interdisciplinaridade com outros ramos do conhecimento.

A oferta de vagas intensa e descontrolada, com nítido caráter mercadológico, induz a uma massificação do corpo discente, que, em muitos casos, busca apenas a titulação exi-gida, sem qualquer compromisso com os mínimos critérios acadêmicos.

Nesse ponto, o “Exame de Ordem em Números” (volu-me IV, março de 2020, p. 83)202, publicação conjunta do Con-selho Federal da OAB e da Fundação Getúlio Vargas – FGV, indica que, em 28 (vinte e oito) edições do Exame de Ordem, apenas 61% dos candidatos foram aprovados.

Ou seja, para um exame que procura demonstrar a suficiência dos candidatos para o exercício da profissão de advogado (e não a proficiência, a busca pelos melhores), esse percentual diz muito sobre o ensino jurídico no país: qua-se 40% dos egressos das faculdades de Direito não possuem o conhecimento mínimo para o exercício da profissão de advogado.

202 <https://www.conjur.com.br/dl/exame-ordem-numeros-2020.pdf>. Acesso em 20/01/2021.

276

A consequência de tudo isso é a formação de profis-sionais sem qualquer compromisso com a função maior da ciência jurídica – o alcance da Justiça.

E, há que se reconhecer que, não sendo alcançada a função maior da ciência jurídica, pode-se afirmar que o Es-tado falhou na concretização do direito fundamental social à educação. Afinal, educação sem qualidade, desvirtuada e incompleta não propicia o desenvolvimento do indivíduo e da sociedade.

Não por acaso, o artigo 206, VII, da Constituição Fede-ral, determina que o ensino será ministrado tendo por base, dentre outros princípios, a garantia de padrão de qualidade.

4. ConclusãoJustamente por terem como objeto uma conduta po-

sitiva, consistente em prestações, em sua ampla maioria, de ordem fática e material, os direitos sociais reclamam uma posição ativa do Estado na implementação de políticas pú-blicas que possibilitem a sua efetivação.

A educação, sendo um direito fundamental social de prestação, depende de prestações positivas por parte do Es-tado para sua concretização. A previsão constitucional, por si só, não garante o acesso à educação, o que exige um pro-cesso contínuo de construção das bases e meios que possibi-litem o seu pleno alcance.

A implementação efetiva desse direito exige um am-plo projeto que envolva todas as esferas administrativas do Estado, a ser construído com vontade política e cobrança da sociedade. Afinal, a educação se insere dentro da restrita gama de direitos que compõem o mínimo necessário à exis-tência digna das pessoas. É através da educação que uma so-

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ciedade consegue reduzir suas desigualdades sociais e regio-nais, diminuindo, por consequência, a pobreza e a exclusão sociocultural de boa parte da população.

Especificamente em relação ao ensino jurídico, a ex-plosão da oferta dos cursos de Direito no país não foi acom-panhada de um controle de qualidade por parte dos órgãos estatais competentes. Isto ocasionou uma massificação do ensino jurídico, desprovida, entretanto, de padrões míni-mos de conhecimento, prático e teórico, dos profissionais lançados no mercado.

Este fenômeno, embora possa ser justificado como uma forma de plena efetividade do direito à educação, aca-ba por desfigura-lo e afasta-lo, uma vez que o próprio orde-namento constitucional exige uma educação de qualidade e que propicie não só o desenvolvimento do indivíduo, mas também da própria sociedade.

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PLÁGIO, O DESAFIO ÉTICODO ENSINO JURÍDICO

NA ERA DIGITAL

Allyny Ribeiro Martins203

1. IntroduçãoO Direito enquanto ciência é tão antigo quando a

própria sociedade, tendo crescido e se modificado com ela, tornando-se um dos cursos clássicos nas universidades ao redor do mundo. Hoje no Brasil, temos um crescimento no acesso ao ensino superior e o bacharelado em Direito é al-mejado, principalmente, por aqueles que buscam as carrei-ras estatais e a advocacia.

Atualmente, a formação jurídica está em um vertigi-noso processo de expansão no tocante a quantidade de cur-sos abertos e de vagas disponíveis, mas, infelizmente, a qua-lidade do ensino ofertado não tem acompanhado esse ritmo do crescimento.

Paralelo a isso, o mundo tem vivido os impactos das novas tecnologias na chamada era digital, que trouxe consi-go a modificação na transmissão do conhecimento. Usando as palavras de Maricéllia Schlemper “nada mais será como antes! Pois, em quase todas as esferas de sociabilidade há influência direta ou indireta dessa nova tecnologia”.

Isto posto, vemos que a tecnologia já está inserida em nossa vivencia, em todas as esferas, inclusive na educacio-nal. Por isso é fundamental que a qualidade do ensino seja discutida, a fim de englobar essas novas ferramentas de uma 203 Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Euro-Americano (UNIEU-RO), Especialista em Direito Processual Civil, Advogada, membro consultora da Comissão de Ensino Jurídico da OAB/DF – Gestão 2019/2021.

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forma efetiva, principalmente no tocante a pesquisa cientí-fica, pois o crescimento desordenado dos cursos somado ao uso indiscriminado e aético da internet, criam um ambiente propício a apropriação indevida de ideias, haja vista a atual facilidade no acesso a informações.

O uso da tecnologia não pode nos roubar o senso críti-co, pelo contrário deve nos ajudar a torna-lo ainda mais for-te. O plágio no ambiente acadêmico deve ser combatido e as Instituições de Ensino Superior devem buscar mecanismos que incentivem a produção científica de forma ética.

2. Da elitização a expansão dos cursos jurídicos Os cursos jurídicos brasileiros tiveram seu alvorecer

na época do colonialismo português, em meados do século XIX, antes disso, o seleto grupo de nobres que adentravam as academias eram formados nas tradicionais universidades europeias, conforme descreveu MASSETTO (1998).

No ano de 1822, quando o Brasil conquistou então a sua independência, tal fato propiciou um impulso a criação dos cursos de Direito, uma vez que era necessário instituir o aparato jurídico legal do recém-liberto país e formar a eli-te que ocuparia a nova administração pública. Assim, foi a aprovada a Lei de 11 de agosto de 1827204 que criou os pri-meiros cursos jurídicos no Brasil, nascendo deste ato legisla-tivo solene as primeiras sementes da seara forense brasileira, sendo instituídas em Olinda e São Paulo as inaugurais Fa-culdades de Direito em solo tupiniquim.

Desta forma os cursos jurídicos se estabeleceram no Brasil e aos poucos foram construindo uma estrutura mais

204 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/LIM-11-08-1827.htm>.Aceso em: 20/01/2021

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sólida, no entanto, era necessário a devida regulamentação do Ensino para garantir a qualidade e adequação do currí-culo pleno do curso de graduação em Direito.

O período da República foi um marco na história ju-rídica brasileira, nesse sentido NASCIMENTO (2016) e PRADO (2015), apontam grandes transformações no ensino do Direito, com a separação do ensino e a Igreja criou-se as faculdades livres, onde os cursos jurídicos passaram a ser ofertados em instituições particulares, que funcionavam sob supervisão do governo, com os privilégios e garantias das faculdades federais, dando fim a exclusividade no ensi-no e possibilitando a desconcentração do curso nas capitais de São Paulo e Pernambuco.

Em 1962, sob a disciplina da Lei de Diretrizes e Ba-ses da Educação205 de 1961, o Conselho Federal de Educação criou um currículo mínimo para o ensino do Direito, essa importante mudança foi um primeiro passo rumo a flexi-bilização curricular, como aponta RODRIGUES (2002) “as-sim, dava-se maior autonomia às instituições de ensino, que poderiam criar uma estrutura curricular mais adequada às suas propostas pedagógicas, sem o forte controle político-i-deológico estatal”.

Após dez anos, o Conselho Federal de Educação206 editou a Resolução CFE n.º 003/72, determinando as dire-

205 Lei Nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961 - Fixa as Diretrizes e Bases da Edu-cação Nacional. Disponível em: < http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1960-1969/lei-4024-20-dezembro-1961-353722-publicacaooriginal-1-pl.html>. Acesso em: 20/01/2021206 O Conselho Federal de Educação foi um órgão colegiado integrante da es-trutura do Ministério da Educação do Brasil (MEC), que atuava na formulação e avaliação da política nacional de educação, este foi substituído pelo Conselho Na-cional de Educação (CNE), criado pela Lei n.º 9.131, de 24 de novembro de 1995. O Conselho Federal de Educação foi extinto pelo ex-ministro Murílio Hingel por causa das denúncias de que havia tráfico de influência e de que o órgão era suscetí-vel ao lobby das escolas privadas. Disponível em <http://www.educabrasil.com.br/cne-conselho-nacional-de-educacao/>. Acesso em: 20/01/2021.

283

trizes para o funcionamento dos cursos de Direito no Brasil, RODRIGUES E JUNQUEIRA (2002), apontam a modifica-ção no tempo de integralização do curso, que ao invés de cinco anos passou a um mínimo de quatro e máximo de sete, preenchendo-se 2.700 horas aula. Segundo a visão dos autores, o intuito da Resolução era não só regular, mas tam-bém garantir um controle da qualidade dos cursos e assegu-rar a formação mínima aos egressos de todo o país.

Nas décadas de 80 e 90, se instaurou a busca por me-lhorias no ensino jurídico, foi então que o Ministério da Educação (MEC) instituiu a Comissão de Especialistas de Ensino Jurídico, para tentar adequar os parâmetros curricu-lares e sanar os inúmeros problemas estruturais.

Neste mesmo sentido, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) criou a Comissão de Ensino Jurídico (CEJ), que diagnosticou os problemas e crises da educação jurídica, propondo medidas funcionais e legislativas a fim de apri-morar as diretrizes curriculares da graduação em Direito, como aponta RODRIGUES E JUNQUEIRA (2002).

A partir de então os cursos jurídicos sofreram uma exponencial expansão, sendo que em 1999 o Brasil conta-va com 362 cursos jurídicos207, e agora, duas décadas depois já são mais de 1.800 cursos de Direito em todo território nacional208.

Como bem destaca NASCIMENTO (2016), esse cres-cimento brutal, se deu em grande parte, pela maior partici-pação da iniciativa privada no setor educacional, por meio da inserção de políticas públicas que geraram uma expressi-va privatização da educação superior.

207 OAB ensino jurídico – O futuro da universidade e os cursos de Direito: No-vos caminhos para a formação profissional. Brasilia, Df: OAB, Conselho Federal, 206 p. 187.208 Disponível em http://e-mec.mec.gov.br, acesso em 26/01/2021

284

Esse incentivo estatal, fez com que as instituições pri-vadas pudessem ganhar espaço, e segundo os dados do Cen-so da Educação Superior realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP, em 2017 o Brasil contava com 2.448 Instituições de Educa-ção Superior (IES), sendo 296 públicas e 2.152 privadas209.

Entretanto, apesar do aumento das IES proporciona-rem maior acessibilidade a educação, uma vez que há uma maior oferta de vagas, há também o desafio de manter o pa-drão de qualidade aliado ao crescimento dos cursos.

3. Os Avanços Tecnológicos e a Qualidade do Ensino O meio tecnológico proporcionou um grande avanço

no acesso a informação, especialmente com o advento da internet. SILVA (2014) aponta que graças a tais recursos foi possível disponibilizar uma quantidade vertiginosa de in-formações aos usuários da rede de computadores, o que é promissor para a área da pesquisa em geral, entretanto os inegáveis benefícios sofreram distorções que hoje ameaçam e fragilizam a pesquisa acadêmica.

O atual quadro do ensino jurídico aponta para um au-mento na quantidade e uma diminuição na qualidade dos cursos ofertados, cabe aqui o destaque apontado no livro OAB Recomenda do ano de 2003:

“As deficiências de ensino, aliadas a grades curricu-lares defasadas, a corpos docentes descomprome-tidos com a eficiência dos cursos, a interesses me-ramente mercantilistas ensejadores da profusão de cursos e de muitas de suas extensões sem a necessá-

209 Disponível em http://portal.inep.gov.br acesso em 26/01/2021.

285

ria capacitação, a f lagrante falta de formação e de in-formação dos alunos, são alguns dos motivos de um despreparo gritante de uma ponderável parcela dos operadores do Direito.” (OAB Recomenda 2003, p 8).

Com isto podemos perceber que apesar do ensino ter se tornado mais democrático, permitindo que as classes menos favorecidas tenham acesso ao ensino superior, o que lhes é ofertado não é suficiente para que eles alcancem uma colocação no mercado de trabalho, uma vez que saem da graduação com graves deficiências no conhecimento obtido.

O que se percebe também é que muitos dos egressos, principalmente da rede privada têm que conciliar as aulas acadêmicas com a sua jornada de trabalho, o que pode se tornar um empecilho para o pleno desempenho de áreas im-portantes, como a pesquisa científica.

Infelizmente, é nesse ponto que muitos alunos utili-zam as novas tecnologias, em especial dos mecanismos de busca, de forma indiscriminada e antiética, levando-os a uma prática muito nociva no ambiente acadêmico, o plágio.

Mas a internet não é o único responsável pelo plágio nas academias, ROSADO (2013) indica que além da facili-dade no acesso a informações, outros fatores são fundamen-tais para propagação, como a incapacidade dos alunos em parafrasear textos, a desconsideração ao próprio trabalho, a carência de um olhar crítico, a falta de conhecimento sobre os direitos autorais, o incentivo indireto ao plágio desde as séries iniciais e a compra de trabalhos prontos.

Tudo isso fica ainda mais acentuado quando o ensino recebido na graduação é mercantilizado, não havendo uma preocupação efetiva com a qualidade da educação jurídica, tão pouco com a utilização métodos de controle eficazes. 

286

4. Plágio acadêmico, uma questão éticaPara falar sobre a figura do plágio precisamos necessa-

riamente destacar a questão ética do assunto, e nesse sentido as autoras PITHAN e VIDAL (2013), destacam que o plágio é uma “questão ética, antes do que jurídica” e ressaltam a importância da função educativa das Instituições de Ensino Superior no desenvolvimento das pesquisas científicas com integridade ética.

Infelizmente, a fraude acadêmica já faz parte de uma cultura de desonestidade e de distorção de valores, éticos e morais, e os alunos sequer se sentem intimidados pela puni-ção, pois isso varia muito das decisões políticas da Institui-ção de Ensino Superior.

SILVA e DOMINGUES, citando FURTADO (2002), aponta que deve haver uma a inserção de pesquisas desde o início da vida acadêmica, para auxiliar os alunos na busca do verdadeiro conhecimento por meio da “consciência éti-ca”. Com especial relevância a atuação dos docentes na pre-paração da consciência ética dos acadêmicos.

Além disso, com base no art. 207 da Constituição Federal, as IES gozam de autonomia universitária, que se-gundo o Desembargador Federal Francisco Cavalcanti, o princípio constitucional da autonomia universitária, “pos-sibilita às Instituições de Ensino Superior o estabelecimen-to dos procedimentos acadêmicos dentro de seus limites institucionais”.

Deste modo, as IES podem estabelecer os mecanismos apropriados para lidar com o plágio por meio de seus regi-mentos internos e códigos de ética, com fito de estabelecer medidas preventivas e punitivas à prática do plágio.

Ademais, aquele que comete plágio no âmbito acadê-mico pode sofrer sanções além da esfera administrativa da

287

IES, pois existem outras implicações que culminam na res-ponsabilização do plagiador e dos demais envolvidos.

5. Conclusão Os aspectos apontados ajudam a entender por que o

plágio acontece, e desta forma pensar em mecanismos que proporcionem uma barreia mais efetiva a sua propagação. Um dos primeiros pontos apontador por SOUSA-SILVA e ABREU (2015), consiste numa medida preventiva do plágio com incentivo a criatividade e originalidade ainda na infân-cia e nas series iniciais:

[...] a prevenção do plágio deveria começar nos pri-meiros anos escolares, logo após o processo básico de alfabetização, com o despertar do interesse pela procura do conhecimento e estimulando as aptidões de pensar e criar, de modo a suscitar no estudante a confiança na sua capacidade de expressar as suas ideias através do uso da palavra, oralmente e na es-crita. ”

Ademais os autores ressaltam a salutar importância em adotar medidas que previnam, mas que também sejam uteis para deter e punir as ocorrências do plágio, destacando a adoção de sites que verificam a sobreposição textual, como uma das medidas tomadas pelas universidades brasileiras.

Atualmente existem diversos software anti-plágio que detectam o chamado “CtrlC+CtrlV”, como são conhecidos os atalhos do teclado para copiar e colar arquivos, estes pro-gramas são uma grande ferramenta para constatar o plágio nas universidades.

288

Por fim, cabe aqui ressaltar que o plágio necessita de um maior enfrentamento e pela da comunidade acadêmica, buscando coibir tal prática.

Diante disso, é pulsante a conscientização, e o enten-dimento de que o plágio não é um facilitador, é uma prática destrutiva do pensamento crítico, e não há melhor síntese que as brilhantes palavras de um dos maiores pensadores do Direito brasileiro, o jurista J.J. Calmon de Passos: “Os gi-gantes de ontem só nos são úteis se permitirem que, subindo em seus ombros, possamos ver além do que foram capazes de vislumbrar”. 

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291

EDUCAÇÃO SUPERIORNO SÉCULO XXI

Suzana Schwerz Funghetto210

Marcus Vinícius do Carmo Martins Cavalcante211

RESUMO Tomando como referência a evolução da educação su-

perior nas últimas décadas discute-se nesse capítulo as pers-pectivas desse nível de ensino para as próximas decênios. Procura-se mostrar que a adequação desse sistema para o enfrentamento dos desafios da sociedade do conhecimento por meio da modernização do sistema, do efetivo aprimora-mento da qualidade promovendo a inclusão social conforme os preceitos da Educação 2030 proposta pela ONU.

Palavras-chave: educação superior, educação superior 2030, internacionalização, conhecimento em rede.

ABSTRACTTaking as reference the evolution of higher education

in the last decades, it is discussed in this chapter the pers-pectives of this level of education for the coming decades. It is shown that the adequacy of this system to face the chal-lenges of the knowledge society through the modernization

210 Graduada em Educação Especial e Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Maria. Doutora pelo Programa de Pós-graduação Stricto Sen-su de Ciências e Tecnologias da Saúde da Universidade de Brasília, Faculdade de Ceilândia.211 Graduado em Direito pela Universidade Salgado de Oliveira, Especialista em Direito Administrativo Gama Filho, MBA em Gestão e Inovação de Institui-ções de Ensino Superior IPOG, Pesquisador Tecnologista em Avaliações Educa-cionais Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – Inep, Secretário Executivo da Defensoria Pública da União em Goiás.

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of the system, of the effective improvement of the quality promoting the social inclusion according to the precepts of Education 2030 proposed by the UN.

Keywords: higher education, higher education 2030, internationalization, networked knowledge.

1. IntroduçãoO ensino superior precisa se preparar para novos mo-

delos, impulsionados por mudanças no emprego, novas ha-bilidades e dívidas estudantis insustentáveis. Os números dos alunos dobrarão com o crescimento populacional até 2030 ocasionando o crescimento da matrícula e a educação mais acessível. Estima-se que um milhão professores adicio-nais serão exigidos por ano para atender a esse crescimento.

A formação na educação superior passará por profun-das transformações a partir das mudanças oriundas do uni-verso do trabalho, da evolução e transformação da ciência alicerçada em um ritmo acelerado com base no desenvol-vimento tecnológico. Tais transformações irão requerer das instituições formadoras novas formas de ensinar para aten-der as demandas da sociedade que resultam no surgimento de novas especialidades que sustentam o crescimento eco-nômico dos países e do mundo, tanto na modalidade pre-sencial como a distância. Exigirá ainda a transformação da educação superior em um modelo mais simples, convenien-te e acessível com o desafio de se manter níveis de qualidade dos processos de ensino e aprendizagem.

Essa tendência é decorrência do movimento da Decla-ração de Incheon212 para a Educação 2030, que estabeleceu 212 A UNESCO, junto com o UNICEF, o Banco Mundial, o UNFPA, o PNUD, a ONU Mulheres e o ACNUR, organizou o Fórum Mundial de Educação 2015,

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a partir de 2015, um novo olhar para a educação nos pró-ximos 15 anos, que busca assegurar “a educação inclusiva e equitativa de qualidade e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos”. Nessa nova abordagem estão contidas metas para educação frente aos desafios globais e nacionais de cada país com base nos direi-tos humanos e na dignidade; na justiça social; na inclusão; na proteção; na diversidade cultural, linguística e étnica; e na responsabilidade e na prestação de contas comparti-lhadas. Nesse sentido a educação é abordada em todos os níveis, como um bem público, de direito humano funda-mental, essencial para a paz, para a tolerância, e realização humana tendo em vista o desenvolvimento sustentável e a conservação do planeta terra.

Nesse sentido, especificamente a educação superior é reconhecida como elemento-chave para o desenvolvimento econômico, a garantia de uma formação adequada ao mer-cado de trabalho e à formação técnica e profissional de qua-lidade, com recursos humanos adequados para a produção do conhecimento resolvendo os problemas da sociedade, da igualdade, da empregabilidade, da cultura e da inovação.

Para tal, são necessários esforços para garantia do acesso, tendo como pilares: a equidade e a inclusão com foco nos resultados de aprendizagem, no contexto de uma abordagem de educação ao longo da vida, uma vez que a população mundial está sob o fenômeno do envelhecimento

humano e a longevidade exige novas formas de aprender.Alguns cenários estão desenhados na perspectiva da

educação superior:

em Incheon, na Coreia do Sul, entre 19 e 22 de maio de 2015. Mais de 1.600 par-ticipantes de 160 países, incluindo mais de 120 ministros, chefes e membros de delegações, líderes de agências e funcionários de organizações multilaterais e bila-terais, além de representantes da sociedade civil, da profissão docente.

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a) Educação Tradicional. As instituições de ensino tradicionais continuam a ser a fonte confiável de aprendiza-gem e o veículo mais eficaz para o emprego e a prosperida-de. O ensino superior consolida, as plataformas de talentos globais emergem e o governo continua sendo a principal fonte de financiamento em todo o mundo. As crianças em idade escolar dos países em desenvolvimento e a falta de professores qualificados colocam pressão sobre os sistemas educativos evidenciando a desigualdade. As instituições de ensino tradicionais continuam a ser a fonte confiável de aprendizagem e o veículo mais eficaz para o emprego e a prosperidade. No entanto, a escassez de competências crô-nicas em economias avançadas devido à mudança demo-gráfica, à automatização e às necessidades da indústria em mudança, que exigem a recapacitarão de um vasto número de trabalhadores deslocados, colocou uma enorme pressão sobre as instituições tradicionais, a maioria dos que não são estruturadas nem capazes de atender essas necessidades à escala, à velocidade e à forma que os alunos esperam.

b) Alianças Regionais. As alianças regionais domi-nam o cenário da educação competitiva, apoiada pela coo-peração estratégica e política. Países formam acordos mul-tilaterais para resolver questões regionais, reforçam a sua posição competitiva para o talento e manter aspectos im-portantes da cultura. As políticas regulatórias permitem a partilha de currículos e recursos de aprendizagem. Os pro-gramas de intercâmbio de professores e estudantes reforçam as relações regionais. Eficiências adquiridas através de abor-dagens regionais para infraestrutura e trabalho. A entrega combinada cooperativa e a identificação de talentos regio-nais cruzam a oferta de trabalho e a demanda para fortale-

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cer as regiões. Os sistemas educativos regionais cooperam e partilham recursos. A circulação intraregional de estudan-tes e professores promove o intercâmbio de competências por meio currículos comuns diminui os custos dos sistemas educativos regionais.

c) Gigantes globais. Este ambiente de mercado livre global tem promovido o surgimento de “mega-organiza-ções” com reconhecimento de marca onipresente e da escala para alcançar eficiências significativas e poder da indústria, que tomam uma quota de mercado maciça e colocar mais pressão sobre as instituições locais Os gigantes da tecnolo-gia entregam a infraestrutura, o software e o índice digital. As instituições se beneficiam de dados ricos sobre aprendi-zagem e desempenho. Os acordos multilaterais e as políti-cas do mercado livre barreiras ao comércio internacional e um ambiente geopolítico estável promove a concorrência e o crescimento globais. A educação sem fronteiras chegou à idade, as necessidades de uma rede global, e a força de tra-balho tecnológica e organizações que necessitam de capital humano com o conhecimento e as habilidades certos no momento certo no lugar certo.

d) Aprendizagem online (pessoa a pessoa). A apren-dizagem on-line ocorre por meio de experiências humanas e personalizadas por meio da rede mundial de computado-res e domina os setores de treinamento pós-secundário e de habilidades no mercado de trabalho. Os alunos estão mais no controle do conteúdo, quando, onde e como aprendem. As instituições reorganizam suas ofertas e entrega para cor-responder às necessidades do mercado. Os indivíduos reco-lhem micro credenciais de um número elevado e de uma

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escala larga dos fornecedores, desautorizando as grandes instituições plurianual com ofertas empacotadas.

e) Inteligência artificial. A inteligência artificial (AI) dirige uma reversão completa em ‘quem lidera a aprendiza-gem’, com tutores virtuais e mentores estruturando cami-nhos de aprendizagem, proporcionando tarefas de avaliação, dando feedback, ajustando-se de acordo com o progresso e organização de tutoria humana quando necessário. As apli-cações do Al na instrução têm aspectos automatizados do ensino e da administração e as atividades humanas mais complexas são aumentadas pela inteligência artificial. O Al está gerenciando o projeto de experiências de aprendizagem e incorporando a intervenção humana, quando necessário.

Cada cenário representa diferentes maneiras que po-dem desenvolver e interagir de acordo com prioridades lo-cais ou nacionais, com tendências de aprendizagem especí-ficas, mas não podem ser comparados entre si. No entanto, há aspectos comuns, implicados em todos os cenários, que ajudam a explicar o pensamento subjacente que apoiou a sua construção. O custo da educação por exemplo, a forma como é financiada e, em particular, quem tem acesso e se beneficia da educação com o apoio da tecnologia.

A tecnologia desempenha um papel crítico na indús-tria da educação, bem como, em muitos processos de apren-dizagem. Este conjunto de medidas identifica em que me-dida a tecnologia conduz processos de aprendizagem ou é usada como suplemento, estando focada no processamento de informações ou na tomada de decisões na aprendizagem, ou seja, o papel da tecnologia nas experiências dos alunos e os níveis de abertura de dados expostos em cada cenário.

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Sob a ótica dos países há uma preocupação crescente da garantia da qualidade da oferta do ensino, a partir do cenário educacional global. Muitos países têm desenvolvido seus sistemas de avaliação de forma “própria”, como no caso do Brasil”, ou em cooperação técnica com agências gover-namentais ou redes de avaliação como alguns países, entre eles, Cabo Verde, Angola, Moçambique e mais recentemente São Tomé e Príncipe. O que há de comum nesses é a avalia-ção do processo de formação e a seus resultados, ou seja, o profissional que está sendo formado e a qualidade da oferta do ensino.

O processo é realizado por agências oficiais ou redes de avaliação com avaliação externa a partir de exames que ava-liam a formação dos egressos ou de avaliações in loco reali-zadas por pares a partir de instrumentos específicos a partir de standards de qualidade, previamente definidos a partir de estudos emanados da comunidade acadêmica desses paí-ses e por processos internos de auto avaliação institucional. Ainda assim, independente do tempo de implementação dos sistemas nacionais de avaliação, há uma unanimidade de aprimoramento do modus operandis para vencer as dificul-dades que decorrem da dimensão e da heterogeneidade de cada sistema nacional de forma isenta e equânime no trata-mento dos diferentes segmentos e instituições concernidos para que o conhecimento seja de domínio público e a servi-ço do bem-estar social.

Sob a perspectiva da Educação 2030, a avaliação da qualidade passa a ser observada do ponto de vista de sua execução, do conjunto de normas e ações voltadas para a regulação dos sistemas de educação superior de cada país de forma colaborativa para garantir os standards de qualidade globais. Habilitados por políticas e ambientes regulatórios

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“regionais amigáveis”, os sistemas educativos nacionais, a partir de 2015 cooperaram para alinhar aspectos do currí-culo. Os sistemas iniciam a partilha de currículos e recursos de aprendizagem. O crescimento das economias emergen-tes213 principalmente na Ásia, África e Oriente Médio propi-ciou resultados de educação substancialmente melhorados e aumento da mobilidade estudantil.

A regulação então a partir de 2015 passa a considerar e aproveitar os resultados globais dos processos avaliativos com o monitoramento de políticas baseadas em evidências, com a expansão e criação de novas instituições públicas e privadas, de acordo com as demandas de mercado, da for-mação de recursos humanos para a pesquisa e a extensão, a inovação e o desenvolvimento sustentável com previsão de metas qualitativas e quantitativas em planos de curto, mé-dio e longo prazos.

O ordenamento da expansão da educação superior propiciará a longo prazo o aumento das vagas no sistema público, tornando a relação entre as vagas ofertadas pelos sistemas público e privado mais equilibrada; a diminuição das diferenças regionais; a adequação da oferta de vagas nas diferentes áreas do conhecimento às necessidades da socie-dade e ao projeto de desenvolvimento de cada país; a expan-são da educação tecnológica; ampliação da oferta de cursos de curta duração e desenvolvimento da educação a distân-cia, a partir de movimentos disruptivos com novas mode-lagens de aprendizagem e de construção do conhecimento.

213 Para mitigar contra "fuga de cérebros” os governos Asiáticos e Africanos formaram alianças regionais para atrair e manter sua força de trabalho qualificada futuro. A capacitação institucional nessas regiões melhorou a qualidade geral da educação, aumentando a circulação intraregional de estudantes e atraindo estu-dantes estrangeiros.

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Nesse universo o presente capítulo abordará o tema educação superior no século XXI tendo em vista a agenda da educação 2030 proposta pela ONU. Após discorrerá sobre a inovação pedagógica, o processo de internacionalização e a cooperação técnica e aprendizagem em redes.

2. Inovação pedagógica – um novo conceito na edu-cação superior

Num contexto altamente competitivo, e com regras avaliativas, regulatórias e de supervisão cada vez mais com-plexas, as instituições se desdobram para atender os preceitos constitucionais da qualidade ou para implementar mudan-ças que a serviço de uma lógica mercadológica, na maioria das vezes sem uma participação efetiva da comunidade aca-dêmica (docentes, discentes e técnicos administrativos).

A inovação pedagógica é complexa, necessita de ações articuladas entre o acadêmico e o administrativo para a ges-tão de processos institucionais, bem como a definição de metas e objetivos tangíveis frente aos desafios da formação de profissionais e as peculiaridades de cada área do conhe-cimento. Para isso, cada instituição deve definir as políticas a partir de sua missão, determinado o seu diferencial for-mativo e a sua capacidade de fazer a diferença no sistema. Nesse sentido é fundamental definir o conceito de inovação acadêmica e de inovação administrativa.

Parece óbvio, todo o processo de inovação produz rup-turas paradigmáticas que vão além do uso de tecnologias, como diria Boaventura Santos. Ou seja, o que é óbvio não tem o mesmo significado em todas as culturas, processos, organizações, tecnologias e espaços de tempo. Se a missão não for definida de forma clara, as políticas institucionais

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e a inovação não aparecerão na visita in loco proposta pelas agências reguladoras, por meio de evidências, denominadas no instrumento avaliativo vigente como práticas inovadoras ou exitosas.

Cabe destacar ainda, que inovação pedagógica pressu-põe o desenvolvimento de propostas evidenciáveis ligadas a política de ensino, com metas e ações definidas em um espa-ço de tempo, que no caso da educação superior é a vigência do plano estratégico da instituição. Outro fator importante é a formação para o compromisso social que deve estar pre-sente no processo formativo de cada instituição a partir das habilidades e competências gerais descritas diretrizes curri-culares dos cursos. A concepção do projeto pedagógico de qualquer curso de graduação deve ser descrita a partir do perfil do egresso e das diretrizes curriculares vigentes. Para tal, a definição do perfil do egresso deve conter um estu-do sobre a capacidade de oferta institucional, o diferencial da formação além de explicitar como serão trabalhados no currículo conhecimentos, habilidades e atitudes, com a uti-lização dos recursos disponíveis, para solucionar, com perti-nência, os desafios que se apresentam à prática profissional, em diferentes contextos da formação.

O desenvolvimento das competências profissionais segundo o movimento avindos das diferentes diretrizes curriculares por parte das instituições regulatórias de cada país requer a articulação entre conhecimentos, habilidades e atitudes explicitadas no perfil do egresso, devendo mobili-zar as dimensões do currículo, da metodologia, do processo avaliativo, do corpo docente e da infraestrutura.

Entre as inovações implantadas pelas IES encontram--se o desenvolvimento de currículos orientados para o de-senvolvimento de competências, por meio de metodologias

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ativas de aprendizagem, que visam a potencializar e cons-truir capacidades voltadas à formação de qualidade através do desenvolvimento de estratégias, atividades e a avaliação de desempenho moduladas para promover aprendizagem significativa dos alunos.

Uma das soluções encontradas para por em prática as metodologias ativas tem sido o desenvolvimento de ambien-tes caracterizados como espaços de aprendizagem que esti-mulam a criatividade dando significado as competências e habilidades a serem aprendidas no currículo.

A instituição para inovar precisa criar mecanismos e fluxos de gestão para propiciar propostas educativas empe-nhadas com o processo de mudanças sociais (por meio da extensão e da pesquisa), valorização dos sujeitos e de suas aprendizagens (significação da aprendizagem, observação das diferentes formas de aprender e metodologias ativas de aprendizagem), investimentos em recursos humanos (for-mação de professores) e materiais (recursos tecnológicos e sustentabilidade financeira), além de ações sociais com-prometidas com a formação para a responsabilidade social e cidadania, registrando as evidências alcançadas de forma disruptiva.

Para esse processo é importante considerar no plane-jamento estratégico algumas metas na formação dos alunos, tendo como foco a busca de um perfil, que o leve aprender a aprender, por meio da aprendizagem significativa pauta-da no uso de metodologias ativas, em cenários diversos de aprendizagem e práticas desde o inicio do curso.

Nesse contexto podemos elencar alguns procedimen-tos de inovação pedagógica para serem excetuados no dia a dia para os alunos:

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a) Processos de engajamento na aprendizagem do alu-no e na sua própria aprendizagem colaborando para a cons-trução de uma sociedade justa, democrática e inclusiva;

b). Usar a criatividade através de soluções tecnológi-cas, para selecionar, organizar com clareza e planejar práti-cas pedagógicas desafiadoras, coerentes e significativas;

c) Participação em práticas diversificadas da produ-ção artístico-cultural para que o aluno possa ampliar sua formação.

A crescente indissociabilidade entre a necessidade de formação e desenvolvimento de docentes para implantar currículos inovadores de graduação e pós-graduação, com a formação e desenvolvimento dos preceptores e gestores, orientados pelas necessidades da população sugere uma mo-dificação em relação ao processo de ensinar.

Em relação aos professores quando provemos a ino-vação pedagógica temos que envolver o corpo docente em projetos institucionais, a partir da experiência acadêmica e profissional, objetivando sempre o mundo do trabalho.

Para tal, devem ser observados os seguintes itens:a) Tecnologias digitais de informação e comunicação

manuseadas de crítica significativa, reflexiva e ética nas di-versas práticas docentes;

b) Utilização das tecnologias como recurso pedagógi-co e como ferramenta de formação para comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resol-ver problemas e potencializar as aprendizagens;

c) Estímulo de formação permanente por meio de me-todologias ativas para desenvolver argumentos com base em fatos, dados e informações confiáveis para formular, nego-ciar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que

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respeitem e promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental e o consumo responsável em âmbito local, regional e global, com posicionamento ético em relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta;

d) Compreender a diversidade humana com autocríti-ca e capacidade para lidar com elas, para poder desenvolver o autoconhecimento e o autocuidado nos alunos;

e) Promover ambiente colaborativo nos ambientes de aprendizagem.

Ao refletirmos sobre os diferenciais que as instituições de educação superior têm de alcançar para obter conceitos satisfatórios advindo de aspectos regulatórios e avaliativos, além da concorrência entre seus pares, podemos ponderar sobre a complexidade desses fatores, nas diferentes dimen-sões, através do entendimento da realidade, por meio do de-senho dos fluxos: acadêmico, de gestão, de sustentabilidade financeira e de comunicação entre as diversas áreas da ins-tituição e a sua relação com a sociedade.

A educação a distância é uma modalidade de ensino, mediada por tecnologias, que contribui com a democrati-zação do ensino, tem potencialidade para possibilitar aces-so ao conhecimento escolarizado àqueles que não dispõem de tempo e/ou condições de mobilidade para atingir uma formação acadêmica tradicional. Assim sendo, ela deve ser acessível a todas as pessoas, e não somente àquelas que dis-põem de todos os sentidos ou que não tenham deficiência.

O Ambiente Virtual de Aprendizagem, conhecido po-pularmente como AVA: são cenários que habitam o ciberes-paço e envolvem interfaces que apoiam a comunicação e ofe-recem recursos para a aprendizagem individual e coletiva.

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A incorporação dos recursos tecnológicos na vida diá-ria está se intensificando, facilitando o acesso à informa-ção, aprendizado, lazer, relacionamento pessoal e social. É importante que tais recursos sejam elementos de inclusão, de tal forma que as pessoas possam fazer uso dos mesmos de maneira autônoma e independente. Ambientes digitais acessíveis trazem benefícios para toda a sociedade, pois per-mite o acesso a diversidade populacional, em especial as pessoas com necessidades especiais, possibilitando o acesso à educação e à profissionalização atendendo a demanda do mercado.

O estímulo à pesquisa e à docência constituem obje-tivos desde as etapas iniciais, principalmente por meio de estratégias de aprendizagem ativa, particularmente o desen-volvimento da análise ampliada das pessoas e coletividades, e a realização de atividades, sob supervisão docente e acom-panhamento tutorial.

Algumas instituições têm propiciado aos seus alunos, salas de aula com design inovador, climatização a partir do estudo do ambiente, espaços para orientação diferenciados, espaços de gestão compartilhados. Esses espaços estão des-critos e são previstos no plano de expansão da instituição e todos apresentam um marco situacional a partir da missão e das políticas de ensino para graduação e pós-graduação com proposta de infraestrutura com design inovador, com espa-ços híbridos de convivência: salas de convivência coletiva, salas para projetos simulados, salas de aula organizadas em grupos ou por projetos, espaços de estudos informais com puffs e mesas para estudantes, salas de estudos comparti-lhados, espaços de gestão integrados, praças acadêmicas com a criação de pequenos jardins, espaços acessíveis com tecnologia inovadora, espaços decorados a partir do apro-

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veitamento e modernização de móveis já existentes na insti-tuição, laboratórios com realidade virtual disponíveis para todos os professores, bibliotecas virtuais focadas em espaços de aprendizagem para toda comunidade acadêmica .

A inovação pedagógica aliada a infraestrutura está em constituir a estrutura de cada instituição como um espaço de aprendizado coletivo. Na compreensão de que os encon-tros, as relações a informalidade são dispositivos importan-tes ao processo de aprendizado.

Infraestrutura e design inovador

Nesse novo conceito de espaços de aprendizagem a infraestrutura deve observada não como um fim das ativi-dades acadêmicas, mas como elemento balizador das ações institucionais estimulando de forma inovadora o desen-volvimento das metas estabelecidas no Plano de Desen-volvimento Institucional – PDI.   Inovar na infraestrutura significa também colocar em prática o modelo acadêmico adotado pela instituição. Ou seja, se a metodologia é ativa o espaço tanto da infraestrutura tecnológica como da infraes-trutura física devem estimular a comunidade acadêmica de forma diferente, considerando a facilitação/potencialização de suas dinâmicas específicas de acordo com cada área do conhecimento.

A Infraestrutura como espaço de aprendizagem no âmbito do curso significa associar os espaços físicos da sala de aula, ou os diversos espaços de aprendizagem com as

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metodologias ativas propostas no projeto pedagógico que problematiza, experimenta a realidade, debate e encontra soluções.

A infraestrutura física interfere diretamente nas pos-sibilidades de aprendizagem. A instituição deve ficar atenta ao propor metodologias ativas de aprendizagem, sem garan-tir estruturas físicas adequadas para uma aprendizagem co-letiva e colaborativa

A infraestrutura deve colaborar para uma concep-ção de ensino que coloca o aluno como protagonista de seu aprendizado, por meio de métodos inovadores e com a utili-zação de recursos tecnológicos que possibilitam o desenvol-vimento da sua autonomia e possibilitam melhor compreen-são dos conteúdos.

Em muitas instituições o conceito de sala invertida li-dera a proposta atual de inovação. A solução encontrada tem que traduzir os movimentos institucionais a partir de um plano de estruturação desses espaços, a projeção do cresci-mento da infraestrutura (física e tecnológica) bem como a qualificação desses ambientes para o desenvolvimento de todas as políticas previstas no PDI , tais como:

• estruturar e/ou reorganizar todos os prédios, bus-cando uma qualificação ambiental da paisagem (ambientes construídos e não construídos);

• definir o conceito de espaços de aprendizagem sem esquecer de atender às normas de acessibilidade, de segu-rança contra incêndio, de programação visual/sinalização e demais normas pertinentes;

• reservar espaços para convívio, tanto nas novas edi-ficações quanto nas reorganizações e revitalizações de es-

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paços existentes, a fim de manter e valorizar esses espaços como identidade a partir da missão institucional;

• priorizar, no projeto de novas ambiências (construí-das ou não construídas) ou na revitalização de ambiências existentes, a utilização de uma linguagem contemporânea, inovadora, funcional e de qualidade estética, adaptada ao contexto em que se insere prevendo inclusive a utilização de outros idiomas e sinais;

• adotar conceitos de arquitetura bioclimática nos pro-jetos de novas edificações, buscando soluções tecnológico--sustentáveis (tanto construtivas, como de funcionamento), associadas às atividades de ensino-pesquisa-extensão pre-vistas para o período de vigência do PDI;

• priorizar a utilização de pisos drenantes e/ou piso-grama nas áreas a pavimentar, ampliando as áreas permeá-veis e melhorando as condições de drenagem pluvial, traba-lhando essa ação dentro da politica ambiental;

• afirmar a unidade projetual de conjunto/paisagem, porém com a garantia da identidade de cada intervenção;

• projetar quando for o caso novas edificações, ponde-rando a expansão do espaço e de sua utilização a partir do compartilhamento de usos e funções;

• implantar/transformar os espaços externos da ins-tituição de forma gradual revitalizando os espaços de so-cialização já existentes com objetivo de propiciar em espaço articulador e de interação – interface de comunicação com a comunidade externa;

• readequar as edificações já consolidadas, de uma forma gradual, para adaptarem- se às novas medidas de qualificação de espaços de aprendizagem.

Inovar também pode significar a elaboração de uma política de espaços de aprendizagem (inclusive prevendo

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adaptações tecnológicas), além de estabelecer característi-cas mínimas às atividades de ensino, propor modulações de atendimento às diferentes capacidades e uma unidade no tratamento visual aos ambientes.

Nesse sentido, não podemos esquecer que o reaprovei-tamento de móveis e de soluções é indispensável inclusive para o desenvolvimento de políticas ambientais sustentáveis.

Os espaços livres voltados para o convívio devem ser vistos como espaços de aprendizagem pois estimulam as ati-vidades acadêmicas, agregando os ambientes de socializa-ção dos campi com os do entorno trazendo a evidência do cumprimento da responsabilidade integrando a instituição com a comunidade.

É natural que nesse reaproveitamento também sejam observadas ações de planejamento e não apenas de gestão do espaço criando uma estratégia para orientar a ocupação com qualidade ambiental, sustentabilidade e planejamento macro a longo prazo. Trata-se de uma mudança de paradig-ma pois qualquer espaço poderá ser de aprendizagem desde que esteja justificado no modelo acadêmico adotado pela instituição.

3. Internacionalização na educação 2030 As políticas nacionais de educação, durante longo tem-

po foram responsabilidade exclusiva dos Estados Nações, de acordo com sua dinâmica interna, legislações dentro de suas fronteiras tendo como resultado processos de inovações educacionais específicas isoladas.

O movimento da globalização econômica estimulou os sistemas educacionais em concorrência para atrair o in-vestimento direto e de empresas multinacionais. Os agru-

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pamentos econômicos regionais, como a União Europeia, o Mercosul ou a ASEAN encorajaram seus Estados membros a harmonizar as suas políticas de educação. A migração internacional e a mundialização dos fluxos de informação permitiram novas inovações e pesquisas educacionais para circular melhor em todo o mundo. (AKKARI, 2017)

A agenda internacional para a educação 2030 assinala a influência do global e internacional nas políticas nacio-nais de educação de todos os países. Esta agenda é também o resultado do trabalho conjunto das organizações interna-cionais influentes no setor da educação, com diretrizes es-pecíficas para a cidadania global que surge como uma orien-tação inovadora.

Para isso a agenda prevê até 2030 é a extensão da dura-ção da escolaridade, além da criação de pelo menos um ano de educação infantil de qualidade, gratuita e obrigatória. Nesse sentido é importante salientar que essa agenda glo-bal prevê 12 anos de educação básica (ensino fundamental e médio) de qualidade, gratuita e equitativa, com financia-mento público, com pelo menos 9 anos obrigatório, baseado em resultados de aprendizagem. Ou seja, para um aluno in-gressar em uma instituição de educação superior com uma agenda de internacionalização, o mesmo deverá apresentar 2 anos de educação básica (ensino fundamental e médio) de qualidade.

Outros pontos importantes dessa agenda são coloca-dos como metas e indicadores que preveem a) expansão da matrícula no ensino superior até 2020, do número de bolsas disponíveis para países em desenvolvimento, menos desen-volvidos, pequenas ilhas em desenvolvimento, estados e países africanos; b) aumento da oferta de professores qua-lificados até 2030,através de cooperação internacional para

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formação de professores e c) assegurar a igualdade de aces-so para todos os homens e as mulheres à educação técnica, profissional e superior de qualidade, com preços acessíveis, incluindo a universidade.

Os currículos internacionais no ensino superior de-verão atender essa nova agenda objetivando aprendizagem significativa, onde as pessoas aprendem de forma diferen-tes, por métodos diferentes, em diferentes estilo e com rit-mos diferentes. Inovar na sala de aula é, neste sentido, uma tentativa de abandonar um “modelo monolítico” de ensino herdado do século XIX e partir para a sua personalização, torná‐lo um sistema interdependente. Quer isso dizer que se tem de desenvolver um modelo centrado no aluno., com a aprendizagem baseada na tecnologia, na perspectiva de que o computador emerge “como uma força disruptiva e uma oportunidade promissora” 

De acordo com Christensen as instituições deverão inovar de forma disruptiva para promoção de cursos volta-dos ao mercado de trabalho, possibilitando aprendizagem de acordo com o tempo e a conveniência do aluno. Outro fa-tor de inovação são os MOOCs que introduziram a ideia de um curso com a mesma qualidade de uma instituição tra-dicional sendo oferecido global e gratuitamente. Apesar de utilizarem recursos humanos provenientes de instituições físicas com professores, os MOOCs (Massive Online Open Courses), ou cursos abertos e massivos online) não vendem o conceito do acesso a essas pessoas dentro da instituição de ensino, mas, sim, a ideia do acesso mais fácil ao conhe-cimento. Ou seja, a tecnologia promove não apenas uma maior acessibilidade a um serviço, como uma reformulação do próprio serviço.

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Como exemplo de inovação tecnológica disruptiva te-mos o processo de evolução da tecnologia computacional. Na década de 50/60 o computador mais conhecido que veio com a missão de inovar a forma de processamento de da-dos foi o mainframe, este computador ocupava um gran-de espaço, seu valor de mercado chegava a custar 2 milhões de dólares e o tempo de treinamento para uso poderia che-gar até 03 anos. Entretanto, a ideia de uma inovação como esta encontra-se limitada a um certo público determinado o que não permite uma visão disruptiva do processo ino-vador. Seguindo a linha evolutiva tecnológica chega-se aos computadores pessoais e atualmente aos smartphones que permitem acesso a dados e utilização de diversos recursos tecnológicos.

Seguindo a linha evolutiva apresentada entende-se que pela Teoria da Inovação Disruptiva o smartphone teve um papel muito maior na inclusão digital que o mainframe, já que torna acessível que cada indivíduo tenha seu próprio equipamento sem treinamento específico. Não se compara nesse quadro apresentado que o mainframe perdeu seu pa-pel fundamental e encontra-se morto, os usuários de dispo-sitivos móveis realizam cerca de 37 transações diárias e 91% de seus apps comunicam-se via mainframe. Isto significa que praticamente todas as operações de cartão de crédito, remessas e reservas de passagens aéreas incluem, pelo me-nos, uma interação com o mainframe. 

Em alguns momentos são criadas múltiplas interações. Deve-se considerar que em todas as vezes em que utilizo meu smartphone ou tablet para compras, o aplicativo aciona o mainframe para processamento de pagamento e efetiva-ção da transação. Ironicamente, quanto mais móvel você é, mais integrado ao mainframe está. Portanto, conclui-se que

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apesar do smartphone não ocupar o papel do mainframe para que houvesse a inovação disruptiva que trouxe uma maior acessibilidade a tecnologias ele tem um papel ímpar em permitir que toda a complexidade do mainframe estives-se agora acessível a população.

A Disrupção maior na educação superior encontra-se no foco na base da pirâmide econômica, segundo o livro “A riqueza da base da pirâmide”, de Coimbatore Krishnarao Prahalad, ou C.K. Prahalad, professor de administração de Harvard. O futuro dos negócios está na base da pirâmide, nas classes menos favorecidas. Não apenas isso: concentrar--se em criar produtos e serviços acessíveis às camadas ca-rentes da população é uma forte estratégia para a diminui-ção da pobreza que assola vários países do mundo, dentre eles, o Brasil.

Essa é a proposta de C. K. Prahalad, um dos mais influentes especialistas em estratégia empresarial da atua-lidade. O pensador indiano tem grande prestígio no meio acadêmico e também no mundo dos negócios. Seus artigos foram publicados nos mais importantes jornais e revistas internacionais, recebendo diversos prêmios como o McKin-sey Prize (melhor artigo do ano publicado na Harvard Busi-ness Review) por dois anos consecutivos, além do prêmio de melhor artigo da década do Strategic Managment Journal e o European Foundation for Management Award. Para quem não lembra, Prahalad é autor dos importantes livros Com-petindo pelo Futuro (em parceria com Gary Hamel), e O Fu-turo da Competição (juntamente com Venkat Ramaswamy).

Os resultados de seu estudo podem ser conferidos em seu livro A Riqueza na Base da Pirâmide. Nessa obra, o au-tor identifica todo o potencial dos mercados de baixa renda, situados em países pobres e de grande população. Por den-

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tro da realidade brasileira, Prahalad apresenta casos de em-presas brasileiras de sucesso que se voltaram para as classes C, D e E, como as Casas Bahia, o Habibs e a Gol.

Incluir os pobres no jogo do mercado é um importante meio para se fomentar o empreendedorismo e o surgimento de inovações na própria base. Segundo ele, “se pararmos de pensar nos pobres como vítimas ou como um fardo e come-çarmos a reconhecê-los como empreendedores incansáveis e criativos e consumidores conscientes de valor, um mundo totalmente novo de oportunidades se abrirá”.

A partir da visão de mercado de Prahalad observa-se que as Instituições de Ensino Superior deverão observar al-guns preceitos para alcançar a inovação disruptiva e perma-necerem no mercado neste século, desempenho de preço em relação a qualidade do ensino; inovação em suas metodolo-gias, práticas e ações; escala de Operações; desenvolvimento Sustentável: Ecologicamente Sustentável e com uma visão de Inovação Social; internacionalização para diminuição e desigualdades regionais de produção do conhecimento; ino-vação de Processos Adminitrativos; modelos de captação de alunos; e, conhecimento de mercados da BOP(Base da Pirâmide) essencialmente nos permitem desafiar a sabedo-ria convencional na oferta da educação e sua comparação a outras áreas de serviços econômicos.

Em previsão em relação ao cenário em potencial ente 2035-2050 conclui-se que serão dois diferentes modelos econômicos vigentes no mundo, o global e o dos países de-senvolvidos. No cenário global, principalmente de países emergentes, haverá um crescimento do ensino superior no mundo 10 vezes maior em comparativo a países como EUA. Deste crescimento acredita-se que 90% do mercado de gra-duação em expansão encontra-se em países não ocidentais

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e 60% do mercado global em nível de pós-graduação nos mercados emergentes ocidentais.

Já o cenário de países desenvolvidos como os EUA passará por uma perda de subsídios do governo no ensino superior público significa que muitas escolas federais passa-rão a concorrer num mercado competitivo não subsidiado. A continuidade da oferta de ensino público vem se demons-trando cada vez mais contrário aos modelos de compressão de gastos públicos com áreas sociais. As escolas privadas experimentam um aumento dramático na participação de mercado em relação parcela pública com isso o ensino su-perior privado experimenta uma importante consolidação de mercado.

Um novo concorrente surge forte no mercado e as pri-vadas perdem parcela do mercado para serviços gratuitos fornecidos em plataformas de tecnologia (como LinkedIn, Google, Apple, Amazon e Microsoft).

A partir deste cenário apresentado o modelo de ensino superior em 2035/2050 deverá ser representado da seguinte forma:

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Nível 1: A Elite• Servir entre 5% e 10% de alunos, mensalidades> US

$ 100.000 / ano (em dólares de 2015)• Analogia: New York Times, Economista, Agricultu-

ra Orgânica, Relógios de Luxo

Nível 2: alta qualidade e custo moderado• 50% em falência ou fusão, taxa de ensino $ 50-100k

/ ano, high touch• Analogia: varejo físico, TV a cabo, empresas de

telefonia

Nível 3: boa qualidade, baixo custo• 100k + estudantes ou nichos, mensalidades de US $

100 a US $ 5.000 / ano

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• Analogia: Huffington Post, Netflix, Skype, nicho de comércio eletrônico

Nível 4: Ecossistema de Cursos Pequenos Negócios• Venda aplicativos, cursos, conteúdo educacional, li-

vros, certificados, serviços para estudantes, vídeos etc.• Analogia: eBay / Amazon comerciantes, blogueiros,

auto-editores, desenvolvedores de aplicativos

Nível 5: plataformas de cursos livres ou pagos• centenas de milhões ou bilhões de estudantes, Lin-

kedIn / Lynda.comEssa apresentação de uma tempestade perfeita no

mercado da Educação Superior apresenta-se de forma alar-mista e esquece-se do fator social e humano que a mesma deve possuir. Conforme já detalhado, movimentos de valo-rização de interferência pública conforme a agenda da ONU tende a humanizar o setor. A equiparação da educação a qualquer outro tipo de serviço de cunho econômico deixa as margens conceitos básicos da educação que caracterizam o setor.

Essa visão baseada em economia de mercado não prevê que a evolução natural da educação não será bipartida e sim com três vias. A primeira as IES que se tornarão gigantes do mercado econômico abandonando modelos de excelência na oferta e se preocuparão somente com o barateamento ope-racional, a segunda via para as IES que priorizarem as ino-vações grandiosas na qualidade de oferta educacional e por último, a terceira via que trará as Instituições que aderiram a teoria da inovação disruptiva e apesar de se adequar as regras de mercado encaram o desafio de manter inovações

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acessíveis que atinjam todo o grupo de usuários dos serviços educacionais.

As IES que aderirem a terceira via deverão manter programas educacionais livres que possam impactar a socie-dade a qual estão inseridas com base em educação de open sources, sejam financiadas pelo governo ou mesmo como retorno de parte de seus lucros ao objetivo da disseminação de conhecimento, e, manter uma faixa de preços destinadas a alcançar a parcela BOP.

Investimentos públicos no ensino básico e superior vem diretamente ligados a evitar o abismo criado pela de-sigualdade socioeconômico no mundo. Ao se equiparar as Instituições de Educação Superior a mercado empresarial deixa-se de lado fatores cruciais para a compreensão do futuro da Educação Superior quais sejam, o mercado eco-nômico de educação superior não permite uma dominação completa do mercado já que existem atos regulatórios em diversos países como o Brasil que impedem tal ação. E, prin-cipalmente, a necessidade de se manter a função social da Educação em diminuir os processos de desigualdade social e manutenção de um fluxo constante de conhecimento que atinjam desde a parcela mais regional até uma dimensão internacional.

No ensino superior a educação online, se tornará uma forma mais econômica e eficiente de os alunos serem for-mados. Segundo ele, os modelos de negócios de instituições tradicionais morrerão ou terão de ser redesenhados para dar lugar a modelos híbridos ou 100% digitais.

Na era da tecnologia da informação, o termo modu-laridade será utilizado quando um software é dividido em diversas partes que operam separadamente para formar o

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todo, tornando-o mais eficiente e de mais fácil manutenção. Essa ideia deve ser utilizada pela instituição que busca uti-lizar tecnologias disruptivas: é preciso ter a habilidade de se rearranjar e usar suas diversas peças conforme a neces-sidade. Para exemplificar, Christensen traz o conceito de “multiversity” (algo como multiversidade), que propõe que os alunos sejam capazes de utilizar currículo, professores e outras fontes de conhecimentos oriundos de diversas uni-versidades, criando sua própria educação.Outro exemplo de modularidade são os  nanodegrees  (nanograduações), que são cursos mais curtos, f lexíveis e precisos, voltados a estudantes que querem certificações específicas, em vez de grandes graduações. Para o especialista, os currículos tradi-cionais sempre terão público, mas é importante que as ins-tituições estejam aptas a oferecer, também, uma variedade maior para quem quer ter opções. A adaptação ao aluno do futuro é uma questão de sobrevivência na área da educação.

Instituições e cursos internacionalizados, disciplinas ministradas em língua estrangeira, projetos curriculares envolvendo de tecnologias e materiais empregados inter-nacionalmente, estágios e intercâmbios, alteração do perfil relacionado ao mercado de trabalho e flexibilização curri-cular. As mobilidades estudantis e docentes, necessitam de políticas com padrões de eficiência e de acompanhamento com indicadores que visem a qualidade.

4. Cooperação técnica e aprendizagem em redesNum contexto altamente competitivo, e com regras

avaliativas, as instituições se desdobram para atender os preceitos da qualidade ou para implementar mudanças que a serviço de uma lógica mercadológica, na maioria das ve-

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zes sem uma participação efetiva da comunidade acadêmica (docentes, discentes e técnicos administrativos).

A política institucional para cooperação técnica para aprendizagem em redes deve estar vinculada a programas de cooperação e intercâmbio. A coordenação desse processo deve ser realizada por um grupo regulamentado, responsá-vel por sistematizar acordos e convênios internacionais de ensino e de mobilidade docente e discente através de: im-portância do conhecimento colaborativo e diversificado. O uso das tecnologias da informação (TIC), a necessidade de formação dentro de um contexto internacional, o incenti-vo a projetos, bem como o estabelecimento de um ambiente universitário internacional com transferência de recursos, tecnologias e materiais educacionais entre países, principal-mente de forma regional poderá ser um grande trunfo para as instituições de educação superior.

A concessão de bolsas, parcerias internacionais en-volvendo assistência às universidades estrangeiras e outras instituições de ensino e investigação em colaboração com estabelecimento de redes em cooperação multilateral, com envolvimento de docentes, em pós-doutorados com douto-rados colaborativos, parcerias estratégicas, campus com es-paços abertos e de intercâmbio.

Num contexto altamente competitivo, e com regras avaliativas, as instituições se desdobram para atender os preceitos da qualidade ou para implementar mudanças que a serviço de uma lógica mercadológica, na maioria das ve-zes sem uma participação efetiva da comunidade acadêmica (docentes, discentes e técnicos administrativos).

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5. ConclusãoA educação superior para o século XXI, a partir da

agenda educação 2030, buscará a formação do cidadão glo-bal. Esse cidadão será formado a partir das demandas da sociedade, por meio da significação da aprendizagem e das metodologias ativas aliadas com recursos tecnológicos. Pre-vê também um denominador comum em que os países e as organizações internacionais podem construir suas estraté-gias e políticas educacionais reconhecendo que o conheci-mento é um bem público.

Outro ponto importante é que a educação superior será pautada pela transformação da vida social, individual e coletiva, pessoal, macro política e no desenvolvimento sus-tentável. A vida em sala de aula e na comunidade, será entre-meada por espaços de aprendizagem, disrupção e tecnologia.

A aprendizagem será “centrada no aluno de acordo com modalidades que se adaptem, seus tipos de inteligência nos lugares e nos ritmos preferidos”. A educação ocorrerá através de tecnologia associada a novos métodos de ensino e de avaliação.

O movimento da internacionalização curricular e da globalização, promoveram o conhecimento, o intercâmbio de investigadores e professores, a mobilidade estudantil, a f lexibilização curricular, que permitiu a abertura para a in-trodução de conteúdos globais e cosmopolitas.

Para cumprir os compromissos da educação 2030 os países em desenvolvimento deverão enfrentar seus proble-mas em todos os níveis de ensino. O ensino superior em es-pecial deverá dimensionar o que significa a oferta de quali-dade em todas as áreas do conhecimento. O cumprimento da agenda encontra um grande obstáculo já que é necessário que cada país adeque sua forma de regulação da educação

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e a construção de um cidadão global sem perder o foco no indivíduo transformador da realidade social que o cerca. E, principalmente, uma cultura global que o conhecimento acadêmico tem em seu DNA a necessidade de ser um bem público e não permanecer preso nas universidades. A cir-culação de conhecimento de forma ampla, sob os auspícios da cátedra, é a melhor forma de diminuir as desigualdades socioeconômicas dos países e da população global.

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