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N o 300.099/2016-AsJConst/SAJ/PGR EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN, DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. [Ação cautelar penal. Presidente do Congresso Nacional réu em ação penal (Inq 2.593/DF). Impedimento para substituir o Presidente da República. Constituição, art. 86, § 1 o , I. Códi- go de Processo Penal, art. 389, VI.] (Distribuição por conexão ao inquérito 2.593/DF.) O PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA, com funda- mento no art. 37, caput (princípio da moralidade), e no art. 86, § 1 o , inciso I, da Constituição da República; no art. 5 o , inciso I, alinea h, e inc. V, al. b, da Lei Complementar 75, de 20 de maio de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público da União) (defesa do princípio da moralidade); no art. 319, inciso VI, e no art. 282, incisos I e II, do Código de Processo Penal, propõe ação cau- telar penal em face de JOSÉ RENAN VASCONCELOS CALHEIROS, também conhecido como RENAN CALHEIROS, brasileiro, atualmente detentor de mandato de Senador, portador da identidade 229.771-SSP/AL e do CPF 110.786.854-87, domi- Documento assinado via Token digitalmente por RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, em 05/12/2016 19:51. Para verificar a assinatura acesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicial informando o código D1B6C101.AD62AE03.6887081A.65A0766A

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Page 1: -G ação cau- telar penal J · Procuradoria-Geral da República Ação cautelar penal ciliado no Senado Federal, na Praça dos Três Poderes, Brasí-lia (DF), para afastamento do

No 300.099/2016-AsJConst/SAJ/PGR

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN,DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

[Ação cautelar penal. Presidente do CongressoNacional réu em ação penal (Inq 2.593/DF).Impedimento para substituir o Presidente daRepública. Constituição, art. 86, § 1o, I. Códi-go de Processo Penal, art. 389, VI.]

(Distribuição por conexão ao inquérito 2.593/DF.)

O PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA, com funda-

mento no art. 37, caput (princípio da moralidade), e no art. 86,

§ 1o, inciso I, da Constituição da República; no art. 5o, inciso I,

alinea h, e inc. V, al. b, da Lei Complementar 75, de 20 de maio

de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público da União) (defesa

do princípio da moralidade); no art. 319, inciso VI, e no art. 282,

incisos I e II, do Código de Processo Penal, propõe ação cau-

telar penal em face de JOSÉ RENAN VASCONCELOS

CALHEIROS, também conhecido como RENAN CALHEIROS,

brasileiro, atualmente detentor de mandato de Senador, portador

da identidade 229.771-SSP/AL e do CPF 110.786.854-87, domi-

Documento assinado via Token digitalmente por RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, em 05/12/2016 19:51. Para verificar a assinatura acesse

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ciliado no Senado Federal, na Praça dos Três Poderes, Brasí-

lia (DF), para afastamento do requerido da função de Presiden-

te do Senado Federal e do Congresso Nacional, pelos fatos

e fundamentos a seguir.

1. DISTRIBUIÇÃO POR CONEXÃO

Este requerimento cautelar é decorrência incontornável do

julgamento produzido pelo Supremo Tribunal Federal no inqué-

rito 2.593/DF, à luz da interpretação do art. 86, § 1o, I, da Cons-

tituição da República,1 recentemente definida em ampla maioria

formada na arguição de descumprimento de preceito fundamental

402/DF e com precedente igualmente na ação cautelar 4.070/DF

(das quais se tratará adiante). No Inq 2.593/DF, o Ministério Pú-

blico Federal, por meio do Procurador-Geral da República, ofere-

ceu denúncia em face do requerido JOSÉ RENAN VASCONCELOS

CALHEIROS, também conhecido como RENAN CALHEIROS.

Foi amplamente divulgado o fato de que essa Suprema Cor-

te, no dia 1o de dezembro de 2016, recebeu em parte a denúncia,

1 “Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente da República, por doisterços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento peranteo Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante oSenado Federal, nos crimes de responsabilidade.§ 1o O Presidente ficará suspenso de suas funções:I – nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia ou queixa-crimepelo Supremo Tribunal Federal;II – nos crimes de responsabilidade, após a instauração do processo peloSenado Federal. [...]”.

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conforme notícia do julgamento constante do sítio eletrônico do

Tribunal, que assim o relata:

Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto doRelator, recebeu a denúncia quanto ao crime de peculato(art. 312 do CP), vencidos os Ministros DIAS TOFFOLI,RICARDO LEWANDOWSKI e GILMAR MENDES, que a re-jeitavam; por unanimidade, declarou a extinção da punibi-lidade pela incidência da prescrição em relação aos crimesde falsidade ideológica e uso das notas fiscais de produtor,recibos de compra e venda de gado, declarações de impos-to de renda de pessoa física, contratos de mútuo e livro deatividade rural; e, por maioria, rejeitou a denúncia quantoaos crimes de falsidade ideológica e uso das Guias de Trân-sito Animal – GTA’s e das Declarações de Vacinação Con-tra Febre Aftosa, vencidos os Ministros ROBERTO

BARROSO, ROSA WEBER e MARCO AURÉLIO, que a re-cebiam. Falaram, pelo Ministério Público Federal, oVice-Procurador-Geral da República, Dr. JOSÉ

BONIFÁCIO BORGES DE ANDRADA, e, pelo investigado, oDr. ARISTIDES JUNQUEIRA ALVARENGA. Presidiu o julga-mento a Ministra CÁRMEN LÚCIA. Plenário, 01.12.2016.2

Devido à recentidade do julgamento, não foi ainda lavrado o

acórdão. De toda forma, como esta ação cautelar decorre da deci-

são de recebimento da denúncia no inquérito acima, há conexão e

consequente prevenção dessa relatoria, nos termos do art. 69, ca-

put, do Regimento Interno do STF.3

2 Disponível em < http://migre.me/vERTi > ou< http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?inci-dente=2544476 >; acesso em 5 dez. 2016.

3 “Art. 69. A distribuição da ação ou do recurso gera prevenção para todosos processos a eles vinculados por conexão ou continência. [...]”.

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2. INSTRUMENTALIDADE DA AÇÃO CAUTELAR

A medida cautelar ora requerida, embora grave e excepcio-

nal, encontra amparo na Constituição da República e no ordena-

mento jurídico brasileiro, sistemicamente compreendidos, além de

em interpretação recentemente definida pelo Supremo Tribunal

Federal, na ADPF 402/DF e na AC 4.070/DF.

A Constituição prevê que membros do Congresso Nacional

podem ser processados, independentemente de prévia autorização

da respectiva casa legislativa, e só pode o processo ser sustado por

“iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da

maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o an-

damento da ação” (art. 53, § 3o).4

Da mesma forma, a CR prevê que o mandato parlamentar

poderá ser cassado nas hipóteses previstas nos incisos do art. 55,

entre as quais consta a de “sofrer condenação criminal em senten-

ça transitada em julgado.” O § 1o do mesmo art. 55 estabelece ser

“incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos defini-

dos no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a

membro do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens in-

devidas.”

4 “§ 3o Recebida a denúncia contra o Senador ou Deputado, por crimeocorrido após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência àCasa respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado epelo voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar oandamento da ação. (Redação dada pela Emenda Constitucional 35, de2001)”.

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Como se sabe, medidas cautelares possuem caráter acessório

e visam a garantir efetividade das ações principais. Almejam asse-

gurar que fatores externos, em especial decorrentes da conduta do

investigado, não frustrem ou tumultuem a investigação dos fatos

nem a aplicação da legislação, notadamente a constitucional.

Já defluiria da ordem constitucional a possibilidade de o Judi-

ciário exercer seu poder cautelar. Isso decorre do art. 5o, XXXV,

o qual, ao dispor que “a lei não excluirá da apreciação do Poder

Judiciário lesão ou ameaça a direito”, assegura tutela jurisdicional

adequada.

Não pode haver dúvida de que a própria Constituição asse-

gura tutela jurisdicional apropriada e eficaz, de sorte a conceder ao

juiz poderes para não permitir que o provimento jurisdicional fi-

nal seja inútil. De nada adiantaria ao Judiciário proferir decisão se

não for efetiva e adequada para alcançar o resultado final buscado

pelo processo. Segundo decidiu o próprio STF, “além de resultar

da cláusula de acesso para evitar lesão a direito – parte final do in-

ciso XXXV do artigo 5o da Constituição Federal –, o poder de

cautela, mediante o implemento de liminar, é ínsito ao

Judiciário”.5

Ademais, o princípio da proteção efetiva (evitando-se a proi-

bição de proteção deficiente) impõe a inevitável conclusão de que

5 STF. Plenário. Referendo na medida cautelar na ADPF 172. Relator: Mi-nistro MARCO AURÉLIO. 10 jun. 2009, unânime. Diário da Justiça eletrôni-co 157, 21 ago. 2009.

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toda ação implica, caso necessário, ação cautelar ínsita a fim de lhe

garantir utilidade e eficiência.

Com o recebimento da denúncia no Inq 2.593/DF, a inter-

pretação definida na ADPF 402/DF e o precedente da AC

4.070/DF, a conclusão a que se chega é de que se faz necessário

afastar, de imediato, o acusado RENAN CALHEIROS do exercício

da nobilíssima função de Presidente do Senado Federal (da qual

decorre a Presidência do Congresso Nacional, segundo o art. 57,

§ 5o, da CR).6

Por força de interpretação sistemática do art. 86, § 1o, I, da

CR,7 nenhuma autoridade da linha de substituição do Presidente

da República pode ter recebida acusação criminal contra si, seja

em ação penal de iniciativa pública ou privada ou por crime de

responsabilidade.

A possibilidade de substituição do Presidente da República,

seja por viagens ao exterior a serviço, seja por imprevistos de saú-

de ou de outra natureza, é permanente e inerente às funções indi-

cadas nos arts. 79 e 80 da CR, uma vez que nem sempre se sabe

em que momento o chefe do Poder Executivo federal precisará se

afastar temporária ou definitivamente do exercício da função. Por

esse motivo, o impedimento constitucional do art. 86 da CR

6 “§ 5o A Mesa do Congresso Nacional será presidida pelo Presidente doSenado Federal, e os demais cargos serão exercidos, alternadamente, pelosocupantes de cargos equivalentes na Câmara dos Deputados e no SenadoFederal.”

7 Vide transcrição na nota 1, p. 2.

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aplica-se àquelas autoridades de forma automática, sempre que es-

ses cidadãos forem alvo de acusação criminal recebida pelo Poder

Judiciário.

A necessidade de preservar a respeitabilidade e o exercício

sereno e legítimo daquelas funções é ainda mais intensa na presen-

te situação do País, pois, como é notório, o Brasil não conta com

Vice-Presidente da República. O atual Presidente MICHEL

TEMER exercia essa função no mandato da então Presidente

DILMA ROUSSEFF e assumiu a Presidência em razão do impedi-

mento desta, pelo fato de o Senado Federal haver concluído que

Sua Excelência cometeu crime de responsabilidade.

A situação em exame, portanto, é atípica e demanda trata-

mento igualmente excepcional, a fim de emprestar eficácia à proi-

bição do art. 86, § 1o, I, da CR, em face da condição de réu em

ação penal que o requerido RENAN CALHEIROS ostenta, no Inq

2.593/DF.

3. PROIBIÇÃO DE RÉUS NA SUBSTITUIÇÃO

DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Em 3 de novembro de 2016, o Supremo Tribunal Federal

iniciou o julgamento da arguição de descumprimento de preceito

fundamental 402/DF, requerente o partido Rede Sustentabilidade

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e relator o Min. MARCO AURÉLIO. De acordo com o sítio ele-

trônico da Corte, o julgamento teve o seguinte resultado parcial:

Decisão: O Tribunal, por maioria, rejeitou as preliminares,conhecendo da arguição, vencido o Ministro DIAS

TOFFOLI. No mérito, após o voto do Ministro MARCO

AURÉLIO (Relator), julgando procedente a argüição, noque foi acompanhado pelos Ministros EDSON FACHIN,TEORI ZAVASCKI, ROSA WEBER, LUIZ FUX e CELSO DE

MELLO, pediu vista dos autos o Ministro DIAS TOFFOLI.Declarou suspeição o Ministro ROBERTO BARROSO. Au-sentes, justificadamente, o Ministro GILMAR MENDES e oMinistro RICARDO LEWANDOWSKI, que participa da aber-tura do VI Encontro Nacional de Juízes Estaduais – ENA-JE, em Porto Seguro, na Bahia. Falaram, pela requerenteREDE SUSTENTABILIDADE, o Dr. DANIEL

SARMENTO, e, pelo Ministério Público Federal, o Dr.RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS. Presidência daMinistra CÁRMEN LÚCIA. Plenário, 03.11.2016.8

Conquanto o julgamento ainda não se tenha formalmente

encerrado, ante pedido de vista do Min. DIAS TOFFOLI, parece

razoável considerar como firmada a interpretação prevalecente da

maioria absoluta do Plenário do Supremo Tribunal Federal, pois,

além da suspeição do Min. ROBERTO BARROSO, outros seis in-

tegrantes do órgão já sufragaram o voto do relator, de modo que

dos dez potenciais votantes, seis já posicionaram, e a experiência

mostra ser rara a mudança de orientação dos ministros em matérias

dessa complexidade e relevância.

8 Disponível em < http://migre.me/vEWmb > ou < http://www.stf.jus.-br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4975492 >;acesso em 5 dez. 2016.

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Procuradoria-Geral da República Ação cautelar penal

De toda sorte, a apreciação desta medida cautelar não se su-

bordina à conclusão do julgamento da ADPF 402/DF, pois, sendo

cabível esta ação, como é, o Supremo Tribunal Federal pode de-

cidi-la de forma processualmente autônoma e nela asseverar a in-

terpretação constitucional aplicável, independentemente do anda-

mento da ADPF.

A ADPF 402/DF possui como objetivo central definir inter-

pretação resultante da compreensão sistemática e finalística da

Constituição de que pessoas com denúncia ou queixa recebida

pelo Supremo Tribunal Federal sejam consideradas inaptas para

ocupar os cargos apontados nos arts. 79 e 80 da Constituição da

República.9 Como consequência dessa interpretação, ali se pedia

afastamento do sr. EDUARDO COSENTINO DA CUNHA do cargo

de Presidente da Câmara dos Deputados, pois se tornara réu no

inquérito 3.983/DF, em que denúncia da Procuradoria-Geral da

República foi recebida, por unanimidade do Supremo Tribunal

Federal, em sessão de 3 de março de 2016. Posteriormente, como

se sabe, aquele cidadão teve o mandato cassado em votação do

9 “Art. 79. Substituirá o Presidente, no caso de impedimento, e suce-der-lhe-á, no de vaga, o Vice-Presidente.Parágrafo único. O Vice-Presidente da República, além de outras atribui-ções que lhe forem conferidas por lei complementar, auxiliará o Presiden-te, sempre que por ele convocado para missões especiais.Art. 80. Em caso de impedimento do Presidente e do Vice-Presidente, ouvacância dos respectivos cargos, serão sucessivamente chamados ao exercí-cio da Presidência o Presidente da Câmara dos Deputados, o do SenadoFederal e o do Supremo Tribunal Federal.”

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Plenário da Câmara dos Deputados, de modo que, nessa parte, o

pedido se tornou prejudicado.

Com efeito, cidadão réu em ação penal, mormente no Su-

premo Tribunal Federal, não pode ocupar cargo que esteja na or-

dem de vocação constitucional para substituir o Presidente da Re-

pública.

Existe indissociabilidade entre a competência dos Presidentes

do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do Supremo Tri-

bunal Federal para substituir o Presidente da República e o papel

dos próprios órgãos (Senado, Câmara e Supremo Tribunal) nessa

substituição. A Constituição da República determina, no art. 80,

que o Presidente do Senado seja o terceiro substituto do chefe do

Executivo, em ausências e impedimentos, logo depois do

Vice-Presidente e do Presidente da Câmara dos Deputados.

Como ora não há Vice-Presidente, o Presidente do Senado passa à

segunda posição na lista de substituição. A História mostra que

não são raras situações nas quais tanto o Presidente da República

quanto o da Câmara dos Deputados estão impossibilitados de res-

ponder pelo Poder Executivo, de maneira que o Presidente do

Senado precisa estar permanentemente disponível e em condição

jurídica idônea e legítima a assumir essa relevante função.

Não é aceitável que o presidente de um dos órgãos de repre-

sentação popular vocacionados a suceder o Presidente da Repúbli-

ca esteja afastado de antemão dessa linha de substituição, por pro-

blemas pessoais do ocupante do cargo.

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Procuradoria-Geral da República Ação cautelar penal

A representação popular e o Poder Legislativo não se podem

privar de exercer plenamente seu papel constitucional por esses fa-

tores pessoais. O Legislativo tem de ser presidido por cidadãos que

estejam plenamente aptos a exercer todas as missões próprias des-

sa magna função. A atividade política é muito nobre e deve ser

preservada de pessoas envolvidas com atos ilícitos, ainda mais

quando já sejam objeto de ação penal em curso na Suprema Corte

do País.

A conclusão, portanto, é a de que réus em ação penal não

podem ocupar nenhum dos cargos indicados nos arts. 79 e 80 da

Constituição, como passíveis de substituir o de supremo mandatá-

rio da Nação, isto é, o de Presidente da República.

Conquanto não expressa no texto da Constituição, essa é sua

mais correta interpretação sistemática e a que se extrai da maioria

já formada no julgamento da ADPF 402/DF e do precedente da

AC 4.070/DF. A falta de explicitação não a torna menos aplicá-

vel, por interpretação sistemática e finalística da Constituição. Re-

sulta da compreensão adequada de seu art. 86, § 1o, I, que deter-

mina afastamento do Presidente da República do cargo, se recebi-

da denúncia ou queixa-crime, em infrações penais comuns, pelo

Supremo Tribunal Federal.

Na verdade, até com mais razão isso se aplica aos demais

substitutos potenciais do chefe do Executivo, na linha dos arts. 79

e 80. Se a Constituição não aceita que alguém ungido pelo voto

popular exerça as graves funções de Presidente da República, caso

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Procuradoria-Geral da República Ação cautelar penal

venha a ter denúncia ou queixa recebida, com mais razão ainda al-

guém sem essa mesma legitimidade e réu em ação penal no STF

jamais poderia desempenhar aquelas funções.

Há diferença fundamental entre a situação de certa autorida-

de estar impedida ocasionalmente de substituir o Presidente da

República, como a hipótese de doença. Bem diversa é a condição

de réu em processo penal, a qual, pela duração natural dos proces-

sos em tribunais (consequência do sistema processual da Lei 8.038,

de 28 de maio de 1990, e da dificuldade que têm os tribunais em

conduzir ações penais originárias), costuma delongar-se por mui-

tos meses ou até por anos.

Não é admissível, portanto, que alguém na condição de acu-

sado de infração penal impeça o normal funcionamento dos ór-

gãos máximos do País e contribua para degradar a respeitabilidade

das instituições da República e o princípio da moralidade, expres-

samente erigido em pilar do serviço público no art. 37, caput, da

lei fundamental brasileira.

O quadro processual do réu RENAN CALHEIROS, aliás, re-

força a necessidade de se preservar o exercício pleno e legítimo

das relevantes funções públicas de que se trata, pois, ele é objeto

de investigação em diversos inquéritos, dos quais alguns são os se-

guintes:

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INQ INVESTIGADOS OBJETO/TIPIFICAÇÃO

3.984 Renan CalheirosAníbal Gomes

Práticos (apensado ao Inq 3.993)

4.075 Renan CalheirosEdison LobãoRaimundo Carreiro SilvaRomero JucáThiago CedrazLuciano Araújo

Possível corrupção passiva qualificada, em con-curso de pessoas, e lavagem de bens. Possível esquema de corrupção e tráfico de influência relacionado a licitações de sociedades de econo-mia mista

4.213 Renan Calheiros CPIs da Petrobras. Possível recebimento de R$ 2 milhões em espécie, mediante intermediários,para evitar instalação ou funcionamento das CPIs de 2009 ou de 2014

4.215 Renan CalheirosRomero JucáValdir Raupp e outros

Transpetro. Renan Calheiros e outros teriam apoiaram Sérgio Machado na presidência da Transpetro de 2004 a 2015 em troca do paga-mento de propina em espécie e por doações oficiais

4.216 Renan CalheirosAníbal Gomes

Serveng. Renan Calheiros, Romero Jucá e ou-tros teriam apoiado a manutenção de Paulo Roberto Costa como Diretor de Abastecimen-to da Petrobras. Em troca, receberiam propina de empresas contratadas pela estatal mediante doação oficial ou pagamento em espécie. O Deputado Federal Aníbal Gomes intermediaria tratativas com empresas e com Paulo Roberto Costa, em nome de Renan Calheiros

4.326 Renan CalheirosJáder BarbalhoEunício Oliveira e ou-tros (PMDB do Sena-do)

Organização criminosa (antigo Inq 3.989). Se-nadores do PMDB, inclusive Renan Calheiros, teriam apoiado a indicação de diversas pessoas para postos-chaves de estatais como Petrobras, Transpetro e BR Distribuidora. Em troca, re-cebiam propina de empresas contratadas, medi-ante doações oficiais ou pagamentos em espécie

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A necessidade de proteger a credibilidade e a respeitabilidade

das instituições nacionais é suprema, mormente na situação que o

País atravessa, em que são frequentes as demonstrações de descrédi-

to da população, atormentada por seguidos exemplos de desapreço

à lei e à ética por parte de certas autoridades. Trata-se de preservar

um dos alicerces da organização social e política da Nação.

Se não é compatível com a dignidade e com a plenitude da

representação popular a condição de deputado ou senador inapto

a exercer plenamente o mandato popular, com muito mais razão

parece inaceitável que o próprio presidente de uma das casas legis-

lativas esteja impedido de desempenhar uma de suas mais relevan-

tes funções.

Essa condição especial dos Presidentes da Câmara e do Sena-

do é apontada corretamente pela petição inicial da ADPF 402/DF

em diversos pontos, inclusive por acertada citação de CELSO

RIBEIRO BASTOS. Para ele, a razão de apenas brasileiros natos po-

derem ocupar a presidência das casas do Congresso Nacional – art.

12, § 3o, da Constituição – é precisamente proteger a linha suces-

sória e de substituição da Presidência da República.

A vida da sociedade e o funcionamento do Estado têm aspi-

ração a funcionar em regime de normalidade e não de sobressalto

e indignação permanentes. Não se pode admitir como normal que

alguém réu em ação penal ocupe a mais alta magistratura da Na-

ção, ainda que de forma transitória. O Presidente da República,

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mesmo apenas em substituição eventual, precisa ter tranquilidade

suficiente para dedicar-se por inteiro ao serviço da Nação. Al-

guém acusado de crime na mais alta Corte do País jamais poderá

desfrutar dessa quietude, pois terá sobre si, permanentemente, a

possibilidade de vir a ser condenado e iniciar o cumprimento de

pena. Ademais, precisará dedicar parte de seu tempo valioso e des-

viar-se da Chefia da Nação para tratar com seus advogados e parti-

cipar de atos do processo. Tudo isso tende a perturbar-lhe a men-

te, o equilíbrio e a isenção e a causar prejuízos à sua capacidade de

julgamento, demandada diuturnamente em decisões graves.

Imagine-se o que seria um Presidente da República em exer-

cício ser intimado para sessão de seu julgamento criminal no Su-

premo Tribunal Federal, para ser interrogado pelo relator do pro-

cesso ou para participar de acareação e audiências de instrução. Es-

sas atribulações prejudicariam o exercício da função presidencial e

exporiam a inaceitável descrédito a nobilíssima função e o próprio

País, no cenário internacional.

Tais desgastes à imagem do Brasil no cenário internacional

têm graves consequências em diversos planos, até na capacidade

de atração de investidores e empresas que desejem gerar riqueza

licitamente no território nacional.

Como compatibilizar essa situação com o princípio da mora-

lidade, erigido a princípio fundamental pelo art. 37 da Constitui-

ção? Como valorizar o primado das leis e do estado de direito – a

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chamada rule of law – com um réu em ação penal à frente da Che-

fia do Estado brasileiro? Que mensagem e que exemplo esse esta-

do de coisas daria para as crianças e adolescentes brasileiros e para

todo o povo? O de que pessoa acusada de crimes graves em pro-

cesso admitido pelo Supremo Tribunal Federal pode estar à frente

da Nação (mesmo que transitoriamente)?

Essa ordem de ideias em nada colide com o princípio da pre-

sunção de inocência (ou da presunção de não culpabilidade, como

se prefere), também acolhido pela Constituição, pois ela própria o

excepcionou no art. 86, § 1o, I, ao proibir que Presidente da Re-

pública com denúncia ou queixa recebida ocupe esse cargo.

Tampouco há colisão com o princípio da divisão funcional

do poder ou com a independência e harmonia entre eles. Esses as-

pectos foram largamente abordados pelo Supremo Tribunal Fede-

ral em decisão recente, na ação cautelar 4.070/DF, na qual decisão

do Min. TEORI ZAVASCKI foi confirmada pelo Plenário, acerca

do então Deputado Federal EDUARDO COSENTINO DA CUNHA.

Ali registrou o relator, a esse respeito:

[...] Assim, a partir de quando um parlamentar passa a seralvo de investigação por crime comum, perante o foroapropriado, também esses agentes políticos haverão de sesujeitar a afastamentos temporários da função, desde queexistam elementos concretos, de particular gravidade, querevelem a indispensabilidade da medida para a hígida se-quência dos trabalhos judiciários.

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Não tem qualquer relevância para essa conclusão o fato deo art. 55, § 1o , da Constituição ter delegado o estabeleci-mento das balizas do decoro parlamentar à mercê dos regi-mentos internos. Esse preceito está longe de sugerir a im-permeabilidade das condições de exercício do mandatoparlamentar de qualquer controle jurisdicional. O que eleestatui, em reconhecimento à autonomia de cada Casa Par-lamentar, é uma prerrogativa para que elas padronizem,dentro de suas respectivas concepções de respeitabilidadeinstitucional, um código de ética próprio, cuja observâncialhes caberá cobrar na hipótese de decretação de perda demandato por quebra de decoro (art. 55, II). Entretanto,isso jamais seria suficiente para obstar o controle cautelardas circunstâncias de exercício do mandato pelo Judiciário,até porque, como já se frisou, esse controle não interditairremediavelmente o cumprimento desse munus de repre-sentação, nem atenta contra a presunção constitucional denão culpabilidade.A propósito da possibilidade de controle judicial das cir-cunstâncias de exercício do mandato, cumpre referir assempre argutas ponderações do decano desta Suprema Cor-te, em pronunciamento manifestado em decisão no MS24.458: [...].A ascensão política do investigado à posição de Presidenteda Câmara, além de não imunizá-lo de eventuais medidaspenais de caráter cautelar, concorre, na verdade, para que oescrutínio a respeito do cabimento dessas medidas seja ain-da mais aprofundado. Afinal, de acordo com a cláusula ge-ral de adequação, ínsita ao art. 282, II, do Código de Pro-cesso Penal, este exame deve tomar em consideração ascondições pessoais do agente – o que remete, quando amedida postulada for aquela do art. 319, VI, do mesmoCódigo – a uma investigação sobre a realidade de poderem que ele está inserido. Logicamente, quando esta reali-dade corresponder às responsabilidades da liderança de umadas duas Casas Legislativas mais importantes da Nação, queexige escrúpulos compatíveis com a sua altíssima honorabi-lidade, mais intensa deve ser a crítica judiciária a respeito

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da presença de riscos para o bom desenvolvimento da juris-dição penal. [...]10

Acerca do óbice decorrente de o requerido ser réu em ação

penal, o Min. TEORI ZAVASCKI igualmente abordou o tema, re-

ferindo-se ao caso do Deputado EDUARDO CUNHA, na decisão

na AC 4.070/DF, confirmada pelo Plenário dessa Corte:

[...] Com o afastamento da Presidente da República de suasfunções, o Presidente da Câmara dos Deputados será con-sequentemente alçado à posição de primeiro substituto daPresidência da República, o que torna uma eventual con-vocação a exercer esse papel, ao menos em afastamentostemporários do novo titular, quase certa.Para se qualificar ao exercício da substituição, porém, pare-ce elementar que deverá o Presidente da Câmara dos De-putados cumprir com requisitos mínimos para o exercícioda Presidência da República. É indispensável, como a pró-pria Constituição se ocupou de salientar, que seja ele brasi-leiro nato (art. 12, § 3o , II). É igualmente necessário que oPresidente da Câmara dos Deputados não figure como réuem processo penal em curso no Supremo Tribunal Federal.Isso porque, ao normatizar as responsabilidades do Presi-dente da República, o texto constitucional precatou a ho-norabilidade do Estado brasileiro contra suspeitas de desa-bono eventualmente existentes contra a pessoa investida nocargo, determinando sua momentânea suspensão do cargo apartir do momento em que denúncias por infrações penaiscomuns contra ele formuladas sejam recebidas pelo Supre-mo Tribunal Federal. A norma suspensiva não teria qual-quer sentido se a condução do Estado brasileiro fosse trans-

10 STF. Plenário. AC 4.070/DF. Rel.: Min. TEORI ZAVASCKI. 4 maio2016, decisão monocrática. Confirmada por unanimidade pelo Plenárioem 5 maio 2016. Disponível em < http://migre.me/vF2xj > ou< http://www.stf.jus.br/portal/diarioJustica/verDiarioProcesso.asp?numDj=92&dataPublicacaoDj=09/05/2016&incidente=4907738&cod-Capitulo=6&numMateria=65&codMateria=2 >; acesso em 5 dez. 2016.

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ferida a outra autoridade que também estivesse sujeita àsmesmas objeções de credibilidade, por responder a proces-so penal perante a mesma instância. [...]11

Há, portanto, fortes fundamentos para fazer valer a vedação

do art. 86, § 1o, I, da Constituição da República, em face do rece-

bimento de denúncia do Ministério Público Federal contra o re-

querido RENAN CALHEIROS.

4. CONTRADITÓRIO DIFERIDO E PERIGO NA DEMORA

O art. 282, § 3o, do Código de Processo Penal assim estabe-

lece:

§ 3o Ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ine-ficácia da medida, o juiz, ao receber o pedido de medidacautelar, determinará a intimação da parte contrária, acom-panhada de cópia do requerimento e das peças necessárias,permanecendo os autos em juízo. (Incluído pela Lei12.403, de 2011).

Neste caso, ao ver do Ministério Público Federal, a medida

cautelar deve ser concedida inaudita altera pars, pois há urgência e

perigo de ineficácia da medida, caso o réu seja ouvido sobre ela.

É notório que o requerido RENAN CALHEIROS foi eleito

para a Presidência da Mesa do Senado Federal em fevereiro de

2015, com término para o início de fevereiro de 2017, isto é,

dentro de poucas semanas. O prazo bienal do mandato de Presi-

11 Idem, ibidem.

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dente do Senado deriva do art. 57, § 4o, da Constituição da Re-

pública.12

Considerando que em 20 de dezembro de 2016 se inicia o

recesso forense (art. 78, § 1o, do Regimento Interno do STF),13 se

não houver deliberação célere deste requerimento, de forma mo-

nocrática ou mediante urgente submissão dele ao Plenário do Tri-

bunal, há enorme risco de ineficácia completa do efeito deste re-

querimento cautelar e das consequências do recebimento da den-

úncia no processo principal (por ora ainda autuado como Inq

2.593/DF, embora já tenha a natureza jurídica de ação penal, não

mais de inquérito).

Além da ineficácia da medida, haveria possível agravo à ima-

gem das instituições perante a sociedade, a qual espera cumpri-

mento pleno da Constituição e dos efeitos das decisões judiciais.

O acusado RENAN CALHEIROS poderá exercitar normal-

mente o contraditório, mas após efetivação da medida e sem risco

de que prejudique sua eficácia. Esse egrégio STF já se manifestou

pela possibilidade de contraditório diferido em processo criminal,

como se vê, entre outros, neste precedente:

12 “§ 4o Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de1o de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus mem-bros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedadaa recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subseqüente.(Redação dada pela Emenda Constitucional 50, de 2006)”.

13 “§ 1o Constituem recesso os feriados forenses compreendidos entre os dias20 de dezembro e 1o de janeiro, inclusive.”

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HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL.EXTORSÃO E FURTO QUALIFICADO. SUPERVE-NIÊNCIA DE SENTENÇA CONDENATÓRIA. PRI-SÃO MANTIDA PELOS MESMOS FUNDAMENTOS.INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO. ALEGAÇÃO DENULIDADE POR NÃO TER SIDO INTIMADA ADEFESA PARA A APRESENTAÇÃO DE CONTRAR-RAZÕES AO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO.EXCEPCIONALIDADE A JUSTIFICAR ESSA MEDI-DA. PRISÃO CAUTELAR: FUNDAMENTAÇÃOIDÔNEA. ORDEM DENEGADA.1. Conforme reiterada jurisprudência deste Supremo Tri-bunal, o habeas corpus é prejudicado apenas quando a sen-tença condenatória, que mantém o réu preso, vale-se defundamentos diversos do decreto de prisão preventiva, oque não ocorreu na espécie vertente.2. Consideradas as circunstâncias do ato praticado e os fun-damentos apresentados pelo Tribunal de Justiça do DistritoFederal e dos Territórios, mantidos com a prolação do jul-gado objeto da presente impetração, a constrição da liber-dade do Paciente harmoniza-se com a jurisprudência desteSupremo Tribunal, que assentou ser a periculosidade doagente, evidenciada pelo modus operandi, motivo idôneopara a custódia cautelar.3. A ausência de intimação da defesa do Paciente para con-trarrazoar o recurso em sentido estrito decorreu da nature-za cautelar da matéria nele deduzida, com o contraditóriodiferido e aplicação extensiva da excepcionalidade do art.282, § 3o , do Código de Processo Penal, não se evidenci-ando flagrante nulidade.4. Ordem denegada.14

Diante do exposto, pede que a medida de afastamento seja

deferida, neste momento, sem intimação do acusado.

14 STF. Segunda Turma. Habeas corpus 122.939. Rel.: Min. CÁRMEN

LÚCIA. 23 set. 2014. DJe 194, 6 out. 2014.

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5. PEDIDOS E REQUERIMENTOS

Ante o exposto, o Procurador-Geral da República requer,

com o fundamento já indicado, o afastamento cautelar, sem in-

timação do réu (inaudita altera pars), de JOSÉ RENAN

VASCONCELOS CALHEIROS, também conhecido como RENAN

CALHEIROS, da função de Presidente do Senado Federal e

do Congresso Nacional.

Requer que, uma vez deferida a medida, seja o Primeiro

Vice-Presidente do Senado Federal intimado, para lhe dar cum-

primento (art. 52 do Regimento Interno do Senado Federal),15

além da intimação do próprio acusado.

Brasília (DF), 5 de dezembro de 2016.

Rodrigo Janot Monteiro de Barros

Procurador-Geral da República

RJMB/WCS-PI.PGR/WS/153/2016

15 “Art. 52. Ao Primeiro Vice-Presidente compete:I – substituir o Presidente nas suas faltas ou impedimentos;II – exercer as atribuições estabelecidas no art. 66, § 7o, da Constituição,quando não as tenha exercido o Presidente.”

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