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PENTAGRAMA LECTORIUM ROSICRUCIANUM Ano vinte e três - Número 2 EM BUSCA DA IMORTALIDADE A REALEZA INTERIOR A HISTÓRIA DO PUBLICANO ZAQUEU A MÔNADA E A UNIDADE “TRANSCENDE O TEMPO, TORNA- TE ETERNIDADE“A EUROPA ESTÁ GRÁVIDA E DARÁ À LUZ UMA PODEROSA CRIANÇARELIGIÃO CRISTÃ OU RELIGIÃO DE CRISTO? O DEUS MORTO E O NOVO HOMEM Revista bimestral do

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PENTAGRAMAL E C T O R I U M R O S I C R U C I A N U M

A n o v i n t e e t r ê s - N ú m e r o 2

EM BUSCA DA

IMORTALIDADE

A REALEZA

INTERIOR

A HISTÓRIA

DO PUBLICANO

ZAQUEU

A MÔNADA E A

UNIDADE

“TRANSCENDE O

TEMPO, TORNA-TE

ETERNIDADE”

“A EUROPA ESTÁ

GRÁVIDA E DARÁ À

LUZ UMA PODEROSA

CRIANÇA”

RELIGIÃO CRISTÃ OU

RELIGIÃO DE CRISTO?

O DEUS MORTO E O

NOVO HOMEM

R e v i s t a b i m e s t r a l d o

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ÍNDICE

2 EM BUSCA DA

IMORTALIDADE

7 A REALEZA INTERIOR

13 A HISTÓRIA DO PUBLICANO

ZAQUEU

15 A MÔNADA E A UNIDADE

20 “TRANSCENDE O TEMPO,TORNA-TE ETERNIDADE”

27 “A EUROPA ESTÁ GRÁVIDA

E DARÁ À LUZ UMA

PODEROSA CRIANÇA”

32 RELIGIÃO CRISTÃ OU

RELIGIÃO DE CRISTO?

37 O DEUS MORTO E O

NOVO HOMEM

ANO VINTE E TRÊS

NÚMERO 2

TRANSCENDE

O TEMPO, TORNA-TE

ETERNIDADE

“Giordano Bruno (1548-1600) teve apenas

dezesseis anos para escrever. Entretanto,

esse curto lapso de tempo lhe permitiu combater

a idéia de que o mundo estava encerrado em

esferas de cristal, como se acreditava na Idade Média;

ele descreveu um universo infinito, cheio de vida.”

PENTAGRAMA

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Em busca da imortalidade

Segundo a ciência contemporânea,a vida e a evolução na naturezanão são processos puramente quí-micos: eles são induzidos por ener-gias ainda desconhecidas. Desdeque o homem é homem, sempre sesoube que essas energias poderiamser concentradas e utilizadas. A-queles que se utilizam delas são de-nominados magos.

estes tempos revolucionários, amagia é uma matéria especialmenteatraente. Alguns livros para crianças,que contam histórias de moços compoderes mágicos extraordinários, sãovendidos em grande quantidade. Ospop stars envolvem sua pessoa e seutrabalho com uma certa aura mágica, eos jovens, atraídos pelo mistério, dei-xam-se prender de bom grado. Mas arealidade nem sempre salta aos olhos.Pode-se comparar a magia com umaenergia focalizada por uma lente, talqual se faz um feixe de raios convergir,por exemplo, para operar a fissão dosnúcleos atômicos e assim liberar umenorme potencial energético. O magomisterioso das antigas narrativas con-centrava uma certa energia para ope-rar seus prodígios. Seus colegasmodernos, cientistas ou ocultistas,fazem o mesmo, mas é somente com oauxílio de aparelhos sofisticados que épossível seguir e medir suas experiên-cias. Por exemplo: dizem que deStonehenge ou da pirâmide de Gizé“emanam” maravilhosas vibrações.Ou ainda, que existem pessoas que“irradiam” algo de muito especial.

Com um pouco de sensibilidade, épossível perceber tais correntes deforça, como também manipulá-lascom treinamento. Como essas forçaspertencem à natureza perecível, o serhumano pode evocá-las e chegar a uti-lizá-las cultivando certas capacidades.Muitos o fizeram, mas os resultadosnem sempre corresponderam a suasexpectativas. A vida do Dr. Fausto,por exemplo, testemunha disso, e suahistória mostra que se pode utilizar amagia de forma consciente e incons-ciente. Fausto é inconsciente das con-seqüências de muitas de suas manipu-lações, enquanto que seu companhei-ro, Mefistófeles, sabe exatamente oque faz e por quê. Magia igual é em-pregada conscientemente, por exem-plo, para colocar alguém sob sua de-pendência: para a multidão de pessoasinconscientes, os métodos são bastan-te simples; para as pessoas mais des-pertas, é preciso usar de mais refina-mento.

ASPIRAÇÃO À VIDA SUPERIOR

Ao longo dos séculos, essas práticascriaram concentrações de força queaprisionam a humanidade e impedemseu desenvolvimento. Na Odisséia, opoeta grego Homero descreve de for-ma apaixonante como essa magia éexercida: após anos de venturas e a-venturas, os companheiros de Ulissesdesejam voltar para casa. Mas Circe, amaga, faz desaparecer esse desejotransformando-os em porcos, paraque eles não possam mais encontrarseu caminho. Circe representa o prin-

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cípio da magia mencionado acima: elaretira dos seres humanos suas aspira-ções elevadas e os liga à matéria. Elessão rebaixados à condição animal, naqual só prevalecem os instintos e osbaixos apetites. No mito da Odisséia,os porcos não estão em estado decompreender a linguagem dos huma-nos, nem de se comunicar com eles.

Na nossa época, a velha encantado-ra Circe ainda está muito ativa pormeio de todas as seduções que se ofe-recem ao homem moderno. Ela é essaforça que, no presente, o desvia doverdadeiro objetivo da vida, medianteo poder que ela possui de tudo trans-formar e desnaturar. Com sua equipede feiticeiros, ela suscita em suas víti-mas tanta cobiça e tanta fatuidade,

que elas esquecem a finalidade de suasvidas. Ela se manifesta sob todo tipode aparência; por exemplo, sob a apa-rência do tão rápido desenvolvimentoda eletrônica, ou sob a aparência damídia, que joga sobre a humanidadeuma avalanche de informações. Ela dáaos humanos os supostos novos po-deres e uma “nova” consciência, aqual ela estimula cada vez mais. In-felizmente, esses pretensos poderes sópodem detectar e criar fenômenosterrestres – portanto perecíveis (comum ciclo de vida cada vez mais curto)– pois eles carecem da luz que podeguiá-los. A Circe moderna degrada osseres humanos e violenta o seu campode existência. Assim, eles se tornamverdadeiramente sub-humanos e inca-

“Em cada nascimento deuma criança, oGrande Deustenta restabelecera unidade”. In

Simon, MarianneFrederiksson, Ed.De Geus, 1985,foto Pentagrama.

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pazes, ou quase, de reagir positiva-mente ao impulso divino que desejalibertá-los.

NEM OBSCURIDADE NEM MISTÉRIOS

Há certamente uma magia quedeseja livrar o homem dessa maldição.Ela provém do campo de vida originale da força da Gnosis, sem ter nada deobscuro nem de misterioso. Ela sedirige à alma humana, e a sustentacom sua força para libertá-la da maté-ria. Ela não age por interesse, nemprocura melhorar, embelezar ou forta-lecer a personalidade: ela só desejaauxiliar a alma. Para tanto, ela se adap-ta, quando necessário, aos lugares eaos tempos – mas o fundo e a finalida-de nunca mudam. Assim, ela formaum campo vibratório de um tão altonível, que permite a ligação com a

natureza divina. Aqueles que foramchamados a nos preceder nesse cami-nho constituem o núcleo vivo dessecampo de energia, que quer nos inspi-rar e nos renovar. Ora, quanto maiorfor o número de pesquisadores quereagem positivamente a essa mensa-gem, mais forte será o campo de ener-gia e mais amplo será o seu poder. Emrazão de suas características e de suaorientação para a natureza divina, essecampo de vida muito especial serve decanal pelo qual passam, de um lado, avoz da eternidade e, do outro, as res-postas daqueles que se juntaram a essecampo de luz e dele vivem.

UMA PONTE SOBRE O ABISMO

Quando o poder de fogo dessecampo é suficientemente intenso, elecria um movimento em espiral. A

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Ulisses mandaque o amarremao mastro paranão sucumbir àtentação. Baixorelevo do séculoV a C., MuseuarqueológicoVolterra, Itália.

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energia produzida se manifesta, porum lado, sob a forma de um chamadoe de um toque, e por outro lado, sob aforma de uma purificação, de umarenovação e de um crescimento. Estadupla atividade lança uma ponte tem-porária sobre o formidável abismoque separa o mortal do imortal. Ela écomparável à preparação para umaviagem. Assim, na mitologia grega, osargonautas construíram um barcoespecial, o Argo, feito com um mate-rial próprio para enfrentar a violênciadas ondas. Eles partem à procura doTosão de Ouro, símbolo da nova vesteda alma, veste indispensável para tor-nar a personalidade apta para vir a sero instrumento da alma imortal. Todosaqueles que sobem a bordo de umbarco são dependentes e responsáveisuns pelos outros. Juntos, eles condu-zem o navio no seu curso; eles for-mam uma unidade, e têm uma só emesma finalidade.

PERTENCER A UM GRUPO NÃO

TEM NADA DE PASSIVO

É preciso não esquecer que, a bordode um tal barco - imagem de umcampo concentrado de energia rege-neradora - é impossível manter-se pas-sivo, pois de outra forma a qualidaderequerida não poderia ser alcançadanem mantida. A energia divina aíempregada se retiraria e o barco, semgoverno, seria levado ao sabor dasondas. A busca da vida imortal não sealicerça na passividade. É importanteque aqueles que participam de um

campo de vida renovador tão específi-co sejam bem compenetrados de seuobjetivo comum. Eles se dirigem paraa meta de sua viagem, para o coraçãode sua comunidade. E eles permane-cem juntos contra ventos e marés,pois, se sua embarcação alcança águastumultuosas, sua arte de navegação érudemente colocada à prova. “Solve etcoagula”: dissolução e coagulação.“Dissolve o velho e concentra o no-vo”. Isso só é possível se a orientaçãodada for compreendida e seguida portodos. A maior parte dos abrolhos edos entraves são os obstáculos do sub-consciente, que aparecem em plenaluz do dia e revelam aquilo que desviado objetivo. “Solve et coagula” é afórmula que ilustra o comportamentodesperto e vigilante de um bom nave-gador orientado por Deus.

Grifo sobre umalajota da abadiade Chertsey noSurrey, Inglaterra,século XIII.

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A Realeza Interior

Simorg é o pássaro fabuloso dasantigas narrativas do Oriente, sím-bolo brilhante do Príncipe que de-ve ressuscitar interiormente emtodo ser humano.

o conto Conferência dos Pássaros,o sufi Farid ud-Din Attar (1119-1233)relata como muitos pássaros partem àprocura de um rei, e como sua buscaos leva por sete vales, ao longo de umaexaustiva peregrinação mas somentetrinta dentre eles chegam ao fim. Oautor desse conto maravilhoso era ori-ginário de Nishapur, na Pérsia. Eleescreveu muitos textos líricos e épicos,a maioria datada do fim do século XII,que refletem sua busca e sua profundaaspiração de encontrar o segredo doamor divino. As obras desse místicomostram aos pesquisadores de todas asculturas que só a forma está ligada àépoca e à tradição, e não a essência. Aação que precede e que segue essaexperiência autenticamente mística é oponto central da obra de Attar. Pois épor um comportamento interior liber-tador que um novo desenvolvimentopode acontecer. A purificação quedisso resulta dá acesso ao caminho queconduz ao reino divino interior.

A Conferência dos Pássaros começano momento em que estes estão reuni-dos e exprimem o desejo de encontrarum rei. A poupa* ocupa um lugarimportante na discussão. Em muitasnarrativas ela aparece como a enviadade confiança de Salomão junto à rai-nha de Sabá. “Em seu peito, ela traz osímbolo do conhecimento espiritual; e,sobre sua cabeça, brilha a coroa da fé.”

Ela é a mediadora que conhece a exis-tência do rei e sabe aonde é preciso irpara procurá-lo. Ela declara que so-mente a Simorg, “que, na ilha da su-blimidade, mora na cidade da magna-nimidade”, é digna da realeza.

No coração dos pássaros nasce umgrande desejo e todos querem partir àprocura da Simorg. Mas surgem mui-tos pretextos para não fazer uma via-gem tão perigosa. Então, a garça realafirma que não pode ficar sem o seulago. Mas a poupa lhe responde: “Olago é mutável e pouco fiel. Um dia,ele te engolirá”. O pavão crê que sóele tem o desejo de retornar ao paraí-so. A poupa replica que o senhor doparaíso é mais importante do que oparaíso. As sábias palavras da poupaacabam levando-os à decisão de semanterem em seu projeto inicial. Éprincipalmente o amor dela que lhesdá a força para suplantar seus temores.

Assim reconfortados, os pássarospartem em viagem. Mas, surgem no-vas dúvidas quando eles vêem que,diante deles, no interminável cami-nho, não encontram nenhum ser vivo.Angústias ancestrais vêm à superfície.A poupa responde a um de seus com-panheiros de viagem, que tem medode morrer, que a morte é seu destino:“Tu nasceste para morrer!” Um outropergunta a que distância se encontraverdadeiramente o objetivo. Então, apoupa lhes relembra longamente ossete vales que é preciso atravessar.

Depois de muitos anos, só trintapássaros conseguem alcançar a corteda Simorg. Eles pedem então para en-trar e repousar, mas isso lhes é recusa-do. Desesperados, eles se sentem maisdo que nunca próximos da morte. So-

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A Simorg escuta a gralhaque se dirige aos animais reu-nidos. Contos deAnwar-i-Suhayliatribuídos aMiskin, Mughal,Índia, 1610.

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mente depois de prestarem contas doque fizeram durante sua vida é que sãoabsolvidos. Por fim, quando seu dese-jo se transmuta em não desejar, elesrecebem uma nova força, e reconhe-cem que o pássaro Simorg representaverdadeiramente sua aspiração à Luz.

Então se lhes ensina que a realeza ésemelhante a um claro espelho, e queaquele que sai desse espelho, se reco-nhece. Em seguida, eles desaparecemtodos dentro do espelho. “A sombradesaparece no sol e isso é o fim.” Fi-nalmente, eles entram na imutabilida-de depois que tudo o que era antigodesapareceu. Eles se perdem para sem-pre na Simorg. Já não há viajantes,nem guias. Ao encontrar a Simorg, elestambém se encontram a si mesmos, e oproblema do eu e tu é resolvido.

O pesquisador da Verdade certa-mente reconhecerá algo do seu pró-

prio anelo na aventura desses trintapássaros. A força propulsora nascecom a lembrança da vida original. Aospoucos, seu estado o inquieta. É comoum fogo. A consciência experimentaque algo de estranho a este mundo aagita e a inquieta. Esta impressão estásempre presente, sejam as circunstân-cias tristes ou alegres. É aí que começaa Conferência dos Pássaros. Após aeuforia do início, instala-se o medo deque a viagem seja perigosa. A cons-ciência limitada não pode fazer outracoisa senão trazer para o seu próprionível o que se situa fora do seu alcan-ce. Entretanto, fica alguma coisa deindefinível que assim como uma som-bra, obscurece toda a alegria e jamaisdá descanso.

Pássaros de todas as variedades, decores e comportamentos diferentes,ilustram bem as inúmeras ilusões hu-

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A Simorg é atacada peloDragão negro.Ilustração turcado século XVI.

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manas, e principalmente a série de ob-jeções, sua extensão e diversidade, emface da escolha que a personalidadedeve fazer para se voltar ou não para aLuz. Nesse conto simbólico, essesproblemas aparecem desde o início.

Os pássaros traduzem todas ascaracterísticas que são obstáculos nocaminho da libertação interior: senti-mento de indignidade, tendência àmelancolia, jugo dos instintos natu-rais, desejo de posse, tentações e cobi-ças sempre novas e abandono às emo-ções sucessivas. Todas essas fraquezassurgem a cada instante, se atropelampor detrás de tudo e querem subsistire dominar. E o doce chamado que vemdo fundo do coração e incita à auto-análise e à reflexão fica completamen-te sufocado. Essa é a razão pela qualmuitos pássaros se perdem durante apenosa viagem através dos sete vales.

Um deles acredita que alcançou oestado da perfeição com exercícios ese recusa a mudar de opinião. A poupao repreende severamente e lhe explicaque sua pretensão não pode fazê-loprogredir. Ela afirma que o caminhoque conduz ao Criador não é paraaqueles que são aparentemente perfei-tos, mas para aqueles que reconhecemsua imperfeição. A pergunta é aseguinte: o pesquisador está centradoem sua própria verdade ou na verdadedivina? Será que censuras como as dapoupa são um reconforto para ele?Será que ele vai continuar a se aperfei-çoar e a se cultivar negligenciando averdadeira finalidade da vida? Aqueleque se obstina em servir os interessesde seu eu em lugar dos interesses desua alma, e quer alcançar alguma coisaprecisa na vida antes de voltar-se paraa Luz, está enganado. Ele sempre quer

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atingir com seu eu um cume que é ina-cessível para ele! Orgulho e presunçãoo acompanham, e seu eu convive comprazer com esses dois incômodos par-ceiros. Mas somente a compreensãode que a escolha inicial é incorreta po-de quebrar essa atitude forçada. Istoexige uma decisão; e, em seguida, suarealização. Somente assim é que o or-gulho e a presunção se retiram paradar lugar às qualidades que abremnovas perspectivas.

“Bem” e “mal” são os dois pólosentre os quais a natureza dialética ím-pia se mantém. Não se pode vencer omundo - onde os contrários se alter-nam - tomando partido pelo pretensobem ou pelo pretenso mal, a fim deforçar uma situação. Este mundo dosopostos oferece a possibilidade dedescobrir essa realidade. Aquele quese dá conta de que esses aspectos con-trários se mantêm mutuamente, e queportanto é impossível desembaraçar-sedeles, reconhecerá que os conselhos dapoupa são verdadeiros. E tirará pro-veito disso quando for à procura dorei interior. Este caminho conduz parafora de todos os aspectos contrários:ele representa uma mudança funda-mental e total do ser.

“Devemos ainda percorrer sete va-les. Ninguém sabe a que distância elesestão, e aqueles que neles chegaramjamais voltaram”, responde a poupaàqueles que perguntam se a metaainda está longe. Para encontrar a ver-dadeira finalidade da vida, é precisopassar por experiências. Nessas condi-

ções, não é mais possível voltar atrás:a busca experimental está fora dequestão. Estas não são apenas belaspalavras: é preciso compreender queos poderes do eu são insuficientespara transpor os limites interiores. Éisto o que a psicologia deveria apren-der e ensinar!

A poupa explica cada um dos setevales e sua particularidade. Assim, há oVale da Busca, o do Amor, o doConhecimento, o do Não Desejar, o daUnidade, o da Confusão e o do Desa-pego.

O VALE DA BUSCA

“Quando desceres ao Vale da Busca,estarás sempre diante de novas alter-nativas. Lá, cada respiração é seme-lhante a milhares de possibilidades, emesmo um corajoso papagaio podetornar-se uma mosca! Durante anos,deves te esforçar ao máximo e fazer oteu máximo possível enquanto teucoração atravessa diferentes situações.Deves renunciar a toda posse e a todopoder. Teu caminho passa pelas pro-fundezas de teu sangue e por tudo oque te é exterior. Uma vez que tenhasa certeza de nada mais possuíres, aindaterás que esvaziar teu coração de tudoo que ele contém. Se teu coração esti-ver finalmente ao abrigo da perdição,contemplarás a luz serena de suamajestade divina. E se a luz começar ase manifestar em teu espírito, tua aspi-ração espiritual se multiplicará mil euma vezes.”

O VALE DO AMOR

“Depois aparece o Vale do Amor.Aquele que nele chega é mergulhado

No estilo metafórico da língua persa, o papagaio freqüentementerepresenta o pesquisador. Ele vive em uma gaiola onde se lheapresenta um espelho para que eleaprenda a falar.

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no fogo porque neste vale não há nadaalém de fogo. Quem não puder agüen-tar esse banho de fogo não mais encon-trará alegria. Ele é um amante, que écomo fogo, e que, com o rosto ardente,se consome. Ele não hesita: joga seuscem mundos no fogo com alegria. Nes-se caminho, não existe diferença entreo bem e o mal, pois aqui não existenem bem, nem mal. O amor transcen-de os dois.”

O VALE DO CONHECIMENTO

“O peregrino vê aparecer agora o Valedo Conhecimento. Aqui, cada umsegue um caminho diferente. O cami-nho de um nunca se parece com ocaminho de outro. Aquele que segue ocaminho do corpo não é o mesmo quetrilha o caminho da alma. Mas para osdois, tanto o corpo quanto a alma,existe sempre, por causa de mau proce-dimento ou de virtude, uma porta queleva à elevação e uma porta que leva àperdição. E quando o sol do conheci-mento brilha no firmamento do cami-nho mais elevado, cada um reconheceseu verdadeiro valor e seu coração seabre amplamente para a verdade”.

O VALE DO NÃO-DESEJAR

“Em seguida, vem o vale do Não De-sejar. Aqui não há mais exigências enada mais tem importância. Os seteoceanos voltam a ser uma simplespoça. Os sete planetas não brilhammais que um débil clarão. As sete esfe-ras do paraíso desaparecem aqui, e ossete infernos se cristalizam no gelo.Não importa o que faças ou deixes defazer: nada de novo e nada de antigotem qualquer poder”.

O VALE DA UNIDADE

“Então vem o Vale da Unidade, o do-mínio da completa solidão. Somenteaqueles que vêm desse deserto têm nacabeça o mesmo turbante. Quer notesaqui agora muito ou pouco em núme-ro, é um, contudo, que está nesse cami-nho da unidade. Porque permanecesempre um em um, e é esse um o Uno,a unidade perfeita.”

O VALE DA CONFUSÃO

“Agora, é o Vale da Confusão, ondetudo é fonte de dor e tristeza. Aqui, ca-da respiração é como uma espada cor-tante, e cada batimento de pálpebras ésó suspiro e gemido. Os suspiros e asdores são como um fogo. Não se distin-gue o dia da noite. O sangue escorre,não da espada, mas de cada raiz decabelo, e todos os lamentos são regis-trados. O fogo é como o gelo compara-do ao peregrino que queima e se con-some na sua dor. Ele é jogado na con-fusão e aí se encontra porque a confu-são lhe fez perder o seu caminho. Aqui

Unidos como um sócorpo, os pássarosvoam ao encontroda liberdade.Foto Pentagrama.

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aquele que possui a unidade absolutainscrita na alma perde tudo, e tambéma si mesmo.”

O VALE DO DESAPEGO

“Finalmente, surge o Vale do Desape-go. Quem poderia descrevê-lo? Ele secaracteriza pelo esquecimento, o silên-cio, a surdez e a inconsciência. Bastaum único raio de sol espiritual e vêsdesaparecer todas as sombras ao redorde ti. Quando o oceano do infinitoeleva suas ondas, como podem se man-ter as formas que aparecem na superfí-cie? Os dois mundos já não são nadaalém das formas que tu vês na superfí-cie do oceano. Quem duvidar é vitimade alucinações. Aquele cujo coração seperde nesse oceano está perdido comonunca e aí repousa em paz...”.

A CORTE DO REI

Como se pode perceber pela histó-ria, a maior parte dos pássaros sentemedo com a descrição dos sete vales.Finalmente, trinta alcançam a meta.Mas quando o guardião do palácio osrepele, priva-os de suas últimas forçase de sua última esperança. Não obs-tante, é-lhes apresentado um textoonde estão anotados todos os atos desuas vidas e eles demonstram arrepen-dimento. Então, o pássaro Simorgperdoa-lhes as faltas. Em outras pala-vras: no fim do caminho, eles encon-tram seu verdadeiro ser.

“O brilho do sol do rei é como umespelho. Aquele que se olha nele vêsua alma e seu corpo. Ele se vê porinteiro.”

Muitos aspectos do caminho segui-do pelos trinta pássaros são familiaresao pesquisador da verdade. Alcançar aSimorg não é uma atividade do eu,mesmo que seja através do eu que o

caminho comece. Quando ele se dáconta de que sua mais elevada aspira-ção acaba se tornando uma decepção,pode abandonar o lugar que outorgoupara si durante milênios. Farid ud-Din Attar fala sobre o desapego, queimplica na remissão de todos os peca-dos.

Mas por que apenas trinta pássarosalcançam a meta? O número trintarepresenta os três nascimentos pelosquais o peregrino deve passar: a fasepreparatória, a fase da nova vida e afase do retorno. O zero indica que afase foi cumprida. Em outras palavras:a fase anterior deve ser levada a umbom fim para que a fase seguintepossa começar.“Ele viu um novo céu e uma novaterra,” diz o Apocalipse. Eles entraram“no que é permanente, depois que todoo antigo desapareceu”.

* pássaro semelhante à pega (pássaro europeu)

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A história do publicano Zaqueu

Cada um dos quatro evangelhosdo Novo Testamento se dirige aum grupo de pessoas em particular.Suas formas de expressão e seusestilos são muito diferentes. Asparábolas e os milagres de Jesus sãoapresentados de forma objetiva esucinta. Eles devem despertar acompreensão, impelir à reflexão e,com isso, à necessária reorientaçãoda consciência.

totalmente diferente do que acon-tece com outras narrativas que, comouma luz reconfortante, tocam espon-taneamente o coração. Trata-se dosencontros de Jesus com certas perso-nagens que dão a impressão de estarcontando elas mesmas suas experiên-cias de um reencontro interior com aLuz. É o que acontece com a narrativado publicano Zaqueu relatada no E-vangelho de Lucas, capítulo 19:“Jesus tendo entrado em Jericó atra-vessava a cidade. E eis que um homemrico, denominado Zaqueu, chefe dospublicanos, procurava ver quem eraJesus; mas ele não podia lá chegardevido à multidão, pois ele era depouca estatura. Ele correu adiante esubiu num sicômoro para poder vê-lo,pois ele iria passar por lá. QuandoJesus chegou nesse lugar, ele ergueu osolhos e lhe disse: Zaqueu, apressa-te adescer; pois é preciso que eu permane-ça hoje em tua casa. Zaqueu apressou-se a descer, e o recebeu com alegria.Vendo isso, todos murmuravam ediziam: ele foi abrigar-se em casa deum pecador. Mas Zaqueu, pondo-se

diante do Senhor, lhe disse: Eis aqui,Senhor, eu dou aos pobres a metadedos meus bens, e se tenho feito algo deerrado a alguém, eu lhe dou o quádru-plo. Jesus lhe disse: a salvação entrouhoje nesta casa, porque este aqui étambém um filho de Abraão. Pois oFilho do homem veio buscar e salvar oque estava perdido.”

Por mais que tenhamos freqüente-mente essa impressão, nada acontecepor acaso. As ações são reflexos exte-riores de processos que já foram reali-zados interiormente e em segredo. Éda natureza humana julgar rapida-mente outrem pela aparência. Mascomo podemos saber o que se passano seu interior? Por exemplo, em queponto no processo de purificação dacabeça e do coração ele está? Cer-tamente a história de Zaqueu tem umsignificado oculto muito profundo,contendo informações importantespara o pesquisador da única Verdade.

Zaqueu é chefe dos publicanos,portanto, a serviço da força de ocupa-ção romana: é um homem afortunado,munido de uma certa autoridade. Elequer ver Jesus, o curador milagroso, epara isso ele sobe numa árvore. Porcuriosidade? Pela sensação? Jesus o vêe diz: “Apressa-te a descer, pois é pre-ciso que eu me aloje hoje em tua casa.”Zaqueu desce rapidamente e, cheio dealegria, o leva para sua casa.

Por que esse homem rico e podero-so é privilegiado dessa maneira? Ele sóse ocupa de dinheiro o dia todo, não éentão o oposto de um homem piedo-so e devoto? Por que ele quer verJesus? E por que ele fica tão entusias-mado quando Jesus o chama? Porquenele queima o desejo secreto, doloro-

É

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so, ardente, pelo verdadeiro Deus oni-presente; não um Deus cristalizado natradição, mas Deus, o sopro vivo douniverso. A pessoa que conhece essedesejo busca-o fora de todas as tradi-ções e doutrinas. Quanto maior é seudesejo ardente, mais forte é o impulsopara descobri-lo. Sem prestar a menoratenção à assistência, Zaqueu ouve avoz de sua alma e vai em direção aJesus. É a voz da alma que lhe fala: aquem ele dá ouvidos, e que o estimu-la. Ele triunfa sobre seu eu. “Eu techamo pelo teu nome. Tu és meu, diz oSenhor.” (citação de Isaías, 43:1). Aluz do Filho que procede do Pai pene-tra o coração de Zaqueu.

Zaqueu diz que dará o quádruplopara a pessoa a quem ele tenha preju-dicado. O número quatro representa odever de romper a ilusão e a impostu-ra, por meio da auto-franco-maçona-ria. O fundamento da transfiguração équádruplo: a orientação única sobre onovo objetivo de vida, o esforço paraatingir esse objetivo na não-luta, aunidade de todos aqueles que têm amesma aspiração, e, em quarto lugar, aharmonia perfeita em todas as ativida-des que devem conduzir a esse objeti-vo. Em todos os tempos, essas quatronoções foram dadas àqueles que que-rem realizar o caminho da libertação

interior. Também em nossos dias elassão dadas e explicadas pela JovemFraternidade Gnóstica na Escola daRosacruz Áurea. Na terminologia donosso tempo, elas desvelam o mistérioda “porta estreita” que pode se abrirpara cada um, e do “caminho aperta-do” (Mateus, 7:14) que podemos per-correr em alegria e reconhecimento.

Quanta discórdia, ódio, persegui-ções e guerras sangrentas não são pro-vocados por aqueles que pensam pos-suir o único e verdadeiro Deus! MasDeus é indivisível. Sua luz brilha paracada um, independente de raça, cor,língua ou classe social. Por ocasião donascimento da humanidade, o ser hu-mano recebeu o amor divino comouma semente em seu coração. É porisso que Jesus responde assim à per-gunta - “Quem pretendes ser?” - que osjudeus lhe fazem: “Em verdade, antesque Abraão fosse, eu sou.” (João 8: 53e 58). O ensinamento gnóstico univer-sal da Rosacruz Áurea mostra o cami-nho pelo qual é possível descobrir oamor divino, e como libertá-lo dasujeição a uma interpretação históricadas mais contestáveis. É uma expe-riência que nós desejamos repartircom todos os outros pesquisadores.O rebanho

procura proteçãojunto ao pastor.Foto Pentagrama.

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A Mônada e a Unidade

O que denominamos tempos mo-dernos começou na Renascença. Aimagem religiosa, cósmica, social eeconômica do mundo, que se tinhana Idade Média, foi então total-mente alterada. Os que inaugura-ram este novo período voltaram-separa um passado longínquo, pararaízes antigas, pois o novo mundodeveria estar fundamentado sobreuma herança original e pura.

s conceitos da Grécia e do Egitoantigos vieram em resposta ao desejode romper a sujeição à Igreja, à divisãode classes e à ciência submissa à ideo-logia. Antes, só se encontrava a unida-de sob as asas da Igreja. A partir daí,surgiu a idéia central de uma novaunidade, para determinar a base e aconstrução de conceitos como os deEstado, de pesquisa científica e dearte.

Podemos marcar o começo da Re-nascença com a descoberta da Amé-rica, em 1492.

Este acontecimento dá a entenderclaramente que os homens desse tem-po aspiravam a descobrir novos espa-ços terrestres e espirituais. A rejeiçãoda idéia imposta pela Igreja, de que aTerra estava no centro do sistema so-lar, teve um papel de primeiro plano.Segundo as concepções medievais, aTerra era um disco que a Igreja colo-cava no centro do universo. O sábiopolonês Copérnico destruiu essa ima-gem, apresentando o sistema helio-cêntrico após ter concluído, a partir desuas observações, que a Terra e os pla-

netas giravam em volta do sol.A velha unidade foi rompida. Na

Idade Média, o corpo, a matéria e anatureza tinham um papel inferior:eles não eram assuntos de pesquisa, e aunidade inviolável encontrava-se emDeus. E será que o homem teria real-mente a necessidade de submeter aexame as criaturas de Deus? Esteponto de vista mudou totalmentedesde o início da nova época: foi preci-so, pelo contrário, desvendar todos osmistérios, como também reconhecer eutilizar as forças divinas. O foco foicolocado no homem enquanto criatu-ra. Deus, o Todo, não mais se escondiaapenas na criação, mas também nohomem, o indivíduo. “O que estáembaixo é como o que está em cima”,tal era o axioma do sábio egípcioHermes Trismegisto. Naquilo que épequeno encontra-se o que é grande.

O SER DIVINO SE MANIFESTA

EM NÚMERO E FORMA

O termo grego para unidade é“monas”. Segundo o matemático e fi-lósofo Euclides (século IV a.C.), amônada é o fundamento essencial eindivisível de tudo. No século XVI,Giordano Bruno retomou essa idéia,procurando mostrar que o divino semanifesta em toda forma aparente, epara isso apoiou-se na aritmética e nageometria de Pitágoras. Segundo esteúltimo, toda forma geométrica temseu próprio número e seu próprioconteúdo, que derivam da imagemoriginal. O Ser divino se manifestapelo número e pela forma.

O

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Em seu tratado Da Mônada, onúmero e a figura, Giordano Brunoescreveu: “O um é o centro do micro-cosmo, o coração. Dele emanam os es-píritos vitais que se propagam em todoo ser. A árvore da vida universal é ata-da a ele e enraizada nele; e sua forçaprotetora e conservadora faz com queos espíritos retornem a ele. Ele é o cen-tro único de toda e qualquer figura ede cada propriedade. Encontramos ereconhecemos a mônada em cada todocomposto. A força total da unidade éeterna e infinita; estável e perpétua emsua simplicidade. Ela se multiplica porunificação e diminui por dispersão.Assim, todas as coisas compostas e coor-denadas estão em relação com o círcu-lo, o centro indivisível, e seus poderes –a mônada indivisível”. Aqui, Brunomostra que a idéia divina, o infinito,manifesta-se por um círculo ou esfera.O número 10 é o seu símbolo: o 1 é aunidade, o 0 é o círculo ou esfera. Na

época de Bruno, tais consideraçõeseram taxadas de heresia.

Os pesquisadores pensavam que aunidade podia ser demonstrada nãosomente por símbolos, mas tambémpor experiências. Segundo os alqui-mistas, o ouro era o metal mais nobre,a cristalização da força solar: os metaisnasciam nas entranhas obscuras da Ter-ra, sob a influência dos sete planetas. Apartir dessas concepções, eles se esfor-çavam em transmutar os vis metais emouro. A alquimia e a astrologia esta-vam estreitamente associadas. A astro-logia, como ainda acontece, explicava anatureza do zodíaco e dos planetas; aalquimia, o princípio dos elementos edos metais. Elas estavam em relaçãomútua, como o céu e a terra. Na TábuaEsmeraldina do Antigo Egito, HermesTrismegisto diz: “O que é embaixo écomo o que é em cima”

Um dos alquimistas mais célebresdessa época foi o inglês John Dee. Pormeio de noções alquímicas e astrológi-cas, assim como do simbolismo dosnúmeros provenientes da cabala, elecompôs uma figura que denominou“mônada hieroglífica”, símbolo daunidade das atividades divinas nosfenômenos da natureza. “O círculonão pode ser traçado sem a linha reta,nem a linha reta sem o ponto”.

Portanto, tudo provém de um sóponto: a mônada. Aquele que o dese-jar, poderá liberar essas forças por umajusta compreensão e uma justa atitude.

A MÔNADA DE LEIBNIZ

O pesquisador alemão GottfriedWilhelm Leibniz (1646-1716) edificou

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As mônadascomo núcleos denovas formas demanifestação.IlustraçãoPentagrama).

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um sistema filosófico a partir da idéiade “mônada”. Segundo ele, as môna-das são substâncias indivisíveis, nãofísicas, que podem evoluir. Elas sãocriadas por Deus para se manifestarem corpos, e estão na origem dasdiversas formas de vida. Embora essassubstâncias apareçam em uma grandediversidade, elas constituem um con-junto que também manifesta umaforma vital. Leibniz refere-se a issocomo a harmonia “praestabilita”(superior): em outras pala-vras, que Deus criou asmônadas, assim comoas formas vitais, detal sorte que elasse harmonizamde forma precisaumas com asoutras seguindosuas própriasleis. “Portanto,só Deus é a uni-dade original, oua substância origi-nal simples. Todas ascriaturas ou mônadasderivam dele. Poderíamosdizer que elas nascem, de ins-tante a instante, por meio de clarõesque emanam da divindade. A exten-são de seu poder de assimilação deter-mina os limites adaptados à sua cria-ção. Deus é o poder que é a fonte detudo. Ao lado disso, existe o conheci-mento inerente à idéia. E, por fim,existe a vontade que muda e gera umpoder maior. Cada mundo tem o direi-to de aspirar à perfeição que lhe éintrínseca. Esta é a base, a melhor, quea sabedoria de Deus reconhece: dei-xar-se guiar por Sua Bondade e d´Elereceber Seu Poder”. O que resulta do

século XX, um século muito violento,esclarece bem o ensinamento deLeibniz. A “harmonia superior” nãoteve a oportunidade de melhorar asociedade humana porque ela aindanão pôde se manifestar.

A UNIDADE COMO UM IDEAL

É notável que os homens se esfor-cem continuamente para criar

a unidade e a harmoniaentre os povos, mas

no fim eles nãoparecem estar emcondições nemde estabeleceruma paz durá-vel. Esta paz sóé possível emligação e emunidade com

Deus, e isso estámuito além da per-

sonalidade humanacomum. Leibniz afir-

ma uma idéia semelhante.Segundo ele, a mônada age de

forma que o ser humano, na prisão deseu eu, não cessa de aspirar à unidade,à harmonia, à paz em Deus. Mas, porfalta de conhecimento e de compreen-são, ele só cria imitações, e só conse-gue chegar a uma unidade, uma har-monia e uma paz fugidias – ou melhordizendo: à divisão, ao caos e à guerra.

Essa aspiração à unidade deixoutraços evidentes na história da huma-nidade. As ditaduras se transformamsistematicamente em democracias;países se unem, como alguns estadosda América, da Rússia ou da Europa.

Gottfried WilhelmLeibniz (1646-1716),filósofo, matemático,físico e fundador daAcademia deCiências da Prússia.

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O desejo de condições sociais melho-res, de paz, de justiça, de saúde e defelicidade para todos, é reconhecidopor muitos países grandes e pequenos.E principalmente o humanismo, idealda Renascença, manifesta-se muitofortemente.

O CHAMADO DA MÔNADA

O ensinamento da Rosacruz Áureaatual unifica as contradições aparentesda doutrina das mônadas. Trata-se deduas naturezas presentes no homem.A mônada é descrita como uma cria-ção ou energia proveniente da nature-za divina, revestida de uma forma cor-poral na matéria. Portanto, é a formaespiritual original do homem divinomanifestando-se na substância origi-nal. “A mônada é a centelha divina, aforça divina manifestada no homem.É a força do início, aquela que desde oprincípio adquiriu uma forma emnosso microcosmo. Essa força poderosapode pois intervir se a força criadorafor purificada e liberada inteiramentepara a finalidade superior. Portanto, aforça criadora será purificada se forinteiramente subordinada à mônada,sem que seja empregada para outrasfinalidades, sejam quais forem.” Ohomem vive num mundo que estáafastado da perfeição divina. É omundo formado pelo eu, e que nãopode ser percebido a não ser de formasensorial pelo homem alicerçado noeu. Pelo instinto de conservação, pelomedo, pelo sofrimento e pelos confli-tos daí decorrentes, o eu imprime navida a sua marca, e assim dá forma àsforças antidivinas. Do ponto de vista

da Rosacruz Áurea, a mônada chamao ser humano sem cessar de formaconsciente, e lhe dá a força de retornarà sua origem. Essa atividade espiritualse manifesta no coração do microcos-mo, no coração da personalidade. Umátomo contém em si o plano de seudesenvolvimento superior completo.Esse plano começa fazendo com que oser centrado no eu se torne um pes-quisador, pois este ouve um eco res-soar dentro dele: o eco do chamadoque provém de seu coração. Então elecompreende qual é a sua verdadeirasituação, e logo está pronto a cederlugar para a nova Alma, que agora énecessária para ele avançar.

O “HEGEMONIKON” DE ORÍGENES

Esses conceitos também aparecemno cristianismo original. Orígenes,um dos Pais da Igreja sempre contes-tado, emprega para esse efeito o con-ceito grego do “hegemonikon”: oprincípio diretor. Em seus comentá-rios sobre o Evangelho de João, eleescreveu: “O centro do corpo é o cora-ção, e no coração está o princípio dire-tor. Refleti: será que a palavra ‘no meiode vós há alguém que não conheceis’(João 1:26) não faz alusão ao Logosque está em cada ser humano? (...) Sedamos lugar, não ao mal, mas a Deus,Deus semeia suas sementes em nossoprincípio diretor.(...) Cristo aparecepara os perfeitos, e ilumina seu princí-pio diretor até a compreensão infalívelde todas as coisas.” A unidade não sa-beria encontrar-se em circunstânciasexteriores, pois ela está exclusivamen-te no Ser interior. É a garantia divina

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Página de títulosda Monas

Hieroglyphica deJohn Dee, 1583.

Chegada aoponto final. Baixorelevo de umbatente de portado grande stupade Bharut, Índia,século II a C.

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de que o homem é guiado, e que lhe édada a energia necessária para a suatransformação.

“IRMÃOS SOB O SOL, IRMÃOS

NA LIBERDADE!”

Este não é um grito de luta de clas-ses mas aquele do recuo do eu dianteda nova Alma. Infelizmente, o serhumano começa sempre por se iludir,antes de poder verdadeiramente fazermeia volta e dizer: “Senhor, o quequeres que eu faça?” Ora, é somentenesse momento que lhe é possívelsuperar conflitos e lutas. É então que aprimeira tarefa da personalidade setorna evidente: ela se abre consciente-mente para a atividade da mônada, osol espiritual microcósmico, e, sob sualuz, a semente espiritual germina e dánascimento ao homem divino.

Fontes: Giordano Bruno, Burckhardt, John Dee, Wilhelm Kelber, Gottfried Wilhelm Leibniz, Jan van Rijckenborgh.

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Giordano Bruno (1548-1600) teveapenas dezesseis anos para escre-ver. Entretanto, esse curto lapso detempo lhe permitiu combater aidéia de que o mundo estava encer-rado em esferas de cristal, como seacreditava na Idade Média; eledescreveu um universo infinito,cheio de vida.

iordano Bruno viveu após Copér-nico (1473-1543), autor de um textopioneiro: De revolutionibus orbiumcoelestium (Da órbita dos corpos ce-lestes), onde demonstra que a terragira ao redor do Sol, apesar de conti-nuar se mantendo na idéia das estrelasfixas incrustadas nas esferas de cristal.Para ele, o sol é o centro do universo in-finito, referindo-se com isso a HermesTrismegisto. Sua argumentação é puramatemática. Apesar do que seus senti-dos percebem, seu impulso interior oleva a seguir o pensamento já conheci-do na antiguidade. Pois, como Giorda-no Bruno, Copérnico também sentiu ainfluência dos escritos herméticos res-surgidos em sua época. Mas Bruno vaimais longe. Em seus diálogos filosófi-cos, ele mostra que o universo deve serinfinito, e liberta assim, tanto o espíritohumano quanto a ciência, do apertadojugo que os sufocava. No entanto, é pre-ciso dizer que por “ciência” ele entendiaalgo muito diferente daquilo que essapalavra significa para nós hoje em dia.

Animado por um grande fogo espi-ritual, Giordano Bruno reconheceu aLuz divina e devotou sua vida a umagrandiosa tentativa: mostrar o univer-so ilimitado como um organismo

vivo. Fazendo isso, ele ultrapassouamplamente as idéias de seu tempo, epor esse motivo não encontrou com-preensão nem repouso em nenhumlugar. Em 1600, foi condenado porRoma a subir na fogueira. Ao ouvir asentença, ele lançou aos cardeais reu-nidos: “Vós pronunciais vossa sentençacom mais medo do que eu a recebo!”

COMBATE ININTERRUPTO PARA

CHEGAR À CONSCIÊNCIA SUPERIOR

Filippo Giordano Bruno nasceu em1548 em Nola, uma pequena localidadedo Golfo de Nápoles, perto do Vesú-vio. O vigoroso vulcão é verdadeira-mente o símbolo do jorrar impetuosode suas idéias e palavras, resultado deseu combate ininterrupto para chegar àconsciência superior. A força de suasobras não foi reconhecida em seutempo, e, hoje, a amplitude de seu pen-samento ainda não penetrou nos espíri-tos. Tanto é que a filosofia e a ciênciaseguem um outro rumo, diferente da-quele que ele indicou: elas preferiramseparar-se a unir-se. Ao conceito de“renascimento interior” deu-se o senti-do de renascimento da cultura exterior:riqueza, beleza e magnificência conti-nuam seduzindo o homem atual e, parao pesquisador da verdade, ainda ofere-cem muitas investigações cativantes.

ACUSAÇÃO COM 130 ITENS

Na idade de dezessete anos, Gior-dano Bruno entrou para a ordem dos

“Transcende o tempo, torna-te eternidade”

“Um cometa rasga os céus da Europa” (Hegel)

G

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Dominicanos, ordem que havia com-batido os “hereges” três séculos antes.Um ano depois, ele recusou a idéia deum Deus e de um Cristo personaliza-dos, e se pôs a estudar Hermes Tris-megisto, a filosofia grega, os Pais daIgreja, os neoplatônicos, os pensado-res árabes e, principalmente, as obrasdo místico Nicolas de Cuse (1401-1464). Foi também muito influencia-do pelo filósofo alemão Aggripa vonNettesheim (1486-1535). Quando,dez anos mais tarde, os Dominicanostrazem a juri uma acusação contra elecom 130 itens, ele abandona a ordem erompe com a Igreja. Durante 16 anos,viaja pela Itália, Suíça, França, Ingla-terra e Alemanha, para ser finalmentepreso em Veneza pela inquisição. Pas-sa então sete anos na prisão, ondesofre interrogatório e tortura.

Os cientistas continuam não po-dendo sondar toda a profundidade desuas idéias. Para alguns ele é irritante;para muitos outros, digno de zomba-ria. Geralmente, seus escritos se apre-sentam sob a forma de diálogos sobreassuntos filosóficos, científicos e eso-téricos, mas ele também redigiu sátirasmordazes e poemas – estes últimosprincipalmente sobre o Amor e a vidasuperior.

Aos trinta anos, sua inteligência re-cebeu uma “santa iluminação”, comoele escreve: “O homem arrebatadopelo Espírito que aqui fala sabe queteve de perseverar por trinta anos, e nocurso desses anos ainda não alcançou apureza da percepção interior, que oteria colocado em condições de ser asalvação desses estrangeiros, que ba-tem e se apresentam sempre na portada compreensão. No fim, porém, des-ceu o amor, que o havia em vão toca-do um certo número de vezes dediversos lados... e desta vez sob aforma de uma “santa iluminação”,que lhe mostrou a beleza divina graçasa duas entidades racionais: a Verdade

ligada à inteligência, e o Bem que des-perta o sentimento. Assim foram ven-cidos os desejos materiais e sensoriais,que antes triunfavam porque se man-tinham irredutíveis, apesar da superio-ridade da alma. Agora, esses raios que,através de sua compreensão iluminadae sábia, foram enviados pelo sol de suapercepção interior, entram facilmentepelos seus olhos: a Verdade, pela portada Consciência, e o Bem, pela porta doAnseio do coração, isto é, eles pene-tram até o mais profundo do sentir.Logo que ele foi assim primeiro aca-lentado e no espírito foi assim ilumina-do, ele chegou àquele seu momentosobre o qual se pode dizer: “vincit ins-tans” (o instante vence).”

Busto de Giordano Bruno.

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“A GiordanoBruno, que foiqueimado vivoem conseqüênciada intolerânciareligiosa.A sociedadedemocrática deDovadola relem-bra que uma vidaem comum harmoniosa é abase da liberdadede pensar.Agosto 1909.”.Dovadola, Itália.

Estátua sobre o local ondeGiordano Brunofoi queimado.Campo di Fiori,Roma.

“PRISIONEIRO DO CÁRCERE

DO CORPO”

Na mesma obra, Bruno descreveu ofilósofo tomado pelo amor divino,“prisioneiro do cárcere do corpo” esubmisso às “ciladas dos sentidos”,que busca a luz divina e a unidade ab-soluta. Ele só poderá transpor o limi-te se, de caçador, se transformar emcaça: quando, na luz inesperada dabondade e da magnificência divina, elese arranca dos erros e ilusões domundo aparente. Para conseguir isso,é preciso seguir um caminho de puri-ficação. No livro Desaparecimento dabesta vencida, ele explica isso deforma metafórica: Zeus, o pai dosdeuses, convoca uma assembléia quevisa a renovação do céu. “Zeus é a al-ma, o espírito do homem que se vê co-locado no fluxo eternamente cambian-te da matéria. Ao mesmo tempo, ele éconsiderado o mestre e a força motrizdos céus, o que dá a entender que emcada homem, em cada indivíduo, exis-te um mundo interior, um microcos-mo, onde Zeus, o mestre, é a luz davontade inteligente, que dirige, reina edetermina o lugar e a hierarquia dosvícios e das virtudes.” A besta triun-fante representa os vícios que domi-nam e espezinham a parte divina. Zeusdeclara aos deuses, as forças da alma:

“Expurguemo-nos, purifiquemo-nos,eu digo, conforme o céu invisível, queexiste espiritualmente em nós, e quetambém se estende visivelmente, fisi-camente, diante de nossos olhos!”

O que resulta disso para a persona-lidade? Uma personalidade superiordotada de uma nova consciência, cujocentro é o sol espiritual: Apolo. OCorpus Hermeticum influenciou for-temente Giordano Bruno: No quartolivro, O discurso secreto sobre a mon-tanha, Hermes evoca as dez forçasboas que afastam os doze vícios fun-damentais.

“O PRIMEIRO FOGO FOI APENAS

UMA PEQUENA SEMENTE”

Bruno descreve a elevação da almada mesma forma que o fazem Ficino eos mistérios herméticos. Todas as suasobras testemunham que ele foi tocadopela Luz e apanhado por ela, comotambém do conhecimento interiorque disso resulta. Com isso, ele se dáconta de que, na qualidade de homemterrestre, ele pode apenas se aproxi-mar da verdade, e que ela jamais podese revelar a ele completamente. Emtodas as suas colocações, ele só faladessa aproximação e de sua própriaimperfeição. Jacob Boehme (1575-1624) mostra ter tido as mesmas expe-riências, e suas palavras são semelhan-tes às de Bruno: “O primeiro fogo foiapenas uma pequena semente e nãouma luz duradoura. Com o passar dotempo, um vento frio soprou muito,mas a vontade jamais se apagou”. Otoque da Luz vem em seguida, quan-do a força recebida é empregada para aauto-transformação, em um combateincessante! É somente assim que sepode desenvolver interiormente aforma-luz. Muitas vezes os “furores

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heróicos” do coração de GiordanoBruno são acompanhados por uma e-norme paixão de seu ser terrestre.Entretanto, o ponto de partida de suapesquisa é sempre espiritual: é a partirdele que ele explica as atividades daalma e da matéria. “Pois aquele quenão compreende o único, nada com-preende; e aquele que compreendeverdadeiramente o único compreendetudo. Pois a compreensão universaltambém se aproxima daquele que seaproxima do conhecimento do único”.O espírito dos primeiros gnósticos vi-ve na obra de Giordano Bruno.

Enquanto a ciência, a filosofia e areligião se afastavam de sua fonte espi-ritual para seguir cada uma seu pró-prio caminho, Bruno permanecia fixa-do nessa fonte que as havia ligadoumas às outras. Ele escreveu: “A sabe-doria divina tem três moradas: umamorada imaterial, eterna, sim, a pró-pria morada da eternidade; uma se-gunda morada, o universo visívelenquanto primogênito; e a última nas-cida, a morada da alma humana.”

Ele via a inteligência divina que seexpandiu na matéria como sendo aorigem da vida: o Logos que determi-na todas as formas. Aquele que alcan-ça a compreensão da unidade doLogos também pode se tornar cons-ciente de sua própria origem, o abso-luto, onde o ser teve sua raiz: ele selembra de sua fonte e dela obtém oconhecimento interior.

TUDO ABRANGER EM UMA

TRÍPLICE VISÃO

Segundo Bruno, o órgão superior dapercepção interior é “o espírito queultrapassa todo entendimento, todacompreensão racional; que abrangetudo em uma tríplice visão”. Sob sua

influência, Giordano Bruno consideraque as almas humanas são mônadas,unidades originais determinadas pelasleis da natureza. Sua única particulari-dade é sua indivisibilidade intrínseca.“Essa substância, fonte de todas as subs-tâncias, esse fundamento do ser, peloqual existe também a criação, é denomi-nada mônada.” As inumeráveis môna-das representam a unidade da alma domundo, a mônada de todas as mônadas.As mônadas são os instrumentos por

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meio dos quais a divindade cria e pro-duz sempre novas formas. É dela quetudo recebe vida e animação. Há “ape-nas um campo incomensurável, um só es-paço coerente, que contém e carrega tu-do em si, que penetra tudo. No interior,há incontáveis mundos, todos semelhan-tes ao nosso... De onde concluímos quenão há apenas um mundo, apenas umaterra, apenas um sol, mas que há tantosmundos quantas são as estrelas lumino-sas que vemos acima de nós.” E sobre omovimento dos astros, Giordano Bru-no escreveu: “Assim se move a terra e osoutros astros, cada um no nível determi-nado por seu próprio princípio interior:sua alma.”

“A PROFUNDA COERÊNCIA

INTERIOR DO MUNDO”

Goethe foi inspirado por GiordanoBruno quando escreveu estes versos:

“A vida habita cada estrela.Elas gostam de seguir juntasO puro caminho escolhido por elasmesmas.”

A vida e a obra de Giordano Brunocativou Goethe de tal maneira que elese inspirou nelas, sem dúvida, paradescrever a luta conduzida por Faustopara alcançar a compreensão. Exata-mente como Fausto, Bruno deseja son-dar “a profunda coerência interior domundo”. Sua visão grandiosa e univer-sal constituiu um fio condutor paraGoethe em sua pesquisa. Animadopelo mesmo espírito, o poeta america-no Walt Whitman se expressa assimem A song of the rolling earth:

“Pensavas que eram essas as palavras,essas linhas verticais? Essas curvas,ângulos, pontos?

Não, não são essas as palavras,as palavras substanciais estão na terra e no mar,Elas estão no ar, elas estão em ti.”

A respeito do caminho de experiên-cias da alma, Bruno escreve: “A maisalta justiça, que está acima e no interiorde cada ser vivente, estipula que a alma,como conseqüência de desejos desorde-nados e pecaminosos, deva descer numcorpo individual semelhante ao que eladeixou; ou num corpo ainda mais dolo-roso e ignóbil. E ela não deve esperaruma morada e uma vida melhores senão administrou bem a morada e a vidaprecedentes.” Em 1584, com uma clare-za desconhecida em seu tempo, eleexpôe a reencarnação do microcosmo erepresenta essa idéia a partir de imagens:“Como já foi dito, enquanto eu perma-neci, como Pégaso, nas regiões celestes,muitas vezes me aconteceu de sentirgrande desejo de tornar a descer às esfe-ras inferiores... Anestesiado por um néc-tar e dirigido para a terra pelo destino,fui enviado novamente para me esfal-far, uma vez como filósofo, outras vezescomo poeta, até mesmo como mestre-escola. Então, voltava para minhamorada celeste, depositava minhasexperiências num livro, de tal sorte que,por fim, surgiu toda uma biblioteca, queeu deixava atrás de mim cada vez queia morar algum tempo sobre a terra. Sãomarcas dolorosas as lembranças terres-tres de minha vida no tempo de Felipeda Macedônia (359-336 a.C.), sob o rei-nado de quem me encarnei, segundo sediz, com o nome de Nicômaco.”

UM INSTRUMENTO QUE COLABORA

COM A DIVINDADE NA CRIAÇÃO

“A alma é como uma forma no inte-rior de outra, como uma forma inte-

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Prisioneiro doabraço de ferrodo tempo.Foto Pentagrama

rior numa forma exterior. Tal como é,ela molda a forma exterior e seusmembros. As formas interiores e exte-riores são um todo. Logo, o corpo estána alma, a alma no espírito e o espíritoem Deus.” O homem – em particulara mônada, que é sua essência – é umaparte vivente no vir a ser cósmico. Asmônadas cooperam com a criação(Goethe). A mônada que busca a har-monia com o absoluto abandona ocircuito fechado dos nascimentos.Depois de ter feito desaparecer todosos opostos, a mônada é um instru-mento que colabora com a divindadena criação.

O homem tem a tarefa de se purifi-car para se reunir com a unidade, pararetornar à unidade. Segundo Bruno, aorientação interior é o único caminhopara adquirirmos uma visão daCriação. Somente quando uma enti-dade se torna um Ser de Luz é que elapode, como em um clarão, perceber aLuz divina sem ficar cega.

“O UNIVERSO É INFINITO”

Giordano Bruno demonstra a liga-ção que existe entre macrocosmo emicrocosmo, e o dever que dissoresulta para o homem. O despertarespiritual, do qual ele é o impulsiona-dor com muitos outros, e que só foichamado de Renascimento no séculoXIX, também acarretou muitas desco-bertas científicas. Mas, com o passardo tempo, ciência e filosofia seguiramcaminhos separados, e um profundoabismo as dividiu. No entanto, desdeEinstein, muitos cientistas modernosestão à procura do que está subjacenteem suas próprias descobertas.

Giordano Bruno lhes mostrou odenominador comum e aí deixou suavida. Assim como ele descobriu que o

sol ocupava o centro do sistema solare não a terra, o homem pode agoradescobrir que carrega no coração umprincípio solar espiritual, e que esseprincípio constitui o verdadeiro cen-tro do microcosmo. Se ele ceder opoder a esse núcleo espiritual em suavida, a alma original reencontrará acapacidade de se desenvolver e de seunir à alma do mundo.

Esse caminho - é evidente - é o fun-damento sobre o qual a ciência e oconhecimento espiritual podem sereencontrar. Aí se experimenta algodo absoluto, e vê-se como a matériacristalizada está afastada disso. A par-tir dessa compreensão, Bruno consi-dera o mundo um organismo vivente.Sem experimentações nem luneta, elepercebeu que a trajetória dos planetasé uma elipse, e que sua velocidade derevolução dependia de sua distânciado sol. A partir daí ele indicou quepor detrás de Saturno haviam de exis-

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tir outros planetas. Realmente: Uranofoi descoberto em 1781, Netuno em1846 e Plutão em 1930. E a trajetóriado décimo planeta só foi calculada nosanos 80s.

O COSMOS, UMA MECÂNICA

SEM VIDA?

Depois de Francis Bacon, as ciên-cias perderam a ligação com seu fundoespiritual. A abordagem matemáticaabstrata delas fez do cosmos umamecânica sem vida. Mas aos poucostambém ocorreram descobertas queindicam que a vida pode habitar ou-tros corpos celestes. As observaçõesfeitas pelo telescópio de Hubble re-cuaram as fronteiras do universo aoinfinito. Surgem novas teorias sobreseu nascimento e procura-se uma sín-tese espiritual.

Giordano Bruno descreveu sua per-sonalidade como “um joguete do desti-no, frágil na forma, uma extrema misé-ria, que não teve a graça de ter uma boaestrela, e foi alvo de um ódio grosseiro.”Mas ele sabia que, dentro dele, haviadespertado o ser solar. Por isso decla-rou, por ocasião de sua permanência emLondres: “Quem ainda se preocupacom seu corpo simplesmente não podeme fazer crer que um dia tenha se unidoa Deus. O homem verdadeiramentesábio e virtuoso é tão perfeitamentefeliz que nem nota mais a dor.”

“O FULGOR DE SUA FOGUEIRA

FOI A AURORA DO MODERNO

PENSAMENTO EUROPEU”

Por mais que ele soubesse do gran-

de risco que corria, em 1592 retornoupara a Itália, bastião da inquisição.Convencido da imortalidade de seuser mais profundo e de sua segurançano único, pôde enfim declarar, apóssete anos de cativeiro, de interrogató-rios e de torturas, com a cabeça ergui-da, que não se retrataria.

O décimo primeiro livro do Cor-pus Hermeticum, que ele tanto amava,descreve assim o princípio que o ani-mava: “Desenvolve-te para alcançaruma grandeza sem medida. Eleva-teacima de todos os corpos, transcende otempo, torna-te eternidade. Então,compreenderás Deus. Compenetra-teda idéia de que nada é impossível.Considera-te imortal e em condiçõesde compreender tudo: as artes, as ciên-cias, a natureza de tudo o que vive. Sêmais alto do que todas as alturas, emais profundo do que todas as profun-dezas... Então compreenderás Deus.”

No ano em que Giordano Brunofoi queimado vivo, Jacob Boehmealcançava a inteligência espiritual. EmAurora ou Aurora Nascente, ele dizque o fogo divino teve ainda o cuida-do de fazer surgir um novo archote.Hoje, quase quatro séculos mais tarde,o archote brilha de novo, como umfarol na noite escura. A aurora dorenascimento interior surgiu e o Es-pírito de Deus busca aqueles que Obuscam.

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As citações foram extraídas de diversos trabalhos de Giordano Bruno, Jan vanRijckenborgh, Jacob Boehme, Francis Yates e Gerhard Wehr.

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Uma visita ao palácio de Minos emKnossos, Creta, revela a extensão ea variedade de vestígios de um pas-sado ainda mal conhecido. Segun-do alguns arqueólogos, o palácio éo célebre labirinto. Dédalo, o arqui-teto mítico do rei, mandou construircerca de 1400 cômodos ao redor deum pátio central luminoso. É umimenso complexo de construçõescompostas de alguns andares, o querealmente faz pensar num labirin-to. (ver Pentagrama n.5 de 1997sobre os labirintos) A sala do tronoe os apartamentos que restamrefletem apenas levemente a gran-deza da construção inicial.

pós um exame profundo, o visitan-te não deixa de ter a impressão de queali, sem dúvida, houve um templo ini-ciático, e que Minos era o nome dosmais altos iniciados. O período degrande espiritualidade que viu surgi-rem essas construções durou mais oumenos até cerca de 1450 a.C. Emseguida, um maremoto aniquilou acivilização cretense. Por isso, as cons-truções e objetos que restam são enig-mas difíceis de serem resolvidos pelosespecialistas, principalmente em con-seqüência da abordagem científica,totalmente exterior, desse verdadeiroquebra-cabeça. O pano de fundo, espi-ritual no caso, fica fora de cogitaçãopara facilitar, e porque é um dadoindemonstrável. No entanto, o mito“Europa” pode auxiliar nossa com-preensão. A Europa de nossos dias

parece estar ligada ao nosso estudo epode nos dar um ponto de apoio. Sealguém contemplar a Europa, hoje,perguntar-se-á, sem dúvida, qual é suamissão no mundo e o que se esperadela.

EUROPA SIGNIFICA “ENTARDECER”

A mitologia grega dá uma nítidaimagem das qualidades de que eradotada a encantadora Europa, filha dorei da Fenícia. Segundo as narrativas,ela vivia numa região situada entre a

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Sob esse ponto de vista, podemos con-siderar Poseidon como o criador davida (a água) que guia a humanidade(Minos) rumo a uma nova evolução.Para esse fim, o touro (animal doperíodo precedente) deve ser sacrificado a Zeus (representante dessacivilização) para que a nova evoluçãocomece. Minos recebe bem esseimpulso, mas ele o faz servir a seuspoderes terrestres. Torna-se rei, mascomo reagiu incorretamente ao domda divindade, funda sua própria civilização na matéria. O touro sereproduziu (é a época colocada sob osigno zodiacal de Touro, que exercesua influência e faz nascer sua própriacivilização) e disso surgiu um sermetade homem, metade animal: umser cujo subconsciente permanece naépoca de Touro e cuja cabeça e coração estão dirigidos para um novodesenvolvimento.

A

“A Europa está grávida e dará à luz uma

poderosa criança” (Fama Fraternitatis)

O mito de Europa como símbolo da missão espiritual

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Mesopotâmia e o Egito. Na línguasemítica, Europa significa “entarde-cer”, talvez por isso a Europa é desig-nada também como o Ocidente, opaís do poente. Enquanto a belaEuropa brincava na praia com suascompanheiras, surgiu Zeus, o deussupremo, soberano do Olimpo, quehavia tomado a aparência de umtouro de uma brancura deslumbrante.Deitou-se aos pés de Europa, e ela foia única que teve a coragem de orná-locom flores, o que fez nascer entre elesuma atmosfera de confiança. Apósalgum tempo, Europa montou sobreo lombo do touro e este atravessou omar e a levou para a ilha de Creta. Omito relata que foi mesmo um rapto.Em Creta, o touro mostrou quem eleera. Transformou-se em águia etomou Europa por esposa. Dessa

ligação nasceram três filhos, dos quaisum foi Minos. No decorrer da lutapelo poder em Creta, Poseidon, deusdo mar, ofereceu um magnífico touroa Minos. Seria Zeus sob a forma deum touro?

FUNDAÇÃO DE UMA CIVILIZAÇÃO

AMBÍGUA

Minos tinha que sacrificar essetouro a Poseidon, para mostrar queassim estava recebendo seus direitossobre Creta. Mas ele achou esse ani-mal tão maravilhoso, que quis guardá-lo para si. Ele o colocou no seu reba-nho, negligenciando assim a vontadede Poseidon. A história diz que Minostraiu Poseidon, tornou-se rei de Cretae fundou a civilização dita minóica.Então, o touro ficou vivo e engendrouum horrível monstro com cabeça detouro e corpo de homem: o Mino-tauro, que habitava no labirinto e ins-pirava grande terror.

O rei Minos aumentou seu poderaté o continente e submeteu Atenas.Obrigou os atenienses a entregar,todos os anos, sete virgens e sete jo-vens para apaziguar a fome insaciáveldo Minotauro. Eles só foram libertosquando Teseu, com o auxílio de Aria-dne, a filha de Minos, penetrou nolabirinto e matou o Minotauro. Gra-ças ao fio de Ariadne, Teseu encon-trou não somente seu caminho até oMinotauro, mas também o caminhoda saída do labirinto.

Esse mito dá uma imagem profundae grandiosa do caminho aberto para aEuropa. Cada civilização é fundadasobre a precedente, assim como asondas do mar saem umas das outras. Éuma lei: a semente de uma culturaengendra a seguinte. Nesse mito, Eu-ropa é a semente da antiga cultura e amãe da seguinte. Suas grandes quali-

Um panfletoholandês chamapara a união daEuropa, 1948.

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dades devem ser fecundadas para sedesenvolverem. O touro a dirige paraseu novo sol alimentador; a águiafecunda suas particularidades e as fazcrescer.

MOVIMENTO DA HERANÇA ESPIRITUAL

DO LESTE PARA O OESTE

A história mostra que as ondas cul-turais se dirigem do Leste para oOeste, dos países do sol nascente paraos países do sol poente. A herançaespiritual do Oriente chega aoOcidente - a Europa - por Creta, paraaí florescer sob nova forma. Europa éa filha do Rei da Fenícia. Pela lenda, afênix, para os árabes, é o pássaro querenasce de suas cinzas. Dito de outraforma, ele não se cristaliza nem morre,mas se regenera no fogo eterno, assimcomo o Fogo do Espírito divino criauma renovação eterna.

Se a história do Ocidente tivesseseguido a linha de uma contínua reno-vação interior, ela seria completamen-te diferente. O século que acabamosde deixar conheceu duas guerras mun-diais, em conseqüência das tentativasefetuadas para dar à humanidade asegurança no plano material, o planohorizontal. E nos séculos precedentes,milhões de homens foram sacrificadosem nome daqueles que, pretensamen-te, detinham a “verdade”: pela Inqui-sição, tribunal da Igreja, encarniçadacontra os hereges; pelas guerras reli-giosas: uma guerra que durou trintaanos, uma outra, oitenta anos; semcontar os imensos expurgos dos regi-mes soviético e chinês, o sacrifício deum número incalculável de cidadãosrussos, nem treinados nem bem arma-dos, para conter o avanço dos buldô-zers alemães; as guerras civis da Áfri-ca; o tráfico de escravos; os massacresnos Bálcãs e no Cáucaso; os campos

de concentração na África do Sul, naAlemanha, na Polônia, na Sibéria; semesquecer a manutenção artificial da

Agora que a famosa “doença da vacalouca” se expande progressivamentepela Europa, é interessante ler o quedisse Rudolf Steiner, fundador daAntroposofia, numa alocução de1923 intitulada Quando um boicomeça a comer carne: “A cada seteanos mais ou menos, as células donosso corpo se renovam. O mesmoacontece com os animais. Um animal estritamente vegetarianocomo o boi, ou a vaca, forma suasnovas células a partir da matériavegetal. Portanto esses animais têm a capacidade de elaborar a carne apartir das plantas. No estágio da tecnologia atual, essa transformaçãoé impossível. Podeis cozinhar a couvepelo tempo que quiserdes, isso nãovirará carne! Suponde que uma vacase decida a comer carne: ela vaientão se saturar de todo tipo dematérias nocivas, como o ácido úricoe a uréia. Essas substâncias têm umaação muito singular: influenciamdiretamente o sistema nervoso e o cérebro. O resultado disso é queuma vaca que comer carne (os bovídeos são hoje alimentados comos resíduos provenientes dos abates)vai secretar quantidades de uréia que vão penetrar no cérebro e a tornarão louca”. Os animais alimentados contra a sua naturezasão de fato maltratados, torturados,e condenados. Eles se viram, pode-mos dizer, contra seus atacantes. É o máximo do suportável. Ao invés de guiarem e sustentaremtodas as criaturas, os homens seentregam a crueldades sem sentido, eagora é preciso pagar o preço, pelomenos em parte!

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pobreza material e espiritual, e os mi-lhões de animais que a humanidadearrasta na sua queda: como vítimas delutas ou sacrificados para servir de ali-mento, ou nas experiências científicasou na fabricação de medicamentos. Eesta lista certamente ainda é incom-pleta, pois quem sabe o que se passoulonge dos olhos e dos ouvidos da mí-dia? O Minotauro é sempre tão insa-ciável! Enquanto a humanidade forgovernada pelo Touro – símbolo deuma época já concluída – e enquantosubmeter a ele sua cabeça e seu cora-ção, o Minotauro continuará a exigirvítimas. E ele não se contenta com amorte dos corpos, mas também queras almas, que ele viola, mutila e sacri-fica.

“A EUROPA ESTÁ GRÁVIDA...”

A mitologia grega também citaTeseu, o herói que conseguiu matar oMinotauro. No passado, foram feitasmuitas tentativas de salvação comoessa. Assim, os Rosacruzes do séculoXVII esforçaram-se para dirigir os

eruditos da época para uma nova dire-ção, uma direção libertadora. Jus-tamente antes da Guerra dos TrintaAnos, eles publicaram seu testemunhoanunciando um novo período: “AEuropa está grávida e dará à luz umapoderosa criança.”

O que isso quer dizer? Que algumacoisa totalmente nova iria nascer:fruto do passado, um novo impulsodeveria elevar a humanidade, impe-dindo-a de descer mais baixo. Trata-seda força de Teseu: a força do heróique, guiado pela alma – o fio deAriadne – penetra até o mais profun-do do labirinto para salvar a humani-dade de seu estado dialético. Emnosso tempo foi alcançado o pontomais baixo da degenerescência dahumanidade. Muitos têm consciênciadisso, apesar de sua expectativa estarvoltada principalmente para asmudanças exteriores. A Europa unidaevoca uma unidade política. Mas osRosacruzes do século XVII fundaramo novo mundo não sobre uma unida-de política, mas sobre o renascimento,o reaparecimento, a reconstituição doHomem-deus original em cada serhumano. Os construtores desse novotempo devem dispor de um fio condu-tor puramente espiritual para tirar omundo do caos.

No decorrer dos séculos, muitoscontribuíram com suas forças paraseguir esse fio de Ariadne. A maioriadeles é desconhecida da massa: elesnão tiveram sequer o direito a umaestátua! Eles trabalharam nos bastido-res, muitas vezes em condições difí-ceis, para preparar essa unidade euro-péia muito particular. Somos testemu-nhas, atualmente, do despedaçamentodos obstáculos que impedem a vindado Novo Tempo. E a Alma original,concebida por Deus, acabará por falar,e libertará o caminho diante de todosaqueles que desejam escapar do caosdo mundo material.

Caricatura italiana dos movimentosrevolucionárioseuropeus de1848.

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DESMORONAMENTO DO PODER

DO HOMEM-ANIMAL

Trata-se de um trabalho espiritual.Com essa finalidade, o impulso crísti-co desce até o coração dos sereshumanos, como Teseu no labirinto, edando-lhe a força para romper opoder do homem-animal em cada um,ela faz ressuscitar o homem superior eo tira de sua prisão. Aquele que estáconsciente dessas mudanças, e a elas seentrega com toda humildade, alcança arenovação interior. Mas ele não deveguardar esse impulso para aplicá-lo noplano material, como Minos. É preci-so oferecer-se inteiramente à transfor-mação de seus semelhantes, paramudar o mundo exterior e liberarnovas possibilidades. A lei diz: “Oque está no exterior é como o que está

no interior; e o que está embaixo écomo o que está em cima.” É precisocomeçar construindo a morada espiri-tual da unidade na Europa – moradaespiritual construída e sustentada pelaGnosis. Tal é a maravilhosa tarefa quea Europa deve cumprir no início doterceiro milênio. Tudo receber, tudodar e, com isso, tudo renovar.

A princesa fenícia Europalevada por Zeussob a forma de um touro (ValentinSerov, 1865-1911)TretyakovMuseum, Moscou.

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A juventude de hoje é herdeira demuitas civilizações desaparecidas.Para aqueles que procuram resol-ver o problema da condição huma-na, esse legado cultural representaum grande estorvo. Entretanto,isto pode esclarecê-los sobre o por-quê de seu modo de pensar, de sen-tir e de agir. Um professor respon-de com circunspecção às perguntasde um aluno um tanto revoltado.Ele fala em nome de uma cultura àqual ele se agarra; o aluno expressasuas dúvidas, pois em sua vidaquotidiana, essa herança tem pou-co valor para ele, ou até mesmo ne-nhum, e menos ainda tendo em vis-ta a eternidade.

luno: Logo farei vinte anos equero tomar as rédeas de minha vida.Que direção devo escolher? Minhasexperiências, em família ou na escola,não me permitem encontrar um senti-do para minha vida. Meu amigo Alexmorreu, no ano passado, num aci-dente. “Então era isso a sua vida?” meperguntei, diante de seu túmulo. Ouserá que ele vai receber uma nova vidacomo sinal do Todo-Poderoso, comoa Igreja nos ensina?

Professor: Você tem razão em dizerque a Igreja, que honra o Cristo comoseu Deus, ornou com regras o cami-nho que leva até ele, nas quais os cren-tes devem se manter, se desejaremalcançar a felicidade eterna.

Aluno: Eu segui esse caminho deboa fé, mas nunca encontrei nele nada

de divino. Eu deveria crer, mas tinhadúvidas, como quando Alex morreu,de nunca poder encontrar a verdade.Tenho amigos que procuram a felici-dade nas “techno-parties” ou nas “lo-ve-parades”, o que os auxilia a enfren-tar a solidão. Eles dizem que, duranteessas festas, eles se sentem libertos deseu corpo. Será esse o caminho atualpara ir até Deus?

Professor: Não, é um erro. O serhumano não pode apoderar-se inte-riormente do Espírito divino. Ele nãotem o poder para isso. Todavia, podeocorrer que ele seja levado a um esta-do de supervalorização de si mesmo

Religião cristã ou religião de Cristo?

Gotthold Ephraïm Lessing erafilho de pastor. Nasceu em 19 de janeiro de 1729, em Kamenz, na Saxônia. Após seus estudos deteologia e de filologia, ele ganhousua vida como escritor, bibliotecá-rio e dramaturgo. Uma de suaspeças, “Emília Galotti”, é ummanifesto sobre a liberdade e adignidade humana. “Nathan oSábio” desenvolve o tema do autoconhecimento e o do caminhoda libertação. Lessing era membroda loja dos franco-maçons “As três Rosas”, de Hamburgo.Ficou conhecido como um livre pesquisador da verdade. Recusoufunções que lhe teriam dado certaprojeção, como uma cadeira deProfessor em Koenigsberg. Poisesse posto o obrigaria, a cada ano, a pronunciar um discurso de louvorao rei. “O que me importa é apenasviver – na riqueza ou não.”

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pela imagem que os outros lhe devol-vem. Isso acontece freqüentementesob a influência de uma espécie deentorpecimento obtido por diversosmeios, e do qual ele se torna rapida-mente dependente: via sem saída queleva à destruição da pessoa. Você temrazão em não seguir esse caminho,mas em preferir procurar a verdadeque será a realidade para você. Asindicações para seu caminho jazemtalvez como um tesouro escondidosob as ruínas da nossa cultura: elas sãoa herança potencial do verdadeirocristianismo. Um filósofo do séculoXVIII, Lessing, fala a esse respeito da“religião do Cristo”.

Aluno: Sim, o Cristo, a gente co-nhece...

Professor: Realmente, mas Lessingfaz a distinção entre a religião cristã ea religião do Cristo. Ele compara areligião cristã a uma armação cons-truída pelos homens em volta do edi-fício divino. A religião do Cristo serevela a partir do momento em que aarmação desaba e deixa aparecer overdadeiro edifício. É nesse ponto que

nos encontramos hoje em dia. O edi-fício divino se despoja de seus enfei-tes, e podemos contemplá-lo, porpouco que estejamos em estado defazê-lo. O reino divino irradia, intac-to, com todo o seu esplendor. Masquem tem a capacidade de vê-lo?Quem tem olhos para ver?

Aluno: Mas como fazer para discer-nir o verdadeiro do falso?

Professor: Reconhecemos os ho-mens pelos seus atos! Se eles aspiras-sem verdadeiramente ao amor e à jus-tiça de Deus, eles já teriam mudadotanto, que nem teriam mais necessida-de de lutar.

Aluno: Pois bem, mas ainda nãoatingimos esse ponto! Faz dois milanos que se prega o amor ao próximo,e continuamos a nos matar uns aosoutros. Nós estamos em plena violên-cia, programados para atacar e des-truir. O progresso da tecnologia e aprosperidade não mudam nada quan-to a isto. Nem as belas frases doshumanistas do gênero de Lessing.Para que serve falar do bem e do belo,se os resultados são um desastre?

“Sem a verdade soisos perdedores”.Grafite no muro do porto de Lagos,Portugal. FotoPentagrama.

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Acaso o socialismo estabeleceu oparaíso sobre a terra? Tudo isso nãopassa de mentiras! Temos a impressãode que nos colocaram algemas invisí-veis.

Professor: É isso mesmo! O serhumano está preso. Vemos isso muitobem na história do doutor Fausto(Pentagrama n.3, 2000). Aos 16 anos,Lessing ficou gravemente doente, eprocurou desesperadamente umasaída. Em seu poema A Religião, eleexprime seu dilaceramento: ele é pri-sioneiro do pecado e suspira pela Luz:

“Tu,Somente Tu estás em mim,O único ser puroO único,Que não está a serviço do pecado”.E ele se pergunta:“Um Deus pode depositar numa almaUm desejo tão ardenteE a tortura de uma tal impotência?Um Deus onipotente e sábio!ó homem, criatura lastimável!E entretanto,Isso que ele criou,O mundo e tu,É bom? ”

Lessing vê o homem rodeado dedemônios. No plano físico, eles o inci-tam ao prazer, o que inclina seus pen-samentos e seu comportamento à pre-guiça. No plano mental, eles o impul-sionam a construir torres de marfim,as modernas Torres de Babel das uni-versidades. E eles sempre o seduzemcom a idéia de liberdade, que elejamais alcança...

Aluno: Exatamente! Esse é tambémo meu problema. Quero fazer o bem,mas não consigo. Quando queroseguir meus sentimentos e procurofazer o bem, eu geralmente cometoum erro. Se eu tento fazê-lo com omeu intelecto, então deixo-me rapida-mente levar por tagarelices eruditas.No final, minha sede pela verdadevolta à tona, mas...

Professor: ... esse é o sinal que Deus

depositou em nós. Lessing o denomi-na de “verdade interior”, a voz que fa-la interiormente no coração. Em Na-than, o sábio, Lessing conta: “Quan-do, há dezoito anos, a mulher deNathan e seus sete filhos foram selva-gemente assassinados pelos cristãos, eleficou três dias e três noites chorando,sobre a cinza e a poeira, revoltado con-tra Deus, amaldiçoando o mundo ejurando um ódio implacável aos cris-tãos. Então, ele ouviu, no íntimo deseu ser, uma voz doce: “E contudo,Deus existe! Portanto, essa era sua sen-tença! Anda, vai, executa o que com-preendeste há muito tempo, pois não émais difícil fazer do que compreender,por pouco que o desejes. Anda, de pé!”Ele se levanta e clama a Deus: “Sim,eu o quero! Tudo o que eu quero équerer!” Nesse momento aparece ummonge carregando em seus braços umrecém-nascido cristão. Ele o confia aNathan para criá-lo. Nathan pega acriança, deposita-a em seu leito, e caide joelhos, soluçando: «Ó meu Deus,após os sete, eis aqui um de novo!»”Foi assim que a voz interior o auxilioua triunfar de seu ódio. Em seguida, elerenunciou a exercer sua própria von-tade e fez a experiência do “morrerpara vir a ser”, de que Paulo fala.Mediante sua ligação com Deus, eleadquiriu a certeza interior. E, assim, aliberdade interior.

Aluno: Será que Lessing realmenteexperimentou isto, ou ele só o escre-veu?

Professor: Não, ele realmente oviveu. Ele foi o primeiro escritor quenão recebeu o sustento de um mece-nas, e só se casou na idade de quaren-ta e oito anos. Um ano mais tarde eleteve um filho, que perdeu ao fim devinte e quatro horas. Lessing escreveuao seu irmão: “Minha alegria teve cur-ta duração! Ah! Sinto tanta dor por terperdido esse filho. Pois ele era tão inte-ligente! Tão inteligente! Você acredi-taria que essas poucas horas de pater-nidade me tornaram orgulhoso comoum macaco? Eu sei o que estou dizen-

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do. Não será uma questão de inteli-gência, que ele tenha visto imediata-mente o perigo, quando quiserampuxá-lo com o fórceps? Não será umaquestão de inteligência que ele tenhase safado na primeira oportunidade? Eeste tolinho está arrastando a sua mãecom ele! Há pouca esperança de salvá-la. E eu que queria ser feliz como todomundo! Foi a infelicidade que mecoube.” Dez dias mais tarde: “Minhamulher faleceu; eu sofri isso também.Estou contente por não ter mais a pers-pectiva de experiência semelhante,sinto-me aliviado.”

Aluno: Foi um destino muito duro.Mas apesar de seu desgosto, ele falacomo alguém que se observa, e dá tes-temunho de uma profunda fé emDeus.

Professor: ...e da imitação de Cristoem sua vida quotidiana. “Ninguém écristão se não perseverar até o fim. Poissó o que nos acontece, a exemplo deCristo, nos dá a oportunidade de mos-trar que somos cristãos”. Com Cristo,ele carrega sua cruz e entrega ocomando de sua vida à sua voz inte-rior. Ele não se revolta contra suasorte. Ele a aceita, purificado de todoegoísmo e, como João no deserto, pre-para-se para o batismo de fogo doCristo ressuscitado.

Aluno: O que eu conheço sobre areligião cristã é bem diferente. Todomembro da Igreja tem seu lugargarantido no céu. Ele nem sequer per-corre o duro caminho da cruz!”

Professor: Quando tinha quase a suaidade, Lessing escreveu: “Sempre ouvios cristãos dizerem que é preciso amarseus inimigos, mas eles não fazemnada disso, e eu duvido que eles sejamverdadeiros cristãos”. Quando pensa-mos na fonte do cristianismo, as reli-giões cristãs atuais certamente nãopodem se atribuir esse nome. A maiorparte dos crentes usa a via fácil dodogma para ganhar o céu. O amor a simesmo os ocupa tanto, que seu Deuspersonificado não pode viver sem quelhe seja feita uma oferenda de manhã e

de noite. Esse amor a si mesmo, tãopouco cristão, os arrasta para o maucaminho, pois o verdadeiro Amorconduz a um dever para com toda ahumanidade. João pregou essa doutri-na no seu “Evangelho do Espírito”. Ébem diferente do “Evangelho dacarne” que tantas pessoas observam.Trata-se aqui da ligação do coraçãocom a Força crística universal, queimpulsiona os seres humanos a retor-nar à Casa do Pai.

Não esqueça que Lessing vivia numtempo em que as campanhas difama-tórias eram fatos comuns. Ele publi-cou um certo número de ensaios paradar o verdadeiro valor aos elementoslibertadores do verdadeiro cristianis-mo. O resultado foi uma proibição depublicá-los, sob pena de morte. Elevoltou-se para o teatro para tentarfalar, por meio de “Nathan, o sábio”,com os pesquisadores contemporâ-neos. Três anos mais tarde, em seuleito de morte, ele relembra sua vida:ele não fez carreira! Está tão pobreque será enterrado às custas do prínci-pe. Pois além de seus inúmeros escri-tos, resta a lembrança de um livre pes-quisador da verdade, de um homemque, apesar de suas provações, teve acoragem de ir até o fim em suas con-vicções, sem jamais se desviar. “Oespírito do pesquisador não pode irra-diar a Verdade a não ser do íntimo desi mesmo.”

Aluno: Juntar os atos à palavra...então os fanáticos de “tecno” fazemisto com mais facilidade...

Professor: Como assim?Aluno: Assim: eles fazem tudo co-

mo se estivessem se libertando de suaprisão. Para eles, Cristo não existe:nem há força alguma universal quepossa ser chamada de Cristo. E podeser que nem valha a pena... pois elesnem consideram o mal como mal eaceitam sua infelicidade.

Professor: ...nisso se reconhece aassinatura de Mephisto pois, de fato,não é o homem que se apodera doEspírito, é o Espírito divino que vai ao

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encontro do homem.Aluno: Se considerarmos o bem,

podemos facilmente ir parar na pistaerrada se não conhecermos a históriado passado. Esse Lessing também erahistoriador, não? Então ele não deve-ria saber porque sempre havemos deter problemas?

Professor: Penso que sim. Ele co-nhecia o grego e o hebraico. Portanto,ele pôde estudar o hermetismo, deonde ele deduziu que o homem deviapossuir em sua alma um princípiodivino imortal. “O hermetismo é cer-tamente o mais antigo de todos os sis-temas filosóficos. Ele é bem anterior aoplatonismo e ao pitagorismo e englobatudo o que os sábios do Oriente ensi-naram”. Em Nathan, o sábio, a pará-bola do anel revela como a força daalma se perde e pode ser reencontrada.

Aluno: Conte-me essa história.Professor: Claro! Durante a terceira

cruzada (1189-1192), o sultão Saladi-no mandou procurar Nathan para jul-gar sua sabedoria. Saladino lhe per-guntou qual religião era a boa: a doscristãos, a dos maometanos ou a dosjudeus? Como resposta, Nathan lhecontou a parábola do anel: um homempossuía um anel de muito valor comuma opala engastada. Desejando legá-la a seus descendentes, designou seufilho bem amado como herdeiro. Como passar do tempo, o anel chegou àsmãos de um homem que tinha trêsfilhos, aos quais amava igualmente.Para não lesar nenhum deles, ele man-dou fazer dois outros anéis, idênticosao original. Após a morte do pai, cadaum dos filhos pensou ser o único her-deiro. Eles não conseguiram entãoentrar em acordo e levaram o proble-ma diante do juiz, que lhes aconselhoua provar, pela retidão de seus atos,quem seria o legítimo herdeiro.

A opala é o símbolo da ligação coma fonte da vida original. Um dia, essaligação foi rompida, e o homemseguiu seu próprio caminho, no qualapareceram as três religiões em ques-tão, que jamais cessaram de se indis-

por umas com as outras. O homemparodiou o amor universal porque elenão compreendia mais o amor deDeus. Ele forjou um semblante deamor, que, na maior parte do tempo,só provocou mais mal ainda. O fatodas três religiões – os três filhos – seoporem mostra que elas não possuemmais a força espiritual original. Elasescondem seu vazio interior sob ofalso brilho exterior. É isso que fazcom que Lessing diga que todas asreligiões são, ao mesmo tempo, verda-deiras e falsas; pois a letra não é o espí-rito.

O juiz deu aos três irmãos o seguin-te conselho: “Aceitai a situação pre-sente. Cada um de vós acredita possuiro anel autêntico... Portanto, agi deacordo com isso! Dai provas de umamor imparcial, esforçai-vos por fazersurgir a força da pedra preciosa. PossaDeus conceder-vos essa força em razãode vossa bondade, de vossa tolerância,de vossas boas ações, e de vossa íntimaentrega à Sua pessoa. E, se essa força semanifestar em vossa descendência,então, mesmo após milhares de anos, averdade aparecerá à luz do dia!”.

Assim, devemos mostrar se recebe-mos e compreendemos o amor deDeus. Aquele que adquire a ilumina-ção interior não prejudica mais o seupróximo, mas o auxilia a alcançar amesma meta.

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“Deus é um mistério, e tudo o quedizemos a respeito d´Ele são so-mente palavras e crendices. Fa-zemos para nós mesmos as nossaspróprias representações e opiniões,e quando eu falo de Deus, tenhoem vista a imagem que os homensfazem dele. Ninguém, em realida-de, a não ser Deus ele mesmo, sabequem Ele é”. (Carl Gustav Jung)

suíço Carl Gustav Jung (1875-1961) é o fundador da psicologia ana-lítica. Para ele, a segunda metade doséculo XX é um tempo no qual “Deusdesapareceu”, um tempo em que“Deus morreu”, onde os seres huma-nos perderam sua pátria original eesqueceram sua verdadeira natureza.Ele escreveu: “Pode acontecer que umcristão creia em todos os santos mas nomais fundo de sua alma ele não mude,porque coloca Deus fora de si mesmo enão O experimenta na alma.”. É pre-ciso reconhecer Deus em sua alma evivenciá-lo. Segundo Jung, é pela psi-cologia que a mensagem de Cristodeveria ser abordada. Ele coloca assima psicologia analítica em oposição àdoutrina cristã corrente, e consideraCristo: o arquétipo da imagem deDeus, o Ser, o ponto central integral eindivisível de todo homem.

O vir a ser de um novo homem éum tema essencial na obra de Jung.Segundo ele, o eu não pode ser nemconfundido nem identificado com oSer. E ele reconhece com pesar: “Eume dou conta continuamente de que seconfunde o processo de individualiza-

ção com o vir a ser consciente do eu.Identifica-se assim o eu com o Ser, deonde advém um desastroso erro decompreensão, porque desse modo aauto-realização torna-se puramenteegocêntrica e narcisista”. Portanto, elefaz claramente uma diferença funda-mental entre dois estados de consciên-cia: o primeiro, sendo o absoluto esta-do de consciência divino daquele emquem se manifestou o Ser; o segundo,o estado bissexual do homem-eu. Nasua época, ele foi o guia daqueles queaspiravam à verdade e a um verdadei-ro comportamento religioso.

É ESSENCIAL UMA COMUNIDADE

DE ALMAS VIVENTES

O ensinamento transfigurísticoatual mostra, de fato, que esse cami-nho pode ser motivo de uma grandeconfusão. Se não sacrificarmos o po-der de nosso eu, o homem divino nãodespertará. A visão analítica de Jungsó leva em conta o estado de consciên-cia global – e não a existência das duasnaturezas, que explica todos os confli-tos da vida. Para ele, o estado de vidadivino é praticamente inacessível por-que o eu, que é inferior, está semprepresente no Ser. Ele diz que o eu éuma ínfima parte do Ser, uma gota deágua no oceano. Porém, no ensina-mento da transfiguração, o Ser divinoestá claramente separado do eu. Oensinamento em questão faz referên-cia a dois níveis de vida – as duas natu-rezas que têm, cada uma, as suas pró-prias leis. Quando o pesquisador des-cobre o caminho entre as duas nature-

O Deus morto e o Novo Homem

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O

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Jung (à direita) eFreud (à esquerda)por ocasião de umCongresso naAmérica, 1909.

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zas e começa a segui-lo, o Ser divinodesperta. O eu deve submeter-se a essenovo desenvolvimento, e deixar-seguiar por ele: assim, ele acaba se dis-solvendo inteiramente. Mas há umacondição – e aí está a diferença entreos dois ensinamentos – deve existiruma comunidade de almas viventesque permita a assimilação das forçascrísticas ativas. O eu é o centro daconsciência humana. Tudo com que oeu não se identifica é consideradocomo o “não-eu”. Portanto, os domí-nios do “não-eu” são bem mais exten-sos do que os domínios do eu. E comoo eu é sempre confrontado com algocom o qual ele não pode se identificar,ele nunca é completo e portantojamais será divino. Ele nunca se tornaigual ao verdadeiro Ser, como Jung opretende. Qual seria, então, a funçãodo eu, segundo Jung?

FASES DA REALIZAÇÃO

Jung estabeleceu que todos os sereshumanos procuram alguma coisa,

como, por exemplo: não ser depen-dentes das condições exteriores. Essatendência interior pode tornar-se umdesejo de aperfeiçoamento do Ser. Domais profundo do Ser interior soa umchamado. Que aquele que tem ouvi-dos para ouvir este chamado o siga!Ele compara a alma humana a umabiblioteca munida de todas as infor-mações. Lá também se encontra o per-gaminho original no qual está escritoque o homem é um filho de Deus. Eeste pode reconhecer seu mestre emseu Ser porque o ensinamento crísticose manifesta nele como conhecimentodireto. É assim que ele tem a capacida-de de libertar-se dos dogmas religio-sos e de praticar a religião vivente. Emseguida, Jung compara a alma humanabissexuada a um laboratório alquími-co, pois os escritos dos alquimistas fo-ram as principais fontes de suas pes-quisas sobre o subconsciente. Osaspectos contrários da psique devemacabar se casando uns com os outros.Finalmente, na parte superior da alma,os últimos aspectos contrários – ofeminino original oposto ao masculi-no original – devem fundir-se um nooutro. E dessa união deve nascer ohomem divino, o Ser andrógino, oPai-Mãe. Portanto, o processo deindividualização de Jung consiste emaprender a conhecer o subconsciente,e em tornar-se consciente do Ser pormeio da psicossíntese.

O DOMÍNIO DO SUBCONSCIENTE

SOBRE O EU

Segundo Jung, o processo de reali-zação do Ser começa pela iniciação àsua própria realidade. O ponto de par-tida está num eu relativamente forte eestável, que oferece muitos aspectosbem adaptados ao mundo exterior.Um eu como esse é capaz de seguir operigoso caminho que atravessa osabismos da alma; e isto, sem ceder às

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tentações. Esse fortalecimento do eu éa primeira fase do caminho que levaao Ser. No decorrer de sua jornada, oeu reencontra suas próprias sombras,constituídas por tudo aquilo queainda não foi vivenciado e ultrapassa-do, por tudo o que ainda não se tor-nou consciente. É a soma de tudo oque caracteriza o indivíduo e queainda não foi reconhecido. Por exem-plo: uma pessoa tem tendências que alevam à inveja, ao ciúme, à cólera, àcrítica, à maledicência, à desonestida-de, ao ódio etc: isso tudo a impede dese desligar do mundo, pois dessaforma ela se acorrenta aos seus seme-lhantes e à humanidade inteira. É sem-pre mais fácil ver o cisco no olho dovizinho do que a trave no seu. Mesmo

quem tem pensamentos negativostambém pode projetar algumasinfluências consideradas positivassobre os outros, mas dessa formamantém sua própria prisão e a dosoutros. Assim, os homens se aprisio-nam mutuamente num caos pavoroso.A falta de conhecimento determinasuas ações, submetidas às forças dosubconsciente.

Se aprendermos a reconhecer essassombras em nós mesmos, é possívelfazê-las se dissiparem, e assim noslibertar um pouco do mundo. Jung fazesta advertência: “Quando entramosem contato com o mal, corremos o riscode nos afundar nele. Portanto, nãodevemos nos deixar levar nem pelomal, nem pelo bem. O pretenso bem

Krishna sob a formade Vishnu. Índia,século XVIII.

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ao qual nos entregamos forma o cará-ter moral. Ele não é mal em si, mas issoacarreta más conseqüências, já quenele caímos. Toda e qualquer forma dequeda provêm do mal, quer sejamosescravos do álcool, das drogas ou deum ideal qualquer. Não devemos maisnos deixar levar pelo jogo dos opostos.”

ASPECTOS MASCULINO E FEMININO

Segundo Jung, a etapa seguinte é oconhecimento consciente das caracte-rísticas psíquicas opostas dos doissexos. Uma lei interior dita que tudo oque não foi vivenciado e ultrapassadopermanece no subconsciente e aí levavida própria. Na psique feminina exis-te o animus, e na psique masculina, aanima. Os dois se manifestam segun-do o estado de consciência, e suascaracterísticas – nem sempre muitolisonjeiras – se projetam no mundodos homens e no das mulheres.Somente o conhecimento conscientepode resolver os problemas que sur-gem desse fato, e pôr fim à luta dos

sexos. É por meio desse conhecimen-to que acabamos por dominar nossasemoções e nossos afetos. O sexooposto perde algo de seu mistério, jáque tomamos consciência dele ao ler-mos nas profundezas de nossa própriapsique. O amor ao próximo só setorna possível desta forma. Então,homem e mulher podem voltar-se umpara o outro sem preconceitos, e tra-balhar em harmonia, corretamente.

O PRINCÍPIO ORIGINAL MATERIAL

E ESPIRITUAL

A partir desse momento, o serhumano está pronto para reconhecer aessência da masculinidade e a da femi-nilidade em suas formas originais.Jung descreve essas duas essênciascomo a essência material (feminina) ea essência espiritual (masculina). Elassão simbolizadas pelos arquétipos da“Grande Mãe” e do “Velho Sábio”. Aprimeira é a alma, a matéria, a vida, amãe; e o segundo é o espírito, a força,a sabedoria, o pai.

Durante esta última fase, o ser hu-mano descobre que é ao mesmotempo espírito e matéria; que o espíri-to também é matéria e que a matériatambém é espírito. Quando a matériada feminilidade original é penetradapelo espírito da masculinidade origi-nal, nasce o Ser. A força de ligação é oamor divino, que se esforça por trazer

O psiquiatra suíço Carl Gustav Jung.

Jung correspondia-se intensamentecom teólogos de toda a parte, comoo dominicano inglês Victor White.Este se tornou em seguida um opositor feroz e tentou desacreditara obra de Jung, que disse compreen-der que White não poderia fazer deoutra maneira, pois estava ligado auma crença dogmática. Entretanto,apreciava tudo o que ele lhe haviatrazido.

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tudo de volta à unidade. Então, o eudescobre seus ancestrais primordiais:o primeiro par de aspectos contráriosque surgiu no mundo após a queda.Deste par descende, neste mundo,tudo o que não provém de Deus.

Entretanto, existe um perigo – omesmo do início dos tempos: o eu cor-re o risco de identificar-se com as ima-gens que se revelaram aos ancestraisprimordiais, e também de intervir, tor-nando-se um obstáculo para o proces-so alquímico da psicossíntese. De fato,as imagens do passado, e as forças queagem através delas, cativam o pesqui-sador que as encontra em sua própriapsique. Elas podem, por exemplo,fazer-se passar por um feiticeiro, umprofeta, um mago, um padre, a Igrejaou a Sophia. Elas têm o poder de ins-pirar em alguém uma grande vaidadeou a loucura das grandezas. Muitospesquisadores tropeçam nessa etapa,

identificando-se, por exemplo, com oVelho Sábio. Para obtermos consciên-cia e discernimento, é preciso nos des-fazermos dessas milhares de imagensarmazenadas na consciência. Pois “épreciso não nos deixarmos induzir aerro pelas forças opostas” disse Jung. E,nesse momento, as forças que agematravés dessas imagens estão à disposi-ção do Ser no caminho da individuali-zação: isto, se ele aprendeu humilde-mente a se distanciar dessas represen-tações. Então, ele está pronto paraencontrar face a face o arquétipo daimagem divina – e vai ao encontro deseu Ser e das forças que nele agem.

O SER, SEGUNDO JUNG

Quando chegamos a esse ponto,reconhecemos a natureza dupla da

A TRANSFORMAÇÃODO CRISTIANISMO...

Para o profano, o pensamento de Jung está na base da psicologiaaplicada. Porém, Jung preferiuesforçar-se em desenvolver umareligião com alguns materiais provenientes de herança alquími-ca, psicológica, folclórica, mitoló-gica e espiritual. Ele misturouesses ingredientes para fazer nascer o Ser e criar o novohomem. Iniciado em um dos maisantigos cultos, ele aí descobriu omistério da vida e da origem dohomem – e daí retirou sua visãodo novo homem. Ele queria salvaro mundo e até mesmo ser o profeta dos novos tempos. Seusamigos católicos ficaram decepcio-nados porque ele afirmou que ocatolicismo era menos ligado ao

cristianismo autêntico do que obudismo, o confucionismo, o taoísmo e outras religiões. Para ele, cada religião contémapenas uma parte da verdade.Para encobrir suas próprias experiências, ele utiliza todo umsistema de metáforas, de símbolose de nomes “científicos”, que sóeram compreendidos por seus alunos iniciados. A respeito de simesmo, Jung dizia que, assimcomo Nietzsche, ele tambémhavia sido submetido a uma fortepressão espiritual: “Em cada eão, existem ao menosalguns indivíduos que compreen-dem a verdadeira missão dohomem. Eles são os guardiões dastradições para as gerações futuras,e para os tempos em que a compreensão geral alcançará maisprofundidade.”

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psique e, tendo penetrado profunda-mente no domínio do subconsciente,aprendemos a nos orientar em seumundo original. Segundo Jung, nessemomento o eu se torna capaz de assi-milar as forças que se elevam do sub-consciente, pois ele já não é prisionei-ro do mundo limitado do eu. Agora,ele deve reconhecer o arquétipo daimagem divina, o Ser, o símbolo dareunificação das forças opostas. O Seré equivalente ao divino. Deus é indivi-sível: Ele é uma totalidade. Por meiodessa imagem, o mundo se manifestaem todos os seus aspectos: o mundotal como ele foi, tal como ele é, e talcomo será, do início ao fim. Daí fala avoz original: “Homem, conhece-te a timesmo, e conhecerás Deus”. Assim ohomem é colocado, com a sua cons-ciência eu, diante da imagem de seuSer verdadeiro. E não é preciso que,de novo, ele se identifique com ela,nem que intervenha, mas apenas quese abandone à força central que falaatravés dela. É assim que ele é “trans-formado”.

Segundo Jung, o ponto de partidadessa transformação é a concentraçãono centro. Em outras palavras: é pre-ciso que nos concentremos no lugaronde as transformações se criam. “Osenhor compreenderá,” escreveu ele

para Victor White, “que a libertação sóse encontra no campo central, no cen-tro do Ser, que tanto está com Deuscomo contra Deus. Está com Ele quan-do determina o Ser. Está contra Elequando o aspecto humano luciferianoexiste fora de Deus.” Como sempre, oser humano continua sendo tentado ase identificar com a imagem do Ser; e,por isso, continua sendo tentado adominar as forças e os mundos. EJung prossegue em sua carta: “Nãoexiste em parte alguma apoio ou con-solação, exceto na submissão ao Ser ena sua aceitação. Podemos dizer tam-bém que é Deus quem sofre na suaprópria criação. Entretanto, quando osofrimento e o tormento se tornammuito grandes, a unidade com o Sernão é atacada e ocasiona uma paz quenão é deste mundo.”

PERGUNTAS SEM RESPOSTAS

O eu é colocado diante do Ser, daimagem de Deus, e transmite a outrosa força que ele recebe dessa imagem.Jung escreveu: “Somos capazes deimaginar partes da psique, mas somosincapazes de imaginar o Ser. Noentanto, a parte deveria nos fazercompreender o todo!” Mais adiante eledisse: “Não temos nenhuma esperançade nos tornarmos conscientes do Ser.Pois apesar da extensão de nossa cons-ciência, resta sempre um aspecto inde-terminado do subconsciente que fazparte do todo. Assim, o Ser continuarásendo sempre uma grandeza de umaordem superior.” Assim, a parte que éo eu jamais poderá alcançar e com-preender o Todo, o divino. Jung clara-mente o reconheceu e disso deu sinais.

Será que a concentração no pontocentral despertará o novo homem, oSer vital divino? Será que o eu morreno Ser, assim como a gota de água seperde no mar? Será que o Ser se uneao eu para se tornar um “eu sou” divi-

C.G.Jung representa o Ser como umamorada. Amesma compara-ção aparecenuma enciclopé-dia hebraica doséculo XVIII.

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no? Jung não deu resposta a essas per-guntas.

Ele foi um precursor em sua épocapara todos aqueles que estavam embusca do verdadeiro homem. Entre-tanto, no caminho que ele descreve,podemos facilmente nos perder emdetalhes insignificantes. Corremos orisco de vaguear pelos meandros daalma, de perder completamente devista o novo homem, e acreditar tam-bém que o eu faz parte integrante donovo homem – o que não é absoluta-mente o caso. Os dois são fundamen-talmente distintos. A consciência doeu se apóia nas percepções dos senti-dos; a consciência do novo homem seforma e se sacia da fonte divina origi-nal. Os dois jamais se encontram.Além disso, é necessário um campopurificado e de alta vibração que per-mita superar tudo o que se encontrano subconsciente. Logo, é indispensá-vel um campo como esse em nossaépoca de superdesenvolvimento dapersonalidade.

LIBERTAÇÃO DO INDIVÍDUO

Somente a união das almas que atin-gem o limite do que ainda é desconhe-cido, levadas pela contínua oferendade amor da fonte da Vida original, écapaz de reduzir a nada os perigos.Portanto, não se trata de indivíduosisolados que, durante um certo perío-do cultural, se libertariam da roda donascimento e da morte. No período dacolheita que agora se anuncia, muitospoderão seguir o caminho – mesmoque isso não pareça possível pelo sis-tema de Jung. Sua dupla consciência, ado eu e a do Ser, será substituída pelaconsciência da Alma que viverá cons-cientemente em Deus e por Ele.

Esse processo, por meio do qual ohomem imortal vem tomar o lugar dohomem mortal, é possível pelo sacrifí-cio consciente do eu. Catharose de

Petri, no livro Transfiguração*, assimfala a respeito: “O importante é fazerviver a Alma e transferir para ela ogoverno e a direção do Ser inteiro, nãoopondo a Ele nenhuma resistêncianessa tarefa.

Portanto, é desse modo que o candi-dato chega ao estado a que Paulo fazalusão quando diz: “Não é mais o eu,mas sim o Cristo quem vive em mim”.Com isso, Paulo não quer dizer que norecôndito do seu ser natural exista umaspecto crístico, mas, ao contrário, quetodo o seu ser se volta, sem restrição, ese concentra na Alma despertada erenascida em seu microcosmo. Nessecaminho, nada da consciência dialéticapode ser conservado”.

O sonhador,gravura emmadeira deGiovanni BattistaNazari, 1599.

(Dados provenientes do The Jung Cult,Origins of a Charismatic Movement e do TheAryan Christ, The secret life of C.G.Jung deRichard Noll; assim como de Carl GustavJung do Dr. Frank McLynn.)

* Catharose de Petri, Transfiguração, p.2,Lectorium Rosicrucianum, São Paulo, Brasil, 1983.

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“A sabedoria divina tem três moradas:

uma morada imaterial, eterna, sim, a própria morada

da eternidade; uma segunda morada, o universo

visível enquanto primogênito; e a última nascida,

a morada da alma humana.”

(“Transcende o tempo, torna-te eternidade”, p.23)