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A Noção de Identidade Étnica - Renato Athias

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Noção de Identidade Étnica

na ntropologia Brasileira

De Roquette Pinto à Roberto Cardoso de Oliveira

Participantes da III Reunião Brasileira de Antropologia, organizada pelo Prof. René Ribeiro e realizadano Recife, em 1958. Fotografia do Acervo particular do Prof. René Ribeiro, gentilmente cedida pelaProfessora Celina Hutzler. Esta fotografia faz parte da Exposição Fotográfica:  Memórias: III ReuniãoBrasileira de Antropologia-Recife, 1958 , exposta em Goiânia junho de 2006, para a comemoração dos 50 anosda ABA, organizada pelos professores Renato Athias, Antônio Motta, Russell Parry Scott, e CelinaHutzler, atualmente exposta no Hall do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UniversidadeFederal de Pernambuco.

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Renato Athias

Noção de Identidade Étnica

Na ntropologia Brasileira

De Roquette Pinto à Roberto Cardoso de Oliveira

Editora

Universitária UFP E 

Programa de Pós-Graduação em AntropologiaUniversidade Federal de Pernambuco

2007

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO Reitor: Prof. Amaro Henrique Pessoa LinsVice-Reitor: Prof. Gilson Edmar Gonçalves e SilvaDiretora da Editora: Profª Gilda Maria Lins de Araujo

COMISSÃO EDITORIALPresidente: Profª Gilda Maria Lins de AraujoTitulares: Anco Márcio Tenório Vieira, Aurélio Agostinho da Boaviagem, Carlos Alberto Cunha Miranda,Cláudio Cuevas, José Augusto Cabral de Barros, José Dias dos Santos, Gilda Lisboa Guimarães, JairoSimião Dornelas, José Zanon de Oliveira Passavante, Leonor Costa Maia.Suplentes:  Izaltina Azevedo Gomes de Mello, Aldemar Araújo Santos, Anamaria Campos Torres,Christine Paulette Yves Rufino Dabat, Elba Lúcia Cavalcanti de Amorim, Gorki Mariano, José Policarpo

 Júnior, Patrícia Cabral de Azevedo Restelli Tedesco, Rita Maria Zorzenon dos Santos, Vera LúciaMenezes Lima.

EDITORA EXECUTIVAMaria José de Matos Luna

Editora associada à

Associação Brasileira de

Editoras Universitárias  

Athias, RenatoA noção de identidade étnica na Antropologia brasileira : de Roquette Pinto

a Roberto Cardoso de Oliveira / Renato Athias; apresentação Edvânia Torres. – Recife : Ed. Universitária da UFPE, 2207.134 p. : il., tab.

Programa de Pós-Graduação em Antropologia. Universidade Federal dePernambuco.

Acompanha CD-Rom.

Inclui bibliografiaISBN

1. Etnologia –  Identidade étnica, Brasil. 2. Etnia brasileira –  Fusão étnica – Aculturação e transfiguração. I. Torres, Edvânia. II. Título.

397 CDU (2. ed.) UFPE305.8 CDD (22. ed.) BC2007-035

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial, porqualquer meio ou processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos,fotográficos, reprográficos, fonográficos e videográficos. Vedada a memorização e/ou arecuperação total ou parcial em qualquer sistema de processamento de dados e ainclusão de qualquer parte da obra em qualquer programa juscibernético. Essasproibições aplicam-se também às características gráficas da obra e à sua editoração.

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SÉRIE LIVRO-TEXTO

A Série Livro-Texto faz parte do Programa deMelhoria de Ensino da Graduação da UFPE. Em parceriacom a Editora Universitária, oferecemos à sociedade e, emparticular, à comunidade universitária, uma coleção, crite-riosamente elaborada, cujo alvo é o estudante de graduação.Cada obra foi escrita e organizada por um ou maisprofessores da UFPE, que atenderam a uma chamada públicaem forma de Edital, cujos termos expressam os critériosestabelecidos pela comunidade acadêmica para orientar aconfecção de cada livro. Dessa forma, concretizamos mais

um projeto da UFPE, participativa e transparente, reite-rando o nosso compromisso com a democratização destainstituição.

Gostaria de ressaltar que esta iniciativa se alia a outrasações da UFPE, que visam a garantir a qualidade daformação do estudante de graduação, através do apoioaos docentes e à melhoria das condições materiais defuncionamento dos cursos.

Esta Série que ora disponibilizamos à nossa comu-nidade acadêmica, e aos leitores interessados nas questões

colocadas nessas obras, reflete a importância dos temas paraa formação em cada área do conhecimento, cuja importânciafoi apontada e referendada por cada Centro Acadêmico daUFPE, aliando relevância à institucionalização das iniciativasdocentes.

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É, então, com imensa alegria que, juntamente coma Editora da UFPE, disponibilizamos neste momento seistítulos didáticos que compõem esta Série Livro-Texto:A Mesagem e a Imagem, Ermelinda Ferreira - CAC; Saúde dacriança: para entender o normal, Marília Lima, MariaEugênia Motta e Gisélia Alves (Orgs.) - CCS; El Español para

 brasileños: con atractivo agrado y asuntos de interes,

Antonio Torre Medina - CCSA; Organização financiamento egestão escolar para a formação do professor, Alice HappBotler (Org.) - CE; A Noção de identidade étnica naantropologia brasileira, Renato Athias - CFCH; Tecnologiado açúcar, Sebastião Castro e Samara Andrade – CTG.

Outros títulos surgirão, com vistas à ampliação doacervo didático para o estudante de graduação e à criação deoportunidades de publicação para o professor de nossaUniversidade, em mais uma ação de fortalecimento emelhoria da formação acadêmica da UFPE.

Lícia de Souza Leão MaiaPró-reitora para Assuntos Acadêmicos

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 Ao AntropólogoRoberto Cardoso de Oliveira

*1927 - †2006  

In Memoriam

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SUMÁRIO

 APRESENTAÇÃO ............................................................ 11INTRODUÇÃO ................................................................. 15

1. A QUESTÃO DA IDENTIDADE ÉTNICA................ 31

1. O Índio na Consciência Nacional .................................... 32

2. Identidade Étnica e Etnologia Brasileira ......................... 38

3. Principais Teorias - Plano de Leitura .............................. 49 

2. TIPOS ÉTNICOS E FUSÃO DAS RAÇAS ............... 57

1. O Mito das Três Raças .................................................... 58

2. Mestiçagem: a Resposta ................................................... 64 

3. ACULTURAÇÃO E TRANSFIGURAÇÃO

ÉTNICA .......................................................................... 71

1. Tipologia dos Estudos sobre a Aculturação ..................... 752. Herbert Baldus e a Mudança Cultural ............................ 83

3. Eduardo Galvão e a Aculturação ..................................... 87

4. Darcy Ribeiro e a Transfiguração Étnica ........................ 95 

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4. IDENTIDADE ÉTNICA: PERSPECTIVAS ESTRU-TURALISTAS ............................................................... 107

1. O Contato como Ficção Interétnica ................................. 109

2. Frentes de Expansão e Colonialismo Interno .................. 113

3. A Identidade Étnica e Ideologia ...................................... 116

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS.............................. 126 

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APRESENTAÇÃO 

Este texto fez parte da a minha Dissertação deMestrado, defendida no Departamento de Etnologia eSociologia da Universidade de Paris X (Nanterre), emoutubro de 1982, perante a banca de examinadores compostapelos professores Patrick Menget, Jacques Gallinier e peloProf. Julian Pitt-Rivers, meu saudoso orientador. Nestetrabalho busco, sobretudo, levantar questões pertinentes ànoção de identidade étnica tendo como pano de fundo aprodução antropológica brasileira. Espero que este estudo

possa suscitar debates entre os alunos do curso de CiênciasSociais.

O texto original estava em francês, e tinha o subtítulode “De Roquette Pinto aos nossos dias”, ao realizar a traduçãofiz também uma revisão do mesmo incluindo as principaisreferências aos trabalhos que surgiram após 1982, deixandoo essencial do texto original. Devo agradecer aos professoresRoque Laraia e Roberto Cardoso de Oliveira, que emocasiões diferentes tiveram oportunidade de ler o textooriginal, e, sobretudo, pelo incentivo que ambos deram paraque eu realizasse a tradução e colocasse à disposição dosalunos da graduação.

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Transcrevo aqui um trecho do último e-mail querecebi do Prof. Roberto Cardoso de Oliveira, em fevereiro de2006, que foi fundamental para que eu iniciasse a tradução erevisão do atual texto: “Estou em falta com você, desde quandome pediu que desse minha opinião sobre a sua dissertação demestrado. Finalmente pude lê-la aproveitando este Carnaval que

termina hoje, terça-feira gorda. Numa leitura de sobrevôo - masabsolutamente não desinteressada - meu primeiro comentário é deque ela é publicável em português, desde que seja atualizada. Afinalde contas ela é de 1982 e estamos em 2006. Porém, não creio quevocê deva incluir tudo o que se produziu sobre a temática daidentidade étnica. Bastaria acrescentar o que foi publicado a partirda década de 80, porém seletivamente. Não apenas trabalhos meus,minha conferência, aí em Recife já dá algumas pistas, mas a de ex-alunos como João Pacheco de Oliveira , (cuja a dissertação de

mestrado eu orientei na UnB, e examinei a de doutorado no Museu Nacional),  incluindo uma resposta minha a críticas dele, como aque pude fazer na 4ª edição (Editora da Unicamp,1996) de meu ‚OÍndio e o Mundo dos Brancos‛ , no meu Posfácio. (...) Porém, essasminhas ponderações, não empobrecem em nada o seu texto que,afirmo, pode e deve ser reaproveitado para uma publicação revista eatualizada, algo que você mesmo, por sua própria conta, poderárealizar. Receba o meu mais fraterno abraço. RCO‛. 

Ao mudar o subtítulo deste texto quero fazer umahomenagem ao professor Roberto Cardoso de Oliveira ededicar-lhe esse trabalho. Nesses últimos 40 anos ele sededicou aos estudos da identidade étnica, dando pistas eenriquecendo o debate acadêmico sobre essa temática na

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antropologia brasileira. Ele, contra o pensamento dominantena época, defendeu que a perspectiva dos povos indígenasnão era a assimilação pela sociedade nacional. Ele foitambém responsável pela formação de um númerosignificativo de antropólogos, que hoje estão atuando nasdiversas universidades brasileiras. 

Por fim gostaria de agradecer aos colegas VâniaFialho, Peter Schröder, Marcelo Medeiros e Cynthia Hamlinpela leitura e sugestões; bem como a Nicolette van derLinden pelo seu apoio na tradução, a Karina Leão Rodriguese a Albertina Farias pela revisão do manuscrito.

Renato AthiasParis, novembro de 2006

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INTRODUÇÃO

‚Vou fazer-lhes conhecer as palavras de meus irmãos, aquelesque chamam "índios". Não sei se é por ignorância, pordesprezo, ou para dar um nome às coisas, mas para muita gente, somos apenas uma coisa. Estas palavras contarão oúltimo ato do drama que vivemos desde que os homens da outraraça, da outra cultura, do outro mundo puseram os pés nasnossas terras. O homem branco, aquele que se diz civilizado, pisoteou não somente a terra, mas a alma de meu povo e os riosincharam, e o mar tornou-se mais salgado porque meu povoderramou muitas lágrimas‛. (Txibae Ewororo, 1976) 

Estas palavras são de Txibae, Bororo de Meruri noMato Grosso, fazem parte da introdução resumida das trêsprimeiras assembléias indígenas, publicada pela revistaVozes em 1976. Nas numerosas assembléias realizadas noBrasil nestes últimos anos, a questão da identidade étnica foisempre um dos principais temas debatido e a identidadeindígena foi sempre reafirmada. E é, sem dúvida, a partir

dessas reuniões interétnicas que surge, para muitos, amotivação de resistir e lutar para o fortalecimento de umaidentidade indígena organizacionalmente distinta e diferen-ciada do restante da população brasileira.

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Roberto Da Matta, no prefácio da segunda edição deseu livro sobre os Gaviões, publicado em 1979, diz: "nunca

 fiquei tão feliz por estar enganado. E nunca tamanho erro foi tãoimportante para pesquisar fora de uma antropologia da integraçãouma antropologia que pensasse realmente menos em decretar amorte dos índios que em procurar melhor compreendê-los enquanto

sociedades concretas e específicas". Esta frase faz com que aantropologia se torne um objeto de investigação. É com estesentimento —  da antropologia como objeto —  queapresentamos este trabalho.

O objetivo principal é o de apresentar como osantropólogos e cientistas sociais produziram conhecimento arespeito da idéia da identidade étnica. Não se trata de fazerum desenvolvimento histórico, amplo e minucioso dodesenvolvimento dessa noção na Antropologia brasileira, esim mostrar como foi construído nas ciências sociais noBrasil, e tentar aproximar com o discurso político daspopulações indígenas. Pretendemos também identificarelementos para uma pergunta que nos parece fundamentalna construção desse conceito, e por vezes, deixada de lado.Podemos resumi-la da seguinte maneira: Sobre que base um

 povo etnicamente distinto (e minoritário) da sociedade nacional pode manter sua identidade étnica e cultural?  Gostaria deenfatizar que a sobrevivência e resistência dos povosindígenas do Brasil e das Américas constituem, sem dúvida,

um dos fatos mais significativos da história das relaçõesinterétnicas da humanidade. No decorrer de todos os anos decolonização e de dominação às quais os povos indígenasforam submetidos, e o desenvolvimento das diversas formasde relação que essas populações mantiveram, e continuam

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mantendo com os estados nacionais, sempre existirampossibilidades de criar posturas antagonistas entre o Estado eos povos indígenas. E, hoje, o grande desafio para os povosindígenas das Américas tem sido o de buscar novasestratégias de negociação com os governos dominantes ecriar modelos de resistência étnica a partir dos processos de

contato com sociedades ainda coloniais. As relações entre oestado nacional e os povos indígenas foram se definindo emdiferentes contextos sociopolíticos tendo como pano defundo as três dimensões presentes nos processos deformação dos estados nacionais na América Latina: aprimeira, a busca para uma concentração econômica dosrecursos, um modelo de desenvolvimento de fronteiras; asegunda, um poder centralizador em todos os níveis; e aterceira, uma fictícia “unidade étnica” nacional. 

Os estudos sobre a identidade étnica tem sido umtema importante nas ciências sociais, pois trata especi-ficamente da relação indivíduo/sociedade. No entanto, opensamento social sobre as questões étnicas e raciaiscompartilhou uma perspectiva eurocêntrica resultado de um“evolucionismo social1” onde a história é concebida a partir

de uma linearidade sem levar em consideração os diversoscontextos políticos e condições sociais na relação que seestabelece entre indivíduo e sociedade. Em muitas esferas doconhecimento e das atividades humanas, no Brasil e também

1  “...a história pode ser concebida em termos de „enredo‟ que impõe uma imagemordenada sobre uma mixórdia de acontecimentos. A história começa com culturas pequenas, isoladas, de caçadores e coletores, se movimentam através do desenvolvimentode comunidades agrícolas e pastoris daí para formação de estados agrários, culminandona emergência de sociedades modernas no ocidente.” GIDDENS, Anthony. As Conseqüências da Modernidade. Unesp, São Paulo, 1991 p.15)

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em outros países, será necessário mais do que a reformulaçãode conceitos. Sente-se a necessidade da transformação radicalde muitos deles e a criação de novas referências, abordagens,teorias, códigos e comportamentos. Muitas áreas exigemnova ética e mesmo novas teorias2. Buscam-se abordagensteóricas que espelhem as práticas sociais e que possibilitem

apresentar a produção de identidades étnicas para além doeixo norteador de equivalência que incorpora excluindo.  ‚O que é teoricamente inovador e politicamente crucial é anecessidade de passar além das narrativas de subjetividadesoriginárias e iniciais é de focalizar aqueles momentos ou processosque são produzidos na articulação de diferenças culturais3‛. 

A produção de conhecimento sobre “classe” e

“gênero” como categorias conceituais ampliou a necessidade

de ver a posição do sujeito, de gênero, do local institucional,do lugar geopolítico, da orientação sexual dando maiorsentido as questões relacionadas à identidade. É necessário,portanto, compreender a identidade étnica dentro de umcampo que articula diferentes elementos e subjetividades oqual possibilita a permanente re-escrita da história emdecorrência de seu movimento relacionado ao um tempo eum espaço. Procura-se hoje perceber novas articulações e aprodução de outros sujeitos até então ignorados e a criaçãode novas fronteiras de negociação que possibilitem emer-gência de identidades negligenciadas na atual estrutura de

poder.

2  Veja Hall, Stuart  Identidades Culturais na Pós-Modernidade. DP&A Editora, Rio deJaneiro, 19963 Cf. BABHA, H. O Local da Cultura. Ed. UFMG, Belo Horizonte,1998 p.20

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A partir da Constituição Federal de 1988 os povosindígenas recuperam seus direitos originários e podemconstituir-se como cidadãos etnicamente diferenciados,mostrando assim a possibilidade de existência de um Estadopluriétnico. Porém a letra da constituição não garantiu,ainda, a inclusão das comunidades étnicas a uma partici-

pação plena nas políticas públicas de desenvolvimento, emque estas, possam exercer plenamente seus direitos. Apesarde um “crescimento econômico” anunciado pelo governo, as

comunidades étnicas constituem-se em grupos vulneráveisque buscam soluções para seus problemas que tendem aagravar-se devido à política do Estado mínimo, onde não háespaço para políticas sociais que incluem as minorias étnicas. 

De acordo com os levantamentos populacionaisexistentes, vivem hoje no Brasil cerca de 210 povos indígenasfalando cerca de 170 línguas diferentes, dos quais 60% dapopulação têm seus territórios situados nos estados daAmazônia Legal, totalizando cerca de 97.342.896 hectares,representando 98,7% da área total das terras indígenas.Observa-se que os índios se encontram em um processo deempobrecimento devido a situação de contato e a formade desenvolvimento implantada até então em suasáreas provocando situações de marginalidade econômica.Um levantamento preliminar no banco de dados daCoordenação das Organizações Indígenas da Amazônia

Brasileira (COIAB) indica que existência de cerca de 310organizações indígenas em diversos estágios de desen-volvimento institucional na Amazônia indicando um mo-vimento em direção a uma mobilização com relação aofortalecimento de suas identidades étnicas.

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Os grupos étnicos estão relacionados ao processo deterritorialização, no sentido que as constituições de seusterritórios estão intimamente relacionadas às suasidentidades étnicas e ao exercício da cidadania plena.Atualmente, de acordo com as informações da FundaçãoNacional do Índio (FUNAI) existem 371 terras indígenas

demarcadas ou em processo de demarcação representando98% da extensão dos territórios indígenas do Brasil dos quais19% das terras da Amazônia Legal. Esses territórios estãosituados em ecossistemas frágeis e ameaçados por interesseseconômicos e geopolíticos das frentes de expansão dasociedade nacional. Essas terras4  são negociadas dentro deum quadro político preciso cujos parâmetros estãoestabelecidos pelo Estado. As áreas indígenas situadas naAmazônia Legal, nestes últimos anos, receberam um apoiosignificativo nos processos de identificação, demarcação ehomologação, através do Projeto de Proteção as TerrasIndígenas da Amazônia Legal (PPTAL), com recursosprovenientes do PPG-7 enquadradas no argumento deproteção das florestas tropicais. Quase as totalidades dessasterras já foram identificadas e muitas delas já se encontramdemarcadas, inclusive com a participação efetiva dascomunidades indígenas.

A mobilização política, dos povos indígenas noNordeste como também entre as comunidades quilombolas,

4 “...a atribuição a uma sociedade de uma base territorial fixa se constitui em um ponto -chave para apreensão das mudanças por que ela passa, isso afetando profundamente ofuncionamento das suas instituições e a significação de suas manifestações culturais”OLIVEIRA, João Pacheco Uma Etnologia dos Índios “Misturados”? Situação Colonial,Territorialização e Fluxos Culturais. In: OLIVEIRA, João Pacheco  A Viagem da Volta.ContraCapa, Rio de Janeiro, 1999 p. 20.

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proporcionam elementos para a afirmação de suas iden-tidades e está alicerçada no processo de reconquistaterritorial. Nas últimas décadas os grupos indígenas noNordeste vêm reivindicando seu reconhecimento oficial5.Esse fenômeno vem sendo denominado por algunsantropólogos de “etnogênese”,  abrangendo tanto a emer-

gência de novas identidades como a “ressurgimento”  deetnias tidas como desaparecidas historicamente.No que se refere às terras indígenas do Nordeste a

situação é bem diferente, justamente por não haver recursosalocados por parte do governo, para executar asdemarcações. A maioria delas encontra-se em processo deidentificação e de desentrusamento de posseiros. Nestesentido, tanto para os grupos indígenas quanto para as terrasquilombolas, hoje já em processo de identificação edemarcação relacionada à política existente de reconhe-cimento oficial das “terras de negros”, a  identidade étnicaestá associada à noção de territorialização é definida comoum “processo de reorganização social que implica: i) a

criação de uma nova unidade sociocultural mediante aoestabelecimento de uma identidade étnica diferenciadora;ii)a constituição de mecanismos políticos especializados; iii) a

5  Na década de 20 do século passado, havia apenas um grupo indígena reconhecido peloEstado no Nordeste; na década de 30, três grupos são reconhecidos; na década de 40, setegrupos foram reconhecidos. Entre as décadas de 50 e 60, não houve o reconhecimento de

nenhuma etnia, porém, a partir dos anos 70 existe um aumento significativo dereconhecimento de povos indígenas no Nordeste: quatro nos anos 70; quatorze na décadade 80 e até o ano de 1998 observamos o acréscimo de dez grupos indígenas oficializados pela FUNAI. Com uma população total de mais de 60.000 indivíduos, as terras referentesa esses povos totalizam 247.888,7 hectares da região Nordeste.(Cf. Vânia Fialho de Paivae Souza.  Desenvolvimento e Associativismo Indígena no Nordeste Brasileiro: Mobilizações e Negociações na Configuração de uma Sociedade Plural.. 2003. Tese(Doutorado em Sociologia) - Universidade Federal de Pernambuco).

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redefinição do controle social sobre os recursos ambientais eiv) a reelaboração da cultura e da relação com o passado”  6.

As agências multilaterais e bilaterais de desenvol-vimento deveriam incorporar estratégias para o forta-lecimento das identidades étnicas e garantir a participaçãodos povos indígenas em espaços onde eles possam buscar

mecanismos de discussão sobre o seu próprio desen-volvimento levando em consideração suas especificidadesculturais. Nestes últimos anos, os povos indígenas, aliadosao argumento da preservação ambiental, têm conseguidoespaços significativos em programas de desenvolvimentovoltados para a Amazônia. No entanto, estes programasainda carecem de maior apoio por parte de setores dogoverno. Os índios localizados em outras regiões, repre-sentam cerca de 40% da população indígena, ainda sem umargumento de apelo a nível internacional, se encontramtalvez em outra situação, sobretudo por não terem aindasuas terras demarcadas e garantidas.

Nesse sentido, vale mencionar que o desenvolvimentodos estudos sobre identidade étnica e a produção acadêmicasobre essa temática tem subsidiado iniciativas, por exemplo,para reduzir a pobreza das comunidades etnicamentediferenciadas. Ver o caso dos governos europeus que têm aResolução7  N.30 do Conselho da União Européia, de 30 de

6 OLIVEIRA, João Pacheco, Uma Etnologia dos Índios “Misturados”? Situação Colonial,Territorialização e Fluxos Culturais. In: OLIVEIRA, João Pacheco  A Viagem da Volta.ContraCapa, Rio de Janeiro, 1999 p.18.7  O Conselho de Resolução da União Európeia afirma ainda que “the developmentcooperation should contribute to enhancing the right and capacity of indigenous peoplesto their “self -development” . This implies integrating the concern for indigenous peoples

as a cross-cutting aspect at all levels of development cooperation, including policydialogue with partner countries and enhancing the capacities of indi genous peoples‟

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novembro de 1998, que baseando-se no Working Document8 ofthe Comission of May 1998, reconhece que muitos povosindígenas encontram-se em situação de marginalidadeeconômica indo em contra os direitos humanos. O Conselhoda UE afirma a necessidade de possibilitar odesenvolvimento denominado de “Self-developement”  de

acordo suas tradições culturais e suas identidades. OConselho também conclama os Estados membros aelaborarem políticas e estratégias para promover odesenvolvimento para os povos indígenas e aumentar apoioadequado e efetivo para estas populações. Portanto, asagências de cooperação internacional já incluem em seusdiscursos e em suas estratégias a participação social comomecanismo que permita às organizações da sociedade civildebater os seus programas e projetos de desenvolvimento.No entanto, esta participação ainda não está internalizadacomo estratégia de desenvolvimento para a redução dapobreza em outros níveis onde as políticas públicas sãodebatidas.

Portanto, falar em etnodesenvolvimento é falar emautonomia política das comunidades étnicas. Esse conceitoestá longe de ser discutido no âmbito dos Estados Nacionais,que em sua maioria ainda é centralizador, baseado em umapolítica social nos moldes do neoliberalismo. No entanto, omovimento indígena vem através de suas manifestações

políticas reivindicando maior autonomia. E o governo vem

organisations to take effective part in the planning and implementation of development programmes”.8  Conferir também um guia de desenvolvimento produzido pelo Departement forInternational Development do Governo Britânico (DFID): Ethnicity, Ethnie Minoritiesand Indigenous Peoples (1995).

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dando indicativos de uma maior participação. Ou seja,ampliar a participação dos índios nos processos decisórios.E isso pode representar um passo para pensar a autonomiaeconômica das populações indígenas e, portanto, em umdesenvolvimento que leva em consideração as identidadesétnicas.

Acredito que essa discussão está sendo realizada naAmérica Latina. O processo de busca da autonomiarepresenta, em última análise, um pacto entre a sociedadenacional (cuja representação assume o Estado Nacional) e osgrupos étnicos, que reclamam o reconhecimento de seusdireitos históricos. Esse acordo será o resultado de umgrande processo de discussão envolvendo os dois lados. Eesse processo não acabará simplesmente com oestabelecimento de uma legislação para governosautônomos, mas será consolidado aos poucos em ajustesadministrativos. O processo de constituição de autonomias éfruto de discussões e acordos entre partes iguais e livres.É aqui que se situa o elemento central desse processo:autonomia não pode ser resultado de uma decisão unilateral.

Esse debate não é novo e iniciou-se ainda na décadade setenta, na reunião de Barbados I (1971), na reunião doParlamento do Cone Sul (1974), Asunción-Paraguai, nova-mente em Barbados II (1976), na reunião de San José,na Costa Rica, patrocinada pela UNESCO. E esse debate

vem sendo colocado através dos trabalhos de RodolfoStavenhagen9  (1984, 1988, 1992), atual Relator Especial das

9 STAVENHAGEN, Rodolfo. Derecho indígena y derechos humanos en América Latina,El Colegio de México/Instituto Latinoamericano de Derechos Humanos, 1988;“Comunidades étnicas y Estados Modernos”, América Indígena, México, vol. XLIX,

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Nações Unidas sobre os Direitos Humanos e das LiberdadesFundamentais dos Povos Indígenas, e que tem participadode importantes reuniões em Genebra no âmbito da OIT e deoutros organismos internacionais. Nesses espaços, têm sidodiscutidas as teorias sobre identidade étnica que dãosustentação aos princípios do etnodesenvolvimento, colo-

cando-se como uma crítica às teorias de desenvolvimentohegemônicas praticadas pela maioria dos países da AméricaLatina. O etnodesenvolvimento se coloca como umapossibilidade de desenvolvimento econômico, proporcio-nando o aumento da qualidade de vida e o fortalecimentodas identidades étnicas das populações indígenas.

Os analistas10  das políticas indigenistas na AméricaLatina dizem que o Estado Moderno nasce quando se dáo reconhecimento oficial da autonomia das populaçõesindígenas, e o reconhecimento dos outros (dos diferentes)como sujeitos. E isso inclui o respeito à vida do outro, aaceitação de sua autonomia em todos os sentidos e,sobretudo, a aceitação de uma igualdade de condições nodiálogo sem coação de nenhum dos lados. As definições atéentão apresentadas, seja em trabalhos científicos ou mesmoatravés das ações dos estados americanos em relação aospovos indígenas, indicam alguns caminhos que precisam ser

1989; “Los derechos indígenas: algunos problemas conceptuales”, Nueva Antropología,México, vol. XIII, núm. 43, noviembre, 1992; “Los derechos indígenas: nuevo enfoquedel sistema internacional”, in Cuadernos del Instituto de Investigaciones Jurídicas 3.Antropología Jurídica, Instituto de Investigaciones Jurídicas/UNAM, pp. 87-119, 1995 .10 Villoro, Luis. Los grandes momentos del indigenismo en México, México, CIESAS,SEP, Lecturas mexicanos, 1987; e “Los pueblos indios y el derecho de autonomía”,Cuadernos del Instituto de Investigaciones Jurídicas, a) Derecho Indígena, núm. 4,México, UNAM, pp. 123-140, 1996 

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trilhados para implementar um processo de desenvol-vimento que leve em consideração as identidade étnicas.

Gostaríamos de elencar os principais pontos de umapauta reivindicatória que deveria estar presente em umapolítica de Estado, tendo em vista as questões que envolvemas identidades étnicas11. Essas proposições, abaixo descritas,

foram retiradas a partir de documentos divulgados pelasorganizações e movimento indígena nestes últimos anos: 1. Aclareza nos direitos de propriedade da terra. Aqui se verificatudo que diz respeito aos territórios indígenas: as questõessobre a utilização do solo e do subsolo e a plena utilizaçãodas terras, tendo a Constituição de 1988 já avançado nessasquestões, porém sem uma legislação complementar; 2. Oreconhecimento e a garantia da voz política dos povosindígenas, não só como cidadãos individuais, mas sobretudocomo povo, como grupo, como culturas distintas. Issosignifica aceitar as relações interculturais. Essereconhecimento proporciona aos grupos étnicos agentesativos de seu próprio desenvolvimento; 3. O respeito àidentidade cultural indígena, tendo em conta que qualquermodelo de desenvolvimento econômico deveria fortalecer asdiversas identidades; 4. O reconhecimento formal dasorganizações existentes entre os povos indígenas,assegurando as suas formas próprias de gestão erepresentação política em projetos apoiados pelos governos;

5. Apoios a iniciativas indígenas que visem à ampliação dosrecursos naturais existentes nas áreas indígenas, buscando

11  Conferir por exemplo Miguel Bartolomé e Alicia Barradas.  Autonomías étnicas y Estados nacionales, México, INAH 1998

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fortalecer seus modelos de gestão dos recursos naturais emsuas terras; 6. Apoios concretos à manutenção da segurançaalimentar nos territórios indígenas, respeitando as práticastradicionais de exploração dos recursos naturais; 7. Aresponsabilidade social do Estado em apoiar serviços desaúde dignos e de qualidade nas áreas indígenas; uma

educação intercultural bilíngüe e atividades que possampromover a geração de renda respeitando as tradiçõesculturais dos povos indígenas. Esses pontos acimamencionados não estão isolados. Para colocar em andamentouma política de etnodesenvolvimento clara, com respeito àsidentidades étnicas, deveriam ser interconectados e deverãoser visto como formas internas de discussão sobre questõesde desenvolvimento entre os povos indígenas.

Antes de começar a escrever a "história" da produçãodo conhecimento sobre a identidade étnica através daAntropologia brasileira12 , partindo da noção de Fusão dasRaças, passando pela Teoria da Aculturação, da Transfi-guração Étnica, e de Fricção Interétnica, para chegar à idéiadas relações interétnicas, procuramos nos dicionários eenciclopédias as palavras etnia, étnica e identidade. Paranossa grande surpresa, foi interessante constatar que ostermos: etnia e étnica têm uma utilização recente nas

12  Antropologia Brasileira em seu sentido amplo, tendo em vista, pricipalmente a

 produção no campo disciplinar da etnologia indígena. Sobre isso acho importante a leiturado trabalho de Julio César Mellati intitulado:  Antropologia no Brasil: um Roteiro, publicado originalmente na Série Antropologia da UNB, 38, 1984, republicado emO que se Deve Ler em Ciências Sociais no Brasil , vol. 3, pp. 123-211, São Paulo: Cortez eANPOCS, 1990. Outro trabalho importante para entender antropologia no Brasil ler:PEIRANO, Mariza Gomes e Souza. 1980. The Antropology of Anthropology: the Brazilian case. Tese de Doutoramento apresentada na Universidade de Harvard,Cambridge.

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Ciências Sociais. Em geral, o termo étnico sempre foiutilizado como adjetivo qualificativo de outros termos como:grupo, relações etc. O termo etnia inseriu-se no glossáriotécnico das Ciências Sociais em oposição ao termo "raça" nointuito de limpá-lo de tudo o que pudesse ser identificadocomo fruto das teorias racistas.

Estamos surpresos com a abundante literatura pro-duzida a respeito da identidade étnica13 , e também com ofato de que a questão da identidade está inserida em quasetodas as disciplinas que estavam na ordem do dia, na últimametade do século passado. A compilação da etnologia

 brasileira feita por Baldus (1954-1968) assim como seuscomentários nos foram preciosos.

No primeiro capítulo, pareceu-nos importante mostraro que pensa a sociedade nacional hoje da população indígenaque agrupa cerca de 210 povos diferentes que sobreviveramao massacre de quase três milhões indivíduos — segundo ahipótese mais conservadora — que existiam antes da invasãoportuguesa. Elaboramos em seguida um quadro tipológicoonde aparecem as principais teorias que possibilitaram umdebate e que se referem à questão da identidade étnica. É apartir desta tipologia que elaboramos os capítulos seguintes,os quais são desenvolvidos tendo em conta a produçãoantropológica e o desenvolvimento dessas teorias, sem, noentanto aprofundar, mas com o intuito de propor pistas para

futuros estudos.

13 Conferir: POUTIGNAT, Philippe e STREIFF-FENART, Jocelyne (Orgs). Teorias da Etnicidade. São Paulo: Ed. Unesp, 1998.

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No segundo capítulo, "Tipos Étnicos e Fusão dasRaças" tentamos mostrar como esta teoria foi aceita pelosmeios intelectuais brasileiros e como a mesma impregnou-seem na intelectualidade brasileira. Em última instância, talteoria lançou as bases do que chamamos hoje de “racismo

 brasileiro”. Consideramos Gilberto Freyre como um dos

representantes desta corrente de pensamento, veste o carátersignificativo de suas obras e a influência que teve naformação do pensamento brasileiro.

Nos capítulos seguintes, elaboramos um histórico dodesenvolvimento das teorias da Aculturação nos trabalhosde Eduardo Galvão; da noção de Transfiguração Étnica nasobras de Darcy Ribeiro. E finalmente, na última partediscutimos a perspectiva de Fricção Interétnica sob a óticadas investigações do antropólogo Roberto Cardoso deOliveira, pois certamente este pesquisador é o que maisinfluenciou os estudos mais recentes sobre a identidadeétnica.

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1. A QUESTÃO DA IDENTIDADE ÉTNICA

A historiografia oficial sempre mostrou os povosindígenas como se eles tivessem desaparecido desde osprimeiros contatos ocorridos na costa brasileira. Ainda hoje,os manuais escolares evitam falar dos povos indígenas, ouquando falam, usam uma conotação racista e se referindo aum passado longínquo.

Em 1975, Roberto Cortez fez uma pesquisa na cidadedo Rio de Janeiro para “detectar” a imagem que uma

população urbana tinha do índio. A pesquisa revelou que o

indígena é considerado como um animal, ou 'quase umanimal', feroz, perverso, maldoso, selvagem, antropófago,mas é também muitas vezes comparado potencialmente aohomem branco: "o índio não é necessariamente maldoso, istodepende das circunstâncias, há brancos mais maldosos queos índios..." Há também a idéia de que o índio não é violentoou de que a violência do índio seria a conseqüência do malque lhe fizeram. Às vezes, o índio é percebido como sendotrabalhador, mas em contrapartida, ele é visto como

indolente inútil para a sociedade "civilizada" (CORTEZ 1975,p. 10-11)14.

14  Ver também “O que os brasileiros pensam dos índios?” resultado da pesquisaque o IBOPE realizou de âmbito nacional, encomendada pelo ISA (InstitutoSocioambiental), sobre o que os brasileiros pensam dos índios.

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1.1 - O Índio na “Consciência” Nacional 

Esta imagem atribuída ao índio se generalizou emtodos os setores da sociedade brasileira. Para aqueles quedetêm o poder, esta idéia torna-se perigosa à medida queeles decidem o destino das populações indígenas. A guisa de

ilustração, reproduzimos aqui as palavras do BrigadeiroProtásio Lopes de Oliveira, que esteve muitos anos na chefiado Comando Aéreo da Amazônia e visitou numerosasaldeias indígenas da região, através do serviço do CorreioAéreo Nacional - CAN mantido pela Força Aérea Brasileira -FAB em apoio às missões religiosas das regiões Norte eNordeste. Ele diz que indígena exprime: “somente umacondição social inferior, um modo de vida primitivo como o dos

 favelados do Rio de Janeiro, os habitantes dos mocambos em Recife,

os alagados de Belém e outros semelhantes no nosso Brasil; quevivem num submundo de miséria, de doença, de imundície e demortalidade infantil, tendo necessidade de uma educação e decuidados especiais, a começar pelo índio, pelo ensino da língua

 pátria, que os outros, de certa maneira, já conhecem" (ALVES DASILVA 1979:5).

Tal coleção de clichês representa, antes de tudo, umaatitude muito difundida entre os brasileiros, e que secaracteriza por um paternalismo muito forte, mesmo as

instituições oficiais encarregadas de executar a políticaindigenista do governo, não fogem a estes estereótipos.Atualmente, no Brasil, a Fundação Nacional do Índio -

http://www.socioambiental.org/pib/portugues/indenos/quepens/index.shtm Ver também olivro de Márcio Santilli, Brasileiro e os Índios, São Paulo, SENAC, 2000.

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FUNAI - é a instituição federal encarregada de formulare executar a política indigenista do Estado brasileiro.Foi criada em 1967, após a extinção do Serviço de Proteção aoÍndio15  (SPI) acusado e denunciado internacionalmente, emsua última fase, de irregularidades administrativas e decolaborar com a exterminação dos índios, em vez de

defendê-los. O trabalho de vários antropólogos no Brasilrelata essa fase da política indigenista, entre os quais o deAntônio Carlos de Souza Lima16.

A política indigenista oficial aplicada depois dacriação do SPI em 1910, nunca enfocou de fato a diversidadecultural dos índios do Brasil. O índio sempre foi consideradouma categoria genérica devendo ser integrado à sociedadenacional. E o próprio órgão oficial colabora na difusão destaimagem do índio genérico. Tal integração pressupõe, desde ocomeço, que uma só política de aproximação e atração éutilizada para todos os grupos indígenas em qualquergrau de contato com a sociedade nacional. Esta políticaindigenista na sua prática confirma a "redução" dasetnias indígenas a uma só categoria abstrata chamada:índio, inventada pelo “civilizado” outra categoria abstrata

(CARDOSO DE OLIVEIRA, 1978 p. 14). No entanto, atribuiràs populações indígenas uma identidade única, genérica,leva a mistificar uma realidade altamente complexa demaneira muitas vezes inoportuna.

15 Sobre a criação do Serviço de Proteção aos Índios ver: Darcy Ribeiro (1977) "Os índiose a civilização" parte II "A intervenção protecionista", p. 127- 207 .16  LIMA, Antonio Carlos de Souza . Um Grande Cerco de Paz. Poder Tutelar, Indianidade e Formação do Estado no Brasil , Petrópolis: VOZES, 1995.

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Do ponto de vista legal, a FUNAI foi o órgão "tutor"dos índios, visto que o índio foi considerado juridicamentecomo "relativamente incapaz". Parece que o legislador quisoferecer às comunidades indígenas a proteção do Estadocontra a voracidade do capital e das empresas. Entretanto,hoje, este aspecto da legislação é interpretado com uma

conotação assistencialista e paternalista. O índio no Brasil foitambém considerado como menor e  juridicamente com omesmo estatuto de deficiente mental pelo antigo Código Civil.Assim, esta medida, que deveria levar em princípio o Estado

 brasileiro a assegurar proteção aos índios, foi de fatointerpretada de maneira diferente (Estatuto do Índio, Lei6001/73, cap. II). Porém, com a constituição de 1988, esse“poder tutelar”  deixa de existir. E o referido estatutocaducou. No entanto, apesar de existirem três versões doprojeto de lei do novo estatuto tramitando no CongressoNacional, tal regimento nunca foi posto em votação nessesúltimos doze anos.

Somente a partir de um reconhecimento claro do fatoque existe no Brasil vários grupos étnicos diferenciados, econsequentemente problemas diversos, que se pode chegar auma política indigenista mais adequada para esses grupos. Éadmitindo a existência de etnias e sua especificidade que sepode tentar estabelecer uma política mais racional e repararos desgastes já causados pela insistência secular em

considerar o índio como igual em todos os lugares.É importante mencionar aqui os avanços na política

indigenista brasileira advindos com a Constituição de 1988.O modelo jurídico-institucional da política para os povosindígenas, a partir da atual Constituição foi ampliado

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consideravelmente. Com relação às terras indígenas aConstituição reconhece não apenas a ocupação física dasáreas habitadas pelos índios, mas sim a ocupação de acordoas tradições culturais. Neste sentido, o Artigo 20 amplia oconceito de território indígena a toda extensão de terranecessária à manutenção e preservação das tradições

imemoriais e culturais dos povos indígenas. O Artigo 22mantém a competência do Estado para legislar sobre aspopulações indígenas e reconhece assim o direito dos índiosde preservar sua identidade étnica e suas formas deorganização abandonando assim o caráter de transitoriedadeda condição de indígena que cessaria com a chamada“integração dos índios à comunhão nacional”. O Artigo 215

garante a educação bilíngüe assegurando-lhes a utilização desuas línguas e processos próprios de aprendizagem. O atualtexto constitucional abandona explicitamente a ações inte-gracionistas e direciona as ações indigenistas para avalorização da identidade étnica e do patrimônio cultural(tangíveis e intangíveis) dos povos indígenas. Os parágrafosdos Artigos 231 e 232 contêm as bases sobre os direitosindígenas e ressaltam o reconhecimento da identidadeprópria e diferenciada, os direitos originários, determinam ademarcação das terras indígenas, e reconhece as formas deorganização social como partes legítimas para ingressar em

 juízo em defesa de seus direitos e interesses.

Cardoso de Oliveira (1978, p. 70-72), na intenção dedeterminar as atitudes tomadas em relação aos povosindígenas, elaborou quatro tipos de mentalidades existentesno Brasil, às quais chama de "Obstáculos ideológicos a umindigenismo racional". Para ele, existe uma mentalidade

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estatística  que se preocupa com números: "Por que sepreocupar com alguns milhares de índios, se o grandeproblema do país é o destino de milhões de brasileiros?".Neste caso, só a quantidade importa. Esta mentalidade podeainda se exprimir na seguinte questão: "Que significa a mortede algumas dezenas de índios se no Brasil milhares de

crianças morrem diariamente?". Quanto à mentalidaderomântica , desenvolve, sobretudo entre os intelectuais, e nãotem a possibilidade de influir sobre os meios de decisão;exprime-se através de uma imagem estereotipada do índioadquirida na literatura, como por exemplo, os textos de Joséde Alencar, Gonçalves Dias entre outros, até os autorescontemporâneos. O índio aí é visto como: puro, ingênuo e osistema sócio-político deste “ bom selvagem”  sãoapresentados como um paraíso ideal, um modelo a serimitado. O terceiro obstáculo é o de mentalidade burocrática e trata-se da imagem existente na administração oficial,impregnada de um paternalismo exagerado e influenciadapor certa dose de "romantismo"; esta visão era dominanteentre os primeiros funcionários do SPI que não tinhamnenhuma preparação técnica ou científica e substituíam estafalta por esta perspectiva. É preciso assinalar que estamentalidade não é mais dominante em nossos dias.

Finalmente, a quarta mentalidade, a capitalista , seriaaquela que existe, sobretudo nos principais meios de decisão.

Aqui os índios são vistos como improdutivos. Para ilustraresta mentalidade, que hoje é mais observada no caso

 brasileiro, seria preciso relembrar a célebre frase do ex-ministro do Interior, Costa Cavalcanti, à imprensa brasileira:"Daremos toda nossa assistência ao índio, mas ele não poderá ser

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um obstáculo ao desenvolvimento do país"  (O Estado de SãoPaulo, 21.2.71), depoimento pronunciado no momento emque o Parque Nacional do Xingu era cortado por umaestrada (a BR 080). Nesta mesma ocasião, um representanteda Associação das empresas de agropecuária da Amazôniadeclarou igualmente à imprensa: "As grandes planícies que

constituem uma parte do território do Parque poderiam serutilizadas de maneira racional com a implantação de fazendasexperimentais nas quais os próprios índios poderiam serempregados nos trabalhos agrícolas".

Este pensamento ganha aos poucos os setores oficiaisa ponto de integrar em programa de partido político degovernos anteriores. Seria possível dizer que este olhar sobreos povos indígenas sempre esteve presente nodesenvolvimento de uma política indigenista no Brasil,desde a colonização até nossos dias. Os índios representamapenas mão-de-obra para os grandes investimentos, e ainda,eles não são reconhecidos como um grupo social etnicamentediferenciado. Medidas oficiais tentaram, na verdade, reduziraté mesmo negar a identidade indígena. A FUNAI chegou apropor os "critérios sangüíneos" entre certos gruposindígenas do nordeste brasileiro, pretendendo com issoidentificar a indianidade dessas populações. Em 1981 foiconstituída uma comissão encabeçada pelo Coronel IvanZanoni, para elaborar os critérios de indianidade a ser

aplicado no Brasil a partir critérios sangüíneos. Os critériosforam criados com a recomendação de que tais indicadoresnão precisavam ser justificados, mas simplesmente listados.Vale esclarecer que o documento apresentado faz menção àcomunidade científica, mas esta jamais foi sequer consultada.

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Sobre essa questão merecem ser consultado os trabalhos deManuela Carneiro da Cunha, Legislação indigenista no séculoXIX. São Paulo: EDUSP/COMISSÃO PRÓ-INDIO, 1992; Osdireitos do índio : ensaios e documentos. São Paulo : Brasiliense,1987 e Definições de índio e de comunidades indígenas , In:SANTOS, Sílvio Coelho (Org.). Sociedades indígenas e o

direito: uma questão de direitos humanos. Florianópolis:Editora da UFSC, 1985.A esta série de mentalidades enumeradas por Cardoso

de Oliveira, poderíamos acrescentar muitas outras.Contentaremos-nos em assinalar a mentalidade salvacionistaexistente num setor que são os religiosos missionários, e queconsiste em querer salvar os índios pela submissão aocristianismo. Na prática, esta visão levou os povos indígenasa um processo de “desaldeamento", e é sem dúvida, a quenão aceita a identidade indígena como especifica ediferenciada. Com efeito, os missionários, católicos eprotestantes, estão praticamente em todas as áreas indígenas.Até 1978, segundo os dados do Centro Ecumênico deDocumentação e de Informação, havia no Brasil cerca de 50centros de missões implantados em território indígena.

Finalizando estas considerações, chegamos à con-clusão que, de modo geral, a sociedade nacional continuará ater uma visão deformada enquanto não existir consciência daexistência de povos etnicamente distintos em todo o

território nacional.

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1.2 - Identidade Étnica e Etnologia Brasileira

A questão da identidade é um tema que interessapraticamente a todas as disciplinas das Ciências Sociais.A identidade é o centro de interesse dos etnólogos queestudam uma determinada sociedade. É o ponto central de

toda investigação etnológica. A questão da identidade estána ordem do dia, dizia Claude Lévi-Strauss em 1977, (p. 9)chega mesmo a afirmar que a "crise de identidade seria onovo mal do século" e continua dizendo que a questão dadiferença percorre o nosso tempo. A diferença da cultura eda natureza, a diferença entre as culturas e os códigosnacionais ou regionais é reafirmada, bem como a relação como território. A diferença torna-se um tema e se coloca ao ladoda identidade. Não se trata mais de generalizar a idéia danatureza para explicar as diferenças e nem proclamar aunidade do homem e de seus valores. Vejam a ênfase nadeclaração dos direitos individuais e o movimento contra osetnocentrismos.

Como já mencionamos acima, este trabalho pretendeabordar a questão da identidade étnica, sobretudo como esseconceito foi construído na etnologia indígena que, nãoobstante, os mais de 500 anos de "conquista" e de reduçãodemográfica, os índios resistem enquanto grupos étnicos empraticamente todo o território nacional. Este estudo pretende

mostrar o desenvolvimento desse conceito na Antropologia brasileira, ou seja, como os etnólogos concebem a identidadeétnica na produção antropológica sobre os grupos indígenas.

Depois dos anos sessenta surgiram estudos sobre aquestão da identidade étnica, não somente na América

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Latina, mas praticamente em todos os espaços acadêmicosonde a questão da identidade surge como um problema. Nãoseria exagerado afirmar que o debate sobre a identidadeétnica levou à criação de Estados nacionais, principalmenteno continente africano onde os grupos étnicos, buscam acriação de um Estado que os represente. A literatura

etnográfica fala de minorias, mas há casos que não são"minorias", e sim maiorias nacionais que reclamam por umarepresentação política; referimo-nos, por exemplo, à questãodos Curdos, que são mais de vinte e seis milhões, e quecontinuam a reivindicar pela sua autodeterminação e pelaformação de um Estado nacional.

Em seguida apresentaremos alguns trabalhos quemerecem ser levados em consideração e que deram inicio aodebate sobre a temática da etnicidade na pauta de discussãomais contextualizada e regionalizada. No que se refere àAmérica Latina, importantes trabalhos abordaram a questãoda identidade e merecem ser destacados: no Peru, porexemplo, uma obra coletiva de um grupo de antropólogosintitulada: "Problema nacional, Cultura y Clases Sociales" (1945)do Centro de Estudos e de Promoção do Desenvolvimento – Lima – e "Clase, Estado y Nación" de Julio Cotler (1978) abriuo debate recente sobre a temática da identidade peruanalevando em conta os seus diversos contextos étnicos. JoséCarlos Mariátegui influenciou mais de uma geração no

debate sobre a identidade peruana. Sua obra, os “Sete Ensayosde Interpretación de la Realidad Peruana‛  será leitura obri-gatória, não só para os ativistas, mas também entre ospensadores sociais sobre a identidade peruana.

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O XLI Congresso Internacional dos Americanistasrealizado no México em 1974 foi um marco importante nosestudos sobre a identidade étnica, sobretudo com arealização do simpósio cujo título foi: "Etnicidade e IdentidadeÉtnica na América Latina" , organizado por Roberto Cardosode Oliveira onde estiveram presentes especialistas de

numerosos países. Os estudos sobre o pluralismo étnicoilustram sua existência nos atuais Estados africanos onde háuma diversidade de etnias divididas por fronteiras políticas,foi muito bem abordado no volume "Pluralismo na África"editado por Leo Kupper e M. G. Smith (1969). Esta mesmaproblemática aplicada na América Latina foi analisada noestudo de Rodolfo Stavenhagen "The Plural Society in Latin

 América" produzido pelo "Meeting of Experts on the Concept ofRace, Identity and Dignity"  patrocinado pela UNESCO erealizado em Paris (1972).

O volume organizado por Nathan Glaser e Daniel P.Moynihan "Ethnicity Theory and Experience"  oferece umadimensão abrangente da questão da identidade étnica.Compõe-se de 16 ensaios que tratam de vários temas, desdea identidade do grupo de base até as questões maisnacionais como por exemplo no artigo: "China: Éthnic

 Minorities and National Security"  de Lucian W. Pye. Estesestudos foram resultados de um encontro, em 1972,patrocinado pela Fundação Ford e pela Academia Americana

de Artes e de Ciências, realizado em Massachusetts. Estaspublicações abordam uma linha comum aos estudos sobre aidentidade, voltadas em sua maior parte para: a) as relaçõesinterétnicas enquanto manifestações fenomenológicas daetnicidade; b) a etnicidade como identidade e como

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estratégia na concorrência para obtenção de recursos; c) aetnicidade como caráter cultural e, d) a etnicidade em relaçãocom a estrutura e organização social.

Também merece ser mencionado os estudos sobreidentidade desenvolvida num contexto urbano, como nosapresenta um trabalho pioneiro de Abner Cohen no volume

intitulado: "Urban Ethnicity". Este volume foi organizadoapós o encontro da Associação dos Antropólogos Sociais daComunidade Britânica em 1971. Na introdução, AbnerCohen explica o que ele entende por grupo étnico: a) é umacoletividade que partilha certos modelos normativos decomportamento; b) fazem parte de um grupo populacional erelacionam-se com povos pertencentes a outras coletividadesna estrutura do sistema social.

A identidade étnica, de acordo com Max Weber, talcomo foi desenvolvido no capítulo sobre ComunidadesÉtnicas em sua obra de 1922, mais conhecida, “Economia eSociedade‛ publicada pela Editora da UNB, em 1991, consisteno sentimento de pertencimento a um determinado gruposocial, apoiando-se numa crença de origem comum e naconstrução de um repertório de elementos diacríticos. Issopermite a comunidade étnica se definir, se organizar e sediferenciar diante dos outros. As comunidades étnicasestando inseridas em sociedades politicamente organizadasde maneira mais ampla vêm se impondo e se tornando

suficientemente fortes para mobilizar setores da sua comu-nidade para a redescoberta da história e da cultura que vãosendo recriadas de acordo com as novas situações de umespaço intercultural. Os conteúdos não devem ser entendidoscomo algo essencializado ou naturalizado, mas como uma

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cultura adaptada às condições sociais e políticas propor-cionando armas para uma competição num mundo cada vezmais plural. Max Weber assinalava como os censosrealizados na Índia, pela administração inglesa, ao incluir umquesito sobre o pertencimento de casta contribuíram para areprodução da mesma. Existem exemplos, na atualidade, que

mostram como essas situações são as principais agênciaspromotoras e revitalizadoras de etnicidades tanto nasquestões administrativas como em países que desenvolvemuma política multiculcural, e, sobretudo onde o voto étnicoocupa o primeiro plano da uma agenda política17.

No Brasil, os estudos sobre a identidade étnica come-çaram, mais sistematicamente, por uma reorientação dosestudos sobre aculturação, e foram fortemente marcados pelatradição antropológica norte-americana. Tais estudos dãocontinuidade a toda uma reflexão sobre a questão nacionalem que a classe brasileira dominante orienta para a questãoda identidade étnica, sobretudo a partir de conflitos "raciais"existentes no Brasil entre negros e a população de origemeuropéia.

A etnologia brasileira está intimamente ligada, em seudesenvolvimento, a iniciativa de etnólogos estrangeiros quefizeram numerosas expedições ao Brasil, com o objetivo de

17

  Veja por ejemplo: HOBSBAWN, E. (2000) «La izquierda y la política de laidentidad»,  New Left Review (ed. esp.), n.º 0, pp. 114-125. Sobre as emergencias étnicasconsultar ROOSENS, E. (1989): Creating Etnicity. The Process of Ethnogenesis,California, Sage, e sobre “paisagem multicultural conferir CARABAÑA, J. (1995): « Afavor del individuo y contra las ideologías multiculturalistas»,  Revista de Educación, n.º30, pp. 61-88. 

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coletar objetos de arte indígena para as coleções de museusda Europa e para responder as questões formuladas peloseuropeus à época, como por exemplo, o estado dos "povosnaturais" e a tese da "degenerescência das raças".

Etnólogos e naturalistas alemães estiveram no Brasilentre 1884 e 1914: Karl von den Steinen, Paul Ehrenreich,

Carl Friedrich Philipp von Martius, Theodor Koch-Grünberge Max Schmidt são os mais importantes deste período.Martius explorou o país de 1817 a 1920 ao longo de diversasexpedições e grande parte sobre o conhecimento da fauna eflora brasileira se deve ao trabalho desses naturalistas queobtiveram por parte dos governos um interesse e manter efinanciar expedições no interior do Brasil. Não se podedeixar de mencionar os outros estudiosos europeus queestiveram também no Brasil como, por exemplo, HenriCoudreau, Alfred Métraux. Suas obras compõem hojeverbetes importantes na Bibliografia Crítica da EtnologiaBrasileira editada por Herbert Baldus (1954).

O Brasil tornou-se independente de Portugal em 1822passando para um regime de monarquia parlamentarista eposteriormente a República em 1889. De 1808 a 1882 estima-se que 24 projetos de fundação de universidades passarampelo parlamento brasileiro, mas todos foram rejeitados(AZEVEDO 1958, p. 215). A única oportunidade que os

 brasileiros tinham para os estudos universitários era viajar

para Coimbra ou Paris. Entenda-se que se trata da elite deuma sociedade escravagista cujos "Mazombos"18 , iam estudar

18 Ver: Vianna Moog "Defricheurs et pionniers" p. 122: descreve a vida dos estudantes brasileiros no estrangeiro, mais especialmente a dos Mazombos e a questão de identidade.

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no estrangeiro. E é justamente na Europa que os brasileirostomam consciência de sua pertença a um "novo mundo"

 buscando uma identidade.O ensino universitário na época do Império do Brasil

era ministrado nos seminários religiosos ou nas escolas deDireito ou de Medicina. O governo orientava seus esforços

para a criação de escolas militares durante todo o século queprecedeu a República. No século XIX, o pensamentodominante baseava-se no Positivismo de Augusto Comte.

O romantismo na Literatura glorificava o índio comoancestral, o símbolo nacional, e a língua Tupi foi mesmoproposta para substituir o português como língua nacional(Nesse sentido, ver o debate proposto por Lima Barreto emTriste Fim de Policarpo Quaresma). Os poetas e escritores domovimento nativista desconheciam a realidade social epolítica dos índios e geralmente representavam de maneiraidealizada, como se eles não existissem, mas que dava a baseda identidade nacional. Gonçalves Dias é um dos represen-tantes deste movimento. Embora sensível às questõesindígenas, como demonstra no "Vocabulário da Língua Geral"(Nheengatu) e no "Canto dos Timbiras". Isso não o impediude apoiar o ponto de vista da classe dominante quandoafirma: ‚A vantagem de freqüentar as escolas seria essencialmente(para os índios) perder o hábito da Língua Geral que sempre falamentre eles, nas ruas e em qualquer lugar‛. E ainda com relação a

língua portuguesa afirmou que seria uma grande vantageme, mesmo se as crianças não fossem para a escola por outracoisa, seria razão suficiente para que o ‚ governo criasse escolas

 primárias no Solimões" (DIAS 1861, p. 5-6).

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Neste século XIX inicia-se uma busca pela identidadenacional, sobretudo na literatura, e o índio aparece como umrepresentante dessa identidade. Na mesma época, surgem asteorias deterministas enfatizando o clima e a raça queafirmam a superioridade branca, criando desta maneiraquestões embaraçosas para a classe dominante em relação à

sua identificação com o índio. Além do mais, em um paíscomo o Brasil era impossível -  segundo os adeptos dadoutrina racista de Joseph-Arthur  Gobineau, conhecidocomo Conde de Gobineau, diplomata, escritor e pensadorfrancês, nasceu em Ville-d'Avray em 1816  e morreu emTurim em 1882 -  fazer parte de uma civilização em que amistura de raças era a causa de sua degenerescência19 (VIANNA MOOG 1963, p. 12). No Brasil, este pensamento éreforçado durante o período entre a República e o fim daprimeira guerra mundial, quando alguns intelectuais

 brasileiros apresentam a tese do "branqueamento"20.No início do século XX, as escolas de ensino superior

que predominavam no Brasil eram as de Direito, deMedicina e as escolas de Engenharia. Essas escolas eram namaioria iniciantes e recebiam a influência européia atravésde livros, sobretudo alemães e franceses. Haviam três

19  Ver sobre essa questão o trabalho de Georges Readers (1954) sobre o Conde deGobineau no Brasil, e mais recentemente conferir: SANTOS, R. V.; MAIO, Marcos Chor.Antropologia, raça e os dilemas das identidades na era da genômica . História, Ciência e

Saúde - Manguinhos, v. 12, p. 447-468, 2005 e MAIO, Marcos Chor (Org.); SANTOS, R.V. (Org.) . Dossiê Raça, Genética, Identidades e Saúde. Rio de Janeiro: PeriódicoHistória, Ciências, Saúde - Manguinhos, volume 12(2), 2005. v. 1.20 Por exemplo, as obras de Silvio Romero "Etnologia selvagem" (1872) ou "Ensaios desociologia e literatura" (1901), conferir também, o artigo de Petrônio José Domingues, Negros de Almas Brancas? A Ideologia do Branqueamento no Interior da Comunidade Negra em São Paulo, 1915-1930, in  Estudos Afro-Asiáticos, Ano 24, nº 3, 2002, pp. 563-599

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correntes, nos meios intelectuais, para explicar a formação danacionalidade brasileira. A primeira corrente, chauvinista eufanista reagia contra as posições européias dizendo que oBrasil era destinado a ser um grande país sendo dado quesua grande riqueza eram os recursos naturais. Umrepresentante desse pensamento poderia ser o escritor

Afonso Celso que perguntou "Por que me ufano do meu País?"(1901).A segunda orientação de pensamento baseava-se nas

doutrinas européias do determinismo racial e climático.Quanto ao terceiro grupo, reagia violentamente contra todotipo de teoria que viesse do estrangeiro. Seus adeptospensavam que a solução dos problemas brasileiros deveriaaparecer após uma análise profunda do processo histórico

 brasileiro. Alguns entre eles tinham por argumento o fato deque as teorias racistas foram elaboradas em países pequenose que em virtude disto não tinham nada a ver com um paísgrande como o Brasil. Com isto, ressaltava-se a criação deuma nova mentalidade que "devia procurar soluções

 brasileiras para um problema brasileiro".Esta perspectiva nacionalista vai eclodir na Semana de

Arte Moderna, realizada em São Paulo, em 1922, por ocasiãodo centenário da Independência do Brasil. O movimento quenasceu desta semana é conhecido como  Modernismo, e  seinspirou nas vanguardas francesas e italianas21. Procurava

promover a literatura e as artes integradas aos fundamentosdos temas considerados nacionais. Na base do Modernismo,

21  Conferir: KORFMANN, M. ; NOGUEIRA, Marcelo . Avant-Garde in Brazil. Dialectical Antrophology, New York, USA, v. 28, p. 125-145, 2004.  

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podia-se perceber uma ruptura com as tradições acadêmicasque caracterizavam as produções intelectuais. Estemovimento propunha novas concepções orientadas paratudo o que pudesse ser identificado como puramentenacional.

"Tupi or not Tupi, that's the question"  proclamava o

Manifesto Antropofágico de Oswald de Andrade queilustrava a maneira de conceber o índio por este movimento,que tinha também por objetivo a procura de uma identidadenacional22. A preferência por temas brasileiros levou osintelectuais modernistas às origens, ao retorno à realidade

 brasileira, que transparecem nas produções literárias daépoca. O espaço criado por este movimento colocou o "índio

 brasileiro" — concebido como uma categoria genérica — nocenário destas produções. Macunaíma , (1928) a obra prima de

Mário de Andrade mostra todos os problemas que secolocam no momento do contato do índio com a sociedadenacional. Nasce a idéia dos hibridismos, e todas asconseqüências para os povos indígenas transformando suasidentidades a partir do contato com a sociedade nacional.

As monografias sobre as populações indígenas daépoca, quase todas escritas em língua alemã, foramtraduzidas para português e utilizadas por aqueles que seinteressavam por temas brasileiros e que viam no índio a

expressão do que é "puramente brasileiro". O Modernismo

22 Conferir Ferreira de Almeida, Maria Candida. "Só a antropofagia nos une", capítulo dolivro  Cultura, política y sociedad Perspectivas latinoamericanas  de Daniel Mato.CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, Ciudad Autónoma de BuenosAires, Argentina. 2005. pp. 83-106

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foi uma época de transição de uma fase diríamos: “negativa” para uma fase que poderia ser vista como “construtiva” dosideais nacionais. Desta maneira, o Modernismo influenciouas Ciências Sociais no Brasil na medida em que um espaço dedebate se abriu para jovens pesquisadores, que sepropunham a encontrar uma explicação da realidade

 brasileira, com o maior rigor científico. Gilberto Freyre,Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Júnior, entreoutros, produziram ensaios sobre o processo da formaçãosociocultural do Brasil.

É verdade que no período do Romantismo, havia-seprocurado caminhos similares, e o índio fora utilizado nasArtes e Literatura. Mas era representado como ingênuo,puro, forte, etc. O que não correspondia à realidade. Naépoca do Modernismo, certos clichês foram retomados, masao mesmo tempo, as campanhas visando denunciar,esclarecer sobre a situação dos índios eram conduzidas peloServiço de Proteção ao Índio, criado em 1910 pelo MarechalRondon, e que exprimia as idéias do Apostolado Positivistado Brasil23. No início, esses pensamentos orientaram apolítica indigenista brasileira.

1.3 - Principais Teorias - Plano de Leitura

Fernando Azevedo, em seu livro: " A antropologia e asociologia no Brasil", estabelece as etapas do que se poderia

23 O Apostolado Positivista do Brasil foi um grupo de intelectuais brasileiros que seguiuas idéias de Augusto Comte. Ver, por exemplo, "O cientismo e a defesa dos indígenas brasileiros" nas publicações do Apostolado Positivista do Brasil, n. 276, 1909.

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chamar de etnologia brasileira até 1955. Para o autorexistiram as seguintes fases: a) a fase pré-científica com acontribuição etnográfica dos cronistas (séculos XVI–XVIII);

 b) a pesquisa científica sobre as culturas indígenas: asgrandes expedições (1818–1910); c) a Antropologia física ecultural: os primeiros trabalhos sobre as culturas africanas (2º

quarto do século XIX); d) duas correntes de estudos:indígena e afro-brasileira (AZEVEDO, 1955, p. 353-397). Oautor assinala o fato de que o desenvolvimento das CiênciasSociais no Brasil é devido, em grande parte, à revolução de1930 com a implantação do Estado Novo e suas reformaspolíticas e sociais. "A revolução, diz Azevedo , provocada pelasmudanças que se repercutiram rapidamente na esfera cultural,enfraqueceu a antiga influência das oligarquias dominantes, paradar lugar a um espírito liberal socialista ou a uma combinação deaspirações à liberdade política e à justiça social" (1955, p. 375).

As reformas favoreceram a criação de centros deensino especializados nos principais centros urbanos.O ensino da Etnologia, deixando de lado as instituições comoos museus nacionais: o do Pará, o do Rio e o de São Pauloque se tornou depois o lugar institucional da Escola deSociologia e Política em 1933, da Universidade de São Paulo(1934) e da Universidade do Rio de Janeiro (1935). FlorestanFernandes afirma que a criação destes centros de ensinoespecializado favoreceu o caráter científico da etnologia

 brasileira, e que os focos de interesse das pesquisas no campoda etnologia indígena após os anos 30 foram os seguintes: a)a mudança cultural, b) as pesquisas sobre a mitologia, areligião e o xamanismo e, c) a organização social (1975, p.140).

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As pesquisas da etnologia brasileira sobre os povosindígenas, portanto, datam dos anos 40 no Brasil comoassinala Júlio César Melatti (1982)24 . Elas sucedem as críticas,aos conceitos de aculturação e a uma reformulação teóricados estudos sobre o contato interétnico. O problema daidentidade indígena (étnica), assim como o da "identidade

nacional" foram colocados no Brasil, após as lutas pelaindependência do país e a organização político-adminis-trativa do Império25 , e ocorre o mesmo com a questão dosnegros, intimamente associada às conseqüências econômicase sociais de um regime escravagista como o que estava emvoga no Brasil. Estes problemas sempre fizeram parte doscentros de interesse da elite brasileira que os concebia comocontradições étnicas no seio da sociedade brasileira.

A questão étnica (racial) do negro e do índio semprefoi resolvida nos últimos anos em termos de classe social.Cremos que isto seria simplificá-la de maneira excessiva,com o risco de ocultar a compreensão das relações entrenegros e brancos, ou entre índios e brancos. Esta visão emtermos de classes sociais dispensa a consideração com-parativa de outros casos de relações étnicas, e empobrece oquadro de referência empírica que teria como conseqüênciasas possibilidades de construir modelos mais completos eelaborar teorias de porte científico maior.

24 Segundo Melatti (1982) os centros de interesse da etnologia brasileira após os anos 60são os seguintes: Antropologia social e política, mitologia e rituais; Relações com o meioambiente; Arte e tecnologia; Contato interétnico; Antropologia de ação.25 Cf. José Bonifácio de Andrada e Silva "Apontamentos para a Civilização dos ÍndiosBravos no Brasil" Publicação do Serviço de Proteção aos Índios, n. 1, 1910 (primeiraedição: 1824).

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Este trabalho não tem a pretensão de fazer umahistoriografia exaustiva do conceito de identidade étnica naetnologia brasileira em sua totalidade, mas simplesmenteapresentar a noção da identidade étnica através daspesquisas antropológicas realizadas junto aos povosindígenas do Brasil. Por razões metodológicas, escolhemos

observar esta noção sob o ângulo dessas investigaçõesdurante o século XX, desde as pesquisas sobre o “tipo étnico”  brasileiro realizado por Roquette Pinto até as pesquisasiniciadas por Cardoso de Oliveira. Decidimos, pois elaborarum quadro apresentando os principais conceitos aos quais,de uma maneira ou de outra, a questão da identidade étnicaestá relacionada na antropologia brasileira. Neste sentido,apresentaremos estas pesquisas em três correntes depensamento bem delimitadas pelos conceitos que sãodesenvolvidos nas Ciências Sociais. A primeira se diferenciatotalmente das outras duas. Nota-se uma rupturametodológica e teórica que não existe entre as duas correntesposteriores. Essa diferença se faz sentir na perspectiva comrelação ao índio.

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PRIMEIRA CORRENTE SEGUNDA CORRENTE ERCEIRA CORRENTE

METODOLOGIA Histórico-Regressiva Objetivo CientíficoPesquisas de campo

Objetivo CientíficoPesquisas de campo

PRINCIPAIS

TEORIAS: Fusão das Raças

Mudança cultural

Aculturação

Transfiguração  Étnica

Fricção Interétnica

AUTORESPRINCIPAIS:

Arthur Ramos

Gilberto Freyre

Herbert BaklusFlorestan FernandesEgon Schaden

Darcy Ribeiro

Roberto C. Oliveira

INFLUÊNCIASRECEBIDAS:

Indiscriminadas Escola AmericanaEscola Alemã Marxismo

Escola FrancesaEscola Britânica

PERSPECTIVAS: Mestiçagem Assimilação Integração

A  primeira corrente  está ligada à teoria da fusão dasraças, muito difundida no século XIX e princípios do XX.Esta abordagem nasceu da crítica das teorias "racistas" depensadores europeus como Gobineau, cuja doutrina serviupara justificar a superioridade da "raça branca" e legitimar oimperialismo europeu no fim do século XIX. Em seguida, foiimportada pela América Latina como uma teoria acabada efoi assim que ela obteve seu lugar no cenário intelectual

 brasileiro da época. A teoria da "Fusão das Raças", que veiodesmistificar a superioridade branca entre os intelectuais

 brasileiros, propôs a mistura das raças em resposta às

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abordagens racistas segundo as quais isto seria impossívelpor causa da "degenerescência das raças". A reação aospostulados sobre a pureza étnica e a superioridade brancadeve-se, em grande parte, aos trabalhos de Nina Rodrigues,Roquette Pinto, Gilberto Freyre, que abandonaram a expli-cação das teorias deterministas raciais para pesquisar as

explicações dos fenômenos através da "cultura". Escolhemosmostrar o desenvolvimento da teoria da fusão das raçasatravés dos trabalhos de Gilberto Freyre, o mais represen-tativo, assim nos parece, desta corrente de pensamento.

A segunda corrente  liga-se aos estudos sobre aaculturação e a mudança cultural que surgiram após os anostrinta sob a influência da Antropologia americana. Umagrande parte dos etnólogos brasileiros serviu-se dostrabalhos da escola americana sobre aculturação paraexplicar o fenômeno do contato entre índios e brancos.Depois disso, no Brasil, a etnologia tomou um caráter oficiale foram instituídos cursos especializados de Sociologia e deEtnologia. A pesquisa de campo toma um novo impulso,criando as condições para a elaboração de um corpo teórico apartir de observações mais rigorosas. A análise da “Teoria daAculturação” dos etnólogos brasileiros será apresentada nocapítulo III com um enfoque particular, das obras deEduardo Galvão. Nesse mesmo capítulo, apresentaremos ostrabalhos de Darcy Ribeiro que propõe, a partir de críticas da

teoria da aculturação, uma nova formulação através danoção que ele próprio denomina de "Transfiguração Étnica"desenvolvida através da investigação antropológica do autor.Em nosso quadro esquemático, a teoria da transfiguraçãoétnica situa-se entre a segunda e a terceira correntes de

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pensamento para mostrar que não há ruptura metodológicadefinitiva na proposta da transfiguração étnica, entre as duascorrentes de pensamento.

A proposição de Darcy Ribeiro certamente foiinfluenciada pelos trabalhos de Leslie White, sobretudo noque concerne ao esquema evolucionista. As idéias de White

exerceram uma verdadeira fascinação nos meios intelectuais brasileiros principalmente pela simplicidade e capacidade deapresentar um esquema único, totalizanzante mostrandotoda a aventura humana sobre um leque evolutivo linear. Emseu livro: "The Science of Culture"  (1949), White apresenta asociedade como uma totalidade feita de três subsistemas:tecnológico, sociológico e ideológico. Darcy Ribeiro, em seulivro "Processo Civilizatório" , fala em termos de sistemas:"adaptativo, associativo e ideológico" (RIBEIRO, 1981, p. 43).

A terceira corrente , que examinaremos no capítulo IVatravés dos trabalhos de Roberto Cardoso de Oliveira, partede uma crítica radical ao conceito de aculturação e consideraque a noção de transfiguração étnica pouco operacional epropõe substituí-la pela noção de Fricção Interétnica. O autorpropõe uma abordagem sociológica do fenômeno de con-tato interétnico e considera a noção de identidade étnicaenquanto uma construção ideológica.

Os antropólogos que seguem essa direção, princi-palmente aqueles, que participaram do projeto de pesquisa

coordenado por Roberto Cardoso de Oliveira, partem daproposição inovativa de Fredrik Barth (1969) de considerar anoção de grupo étnico como um "tipo organizacional". Paraestes antropólogos, a identidade étnica é o que vai serdeterminante para o desenvolvimento do grupo, do ponto de

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vista organizacional e ideológico, identificando-se com umaidentidade, e que se preserva enquanto grupo étnico desdeque sejam visíveis as condições organizacionais coletivas.Enfim, Cardoso de Oliveira dará ênfase na noção deidentidade contrastiva e Roberto Da Matta a utiliza comoidentidade paradoxal26. Outros antropólogos, entre outros o

 João Pacheco de Oliveira Filho, desenvolverá para aantropologia brasileira importante trabalhos nessa direção, oque ele vai denominar de “relações intersocietárias”.Conferir principalmente sua obra: “Ensaios em AntropologiaHistórica‛. Rio de Janeiro, Editora UFRJ, 1999. Este livrocontém oito capítulos e busca enfocar a noção de identidadeétnica à partir da dimensão histórica escolhida, como opróprio autor diz, como estratégia para refletir sobre associedades e culturas indígenas em seus contextos e nasrelações intersocietárias. Nessa abordagem, os índios sãovistos como “sujeitos históricos plenos”. "É preciso , assinala oautor, retirar as coletividades indígenas de um amplo esquema dosestágios evolutivos da humanidade e passar a situá-las nacontemporaneidade e em um tempo histórico múltiplo ediferenciado" (1999:9). O autor busca trilhar sua produção noatravés da noção de “situação” como idéia chave para situar

as identidades étnicas.Cada uma dessas correntes de pensamento deixa

transparecer perspectivas determinadas em relação aos

povos indígenas. A primeira estima que a  Mestiçagem é umasolução viável e compatível com os valores e os ideais da

26  Infelizmente o prof. Roberto Da Matta não desenvolveu mais essa possibilidade nosestudos sobre identidade.

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sociedade brasileira. A mestiçagem está presente como umprocesso positivo, enriquecedor para o conjunto dasociedade, como bem demonstram os trabalhos de GilbertoFreyre. A segunda corrente tem como perspectiva a

 Assimilação no sentido utilizado por Cardoso, visto como "umprocesso pelo qual um grupo étnico incorpora-se a um outro,

perdendo suas particularidades culturais e sua identificaçãoétnica anterior" (CARDOSO DE OLIVEIRA, 1976a, p. 103).Para os representantes da terceira corrente do pensamentoantropológico brasileiro, é colocada a Integração  comopossibilidade para os povos indígenas. Estes deverãointegrar-se à sociedade nacional sem perder, contudo suaparticularidade cultural e étnica, tendo suficiente autonomiapara dispor de sua própria organização política e cultural.Em outros termos, são os próprios povos indígenas quedecidirão seu próprio destino.

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2.  TIPOS ÉTNICOS E FUSÃODAS RAÇAS

Apresentaremos neste capítulo a teoria da fusão dasraças tal qual foi desenvolvida no Brasil modernista. GilbertoFreyre foi um dos principais representantes desta corrente depensamento entre os pesquisadores nas ciências sociais.Começaremos fazendo uma análise das doutrinas racistas ecomo estas foram adotadas e aceitas pela elite intelectual

 brasileira. As teorias eruditas das raças humanas apareceramna Europa durante a crise da Revolução Francesa do séculoXVIII, mas só tomaram forma no século seguinte quandoconseguiram dominar o mundo intelectual. Continhamformulações evolucionistas "cientificamente respeitadas" que

 justificavam a superioridade branca.Não obstante a diversidade dessas teorias que vários

especialistas brasileiros (OLIVEIRA VIANNA 1911) seapoiaram para explicar a situação nacional, não eram simpleso bastante para penetrar facilmente nos meios intelectuais epolíticos. Um dos pressupostos principais dessas teorias erade que cada “raça” ocupa um lugar determinado na históriada humanidade. Não dão conta da diversidade étnica, nemde saber se elas tinham uma origem comum (não seinteressavam, por exemplo, pelas hipóteses monogenistas ou

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poligenistas), essas teorias eram deterministas na medida emque consideravam as diferenças biológicas entre as raçascomo características fixas que determinavam a mentalidade eo comportamento humano.

2.1 - O Mito das Três Raças

O Conde de Gobineau foi o principal inspirador naelaboração das doutrinas "racistas", todo seu esquema teóricocoloca em evidência a diversidade das raças ao justificar asuperioridade da raça branca pela posição que semprehaviam ocupado na história, dando transparecer assim duastendências fundamentais no desenvolvimento de seupensamento. Em primeiro lugar pode ser observado o seupessimismo, talvez inspirado na leitura de Byron e deSchopenhauer, que não deixa possibilidade de uma reformapolítica nos contextos de desigualdades sociais. Sua argu-mentação encontrou eco em muitos pensadores brasileiros,sobretudo o que foi desenvolvido nos quatro volumes dosEnsaios, não é uma demonstração cientifica, mas uma longa eincansável discussão sobre a decadência da humanidade.Esse pessimismo está presente em toda sua obra e mostra asua personalidade que vai jogar um papel importante nosdebates políticos entre os pensadores nacionais.

O que a história, segundo Gobineau27 , podia confirmar

amplamente através de uma espécie de divisão do trabalho:os fenícios eram comerciantes, os gregos professores das

27 Veja os trabalhos de Conde de Gobineau " L'Essai sur l'inégalité des races humaines"Firmim-Didot, 1853 e 1855.

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gerações futuras, os romanos elaboravam as leis. Para deixarmais precisa sua teoria, ele dizia que os poderes, os instintos,as aspirações não mudam tanto quando a raça permanecepura, ou seja, que as raças progridem e se desenvolvem, masnão mudam jamais sua natureza. Esta abordagem teóricapretendia tudo resolver, e não somente o contraste entre o

Brasil e os Estados Unidos, ou entre os Estados Unidos e aArgentina etc.O conceito de raça vem da  biologia e é usado como

sinônimo de subespécie. No entanto, este termo foi utilizadopara identificar categorias humanas socialmente definidas.Para as ciências sociais o termo raça foi utilizado paraconstruir identidades culturais. O conceito de raças humanasfoi usado pelos regimes coloniais e pelo apartheid (nos EUA eÁfrica do Sul) , para perpetuar a submissão dos colonizados(ou da maioria negra, mas sem recursos) atualmente, só nosEstados Unidos se usa uma classificação da sua populaçãoem raças, alegando que é para proteger os direitos dasminorias.  A definição de raças humanas é principalmenteuma classificação de ordem social, onde a cor da pele eorigem social ganha, graças a uma cultura racista, sentidos,valores e significados distintos. As diferenças mais comunsreferem-se à cor de pele, tipo de cabelo, conformação facial ecranial,  ancestralidade e, em algumas culturas, genética. O conceito de raça humana não se confunde com o de sub-

espécie e com o de variedade, aplicados a outros seres vivosque não o homem. Por seu caráter controverso (seu impactona identidade social e política) , o conceito de raça équestionado pelos antropólogos como construto social; entre

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os biólogos, é um conceito com certo descrédito por não seconformar a normas taxonômicas

Gobineau e muitos dos seus seguidores avançavam natese de que a sociedade brasileira era inviável porquepossuía uma enorme população mestiça, produto indesejadoe híbrido do cruzamento de brancos, de índios, e de negros.

Gobineau não pôde exprimir seu pessimismo, no Brasil,diante da evidência da mestiçagem, com sua profusãode "mulatos" (negro+branco), "cafusos" (branco+índio) e"mamelucos" (índio+negro). (READER, 1934, p. 75). Nestepaís, os brancos estavam perdendo suas qualidades porcausa dos índios e, sobretudo pela mistura com os negrosassinalava SKIDMORE (1976, p. 46-47). Esta perspectivadominava os estudos dos estrangeiros sobre o Brasil comomostra o trabalho de Paul Le Cointe: "L'Amazonie Brésilienne",onde o autor refere-se à mestiçagem como "um poderoso fatorde rebaixamento do nível geral de moralidade e de civilização"(1922, p. 220, Tomo I,).

A doutrina da igualdade das raças é a origem doracismo "à brasileira" camuflado na teoria da fusão das raças.Foi, na época, aclamada por certos intelectuais, poiscorrespondia a uma mentalidade dominante e hegemônica,cuja influência percebe-se ainda hoje no discurso de políticossobre a “democracia racial”  brasileira. A ênfase nas trêsmatrizes étnicas no discurso, e, sobretudo na construção de

uma identidade nacional: Índio, Europeu (branco), Negro,tem, no Brasil, outro significado, diferente daquele que existenos Estados Unidos, onde, por exemplo, não há graus inter-mediários entre as três matrizes como normalmente fazemosaqui com relação a cor da pele.

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É importante salientar que a Antropologia física28 constituía o centro de interesse no início do século XX, e nãose diferenciava da Etnologia propriamente dita. A separaçãoentre esses dois campos disciplinares se fará, no Brasil, apósa primeira guerra mundial (SCHADEN, 1955, p. 301). Oprimeiro curso de Antropologia Física foi criado por Batista

Lacerda no Museu Nacional em 1877 que tinha publicadoum ano antes "Contribuições para o estudo antropológico dasraças indígenas", escrito em colaboração com RodriguesPeixoto. Este livro era constituído de estudos baseados emobservações craneológicas de seis índios botocudos.

Na mesma época, Raimundo Nina Rodrigues inicia naBahia um estudo sobre a cultura afro-brasileira. Em 1894,publica seu livro: "As raças humanas  –   sua responsabilidade

 penal"  que vai ser o ponto de partida dos estudos sobre osNegros e os Mestiços no Brasil. O autor analisa o tráfico dosafricanos e mostra a diversidade das "Nações" de origemdesses povos que foram exilados à força para tornarem-seescravos. Aborda embora influenciado pelas doutrinasracistas da época, o problema das raças humanas e par-ticularmente dos negros. Não havia, nesta época no Brasil,senão dois centros de pesquisa em antropologia física: um seencontrava na Bahia sob a orientação de Nina Rodrigues e ooutro no Rio de Janeiro no Museu Nacional, sob a direção deBatista Lacerda. Nina Rodrigues se debruçava sobre o estudo

do que chamaríamos hoje aculturação e os estudos de

28 Nesta parte, visamos mostrar o começo da Antropologia Física no Brasil. Sobre a noçãode 'raça' na Antropologia física, Ver: Julian Pitt-Rivers "Race in Latin America: theconcept of 'race'" In:  Archive European Sociologie XIV, 1973, p. 5. Veja também LuizGonzaga de Melo,  Antropologia Cultural, Temas e Teorias,  Editora Vozes, Petrópolis,2002.

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psicopatologia social, com a ajuda dos quais estudava ofenômeno da guerra de Canudos que ele chamava de"Psicose coletiva de Canudos". Batista Lacerda continuavacom as medidas de crânios e seus estudos a propósito do"Homem dos Sambaquis". Ele, na condição de médico legistae professor de medicina legal na Universidade da Bahia, no

final do século XIX e começo do século XX, dificilmenteescaparia ao pensamento deste tipo; pois estava em umambiente institucional e intelectual, influenciado pelasteorias e idéias racistas, nacionalistas, evolutivo-positivistas,de oriundas de pensadores como Darwin, Augusto Comte,Heckel, Cesari Lombroso, Enrico Ferri e R. Garofollo,e Alexandre Lacassagne, que permeiam as páginas de‚As Raças Humanas e Responsabilidade Penal no Brasil‛.Desta forma, não fica difícil entender por que NinaRodrigues assume, e comunica na sua obra, um discursosobre o negro pautado na determinação biológica e culturalda superioridade branca, na medida em que ele recebeinfluências dos ideólogos e teóricos do mesmo.

Roquette Pinto é o inovador da Antropologia Físicano Brasil. Em 1906, publica sua primeira obra intitulada"O exercício da medicina entre os indígenas da América". Estelivro foi escrito na seqüência de uma expedição de CândidoMariano Rondon da qual havia participado ao longo do ano.Em 1909, ele participou do quarto Congresso Médico da

América Latina no Rio de Janeiro para o qual escreveu umilustrativo ensaio: "Etnografia indígena do Brasil — estado atualde nossos conhecimentos". Tratava-se de uma síntese na qualRoquette Pinto faz a história das tentativas de classificaçãorealizadas por Martius, Steinen e Ehrenreich enfatizando as

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tarefas de ordem taxonômica e a necessidade de "dar umadenominação adequada aos grupos de nomes diferentes, mas queapresentem uma evidente afinidade lingüística e cultural" (FARIA,1958). "Rondônia" será uma das principais obras de RoquettePinto, publicada em 1916, na qual o autor trata de uma formamais sistemática os aspectos da cultura Nambiquara e Pareci.

Este será durante muito tempo o modelo de monografia a serseguido pelos etnólogos brasileiros.Os trabalhos de Roquete Pinto estão entre os pri-

meiros estudos de etnologia brasileira a fazer observaçõesrigorosas sobre o campo. Suas obras sobre os povosindígenas não se limitam à antropologia física, e à pesquisados "tipos étnicos" dos grupos indígenas com os quaisestivera em contato no momento de suas pesquisas sobre asmensurações cranianas, mas alargam o campo das inves-tigações antropométricas com a criação de novos critérios.Recorre ao "retrato falado" para determinar o tipo étnico dosíndios Pareci, faz observações com base nos estudos deEhrenreich e organiza as primeiras fichas datiloscópicas dosNambiquara. Em um trabalho coletivo, "Contribuição àanatomia comparada das raças humanas" (1926), Roquette Pintoapresenta uma classificação para a população brasileira

 baseando-se nos elementos antropométricas que se dividemem quatro grupos: a) Leucodermes (Brancos), b) Faiodermes(brancos+negros), c) Xantodermes (brancos+índios), Melano-

dermes (negros). Roquette Pinto assinala que estaclassificação é o fruto de 20 anos de trabalhosantropométricos para determinar o tipo físico brasileiro.(1933, p. 127).

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2.2 - Mestiçagem: a Resposta

As interpretações da formação sócio-cultural e daevolução da sociedade brasileira colidem com a ausência declassificação rigorosa dos dados sobre os povos indígenas doBrasil. As pesquisas etnológicas tentaram preencher este

vazio, auxiliadas pelo estabelecimento oficial do ensino dasCiências Sociais no Brasil após os anos 30. O ensino daetnologia, da sociologia e da economia adquirira um caráteroficial após a implantação de centros de ensino especializado(FERNANDES, 1975, p. 113).

Os trabalhos que começaram em perspectiva decompreensão global do processo social sob seus múltiplosaspectos: histórico, étnico, econômico, tiveram uma granderepercussão no Brasil. Entre estes, pode-se mencionar asobras de Couto Magalhães, Nina Rodrigues, Arthur Ramos,Estevão Pinto, Euclides da Cunha, Oliveira Vianna, GilbertoFreyre entre outros29 .

Entretanto, uma grande parte dos trabalhos aborda demaneira superficial o delicado problema das "raças" e dasculturas no Brasil. Trata-se efetivamente de um "problema"— afirma Florestan Fernandes — devido as condições sociaisnas quais se deram os contatos raciais e culturais, quedeixaram algumas tensões em estado latente, e outras emefervescência, sejam porque num povo heterogêneo do ponto

29 Arthur Ramos " Introdução à Antropologia Brasileira" v.2, 1943 e 1947. Estevão Pinto"Os indígenas do Nordeste", 1935. Euclides da Cunha "Os Sertões", 1916. F. José deOliveira Viana " Formation de la Nationalité Brésilienne", 1911, ou " Formação Étnica do Brasil Colonial ", Paris 1932.

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de vista racial e cultural, “questões deste gênero criam confusõese incertezas quanto ao futuro" (FERNANDES 1975, p. 125).

Se, de um lado, as inovações nas descobertas destesautores permitiram explicar aspectos da situação étnica doBrasil, abrindo novos caminhos para as pesquisas etno-lógicas, por outro deixaram transparecer lacunas nas análises

de aspectos complexos do fenômeno. Estas lacunas sãoresultantes do método utilizado por grande parte dosautores, como explica Gilberto Freyre no prefácio de "CasaGrande e Senzala": " para interpretar os documentos, o autor

 preferiu seguir o método objetivo; mas em certos pontos, utilizou ométodo introspectivo..." (1954, p. 34). Interessa-nos aqui nestetrabalho, mostrar como a teoria que denominamos de Fusãodas Raças foi utilizada para explicar a diversidade étnica e aformação sócio-cultural brasileira. Esta abordagem foiimportante na medida em que rompeu com as doutrinas queafirmavam a superioridade da "raça branca" e, de certamaneira, trazia respostas às numerosas questões queformulavam os intelectuais a propósito da identidadenacional (VIANNA MOOG, 1963, p. 12).

Em"Casa Grande e Senzala" , cuja primeira edição datade 1933, o autor, analisa a formação social brasileira "sob oregime da economia patriarcal". Este livro contém um capítulono qual o autor, para sustentar a teoria da mestiçagem,atribui ao índio o papel de simples reprodutor.

"O ambiente no qual começou a vida no Brasil foi de quaseintoxicação sexual. O europeu desembarcava em terra firmeesbarrando em índias nuas; os próprios jesuítas deviam prestaratenção saltando ou se arriscavam em se inficar na carne.

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Outros membros do clero contaminaram-se pela devassidão. Asmulheres foram as primeiras a se oferecer aos brancos, as maisardentes esfregando-se nas pernas dos que elas supunham serdeuses. Elas se deram ao europeu por um pente ou um pedaçode espelho" (FREYRE, 1954, p. 219).

Nessa obra os indígenas são tratados como categoria

geral e homogênea, tornando difícil a análise do contato comos portugueses durante o período colonial. Freyre situa osíndios diante do impacto do regime colonial da seguintemaneira:

"Mas entre os indígenas das terras de madeira e de tinta, ascondições de resistência ao europeu foram outras: resistêncianão mineral mas vegetal. A reação à dominação européia naregião de cultura ameríndia invadida pelos portugueses, quase foi a de pura sensibilidade ou contratilidade vegetal (sic),  oíndio se retraindo ou se esfregando no contato civilizador do

europeu por causa de sua incapacidade de acomodar-se à novatécnica econômica e ao novo regime social e moral. (...) Duranteo tempo que o esforço exigido pelo colono do escravo índio fora ode derrubar árvores, transportar troncos para os navios,enceleirar, de pescar, de caçar, de defender os senhores contra osinimigos selvagens e os corsários estrangeiros, de guiar osexploradores através da floresta virgem — o indígena garantiuo trabalho servil. Já não era mais o selvagem livre de antes dacolonização portuguesa; mas não havia como desenraizar oíndio de seu meio físico, de seu ambiente moral sem os quais avida lhe teria parecido vazia de todos os gostos estimulantes e

bons: a caça, a pesca, a guerra, o contato místico e quaseesportivo com as águas, a floresta, os animais. Estedesenraizamento viria com a colonização agrária, isto é,latifundiária; com a monocultura representada sobretudo peloaçúcar. O açúcar matou o índio‛ (FREYRE, 1954, p. 214-215e 316).

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A teoria da fusão das raças apresenta a população brasileira sem preconceitos raciais e criou as bases doracismo "à brasileira" não considerando o sistemahierárquico implantado no país. Este sistema30 , como jávimos, fundamenta sua representação ideológica nas leis daIgreja. Segundo este sistema, foi o próprio Deus que

construiu a "pirâmide social", isto é, no ápice da pirâmide, oImperador e o Papa, depois os nobres etc. Este sistema foitransportado para o Brasil com toda a ideologia implícita emsi, o que justifica as classificações sociais, técnicas, jurídicas eadministrativas do Brasil.

Mesmo se pudéssemos sustentar a idéia, amplamenteutilizada pelos defensores da mestiçagem, que houve uma"mistura de sangue" entre negros, índios e portugueses, ofato mais importante para a análise é que Portugal, atravésde suas instituições, dominava e implantava no Brasil seusistema social. Com outras palavras, a colônia brasileira,nunca foi o campo de experiências sociais ou políticasinovadoras, onde se poderiam exprimir diferenças radicais eindividualizadas. Ao contrário, não obstante as diferençasregionais de clima, de desenvolvimento econômico, oterritório brasileiro, foram fortemente centralizadas atravésde um governo com uma legislação consistente a partir dosinteresses da Coroa Portuguesa.

É impossível determinar, no caso do Brasil, a origem

do "credo racial" que substituiu enquanto ideologia a rigidezhierárquica que se manteve desde a descoberta até às lutas

30  Sobre o sistema hierárquico, estrutura social e sobre nacionalismo brasileiro, ver ainteressante análise de E. Bradford Burns "Nationalisme in Brazil", 1968

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pela Independência, quando este modelo começou a serquestionado. O movimento para a Independência procurouuma reorientação concreta do sistema social em vigoratuando de maneira que a estrutura do poder estivesseligada ao Rio de Janeiro e não mais a Portugal.

Com a independência de Portugal apareceram novas

ideologias e novas formas de conceber as diferenças étnicasexistentes no território brasileiro. Era preciso procurar umaidentidade nacional que unificasse a população. A doutrinaracial brasileira construída nesse período permite conciliaruma série de movimentos contraditórios sem que sejamcriadas as bases de uma transformação profunda nas relaçõesde poder.

O período que precede a Abolição da Escravatura(1888) conheceu uma crise muito forte, que modificou aorganização social brasileira. A abolição da escravatura

constituiu sem dúvida uma ameaça para a estruturaeconômica do país31. O catolicismo e o sistema jurídicoimplantados com a colonização portuguesa não maiscorrespondiam à estrutura social e novas ideologias vierampouco-a-pouco substituí-los e exprimindo em dois movi-mentos contraditórios na época da Abolição da Escravatura.Um deles era manter o status quo , libertando juridicamente oescravo sem, contudo dar-lhe as condições de se libertarsocialmente das engrenagens imposto pelo modeloeconômico político e social. O outro movimento, e esse, está

inserido particularmente na doutrina das três raças, concebiauma estrutura social que permitisse a integração do negro na

31  Conferir interessantes análises em Richard Grahan "Escravidão, reforma eimperialismo", 1979 e SKIDMORE, T. E. Preto no Branco: Raça, Nacionalidade noPensamento Brasileiro. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.

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sociedade em seu conjunto, mas sem permitir que elesexpressassem a especificidade de sua cultura. Esta visãoainda tem nos dias de hoje a força e o status de ideologiadominante: um sistema que interpreta a maioria dosdomínios da cultura. Estas idéias têm por base a tese do"branqueamento" como projeto político e social a alcançar.

O racismo brasileiro proclama de maneira paradoxal

— como o mostra Freyre — uma unificação harmoniosa emtermos biológicos das três matrizes étnicas que constituem asociedade (ela própria fortemente hierárquica), unificaçãoque se exprimiria na "cordialidade" brasileira ou noscostumes tais quais os ritos afro-brasileiros expressos nocarnaval32. Uma outra abordagem usada por Freyre paraexplicar a democracia racial brasileira que aparece entre asteses desenvolvidas em "Casa Grande e Senzala"  e em"Sobrados e Mocambos", está relacionada com os “Mouros”que teriam predisposto os portugueses a relações abertas e

igualitárias com índios e negros. Essas afirmações sãodificilmente defensáveis. É preciso lembrar que osportugueses, ao chegarem ao Brasil, não estavam libertadosda tutela centralizadora de Portugal da época, o que lhesimpedia — caso quisessem — fazer inovações no sistema derelações sociais em vigor.

Os defensores da mestiçagem consideravam osindígenas como vulgares na formação do tipo brasileiro. Oíndio deveria morrer, não por causa do açúcar, mas em nomede uma identidade nacional. O índio como o negro deveriadesaparecer enquanto tais. Esta doutrina não permitia aexpressão identidade étnica.

32  Conferir a análise sobre estes temas na obra de Roberto Da Mata "Carnavais,malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro" , Rio de Janeiro, Zahar, 4ªEdição, 1983

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3. ACULTURAÇÃO ETRANSFIGURAÇÃO ÉTNICA

Este capítulo tem por objetivo a apresentação dosconceitos de aculturação e de transfiguração étnica. O pri-meiro foi amplamente utilizado no Brasil da maneira comofoi concebido pelos inspiradores do "Memorandum for theStudy of Culture Contact"  elaborado por Redfield, Lintone Herskovits (1936), que teve como berço a Antropologiacultural americana. O conceito de transfiguração étnica foielaborado por Darcy Ribeiro a partir da crítica ao conceito deaculturação movida pela Antropologia desenvolvida naAmérica Latina.

Tendo em vista a produção acadêmica com relação aospovos indígenas, a etnologia brasileira desenvolvida a partirdos anos trinta pôde ser considerada como fazendo parte deuma fase "integracionista", onde os estudos enfatizavam queíndios deveriam de uma maneira ou de outra, integrar-se àsociedade nacional. A confusão na utilização do conceito deintegração engendrou uma polêmica que não foi resolvidasenão em 1960, quando pela primeira vez, é definido o que seentendia por integração. É importante insistir no fato de quedurante este período a idéia de integração, e mesmo a deaculturação, com todos os esforços de compreensão, era

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interpretado como assimilação, como bem assinala EduardoGalvão: "Devemos esquecer um pouco a aculturação e pensar maisem termos de assimilação" (GALVÃO, 1979, p. 131).

Antes da definição clássica de aculturação elaboradano "Memorandum de 1936‛ , este termo já estava sendoutilizado para designar o resultado dos contatos culturais

entre duas sociedades (EHRENREICH, 1906, p. 672)33

. Nãofoi senão a partir do  Memorandum,  que esta noção foiamplamente utilizada, sobretudo pela escola americana, nãoobstante as críticas como, por exemplo, aquela queMalinowski fez nos anos quarenta:

"Consideremos, por exemplo, o termo aculturação que, depoisde algum tempo, começou a se propagar e ameaça tomar oterreno, sobretudo nos escritos sociológicos dos autores norte-americanos. Além de sua fonética ingrata, o termo aculturação

contém todo um conjunto determinado de implicaçõesetimológicas inadaptadas. É um termo etnocêntrico comuma significação moral. O imigrante deve se aculturar(to acculturate) assim como os indígenas, pagãos e os infiéis, osbárbaros e os selvagens,Que gozam do "benefício" de sersubmisso à nossa grande cultura ocidental" (1940, p. xi).

Na antropologia brasileira, a aceitação do termoaculturação foi lenta. Herbert Baldus, que escreve apropósito da mudança cultural dos índios (1937), não faz usouma só vez deste conceito. Somente a partir dos anoscinqüenta que a noção de aculturação será amplamenteutilizada pelos etnólogos que investigam os povos indígenas.

33  Veja também R.-H.-C. Teske et B.-H. Nelson, " Acculturation and Assimilation: aClarification ", in : American Ethnologist , 1 (2), 1974, pp. 351-367

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Neste caso, estamos nos referindo às pesquisas de EduardoGalvão, Charles Wagley, Fernando Altenfelder da Silva,

 James Watson e outros que estão nos primórdios daintrodução deste conceito e seu uso posterior na produçãoantropológica brasileira.

Fora a noção de aculturação, nesse mesmo período, a

antropologia brasileira se utilizou de outro conceito: o deintegração, usado, sobretudo no jargão da política indi-genista oficial. Trata-se de uma manipulação do conceito deinteração social, através das quais as comunidades indígenassão vistas como fazendo parte de um sistema no qual devemintegrar-se. Tanto o conceito de integração como o deassimilação será foco dos debates na produção etnológica emuitas vezes serão utilizados indistintamente, o que aparece,por exemplo, nos trabalhos de Wagley e Galvão (1949).

A definição mais apropriada destas noções surgiudurante o IV Congresso Indigenista Interamericano realizadona Guatemala em 1960, onde Darcy Ribeiro, bem comoCarlos Mejia Pivaral, Gregorio Hernandes de Alva e JoaquimNoval elaboram uma definição mais apropriada ao conceitode integração social voltado para os povos indígenas. Daí emdiante, a "integração social de um país não parece mais exigir quetodos seus habitantes sejam culturalmente iguais"; o que nãosignifica que todos os habitantes de um território nacional seconverteriam em índios ou não-indios. Na realidade, a

definição é proposta dessa forma: "a integração social podesignificar a unidade de todos os habitantes de um país, mas não suaidentidade, nem mesmo uma semelhança fundamental" (RIBEIRO,1960, p. 10).

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Numa época em que o problema do contato entreíndios e "brancos" no Brasil estava ainda circunscrito aoslimites estreitos das teorias da aculturação proveniente daAntropologia norte-americana, os estudos de Darcy Ribeiro ede Roberto Cardoso de Oliveira conseguiram desviar deforma proveitosa de uma ortodoxia quase estéril para dois

novos pólos de orientação teórica metodológica: um emdireção das teorias de mudança social proveniente daAntropologia social britânica, e o outro para a crítica dosmodos de colonização mercantil e capitalista nas sociedadescolonizadas, estabelecida a partir de casos africanos porsociólogos e etnólogos franceses.

Nossa pretensão é de apresentar uma visão dosprincípios essenciais da teoria da aculturação utilizada naetnologia indígena no Brasil e seu desenvolvimento naprodução antropológica, no que refere principalmente aoconceito de identidade étnica. Estamos conscientes de nãopoder discorrer sobre o conjunto dos trabalhos, mastentaremos, contudo apresentar as principais obras queinfluenciam a etnologia brasileira como uma maneiraoferecer pistas para possíveis estudos nessa linha deinvestigação. Apresentaremos em primeiro lugar três tipos deorientações teóricos metodológicas nas abordagens utilizadaspelos antropólogos para elaborar suas monografias, depoispassaremos aos trabalhos de Hebert Baldus, Eduardo Galvão

e Charles Wagley, que situamos na segunda corrente,anteriormente referida, e enfim serão situados os trabalhosde Darcy Ribeiro relacionados principalmente à teoria daTransfiguração Étnica.

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3.1- Tipologia dos Estudos sobre Aculturação

Antes de apresentar a produção antropológica deHebert Baldus, Eduardo Galvão e Darcy Ribeiro selecionadaaqui como referências sobre as teorias da aculturação,examinaremos três tipos de orientações, referidas

anteriormente, utilizados pelos antropólogos brasileiros. Umquarto tipo de orientação compõe-se dos estudos sobre a personalidade indígena , e não será desenvolvida aqui nestetrabalho. Nesta tipo de abordagem, situamos os trabalhos deHebert Baldus e de Florestan Fernandes sobre o Bororo TiagoAipobureu, que obteve a atenção da mídia nos anosquarenta. Esse caso teve repercussão devido ao fato de queeste índio viveu na Europa, e estudou Teologia em Roma,depois retornou à aldeia de seu povo34. No seu retorno,rompe com a cultura ocidental na medida em que insiste emvoltar aos costumes e tradições Bororos.

O caso de Tiago foi estudado por Herbert Baldus emseus "Ensaios de Etnologia Brasileira" (1937) e por FlorestanFernandes em "Tiago Marques: um Bororo Marginal" (1946).Neste estudo, Fernandes parte do conceito de marginalidadefazendo a seguinte reserva: "é preciso colocar-se no preâmbulo aseguinte questão: até que ponto o estudo de um caso único se

 justifica do ponto de vista científico?‛  (FERNANDES, 1975, p.86). Neste trabalho, é enfocada as questões da integração de

Tiago na cultura bororo, os conflitos com os brancos, com ospróprios Bororo, e enfim da readaptação de Tiago em terras

34 Darcy Ribeiro o colocará como um dos personagens em seu romance intitulado: Máira.

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 bororo, etc. Este caso permite ilustrar o quarto tipo deorientação de estudos a respeito da aculturação já assinalado.

Um  primeiro tipo de orientação  monográfica utilizadopelos etnólogos consistia em escolher um grupo indígenacuja organização interna revele os resultados da acomodaçãocom a sociedade nacional, principalmente nas regiões onde

os contatos com os brancos tornaram-se de certa maneirapermanentes, e no quais as influências (freqüentementemútuas) não foram seriamente atingidas pelas transfor-mações regionais bruscas.

Constatamos que os trabalhos de Herbert Baldus,Charles Wagley e Eduardo Galvão entram no quadro destaorientação, sobretudo no que diz respeito às investigaçõesrealizadas entre os Tenetéhara (Guajajara). Neste tipo deorientação impõe-se o interesse pela descrição etnográficasistemática do povo indígena que fornece um critériopositivo para a análise dos pontos de mudança e dereelaboração culturais.

Num segundo tipo de orientação , o investigador escolheum grupo indígena cujas “tendências aculturativas” possamser descritas através de caracterização da sua configuraçãointerna em situações extremas de um continuo histórico-cultural. Isto significa uma manipulação total na inter-pretação dos dados históricos e culturais no intuito decaracterizar a cultura indígena nos diferentes períodos de

contato com a sociedade nacional.Os trabalhos de James Watson, "Historic influence and

change in the economy of a Southern Mato Grosso Tribe" (1945) e"Cayua Culture Change: A Study in Acculturation Methodology" (1952) situam-se nesta perspectiva que enquadramos os

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estudos nesse tipo de abordagem. Aí reunem-se igualmenteos primeiros trabalhos de Cardoso de Oliveira (1960) sobreTerena no Mato Grosso do Sul. As conclusões de Cardososão completamente diferentes daquelas de Watson, e deoutros que seguiram este caminho para efetuar suasinvestigações. A diferença fundamental entre os trabalhos de

Cardoso de Oliveira (1960) e os outros, se situa no ponto departida teórico. Cardoso de Oliveira parte de uma crítica dateoria da aculturação que era representada na época pelosestudos de Siegel, Watson, Broom e Vogt (1954), enquantoque os outros não assumem essa postura critica e utilizamesse conceito operacionalmente.

O terceiro tipo de orientação , nas investigações etno-lógicas realizadas por antropólogos no Brasil sobre aaculturação foi aquela através da qual se seleciona um grupoindígena, cujas relações com a sociedade nacional pudessemser descritas e interpretadas graças a observações desituações intermitentes de contato com os brancos.Apresentando ainda a correlação entre as condições sociaisde existência e o desenvolvimento da cultura como um todo.Neste sentido, o centro de interesse da análise se deslocapara as influências nos mecanismos internos da cultura quedeterminam o modo e o ritmo da mudança cultural.

Os trabalhos de Egon Schaden, " Aculturação Indígena"(1969) faz parte desta orientação. O autor dá grande ênfase

na análise dos traços culturais e nos aspectos difusionistasdos mesmos, que os etnólogos brasileiros desenvolvem, eque por ocorrência, Egon Schaden, nomeia "aculturação no

 plano tecnológico e da cultura material" (SCHADEN, 1969, p.179). O autor também faz uma apresentação dos principais

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estudos sobre aculturação realizados pela etnologia brasileira. O autor não chega exatamente a fazer uma críticaà teoria da aculturação o qual ainda se pode perceber emseus textos como uma defesa da teoria de contatos culturais,sendo um expoente na antropologia brasileira, por mais detrês décadas. Nesse sentido, precisa-se ver o debate

aculturação e estruturalismo, sobretudo, a intermediaçãosobre o conceito de cultura nessa discussão35.Após termos apresentado essa tipologia com as diver-

sas orientações utilizadas na seleção dos grupos indígenas,para as investigações sobre o contato com a sociedadenacional, passaremos agora à análise das orientações meto-dológicas provenientes de diversas tradições, que conside-ramos como as mais importantes para o conhecimento dofenômeno de contato interétnico produzida pelaantropologia brasileira.

A primeira é a escola norte-americana, conhecida sobo nome de "Acculturation Studies" cuja influência foi muitogrande no Brasil como se pode notar nos trabalhos deEduardo Galvão, em particular. O que nos interessa agora émostrar o essencial da tradição americana nos estudos sobreaculturação.

Dois documentos (já assinalados anteriormente)revelam de modo particularmente característico a influênciadesta tradição: um deles intitula-se: "Memorandum for the

Study of Culture Contact",  publicado em 1936 e assinadopor Redfield, Lint e Herskovits, e outro, publicado em 1954

35 Veja interessante comentário sobre isso em: PEREIRA, João Baptista Borges.  EmilioWillems e Egon Schaden na história da Antropologia . Estudos Avançados., São Paulo,v. 8, n. 22, 1994.

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sob o título de " Acculturation: an Exploratory Formulation" foielaborado por outros três antropólogos: Siegel, Vogt, Watsone o sociólogo Broom.

O Memorando de 1936 é em grande parte voltadopara o aspecto sociológico do contato. Sobretudo na parte IIIintitulada "Analyses of Acculturation". Os diferentes tipos

de contato que podem se produzir são revistos, colocandoem evidência a dimensão e a composição das populações quese encontram numa situação de contato, definidas comohostis ou pacíficas. A desigualdade social e política dosgrupos são realçadas, bem como a estrutura do poder. Nasoutras partes do Memorando, o processo de aculturação édescrito ressaltando os tratos culturais e não as entidadessociais individuais ou coletivas. Entretanto, o  Memorandum constitui um documento útil fornecendo indicadoressensíveis à investigação etnológica, sem, todavia dissociar osaspectos sociológicos da situação de contato.

O documento de 1954 é o resultado de 20 anos depesquisas sobre a aculturação, o que permitiu os seus autoresavaliar com precisão as experiências nesse domínio. Nota-se,entretanto a ausência de um sumário sistemático dos termosutilizados em Antropologia para designar o fenômeno deaculturação. O ponto de interesse principal, do ponto devista sociológico, neste estudo, é a análise dos "papéisinterculturais" e a referência à "comunicação intercultural"

(SIEGEL 1954, p. 980).

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Com relação aos "Intercultural Roles", as idéias deMalinowski contidas principalmente em sua obra "Dynamicsof Cultural Change" (1945) são retomadas36.

A segunda orientação é aquela que provém daAntropologia social britânica representada pelas teoriasdesenvolvidas por Bronislaw Malinowski (1945) onde a

noção de "mudança social" adquire uma importância fun-damental neste tipo de abordagem teórica, assim como anoção de "instituição social". A preocupação em com-preender a realidade resultante do contato entre duassociedades apoiando-se na análise das instituições cor-respondentes, isto é, pela aceitação de princípios que asinstituições agem uma sobre a outra (segundo suas"naturezas"), leva de certo modo o investigador a minimizara influência dos agentes alógenos —  Malinowski os chama"agentes culturais". Com efeito, a ação destes se estendetambém além de suas esferas institucionais respectivas. Estaorientação desenvolve uma crítica dos efeitos nefastos dacolonização em geral.

A explicação do contato segundo esta visão teórica émais uma não-explicação, pois a descrição é centrada sobreuma terceira sociedade resultante da conjunção das duasoutras; segundo os termos de Malinowski, existe umasociedade tribal (de ocorrência africana), uma sociedade

36 Mais adiante na parte sobre a Transfiguração Étnica, desenvolvida por Darcy Ribeirovoltaremos a falar deste documento (1954). Existe uma crítica significativa feita porDOHRENWEND, BRUCE and ROBERT J. SMITH, A suggested framework for thestudy of acculturation. In Cultural stability and cultural change, Verne F. Ray ed. Seattle,Proceedings of the 1957 Annual Spring meeting of the American Ethnological Society,1957, pp. 76-84 

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ocidental e transacional (a terceira sociedade resultante docontato).

A explicação do contato é uma lacuna naAntropologia social britânica. Como se poderia explicareste fenômeno, contato propriamente dito, se a situação(o contato) fraciona-se em três ordens diferentes? Pouco

importa que Malinowski tenha feito apreciações justas arespeito da verdadeira natureza do contato cultural que"consiste na interação de dois mundos culturais diferentes"distanciado pelo "preconceito racial e políticas diferen-ciadas". E mesmo que ele tenha avaliado objetivamente osaspectos conflituosos e tirânicos deste contato, é certo queeste tipo de atitude teórica não permite uma avaliação dasituação de contato camuflado na teoria das mudançassociais (MALINOWSKI, 1938, p. 14).

Os pesquisadores franceses que estudaram as socie-dades africanas já propunham uma outra perspectiva emseus estudos sobre o contato. Este tipo de orientação, dessesinvestigadores, que para nós, está situado no terceiro tipo deorientação terá grande influência nos estudos realizados noBrasil, principalmente, a partir dos trabalhos de RobertoCardoso de Oliveira, que se apóia em Georges Balandier,quando este desenvolve suas observações sobre a "Sociologia

 Atual da África Negra". Cardoso de Oliveira, um dosrepresentantes deste tipo de orientação, esboça uma teoria do

contato manipulando uma noção de "situação colonial”. Esteconceito, para Balandier, se bem que fundada nos fatoscomumente descritos pelos autores anglo-saxões, tais comoos choques raciais ou os conflitos entre civilizações, não éexaminada por estes últimos sob o ângulo das condições

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particulares que a produzem. A mais completa definição desituação colonial continua a ser essa precisada por via dosseguintes operadores:

‚ a dominação imposta por uma minoria estrangeira, racial eculturalmente diferente, apelando a uma superioridade racial(ou étnica) e cultural dogma-ticamente afirmadas, sobre uma

maioria autóctone materialmente inferior; o confrontar decivilizações heterogêneas: uma civilização industrializada, comuma economia poderosa, com um ritmo rápido e de origemcristã impondo-se a civilizações sem técnicas complexas, deeconomia retardada, com um ritmo lento e radicalmente não-cristãs; o antagonismo nas relações estabelecidas entre as duassociedades que se justifica pela instrumentação a que écondenada a sociedade dominada; a necessidade, para manter adominação, em recorrer não apenas à força mas também a umconjunto de pseudo-justificações e de comportamentos este-reotipados‛ (Georges Balandier «The Colonial Situation: a

theorical approach», in Pierre L. van der Berghe (ed.), Africa: Social Problems of Change and Conflit , San Francisco,1951)

Em resumo, a "situação colonial" que adquire asproporções de uma totalidade nos estudos de Balandier, édefinida da seguinte forma: "a dominação imposta por umaminoria estrangeira, de etnia e de cultura diferentes, em nome deuma superioridade racial e cultural afirmada de maneira dogma-tica sobre uma minoria autóctone, materialmente inferior"(BALANDIER, 1950, p. 33). Mais do que pelos seus limites, adefinição de situação colonial acima transcrita (GeorgesBalandier, 1955,  Sociologie Actuelle de l'Afrique Noire , Paris)vale pelas suas implicações, isto é, a possibilidade de

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considerar o colonialismo como uma totalidade e não umconjunto de processos independentes, resultantes deexperiências sociais únicas e exclusivas. Como escreveuBalandier: «nous avons préféré, à la faveur des ‚vues‛

 particulières prises par chacun des spécialistes, saisir la situationcoloniale dans son ensemble et entant que système». Mas, este

conceito operativo revela a questão de se saber se houve“ bons” ou “maus” colonialismos, sendo certo, contudo, quenão se poderão negar as especificidades de cada situaçãocolonial. De resto, mais recentemente, George Stocking Jr., apropósito da emergência do pensamento antropológico emcontexto colonial37 , chamou a atenção para a necessidade deentender o fenômeno nas suas diversas concepções no campoda pluralização da situação colonial.

Continuaremos nossa análise abordando agora asteorias do contato na etnologia indígena, levando-se emconta esta perspectiva e a influência que estes estudosreceberam das teorias norte-americana da aculturação, comopode perceber através da literatura antropológica apontadaaqui sobre essa temática.

3.2 - Herbert Baldus e a Mudança Cultural

Antes da publicação do livro de Herbert Baldus"Ensaios de Etnologia Brasileira" (1937), poucos etnólogos

haviam estudado a mudança cultural entre os índios, e se

37  George Stocking Jr (editor) Colonial Situations: Essays on the Contextualization ofEthnographic Knowledge (History of Anthropology Ser., Vol. 7) Paperback, 1992

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tratavam, o faziam de maneira superficial, na margem deoutros assuntos que consideravam mais importantes.

Em "Ensaios de Etnologia Brasileira", Baldus dedica umaparte de seu trabalho à "Mudança de cultura dos índios doBrasil" (1937, p. 276-321). Suas investigações são feitas entreos Tapirapé, Karaja, Terena, Bororo e Kaingang, grupos

indígenas, que de uma certa maneira, tiveram experiênciasdiferentes em seu contato com a sociedade nacional emdistintos contextos históricos. Um dos objetivos do trabalhode Baldus, como ele mesmo declara, é fornecer elementospara uma melhor compreensão do papel desempenhadopelos índios na formação cultural do Brasil, por que "a maior

 parte do caráter do povo brasileiro é o caráter tupi" (1937, p. 26).Nesta perspectiva, e, sobretudo a partir do que ele

definiu como cultura, que "nasce de uma combinação de fatores

hereditários, físicos e psíquicos, e de fatores coletivos morais", todaa teoria da mudança de cultura devia levar em conta estesfatores.

Evitando empregar o temo aculturação (o que ele vaifazer bem mais tarde a partir de 1949), Baldus explica o queentende por mudança social:

"Entendemos por mudança de cultura a alteração da expressãoharmoniosa global de todo o sentir, pensar e querer, poder eagir de uma unidade social, expressão que nasce de uma

combinação de fatores hereditários, físicos e psíquicos, e de fatores coletivos morais, e que, unida ao equipamentocivilizatório, como por exemplo, os instrumentos, as armas etc.,dá à unidade social a capacidade e a independência necessáriasà luta material e espiritual para a vida" (1937, p. 279).

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Falando desta alteração, Baldus expõe a alternativaque se oferece aos povos indígenas: uma das possibilidades éa “assimilação recíproca do novo à cultura existente e desta ao novoda outra cultura" conservando, entretanto a identidade dogrupo. A segunda é definida como "assimilação unilateral".

Em seguida, Baldus distingue as duas faces de um mesmoprocesso, a saber: "a mudança parcial da cultura", que se fazno interior do sistema e a "mudança total de cultura" queacontece de um sistema para o outro, unilateralmente. Estasduas faces não são as etapas de um mesmo processo, mas aalternativa do processo de contato. Para determinar que tipode mudança se opera no seio do grupo indígena, é precisoesperar que a mudança seja realizada de fato.

Todavia o autor já pronunciou seu veredicto comrelação às populações indígenas com as quais ficou emcontato ao dizer que " já estamos habilitados para concluir que astribos perderão também completamente sua cultura, se a relaçãocom os brancos tornar-se permanente". As obras que apareceramdepois daquelas produzidas por Baldus(1937)38  sobre aaculturação esforçaram-se para mostrar em termos científicosuma preocupação em preservar as culturas indígenas. Asobservações ou a constatação de aculturação estãoconcentradas, nestes trabalhos, em torno de certos elementosda cultura material como objetos metálicos, vestimentas,

utensílios domésticos ou idéias religiosas, uma de suaspreocupações sendo também reconstruir a cultura

38  Conferir por exemplo: SAMPAIO-SILVA, Orlando. O antropólogo Herbert Baldus.  Rev. Antropol.  2000, vol. 43, no. 2 pp. 23-79 

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tradicional. Pode-se igualmente revelar certa preocupação,que diremos de ordem prática, de traçar programas deorientação para os administradores encarregados da políticaindigenista39 .

Até 1949, a etnologia brasileira não dispunha de obraque apresentasse uma cultura indígena em seu conjunto, um

trabalho monográfico, tendo em vista as diferentes reaçõesprovocadas pelo contato social, ou seja, com setores dessasociedade apresentando aspectos diferentes: caboclos (mês-tiços), sertanejos, caipiras, que mantinham contato perma-nente com as comunidades indígenas. A etnologia brasileiranão dispunha de monografias sistemáticas e bem elaboradassobre as populações indígenas que pudesse permitir umtrabalho comparativo. Curt Nimuendaju, etnólogo comamplo trabalho de campo, da primeira metade do século XX,tendo conhecimento profundo das sociedades indígenas devárias regiões do Brasil, tinha por preocupação imediataproduzir uma etnografia procurando dar conta das diversassituações em que se encontravam os povos indígenas com osquais ele manteve contato em alguns casos ele denunciava apresença indesejável do "branco" que nomeava neo-

 brasileiro.Três monografias surgiram em 1949 visando tratar

especificamente sobre mudança cultural: são os trabalhos deCharles Wagley e de Eduardo Galvão: "The Tenetehara Indians

of Brasil.  A Culture in Transition" (Columbia UniversityContributions to Anthropology, no 35, New York), os

39 Alguns trabalhos de Baldus, Galvão, Ribeiro e Cardoso de Oliveira têm claros objetivoscomo subsídios para o Serviço de Proteção aos Índios. Schaden (1969, p.13) escreve sobreos conselhos de Baldus para o SPI

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trabalhos de Altenfelder Silva: " Mudança Cultural dos Terena"(Revista do Museu Paulista, N.S. v. III, p. 271-379, São Paulo),e a de Kalervo Oberg: "The Terena and Caduveo of Southern

 Mato Grosso-Brazil" (1949).Fernando Altenfelder Silva efetua suas investigações

em um dos núcleos Terena, a aldeia de Bananal, utilizandoa definição de aculturação proposta por Redfield, Linton

e Herskovits no  Memorandum  de 1936. Altenfelder tentacaracterizar sua investigação, apoiando-se nas fontes

 bibliográficas, as diferentes fases do contato entre os Terena ea sociedade nacional. As últimas páginas de seu trabalhoapresentam um sumário da história dos Terena, cujaintenção é dar uma idéia do processo de mudança culturalsofrido pela comunidade de Bananal. Nesse sumário, o autormostra como a Igreja Evangélica (Inland South AmericaMissionary Union) desempenhou um papel essencialnas transformações recentes sofridas pelos índios. Esta cons-

tatação não pode ser generalizada às outras aldeias Terenada região, pois muitas delas jamais receberam visitas demissionários.

Uma das conclusões à qual chega Altenfelder, é a queele denomina de “recuperação da consciência étnica”. Oautor situa-se no fato de que os Terena, após ter atingido umestado de “destribalização quase total”. Essa situação é devida principalmente às frentes de expansão deagropecuária, estes conseguiram "graças ao Serviço deProteção aos Índios", reorganizar certo número de grupos

locais, revitalizando assim a consciência étnicaprimordialmente sua dependência total do mercado regionale do trabalho assalariado nas fazendas vizinhas(ALTENFELDER DA SILVA, 1949, p. 376).

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As pesquisas de Kalervo Oberg não aportam dadosetnográficos que vão além daqueles apresentados porAltenfelder. A novidade é que o autor tenta fazer umacomparação com os Kadiwéu. No fim dos anos 50, RobertoCardoso de Oliveira retoma as pesquisas sobre esses gruposindígenas com outra perspectiva dos estudos sobreaculturação.

3.3 - Eduardo Galvão e a Aculturação

Eduardo Galvão e Charles Wagley escolheram osTenetehara (Guajajara)40  para efetuar suas pesquisas sobre"cultura em transição" pelo fato de que estes, ao contrário dosTapirapé (outro grupo indígena estudado por Wagley),mostram “capacidade de adaptação excepcional” em seu

meio e entre a população branca do Estado do Maranhão.

Por outro lado, não houve redução da população dosTenetehara como aquela que existiu entre os Tapiraré;mesmo que aquele grupo tenha estado em contatopermanente há mais de três séculos, permanece"essencialmente indígena" (WAGLEY & GALVÃO, 1949, p.29).

Em seu primeiro capítulo, este estudo apresenta umareconstituição da história dos Tenetehara colocando emevidência as relações deste grupo com os brancos. Em

seguida, são tratados os seguintes temas: organização social,"vida econômica", "vida pessoal" (na qual se descrevem

40 A tradução de "Tenetehara Indians of Brazil. A culture in Transition" Galvão e Wagleyde 1949) só foi para o português em 1961. Paul Ehrenreich (1906) já havia utilizado otermo aculturação (Akkulturation) para designar os contatos entre dois grupos que trocamelementos da cultura material.

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nascimento, infância, puberdade e casamento), vida religiosa,mitos. A obra termina com um capítulo sobre "cultura emtransição".

A reconstrução da história da cultura Tenetehara,apresentada pelos autores e os estudos sobre a organizaçãosocial, serviu para fazer uma análise minuciosa do processo

aculturativo destes índios, amplamente desenvolvido nocapítulo sobre "cultura em transição". Os autores chegam àconclusão de que estes índios conseguiram realizar demaneira coerente uma "integração cultural" e que puderamsobreviver enquanto grupo étnico. Não que tenham sidomais "conservadores" que outros grupos indígenas ou quetenham em sua cultura qualquer elemento que lhespermitisse resistir às mudanças, mas, ao contrário, porque seprenderam menos aos costumes tradicionais e que estiveramrelativamente mais dispostos a aceitar outras técnicas, idéiasnovas. Como dizem os autores, a suavidade e a disposiçãodeles em aceitar as mudanças foram provavelmente osfatores importantes para sua sobrevivência (WAGLEY &GALVÃO, 1949, p. 178).

Os autores acrescentam ainda que em duas ou trêsgerações, se os novos fatores não vierem a modificar o cursodeste processo, os Tenetehara serão transformados em"caboclos" por sua completa assimilação aos tipos regionais(p. 185). Sendo assim, dizem que o ritmo acelerado das

mudanças será inevitável. Sem, no entanto, entrar nosdetalhes é preciso acrescentar aqui, que a população brancaque mantém contato com estes índios é resultado das"integrações culturais" entre portugueses, índios e africanos,e há seguramente heranças da cultura indígena.

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Através do discurso extremamente contraditóriodestes autores, não se pode compreender por que odesaparecimento dos Tenethara, enquanto grupo étnico, noespaço de duas gerações se, como concluem os autores, estespermaneceram essencialmente indígenas durante essesséculos.

Referindo-se a este tipo de crítica, Galvão, no prefácioda edição portuguesa de 1961, admite que estas "dúvidas têmum fundamento" e acrescenta: "Há muitas tribos indígenasque resistem até hoje e nada indica que não resistirão noprocesso futuro de integração à sociedade brasileira"(WAGLEY & GALVÃO, 1949, p. 10). Alhures, Galvãoescreve:

"Em nossa monografia sobre os índios Tenetehara, nosdeixamos seduzir pelo ritmo relativamente acelerado com o qual

é operada a transição desta cultura indígena para as normasbrasileiras. Se bem que o grupo mantenha sua unidade tribal e possa ser distinguida da população cabocla por sua confi- guração cultural diferente, os sinais de degradação da culturatradicional e de substituição dos valores tribais por outros,brasileiros, são evidentes e resultam do impacto de 300 anos devida comum, geralmente pacífica, com nossa sociedade rural.Concluímos que não precisa mais que uma ou duas gerações para que os Tenetehara se transformem em caboclos. É aexperiência que adquirimos no Serviço de Proteção dos Índios,onde nos familiarizamos com uma série de situações de contato

e de assimilação dos grupos indígenas, que nos permitiu teruma perspectiva mais correta. Pode-se dizer que os Tenetehara,a um momento dado de sua transição, escolhesse (sic), em lugarde adquirir a cultura cabocla, tomar a alternativa dos indígenasdo Nordeste ou do Sul do Brasil pela aquela, uma vez atingidauma certa estabilidade da população e da relação com os

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"brancos", e a consciência da impossibilidade de integração nasociedade rural, o índio, exceto em seu estado mais inferior,decida permanecer índio, categoria sócio-cultural que lhe garante as condições de sobrevivência e de status social nascomunidades da região" (1979, p. 131).

Atualmente os Tenetehara (Guajajara) estão estimados

em mais de 13.000 indivíduos e resistem enquanto grupoétnico mantendo o contato com a sociedade nacional. De1978 a 1980, este povo, como se pode ver na imprensa

 brasileira, tem lutado pela reintegração de seu territórioinvadido pelos colonos e missionários. Um trabalhoimportante sobre essa sociedade é de Mércio Pereira Gomes"The Ethnic Survival of the Tenetehara Indians of Maranhão"(Tese de Ph.D, University of Florida, 1977)41.

Eduardo Galvão foi um dos principais etnólogosresponsáveis pela introdução do conceito de aculturação naetnologia indígena e sua preocupação se manifesta em todasas pesquisas que realizou, sobretudo na Amazônia, porexemplo, em: "Estudos sobre a Aculturação dos Grupos Indígenasdo Brasil"  (1953); "Mudança Cultural na Região do Rio Negro"(1957) ; "Aculturação Indígena no Rio Negro" (1959).

Galvão ressalta certas dificuldades encontradas nosestudos sobre a " Acculturation", visto como um fenômeno que

41 E ainda do próprio Mércio Pereira, ver O índio na história: o povo Tenetehara em busca

da liberdade. Petrópolis : Vozes, 2002. As teses de Elisabeth Coelho (Territórios emconflito: a dinâmica da disputa pela terra entre índios e brancos no Maranhão. (CiênciasSociais, 46) São Paulo: Hucitec, 2002) e de Claudio Zannoni (Mito e sociedadeTenetehara. Araraquara : Unesp, 2002), e também a dissertação de Cláudio Zanoni(Conflito e coesão: o dinamismo tenetehara. (Antropologia, 2) Brasília: CIMI, 1999), e atese de  doutorado de Peter Schröder: União e Organização- Zur Entstehung modernenindigenen Widerstands in Brasilien. Eine vergleichende Untersuchung anhand vonFallbeispielen. (Mundus Ethnologie, 68) Bonn: Holos, 1993.

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aparece quando grupos de indivíduos de culturas diferentesentram em contato direto e permanente, com suasconseqüências sobre as normas culturais destes grupos(GALVÃO, 1979, p. 129). Distingue aculturação e mudançacultural que é um aspecto do mesmo processo, e assimilaçãoque é uma fase do processo de aculturação.

As dificuldades apresentadas por Galvão são asseguintes: a) A utilização destes conceitos não caracterizamais a "natureza" do fenômeno e torna-se difícil oestabelecimento de um critério para definir a situação decontato. Como a situação de grupos em contato com asociedade nacional, e grupos, que estão também em contatopermanente, porém com setores específicos. Como aquelesque estão em contrato com os missionários e os agentes doorganismo oficial de proteção; b) E como estabelecer oslimites entre "aculturação" e "mudança cultural"? O problemanão reside na terminologia, mas na atitude teórica face a estefenômeno, posto que em numerosos casos, o “empréstimo oua adoção de um traço cultural, e as modificações quederivam das forças internas da cultura receptiva, sãosimultâneas", (GALVÃO, 1979a, p. 129).

Os trabalhos de Wagley42 e Galvão alargaram o campodas observações sobre a aculturação, pois os dois autoresressaltaram de uma maneira original, traços essenciais dosistema cultural e da organização social e econômica das

comunidades "caboclas", que se estabeleceram perto dascomunidades indígenas e com as quais os índios mantêm

42 Confeir também: Wagley sobre os caboclos: "Cultural Populations: a Comparison ofTwo Tupi Tribes" Revista do Museu Paulista n.s., 1951.

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muitas vezes relações de troca. É através destas comunidadesque os índios obtêm os produtos manufaturados dos quaistêm necessidade. Galvão estima que as comunidadesamazonenses (ditas caboclas) são as depositárias da culturaindígena e ibérica. Para ele, "nestas comunidades, ocruzamento entre portugueses e índios foi intenso. Contudo,

se a cultura ibérica pôde implantar um sistema de comércio euma economia, forma de organização, instrumentos detrabalho, absorveu alhures elementos culturais inumeráveisdestes povos dominados. Em certos casos, a mudança foi talque se tornou extremamente difícil, senão impossível,identificar ou retraçar a origem de uma crença ou de umaprática determinada. Em outros casos, tal identificação érelativamente fácil mesmo pela análise superficial. Vêm daías crenças em seres da floresta ou de rios como Curupira,Matinta-pereira, Anhanga, Boto ou Uiara, "mães", onde aorigem ameríndia, e especialmente tupi, está fortementepresente. Qualquer uma destas crenças tem sua origem noMundo Antigo, patrimônio Ibérico ou africano, e outrosprovenientes de culturas indígenas. Umas e outras, noprocesso de fusão e de incorporação do "caboclo" à culturamoderna, perderam sua forma original e se transformaram ese mestiçaram em um corpo de idéias que já não é maisportuguês ou ameríndio, mas algo novo, o "caboclo"(GALVÃO, 1979b, p. :57-58).

"Caboclo" designa, pois o mestiço, uma categoriasócio-cultural para localizar setores da população amazo-nense. Hoje, a sociedade nacional chama os índios "caboclos"e a língua indígena classifica-se como um patois , mas por trásdisto se desenha com evidência uma política que quer

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antecipar verbalmente a aculturação. Em certas regiões, ospróprios índios se dizem caboclos para poder sobreviver(Terri Vale Aquino: "Kaxinawa: de seringueiro 'caboclo' apeão acreano", Universidade de Brasília, 1977)43.

Eduardo Galvão realizou outros trabalhos significa-tivos sobre as comunidades caboclas; "Santos e visagens — um

estudo da vida religiosa de Itá", 1955; "Encontro de SociedadesTribal Nacional", 1966; "Índios e brancos na Amazônia", 1970.Estes dois últimos estão incluídos no volume: "Índios ebrancos no Brasil — Encontros de Sociedades", 1979.

Estudando as comunidades "caboclas", Galvão eWagley insistem na necessidade de alargar a perspectivaconsiderando a bilateridade do fenômeno de aculturação, ouseja, os efeitos recíprocos deste processo tanto para ascomunidades caboclas como para as comunidades indígenas.A elaboração das Zonas Culturais feitas por Galvão levatambém em consideração as diferentes situações de contatonas comunidades indígenas.

A idéia de determinar as causas da aculturação, desaber por que certos grupos indígenas "se deixam" aculturarmais facilmente que outros, motivou as pesquisas de Galvão.Ele procura uma resposta na "distância cultural". Tomando oexemplo dos Karajá e dos Timbira, diz ainda que os gruposTupi são mais facilmente levados a ser aculturados, e acultura cabocla tendo se identificado mais com a cultura tupi,

43 Referências importantes sobre a identidade Cabocla conferir os trabalhos de Déborah deMagalhães Lima:  A construção histórica do termo caboclo. Sobre estruturas erepresentações sociais no meio rural Amazônico. Novos Cadernos do Naea, v. 2, n. 2, p.5-32, 1999 e o trabalho de Stephen Nugent:  Amazonian Society Caboclo  –  An Essay on Invisibility and Peasant Economy, Berg, 1993

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de onde a "resistência dos Karajá" a se "assimilar" à culturacabocla.

Para finalizar esta parte de nosso trabalho, trans-creveremos uma citação de Galvão na qual estão claramenteindicadas as perspectivas colocadas com relação aos povosindígenas que caracterizam estes estudos sobre a aculturação

e a política indigenista oficial da época, assim como aspreocupações da etnologia brasileira:

"Os fatores de resistência e de ligação às normas tribais parecem-nos residir mais em causas como a expansão da população sertaneja [cabocla] (24) brasileira. Um fato quemuitas vezes não tem sido relevado é que os grupos maisresistentes ocupam em geral zonas menos devastadas porémmais inóspitas do platô central, onde não se registrou tentativasde assimilação do índio e de fixação do caboclo, ou seja, aqueleainda não encontrou um lugar permanente na economia

regional. A resistência destes grupos é uma condição desobrevivência. Em outros casos, a expansão súbita da populaçãonão permite o lapso de tempo necessário à acomodação. O índiose retira ou é enviado para longe. O fato de que os índios são pouco numerosos os coloca numa situação de inferioridade, deminoria étnica, sem outra alternativa senão a de perecer. É ocaso, por exemplo, dos índios do Xingu, que, à despeito do grande número de tribos, estão em via de extinção. A maiordeles comporta mais de 140 indivíduos. Ao sair de um períodode isolamento, têm se confrontado há cerca de 10 anos comaviões e máquinas, e um tipo de colonização que não precisa dos

seus braços. Se não encontram lugar nesta economia, e se suadensidade demográfica não resiste aos desgastes causados pelocontato, principalmente pela diminuição de seus membrosdevido a doenças contagiosas, tenderão a desaparecer, salvo seuma política indigenista bem eficaz para lhes fornecer os meios

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de acomodação e de assimilação se desenvolva" (GALVÃO,1979c, p. 132).

3.4 - Darcy Ribeiro e a Transfiguração Étnica

A teoria da aculturação foi criticada pelos própriosautores do  Memorandum  de 1936, por Beals (1953) e

finalmente por Siegel, Broom, Vogt e Watson que elaboramum documento que redefine o conceito de aculturação. RalphBeals assinala que o conceito de aculturação, tal como foiapresentado pela literatura etnológica da época, denotavacerta ambigüidade e sta reside, segundo o autor, na própriadefinição da aculturação, a saber: se é um  processo  ou umacondição nas relações entre índios e brancos.

No documento de 1954: " Acculturation: ExplanatoryFormulation", elaborado por Siegel e outros, a aculturação é

definida como "mudança cultural nascida da conjunção dedois sistemas culturais ou mais". Em termos de causalidade,"A mudança cultural pode ser a conseqüência da transmissãocultural direta; pode derivar de causas não-culturais, como asmodificações ecológicas e demográficas introduzidas por um choquecultural; pode ser retardada por ajustamentos internos, aceitandotratos ou normas alógenas; ou pode ser uma adaptação em reaçãoaos modos de vida tradicionais"  (SIEGEL, 1954, p. 974).(Barnett, H. G., Broom, L., Siegel, B. J., Vogt, E. Z.,& Watson, J.

B. (1954). Acculturation: An exploratory formulation.  American Anthropologist, 56, 973-1002.) Os autores do documento analisam então o fenômeno

de aculturação sob 4 ângulos principais:

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  A caracterização das propriedades de dois ou maissistemas culturais que entram em contato;

  O estudo da natureza da situação de contato;  A análise das relações de conjunção estabelecidas

pelos sistemas culturais em contato;  O estudo do processo cultural que decorre dos

sistemas em conjunção (p. 975).Assinalamos este documento para mostrar que a

teoria da aculturação, tal como fora elaborada, não maiscorrespondia às novas questões que se apresentam comrelação ao contato, por isto esta teoria será questionada.Deixaremos de lado os diferentes ângulos do problema daaculturação vistos pelos autores de " Acculturation: anexploratory formulation". É, todavia importante assinalar quena etnologia brasileira, a teoria da aculturação se opõe a umasérie de críticas, entre outras as de Darcy Ribeiro, quepropomos apresentar nesse trabalho, como aquela desen-volvida, por Roberto Cardoso de Oliveira, esses doisantropólogos contemporâneos, mas, com diferentes abor-dagens sobre a questão do contato entre índios e brancos.

Darcy Ribeiro começou suas pesquisas sobre os povosindígenas acreditando que, para certos autores é o "mito daidentidade nacional"; para ele, a sociedade nacional é um todouniforme, "uma etnia nacional em expansão" que, através de

"um movimento exógeno de expansão étnica", entra emcontato com as outras etnias. Sendo dado o caráter"inevitável" deste contato as outras etnias, que não estão emexpansão, devem resolver os problemas criados peloscontatos (RIBEIRO, 1977, p. 220).

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Em seu livro: "Línguas e culturas indígenas no Brasil",Ribeiro diz quem é índio no Brasil: O indígena é, no Brasil dehoje, essencialmente esta parcela da população que apresentaproblemas de inadaptação à sociedade brasileira em suasdiversas variantes, devidos à preservação dos costumes,hábito ou simples fidelidade a uma tradição pré-colombiana,

ou mais amplamente: é índio todo indivíduo reconhecidocomo membro de uma comunidade pré-colombiana, que sediferencia etnicamente da sociedade nacional, consideradocomo indígena pela população brasileira com quem está emcontato (RIBEIRO, 1957, p. 33). Em 1947, Darcy Ribeiro écontratado pelo Serviço de Proteção aos Índios (SPI), órgãoindigenista criado no início do século por Cândido Rondon.O marechal seria uma das principais figuras a inspirarDarcy no trabalho de assistência às populações indígenas.Ele realizou no SPI suas primeiras pesquisas etnológicas, amaior parte delas em períodos prolongados junto aos índios.Nos dez anos visitando os povos do Pantanal, o antropólogoescreveu um trabalho importante, Religião e MitologiaKadiwéu (1950), livro com o qual ganhou o importanteprêmio Fábio Prado e, com ele, certa notoriedade queem alguns momentos compartilhou com a ex-esposa aantropóloga Berta Ribeiro, que o acompanhava em viagens epesquisas de campo, além de aparecer como co-autora emvárias obras.

A partir de 1953, Darcy Ribeiro organiza o Museudo Índio no Rio de Janeiro e os primeiros cursos deespecialização em Antropologia realizados no Museu.Durante este período, Ribeiro defende as diferentes políticasde integração e de assimilação do índio à sociedade nacional;

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em 1954, fala de integração gradual do índio, uma vez que ocontato com a sociedade nacional é inevitável; propõe acriação de reservas indígenas como um meio de preservar acultura indígena. A partir de 1957, a preocupação principalde Ribeiro é pesquisar os meios de salvar as vidas indígenasterrivelmente ameaçadas pelos contatos. Em 1962, é a favor

de uma incorporação gradual dos grupos indígenas em umprograma amplo de educação, e mostra certa oposição aoisolamento dos índios em reservas (MARASH JR, 1978).

Darcy Ribeiro propõe examinar as etapas da evoluçãosócio-cultural dos povos em uma sucessão de revoluçõestecnológicas que são classificadas, em sua obra comoagrícola, urbana, de irrigação, metalúrgica, pastoril, mer-cantil, industrial e finalmente termonuclear, em seu livro"O Processo Civilizatório" (1968). Essas investigações no campoda antropologia da civilização seráum deseus grande projeto:Explicar o Brasil. É nesta série de estudos que vaidesenvolver todo um corpo de fundamentos teóricos quetornaram possíveis o maior desafio a que já se propôs dedesenvolver: O Povo Brasileiro: A Formação e o Sentido doBrasil (1996). Nesse trabalho o autor retoma os conceitos dePovo Novo , transfiguração étnica , revoluções tecnológicas,configurações socioculturais típicas de cada período e aspropostas de teorias para a América Latina, entre outros, vãose concatenar num todo coeso. Nessa perspectiva ou autor

discute as questões ecológicas e econômicas tais como jáapresentadas através da antropologia americana desenvol-vida por Julian Steward e Leslie White que auxiliam naexplicação das formações culturais rústicas de cada região

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 brasileira e a sua unificação numa identidade étnico-nacional(ou macroetnia) que perpassasse cada uma delas.

Em outras obras como, por exemplo: " As Américas e aCivilização" e o "Dilema da América Latina", analisa o processode formação, as causas do desenvolvimento desigual dospovos americanos e as estruturas de poder e as forças

rebeldes na América Latina. Em "O Processo Civilizatório",Darcy Ribeiro analisa certos aspectos da TransfiguraçãoÉtnica quando examina as formas de transição de uma etapaevolutiva para uma outra utilizando o conceito de "aceleraçãoevolutiva". Este conceito é utilizado “ para descrever os

 procedimentos” , intencionais ou não, de indução do progressopreservando a autonomia da sociedade que faz a experiênciae, por esta razão, conservando seu tipo étnico, às vezes com aexpansão daquela como uma macro-etnia assimilativa deoutros povos (RIBEIRO, 1961, p. 56).

Darcy Ribeiro denomina este processo de " Atualizaçãoou incorporação histórica". Em " As Américas e a Civilização",analisa o conceito de aculturação quando examina o processode formação e de diferenciação dos povos americanos e dodesenvolvimento desigual. Ribeiro utiliza também a noçãode Transfiguração Étnica. Em relação à evolução sócio-cultural dos povos, distingue os povos "prósperos epoderosos" e os povos subdesenvolvidos. Estes também sãodivididos em duas categorias, de um lado os povos pré-

agrícolas que se encontram de certa maneira à margem e quenão foram atingidos pelas revoluções tecnológicas, e de outrolado, os povos subdesenvolvidos que, de uma forma ou deoutra, foram incluídos no sistema econômico mundial.

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Ribeiro44  define para estes quatro grandes configuraçõeshistórico-culturais, a saber: os povos emergentes; os povosnovos; os povos-testemunha e os povos transplantados(RIBEIRO 1981, p. 160).

A teoria da Transfiguração Étnica  surgiu como umacrítica à teoria da aculturação. Segundo Ribeiro, "em sua

 formulação original, estes estudos se limitaram ao exame doscontatos diretos e contínuos, este processo sendo necessariamenteconcebido como bilateral e explicado em termos de adoção seletivade elementos culturais estrangeiros. Muito rápido, entretanto, anecessidade impõe-se de incluir na análise todos os tipos de contatointerétnico, e de levar em conta as situações nas quais o processoera unilateral ou, pelo menos, não afetava necessariamente as duasetnias presentes" (RIBEIRO, 1977a, p. 12). Ou, como ele mesmoafirma, essa teoria foi desenvolvida para explicar as situaçõesde desigualdades relacionadas a partir de questões postasatravés da cultura. Em suas próprias palavras:

‚Tendo escrito esses livros, escrevi mais um que é "Os Índios ea Civilização", que eu vinha fazendo há anos, por encomendada Unesco. Este livro me ensinou muito porque me fezdesenvolver um conceito de "transfiguração étnica", que é o processo pelo qual os povos se fazem e se transformam ou sedesfazem. Nenhum índio vira civilizado, o que há é que um povo indígena, mantendo sua indianidade, vai morrendo e, aolado dele, surge um núcleo humano que cresce à custa dele e

que cresce contra ele, que é o núcleo civilizado. Então, assimcomo não há conversão, não há assimilação. O que há é uma

44 Novos-emergentes: os novos Estados africanos e asiáticos. Povos-testemunhas: Índia,China, Japão, Coréia e os países árabes. Povos-novos: Brasil, Venezuela, Colômbia etc. eAntilhas. O Sul dos Estados Unidos e outros países da América Central. Povos-transplantados: Austrália, Nova Zelândia, Israel. (RIBEIRO, 1981, p. 160-162).

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integração inevitável. Se o índio é cada vez mais cercado de umcontexto civilizado ou comercializado, se ele próprio se converteem mão de obra, se ele próprio tem que produzir mercadoria, éclaro que ele tem uma integração cada vez maior com asociedade nacional. Mas esta integração não quebra nele aidentidade, que é como a do judeu, como a do cigano. Elemantém a sua identidade como indígena. Apesar detransformados os costumes, apesar de mudar o modo de se

vestir. Apesar de todas essas mudanças, ele permaneceindígena‛.45 

É nesta perspectiva que Ribeiro orienta suas inves-tigações. Critica igualmente duas posições que, segundo ele,são insuficientes para analisar o contato entre índios e

 brancos. Para a primeira, de Galvão e Schaden, Ribeiro dizque eles abandonam a formulação geral de uma teoria paracair num círculo vicioso no qual cada fator poderia ser por

sua vez causa e efeito, e que a tentativa de explicar aaculturação com as análises histórico-etnológicas limita aoexcesso a amplitude do fenômeno (SCHADEN, 1969).

O outro ponto de vista criticado é o de RobertoCardoso de Oliveira. Segundo Darcy Ribeiro, este último,analisando o fenômeno de aculturação através de uma óticasociológica das situações de conjunção e ressaltando osaspectos sociais do conflito interétnico, subestima de certamaneira os fatores importantes, os de ordem cultural, por

45  Conferir entrevista de Darcy Ribeiro, publicada no boletim da ABA, concedida a LuísDonisete B. Grupioni e Denise Fajardo Grupioni: http://www.unicamp.br/aba/boletins/b27/08.htm. Consultar também recente trabalho deAndré Luís Lopes Borges de Mattos, autor de “Darcy Ribeiro: uma trajetória (1944 -1982)”, tese de doutorado e apresentada no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas(IFCH) da Unicamp. 

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exemplo. Quanto às formulações de Cardoso de Oliveira apropósito dos estudos sobre o contato, Ribeiro diz:

"Tais conceitos (Fricção interétnica, Tribalismo, Potencial deIntegração, Cf. Cardoso de Oliveira, 1962, 1964, 1967) emboraúteis para descrever situações gerais de interação entrerepresentantes da sociedade nacional e os grupos tribais,

também para assinalar certas potencialidades de conflito ou deacomodação que lhes são inerentes, não fornecem corpometodológico que permita explorar metodicamente o valorexplicativo das situações de interação entre sociedadesnacionais e etnias tribais, que são em abundância na realidadebrasileira" (RIBEIRO, 1977b, p. 11).

Ribeiro diz ainda que a teoria da TransfiguraçãoÉtnica procura ultrapassar as abordagens anteriores pro-pondo um campo metodologicamente apropriado para

analisar as relações de contato. Este modelo explicativo dasrelações entre índios e não-índios provém da análise docontato, através da qual o autor examina as transformaçõessofridas pelo patrimônio cultural dos povos indígenas e oresultado dos contatos. Esses se apresentam sob as múltiplasformas que tomou no Brasil, a saber: a fronteira depenetração agrícola, pastoril, no Nordeste e centro doBrasil, e a fronteira extrativistivista com relação à Amazônia.A situação de fronteira de expansão é apresentada emsua análise como um conjunto uniforme dando lugar atrês reações possíveis entre os povos indígenas: a fuga,uma reação hostil aos invasores ou a aceitação do contato"porque representa, efetivamente, uma fatalidade inevitável"

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(RIBEIRO, 1977c, p. 220). A transfiguração étnica é, poisdefinida como:

"...um processo através do qual as populações tribaisconfrontam-se com as sociedades nacionais e preenchem ascondições necessárias à sua sobrevivência enquanto entidadesétnicas, pelas alterações sucessivas de seu substrato ideológico,

de sua cultura e das formas de relações com a sociedadecircundante". E Ribeiro acrescenta: "Esta acepção —  daTransfiguração Étnica —  é na realidade uma aplicação particular e restrita de um processo mais geral que compreendeos modos de formação e de transformação das etnias"  (RIBEIRO, 1977d, p. 13 e 217-227).

A elaboração da teoria da Transfiguração Étnica exigeque Darcy Ribeiro re-examine algumas noções como as deassimilação e integração. Utiliza o termo assimilação " para

designar a perspectiva de fusão de novos contingentes no seio dasetnias nacionais sendo parte integrante desta; por integração,designamos os modos de acomodação recíproca e de coexistênciaentre as populações diferentes do ponto de vista étnico" (RIBEIRO,1977e, p. 14). Analisando a situação de contato entre índios e

 brancos, Ribeiro estabelece quatro categorias que denomina"Graus de integração":

  Índios isolados: são os grupos indígenas quevivem nas regiões atingidas pela sociedade

 brasileira, tendo apenas contatos esporádicos coma sociedade nacional;  Índios em contato intermitente: são os grupos

indígenas cujos territórios estão, de uma maneiraou de outra, ocupados pela sociedade nacional,

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mas cujos valores culturais estão intactos e quegozam de certa autonomia;

  Índios em contato permanente: estão incluídosnesta categoria todos os grupos indígenas queestão em contato contínuo com a sociedade nacio-nal sendo incorporados à economia regional da

qual são dependentes. Sua cultura é profunda-mente modificada em relação à cultura indígenatradicional;

  Índios integrados: são os grupos indígenas que,após ter suportado todas as pressões (ecológicas,econômicas e culturais) conseguiram sobreviver,estando hoje isolados no seio da populaçãonacional, da qual se incorpora à vida econômicaenquanto reserva de mão-de-obra..." (RIBEIRO,

1977f, p. 229-232 e 432-433).

Observando as populações indígenas de 1900 a 1957segundo o processo de transfiguração étnica, Ribeiro elaboraalgumas previsões. Prevê uma redução demográfica dospovos indígenas se os grupos passam da condição deisolados à de integrados. No caso onde as ações de proteçãoasseguram aos povos indígenas condições de vida adequada,não desaparecerão e terão a possibilidade de se reconstruir.Prevê também certa modificação das línguas indígenas porcausa do contato e das novas experiências nos graus deintegração. "As culturas indígenas não podem sobreviver demaneira autônoma senão nas regiões inexploradas ou à fraca e

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recente penetração, ou enfim em condições artificiais de intervenção protecionista, constituem espécimes em via de desapariçãodestinados a perder suas características na medida em que asociedade nacional cresce e se desenvolve de forma homogênea"  (RIBEIRO, 1977g, p. 445).

O plano de classificação proposto por Ribeiro é

evolutivo e não considera situações como, por exemplo,regiões onde existem ao mesmo tempo várias "frentesde expansão" (CARDOSO DE OLIVEIRA, 1964, p. 13 eHANLEY, 1978). Insiste sobre os princípios explicativos e osexemplos particulares, o que torna mais difícil uma análisemais compreensível do contato entre índios e não-índios. Nateoria desenvolvida por Ribeiro às vezes, torna-se difícil dedistinguir a diferença entre os índios que ele considera como"assimilados" e os que ele chama de "extintos" (CARDOSO

DE OLIVEIRA, 1978, p. 15 nota 5).A diferença das pesquisas sobre a aculturação e a

abordagem de Ribeiro, com seu modelo explicativo, atransfiguração étnica, limita-se praticamente ao que se refereà sobrevivência dos povos indígenas. Para os pesquisadoresque se apóiam nas teorias da aculturação, o intenso epermanente contato entre índios e brancos, levaria umaperspectiva futura do desaparecimento dos grupos indígenasenquanto grupos étnicos, o que equivale à assimilação àsociedade nacional. De acordo a teoria de Darcy Ribeiro,estes grupos não desapareceriam totalmente, mas setornariam povos transfigurados do ponto de vista étnico, ouseja, enquanto etnias minoritárias em um novo contexto

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étnico nacional, porém capazes de assegurar a liberdade e o bem-estar de seus componentes (RIBEIRO, 1977, p. 446).

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4. IDENTIDADE ÉTNICA:PERSPECTIVAS ESTRUTURALISTAS

Ao decorrer destas últimas décadas, e particularmenteapós 1960, a teoria da aculturação foi criticada pelosetnólogos brasileiros, porque não mais respondia às questõesrelativas ao contato com a sociedade nacional, sobretudono que se refere a resistência dos povos indígenas namanutenção de suas identidades étnicas e as relaçõesentre índios e não-índios nas sociedades contemporâneas.

As tentativas de Hebert Baldus, com a introdução de estudossobre a mudança cultural, a produção teórica de DarcyRibeiro sobre a transfiguração étnica não mais deram conta doconjunto das relações entre grupos indígenas e sociedade

 brasileira. Estas abordagens deixavam de lado toda umasérie de fenômenos passíveis de ser encontrados em outroscontextos, onde as populações e mesmo as "culturas" emconjunção não se caracterizam somente pelos componentesdo tipo étnico e a construção de uma etnicidade.

As perspectivas para os povos indígenas apresentadospor Baldus, Galvão, Schaden e Ribeiro, para citar apenas osetnólogos que nos referimos nesse trabalho, e que, pelanatureza de suas obras se interessaram pelo destino das

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populações indígenas, foram apontadas como a incorporaçãodos "contingentes" indígenas na sociedade nacional, ocasio-nando a perda de sua identidade étnica. Muito destesprognósticos não aconteceram, visto que, mesmo demogra-ficamente reduzidos, os índios do Brasil continuam "índios",mantendo sua identidade étnica, e o que parece, não são de

modo algum “assimilados” na sociedade nacional. É interes-sante notar que alguns etnólogos têm feito sua "autocrítica"neste sentido. Um deles, Roberto Da Matta, exprime-senestes termos no prefácio da segunda edição de "Índios eCastanheiros":

“Eu intitulo o parágrafo 7 deste livro (...) Epílogo. Desde a primeira frase, afirmo com pessimismo: o parágrafo precedente põe um ponto final na história dos Gaviões. Jamais estive tão feliz de estar enganado. E jamais um erro foi tão importante

 para resolver pesquisar fora de uma "antropologia daintegração", uma antropologia que pensasse realmente menosem decretar a morte dos índios que em procurar melhorcompreendê-los enquanto sociedade concreta e específica. Pois énecessário não esquecer que os índios morrem depois dedecênios na etnologia brasileira, embora a realidade seja outra;apesar dos decretos (do Governo como dos etnólogos), apesar detodas as tragédias, todas as crises, as doenças e as espoliações,as perdas de terras, em suma, de tudo o que pode acontecer de pior a um grupo humano, os índios estão lá”  (DA MATTA,1979, p. 36).

Nossa intenção é apresentar a teoria da FricçãoInterétnica, desenvolvida por Cardoso de Oliveira nodecorrer desses últimos anos, através da qual um grupo de

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etnólogos se uniu ao estudo das teorias do contato cultural epor conseqüência ao estudo da identidade étnica. Achamosimportante apresentar das obras de Cardoso de Oliveira, oinspirador desta noção e que se dedicou nesses últimos anosao estudo da identidade étnica. Foi inicialmente, em 1962denominada de "fricção interétnica" baseada no trabalho de

campo desenvolvido pelo autor entre os Tükuna durante osanos de 1964. Essa teoria foi publicada pela primeira vez em1967 ele foi republicado em 1968, na revista AméricaIndígena (vol. XXVIII, n° 2, México), e incluído posterior-mente na coleção de ensaios A Sociologia do Brasil Indígena(Edições Tempo Brasileiro Ltda., Rio de Janeiro, 1972).

4.1 - O Contato enquanto Fricção Interétnica

Ao contrário dos estudos sobre aculturação, aquelesvoltados essencialmente para a descrição dos processos dedifusão, transmissão e assimilação de "traços culturais", osestudos sobre a fricção interétnica têm por base o exame derelações sociais entre os grupos tribais e os segmentosregionais da sociedade brasileira aos quais estão ligadas;passa-se assim de uma orientação "culturalista" a umaorientação teórica de caráter sociológico. Esta teoria tambémé resultado igualmente da crítica da teoria da Aculturação, o

contato como "Fricção Interétnica", como oposição. Parte doprincipio e esse estudo deve ser visto como uma concepção etotalidade sistêmica. Sendo assim, o contato é concebidocomo relação processual no interior de um sistema inte-

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rétnico. A ênfase não se dá no patrimônio cultural, mas "nasrelações que existem entre as populações ou sociedades a quese relacionam" (CARDOSO DE OLIVEIRA, 1978, p. 85)46.

Neste sentido, os componentes mais importantes docontato interétnico estão integrados em um sistema único constituído de duas sociedades. O sistema compreende

grupos étnicos quando um contato é contínuo ou mesmopermanente, forçado a uma existência co-participativa aonível das relações e da mudança da economia, de ordempolítica, e de organização social. Este sistema único éproduzido por um contato; as relações no seio deste sistemasão necessariamente relações de oposição. Cardoso o definecomo: duas populações dialeticamente unificadas através deinteresses diametralmente opostos, embora interdepen-dentes, por paradoxal que isto pareça. Para este autor, a

sociedade nacional é:

"Um sistema social susceptível de ser analisado através de suaestrutura de classe. A situação de contato, graças ao sistema derelações que lhe é inerente, pode ser analisada graças ao quechamarei Fricção Interétnica o que será o equivalente lógico,(mas não ontológico) do que os sociólogos chamam "Luta declasses". Convém ao analista decifrar a estrutura deste sistemae sua dinâmica para fornecer um diagnóstico e tentarestabelecer um prognóstico da situação de contato" (CARDOSO DE OLIVEIRA, 1978a, p. 85).

46 Veja a entrevista de Mariza Corrêa, Roberto Cardoso de Oliveira e Roque de BarrosLaraia com DAVID MAYBURY-LEWIS, publicada na Revista Brasileira de CiênciasSociais, vol.17 N.50, São Paulo Oct. 2002, onde os autores se referem a esse período.

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Por conseqüência, as transformações sofridas pelassociedades em contato interétnico não são os resultados dainfluência da cultura de uma sobre a outra, nem o produtode uma criação comum determinada pelos fatores postos eminteração pelos grupos étnicos47. Estas transformaçõesexprimem a maneira como cada sociedade reorganiza o

complexo estrutural, de suas relações econômicas, políticas esociais, de maneira a manter no curso do contato e no seio dosistema determinado por este um nível ao menos razoável derelações com o sistema interétnico.

É nesta perspectiva que se elabora o projeto de estudodas "Regiões de fricção interétnica do Brasil" (CARDOSO DEOLIVEIRA, 1962, p. 5-90) organizado por Cardoso deOliveira com outros etnólogos como Roberto Da Matta,Roque B. Laraia e Julio César Melatti. O primeiro casoestudado foi o de Tükuna da região do Alto Solimões,população atrelada a um sistema servil caracterizado peloregime do Barracão48. Em sua maioria, estes índios sãoseringueiros. Ainda, segundo o projeto original outros povosserão estudados como os povos Assurini e Gavião, doisgrupos de organizações sociais diferentes que estão emcontato em situação das fronteiras de expansão da extraçãono Estado do Pará. O terceiro caso estudado se situa no BrasilCentral com os índios Xerentes e Krahô, grupos cuja

47 Há uma grande variedade na definição, certos etnólogos utilizam os sentidos desejados pela "tradição cultural" como por exemplo a definição existente no "Modern dictionary ofsociology" de Georges A. e Achilles Theodorson, Nova York, 1969. Outros colocam maisevidência no sentido organizacional como por exemplo Fredrick Barth (1969).48  O regime do Barracão é aquele em que o indivíduo paga os bens de consumo quecompra na loja (Barracão) do patrão, com seu trabalho. É um regime de não circulação damoeda.

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organização social é semelhante e que habitam regiões ondepredomina a expansão das fronteiras pastoris. Os resultadosdesses estudos encontram-se nos livros de Cardoso deOliveira "O Índio no mundo dos brancos" (1964), de RobertoDa Matta e Roque Laraia "Índios e castanheiros" (1967) e deMelatti J. C. em "Índios e criadores" (1967). Outros etnólogos

utilizaram este instrumento metodológico para suas pesqui-sas em outras regiões 49.Cardoso de Oliveira apresenta o projeto da seguinte

forma: "O estudo das zonas de fricção interétnica transformou anoção de situação (colonial ou de fricção) em um instrumento decompreensão e de explicação da realidade tribal visto não mais em simas em relação com a sociedade que lhe rodeia‛.  O estudo dafricção interétnica pode ser visto dentro do âmbito dosestudos de mudança sócio-cultural; entretanto, para a ênfasedada à compreensão do índio em situação, ela alarga ocampo de observação do pesquisador — que passa o quantoantes a estudar igualmente a sociedade inclusive nacional,ou colonial, rejeitando a abordagem “culturalista” julgada

inadequado à compreensão de um comportamento inte-rétnico (DA MATTA, 1979, p. 38).

Para tornar operacional a análise deste sistema(interétnico) devem-se distinguir três níveis determinantesdas relações entre as sociedades: o nível econômico, o social eo político. A análise destes níveis dará ao pesquisador os

meios para analisar os mecanismos de integração que

49 Ver também Paulo Amorim "Os Índios Camponeses  –  os Potiguares da Baía da Traição" Revista do Museu Paulista”, n.s. v. 19, 1971, p. 7-99 e Terri Valle Aquino "Kaxinawa:de seringueiro 'caboclo' a peão 'acreano'". Dissertação de Mestrado, Universidade deBrasília, 1977.

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Cardoso de Oliveira designa pela expressão "potencial deintegração”.  Nesta teoria, a integração social é visualizadacomo o processo responsável pela constituição do sistemainterétnico. Neste sentido, o nível econômico determina ograu de dependência do índio dos recursos (econômicos)postos a seu alcance pelo não-índio e vice-versa. O nível

social avalia a capacidade dos grupos em contato (índios egrupos da sociedade nacional) para manter um mínimo deorganização e orientar os membros para os fins. Mas, pelaprópria natureza do sistema interétnico, estes fins serãoantagônicos. É a persistência a orientar para um fim que temfeito com que muitos grupos indígenas sobrevivam. Quantoao terceiro nível, o político, é preciso estudar a natureza dopoder ou da autoridade de um grupo sobre outro,considerados como as partes constituintes de um sistema dedominação. A manipulação do poder pelos brancos e asreações dos grupos indígenas a esta dominação serão oselementos da situação de contato que se encontraráfreqüentemente (CARDOSO DE OLIVEIRA, 1978, p. 87-93).

4.2 - Frentes de Expansão e Colonialismo Interno

A noção de fricção interétnica parte do princípio deque o contato com a sociedade nacional realiza-se atravésdas "fronteiras de expansão", mostrando assim o caráter

dinâmico do fenômeno. Pois a noção de fronteira (o que paraRibeiro seria as fronteiras de civilização) acrescentada à deexpansão econômica, permite que as investigações sobre ocontato interétnico sejam consideradas em seu conjunto.No caso do Brasil, existe uma variedade de fronteiras de

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expansão, o que deve tornar a pesquisa atenta ao desenvol-vimento e ao subdesenvolvimento regional.

Em 1955, Leo Waibel, em " As zonas pioneiras do Brasil",apresentava para o país, ã exceção da Amazônia, cinco zonasque considerava como pioneiras, e que procuravam seestender, com novos habitantes de nível de vida mais

elevado. As cinco zonas caracterizadas por Waibel são asseguintes: 1) a região de Xapecó-Pato Branco no nordeste doEstado de Santa Catarina e o sudeste do Estado do Paraná; 2)o norte do Estado do Paraná; 3) o oeste do Estado de SãoPaulo; 4) o Estado de Mato Grosso e de Goiás; 5) a região donorte do Rio Doce no Estado de Espírito Santo e MinasGerais (WAIBEL, 1955 apud CARDOSO DE OLIVEIRA,1978, p. 97).

Estas zonas estabelecidas por Waibel e outros, acres-centadas à região amazonense, mostram que o desenvol-vimento no Brasil é, às vezes, feito de maneira espontânea,mas que em geral, sempre foi conduzido por uma política

 brasileira de desenvolvimento. Cardoso de Oliveira empregaa noção de fronteira de expansão conjuntamente à decolonialismo interno, com base no pensamento do sociólogomexicano Pablo Casanova50 que escreve: "no seio das sociedades

 plurais, as formas internas do colonialismo subsistem após aindependência política e as mudanças sociais (reforma agrária,industrialização, urbanização)”. O colonialismo interno é per-

cebido como um continuum  da estrutura social das "nações jovens". Neste sentido, a noção de colonialismo interno

50  Pablo Casanova "Sociedad Plural, Colonialismo Interno y Desarrollo" In:  Revista América Latina v. 3, 1962.

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explica em parte o desenvolvimento desigual dos paísessubdesenvolvidos (CARDOSO DE OLIVEIRA 1966).

A noção de colonialismo interno utilizada porCardoso de Oliveira, acrescentada a de "segmentos étnicos"da sociedade brasileira dão consistência metodológica àteoria da Fricção Interétnica. Em vez de se restringir ao

estudo das zonas de fricção interétnicas tidas comototalidades sincréticas e concretas tendo sua própriauniversalidade e particularidade, sua necessidade e suacontingência, o etnólogo é levado a se orientar para o exameda sociedade nacional em suas manifestações regionais. Paraa análise, a questão indígena, cuja amplidão se subestima,geralmente sob pretexto de que concerne um pequenonúmero de indivíduos, será um meio de conhecer, em escalamicroscópica, o Brasil colonizado, o Brasil subdesenvolvido," A dialética das relações entre as classes (trabalhadores e patrões) eos grupos tribais (...) constituiria o núcleo central das pesquisassobre este terceiro Brasil" (CARDOSO DE OLIVEIRA, 1966a)51.

Cardoso de Oliveira, com a teoria do contatointerétnico, tenta: 1) fornecer uma estrutura teórica para aexplicação e a compreensão da situação de contato; 2)chamar a atenção para os aspectos dinâmicos desta situação;3) confrontar a natureza dialética do fenômeno. Ele vê ofenômeno do contato como uma totalidade unificada porinteresses opostos. É sobre este ponto que ele tem

divergências com os outros etnólogos que fizeram pesquisassobre a situação de contato. Darcy Ribeiro explica, por

51 Cardoso critica a idéia apresentada por J. Lambert em seu livro "Os dois Brasis". ParaCardoso existe um terceiro Brasil: o Brasil indígena (CARDOSO DE OLIVEIRA, 1966).

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exemplo, a situação de contato como a confrontação mútuade duas totalidades. A segunda divergência nos trabalhos deRibeiro e Cardoso é a não-aceitação, da parte de Ribeiro, da"preponderância das relações sociais" na aculturação. Comodiz o próprio Cardoso, "mais que um estudo da mudançacultural, queremos estudar a mudança social, sobretudo com o

estudo da mudança de situação“(CARDOSO DE OLIVEIRA,1979, p. 37).

4.3 - A Identidade Étnica como Ideologia

Mais tarde, Cardoso de Oliveira desenvolveu oconceito de identidade étnica enquanto identidade contras-tativa com base em trabalhos de Fredrick Barth (1969).Segundo Cardoso, "a especificidade da identidade étnica, em

 particular suas manifestações mais primitivas, reside em seuconteúdo mais etnocêntrico inerente à negação da ‘outra’ identidade em contraste" (CARDOSO DE OLIVEIRA, 1976a,p. 45). A identidade étnica assim definida seria a expressãodo sistema de relações entre os índios e a sociedaderegional52  da qual já evidenciamos o caráter contraditórioquando apresen-tamos a noção de Fricção Interétnica.

Os quatro principais ensaios de Cardoso de Oliveirasobre a identidade étnica estão reunidos em um volume

intitulado: "Identidade, etnia e estrutura social" (1976) onde oautor retoma justamente a especificidade do étnico e do

52  Cardoso sempre evita falar de sociedade nacional. Em seu lugar emprega o termo"regional" ainda que outros autores falem de sociedade nacional. Darcy Ribeiro empregao termo "nacionais" como sinônimo de "brancos".

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ideológico, formulando-a nos seguintes termos: 1) a arti-culação social como processo de relações que, no casoparticular da confrontação entre índios e brancos (fricção)toma a forma de articulação étnica (CARDOSO DEOLIVEIRA, 1976b, p. 55-71); 2) o grupo social tomado comoum modo de organização que, no caso do índio, recobre a

noção de grupo étnico; e 3) a identidade social como umaideologia que, no caso indígena, aparece como identidadeétnica (CARDOSO DE OLIVEIRA 1976b, p. 43). Tendo emconta a reorientação dos valores ideológicos, a sociedadetribal se reorganiza a partir dos modos pelos quais seidentifica como unidade diferenciada e consegue se oporativamente à sociedade regional.

Assim, Cardoso de Oliveira em "Identidade étnica,identificação e manipulação" e em "Um conceito antro-

pológico de identidade" tenta mostrar fatores sobre esseprocesso: o primeiro é a necessidade de estabelecer umadimensão propriamente antropológica para a identidadesocial e mais particularmente a identidade étnica53. Pararecolocar a identidade étnica sobre bases sociais, o autorutiliza as proposições de Barth, como a forma que o própriogrupo étnico tem de se representar,54  que se preservaenquanto grupo enquanto preserva sua identidade, sobre os

53  Em "O processo de assimilação dos Terena" Cardoso de Oliveira (1960) editado posteriormente (1976) sob o título de "Do Índio ao Bugre" Cardoso reconhece que aidentidade étnica "exibiu um conteúdo claramente psicológico” (CARDOSO DEOLIVEIRA, 1976, p. XV).54  Cardoso de Oliveira escreve: "A pista mais segura foi-nos traçada pelo conjunto deestudos publicados em Ethnic groups and Bundaries  de F. Barth, 1969” (CARDOSO DEOLIVEIRA, 1976, p. XV).

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planos ideológicos e organizacionais, e se preserva comoidentidade étnica enquanto mantém as condições organi-zacionais de se conservar enquanto grupo (BARTH, 1969,p. 10-14).

Considerando o esquema das relações interétnicas quetem lugar entre os indivíduos e grupos de origem "nacional",

"racial", ou mesmo "cultural" diferentes, e a noção de grupoétnico como "organizational type", o autor mostra que aidentidade contém duas dimensões, a primeira é a social e asegunda aquela que se situa no individual. Considerando aalteridade dos grupos, o autor estabelece a noção deidentidade contrastativa que "parece constituir-se na essênciada identidade étnica, isto é, sobre a base de qual identidadese define. Isto implica na afirmação do eu frente aos outros(CARDOSO DE OLIVEIRA, 1976d, p. 5). Apresentamos as

modalidades da identificação étnica utilizando o modeloproposto por Lehman (1969) que diz:

"Quando as pessoas se identificam como membros de umacategoria étnica, (...) situam-se no seio de relações intergrupais(...). Estes sistemas de relações intergrupais compreendemas categorias complementares totalmente interdependentes. Afirmo que na realidade, as categorias étnicas são formalmente papéis e que, neste sentido, não são senão indiretamente

descritivas as características empíricas de grupos compostos de pessoas" (CARDOSO DE OLIVEIRA, 1976b, p. 8).

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TIPOLOGIA DAS SITUAÇÕES DE CONTATO

"INTERTRIBAIS" INTERÉTNICAS

SIMETRIA

ASSIMETRIA

RELAÇÕESIGUALITÁRIAS (1)

RELAÇÕESHIERÁRQUICAS (2)

RELAÇÕESIGUALITÁRIAS (4)

RELAÇÕES DESUJEIÇAO-DOMINAÇÃO (3)

Cardoso define a identidade étnica em contextostribais mostrando-a em confronto com a sociedade nacional.Estabelece então uma tipologia partindo das situações decontato, isto é, das relações interétnicas que podem acontecerem "sistemas de interação tribal" e de relações conflituosas de

contato entre sociedade tribal e sociedade nacional55

.A tipologia estabelecida pelo autor apresenta-se daseguinte forma:

  Relações implicando unidades tribais em relaçõessimétricas, como o caso Xingu e as relações intertribaisdo Rio Negro, Amazonas56;

55  Carlos Rodrigues Brandão afirma que as relações interétnicas marcadas peladesigualdade e pela dominação não podem ser compreendidas através de aspectos particulares e desconectadas da totalidade. Coferir: BRANDAO, C. R.  Identidade e Etnia: A Construção da Pessoa e A Resistência Cultural . Sao Paulo: Brasiliense, 1986.56 Paul Ehrenreich (1906) para este tipo de situação fala de "Akkulturationzentren" ondeestabelece para a América do Sul três centros de aculturação, a saber: o Rio Negro,Guyanna Orenoco, Alto Xingu. Existe sobre as relações intertribais no Alto Xingu, otrabalho de P. Menget "Alliance and violence in the Upper Xingu", 1982.

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  Relações implicando unidades assimétricas e justa-postas hierarquicamente como as que aconteceram noChaco durante a conquista e da qual persistem hojealgumas formas no sul do Mato Grosso;

  Relações implicando unidades étnicas assimétrica-mente em relação mas prisioneiras de um sistema de

dominação e de sujeição. Estes tipos se encontram nasregiões chamadas "Área de Fricção Interétnica";  Um quarto tipo no sistema interétnico, que seria

constituído de relações igualitárias, é, apenas, paraCardoso uma "possibilidade teórica posto que em-piricamente, não se pode dizer que ela existe"(CARDOSO DE OLIVEIRA, 1976a, p. 58).

A identidade étnica é, enquanto forma ideológica dasrepresentações coletivas de uma sociedade, concebida comoum caso particular de identidade social e como uma formaideológica das representações coletivas de um grupo étnicodeterminado. A definição da identidade étnica se faz,portanto de maneira dialética observando as relações entre onós e os outros. Isto implica bem entendido que duasentidades estejam em relação, pois nenhum grupo socialpode se conceber ideologicamente se não percebe a existênciade outro grupo. Cardoso de Oliveira utiliza os termos deGoodenough57  que parte da noção de "identidades

complementares" para concluir que a identidade de cadagrupo em contato não é inteligível senão na medida em que

57  Ver: Ward Goodenough " Rethinking 'status' and 'role ': toward a general model ofculture organization of social relationships". In: The relevance of models for socialanthropology. Editado pela Michael Banton Tavistock, publicado em 1965.

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estes estão em relação entre eles (CARDOSO DE OLIVEIRA,1976b, p. 42-45). O caráter contrastivo destas identidadesconstitui, portanto um atributo essencial da identidadeétnica. Assim, a identidade étnica produzida pela identidadecontrastiva aparece como uma identidade que surgiu de umaoposição. Para tentar delimitar a identidade étnica, é

necessário conhecer os "mecanismos de identificação" quecontêm a identidade em processo. Através do desenvol-vimento histórico do contato, os grupos étnicos em relação(em conjunção) desenvolvem uma "consciência de si nasituação", o que significa que a identidade étnica variará deacordo com as diferentes "histórias do contato".

No processo de identificação58 , a identidade étnicapode ser assumida como uma identidade negativa(CARDOSO DE OLIVEIRA, 1976b, p. 18). Com efeito, osíndios interiorizam a ideologia discriminatória dos membrosda sociedade regional, o que os coloca em posição deinferioridade e enfraquece sua capacidade de resistência àopressão que suportam. Darcy Ribeiro (1977) denomina estetipo de identidade de "consciência em alienação crescente e

 bastarda”  por causa da absorção fatal de imagens depre-ciativas de si e justificando a dominação e a exploração.

Se a consciência étnica pode chegar a ser negativa, elase manifestada em outros casos pela afirmação extrema dogrupo, ao inverso dos outros. Esta auto-afirmação poderia

levar a um outro tipo de identidade que Cardoso de Oliveiradefine como: “Ideologia igualmente étnica” , absolutamente

58 A noção desenvolvida por Cardoso sobre o processo de identificação leva à noção deidentidade étnica como atualização em um dado momento histórico (CARDOSO DEOLIVEIRA, 1976, p.14-15).

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totalizadora, capaz de fornecer a base dos movimentossociais de qualquer tipo: separatistas, reformistas, revolu-cionários e também messiânicos (CARDOSO DE OLIVEIRAIn: Introdução ao Simpósio do XLI Congresso Internacionaldos Americanistas, México, 1974). Em "Os índios e acivilização", Darcy Ribeiro (1977) analisa este aspecto da

identidade como sendo uma "consciência alienada", mas quenão altera seus próprios fins59.Uma outra manifestação da identidade étnica é a que

Cardoso de Oliveira chama “identidade histórica” e que seriacomparável em certos casos que chama "identidaderenunciada", à qual se pode eventualmente renunciar emsituações muitas vezes conflituosas ou discriminatórias, masque pode ser invocada de novo e reafirmada quando asituação muda (CARDOSO DE OLIVEIRA, 1976b, p. 12).

Roberto Da Matta introduzirá a idéia de "custos" nadiscussão sobre a identidade étnica, tomando por ponto departida as pesquisas de Cardoso de Oliveira e os estudos deWard Goodenoug (1965) sobre os "papéis sociais", e seopondo à noção proposta por este último de "pares deidentidades superpostas"ou "gramaticais", Da Matta diz:"Em outros termos, tenho a intenção de insistir no fatode que a seleção de identidades —  ao contrário do queexplica Goodenough — , nem sempre seguem as regras da

59  Sobre esta abordagem ver: Miguel A. Bartolomé "Consciencia étnica y autogestiónindígena". In: Indianidade y descolonización en América Latina”  (Documentos de lasegunda reunión de Barbados) Editorial Nueva Imagen, 1979, Mexico. Ver tambémtrabalhos mais reentes como por exemplo: Gente De Costumbre y Gente de Razon: Las Iidentidades Étnicas en México, Siglo XXI, México, 2004, ou do mesmo autor:  Procesos Interculturales Antropologia Politica del Pluralismo Cultural en América Latina, Siglo XXI, Mexico, 2005. 

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identidade atribuída, ou a do contexto adequado, nem a da"identidade superposta" (DA MATTA, 1976, p. 35).

Da Matta propõe a noção de "identidades paradoxais"que teria por particularidade os "custos sociais" elevadosnecessários à sua execução. E mais, as identidades para-doxais se definem pelo fato de que elas articulam universos

sócio-culturais e subuniversos de significação inteiramentediferente (1976a, p. 36). Quanto mais as identidades seafastam, mais os custos sociais necessários à sua implantaçãosão importantes.

"Desta maneira, escreve Da Matta , as situações quechamamos de contato interétnico ou intercultural não seriammais que casos particulares de encontros entre dois sub-universos de significação ou mais. Seriam particulares não porque possuem um princípio oculto ou intrinsecamentediferente mas porque evidenciam de maneira clara asdificuldades de integração nos contextos onde se realiza oencontro entre domínios muito distantes uns dos outros" (1976, p. 40).

A identidade étnica seria assim uma modalidade daidentidade social, através da sociedade regional. Os traba-lhos sobre a identidade étnica no Brasil ainda têmdesdobramentos importantes e foram fortemente influen-ciados, a nosso ver, pelas pesquisas de Roberto Cardoso de

Oliveira60

. Estão, sobretudo, centrados na situação decontato, isto é, nas relações entre índios e brancos nasrepresentações ideológicas de cada grupo étnico. A título de

60 Conferir: Cardoso de Oliveira. Identidade étnica, reconhecimento e o mundo moral, in: Revista Anthropológicas, vol 16(2),2005

 

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ilustração, mencionaremos aqui duas obras, entre outras, quemerecem atenção e que confirmam que a questão daidentidade étnica está na ordem do dia nas pesquisasetnológicas do Brasil. No que refere os estudos sobre aidentidade étnica e as relações em contexto indígena, o livroorganizado por Alcida Ramos (1980) "Hierarquia e simbiose" é

importante na medida em que ilustra situações particularescomo a que existe entre os Hupdah-Maku e os "índios do rio"no Alto Rio Negro, entre os Mayongong e os Sanuma noEstado de Roraima e entre os Guarani e os Kaingang noEstado do Paraná. Nos dois primeiros casos, o contato entreestes grupos indígenas aconteceu antes do contato com asociedade nacional. No caso dos Kaingang, as relações entreos grupos são posteriores ao contato com a sociedadenacional. Outro estudo importante é o de Terri Aquino (1976)"Kaxinawa: do seringueiro "caboclo" ao peão acreano" quedesenvolve a noção de identidade étnica numa tentativa decompreensão do relacionamento entre identidade e estruturasocial. Mostra como as mudanças sociais e econômicasprovindas da implantação das empresas de agropecuária naszonas que exploravam tradicionalmente a borracha, sãoabsorvidas no sistema de representação indígena, dandoorigem a uma ideologia onde se polarizam as identidades

 branca (de São Paulo ou do Acre) e indígena "caboclo". Estaspesquisas e muitas outras (MELATTI, 1982, p. 264) mostram

um aspecto das pesquisas etnológicas nas sociedades tribais brasileiras onde o índio não é o sujeito de sua própriacultura, mas é obrigado a se confrontar ou a se integrar nasociedade de classes.

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A mais recente obra de Roberto Cardoso de Oliveira,“Caminhos da identidade  –   ensaios sobre etnicidade emulticulturalismo”, São Paulo, Editora Unesp; Brasília, Paralelo15;2006, representa a reedição dos ensaios sobre identidadeétnica e etnicidade produzidos nesses últimos 40 anos, alémde apresentar um panorama de seu trabalho sobre odesenvolvimento do conceito de identidade através de suas

pesquisas, os quatro capítulos trazem diferentes aspectos quecompõem a questão identitária ainda fortemente baseadanos pressupostos weberiano sobre identidade étnica, e emtodos estão presentes o debate entre identidade e cultura.A reedição de seus ensaios proporciona uma possibilidadede discussão, bem como a introdução das questões domulticuralismo abrindo assim uma porta nas possibilidadesatuais do debate antropológico sobre a identidade étnica.

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