, 14(1) 2000 - fundação seade · o de capital humano, para explicar o investimento em...

127

Upload: truongkhue

Post on 09-Dec-2018

225 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de
Page 2: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

3

EDUCAÇÃO PARA A COMPETITIVIDADE OU PARA A CIDADANIA SOCIAL?

A

Resumo: O objetivo deste artigo é discutir a abordagem contemporânea dada à educação na sociedade brasi-leira, sobretudo às idéias de educação como promotora de competitividade e de cidadania social, mostrando,outrossim, como essas concepções de educação se refletem na política educacional brasileira da década de 90e como estão relacionadas a certas transformações da sociedade brasileira, nas quais se incluem o processo deglobalização e a consolidação da democracia.Palavras-chave: educação no Brasil; cidadania; democracia.

EDUCAÇÃO PARA A COMPETITIVIDADEOU PARA A CIDADANIA SOCIAL?

FERNANDA A. DA FONSECA SOBRAL

Professora do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília

s formas pelas quais a educação vem sendoabordada na sociedade brasileira têm variadohistoricamente, evidenciando a idéia de

Durkheim de que a educação é um processo de sociali-zação (que integra os indivíduos no contexto social) e,por essa razão, varia segundo o tempo e o meio. Embo-ra supondo que a educação não apenas integra o indiví-duo ao meio social, mas também lhe proporciona umamaior capacidade de autonomia e, por isso mesmo, deinterferência no meio social, é relevante mostrar que aeducação sempre tem uma importância eminentementesocial, ainda que essa questão assuma conotações dife-rentes através da história.

A intenção aqui é de discutir a abordagem contem-porânea dada à educação na sociedade brasileira, so-bretudo às idéias de educação como promotora de com-petit ividade e de cidadania social, mostrando,outrossim, como essas concepções de educação refle-tem-se na política educacional brasileira da década de90 e como estão relacionadas a certas transformaçõesda sociedade brasileira, nas quais se incluem o proces-so de globalização e a consolidação da democracia.

Porém, antes da discussão sobre as idéias atuais so-bre educação, será apresentada de forma resumida a re-lação entre educação e sociedade brasileira em diferen-tes momentos da história do país.

A RELACÃO EDUCAÇÃO E SOCIEDADEATRAVÉS DA HISTÓRIA1

Nos anos 50 e até o início da década de 60, a educaçãoé sobretudo considerada um instrumento de mobilidadesocial. Neste quadro, além das funções de socialização ede formação, a educação deveria dar “status” aos indiví-duos.

A educação representava, para o indivíduo, a possibili-dade de ascensão na hierarquia de prestígio que caracteri-zava a estrutura piramidal da sociedade e, para a socieda-de, uma maior abertura do sistema de estratificação social.

Nesse período, o contexto mundial é caracterizado pelareestruturação social abalada pela Segunda Guerra Mun-dial, pelo fortalecimento do bloco socialista e pela confi-guração dos sistemas capitalistas e socialista em áreas de-finidas. Havia então uma preocupação com a legitimaçãoda social-democracia, ameaçada pela ideologia fascistado passado e pelo socialismo soviético.

No Brasil, Florestan Fernandes (1972) caracteriza esseperíodo pela passagem de uma ordem social estamental parauma ordem competitiva. Além disso, é um momento em queas idéias de democracia (mais populista do que liberal noBrasil) eram enfatizadas, e através delas pretendia-se dimi-nuir o poder das oligarquias, fortificar a burguesia nascentee dar uma certa participação eleitoral às massas.

Page 3: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

4

Nessa sociedade mais aberta que emergia, mesmo aeducação continuando a ter uma função decorativa deconsolidar “status” sociais definidos por critério de ori-gem socioeconômica, ela também passa a ser requeridacomo um instrumento de mobilidade social ascendente,sobretudo para as classes médias.

Também tem lugar a substituição de importações apósa grande depressão mundial, quando ocorreu um rompi-mento com o modelo agroexportador. Daí resulta um es-tímulo considerável à industrialização de bens de consu-mo duráveis.

Nesse sentido, a educação tinha um papel importanteno processo de legitimação pelo grau de abertura da socie-dade. Uma sociedade em processo de industrialização ede democratização deveria mostrar um sistema de estra-tificação social mais fluído.

Diferente é o período posterior. Durante o governo au-toritário, em vez de uma preocupação predominante dosestudos em mostrar alterações quanto a barreiras sociaismenos rígidas, típica de uma ideologia democrática, a in-tenção era sobretudo mostrar a possibilidade de rendimen-tos oferecida pela educação, ou seja, evidenciar os seusaspectos econômicos, típica de uma ideologia desenvol-vimentista.

Nos meados da década de 60 e nos anos 70, há umaênfase dos estudos econômicos da educação. A partir dotrabalho de Schultz (1973), são utilizados conceitos comoo de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de educação enquanto mercadoria.Essa visão de educação repercute na sociedade em ter-mos de crescimento econômico e nos indivíduos quantoà melhoria de renda, através de uma maior qualificaçãopara o mercado de trabalho.

Nesse período, mundialmente, há a consolidação dosistema capitalista monopolista em contraposição ao sis-tema socialista. Também esse momento é marcado pelocrescimento econômico surpreendente da Alemanha e doJapão no pós-guerra, fenômeno impossível de ser expli-cado pela economia clássica a partir dos três fatores deprodução, terra, capital e trabalho, exigindo um novo con-ceito explicativo, como o de “capital humano”. Tambéma democracia liberal passa a ser substituída por Estadosintervencionistas na esfera econômica.

No Brasil, esse período é caracterizado pela importân-cia da intervenção do Estado na economia, visando a su-peração do subdesenvolvimento. Ocorreram uma indus-trialização progressiva e uma internacionalização da

estrutura produtiva, aspectos já observados ao final dadécada de 50. O desenvolvimento era considerado enquan-to modernização e, neste sentido, a inserção do país nomercado internacional era essencial.

Embora o modelo econômico de substituição de im-portações tenha se esgotado e o período 1963-67 tenhapassado por baixas taxas de crescimento, a partir de 1968começa uma nova fase de expansão que vai levar ao cha-mado “milagre econômico brasileiro”. Neste quadro, de-lineia-se uma política educacional preocupada sobretudocom a rentabilidade dos investimentos educacionais.

Frutos dessa política são a Reforma Universitária de1968 e a Lei de Profissionalização do Ensino Médio de1971, que se baseavam na constatação da deficiência demão-de-obra qualificada necessária ao desenvolvimentoeconômico do país e da discrepância entre a preparaçãooferecida pelo sistema educacional e as necessidades daestrutura de emprego.

Porém, é importante destacar a política econômica edesenvolvimentista contida na Reforma Universitária, ouseja, a idéia de que a universidade revelava-se inadequa-da para atender às necessidades do processo de desenvol-vimento e modernização que estava ocorrendo, exigindo,portanto, a racionalização das atividades universitárias(criação do departamento, do sistema de créditos, do ci-clo básico), a fim de lhes conferir maior eficiência e pro-dutividade, aspecto peculiar à análise econômica da edu-cação.

Assim, a criação da pós-graduação no Brasil e o iníciodas atividades de pesquisa na universidade são o resulta-do de uma política estatal que visava a modernização doensino superior dentro de um projeto de desenvolvimen-to. Essa era então a função social da universidade: quali-ficar recursos humanos e produzir conhecimento cientí-fico e tecnológico, no sentido de permitir a expansãoindustrial brasileira.

Assim, há uma mudança na forma de legitimação pos-sibilitada pela educação. Se anteriormente a mobilidadesocial resultante do acesso à educação expressava umasociedade mais aberta e democrática, nas décadas de 60 e70 a legitimação tem base mais econômica, ou seja, oimportante é o papel da educação no desenvolvimento. Oque importa nesse período é o crescimento econômico emenos a fluidez da sociedade.

No final da década de 70, a abertura política começaao mesmo tempo em que se assiste o final do milagre eco-nômico brasileiro. Neste período, a educação passa a serconsiderada politicamente, em que se coloca sobretudo o

Page 4: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

5

EDUCAÇÃO PARA A COMPETITIVIDADE OU PARA A CIDADANIA SOCIAL?

seu papel na construção da cidadania. Trata-se de ummomento de crise de legitimação do Estado, em que osmovimentos sociais tiveram um papel importante no sen-tido de retorno à democratização do país. Há um apro-fundamento da discussão sobre o papel das políticas so-ciais, das políticas públicas na construção da democraciae cidadania, ao lado dos avanços na democratização dopaís que culminaram com a instituição da anistia, a cria-ção de novos partidos políticos e a realização das primei-ras eleições diretas para governadores.

Também no contexto mundial foi o auge do desenvol-vimento do Estado de Bem-Estar Social, sendo que a de-mocratização passa também a ser muito enfatizada, devi-do à proeminência da queda do Muro de Berlim, quesimbolizava o fim do socialismo.

Neste sentido, a democratização do acesso e da gestãoda educação era fundamental, tornando então crucial aquestão do ensino público em termos da gratuidade e dagarantia de recursos públicos e das eleições para os car-gos diretivos das instituições educacionais. Quanto à uni-versidade, além do seu papel na construção da cidadaniapara o qual eram necessárias a ampliação do seu acesso,a democratização dos seus instrumentos de gestão e a suaautonomia, também lhe era requerida a função de contri-buir para a autonomia do país.

Esta preocupação deve-se ao fato de um novo concei-to de desenvolvimento colocado nesse período: apesar deo processo de internacionalização continuar em vigor, aaspiração de autonomia nacional se faz dominante atra-vés da necessidade de geração de conhecimento científi-co e tecnológico, tendo em vista a superação da depen-dência em relação aos países centrais (estas idéias vãodominar o período da Constituinte). Neste projeto de au-tonomia, a competência científica e a consolidação da pós-graduação na universidade eram muito importantes, poiso ciclo completo de produção do conhecimento não po-dia ser dominado sem a pesquisa básica, geralmente rea-lizada na universidade, embora a competência tecnológicae o papel da empresa nacional não tenham sido preteri-dos neste período.

Assim, a educação traria para o indivíduo a sua cida-dania no sentido tanto do acesso ao ensino público e gra-tuito como da sua participação nas diferentes esferas dopoder, o que significaria, para a sociedade, uma maior de-mocratização e também uma maior autonomia (através dacapacitação científica da universidade), ou seja, alegitimação inspirada pela educação era mais de caráterpolítico.

Já na década de 90, a educação é considerada, sobre-tudo, promotora de competitividade. Essa educação quepossibilita a competitividade dá ao indivíduo a condiçãode empregabilidade e traz para a sociedade a modernidadeassociada ao desenvolvimento sustentável.

O novo contexto mundial é marcado pela globaliza-ção e pela menor intervenção do estado na economia, oque estimula ainda mais a competição entre os países eentre as empresas. Além disso, começa a se instalar umnovo paradigma produtivo, cuja base técnica é eletroele-trônica, própria do sistema industrial de automaçãomicroeletrônica e que está ancorado sobretudo no conhe-cimento e na educação.

Enquanto o fordismo caracterizava-se pela rigidez esimplificação do trabalho, pelo parcelamento de tarefas epela especialização do conhecimento, o toyotismo (ori-ginado no Japão), paradigma vinculado à base eletroele-trônica, tem como características a maleabilidade, a con-jugação de tarefas e o conhecimento mais holístico commaior potencial de criatividade. Essas novas tendênciaslevam a pensar o conhecimento pela interdisciplina-riedade, intercambialidade e experimentação2 (Peliano,1998). Nesse contexto, educação e conhecimento estãomuito associados a desenvolvimento científico e tecnoló-gico que, por sua vez, levam à competitividade.

Diante do processo de globalização, da maior aberturado nosso país ao mercado internacional e da tentativa deentrar no novo paradigma produtivo, a formação de re-cursos humanos torna-se importante para aumentar a nossacompetitividade, seja pela formação de pesquisadores al-tamente qualificados pelas universidades e pelo sistemade pós-graduação e que são responsáveis pela produçãocientífica de ponta e pela produção de novas tecnologias,seja pela modernização tecnológica das empresas que de-pendem da pesquisa científica de ponta e também da edu-cação básica e profissional de sua mão-de-obra.

Dessa forma, os indivíduos tornam-se mais competiti-vos no mercado, ou seja, com maior grau de emprega-bilidade, assim como as empresas ficam mais competiti-vas no mercado internacional, contribuindo para odesenvolvimento de nossa sociedade. Percebe-se nesse con-texto uma legitimação de caráter mais econômico, possi-bilitada pela educação.

Um dos princípios atuais do “Consenso de Washington”é de que a educação é base para o desenvolvimento, idéiajá vigente na década de 70 com a economia da educação,que afirmava serem os investimentos em educação muitoimportantes para o crescimento econômico do país. A no-

Page 5: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

6

vidade da década de 90 é que não é apenas a educação.Educação, ciência e tecnologia estão sendo consideradasum tripé para o desenvolvimento.

O retorno da racionalidade econômica, característicada abordagem econômica da educação pela teoria do ca-pital humano (Schultz, 1973), é explicado, nos países de-senvolvidos, pela crise do welfare state e, na AméricaLatina, pela crise do Estado desenvolvimentista(Benakouche, 1999). Enquanto a crise nos primeiros é ve-rificada pelo fato de que a intervenção no Estado na áreasocial, para atender às crescentes demandas sociais, setraduz num déficit fiscal, a crise do Estado desenvol-vimentista é explicada pela maciça intervenção do Esta-do na economia, tornando-se onipresente nas atividadesde produção de bens e serviços, levando-a à ineficiênciae ineficácia. “A idéia é de eliminar o Estado-Burocráticoe Patrimonialista para colocar no lugar o Estado-Empre-sário” (Benakouche, 1999:34). “Persegue-se, portanto, adiminuição do tamanho do Estado, a redução de custos, oaumento da produtividade, o uso das técnicas de qualida-de. Ora, esse encadeamento de conceitos tem um nome eum sobrenome: ele se chama economicidade para não dizereconomia” (Benakouche, 1999:35).

Embora a racionalidade econômica permeie a idéiade educação para a competitividade na política educa-cional brasileira recente, não se pode ignorar, entretan-to, uma concepção social da educação, no que se refereà ampliação das oportunidades educacionais para dimi-nuir as desigualdades sociais, concretizando-se, dessaforma, uma sociedade mais justa. No período daredemocratização, a cidadania política foi muito refor-çada, porém atualmente verifica-se que essa não foi su-ficiente para consolidar uma maior participação na so-ciedade, ou seja, uma maior cidadania social. Por essarazão, a educação passa a ser também considerada pro-motora de cidadania social.

As idéias de cidadania política e social têm suas ori-gens no pensamento de Marshall (1979), quando o autorvincula o conceito de cidadania a partir do desenvolvi-mento dos direitos, iniciando com o aparecimento dosdireitos civis, políticos e, finalmente, os sociais. Os di-reitos civis referem-se aos direitos necessários à liberda-de individual, os direitos políticos compreendem a parti-cipação no exercício do poder e os direitos sociais, quesurgem no século XIX, correspondem ao desenvolvimentodas leis trabalhistas e à implantação da educação primá-ria pública. São estes direitos que constituem a cidadaniasocial, diferentemente da cidadania política mais carac-

terística do período anterior e que se limitava sobretudo àparticipação no poder.

Ou seja, a educação é importante para o país enquantocondição de competitividade, no sentido de permitir aentrada no novo paradigma produtivo que é baseado, so-bretudo, na dominação do conhecimento. Porém, a edu-cação também é considerada relevante no que se refereao seu papel de diminuição das desigualdades sociais, ouseja, como promotora de cidadania social. Dessa forma,o desenvolvimento é obtido através de uma maior com-petitividade dos indivíduos, das empresas e do país nomercado internacional, bem como através de uma maiorparticipação social dos cidadãos. Isto é o que indicam aspolíticas mais recentes para a área educacional, quepriorizam o ensino fundamental e procuram avaliar e re-formar os ensinos médio e superior. “A nova LDB comoum todo, em face das suas indefinições e dubiedades, aoque muitos denominam flexibilidade, permite que possaser realizada uma educação comprometida tanto com opressuposto de ‘educação para a cidadania’ como com opressuposto da ‘educação para a competitividade’ – hoje,a perspectiva mais em voga, tanto na educação profissio-nalizante como na educação propedêutica” (Teixeira,1999:97).

CONCEPÇÕES DE EDUCAÇÃO NAS POLÍTICASPARA OS ENSINOS FUNDAMENTAL E MÉDIO

A idéia de educação para competitividade, associadaao desenvolvimento científico e tecnológico, e a idéia deeducação para a cidadania social constituem consensosna agenda dos debates e formulação de políticas educacio-nais em âmbito internacional.

As citações apresentadas a seguir confirmam estatendência: “a educação passa a ocupar, junto com aspolíticas de ciência e tecnologia, lugar central e arti-culado na ponta das macropolíticas do Estado, comofator importante para a qualificação dos recursos hu-manos requeridos pelo novo padrão de desenvolvimen-to, no qual a produtividade e a qualidade dos bens eprodutos são decisivos para a competitividade interna-cional. Ainda que por si só a educação não assegure ajustiça social, nem a erradicação da violência, o res-peito ao meio ambiente, fim das discriminações soci-ais e outros objetivos humanistas que hoje se colocampara as sociedades, ela é, sem dúvida, parte indisponí-vel do esforço para tornar as sociedades mais igualitá-rias, solidárias e integradas” (Mello, 1998: 43).

Page 6: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

7

EDUCAÇÃO PARA A COMPETITIVIDADE OU PARA A CIDADANIA SOCIAL?

No que se refere à melhoria da educação fundamental,considerada prioritária pelo atual governo, pode-se suporque ela está sendo pensada sobretudo dentro da perspecti-va de promoção da cidadania social. Para isso foi criado oFundef (Fundo de Manutenção de Desenvolvimento doEnsino Fundamental e de Valorização do Magistério) pelaEmenda Constitucional no 14, de 12/10/96, que subvincula60% dos 25% da receita de impostos constitucionalmentevinculados à educação. Trata-se de um fundo contábil que,além de transferir recursos para escolas públicas estaduaise municipais, propõe alterações na legislação vigente,redefinindo o papel da União, dos estados e dos municípi-os na oferta do ensino obrigatório e gratuito, estabelecen-do vinculações de recursos para o ensino fundamental.

Este fundo, que teve início no Pará, em 1997, e nosdemais estados, em 1998, apresenta os seguintes objeti-vos: promover a justiça social; uma política nacional deeqüidade; efetiva descentralização da gestão educacionaldo ensino fundamental, junto a estados e municípios;melhoria da qualidade e valorização do magistério públi-co (MEC, 1999). O Fundef tem como meta, também, ga-rantir o aumento da média salarial do magistério do ensi-no fundamental no país, a colocação de maior volume paraos municípios e a garantia de uma redefinição de respon-sabilidades entre municípios, estados e Distrito Federal.

Os documentos governamentais reforçam, sobretudo,a importância da melhoria do ensino fundamental para apromoção da justiça social, uma vez que 14,7% da popu-lação de 15 anos ou mais ainda era analfabeta em 1996(IBGE, 1996), embora os dados do MEC/Inep/Seec paraesse mesmo ano já indiquem uma taxa de escolarizaçãolíquida de 95% para o ensino fundamental.

Assim, a educação fundamental é considerada o pata-mar inicial para a conquista da cidadania social, saben-do-se, entretanto, que ela só será de fato viabilizada coma universalização da educação básica. Ou seja, mesmo con-cordando com a priorização do ensino fundamental, essadecisão afetou o ensino médio, pois o Fundef vem rom-per com a concepção de educação básica conquistada pelaLDB (que compreende a educação infantil, fundamentale média como um bloco de aprendizagem básica para todaa população), além de excluir os jovens e os adultos doâmbito dos seus recursos e de diminuir os recursos para aeducação infantil e média (Teixeira, 1999).

No entanto, deve-se ressaltar também que a melhoriado ensino fundamental é crucial do ponto de vista do de-senvolvimento científico e tecnológico do país e da com-petitividade. É o ensino fundamental que dá a formação

básica para o futuro cientista, tecnólogo, técnico ou tra-balhador, pois a introdução e a absorção de novastecnologias características do novo paradigma produtivoexigem, além da formação específica, certos conhecimen-tos básicos e gerais, como pode-se notar na citação a se-guir: “Surgem novos perfis de qualificação de mão-de-obra. Inteligência e conhecimento parecem ser asvariáveis-chave para a modernização e produtividade doprocesso de trabalho, como também a capacidade de so-lucionar problemas, liderar, tomar decisões e adaptar-sea novas situações. O modelo de adestramento profissio-nal em tarefas ou etapas segmentadas do processo produ-tivo tende a ser substituído por outro, com grande ênfasena formação básica em Ciências, Linguagem e Matemá-ticas” (Mello, 1998:34).

As transformações no mundo produtivo e os novosperfis de trabalho que devem ser formados pelo sistemaeducacional apresentam-se tão evidentes que, na LDB,promulgada em 22 de dezembro de 1996, “inova-se oconceito de educação, introduzindo o componente traba-lho como princípio educativo e como elemento que de-tém estreita relação com a educação geral e a conserva-ção do conhecimento” (Teixeira, 1999:97).

Essa associação entre educação, trabalho e desenvol-vimento tecnológico aparece mais enfaticamente na polí-tica para o ensino médio. Segundo dados da Sinopse/96 –MEC/Inep/Seec, a taxa de escolarização na faixa etáriade 15 a 19 anos é de apenas 34,4%. No que se refere àdistribuição de matrículas no ensino médio por dependên-cia administrativa, há declínio no setor privado entre 1971e 1996 (de 43,5% para 19,8%) e crescimento do setor pú-blico com predomínio do estadual (72,1%), além de 58,8%dos alunos estarem estudando no período noturno. Isto é,embora esteja ocorrendo um aumento das matrículas noensino médio, esse fato não se deve, necessariamente, auma maior qualidade do ensino fundamental que aindaapresenta altos índices de evasão e repetência, mas sim a“resultados de exames supletivos e a retornos de adultosque interromperam seus estudos há algum tempo” (Lobo,1998:6).

Porém, um dos maiores problemas do ensino médiono Brasil e que se reflete nas suas políticas é o da suaidentidade: oscila entre o ensino propedêutico, cujo ob-jetivo é preparar o aluno para o ensino superior, e a for-mação profissional, que tende a ser vinculada às necessi-dades do mercado de trabalho.

Buscando superar os impasses provocados pela Leino 5.692/71, que procurou profissionalizar todo o ensino

Page 7: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

8

médio mas que, de fato, aprofundou a sua dualidade ou asua ambigüidade, esvaziando tanto o ensino propedêuticoquanto o profissionalizante, a LDB de 1996 visou preser-var o caráter unitário da formação da pessoa, partindo daproposta de educação geral como eixo unificador, fican-do a educação profissional condicionada à ampliação desua duração. “O ensino médio, atendida a formação geraldo educando, poderá prepará-lo para o exercício de pro-fissões técnicas (art. 36 § 2o), no próprio estabelecimentode ensino ou em cooperação com instituições especia-lizadas. Os cursos médios terão equivalência legal e ha-bilitação ao prosseguimento dos estudos” (art. 36 §§ 3o e4o) (Lobo, 1998).

Entre as finalidades básicas do ensino médio, está a pre-paração básica para o trabalho e para o exercício da cida-dania, já refletindo as idéias de educação para a competiti-vidade e de educação para a cidadania social. No que serefere à política para o ensino médio, há uma ênfase maiorna sua vinculação ao mundo do trabalho e ao desenvolvi-mento científico e tecnológico e, assim, à competitivida-de. Porém, a cidadania não é totalmente esquecida. É o quese pode observar entre as suas diretrizes curriculares, emque se destacam a educação tecnológica básica, a compre-ensão do significado da ciência, das letras e das artes, oprocesso histórico de transformação da sociedade e da cul-tura, a língua portuguesa como instrumento de comunica-ção, acesso ao conhecimento e o exercício da cidadania.

Quanto à educação profissional, constituem avançossignificativos o fato de que, pela primeira vez, o temaaparece integrado à legislação educacional, com a possi-bilidade de acesso de alunos matriculados ou egressos devários níveis de ensino e dos trabalhadores em geral outambém a possibilidade de certificação de conhecimentoadquirido no mundo do trabalho para prosseguimento ouconclusão dos estudos (arts. 39, 41 e 42).

A educação profissional pode se efetuar em três níveis:básico, destinado à qualificação, requalificação ereprofissionalização de trabalhadores, independente dequalidade; técnico, destinado a proporcionar habilitaçãoprofissional a alunos matriculados ou egressos do ensinomédio; e tecnológico, correspondente a cursos de nívelsuperior na área tecnológica, voltados para egressos dosensinos médio e técnico.

A educação profissional de nível técnico é aquelaseqüencial ou concomitante ao nível médio, mas os cur-rículos dos ensinos médio e técnico são desvinculados. Aseparação entre a formação geral e a específica tem sidocriticada no sentido da importância da integração da base

específica da atividade produtiva à base comum e geraldo conhecimento. Porém, o Conselho Nacional de Edu-cação, através do Parecer 17/97, mostrou que a educaçãoprofissional de qualquer nível não substitui a educaçãobásica, mas sim a complementa. Se a opção do aluno forpela profissionalização no nível médio, poderá “cursarparalelamente escolas técnicas” (Lobo, 1998).

A afirmação a seguir mostrará criticamente a base pro-dutiva da reforma do ensino médio, ou seja, a idéia deeducação para a competitividade: “Nessa conjuntura (…)encontramos o campo onde podemos questionar as concep-ções e políticas de educação básica, formação técnico-pro-fissional e processo de qualificação, requalificação e re-conversão, que vêm à pauta no Brasil dos anos 90vincadas, fortemente, por uma perspectiva produtivista.(…) Voltou-se a afirmar, então, que a inserção dos paísesdo bloco periférico ao processo de globalização em cursosomente será possível através do ajuste de seu sistemaeducacional, sob a nova base científica e tecnológica. Tal(des)ajuste tem suas bases políticas na educação e forma-ção técnico-profissional para o desenvolvimento das ha-bilidades básicas, de atitudes e valores, competências paraa gestão de qualidade, para a competitividade e produti-vidade e, conseqüentemente, para a ‘empregabilidade’.Esta seria, uma vez mais, a exemplo do que foi a Teoriado Capital Humano na sua época, a ‘chave de ouro’ paradesvendar o enigma do subdesenvolvimento e da exclu-são” (Ignácio, 1999:97).

Dessa forma, pode-se perceber que a política educacio-nal para o ensino fundamental tem sido pensada priorita-riamente na sua dimensão social, ou seja, para a cidadaniasocial, embora também possa ser considerada para o de-senvolvimento científico e tecnológico e para o aumentoda competitividade. Já o ensino médio tem sido considera-do prioritariamente na sua dimensão econômica, ou seja,para a promoção do desenvolvimento tecnológico e da com-petitividade, seja do indivíduo através do aumento da suaempregabilidade, seja do país ou das empresas que incor-porem inovações tecnológicas. No entanto, a dimensãosocial não pode ser esquecida, pois a cidadania só será defato fortalecida à medida que a educação básica, e não so-mente a educação fundamental, seja universalizada.

Essas idéias sobre educação (competitividade e cida-dania) vinculam-se, por um lado, ao contexto de globali-zação que inclui o Brasil na esfera da competição inter-nacional e, por outro, ao contexto de democratização queavançou muito em termos de processo político, mas quedeve avançar mais no que se refere à justiça social.

Page 8: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

9

EDUCAÇÃO PARA A COMPETITIVIDADE OU PARA A CIDADANIA SOCIAL?

CONCEPÇÕES DE EDUCAÇÃO NAS POLÍTICASDO ENSINO SUPERIOR E DA PESQUISACIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

E o ensino superior, como está sendo pensado na dé-cada de 90?

As políticas para o ensino superior têm se orientadopor alguns temas: a sua diversificação; a redefinição dasua autonomia; e a avaliação de seu desempenho. A pro-posta de diversificação do ensino superior está baseadano questionamento do modelo único de universidade im-plantado em 1968 (Martins, 1998). A partir de então, esseensino seria oferecido por universidades públicas e gra-tuitas que deveriam associar ensino e pesquisa. A políti-ca atual propõe a saída do modelo único, possibilitandoque a universidade ofereça formação científica (associandoensino e pesquisa), mas que também instituições de ensi-no superior possam oferecer formação profissional,tecnológica e formação de professores. Porém, essa saídasó teria condições de se efetivar com a autonomia uni-versitária. A definição da autonomia se enquadra na in-tenção de diminuir os controles burocráticos e normati-vos, garantir liberdade de organização dos serviços eexecução de tarefas, estabelecendo um controle baseadona avaliação do desempenho. Essa avaliação se aplica aosetor público, influindo na distribuição de recursos, e aosetor privado, implicando o processo de credenciamentoe recredenciamento de recursos.

São os objetivos, metas e prioridades definidos pelasinstituições, a partir de certos critérios, que vão balizar aavaliação. É o estabelecimento desses objetivos, que nãoprecisam ser os mesmos para todas as instituições de en-sino superior, que favorecerá a diversificação do siste-ma. Dessa forma, percebe-se a associação feita entre ostrês eixos da política para o ensino superior.

Além dessas questões que constituem hoje a agendada discussão sobre o ensino superior e que não serãoaqui objeto de análise, também circula a idéia de que auniversidade, juntamente com outras instituições comoas empresas, o governo e as organizações não-gover-namentais, estaria tendendo, nas suas atividades depesquisa, a desenvolver um novo modo de produçãodo conhecimento, dentro da concepção de educaçãopara a competitividade.

Dessa forma, as análises recentes sobre a universidadeinclinam-se para contextualizá-la dentro de uma “econo-mia do saber”, no sentido de vincular a produção e a trans-missão do conhecimento às necessidades do mercado.

Gibbons, analisando sobretudo os países desenvolvi-dos, aponta o aumento da necessidade de conhecimentocientífico e tecnológico pela indústria na sociedade con-temporânea. O conhecimento especializado torna-se umfator-chave na determinação das vantagens comparativasentre as empresas. Em decorrência da grande competi-tividade internacional, muitas empresas querem introdu-zir novas tecnologias e, por isso, requerem conhecimen-to especializado. As empresas então se envolvem emarranjos cooperativos com a participação das universida-des, do governo e de outras empresas (Gibbons, 1994).Daí a importância da educação.

Ou seja, a busca de competitividade no processo de glo-balização é uma das condições de emergência do novo modode produção do conhecimento, que implica transformaçõesna educação em geral e, sobretudo, no ensino superior. Essenovo modo de produção do conhecimento situa-se numcontexto de aplicação, no sentido que desenvolve pesqui-sas a partir da necessidade de resolver problemas práticosou de atender demandas econômicas ou sociais e não ape-nas de interesses cognitivos, como na pesquisa básica.Caracteriza-se pela transdisciplinariedade, pois se o conhe-cimento é produzido num contexto de aplicação e não ape-nas com a intenção de acumulação do conhecimento na área,muitas vezes o problema a ser solucionado através do co-nhecimento exige que disciplinas complementares traba-lhem a seu respeito. Também o novo modo de produçãodo conhecimento pressupõe uma heterogeneidade institu-cional, no sentido que ele não é desenvolvido apenas nauniversidade, envolvendo várias organizações, incluindoempresas multinacionais, empresas de redes, empresas pe-quenas de alta tecnologia, universidades, laboratórios de pes-quisa, ONGs, como também envolve programas nacionais einternacionais de pesquisa.

Além disso, o conhecimento produzido não é orientadoapenas para os pares (os membros da comunidade científi-ca), mas também para os não-produtores de conhecimen-to, implicando uma maior responsabilidade social do co-nhecimento. Nos anos mais recentes, houve um aumentoda consciência pública sobre meio ambiente, saúde, repro-dução, etc., que estimulou a produção do conhecimento jádentro desses novos moldes. Certos movimentos sociais eONGs nessas áreas procuram influenciar nas decisões so-bre as pesquisas científicas e tecnológicas, o que revelatambém uma maior democratização.

O novo modo de produção de conhecimento provocamudanças no ensino superior, pois a pesquisa desenvol-vida tradicionalmente nas universidades era mais disci-

Page 9: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

10

plinar e se realizava sobretudo num contexto acadêmicoorientado por interesses da comunidade científica e do pro-cesso de conhecimento e não por sua utilidade econômi-ca ou social. No entanto, a consolidação do novo modode produção de conhecimento não implica, necessariamen-te, a substituição do antigo. Eles podem se desenvolversimultaneamente, dando margem à realização de pesqui-sas básicas, ao mesmo tempo em que são estimuladas pes-quisas aplicadas e desenvolvimento de tecnologias, só queesses processos cada vez mais não se realizam separada-mente.

Assim, a lógica da diversificação do ensino superiorvincula-se à idéia de diversificação da pesquisa universi-tária, sem que isso signifique, necessariamente, uma des-valorização da universidade – pelo fato de ela estar asso-ciada a outras instituições –, nem uma redução da pesquisaacadêmica – pelo fato de ela não ser a única desenvolvi-da no contexto universitário.3

Se, por um lado, é a busca da competitividade no mun-do atual que leva à maior procura do conhecimento e daeducação pela sociedade, por outro, é também a demo-cratização da sociedade que demanda uma maior respon-sabilidade social do conhecimento. Segundo Gibbons(1994), a massificação do ensino superior tambémviabiliza a emergência do novo modo de produção deconhecimento, pois o número de pessoas com competên-cia em pesquisa cresce demais para ser absorvido apenasnas universidades. Os lugares com competência em pes-quisa diversificam-se. Além disso, o desenvolvimento dastecnologias de comunicação e informação permite a inte-ração entre diferentes instituições (universidades, gover-no, empresas, ONGs) e diferentes países, possibilitando arealização de pesquisas em rede. Esses são os novos rumosdo conhecimento que refletem mudanças ocorridas no siste-ma de ensino superior.

Dessa forma, Gibbons aponta a heterogeneidade ins-titucional como uma característica importante da produçãocientífica e tecnológica contemporânea, supondo que essaprodução se faça agora em vários lugares, como laborató-rios governamentais e as empresas privadas, além das uni-versidades. Por outro lado, Leydesdorff e Etzkowitz (1996)sublinham a importância do papel da universidade na “tri-pla hélice” e sugerem estudar a dinâmica das relações entrea universidade, o governo e a indústria. Já Knorr-Cetina tra-balha com o conceito de “arenas transepistêmicas”, consi-derando, no processo de produção do conhecimento, as de-cisões negociadas dos pesquisadores e de outros atores nãocientíficos, mas que também participam do processo muitas

vezes com interesses nos resultados das pesquisas (empre-sários, governo, ONGs). Em qualquer uma destas aborda-gens, o importante é destacar que a produção do conheci-mento se faz, nessa nova tendência, a partir de vários atoressociais e de várias instituições relacionadas entre si.

Ou seja, estão emergindo transformações no modo deprodução do conhecimento, que se vinculam à mun-dialização da economia, à ascensão da economia dos sabe-res ou da informação e à introdução das mudanças tecno-lógicas no processo de produção. Essas mudanças, aliadasà reformulação do papel do Estado que diminui os recur-sos públicos consagrados à educação, sugerem umaracionalidade econômica que se faz sentir na pesquisa uni-versitária, com a passagem de uma política da ciência parauma política da inovação (Doray e Pelletier, 1999).

Porém, há também o fenômeno da democratização queaumenta a necessidade de “social accountability” do co-nhecimento, ou seja, de uma maior participação da socie-dade no processo de conhecimento. A consolidação de-mocrática pode levar os pesquisadores a trabalharemconsiderando demandas socioeconômicas, pois a opiniãopública tende a cobrar mais resultados da pesquisa cien-tífica e tecnológica. Isso faz com que aumente o peso daspesquisas temáticas e determine as agendas de pesquisaem função de demandas externas.

Em trabalho realizado em 1994 (Sobral e Trigueiro,1994), mostrou-se que o Brasil já possuía capacitaçãotecnológica em determinadas áreas, mas que apenas emparte ocorria desenvolvimento das chamadas tecnologiasde ponta ou atendimento de demandas econômicas e so-ciais fundamentais para o país. Afirmou-se, então, quemuitas das limitações do nosso desenvolvimento cientí-fico e tecnológico centravam-se na questão da formaçãode recursos humanos, que, por sua vez, ligava-se a defi-ciências do nosso sistema educacional.

Por outro lado, o modelo de desenvolvimento científicoe tecnológico, impulsionado pela ciência e que seguia so-bretudo a lógica do processo de conhecimento e não as ne-cessidades econômicas e sociais, adotado predominantementeno Brasil, havia se mostrado eficiente no sentido de consti-tuir uma comunidade científica competitiva. Porém, preci-saria ser combinado a outros procedimentos que envolve-riam, além das demandas do mercado acadêmico-científico,outras demandas do mercado econômico e social.

Por essa razão, propôs-se, nessa ocasião, o estabelecimentode um modelo misto de desenvolvimento científico-tecnológico, que envolveria a combinação de dois tipos deprocedimento: o desenvolvimento científico e tecnológico,

Page 10: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

11

EDUCAÇÃO PARA A COMPETITIVIDADE OU PARA A CIDADANIA SOCIAL?

impulsionado pela ciência; e aquele orientado pela deman-da econômico-social ou pelo mercado. Se o modelo de“impulsão pela ciência”, por um lado, estava sendosatisfatório no que se refere à qualidade dos pesquisadores,das equipes e dos projetos de pesquisa, por outro, estava sendoinsuficiente quanto à valorização ou à escolha de temas dentrode certas áreas. Com o modelo misto, ocorreria então a uniãodo mercado econômico-social ao mercado acadêmico.

Sendo assim, os eixos orientadores da pesquisa uni-versitária na atualidade a associam à economia e à inter-venção social, ou seja, refletem as idéias de educação paraa competitividade e educação para a cidadania social, em-bora com um maior reforço para a questão propriamenteeconômica.

A título de conclusão, pode-se enfatizar a idéia inicialde que a concepção de educação muda através dos tem-pos e que a sociedade contemporânea, considerada socie-dade do conhecimento, requer um repensar sobre a edu-cação. Na década de 90, ela está sendo pensada comoeducação para competitividade (mais no nível médio esuperior) e como educação para a cidadania social (maisno nível fundamental).

Porém, é importante destacar que uma única concep-ção de educação não pode dominar inteiramente, da mes-ma forma como se afirmou anteriormente que o novomodo de produção de conhecimento não pode excluir oantigo ou que se sugeriu um modelo misto de desenvol-vimento científico e tecnológico.

No que se refere à educação, as dimensões social e eco-nômica não são necessariamente excludentes. A visãoutilitarista não pode eliminar a visão humanista.

NOTAS

E-mail da autora: [email protected]. Algumas das idéias desenvolvidas nesse tópico encontram-se em Sobral (1980e 1993).2. A interdisciplinariedade é a forma que se tem utilizado nas novas áreas doconhecimento para não só atender aos rumos recentes dos estudos, pesquisas edesenvolvimentos técnicos, mas também para testar e descobrir pistas mais pro-missoras de conquistas e avanços técnico-científicos. A intercambialidade é aforma atualmente mais vantajosa de dinamizar o conhecimento pelo aproveita-mento de teorias, metodologias e técnicas de pesquisa de uma disciplina em ou-tra, ou de uma área do conhecimento em outra. A experimentação não é algoestritamente novo, mas tem estado muito mais presente, mesmo na elaboração eteste de teorias científicas, graças ao auxílio extraordinário da ciência da com-putação.3. Estudos recentes sobre as universidades canadenses mostram que não há opo-sição entre, de um lado, os pesquisadores que desenvolvem pesquisa estritamen-te aplicada ou em colaboração e, de outro, aqueles que fazem pesquisa funda-mental (Godin, 1998). Como as leis de concentração das atividades de pesquisadeixam antever, são geralmente os mesmos pesquisadores que se engajam nosdois tipos de atividades. Além disso, os pesquisadores que investem na pesquisa

em colaboração encontram algumas vantagens, como o acesso aos novos temasde pesquisa, a dados não publicados e a fontes adicionais de financiamento(Meyer- Kramer e Schnoch, 1998; Bataini, Martineau et Trépanier, 1997).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BATAINI, S.; MARTINEAU, Y. e TRÉPANIER, M. Le secteur biopharmaceutiquequébécois et les investissemets directs étrangers: dynamique et impacts desactivités de R-D. Étude réalisée pour le Conseil de la science et de la technologiedu Québec, 1997.

BENAKOUCHE, R. “A autonomia universitária no contexto da reforma do apa-relho do Estado”. Universidade e Sociedade, v.9, n.19, maio/agosto 1999.

CHINOY, E. “Socialy mobillity trends in USA”. American Sociological Review,n.20, 1955.

DORAY, P. e PELLETIER, P. Les politiques publiques et l’université: quelquespoints repères historiques (1960-1998), 1999, mimeo.

DURKHEIM, E. Educação e Sociologia. São Paulo, Edições Melhoramentos, 1975.FERNANDES, F. Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina.

Rio de Janeiro, Zahar, 1972.GIBBONS, M. et alii. The new production of knowledge. Londres, Sage, 1994.GLASS, D.V. Social mobility in Britain. London, Routledge Kegan Paul, 1954.GODIN, B. Besides Academics Publications: wich sector compete, or are they

competitors. Scientometrics, v.33, 1998, p.3-12.GODIN, B. e GINGRAS, Y. “L’impact de la recherche en collaborátion et le

rôle des universités dans le système de productions des connaissances”.Interuniversitaire de Recherche sur la Science et la Tecnologie, n.7, 1999.

IBGE. Programa Nacional de Amostragem Domiciliar. Rio de Janeiro, 1996.IGNÁCIO, P.C. de S. “Educação e ensino técnico”. Universidade e Sociedade,

v.9, n.19, maio/agosto 1999.LEVY, S. Toward an economic analysis of the brazilian university. Brasília,

CNRH/Ipea, 1972, mimeo.LEYDESDORFF, L. e ETZKOWITZ, H. “Emergence of a triple-helix of

university-industry-government relations”. Science and public policy, n.27,1996, p.835-851.

LOBO, H.H. de. O ensino médio no Brasil – diagnóstico e perspectivas. 1998,mimeo.

MARSHALL, T.H. Class, citizenships and social development. Connectut,Greenwood Press, 1979.

MARTINS, C.B. Notas sobre o ensino superior brasileiro. Brasília, 1998, mimeo.MEC. Balanço do primeiro ano do Fundef. Brasília, mar. 1999.MELLO, G.N. Cidadania e competitividade. São Paulo, Cortez Editora, 1998.MEYER-KRAMER, F. e SCHMOCH, V. “Science-Based Technologies:

University-Industry Interations in Four Fields.” Research Policy, 27:835-851,1998.

PELIANO, J.C.P. A importância da educação para o novo modo de produçãodo conhecimento, 1998, mimeo.

SAVIANI, D. Escola e democracia. São Paulo, Cortez, 1985.SCHULTZ, T. O capital humano. Rio de Janeiro, Zahar, 1973.SOBRAL, F.A. da F. Educação e mudança social: uma tentativa de crítica. São

Paulo, Cortez, 1980.__________ . “Universidade e pesquisa na nova Constituição”. Em Aberto.

Brasília, ano 8, n.43, jul./set. 1989.__________ . “Educação, universidade e sociedade”. Natureza, história e cul-

tura. Porto Alegre, UFRGS/SBS, 1993.__________ . “Educação, ciência e tecnologia no Brasil na década de 90”. Anuá-

rio da Educação. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro/Unigranrio, 1996.SOBRAL, F.A. da F. e TRIGUEIRO, M. “Limites e potencialidades da base téc-

nico-científica”. In: SOBRAL, F.A. e FERNANDES, A.M. (orgs.). Colap-so da ciência e tecnologia no Brasil. Rio de Janeiro, Relume Dumará, 1994.

TEIXEIRA, Z.A. “Políticas públicas e educação para crianças, adolescentes ejovens”. Políticas públicas sociais. Brasília, Inesc, 1999.

Page 11: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

12

O

UM SALTO PARA O PRESENTEa educação básica no Brasil

OS GRANDES DRAMAS DA EDUCAÇÃOBÁSICA2

No Brasil, em meados da década de 80, um físico cha-mado Sérgio Costa Ribeiro, com sua mania de entender oque estava por trás dos números, passou a gritar aos qua-tro cantos que havia algo de muito estranho com as nos-sas estatísticas educacionais. Sua conclusão foi quase sin-gela: os números mostravam que havia no país umaenorme discrepância entre a quantidade de crianças nafaixa etária de 7 a 14 encontrada pelo Censo populacio-nal do IBGE e as matrículas nas oito séries do ensino fun-damental. Em suas palestras ele costumava brincar dizendoque o Brasil era o único caso no mundo em que uma ge-ração valia por quase duas.3 Sérgio era um otimista eenfatizava que esse dado deveria ser olhado como positi-vo, ou seja, a educação já estava incorporada como umvalor para a grande maioria da população, que colocavaseus filhos na escola, lutava por mantê-los nela e haviaescolas em número suficiente para matricular essas crian-ças que começavam sua trajetória escolar.

O fato de haver mais crianças matriculadas em algu-mas dessas séries do que a população na faixa etária, teveuma explicação imediata: era causado pela repetência que“segurava” as crianças, e a evasão provocava muitas ve-zes o fenômeno da dupla contagem. Os dados levantaramuma outra explicação importante: na maior parte das ve-

GILDA FIGUEIREDO PORTUGAL GOUVÊA

Professora do Instituto de Filosofia, Ciências e Letras da Unicamp e Assessora do Ministério da Educação

mundo vem assistindo nos últimos 25 anostransformações profundas no tratamento àsquestões educacionais que, no caso brasilei-

ro, tornaram mais dramáticas nossas desigualdades deoportunidades.

Trabalhando com a análise recentemente sistemati-zada por Manuel Castells,1 as mudanças que vêm ocor-rendo não são só tecnológicas, mas principalmente cul-turais e organizacionais. Na “nova economia infor-macional”, afirma Castells, o ponto-chave para o de-senvolvimento econômico, para o enfrentamento dasdesigualdades e mesmo para a democracia política é aeducação. O que conta neste mundo não é a máquina enem a tecnologia, mas a capacidade das pessoas de pro-cessar informações, criar situações, criar alternativase resolver problemas. O importante não é mais acumu-lar uma grande quantidade de informações, mas simsaber buscar essas informações. Assim a educação devedesenvolver em cada pessoa sua capacidade cognitivae analítica e quem não for alcançado por um sistemaeducacional eficiente, terá poucas chances num mun-do que cada vez mais individualiza o sistema de traba-lho e no qual a inclusão (ou a exclusão) depende cadavez menos da inserção coletiva das pessoas. A educa-ção é hoje para a sociedade informacional o que foiontem a energia para a sociedade industrial, concluiCastells.

Resumo: A educação básica no Brasil está num momento especialmente delicado. Os dados têm mostrado quehá uma evolução positiva em vários indicadores, o que pode estar demonstrando que os rumos estão corretos,mas há ainda um bom caminho a percorrer. O artigo apresentou esses indicadores e discutiu esses rumos,procurando destacar alguns pontos considerados mais dramáticos.Palavras-chave: educação básica; educação e sociedade; políticas públicas.

Page 12: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

13

UM SALTO PARA O PRESENTE: A EDUCAÇÃO BÁSICA NO BRASIL

zes o “evadido” era um repetente em potencial, ou seja,era aquela criança que no meio do ano não estava combom aproveitamento e era “aconselhada” pela escola aabandonar os estudos naquele ano e voltar no ano seguintepara não ser considerada repetente. Mas essas eram con-siderações estatísticas. Atrás delas estava escondido umtrágico fenômeno: o fracasso escolar.

O que é o fracasso escolar? Nos anos seguintes essetema foi bastante estudado, e hoje já se possui um quadrobem mais definido dos seus vários aspectos. Deixemosas estatísticas para mais adiante, e vamos nos deter pri-meiro em seus aspectos qualitativos.

O fracasso escolar é uma chaga que se instalou no nossosistema educacional e condena parte considerável da nossapopulação ao analfabetismo e ao analfabetismo funcio-nal. O analfabeto funcional é a pessoa que sabe identifi-car as letras e consegue juntar as sílabas, mas não conse-gue juntar uma frase nem compreender um texto. Essapessoa não é capaz de ler um manual, de compreenderregras escritas, de comunicar-se via eletrônica e portantoé um excluído desta nova sociedade que está se definin-do. E pensem bem que tragédia: parte dos nossos analfa-betos entre 15 e 29 anos, que somavam cerca de 2.960.000em 1997 (cerca de 7% da população nessa faixa etária)segundo o IBGE-PNAD,4 freqüentou a escola e foi ex-pulsa dela por ter “fracassado”. E esses dados levam emconta apenas os analfabetos e não incluem os analfabetosfuncionais.

Durante muito tempo considerou-se que o principal fa-tor para uma criança deixar a escola era a necessidade detrabalhar para ajudar a família. Essa situação existe, masestá longe de ser a principal determinante da evasão es-colar. Estudos têm demonstrado que o fracasso escolar éo principal responsável pelo êxodo e a repetência não me-lhora o aprendizado dos alunos: “a análise dos resultadosdas avaliações da educação básica, como o Sistema deAvaliação da Educação Básica (Saeb), a avaliação de con-cluintes do ensino médio e o Exame Nacional do EnsinoMédio (Enem) confirmam: quanto maior a distorção sé-rie/idade dos alunos, pior o seu desempenho. Um alunoque conclui o ensino fundamental aos 18 anos, após umasérie de reprovações, tem rendimento médio inferior aodo aluno que conclui as oito séries na idade adequada, ouseja, aos 14 anos (MEC, 1999:35).

Imaginem a seguinte situação: a criança entra na esco-la e começa a apresentar dificuldades para alfabetizar-se.Solução: repetir o ano, uma, duas, três vezes ou mais senecessário, sendo ela considerada a única responsável pelo

próprio fracasso. Quando consegue superar a barreira daalfabetização, não se desenvolve em matemática, e nova-mente “repete”. Não estuda, não presta atenção, é “fracada cabeça”, dizem. Numa mesma classe, já tendo às ve-zes 12 anos, convive com colegas de 7. Os colegas a con-sideram burra, para a escola é incapaz, e os pais são con-vencidos de que ela é incapaz mesmo. Por que continuarna escola, se todos acham que é perda de tempo? Sua auto-estima está destruída, está marcada pela sociedade. Seufuturo já está definido: está excluída. Quem já fez pes-quisa de campo e teve a oportunidade de estar em algumaescola percebeu no rosto dessas crianças o sinal do fra-casso.

As estatísticas mostram a dimensão dessa tragédia. Nacontagem populacional que o IBGE fez em 1996, 42%dos jovens brasileiros entre 15 e 19 anos declararam nãoestar freqüentando a escola e, destes, 46% disseram terabandonado definitivamente os estudos ao concluir me-nos de cinco anos de escolaridade. Entre esses jovens en-contraremos certamente muitos analfabetos funcionais. Aoobservarmos os dados por região, a gravidade da situa-ção se acentua. Na região Nordeste, 65% dos jovens de15 a 19 anos que estavam fora da escola tinham comple-tado menos de 5 anos de escolaridade; na região Norteeram 59%; na região Centro-Oeste, 41%; na Sudeste, 36%e na região Sul, 34%. Essa é a enorme parcela de “fracas-sados” do nosso país.

Foi assim que, a partir da década de 80, os formuladoresde políticas públicas na área de educação começaram amudar a ênfase de suas recomendações, voltando sua aten-ção para o que acontecia dentro da escola. Foi também apartir daí que os governos começaram a ouvir dessesformuladores que, mais importante do que construir es-colas, era dirigir seus investimentos para a qualidade daescola, a qualidade da vida escolar de cada criança ou jo-vem, a qualificação dos professores, os equipamentos es-colares, a oferta e qualidade do livro didático e a avalia-ção, não como critério para aprovar ou reprovar o aluno,mas para aprovar ou reprovar a escola. Se uma grandequantidade de alunos não aprende ou se evade, deve-sepensar que a principal responsável pela situação é a esco-la e não o aluno.

Essa não foi uma mudança fácil na mentalidade dosgovernantes, dos políticos e dos educadores. Por desco-nhecimento da situação real do nosso sistema escolar quehavia crescido muito ou por “interesses na indústria daconstrução de escolas”, uma administração era avaliadapelo número de salas de aula que havia construído e não

Page 13: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

14

por ter conseguido baixar a taxa de evasão e repetência.Essas escolas, inauguradas com grande alarde pelosgovernantes e patrocinadas por políticos com interesseseleitorais naquela região (isso na melhor das hipóteses,pois havia muitas denúncias de que os interesses eram tam-bém econômicos ligados às empreiteiras que construíamas escolas e depois financiavam campanhas eleitorais),eram muitas vezes erguidas em áreas que possuíam esco-las prontas com vagas ociosas. Quem trabalhou na admi-nistração pública nesse período, sabe como era difícil fa-zer prevalecer o critério da demanda real diante daspressões políticas.

A outra fonte de resistência estava nos próprios edu-cadores e professores. A discussão em torno da promo-ção automática ou dos ciclos (um aluno na primeira sé-rie, mesmo que não estivesse alfabetizado deveria serpromovido para a segunda série, ou ainda, ciclos de qua-tro anos, ou seja, só haveria uma avaliação no final daquarta série e no final da oitava série) provocava – e ain-da provoca – fortes reações contrárias.5 Os professoresjustificavam sua posição com o argumento de que eramuito difícil trabalhar com uma classe onde os alunos ti-nham diferentes níveis de conhecimento. Contra esse ar-gumento, alguns educadores levantavam outro: ele enfren-taria a mesma dificuldade tendo numa classe um alunode 7 anos e outro de 12, pois o de 12 poderia estar defasa-do no aprendizado formal, mas não na sua idade emocio-nal e de experiência, ingredientes fundamentais para a apli-cação de qualquer prática pedagógica.

A volta do olhar dos formuladores e de alguns adminis-tradores para dentro da escola começou a colocar questõesque, se ainda não foram resolvidas, pelo menos provoca-ram uma guinada radical nas políticas públicas para a edu-cação. O novo rumo estava se definindo: a escola deveriadeixar de ser uma formadora de “fracassados” para ser umaformadora de cidadãos com capacidade cognitiva e crítica.

Uma das primeiras perguntas que se colocou foi porque essas crianças e jovens fracassavam? Afinal, o queacontece dentro da escola?

Sabemos que a situação de pobreza da população temum papel importante nesse êxodo escolar e nas taxas derepetência. Os dados mostram que a escola tem se demo-cratizado nas últimas três décadas e, portanto, cada vezmais crianças das camadas mais pobres entram na escola.Não podemos menosprezar esse fato, mas não queremosque ele esconda um outro, talvez tão importante quantoas desigualdades sociais e econômicas: o que acontecedentro da escola.

Quanto mais pobre for a população, maior o papel de-sempenhado pela escola no seu processo de inserção nasociedade. A escola representa para muitas dessas crian-ças e jovens o único ambiente estruturado de convivên-cia, antes até de ser um ambiente de aprendizado de le-tras e números. Se pensarmos nas populações das periferiasdas cidades médias e grandes, cujas condições habita-cionais são bastante precárias, compostas de famílias queapresentam um grau elevado de desagregação (basta lem-brar o número crescente de famílias mantidas apenas pelamãe) e taxas de desemprego que atingem os níveis maiselevados nos momentos de crise econômica, a escola de-veria cumprir o papel de acolhê-las, situá-las, exercitar aconvivência e a tolerância, e nunca de expulsá-las. A cons-trução da sua auto-estima é o que mais importa. A suacapacidade de aprender, agora sim, as letras e os núme-ros vai depender muito dessa acolhida.

Escolas sem manutenção adequada, com os vidros que-brados e as carteiras em condições precárias, as paredessujas, o encanamento entupido, professores desmotivadosporque mal-preparados e com salários baixos, professo-res com medo da violência que já ultrapassou os portõescomo temos visto pela imprensa, dificilmente poderão seracolhedoras. Como transformar essa escola para que elapossa exercer seu papel?

O QUE ESTÁ SENDO FEITO E QUAIS OSPRINCIPAIS RESULTADOS

Alterar esse quadro não é nada fácil. Como vimos, sãoinúmeros os problemas que precisam ser atacados simul-taneamente para mudar a escola por dentro.

Mas nem tudo é desesperança. O quadro descrito co-meçou a se alterar significativamente no fim da décadade 80, mas foi na década de 90 que os resultados alcança-dos tanto na continuidade do avanço nos índices de co-bertura, quanto nos sinais cada vez mais visíveis de queestá melhorando a qualidade do ensino e com ela a “aco-lhida” das crianças e jovens. Fica difícil, e aliás poucoimporta, apontar qual fator está sendo o principal respon-sável por essa mudança, ou então a quem atribuir as gló-rias dos bons resultados. Mas a verdade é que foram osesforços conjugados dos três níveis de governo – federal,estadual e municipal –, a participação crescente da co-munidade e da sociedade nos assuntos da escola, e prin-cipalmente uma convergência de políticas corretas e du-radouras, os responsáveis pelos resultados. Quais foramos principais norteadores dessas políticas?

Page 14: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

15

UM SALTO PARA O PRESENTE: A EDUCAÇÃO BÁSICA NO BRASIL

Segundo documento do Ministério da Educação (MEC/Inep, 1999a) e outras avaliações que têm sido publicadasnos últimos anos, as políticas implantadas procuraramprincipalmente:- buscar um novo padrão de eqüidade na oferta do ensinofundamental obrigatório, mediante a garantia da uni-versalização do acesso, implantação de um novo modelode financiamento, com a criação do Fundef (Fundo deManutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamentale de Valorização do Magistério) e a promoção de açõesfocalizadas para corrigir desigualdades sociais, econômi-cas e regionais;- basear o esforço de universalização e melhoria da qua-lidade na descentralização dos programas e dos recursospúblicos destinados ao financiamento do ensino, mediantea adoção de critérios transparentes e universais, eliminan-do intermediações que não deixam o dinheiro chegar àescola;- dar ênfase na melhoria da qualidade da educação bási-ca, apoiada em políticas de valorização dos professoresinclusive com incentivos salariais, na distribuição em tem-po hábil e na avaliação do livro didático, na TV Escola eoutros instrumentos de educação a distância para apoiaro professor no seu desempenho em classe e na sua atitu-de diante dos alunos, na introdução do computador na es-cola, na implantação de parâmetros curriculares nacionais,no treinamento intenso de dirigentes escolares desde se-cretarias estaduais e municipais até os diretores e secre-tários das escolas;- criar e implantar o sistema de ciclos e promover regu-larmente programas de aceleração de aprendizagem, pos-sibilitando àqueles alunos com idade acima do recomen-dável para a série, que freqüentam classes especiais, queavancem rapidamente nos estudos e alcancem a série com-patível;6

- apoiar os programas de alfabetização de jovens e adul-tos através de parcerias com empresas, organizações não-governamentais, universidades e prefeituras, principal-mente nos municípios com as mais altas taxas deanalfabetismo;7

- criar cursos supletivos para dar prosseguimento à esco-laridade daqueles jovens e adultos que se alfabetizaram;- desenvolver e implantar um sistema nacional de avalia-ção e de indicadores de desempenho periódicos, o únicocapaz de informar aos executores das políticas se esta-mos melhorando ou não e apontar onde estão as falhas;

- apoiar e incentivar as políticas de inclusão dos portado-res de deficiência no ensino regular, principalmente seconsiderarmos que muitas vezes a dificuldade no apren-dizado é considerada deficiência mental;- descentralizar os gastos com a merenda escolar,8 colo-cando os recursos na escola, para que ela administre suacompra e distribuição, evitando desvio e desperdício.

É difícil dizer, mas talvez a mudança mais importantena década de 90 quanto ao financiamento da educaçãofoi a criação do Fundef através da Emenda Constitucio-nal nº 14. Com o Fundef houve uma divisão mais claradas responsabilidades de cada nível de governo, e o di-nheiro da educação foi aplicado onde estavam os alunos.Agora faz toda a diferença porque só é vantagem para osgovernos estaduais ou municipais que mantiveram ascrianças na escola, pois os recursos do Fundo serão re-passados conforme o número de crianças matriculadas,segundo as informações do Censo escolar que o Ministé-rio da Educação realiza anualmente em todo o país. Comessa mudança, a evasão passa a representar perda de re-cursos para os estados ou municípios. Além disso, oFundef favoreceu o desenvolvimento da colaboração en-tre os três níveis de governo, criando também mecanis-mos de estímulo à participação da comunidade (cadamunicípio e cada estado deve formar um conselho quefiscaliza a aplicação dos recursos).

Ainda sobre a distribuição dos recursos, a descen-tralização chegou até a escola com os programas Dinhei-ro Direto na Escola do governo federal e inúmeros pro-gramas semelhantes de governos estaduais e municipais.Essas medidas estimularam a participação dos pais nagestão da escola através das APMs (Associações de Paise Mestres) que passaram a ser responsáveis por esses re-cursos e se multiplicaram pelo país, com a criação de cer-ca de 50 mil desde 1995. Essas iniciativas tornaram maisfácil também a aproximação de várias organizações não-governamentais que passaram a ser parceiras na melho-ria da escola, tendo agora nas APMs sua base de apoio,execução e fiscalização.

Os resultados começam a aparecer:

Queda das Taxas de Analfabetismo nas Faixas Jovensda População – O que pode estar indicando que temos cadavez menos “fracassados”. As taxas de analfabetismo entrea população com até 29 anos de idade vêm regredindo anual-mente. Na faixa de 15 a 19 anos, o recuo foi de 12,2%, em1991, para 6%, em 1997. Na faixa etária de 20 a 24, a que-

Page 15: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

16

da no período foi de 12,2% para 7,1%, e na faixa de 25 a29 anos, a queda foi de 12,7% para 8,1% (Tabela 1 e Grá-fico 1). As mulheres têm melhorado mais rapidamente suasituação em relação aos homens: a taxa para as mulheresentre 15 e 19 anos era de 9% em 1991 e regrediu para 4%em 1997. Entre as mulheres na faixa de 20 a 24 anos, ataxa recuou de 10,5% para 5,5%, e no grupo entre 25 e 29anos, o recuo foi de 11,5% para 6,4%.9

Aumento do Número Médio dos Anos de Estudo – Em1960, o número médio de anos de estudo para a populaçãocom 10 anos ou mais estava em torno de dois anos. Em1997 estava em torno de seis anos, mais um sinal de quenosso sistema educacional se encontra em uma curva as-cendente. Em 80, os homens estavam em vantagem quan-to aos anos médios de estudo em relação às mulheres (3,9anos para os homens e 3,5 anos para as mulheres), mas essasituação se inverteu na década de 90 (Tabela 2 e Gráfico2), quando as mulheres melhoraram mais rapidamente seu

perfil educacional. No período de 1990 a 1996, a média deanos de estudos aumentou de 5,1 para 5,7 entre os homens,e de 4,9 para 6 entre as mulheres, o que indica um salto dequase um ano para as mulheres, enquanto eles avançavammeio ano, segundo o mesmo documento do Ministério daEducação.

Crescimento da Matrícula em Todos os Níveis de Ensi-no – Com destaque para o ensino médio (Tabelas 3 e 4 eGráficos 3 e 4). O crescimento da matrícula no ensino fun-

TABELA 1

Taxa de Analfabetismo da População com 15 Anos ou MaisBrasil – 1970-1996

Em porcentagem

Anos Taxa de Analfabetismo

1970 33,6

1980 25,4

1991 20,1

1995(1) 15,6

1996(1) 14,7

Fonte: Fundação IBGE.Nota: Exclusive a população rural de RO, AC, AM, RR, PA e AP.

GRÁFICO 1

Taxa de Analfabetismo da População com 15 Anos ou MaisBrasil – 1970-1996

Fonte: Fundação IBGE.(1) Exclusive a população rural de RO, AC, AM, RR, PA e AP.

TABELA 2

Número Médio de Anos de Estudo de Pessoas de 10 Anos ou Mais de IdadeBrasil – 1960-1996

Anos Homens Mulheres

1960 2,4 1,9

1970 2,6 2,2

1980 3,9 3,5

1990 5,1 4,9

1995(1) 5,4 5,7

1996(1) 5,7 6,0

Fonte: Relatório Sobre o Desenvolvimento Humano no Brasil, 1996; PNUD/Ipea, 1996.(1) Exclusive a população rural de RO, AC, AM, RR, PA e AP. Os dados foram calculados peloMEC/Inep/Seec com base na PNAD de 1995 e 1996.

GRÁFICO 2

Número Médio de Anos de Estudo de Pessoas de 10 Anos ou Mais de IdadeBrasil – 1960-1996

Fonte: Relatório Sobre o Desenvolvimento Humano no Brasil, 1996; PNUD/Ipea, 1996.(1) Exclusive a população rural de RO, AC, AM, RR, PA e AP. Os dados foram calculados peloMEC/Inep/Seec com base na PNAD de 1995 e 1996.

Page 16: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

17

UM SALTO PARA O PRESENTE: A EDUCAÇÃO BÁSICA NO BRASIL

damental foi de 13% entre 1994 e 1999, segundo dados doCenso escolar de 1999. Com isso o Brasil atingiu nesseano uma taxa de escolarização líquida de 95,5% na faixade 7 a 14 anos. Em 1999, pela primeira vez, o Censo regis-trou variação negativa de 1,5% em matrículas nas quatroséries iniciais do ensino fundamental e uma variação posi-

tiva de 4,8% nas quatro séries finais, o que é uma ótimanotícia, ou seja, as crianças estão conseguindo vencer abarreira inicial da alfabetização e dos números apontadaanteriormente, progredindo de série. Mas a grande notíciavem mesmo do crescimento das matrículas no ensino mé-dio: entre 1994 e 1999 a expansão atingiu 57,3%, uma mé-

TABELA 3

Matrícula Inicial do Ensino Fundamental, por Dependência AdministrativaBrasil – 1994-99

Anos Total

Público Privado

Números NúmerosAbsolutos

%Absolutos

%

1994 (1) 32.008.051 28.486.693 89,0 3.521.358 11,0

1995 (1) 32.668.738 28.870.159 88,4 3.798.579 11,6

1996 33.131.270 29.423.373 88,8 3.707.897 11,2

1997 34.229.388 30.565.641 89,3 3.663.747 10,7

1998 35.792.554 32.409.205 90,5 3.383.349 9,5

1999 (2) 36.170.643 32.892.246 90,9 3.278.397 9,1Taxas deCrescimento1994/99 (%) 13,0 15,5 -6,9

Fonte: MEC/Inep/Seec.(1) Dados estimados.(2) Dados preliminares.

GRÁFICO 3

Matrícula Inicial do Ensino Fundamental, por Dependência AdministrativaBrasil – 1994-99

Fonte: MEC/Inep/Seec.(1) Dados estimados.(2) Dados preliminares.

TABELA 4

Matrícula Inicial do Ensino Médio, por Dependência AdministrativaBrasil – 1994-99

Anos Total

Público Privado

Números NúmerosAbsolutos

%Absolutos

%

1994 (1) 4.936.211 3.905.872 79,1 1.030.339 20,9

1995 (1) 5.374.831 4.210.558 78,3 1.164.273 21,7

1996 5.739.077 4.562.558 79,5 1.176.519 20,5

1997 6.405.057 5.137.992 80,2 1.267.065 19,8

1998 6.968.531 5.741.890 82,4 1.226.641 17,6

1999 (2) 7.767.091 6.542.913 84,2 1.224.178 15,8Taxas deCrescimento1994/99 (%) 57,3 67,5 18,8

Fonte: MEC/Inep/Seec.(1) Dados estimados.(2) Dados preliminares.

GRÁFICO 4

Matrícula Inicial do Ensino Médio, por Dependência AdministrativaBrasil – 1994-99

Fonte: MEC/Inep/Seec.(1) Dados estimados.(2) Dados preliminares.

Page 17: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

18

TABELA 5

Número de Funções Docentes do Ensino Fundamental, por Grau de FormaçãoBrasil – 1994-1999

Anos Total

Grau de Formação

Fundamental IncompletoMédio Completo Superior Completoe Completo

Números Números NúmerosAbsolutos % Absolutos % Absolutos %

1994 (1) 1.377.665 138.658 10,1 669.656 48,6 569.351 41,3

1995 (1) 1.407.625 133.933 9,5 685.596 48,7 588.096 41,8

1996 1.388.247 124.642 9,0 655.004 47,2 608.601 43,8

1998 1.460.455 101.601 7,0 684.514 46,9 674.340 46,2

1999 (2) 1.510.426 81.735 5,4 720.148 47,7 708.543 46,9

Taxas deCrescimento1994/99 (%) 9,6 -41,1 7,5 24,4

Fonte: MEC/Inep/Seec.(1) Dados estimados.(2) Dados preliminares.Nota: O mesmo docente pode atuar em mais de um nível/modalidade de ensino e em mais de um estabelecimento.

GRÁFICO 5

Número de Funções Docentes do Ensino Fundamental, por Grau de FormaçãoBrasil – 1994-1999

Fonte: MEC/Inep/Seec.(1) Dados estimados.(2) Dados preliminares.Nota: O mesmo docente pode atuar em mais de um nível/modalidade de ensino e em mais deum estabelecimento.

dia de 11,5% ao ano. Um número maior de pessoas estáterminando as oito séries do ensino fundamental e prosse-guindo seus estudos para o ensino médio.

Diminuição das Desigualdades Regionais – Na regiãoNordeste as matrículas no ensino fundamental cresceramcerca de 27% contra 13% no resto do país, e no ensinomédio cresceram 62% contra 57% no conjunto do país.

Melhoria do Fluxo no Ensino Fundamental com aQueda das Taxas de Evasão e Repetência – No ensi-no fundamental a taxa de promoção que já vinha au-mentando nos anos anteriores, evoluiu entre 1995 e1997 (apenas 2 anos) de 65,5% para 74,5%, enquantono mesmo período as taxas de repetência e evasão di-minuíram de 26,7% para 18,7% e de 8,3% para 6,8%,respectivamente. Por outro lado, a distorção idade/sé-rie nas séries iniciais que era de 64,1% em 1991, caiupara 46,6% em 1998. Esses são resultados para seremcomemorados, pois significam que a escola está aco-lhendo muito melhor nossos jovens, mostrando umatendência de superação do triste quadro apresentado naprimeira parte deste trabalho.

Melhoria da Qualificação dos Professores da Edu-cação Básica – O número de professores tem crescidobastante nos últimos anos: entre 1994 e 1999, o cresci-

Page 18: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

19

UM SALTO PARA O PRESENTE: A EDUCAÇÃO BÁSICA NO BRASIL

TABELA 6

Número de Funções Docentes do Ensino Médio, por Grau de FormaçãoBrasil – 1994-1999

Anos Total

Grau de Formação

Fundamental IncompletoMédio Completo Superior Completoe Completo

Números Números NúmerosAbsolutos % Absolutos % Absolutos %

1994 (1) 295.542 1.876 0,6 50.863 17,2 242.803 82,2

1995 (1) 333.271 1.519 0,5 57.620 17,3 274.132 82,3

1996 326.827 1.068 0,3 43.418 13,3 282.341 86,4

1998 365.874 823 0,2 38.250 10,5 326.801 89,3

1999 (2) 401.010 642 0,2 47.637 11,9 352.731 88,0Taxas deCrescimento1994/99 (%) 35,7 -65,8 -6,3 45,3

Fonte: MEC/Inep/Seec.(1) Dados estimados.(2) Dados preliminares.Nota: O mesmo docente pode atuar em mais de um nível/modalidade de ensino e em mais de um estabelecimento.

mento foi de 9,6% no ensino fundamental e de 35,7%no ensino médio segundo o Censo Escolar do Ministé-rio da Educação. Mas apesar disso, houve uma evolu-ção na qualificação desses professores. Nas regiões maispobres do país, principalmente, o número de professo-res leigos era muito elevado. Professor leigo é aqueleque está encarregado de ministrar aulas sem ter com-pletado o nível escolar exigido para aquela série. As-sim, por exemplo, é o professor de primeira a quartasérie que não terminou as oito séries do ensino funda-mental. Dados do Ministério da Educação indicam queo número de professores leigos no ensino fundamentalcaiu 41,1% no período de 1994 a 1999, o número deprofessores com nível médio completo subiu 7,5% ecom superior completo aumentou 24,4% (Tabela 5 eGráfico 5). Para o ensino médio a qualificação tambémestá aumentando: houve uma queda de 65,8% no nú-mero de professores leigos e um acréscimo de 45,3%no número de professores com curso superior comple-to (Tabela 6 e Gráfico 6). São dados realmente impres-sionantes!

Municipalização do Ensino – Seguindo o que pres-creve a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, houveum acelerado processo de municipalização do ensino

GRÁFICO 6

Número de Funções Docentes do Ensino Médio, por Grau de FormaçãoBrasil – 1994-1999

Fonte: MEC/Inep/Seec.(1) Dados estimados.(2) Dados preliminares.Nota: O mesmo docente pode atuar em mais de um nível/modalidade de ensino e em mais deum estabelecimento.

Page 19: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

20

fundamental. Em 1997 havia cerca de 18 milhões dealunos nas escolas estaduais de ensino fundamental e12 milhões nas escolas municipais. Em 1999 as esco-las estaduais “perderam” em torno de dois milhões dealunos e as municipais “ganharam” cerca de quatromilhões (MEC/Inep, 1999b).

Essas são as boas notícias, mas há ainda um longo ca-minho a percorrer.

O QUE FALTA FAZER

Nas discussões, nem sempre fáceis, entre educadorese formuladores de políticas públicas para educação há umaunanimidade: em educação demora um certo tempo paraque uma política implantada comece a apresentar seus re-sultados, mas os efeitos negativos da interrupção das açõesé imediato. Não se está querendo dizer que essas açõesnão devam ser avaliadas periodicamente e, se for o caso,alteradas com base nessas avaliações. Mas mudar o rumode acordo com os caprichos dos dirigentes governamen-tais, apenas para que cada dirigente deixe sua marca, éum erro gravíssimo de conseqüências irreversíveis mui-tas vezes para toda uma geração. Infelizmente, com algu-mas exceções, essa tem sido a prática no caso brasileiro.Nesse sentido, procurou-se nesse artigo não atribuir asvitórias alcançadas até aqui a este ou aquele nível de go-verno. Quem está ganhando é o país que pode hoje visua-lizar um quadro de inserção no novo século com um pou-co mais de otimismo. E essa ressalva torna-se maisimportante quando destacamos o que falta fazer.

Não se pretende aqui abordar todos os aspectos da com-plexa realidade educacional, não só por falta de espaço,mas para não passar a sensação de que é uma tarefa im-possível.

Em primeiro lugar, o analfabetismo é sem dúvida aindauma das evidências do atraso educacional do País, sobre-tudo em comparações internacionais. O Brasil segue exi-bindo uma das taxas de analfabetismo mais elevadas daAmérica Latina, na população com 15 anos ou mais de ida-de. Em números absolutos, são 15,8 milhões de pessoas,sem considerar os analfabetos funcionais cuja contagem émuito mais complexa. Apesar da redução dessas taxasmostradas anteriormente, observa-se ainda uma forte ten-dência de regionalização do analfabetismo e sua concen-tração nas áreas rurais das regiões Norte e Nordeste e naperiferia dos grandes centros urbanos. Embora óbvio, valedestacar que pobreza e analfabetismo caminham juntos. Osesforços de toda a sociedade que temos assistido nos últi-

mos tempos precisam ser redobrados para que se possa,nos próximos cinco anos, eliminar essa chaga.

Em segundo lugar, a distorção série/idade continuasendo um problema grave. Mais da metade (54,3%) dosalunos da quinta série do ensino fundamental estão forada idade. Além disso, há 7 milhões de jovens de 7 a 17anos no ensino básico fora da idade ideal para a série quefreqüentam.10 Outro dado que impressiona: 8,5 milhõesde jovens matriculados no ensino fundamental tinham 15anos ou mais e já deveriam estar no ensino médio. Dosalunos do ensino médio, 3,7 milhões de jovens tinham 18anos ou mais. As ações para melhoria da qualidade daescola precisam ser incentivadas ao lado de um apoiomaciço aos programas de aceleração do aprendizado e doscursos supletivos presenciais ou à distância.

Em terceiro lugar, o país possui ainda 600 mil profes-sores de educação básica sem formação superior, situa-ção que precisará ser alterada até 2007 por exigência daLei de Diretrizes e Bases. Nesse esforço é muito impor-tante o papel das universidades públicas e privadas e abusca de formas efetivas de financiamento dos futurosprofessores do ensino básico no caso das instituições par-ticulares.

E finalmente, em quarto lugar, temos hoje 7,8 milhõesde alunos matriculados no ensino médio e as previsõesindicam que em 2002 serão cerca de dez milhões. Hoje jáhá falta de vagas na rede pública em muitas regiões: aquisim há necessidade de investimentos em construção desalas de aula ou reforma de edificações para acolher essenúmero crescente de jovens. Quanto mais rápido se cor-rigir o fluxo escolar do ensino fundamental, mais dramá-tica será a situação de falta de vagas no ensino médio.Nesse caso, o futuro já chegou.

Conseguiremos dar esse salto para o presente?

NOTAS

1. Refiro-me à trilogia desenvolvida por Castells (1999): A Sociedade em Rede(vol. 1), O Poder da Identidade (vol. 2) e Fim de Milênio (vol. 3).2. A educação básica segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasilei-ra engloba oito séries do ensino fundamental mais três séries do ensino médio.3. A população na faixa de 7 a 14 anos em 1980 era de 23.009.608 (FundaçãoIBGE), os jovens matriculados nas oito séries do ensino fundamental eram22.598.254 (MEC/Inep/Seec) dos quais apenas 18.476.634 tinham entre 7 e 14anos (MEC/Inep/Seec). Como se vê havia 4.121.620 jovens com mais de 14 anosmatriculados no ensino fundamental e 4.532.974 jovens entre 7 e 14 anos forada escola.4. Os dados não incluem a população rural de Rondônia, Acre, Amazonas,Roraima, Pará e Amapá.

5. Um bom exemplo desse fato foi a última campanha eleitoral para Governadorem São Paulo, em que o candidato Paulo Maluf apresentou como plataforma elei-toral a proposta de acabar com a promoção automática e com os ciclos. Incluía

Page 20: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

21

UM SALTO PARA O PRESENTE: A EDUCAÇÃO BÁSICA NO BRASIL

nos seus programas depoimentos de mães, com seus filhos ao lado, dizendo: “Ima-ginem ... este menino não sabe ler nem escrever e passou para a segunda série”.Com esse “estímulo” público dificilmente essa criança irá aprender um dia, poissua auto-estima está sendo precocemente destruída.

6. Sobre os programas de aceleração de aprendizagem promovidos pelo Minis-tério da Educação, pelas secretarias estaduais, municipais e organizações não-governamentais como a Fundação Ayrton Senna (Programa Acelera Brasil), ver:Setúbal (2000).

7. O Programa Alfabetização Solidária, uma parceria entre o Ministério da Edu-cação, o Conselho do Programa Comunidade Solidária, universidades e faculda-des (eram 171 em 1999), empresas (eram 53 em 1999), prefeituras municipais(eram 866 em 1999, atingindo os municípios com os mais altos índices de anal-fabetismo do país, e mais Rio de Janeiro e São Paulo), já tinha alfabetizado entre1995 e 1999 cerca de 800 mil jovens e adultos que estavam, ao sair dos primei-ros seis meses de aprendizagem, aptos a iniciar o supletivo de primeiro grau.8. Para as populações pobres, a merenda escolar ainda é uma das políticas maisimportantes para a manutenção das crianças na escola e para melhorar seu de-sempenho.

9. “A década de 90 marca a virada das mulheres brasileiras, que ultrapassaramos homens em nível de escolarização. A proporção de pessoas analfabetas já ésignificativamente menor entre as mulheres do que entre os homens em todos osgrupos com até 29 anos de idade. As mulheres também superaram os homens emnúmero médio de anos de estudos e, nas salas de aula, reinam absolutas: 85%dos 1,6 milhão de professores da educação básica em todo o país são do sexofeminino. Elas são maioria entre os alunos do ensino médio, do ensino superiore entre os alunos da 5a à 8a série do ensino fundamental. Em 1998, elas somavam56% do total de alunos matriculados no ensino médio e 54% dos alunos do ensi-no superior. De acordo com a última contagem populacional da Fundação Insti-tuto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 1996, a queda do analfabe-

tismo entre os jovens é muito mais acentuada na população feminina. Na faixade 15 a 19 anos, a taxa é de 7,9% para os homens e 4,0% para as mulheres. Napopulação com faixa etária entre 20 e 24, a taxa de analfabetismo é de 8,7% paraos homens e de 5,5% para as mulheres. No grupo com faixa etária entre 25 e 29,a taxa é de 10% para os homens e de 6,4% para as mulheres. Entre a populaçãona faixa entre 30 e 39 anos, o índice de analfabetismo é de 11% para os homense de 9,4% para as mulheres” (MEC, 2000).

10. Há 44 milhões de jovens entre 7 e 17 anos matriculados no ensino básico,enquanto a população nesta faixa etária é de 37 milhões.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CASTELLS, M. A sociedade em rede. São Paulo, Paz e Terra, v.1, 1999.__________ . O poder da identidade. São Paulo, Paz e Terra, v.2, 1999.__________ . Fim de milênio. São Paulo, Paz e Terra, v.3, 1999.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Educação brasileira: políticas e resultados.Brasília, 1999.

__________ . “Indicadores de educação no Brasil”. Boletim. Assessoria de Co-municação Social – MEC, 29 fev. 2000.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS EPESQUISAS EDUCACIONAIS. Desempenho do sistema educacional bra-sileiro: 1994-1999. Brasília, 1999a.

__________ . Censo escolar 1999. Brasília, 1999b.SETÚBAL, M.A. (org.). Revista Em Aberto. Brasília, MEC/Inep, v.17, n.71, jan.

2000.

Page 21: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

22

S

HISTÓRIAS INFANTIS EAQUISIÇÃO DE ESCRITA

egundo o Referencial Curricular Nacional para aEducação Infantil – Documento Introdutório, “asinstituições de educação infantil (pré-escolas) cum-

prem hoje, mais do que nunca, um objetivo primordial naformação de crianças que estejam aptas para viver em umasociedade plural, democrática e em constante mudança(...) Ela deve intervir com intencionalidade educativa demodo eficiente visando a possibilitar uma aprendizagemsignificativa e favorecer um desenvolvimento pleno, deforma a tornar essas crianças cidadãs numa sociedade de-mocrática” (MED/SEF, 1998).

Um dos desafios a enfrentar hoje na educação infantilé o de conseguir adaptar uma prática pedagógica voltadapara atender às necessidades da criança, que, como serávisto, já está vivendo os processos envolvidos na aquisi-ção da linguagem escrita, em todos os seus aspectos. Es-pecificamente em relação à alfabetização, o objetivo a seralcançado não é mais o de “preparação”, desenvolvimen-to de prontidões para o ensino fundamental, como se acre-ditava até então. Atualmente, a alfabetização deixou deser encarada como um momento estanque e passou a sercompreendida como um processo, no qual a pré-escola(educação infantil) tem papel ativo e constitutivo.

Portanto, torna-se necessário estimular cada vez mais ointeresse da criança para que, embora carregado de significa-dos, o aprendizado não se perca no curso do tempo. A criançaaprende se desenvolvendo e se desenvolve aprendendo.

Ao relacionar os aspectos envolvidos na aquisição daescrita com a relevância de oportunidades que a práticade leitura de histórias infantis pode oferecer, pretende-seexpor algumas sugestões práticas que podem ser desen-volvidas no ambiente escolar, de forma a atenuar as res-postas para esse desafio.

APENAS PARA LEMBRAR...

Em uma sociedade que tem somente 6% de criançasna faixa etária de 0 a 6 anos freqüentando as instituiçõesde educação infantil, das quais 37% são provenientes defamílias com renda superior a cinco salários mínimos, apreocupação com a qualidade do ensino oferecido a es-sas crianças, em especial na rede pública, poderia pare-cer secundária, já que não foi possível ainda sequer atin-gir uma camada significativa da população brasileira que,a partir da Constituição de 1988, adquiriu direito legal àeducação em creches e pré-escolas.

Felizmente, a publicação nos últimos anos de diversosestudos vem permitindo que se discuta qual é o papel daeducação infantil no processo de aprendizado da criança,e também qual seria a melhor maneira de fazer valer essepapel em nossa sociedade.

Numa cultura ágrafa, essas preocupações não teriam tan-to sentido, mas nossas crianças, especialmente as oriundasde classes mais baixas, estão inseridas em uma sociedade

Resumo: Atualmente, um dos grandes desafios enfrentados na área da educação infantil é o de conseguir adaptarà sala de aula uma prática pedagógica que atenda às necessidades das crianças que já estão “vivendo” o pro-cesso de aquisição de leitura e escrita.Discutindo sobre esse processo, e também a respeito da relevância do papel que cumpre a literatura infantil,tenta-se atenuar as soluções para a questão, levantando algumas sugestões práticas que se baseiam nas corre-lações encontradas.Palavras-chave: ensino; aprendizagem; literatura infantil; pedagogia.

VERA LUCIA BLANC SIMÕES

Fonoaudióloga, Mestre em Lingüística pela FFLCH-USP

Page 22: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

23

HISTÓRIAS INFANTIS E AQUISIÇÃO DE ESCRITA

letrada que, além das desigualdades e injustiças a que as sub-mete, discrimina quem não é alfabetizado, considerando-oinferior. Portanto, apropriar-se da linguagem escrita pode ofe-recer futuramente a essas crianças maiores possibilidades deinserção social e conquista de autonomia.

Segundo Vygotsky (1991:133), “ensinar a escrita nosanos pré-escolares impõe necessariamente que a escrita sejarelevante à vida (...) que as letras se tornem elementos davida das crianças, da mesma maneira como, por exemplo,a fala. Da mesma forma que as crianças aprendem a falar,elas podem muito bem aprender a ler e a escrever”.

O PAPEL DA LITERATURA INFANTILNA FASE INICIAL DA ESCRITA

Contar histórias a uma criança pequena é uma ativida-de bastante corriqueira, nas mais diversas culturas domundo e em várias situações, tanto no âmbito familiarcomo no escolar. Como se sabe, essa prática vem se re-produzindo através dos tempos de maneira quase intuiti-va. Contudo, alguns estudos já demonstraram o impor-tante papel que as histórias desempenham nos processosde aquisição e desenvolvimento da linguagem humana.

As histórias infantis são utilizadas geralmente pelosadultos interlocutores (sejam pais, professores ou tera-peutas) como forma de entretenimento ou distração; já que,pelo senso comum, freqüentemente a criança sempre de-monstra um interesse especial por elas, seja qual for a clas-se social à qual pertença.

Especificamente em se tratando da aquisição da leitu-ra e da escrita, essas histórias podem oferecer muito maisdo que o universo ficcional que desvelam e a importân-cia cultural que carregam como transmissoras de valoressociais.

Existe uma acentuada diferença entre as histórias con-tadas e as histórias lidas para uma criança, já que a lin-guagem se reveste de qualidade estética quando escrita, eessa diferença já pode ser percebida por ela. Britton (apudKato, 1997:41) já afirmava que, “ao ouvir histórias, a cri-ança vai construindo seu conhecimento da linguagem es-crita, que não se limita ao conhecimento das marcas grá-ficas a produzir ou a interpretar, mas envolve gênero,estrutura textual, funções, formas e recursos lingüísticos.Ouvindo histórias, a criança aprende pela experiência asatisfação que uma história provoca; aprende a estruturada história, passando a ter consideração pela unidade eseqüência do texto; associações convencionais que diri-gem as nossas expectativas ao ouvir histórias; o papel

esperado de um lobo, de um leão, de uma raposa, de umpríncipe; delimitadores iniciais e finais (‘era uma vez... eviveram felizes para sempre’) e estruturas lingüísticas maiselaboradas, típicas da linguagem literária. Aprende pelaexperiência o som de um texto escrito lido em voz alta”.

Essa forma de contato com a linguagem escrita, poroutro lado, também oferece, ainda que subliminarmente,informações sobre um dos papéis funcionais que ela podedesempenhar dentro da comunicação.

Do ponto de vista psicológico, podemos refletir sobreo impacto e a fascinação que as histórias exercem sobre acriança, de qualquer raça, faixa etária ou inserção social,tanto normal quanto portadora de algum distúrbio (de ori-gem física, psíquica ou funcional). As histórias são umdenominador comum a todas as crianças.

Assim, para que uma história realmente prenda a aten-ção da criança, deve entretê-la e despertar sua curiosida-de. Mas, para enriquecer sua vida, deve estimular sua ima-ginação, ajudando-a em seu desenvolvimento intelectual,propiciando-lhe mais clareza em seu universo afetivo, au-xiliando-a a reconhecer, mesmo de forma inconsciente,alguns de seus problemas e oferecendo-lhe perspectivasde soluções, mesmo provisórias.

Muito mais do que um adulto, a criança vive asexperiências do tempo presente, e possui apenas vagasnoções do futuro, mesmo assim de caráter imediato. Por-tanto, suas ansiedades frente a eventuais problemas e an-gústias do cotidiano são supostamente bastante profun-das, e é justamente no enriquecimento de seus recursosinternos para enfrentá-las que as histórias infantis são umbenefício. “É exatamente a mensagem que os contos defada transmitem à criança de forma múltipla: que uma lutacontra dificuldades graves na vida é inevitável, é parteintrínseca da existência humana – mas que, se a pessoanão se intimida mas se defronta de modo firme com asopressões inesperadas e muitas vezes injustas, ela domi-nará todos os obstáculos, e ao fim emergirá vitoriosa”(Bettelheim, 1985). Segundo o autor, que elegeu especi-almente os contos de fada e suas relações benéficas parao desenvolvimento psíquico da criança como objeto deseus estudos, a maioria das histórias tem seu enredo de-senvolvido baseando-se na equação: estabilidade + proble-ma + solução = estabilidade, e trabalha assim uma série deansiedades da criança. Especialmente os contos de fada quetratam de assuntos existenciais, como morte de progeni-tores, perigos, o mal e o bem, etc. Eles colocam dilemasexistenciais de forma simples e categórica, o que possi-bilita à criança experienciar o problema de forma mais

Page 23: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

24

essencial e trabalhar suas angústias com mais nitidez. Eleainda coloca que, “aplicando o modelo psicanalítico dapersonalidade humana, os contos de fada transmitem impor-tantes mensagens à mente consciente, à pré-consciente eà inconsciente, em qualquer nível que esteja funcionandono momento. Lidando com problemas humanos univer-sais, particularmente os que preocupam o pensamento dacriança, estas histórias falam ao ego em germinação eencorajam seu desenvolvimento, enquanto ao mesmo tem-po aliviam as pressões pré-conscientes e inconscientes.À medida que as histórias se desenrolam, dão validade ecorpo às pressões do id, mostrando caminhos parasatisfazê-las que estão de acordo com as requisições doego e do superego” (Bettelheim, 1985).

Tratando também dessa dimensão, segundo Winnicott(apud Postic, 1993:18), todos nós necessitamos de umaárea de ilusão paralela ao mundo real (ou das trocas so-ciais). Esse espaço interno é responsável pela transiçãoentre o consciente e o inconsciente, movimento que ga-rante o equilíbrio do indivíduo. Por suas atividades diá-rias, a criança tem contato com o real, com os outros. Aomesmo tempo, sua imaginação se desenvolve, pois elatoma consciência de seus limites, vive conflitos, experi-menta emoções contraditórias e tem muitas dúvidas quenão consegue esclarecer. Para tentar resolvê-las e domi-nar suas angústias, impulsionada por sua curiosidade, elaprocura sonhar, imaginar. E, se conseguir canalizar essemundo imaginário em ações no mundo real, ela desen-volve a capacidade de criação. Os desenhos, as narrati-vas, enfim, são maneiras de agir para dominar as emoções;as explosões de sonhos e imagens são dirigidas então paraa criação. Portanto, a criança deve conseguir alimentar seuimaginário e expressá-lo. Desenvolver a função simbólica pormeio de textos, imagens e sons é uma forma de sustentá-lo.

SOBRE AQUISIÇÃO DA LEITURA E ESCRITA:ALGUMAS REFLEXÕES E PROPOSIÇÕES

Muito se tem pesquisado e discutido em diversas áreasdo conhecimento sobre o que acontece durante a aquisi-ção e o desenvolvimento da linguagem no ser humano.Os processos envolvidos nesse percurso têm sido obser-vados de diversos pontos de vista, e as discussões a res-peito se multiplicam.

Vygotsky, entre outros estudiosos do assunto, buscan-do compreender a origem e o desenvolvimento dos pro-cessos psicológicos do indivíduo (abordagem genética),postula um enfoque sociointeracionista para a questão, no

qual um organismo não se desenvolve plenamente sem osuporte de outros de sua espécie, o que afirma que todoconhecimento se constrói socialmente. Durante todo opercurso do desenvolvimento das funções psicológicas,culturalmente organizadas, é justamente esse aspecto cul-tural, social, de interação com o outro, que desperta pro-cessos internos desse desenvolvimento. É o contato ativodo indivíduo com o meio, intermediado sempre pelos queo cercam, que faz com que o conhecimento se construa.Especialmente em se tratando da linguagem, o indivíduotem papel constitutivo e construtivo nesse processo (elenão é passivo: percebe, assimila, formula hipóteses, ex-perimenta-as, e em seguida reelabora-as, interagindo como meio). O que lhe proporciona, portanto, modos de per-ceber e organizar o real é justamente o grupo social (ainteração que ele faz com esse grupo). É este que deter-mina um sistema simbólico-lingüístico permeador dessesmodos de representação da realidade. Ainda segundo oautor, o pensamento e a linguagem estão intimamenterelacionados na medida em que o pensamento surge pe-las palavras. A significação é a força motriz para essarelação: não é o conteúdo de uma palavra que se modifi-ca, mas a maneira pela qual a realidade é generalizada erefletida nela. E são exatamente essas construções de sig-nificados que a criança vai desenvolvendo internamente(como uma linguagem interna, seu modelo de produçãodo pensamento) que partem da fala socializada, da falados outros que a cercam.

Foi sobretudo Bakhtin (1992) que, indo mais além,explicitou teoricamente essa posição dialógica sobre anatureza da linguagem. Segundo ele, é o diálogo a unida-de real da língua. Ao observar as situações de diálogoproduzido interativamente, pode-se perceber que a fala é“polifônica”, que existem numerosas vozes atuando: a vozinterna, a voz do outro, a própria voz...; vozes caracteri-zadas pelas convergências e divergências presentes no dis-curso dialógico, que propiciam diversas mudanças de po-sição que o sujeito pode fazer, apreendendo, assim, váriasfacetas da realidade em que vive e representando-a inter-namente de forma mais completa. Essa construção, por-tanto, baseia-se no que ele chamou de uma interação socio-verbal. A linguagem é a expressão e o produto da interaçãosocial de quem fala com quem fala, acrescida do tópicodo discurso.

Para Mayrink-Sabinson (1995), a linguagem seria umaatividade que constitui não somente o sujeito e a alteridadeque descobre exercer, mas também a si própria: “Dessaforma, o processo de aquisição da linguagem oral e escri-

Page 24: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

25

HISTÓRIAS INFANTIS E AQUISIÇÃO DE ESCRITA

ta como parte do mesmo processo geral de constituiçãoda relação entre o sujeito e a linguagem, estabelecida pormeio da dialogia entre sujeitos que se constituem em ou-tros, para seus interlocutores, num movimento contínuo,o qual implica a internalização e tomada da fala do outropelo sujeito, ao mesmo tempo que dela se distancia paratorná-la sua própria.”

Especificamente em relação à linguagem escrita, po-demos pensar, portanto, que a criança, mesmo antes deler e escrever as primeiras letras, já participa ativamentedos processos envolvidos nessa aquisição. Ela percebe,analisa, formula suas hipóteses sobre a leitura e a escritaa que está exposta em seu cotidiano. Seria, então, até ina-dequado imaginar que uma criança em idade pré-escolarnão tenha competência e condições de apreender as di-versas características da comunicação gráfica. SegundoContini (1988), uma criança exposta a um ambiente pro-pício, ou seja, material escrito e pessoas que o manusei-em, incluindo a própria criança, já estaria apreendendoseus usos e funções como forma de comunicação antesmesmo dos dois anos de idade.

Foram os estudos sobre o que seria a psicogênese dalinguagem escrita de Ferreiro e Teberosky (1985) que lan-çaram uma nova luz sobre as tentativas de descrever asetapas pelas quais a criança passa durante o processo daaquisição. Segundo as autoras, a criança, durante o perí-odo de contato com os sinais gráficos, vai evoluindogradativamente. Essa evolução foi caracterizada em qua-tro grandes níveis: pré-silábico, silábico, silábico-alfabé-tico e alfabético.

No nível pré-silábico, observaram a presença de produ-ções gráficas em que não existe correspondência entre agrafia e o som. A criança nessa fase não demonstra preo-cupação em diferenciar critérios para suas produções, quese constróem a partir de traços idênticos, garatujas ougrafismos primitivos. Não se percebe tampouco controleda quantidade de letras utilizadas para representar o que sequer escrever. Portanto, a criança não se utiliza de umapalavra escrita para simbolizar graficamente um objeto.

Também é nessa fase que se observam as ocorrênciasdo realismo nominal, quando conforme Carraher (1986)e Rego (1990), por exemplo, a criança usa muitas letraspara simbolizar objetos grandes e poucas para pequenos,demonstrando assim sua hipótese na qual a representa-ção gráfica de um objeto está diretamente relacionada aum de seus atributos.

Já o nível silábico se delimita quando a criança perce-be que é possível representar graficamente a linguagem

oral. Ela faz então várias tentativas para estabelecer umarelação entre a produção oral e a produção gráfica, entreo som e a grafia. E começa, com essas tentativas, a rela-cionar o que escreve com as sílabas das palavras faladasque deseja representar. Entretanto, com seu conhecimen-to prévio sobre o material escrito, utiliza-se de letras quepodem não representar os respectivos sons. Ela percebenessa fase que pode escrever tudo o que deseja, mesmoque aquilo que expressa graficamente não possa ser deci-frado por outras pessoas. Também nessa fase, pode acei-tar relutante o fato de escrever palavras menores compoucas letras ou ainda pode se usar, ao escrever uma fra-se, uma letra somente para uma palavra inteira.

A criança passa, então, a conviver com esses dois ti-pos de correspondência entre a grafia e o som, adentrandoassim no nível silábico-alfabético. E começa também aexperienciar um conflito, já que é capaz agora de perce-ber que existe uma representação gráfica correspondentea cada som (percebe a relação entre grafema e fonema).Ela vai reformulando sua hipótese anterior, silábica, quelhe parece insuficiente, e vai alternando sua produção entreessa e a alfabética propriamente dita.

Com suas tentativas e reformulações, ela evolui para onível alfabético, que se estabelece mais firmemente so-bre sua percepção da relação entre a grafia e o som. Elajá consegue aceitar que a sílaba é composta de letras quedevem ser representadas distintamente, e se torna capazde perceber outras características da comunicação gráfi-ca, tais como as diferenças entre letras, sílabas, palavrase frases, ainda que ela falhe nessas representações.

Vale a pena ressaltar que, em seus estudos, Ferreiro eTeberosky (1985) encontraram crianças que mostram umaseqüência de três níveis evolutivos; em outras, uma se-qüência apenas de dois níveis – por exemplo, do pré-silá-bico ao silábico, ou do pré-silábico ao silábico alfabéti-co, saltando um nível; ou ainda, em menor número,crianças que passam diretamente do nível pré-silábico aoalfabético.

Para Mayrink-Sabinson (1995), o trabalho desenvol-vido por Ferreiro e colaboradores é centrado em um su-jeito considerado idealizado e universal, e descreve astransformações efetuadas por ele. O sujeito age sobre asinformações que recebe do ambiente e produz a próprialinguagem por meio de esquemas assimilados previamenteconstruídos, deixando de lado uma explicitação teóricasobre o contexto, com o qual os indivíduos agem continua-mente e tem papel mediador e, portanto, constitutivo, emtodo o processo da aquisição da linguagem escrita. A au-

Page 25: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

26

tora desenvolveu um estudo calcado em pesquisas sobreas relações entre mãe e criança pré-escolar durante o pro-cesso de aquisição, no qual enfoca o papel do interlocutoradulto letrado em suas interpretações das produções grá-ficas do sujeito.

Essas interpretações é que atribuem um significado paraas produções da criança – suas representações gráficas(das garatujas às seqüências de letras) –, e assim o adultopassa também por transformações como interlocutor emseus modos de ação. A partir de então, sua fala sobre asproduções apresentadas pela criança também é retoma-da, modificada, enriquecida e transformada por ela e oinverso também ocorre, modificando assim a escrita dacriança. O adulto passa a admitir em suas conclusões quese forma nesse contexto uma verdadeira situação dialógicadurante o processo de aquisição da escrita, já que ointerlocutor e o sujeito vão progredindo e se transformandoreciprocamente.

Assim, podemos dizer que a leitura e a escrita já nãopodem ser encaradas meramente como atos de codificaçãoe decodificação, de identificação de palavras, ou até mes-mo simplesmente como um processo envolvido com osmovimentos oculares e maturação neurofisiológica. Elasenvolvem uma gama de outros processos que propiciama aquisição desse “novo” código pela criança, mas queestá inserida num contexto mais amplo de aquisições delinguagem que perdura até a fase adulta. E é nesse senti-do que aprender a ler e a escrever implica a constanteconstrução de significado dessas atividades.

SUGESTÕES

Alguns estudos, como já evidenciado anteriormente,constataram o sucesso alcançado no processo de alfabeti-zação por crianças que, no ambiente familiar, tiveram umcontato substancial com a literatura infantil. Essas situa-ções oferecidas a elas são rodeadas de um clima rico emafetividade e segurança, que propicia interação com seusinterlocutores adultos de forma bastante natural, com aatenção individualizada que podem receber.

Portanto, o prazer e o conforto que a criança sente emsua casa deve sempre estar presente nas atividades na esco-la. É importante que a criança esteja certa de que pode fazerperguntas e interferir nesses trabalhos, para que se sinta en-corajada a exteriorizar seus pensamentos e emoções. Assim,a linguagem escrita adquire um caráter de maior proximida-de, e os momentos de interação com o educador (interlocutorletrado) e com as outras crianças é garantido. A leitura de

histórias deve deixar de ser meramente uma distração paraevitar a dispersão do grupo. É um momento rico que deveser explorado ao máximo por todos.

É evidente que, em sala de aula, muitas vezes existe ofator agravante do grande número de crianças por pro-fessor. Quanto ao espaço físico, o ambiente deve ser pre-viamente preparado: o mais adequado seria que o educa-dor procurasse encontrar a posição mais natural possívelpara que todas as crianças estivessem unidas, se sentis-sem estimuladas para esse momento, estivessem tranqüi-las e tivessem acesso visual ao livro que está sendo lido –colocando o livro no chão com as crianças em volta dele,ou segurando-o de forma expositiva, de frente para elas,e, se necessário, apontando para as figuras e para o texto.

Reiteramos que é muito importante que o educador fi-que atento para garantir que todas as crianças (até aque-las mais tímidas, que têm vergonha de reclamar) possamvisualizar o livro. As imagens, nessa faixa etária, exer-cem maior fascínio sobre elas, e na prática podemos no-tar a ansiedade que experimentam quando não enxergamo que está sendo lido.

Apesar de ser importante que as histórias sejamvivenciadas pelas crianças, especialmente as mais novas,de diversas maneiras (contar histórias sem ler, representá-las em dramatizações, assisti-las em filmes e projeções,etc.), nos momentos de leitura, o educador deve sempreprocurar ser literal e dar certo caráter interpretativo a sualeitura, usando variações de entonação (inclusive para ca-racterizar a prosódia), de forma clara e agradável. Redu-zir ou modificar o texto escrito, transformando-o em lin-guagem coloquial, priva a criança de experimentar eperceber auditivamente as características que a linguagemescrita carrega (que diferem da linguagem oral). Mesmoque o vocabulário lhes seja desconhecido, encontra-se aíuma boa oportunidade de enriquecê-lo, a partir, sobretu-do, das perguntas que elas podem e devem sempre poderelaborar. Não só as perguntas são importantes, mas o co-nhecimento de mundo que compartilham tem de ser au-mentado. O educador deve procurar agir como elementoincentivador do interesse das crianças pelo enredo, com-portando-se não somente como leitor (mediador) das his-tórias mas, também, demonstrando entusiasmo e curiosi-dade, como mais um ouvinte – participante no mundo doimaginário. Essa postura deve ser reforçada particularmen-te quando escutar as posteriores “leituras” que as criançasfazem das histórias lidas.

Outro critério importante à preparação dessa ativida-de: o da escolha do livro a ser trabalhado. Como o objeti-

Page 26: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

27

HISTÓRIAS INFANTIS E AQUISIÇÃO DE ESCRITA

vo é o de oferecer, pela leitura de histórias, um contatosignificativo das crianças com a linguagem escrita, aoselecionar materiais, o educador deve ter sua atençãovoltada para a qualidade da criação, a estruturação danarrativa e suas adequações à língua materna, procuran-do não perder de vista o interesse manifestado pelas crian-ças. Dessa maneira, é aconselhável que essas atividadesse iniciem por leituras de textos mais curtos (com o cui-dado de não serem simplistas a ponto de perderem a es-trutura narrativa e se limitarem a frases, figuras e pala-vras soltas), que podem e devem, com o decorrer do tempo,se tornar mais complexos. O educador também deve terem mente, ao realizar sua seleção, outros aspectos, alémda aquisição de linguagem, envolvidos no processo de de-senvolvimento: o cognitivo, o afetivo-emocional. Selecio-nar esses textos envolve, antes de tudo, bom senso e cui-dado especial para adequá-los, inclusive, a situaçõesvividas pelas crianças em determinadas épocas, poden-do-se utilizar histórias que estejam de acordo com as ex-periências que elas trazem para a escola (por exemplo,ler uma história de viagens, como Família Robinson, de-pois das férias escolares).

Outra questão a ser tratada diz respeito à freqüênciadessas atividades. A leitura de histórias tem maior eficá-cia conforme sua recorrência aumenta. Crianças nessa fai-xa etária costumam até mesmo solicitar a repetição da lei-tura. A proposta é que ela se incorpore à rotina diária naescola, o que não necessariamente implica textos semprediferentes; “... As crianças que escutam leituras desen-volvem naturalmente um interesse em aprender determi-nadas histórias e em reproduzi-las oralmente como se es-tivessem lendo (...) O grupo termina por estabelecer o seurepertório de histórias favoritas, aquelas com as quais ascrianças mais se identificam e cujas leituras costumamimitar” (Rego, 1990).

O desdobramento da leitura de histórias em outras ati-vidades relacionadas é fundamental na perpetuação dosignificado para a criança.

O educador poderia solicitar, por exemplo, que a crian-ça reproduza oralmente as narrativas lidas por ele. Nessesentido, seria interessante também estimular que a crian-ça “leia” as histórias (leitura de “faz-de-conta”) para seuscolegas. Essas atividades de retomada das histórias po-dem ir se desdobrando, por sua vez, em outras, como de-senhos, dramatizações, etc.

Salientamos aqui que o registro dessas atividades de-correntes da leitura pode ser feito de várias formas, sem-pre com a participação das crianças, seja por escrito (o

que também lhes oferece outra informação sobre os pos-síveis usos da escrita) ou por gravações em áudio e/ouvídeo.

“... A criação não surge do nada. Eis por que defende-mos a necessidade da leitura por parte da professora e oincentivo à reprodução de histórias pelas crianças comoum ponto de partida importante para o surgimento de umasegunda etapa deste processo: o momento da criação. Nadaimpede, porém, que esse momento seja estimulado, pro-pondo-se às crianças que criem seus próprios livros e pro-duzam textos, mesmo que ainda não estejam alfabetiza-das (...) O arquivo dessas produções permitirá tambémacompanhar o desenvolvimento dos esquemas narrativosdas crianças e a incorporação do estilo escrito às suas pro-duções orais” (Rego, 1990). A autora salienta ainda quea criança, em princípio, demonstra em suas reproduçõesorais muito da fala coloquial, e que é necessário certo tem-po para que se observem as características da linguagemescrita em seus discursos. A criança atravessa um perío-do de “hibernação” para que a capacidade de criação denarrativas para textos escritos se desenvolva, refletindoassim os processos construtivos da linguagem.

Para o desenvolvimento de atividades que propiciemà criança incentivo à escrita, um estudo sobre a similari-dade dos sons entre as palavras, estimulando-a em sua per-cepção e discriminação auditiva, e que, no decorrer dotempo, se transforme em associação com a escrita, já podeser iniciado na pré-escola (educação infantil), o que, evi-taria a cisão no processo de alfabetização, em que a fasepré-escolar é considerada apenas preparatória à alfabeti-zação formal do ensino fundamental. Um bom exemplo aser citado seria leituras e jogos com rimas (parlendas,poemas, etc.), nos quais a criança “experimenta” auditi-vamente as semelhanças sonoras, e, em outro momento,representa graficamente essas palavras, ao fazer a rela-ção entre fonemas e grafemas.

CONCLUSÃO

Não há necessidade de esperar pela alfabetização for-mal para que as crianças se envolvam com a leitura dehistórias infantis e a produção de textos. Entretanto, paraque elas se tornem efetivamente leitoras e autoras dos pró-prios textos, faz-se necessário que, em algum momentodo processo de alfabetização, tenham não somente adqui-rido conhecimentos específicos do código alfabético, mastambém (e sobretudo) dos aspectos lingüístico-discursivosem que ele se insere.

Page 27: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

28

Afinal, parafraseando Smolka (1993): “Não se ‘ensi-na’ ou não se ‘aprende’ simplesmente a ler e a escrever.Aprende-se uma forma de linguagem, uma forma de in-teração, uma atividade, um trabalho simbólico.”

NOTA

E-mail da autora: [email protected]

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. E.G.G. Pereira. São Paulo,Martins Fontes, 1992.

BETTELHEIM, B. A psicanálise dos contos de fada. Trad. Arlene Caetano. Riode Janeiro, Paz e Terra, 1985.

CARRAHER ,T.N. (org.). Aprender pensando. Petrópolis, Vozes, 1986.

CONTINI, J. “A concepção do sistema alfabético por crianças em idade pré-escolar”. In: KATO, M.A. (org.). A concepção da escrita pela criança. Cam-pinas, Pontes, 1988.

FERREIRO, E. e TEBEROSKY, A. A psicogênese da língua escrita. Porto Ale-gre, Artes Médicas, 1985.

KATO, M.A.; MOREIRA, N. e TARALLO, F. Estudos em alfabetização. Cam-pinas, Edusf/Pontes, 1997.

MAYRINK-SABINSON, M.L.T. “Um evento singular”. In: ABAURRE M.B.M.Cenas de aquisição da escrita. Campinas, ABL/Mercado das Letras, 1995.

MINISTÉRIO da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamen-tal. “Introdução”. Referencial curricular nacional para educação infantil.Brasília, v.1, MED/SEF, 1998.

POSTIC, M. O imaginário na relação pedagógica. Rio de Janeiro, Jorge ZaharEditor, 1993.

REGO, L.L.B. Literatura infantil: uma nova perspectiva da alfabetização napré-escola. São Paulo, FTD, 1990.

SMOLKA, A.L.B. A criança na fase inicial da escrita: a alfabetização comoprocesso discursivo. São Paulo, Cortez, 1993.

VYGOTSKY, L.S. Pensamento e linguagem. Trad. Jeferson Luiz Camargo. SãoPaulo, Martins Fontes, 1987.

__________ .Formação social da mente. Trad. José Cipolla Neto et alii. SãoPaulo, Martins Fontes, 1991.

Page 28: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

29

APRENDIZAGEM DE JOVENS E ADULTOS: AVALIAÇÃO DA DÉCADA DA EDUCAÇÃO...

E

APRENDIZAGEMDE JOVENS E ADULTOS

avaliação da década da educação para todos

cadores, conteúdos, materiais e métodos) e gestão (polí-ticas públicas, financiamento, legislação e avaliação).Recomenda ainda que a eficácia dos programas seja ava-liada em função de mudanças de comportamento e de seusimpactos na melhoria das condições de saúde, emprego eprodutividade dos indivíduos e grupos.

A complexidade desses indicadores de avaliação re-flete o alargamento que o conceito de formação de adul-tos sofreu no período recente, passando a compreenderuma multiplicidade de processos formais e informais deaprendizagem e educação continuada ao longo da vida.2

Uma avaliação dessa natureza implicaria abranger não sóos programas de educação escolar de jovens e adultos,mas toda uma gama diversa de atividades socioculturais,de formação para a cidadania, de qualificação e atualiza-ção para o trabalho e para a geração de renda, promovi-dos por diferentes órgãos governamentais e não-gover-namentais, incluindo programas preventivos de saúde, deformação política e informação sobre direitos, de promo-ção de jovens, mulheres e idosos, capacitação de conse-lheiros e agentes comunitários, qualificação e atualiza-ção profissional, extensão agrícola, capacitação para o usode recursos informáticos, aprendizagem de línguas estran-geiras, etc. A avaliação de impactos sobre as condiçõesde vida da população, por sua vez, exigiria a realizaçãode surveys de grande porte, combinados a estudos quali-tativos, preferentemente longitudinais, que são raros ou

m 2000 se encerra a década em que países e or-ganismos de cooperação internacional que par-ticiparam da Conferência Mundial de Educação

para Todos (Jontiem, Tailândia: março de 1990) deveriamter realizado esforços conjugados para satisfazer as ne-cessidades básicas de aprendizagem de crianças, jovense adultos. No momento em que redigimos este artigo, aindanão havia se realizado a reunião da Cúpula Mundial deavaliação da década (Dakar, Senegal: abril de 2000), masos encontros nacionais e regionais preparatórios, assimcomo os documentos preliminares, revelam que emboraprogressos tenham sido realizados, as metas formuladasem Jontiem não foram alcançadas em sua totalidade nemsequer pelos nove países sobre os quais a cooperação in-ternacional concentrou esforços prioritários.1

Dentre as metas formuladas em 1990 e que estão sen-do avaliadas em 2000, encontra-se a ampliação dos ser-viços de educação básica e capacitação de pessoas jovense adultas. A metodologia proposta pela Unesco (Organi-zação das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cul-tura) sugere que se analise a ampliação das oportunida-des escolares e extra-escolares para jovens e adultosproporcionadas por múltiplos provedores governamentaise não-governamentais, sua pertinência diante das neces-sidades de aprendizagem dos indivíduos e comunidades,considerando indicadores de eqüidade (territorial, de gê-nero, étnica e geracional), qualidade (formação dos edu-

Resumo: O artigo avalia a satisfação do direito básico da cidadania à alfabetização e ao ensino básico, abor-dando a evolução da educação escolar de jovens e adultos no Brasil na década de 90. Analisa o desempenhodos indicadores de alfabetização, cobertura escolar e eqüidade, critica os limites do financiamento público,revela a tendência à descentralização do atendimento escolar e faz uma apreciação dos programas federais deeducação de jovens e adultos em curso no final da década.Palavras-chave: políticas educacionais; educação de jovens e adultos; acesso à educação.

SÉRGIO HADDAD

Professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,Presidente da Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais e Secretário Executivo de Ação Educativa

MARIA CLARA DI PIERRO

Assessora da Organização Não-Governamental Ação Educativa

Page 29: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

30

não se encontram disponíveis no acervo de pesquisas so-bre educação de jovens e adultos no Brasil.3

Ainda que compartilhemos o conceito amplo de edu-cação de jovens e adultos, não está ao nosso alcance rea-lizar uma avaliação tão complexa e abrangente. No en-tanto, parece prioritário e viável apreciar alguns aspectosda educação escolar de jovens e adultos, não só por serum objeto acessível e mensurável, mas também porqueincide sobre um direito básico da cidadania que é o aces-so à alfabetização e ao ensino básico para todos.

DECLÍNIO DO ANALFABETISMO E EVOLUÇÃODOS NÍVEIS DE ESCOLARIDADE

A expansão de oportunidades educacionais observadano Brasil na segunda metade do século XX propiciou umasignificativa elevação dos patamares de escolaridade dapopulação, em especial do subgrupo feminino, que supe-rou a situação de desvantagem em que se encontrava atéo início da década de 90. Em 1996, entretanto, a escolari-dade média da população brasileira situava-se em tornodos seis anos de estudos (Tabela 1), abaixo do mínimoestabelecido pela Constituição de 1988 como direito uni-versal dos cidadãos, que corresponde aos oito anos doensino fundamental.

Os índices de analfabetismo absoluto, que vinhamregredindo em ritmo lento ao longo do século XX, tive-ram uma queda importante no transcorrer dos anos 90,declinando mais de cinco pontos percentuais entre 1991e 1997 (Tabela 2). Pela primeira vez na história, o analfa-betismo começa a recuar também em números absolutos.Essa aceleração do ritmo de alfabetização não será sufi-ciente, porém, para que o Brasil cumpra em 2000 a metaassumida na Conferência Mundial de Educação para To-dos, de reduzir o analfabetismo à metade dos índices de1990.

Embora o índice médio de analfabetismo absoluto te-nha diminuído, a distribuição do fenômeno no territórionacional continua a ser assimétrica, registrando-se taxasmuito elevadas na região Nordeste e nas zonas rurais detodo o país (Tabela 3).

A desagregação das estatísticas por faixas etárias per-mite verificar que a elevação das taxas de alfabetizaçãoestá diretamente relacionada aos grupos etários mais jo-vens (Tabela 4). Há, pois, evidências de que os progres-sos observados resultam antes da democratização dasoportunidades educacionais na infância e adolescência quedos esforços empreendidos ao longo das últimas décadas

TABELA 1

Evolução do Número Médio de Anos de Estudo, por SexoBrasil – 1960-1996

Anos Homens Mulheres

1960 2,4 1,9

1970 2,6 2,2

1980 3,9 3,5

1990 5,1 4,9

1995 (1) 5,4 5,7

1996 (1) 5,7 6,0

Fonte: Relatório sobre o desenvolvimento humano no Brasil. Ipea/PNUD, 1996.(1) Dados calculados pelo MEC/INEP/Seec com base na Pesquisa Nacional por Amostra deDomicílios – PNAD, exclusive a população rural da região Norte.

TABELA 2

Evolução do Analfabetismo entre Pessoas de 15 Anos ou MaisBrasil – 1900-1997

AnalfabetosAnos Total

Nos Abs. %

1900 9.752.111 6.348.869 65,1

1920 17.557.282 11.401.715 64,9

1940 23.709.769 13.269.381 56,0

1950 30.249.423 15.272.632 50,5

1960 40.278.602 15.964.852 39,6

1970 54.008.604 18.146.977 33,6

1980 73.541.943 18.716.847 25,5

1991 95.837.043 19.233.758 20,1

1997 - - 14,7

Fonte: Fundação IBGE. Censos Demográficos, apud Anuário Estatístico 1995. Pesquisa Na-cional por Amostra de Domicílios – PNAD 1997.

no campo da educação das pessoas adultas. Entretanto,esses mesmos dados oferecem indícios de que os baixosíndices de permanência e progressão no sistema de ensi-no público e seus escassos resultados qualitativos este-jam reproduzindo continuamente um contingente nume-roso de analfabetos funcionais,4 pois apenas um terço dapopulação jovem e adulta concluiu os oito anos de esco-laridade obrigatória e, mesmo entre os adultos jovens, opercentual daqueles que seguiram mais de três anos deestudos continua a ser reduzido. Na faixa etária de 15 a19 anos, por exemplo, dois terços dos jovens não con-cluíram o ensino fundamental e 21,2% deles têm menosde quatro anos de estudos.

Page 30: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

31

APRENDIZAGEM DE JOVENS E ADULTOS: AVALIAÇÃO DA DÉCADA DA EDUCAÇÃO...

Estudos recentes demonstram ser inútil depositar ex-clusivamente na dinâmica demográfica a expectativade superação do analfabetismo, pois o número de anal-fabetos eliminado pela sucessão geracional vem sendoreposto no mesmo ritmo pela exclusão promovida pelosistema educativo sobre as novas gerações (Souza,1999).

O analfabetismo no Brasil não é, pois, apenas um pro-blema residual herdado do passado (suscetível de trata-mento emergencial ou passível de superação mediante asimples sucessão geracional), e sim uma questão complexado presente, que exige políticas públicas consistentes,duradouras e articuladas a outras estratégias de desenvol-vimento econômico, social e cultural.

TABELA 3

População de 15 Anos ou Mais sem Instrução, por Situação de DomicílioBrasil – 1996

Total Urbano Rural

Regiões Sem Instrução Sem Instrução Sem InstruçãoPopulação População População

Nos Abs. % Nos Abs. % Nos Abs. %

Brasil 107.123.186 13.957.975 13,03 85.794.435 8.239.086 9,60 21.328.715 5.718.889 26,81Norte 6.846.024 1.077.373 15,74 4.404.695 479.103 10,88 2.441.329 598.270 24,51

Nordeste 28.768.005 6.815.364 23,69 19.413.139 3.226.940 16,62 9.354.866 3.588.424 38,36

Centro-Oeste 7.123.827 785.800 11,03 6.050.031 571.982 9,45 1.073.796 213.818 19,91

Sudeste 47.836.988 4.006.782 8,38 43.074.402 3.105.504 7,21 4.762.596 901.278 18,92

Sul 16.548.332 1.272.656 7,69 12.852.168 855.557 6,66 3.696.164 417.099 11,28

Fonte: Fundação IBGE.Contagem da população 1996.

TABELA 4

População de 15 Anos ou Mais, por Anos de Estudo, segundo Faixas Etárias e Situação do DomicílioBrasil – 1996

Anos de EstudoFaixas Etárias/Situação do Total Nenhuma Menos de 1 Ano De 1 a 3 Anos De 4 a 7 Anos De 8 a 11 Anos 12 Anos ou MaisDomicílio

Nos Abs. % Nos Abs. % Nos Abs. % Nos Abs. % Nos Abs. % Nos Abs. %

Total 106.623.851 14.018.960 13,1 1.226.355 1,1 19.418.606 18,2 36.085.455 33,8 28.515.093 26,7 7.359.382 6,915 a 19 Anos 16.507.321 618.434 3,7 275.818 1,1 2.716.859 16,4 17.488.217 45,4 5.280.401 32,0 127.589 0,7

20 a 24 Anos 14.295.099 732.412 5,1 96.735 0,7 2.070.332 14,5 5.155.324 36,0 5.259.255 36,8 981.041 6,8

25 a 29 Anos 12.875.554 833.198 6,5 78.110 0,6 1.926.689 15,0 4.496.603 34,9 4.445.857 34,5 1.095.097 8,5

30 a 34 Anos 12.304.342 930.617 7,6 82.942 0,7 1.990.736 16,2 4.102.187 33,3 3.990.193 32,5 1.207.667 9,8

35 a 39 Anos 10.721.075 1.015.622 9,5 89.929 0,8 1.874.474 17,5 3.573.592 33,3 3.029.643 28,2 1.137.815 10,6

40 a 44 Anos 9.178.837 1.133.383 12,3 93.592 1,0 1.800.125 19,6 2.921.535 31,8 2.257.408 24,6 972.794 10,5

45 a 49 Anos 7.405.722 1.261.159 17,0 92.091 1,2 1.638.091 22,1 2.259.993 30,5 1.452.560 19,6 701.828 9,5

50 Anos ou Mais 22.998.082 7.433.875 32,3 383.626 1,7 5.318.741 23,1 5.995.522 26,0 2.743.190 12,0 1.123.128 4,9

Sem Informação 337.819 60.257 17,8 33.512 9,9 82.559 24,4 92.482 27,4 56.586 16,7 12.423 3,7

Urbano 85.334.432 8.268.870 9,7 768.153 0,9 13.025.453 15,3 29.480.704 34,5 26.579.764 31,1 7.211.488 8,4

Rural 21.289.419 5.750.090 27,0 458.182 2,1 6.393.153 30,0 6.604.751 31,0 1.935.329 9,0 147.894 0,7

Fonte: Fundacão IBGE. Contagem da população 1996.

Page 31: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

32

A PRODUÇÃO SOCIAL DO ANALFABETISMOE O COMPORTAMENTO DOS INDICADORESDE EQÜIDADE

Dentre os fatores de produção social do analfabetismomediados pelo sistema escolar, devem ser consideradosprimeiramente o acesso e a permanência na escola durantea infância e adolescência que, ainda hoje, não estão asse-gurados a parcelas expressivas da população, com um di-ferencial negativo para os meninos e rapazes em compa-ração com as meninas e moças (Tabela 5).

Outro fator de exclusão educacional são os elevadosíndices de reprovação, evasão e reingresso no sistemaescolar, que resultam em acentuada defasagem na rela-ção idade/série ideal. Também nesse caso observa-se umdiferencial negativo para os estudantes do sexo masculi-no (Tabela 6).

A renda familiar é a característica social que apresen-ta relação mais intensa com a discriminação no acesso àalfabetização no Brasil, sobredeterminando as diferençasobservadas entre os grupos etários e as populações ruraise urbanas das diferentes regiões do país, enquanto gêne-ro e raça operam como fatores relativamente independen-tes da condição socioeconômica na determinação dasoportunidades educacionais.

Comentando dados do início da década de 90, segun-do os quais a população de rendimento familiar inferior aum quarto do salário mínimo tinha 12 vezes mais proba-bilidade de ser analfabeta que aquela com renda familiarsuperior a dois salários mínimos mensais, duas pesquisa-doras paulistas afirmariam:

“Residir no Nordeste ou Sudeste não afeta as oportu-nidades de ser alfabetizado se o rendimento da pessoa forsuperior a dois salários mínimos; ter 39 anos ou mais tam-bém pouco afeta – entre sulinos e nordestinos – as opor-tunidades de aprender ler e escrever, se os rendimentosforem superiores. Porém, ser pobre nessas regiões afetaem muito as oportunidades de letramento. Assim, paratodas as faixas etárias, os índices de analfabetismo sãopiores nas regiões que concentram um maior número depobres” (Rosemberg e Piza, 1997:125).

As mulheres brasileiras têm hoje, em média, uma pe-quena vantagem nos níveis de escolaridade em relaçãoaos homens, resultado das condições diferenciais de aces-so, permanência e desempenho escolar das novas gera-ções (Tabela 7).

A pertinência aos subgrupos étnico-raciais constituifator de diferenciação no acesso à alfabetização e combi-

TABELA 5

Crianças e Adolescentes que Não Freqüentam Escola,por Sexo, segundo Faixa Etária

Brasil – 1996Em porcentagem

Faixas Etárias Total Homens Mulheres

4 a 6 Anos 44,6 46,4 43,7

7 a 9 Anos 8,6 9,3 7,9

10 a 14 Anos 10,5 11,1 9,9

Fonte: Fundação IBGE. Contagem da população 1996.

TABELA 6

Defasagem entre Idade e Série Escolar na População de 7 a 18 AnosBrasil – 1996

Em porcentagem

Idade Homens Mulheres

7 Anos 14,7 13,0

8 Anos 40,9 35,5

9 Anos 52,3 45,2

10 Anos 60,6 52,9

11 Anos 65,5 57,9

12 Anos 70,9 62,4

13 Anos 74,6 65,8

14 Anos 77,6 68,5

15 Anos 79,8 71,4

16 Anos 81,4 73,2

17 Anos 82,8 75,3

18 Anos 89,8 86,4

Fonte: Fundação IBGE. Contagem da população 1996.

TABELA 7

População de 15 Anos ou Mais, por Sexo, segundo Anos de EstudoBrasil – 1996

Total Homens MulheresAnos de Estudo

Nos Abs. % Nos Abs. % Nos Abs. %

Total 106.623.851 100,0 51.895.384 100,0 54.728.467 100,0

Nenhum 14.018.960 13,1 6.787.310 13,0 7.231.650 13,2

Menos de 1 Ano 1.226.355 1,1 654.873 1,3 571.482 1,0

De 1 a 3 Anos 19.418.606 18,2 9.936.026 19,1 9.482.580 17,3

De 4 a 7 Anos 36.085.455 33,8 17.850.951 34,4 18.234.504 33,3

De 8 a 11 Anos 28.515.093 26,7 13.129.034 25,3 15.386.059 28,1

12 Anos ou Mais 7.359.382 6,9 3.537.190 6,8 3.822.192 7,0

Fonte: Fundação IBGE. Contagem da população 1996.

Page 32: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

33

APRENDIZAGEM DE JOVENS E ADULTOS: AVALIAÇÃO DA DÉCADA DA EDUCAÇÃO...

na-se ao gênero para produzir uma acentuada desvanta-gem nos níveis de escolaridade de indígenas e afrodes-cendentes, especialmente os do sexo feminino (Tabela 8).

Em 1996, quando a escolaridade média da populaçãocom mais de 10 anos era 5,3 anos de estudo, os brancospossuíam 6,2 anos de escolaridade em média, enquantoos negros e pardos tinham, em média, dois anos menosde escolaridade. Em 1997, a taxa média de analfabetismode 14,7% da população com 15 anos ou mais escondia

uma enorme disparidade: enquanto o índice de analfabe-tismo entre os brancos era de 9%, entre os negros e par-dos esse percentual elevava-se para 22,2%.

Assim, é legítimo concluir que as oportunidades edu-cacionais da população jovem e adulta brasileira conti-nuam a ser negativamente afetadas por fatores socioeco-nômicos, espaciais, geracionais, étnicos e de gênero, quecombinam entre si para produzir acentuados desníveiseducativos.

TABELA 8

População de 15 Anos ou Mais, por Sexo e Condição de Alfabetização, segundo CorBrasil – 1991

Total Geral Homens Mulheres

Cor Total Analfabetos Analfabetos AnalfabetosTotal Total

Nos Abs. % Nos Abs. % Nos Abs. % Nos Abs. %

Total 95.810.647 100,0 18.587.459 19 46.652.699 8.925.249 19,1 49.157.948 9.662.210 19,7Branca 51.231.863 53,5 6.091.433 11,9 24.274.044 2.683.707 11,1 26.957.819 3.407.726 12,6

Preta 5.132.592 5,3 1.614.852 31,5 2.601.177 786.258 30,2 2.531.415 828.594 32,7

Parda 38.471.177 40,1 10.708.538 27,8 19.296.795 5.376.706 27,9 19.174.382 5.331.832 27,8

Amarela 485.906 0,5 26.189 5,4 242.739 9.892 4,1 243.167 16.297 6,7

Indígena 171.069 0,2 86.945 50,8 86.763 40.965 47,2 84.306 45.980 54,5

Sem Informação 318.040 0,3 59.502 18,7 151.181 27.721 18,3 166.859 31.781 19,0

Fonte: Fundação IBGE. Censo demográfico 1991.

DIREITOS CONSTITUCIONAISE OUTROS MARCOS LEGAIS

Pela primeira vez na história brasileira, o Art. 208 daConstituição de outubro de 1988 conferiu à populaçãojovem e adulta o direito à educação fundamental, respon-sabilizando os poderes públicos pela oferta universal egratuita desse nível de ensino àqueles que a ele não tive-ram acesso e progressão na infância e adolescência. Notexto original, o Art. 50 das Disposições Transitórias daConstituição de 1988 conferia um prazo de dez anos paraa universalização do ensino fundamental e a erradicaçãodo analfabetismo, período em que as três esferas de go-verno ficavam obrigadas a dedicar a esses objetivos 50%dos recursos públicos vinculados à educação.

A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacio-nal (LDB) tramitou no Congresso por oito anos e foi, fi-nalmente, aprovada no final de 1996. Embora o Art. 4o

da LDB 9.394 tenha reiterado os direitos constitucionais

da população jovem e adulta ao ensino fundamental, aEmenda 14, aprovada quase na mesma data, alterou a re-dação do Art. 208 da Constituição, de modo a desobrigarjovens e adultos da freqüência à escola. Embora não te-nha sido essa a intenção do legislador, tal mudança notexto constitucional deu margem a interpretações quedescaracterizaram o direito público subjetivo, desobrigan-do os poderes públicos da oferta universal de ensino fun-damental gratuito para esse grupo etário.5

A Emenda 14 alterou ainda a redação do Art. 50 dasDisposições Constitucionais Transitórias, substituindo ocompromisso decenal com a erradicação do analfabetis-mo e a universalização do ensino fundamental por ummecanismo de operacionalização do regime de coopera-ção entre as esferas de governo: o Fundo de Manutençãoe Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valoriza-ção do Magistério (Fundef). Esse processo de desconsti-tuição dos direitos educativos consolidou-se no veto pre-sidencial ao inciso II do Art. 2o da Lei no 9.424/96, que

Page 33: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

34

regulamentou a Emenda 14, excluindo as matrículas noensino fundamental de jovens e adultos dos cálculos paraa redistribuição de recursos vinculados entre esferas degoverno através do Fundef. Diante das limitações ao fi-nanciamento decorrente dessa medida, as instânciassubnacionais de governo, às quais cabe a oferta públicade ensino fundamental à população jovem e adulta, fo-ram objetivamente desestimuladas a expandir esse nívele modalidade educativos, o que já em 1998 refletiu-se naredução das matrículas (Tabela 9).

TABELA 9

Evolução da Matrícula Inicial no Ensino Fundamental de Jovens e Adultos,segundo Dependência Administrativa

Brasil – 1995-1998

Dependência1995 1997 1998

Administrativa Nos Abs. % Nos Abs. % Nos Abs. %

Total 2.136.508 100,0 2.210.325 100,0 2.081.750 100,0Federal 285 0,0 844 0,0 561 0,0

Estadual 1.378.098 64,5 1.454.687 65,8 1.316.482 63,2

Municipal 506.600 23,7 582.921 26,4 629.201 30,2

Particular 251.525 11,8 171.873 7,8 135.506 6,5

Fonte: MEC/SEF, 1999.

INDICADORES DE COBERTURAE O PERFIL DA OFERTA DE ENSINO BÁSICO

Os dados censitários do IBGE disponíveis para o anode 1996 informavam que 11% da população brasileira comidade igual ou superior a 15 anos participava de algumamodalidade do ensino básico (Tabela 10).

A maior parte dessa população com 15 anos ou maisque freqüentava o ensino fundamental não o fazia emprogramas de educação de adultos, mas era constituídapor jovens que participavam do ensino fundamental re-gular com algum grau de defasagem na relação idade/sé-rie ideal. Segundo essa fonte, os índices de cobertura dosprogramas de educação de jovens e adultos estavam abaixode 1% da demanda potencial por alfabetização e exatos4% da demanda por ensino fundamental (Tabela 11).

Cotejadas as estatísticas de atendimento produzidaspelo sistema educacional, os índices de cobertura dos pro-gramas especificamente destinados a jovens e adultos(denominados ensino supletivo) situavam-se em torno dos3% da demanda potencial por cada um dos segmentosespecíficos do ensino básico (Tabela 12).

TABELA 10

População com 15 Anos ou Mais que Freqüentaa Escola Básica

Brasil – 1996

População com 15 Anos ou MaisFreqüenta a Escola Básica

Nos Abs. %

Total 107.534.609 100,0Freqüenta Escolas 11.977.753 11,1

Alfabetização 97.815 0,1

Ensino Fundamental 6.863.098 6,4

Ensino Médio 5.016.840 4,6

Fonte: Fundação IBGE. Contagem da população 1996.

TABELA 11

População de 15 Anos ou Mais que Freqüenta a Escola, segundo Anos de Estudo

Brasil – 1996

Anos de Estudo Nos Abs. %

Sem Instrução e Menos de 1 Ano 15.150.760 100,0Alfabetização de Adultos 97.815 0,7

1 a 7 Anos de Estudo 55.324.958 100,0Ensino Fundamental Regular 4.652.773 8,4

Ensino Fundamental de Adultos 2.210.325 4,0

Fonte: Fundação IBGE. Contagem da população 1996; MEC/Inep. Censo escolar 1996.

TABELA 12

População com 15 Anos ou Mais, segundo Anos de Estudoe Freqüência ao Ensino Supletivo

Brasil – 1996-1997

Anos de Estudo Nos Abs. %

População com 15 Anos ou Mais com

Escolaridade Básica Incompleta – 1996 (A) Sem Instrução a 3 Anos 34.663.152 39,77

4 a 7 Anos de Estudo 97.815 0,65

8 a 10 Anos 16.407.639 18,83Matrícula Inicial em Cursos de Educação

Básica de Jovens e Adultos por Nível – 1997 (B) (B/A)

Alfabetização e 1ª a 4ª Séries 1.043.188 3,01 5ª a 8ª Séries 1.311.253 3,63

Ensino Médio 390.925 2,38

Fonte: Fundação IBGE. Contagem da População 1996; MEC/Inep. Sinopse Estatística daEducação Básica. Censo escolar 1997.

Page 34: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

35

APRENDIZAGEM DE JOVENS E ADULTOS: AVALIAÇÃO DA DÉCADA DA EDUCAÇÃO...

O atendimento encontrava-se altamente urbanizado, poistinha reduzida incidência sobre o analfabetismo e os baixosníveis de escolarização da população rural. A distribuiçãoregional das matrículas não mantinha correspondência coma demanda potencial, refletindo antes a capacidade instala-da dos sistemas de ensino em financiar programas e provervagas (Tabelas 3, 13 e 14). A região Nordeste, por exemplo,onde viviam 48,83% dos analfabetos do país em 1996, re-gistrava apenas 27,86% das matrículas no ensino fundamentalde jovens e adultos de 1997.

Os 2,8 milhões de estudantes da educação de jovens eadultos (aí incluídas as matrículas no ensino profissiona-lizante) representavam, em 1997, 5,85% do alunado doensino básico brasileiro; 2,2 milhões deles estavam ma-triculados no ensino fundamental e 65,8% nas redes esta-duais de ensino.

Embora as redes estaduais ainda hoje concentrem amaior parte das matrículas no ensino supletivo, pode-sereconhecer uma clara tendência à municipalização doensino fundamental (Tabela 9), confirmada pela evolu-ção do número de funções docentes e estabelecimentosque oferecem educação de jovens e adultos (Tabela 16).

Há um claro predomínio de adolescentes no alunado:um terço dos estudantes matriculados em cursos de edu-cação de jovens e adultos em 1998 tinham menos de 18anos (Tabela 17), muitos dos quais nem sequer apresen-tavam defasagem na relação idade/série ideal para freqüen-tar o ensino regular (Tabela 18), o que indica que a edu-cação de jovens e adultos está cumprindo a função deinserir no sistema escolar jovens excluídos do ensino re-gular e acelerar os estudos daqueles cuja progressão foitruncada por sucessivas reprovações ou abandonos.

TABELA 13Matrícula Inicial no Ensino Fundamental Supletivo,

por Situação do DomicílioBrasil – 1997

Total Rural UrbanoRegiões

Nos Abs. % Nos Abs. % Nos Abs. %

Brasil 2.354.441 100,00 107.956 4,59 2.246.485 95,41Norte 298.977 12,70 18.376 6,15 280.601 93,85

Nordeste 655.867 27,86 55.721 8,50 600.146 91,50

Centro-Oeste 151.948 6,45 5.205 3,43 146.743 96,57

Sudeste 938.568 39,86 23.422 2,50 915.146 97,50

Sul 309.081 13,13 5.232 1,69 303.849 98,31

Fonte: MEC/Inep/Seec.

TABELA 14

Distribuição dos AnalfabetosBrasil – 1996

Em porcentagem

RegiõesDistribuição de Analfabetos

sobre o Total Nacional

Brasil 100,00

Norte 7,71

Nordeste 48,83

Centro-Oeste 5,63

Sudeste 28,70

Sul 9,12

Fonte: MEC/Inep/Seec.

TABELA 15Matrículas no Ensino Básico, segundo Dependência Administrativa

Brasil – 1997

Matrículas no Ensino Básico

DependênciaTotal

Educação de JovensAdministrativa e Adultos

Nos Abs. % Nos Abs. %

Total 49.235.117 100,00 2.881.770 5,85

Federal 166.955 0,34 1.609 0,05

Estadual 25.368.006 51,50 1.808.161 62,70

Municipal 17.106.588 34,70 683.078 23,70

Particular 6.593.578 13,40 388.922 13,50

Fonte: MEC/Inep. Censo escolar 1997.

Page 35: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

36

O GASTO PÚBLICOCOM A EDUCAÇÃO BÁSICA

Os dados sobre o financiamento e o gasto público daeducação, especialmente os que se referem aos governossubnacionais, são de difícil acesso. Um esforço de coletae compatibilização vem sendo desenvolvido pelo Ipea paraalguns anos da década de 90 (Fernandes et alii, 1998aeb).Segundo essa fonte e metodologia, as despesas efetuadas

pelas três esferas de governo na educação de jovens eadultos oscilaram de 0,3% a 0,5% do gasto total com edu-cação entre os anos de 1994 e 1996. Nesses três anos, aeducação de jovens e adultos foi o nível ou a modalidadede ensino que recebeu o menor percentual de recursos, oque revela sua marginalidade na hierarquia das priorida-des da política educacional. Os estados responderam pormais de dois terços das despesas efetuadas com educaçãode jovens e adultos e os municípios por quase um quarto

TABELA 16Evolução da Educação de Jovens e Adultos, por Dependência Administrativa e Funções Docentes

Brasil – 1986-1998Em porcentagem

Dependência Administrativa Funções DocentesAnos

Federal Estadual Municipal Particular Federal Estadual Municipal Particular

1986 1,4 69,6 15,1 13,9 0,8 63,4 7,2 28,71987 1,3 67,4 17,3 14 0,8 63,8 7,8 27,61995 0,1 62,8 25,2 12 0,1 59,6 19,4 20,91997 0,1 51,4 36,1 12,4 0,1 55,4 22,8 21,81998 0,1 43,6 44,1 12,2 0,1 54,8 24,8 20,3

Fonte: MEC/Inep/Seec.

TABELA 17Matrícula Inicial em Educação de Jovens e Adultos, por Faixa Etária

Brasil – 1998

Total 7 a 14 Anos 15 a 18 Anos Mais de 18 AnosRegiões

Nos Abs. % Nos Abs. % Nos Abs. % Nos Abs. %

Brasil 2.881.231 100,0 134.088 4,6 818.188 28,4 1.928.955 66,9Norte 364.606 12,6 20.315 5,5 134.138 36,7 210.153 57,6Nordeste 598.354 20,7 48.419 8,1 204.893 34,2 345.042 57,7Sudeste 1.150.719 39,9 35.175 3,1 292.581 25,4 822.963 71,5Sul 515.254 17,9 18.778 3,6 123.142 23,9 373.334 72,5Centro-Oeste 252.298 8,7 11.401 4,5 63.434 25,1 177.463 70,3

Fonte: MEC/Inep/Seec. Sinopse estatística da educação básica. Censo escolar 1998.Nota: Inclui matrículas em cursos presenciais com avaliação no processo de alfabetização, ensino fundamental, médio e profissionalizante.

TABELA 18Matrículas no Ensino de Jovens e Adultos, por Faixa Etária, segundo Nível de Escolarização

Brasil – 1998

Total 7 a 14 Anos 15 a 18 Anos Mais de 18 AnosNível de Escolarização

Nos Abs. % Nos Abs. % Nos Abs. % Nos Abs. %

Total (1) 2.881.231 100,0 134.088 4,6 818.188 28,4 1.928.955 66,9Alfabetização 147.006 100,0 12.189 8,3 35.635 24,2 99.182 67,41ª a 4ª Séries 783.591 100,0 61.605 7,8 265.744 33,9 456.242 58,25ª a 8ª Séries 1.298.119 100,0 43.632 3,3 426.585 32,8 827.902 63,8Ensino Médio 516.965 100,0 9.475 1,8 57.553 11,1 449.937 87,0

Fonte: MEC/Inep/Seec. Censo escolar 1998.(1) Inclui alunos de cursos de aprendizagem e qualificação profissional.

Page 36: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

37

APRENDIZAGEM DE JOVENS E ADULTOS: AVALIAÇÃO DA DÉCADA DA EDUCAÇÃO...

dos gastos, uma proporção que corresponde aproximada-mente às respectivas participações nas matrículas. A con-tribuição da União para o financiamento do ensino supleti-vo nesses anos foi modesta, situando-se pouco acima de 4%da despesa realizada pelo setor público em seu conjunto.

Os dados recentes sobre a execução orçamentária dogoverno federal revelam uma tendência sutil de cresci-mento do gasto com educação de jovens e adultos, embo-ra o setor continue a perceber a menor parcela do gastorealizado com todos os níveis e modalidades de ensino(Tabela 19).

A maior parcela dos recursos federais provém da cotafederal do Salário Educação e destina-se a transferênciasvoluntárias da União para os estados e municípios medianteconvênios firmados com o Fundo Nacional para o Desen-volvimento da Educação (FNDE). Os valores conveniadostêm sido muito inferiores aos demandados e, inclusive, aosorçados, revelando que esse sistema de transferências temum baixo grau de eficiência (Tabela 20).

PROGRAMAS FEDERAIS DE FORMAÇÃODE PESSOAS ADULTAS

Embora não possua rede própria de escolas de ensinofundamental, o governo federal detém meios para indu-zir ações dos governos subnacionais e da sociedade civil,ou impulsionar programas próprios de educação de pes-soas adultas. Na década de 90, observou-se um processo

TABELA 19

Execução das Despesas Federais em Educação, segundo ProgramasBrasil – 1995-97

1995 1996 1997 % sobre Total % do PIB (2)Programas

(1) (1) (1) 1995 1996 1997 1995 1996 1997

Total 9.827.460 8.961.724 9.121.381 100,00 100,00 100,00 1,45 1,29 1,27Educação 0 a 6 Anos 244.425 240.347 235.311 2,98 3,15 3,11 0,04 0,03 0,03Ensino Fundamental 2.579.478 2.593.328 2.734.135 31,46 33,96 36,14 0,38 0,37 0,38Ensino Médio 570.036 458.313 433.461 6,95 6,00 5,73 0,08 0,07 0,06Ensino Superior 4.694.436 4.220.443 4.027.490 57,25 55,27 53,23 0,69 0,61 0,56Ensino Supletivo 14.229 21.314 23.728 0,17 0,28 0,31 - - -Educação Física e Desportos 59.162 47.982 79.633 0,72 0,63 1,05 0,01 0,01 0,01Assistência a Educandos 27.061 20.279 0 0,33 0,27 0,00 - - -Educação Especial 10.835 33.808 32.145 0,13 0,44 0,42 - - -Administração e Outros 1.627.798 1.325.910 1.555.479 16,56 14,80 17,05 0,24 0,19 0,22

Fonte: Ministério da Fazenda/Siafi.(1) Em R$ mil de 1995.(2) Os valores do Produto Interno Bruto (PIB) e fatores de conversão utilizados nesta série seguem os indicadores do Instituto de Economia do Setor Público (1998): 1995 = R$ 677,5 bilhões; 1996 =R$ 696,5 bilhões; 1997 = R$ 717,3 bilhões.

TABELA 20

Transferências Federais para Educação de Jovens e AdultosBrasil – 1995-98

Recursos 1995 1996 1997 1998

Demandados (Em R$) 15.959.079 72.284.364 56.175.666 -Orçados (Em R$) 17.760.000 36.000.000 45.000.000 53.700.000Conveniados (Em R$) 10.787.601 25.106.364 33.478.350 30.492.981Execução (%) 60,74 69,74 74,39 56,78

Fonte: MEC/SEF. FNDE, 1999.

surpreendente, pelo qual o Ministério da Educação reti-rou-se da oferta direta de serviços de educação básica dejovens e adultos,6 enquanto outros ministérios e organis-mos federais ingressaram nesse campo. São três os pro-gramas federais implementados a partir de 1995: o PlanoNacional de Formação do Trabalhador (Planfor), coorde-nado pela Secretaria de Formação e DesenvolvimentoProfissional do Ministério do Trabalho (Sefor/MTb), ini-ciado em 1996; o Programa Alfabetização Solidária (PAS),coordenado pelo Conselho da Comunidade Solidária, vin-culado à Presidência da República, implementado a par-tir de 1997; e o Programa Nacional de Educação na Re-forma Agrária (Pronera), coordenado pelo InstitutoNacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), vin-culado ao Ministério Extraordinário da Política Fundiária(MEPF), que iniciou suas operações a partir de 1998.

Page 37: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

38

A Secretaria de Formação do Ministério do Trabalhoaplicou, no quadriênio 1995/1998, recursos de aproxi-madamente R$ 1 bilhão do Fundo de Amparo ao Tra-balhador (FAT) no Planfor, que atingiu 3.800 municí-pios e 5,6 milhões de trabalhadores. O programa édescentralizado nos estados e implementado em par-ceria com toda sorte de agentes de formação profissio-nal (empresas, sindicatos patronais e de trabalhadores,universidades, escolas técnicas, organizações não-go-vernamentais, etc.). Embora o modelo gerencial nãofavoreça o desenvolvimento de cursos de longa dura-ção e o grau de articulação dos organismos de forma-ção profissional com os sistemas de ensino básico sejareduzido, o Planfor dispõe de um volume substancialde recursos que potencializam iniciativas de educaçãobásica de jovens e adultos, articuladas a oportunidadesde formação profissional. Prevalecem cursos rápidos –com 102 horas de duração média – de qualificação eatualização profissional, mas o programa incorpora umcomponente de formação em habilidades básicas (lei-tura, escrita, cálculo, etc.) pelo qual passaram 2,9 mi-lhões de trabalhadores e desempregados no período1995/1998. O plano confere prioridade de atendimen-to às populações que são discriminadas no acesso à qua-lificação e ao mercado de trabalho por fatores de ida-de, sexo, pertinência étnico-racial, escolaridade, etc. Operfil dos cursistas do Planfor é coerente com essa di-retriz, exceto no que diz respeito à população com bai-xa escolaridade, que está sub-representada no públicoatendido (Tabela 21).

O Conselho da Comunidade Solidária, organismo vin-culado à Presidência da República, desenvolve desde 1996o Programa Alfabetização Solidária (PAS), promovido emparceria entre o Ministério da Educação, empresas, uni-versidades e municípios. O PAS consiste em uma campa-nha de alfabetização inicial desenvolvida em apenas umsemestre, dirigida aos municípios mais pobres que apre-sentam os índices mais elevados de analfabetismo na fai-xa etária de 15 a 19 anos. O Ministério fornece materiaisdidático-pedagógicos e alimentação escolar; os municí-pios mobilizam alfabetizadores, alfabetizandos e espaçospara instalação de salas de aula improvisadas; as univer-sidades realizam a coordenação e orientação pedagógicae capacitam os monitores; as empresas cobrem os custosoperacionais das universidades e remuneram os educa-dores. Ao final de 1999 o PAS havia chegado a 866 mu-nicípios, envolvendo 60 empresas e 180 universidadespúblicas e privadas. Sua coordenação afirmava terem sidoquase 39 mil os alfabetizadores formados e 776 milalfabetizandos, dos quais apenas um quinto podia ler eescrever pequenos textos ao concluir o curso. O Progra-ma Alfabetização Solidária padece de algumas das conhe-cidas limitações das campanhas de alfabetização de jo-vens e adultos: maneja um conceito de alfabetizaçãoestreito e não assegura continuidade de estudos ou opor-tunidades de consolidação das aprendizagens realizadas;recorre em parte a educadores leigos; e não incide sobreos fatores socioeconômicos e culturais que geram e re-produzem o analfabetismo.

O Ministério Extraordinário da Política Fundiária deuinício com recursos próprios em 1998 ao Programa Nacio-nal de Educação na Reforma Agrária, elegendo como prio-ridade a alfabetização dos trabalhadores rurais assenta-dos, em cursos com um ano de duração. O Pronera édesenvolvido em parceria e co-gerido por um conselhoque reúne agentes governamentais, universidades, igre-jas, sindicatos e organizações da sociedade civil, inclusi-ve o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.Uma característica singular ao Pronera é que, simultanea-mente à alfabetização dos trabalhadores rurais assenta-dos, o programa proporciona a escolarização supletiva dosmonitores no ensino básico e, em alguns casos, tambémsua formação para o magistério nos níveis médio e supe-rior. A meta inicial do Pronera para o primeiro ano eraalfabetizar cem mil trabalhadores rurais assentados, masos escassos recursos alocados no programa naquele anosó permitiram contemplar 7% dessa meta; já em 1999 foipossível alcançar 55 mil alfabetizandos.

TABELA 21

Perfil da População Economicamente Ativa (PEA)e dos Treinandos do Planfor

Brasil – 1996-98Em porcentagem

PEATreinandos do Planfor

Grupos1996

1996 1997 1998

Trabalhadores Rurais 24,0 25,0 30,0 26,0

Mulheres 40,0 49,0 52,0 50,0

Jovens de 14 a 21 Anos 25,0 37,0 30,0 32,0

Negros/Pardos 43,0 43,0 44,0 45,0

Escolaridade Inferior ao

Ensino Fundamental 63,0 34,0 47,0 43,0

Fonte: MTb/Sefor. Avaliação gerencial 1995/98.

Page 38: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

39

APRENDIZAGEM DE JOVENS E ADULTOS: AVALIAÇÃO DA DÉCADA DA EDUCAÇÃO...

CONCLUSÕES

Ao longo da década de Educação para Todos, não hou-ve uma ampliação significativa das oportunidades edu-cacionais para a população brasileira jovem e adulta e,conseqüentemente, o país não conseguirá atingir ao finaldo milênio a meta de redução dos índices de analfabetis-mo à metade daqueles vigentes em 1990. Os avanços ob-tidos no campo da alfabetização durante a década nãoresultaram dos esforços empreendidos na educação dejovens e adultos, e sim da combinação do perfil etário eda dinâmica demográfica à melhoria das condições deacesso das novas gerações ao ensino fundamental.

O analfabetismo funcional apresenta-se como um fe-nômeno extenso, difundido em todas as faixas etárias (in-clusive entre os jovens), uma vez que a escolaridade mé-dia da população e os níveis de aprendizagem alcançadossituam-se abaixo dos mínimos socialmente necessáriospara que as pessoas mantenham e desenvolvam as com-petências características do alfabetismo.

Fenômeno novo, acentuado na década de 90, é a pre-sença significativa de adolescentes nos programas deescolarização antes dirigidos aos adultos. São jovensegressos do ensino regular, com dificuldades na sua es-colarização, que acabam por criar novas demandas paraa educação de jovens e adultos, tanto sob o ponto devista das políticas educacionais, quanto dos desafiospedagógicos.

A inserção marginal da educação de jovens e adultosna reforma educacional em curso no país faz com que acobertura escolar para essa faixa etária continue a serextremamente deficitária e ineqüitativa, considerados oscritérios territorial, de renda, de gênero, de etnia ou degeração. A tendência à descentralização do atendimentoem direção aos municípios pode ser interrompida pelaslimitações ao financiamento decorrentes da implantaçãode Fundef. Se persistirem as atuais condições do finan-ciamento público, francamente insuficiente, não poderãoser vislumbradas as perspectivas de ampliação dos níveisde atendimento escolar e, portanto, será impossível cum-prir as metas do Plano Nacional de Educação.

Embora o marco legal vigente assegure o direito uni-versal à educação fundamental em qualquer idade, aspolíticas públicas em curso tendem a deslocar a escolari-zação de jovens e adultos para o terreno dos programasassistenciais que visam atenuar os efeitos perversos daexclusão social. Nesse deslocamento, a responsabilidadepública pela oferta da educação básica à população jo-

vem e adulta vem sendo progressivamente transferida doaparato governamental para a sociedade civil, especial-mente por meio de estratégias de convênio com as maisvariadas organizações sociais.

NOTAS

1. Constituído em 1993, esse grupo – conhecido como EFA 9 – reúne os paísesque possuem o maior contingente de analfabetos do globo: Bangladesh, Brasil,China, Egito, Índia, Indonésia, México, Nigéria e Paquistão.2. Esse alargamento conceitual consolidou-se na V Conferência Internacionalde Educação de Adultos (Hamburgo, 1997), em que foi formulada a seguintedefinição: “Por educação de adultos entende-se o conjunto de processos de apren-dizagem, formais ou não-formais, graças aos quais as pessoas cujo entorno so-cial considera adultos desenvolvem suas capacidades, enriquecem seus conheci-mentos e melhoram suas competências técnicas ou profissionais ou as reorientama fim de atender suas próprias necessidades e as da sociedade. A educação deadultos compreende a educação formal e permanente, a educação não-formal etoda a gama de oportunidades de educação informal e ocasional existentes emuma sociedade educativa e multicultural, na qual se reconhecem os enfoquesteórico e baseados na prática” (Artigo 3o da Declaração de Hamburgo sobre Edu-cação de Adultos).3. Dois estudos recentes tratam dos impactos do alfabetismo sobre certas esferasde comportamento dos indivíduos (Ribeiro, 1999) e da escolarização sobre oacesso ao emprego e à renda (Letelier, 1999), porém referem-se, respectivamen-te, a populações da Capital e da Região Metropolitana de São Paulo, e suas con-clusões não são generalizáveis para o país em seu conjunto.4. Embora advirta que a escolarização formal não seja fator exclusivo para de-terminar os níveis de alfabetismo das pessoas jovens e adultas, um estudo reali-zado na cidade de São Paulo observa que certos mínimos de escolaridade – si-tuados em torno do ensino fundamental completo – constituem as bases necessá-rias para que os indivíduos tenham acesso a empregos e incorporem à vida coti-diana práticas sociais que favoreçam o exercício da leitura, da escrita e do cálcu-lo, o interesse pelos debates públicos, a fruição do lazer e dos bens culturais, abusca de informação e de oportunidades de formação continuada, aos quais vin-culam-se a manutenção e o desenvolvimento das competências característicasdo alfabetismo (Haddad, 1997b).5. No início de 2000 a Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional deEducação deu início à discussão de diretrizes para a educação de jovens e adul-tos. A minuta de Parecer e Resolução apresentada a discussão pelo relator inter-preta que a Emenda 14 não afeta o direito público subjetivo de jovens e adultosao ensino fundamental gratuito, sendo responsabilidade do poder público ofertá-lo com qualidade a todos que aspirem se escolarizar.6. Em março de 1990, imediatamente após a posse, o presidente Fernando Collorde Mello extinguiu a Fundação Educar, que foi o último programa de educaçãobásica de jovens e adultos coordenado pelo Ministério da Educação.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. MEC. INEP. Sinopse estatística da educação básica: censo escolar1997. Brasília, 1998.

BRASIL. MEC. INEP. SEEC. Sinopse estatística da educação básica: censoescolar 1998. Brasília, 1999.

BRASIL. MEC. SEF. Apoio financeiro à educação de jovens e adultos: relató-rio 95/98. Brasília, 1999, 31p.

DI PIERRO, M.C. As políticas públicas de educação básica de jovens e adultos noBrasil do período 1985/1999. Tese de doutoramento. São Paulo, PUC, 2000.

FERNANDES, M.A. da C. et alii. Dimensionamento e acompanhamento do gastosocial federal. Brasília, Ipea, 1998a (Textos para Discussão, n.547).

__________ . Gasto social das três esferas de governo – 1995. Brasília, Ipea,1998b (Textos para Discussão, n.598).

HADDAD, S. “A educação de jovens e adultos e a nova LDB”. In: BRZEZINSKI,I. (org.). LDB interpretada: diversos olhares se entrecruzam. São Paulo,Cortez, 1997a, p.106-122.

Page 39: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

40

__________ . (coord.). Alfabetismo funcional na cidade de São Paulo. São Pau-lo, Ação Educativa, ago. 1997b, 285p. e anexos.

LETELIER, M.E.G. Escolaridade e inserção no mercado de trabalho: um estu-do comparativo entre a Grande São Paulo (Brasil) e a Grande Santiago(Chile). Tese de doutoramento. São Paulo, PUC, 1999.

RIBEIRO, V.M.M. Alfabetismo e atitudes: pesquisa com jovens e adultos. Cam-pinas, Papirus/São Paulo, Ação Educativa, 1999.

ROSEMBERG, F. “Subordinação de gênero e alfabetização no Brasil”. In: Alfabetiza-ção: passado, presente, futuro. São Paulo, FDE, 1993, p.125-148 (Idéias, 19).

ROSEMBERG, F. e PIZA, E. “Analfabetismo, gênero e raça no Brasil”. In:BÓGUS, L. e PAULINO, Y. (orgs.). Políticas de emprego, políticas depopulação e direitos sociais. São Paulo, Educ, 1997, p.115-142.

SOUZA, M.M.C. O analfabetismo no Brasil sob o enfoque demográfico. Brasília,Ipea, 1999 (Textos para Discussão, n.639).

UNESCO. CONFINTEA V. Declaración de Hamburgo sobre la educación deadultos y plan de acción para el futuro. Hamburgo, UIE/Unesco, 1997, 26p.Resoluciones de la V Conferencia Internacional sobre Educación de Adul-tos. Hamburgo, 14-18 de julio de 1997.

Page 40: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

41

O ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO NOS ANOS 90

O

O ENSINO SUPERIOR BRASILEIRONOS ANOS 90

objetivo deste artigo é apresentar e discutir de-terminados aspectos referentes ao sistema de en-sino superior brasileiro nos últimos dez anos,

CARLOS BENEDITO MARTINS

Professor do Departamento de Sociologia e Diretor-Científico do Núcleo de Estudos sobre Ensino Superior da Universidade de Brasília

particularmente no que diz respeito ao seu crescimento eao seu processo de diferenciação institucional. Para com-por um breve quadro morfológico, serão apresentados oconjunto de informações sobre o número de instituiçõesque o integram, o volume de matrículas de alunos que ofreqüentam, a titulação dos docentes, etc. Esse trabalhoparte do pressuposto que esse subsistema educacional vaiocupar uma posição fundamental na dinâmica dos pro-cessos de inovação tecnológica, de produção e difusão daciência e da cultura, assim como desempenhar um papelestratégico no desenvolvimento socioeconômico do país.Ele é nesse sentido, uma peça-chave na tarefa de qualifi-car os recursos humanos para a modernização da socie-dade brasileira e um fator relevante na melhoria dos ensi-nos fundamental e médio do sistema educacional do país.

Os dados que serão apresentados ao longo deste artigoindicam que o ensino superior no país passou por um acen-tuado crescimento quantitativo nas últimas três décadas,caracterizado pelo aumento do número de instituições, dematrículas, de cursos, de funções docentes, etc. Após ex-perimentar um forte impulso expansionista durante os anos70, na década seguinte passou por um período de francoarrefecimento, chegando quase a uma situação de estag-nação do número de matrículas na graduação. Durante os

anos 90 o ensino superior deu mostras de recuperação nasua capacidade de crescer aceleradamente: nos últimos qua-tro anos a matrícula nos cursos de graduação apresentou umataxa de expansão anual de 7% em média.

Por outro lado, na dinâmica desse processo de expan-são do ensino de terceiro grau, produziu-se um complexoe diversificado sistema de instituições. O hábito intelec-tualizado de parte considerável da comunidade acadêmi-ca nacional de eleger uma imaginária universidade brasi-leira como objeto legítimo de reflexão e forma de se referirà totalidade do ensino superior no país tem contribuídopara desviar a atenção de um dos aspectos mais significa-tivos do processo de sua expansão: o fenômeno dosurgimento de uma multiplicidade de tipos de estabeleci-mentos acadêmicos com formatos institucionais, vocaçõese práticas acadêmicas bastante diferenciadas.

Em vez de se adotar uma perspectiva que privilegie ainstituição universitária como ponto principal de atenção– o que acaba transformando uma manifestação particu-lar em expressão do geral –, considera-se mais apropria-do, do ponto de vista analítico, analisar a situação do en-sino superior brasileiro atual a partir da noção de campo,1

no interior do qual as universidades e os demais tipos deinstituições que o estruturam, como os estabelecimentosisolados, as federações de escolas2 e as faculdades inte-gradas, visam a ocupar posições específicas na hierarquiadesse espaço social. Essa postura, acredita-se, possibilita

Resumo: Este artigo procura apresentar e discutir determinados aspectos morfológicos que constituem o ensi-no superior brasileiro em sua fase contemporânea e salientar que nos últimos 30 anos formou-se no país umcomplexo campo acadêmico. Destaca também os processos de crescimento quantitativo e de diferenciaçãoinstitucional que fizeram parte da reestruturação do campo do ensino superior brasileiro. O artigo procuraevidenciar um dos desafios centrais para o ensino superior brasileiro nos dias atuais: a formulação de umapolítica voltada para a totalidade do sistema, capaz de dialogar com os diferentes formatos e vocações acadê-micas das instituições que o integram.Palavras-chave: educação no Brasil; ensino superior; pós-graduação.

Page 41: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

42

orientar a reflexão para a grande diferenciação institucio-nal que se encontra subjacente na estruturação desse cam-po específico.

Seria oportuno assinalar que os diversos sistemas deeducação superior, existentes em países que ocupamuma posição destacada no processo de desenvolvimentosocioeconômico, apresentam uma forte diversidadeinstitucional e desempenham uma pluralidade de fun-ções na formação acadêmico-profissional. Nesses sis-temas prevalece uma extensa hierarquia de instituiçõesde ensino com perfis acadêmicos específicos, oferecen-do cursos e programas para públicos com diferentes mo-tivações e perspectivas profissionais, assim como pro-curam manter uma relação de sintonia com as amplasdemandas provenientes da dinâmica das mudanças so-ciais vivenciadas por esses países. Esse processo de di-ferenciação ocorre não apenas no sentido vertical daoferta de formação acadêmico-profissional, mas noplano horizontal, a partir de uma pluralidade de objeti-vos e conteúdos educacionais – competências e prer-rogativas típicas das instituições –, permanecendo, en-tretanto, um processo de fluidez de comunicação entreos diferentes setores que o integram.3

Este artigo parte também do pressuposto que a dife-renciação institucional produzida no ensino superior bra-sileiro nas últimas três décadas não deva ser apreendidacomo um aspecto negativo ou uma manifestação deanomia no funcionamento do campo. Acredita-se que ocaminho da política educacional promissora deve ser aheterogeneidade institucional do sistema como um de seuspontos de partida, ou seja, reconhecer a existência de umamultiplicidade de instituições com perfis organizacionaise vocações acadêmicas distintas, evitando tratamentoshomogêneos para realidades acadêmicas marcadas pelosigno da disparidade. Pretende-se também ressaltar que apolítica de ensino superior na sociedade brasileira deveeleger, como uma de suas prioridades, a expansão dessesistema diante do contínuo crescimento do ensino médioverificado no país nos últimos anos. Para se evitar umanova proliferação descontrolada como a que marcou deforma típica o campo acadêmico nacional nos anos 70,acabando por comprometer a qualidade acadêmica dasinstituições e do sistema em geral, devem-se criar me-canismos efetivos para combinar essa expansão – cadavez mais necessária – com padrões de qualidade aca-dêmica e uma contínua avaliação acadêmico-institucio-nal subsidiando o recreden-ciamento periódico das ins-tituições integrantes desse complexo sistema.

CRESCIMENTO E DIVERSIFICAÇÃOINSTITUCIONAL DO ENSINO SUPERIOR

No intervalo de pouco mais de 30 anos, o sistema deensino superior brasileiro passou por expressivas mudan-ças em sua morfologia. No início dos anos 60, contava comcerca de uma centena de instituições, a maioria delas depequeno porte, voltadas basicamente para atividades detransmissão do conhecimento, com um corpo docente fra-camente profissionalizado. Esses estabelecimentos voca-cionados para a reprodução de quadros da elite nacional,em geral cultivando um ethos e uma mística institucional,abrigavam menos de 100 mil estudantes, com predominân-cia quase absoluta do sexo masculino. Tal quadro contras-ta fortemente com a complexa rede de estabelecimentosconstituída ao longo desses anos, portadora de formatosorganizacionais e tamanhos variados. Esse sistema absor-ve hoje 2,1 milhões de alunos matriculados na graduação eaproximadamente 78 mil alunos nos cursos de pós-gradu-ação stricto sensu, que cobre todas as áreas do conheci-mento.

Nesse processo de mudanças, houve a incorporação deum público mais diferenciado socialmente, o aumento sig-nificativo do ingresso de estudantes do gênero feminino, aentrada de alunos já integrados no mercado de trabalho e oacentuado processo de interiorização e de regionalizaçãodo ensino. Na trajetória dessas transformações, forma-seum campo acadêmico extremamente complexo em virtudedas diferentes posições ocupadas por essas instituições di-ante dos indicadores que comandam o funcionamento des-se espaço social, como a qualidade do ensino oferecido, atitulação do corpo docente, a capacidade científica instala-da, os formatos organizacionais desses estabelecimentos,o prestígio e o reconhecimento social e simbólico dos dis-tintos estabelecimentos que o integram.

Desde o Estatuto de 1931, o modelo universitário, pormais que tenha sido mera aglomeração de faculdades iso-ladas, é parâmetro legítimo de organização do ensino su-perior no país. Por outro lado, esse modelo domina de for-ma significativa parte do inconsciente acadêmico nacional,de tal modo que o afastamento desse paradigma é consi-derado um desvio de rota. Em vez de abrir caminho paraa diversificação do sistema, a Reforma de 1968, voltadabasicamente para as instituições federais, mostrou que omodelo universitário deveria ser o tipo natural de estru-tura para o qual convergiria a expansão do ensino supe-rior, atribuindo aos estabelecimentos isolados um caráterexcepcional e passageiro. A Constituição de 1988 deu um

Page 42: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

43

O ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO NOS ANOS 90

passo adiante na recusa conceitual e política da possibili-dade de criação de modelos institucionais diferenciados,ao estabelecer no seu artigo 207 que as universidadesobedeceriam o princípio da indissociabilidade entre ensi-no, pesquisa e extensão.4

No entanto, a expansão do ensino superior no país, nosúltimos 30 anos, mostrou-se refratária à pretendida homo-geneidade institucional almejada pela legislação. Os dadosda Tabela 1, além de fornecer outras informações, atestamesse fato com bastante evidência. Como se pode observar, osistema conta atualmente com 973 instituições, sendo que153 universidades ocupam uma posição irrelevante, em ter-mos quantitativos, representando apenas 16% do conjuntodos estabelecimentos. Ao contrário do pretendido pela le-gislação, a expressiva maioria do sistema superior é consti-tuída pelos 727 estabelecimentos isolados que representam75% da totalidade das instituições de ensino.

Apesar do forte crescimento numérico das instituiçõesde ensino superior nas últimas décadas, os dados dispo-

níveis mostram uma distribuição desigual do total das IESpelo país. As Tabelas 2 e 3 fornecem informações a esserespeito: a região Sudeste absorve 59% dos estabeleci-mentos, a Sul, 13%, a Nordeste, 13%, a Centro-Oeste, 11%e a região Norte abriga apenas 4% das instituições. Osdados apontam também para uma forte predominância nu-mérica da rede privada, que engloba 78% dos estabeleci-mentos, enquanto o setor público é responsável por 22%das instituições. As universidades privadas prevalecem nu-mericamente em todas as regiões do país, principalmenteno Sudeste, Sul e Centro-Oeste.

Um dos fenômenos mais significativos das mudançasda morfologia do ensino superior brasileiro contemporâ-neo é a diminuição do número dos estabelecimentos iso-lados e o crescimento numérico das universidades. Os da-dos da Tabela 1 trazem informações a esse respeito. Em1980, havia no país 797 estabelecimentos isolados quediminuíram para 727 no ano de 1998. Durante o mesmope-ríodo, as 65 universidades existentes passaram para

TABELA 1

Evolução do Número de Instituições, por Natureza e Dependência AdministrativaBrasil – 1980-98

Anos TotalUniversidades Federações e Integradas Estabelecimentos Isolados

GeralTotal Federal Estadual Municipal Particular Total Estadual Municipal Particular Total Federal Estadual Municipal Particular

1980 882 65 34 9 2 20 20 1 - 19 797 22 43 89 643

1981 876 65 34 9 2 20 49 1 1 47 762 18 68 126 550

1982 873 67 35 10 2 20 51 - 2 49 755 18 70 122 545

1983 861 67 35 10 2 20 57 - 1 56 737 18 69 111 539

1984 847 67 35 10 2 20 59 - 1 58 721 18 64 108 531

1985 859 68 35 11 2 20 59 - 1 58 732 18 64 102 548

1986 855 76 35 11 3 27 65 - 2 63 714 18 79 115 502

1987 853 82 35 14 4 29 66 - - 66 705 19 69 99 518

1988 871 83 35 15 2 31 67 - 1 66 721 19 72 89 541

1989 902 93 35 16 3 39 64 - - 64 745 19 68 79 579

1990 918 95 36 16 3 40 74 - - 74 749 19 67 81 582

1991 893 99 37 19 3 40 85 - 3 82 709 19 63 78 549

1992 893 106 37 19 4 46 84 - 3 81 703 20 63 81 539

1993 873 114 37 20 4 53 88 - 3 85 671 20 57 80 514

1994 851 127 39 25 4 59 87 - 3 84 637 18 48 81 490

1995 894 135 39 27 6 63 111 5 5 101 648 18 44 66 520

1996 922 136 39 27 6 64 143 4 7 132 643 18 43 67 515

1997 900 150 39 30 8 73 91 - 1 90 659 17 44 72 526

1998 973 153 39 30 8 76 93 - - 93 727 18 44 70 595

Fonte: MEC/Inep/Seec.

Page 43: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

44

153, registrando um crescimento de 135%. Enquanto onúmero de universidades federais permaneceu praticamen-te estável durante esse período, as estaduais triplicaram,passando de 9 para 30 instituições. O maior impulso parao crescimento das instituições universitárias, entretanto,veio do setor privado, que passou de 20 para 76 universi-dades, representando um aumento de 280%.

TABELA 2

Evolução do Número de Instituições, por Dependência AdministrativaBrasil – 1980-98

Anos Total PúblicoPrivado

Nos Absolutos %

1980 882 200 682 77,3

1981 876 259 617 70,4

1982 873 259 614 70,3

1983 861 246 615 71,4

1984 847 238 609 71,9

1985 859 233 626 72,8

1986 855 263 592 69,2

1987 853 240 613 71,8

1988 871 233 638 73,2

1989 902 220 682 75,6

1990 918 222 696 75,8

1991 893 222 671 75,1

1992 893 227 666 74,5

1993 873 221 652 74,6

1994 851 218 663 74,3

1995 894 210 684 76,5

1996 922 211 711 77,1

1997 900 211 689 76,5

1998 973 209 764 78,5

Fonte: MEC/Inep/Seec.

TABELA 3

Número de Instituições, por Natureza e Dependência Administrativa, segundo as RegiõesBrasil – 1998

RegiõesTotal Universidades Federações e Integradas Estabelecimentos Isolados

Geral Total Pública Privada Total Pública Privada Total Pública Privada

Brasil 973 153 77 76 93 - 93 727 132 595Norte 40 9 8 1 3 - 3 28 4 24

Nordeste 124 28 22 6 4 - 4 92 22 70

Sudeste 570 70 21 49 62 - 62 438 62 376

Sul 131 34 19 15 8 - 8 89 19 70

Centro-Oeste 108 12 7 5 16 - 16 80 25 55

Fonte: MEC/Inep/Seec.

As 973 instituições que integram o atual sistema deensino superior brasileiro são muito diferentes entre si nasvocações acadêmico-profissionais, no formato insti-tucional, etc., envolvendo desde centros de ensino e pes-quisa bastante complexos como a Universidade de SãoPaulo (USP), a Universidade Federal do Rio de Janeiro(UFRJ) e outras, até pequenas e isoladas escolas voltadasbasicamente para atividades de ensino, espalhadas pelasdiversas regiões do país.

É importante compor algumas breves e esquemáticasconsiderações sobre a diversidade institucional desse sis-tema nacional de ensino, ressaltando que os 727 estabe-lecimentos isolados são a rigor uma categoria bastante he-terogênea porque abrange instituições de tipos bastantedistintos como os institutos federais especializados, en-tre eles as faculdades de medicina e engenharia. Algunsdesses centros, principalmente da rede federal, possuemalto nível acadêmico e uma tradição de pesquisa científi-ca. A maioria dos estabelecimentos isolados, no entanto,surgiram da proliferação do ensino superior a partir dosanos 70, e vários deles apresentam deficiências na for-mação acadêmica dispensada aos seus alunos. Não seriaincorreto afirmar que a tendência é a maioria dos estabe-lecimentos isolados estar voltada apenas para as ativida-des de ensino e a prática de pesquisa ser mais uma exce-ção que uma experiência habitual.

Os dados disponíveis indicam que as universidadespúblicas ocupam posição fundamental no interior do cam-po acadêmico nacional e papel estratégico no processode desenvolvimento do país. Basta assinalar, por exem-plo, seus contínuos resultados positivos alcançados noExame Nacional de Cursos, os elevados conceitos obti-dos nas avaliações dos Programas de Pós-Graduação fei-tas pela Capes, sua contribuição para a construção da iden-

Page 44: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

45

O ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO NOS ANOS 90

tidade nacional, etc. Deve-se salientar, entretanto, queexistem profundas diferenças entre elas quanto ao formatoinstitucional, à vocação acadêmica, às demandas e expec-tativas profissionais de seus estudantes e às formas de-senvolvidas pelas instituições para atendê-las. Elas sãodiferentes também nas modalidades de combinar o ensi-no, a pesquisa e a extensão.

A maior parte das universidades federais surgiu antesda década de 70 e as 39 existentes formam uma rede na-cional de estabelecimentos espalhados pelo territórionacional, sendo que Tocantins é o único estado da fede-ração que não conta com uma universidade federal. Ex-cetuando-se as universidades estaduais paulistas, uma par-te substancial da capacidade de pesquisa instalada no paísencontra-se localizada nessa rede. Tudo leva a crer queas federais são fundamentais para o desenvolvimento dopaís, porque têm se revelado num espaço destacado doprocesso de ampliação das oportunidades educacionais,e tornaram um locus central na discussão e divulgação dequestões relevantes do país e de nossa época, conduzidaspor uma pluralidade de perspectivas analíticas.

Longe de mitificar as universidades federais, parte-sedo reconhecimento que embora formalmente homogêneasno plano institucional elas não o são no nível acadêmico.Várias instituições dessa rede certamente determinadosproblemas e deficiências acadêmicas que podem e devemser equacionados.5 As sucessivas crises institucionaisvivenciadas pelas universidades federais têm evidenciado,de certa forma, o esgotamento do modelo único que as rege,alicerçado nas idéias de universalidade de campo e daindissociabilidade de ensino, pesquisa e extensão. Segura-mente, nenhuma legislação tem a capacidade de imple-mentar a indissociabilidade entre as atividades de ensino ede pesquisa em todas as áreas de uma determinada institui-ção, muito menos transformar um professor em pesquisa-dor ou vice-versa. É preciso reconhecer que algumas uni-versidades, departamentos ou docentes podem ter umavocação mais orientada para a pesquisa e outras, para oensino profissional. A verdade é que o modelo único setem mostrado cada vez mais insatisfatório diante da gran-de diversidade regional da sociedade brasileira. Em vez deengessá-las num protótipo que acaba produzindo ficçõesacadêmicas, seria mais recomendável o incentivo da práti-ca efetiva de uma pluralidade de modelos acadêmicos.6

O esgotamento do modelo único para todas as univer-sidades federais tem acentuado a necessidade de se de-senvolver uma reflexão mais geral, entre outros aspec-tos, sobre a autonomia dessas instituições para capacitá-las

a definir melhor o seu verdadeiro perfil e a sua real voca-ção institucional. A prática efetiva da autonomia, porexemplo, permitiria a certos estabelecimentos determinaruma maior vinculação regional, encaminhando determi-nadas atividades acadêmicas para esta direção. Certas ins-tituições eventualmente poderiam privilegiar a formaçãoa ser dispensada na graduação, outras concentrariam seusesforços na atividade de pesquisa em algumas áreas e/ouno conjunto de sua instituição, etc. O essencial é a auto-nomia possibilitar que as universidades sejam mais trans-parentes na formulação do seu projeto institucional e deseus reais objetivos. As universidades federais poderiam,com isso, aumentar a relevância dos seus serviços educa-cionais e manter uma relação mais dinâmica com os con-textos sociais que a permeiam. A autonomia exige tam-bém uma avaliação pública das instituições, a partir dasmetas e prio-ridades por elas estabelecidas.7

As universidades estaduais, como indicam os dados daTabela 1, cresceram significativamente após os anos 80.Como unidade mais rica da federação, o Estado de SãoPaulo criou na década de 30 um sistema de instituiçõespróprias que sempre usufruiu de uma tradição de autono-mia diante do poder federal. Sua situação econômica foiresponsável por um sistema universitário mais estrutura-do e mais bem apoiado financeiramente que as demaisinstituições mantidas pelos estados da federação. Atual-mente, as estaduais paulistas concentram uma parte subs-tancial da pesquisa e da pós-graduação do país, sobretu-do nos cursos de doutorado. A criação das demaisuniversidades estaduais, ocorrida em época mais recente,representa, de certa forma, a capacidade retraída de ex-pansão do sistema federal.

As universidades estaduais constituem um segmentobastante específico no conjunto do ensino superior do país.Ao contrário das universidades federais e particulares, elasencontram-se fora da alçada do MEC, uma vez que sãofinanciadas e supervisionadas pelos seus respectivos es-tados, e por se encontrarem exclusivamente sob a super-visão da esfera estadual ficam relativamente à margemdo sistema nacional de ensino superior do país. Nesse sen-tido, torna-se necessário produzir pesquisas mais siste-máticas sobre esse segmento para avaliar o seu potencial,integrá-lo às políticas nacionais voltadas ao ensino supe-rior para a melhoria acadêmica do conjunto do sistema.8

Os dados existentes sobre esse subcampo indicam quetrata-se também de um sistema bastante heterogêneo devocação acadêmico-institucional, de qualificação acadêmi-ca dos docentes, das carreiras oferecidas e da integração

Page 45: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

46

entre ensino e pesquisa. De um total de 30 universidadesestaduais, 16 oferecem cursos de mestrado e 8 possuemprogramas de doutorado.9 Como já foi salientado, as esta-duais paulistas têm uma expressiva participação nesse sis-tema de pós-graduação, principalmente de doutorado. Sevárias universidades estaduais não se destacam pela ativi-dade de pesquisa, nem por isso deixam de oferecer múlti-plos e relevantes serviços educacionais e de extensão, man-tendo uma relação bastante dinâmica a sociedade.

Diante da heterogeneidade interna das universidadesestaduais, percebe-se que sua estruturação a partir de umpadrão único, privilegiando a atividade de pesquisa comoocorre em outras partes do conjunto do sistema, acarretamais arranjos artificiais do que uma efetiva articulaçãoentre ensino, pesquisa e extensão. Aqui também a expe-rimentação de uma pluralidade de modelos institucionaispoderia ser um caminho promissor na exploração positi-va da diversidade acadêmica desse segmento.

Como uma parte expressiva das universidades esta-duais é de criação recente, ou seja, ainda possui poucatradição na constituição de um poder acadêmico internocapaz de neutralizar interferências, principalmente dopoder político estadual, torna-se necessário criar meca-nismos efetivos que preservem a liberdade acadêmicadessas instituições. Elas não podem ser tratadas como ummero apêndice do setor burocrático local, com dirigen-tes, docentes e funcionários contratados e/ou substituídosem função dos interesses momentâneos dos governos es-taduais, dos partidos políticos ou dos grupos de oposi-ção. A autonomia das universidades estaduais no campodo poder político local representa uma condição necessá-ria para o seu fortalecimento institucional, ou seja, para aorganização de uma vida intelectual fundada em princí-pios e valores estritamente acadêmicos.

A diversidade institucional está presente também nosubcampo das universidades privadas, integrado basicamen-te pelas instituições comunitárias, pelas confessionais epelos estabelecimentos de perfil mais empresarial, uma vezque é possível constatar nesse segmento uma multiplicidadede projetos acadêmico-institucionais. As universidades co-munitárias,10 de modo geral, apresentam um trabalho bas-tante inovador na prestação de serviços educacionais àcomunidade, mantendo um elevado grau de interação noseu contexto social. Elas estão voltadas fundamentalmen-te para as atividades de ensino e desenvolvem um trabalhosignificativo no domínio da extensão. Como se sabe, até ofinal da década de 60, as universidades confessionais pos-suíam maior peso no conjunto do setor privado nacional e

estavam praticamente ligadas à Igreja Católica. A presen-ça do ensino privado confessional não era desprezível,porque respondia, na metade daquela década, por aproxi-madamente 44% das matrículas. Em período mais recente,houve a criação de certas instituições confessionais não-católicas, especialmente metodistas e luteranas. Deve-sedestacar que determinadas universidades confessionais, demodo especial algumas PUCs, têm desenvolvido suas ati-vidades pautadas por consistentes padrões acadêmicos.

Como indica a bibliografia disponível sobre essa ques-tão, no entanto, não foram as instituições confessionaisque estiveram à frente do processo expansionista verifi-cado nos anos 70. Um dos traços marcantes no funciona-mento do campo das instituições de ensino superior bra-sileiro atual foi exatamente, o aparecimento de um “novoensino privado”, de perfil laico, que se constitui a partirdo final dos anos 60, comandado por uma lógica de mer-cado e um acentuado ethos empresarial. Como já foi assi-nalado, a partir do final dos anos 80 ocorreu um movi-mento para transformação de escolas isoladas e/oufederações de escolas em universidades particulares, emgrande parte guiado por esse “novo ensino privado”.11

As informações disponíveis sugerem que a lógica paraa criação das novas universidades particulares, cujo cres-cimento foi de 280% nos últimos 20 anos, como indicamos dados da Tabela 1, foi influenciada pela fusão de esta-belecimentos isolados, que decresceram durante esse perí-odo, e/ou pela criação de faculdades integradas particula-res, as quais funcionaram como uma espécie de incubadorade novas universidades, aumentando sua participação quan-titativa no sistema de forma significativa. Acredita-se quea expansão recente das universidades particulares foiconduzida pelo interesse de suas mantenedoras em obtermaior autonomia, conferida legalmente a esse tipo de ins-tituição, principalmente a liberdade de expandir seus cur-sos e ampliar as vagas existentes. Expressa também umaestratégia, direta ou indireta, de maximizar simbolicamen-te a posição dessas instituições no interior do campo aca-dêmico vis-à-vis com estabelecimentos não-universitários,procurando demarcar posições e aumentar a rentabilidadesimbólica dos seus títulos escolares nos mercados acadê-mico e extra-acadêmico.

Várias dessas novas instituições – organizadas formal-mente sob a égide do modelo universitário que prescrevea indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão –enfrentam sérias dificuldades no seu cotidiano para im-plantar uma sólida carreira docente, e não têm obtido re-sultados convincentes na institucionalização da prática da

Page 46: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

47

O ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO NOS ANOS 90

pesquisa científica e na montagem de seus cursos de pós-graduação. Isso é compreensível uma vez que várias des-sas instituições surgiram, organizaram-se e expandiram-se como centros de ensino, contando com pouca tradiçãono domínio da investigação científica. Muitas delas, comvocação estrutural para as atividades de ensino, uma veztransformadas em universidades, criam uma série deartificialismos acadêmicos para atender às exigências daprática da pesquisa e da pós-graduação determinadas pelalegislação. Em vez de subsumir essas instituições, assimcomo as federais e as estaduais, a um modelo único, pri-vilegiando o protótipo universitário e acabando semprepor produzir ficções acadêmicas, seria mais vantajoso es-timular uma pluralidade de modelos institucionais e avaliá-los segundo seus propósitos e resultados acadêmicos efe-tivos. É necessário, por outro lado, criar dispositivos quepreservem, nessas novas universidades particulares, a li-berdade de crítica e de manifestação do pensamento porparte dos docentes, funcionários e alunos, protegendo suaatividade acadêmica de interesses mediatos e/ou imedia-tos dos seus mantenedores e proprietários.

AS MATRÍCULAS, OS CURSOS E OS DOCENTES

Ao lado do crescimento e da diversificação das institui-ções que o integram, o ensino superior no país passou tam-bém, nas três últimas décadas, por um forte crescimentode suas matrículas. Os dados da Tabela 4 fornecem infor-mações importantes sobre essa questão. Em 1962, atendiapouco mais de 100 mil alunos, desempenho que contrastade maneira significativa com os 2,1 milhões que freqüen-taram a graduação em 1998. Como se pode perceber exis-tem flutuações nesse processo de expansão. O período demaior número de matrículas ocorreu durante os anos de1962 e 1972, quando a taxa de crescimento foi de 540%.Na década seguinte, o ritmo começa a diminuir, registran-do-se um crescimento de 86% no período entre 1973 e 1983.O resultado dessas duas décadas explica-se, em grandeparte, pelo acesso de um público socialmente mais diversi-ficado, com a inclusão acentuada do gênero feminino, deuma clientela composta por pessoas de maior faixa etária eque já se encontravam integradas no mercado de trabalho,em função de grandes transformações no campo da produ-ção econômica, da expansão dos centros urbanos, do de-senvolvimento das grandes burocracias estatais e privadas,etc. Tudo leva a crer que o ensino superior assumiu, nessemomento, maior visibilidade para determinados setores dascamadas médias urbanas, mais desprovidas de capital eco-

nômico e/ou de capital cultural, que viam nele um possívelcampo de manobra para colocar em prática suas estraté-gias de reconversão para obter melhores posições materiaise/ou simbólicas. Essa demanda foi absorvida, em parte, poruma relativa expansão do ensino público e, em maior es-cala, pelo setor privado, que apresentou um acentuado cres-cimento nessa época.12

Uma vez encerrado esse processo de absorção de novosgrupos sociais, acreditava-se que o ensino superior continu-aria a se expandir pelo menos no ritmo do aumento popula-cional. No entanto, não foi isso que ocorreu. Mesmo conti-nuando a crescer nos períodos seguintes, em termos absolutos,registrou-se uma diminuição acentuada desse ímpeto, em con-traste com os períodos anteriores. No início da década de 80eram 1.377.286 matrículas e, no final, 1.518.904 alunos fre-qüentando o ensino de terceiro grau, representando um au-mento de apenas 10% e uma situação de quase estagnaçãose comparada ao desempenho das décadas anteriores. Nosprimeiros anos da década de 90, o sistema ainda permane-ceu praticamente estagnado – de 1990 a 1993 cresceu ape-nas 3,5%. Os sinais de recuperação começaram a aparecer apartir de 1994 e, segundo os últimos dados disponíveis, em1998 havia 2.125.958 estudantes matriculados na gradua-ção. Com isso, o sistema teria passado por um aumento de465 mil matrículas em relação a 1994, ou seja, teria cresci-do, em termos absolutos, nesses últimos quatro anos, maisque durante o período de 1980 a 1994, quando aumentoupara apenas 284 mil alunos.

Dados mais recentes certamente indicam que o ensinosuperior ingressou novamente em uma fase de crescimentoacelerado, porque nos últimos quatro anos as matrículas degraduação obtiveram crescimento em torno de 28%. Em com-paração com outros países da América Latina, da Américado Norte, da Europa, etc., a matrícula brasileira de gradua-ção ainda é bastante insatisfatória e apenas 7,6% da popula-ção entre 20 e 24 anos de idade ingressaram no ensino supe-rior. Os desafios para o desenvolvimento do país, entretanto,exigem a expansão mais expressiva desse nível de ensino.13

Os dados da Tabela 4 chamam a atenção para o descom-passo entre a expansão de matrículas e o número de alu-nos que concluem o curso. Durante o período de 1980 a1998, enquanto as matrículas cresceram em torno de 54%,as conclusões, apenas 21%. O fenômeno da evasão temparticipação efetiva nesse desequilíbrio.

É interessante analisar a participação dos diferentes tiposde estabelecimentos no recente processo de evolução dasmatrículas do ensino superior, conforme informações conti-das na Tabela 5. Os dados indicam também dois movimentos

Page 47: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

48

TABELA 4

Evolução das Estatísticas do Ensino SuperiorBrasil – 1962-98

AnosDocentes Matrícula

(B/A) ConcluintesVagas Inscrições

(D/C) Ingressos(A) (B) Oferecidas (C) (D)

1962 25.213 107.509 4,3 ... ... ... ... ...

1963 28.944 124.214 4,3 19.049 ... ... ... ...

1964 30.162 142.386 4,7 20.282 ... ... ... ...

1965 33.135 155.781 4,7 22.291 ... ... ... ...

1966 36.109 180.109 5 24.301 ... ... ... ...

1967 38.693 212.882 5,5 30.108 ... ... ... ...

1968 44.706 278.295 6,2 35.947 ... ... ... ...

1969 49.547 342.886 6,9 44.709 ... ... ... ...

1970 54.389 425.478 7,8 64.049 145.000 328.931 2,3 ...

1971 61.111 561.397 9,2 73.453 202.110 400.958 2 ...

1972 67.894 688.382 10,1 96.470 230.511 449.601 2 ...

1973 72.951 772.800 10,6 135.339 261.003 574.708 2,2 ...

1974 75.971 937.593 12,3 150.226 309.448 614.805 2 ...

1975 83.386 1.072.548 12,9 161.183 348.227 781.190 2,2 ...

1976 86.189 1.096.727 12,7 176.475 382.418 945.279 2,5 ...

1977 90.557 1.159.046 12,8 187.973 393.560 1.186.181 3 ...

1978 98.172 1.225.557 12,5 200.056 401.977 1.250.537 3,1 ...

1979 102.588 1.311.799 12,8 222.896 402.694 1.559.094 3,9 ...

1980 109.788 1.377.286 12,5 226.423 404.814 1.803.567 4,5 356.667

1981 113.899 1.386.792 12,2 229.856 417.348 1.735.457 4,2 357.043

1982 116.111 1.407.987 12,1 244.639 421.231 1.689.249 4 361.558

1983 113.779 1.438.992 12,6 238.096 ... ... ... ...

1984 113.844 1.399.539 12,3 227.824 ... ... ... ...

1985 113.459 1.367.609 12,1 234.173 430.482 1.514.341 3,5 346.380

1986 117.221 1.418.196 12,1 228.074 442.314 1.737.794 3,9 378.828

1987 121.228 1.470.555 12,1 224.809 447.345 2.193.861 4,9 395.418

1988 125.412 1.503.555 12 227.037 463.739 1.921.878 4,1 395.189

1989 128.029 1.518.904 11,9 232.275 466.794 1.818.033 3,9 382.221

1990 131.641 1.540.080 11,7 230.206 502.784 1.905.498 3,8 407.148

1991 133.135 1.565.056 11,8 236.377 516.663 1.985.825 3,8 426.558

1992 134.403 1.535.788 11,4 234.267 534.847 1.836.859 3,4 410.910

1993 137.156 1.594.668 11,6 240.262 548.678 2.029.523 3,7 439.801

1994 141.482 1.661.034 11,7 240.269 574.135 2.237.023 3,9 463.240

1995 145.290 1.759.703 12,1 245.887 610.355 2.653.853 4,3 510.377

1996 148.320 1.868.529 12,6 254.401 634.236 2.548.077 4 513.842

1997 165.964 1.945.615 11.7 274.384 699.198 2.711.776 3.9 573.900

1998 165.122 2.125.958 12.9 ... 776.031 2.858.016 3.7 651.353

Fonte: MEC/Inep/Seec.

significativos na configuração das matrículas. O primeiro de-les, de contínua diminuição da participação de estabelecimen-tos isolados no total das matrículas. Esses estabelecimentosrespondiam, em 1980, por 46% do alunado de graduação. Jáno ano de 1986, essa participação diminuiu para 36% e, no

ano de 1998, baixou significativamente para 21%. Contrapon-do-se a essa tendência, as universidades aumentaram sua par-ticipação na absorção do alunado, paulatinamente, durante esseperíodo. Em 1980, já eram responsáveis por 47% das matrí-culas, saltando para 51% em 1986. Pouco mais de dez anos

Page 48: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

49

O ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO NOS ANOS 90

depois, ou seja, em 1998, destacaram-se na participação dasmatrículas de graduação no país, uma vez que absorveram69% desse alunado. O crescimento das instituições universi-tárias foi, em grande parte, estruturado no processo de fusãode estabelecimentos isolados, o que explica a diminuição dessesestabelecimentos na particpação das matrículas.

Quando se analisa o crescimento das instituições uni-versitárias, encontram-se diferenças importantes nesse seg-mento. Tomando como referência o período 1980-1998,as matrículas nas universidades particulares cresceram emtorno de 208%, nas universidades municipais, 298% e nasestaduais, 193%. As universidades federais apresentaramum crescimento muito pequeno no número de alunos. Em1986, as universidades federais abrigavam 313.520 alunose, 12 anos depois, em 1998, esse número passou para392.873, registrando um aumento de apenas 25%. Esse re-sultado é no mínimo preocupante diante do custo dessesegmento.14

TABELA 5

Evolução da Matrícula, por Natureza e Dependência AdministrativaBrasil – 1980-98

Anos TotalUniversidades Federações e Integradas Estabelecimentos Isolados

GeralTotal Federal Estadual Municipal Particular Total Estadual Municipal Particular Total Federal Estadual Municipal Particular

1980 1.377.286 652.200 305.099 81.723 17.019 248.359 96.892 2.622 - 94.270 628.194 11.616 24.907 49.246 542.425

1981 1.386.792 644.203 301.505 82.356 17.595 242.747 186.540 2.244 5.239 179.057 556.049 11.712 45.059 70.100 429.178

1982 1.407.987 659.500 305.468 87.499 17.624 248.909 189.146 - 7.198 181.948 559.341 11.472 47.402 71.725 428.742

1983 1.438.992 687.860 328.044 98.371 17.213 244.232 206.408 - 5.032 201.376 544.724 12.074 48.826 67.129 416.695

1984 1.399.539 672.624 314.194 106.066 17.602 234.762 198.818 - 4.067 194.751 528.097 12.005 49.947 67.998 398.147

1985 1.367.609 671.977 314.102 104.441 15.414 238.020 184.016 - 4.052 179.964 511.616 12.420 42.375 63.876 392.945

1986 1.418.196 722.863 313.520 104.816 20.600 283.927 190.711 - 3.094 187.617 504.622 12.214 48.973 74.415 369.020

1987 1.470.555 761.236 315.956 114.418 26.180 304.682 197.810 - - 197.810 511.509 13.467 53.621 61.323 383.098

1988 1.503.555 770.240 304.465 129.785 17.178 318.812 201.744 - 965 200.779 531.571 13.366 60.951 58.641 398.613

1989 1.518.904 816.024 301.535 136.137 21.663 356.689 183.483 - - 183.483 519.397 13.748 57.560 53.771 394.318

1990 1.540.080 824.627 294.626 136.257 23.499 370.245 202.079 - - 202.079 513.374 14.241 58.160 51.842 389.131

1991 1.565.056 855.258 305.350 153.678 24.390 371.840 225.700 - 9.266 216.434 484.098 14.785 48.637 49.630 371.046

1992 1.535.788 871.729 310.533 159.963 30.353 370.880 205.465 - 9.445 196.020 458.594 15.351 50.170 53.847 339.226

1993 1.594.668 940.921 328.907 167.674 28.623 415.717 210.117 - 10.362 199.755 443.630 15.480 48.861 53.609 325.680

1994 1.661.034 1.034.726 349.790 190.271 31.547 463.118 203.471 - 10.344 193.127 422.837 13.753 41.665 53.080 314.339

1995 1.759.703 1.127.932 353.235 201.974 43.370 529.353 193.814 1.161 4.168 188.485 437.957 14.296 36.080 46.256 341.325

1996 1.868.529 1.209.400 373.880 204.819 47.432 583.269 245.029 1.592 7.089 236.348 414.100 15.107 36.690 48.818 313.485

1997 1.945.615 1.326.459 380.980 226.149 59.292 660.038 192.667 - 1.078 191.589 426.489 14.853 27.529 49.301 334.806

1998 2.125.958 1.467.888 392.873 239.908 67.758 767.349 216.137 - - 216.137 441.933 15.767 35.026 53.397 337.743

Fonte: MEC/Inep/Seec.

Os dados da Tabela 6 mostram claramente o predomí-nio quantitativo do setor privado na evolução das matrí-culas nos últimos 20 anos no país. De um modo geral, aparticipação do setor privado nas matrículas ficou em tornode 60% nos últimos 18 anos, período analisado, e em 1998absorvia 62% do total dos alunos de graduação.

Tudo leva a crer que um dos gargalos que emperroude maneira decisiva o crescimento do sistema foi o de-sempenho da educação média no país. Quando obser-va-se, por exemplo, o número de inscrições para o ves-tibular, não deixa de chamar a atenção, no ano de 1980,que 1.803.567 candidatos se submeteram a esse exa-me. Mais de dez anos depois, ou seja, em 1992, essenúmero pouco se alterou, pois inscreveram-se 1.836.859candidatos, um crescimento de apenas 2% (Tabela 4).Durante esse período, houve oscilações para mais oupara menos, mas não deixou de ser relevante que em12 anos a demanda foi bastante similar.

Page 49: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

50

A Tabela 7 indica um contínuo crescimento, em ter-mos absolutos, das matrículas do ensino médio. Esse de-sempenho é explicado pelo aumento das taxas de conclu-são do ensino fundamental, pela expansão dos cursossupletivos de primeiro grau e pela oferta de cursos notur-nos. Pode-se perceber, no entanto, significativas flutuaçõesnesse crescimento do ensino médio. No período 1971-1975, a taxa de crescimento foi de 73%, baixando para7% no período 1980-1985. A partir do final dos anos 80houve uma retomada do processo de expansão, uma vezque no período 1989-1999 as matrículas cresceram 123%.Os dados evidenciam também a recuperação provocadapelo desempenho do setor público, em especial pela redeestadual que respondia em 1999 por 79% das matrículas.Por outro lado, alguns levantamentos registram o cresci-mento do número de matrículas do ensino médio em to-das as regiões do país, nos últimos dez anos, principal-mente em regiões com pequena participação na oferta doensino superior, seja pelo número de matrículas, seja pelonúmero de instituições.15 Tal como ocorreu no ensino

superior, o fenômeno do rápido aumento das matrículasnem sempre foi acompanhado, com a mesma intensida-de, pelo número de alunos concluintes (Tabelas 7 e 8),porque as altas taxas de repetência certamente contribuí-ram para esse descompasso. Durante o período 1984-1998,a relação entre concluintes do ensino médio e o númerode vagas no ensino superior ficou em torno de 2%.

De um modo geral, esses dados demonstram que a re-tomada da expansão do ensino superior depende, em gran-de parte, do equacionamento de problemas estruturais exis-tentes no ensino fundamental e no médio. Se a curto prazoo ensino médio ampliar a capacidade de diplomar seusestudantes e as instituições de ensino superior caminha-rem em direção à maior diversificação de formação pro-fissional e de diplomas, certamente haverá um aumentopotencial da demanda que passará a pressionar a expan-são do ensino superior no país.

Quando se analisam os dados mais recentes, percebe-se que os cursos de graduação existentes no país (Tabela9) apresentam um acentuado crescimento. No período1988/1998, expandiram em torno de 62%. Como se sabe,inicialmente os cursos de graduação foram criados na so-ciedade brasileira para favorecer a formação nas profis-sões tradicionais, como o direito, a medicina e a enge-nharia, e durante um longo período, com poucas variações,o ensino superior estruturou-se para essas carreiras. Pa-ralelamente ao processo de diversificação institucional dosestabelecimentos de terceiro grau, ampliaram-se as car-reiras profissionais e atualmente há 150 áreas de gradua-ção, conforme classificação do Instituto Nacional de Pes-quisas Educacionais (Inep).16

Há também um predomínio da rede particular na ofertados cursos no país. No ano de 1998, de um total de 6.950cursos, a rede privada respondia por um total de 3.980, ouseja, 57% dos cursos em funcionamento. Por outro lado,os dados da Tabela 9 indicam um forte crescimento noperíodo 1988/1998 dos cursos oferecidos pelas redes esta-dual (87%), municipal (86%) e privada (68%). A evoluçãoda oferta de cursos da rede federal cresceu apenas 27%.

As informações disponíveis demonstram também umadistribuição fortamente desigual da oferta de cursos en-tre as regiões do país. Conforme os dados da Tabela 10,no ano de 1998, a região Norte respondia por 5% doscursos, o Nordeste, por 16%, o Sudeste, por 47%, o Sul,por 23% e a região Centro-Oeste, por 9%. Quando se com-para a distribuição do número de cursos por grandes áre-as do conhecimento (Tabela 10), percebe-se que apenasduas delas, ciências sociais aplicadas e ciências humanas,

TABELA 6

Evolução das Matrículas de Graduação, por Dependência AdministrativaBrasil – 1980-98

Anos Total PúblicoPrivado

Nos Absolutos %

1980 1.377 492 885 64,27

1981 1.386 536 850 61,33

1982 1.407 548 859 61,05

1983 1.438 576 862 59,94

1984 1.399 572 827 59,11

1985 1.367 557 810 59,25

1986 1.418 578 840 59,24

1987 1.470 585 885 60,20

1988 1.503 585 918 61,08

1989 1.518 584 934 61,53

1990 1.540 579 961 62,40

1991 1.565 606 959 61,28

1992 1.535 629 906 59,02

1993 1.594 653 941 59,03

1994 1.661 691 970 58,40

1995 1.759 700 1.059 60,20

1996 1.868 735 1.133 60,65

1997 1.948 762 1.186 60,88

1998 2.125 803 1.322 62,21

Fonte: Inep – Censo do Ensino Superior 1998; Evolução do Ensino Superior 1980-1996.

Page 50: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

51

O ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO NOS ANOS 90

TABELA 7

Evolução da Matrícula Inicial do Ensino Médio, por Dependência AdministrativaBrasil – 1971-99

Anos Total Dependência Administrativa

Geral Federal Estadual Municipal Particular

Nos Absolutos % Nos Absolutos % Nos Absolutos % Nos Absolutos %

1971 1.119.421 44.604 4,0 536.695 47,9 51.074 4,6 487.048 43,5

1972 1.299.937 - - - - - - - -

1973 1.477.650 - - - - - - - -

1974 1.681.728 69.128 4,1 801.861 47,7 73.876 4,4 736.863 43,8

1975 1.935.903 78.888 4,1 919.090 47,5 60.889 3,1 877.036 45,3

1976 2.212.749 82.591 3,7 1.048.625 47,4 71.738 3,2 1.009.795 45,6

1977 2.437.701 84.932 3,5 1.153.703 47,3 71.652 2,9 1.127.414 46,2

1978 2.538.236 90.271 3,6 1.194.096 47,0 79.648 3,1 1.174.221 46,3

1979 2.658.078 89.430 3,4 1.243.366 46,8 86.449 3,3 1.238.833 46,6

1980 2.819.182 86.125 3,1 1.324.682 47,0 97.454 3,5 1.310.921 46,5

1981 2.820.998 92.028 3,3 1.391.730 49,3 117.524 4,2 1.219.716 43,2

1982 2.874.505 96.536 3,4 1.473.352 51,3 126.794 4,4 1.177.823 41,0

1983 2.944.097 101.784 3,5 1.574.752 53,5 137.716 4,7 1.129.845 38,4

1984 2.951.624 93.245 3,2 1.691.107 57,3 134.711 4,6 1.032.561 35,0

1985 3.016.138 99.422 3,3 1.780.155 59,0 132.333 4,4 1.004.228 33,3

1986 - - - - - - - - -

1987 (1) 3.206.207 92.561 2,9 1.854.333 57,8 133.369 4,2 1.125.113 35,1

1988 3.368.150 98.297 2,9 2.039.812 60,6 145.476 4,3 1.084.565 32,2

1989 3.477.859 97.777 2,8 2.170.632 62,4 152.981 4,4 1.056.469 30,4

1990 - - - - - - - - -

1991 3.770.230 103.092 2,7 2.472.757 65,6 176.769 4,7 1.017.612 27,0

1992 (2) 4.085.631 101.200 2,5 2.814.269 68,9 210.422 5,2 959.740 23,5

1993 (3) 4.183.847 100.686 2,4 2.856.821 68,3 235.583 5,6 990.757 23,7

1994 (4) 4.510.199 107.823 2,4 3.112.873 69,0 250.405 5,6 1.039.098 23,0

1995 5.374.831 113.524 2,1 3.808.326 70,9 288.708 5,4 1.164.273 21,7

1996 5.739.077 113.091 2,0 4.137.324 72,1 312.143 5,4 1.176.519 20,5

1997 6.405.057 131.278 2,0 4.644.671 72,5 362.043 5,7 1.267.065 19,8

1998 6.968.531 122.927 1,8 5.301.475 76,1 317.488 4,6 1.226.641 17,6

1999 7.769.199 121.673 1,6 6.141.907 79,1 281.255 3,6 1.224.364 15,8

Fonte: MEC/Inep/Seec; Sinopses Estatísticas.(1) 831 matrículas sem informação de dependência administrativa.(2) Os dados de AM, BA, RJ e SC referem-se ao Censo Escolar de 1991(3) Os dados de SP e RJ referem-se a 1991 e os dados de SC e PR a 1992.(4) Para o ano de 1994, os dados do RJ e SP referem-se ao Censo Educacional de 1991; os dados do AM e BA referem-se ao Censo Educacional de 1993 e do PR referem-se a 1995.

são responsáveis por 51% dos cursos existentes no país.Chama a atenção também a pequena participação de de-terminadas áreas do conhecimento na oferta de cursos,como engenharia e tecnologia (4%), ciências agrárias (4%)e ciências biológicas (3%). Por outro lado, quando seanalisa a distribuição dos cursos por dependência admi-nistrativa (Tabela 11), constata-se que o setor privado temuma forte participação nas ofertas de cursos nas áreas de

ciências sociais e aplicadas (70%) na área de ciênciashumanas (51%), e também na oferta de cursos nas áreasde ciências da saúde (60%), engenharia e tecnologia (50%)e ciências exatas e da terra (52%), que tradicionalmenteeram monopolizados pelos estabelecimentos públicos.

Qual era a titulação acadêmica dos docentes que parti-cipavam nas atividades do ensino superior no país no fi-nal dos anos 90? Como se pode constatar, atualmente o

Page 51: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

52

sistema conta com 165.122 mil docentes (Tabelas 12 e13), dos quais, apenas 19% possuem a titulação de dou-tor e 27% a de mestre, ou seja, 54% dos docentes nãopossuem nenhum título conferido pela pós-graduaçãostricto sensu, uma vez que 35% são portadores do títulode especialista e apenas 19% são graduados. Não deixade ser preocupante o fato de as instituições particulares,onde se concentram 62% das matrículas da graduação,apresentarem um corpo docente com taxa tão pequena detitulação acadêmica. Os dados evidenciam que 76% dosdoutores e 55% dos mestres estão concentrados nas insti-tuições públicas. Esse contingente, certamente, encontra-se também em determinadas instituições, como nas uni-versidades estaduais paulistas e em algumas universidadesfederais. Alguns estudos desenvolvidos sobre o sistemaacadêmico nacional têm chamado a atenção para o graude correlação entre o nível da qualificação acadêmica e aprofissionalização da carreira docente no país, e nessesentido os dados têm demonstrado que o cultivo de umethos acadêmico e a efetiva prática da profissão acadê-mica encontra-se implantada em uma pequena fração dasinstituições de ensino superior no país.17

A PÓS-GRADUAÇÃO E SUAS RELAÇÕESCOM A GRADUAÇÃO

Ao lado da expansão da graduação, desenvolveu-se nopaís, nos últimos 30 anos, um vigoroso sistema de pós-gra-duação. No final da década de 60, a pós-graduação tinhaaproximadamente 100 cursos, abrangendo não mais de 2mil alunos. Atualmente conta com 2.066 cursos cobrindotodas as áreas do conhecimento, vários deles com excelen-te padrão acadêmico. No ano de 1998 esse sistema possuía77.641 alunos e foi responsável por 16.455 titulações (Ta-

TABELA 8

Vagas Oferecidas no Vestibular para o Ensino Superior e Número deConcluintes no Ensino Médio

Brasil – 1984-1998

AnosVagas Oferecidas no Concluintes do

B/AEnsino Superior Ensino Médio(A) (B)

1984 343.028 585.193 1,71987 447.345 605.504 1,41990 502.784 658.725 1,31993 548.678 851.428 1,61996 634.236 959.545 1,51997 699.198 1.300.150 1,91998 776.031 1.536.049 2,0

Fonte: MEC/Sediae/Sinopse Estatística do Ensino Superior.

TABELA 9

Evolução do Número de Cursos, por Dependência AdministrativaBrasil – 1984-1998

Anos Total Federal Estadual Municipal Particular

1984 3.806 960 433 344 2.0691985 3.923 989 461 335 2.138

1987 4.188 1.041 554 326 2.267

1988 4.288 1.054 600 273 2.3611989 4.453 1.073 613 258 2.509

1990 4.712 1.085 644 272 2.711

1991 4.908 1.143 684 312 2.7691992 5.081 1.154 723 367 2.837

1993 5.280 1.185 739 369 2.987

1994 5.562 1.270 769 373 3.1501995 6.252 1.536 876 370 3.470

1996 6.644 1.581 964 433 3.666

1997 6.132 1.316 939 443 3.4341998 6.950 1.338 1.125 507 3.980

1988/98 (%) 62,1 26,9 87,5 85,7 68,6

Fonte: MEC/Inep/Seec.

TABELA 10

Número de Cursos, por Área do Conhecimento, segundo RegiõesBrasil – 1998

Total Ciências Ciências Engenharia/ Ciências Ciências Ciências Ciências Lingüística, CicloRegiões Exatas e Biológicas Tecnologia da Saúde Agrárias Sociais Humanas Letras e Básico

da Terra Aplicadas Artes

Brasil 6.950 1.116 204 269 871 250 2.122 1.436 680 2Norte 387 66 12 15 37 17 97 97 46 -

Nordeste 1.134 186 49 43 120 37 285 286 128 -

Sudeste 3.247 503 79 145 472 101 1.045 600 301 1

Sul 1.575 260 40 58 189 70 503 317 138 -

Centro-Oeste 607 101 24 8 53 25 192 136 67 1

Fonte: MEC/Inep/Seec.

Page 52: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

53

O ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO NOS ANOS 90

Regiões/ 1990 1998 1990/98

Grau de Formação Total % Total % %

Brasil 131.641 100,0 165.122 100,0 25,4Sem Pós-Graduação 45.352 34,5 30.890 18,7 -31,9

Especialização 41.597 31,6 57.677 34,9 38,7

Mestrado 27.753 21,1 45.482 27,5 63,9Doutorado 16.939 12,9 31.073 18,8 83,4

Norte 4.151 100.0 7.148 100,0 72,2Sem Pós-Graduação 1.629 39.2 1.870 26,2 14,8Especialização 1.395 33.6 3.011 42,1 115,8

Mestrado 885 21.3 1.764 24,7 99,3

Doutorado 242 5.8 503 7,0 107,9

Nordeste 22.293 100.0 25.479 100,0 14,3Sem Pós-Graduação 8.771 39.3 5.704 22,4 -35,0

Especialização 6.305 28.3 8.966 35,2 42,2Mestrado 5.422 24.3 7.488 29,4 38,1

Doutorado 1.795 8.1 3.321 13,0 85,0

Regiões/ 1990 1998 1990/98

Grau de Formação Total % Total % %

TABELA 11

Número de Cursos, por Área de Conhecimento, segundo Natureza e Dependência AdministrativaBrasil – 1998

Natureza e Ciências Ciências Engenharia/ Ciências Ciências Ciências Ciências Lingüística, CicloDependência Total Exatas e Biológicas Tecnologia da Saúde Agrárias Sociais Humanas Letras e BásicoAdministrativa da Terra Aplicadas Artes

Total 6.950 1.116 204 269 871 250 2.122 1.436 680 2Federal 1.338 228 50 70 185 89 298 271 147 -

Estadual 1.125 219 59 48 125 50 175 294 154 1

Municipal 507 83 14 15 41 12 164 131 47 -

Particular 3.980 586 81 136 520 99 1.485 740 332 1

Universidades 4.591 766 173 182 676 197 1.212 942 441 2Federal 1.279 220 50 47 177 82 290 267 146 -

Estadual 984 197 59 34 110 47 156 253 127 1

Municipal 310 46 7 13 31 6 107 78 22 -

Particular 2.018 303 57 88 358 62 659 344 146 1

Federações e Integradas 730 124 15 18 66 13 275 151 68 -Federal - - - - - - - - - -

Estadual - - - - - - - - - -

Municipal - - - - - - - - - -

Particular 730 124 15 18 66 13 275 151 68 -

Estabelecimentos Isolados 1.629 226 16 69 129 40 635 343 171 -Federal 59 8 - 23 8 7 8 4 1 -

Estadual 141 22 - 14 15 3 19 41 27 -

Municipal 197 37 7 2 10 6 57 53 25 -

Particular 1.232 159 9 30 96 24 551 245 118 -

Fonte: MEC/Inep/Seec.

TABELA 12

Distribuição e Taxa de Crescimento das Funções Docentes em Exercício, segundo Regiões e Grau de FormaçãoBrasil – 1990-1998

Sudeste 73.021 100.0 86.759 100,0 18,8Sem Pós-Graduação 24.396 33.4 15.085 17,4 -38,2

Especialização 21.363 29.3 27.822 32,1 30,2Mestrado 14.997 20.5 23.121 26,6 54,2

Doutorado 12.265 16.8 20.731 23,9 69,0

Sul 24.567 100.0 33.963 100,0 38,2Sem Pós-Graduação 7.808 31.8 5.666 16,7 -27,4

Especialização 9.797 39.9 13.182 38,8 34,6

Mestrado 4.991 20.3 10.156 29,9 103,5Doutorado 1.971 8.0 4.959 14,6 151,6

Centro-Oeste 7.609 100.0 11.773 100,0 54,7Sem Pós-Graduação 2.748 36.1 2.565 21,8 -67,0Especialização 2.737 36.0 4.696 39,9 71,6

Mestrado 1.458 19.2 2.953 25,1 102,5

Doutorado 666 8.8 1.559 13,2 134,1

Fonte: MEC/Inep/Seec.

Page 53: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

54

TABELA 13

Número de Funções Docentes em Exercício, por Natureza e Dependência Administrativa, segundo Grau de FormaçãoBrasil – 1998

Grau de Formação Total GeralTotal Universidades Outras IES

Federal Estadual Municipal Privada Pública Privada Pública Privada

Total 165.122 45.611 30.621 7.506 81.384 75.485 44.528 8.253 36.856Sem Pós-Graduação 30.890 7.767 5.512 1.049 16.562 12.518 8.908 1.810 7.654

Especialização 57.677 8.303 8.158 4.332 36.884 16.992 17.830 3.801 19.054

Mestrado 45.482 16.371 7.003 1.699 20.409 23.254 12.441 1.819 7.968

Doutorado 31.073 13.170 9.948 426 7.529 22.721 5.349 823 2.180

Fonte: MEC/Inep/Seec.

TABELA 14

Evolução do Número de Cursos, do Alunado e dos Titulados, por NívelBrasil – 1976-98

AnosCursos Alunos Matriculados Titulados

Mestrado Doutorado Total Mestrado Doutorado Total Mestrado Doutorado Total

1976 561 200 761 24.190 2.041 26.231 2.199 188 2.387

1977 618 219 837 28.546 2.977 31.523 2.907 316 3.223

1978 664 235 899 30.109 3.522 33.631 3.885 376 4.261

1979 703 252 955 32.330 3.971 36.301 4.003 465 4.468

1980 726 277 1.003 34.550 4.419 38.969 4.121 554 4.675

1981 736 285 1.021 35.409 5.709 41.118 3.952 551 4.503

1982 760 301 1.061 36.268 6.999 43.267 3.782 547 4.329

1983 777 314 1.091 37.351 6.564 43.915 3.968 587 4.555

1984 792 333 1.125 37.985 7.151 45.136 3.657 628 4.285

1985 820 346 1.166 37.943 7.871 45.814 3.802 720 4.522

1986 829 353 1.182 37.825 8.627 46.452 3.630 743 4.373

1987 861 385 1.246 30.337 8.309 38.646 3.865 1.005 4.870

1988 899 402 1.301 31.575 8.515 40.090 3.965 990 4.955

1989 936 430 1.366 33.273 9.398 42.671 4.797 1.139 5.936

1990 964 450 1.414 36.502 10.923 47.425 5.579 1.410 6.989

1991 982 468 1.450 37.205 12.015 49.220 6.772 1.750 8.522

1992 1.018 502 1.520 37.412 13.682 51.094 7.272 1.759 9.031

1993 1.039 524 1.563 38.265 15.569 53.834 4.557 1.875 6.432

1994 1.119 594 1.713 40.027 17.361 57.388 7.550 2.031 9.581

1995 1.159 616 1.775 43.121 19.492 62.613 8.982 2.497 11.479

1996 1.180 627 1.807 44.925 22.004 66.929 10.356 2.972 13.328

1997 1.263 671 1.934 47.271 24.250 71.521 11.925 3.604 15.529

1998 1.339 727 2.066 50.844 26.797 77.641 12.510 3.945 16.455

Fonte: MEC/Inep/Seec.

Page 54: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

55

O ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO NOS ANOS 90

bela 14). Ao contrário da graduação, a pós-graduação en-contra-se concentrada basicamente nos estabelecimentospúblicos (federais e estaduais). Entre outras contribuições,a pós-graduação atraiu e institucionalizou a pesquisa nointerior de algumas universidades e/ou instituições, possi-bilitou o desenvolvimento de um ethos acadêmico e a cons-tituição da profissão acadêmica no país.

Tudo leva a crer que a recente expansão dos ensinosde graduação e de pós-graduação foi estruturada a partirde lógicas e práticas acadêmicas bastante distintas.

De certa forma, pode-se afirmar que a graduação seexpandiu de forma desordenada, sem planejamento estra-tégico a longo prazo, ao sabor das pressões da demandapor ensino superior e oriunda de grupos interessados emadquirir e/ou acumular um capital escolar. Cresceu tam-bém ao sabor da oferta, uma vez que sua expansão emgrande escala, como assinalado anteriormente, foi coman-dada por um setor privado laico, portador de forte ethosempresa-rial, quase sempre voltado mais para a rentabili-dade voraz de seus investimentos que para a busca siste-mática de melhoria do ensino de graduação.

Por outro lado, as instituições públicas, com poucasexceções, também planejaram de modo satisfatório o cres-cimento e a melhoria do ensino da graduação. Talvez sejamais correto afirmar que o sistema de graduação foi emgrande parte o resultado de uma não-política.

A Lei no 5.540 que comandou a Reforma Universitáriade 1968, basicamente voltada para as instituições públi-cas, instituiu o sistema de créditos, aboliu o curso seriado,transformou os departamentos em unidades mínimas dosistema. Por meio dessa lei foi modificada também a car-reira do magistério, introduzindo-se a dedicação exclusivaàs atividades acadêmicas e adotando-se o princípio daindissolubilidade entre ensino e pesquisa. Na verdade, quan-do se olha retrospectivamente para o funcionamento dagraduação, constata-se que, enquanto tendência, existiu umimenso descompasso na união do ensino com a pesquisanesse nível. Geralmente, alocaram ali os professores commenor experiência e titulação acadêmica, com a funçãoprecípua de transmitir os conhecimentos de sua área.

A graduação foi formada a partir de um sistema de cré-ditos, sem um sólido sistema de orientação, onde, em prin-cípio, o aluno deveria escolher as disciplinas. No entanto,os currículos de 1968 incharam-se de tal maneira que difi-cultaram enormemente as escolhas adequadas. Os pré-re-quisitos, de certa forma, amarraram os alunos, levando-osa permanecer no curso por um longo período, ou então aevadir do curso ou do sistema de ensino de terceiro grau.

A graduação, durante as décadas de 70 e 80, cresceuno número de alunos e professores, mas não houve esfor-ços contínuos de implementação de programas para en-frentar esse aumento da demanda, nem para enfrentar aentrada de um público mais diversificado socialmente. Oresultado dessa não-política foi o aumento considerávelda evasão, um desperdício enorme de estudantes, de dis-ciplinas e uma refração à mudança e à modernização des-se nível de ensino.

Sem montar um adequado planejamento para orientarseu crescimento, sem uma política de fomento para amelhoria acadêmica, sem um eficiente sistema de avalia-ção, sem pesquisa e sem prestígio acadêmico, a gradua-ção permaneceu por um longo período como a expressãoprofana do ensino superior.

Ao contrário dessa situação, a pós-graduação cresceude forma mais planejada e orientada. Como exemplo, men-cionemos a existência dos Planos Nacionais de Pós-Gra-duação18 que traçaram rumos bem-definidos para a suaexpansão e, a seu lado, os órgãos de fomento nacionais einternacionais investiram de forma sistemática na implan-tação desse nível de ensino. Diferentemente do ensino degraduação, a expansão da pós-graduação foi o resultadode uma política indutiva orientada e conduzida pelo po-der central.

No âmbito das políticas públicas no Brasil, a pós-gra-duação se apresenta como um dos setores em que o plane-jamento de médio e de longo prazo tem desempenhado umpapel significativo. Essa formação é uma obra conjunta dacomunidade acadêmica nacional e da participação decisi-va das agências de fomento nacionais. Um dos êxitos des-se sistema deve-se à montagem de um eficiente método decredenciamento, no qual se analisa não apenas a pertinên-cia da abertura dos cursos mas suas condições acadêmicasde funcionamento, e além disso implantou-se um sistemaperiódico de avaliação daqueles em funcionamento, pro-curando detectar e sanar suas possíveis falhas.

A estrutura acadêmica da pós-graduação foi construí-da a partir de procedimentos bem-definidos. Acoplou-seo ensino à pesquisa, estabeleceu-se um número limitadode disciplinas articuladas com as respectivas linhas de pes-quisa dos cursos. Ao mesmo tempo, criou-se um sistemaeficiente de orientação de dissertações e teses. O resulta-do dessa estrutura acadêmica tem permitido um forte cres-cimento da produção científica que, em várias áreas doconhecimento, tem possibilitado a renovação de camposespecíficos do saber e contribuído para a introdução denovas questões para investigação. A pós-graduação, por

Page 55: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

56

outro lado, liga a vida acadêmica nacional a centros rele-vantes da produção científica internacional.

Contando com um planejamento adequado para orien-tar seu crescimento, a pós-graduação permanece como adimensão sagrada do ensino superior brasileiro, susten-tada por uma contínua política de financiamento pelos ór-gãos de fomento nacionais e amparada por um eficienteplano de avaliação de seus cursos. O reconhecimento aca-dêmico da pós-graduação, em virtude do prestígio da pes-quisa, forma também um locus de distinção social e aca-dêmica de seus professores, um espaço estratégico deacumulação e/ou reprodução de um capital simbólico dosatores envolvidos em suas atividades. Assim como o ca-pital tende a atrair o capital, o prestígio e reconhecimen-to acadêmicos do sistema de pós-graduação têm estimu-lado a manutenção de uma política sistemática de apoio ede melhoria constante de seus cursos.

O resultado dessa lógica distinta de estruturar esses doisníveis de ensino gerou um claro abandono da graduação,na avaliação, na alocação de recursos e no estímulo àmelhoria de seus cursos. Havia, de certa forma, uma pre-missa implícita na crença que a melhora da pós-gradua-ção traria o aperfeiçoamento automático da graduação.Quando se analisa a totalidade do sistema de ensino deterceiro grau no país, público e privado, percebe-se que oresultado não foi tão satisfatório quanto se esperava. Após-graduação, certamente, contribuiu de forma decisivapara melhorar a titulação dos docentes que atuam no en-sino superior no país. Mas o investimento feito na pós-graduação não produziu um efeito generalizado na me-lhoria da estrutura do ensino de graduação nas diversasinstituições espalhadas pelas várias regiões do país.

A partir dos anos 80, assistiu-se à criação de uma sériede programas para aperfeiçoar a graduação e articulá-lamelhor com a pós-graduação. Nesse sentido, vale ressal-tar, por exemplo, o impulso vigoroso das bolsas de Inicia-ção Científica patrocinadas pelo do CNPq, que tiveramuma trajetória bastante irregular mas ficaram quase está-veis por mais de duas décadas. Somente no final dos anos80 e especialmente nos anos 90, percebeu-se o crescimentosignificativo das bolsas do CNPq com a cifra de 18 milbolsas no ano de 1995. Durante a década de 90, concedeumais de 65% do total de bolsas de Iniciação Científica.

Em 1994, é lançado o Prograd (Programa de Apoio àGraduação) cujo objetivo geral era melhorar a qualidadedo ensino da graduação. Esse programa estabeleceu qua-tro linhas de ações básicas: o Programa de Licenciatura(Prolicen), o Programa de Laboratórios (Prolab), o Pro-

grama de Bibliotecas universitárias (Probib) e o Progra-ma de Informatização (Proinf). Merece também ser men-cionado o Programa de Integração Pós-Graduação/Gra-duação (Proin), criado pela Capes em 1995.

Essa preocupação maior com o aperfeiçoamento da gra-duação começou criação, em 1996, do Exame Nacionalde Cursos e da avaliação realizada in loco por comitês deespecialistas das condições de oferta dos cursos de gra-duação pelas instituições, especialmente as que obtive-ram baixa avaliação.19

Tal conjunto de iniciativas representa, certamente, um fatopositivo para a evolução da graduação, até então na zonaobscura do ensino superior. É necessário reconhecer, entre-tanto, quando se considera o tamanho e a dimensão do ensi-no superior em todo o território nacional e os desafios aoseu aperfeiçoamento, que algumas dessas iniciativas comoo Pibic, o Proin, etc. estão circunscritas a poucas institui-ções. Ao se reconhecer o valor intrínseco dessas iniciativas,deve-se ponderar que devem ser desenvolvidas em conjun-to com estratégias mais abrangentes de qualificação dos cur-sos de graduação.

O sistema de ensino superior ocupa uma posição estra-tégica e fundamental no processo de modernização e dedesenvolvimento do país. Tem a função de fornecer qua-dros profissionais capacitados e pessoal qualificado cien-tificamente para atender às diversas, e cada vez mais com-plexas, demandas tanto do setor público quanto do privado,para isso precisando melhorar continuamente seu métodode graduação. Necessita também da colaboração de seusistema de pós-graduação para formar docentes qualifica-dos, pesquisadores e recursos humanos de alto nível.

A integração entre os ensinos de graduação e de pós-graduação é altamente desejável, possível e, certamente,pode avançar mais para maior articulação entre esses doisníveis. A pós-graduação deve manter conexões mais es-treitas com o ensino de terceiro grau no país, contribuin-do com uma série de iniciativas para seu crescente desen-volvimento e modernização.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No final dos anos 90 o ensino superior na sociedadebrasileira, após um longo período de estagnação, deu mos-tras que estava recuperando sua capacidade de crescimen-to. As matrículas aumentaram em parte pela expansão doensino médio, acelerada nos últimos anos, e pela pressãode uma clientela de adultos já integrados no mercado detrabalho, que procura as instituições de ensino superior para

Page 56: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

57

O ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO NOS ANOS 90

melhorar suas chances profissionais com a obtenção de umtítulo acadêmico. Caso se mantenha a taxa média de cres-cimento de 7% ao ano, verificada no período 1994-98, te-remos aproximadamente 3 milhões de alunos matricula-dos nos cursos de graduação daqui a cinco anos.

Os dados apresentados neste artigo evidenciaram tam-bém que a expansão do ensino de graduação verificada nasúltimas décadas foi, em grande parte, atendida e patroci-nada pelo segmento privado. A rede pública, especialmen-te as instituições federais, cresceu em um ritmo mais lentose comparada ao setor privado, encontrando dificuldadepara atender à ampliação da demanda. A relativa estagna-ção do setor público mostra, de certa forma, o esgotamen-to da capacidade dos governos federal e estadual em au-mentar seus investimentos na ampliação dessas instituições,principalmente daquelas que realizam atividades de pes-quisa. Algumas instituições públicas que concentram de-terminados cursos tradicionais (direito, medicina, engenha-ria, arquitetura, odontologia, etc.) acolhem um público deconsiderável capital social e/ou escolar e têm demonstra-do sérias dificuldades para expandir suas matrículas, por-que se o fizessem teriam de incorporar outro tipo de públi-co, destituídos de distinção social.

A expansão que se anuncia a curto prazo não deveriaser realizada tão-somente pela ampliação do setor priva-do. Esse segmento, principalmente o integrado pelas ins-tituições laicas, continuará tendo uma participação des-tacada nesse processo, pelo agudo senso de oportunidadee pela sensibilidade empresarial nas demandas escolarese profissionais do público que almeja ingressar no ensinode graduação. O desenvolvimento científico, tecnológicoe cultural do país não poderá ser realizado sem a partici-pação das universidades públicas, uma vez que algumasdelas concentram o essencial da prática acadêmica, res-pondendo pelo que há de mais preeminente na formaçãoda graduação, na oferta da pós-graduação e no desenvol-vimento da pesquisa, devendo, por isso, ser amparadaspelo poder público.20 As universidades federais constitu-em uma rede nacional de estabelecimentos espalhados peloterritório nacional e necessitam de um efetivo compro-metimento por parte do governo federal em sua manu-tenção e seu aprimoramento acadêmico.

A retomada da expansão do ensino superior precisaráde novos rumos, cuja definição e implementação, estarãocondicionadas pelas raízes históricas do sistema. A tradi-ção da educação superior brasileira não é universalista.Mais do que em outros países, ela ainda permanece comfortes traços elitistas. Se o fenômeno da elitização, no iní-

cio, se identificava pelo reduzido número de instituiçõese de vagas, a evolução do sistema, decorrente da dinâmi-ca social e do aumento das possibilidades de acesso dapopulação às oportunidades educacionais mais avança-das, introduziu, paulatinamente, novos mecanismos de dis-criminação e de distinção social, especialmente aquelesligados ao recorte público/privado, universidade/institui-ção isolada, ensino de elite/ensino de massa, cursos do-minados por camadas privilegiadas socialmente/cursosque absorvem um público socialmente heterogêneo, gra-duação/pós-graduação, etc.

É difícil conceber que a sociedade brasileira venha acei-tar, como no passado, um crescimento ilusório, isto é, meroaumento quantitativo de vagas com ensino de menor qua-lidade, o que tradicionalmente acarreta salas de aulasuperlotadas e docentes pouco qualificados academica-mente. O cenário político brasileiro atual é muito dife-rente daquele dos anos 70, quando ocorreu a expansão dosistema, porque a relação entre os diversos segmentos en-volvidos com o ensino superior é distinta e dá margem areivindicações e negociações de ordem estritamente aca-dêmica que, anteriormente, não encontravam espaço ade-quado. O novo cenário da expansão deve combinar, maisdo que nunca, o aumento da capacidade de atendimentodo sistema à maior qualificação acadêmica. Essa dinâmi-ca se soma a outra, presente no mercado de trabalho, cadavez mais exigente e seletiva quanto ao perfil dos profissio-nais que se dispõe a empregar, aliado ao progressivo es-gotamento dos segmentos do mercado mais interessadosem profissionais de nível superior com perfil não dife-renciado, notadamente aquele relativo às burocracias pú-blicas. As próprias reformas em curso na administraçãopública, especialmente no nível federal e em vários esta-dos da federação, sugerem importantes modificações nessesubconjunto do mercado empregador.

Dentro do próprio sistema de ensino superior, instala-se, por um processo de concorrência inerente ao funcio-namento desse campo, uma competição pela qualidadeentre as diferentes instituições que o integram. O surgi-mento de inúmeras novas universidades, assinalado noinício deste artigo, que para continuar a sê-lo devem cum-prir uma série de requisitos legais e acadêmico-científi-cos sobre as atividades de ensino, pesquisa e extensão,exerce, de certa forma, um papel relevante rumo a pata-mares mais elevados da educação superior. Essa tendên-cia determina a necessidade das instituições perseguirempadrões acadêmicos mais elevados e desenvolver estra-tégias adequadas que atraiam e mantenham suas distintas

Page 57: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

58

clientelas, e não mais os meros objetivos de certificação.Esse processo da busca de melhoria acadêmica que se ins-tala no interior desse campo – espera-se que não seja ape-nas formal – poderá contribuir para a maior diferencia-ção na qualidade dos serviços acadêmicos oferecidos pelasinstituições. Para isso, é necessário um corpo docente efe-tivamente mais qualificado e recursos materiais suficien-tes, colocando em funcionamento propostas acadêmicasconsistentes.

A análise desenvolvida neste artigo procurou tambémdestacar que o ensino superior nos anos 90 iniciou umprocesso de diversificação institucional. O campo acadê-mico nacional vem se diferenciando não apenas em ter-mos de natureza e/ou tipo de dependência administrativade seus estabelecimentos, mas quanto a distintos perfisorganizacionais e vocações acadêmicas expressas por es-ses centros, como em relação às expectativas profissio-nais de seus estudantes e às formas desenvolvidas pelasinstituições para atendê-las.

Na verdade, um dos desafios centrais dos dias atuais parao ensino superior brasileiro é formular uma política nãodirecionada apenas para uma das partes do sistema. Aocontrário, é necessário um conjunto de ações que tenhacomo alvo o conjunto das instituições do sistema de ensi-no a ser enfrentado em sua totalidade. Trata-se, portanto,de criar mecanismos reais que qualifiquem academicamenteo sistema como um todo. A política educacional desenvol-vida a partir de 1995, através de determinadas medidas,criou condições favoráveis para a diversificação institucio-nal do ensino superior, e estabeleceu mecanismos capazesde orientar um novo processo de expansão pautado pelaqualidade acadêmica. Vale ressaltar que, na maioria dasvezes, a ação governamental concentrou-se em problemasad hoc, procurando equacionar problemas específicos, pa-recendo uma ação fragmentada ao gerar, por exemplo, umalei sobre a escolha dos dirigentes das universidades fede-rais, ao publicar um decreto especificando a natureza e ofuncionamento das instituições de ensino com finalidadelucrativa, ao formular um anteprojeto para autonomia dasuniversidades federais, etc. Essas questões são muito per-tinentes e devem ser equacionadas, mas se quer registrar,no entanto, que parece ter faltado a formulação de um pla-no mais geral e integrado para contemplar um conjunto demedidas estratégicas voltadas para o sistema como, porexemplo, iniciativas de redução das desigualdades regio-nais existentes no ensino superior, ações para uma amplapolítica de qualificação dos docentes que atuam no ensinode terceiro grau, política clara e explícita para o fortaleci-

mento das universidades federais, iniciativas voltadas paramelhorar o ensino privado, maior impacto da pós-gradua-ção no processo de aperfeiçoamento dos cursos de gradu-ação, etc.

Um dos pontos de partida para colocar em prática umapolítica voltada ao conjunto do sistema é o reconhecimen-to de que ele não é apenas desigual na qualidade do ensi-no, da pesquisa e da extensão oferecida pelas diferentesinstituições. Ele também é um sistema multifacetado com-posto por instituições públicas e privadas, com diferentesformatos organizacionais e, especialmente, múltiplos pa-péis e funções locais e regionais, de abrangência nacionale internacional. A tentativa de enquadrar toda essa riquezae pluralidade num modelo único – em boa parte comandaras representações e as práticas acadêmicas no país – sufo-cou por muito tempo todo o nosso sistema, impedindo ex-periências inovadoras capazes de aproximar essas institui-ções do seu contexto social. A reforma do ensino superioré necessária e deve, como um de seus pressupostos bási-cos, recusar deliberadamente o privilégio de um único for-mato de organização para o conjunto do sistema, de tal modoque possa permitir o aparecimento de suas reais vocaçõese potencialidades específicas no interior de cada institui-ção. Essa postura possibilitará maior articulação das insti-tuições de ensino com demandas de diferentes perfis deformação profissional advindas do mercado de trabalho,maior diálogo com as diversas aspirações de profissio-nalização dos estudantes e maior integração com os diver-sos contextos da sociedade. O sistema de ensino superiorestará com isso estabelecendo uma interação mais provei-tosa e efetiva com a sociedade brasileira.

NOTAS

1. Com a noção de campo procura-se designar um espaço social que possui umaestrutura própria, relativamente autônoma sobre outros espaços sociais, isto é,outros campos sociais. Mesmo mantendo uma relação entre si, os diversos cam-pos definem-se por objetivos específicos, o que lhes garante uma lógica particu-lar de funcionamento e de estruturação. É característico de um campo possuirsua hierarquia interna, seus espaços estruturados de posições, seus objetos dedisputa e de interesses singulares, que são irredutíveis aos objetos, às lutas e aosinteresses constitutivos de outros campos. A noção de campo reporta-se aos inú-meros trabalhos de Bourdieu (1980:113-121; 1982a:46-50; 1982b:71-91;1987:167-177; 1992:298-430).

2. As federações de escolas foram regulamentadas pelo artigo 8 da Leino 5.540/68. Segundo essa legislação, as federações de escolas são uma con-gregação de estabelecimentos isolados, que passa a ser regida por uma estruturaadministrativa comum e um regimento unificado. A criação dessa entidade foiconcebida como uma fórmula intermediária entre os estabelecimentos isolados ea universidade. O GT da Reforma Universitária, apoiando-se na Indicação no

48/67 do antigo CFE, tinha a expectativa de que essas federações, com o trans-correr do tempo, se transformassem em universidades. Ver a esse respeito Re-vista Paz e Terra (1968:253).

Page 58: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

59

O ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO NOS ANOS 90

3. Sobre a diferenciação institucional e social dos sistemas de ensino superior dealguns países, ver, por exemplo, Clark (1983); Bode (1975); Suleiman (1978);Bourdieu (1989); Passeron (1986); Brunner (1987).

4. Com relação aos privilégios do modelo universitário, o GT da Reforma Uni-versitária afirmava que: “medida em que se focaliza o conjunto, o que resulta éa preocupação de fidelidade, a idéia universitária em si mesma, suscetível deobjetivar-se nos mais variados esquemas dentro de um país que tem proporçõescontinentais... Essa consideração levou a que ainda se mantivesse o sistema deestabelecimentos isolados, atribuindo-lhes porém um caráter excepcional que fixa,mais uma vez, a universidade como o tipo natural de estrutura para o ensinosuperior”. Revista Paz e Terra (1968:253). Sobre a diversidade de projetos exis-tentes sobre reforma universitária no período enfocado, ver o artigo de Veiga(1985). Para uma discussão sobre o padrão que vinha orientando até então a di-nâmica do ensino superior brasileiro e os avanços e limites da Reforma de 1968,ver o trabalho de Fernandes (1975:65-90 e 201-242). Para uma avaliação dosganhos e perdas advindos da implantação da reforma universitária, ver o artigode Bomeny (1994). Quanto às origens da estrutura centralizada e formalizada dauniversidade brasileira, ver o trabalho de Schwartzman (1979:163-191).

5. Entre os vários diagnósticos elaborados sobre esse sistema, ver por exemplo orealizado por Durham (1993:5-38), Martins (1993:48-55); Guimarães (1993:42-47); Trigueiro (1999).6. Com relação à intensificação do debate sobre as universidades federais,desencadeado durante a última greve dos docentes dessas universidades, verpor exemplo o artigo de Giannoti (1998). Seria oportuno assinalar que algu-mas das preocupações de J.A. Giannoti com as universidades públicas brasi-leiras encontram-se desenvolvidas em trabalhos anteriores (Giannoti, 1985 e1986). Ver também o manifesto lançado por expressivos docentes e pesqui-sadores nacionais (Jornal Ciência Hoje, 25/6/1998). Esse documento, alémde assinalar com bastante ênfase o papel estratégico das universidades públi-cas, reivindica a necessidade de reformas baseadas em valores acadêmicos.

7. As sucessivas diretorias da Andes, com exceção da última eleita em 1998,têm defendido sistematicamente uma política isonômica nacional. Num de seusdocumentos, afirma-se que: “a isonomia salarial e a carreira única são fatoresindispensáveis para condições de trabalho que possam, de fato, garantir um pa-drão unitário de qualidade para a produção acadêmica nacional. Além disso, se-ria injusto e arbitrário diferenciar salarialmente o mesmo trabalho, uma vez quetrabalho igual deve ter salário igual” (Andes, 1996:11). Para um debate sobre osdiferentes projetos de autonomia para as universidades públicas, especialmenteas federais, ver o texto de Pinheiro (1998).

8. Não existe na bibliografia nacional estudos realizados sobre as universidadesestaduais tomadas em seu conjunto. Os trabalhos disponíveis sobre esse seg-mento enfocam as universidades estaduais mais antigas e portadoras de maiorprestígio acadêmico. Ver a esse respeito, por exemplo, Cardoso (1982); Fernandes(1984); Araújo (1980). O Núcleo de Pesquisas sobre o Ensino Superior da Uni-versidade de São Paulo (Nupes), vem coordenando, em colaboração com pes-quisadores do Grupo de Estudos sobre Universidade (GEU) da UFRGS, do Nú-cleo de Estudos sobre o ensino superior da Universidade de Brasília (Nesub) eda UFMG, a realização de uma pesquisa denominada As universidades estadu-ais no Brasil: características institucionais, que encontra-se em fase final e semdúvida, preencherá um espaço importante ao conhecimento de algumas das ca-racterísticas acadêmicas desse segmento do ensino superior nacional.

9. Do total dos 479 cursos de mestrado (M) e dos 369 de doutorado (D) ofereci-dos pelas universidades estaduais, a USP responde por 55,5% (M) e 62% (D); aUnesp por 21,5% (M) e 22,7% (D); a Unicamp por 9,3% (M) e 10,8% (D); aUerj por 4,5% (M) e 1,6% (D). As demais participam com 9,2% do mestrado e2,9% do doutorado. Ver a esse respeito a publicação do Capes-MEC (1997).

10. Quanto ao formato institucional das universidades comunitárias e algumasde suas características acadêmicas, ver o trabalho de Neves (1995).

11. A respeito das condições sociais que possibilitaram o aparecimento deste“novo ensino privado”, ver o trabalho de Martins (1989). A respeito de algumascaracterísticas do ensino privado, ver também Mendes e Castro (1984); Cunha(1991); Durham e Sampaio (1995). A tese de doutoramento de Casali (1989:100-233) representa uma contribuição relevante para a reconstituição do surgimentodas universidades católicas no Brasil. O trabalho de doutoramento de Sampaio(1998) também é uma contribuição fundamental para se compreender as tendên-cias mais recentes desse segmento do ensino superior.12. Com relação à noção de estratégia de reconversão, ver o artigo de Bourdieue Saint-Martin (1993). A discussão de Bourdieu sobre a adesão de uma catego-ria social às sanções e às hierarquias do sistema escolar pode ser encontrada,entre outros textos, em um artigo clássico consagrado a essa questão denomina-do Reprodução cultural e reprodução social (Miceli, 1974). Sobre as condições

sociais e a trajetória desse período de expansão do ensino superior, ver o traba-lho de Cunha (1975a) e seu artigo A expansão do Ensino Superior: causas e con-seqüências (1975); ver também Martins (1988); Durham e Sampaio (1995).

13. A comparação entre o total de matrículas e a população entre 20 e 24 anosindica que 15,8% dos jovens nessa faixa etária têm acesso ao ensino superior nopaís. No entanto, os dados mostram que 53% dos estudantes do terceiro graupossuem mais de 24 anos de idade. Sobre o acesso à educação superior no Brasile a necessidade de sua ampliação, ver Inep/MEC (1998:49-50). A propósito dacomparação do acesso ao ensino superior brasileiro com os demais países daAmérica Latina, ver o trabalho de Brunner e colaboradores (1995). A respeito dedeterminadas características dos estudantes que freqüentam o ensino de terceirograu no país, ver Schwartzman (1999).

14. Para uma discussão do custo e desempenho das universidades federais, ver odebate promovido pelo Cebrap entre diversos docentes (Novos Estudos Cebrap,1996). Consultar também Schwartzman (1996).15. Ver a esse respeito a publicação Desenvolvimento da Educação no Brasil(Ministério da Educação, 1996:29-39).

16. Sobre a criação das primeiras instituições de ensino superior no país e deseus cursos, ver Fávero (1977:20-43). Ver também o trabalho de Campos (1999).

17. Ver a esse respeito o trabalho de Schwartzman e Balbachevsky (1992). Con-sultar também o trabalho de Balbachevsky (1996). Quanto à defasagem entre osucesso da pós-graduação no país e o ritmo lento da capacitação docente para oensino superior, ver o artigo de Guimarães e Caruso (1996).

18. Até o presente momento existiram três PNPGs: o I PNPG (1975-1980), IIPNPG (1982-1985), e III PNPG (1986-1989). Para uma apreciação detalhadadesses planos e seus impactos na montagem de um sistema nacional de pós-gra-duação, consultar o trabalho de Barros (1998:115-161).

19. Quase um ano depois de instituir o Exame Nacional de Cursos, o MEC, pelodo Decreto no 2.026, estendeu de forma considerável o processo de avaliação doensino de terceiro grau. Segundo esse decreto passaria a compreender os seguin-tes procedimentos: a) análise dos principais indicadores de desempenho globaldo sistema nacional de ensino superior, por região e unidade da federação, se-gundo as áreas do conhecimento e o tipo ou natureza das instituições de ensino;b) avaliação do desempenho individual das instituições de ensino superior, com-preendendo todas as modalidades de ensino, pesquisa e extensão; c) avaliaçãodo ensino de graduação, por curso, por meio da análise das condições de ofertapelas diferentes instituições de ensino e pela análise dos resultados do ExameNacional de Cursos; d) avaliação dos programas de mestrado e doutorado, porárea do conhecimento. Esse decreto pode ser encontrado, na íntegra, em Associa-ção Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (1997:75-77).

20. Com relação à participação destacada das instituições públicas no sistemanacional de pós-graduação, consultar as publicações Capes (1996; 1997). Sobrea participação das instituições federais na produção científica e na capacitaçãodocente no país, ver os artigos de Figueiredo e Sobral (1991) e de Sérgio (1991).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDES. Proposta da Andes para a universidade brasileira. Brasília, 1996.ARAÚJO, B.J. (org.). A crise da USP. São Paulo, Brasiliense, 1980.ASSOCIAÇÃO Brasileira de Mantenedores de Ensino Superior. Ensino supe-

rior: legislação atualizada. Brasília, 1997.BALBACHEVSKY, E. “Atores e estratégias institucionais: a profissão acadê-

mica no Brasil”. Documento de Trabalho do Nupes. São Paulo, USP, n.2,1996.

BARROS, E.C. de. Política de pós-graduação: um estudo da participação dacomunidade científica. São Carlos, Ed. da UFSCar, 1998.

BODE, C. Annoted charts on germany’s higher education and research system.München, Prestel, 1975.

BOMENY, H. “A reforma universitária de 1968, 25 anos depois”. Revista Bra-sileira de Ciências Sociais, n.26, out. 1994.

BOURDIEU, P. “A expansão do ensino superior: causas e conseqüências”. Re-vista Debate e Crítica, n.5, 1975.

__________ . Questions de sociologie. Paris, Éditions de Minuit, 1980.__________ . Leçon sur la leçon. Paris, Éditions de Minuit, 1982a.__________ . Réponses. Paris, Éditions de Seuil, 1982b.

Page 59: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

60

__________ . Choses dites. Paris, Éditions de Minuit, 1987.

__________ . La noblesse d’état. Paris, Éditions de Minuit, 1989.

__________ . Les régles de l’art. Paris, Éditions de Seuil, 1992.

BOURDIEU, P. e SAINT-MARTIN, M. “Les stratégies de réconvertion”.Information sur les sciences sociales. Paris, v.XII, n.5, out. 1993.

BRUNNER, J.J. Universidad y sociedad en America Latina. México, UniversidadAutonoma Metropolitana – Azcapotzalco, 1987.

__________ . Educación superior en America Latina: uma agenda de proble-mas, políticas y debates en el umbral del año 2000. Bogotá, UniversidadNacional de Colombia, 1995.

CAMPOS, E. As profissões imperiais – medicina, engenharia e advocacia noRio de Janeiro (1822-1930). Rio de Janeiro, Record, 1999.

CAPES-MEC. Avaliação da pós-graduação: síntese dos resultados 1981-1993.Brasília, 1996.

__________ . Uma década de pós-graduação: 1987-1996. Brasília, 1997.

CARDOSO, I. A universidade da comunhão paulista: o projeto de criação daUniversidade de São Paulo. São Paulo, Autores Associados/Cortez, 1982.

CASALI, A. A universidade católica no Brasil: elite intelectual para a restau-ração da Igreja. Tese de Doutorado. São Paulo, PUC, 1989.

CEBRAP. “Crise e reforma do sistema universitário”. Novos Estudos Cebrap,n.46, nov. 1996.

CLARK, B. The higher education system. Academic organization in cross-national perspective. Califórnia, University of California Press, 1983.

CUNHA, L.A. Educação e desenvolvimento social no Brasil. Rio de Janeiro,Francisco Alves Ed., 1975.

__________ . Educação, Estado e democracia. São Paulo, Ed. Autores Associa-dos, 1991.

DURHAM, E. “O sistema federal de ensino superior: problemas e alternativas”.Revista Brasileira de Ciências Sociais, n.23, out. 1993, p.5-38.

DURHAM, E. e SAMPAIO, H. “Ensino privado no Brasil”. Documento de tra-balho do Nupes. São Paulo, USP, n.3, 1995.

FÁVERO, M. de L. A universidade brasileira em busca de sua identidade.Petrópolis, Vozes, 1997.

FERNANDES, F. Universidade brasileira: reforma ou revolução? São Paulo,Alfa-Ômega, 1975.

__________ . A questão da USP. São Paulo, Brasiliense, 1984.

FIGUEIREDO, V. e SOBRAL, F. “A pesquisa nas universidades brasileiras”.In: VELLOSO, J. (org.). Universidade pública, política, desempenho, pers-pectivas. São Paulo, Papirus, 1991.

GIANNOTI, J.A. “A universidade e a crise”. Revista Ciência e Cultura, v.37,n.7, jul. 1985, p.235-245.

__________ . A universidade em ritmo de barbárie. São Paulo, Brasiliense, 1986.

__________ . “Em defesa da universidade pública”. Folha de S.Paulo, São Paulo,17/04/98.

GUIMARÃES, J. “Perspectivas para as instituições federais de ensino superi-or”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, n.23, out. 1993, p.42-47.

GUIMARÃES, R. e CARUSO, N. “Capacitação docente: o lado escuro da pós-graduação”. In: Discussão da pós-graduação brasileira. Brasília, Capes-MEC, 1996.

INEP/MEC. Plano Nacional de Educação. Brasília, 1998, p.49-50.JORNAL CIÊNCIA HOJE. Em defesa da universidade pública, 25/06/98.MARTINS, C.B. Ensino pago: um retrato sem retoques. São Paulo, Cortez, 1988.__________ . O novo ensino superior privado no Brasil. In: MARTINS, C.B.

(org.). Ensino superior brasileiro: transformações e perspectivas. São Paulo,Brasiliense, 1989.

__________ . “Caminhos e descaminhos das universidades federais”. RevistaBrasileira de Ciências Sociais, n.23, out. 1993, p.48-55.

MENDES, C. e CASTRO, C.M. Qualidade, expansão e financiamento do ensi-no superior privado. Rio de Janeiro, Educam, Conjunto UniversitárioCandido Mendes, 1984.

MICELI, S. (org.). “Reprodução cultural e reprodução social”. In: A economiadas trocas simbólicas. São Paulo, Perspectiva, 1974.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Desenvolvimento da Educação no Brasil.Brasília, 1996.

NEVES, C.B. Ensino superior privado no Rio Grande do Sul: a experiência dasuniversidades comunitárias. Documento de trabalho do Nupes. São Paulo,USP, n.6, 1995.

PASSERON, J.C. “Université mise à la question: changement de décor ouchangement de cap”. In: VERGER, J. (org.). Histoire des université enFrance. Toulouse, Privat, 1986.

PINHEIRO, M.F. As polêmicas visões da autonomia universitária. Brasília,Núcleo de Estudos sobre o Ensino Superior da Universidade de Brasília(Nesub), n.11, 1998.

REVISTA PAZ E TERRA. Relatório do Grupo de Trabalho da Reforma Uni-versitária, n.9, out. 1968.

SAMPAIO, H. O setor privado de ensino superior no Brasil. Tese de Doutora-do. São Paulo, USP, Departamento de Ciência Política, 1998.

SCHWARTZMAN, S. Formação da comunidade científica no Brasil. Rio deJaneiro, Finep, 1979.

__________ . “Políticas de ensino superior no Brasil na década de 90”. Docu-mento de trabalho do Nupes. São Paulo, USP, n.3, 1996.

__________ . “O ensino superior no Brasil – 1996”. Textos para Discussão.Brasília, Inep/MEC, n.6, 1999.

SCHWARTZMAN, S. e BALBACHEVSKY, E. “A profissão acadêmica no Bra-sil”. Documento de trabalho do Nupes. São Paulo, USP, n.2, 1992.

SÉRGIO, I. “A universidade pública, a formação de quadros e o país.” In:VELLOSO, J. (org.). Op. cit., 1991.

SULEIMAN, E. Elites en french society: the politics of survival. PrincetonUniversity Press, 1978.

TRIGUEIRO, M. Universidades públicas: desafios e possibilidades no Brasilcontemporâneo. Brasília, Editora UnB, 1999.

VEIGA, L. “Reforma universitária na década de 60: origens e implicações polí-tico-institucionais”. Revista Ciência e Cultura, v.37, n.7, jul. 1985 (Suple-mento Especial).

Page 60: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

61

UNIVERSIDADES MERCANTIS: A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO MERCADO ...

O

UNIVERSIDADES MERCANTISa institucionalização do mercado

universitário em questão

nônimo de universidade pública, gratuita, supostamenteequacionadora do ensino, na pesquisa e na extensão. Nessesentido, torna-se difícil aceitar afirmações categóricas,idealizadoras da universidade enquanto instituição social,adotadas por muitos autores que se fixam no paradigmasocial-universalista, fruto do Estado Social emergente nopós-guerra, defensores da universidade pública e do en-sino universitário como direito social, atividade não-lu-crativa e sua conseqüente provisão estatal.

O estudo do que denominamos universidades mercantisrevela a utilização de novos termos e categorias até hápouco tempo impensáveis de serem utilizados na aborda-gem do ensino superior. Dois deles utilizamos no iníciodeste ensaio: mercado de ensino e cliente-consumidor. Éinteressante verificar a rejeição de amplos setores acadê-micos à possibilidade de se compreender o aluno univer-sitário como um cliente-consumidor, a aversão de se con-siderar o ensino universitário como um produto/serviçocomercializado. São questões cujo caráter polêmico seevidencia nos estudos e pesquisas produzidos sobre oensino superior privado. Como aponta Sampaio (1998:167-168), boa parte da literatura acadêmica sobre a expansãodo ensino superior no País traz consigo uma visão nega-tiva do ensino superior privado e, em geral, esses estudos“partem do princípio que o Estado deve universalizar oensino superior público e gratuito e que, portanto, a ofer-ta privada é um desvio indesejado do sistema. Conside-

ADOLFO IGNACIO CALDERÓN

Sociólogo, Doutorando em Ciências Sociais na PUC-SP

sistema universitário brasileiro começou avivenciar a partir do início da década de 90 umagrande revolução no que diz respeito às opções

para os cidadãos clientes-consumidores no campo aca-dêmico-universitário. O cenário das universidadespaulistanas – até então dominado pelas universidadespúblicas e pelas de cunho confessional – viu-se significa-tivamente alterado com a entrada de um novo ator: as uni-versidades particulares com explícitos fins lucrativos, ge-ridos enquanto empresas educacionais, oferecendoprodutos e serviços de acordo com a demanda do merca-do, instituições estas que denominaremos universidadesmercantis.

São essas universidades que estão dinamizando o mer-cado de ensino do terceiro grau, um mercado que nãoera visto enquanto tal, mas que está se revelando muitogrande, bastante lucrativo e competitivo, ampliando as-sim a prateleira de opções para os diversos perfis do con-sumidor.

Essa realidade traz para as ciências sociais desafiosteóricos em sua compreensão, ao revelar multiplicidadede análises com implícitas opções político-ideológicas,bem como uma grande polarização teórica.

No meio acadêmico ainda existem autores que se pren-dem a modelos interpretativos os quais impossibilitamaceitar a existência de universidades com diversos perfis.Insiste-se em falar em “Universidade Brasileira” como si-

Resumo: O sistema universitário brasileiro começou a vivenciar uma profunda transformação a partir de doisfatos concretos: a emergência de instituições que denominamos como universidades mercantis e ainstitucionalização do mercado de ensino universitário. No presente artigo, tendo como referência a realidadedo Município de São Paulo, abordaremos a complexidade destes processos, fenômenos novos para a realidadebrasileira que se legitimam com a crise fiscal do Estado, sob a hegemonia neoliberal.Palavras-chave: ensino superior; universidade particular; educação no Brasil.

Page 61: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

62

ram que somente instituições públicas, mantidas com re-cursos exclusivos do Estado, podem corresponder à mis-são da universidade: formar profissionais críticos, desen-volver o conhecimento e transformar a sociedade (…) Aoferta privada de ensino superior é um mal que se propa-gou no sistema em virtude da política de favorecimento àiniciativa privada que vigorou durante o regime militarno País”. A autora afirma que em tempos de democracia“a conspiração dos governos militares que promoveu aexpansão do ensino privado é substituída pela conspira-ção neoliberal orientada por organismos internacionais”.Nessas análises, “o ensino superior privado tem objeti-vos fundamentalmente mercantis (…), operando, em ge-ral, como uma fábrica de diplomas”.

São muitas as questões vinculadas à proliferação dasuniversidades mercantis que devem ser aprofundadas: acrise da universidade pública, o redimensionamento dopapel do Estado, as funções, a qualidade e as formas degestão das universidades privadas, etc. No presente en-saio, tendo como referência a realidade do Município deSão Paulo, abordaremos e aprofundaremos somente umtópico: a institucionalização do mercado de ensino uni-versitário, fenômeno novo para a realidade brasileira quese legitima com a crise fiscal do Estado, sob a hegemonianeoliberal.

QUANDO NOVOS ATORES ENTRAM EM CENA

As universidades no Brasil surgiram somente no séculoXX pela ação do Estado. Até 1968 – início da grande Refor-ma Universitária que implantou o sistema atualmente vigente,impulsionado pelo regime militar – o sistema universitáriobrasileiro estava dividido entre universidades públicas finan-ciadas pelo Estado (aproximadamente 31 universidades) euniversidades privadas de caráter confessional. O chamadosetor privado era composto por aproximadamente 11 uni-versidades de inspiração católica e uma universidade presbi-teriana, a Mackenzie. Universidade particular era sinônimode universidade confessional. Essas universidades, emboraparticulares, pela própria missão educacional das instituiçõesreligiosas, tinham certa preocupação com a qualidade do en-sino e, em maior ou menor grau, ao longo dos anos, algu-mas delas enquadraram-se no modelo de universidade im-pulsionado pelo governo militar, voltado para a pesquisa ecom programas de pós-graduação. Nesse período, a univer-sidade ou era gratuita ou era paga, mas a instituição que co-brava pelos serviços educacionais não tinha nem poderiater fins lucrativos.

O regime militar de 64 implantou uma política de mo-dernização e reestruturação do sistema universitárioimpulsionada a partir da Lei no 5.540 de novembro de1968, incluindo importantes bandeiras do movimento es-tudantil e de docentes das décadas de 50 e 60, tais como:a abolição da cátedra; a criação do departamento comounidade de ensino e pesquisa; a organização do currículoem duas etapas – a básica e a de formação profissionali-zante; a adoção do sistema de crédito e da semestralidade;a institucionalização da pesquisa; etc. (Sampaio, 1998:44).

Além dessas medidas, a Reforma Universitária reco-nheceu no plano legal a autonomia didático-científica, dis-ciplinar, administrativa e financeira da universidade, li-mitada, entretanto, pelo Ato Institucional no 5, de 13 dedezembro de 1968, e pelo Decreto-Lei no 477, de feverei-ro de 1969. Sobre isso, Fávero (1998:198) afirma que,durante o regime militar, a gravidade do que aconteciaem relação à universidade não estava expressa nos dispo-sitivos legais, mas ocorria fora dessas normas: a univer-sidade, como a sociedade, foi submetida a um regime deterror e de silêncio. A criação e a manutenção das Asses-sorias de Segurança dentro das universidades, a fim deimpedir que mecanismos democráticos, mesmo quandoprevistos em lei, chegassem a ser efetivamente usados ouimplementados, exemplificam muito bem essa realidade.

A reforma universitária optou no plano legal pelo forta-lecimento das universidades ao decretar que o ensino su-perior deveria ser ministrado em universidades e excepcio-nalmente em estabelecimentos isolados. Apesar disso, essedispositivo legal não foi respeitado e o Conselho Federalda Educação constantemente adotava medidas que possi-bilitavam a expansão do ensino privado por meio de es-tabelecimentos isolados. Deve-se lembrar que na décadade 60 a pressão social por vagas no ensino universitárioera muito grande, continuamente havia manifestações emobilizações dos alunos que tinham conseguido entrar nauniversidade mas não estudavam, pois não havia vagas,os famosos “excedentes”. Em 1960 eram aproximadamen-te 28.728 alunos excedentes; em 1968 – início da Refor-ma Universitária – esse número saltou para 125.414 alu-nos; em 1971 esse número chegou a 161.176 alunos. Comoafirma Martins (1981:94), “o problema dos excedentesfoi contornado através de uma avalanche de autorizaçõespara abertura de novas escolas e ao mesmo tempo a per-missão para as instituições já existentes aumentarem suasvagas sem atender a grandes exigências burocráticas”.

Ao contrário dos demais países da América Latina, quediante da demanda de democratização do ensino acaba-

Page 62: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

63

UNIVERSIDADES MERCANTIS: A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO MERCADO ...

ram massificando as universidades públicas, o regimemilitar optou pelo investimento financeiro na formaçãode uma universidade pública de elite, voltada para a pes-quisa. Isso acarretou a implantação de programas de pós-graduação, a institucionalização da pesquisa acadêmica,a criação de estímulos para o desenvolvimento de pes-quisas e obtenção de graus acadêmicos, e a manutençãode um número estável e restrito de alunos, impedindo destaforma a sua massificação. Paralelamente, optou por in-centivar a criação de um sistema de ensino superior demassa que atendesse à elevada demanda social, por meiode uma rede de estabelecimentos isolados sob a iniciati-va privada, dedicada basicamente à transmissão de co-nhecimentos em grande escala.

Os empresários da educação optaram por investir nacriação de estabelecimentos isolados de pequeno porte epoucas foram as universidades mercantis criadas entre1968 e finais dos anos 80, as quais proliferaram somenteno início da década de 90. Para se ter uma noção da rápi-da expansão dessas instituições de ensino após o inícioda reforma de 68, pode-se dizer que em 1971 havia 463estabelecimentos isolados, e entre 1971 e 1975 foram cri-ados mais 162 instituições desse tipo.

Foram precisamente esses estabelecimentos isoladosque posteriormente, na década de 80, se transformaramem federação de escolas ou escolas integradas, e muitasdelas adotaram o status de universidade. Convém men-cionar que essas transformações estão vinculadas estrita-mente ao aumento de vantagens competitivas do mercado.

Aquelas universidades mercantis que em suas origensforam estabelecimentos isolados ou faculdades integradasjá estavam desde aquela época, com o caráter de institui-ção mercantil enraizado. A respeito dessas instituições,Martins (1981:80) havia apontado que “a esmagadoramaioria dessas instituições privadas que surgiram após oano de 1968 se constituíram como empresas privadas ca-pitalistas; ou seja, estavam voltadas para a procura de ren-tabilidade, utilizando a área educacional como um cam-po fértil para investimentos (…) com a finalidade deobtenção de lucro e de acumulação de capital”.

Ao longo das décadas de 70 e 80, quando da hegemoniadas universidades públicas e das universidades confes-sionais, dificilmente se poderia falar da existência de ummercado de ensino universitário: existiam poucas univer-sidades que o dinamizassem e possibilitassem o princí-pio da concorrência. Essa época pode ser considerada umperíodo de mercado restrito ou de baixa concorrência. Senos distanciarmos do mundo das universidades, podería-

mos afirmar que no mesmo período existia um grande mer-cado de ensino superior composto pelos estabelecimen-tos isolados e faculdades integradas, havendo entre elasalgumas diferenças. Embora existissem poucas institui-ções de elite, a maioria delas era composta por faculda-des caracterizadas pela mera transmissão de conhecimen-tos e pela questionável qualidade, formando um mercadofértil, no qual concorriam instituições de ensino de se-gunda e terceira divisões.

Tomando como referência o Município de São Paulo,pode-se dizer que em termos de instituições de elite, atéo final da década de 80, os cidadãos paulistanos tinhampoucas opções. Dentro da cidade podiam tentar estudarna PUC-SP, USP, ou Mackenzie. Entre os estabelecimen-tos isolados de elite de caráter público, existia a EscolaPaulista de Medicina, e de caráter privado destacavam-sea Fundação Getúlio Vargas e a Escola Superior de Propa-ganda e Marketing. Fora do Município de São Paulo aopção era migrar para outras cidades e estudar nos campida Unesp, Unicamp, UFSCar, Puccamp.

No âmbito do ensino de massa, existiam os estabeleci-mentos isolados, os mesmos que em sua maioria não eramvalorizados pela elite acadêmica, pela mídia e pelas famí-lias de classes média e alta que possuíam uma históriageracional de formação superior, devido à duvidosa qua-lidade de ensino que ofereciam, não possuindo nem status,nem prestígio, se comparadas com as universidades e osestabelecimentos isolados de elite citados. No entanto,diante da dificuldade de ingresso nas universidades, es-sas instituições tornaram-se opção de estudo superior paraum número de alunos bastante elevado; por exemplo, aFMU tinha em 1977 aproximadamente 20 mil alunos, dis-tribuídos em 16 prédios localizados na região sudeste, oes-te, sul e centro da cidade de São Paulo; no vestibular de1979 ofereceram 6.700 vagas, algumas centenas de va-gas a mais se comparadas com as 6.240 vagas oferecidaspela USP.

Em municípios próximos de São Paulo foram criadasalgumas universidades que, respeitando as regras do jogo(ensino gratuito ou pago, mas sem fins lucrativos), seautodenominavam entidades sem fins lucrativos, eramuniversidades que tiraram o monopólio confessional doensino privado, tinham proprietários, eram de qualidadequestionável se comparadas com as universidades de eli-te, não eram valorizadas pelas elites acadêmicas e sociaispaulistanas, mas muito valorizadas em seus entornosterritoriais. Elas surgiram para atender à grande demandaregional por ensino superior da população que o Estado

Page 63: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

64

não podia suprir, setores populacionais com recursos fi-nanceiros para pagar uma universidade, mas sem condi-ções de conseguir uma vaga em universidades de elite,seja pela localização, seja pelas poucas e concorridas va-gas oferecidas. Em outras palavras, eram as primeiras uni-versidades mercantis criadas para conquistar uma fatiado mercado, liberando dessa forma pontos de tensão exis-tentes em um sistema elitista que não conseguia atenderàs demandas de segmentos populacionais que almejavamser incluídos no sistema universitário. Em 1973 foi cria-da a Universidade de Mogi das Cruzes, em 1985, a Univer-sidade Brás Cubas e em 1986, a Universidade de Guarulhos.Foi na segunda metade da década de 80 que surgiu tambémuma nova universidade confessional católica, a Universida-de São Francisco que recém começava a se expandir.

O surgimento dessas universidades ainda não tornavaexplícito o princípio da concorrência entre as universida-des na cidade de São Paulo, pois as universidades de elitenão encontravam concorrência, e não havia alteração naoferta de serviços porque as opções ainda eram reduzidasse comparadas com o acirramento da competitividade domercado na década de 90.

As universidades mercantis ou, como alguns autoresas chamam, novas universidades (Almeida, 1997) surgi-ram de forma marcante a partir do final da década de 80.No Município de São Paulo foram criadas no espaço denove anos, entre 1988 e 1997, dez universidades mercan-tis (Quadro 1) e uma universidade pública (a Escola Pau-lista de Medicina transformou-se na Universidade Fede-ral de São Paulo).

Se considerarmos que até 1988 existiam em São Paulosomente quatro universidades (uma universidade pública– USP –, e três confessionais comunitárias – PUC-SP,Mackenzie e a nova Universidade São Francisco), até 1997houve um crescimento de 250% (Gráfico 1), totalizando15 universidades.

Em 2000, existe o total de dez universidades mercan-tis e cinco centros universitários, com o mesmo carátermercantil desse modelo de universidade emergente(Uninove, Unibero, Uni Sant’Anna, UNI-FMU, SãoCamilo). Em termos de opções de ensino universitário,considerando os centros universitários, que para concor-rer no mercado de ensino superior apresentam-se ao con-sumidor com a palavra UNI antecedendo seus nomes pararessaltar seu caráter universitário, pode-se afirmar que em2000 a oferta de ensino universitário foi ampliada de talforma que ele está sendo oferecido por 20 instituiçõesuniversitárias: duas universidades públicas, três univer-sidades confessionais e 15 instituições mercantis (dezuniversidades e cinco centros universitários).

Obviamente, a situação do Município de São Paulo éreflexo do que vem acontecendo no Brasil. Se no inícioda Reforma Universitária de 68 o ensino privado era do-minado por 11 universidades católicas e uma presbiteriana,até 1985 existiam 20 universidades particulares em todoo Brasil. O crescimento expressivo deu-se de 1985 a 1990,e nesse período de cinco anos houve um crescimento de100%, com a criação de mais 20 universidades particula-res. Entre 1990 e 1998 foram criadas mais 36 universida-des particulares, ou seja, entre 1985 e 1998 havia o total

Fonte: Almeida (1997).

GRÁFICO 1

Universidades, segundo o TipoMunicípio de São Paulo – 1980-1999

QUADRO 1

Universidades Credenciadas ou CriadasMunicípio de São Paulo – 1988-1997

Universidades Ano de Criação ou Credenciamento

Paulista 1988

São Judas 1989

Camilo Castelo Branco 1989

Ibirapuera 1992

Cidade de São Paulo 1992

Cruzeiro do Sul 1993

Bandeirante 1993

São Marcos 1994

Santo Amaro 1994

Anhembi Morumbi 1997

Fonte: Almeida (1997).

Page 64: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

65

UNIVERSIDADES MERCANTIS: A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO MERCADO ...

de 56 universidades privadas, um salto quantitativo de280%.

Se antes, somente existiam três universidades para todaa cidade de São Paulo, concentradas na região Centro-Oeste, em 2000 existem 15 universidades para uma me-trópole de 10 milhões de habitantes espalhadas em todasas regiões da cidade. Formaram-se mercados regionais:as universidades concorrem pelos clientes em potencialna Zona Leste, na Zona Norte, no Centro e na Zona Sul.Essa descentralização geográfica facilitou o acesso às uni-versidades, reduzindo o tempo de locomoção, fator im-portante em uma cidade caracterizada pelas grandes dis-tâncias, quilômetros de trânsito e congestionamento. Umapesquisa recente registra que a localização da universi-dade é um fator fundamental, quase determinante, nomomento em que o aluno tem de optar por estudar emuma universidade: dos 250 alunos pesquisados da Uni-versidade Ibirapuera, 87% responderam que estudam nessainstituição pela sua boa localização, porque é próxima dotrabalho ou de casa; dos 377 alunos pesquisados da Uni-versidade Cruzeiro do Sul, 83% a escolheram pelo mes-mo motivo. Os índices também se mantêm altos em ou-tras universidades: na Unicastelo, 73% dos alunospesquisados apontaram a localização; na Unicid, 65%; naUniban, 68%, na Universidade São Judas, 58% (Jardilinoe Santos, 1999).

A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO PRINCÍPIODA CONCORRÊNCIA

Sem dúvida alguma, um dos motivos principais quedeterminaram o surgimento das novas universidades foio estabelecimento das “vantagens competitivas” pelaConstituição de 1988, posteriormente regulamentado pelaLDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996,concedido à instituição universidade por meio do princí-pio da autonomia didático-científica, através do qual nãoprecisariam mais se submeter aos entraves burocráticosdo extinto Conselho Federal da Educação, seja para aabertura de determinados cursos, seja para a ampliaçãoou redução do número de vagas para atender à demanda.A legislação estabelece autonomia para as universidadescriarem, organizarem ou extinguirem, em suas sedes, cur-sos e programas de educação superior previstos na lei,contemplando algumas exceções.1 As universidades tam-bém poderiam fixar o número de vagas a serem ofereci-das ao mercado de acordo com a capacidade institucio-nal, podendo ampliar e diminuir vagas dentro de seus

recursos orçamentários disponíveis. Como apontaSampaio (1998:67), tudo isso “na prática significa fecharcursos menos procurados, abrir outros com maior capa-cidade de atrair clientela, alterar o número de vagas ofe-recidas de acordo com as oscilações das matrículas e daevasão, entre outras providências; decisões como essasde ajuste ao mercado podem ser implementadas sem se-rem submetidas à tramitação burocrática pela qual pas-sam os pleitos de autorização de cursos encaminhadospelas instituições não-universitárias”.

Com a chegada das universidades mercantis, pode-seafirmar que se institucionalizou o mercado de ensino uni-versitário. Antes do surgimento em massa dessas univer-sidades, no Município de São Paulo existiam apenas trêsuniversidades que atendiam à demanda por ensino supe-rior em universidades. Após a constituição de 1988 até asegunda metade da década de 90 constatou-se o surgi-mento de dez universidades, as mesmas que ao competirentre elas estabeleceram o princípio da concorrência. Ainstitucionalização desse mercado na década de 90 deu-se de forma acelerada e num curto espaço de tempo, re-velando uma concorrência extremamente acirrada, des-crita por alguns autores como caso de “verdadeirocanibalismo explícito”, no qual cada universidade mer-cantil tentava ganhar mais espaço e conquistar uma fatiamaior do mercado, valendo-se para isso de todos os re-cursos disponíveis na área de publicidade e marketing.Para se ter uma dimensão da importância da publicidade,um levantamento feito em 1998 mostrou que entre os 15maiores anunciantes de outdoor encontravam-se cincoinstituições de ensino privadas.

O acirramento da competição no mercado de ensinouniversitário, na primeira metade da década de 90, reve-lou a profissionalização e a agressividade das propagan-das utilizadas pelas universidades mercantis para conquis-tar o consumidor. Poderia-se dizer que, em termos depropaganda, a diferença entre o produto oferecido poressas universidades e qualquer outro produto direciona-do para o público jovem era quase inexistente.

Em contraste à década de 80 – período em que tam-bém havia propagandas, mas sem haver profissionali-zação, mercantilização e agressividade decorrente daacirrada concorrência –, a década de 90 apresentou umaguerra pelo consumidor, na qual, longe de mostrar com-promisso com a excelência acadêmica, as universida-des utilizaram-se de estratégias de sedução do clienteem potencial: os jovens egressos do segundo grau.Assim, criaram-se grandes campanhas veiculadas pe-

Page 65: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

66

los principais meios de comunicação, com artistas deTV, modelos jovens dentro de um mundo de ilusão,mostrando que estudar em uma universidade não é umacoisa chata, pelo contrário, é prazerosa e divertida,como estar em um clube de férias (Sampaio, 1998). Nofinal da década de 90, a agressividade se deu tambémno preenchimento das vagas remanescentes dos vesti-bulares, com descontos nas matrículas e nas anuidadescaso os alunos deixassem outras universidades e deci-dissem se matricular na instituição que estava fazendoa promoção. Diante do excesso de vagas ofertadas nomercado e não-preenchidas, as universidades faziam,após o vestibular, o número de chamadas necessáriopara preenchê-las, bem como faziam mais de um vesti-bular para um mesmo semestre.

Considerando as diferenças entre universidades,Almeida (1997) assinala que as universidades históricase tradicionais geralmente restringem suas estratégias demarketing ao que Theodore Levitt (1985) chama de pro-duto genérico, isto é, ao produto em si: os cursos que es-tão sendo oferecidos ao mercado. Já essas novas univer-sidades, na sua estratégia mercadológica, tendem a mostraroutros elementos ou qualidades distantes do produto emsi, os mesmos que muitas vezes ganham maior destaqueque o principal produto oferecido pela universidade: opróprio curso. São aspectos que procuram seduzir o con-sumidor e tornar atraente o produto genérico. Almeida(1997) aponta que, na guerra pelo consumidor, uma pis-cina, uma sala de musculação, uma localização próximado metrô, um salão de beleza, uma sala de informática,convênios com “grandes” empresas, uma escola de mo-torista, um instituto de idiomas, uma praça de alimenta-ção, são elementos que ganham ênfase, muitas vezes maiorque o curso ofertado pela universidade. Nesse sentido, asuniversidades mercantis acabam enfatizando outros as-pectos que Levitt chama de produtos esperados pelo cli-ente (engana-se quem acredita que todo cliente procurasomente ensino de qualidade), produtos aumentados (es-tratégias que ampliam o produto além do que é solicitadoou esperado pelo cliente), produtos potenciais (o que sepode acrescentar de novo ao produto).

A guerra entre universidades explicitada na primeirametade da década de 90 ganhou novos contornos apósdeterminadas exigências legais ocorridas com a LDB, es-pecificamente com a Portaria no 971 de 22 de agosto de1997, que determinou que as universidades deveriam tor-nar públicas, através de catálogo a ser enviado à Secreta-ria de Educação Superior do MEC – Ministério de Edu-

cação e do Desporto, as condições de oferta de cursos,fazendo constar uma longa e minuciosa lista de informa-ções sobre os dirigentes da universidade e os coordena-dores dos cursos, os valores das mensalidades, a infra-estrutura, os resultados das avaliações do MEC, etc.2

Sampaio (1998:353) registra três mudanças significa-tivas na propaganda escrita, a partir da introdução dessasexigências legais:- as duas folhas dobradas típicas de folders, passaram aser 20 ou 30 páginas, organizadas e diagramadas comorevistas;- as atividades escolares e as instalações físicas passarama ser o foco das atividades, os alunos estudando ou usan-do a infra-estrutura acadêmica tornaram-se coadjuvantesdessas instalações;

- os catálogos dão a impressão de não se destinarem aovestibulando, mas ao MEC.

Essa interferência legal possibilitou que as estratégiasde marketing e publicidade deixassem de enfocar os pro-dutos ofertados pelas universidades mercantis como maisuma mercadoria para o público jovem, bem como reve-lou o surgimento de um Estado preocupado com a garan-tia de informações minimamente necessárias para que oconsumidor tenha maiores condições de discernir sobre aescolha do produto que se encaixe em suas necessidadese condições financeiras.

Com a institucionalização do princípio da concorrência,constata-se a passagem de um “mercado de demanda” parauma estrutura mais seletiva de “mercado de oferta” (Calleja,1990). Com o monopólio da PUC-SP e Mackenzie no cam-po universitário privado, no Município de São Paulo, pre-dominava o mercado de demanda, para o qual qualquer pro-duto oferecido por essas universidades encontrava umnúmero elevado de consumidores, pois havia uma grandedemanda por produtos dessas instituições. Naquela época,se essas universidades houvessem ampliado a oferta de cur-sos por meio da criação de uma estrutura multicampi, semdúvida alguma teriam obtido facilmente consumidores paraseus produtos e, com isto, gerado lucros que teriam sido uti-lizados de acordo com suas diretrizes institucionais. Com oelevado número de universidades, assiste-se ao surgimentode um “mercado de oferta”, no qual deve-se produzir o queo mercado exige – exigências que podem ser reais ou fictí-cias – e, principalmente, o que os consumidores querem,dentro de um contexto de acirrada concorrência por clientesem potencial e, principalmente, de excesso de produtos paraum número de consumidores que, embora crescente, não con-

Page 66: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

67

UNIVERSIDADES MERCANTIS: A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO MERCADO ...

some todas as vagas e serviços oferecidos pelas universida-des particulares no Estado de São Paulo. Assim o “mercadode oferta” é resultado da junção de vários elementos: de umcenário de grande concorrência, do excesso de produtos emrelação ao número de consumidores em potencial e das no-vas exigências do mercado, predominantemente voltado paraa prestação de serviços.

CONCORRÊNCIA, DIVERSIFICAÇÃOE DIFERENCIAÇÃO

No panorama nacional constatou-se, nos últimos anos,uma certa estagnação do número de matrículas nas IES –Instituições de Ensino Superior privadas (englobando-seuniversidades, federações de escolas, faculdades integra-das e estabelecimentos isolados), com um ligeiro crescimentoem 1998 (Schwartzman, 1999), enquanto no Estado de SãoPaulo o mercado apresentou uma demanda que crescen-temente veio sendo atendida pelas universidades particu-lares. Em 1995 as IES privadas representavam 75,9% dototal das matrículas do Estado, crescendo para 77,7% em1996, 79,1%, em 1997, chegando a 80,6%, em 1998.

Se por um lado o número de matrículas aumentou, poroutro se deve destacar que, em 1998, 14,4% das vagasoferecidas não foram preenchidas. Isso quer dizer que exis-tiam 12.341 vagas à disposição dos consumidores. A ne-cessidade de preencher essas vagas foi um dos motivosque contribuiu para a acirrada competição no mercado deensino universitário.

A institucionalização do mercado deixa explícita umadiversificação de produtos e serviços educacionais semprecedentes, bem como uma acentuada diferenciação en-tre as universidades que interagem no mercado de ensi-no. É precisamente essa grande diversificação de produ-tos e serviços,colocados no mercado por universidadescom os mais variados perfis e missões institucionais, quecaracteriza o chamado “mercado de oferta” em contrapo-sição ao “mercado de demanda”.

Deixando de lado a USP que possui financiamento es-tatal, a PUC-SP e a Universidade Mackenzie são institui-ções tradicionais vinculadas à qualidade de ensino e exce-lência acadêmica, seja na graduação, como no Mackenzie,ou graduação e pós-graduação, como na PUC-SP, as mes-mas que dentro da cidade de São Paulo podem ser consi-deradas top-universidades, caracterizando-se por possuí-rem prestígio obtido em tempos de mercado restrito oude baixa concorrência. Nesse novo cenário de acirradaconcorrência, as top-universidades vêm adaptando-se aos

novos tempos, pois elas, tanto quanto as universidadesmercantis, também dependem das mensalidades pagaspelos alunos para garantir seus financiamentos. Comoassinalam Tachizawa e Andrade (1999:22), nessa novaera de competição nenhuma universidade pode se sentir“excessivamente confiante com as fatias de mercado e asposições competitivas conquistadas (...). Com mercadose seus protagonistas em constante modificação, a possi-bilidade de que as IESs possam estabelecer vantagem com-petitiva duradoura não existe mais. Nenhuma instituiçãode ensino superior, enfim, pode se dar ao luxo de descan-sar sobre seus louros; cada qual tem de inovar incessan-temente para poder competir e sobreviver”.

O “mercado de oferta” exige que as top-universida-des, além de profissionalizar as propagandas publicitári-as, estejam atentas às novas demandas do mercado, ofe-recendo novos produtos e aprimorando aqueles que jáoferecem. No caso da PUC-SP, verificou-se em 1999 ooferecimento de novos cursos no âmbito da graduação,como Turismo, Comunicação e Artes do Corpo, Tecnologiasde Mídias Digitais e Comunicação em Multimeios. Aliás,o curso de Turismo geralmente tem sido considerado comoum curso técnico e sobre ele sempre recai um olhar demenosprezo acadêmico.

O aprimoramento permanente dos produtos é uma decor-rência não somente da competição do mercado, mas tam-bém do surgimento de uma série de medidas governamen-tais que estabelecem parâmetros para medir a qualidade dosprodutos oferecidos pelas universidades, os mesmos quepodem ser considerados instrumentos de auxílio ao consu-midor no momento da escolha dos produtos universitários.No mercado do ensino universitário não há espaço para ins-tituições que queiram se valer da fama conquistada com aboa “imagem de marca”; mecanismos de avaliação de cur-sos, tais como o Exame Nacional de Cursos e a avaliaçãoanual das condições de oferta (contemplando três itens: qua-lificação dos professores, organização didático-pedagógicae instalações da faculdade), impulsionados pelo Estado, obri-gam as universidades de excelência a rever constantementeseus produtos. Isso pode ser exemplificado com o que acon-teceu após a divulgação da avaliação do MEC de cursos su-periores correspondentes aos anos 1998 e 1999. Em 1999, oMEC apresentou uma lista com 101 cursos de graduação queteriam de ser reavaliados ou corriam o risco de perder a au-torização para funcionar. Nessa lista estava incluído o cursode Direito da Universidade Mackenzie – os alunos tiverammuito bom desempenho no provão de 1996, 1997 e 1998,ao obterem letra A, B, A, respectivamente – devido aos itens

Page 67: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

68

instalações e organização didático-pedagógica, considera-dos insuficientes. Em 2000, o MEC divulgou uma lista de94 universidades com o risco de perder o credenciamento,incluindo o curso de Jornalismo da PUC, cuja qualificaçãodocente e de infra-estrutura foram avaliadas como insufi-cientes. Em ambos os casos as reitorias, coordenadores,professores e alunos se posicionaram e questionaram osmétodos utilizados pelo MEC. No caso da UniversidadeMackenzie, os próprios alunos, que na época se mobiliza-ram contra a atitude do MEC, declararam na imprensa a ocor-rência de mudança e melhorias no curso. No caso da PUC, ofato ainda é muito recente para se verificar as mudanças queprovavelmente virão no curso de Jornalismo.

“Admite-se que os estatutos eram freqüentemente mal-aplicados; os programas, estudados de maneira incomple-ta; as durações obrigatórias dos estudos, não respeitadas,mesmo os exames algumas vezes eram fraudados; negli-gência e fraude grassavam amplamente (…) O acesso rá-pido e a baixo custo do diploma constituía o objetivo con-fesso de muitos estudantes” (Charle e Verger, 1996:29).

Se afirmássemos que o texto acima foi extraído de umapesquisa sobre as universidades paulistas da década de 80,imediatamente o leitor se lembraria das universidades quetinham fama de comercializar títulos, de formar bacharéiscom vistas grossas em relação à sua freqüência às aulas. Poisbem, o texto acima foi retirado de um livro no qual se des-creve a situação de muitas universidades provincianas nofinal da Idade Média. O seguinte texto pode ser ainda maiselucidativo: “…a partir do século XVII (…) Na França, seas principais universidades – Paris, Toulouse ou Montpellier– preservavam um determinado nível de exigência, peque-nas universidades provincianas – Avignon, Orange, Orléans,Nantes, Caen, Reims – especializaram-se vergonhosamentena venda de graus a preços de liquidação e sem exame sério.A fraude revestia-se de múltiplas formas: teses redigidas porautores profissionais, envio de substituto em lugar do ver-dadeiro candidato, inscrições prévias feitas por correspon-dência, etc. É impossível avaliar a importância dessas práti-cas, mas elas eram amplamente difundidas...” (Charle eVerger, 1996:60).

Os textos citados mostram que a diferenciação entreas universidades sempre fez parte dos sistemas universitá-rios. No Brasil, sempre houve uma profunda diferencia-ção em diversos momentos da sua história. Com a entra-da em cena das universidades mercantis, na década de90, as diferenciações entre instituições podem ser cons-tatadas a partir de diversas variáveis, como qualidade,missão, preço, localização, etc.

Por sua vez, a existência de mecanismos públicos deavaliação possibilita também a hierarquização das univer-sidades, pois existem indicadores que permitem colocaras universidades em uma hierarquia a partir de critériosde avaliação de qualidade instituídos pelo Estado. Asuniversidades tradicionais terão de esforçar-se para justi-ficar a fama e o prestígio adquiridos em tempos de mer-cado restrito; por sua vez, as universidades mercantispoderão se diferenciar, ganhando destaque no nicho demercado escolhido.

Eunice Durham e Helena Sampaio (1996), utilizando ostrabalhos de Geiger (1986), afirmam que “la educación su-perior privada en Brasil se encuadraría dentro de lo que eldefine como mass private sector, que cumplen esencialmenteel papel de acomodar el grueso de la demanda popular poreducación superior”. Sob essa perspectiva, o mass privatesector, se caracterizaria por:- complementar os setores públicos que são relativamen-te pequenos, mais seletivos e fortemente voltados para ascarreiras de elite;- rápido poder de expansão mobilizando recursos privados,com o propósito de absorver e adaptar-se à demanda;- atender à demanda em grande escala, de forma rentável,comprometendo a qualidade dos produtos.

Diante da grande diversificação institucional que vemocorrendo no mercado de ensino universitário, pode-seafirmar que a categoria universidade mercantil é muitomais ampla e rica do que as restrições do mass privatesector. Deve-se ter claro que, no Brasil, as universidadesmercantis nasceram para atender às demandas de massa,mas isso não significa que não possam existir universida-des mercantis que sejam centros de excelência, como exis-tem em outros países, onde a maioria desses centros estávinculada à iniciativa privada. Nesse sentido, é fundamen-tal distinguir as universidades mercantis de massa e asuniversidades mercantis de elite.

Sem dúvida alguma, as universidades mercantis sur-giram no Brasil como parte do mass private sector, naesteira do ensino público voltado para o ensino de elite.3

Embora seja difícil desvincular as universidades mercantisdo mass private sector e de um ensino de qualidade ques-tionável, o surgimento de universidades mercantis de eliteé uma possibilidade aberta. A questão é definir sua mis-são e investir e competir dentro do nicho de mercado es-colhido. A emergência de instituições mercantis com qua-lidade está começando a surgir ou a se expandir, comoexemplo pode-se citar a Ibmec, faculdade com 60% de

Page 68: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

69

UNIVERSIDADES MERCANTIS: A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO MERCADO ...

docentes com o título de doutor, comandada pelos ex-ban-queiros Paulo Guedes, do ex-Pactual, e Claudio Haddad,do Banco Garantia. Esse último declarou à imprensa acre-ditar que a educação privada pode dar dinheiro e oferecerqualidade. Na mesma perspectiva, cita-se a nova Facul-dade Trevisan, resultado da sociedade entre o empresárioAntoninho Trevisan e o Banco Fator, que planeja investir18 milhões de reais nos próximos quatro anos. Nela osalunos trabalham com laptops fornecidos pela faculdade(Folha de S.Paulo, 28/12/98).

A LÓGICA EMPRESARIAL EM QUESTÃO

As universidades mercantis caracterizam-se pela predo-minância da lógica empresarial, da procura do lucro. Fala-mos de negócios e, sob essa perspectiva, as universidadesmercantis investem onde percebem que há demanda e, por-tanto, podem obter lucro. Se tomarmos como referência oBrasil, verifica-se que 84,2% do total de universidades par-ticulares estão localizadas na região Sudeste e Sul, enquan-to 18% estão distribuídas entre a região Norte (uma univer-sidade), Nordeste (seis universidades) e Centro-Oeste (cincouniversidades). Somente no Estado de São Paulo encontra-mos 30 universidades particulares.

Além do investimento em regiões onde há demanda compoder aquisitivo para adquirir produtos educacionais, veri-fica-se que se dá prioridade aos cursos que apresentam grande

demanda e baixo custo de investimento financeiro. No Es-tado de São Paulo, em 1998, os cinco primeiros cursos emnúmero de alunos matriculados em universidades particula-res são aqueles que implicam baixo investimento. Em pri-meiro lugar está o curso de Direito com 73.580 alunos ma-triculados; em segundo, por Administração com 44.343alunos; em terceiro lugar, Engenharia com 24.565 alunos;em quarto lugar, Comunicação Social com 19.769 alunos; eem quinto, Psicologia com 15.719 alunos.

Como já foi registrado, as universidades mercantis vol-tadas para o ensino de massa apresentam como caracte-rística a procura do lucro nos nichos de competitividadeescolhidos. Em decorrência disso, pode-se verificar a im-plantação de ações voltadas para a redução dos, digamos,custos de produção, o que certamente influi na qualidadedo produto ofertado. Aliás, a questão da má qualidade dosprodutos oferecidos pelas universidades mercantis demassa tem sido talvez um dos pontos consensuais entreanalistas e pesquisadores do ensino superior.

Dados oficiais revelam que a maioria das universida-des mercantis de massa contrata professores pelo regimede trabalho hora/aula. Se o objetivo é reduzir custos, semdúvida alguma o pagamento hora/aula é o mais indicado,pois o professor recebe pela aula ministrada, mas esse sis-tema, sem dúvida, é o pior que existe, uma vez que o pro-fessor somente se interessa em chegar na sala de aula e irembora, não havendo a possibilidade de ficar auxiliando

TABELA 1

Regime de Trabalho dos Professores das Universidades Criadas após 1988Município São Paulo – 1998

Regime de Trabalho dos ProfessoresUniversidades Mercantis

Horista Tempo Parcial Tempo Integral Totalde Massa

Nos Absolutos % Nos Absolutos % Nos Absolutos % Nos Absolutos %

Paulista 561 41,2 533 39,1 269 19,7 1.363 100,0

São Judas 485 72,6 175 26,2 8 1,2 668 100,0

Camilo Castelo Branco 471 75,1 109 17,4 47 7,5 627 100,0

Ibirapuera 367 73,5 114 22,9 18 3,60 499 100,0

Cidade de São Paulo 361 61,8 169 28,9 54 9,3 584 100,0

Cruzeiro do Sul 267 59,4 132 29,3 51 11,3 450 100,0

Bandeirante 382 55,1 92 13,3 219 31,6 693 100,0

São Marcos 235 73,4 56 17,5 29 9,1 320 100,0

Santo Amaro 404 62,9 198 30,9 40 6,2 642 100,0

Anhembi Morumbi 288 75,4 65 17,0 29 7,6 382 100,0

Fonte: MEC/Inep/Seec.

Page 69: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

70

o aluno após a aula ou ficar mais 15 minutos fora delaesclarecendo dúvidas e respondendo questões que os alu-nos trazem de casa. Essas atividades fundamentais estãofora de cogitação. O professor não é estimulado pela uni-versidade e, portanto, ela não pode exigir maiores com-promissos, nem apelar para a função social do docente,pois o professor precisa trabalhar em duas, três, quatroou mais universidades para garantir um salário no míni-mo decente. Esse sistema, além de não criar vínculos en-tre a universidade e o professor, nem criar a possibilidadeda existência de um espírito de comunidade universitá-ria, faz que com que a universidade se torne um espaçode produção “fordista” de diplomas.

Se tomarmos como referência os dados existentes em1998 (Tabela 1), pode se constatar que metade das uni-versidades mercantis paulistanas mantém um índice mui-to elevado do seu corpo docente sob o regime horista,acima de 70%, e duas delas mantêm mais de 60% de seucorpo docente sob esse mesmo regime de trabalho.

Aos dados citados deve-se ainda acrescentar um outroproblema: o grau de titulação do corpo docente. Sem dú-vida, contratar professores com baixa titulação é uma for-ma de reduzir custos. No entanto, deve-se considerar queem alguns casos se dá mais importância à experiência pro-fissional do professor para a formação do aluno, do queao título de mestre ou doutor, e existem profissões e re-giões do país que dificilmente possuem mestres e douto-

res no mercado. Resta a dúvida, será que há reserva demestres e doutores suficiente para atender à grande de-manda do mercado universitário? Embora polêmico, ograu de formação constitui-se em um indicador da quali-dade do corpo docente, como apontam Silva Jr. eSguissardi (1999:52), e os resultados do provão “demons-traram inquestionavelmente que o conceito A está direta-mente relacionado a IES que possuem alto percentual(mais de 50%) de seu corpo docente com titulação demestrado e doutorado e o mesmo percentual de docentescontratados em regime de trabalho superior a 20 horassemanais”.

Em 1995, do total de professores das universidades pri-vadas citadas, 61,8% tinham apenas o título de bacharelou de especialista; 38,2% eram mestres ou doutores. Osdados de 1998 revelam um pequeno aumento do númerode mestres e doutores para 42%. O número de professo-res que têm somente graduação ou o título de especialistaainda é elevado, 58%.

Os percentuais variam de universidade para universi-dade, mas, em linhas gerais, pode-se dizer que essas uni-versidades procuram ficar no limite exigido pelo Estadopara manter o status de universidade, isto é, um terço docorpo docente com titulação de mestre ou doutor. Os ele-vados índices de professores bacharéis ou especialistaslevam a concluir que os gastos com mão-de-obra mais es-pecializada ou com investimento em programas de quali-

TABELA 2

Conceito no Provão e Ano em que os Cursos Foram Avaliados pela Primeira Vez nas Universidades Criadas após 1988Município de São Paulo – 1998

Universidades Mercantis

Curso/Conceito e Ano de Avaliação

de Massa

Administração Comunicação Direito Letras Engenharia Odontologia Matemática Veterinária

Civil Química Elétrica

Paulista C - 1996 C - 1996 B - 1998 C - 1996 D - 1997 D - 1998 C - 1997 B - 1998 B - 1997

São Judas B - 1996 C - 1998 B - 1996 A - 1998 B - 1996 B - 1998 A - 1998

Camilo Castelo Branco C - 1996 C - 1996 D - 1998 C - 1996 C - 1997 E - 1997 C - 1998

Ibirapuera D - 1996 C - 1997 C - 1998 C - 1998

Cidade de São Paulo C - 1996 C - 1997 C - 1998 D - 1997

Cruzeiro do Sul D - 1996 C - 1998 C - 1998 C - 1998

Bandeirante D - 1998 C - 1998 E - 1998 C - 1998

São Marcos C - 1996 C - 1998 C - 1998

Santo Amaro C - 1998 B - 1998 D - 1997 C - 1998

Anhembi Morumbi C - 1996 C - 1998 B - 1998

Fonte: MEC/Inep/Exame Nacional de Cursos.

Page 70: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

71

UNIVERSIDADES MERCANTIS: A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO MERCADO ...

ficação docente, bem como com encargos sociais/traba-lhistas, são elementos que pesam no momento de optarpela ampliação do quadro de docentes titulados, tudo isso,é claro, para reduzir os “custos de produção” e maximizaros lucros.

Em relação à qualidade dos cursos, até a instauraçãodo Exame Nacional de Cursos, em 1996, não existiam in-dicadores sobre a qualidade dos cursos oferecidos pelasuniversidades mercantis de massa, o único conhecido, quese generalizava, era que os cursos das universidades mer-cantis eram ruins ou de qualidade muito questionável.

Se forem considerados os conceitos obtidos na primeiraavaliação realizada nos cursos das dez universidades ana-lisadas, pode-se constatar a frágil formação recebida pe-los alunos que estudam nessas universidades, corroboran-do-se a idéia generalizada da má qualidade dessasuniversidades. Poucas se destacaram em algum curso es-pecífico. Em geral, os resultados foram reflexo da precá-ria qualidade dos cursos oferecidos. Dos 49 cursos avali-ados, 57,1% obtiveram letra C (28 cursos), 18,4%, letraD (nove cursos), 4,1%, letra E (dois cursos). Somente4,1%, equivalente a dois cursos, obtiveram letra A, e16,3%, equivalente a oito cursos, obtiveram letra B. Dentreas dez universidades, somente uma delas, a UniversidadeSão Judas, teve um desempenho bastante positivo: dossete cursos avaliados somente um curso obteve letra C,quatro cursos, letra B, e dois cursos, letra A.

OBSERVAÇÕES FINAIS

A institucionalização do mercado é uma realidade nocenário universitário que não pode ser ignorada. Os con-textos mudaram e para analisar as universidades brasilei-ras deve-se considerar não somente o mercado universi-tário como elemento impulsionador de mudanças, mastambém a passagem de um cenário marcado pelo merca-do restrito ou de baixa concorrência, que sustentaria o mer-cado de demanda, para um mercado pautado pela acirra-da concorrência, propiciando o surgimento do mercadode oferta.

A concorrência entre universidades pela ampliaçãoe conquista de novos mercados chegou a tal magnitudeque no início de 2000 colocou em crise o Conselho Na-cional da Educação – o mesmo que surgiu como alter-nativa ao tão mal-falado e desgastado Conselho Fede-ral da Educação – que se viu envolvido em sériasacusações de irregularidades. Atrás de todo esse escân-dalo, existe a pugna de interesses financeiros, interes-

ses de mercado. Duas grandes universidades mercan-tis paulistanas, a Unip e Uniban, estão se enfrentandoem diversas arenas de luta: no plano legal e no con-fronto direto pelos clientes-consumidores de produtoseducacionais, oferecendo promoções aos que adquiremseus produtos. Uma amostra disso é a propaganda daUniban, amplamente veiculada na imprensa paulistana,na qual os universitários de 2° e 3° anos de Osasco,Alphaville e Barueri que se transferirem para a Uniban,terão 50% de desconto na anuidade. O pagamento efe-tuado em outra instituição (leia-se na Unip) será inte-gralmente descontado da anuidade na Uniban. Bastaapresentar o comprovante de matrícula.

Apesar das sérias críticas que podem ser feitas, as uni-versidades mercantis de massa possuem o grande méritode atender à demanda por ensino superior que o Estadonão consegue prover. O princípio de ensino universalpúblico e gratuito constitui-se em uma importante ban-deira que não conseguiu se concretizar na realidade. Semdúvida alguma, ouvir uma afirmação categórica como “asuniversidades mercantis estão democratizando o acessoao ensino superior” deve ser frustrante para todos aque-les que sonhavam que algum dia esta democratização ocor-resse pela ampliação do serviço educativo público e gra-tuito fornecido pelo Estado. No entanto, a realidade éoutra: foram as universidades mercantis que possibilita-ram a democratização do ensino superior e foi a partir dapresença delas que um maior número de pessoas pôde teracesso a uma universidade.

A questão da qualidade de ensino é muito séria e delica-da e a intervenção do Estado é necessária, mas deve serredimensionada, não devendo limitar e coibir a iniciativa dosempresários na área do ensino superior, mas principalmentegarantir espaços e instrumentos que possibilitem a defesados direitos dos cidadãos-consumidores. Nesse sentido, osmecanismos de avaliação de qualidade, principalmente suaampla divulgação e publicização, podem contribuir para aconstrução de uma sociedade de consumidores conscientese responsáveis. Em tempos de “mercados de oferta”, existeuma grande diversidade de produtos dirigidos para clientescom os mais variados perfis, e o importante é os consumi-dores escolherem conscientemente os produtos e serviçosque irão adquirir, avaliando qualidade, expectativas indivi-duais e condições financeiras.

Finalizando, acredita-se que a esfera do mercado e do con-sumo de bens educacionais possibilita a percepção de novosespaços do exercício da cidadania. Como afirma Canclini(1995:57) o processo de consumo está sendo visto como algo

Page 71: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

72

mais complexo do que uma simples relação entre meiosmanipuladores e uma massa de consumidores dóceis. Nessesentido, “cuando se reconoce que al consumir también sepiensa, se elige y reelabora el sentido social hay que analizarcómo interviene esta área de apropriación de bienes y sig-nos en formas más activas de participación que las que ha-bitualmente se ubican bajo el rótulo de consumo. En outrostérminos, debemos preguntarnos si al consumir no estamoshaciendo algo que sustenta, nutre y hasta cierto puntoconstituye un nuevo modo de ser ciudadanos” (1995:43).

NOTAS

E-mail do autor: [email protected]. Cursos como Medicina, Odontologia e Psicologia deverão ser submetidos à pré-via avaliação do Conselho Nacional de Saúde, o curso de Direito dependerá de pré-via manifestação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.2. Entre as principais informações que devem constar no catálogo pode-se des-tacar: relação dos dirigentes, coordenadores de cursos e programas, indicandotitulação e/ou qualificação profissional e regime de trabalho; relação nominal docorpo docente da instituição, indicando titulação, qualificação profissional e re-gime de trabalho; descrição da biblioteca e laboratórios; relação de computado-res à disposição dos cursos; número máximo de alunos por turma; relação decursos reconhecidos e de cursos em processo de reconhecimento; conceitos ob-tidos nas últimas avaliações realizadas pelo MEC; valor corrente das mensalida-des por curso ou habilitação; valor corrente das taxas de matrícula e outros en-cargos financeiros a serem assumidos pelos alunos.3. Por exemplo, Di Genio, empresário, dono e reitor da Unip – UniversidadePaulista, a maior universidade do Brasil em termos de número de alunos, com53 mil alunos em 1999, levantou seu império preenchendo lacunas deixadas peloensino público. Oyama e Manso (1999) apontam o preenchimento de três lacu-nas: a) implantou uma universidade descentralizada, em contraste com a USPque centraliza a maioria de seus cursos num único campus, dificultando o acessodos alunos em termos de locomoção; b) oferece um número maior de vagas noprocesso de admissão, tornando mais fácil o ingresso a essa instituição de ensi-no; c) concentra 70% de seus cursos no período noturno, facilitando os estudospara os alunos-trabalhadores, enquanto as universidades públicas federais con-centram 85% de seus cursos apenas durante o dia.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, C.R. O brasão e o logotipo. Um estudo das novas universidades nacidade de São Paulo. Tese de doutoramento. São Paulo, Faculdade de Edu-cação da Universidade de São Paulo, 1997.

CALLEJA, T. La universidad como empresa: una revolución pendiente. Madrid,Ediciones Rialp, 1990.

CANCLINI, N.G. Consumidores y ciudadanos – conflitos multiculturales de laglobalización. Mexico D.F., Editorial Grijalbo, 1995.

CHARLE, C. e VERGER, J. História das universidades. São Paulo, Editora daUnesp, 1996.

DURHAM, E. e SAMPAIO, H. “La educación privada en Brasil”. In:SCHWARTZMAN, S. (org.). América Latina: universidades en transición.Washington, n.61, OEA/OAS, 1996 (Colección Interamer).

FÁVERO, M. de L. “Autonomia Universitária e Educação Superior no Brasil”.In: MOROSINI, M. (org.). Mercosul/Mercosur: políticas e ações universi-tárias. Campinas, Autores Associados, 1998, p.196-204.

GEIGER, R. Private sectors in higher education. Struture, funcion and changein eight countries. Michigan, The University of Michigan Press, 1986.

JARDILINO, J.R. e SANTOS, E. “Universidade e marketing: um estudo sobre arede particular de educação superior da cidade de São Paulo”. Eccos Revis-ta Científica. São Paulo, Centro Universitário Nove de Julho, v.1, n.1, dez.1999, p.129-144.

LEVITT, T. A imaginação de marketing. São Paulo, Atlas, 1985.MARTINS, C.B. Ensino pago: um retrato sem retoques. São Paulo, Editora

Global, 1981.OYAMA, T. e MANSO, B. “O dono do ensino”. Revista Veja. São Paulo, Edito-

ra Abril, 01/set./1999.SAMPAIO, H. O setor privado de ensino superior no Brasil. Tese de

doutoramento. São Paulo, Programa de Ciência Política da Faculdade deFilosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 1998.

SCHWARTZMAN, S. La universidad como empresa económica. Texto apre-sentado no Seminário “El papel de las universidades en el desarrollo so-cial”. Valdívia, Universidade Austral de Chile, março 1996, mimeo.

__________ . O ensino superior no Brasil-1998. Brasília, Inep, n.6, 1999 (Tex-to para discussão).

SILVA Jr., J. dos R. e SGUISSARDI, V. Novas faces da educação superior noBrasil. Reforma do Estado e mudança na produção. Bragança Paulista,Editora da Universidade São Francisco, 1999.

TACHIZAWA, T. e ANDRADE, R.O. Gestão de instituições de ensino. SãoPaulo, Editora Fundação Getúlio Vargas, 1999.

Page 72: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

73

A INICIAÇÃO CIENTÍFICA: MUITAS VANTAGENS E POUCOS RISCOS

A

A INICIAÇÃO CIENTÍFICAmuitas vantagens e poucos riscos*

não temos esta verdade tão explícita e visível? Simples-mente porque, se na qualidade possuímos pessoas comesses méritos, na quantidade os números são medíocres.Representamos ainda um número insuficiente para que oBrasil possa ser incluído no rol de países da vanguardatécnico-científica.

Portanto, como resolver essa incógnita da equaçãosobre o capital humano? Onde está a real dificuldade? Oproblema é que temos 170 milhões de habitantes e ape-nas 1,2% de estudantes no curso superior. Destes 2 mi-lhões de estudantes no curso superior, um terço está emuniversidades públicas gratuitas, enquanto os outros doisterços encontram-se em universidades privadas e pagas,sendo que a qualidade institucional ainda predomina naspúblicas. Embora se observem raras decisões estratégi-cas e de vontade política de instituições privadas no sen-tido de desenvolverem pesquisa, ainda há uma diferençaenorme nesta atividade a favor das instituições fomenta-das pelo poder público. Este dado é importante, pois aqualidade docente e a do ensino são diretamente vincula-das à geração e ao domínio do conhecimento e não ape-nas à sua transmissão.

Se temos então apenas um terço dos estudantes nasinstituições públicas e dois terços nas particulares, o nú-mero fica assustador quando você faz a seguinte questão:dos 170 milhões de pessoas no país, havendo 2 milhõesestudando no curso de graduação superior, quantas pas-

FLAVIO FAVA-DE-MORAES

Professor do Instituto de Ciências Biomédicas da USP e Diretor Executivo da Fundação Seade.Foi: Reitor da Universidade de São Paulo, Secretário de Estado da Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico e Diretor Científico da Fapesp

MARCELO FAVA

Professor de Odontologia Pediátrica na Unesp de São José dos Campos e Universidade Bandeirantes

Conferência Mundial sobre Ensino Superior rea-lizada pela Unesco em Paris, em 1998, e que tevea co-participação da Associação Internacional de

Universidades conseguiu agregar mais de 3.000 pessoas.Uma das conclusões desta conferência pode ser resumidanuma frase: “Não há condições de uma Nação querer sermoderna com desenvolvimento social e econômico se nãotiver base científica e tecnológica”. Depois de uma sema-na de discussão, esta resultante, embora possa parecer sim-ples, é relevante, pois agora não se trata mais de um pe-ríodo em que os grandes vencem os pequenos, os rápidosvencem os lentos, nem mesmo em que os ricos vençamos pobres, mas sim os que sabem vencem os que não sa-bem. É por isso que nos meios de comunicação observam-se, sistematicamente, expressões como sociedade da in-formação, época da informática, domínio da informação,o que indica que quem dominar o conhecimento é que terácada vez mais sucesso, como já vem acontecendo desde a2a Guerra Mundial.

Como é que o Brasil conseguirá êxito se, para termosdesenvolvimento social e econômico, precisamos possuirbase científica e tecnológica? Como estamos no Brasil?E como nos enquadramos internacionalmente? Sem dú-vida, temos pessoas qualificadas em todos os ramos deconhecimento, suficientes para transitar internacionalmen-te sem nos causar nenhum constrangimento, dialogandoem condições de igualdade profissional. Então, por que

Resumo: O artigo demonstra a importância do programa de iniciação científica para o estudante do curso su-perior, enfatizando o papel complementar de melhoria da sua análise crítica, maturidade intelectual, compreensãoda ciência e possibilidades futuras tanto acadêmicas como profissionais. Descreve as vantagens, mas tambémenumera alguns aspectos vulneráveis que refletem riscos a serem evitados. É ainda destacada a necessidade deformação de gente capacitada na área tecno-científica como premissa para o nosso desenvolvimento social eeconômico.Palavras-chave: ensino e aprendizagem; universidade no Brasil; capacitação científica.

Page 73: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

74

sam para o sistema de pós-graduação? Apenas 80.000estão matriculadas na pós-graduação, sendo que, numcurso de prazo longo, um número alto destes estudantesevade do sistema de pós-graduação. Basta dizer que, em1996, o Brasil fez 2.500 doutores, enquanto os EstadosUnidos formou 36.000 no mesmo ano. Dos 2.500 douto-res titulados no Brasil, 50% obtiveram seus títulos na USP;80% foram titulados no Estado de São Paulo e 20% dis-tribuídos em apenas outros cinco estados do país. Portan-to, tem-se uma convergência quanto à concepção de queo país é científica e tecnologicamente dependente do Su-deste, para não dizer de São Paulo. A Universidade nor-te-americana que mais doutores titulou em 1996 foi a Uni-versidade da Califórnia, em Berkley, que formou 806doutores, de um total de 36.000. Aqui em São Paulo, dos2.500 doutores, a USP formou 1.260.

Quando se verifica a produção científica, a análise ficaainda pior, porque a ciência não é um processo episódico enem instantâneo, uma vez que possui uma ação incremen-tal, de tradição, de tempo e de maturação intelectual, sendo,portanto, fruto de três vertentes muito relevantes e in-dissociáveis: constante capacitação das pessoas; infra-estru-tura adequada; e investimento permanente. O Estado de SãoPaulo fica outra vez imbatível quando comparado com ou-tros estados ou mesmo com países latino-americanos. Esseano o Estado investirá 2,4 bilhões de reais no sistema públi-co de ensino superior, ciência e tecnologia. O Estado é res-ponsável por três Universidades, 19 Institutos de Pesquisa epelo maior centro de ensino técnico (superior e médio) daAmérica Latina, que é o Centro Paula Souza, com 108 esco-las, sendo 99 de ensino médio e nove de ensino superior(Fatecs), distribuídas em quase 100 municípios do Estado.Todo esse sistema de ensino e pesquisa tem uma instituiçãode apoio, fruto de um descortino absolutamente louvável dasociedade paulista, quando, em 1947, por ocasião da primeiraConstituinte Estadual, foi criado pela Assembléia Legislativaum fundo constitucional de recursos para a pesquisa, queiniciou suas atividades em 1962 com a Fapesp – Fundaçãode Amparo à Pesquisa. Só a Fapesp investiu no Estado, en-tre 1995 e 1998, 1,2 bilhão de reais em infra-estrutura e pro-jetos de pesquisa, o que equivale a 300 milhões de reais porano, ou a R$ 1 milhão por dia útil.1 A Lei que rege a Fapespdesde a sua criação adota um princípio que estabelece o se-guinte: “A Fapesp tem como finalidade o amparo à pesquisapara as pessoas físicas ou instituições jurídicas, quer sejampúblicas ou privadas.” Ou seja, ela incorpora conceitos ab-solutamente justos: não está voltada apenas para as institui-ções jurídicas, pois permite preferencialmente o acesso in-

dividual ou em equipe de pesquisadores; não é somente parao poder público, porque também é aberta para o sistema pri-vado; não é para paulistas, mas sim para quem reside noEstado de São Paulo. Todas essas possibilidades ainda en-contram atualmente apenas um obstáculo que prejudica oacesso das instituições que são mais jovens, por quê?

À medida que a comunidade científica cresceu, aFapesp aumentou as exigências de mérito tanto dosolicitante como do projeto apresentado. O sistema tor-nou-se de fácil acesso para quem já possui doutorado, masé praticamente inacessível para quem ainda não tem estatitulação ou equivalência como pesquisador. Assim, aspessoas que estão nas instituições mais jovens, em queainda predominam as não tituladas e, portanto, sem aces-so direto, devem se agregar a pesquisadores consolida-dos que submetem seus projetos e obtêm financiamento.Este procedimento da Fapesp confere proteção importantee boa credibilidade ao pesquisador. Tendo em vista que ofinanciamento é dado ao pesquisador e não à instituição,aquele que consegue ser fomentado pela Fapesp e poste-riormente, por uma razão qualquer (de opção de vida, oude outra natureza), tiver que trocar de instituição, leva todoo projeto consigo para a nova instituição. O compromis-so perante a Fapesp é do projeto sob a responsabilidadede quem conquistou a sua execução.

Contudo, se temos instituições e pessoas se qualifican-do, embora ainda em número pequeno, qual a alternativaadotada pela comunidade acadêmica e que se tornou umatradição que conseguiu êxito? Foi a de estimular a juven-tude a fugir da rotina escolar, deixando de somente de-glutir informações e regurgitá-las nos dias das provas, depassar o curso inteiro sem fazer nada além de assistir au-las, terminar o curso, pegar o diploma e tentar se inserirno mercado de trabalho. Isso gera no estudante uma ati-tude passiva, não desenvolve seu senso de análise crítica,inibe as idéias inovadoras e, principalmente, lhe confereuma impressão errônea de que o ensino superior é um“colégio de 3o grau”, com uma rotina igual àquela dosensinos fundamental e médio. Ele vai para o mundo, in-serindo-se na sociedade com uma visão de difícil com-preensão da verdadeira realidade.

AS VANTAGENS E AS IMPRECISÕES DE UMPROGRAMA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICANUMA INSTITUIÇÃO

Evidentemente, a Iniciação Científica tem uma histó-ria mais favorável do que contrária, sendo considerada,

Page 74: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

75

A INICIAÇÃO CIENTÍFICA: MUITAS VANTAGENS E POUCOS RISCOS

de forma convicta, com mais vantagens do que impreci-sões. A primeira conquista de um estudante que faz ini-ciação científica é a fuga da rotina e da estrutura curricu-lar, pois agrega-se aos professores e disciplinas com quemtem mais “simpatia” e “paladar”, desenvolvendo capaci-dades mais diferenciadas nas expressões oral e escrita enas habilidades manuais. Os estudantes aprendem a lerbibliografia de forma crítica, uma vez que o professororientador pode lhe mostrar por que, entre o texto A e oB, o B é mais fundamentado que o A e quais as razões.Embora essa análise comparativa sobre o que é mais oumenos correto seja indispensável ao aprendizado, em ge-ral, o estudante não sabe fazê-la. Ele tem a ilusão de queo professor não erra nunca, de que a informação por elefornecida é sempre correta. Porém, há muitos exemplosem que se pode mensurar a quantidade de informaçõeserradas que docentes transmitem repetitivamente há anos.Isso acontece em maior ou menor escala em qualquerambiente coletivo, pois não há como evitar medíocres emqualquer instituição; não há como não ter parasitas nacomunidade de uma instituição. Todo o êxito do Progra-ma se resume inicialmente em encontrar pessoas de mé-rito para a sua iniciação científica.

Uma outra vantagem alcançada pelos estudantes quan-do vivenciam a iniciação científica é a de perder o medo,não ter pânico do novo. Quando se aprendem coisas comuma certa autonomia apoiada na diretriz do orientador,posteriormente, na vida prática, ao surgir a primeira difi-culdade, ele terá uma razoável habilidade para interpre-tar o fato e discernir se pode resolvê-lo ou se é precisoconsultar quem sabe mais, pois, humildemente, reconhe-cerá que não tem a solução. Existem pessoas graduadashá muitos anos que entram em uma biblioteca e não sa-bem sequer manusear fontes de referências, porque nun-ca foram habituadas a isso. Hoje, com as redes disponí-veis, há até ociosidade no uso das fontes internacionais,devido à deficiência de conhecimento sobre o inglêsoperacional. Ou seja, a informação está acessível, mas nãohá diálogo entre os autores e atores da informação, poisas dificuldades de comunicação são sérias e quase insu-peráveis.

Outro destaque refere-se ao fato de que todos os iniciantescientíficos são excelentes fontes de informação para as ade-quações curriculares de impacto nos cursos e graduação,podendo ser considerados termômetros muito importantesda qualidade do curso, do desempenho dos professores e doconteúdo dos programas, ou seja, são excelentes coope-radores do próprio modelo pedagógico.

Também pode-se mencionar que, em geral, todos osestudantes que fizeram iniciação científica têm melhordesempenho nas seleções para a pós-graduação, terminammais rápido a titulação, possuem um treinamento mais co-letivo e com espírito de equipe e detêm maior facilidadede falar em público e de se adaptar às atividades didáti-cas futuras. Por outro lado, é um erro admitir que inicia-ção científica existe exclusivamente para formar cientis-ta. Se o estudante de iniciação científica fizer carreira nessaárea, tanto melhor, mas se optar pelo exercício profissio-nal também usufruirá de melhor capacidade de análisecrítica, de maturidade intelectual e, seguramente, de ummaior discernimento para enfrentar as suas dificuldades.

Uma outra grande vantagem da iniciação científica é ade permitir que a Instituição, por este programa, favore-ça uma maior exposição dos melhores talentos dentre seusalunos. Isso não tem duplo sentido, ou seja, não impedeque uma pessoa talentosa não consiga se visibilizar se nãofizer iniciação científica, mas é sabido que os que a fa-zem, em geral, mostram “algo mais”, facilitando sua ime-diata identificação dentro do programa. Na área de enge-nharia, os estudantes envolvidos em iniciação científica,freqüentemente muito antes de terminar o curso, já estãosedutoramente convencidos por empresas de que o em-prego está assegurado. Os professores sabem, antecipa-damente, quais são os melhores alunos da iniciação cien-tífica a serem convidados para a pós-graduação. Váriosconcursos seletivos de docentes foram quase exclusiva-mente disputados por ex-alunos de iniciação científica,porque os demais não se sentiam competitivos na mesmadisputa. Existe, portanto, um diferencial muito forte a favordesse tipo de programa. Outro diferencial privilegiadomostrado pela iniciação científica em relação ao estudanteregular refere-se à chance de se entender precocementede ciência atualizada, em face do convívio com pesquisa-dores muito experientes, pois o aluno ganha muito maistempo do que se fosse aprender sozinho. Ao queimar eta-pas, integrando-se a um grupo competente, o estudantepode ter idéias muito mais criativas e sensatas. Já há evi-dências suficientes para se afirmar que foi no trabalho detese dos estudantes de pós-graduação provenientes dainiciação científica que surgiram belas idéias inovadoras.Constatou-se, nos Estados Unidos, que trabalhos selecio-nados como contribuições científicas relevantes sempreestavam vinculados a nomes notórios da ciência norte-americana. Porém, embora isto fosse verdade, verificou-se que praticamente na totalidade desses trabalhos, aque-le destacado cientista estava acompanhado por um jovem

Page 75: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

76

recém-doutorado sob sua orientação. Esses orientadores,quando entrevistados, reconheceram que boa parte do êxi-to da pesquisa proveio de idéias submetidas pelos estu-dantes durante o desenvolvimento do projeto. Ou seja, noinício, o orientador forneceu o foco temático e a pergun-ta a ser respondida, mas durante a execução, foram asinovações fornecidas pelos estudantes que garantiram oresultado final bastante criativo e original.

Além da citação de algumas vantagens, a iniciação cien-tífica também oferece um auxílio financeiro. Muitos bol-sistas utilizam estes recursos para comprar livros, fazerdocumentações, etc., montando seu próprio acervo parao futuro. Alguns usam esse auxílio para ajudar a própriafamília ou para dispensar a mesada doméstica. Portanto,a iniciação científica exercita também uma outra respon-sabilidade de natureza social perante uma realidade dife-rente daquela exclusivamente científica.

Dentre as imprecisões do programa de iniciação cien-tífica, a mais grave é a de o estudante enfrentar a decep-ção após demonstrar vontade e motivação na sua relaçãocom a ciência. Ele escolhe seu orientador com base naamizade, no tema que mais gosta, na empatia com o am-biente. O estudante que já teve dificuldade no vestibularpara decidir sobre sua vocação também terá dificuldadede escolher um bom orientador, pois ainda não é suficien-temente maduro. Portanto, neste momento, há um granderisco, pois existe professor que não orienta, só desorien-ta. Tem professor que é simpático, mas que pouco sabe,ou sabe errado; tem docente no sistema que cativa o estu-dante, mas na realidade em nada contribui para ele. Énecessário ter cuidado com quem se vincula, ou seja, se épara fazer algo mais que o simples currículo, é indispen-sável que o faça com pessoas que realmente contribuamcom o seu crescimento pessoal e intelectual. Outro cui-dado importante a considerar, pois trata-se de uma im-precisão do sistema, está no fato de que muitos iniciantescientíficos são convertidos em mão-de-obra barata doorientador, que utiliza o estudante como se fosse um em-pregado, deturpando o programa e promovendo uma tí-pica exploração de auxílio burocrático.

Outra imprecisão no sistema merece atenção. A Aca-demia de Ciência dos Estados Unidos editou, em 1993, oSimpósio “Ciência Responsável”. O texto trata muito maisdo cientista do que da ciência, contendo vários alertas aosestudantes sobre imperfeições do sistema científico, taiscomo: “Prestem atenção, embora a grande maioria dosprofessores e pesquisadores sejam corretos, o mundo aca-dêmico não é tão puro como se imagina.” Ou seja, do que

os estudantes têm que se livrar? Como é que eles podemse defender?

O estudante precisa ser informado de que, eventual-mente, há fraudes no sistema e que pelo menos três delassão consideradas criminosas: inventar, falsificar ou pla-giar resultados, sendo inaceitáveis no mundo acadêmicoe incompatíveis com a ciência.

Além desses três crimes, são elencadas pelo menosoutras 40 atitudes que, embora não classificadas comocriminosas, são tidas como de má-conduta e que o estu-dante precisa conhecer sua existência, para poder identi-ficar e evitar conscientemente este tipo de ambiente, comopor exemplo, estar no trabalho alguém que não teve par-ticipação; desenvolver um projeto e dividi-lo para publicá-lo em vários segmentos quando, na realidade, é um pro-jeto que só tem coerência na íntegra; republicar as mesmaspesquisas alterando redação e títulos, mas enfocando sem-pre os mesmos resultados; etc.

Outra má conduta é a chamada sociedade científica domútuo elogio, ou seja, a formação das famosas “paneli-nhas”. Atualmente, sabe-se que os indicadores de desem-penho científico não estão somente na publicação, mastambém nas suas citações na literatura científica, cujasrevistas são indexadas por organizações especializadas.Como decorrência, surgem os clubes das citações, em quese congregam grupos que trabalham na mesma temáticae que assumem o compromisso de se autocitarem em to-das as suas publicações.

Se o sistema científico não é integralmente puro, fe-lizmente tem muito mais mérito para se destacar. Porém,os jovens não devem ser informados só sobre o lado bom;eles também precisam ser orientados sobre os deslizes queo sistema pode oferecer e, neste sentido, os autênticoscientistas não podem se omitir.

Espera-se que essas considerações sobre o amplo es-pectro da iniciação científica e sobre sua relevância naformação de pessoal capacitado e, portanto, no desenvol-vimento da ciência brasileira sejam úteis a todos os estu-dantes.

O Brasil conseguiu, em 1997, entrar no grupo dos 20países mais produtores de ciência e tecnologia, ou seja,pela primeira vez na história, embora estejamos em déci-mo oitavo lugar, passamos a pertencer a um grupo de eli-te neste importante setor. Estamos entre os 20 mais e so-mos o único país latino-americano neste rol, o quedemonstra que estamos no caminho certo para uma realconsolidação. Não é mais privilégio de países ricos fazerpesquisa. A tese é inversa, ou seja, só país que faz pes-

Page 76: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

77

A INICIAÇÃO CIENTÍFICA: MUITAS VANTAGENS E POUCOS RISCOS

quisa tem chance de ficar rico. Portanto, estimulando ainiciação científica, que é um excelente referencial, te-mos uma boa probabilidade de identificar uma juventudebastante criativa e, com isso, conquistarmos um melhordesenvolvimento social e econômico.

NOTAS

* Texto originado a partir de conferências realizadas pelos autores.

1. Recorde-se que, neste período, havia forte similaridade entre o valor cambialdo real e do dólar americano.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARMELIN, H.A. “Apresentação”. IV Simpósio de Iniciação Científica. São Paulo,USP. 3 volumes, 1996.

BLAU, P.M. The organization of academic work. New Brunswick, TransactionPubl., 1994.

BOWEN, W.G. e RUDENSTINE, N.L. In persuit of the PhD. Princeton, PrincetonUniversity Press, 1992.

BURGEN, A. Goals and purposes of higher education in the 21st century. London,Jessica Kingsley Publ., 1996.

CARPENTIER, A. Le mal universitaire: diagnostic et traitement. Paris, Ed. RobertLaffont, 1988.

CNPq. Ciência e tecnologia: alicerces do desenvolvimento. São Paulo, Ed. Co-bram, 1994.

D’AVILA, M.I. (org.). Social development: challenges and strategies. Rio deJaneiro, Unesco/UFRJ, 1995.

FAPESP. Relatórios anuais de atividades. São Paulo, 1980-1999.FAVA-DE-MORAES, F. “Iniciação científica”. Jornal do Campus USP. São Pau-

lo, 07/05/87.KERR, C. The great transformation in higher education. State University New

York Press, 1991.MEDAWAR, P.B. Conselho a um jovem cientista. Brasília, Editora Universidade

de Brasília, 1982.MEIS, L. e LETA, J. O perfil da ciência brasileira. Rio de Janeiro, Ed. UFRJ,

1996.NATIONAL ACADEMY OF SCIENCES – USA. Responsible science.

Washington, National Academic Press, 1992.NEVES, E.M. “Iniciação científica na Esalq nos anos oitenta. Retrospectiva, pro-

blemas e perspectivas”. III Congresso de Iniciação Científica da Esalq-USP.Piracicaba, 24 a 27/08/87.

__________ . “Desperdícios de talentos”. I Reunião Paulista de Iniciação Cien-tífica em Ciências Agrárias. Piracicaba, Esalq-USP, 03 a 05/07/1989.

RAMON Y CAJAL, S. Regras e conselhos sobre a investigação científica, 3a

ed., São Paulo, Edusp, 1979.SCIENCE WATCH , S. Share of word papers slides as Europe, Asia Rise, v.8,

n.3, 1997, p.1-2.SILVA, O.D. e MESQUITA FILHO, A. Iniciação científica. São Paulo, Ed. Uni-

versidade São Judas Tadeu, 1999.TOBELEM, G. Demain, l’université. Paris, John Libbey Eurotext, 1999.VELHO, L. e VELHO, P. “A Iniciação Científica (IC) nos Estados Unidos: me-

canismos, instrumentos e recursos alocados”. Educação Brasileira. Brasília,v.20, n.41, jul.-dez. 1998, p.11-47.

Page 77: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

78

A

EDITORAS UNIVERSITÁRIASuma contribuição à indústria ou à artesania cultural?

nálise rápida do conjunto das Editoras Universi-tárias1 brasileiras mostra bem a diversidade deinterpretações para o que pode ou deve ser a

MARIA DO CARMO GUEDES

Diretora da Editora da PUC-SP, Professora da Faculdade de Psicologia e do Programade Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social da PUC-SP

MARIA ELIZA MAZZILLI PEREIRA

Vice-diretora da Editora da PUC-SP e Professora da Faculdade de Psicologia da PUC-SP

editoração institucional da/na Universidade.Catálogo de 1987, elaborado para a primeira partici-

pação do conjunto dessas Editoras na Bienal Internacio-nal do Rio de Janeiro permite observar como se fazia, àépoca, a inserção das editoras no organograma de suasinstituições: ligadas a uma das pró-reitorias (acadêmica,administrativa ou de extensão) ou subordinadas ao rei-tor, diretamente ou por intermédio da chefia de gabinete,ou, mais raramente, ao diretor de uma unidade, acadêmi-ca (um Conselho Editorial ou um dos Centros) ou não (umacoordenadoria de órgão suplementar); setor administrati-vo, tipo “imprensa universitária”, ou setor acadêmico, di-rigido por professor, ou, ainda, de responsabilidade de umdiretor subordinado a uma fundação; dirigidas por pes-soal da área acadêmica ou administrativa da Universida-de, ou por editores especialmente contratados; setor ex-clusivo para edição de livros e/ou revistas ou integrado àgráfica, respondendo por toda a papelaria da instituição;ou atividade voltada ao ensino e pesquisa em editoração.Assim, integrando diretores de órgão complementar ousuplementar, do quadro acadêmico ou administrativo, oumesmo estranhos a ele, editores, escritores, gráficos, ad-ministradores, contadores e professores das mais diver-sas áreas (literatura, arquitetura, biblioteconomia, jorna-

lismo, psicologia, física), as Editoras Universitárias en-contraram-se no seu terceiro Seminário Nacional, em Sal-vador, em 1985, quando foi decidida a participação con-junta, na Reunião Anual da SBPC, em Curitiba, e na BienalInternacional do Livro, em São Paulo, em 1986. NesseSeminário, também foi aprovada a idéia de criação de umaassociação nacional, o que veio a ocorrer em 1987, noSeminário de Goiânia.

Essas Editoras foram instaladas no bojo da ditadura.Tendo na origem a imprensa oficial, a maioria das Edito-ras federais mais antigas data dos anos 70, sendo que suaexpansão foi resultado da confluência de dois interesses:dos diretores das gráficas de universidades federais, quedesde 1976 se reuniam (Da Costa, 1992) para debater te-mas como padronização dos impressos, custos, melhor apro-veitamento dos equipamentos; e do MEC, que em 1981criou um programa especial, o Proedi,2 para “estimular apublicação da produção científica e intelectual das IES, tantopara fomentar o debate crítico (...) como para dar o im-prescindível apoio ao avanço do desenvolvimento cientí-fico e tecnológico nacional”. Responsável pela publicaçãode uma farta literatura, em geral de pesquisa, voltada a pro-blemas regionais, até 1987, ano da criação da Abeu (Asso-ciação Brasileira das Editoras Universitárias), este progra-ma atendia apenas às editoras do sistema federal.

Algumas curiosidades podem ainda ser acrescentadaspara completar esta rápida descrição:3 a Editora da Uni-

Resumo: Rápida apresentação do que a parca literatura na área oferece mostra a diversidade de interpretaçõespara o que deve e pode estar sendo a publicação institucional da/na universidade brasileira. São Paulo pareceter, nesse contexto, uma posição peculiar – inferida de uma rápida comparação das editoras paulistas com aseditoras da UnB e UFSC. Segue-se uma análise de sua contribuição à educação – com base na leitura decatálogos e entrevista com responsáveis por editoras universitárias, institucionais ou comerciais. Completamo texto considerações sobre um possível papel educacional das editoras universitárias institucionais para alémda publicação de textos para a área educacional.Palavras-chave: publicação universitária; universidades brasileiras; administração educacional.

Page 78: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

79

EDITORAS UNIVERSITÁRIAS: UMA CONTRIBUIÇÃO À INDÚSTRIA OU...

versidade Federal de Santa Catarina foi, durante muitotempo, se não a única, pelo menos a principal editora doEstado; uma Editora do interior do Rio Grande do Sullançou, no final dos anos 80, um programa para incenti-var e descobrir talentos na escola fundamental, ao verifi-car que há mais de 50 anos não se publicava nenhum es-critor da cidade; em 1998, no Salão Internacional do Livro,em São Paulo, oito Editoras da região Nordeste lançaramuma coleção que recupera escritores da região, importan-tes mas “esquecidos”; a Editora da UFPa não tinha con-selho editorial e era dirigida pelo gráfico responsável pelaimprensa universitária, quando começou a publicar Platãoem primorosas traduções diretamente do grego; em 1986,no Seminário Nacional das Editoras Universitárias, reali-zado em Campinas, uma das principais atividades foi umamesa que reuniu editores de empresas comerciais (Recorde EPU) para debate com editores das Editoras Universi-tárias (Editora UnB e Educ); em 1987/88, a Câmara Bra-sileira do Livro – CBL tinha um grupo de editores uni-versitários de empresas privadas (o GEU) que recebeu emseu quadro uma representação da recém-criada Abeu;muito antes da criação da Abeu, as Editoras já tinham umprojeto para distribuição de suas publicações – o Progra-ma Inter-universitário para Distribuição do Livro (PIDL),responsável pela instalação de uma grande parte das li-vrarias universitárias das IES federais (condição para par-ticipação no Programa); a Editora da PUC-SP, do mesmomodo que muitas outras, iniciou suas atividades com umprocedimento que incluía apenas dois passos: selecionaras obras e repassá-las, para edição, a editoras privadas,publicando, em seus primeiros quatro anos, nessa condi-ção, apenas livros na área de Direito.

Além de completar o quadro da diversidade possível,estes exemplos parecem mostrar também a liberdade doseditores em seu trabalho. Porém, o que dizem seus dire-tores sobre o papel e a função das Editoras Universitá-rias? À diversidade que vivem, será que corresponde tam-bém alguma variedade no que se refere aos objetivos quedevam ser os das Editoras?

Para lidar apenas com o que tem sido publicado, ci-tam-se alguns exemplos retirados de publicação que trazas conferências e debates do Seminário Nacional das Edi-toras Universitárias de 1986. Destacando em especial suasdiferenças em relação às universitárias não institucionais,os representantes das Editoras Universitárias lembramsempre sua “função cultural”, mas especificam ainda: seupapel de “extensão do ensino e da pesquisa” (Rodrigues,1986); o compromisso com a “produção e tradução de li-

vros-texto” (Azevedo, 1986); com a promoção de ediçõesexperimentais (Pinsky, 1986); “elo de ligação entre os ca-nais geradores do saber” nas universidades (Costa, 1986); apossibilidade de contribuir de forma efetiva com o ensinoatravés de obras dirigidas (Costa, 1986); divulgação da pro-dução intelectual (artística, literária, científica, tecnológica)do corpo docente da Universidade a que serve (Campos,1986).

Cinco ou seis anos depois, segundo Bufrem (1990) eDa Costa (1992) muitas Editoras têm nova direção, masde modo geral pensa-se ainda o mesmo, como EdisonRodrigues Lima (1989), então presidente da Abeu; ou-tros destacam alguns aspectos, se não inteiramente no-vos, agora colocados de outro modo. Em 1991, provocadapossivelmente apenas por alterações que ocorreram naEditora da USP, a “sociedade” também se manifesta: ojornal O Estado de S. Paulo (apud Da Costa, 1992:15)afirma, em editorial intitulado “Editoras e Universidades”,que “a definição de uma política editorial é sinal eviden-te do rumo que uma instituição pretende seguir. Aliás,nestes tempos em que há tantos privilégios exclusivosprometidos à pesquisa aplicada como salvação nacional,definir o que deve ser publicado em uma editora univer-sitária ganha importância capital. Esse debate não podemais ser adiado”.

Entretanto, qualquer que seja a função atribuída a umaEditora Universitária, seu entendimento necessita aindade mais uma análise. É preciso situar a Editora em seutempo e espaço, de modo a saber se sua função não esta-ria já sendo atendida.

De novo, a Editora da UFSC como exemplo: seu dire-tor por mais de dez anos foi um escritor reconhecido,4 con-tratado diretamente pela Fundação mantenedora da Edi-tora e Gráfica da Universidade, que pensava, comoatribuição da Editora Universitária, um “papel comple-mentar ao das editoras comerciais” (Miguel, 1986). Epublicava para a Universidade (sua coleção de textos paraa graduação em Física, Química, Lingüística, etc. tem sidobest seller entre os livros das Editoras Universitárias naBienal do Livro em São Paulo desde 1986), bem comoficção e poesia de autores que nada tinham a ver com auniversidade. O que teria Salim Miguel a dizer hoje, ouse fosse convidado para dirigir uma Editora Universitá-ria em São Paulo?

Das 1.184 editoras registradas no Anuário EditorialBrasileiro de 1998, 563 são de São Paulo, sendo que 90%destas localizam-se na capital. Provavelmente, num con-texto como este, Editoras Universitárias devem ter mais

Page 79: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

80

liberdade para decidir suas atribuições. Entretanto, nãoteriam elas mais dificuldade para defender sua importân-cia tanto junto às instituições de que fazem parte quantofrente às editoras privadas com as quais poderiam even-tualmente estar competindo? Por outro lado, que liberda-de há para um editor institucional dirigido ou orientadopor um conselho editorial escolhido por critérios nemsempre “editoriais”?

Qualquer tentativa de responder a questões como es-tas começará sempre com o condicional “depende.” Po-rém, pode ser que se chegue a uma só resposta: é no seuprojeto editorial que uma Editora Universitária pode semostrar mais, ou menos, defensável. É no seu projetoeditorial que se pode saber a que veio.

O CASO DA EDUCAÇÃO NOS PROJETOS DASEDITORAS UNIVERSITÁRIAS

A vocação das Editoras Universitárias parece estar, hoje,indissoluvelmente ligada à vocação educacional da univer-sidade e elas têm exercido esse trabalho em educação demúltiplas formas. A mais previsível delas – e, por isso, aprimeira que será abordada aqui – diz respeito àquilo que épublicado na área. Ao se falar da área, verifica-se que aprópria forma de se reportar a ela já aponta a multiplicida-de de contribuições possíveis: trata-se de publicações so-bre educação? em educação? para educação?

Comecemos pelo que poderia ser chamado de publica-ções sobre educação. Neste tema, Editoras Universitárias têm,talvez, a sua maior tradição, seguindo aquela que é tambéma das universidades que lhes dão origem, isto é, a de produ-zir reflexões (sejam gerais ou sobre aspectos específicos) arespeito das diferentes áreas do saber. São muitas as publi-cações que analisam diferentes aspectos ligados à educação:educação e sociedade, ensino, aprendizagem, formação deprofessores, leitura, escrita, educação especial, mulher e edu-cação, educação física, empregabilidade e educação, educa-ção ambiental, trabalho docente, escola pública, alfabetiza-ção, educação de trabalhadores, currículo, pré-escola, Estadoe educação, livro didático.

Uma preocupação recorrente refere-se à recuperaçãohistórica da própria educação, de maneira geral, ou da edu-cação brasileira, ou de algum aspecto particular da edu-cação. Ilustrações disso são títulos como: História da pe-dagogia; História das universidades; Igreja e educaçãofeminina (1859-1919); Memórias da educação – Campi-nas (1850-1960); História da instrução pública no Bra-

sil (1500-1889); Universidade e compromisso social – aexperiência da reforma da PUC, para ficarmos em exem-plos das Editoras paulistas.

Um tema com forte presença nas publicações diz res-peito a uma espécie de auto-análise da universidade, po-dendo se tratar da análise da universidade em geral ou deexperiências específicas. São exemplos do primeiro casotítulos como: Identidade e transformação – o professorna universidade brasileira; A universidade desafiada; Au-tonomia universitária; História das universidades; O idealda universidade. São exemplos do segundo caso: USP1968-1969; Um passado revisitado – 80 anos do cursode filosofia da PUC-SP; O comportamento acadêmico noscursos de graduação da Unicamp.

As publicações abordadas até aqui têm em comum ofato de constituírem análises sobre problemas ligados àeducação, de caráter mais geral ou específico, porém semuma preocupação com o uso pedagógico imediato, acom-panhando uma cultura que, em geral, é das próprias uni-versidades, no sentido de valorizar reflexões sobre dife-rentes temas, talvez mais que a produção de material“didático” sobre eles.

No entanto, mais recentemente, tem surgido – acompa-nhando uma tendência das universidades do exterior – apreocupação com a publicação de obras facilitadoras dotrabalho do professor universitário em sala de aula. Nessecaso, não se trata de livros sobre educação, mas em, ou,talvez, para educação. São obras de caráter introdutório adiferentes áreas do conhecimento, que significam uma con-tribuição das Editoras Universitárias ao ensino. Introdu-ção à economia; Introdução à filosofia política; Introdu-ção à análise do discurso; Introdução à história damatemática; Introdução aos mecanismos de resistênciamecânica são exemplos de títulos que aparecem entre aspublicações dessas Editoras. A Educ, por exemplo, tem nasua linha editorial uma série – Trilhas – que publica “en-saios introdutórios sobre temas ou matérias constantes doscurrículos de graduação ou de pós-graduação oferecidospela PUC-SP, cujos autores são professores da PUC-SP oude outras universidades do Brasil”, possuindo títulos como:Planejamento de pesquisa; Psicologia; Entrevista e ética;Educação física; Crítica genética.

Um outro tipo de publicação das Editoras Universitá-rias para a educação corresponde aos livros didáticos paraacompanhamento de cursos, que surgem da preocupaçãode professores em escrever para seus alunos. Talvez to-das tenham alguns títulos nessa categoria, mas há as queformalizam este compromisso no seu projeto editorial,

Page 80: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

81

EDITORAS UNIVERSITÁRIAS: UMA CONTRIBUIÇÃO À INDÚSTRIA OU...

como a Editora da UFSC, com sua série de textos para agraduação, em diferentes áreas, e a Eduem (Editora daUniversidade Estadual de Maringá), cuja série Aponta-mentos visa “possibilitar aos docentes o material de apoiodidático-pedagógico, usado em sala de aula”. Além dis-so, embora com menor freqüência, algumas EditorasUniversitárias têm publicado obras com caráter didáticopara outros níveis de ensino que não o universitário.

Uma outra vertente de publicações que tem se tornadocomum entre as Editoras Universitárias trata do ensinodas diversas matérias. Essas publicações parecem acom-panhar a formação, nas Universidades, de núcleos, nasdiferentes áreas, preocupados com o seu ensino. Dessaforma, na PUC, por exemplo, acompanhando os trabalhosdo núcleo de estudos sobre Educação Matemática, surgi-ram publicações como Educação Matemática. Uma in-trodução e até a revista Educação matemática pesquisa.Têm sido freqüentes títulos como: A filosofia e seu ensi-no; Ensino de serviço social: polêmicas; Ensino de se-gunda língua: redescobrindo as origens; Português ins-trumental: uma abordagem para o ensino de línguamaterna; Ensino das artes nas universidades; Ensino eaprendizagem nas escolas médicas.

Ainda sobre aquilo que é publicado, deve-se salientarum tipo de texto que não parece se encaixar em nenhumadas categorias mencionadas, mas que não pode deixar deser considerado uma contribuição para a educação. Tra-ta-se da inclusão, na linha editorial, de obras cuja finali-dade é propiciar a reflexão, contrapor opiniões e forne-cer uma abordagem multidisciplinar de diferentes temas,favorecendo o desenvolvimento do pensamento crítico doleitor e a ampliação da maneira de encarar determinadoobjeto de estudo. Mencionam-se, como exemplos, duascoleções que fazem parte da linha editorial da Educ:Contraponto e Eventos. A primeira publica “títulos queabalem áreas consagradas ou contenham material inova-dor e desviante, forçando o leitor a pensar aquilo que étido como consensualmente aceito”; a segunda inclui co-letâneas temáticas resultantes de eventos, sempre multidis-ciplinares e com autores de diferentes instituições.

É importante ressaltar, também, outros tipos de contri-buição das Editoras Universitárias, que não dizem respeitodiretamente àquilo que publicam, aos temas que são obje-to de suas obras, como, por exemplo, a formação do leitor.

A preocupação com a qualidade do que é publicadoconcretiza essa função educacional importante das Edito-ras Universitárias. A facilidade de acesso a especialistasdas diversas áreas do conhecimento, que atuam como seus

assessores, fornecendo cuidadosa avaliação dos textossubmetidos à apreciação para publicação, aliada à possi-bilidade que essas Editoras têm, pelo seu vínculo insti-tucional, de fazer da excelência do material a ser publica-do o critério primeiro para sua aceitação, ao qual se submeteo critério comercial, tem permitido o lançamento de obrasde alta qualidade acadêmica, de pesquisas pioneiras, deteorizações inovadoras, de reflexões originais. À medidaque a divulgação das obras publicadas tem alcançado umaamplitude cada vez maior, estas vêm se tornando instru-mentos de circulação do saber produzido nas universida-des, contribuindo para o desenvolvimento da reflexão doleitor, para o diálogo entre especialistas.

Porém, as Editoras Universitárias podem estar forman-do não só o leitor, mas também o autor, uma vez que aproximidade de acesso à publicação daquilo que produ-zem, a seleção rigorosa do material a ser publicado, o fatode contar com os especialistas das várias áreas, que apon-tam alterações necessárias para melhorar a qualidade dotexto não só do ponto de vista acadêmico, mas tambémeditorial, fazem das Editoras um filtro importante para otrabalho dos professores, um incentivo para que escrevame para que escrevam melhor. José Castilho Marques Neto,diretor da editora da Unesp, lembra um professor que,tendo um material para publicação, afirmava que seu textoainda não estava pronto para ser publicado pela editorada Universidade.

Algumas experiências chegaram mesmo a ser propos-tas por Editoras Universitárias para favorecer a formaçãode autores. A Educ já teve (1986-88) em sua linha edito-rial uma coleção de material “pré-print” – subdividida emséries: Apoio ao ensino; Apoio à pesquisa; Apoio ao au-tor – oferecida “como oportunidade especial para o pes-quisador ouvir colegas enquanto pesquisa, ou enquantoredige artigo ou livro a ser enviado para publicação; parao autor novo experimentar suas asas; para o autor experi-mentado debater idéias antes mesmo de lhes dar formafinal; e para o professor substituir fotocópia indiscriminadade material escrito para sala de aula”. Revisto, o projetotem hoje a forma de um Banco de Artigos para liberaçãosob demanda, “abrindo ao autor um novo canal para di-fusão de seus trabalhos e trazendo ao leitor material im-portante à sua atividade como professor, pesquisador,estudante”. Também foi criado nessa Editora o selo Alu-no-autor, sob o qual se publicam, na forma de coletâneasorganizadas e prefaciadas por professor, “excelentes tra-balhos de fim de semestre” ou relatórios de pesquisa deiniciação científica. São materiais submetidos a dois ti-

Page 81: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

82

pos de seleção, editorial e de área, como qualquer mate-rial da Editora. Também a Editora da Unesp desenvolveum projeto – os Laboratórios Editoriais –, cuja preocu-pação é incentivar a publicação nos diferentes campi daUniversidade e contribuir para a formação de autores.Embora o material aí publicado não leve o selo da Edito-ra, tem a sua orientação e a Editora também facilita suadistribuição e venda. Cabe citar ainda o projeto “EspaçoEduc”, que traz para a Universidade “a cada semana umaEditora diferente”. Pensado como espaço para atualiza-ção na área do livro, tem também como objetivo propi-ciar aos autores uma apreciação das editoras e seus pro-jetos, ampliando seus conhecimentos sobre onde publicar.

Além de leitores e autores, as Editoras Universitáriasformam editores científicos; e o fazem de maneiras dife-rentes, dependendo do projeto editorial de cada uma. Al-gumas, além de apoiar a publicação das revistas científi-cas dos diversos setores da Universidade, desde que seadaptem a uma padronização no formato e/ou satisfaçamdeterminadas condições, sobretudo no que concerne à ma-nutenção de periodicidade e à indexação, desenvolvemum trabalho de acompanhamento e orientação de edito-res científicos em decisões que contribuem para a quali-dade editorial exigida pela comunidade científica; outraschegam a promover eventos, cursos, oficinas para edito-res e professores sobre o trabalho editorial e sobre direi-tos autorais. Outras promovem encontros entre os edito-res de revistas e com representantes de órgãos como a Abec(Associação Brasileira de Editores Científicos) e agên-cias financiadoras na área de publicação. Há ainda umaou duas que se preocupam em aproximar os editores decatalogadores, indexadores, distribuidores e livreiros evárias que procuram favorecer a relação dos editores dasrevistas com as bibliotecas da sua Universidade, em aten-ção ao sistema de permutas de periódicos.

Finalmente, as Editoras Universitárias contribuem paraa formação em edição. A Educ, por exemplo, tem ofere-cido, aos estudantes dos cursos de Língua Portuguesa,oportunidade para trabalhar revisão de texto, com acom-panhamento do pessoal da própria editora, além de está-gio para estudantes de outras áreas que têm o texto e aimagem como objetos centrais de trabalho – Jornalismo ePublicidade. Já a “Escola do Livro”, projeto da parceriaEditora Unesp/Câmara Brasileira do Livro, oferece des-de 1999 uma variada relação de cursos, com certificadoexpedido pela Pró-Reitoria de Extensão da Unesp, emáreas que vão desde leitura, redação e revisão de textos,até treinamento em vendas.

As Editoras Universitárias vêm, assim, ampliando suaatuação vinculada à educação e têm mesmo, à medida quese afirmam como centros difusores do conhecimento pro-duzido nas Universidades ou de material relevante para oensino e o debate acadêmico, contribuído para a própriaafirmação institucional das Universidades.

DO AMADORISMO À PROFISSIONALIZAÇÃO

Desde sua instalação, a Abeu tem cobrado – e contribuí-do para – uma maior profissionalização de suas afiliadas.Quem viu a exposição das Editoras em 1986 no Ibirapuera eas dos últimos anos no Center Norte sabe falar do sucessodesse projeto. Entrevistando o pessoal que tem respondidopela presença da Abeu em eventos internacionais (Feiras doLivro Universitário no país e na América Latina, além dasBienais do Livro do Rio e de São Paulo), verifica-se tam-bém a crescente profissionalização na seleção e quantidadedos livros a enviar, quando em 1986 e 1988 parecia que eramapenas oportunidades para “limpar estoque”. De todo modo,de que profissionalização se está falando?

Entre as exigências para filiar-se à Abeu, seu primeiroEstatuto já colocava a de ter Conselho Editorial, visandotornar os editores conscientes de sua diferença em relaçãoàs editoras privadas. Partilhar, ou mesmo deixar a um Con-selho de professores da Universidade, as decisões sobre oque publicar seria uma forma de tornar a produção dasEditoras uma produção da Universidade. Confirmada quan-do da revisão do Estatuto em 1999, esta exigência não temsido, em verdade, devidamente cobrada, assim como nãose tem cobrado que, para se filiar, a Editora tenha que estarligada a uma IES. Das 86 Editoras que são hoje filiadas àAbeu, apenas 66 são de IES, sendo que as outras perten-cem a outro tipo de instituição, em geral institutos de pes-quisa em busca de distribuição para suas publicações, ouunidades isoladas de ensino técnico.

Entre os objetivos colocados desde o primeiro Estatu-to, um referia-se à preocupação com a qualidade gráficados livros – recém-observada em seu conjunto quandoexpostos na SBPC e na Bienal do Livro em São Paulo,em 1986. Se o estande das Editoras Universitárias, nesseano, foi bem visitado e se vendeu muito bem, em espe-cial na Bienal, em agosto, isso se deveu muito mais aoocaso do Plano Cruzado do que ao chamariz de um mate-rial atraente ou bem feito. A montagem do primeiro catá-logo coletivo (1988) reduziu-se a uma apresentação detítulos por área de conhecimento, porque não se conse-guiu para todas uma descrição, rápida que fosse, de seus

Page 82: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

83

EDITORAS UNIVERSITÁRIAS: UMA CONTRIBUIÇÃO À INDÚSTRIA OU...

projetos. Assim, todos os Seminários que se seguiram têmoferecido cursos e oficinas sobre os mais diversos aspec-tos da produção editorial, além de palestras e debates es-peciais sobre custos, distribuição e direitos autorais.

No que se refere aos projetos editoriais, uma das ocu-pações da Abeu tem sido a de incentivar co-edições entreas Editoras, seja para aproximá-las, favorecendo a trocade informações e conhecimentos, seja para partilhar ma-terial entre as Universidades, ampliando a difusão do sa-ber produzido ou atendendo à tendência de publicaçõesque reúnam autores de diferentes instituições. Agrupadaspor região, as Editoras tiveram oportunidades de encon-tro mais ou menos freqüentes, em geral muito produti-vos. O sucesso mais recente é o da região Nordeste, comsua Coleção Nordestina, que já publicou 14 volumes.

Entretanto, muito da editoração universitária lem-bra mais a “artesania editorial” a que se referem Creni(1997), quando fala dos “pequenos editores” da déca-da de 50, tão atentos à seleção do material a publicarcomo da qualidade gráfica do livro, e Stumpf (1994)que, ao discutir como se estrutura o sistema de produ-ção das revistas universitárias, chama-as de projetosinacabados. São exemplos do primeiro tipo títulos comoPor amor às cidades, de preciosa coleção da Editorada Unesp, a publicação dos Contos de Grimm em edi-ção bilíngüe português/alemão da UFCS e o livro paracrianças publicado pela Edunisc (Editora da Universi-dade de Santa Cruz do Sul), que traz Grimm, Perraulte Basile em português e, respectivamente, alemão, fran-cês e italiano; ou ainda a edição crítica da Educ, de li-vro publicado no Brasil em francês em 1889, Instru-ção pública no Brasil, 1500-1889. História e legislação,além do recém-lançado Imagens de magia e de ciên-cia: entre o simbolismo e os diagramas da razão. Quan-to aos periódicos científicos, é importante lembrar quedependem do trabalho de edição científica que nunca ésuficientemente valorizado, nem pelas agências de ava-liação do trabalho acadêmico e, freqüentemente, nemmesmo pelos autores; e que, mais ainda que os livros,precisam sempre ser subsidiados.

Submetidas aos projetos das instituições a que se filiam,as Editoras Universitárias, salvo talvez apenas duas bemconhecidas exceções – a Editora da Unesp e a Editora daUnB – têm hoje sua direção alterada a cada mudança dereitor. Além da descontinuidade que isto pode provocar emsua linha editorial, a impressão que se tem é que, a cadaencontro, a Abeu precisa “começar tudo de novo”. Porém,se imprensa e edição na universidade têm que, ou podem,

ser projetos de sua política educacional e cultural, comotorná-los ao mesmo tempo projetos que não possam sersimplesmente fechados porque não são do gosto do próxi-mo diretor ou porque este tem seus próprios projetos (nãoé raro que diretor de Editora Universitária seja diretor tam-bém, ou ex-editor, de editora privada)?

Os conselhos editoriais das Editoras Universitárias têmaqui um importante papel a desempenhar. Entretanto, épreciso reconhecer que o impedimento maior está aindana ausência de uma política editorial nas universidades,o que permite que cada diretor pense projetos que, aindaque brilhantes, atendem às vezes a interesses tão pessoaisque dificilmente se sustentam após a saída de seus auto-res. Nesse sentido, talvez atendam melhor a uma “funçãocultural” as editoras privadas, já que – como lembra Ortiz(1988:29), “entre nós, as contradições de uma cultura ar-tística e outra de mercado não se manifestam de formaantagônica”. E nós nos arriscamos a dizer: artística, mastambém literária, científica e tecnológica.

Para completar, deve-se lembrar, ainda, que as Edito-ras Universitárias, institucionais ou privadas, precisamcontribuir para a cultura universitária autêntica e não paraaquela voltada à indústria cultural, que resulta do “bom-bardeio publicitário” – que “deixa de fora o que não éimediatamente mercantil”, como recentemente nos lem-brou Milton Santos (2000).

NOTAS

E-mail das autoras: [email protected] e [email protected]. Compreende as editoras universitárias institucionais.2. O Proedi – Programa de Estímulo à Editoração do Trabalho Intelectual das IESFederais, da Secretaria de Ensino Superior, foi concebido por uma “Coordenaçãode modernização administrativa” que, em 1981, definiu dotação especial a 11 uni-versidades, selecionadas de modo a representar as diferentes regiões do país.3. Muito desta descrição resulta apenas da experiência pessoal de uma das auto-ras, freqüentando os Seminários Nacionais desde 1985, vice-presidente na pri-meira diretoria da Abeu e respondendo pela organização do estande das EditorasUniversitárias nas reuniões anuais da SBPC em 1985, 1987 e 1996 e na BienalInternacional do Livro em São Paulo de 1986 a 1992. Para mais informações,ver os trabalhos de Bufrem (1990) e Da Costa (1992).4. Salim Miguel, além de escritor (acaba de publicar seu 19º livro), é jornalista etinha, quando foi contratado, experiência em revista literária, de cuja criação edireção participara ativamente no Rio de Janeiro.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANUÁRIO EDITORIAL BRASILEIRO 1998. Editoras (Banco de dados). SãoPaulo, Cone Sul, 1999.

AZEVEDO, J.E. III Seminário Nacional das Editoras Universitárias. Anais...Campinas, Editora da Unicamp, 1986.

III SEMINÁRIO NACIONAL DAS EDITORAS UNIVERSITÁRIAS. Anais...Campinas, Editora da Unicamp, 1986.

Page 83: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

84

BUFREM, L.S. Editoras Universitárias no Brasil: uma crítica para reformula-ção da prática. Tese de doutoramento. São Paulo, Escola de Comunica-ções e Artes, Universidade de São Paulo, 1990.

CAMPOS, J. III Seminário Nacional das Editoras Universitárias. Anais... Cam-pinas, Editora da Unicamp, 1986.

CATÁLOGO. Editoras Universitárias na III Bienal do Rio. São Paulo, Educ, 1986.COSTA, G.J. da. “Diferença entre editoras universitárias e editoras na universi-

dade”. III Seminário Nacional das Editoras Universitárias. Anais... Campi-nas, Editora da Unicamp, 1986.

CRENI, G. Os artesãos do livro como alternativa editorial. Dissertação demestrado. São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,Universidade de São Paulo, 1997.

DA COSTA, F.M.D. Produção do livro universitário: cultura de elite ou indús-tria cultural? Dissertação de mestrado. São Paulo, Escola de Comunicaçãoe Artes, Universidade de São Paulo, 1992.

LIMA, E.R. de. “As editoras universitárias no Brasil”. Editoras Universitárias:problemas e soluções (um enfoque interamericano). Recife, Editora Uni-versitária da UFPe, 1989.

MIGUEL, S. III Seminário Nacional das Editoras Universitárias. Anais... Cam-pinas, Editora da Unicamp, 1986.

ORTIZ, R. A moderna tradição brasileira: cultura brasileira e indústria cultu-ral. São Paulo, Brasiliense, 1988.

PINSKY, J. III Seminário Nacional das Editoras Universitárias. Anais... Campi-nas, Editora da Unicamp, 1986.

PROEDI/SESU/MEC. Programa de Estímulo à Editoração Universitária dos IESFederais. Brasília, Sesu/MEC, 1981.

RODRIGUES, A. “Atividade editorial como extensão do ensino e da pesquisa”.III Seminário Nacional das Editoras Universitárias. Anais... Campinas,Editora da Unicamp, 1986.

SANTOS, M. Folha de S.Paulo. São Paulo, Caderno Mais, 1 de março de 2000.STUMPF, I.R.C. Revistas universitárias. Projetos inacabados. Tese de

doutoramento. São Paulo, Escola de Comunicação e Artes, Universidadede São Paulo, 1994.

O ESTADO DE S. PAULO. “Editoras e Universidades”. São Paulo, Editorial,27 de julho de 1991.

Page 84: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

85

REFORMAS E REALIDADE: O CASO DO ENSINO DAS CIÊNCIAS

A

REFORMAS E REALIDADEo caso do ensino das ciências

palavra reforma, sempre presente no vocabulá-rio educacional, é definida em âmbito interna-cional como “uma iniciativa do Estado que es-

MYRIAM KRASILCHIK

Professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo

tabelece objetivos e critérios claros e ambiciosos, recorrea todas as instâncias políticas para apoiá-la, estimulandoiniciativas no nível das escolas e mobilizando recursoshumanos e financeiros para sustentar as mudanças pro-postas” (Timpane e White, 1998).

Nossas escolas, como sempre, refletem as maioresmudanças na sociedade – política, econômica, social eculturalmente. A cada novo governo ocorre um surto re-formista que atinge principalmente os ensinos básico e mé-dio. O atual movimento de reforma da escola é um pro-cesso de mudança nacional com uma forte tendência àvolta ao papel centralizador do Estado para emissão denormas e regulamentos.

Tomando como marco inicial a década de 50, é pos-sível reconhecer nestes últimos 50 anos movimentos querefletem diferentes objetivos da educação modificadosevolutivamente em função de transformações no âm-bito da política e economia, tanto nacional como inter-nacional.

Na medida em que a Ciência e a Tecnologia foram reco-nhecidas como essenciais no desenvolvimento econômi-co, cultural e social, o ensino das Ciências em todos osníveis foi também crescendo de importância, sendo obje-to de inúmeros movimentos de transformação do ensino,

podendo servir de ilustração para tentativas e efeitos dasreformas educacionais.

Um episódio muito significativo ocorreu durante a“guerra fria”, nos anos 60, quando os Estados Unidos,para vencer a batalha espacial, fizeram investimentos derecursos humanos e financeiros sem paralelo na históriada educação, para produzir os hoje chamados projetos de1ª geração do ensino de Física, Química, Biologia e Ma-temática para o ensino médio. A justificativa desse em-preendimento baseava-se na idéia de que a formação deuma elite que garantisse a hegemonia norte-americana naconquista do espaço dependia, em boa parte, de uma es-cola secundária em que os cursos das Ciências identifi-cassem e incentivassem jovens talentos a seguir carreirascientíficas.

Esse movimento, que teve a participação intensa das so-ciedades científicas, das Universidades e de acadêmicosrenomados, apoiados pelo governo, elaboraram o que tam-bém é denominado na literatura especializada de “sopa al-fabética”, uma vez que os projetos de Física (Physical ScienceStudy Commitee – PSSC), de Biologia (Biological ScienceCurriculum Study – BSCS), de Química (Chemical BondApproach – CBA) e (Science Mathematics Study Group –SMSG) são conhecidos universalmente pelas suas siglas.

Esse período marcante e crucial na história do ensinode Ciências, que influi até hoje nas tendências curricula-res das várias disciplinas tanto no ensino médio como no

Resumo: Este trabalho inclui uma revisão histórica das propostas de reforma do ensino de Ciências ao longodos últimos anos. O caso descrito ilustra alguns dos caminhos percorridos por vários projetos desde a suaelaboração nos órgãos normativos como parte de políticas públicas até o dia-a-dia das salas de aula. A análisedo processo compreendendo aspectos legais, modalidades e recursos didáticos, temáticas dos programas, eprocessos de avaliação contribui para o estudo de propostas de inovação.Palavras-chave: reforma educacional; didática e ensino das ciências; avaliação e pesquisa.

Page 85: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

86

fundamental, foi dando lugar, ao longo dessas últimasdécadas, a outras modificações em função de fatores po-líticos, econômicos e sociais que resultaram, por sua vez,em transformações das políticas educacionais, cumulati-vas em função das quais ocorreram mudanças no ensinode Ciências (Quadro 1).

Como já foi mencionado, o movimento dos grandesprojetos visava a formação e a identificação de uma eliterefletindo não só a política governamental, mas tambémuma concepção de escola e teve propagação ampla nasregiões sob influência cultural norte-americana, que re-percutiu de forma diferente em diversos países ecoandoas situações locais. Por exemplo, na Inglaterra, concor-dou-se com os objetivos gerais do projeto de reforma doensino de Ciências, mas foi decidido que se devia produ-zir seus próprios projetos consonantes com a organiza-ção escolar de forma a preservar a influência acadêmicae científica de instituições inglesas. Foram elaboradostambém projetos de Física, Química e Biologia que fica-ram conhecidos pelo nome da sua instituição patrocina-dora, a Fundação Nuffield. Dada a importância da Ingla-terra como núcleo cultural dos países da comunidadebritânica, esses projetos tiveram também grande influên-cia.

No Brasil, a necessidade de preparação dos alunos maisaptos era defendida em nome da demanda de investiga-dores para impulsionar o progresso da ciência e tecnologianacionais das quais dependia o país em processo de in-dustrialização. A sociedade brasileira, que se ressentia da

falta de matéria-prima e produtos industrializados duran-te a 2ª Guerra Mundial e no período pós-guerra, buscavasuperar a dependência e se tornar auto-suficiente, para oque uma ciência autóctone era fundamental.

Paralelamente, à medida que o país foi passando portransformações políticas em um breve período de eleiçõeslivres, houve uma mudança na concepção do papel daescola que passava a ser responsável pela formação detodos os cidadãos e não mais apenas de um grupo privile-giado. A Lei 4.024 – Diretrizes e Bases da Educação, de21 de dezembro de 1961, ampliou bastante a participa-ção das ciências no currículo escolar, que passaram a fi-gurar desde o 1º ano do curso ginasial. No curso colegial,houve também substancial aumento da carga horária deFísica, Química e Biologia.

Essas disciplinas passavam a ter a função de desen-volver o espírito crítico com o exercício do método cien-tífico. O cidadão seria preparado para pensar lógica e cri-ticamente e assim capaz de tomar decisões com base eminformações e dados.

Quando de novo houve transformações políticas no paíspela imposição da ditadura militar em 1964, também opapel da escola modificou-se, deixando de enfatizar a ci-dadania para buscar a formação do trabalhador, conside-rado agora peça importante para o desenvolvimento eco-nômico do país. A Lei de Diretrizes e Bases da Educaçãonº 5.692, promulgada em 1971, norteia claramente asmodificações educacionais e, conseqüentemente, as pro-postas de reforma no ensino de Ciências ocorridas neste

QUADRO 1

Evolução da Situação Mundial, segundo Tendências no Ensino1950-2000

Tendências no

Situação Mundial

Ensino1950 1970 1990 2000

Guerra Fria Guerra Tecnológica Globalização

Objetivo do Ensino • Formar Elite • Formar Cidadão-trabalhador • Formar Cidadão-trabalhador-estudante• Programas Rígidos • Propostas Curriculares Estaduais • Parâmetros Curriculares Federais

Concepção de Ciência • Atividade Neutra • Evolução Histórica • Atividade com Implicações Sociais• Pensamento Lógico-crítico

Instituições Promotoras de Reforma • Projetos Curriculares • Centros de Ciências, Universidades • Universidades e Associações Profissionais• Associações Profissionais

Modalidades Didáticas Recomendadas • Aulas Práticas • Projetos e Discussões • Jogos: Exercícios no Computador

Fonte: Elaboração da autora.

Page 86: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

87

REFORMAS E REALIDADE: O CASO DO ENSINO DAS CIÊNCIAS

período. Mais uma vez as disciplinas científicas foramafetadas, agora de forma adversa, pois passaram a ter ca-ráter profissionalizante, descaracterizando sua função nocurrículo. A nova legislação conturbou o sistema, mas asescolas privadas continuaram a preparar seus alunos parao curso superior e o sistema público também se reajustoude modo a abandonar as pretensões irrealistas de forma-ção profissional no 1º e 2º graus por meio de disciplinaspretensamente preparatórias para o trabalho.

Em 1996, foi aprovada uma nova Lei de Diretrizes eBases da Educação, nº 9.394/96, a qual estabelece, noparágrafo 2o do seu artigo 1o, que a educação escolar de-verá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social.O artigo 26 estabelece que “os currículos do ensino fun-damental e médio devem ter uma base nacional comum,a ser complementada pelos demais conteúdos curricula-res especificados nesta Lei e em cada sistema de ensino”.A formação básica do cidadão na escola fundamental exigeo pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo, a com-preensão do ambiente material e social, do sistema políti-co, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fun-damenta a sociedade. O ensino médio tem a função deconsolidação dos conhecimentos e a preparação para otrabalho e a cidadania para continuar aprendendo.

Esse aprendizado inclui a formação ética, a autonomiaintelectual e a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos. Embora a lei in-dique precariamente os valores e objetivos da educaçãonacional, espera-se que a escola forme o cidadão-traba-lhador-estudante quando, por exemplo, determina em seuartigo 80: “O Poder Público incentivará o desenvolvimentoe a veiculação de programas de ensino a distância, emtodos os níveis e modalidades de ensino, e de educaçãocontinuada.”

Tenta-se colocar em prática essas prescrições legais pormeio de políticas centralizadas no MEC e que são deta-lhadas e especificadas em documentos oficias, abundan-temente distribuídos com os nomes de “parâmetros” e“diretrizes curriculares”. Fazem parte ainda desses “indi-cativos políticos” diversos instrumentos de avaliação emque se explicitam as reais intenções da reforma propostapelo governo.

No exame dessa proposta e de suas conseqüências narealidade da educação brasileira, é imprescindível anali-sar em uma perspectiva histórica a evolução das concep-ções curriculares preponderantes nesses últimos 50 anos,por meio dos quais foram expressos os desígnios dos go-vernos e seus resultados nos vários níveis dos sistemas

educacionais, desde o emissor das políticas até a realida-de das salas de aula, que têm mudado muito mais em fun-ção da deterioração das condições de trabalho do que porinjunções legais. Infelizmente, mantém-se um ensino pre-cário com professores que enfrentam nas escolas proble-mas de sobrecarga, de falta de recursos e de determina-ções que deveriam seguir sobre as quais não foramouvidos.

As modificações promovidas por diferentes elemen-tos ao longo dos diversos patamares de decisões que atu-am nos componentes curriculares – temáticas e conteú-do, modalidades didáticas e recursos e processos deavaliação – confluem para um cenário que raramente é oplanejado pelos emissores do currículo teórico.

Na análise desse processo, tem papel fundamental apesquisa feita no âmbito do ensino das ciências no Brasile que já constitui um significativo acervo de informaçõese conhecimentos sobre o que acontece desde a elabora-ção de documentos normativos até a intimidade do ensi-no das várias disciplinas científicas.

MODALIDADES DIDÁTICAS E RECURSOS

As modalidades didáticas usadas no ensino das disci-plinas científicas dependem, fundamentalmente, da con-cepção de aprendizagem de Ciência adotada. A tendên-cia de currículos tradicionalistas ou racionalistas-acadêmicos, apesar de todas as mudanças, ainda prevale-cem não só no Brasil, mas também nos sistemas educa-cionais de países em vários níveis de desenvolvimento.Assumindo que o objetivo dos cursos é basicamente trans-mitir informação, ao professor cabe apresentar a matériade forma atualizada e organizada, facilitando a aquisiçãode conhecimentos. Nos anos 60, o processo ensino-apren-dizagem era influenciado pelas idéias de educadorescomportamentalistas que recomendavam a apresentaçãode objetivos do ensino na forma de comportamentosobserváveis, indicando formas de atingi-los e indicado-res mínimos de desempenho aceitável. Foram elaboradasclassificações, das quais a mais conhecida, coordenadapor Benjamim Bloom, era a que dividia os objetivos edu-cacionais em cognitivo-intelectuais, afetivo-emocionaise psicomotores-habilidades, organizados em escalas hie-rarquicamente mais complexas de comportamento.

Essa linha de trabalho teve papel significativo na edu-cação brasileira e ainda hoje muitos dos processos de pla-nejamento que ocorrem nas escolas constam apenas daredação de objetivos e metas, que em geral são esqueci-

Page 87: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

88

dos durante o ano por força da pressão das realidades dodia-a-dia na classe.

No final dos anos 60, as idéias de Jean Piaget sobredesenvolvimento intelectual começaram a ser conhecidase discutidas. Passa assim a ter papel central no processoensino-aprendizagem da ciência uma perspectiva cogni-tivista, enfatizando o chamado construtivismo, usado nosatuais documentos oficiais brasileiros de forma impositiva,como um “slogan” que não chega a analisar o significadoda discussão sobre mudança conceitual como um proces-so individual de responsabilidade do aluno ou um pro-cesso social. “A primeira perspectiva vê concepções comorepresentações mentais (isto é, construções tangíveis nacabeça dos alunos) enquanto a segunda perspectiva re-presenta as concepções como sendo caracterizações decategorias de descrições que refletem relações pessoa-mundo” (Duit e Treagust, 1998).

Essas idéias conflitantes em vários aspectos não sãoapresentadas aos professores como controvérsias que de-vem ser discutidas e analisadas para orientar a escolha demodalidades didáticas baseadas em uma fundamentaçãosólida.

Embora o conceito de processo ensino-aprendizagemtenha importância na escola em geral, no ensino das dis-ciplinas científicas tem conseqüências específicas emvários elementos curriculares. A solução de problemas éum dos seus componentes essenciais, porque várias fasesdas reformas propostas com nomes variados de “ciênciaposta em prática”, “método da redescoberta”, “método deprojetos” trata-se de fazer questionamentos, encontraralternativas de resposta, planejar e organizar experimen-tos que permitam optar por uma delas e daí produzir ou-tros questionamentos. No período 1950-70, prevaleceu aidéia da existência de uma seqüência fixa e básica de com-portamentos, que caracterizaria o método científico naidentificação de problemas, elaboração de hipóteses e ve-rificação experimental dessas hipóteses, o que permitiriachegar a uma conclusão e levantar novas questões.

Com essas premissas, as aulas práticas no ensino deCiências servem a diferentes funções para diversas con-cepções do papel da escola e da forma de aprendizagem.No caso de um currículo que focaliza primordialmente atransmissão de informações, o trabalho em laboratório émotivador da aprendizagem, levando ao desenvolvimen-to de habilidades técnicas e principalmente auxiliando afixação, o conhecimento sobre os fenômenos e fatos.

À medida que a influência cognitivista foi se amplian-do em base dos estudos piagetianos considerando fases

de operações lógicas pelas quais o aluno passa em umaordem que vai do sensomotor (18 meses), pré-operacio-nal (até 7 anos), concreta operacional (dos 7 aos 11 anos)até o formal operacional (dos 11 até os 15 anos), passou-se a encarar o laboratório como elemento de aferição do es-tágio de desenvolvimento do aluno e de ativação do pro-gresso ao longo desses estágios e do ciclo de aprendizado.

Na perspectiva construtivista, as pré-concepções dosalunos sobre os fenômenos e sua atuação nas aulas práti-cas são férteis fontes de investigação para os pesquisado-res como elucidação do que pensam e como é possívelfazê-los progredir no raciocínio e análise dos fenômenos.As prescrições oficiais da expectativa de reforma em cursotratam do assunto superficialmente, havendo uma grandedistância entre uma “proposta construtivista” e recomen-dações que permitam ao professor exercer plenamente oseu papel de catalisador da aprendizagem. Faltam discus-sões que permitam ao próprio docente nas atuais condi-ções de trabalho criar um clima de liberdade intelectual,que não limite a sua atividade a exposições, leitura oucópia de textos.

Por exemplo, a reação de alunos e professores ao usode perguntas em classe é uma área de pesquisa de pontapara os que pretendem mudar a escola e o ensino de Ciên-cias em que a função da interação social e da exposição adiferentes idéias é elemento essencial. Como obstáculo aessa transformação, é possível identificar as representa-ções sociais que prevalecem entre professor e alunos. Odocente é autoridade que não corre o risco de ser questi-onada, ou que se permita ouvir diferentes opiniões. Se,por um lado, esse papel autoritário é prejudicial, o outroextremo cada vez mais freqüente por força do refrão deque o “aluno constrói seu próprio conhecimento” leva oprofessor a abdicar da sua função de orientador do apren-dizado. Nesses casos, o laboratório e as aulas práticaspodem até ser divertidas mas não levam à formulação oureformulação de conceitos.

Os novos recursos tecnológicos e, principalmente, ouso do computador criam dilemas equivalentes, podendoaté ser uma fonte muito eficiente de fornecimento de in-formações. No entanto, o seu potencial como desequi-librador da vigente relação professor-aluno é aindasubutilizado como instrumento que possa levar o aluno adeixar o seu papel passivo de receptor de informações,para ser o que busca, integra, cria novas informações. Oprofessor passa a ser o que auxilia o aprendiz a procurare coordenar o que aprende dentro de um esquema concei-tual mais amplo. Qualquer reforma deveria suscitar essas

Page 88: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

89

REFORMAS E REALIDADE: O CASO DO ENSINO DAS CIÊNCIAS

questões que são básicas para uma mudança real na qua-lidade de ensino.

TEMÁTICAS

Os conteúdos e grandes temas incluídos no currículodas disciplinas científicas refletem as idéias correntessobre a Ciência. Na fase dos projetos de 1ª geração, aCiência era considerada uma atividade neutra, isentandoos pesquisadores de julgamento de valores sobre o queestavam fazendo. É necessário lembrar que os cientistastiveram uma atuação significativa na produção da bombaatômica e, de alguma forma, procuravam não assumir suaresponsabilidade no conflito bélico. Pretendia-se desen-volver a racionalidade, a capacidade de fazer observaçõescontroladas, preparar e analisar estatísticas, respeitar a exi-gência de replicabilidade dos experimentos.

À medida que se avolumaram os problemas sociais nomundo, outros valores e outras temáticas foram incorpo-radas aos currículos, sendo que mudanças substantivastiveram repercussões nos programas vigentes. Entre 1960e 1980, as crises ambientais, o aumento da poluição, acrise energética e a efervescência social manifestada emmovimentos como a revolta estudantil e as lutas anti-se-gregação racial determinaram profundas transformaçõesnas propostas das disciplinas científicas em todos os ní-veis do ensino.

As implicações sociais da Ciência incorporam-se àspropostas curriculares nos cursos ginasiais da época e, emseguida, nos cursos primários. Simultaneamente às trans-formações políticas ocorreu a expansão do ensino públi-co que não mais pretendia formar cientistas, mas tambémfornecer ao cidadão elementos para viver melhor e parti-cipar do breve processo de redemocratização ocorrido noperíodo. A admissão das conexões entre a ciência e a so-ciedade implica que o ensino não se limite aos aspectosinternos à investigação científica, mas à correlação des-tes com aspectos políticos, econômicos e culturais. Osalunos passam a estudar conteúdos científicos relevantespara sua vida, no sentido de identificar os problemas ebuscar soluções para os mesmos. Surgem projetos queincluem temáticas como poluição, lixo, fontes de ener-gia, economia de recursos naturais, crescimento popula-cional, demandando tratamento interdisciplinar. Essasdemandas dependiam tanto dos temas abordados como daorganização escolar. É do período de 1950-70 o movi-mento de Ciência Integrada, que teve apoio de organis-mos internacionais, principalmente a Unesco, e provocou

reações adversas dos que defendiam a identidade das dis-ciplinas tradicionais, mantendo segmentação de conteú-dos mesmo nos anos iniciais da escolaridade.

Concomitantemente aos processos que ocorriam nasescolas – o fim da “guerra fria” e o agravamento dos pro-blemas sociais e econômicos – foi incorporada a compe-tição tecnológica, levando a exigir que os estudantes ti-vessem preparo para compreender a natureza, o significadoe a importância da tecnologia para sua vida como indiví-duos e como membros responsáveis da sociedade. Paratanto, os cursos deveriam incluir temas relevantes quetornassem os alunos conscientes de suas responsabilida-des como cidadãos, pudessem participar de forma inteli-gente e informada de decisões que iriam afetar não só suacomunidade mais próxima, mas que também teriam efei-tos de amplo alcance.

A preocupação com a qualidade da “escola para todos”incluiu um novo componente no vocabulário e nas preo-cupações dos educadores, “a alfabetização científica”. Arelação ciência e sociedade provocou a intensificação deestudos da história e filosofia da ciência, componentessempre presentes nos programas com maior ou menorintensidade servindo em fases diferentes a objetivos di-versos. O crescimento da influência construtivista comogeradora de diretrizes para o ensino levou à maior inclu-são de tópicos de história e filosofia da Ciência nos pro-gramas, principalmente para comparar linhas de raciocí-nio historicamente desenvolvidas pelos cientistas e asconcepções dos alunos.

Fortalece essa linha o já mencionado movimento de-nominado “Ciência para todos”, que relaciona o ensinodas Ciências à vida diária e experiência dos estudantes,trazendo, por sua vez, novas exigências para compreen-são da interação estreita e complexa com problemas éticos,religiosos, ideológicos, culturais, étnicos e as relações como mundo interligado por sistemas de comunicação etecnologias cada vez mais eficientes com benefícios e ris-cos no globalizado mundo atual. A exclusão social, a lutapelos direitos humanos e a conquista da melhora da qua-lidade de vida não podem ficar à margem dos currículose, no momento, assumem uma importância cada vez maisevidente. Pela demanda de justiça social nos atuais parâ-metros curriculares, muitas das temáticas vinculadas noensino de Ciências são hoje consideradas “temas trans-versais”: educação ambiental, saúde, educação sexual. Noentanto, a tradição escolar ainda determina que a respon-sabilidade do seu ensino recaia basicamente nas discipli-nas científicas, principalmente a Biologia.

Page 89: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

90

A reforma brasileira reforça um movimento equiva-lente ao da “Ciência para todos”, sem, no entanto, incluircuidados para que excessos nessa postura tornem o currí-culo pouco rigoroso, em nome da necessidade que se tor-nou um estribilho nas publicações e avaliações oficiaisde desenvolver “competências e habilidades”.

O risco grave é de que se percam de vista os objetivosmaiores do ensino de Ciências, que deve incluir a aquisi-ção do conhecimento científico por uma população quecompreenda e valorize a Ciência como empreendimentosocial. Os alunos não serão adequadamente formados senão correlacionarem as disciplinas escolares com a ativi-dade científica e tecnológica e os problemas sociais con-temporâneos. Paralelamente aos movimentos nas instân-cias normativas dos sistemas escolares, os livros didáticoscontinuaram a servir de apoio e orientação aos professo-res para a apresentação dos conteúdos. Uma reforma quetenha pleno êxito depende da existência de bons materiais,incluindo livros, manuais de laboratórios e guias de profes-sores, docentes que sejam capazes de usá-los, bem comocondições na escola para o seu pleno desenvolvimento.

Avaliação

A avaliação sempre teve um papel central na escolabrasileira. Uma das influências preeminentes, com umafunção normativa mais poderosa do que os programasoficiais, livros didáticos, propostas curriculares ou osatuais parâmetros, sempre foi o exame vestibular. Assim,essas provas, mais do que cumprir a função classificatóriapara decidir quais os alunos que podem entrar nas esco-las superiores, têm grande influência nos ensinos funda-mental e médio. No entanto, os exames podem fornecerdados sobre a população escolar cumprindo a maior fun-ção da avaliação, ou seja, a de informar à sociedade, àsescolas, aos alunos, aos professores e aos pais sobre oaprendizado dos estudantes, da eficiência da escola emfunção das políticas públicas e das relações contextuaisentre os estabelecimentos de ensino e a comunidade nasquais se situam.

Com a democratização do país e a disputa por verbaspara manutenção dos sistemas escolares, aumenta a pres-são por dados que possam servir de indicadores que orien-tem decisões dos sistemas em todos o níveis de ensino.

A competição internacional na guerra tecnológica pro-duziu programas internacionais de avaliação que levaramà comparação do resultado obtido pelos alunos em algu-mas disciplinas, incluindo as Ciências. Assim como o

Sputnik provocou movimento de reforma dos anos 60, odesempenho dos alunos norte-americanos nos testes in-ternacionais produziu em 1985 um documento de grandeimpacto “A Nation at Risk” que serviu de epicentro parauma onda de críticas ao sistema educacional norte-ame-ricano e tentativas de reformas que acabaram tendo re-percussões no mundo inteiro (Gross e Gross, 1985).

No Brasil, é parte das políticas governamentais no planofederal ou estaduais um conjunto de exames que se desti-nam a descrever a situação nas várias unidades da federa-ção, no sentido de subsidiar decisões de políticas públi-cas. Instituições internacionais como o Banco Mundial,Banco Interamericano e a Unesco valem-se desses indi-cadores para fomentar e financiar projetos que imple-mentem tendências que apóiam.

O resultado e a validade desses exames para avaliar oaprendizado em Ciências são bastante contestados emfunção dos instrumentos que os constituem. Discute-sese as tradicionais questões de múltipla escolha são ade-quadas para aferir o que se pretende produzir dos alunosnas aulas de Ciências. A capacidade de resolver proble-mas e de demonstrar a compreensão conceitual e forma-ção exige que se busquem também outras formas de veri-ficar o aprendizado. Assim, provas dissertativas e redaçõesteriam como função maior fazer com que os alunos es-crevam, demonstrando capacidade de organização lógicae de expressão temática.

O reconhecimento das limitações dos instrumentos deavaliação mais freqüentemente usados não impede, noentanto, que os dados numéricos sejam divulgados comoresultados confiáveis, exercendo considerável influênciana opinião que a sociedade tem da escola. Os meios decomunicação de massa divulgam esses números com in-terpretações que, muitas vezes, exigem análises mais de-tidas, mas são aceitos sem discussão pela população emgeral, tornando premente a necessidade de uma coleta sis-temática de informações coerentes das variáveis que agemno aprendizado de Ciências e que refletiram os objetivosdo currículo. Busca-se, assim, distinguir as diferençasentre o currículo proposto, ideal, teórico e o seu resulta-do, ou seja, o currículo real ou obtido.

Por exemplo, na avaliação dos concluintes do ensinomédio feita em 1997 em nove estados brasileiros, verifi-ca-se que em Biologia os alunos do período da manhãacertaram menos de 47% das questões, os da tarde, 35,5%,e os da noite, 29%. Em Física, foram 33% de acertos paraos alunos da manhã, 28% para os da tarde e 27,5% paraos da noite. Química evidenciou problemas com relação

Page 90: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

91

REFORMAS E REALIDADE: O CASO DO ENSINO DAS CIÊNCIAS

a todos os conteúdos e habilidades. Os alunos da manhãtiveram 33% de acertos, os da tarde, 27,5%, e os da noite,25%. Apesar das pequenas variações e diferenças nos tur-nos examinados, o desempenho dos alunos deixa muito adesejar.

O Sistema Nacional de Educação Básica – Saeb (1997)e o Instituto Nacional de Pesquisas e Estudos Educacio-nais – Inep (1999) indicam que, nas séries iniciais, emCiências, os alunos até a 4ª série saem-se bem. Nos ou-tros níveis, o desempenho esperado de alunos de 6ª sériechega a ser atingido por 48% dos alunos, na 8ª série por10% e, no fim do ensino médio, apenas 3% alcançam onível desejado. Como se pode verificar por esses dados,há uma grande distância entre as propostas de reforma eo resultado efetivo no aprendizado dos alunos.

Pesquisa

As discussões sobre o ensino de Ciências e tentativade transformá-lo foram promovidas e mantidas por inú-meras e diversas instituições a partir dos “projetos curri-culares” organizados nos anos 60. Na época, o Brasil játinha uma história de promoção do ensino de Ciências –o IBECC (Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cul-tura) em São Paulo, em que eram produzidos manuais delaboratórios e textos, além de equipamentos para a expe-rimentação.

Muitos trabalhos esparsos de iniciativas de docentesisolados ou em grupos passaram a se concentrar no IBECCe depois em instituições dele derivadas – Funbec e Cecisp –,que, com o apoio do Ministério da Educação, das Funda-ções Ford e Rockfeller e da União Panamericana, promo-veram intensos programas para a renovação do ensino deCiências. Especialmente significativa foi a iniciativa doMEC, que criou em 1963 seis centros de ciências nasmaiores capitais brasileiras: São Paulo, Rio de Janeiro,Salvador, Recife, Porto Alegre e Belo Horizonte. A es-trutura institucional desses centros era variada. Alguns,como o de Porto Alegre e Rio de Janeiro, tinham víncu-los com Secretarias de Governo da Educação e de Ciên-cia e Tecnologia, enquanto os de São Paulo, Pernambuco,Bahia e Minas Gerais eram ligados às Universidades. Essasinstituições tiveram vidas e vocações diferentes, sendo quealgumas persistem até hoje, como a de Belo Horizonte,estreitamente associada à Faculdade de Educação daUFMG, e o centro do Rio, que hoje é mantido pela Secre-taria da Ciência e Tecnologia. Os outros ou desaparece-ram ou foram incorporados pelas universidades onde pas-

saram a se estruturar grupos de professores para prepararmateriais e realizar pesquisas sobre o ensino de ciências.Com a expansão dos programas de pós-graduação e deli-neamento de uma área específica de pesquisa – Ensinode Ciências –, as organizações acadêmicas assumiram aresponsabilidade de investigar e procurar fatores e situa-ções que melhorassem os processos de ensino-aprendi-zado.

Esse movimento ocorre agora nos Centros de Ciênciasou nas Universidades e ganha atenção das autoridadesfederais e instituições internacionais, estabelecendo pro-gramas como o Premem (Projeto de Melhoria do Ensinode Ciências e Matemática) e o SPEC (Subprograma deEducação para a Ciência), vinculado à Capes (FundaçãoCoordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Su-perior) e mais recentemente o pró-Ciências e os programasde educação científica e ambiental do CNPq (Conselho Na-cional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).

No plano internacional o processo foi equivalente. Osnúcleos catalisadores dos movimentos dos anos 60 foramincorporados pelas universidades. Alguns centros perma-necem como o Biological Science Curriculum Study, queaté hoje está produzindo inovações no ensino de Biologia.

Nos Estados Unidos foram importantes as sociedades cien-tíficas ao longo das décadas consideradas neste trabalho,especialmente a American Association for the Advancementof Science – AAAS, que teve persistente preocupação como ensino elaborando seus próprios projetos curriculares. Nosanos 70, influenciada pelas tendências comportamentalistasproeminentes na época, preparou material para ensino deCiências para crianças de escola primária. Hoje está condu-zindo o chamado Project 2061, que reúne cientistas e edu-cadores no sentido de estabelecer o que “todos os estudan-tes devem saber ou fazer em ciência, matemática e tecnologiadesde os primeiros anos de estudo até o final do curso mé-dio, de modo a promover a sua ‘alfabetização científica’”(AAAS, 1989). Outras associações científicas, como aUnesco e a International Council of Scientific Unions – ICSU,além das sociedades internacionais de Física, Química e Ma-temática, realizam reuniões e promovem atividades visandoo desenvolvimento do ensino de Ciências.

No Brasil, sociedades como a SBF (Sociedade Brasi-leira de Física), a SBQ (Sociedade Brasileira de Quími-ca) e a SBG (Sociedade Brasileira de Genética) têm ativi-dades relacionadas ao ensino. A Associação Brasileira paraPesquisa em Ensino de Ciências e a Sociedade Brasileirapara o Ensino de Biologia reúnem juntam centenas deprofessores dos ensinos fundamental, médio e superior

Page 91: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

92

para discutir problemas, apresentar trabalhos e atualizarinformações.

Incorporam-se também ao movimento de renovaçãoinstituições como museus de ciências que estabelecempontes com um público preponderantemente, mas nãoexclusivamente, escolar a quem apresentam a ciência pormeio de exposições e outras instalações interativas.

Há intensa atividade de investigação nos cursos de pós-graduação, acumulando um considerável acervo de co-nhecimento. Investigações sobre as relações professor-alunos, enfatizando vários aspectos do trabalho emlaboratório, discussão de problemas e o papel das pergun-tas em classe, efeito de atividades para aperfeiçoamentode professores na mudança de atitude e aquisição de co-nhecimentos e o papel dos centros e museus da Ciênciasão algumas das questões em que os mestrandos e douto-randos vêm trabalhando.

A pesquisa em ensino de Ciências levou também à for-mação de grupos interdisciplinares, congregando profes-sores de institutos de Física, Química, Biologia e das Fa-culdades e Centros de Educação. O primeiro programade mestrado em ensino de Ciências interunidades quesubsiste até hoje foi instalado na Universidade de São Pau-lo, em que a partir dessa iniciativa formaram-se gruposde ensino nos Institutos de Física e Química, além do de-senvolvimento de uma área temática de Ensino de Ciên-cias e Matemática para mestrado e doutorado na Facul-dade de Educação.

Assim como ocorreram mudanças nos objetivos e ên-fase das propostas curriculares, também a pesquisa foievoluindo no transcorrer do período considerado nestetrabalho. No início do período, foi dada ênfase para ava-liação dos resultados dos projetos curriculares. O cresci-mento das críticas ao modelo experimental, quantitativo,influenciado pela linha psicometrista, gradualmente le-vou à adoção de novos paradigmas de pesquisa. Passou-se a obter dados com observação direta, estudo de docu-mentos, entrevistas com os componentes e usuários dosprojetos curriculares, alunos, professores, administrado-res em projetos de pesquisa quantitativa. Dentro dessa li-nha básica, foram usadas medidas qualitativo-fenomeno-lógicas, processos etnográficos, naturalísticos, pesquisaparticipante, estudos de caso, entre outros.

O debate entre os que defendem a linha por muitos cha-mada experimental, que exige dados quantitativos, e osque preferem uma linha naturalística, que apresenta oprocesso educacional em toda a sua complexidade deintrincadas relações, está longe de ser encerrado. Apesar

desse esforço que levou à criação de grupos de pesquisaem vários pontos do país, a maioria deles gerada pelospesquisadores formados nos núcleos iniciais, os resulta-dos das pesquisas ainda não atingiram os centros de deci-são, nos âmbitos federal, estadual e municipal, para in-fluir decisivamente na preparação e avaliação decurrículos, nos projetos de aperfeiçoamento de docentese nas relações entre os elementos que interagem nas es-colas. Os professores em classe ficam cada vez mais afas-tados tanto do centro de decisões políticas como dos cen-tros de pesquisa.

Sem usar as informações de pesquisas prospectivas quecoletem dados para evitar esforços e desperdícios, as pro-postas de reforma têm sido irrealistas ou inaceitáveis pe-los professores que finalmente são os responsáveis pelasocorrências em sala de aula. É tarefa urgente encontrarum meio termo adequado entre os dois extremos: um dasorganizações centrais trabalhando de forma isolada e ou-tro que deixa a responsabilidade sobre as decisões curri-culares exclusivamente à escola e aos docentes. Se, porum lado, é imprescindível a intensificação das relaçõesentre a escola e a comunidade para a formação de cida-dãos atuantes, por outro, é absurdo ignorar o que têm adizer os cientistas e pesquisadores e o que se conhece hojesobre os processos de reforma curricular.

Os parâmetros curriculares fartamente distribuídos, natentativa de produzir mudanças, usaram muito pouco oconsiderável montante de informações existentes sobremudanças do ensino de Ciências. Os cientistas e pesqui-sadores foram alijados da produção de documentos quevêm levantando controvérsias entre os especialistas e di-ficuldades para os docentes. Caberá aos cientistas influircolaborando para formular propostas curriculares atua-lizadas, relevantes e realistas, não só indicando as impro-priedades, omissões e propostas discutíveis, mas tambémpropondo linhas de trabalho, sugestões para reformula-ção, mudanças e substituição. Merecem também uma aná-lise detida para uso mais profundo e abrangente dos da-dos obtidos nos inúmeros processos de avaliaçãoempreendidos pelo Inep e pelos sistemas de várias unida-des da federação para que sejam identificados os pontosnecessitados de intervenção como orientação para melho-rar o processo educativo em todos os níveis e a confec-ção dos planos nacional e estaduais de educação. Não cabemais um trabalho isolado, de gabinete dos legisladoresoficiais. Ao contrário, será necessário angariar a participa-ção e adesão da sociedade em seus múltiplos segmentos, paraque as declarações de intenção propostas não soneguem a

Page 92: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

93

REFORMAS E REALIDADE: O CASO DO ENSINO DAS CIÊNCIAS

liberdade de ação das instituições, deixando o sistema à mercêdos slogans em voga que refletem as políticas vigentes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AAAS – American Association for the Advancement of Science. Project 2061 –Science for all americans. Washington, 1989.

ALVES, N. (org.). Múltiplas leituras da nova LDB: Lei de Diretrizes e Bases daEducação Nacional (Lei n. 9.394/96). Rio de Janeiro, Quality Mark, 1997.

BRASIL. Lei n. 4.024 de 20/12/1961: fixa as diretrizes e bases da EducaçãoNacional. São Paulo, FFCL, 1963.

__________ . Diretrizes e bases da educação nacional: Lei n. 5.692, de 11/8/1971,Lei n. 4.024, de 20/12/1961. São Paulo, Imesp, 1981.

__________ . Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria do Ensino Fun-damental. Parâmetros curriculares nacionais para o ensino fundamental:documento introdutório. Brasília, MEC, 1995.

__________ . Lei n. 9.394 Diretrizes e bases da educação nacional: promulga-da em 20/12/1996. Brasília, Editora do Brasil, 1996.

__________ . Secretaria de Ensino Fundamental. Parâmetros curriculares na-cionais. Brasília, MEC, v.10, 1997.

DUIT, R. e TREAGUST, D. “Learning in science: from behaviourism towardssocial constructivism and beyond”. International Handbook of ScienceEducation. Boston, Kluwer Academic Publisher, 1998.

GROSS, B. e GROSS, R. (eds.). The great schools debate. New York, Simon &Schuster Inc., 1985.

INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS.Avaliação de concluintes do ensino médio em nove estados, 1997: relató-rio final. Brasília, 1998 (Anexo 2).

__________ . Avaliação de concluintes do ensino médio em nove estados, 1997:relatório síntese. Brasília, 1998.

KNAPP, M.S. “Between systemic reform and the mathematics and scienceclassroom: the dynamics of innovation, implementation and professionallearning”. Review of Educational Research. New York, v.67, n.2, 1997,p.227-226.

KRASILCHIK, M. O professor e o currículo das ciências. São Paulo, EPU/Edusp,1987.

PESTANA, M.I. de S. et alii. SAEB 97: primeiros resultados. Brasília, Inep, 1999.TIMPANE, M. e WHITE, L.S. (eds.). “Reforming science, mathematics and

technology education”. Higher education and school reform. San Francis-co, Jossey – Bass publishers, 1998.

Page 93: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

94

A

O MEC E A REORGANIZAÇÃOCURRICULAR

Relativamente à questão curricular e à qualidade daeducação, pode-se dizer que currículos compreendem aexpressão dos conhecimentos e valores que uma socie-dade considera que devem fazer parte do percursoeducativo de suas crianças e jovens. Eles são traduzidosnos objetivos que se deseja atingir, nos conteúdos consi-derados os mais adequados para promovê-los, nasmetodologias adotadas e nas formas de avaliar o trabalhodesenvolvido. A definição de quais são esses conhecimen-tos e valores vem sendo modificada nos últimos anos,devido às demandas criadas pelas transformações na or-ganização da produção e do trabalho e pela conjunturade redemocratização do país. Portanto, a meta de melho-ria da qualidade da educação impôs o enfrentamento daquestão curricular como aquilo que deve nortear as açõesdas escolas, dando vida e significado ao seu projetoeducativo.

É importante considerar também que, no quadro dediversidade da realidade brasileira, existem grandes dis-crepâncias em relação à possibilidade de se ter acessoaos centros de produção de conhecimento, tanto dasáreas curriculares quanto da área pedagógica. Isto érefletido na formação de professores e nos currículosdas escolas, o que não favorece a existência de umaeqüidade na qualidade da oferta de ensino das cerca de250.000 escolas públicas brasileiras dispersas nas cin-co regiões do país.

IARA GLÓRIA AREIAS PRADO

Secretária de Educação Fundamental do MEC

Educação Básica no Brasil é composta por trêsetapas: educação infantil (que atende hoje cercade 5 milhões de crianças de 0 a 6 anos, em cre-

ches ou pré-escolas, geralmente mantidas pelo podermunicipal); ensino fundamental (que atende cerca de 36milhões de alunos de 7 a 14 anos, tem caráter obrigatório,é público, gratuito e oferecido de forma compartilhadapelos poderes municipal e estadual) e ensino médio (queatende cerca de 7 milhões de jovens de 15 a 17 anos e éoferecido basicamente pelo poder estadual).

No Brasil, existe um contingente ainda expressivo, em-bora decrescente, de jovens e adultos com pouca ou nenhu-ma escolaridade, o que faz da Educação de Jovens e Adultosum programa especial que visa dar oportunidades educacio-nais apropriadas aos brasileiros que não tiveram acesso aoensino fundamental na idade própria, cujo atendimento re-presenta, aproximadamente, 3 milhões de alunos.

No que se refere às comunidades indígenas, a Consti-tuição garante-lhes o direito de utilizar suas línguas ma-ternas e processos próprios de aprendizagem, o que sejustifica pela existência de cerca de 1.600 escolas indíge-nas, que hoje possuem cerca de 80 mil alunos índios.

Apesar do grandioso número de alunos – mais de 50milhões – o grande desafio da educação brasileira, queestá sendo enfrentado hoje, não é mais a oferta de vagas,mas sim a necessidade de construir escolas onde se aprendamais e melhor.

Resumo: O texto apresenta um resumo sobre o movimento de reorganização curricular promovido pela Secre-taria de Educação Fundamental do Ministério da Educação do Brasil e aborda os seguintes temas, entre ou-tros: organização da educação básica; questão curricular e qualidade da educação; Parâmetros CurricularesNacionais; referências curriculares e concepções norteadoras; e formação de professores.Palavras-chave: educação e realidade brasileira; desenvolvimento curricular e instituição pública.

Page 94: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

95

O MEC E A REORGANIZAÇÃO CURRICULAR

Até 1995, não havia no país uma referência nacionalpara nortear os currículos propostos pelas 27 secretariasde educação estaduais e 5.600 municipais que compõemo Estado federativo brasileiro. Após um longo processode debate nacional, foi aprovada, em dezembro de 1996,a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – leimáxima da educação brasileira –, que, dentre suas pro-postas, determina como competência da União estabele-cer, em colaboração com estados e municípios, diretrizespara nortear os currículos, de modo a assegurar uma for-mação básica comum em todo o país.

Era preciso portanto construir referências nacionaispara impulsionar mudanças na formação dos alunos, nosentido de enfrentar antigos problemas da educação bra-sileira e os novos desafios colocados pela conjuntura mun-dial e pelas novas características da sociedade – como aurbanização crescente. Por outro lado, essas referênciasprecisavam indicar pontos comuns do processo educativoem todas as regiões e, ao mesmo tempo, respeitar as di-versidades regionais, culturais e políticas existentes.

Dessa forma, no primeiro mandato do presidenteFernando Henrique Cardoso, uma das prioridades doMinistério da Educação foi a elaboração de referênciascurriculares para a educação básica, um processo inéditona história da educação brasileira, sistematizando idéiasque já vinham sendo utilizadas nas reformulações curri-culares de estados e municípios.

Os procedimentos seguidos na elaboração dos documen-tos representam a manifestação do espírito democrático eparticipativo que deve caracterizar a educação de base nopaís. Equipes de educadores (professores com larga e boaexperiência nas salas de aula, professores universitários epesquisadores) elaboraram os documentos preliminares. Estasequipes realizaram um estudo dos currículos de outros paí-ses (como Inglaterra, França, Espanha, Estados Unidos),analisaram as propostas dos estados e de alguns dos municí-pios brasileiros, considerando os indicadores da educaçãono Brasil (como taxas de evasão e repetência, desempenhodos alunos nas avaliações sistêmicas) e estudaram os mar-cos teóricos contemporâneos sobre currículo, ensino, apren-dizagem e avaliação.

Os documentos preliminares foram enviados para apre-ciação e receberam críticas e sugestões de professoresuniversitários e de sala de aula, pesquisadores e de técni-cos que atuam nas equipes pedagógicas das secretariasde educação, tendo como idéia-força a perspectiva daformação para a cidadania, pois a criança não é só a cida-dã do futuro, ela já é cidadã. Essas idéias inovam ao ins-

tituir o que se pode chamar de “escola-cidadã”, expres-são de uma política educacional fortemente marcada peloempenho de criar novos laços entre ensino e sociedade.

A finalidade das referências curriculares consiste naradical transformação dos objetivos, dos conteúdos e dadidática na educação infantil, no ensino fundamental e naeducação de jovens e adultos. Os conteúdos estudadospassam a ser os meios com os quais o estudante desen-volve capacidades intelectuais, afetivas, motoras, tendoem vista as demandas do mundo em que vive. A forma-ção se sobrepõe à informação pura e simples, modifican-do o antigo conceito de que educação é somente trans-missão de conhecimentos.

A concepção pedagógica subjacente, na nova propos-ta curricular, aponta no sentido de que:- a escola existe, antes de tudo, para os alunos aprende-rem o que não podem aprender sem ela;- o professor organiza a aprendizagem, avalia os resulta-dos, incentiva a cooperação, estimula a autonomia e osenso de responsabilidade dos estudantes;- nada substitui a atuação do próprio aluno no processode aprendizagem;- o ponto de partida é sempre o conhecimento prévio doaluno;- a avaliação é um instrumento de melhoria do ensino enão uma arma contra o aluno;- a aprendizagem bem-sucedida promove a auto-estimado aluno; o fracasso ameaça o aprender e é o primeiropasso para o desinteresse.

A nova proposta apresentada pelo Ministério da Edu-cação aos educadores brasileiros é composta dos docu-mentos Parâmetros Curriculares Nacionais para Educa-ção Fundamental, Referencial Curricular Nacional para aEducação Infantil e para Educação Indígena e a PropostaCurricular para Educação de Jovens e Adultos.

Dentro das propostas já referidas, cada qual com suaespecificidade, os Parâmetros Curriculares Nacionais parao Ensino Fundamental incluem, além das áreas curri-culares clássicas (Língua Portuguesa, Matemática, Ciên-cias Naturais, História, Geografia, Arte, Educação Físicae Línguas Estrangeiras), o tratamento de questões da so-ciedade brasileira, como aquelas ligadas a Ética, MeioAmbiente, Orientação Sexual, Pluralidade Cultural, Saú-de, Trabalho e Consumo, ou outros temas que se mos-trem relevantes.

Considerando as particularidades da faixa etária com-preendida entre 0 e 6 anos, a proposta educativa dos refe-

Page 95: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

96

renciais de educação infantil enfatiza a construção da iden-tidade, autonomia da criança e o seu conhecimento demundo.

Com relação à educação de jovens e adultos, o focodas áreas de Língua Portuguesa, Matemática e dos Estu-dos da Sociedade e da Natureza está na preocupação coma adequação do trabalho educativo às condições de vidae trabalho dos alunos.

Os referenciais para a educação indígena, além dasáreas de conhecimento, incluem temas escolhidos por umamplo grupo de professores índios, como, por exemplo,auto-sustentação, ética indígena, pluralidade cultural, di-reitos, lutas e movimentos, terra e preservação da biodi-versidade e educação preventiva para a saúde.

Mais de um 1,4 milhão de exemplares dos Parâmetrose Referenciais Curriculares foram entregues a todos os

DIAGRAMA 1

Conteúdos Curriculares

asealocal
asealocal
Page 96: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

97

O MEC E A REORGANIZAÇÃO CURRICULAR

professores das escolas públicas do Brasil, bem como àsinstituições de formação de professores. Além disso, en-contros e seminários promovidos pelo MEC, secretariasde educação e universidades reuniram grandes grupos deprofessores e especialistas nos estados e municípios bra-sileiros com a finalidade de conhecer e debater esses do-cumentos, contando ainda com inúmeros programas dastelevisões educativas – TV Escola e TV Executiva doMEC, TVs Educativas de diferentes estados –, que tam-bém têm ajudado na divulgação e ampliação dos debates.

Se entre 1995 e 1998 a prioridade do Ministério daEducação foi a elaboração das diretrizes curriculares, noperíodo subseqüente, de 1999 a 2002, a prioridade é aformação de professores, o que significa repensar os cur-sos de formação inicial – responsabilidade das universi-dades – e investir em ações de formação para melhorar aprática dos professores já em exercício na sala de aula.

Para impulsionar essa discussão na comunidadeeducativa do país, o Ministério da Educação elaboroudiretrizes para a formação de professores, seguindo osmesmos procedimentos dos documentos anteriores, jácitados. Os referenciais mostram a necessidade de mu-danças na formação dos professores, proporcionando odesenvolvimento de competências profissionais para aten-der às novas concepções da educação escolar e do papelde professor. Esses referenciais também redefinem osâmbitos do conhecimento profissional (conhecimentos so-bre crianças, adolescentes, jovens e adultos, conhecimen-tos sobre a dimensão cultural, social e política da educa-ção, conhecimentos pedagógicos, conhecimento experiencialcontextualizado na atuação pedagógica, cultura geral eprofissional) e a metodologia necessária para desenvolvê-los, além de trazerem orientações para que as escolas deformação organizem seus currículos e para que as secre-tarias de educação desenvolvam seus trabalhos de forma-ção continuada.

A grande diferença entre a formação tradicional e oque se propõe nos novos referenciais é que, ao invés deser organizada como um elenco de disciplinas, a forma-ção de professores passe a ser definida a partir do traba-lho do professor, isto é, das questões que enfrenta efeti-vamente na sua atuação profissional.

A partir de 1999, o MEC vem desenvolvendo em par-ceria com as secretarias de educação o programa “PCNem Ação”. Esse programa tem como objetivo o desen-volvimento de programas de formação continuada no in-

terior das escolas, incentivando o estudo em grupo dosParâmetros e Referenciais curriculares, a troca de expe-riência, o trabalho em equipe; e a articulação entre a teo-ria e a prática pedagógica. A idéia central do programa éa de que a formação profissional deve estar relacionadaao trabalho desenvolvido na sala de aula.

O programa já está implantado em 24 estados e 960secretarias municipais de educação, envolvendo cerca de6.000 professores-formadores e com a meta de atingir130.000 professores do ensino fundamental, da educaçãoinfantil e da educação de jovens e adultos.

A formação inicial de professores é de responsabilida-de das universidades e teve mudanças importantes a par-tir da Lei de Diretrizes e Bases: uma delas é a de que aformação de professores para atuarem na educação infantile nas séries iniciais do ensino fundamental deve ser feitaem cursos de nível superior (antes era realizada em cur-sos de nível médio); a outra é a criação dos InstitutosSuperiores de Educação, que deverão ser centros forma-dores, disseminadores, sistematizadores e produtores doconhecimento referente ao processo de ensino, de apren-dizagem e de educação escolar, com o objetivo de pro-mover a formação geral dos futuros professores de edu-cação básica, favorecer o conhecimento e o domínio dosconteúdos específicos ensinados nas diversas etapas daeducação básica e das metodologias e tecnologias a elesassociados, bem como desenvolver habilidades para acondução dos demais aspectos inerentes ao trabalho co-letivo da escola.

Apesar de ainda existirem alguns professores que es-tão lecionando sem a devida formação exigida – os cha-mados professores leigos – a meta é titular esse grupo deprofessores por meio de formação em exercício que estásendo realizada num programa especialmente elaborado– o Proformação –, que combina parte presencial e partea distância, com o uso de materiais impressos e de vídeos,e que se desenvolve, prioritariamente, nas regiões maispobres do país.

O Ministério da Educação, por meio dessa reorganiza-ção curricular, visa a qualidade do ensino nas escolaspúblicas brasileiras, assegurando que a educação no paíspossa atuar de forma decisiva no processo de construçãoe de exercício da cidadania, sem contudo deixar de cum-prir um compromisso da Nação na valorização e forma-ção do magistério, uma vez que os docentes constituem ocentro de todo o processo educacional.

Page 97: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

98

S

FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORESPARA A EDUCAÇÃO BÁSICA

uma (re)visão radical

mente, agregam-se a esse esforço o aumento do númerode crianças de 6 anos ao sistema educacional e a expan-são do ensino médio.

A democratização do acesso e a melhoria da qualida-de da educação básica vêm acontecendo num contextomarcado pela modernização econômica, pelo fortaleci-mento dos direitos da cidadania e pela disseminação dastecnologias da informação, que impactam as expectati-vas educacionais ao ampliar o reconhecimento da impor-tância da educação na sociedade do conhecimento.

Em resposta a essas expectativas, desde a década de80 os sistemas de ensino público e privado vêm passandopor processos de reforma educacional, em âmbito esta-dual, local ou mesmo nas unidades escolares. Algumasdessas iniciativas de reforma são mais abrangentes e atin-gem todos os componentes do processo educativo; ou-tras dirigem-se a apenas alguns deles.

Com a promulgação da Lei no 9.394/96, a nova Lei deDiretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que in-corporou as experiências e lições aprendidas ao longo des-ses anos, inicia-se outra etapa de reforma. Em relação àflexibilidade, regime de colaboração recíproca entre osentes da federação e autonomia dos entes escolares, a novaLDB consolidou e tornou norma uma profunda ressigni-ficação do processo de ensinar e aprender: prescreveu umparadigma curricular no qual os conteúdos de ensino dei-xam de ter importância em si mesmos e são entendidos

GUIOMAR NAMO DE MELLO

Diretora Executiva da Fundação Victor Civita e Membro do Conselho Nacional de Educação

O imaginário popular tem alguma razão quando relacionaa atuação do professor ao irônico dito de G.B. Shaw:

“Quem sabe faz, quem não sabe ensina.”

ob o pressuposto de que a formação inicial e con-tinuada de professores é a prioridade na educa-ção brasileira no início do século XXI, o presente

trabalho pretende contribuir para a necessária mudan-ça no conteúdo e desenho da educação superior de pro-fessores para a educação básica. Este estudo reconhe-ce que a formação inicial é apenas um componente deuma estratégia mais ampla de profissionalização do pro-fessor, indispensável para implementar uma política demelhoria da educação básica, e finaliza propondo acriação de um sistema nacional de certificação de com-petências docentes e a priorização da área de formaçãode professores nas políticas de incentivo, fomento e fi-nanciamento.

CONTEXTO: POR QUE É URGENTEREFORMULAR A TEORIA E A PRÁTICA DAFORMAÇÃO DE PROFESSORES NO BRASIL

Durante os anos 80 e 90, o Brasil deu passos significa-tivos para universalizar o acesso ao ensino fundamentalobrigatório: melhorou o fluxo de matrículas e investiu naqualidade da aprendizagem desse nível escolar. Recente-

Resumo: Para que a aprendizagem escolar seja uma experiência intelectualmente estimulante e socialmenterelevante, é indispensável a mediação de professores com boa cultura geral e domínio dos conhecimentos quedevem ensinar e dos meios para fazê-lo com eficácia. O artigo analisa o sistema brasileiro de formação deprofessores: apontando sua inadequação para colocar em prática o paradigma curricular requerido pela socie-dade da informação e prescrito pela LDB; sugerindo caminhos e estratégias para a construção de modelos deformação; indicando condições mínimas para que os cursos de formação inicial de professores cumpram suafinalidade.Palavras-chave: formação de professores; educação no Brasil; política educacional.

Page 98: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

99

FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA: UMA (RE)VISÃO...

como meios para produzir aprendizagem e constituir com-petências nos alunos.

Na sucessão da LDB, os órgãos educacionais nacio-nais estão desenvolvendo um esforço de regulamentaçãoe implementação do novo paradigma curricular. No Con-selho Nacional de Educação foram estabelecidas, em cum-primento ao mandato legal desse colegiado, as diretrizescurriculares nacionais para a educação básica. Por seucaráter normativo, as diretrizes são genéricas: focalizamas competências que se quer constituir nos alunos, masdeixam ampla margem de liberdade para que os sistemasde ensino e as escolas definam conteúdos ou disciplinasespecíficas.

No executivo, o MEC elaborou um currículo nacional– os parâmetros curriculares do ensino fundamental e doensino médio –, além de referenciais curriculares paraeducação infantil, educação indígena e educação de jo-vens e adultos. Todo esse trabalho está disponível, emcaráter de recomendação, a todos os sistemas e escolas.

Estados, municípios e escolas estão, por sua conta,adotando as providências necessárias à organização deseus currículos de acordo com o novo paradigma dispos-to na LDB e nas normas nacionais. Essas iniciativas sebeneficiam tanto dos parâmetros e referenciais prepara-dos pelo MEC quanto da assistência técnica de universi-dades, instituições de estudos e pesquisas e organizaçõesnão-governamentais do setor educacional.

A implementação da reforma curricular envolve, eenvolverá ainda mais, em diferentes graus, distintos seg-mentos do setor educacional brasileiro. Devido à com-plexidade do sistema federativo do país e sua enorme di-versidade, esse processo ocorre com muito mais consensodo que dissenso. Duas razões contribuem para a construçãodesse consenso: o contexto econômico e cultural, que im-põe a revisão dos conteúdos do ensino; e a LDB, que atuacomo fator de coesão. Na medida em que as principaisrespostas para essa revisão foram contempladas na lei, osvários âmbitos ou instâncias de sua regulamentação eexecução estão empenhados em colocá-la em prática.

Se a aprovação da LDB marcou o final da primeirageração de reformas educacionais, as diretrizes e parâ-metros curriculares inauguraram a segunda geração, quetem duas características a serem destacadas: não se tratamais de reformas de sistemas isolados mas sim de regula-mentar e traçar normas para uma reforma da educação emâmbito nacional; e atinge, mais que na etapa anterior, oâmago do processo educativo, isto é, o que o aluno deveaprender, o que ensinar e como ensinar.

A etapa que ora se inicia, se implementada para atin-gir suas conseqüências mais profundas, deverá mudarradicalmente a educação básica brasileira ao longo dasduas ou três primeiras décadas do terceiro milênio. Paragerenciá-la de modo competente, é preciso que todos osenvolvidos construam uma visão de longo prazo e nego-ciem as prioridades.

FORMAÇÃO DE PROFESSORES:DISTORÇÕES E OPORTUNIDADES

A divisão entre o professor polivalente e o especialistapor disciplinas teve na educação brasileira um sentidoburocrático-corporativo. Pedagogicamente, não há nenhu-ma sustentação consistente para uma divisão que em par-te foi causada pela separação histórica entre dois cami-nhos de formação docente: o normal de nível médio e osuperior.1

Por motivos também históricos, houve um momento,em meados dos anos 70, em que a formação do professordas séries iniciais do ensino fundamental passou a ser feitatambém em nível superior. Mas, mantendo a segmentaçãotradicional, o locus dessa formação não foi o mesmo daslicenciaturas, e sim os cursos de pedagogia nas faculda-des de educação.

A distância entre o curso de formação do professorpolivalente, situado nos cursos de pedagogia, nas facul-dades de educação, e os cursos de licenciatura, nos de-partamentos ou institutos dedicados à filosofia, às ciên-cias, e às letras, imprimiu àquele profissional umaidentidade pedagógica esvaziada de conteúdo.2

Não é justificável que um jovem recém-saído do ensi-no médio possa preparar-se para ser professor de primei-ra a quarta série em um curso que não aprofunda nemamplia os conhecimentos previstos para serem transmiti-dos no início do ensino fundamental. Nem é aceitável aalegação de que os cursos de licenciatura “não sabem”ou “não têm vocação” para preparar professores de crian-ças pequenas.

É também difícil de aceitar que, para lecionar até a quar-ta série do ensino fundamental, o professor domine os con-teúdos curriculares dessas séries apenas no nível médio, en-quanto para lecionar a partir da quinta em diante do ensinofundamental e médio seja necessário um curso superior dequatro anos. Da mesma forma, é raro que os formadores deformadores justifiquem o currículo de graduação das licen-ciaturas de futuros professores em função daquilo que elesdeverão ensinar nos níveis fundamental e médio.

Page 99: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

100

Na perspectiva de uma educação básica que deverá serde pelo menos 11 anos e universalizada para todos, essadivisão precisa ser questionada, em busca de uma visãogeral da formação do professor da educação básica. Alémdisso, do ponto de vista legal, é possível existirem pro-fessores especialistas desde o início do ensino fundamen-tal, até mesmo na educação infantil. Da mesma forma, épossível existirem professores polivalentes nas séries ter-minais do ensino fundamental e até no ensino médio. Doponto de vista pedagógico, essa é uma decisão que deveser tomada de acordo com o projeto educacional dos sis-temas de ensino ou das escolas.

As diretrizes curriculares constantes da LDB e dasnormas que a regulamentam dão maior ênfase às compe-tências do que às disciplinas, fato que abre amplas possi-bilidades de organização interdisciplinar, de definição deconteúdos transversalizados que não correspondem a dis-ciplinas tradicionais, de realização de projetos de ensino.Esse paradigma novo vai romper com o modelo discipli-narista que repousa sobre a divisão das licenciaturas noensino superior.

A localização institucional das licenciaturas na estru-tura do ensino superior, e particularmente das universi-dades, cria um divórcio entre a aquisição de conhecimen-tos nas áreas de conteúdos substantivos e a constituiçãode competências para ensinar esses conteúdos a crianças,adolescentes ou adultos com atraso escolar.3

O único aspirante ao magistério que ingressa no ensi-no superior com opção clara pelo ofício de ensinar é oaluno dos cursos de magistério de primeira a quarta sériedo ensino fundamental. A esses, na maior parte dos cur-sos, não é oferecida a oportunidade de seguir apren-dendo os conteúdos ou objetos de ensino que deveráensinar no futuro. Aprende-se a prática do ensino, masnão sua substância.

Os demais ingressam no ensino superior de formaçãode professores com a expectativa de serem biólogos,geógrafos, matemáticos, lingüistas, historiadores ou lite-ratos, dificilmente professores de biologia, de geografia,de línguas ou de literatura. Os cursos de graduação sãoministrados num contexto institucional distante da preo-cupação com a educação básica, que não facilita nemmesmo a convivência com pessoas e instituições que co-nhecem a problemática desta última. Os professores for-madores que atuam nesses cursos, quando estão em insti-tuições de qualidade, são mais preocupados com suasinvestigações do que com o ensino em geral, e menos in-teressados ainda no ensino da educação básica.

No caso do professor polivalente, a preparação se re-duz a um conhecimento pedagógico abstrato porque éesvasiado do conteúdo a ser ensinado. No caso do espe-cialista, o conhecimento do conteúdo não toma como re-ferência sua relevância para o ensino de crianças e jovens,e as situações de aprendizagem que o futuro professor vivenão propiciam a articulação desse conteúdo com a trans-posição didática; em ambos os casos, a “prática de ensi-no” também é abstrata, pois é desvinculada do processode apropriação do conteúdo a ser ensinado.

Para cumprir a LDB na letra e no espírito, será neces-sário reverter essa situação. A lei manda que o professorde educação básica construa em seus alunos a capacida-de de aprender e de relacionar a teoria à prática em cadadisciplina do currículo; mas como poderá ele realizar essaproeza se é preparado num curso de formação docente noqual o conhecimento de um objeto de ensino, ou seja, oconteúdo, que corresponde à teoria, foi desvinculado daprática, que corresponde ao conhecimento da transposi-ção didática ou do aprendizado desse objeto?

Enquanto a educação básica é um serviço principal-mente do setor público, a formação de professores para aeducação básica é realizada com importante aporte do setorprivado. No Sul e Sudeste, este é largamente majoritário.Nas demais regiões do país, é apenas expressivo, em vir-tude da grande presença de instituições de ensino supe-rior estaduais e, em menor número, municipais.

Não há avaliação da qualidade dos resultados dessescursos de preparação docente, sejam eles públicos ou priva-dos, porque a formação de professores tem sido tratada comoqualquer outro curso de nível superior, sem considerar seupapel estratégico para todo o sistema educacional do país.4

Como os demais cursos superiores, eles são previamenteautorizados e reconhecidos. Nunca passaram por avalia-ção posterior das competências necessárias para formarprofessores da educação básica brasileira.5

Essa situação dá origem a algumas distorções graves:nas regiões em que a oferta de cursos de formação do-cente é predominantemente privada, o poder público, quemantém a educação básica, garante o mercado de traba-lho dos egressos do ensino superior privado sem disporde mecanismos eficientes de controle da qualidade des-ses professores; e nas regiões em que os cursos de forma-ção de professores são predominantemente públicos es-taduais, o poder público pode financiar com recursosda educação básica a formação de seus professores, o quecaracteriza um duplo financiamento das instituições es-taduais de ensino superior.

Page 100: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

101

FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA: UMA (RE)VISÃO...

O problema é ainda maior quando se considera que ossistemas públicos de educação básica, estaduais e muni-cipais, gastam volumes consideráveis de recursos emcapacitação de professores, dinheiro anualmente pago àsmesmas instituições de ensino superior privadas e públi-cas para refazerem um trabalho que não foi bem-feitodurante a formação inicial dos professores.

A única e importante vantagem do modelo atual é suasustentabilidade financeira. As grandes universidadespúblicas federais e estaduais, nas quais o custo aluno éalto, dedicaram-se muito mais, proporcionalmente, àscarreiras superiores “nobres” como medicina, engenha-ria, direito, arquitetura. Entre essas carreiras, nunca foiincluída a formação de professores para a educação damaioria. Por essa razão, há várias décadas os futuros pro-fessores, geralmente originários das camadas médias emédias baixas, arcam com os custos da própria formaçãoprofissional no setor privado ou recorrem ao ensino su-perior estadual, quase sempre de custo e qualidade infe-riores ao federal ou aos estaduais “nobres”.

Diante das demandas de uma reforma educacionalcomo a que se inicia, essa situação pode representar umaoportunidade histórica. Seria inviável para o poder pú-blico financiar, pelos preços das universidades “nobres”,a formação de seus professores de educação básica, quejá são mais de um milhão. Com um volume de recursosmuito menor, um sistema misto de custos baixos, tantopúblicos quanto privados, configuram-se um ponto estra-tégico de intervenção para promover melhorias sustentá-veis a longo prazo no ensino básico.

No futuro, o país vai precisar de bons professores,que substituam os hoje existentes. Essa necessidadedeverá expressar-se num fluxo que a médio prazo vairepor integralmente o plantel docente hoje existente.Toda e qualquer melhoria na formação desse fluxo demais de 1,5 milhão de professores vai representar umensino melhor para dezenas de milhões de alunos du-rante os 25 que durarem a carreira de cada geração deprofessores.

É urgente investir na organização de um sistema nacio-nal de credenciamento de cursos e certificação de com-petências docentes radicalmente diferente da atualprocessualística de autorização e reconhecimento de cursossuperiores em geral; apoiar escolas avaliadas e credenciadas,com assistência técnica e financeira; condicionar o exercí-cio do magistério à conclusão do curso em instituiçãocredenciada e à avaliação para certificação de competên-cias docentes.

Medidas dessa natureza teriam custos relativamentepequenos se comparados aos que são necessários paraarcar com os ônus do fracasso escolar: recuperação donível de aprendizagem, aceleração da escolaridade e re-gularização da matrícula dos milhões de alunos atendi-dos por professores provenientes de cursos de formaçãoruins.

No futuro, a boa qualidade dos professores poderá eli-minar os custos de organização dos grandes empreendi-mentos de capacitação ou educação continuada destinadosa ensinar àqueles que, se tivessem aprendido a aprender,poderiam ser gestores da própria atualização profissional.Com professores bem preparados, a educação continua-da poderia ser quase inteiramente realizada na escola, sema parafernália dos grandes encontros de massa, que ostornam eventos de interesse maior para a hotelaria do quepara a educação.

Os organismos formuladores de políticas, os financia-dores de projetos de reforma, as universidades e outrasinstituições sociais precisam se dar conta e levar a conse-qüências práticas esse fato óbvio: no caso brasileiro, oinvestimento na formação de professores para a melhoriada educação básica pode ser o de melhor rentabilidadeou o de melhor relação custo-benefício. Esse é um cálcu-lo que deverá ser feito principalmente com os estudantesque terão acesso a linhas de crédito para financiar seuscursos superiores.

PROPOSTA DE DIRETRIZES PEDAGÓGICAS:CONSEQÜÊNCIAS DA SIMETRIA INVERTIDAENTRE FORMAÇÃO E EXERCÍCIOPROFISSIONAL

A mudança nos cursos de formação inicial de profes-sores terá de corresponder, em extensão e profundidade,aos princípios que orientam a reforma da educação bási-ca, mantendo com esta sintonia fina. Não se trata de criarmodismos, mas de buscar modalidades de organizaçãopedagógica e espaços institucionais que favoreçam a cons-tituição, nos futuros professores, das competências do-centes que serão requeridas para ensinar e fazer com queos alunos aprendam de acordo com os objetivos e diretri-zes pedagógicas traçados para a educação básica.

A educação escolar é uma política pública endereçadaà constituição da cidadania. Quando forma médicos, con-tribui para o sistema de saúde da mesma forma que a pre-paração de cineastas é a contribuição da educação para odesenvolvimento da arte cinematográfica. Quando se tra-

Page 101: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

102

ta de professores, a educação está cuidando do desenvol-vimento dela mesma, para que possa continuar contribuin-do para a medicina, a engenharia, as artes e todas as ati-vidades que exigem preparação escolar formal, além desua finalidade de constituição de cidadania.

A situação de formação profissional do professor éinversamente simétrica à situação de seu exercício pro-fissional. Quando se prepara para ser professor, ele viveo papel de aluno. O mesmo papel, com as devidas dife-renças etárias, que seu aluno viverá tendo-o como pro-fessor. Por essa razão, tão simples e óbvia, quanto difícilde levar às últimas conseqüências, a formação do profes-sor precisa tomar como ponto de referência, a partir doqual orientará a organização institucional e pedagógicados cursos, a simetria invertida entre a situação de prepa-ração profissional e o exercício futuro da profissão. Asdiretrizes que se seguem procuram avançar nessa carac-terística, buscando tornar coerente a formação do profes-sor com a simetria existente entre essa formação e o futu-ro exercício da profissão.

Uma conseqüência disso é que a educação inicial deprofessores deve ter como primeiro referencial as normaslegais e recomendações pedagógicas da educação básica.Os professores não são necessários para qualquer projetopedagógico, mas para aqueles que vão ser executados soba orientação normativa das diretrizes curriculares nacio-nais e sob a recomendação dos parâmetros e planoscurriculares formulados pelo MEC, pelos sistemas públicosde ensino e pelas escolas particulares. Os modelos ou insti-tuições de formação docente que interessam ao país são,portanto, aqueles que propiciam ou facilitam a constitui-ção de um perfil de profissionais adequados a essa tarefa.

Ninguém facilita o desenvolvimento daquilo que nãoteve oportunidade de aprimorar em si mesmo. Ninguémpromove a aprendizagem de conteúdos que não domina,a constituição de significados que não compreende nema autonomia que não pôde construir. É imprescindível queo professor que se prepara para lecionar na educação bá-sica demonstre que desenvolveu ou tenha oportunidadede desenvolver, de modo sólido e pleno, as competênciasprevistas para os egressos da educação básica, tal comoestabelecidos nos artigos 22, 27, 32, 35 e 36 da LDB enas diretrizes curriculares nacionais da educação básica.Isso é condição indispensável para qualificá-lo como ca-paz de lecionar na educação infantil, no ensino fundamen-tal ou no ensino médio.

Muitos dos jovens que hoje saem da educação básicae ingressam no ensino superior não possuem essa condi-

ção mínima. É preciso que a formação docente propicie aeles a oportunidade de refazer o percurso de aprendiza-gem que não foi satisfatoriamente realizado na educaçãobásica para transformá-los em bons professores, que nofuturo contribuirão para a melhoria da qualidade da edu-cação básica.

Essa afirmação, aparentemente redundante, tem o ob-jetivo de evidenciar que a formação inicial de professo-res constitui o ponto principal a partir do qual é possívelreverter a qualidade da educação. É como se, ao tocá-la,fosse mais fácil provocar uma reação do sistema total,gerando um efeito em série: um círculo virtuoso de con-seqüências mais duradouras.

Assim entendida como componente estratégico damelhoria da qualidade da educação básica, a formaçãoinicial de professores define-se como política pública.Embora não seja necessário que o poder público a execu-te diretamente, é indispensável que ele estabeleça crité-rios de financiamento, padrões de qualidade e mecanis-mos de avaliação e acompanhamento.

Com competências a serem constituídas na educaçãobásica, a formação inicial dos professores para atuaremna mesma educação básica deve levar em conta os prin-cípios pedagógicos estabelecidos nas normas curricularesnacionais: a interdisciplinaridade, a transversalidade e acontextualização, e a integração de áreas em projetos deensino, que constituem hoje mandados ou recomendaçõesnacionais.

Observe-se que “levar em conta”, nesse caso, não sig-nifica apenas dar informações sobre contextualização,interdisciplinaridade, transversalidade e outros princípios.A simetria invertida de situações de formação e exercícioprofissional exige que a aprendizagem do conteúdo doscursos superiores de formação de professores seja presi-dida pelos mesmos princípios filosóficos e pedagógicosque a lei manda praticar na educação básica.

Mas o país também precisa de diversidade curricularque dê conta de sua complexidade cultural, social e eco-nômica. Os cursos de formação docente deverão ter tam-bém como referência os planos curriculares e os projetospedagógicos dos sistemas de ensino públicos e privadose, sempre que possível, das próprias escolas. Isso poderáestimular o surgimento de vários modelos de formaçãode professores, com maior adequação às necessidades ecaracterísticas das regiões e dos alunos.

A consideração radical da simetria invertida entre si-tuação de formação e de exercício não implica tornar assituações de aprendizagem dos cursos de formação do-

Page 102: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

103

FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA: UMA (RE)VISÃO...

cente mecanicamente análogas às situações de aprendizagemtípicas da criança e do jovem na educação média.

Não se trata de infantilizar a educação inicial do pro-fessor mas de torná-la uma experiência isomorfa à expe-riência de aprendizagem que ele deve facilitar a seus fu-turos alunos, ou seja, um aprender que permite apropriar-sede estruturas comuns abstraindo as diferenças de conjun-tura.

É importante reconhecer que a aprendizagem pode sermais ou menos estruturada, mas não pode ser descontex-tualizada e compartimentalizada em disciplinas estanques.E essa afirmação é verdadeira tanto para o futuro alunodesse professor como para o estudante de hoje, possívelprofessor da educação básica, que está cursando a forma-ção docente inicial em nível superior. Isso, é claro, apre-senta o problema da educação de formadores.

O isomorfismo tem, portanto, duas conseqüências im-portantes. A primeira é deixar claro que na formação do-cente está em jogo uma dupla relação entre teoria e práti-ca. A segunda refere-se ao papel da investigação ou dapesquisa nesses cursos.

Uma das relações entre teoria e prática na formaçãodo professor deve ocorrer na área de conhecimento espe-cializado. Ora, se no futuro será necessário que o profes-sor desenvolva em seus alunos a capacidade de relacionar ateoria à prática, é indispensável que, em sua formação, osconhecimentos especializados que o professor está consti-tuindo sejam contextualizados para promover uma per-manente construção de significados desses conhecimen-tos com referência a sua aplicação, sua pertinência emsituações reais, sua relevância para a vida pessoal e soci-al, sua validade para a análise e compreensão de fatos davida real.

Esse tipo de relação entre teoria e prática, decisiva parao professor, pois ele terá de refazê-la com seus alunos, érelevante para qualquer situação de formação profissio-nal: o aluno da licenciatura em matemática, por exemplo,precisa compreender o significado e a função dos váriosanos de cálculo integral a que é submetido, mesmo quenão se destine ao magistério da matemática.

Mas há outra relação entre teoria e prática que é espe-cífica da formação do professor: a aprendizagem da trans-posição didática do conteúdo, seja ele teórico ou prático.A prática do curso de formação docente é o ensino, por-tanto cada conteúdo que é aprendido pelo futuro profes-sor em seu curso de formação profissional precisa estarrelacionado com o ensino desse mesmo conteúdo na edu-cação básica.

Isso implica um tipo de organização curricular que, emtodas as disciplinas do curso de formação, permita tam-bém: a transposição didática do conteúdo aprendido pelofuturo professor; e a contextualização do que está sendoaprendido na realidade da educação básica. Ainda com oexemplo anterior, é imprescindível que o aluno da licen-ciatura de matemática compreenda qual a relevância docálculo integral para o ensino da matemática na educa-ção básica.

De acordo com esse princípio, desde o primeiro ano eem todas as disciplinas de uma licenciatura especializa-da, por exemplo, a de língua portuguesa, o exercício detransposição didática do conteúdo e a prática de ensinodeveriam estar lado a lado, ministrados pelo mesmo pro-fessor ou por outro que também seja especialista em en-sino de língua portuguesa.

A dupla relação entre teoria e prática resulta em doissignificados próprios ao papel da pesquisa na formaçãodo professor. O primeiro deles é negativo: a competênciapara fazer pesquisa pura na área de conhecimento de suaespecialidade não é relevante para a formação do profes-sor, ainda que os conhecimentos produzidos pela investi-gação da área substantiva o sejam, e muito. O segundosignificado é positivo: a capacidade de pesquisar dentroda área de especialidade aplicada ao ensino, refletir sobre aatividade de ensinar e formular alternativas para seu aper-feiçoamento é indispensável para o futuro professor. Comisso, compreende-se que os objetos da pesquisa nos cursosde formação docente são o ensino e a aprendizagem do con-teúdo dos componentes curriculares da educação básica. Issofaz da transposição didática o campo de estudos por exce-lência dos cursos de formação docente: partindo dos currí-culos dos ensinos fundamental e médio que o professor teráde operar, quais são os conhecimentos que ampliam, apro-fundam, dão relevância e pertinência aos conteúdos quedeverão ser ensinados pelo professor e aprendidos peloaluno? Para dar aula de ciências da primeira à oitava sé-ries do ensino fundamental, o que um professor precisasaber de química, física ou biologia? Com que profundi-dade? Com qual enfoque metodológico, de modo a ade-quar-se ao estatuto epistemológico dessas ciências, aosobjetivos que se tem ao ensiná-las na educação básica,que é educação de cidadania e não de especialistas, e àcriança e ao jovem que vivem neste mundo de hoje? Umavez compreendida a transposição didática, quais as esco-lhas mais sábias para ensinar e aprender os conteúdostranspostos? Eis aí um mundo de questões relevantes quea pesquisa didática não tem abordado no Brasil.

Page 103: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

104

A insistência com a relação teoria e prática decorre doconceito de competência: competência se constrói em si-tuação; não é “conhecimento de”, muito menos “conhe-cimento sobre”, mas é conhecimento que pode ser mobi-lizado para agir e tomar decisões em situações concretas.Situações da vida real envolvem sempre um componenteimponderável e imprevisível. No ensino, isso é mais doque verdadeiro.

Como todos os profissionais, o professor precisa fazerajustes permanentes em suas ações. Mas o professor, comoo médico, o cirurgião, o performer de palco, muitas ve-zes lida com situações que não se repetem nem podemser cristalizadas no tempo, aguardando um insight oudiscernimento de nova alternativa de ação. Boa parte dosajustes tem de ser feita em tempo real ou em intervalosrelativamente curtos, minutos e horas, na maioria doscasos, dias ou semanas, na hipótese mais otimista, sob riscode passar a oportunidade de intervenção no processo deensino e aprendizagem.

Além do tempo, que limita a periodicidade dos ajus-tes, os resultados das ações de ensino são previsíveis ape-nas em parte. O contexto no qual se efetuam é complexoe indeterminado, dificultando uma antecipação exata doproduto. A prática docente não tem a exatidão do experi-mento científico, e é por essa razão que seu ethos não é odo investigador acadêmico. Ao contrário: ensinar requerdispor e mobilizar conhecimentos para improvisar, intuir,atribuir valores e fazer julgamentos que fundamentem aação mais pertinente e eficaz possível.

Ensinar é uma atividade relacional: para co-existir, co-municar, trabalhar com os outros, é necessário enfrentara diferença e o conflito. Acolher e respeitar a diversidadee tirar proveito dela para melhorar sua prática, aprender aconviver com a resistência, os conflitos e os limites desua influência fazem parte da aprendizagem necessáriapara ser professor.

Mas ensinar é também uma atividade altamente inde-terminada ou altamente determinada por fatores que es-capam ao controle de quem ensina. O projeto educativo ea ação cotidiana, a intenção e o resultado na sala de aula,na escola, no sistema e na política educacional sempreguardarão alguma distância, maior ou menor. Ensinar,portanto, exige aprender a inquietar-se e a indignar-se como fracasso sem deixar destruir-se por ele.

Essas competências traçam o perfil do profissionaldenominado reflexivo pela literatura recente (anexo): umprofissional cuja atuação é inteligente e flexível, situadae reativa, produto de uma mistura integrada de ciência,

técnica e arte, caracterizada por uma sensibilidade de ar-tista referida como artistry. A tarefa é um saber-fazersólido, teórico e prático, criativo a ponto de permitir aoprofissional decidir em contextos instáveis, indetermina-dos e complexos, com zonas de indefinição, o que tornacada situação uma novidade que exige reflexão e diálogocom a realidade.

O profissional reflexivo é também aquele que sabecomo suas competências são constituídas, é capaz de en-tender a própria ação e explicar por que tomou determi-nada decisão, mobilizando para isso os conhecimentos desua especialidade. A reflexão, nesse caso, identifica-secom a metacognição dos processos em que o profissionalestá envolvido nas situações de formação e exercício.

Para a formação do professor, esse aspecto é crucial.A hipótese, nesse caso, é a de que ao compreender o pro-cesso de aprendizagem e constituição de competências, ofuturo professor estaria mais preparado para compreen-der e intervir na aprendizagem de seu aluno. Para dar sus-tentação a esse processo, o futuro professor deveria apren-der sobre desenvolvimento e aprendizagem de modointegrado aos demais conhecimentos do currículo de for-mação docente.

A prática deverá estar presente desde o primeiro diade aula do curso superior de formação docente, por meioda presença orientada em escolas de educação infantil eensinos fundamental e médio ou de forma mediada pelautilização de vídeos, estudos de casos e depoimentos ouqualquer outro recurso didático que permita a reconstru-ção ou simulação de situações reais.

O que hoje se entende por estágio deverá, sempre queas condições permitirem, ser equivalente à “residência”para a profissão médica: a culminância de um processode prática que ocorre pelo exercício profissional pleno,supervisionado ou monitorado continuamente por um tu-tor ou professor experiente que permita um retorno ime-diato ao futuro professor dos acertos e falhas de sua atua-ção. Idealmente, no caso do professor de ensino público,o estágio poderia corresponder ao período probatório deingresso na carreira docente, desde que o exame para ocurso de formação satisfizesse aos requisitos formais doconcurso público.

A importância da prática decorre do significado quese atribui à competência do professor para ensinar e fazeraprender. Competências são formadas pela experiência,portanto esse processo deve ocorrer necessariamente emsituações concretas, contextualizadas. Mas é preciso cui-dar para que não exista nova fragmentação. O termo prá-

Page 104: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

105

FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA: UMA (RE)VISÃO...

tica na formação do professor tem três sentidos comple-mentares e inseparáveis. O primeiro sentido refere-se àcontextualização, relevância, aplicação e pertinência doconhecimento das ciências que explicam o mundo da na-tureza e o mundo social; em segundo lugar, identifica-secom o uso eficaz das linguagens como instrumento decomunicação e organização cognitiva da realidade natu-ral e social; em terceiro, a prática tem o sentido de ensi-nar, referindo-se à transposição didática do conhecimen-to das ciências, das artes e das letras para o contexto doensino de crianças e adolescentes em escolas de educa-ção básica.

A competência docente não pode prescindir do domínioem extensão e profundidade de um ou mais conteúdoscurriculares previstos para os ensinos fundamental e médio.Deve compreender, aplicar e julgar a relevância, relacionarseus conceitos básicos e, como parte inseparável desse do-mínio de conteúdo especializado, saber fazer a transposiçãodidática do mesmo para situações de ensino e de aprendiza-gem da educação básica, o que inclui, além de competên-cias de gerência do ensino e da aprendizagem, discernimentopara decidir quais conteúdos devem ser ensinados, em queseqüência e com que tipo de tratamento.

Mas, independentemente de seu conhecimento especia-lizado, é preciso lembrar que o professor em formação cum-priu a educação básica. Dela saiu, espera-se, tendo consti-tuído conhecimentos, competências e habilidades básicas paraser um cidadão produtivo. Cidadania é antes de mais nadaum exercício de polivalência. Essa polivalência ele pode edeve transferir para seu exercício profissional, abrindo-seportanto aos conhecimentos das demais áreas curriculares,interagindo com seus colegas para estabelecer relações en-tre sua especialidade e as outras disciplinas a fim de estarpropício a praticar a interdisciplinaridade.

Em outras palavras: uma vez constituída a capacidadede continuar aprendendo e a compreensão do mundo físi-co e social (objetivos do ensino médio, última etapa daeducação básica), o professor deverá saber fazer relaçõessignificativas entre os conhecimentos especializados queadquiriu no curso de formação de nível superior e as infor-mações das demais áreas ou disciplinas do currículo da edu-cação básica, trabalhando assim de maneira interdisciplinare favorecendo em seus alunos a compreensão das relaçõesentre as várias áreas do conhecimento.

Nessa perspectiva abre-se, com as novas diretrizes doensino médio, uma grande oportunidade de trabalho cria-tivo para os cursos desse nível escolar na modalidadenormal. A vantagem dos cursos normais de nível médio é

a opção – nem sempre bem aproveitada – de levar os alu-nos a aprender conteúdos e a aprender a ensinar conteú-dos de modo integrado e polivalente. Essa qualidade é quese quer transportada pelo menos para a formação inicial,em nível superior, de professores de crianças de até 10ou 11 anos de idade. Essa é razão mais forte para chamaressa modalidade de Curso Normal Superior, nome impor-tante porque pleno do significado que tem para a educa-ção o tradicional curso normal.

Se a simetria invertida for levada a sério, a interdiscipli-naridade é, em princípio, possível para todos os profes-sores, e assim a resistência à interdisciplinariedade serávencida. Na verdade é muito plausível supor que a sensa-ção de incompetência na especialidade do outro leve oprofessor a sentir-se ameaçado pelo trabalho interdisci-plinar, o que, mais uma vez, recomenda uma etapa básicano curso de formação em que se recuperem ou consoli-dem os conhecimentos do ensino médio.

O professor polivalente ou especialista, independen-temente de sua área de especialidade, deve dominar a lín-gua portuguesa, a matemática, a informática e as lingua-gens de expressão artística, pelo menos no mesmo grauprevisto para os formados na última etapa da educaçãobásica. Deve ser capaz de empregar as linguagens comorecurso de auto-aprendizagem e de utilizá-las, em sua ati-vidade docente, como meio de comunicação com o alunoe como recurso capaz de ajudar este último, dentro de suaárea de especialidade, a organizar cognitivamente a rea-lidade, construir o conhecimento e negociá-lo com osoutros.

Se é aceita a premissa de que o sentido da profissão dedocente não é ensinar, mas fazer o aluno aprender, su-põe-se que, para que o professor seja competente nessatarefa, é importante dominar um conjunto básico de co-nhecimentos sobre desenvolvimento e aprendizagem. Essedomínio deve estar na aplicação dos princípios de apren-dizagem na sala de aula; na compreensão das dificulda-des dos alunos e no trabalho a partir disso; na contextua-lização do ensino de acordo com as representações e osconhecimentos espontâneos dos alunos; do envolvimentodos alunos na própria aprendizagem.

A competência implica sempre a articulação de dife-rentes conhecimentos. No caso do professor, isso signifi-ca organizar informações de conteúdo especializado, dedidática e prática de ensino, de fundamentos educacio-nais e de princípios de aprendizagem em um plano de açãodocente coerente com o projeto pedagógico da escola;participar da elaboração deste último sabendo trabalhar

Page 105: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

106

em equipe; e estabelecer relações de cooperação dentroda escola e com a família dos alunos.

A competência docente requer também mobilizar co-nhecimentos e valores em face da diversidade cultural eétnica brasileira, das necessidades especiais de aprendi-zagem, das diferenças entre homens e mulheres, de modoa ser capaz não só de acolher as diferenças, como deutilizá-las para enriquecer as situações de ensino e apren-dizagem em sala de aula.

O professor competente não se limita a aplicar conhe-cimentos, mas possui características do investigador emação: é capaz de problematizar uma situação de práticaprofissional; de mobilizar em seu repertório ou no meioambiente os conhecimentos para analisar a situação; deexplicar como e por que toma e implementa suas deci-sões, tanto em situações de rotina como diante de impre-vistos, revelando capacidade de metacognição dos pró-prios processos e de transferência da experiência paraoutras situações; de fazer previsões, extrapolações e ge-neralizações a partir de sua experiência, e registrá-las ecompartilhá-las com seus colegas.

Finalmente, mas sem esgotar a relação das competên-cias a serem desenvolvidas pelos cursos de formação, éimportante mencionar que a profissionalização do pro-fessor depende de sua competência em fazer avaliações,realizar julgamentos e agir com autonomia diante dosconflitos e dilemas éticos de sua profissão, e de sua capa-cidade em gerenciar seu próprio desenvolvimento profis-sional por meio de um processo de educação continuada.

PROPOSTA DE DIRETRIZES INSTITUCIONAIS:DIVERSOS LOCUS, UMA SÓ MISSÃO

O arranjo institucional adequado para a formação de pro-fessores será aquele que conseguir construir, ao longo docurso, o perfil profissional docente que o país necessita paraimplementar a reforma da educação básica, consubstanciadaem suas diretrizes curriculares nacionais, nos parâmetroscurriculares recomendados pelo MEC e nas ações de imple-mentação iniciadas por estados e municípios.

É indispensável que os professores em preparação paralecionar nos anos iniciais do ensino fundamental domi-nem os objetos de ensino: língua portuguesa, matemáti-ca, ciências naturais, história e geografia. Portanto, seránecessário que o modelo do normal de nível médio sejaconstruído agora como nível superior.

A diversidade curricular e de projetos pedagógicos serábem-vinda, observada essa missão dos cursos de prepa-

ração docente. Concretamente, essa missão estará satis-feita se os projetos pedagógicos dos cursos propiciaremque a experiência de aprendizagem dos futuros professo-res se caracterize segundo os aspectos citados a seguir:- preparação para lecionar nos anos iniciais do ensinofundamental que inclua o domínio dos objetos de ensi-no: língua portuguesa, matemática, ciências naturais,história e geografia, pelo menos, o que implicará cons-truir em nível superior o modelo do normal de nívelmédio aproveitando o conhecimento e a experiência dosformadores de professores que se situam nos cursos delicenciatura tradicionalmente dedicados à formação doespecialista;- currículo de formação em uma (licenciaturas especia-lizadas) ou mais (polivalentes) áreas de conhecimento de-finido em função das diretrizes curriculares da educaçãobásica e dos currículos recomendados ou dos parâmetroscurriculares adotados pelas diferentes instâncias (nacio-nal, estaduais e municipais). A quantidade, seqüência,profundidade da formação do futuro professor em umaou mais áreas de conhecimento deverão ter como critérioaquilo que depois ele terá de ensinar a seus alunos e comodeverá ensinar;- integração permanente e contínua entre teoria e práticadesde o início do curso de graduação, em todas as disci-plinas do currículo de formação profissional, inclusivenaquelas tradicionalmente consideradas “alheias” à for-mação docente. Essa integração deve ser trabalhada comocontextualização dos conhecimentos no mundo social enatural de modo a propiciar situações de aprendizagemsignificativa aos futuros professores, tanto nas áreas deconteúdo específico como nas áreas de fundamentos edu-cacionais;- orientação para a pesquisa em ação ou pesquisa aplica-da, com ênfase na relação entre teoria e aplicação, tantodos conhecimentos de conteúdos ou objetos de ensinoquanto dos conhecimentos pedagógicos. Mais ainda, ên-fase nas investigações sobre os conteúdos ou objetos deensino e seu ensino a crianças e jovens. Em outras pala-vras: investigação sobre conhecimento e transposição di-dática do conhecimento;- transdisciplinaridade da prática pedagógica e didáticapelos demais conteúdos curriculares das disciplinas docurso de graduação para formação de docentes, desde oinício do mesmo, para garantir que conteúdos e transpo-sição didática desses conteúdos sejam aprendidos de modointegrado. Quer dizer, contextualização do conhecimen-

Page 106: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

107

FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA: UMA (RE)VISÃO...

to substantivo do curso de formação do docente, nas situa-ções e problemas da educação básica, sejam elas de ensi-no e aprendizagem, sejam elas típicas de outras dimen-sões da vida escolar;

- presença efetiva de disciplinas, recursos, laboratóriosou experiências que assegurem o uso das diferentes lin-guagens – a língua portuguesa, as linguagens artísticas, ainformática, a matemática, as multilinguagens dos meiosde comunicação – como recursos de construção do co-nhecimento no processo de formação profissional do pro-fessor;

- relação entre o conhecimento dos princípios que regemo desenvolvimento e a aprendizagem e o processo de cons-trução de conhecimentos de uma ou mais áreas especiali-zadas, de modo a assegurar ao futuro professor uma apren-dizagem significativa e aplicada daqueles princípios e umaexperiência permanente de metacognição para compreen-der como ocorre a própria aprendizagem;

- ligação entre as várias áreas que fundamentam o co-nhecimento educacional a fim de contextualizar essas in-formações nas situações mais próximas dos futuros pro-fessores – a escola de sua comunidade, a escola quefreqüentou, a política educacional local e regional –, de-senvolvendo compreensão e aplicação de noções sobre aeducação escolar, suas relações com a sociedade, a cultu-ra, a vida política e econômica;

- integração entre os diversos campos de ciências huma-nas e sociais com o objetivo de compreender e aplicarconhecimentos sobre a realidade nacional brasileira, suadiversidade e complexidade social, cultural e étnica,contextualizados por observações reais ou estudos de ca-sos nos quais a questão da diferença é importante, paradesenvolver a capacidade de ser pró-ativo na construçãode um clima acolhedor das variações e aproveitar a di-versidade como recurso de enriquecimento das situaçõesde aprendizagem de seus alunos;

- interdisciplinaridade entre o ensino da didática e as áreasrelacionadas à gestão e outros conhecimentos educacio-nais, a fim de garantir a superação da visão fragmentadoraentre gestão e aspectos pedagógicos;

- criação do projeto de formação de professores envol-vendo a participação efetiva de escolas ou do sistema es-colar público ou privado da região para assegurar:

- a aplicação a situações escolares – reais, simuladasou mediadas – de todos os conhecimentos que foremadquiridos ao longo do curso de formação do docen-

te, não envolvidos diretamente no aprendizado da salade aula, incluindo atividades de elaboração de proje-tos pedagógicos, de diagnóstico, proposição e execu-ção de programas, iniciativas de integração da escolana comunidade, prestação de serviços de natureza di-versa às escolas da comunidade, trabalhos em equipeenvolvendo planejamento, gestão e avaliação de pro-jetos de ensino;- a existência de um lugar permanente de aplicaçãodos conhecimentos da didática e da prática de ensino,que envolvem observação, preparação do plano de tra-balho docente, regência supervisionada de classes deensinos fundamental e médio, avaliação, atividades deorientação de alunos, coordenação e animação de tra-balho em grupo, entre outras;- residência escolar com efetiva participação, ob-servação em sala de aula, gerenciamento do tempoe do espaço pedagógicos e dos recursos didáticosde apoio, durante tempo suficiente para enfrentarsituações diferenciadas e imprevistas, sempre sob asupervisão da escola onde é realizado o estágio, aqual deverá participar da avaliação final do futuroprofessor.

- acesso, manipulação e prática com recursos de apren-dizagem para si mesmo no curso de formação do docentee com os múltiplos recursos didáticos, tais como: livros,equipamentos, materiais de laboratório, existentes para darsuporte ao trabalho docente na educação básica;- participação em situações formais ou informais deaprendizagem que ampliem os horizontes da informação,produzam inquietude intelectual e facilitem o acesso àcultura acumulada, às manifestações culturais, aos dadossobre fatos e tendências do mundo contemporâneo e docomportamento individual e social, e sobre o desenvolvi-mento de tecnologias, a economia e a política no futuroprofessor;- conhecimento das condições de trabalho e carreirapara ser capaz de compreender e atuar de modo autô-nomo frente aos conflitos, impasses e dilemas éticospróprios da profissão de docente e do processo educa-cional em geral;- assistência para a formulação e execução de um proje-to de desenvolvimento profissional durante o curso de for-mação do docente e para a proposta de um plano deautogestão do desenvolvimento profissional por meio deeducação continuada após a conclusão do curso de for-mação do docente;

Page 107: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

108

POR UM SISTEMA NACIONAL DECERTIFICAÇÃO DE COMPETÊNCIAS PARAPROFESSORES

Além do componente curricular propriamente dito, quediz respeito à organização pedagógica do curso de for-mação, é indispensável que o país pense ou repense oscritérios de autorização dos cursos e de avaliação dosformandos e dos professores já em exercício.

Essa política precisa ser de âmbito nacional, como sãoe devem continuar sendo os processos de autorização eavaliação de cursos. Como toda política federativa brasi-leira, é indispensável que ela seja liderada pela União eformulada com a participação dos diferentes níveis inte-ressados.

Vale dizer que uma política nacional de formação deprofessores precisa ancorar-se em consensos construídoscom organismos normativos como o CNE e em coorde-nação de políticas como o Consed e a Undime, além dasagências formadores e das representações não-sindicaisdo setor educacional e outros segmentos sociais interes-sados.

O primeiro ponto sobre o qual deverá ser estabelecidoo consenso refere-se ao caráter nacional da formação deprofessores. Só uma coesão firme em torno da formaçãodos docentes como interesse da nação poderá dar signifi-cado pleno, forte e eficaz às diretrizes, referenciais ourecomendações sobre o currículo e a organização peda-gógico-institucional dos cursos de formação.

O segundo ponto de consenso deverá ser o credencia-mento de cursos e certificação de competências.6 É pre-ciso que fique claro que, se a formação do professor deveser uma política nacional, o credenciamento e a certifica-ção também devem estar nesse âmbito, uma vez que osdiplomas expedidos têm validade para todo o país. Essesacordos é que darão legitimidade às diretrizes curricula-res e a qualquer proposta de avaliação de cursos ou egres-sos que venha a ser formulada. Independentemente dodesenho específico desses componentes da política, taisacordos têm diversos significados: o país reconhece quea formação de professores precisa com urgência ser con-siderada uma política da União, como uma das priori-dades da reforma e melhoria da educação básica. Comointeresse nacional, terá de ser detalhada e implementadapor organismos próprios, com participação indispensáveldas instituições formadoras, mas também dos gestoreseducacionais públicos e privados das três esferas respon-sáveis pela provisão de educação básica; uma vez estabe-

lecido um padrão de qualidade nacional, ninguém poderáser professor se seu desempenho revelar competênciasprofissionais inferiores ao padrão nacional; as diretrizescurriculares terão de assegurar princípios de organizaçãopedagógica e curricular comuns para todo o país, qual-quer que seja a região, o locus institucional ou a esferafederativa em que ocorra, aí incluídas as universidades,que, em sua autonomia, poderão dar cursos de formaçãode docente, mas que, no exercício do magistério, terão deoferecer aqueles que cumpram as diretrizes curricularesnacionais.

O desenho e a implementação de um sistema desse tiporequerem investimentos financeiros e técnicos e fontespermanentes de financiamento que assegurem regulari-dade, transparência e independência das agências ou dosorganismos avaliadores. Mas os benefícios resultantes naeducação básica com procedimentos tecnicamente susten-táveis, institucionalmente transparentes e politicamenteestáveis de avaliação de cursos e competências de for-mandos nos cursos de formação de docentes compensamos investimentos necessários.

O maior benefício seria assegurar formação de melhorqualidade para os professores da educação básica das pró-ximas décadas, dentro de princípios legais, diretrizesnormativas e recomendações nacionais e estaduais. Comisso, pode-se esperar não só a melhoria da qualidade, comotambém a plena implementação da reforma da educaçãobásica que se está iniciando.

Um benefício secundário, mas significativo, seria eli-minar do país os cursos de péssima qualidade e grandeprocura por parte de alunos que buscam a certificação fácil.A conclusão de cursos desse tipo, que poderiam até con-tinuar existindo, não teria validade nem para a obtençãodo diploma, nem para a obtenção de registro ou outra for-ma de autorização do exercício profissional.

Um impacto mais controverso seria promover a sele-ção natural das instituições privadas e públicas que têmvocação e disposição para formar professores com serie-dade e qualidade, e disponibilizar para essas instituiçõessuporte financeiro e técnico que lhes permitisse alcançaresse objetivo ou aperfeiçoar seus resultados por meio deum sistema mais competitivo de acesso aos recursos.

Reconhecem-se tanto os riscos reais de um sistemadesse tipo quanto os fantasmas ideológicos que povoamo armário de velharias das hostes educacionais. Mas éinevitável perguntar se o receio de adotar uma soluçãotão evidente não é maior que os impasses políticos queela causaria. Um país com um sistema de formação do

Page 108: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

109

FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA: UMA (RE)VISÃO...

docente de má qualidade, cuja única vantagem é a sus-tentabilidade financeira, precisa colocar a iniciativa pri-vada para trabalhar pela educação básica de melhor qua-lidade.

Do ponto de vista político, o processo de acordo sobreas diretrizes de formação podem servir de estímulo paraa discussão – quem sabe mesmo algum novo acordo –sobre planos de carreira. Esse assunto ainda não se esgo-tou no país, e o problema do excesso de formalismo con-tinua existindo na definição de planos de carreira nos quaistítulos formais e tempo de serviço terminam tendo maiorpeso para promoção e melhoria salarial do que resultadosobtidos na escola e com os alunos.

Na educação profissional, a certificação de competên-cias é considerada uma resposta para a velocidade damudança nos processos e nas formas de organização dotrabalho. Pode ser levada em conta para o ingresso e opercurso no mercado de trabalho, avaliando a flexibili-dade e a laborabilidade ao longo do desenvolvimento pro-fissional, quando existem exigências de periodicidade paracertificar novas competências ou recertificar as já consti-tuídas. No caso da carreira docente, esse processo poderáser de grande impacto para aferir a atualização e a educa-ção continuada do professor e, ao mesmo tempo, imporparâmetros para o ingresso, a progressão na carreira e aremuneração do docente.

Numa proposta mais ousada, o curso de formação eo processo de certificação de competências poderiamser considerados, a exemplo do que ocorre nos IUFM7

franceses, estágios iniciais ou probatórios da própriacarreira docente, com remuneração inicial ou não. Umavez em operação um sistema nacional de credenciamen-to de cursos e certificação de competências com legiti-midade e credibilidade, nada impediria que sistemasestaduais ou municipais adotassem os resultados pro-duzidos nesse processo para organizar seus planos decarreira e até mesmo de ingresso, respeitadas, é claro,as exigências legais.

PRIORIDADE À FORMAÇÃO DE PROFESSORESNOS SISTEMAS DE FOMENTO EFINANCIAMENTO

A melhoria qualitativa da profissionalização do pro-fessor da educação básica deve incluir ainda, além da for-mação inicial e da certificação de competências, meca-nismos que priorizem a área de formação do docente nosprogramas de crédito educativo para estudantes, fomento

de estudos e pesquisas, estudos pós-graduados no país eno exterior.

Para implementar essas prioridades, no entanto, é pre-ciso dispor de critérios claros, consensuais e objetivos.No que diz respeito ao fomento de estudos e pesquisas, épreciso estimular linhas de investigação, bolsas de estu-do no país e no exterior, programas de pós-graduação oude pesquisa, que focalizem o ensino como objeto de estu-do. Tudo isso tem de estar articulado com as diferentesáreas do conhecimento, não com a pedagogia ou não ape-nas com esta última.

Como já foi observado, a investigação didática – en-tendida em seu sentido mais literal, como o estudo dasrelações entre o domínio de um campo de saber e o ensi-no desse conhecimento a crianças e jovens que precisamconstruir sua cidadania e identidade – é uma temáticainexplorada na pesquisa educacional brasileira.

É preciso cobrar dos estudos pedagógicos que não li-mitem seu objeto de pesquisa à atividade do aluno e doprofessor, sem um sólido quadro teórico que leve em contaqual é e qual deve ser o conteúdo do ensino e, portanto, oconteúdo da formação do professor e da aprendizagemdo aluno. Esse viés, responsável por um ativismo peda-gogista que ilusoriamente induz a pensar que o ensino émoderno porque “ativo”, baseia-se num conceito limita-do da didática. De fato, desde Erasmo na Idade Média,didática não é a escolha do método ou técnica de ensino,ainda que essa etapa final seja muito importante, mas oque a antecede: o estudo da relação entre aquilo que oprofessor sabe ou deve saber e aquilo que precisa seraprendido pelo aluno.

No Brasil, está bastante disseminada a concepção deque o conhecimento se constrói, e se constrói em situa-ções socialmente determinadas. Essa teoria, que é em prin-cípio benéfica para a educação, não deve, no entanto,substituir os estudos sobre como se organiza a situaçãode aprendizagem para que o aluno construa ou recons-trua o conhecimento. A ausência dessa segunda parte levaà falsa noção de que a situação de ensino precisa serdesestruturada ou inestruturada para ser construtivista, oque seria a negação da didática.

No que diz respeito ao crédito educativo, a prioridadepara os alunos que se dirigem ao magistério já é uma po-lítica adotada pelo MEC. Falta a ela, entretanto, um siste-ma de credenciamento dos cursos que condicionem o cré-dito educativo àquelas instituições públicas e privadas quesatisfaçam os padrões básicos de qualidade definidos peloacordo entre as diferentes instâncias educacionais.

Page 109: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

110

NOTAS

E-mail da autora: [email protected]

Redigido em junho 2000.

1. Não foi por acaso que a essa segmentação correspondeu uma de gênero, fa-zendo do magistério das séries iniciais do ensino fundamental uma atividade quaseapenas feminina.

2. Embora existam exceções, a crítica se aplica à maioria dos cursos ou progra-mas de educação inicial de professores.

3. Essa não foi a opção de muitos países europeus e latino-americanos. Nestesúltimos, os Institutos de Formação Docente, como são comumente conhecidosno Uruguai, na Argentina, no Chile, entre outros, ou as Escolas Normais Superio-res, tais como existem até hoje no México, foram as instituições encarregadas deformar professores de crianças e adolescentes. Diga-se mesmo que esse modeloinstitucional, no caso da França, existe não apenas para professores, como paraoutras áreas profissionais, como administração, engenharia, medicina, ficandoreservada à universidade a preparação de cientistas, filósofos, mestres de letrascom ênfase na investigação científica, como, aliás, foi a inspiração da Faculdadede Filosofia, Ciências e Letras no Brasil, primeiro locus institucional de ensinosuperior responsável pela formação de professores, que se retalhou em departa-mentos com a Lei no 5.540/68.

4. Só em 1999, o Inep realizou o Exame de Avaliação de Cursos (Provão) emalgumas licenciaturas.

5. Em muitas ocupações, os organismos que controlam o exercício profissionalprocuram zelar, a seu modo, pela qualidade dos cursos de formação. É o caso daOrdem dos Advogados – OAB e dos Conselhos Regionais de Medicina e de Enge-nharia – CRMs e Creas. Alguns chegam mesmo a fazer exames para autorizar aprática da profissão que representam. O tamanho, a complexidade e a fragmenta-ção do setor educacional impediram a existência desse tipo de controle de qualida-de de cursos e formados, feita por órgãos profissionais. Pela natureza do trabalhodocente, o exame de seu exercício na educação básica constitui atividade que pre-cisa de maior atenção do poder público, pois é o setor governamental quem absor-ve a maior parte dos professores formados nos ensinos médio ou superior.

6. Essa expressão não se refere a nenhuma proposta de modelo para o Brasil,uma vez que é algo novo a ser discutido e consensuado. A expressão creden-ciamento é uma tentativa de tradução do termo accreditation, tal como usadopelo National Council of Accreditation of Teacher Education (NCATE). Já otermo certificação de competência foi tomado do parecer que estabelece as dire-trizes curriculares para a educação profissional e pode referir-se ao tipo de ativi-dade desenvolvida pelo National Board of Professional Teaching Standards(NBPTS) e outros órgãos semelhantes, como o Office of Standards in Education(OFSED), da Inglaterra.7. Instituts Universitaires de Formation de Maîtres.

Page 110: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

111

MODERNIDADE PEDAGÓGICA E MODELOS DE FORMAÇÃO DOCENTE

A

MODERNIDADE PEDAGÓGICA EMODELOS DE FORMAÇÃO DOCENTE

MARTA MARIA CHAGAS DE CARVALHO

Professora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade da PUC-SP ePesquisadora do Centro de Memória da Educação da USP

partir da segunda metade da década de 20, sãoevidentes os sinais de que os modelos pedagógi-cos que vinham balizando as iniciativas de insti-

tucionalização da escola no Brasil, desde o final do sécu-lo XIX, haviam esgotado a sua capacidade de normatizaras práticas docentes. Esse processo de corrosão foi mar-cado pelas motivações políticas, sociais e econômicas queconstituíram as plataformas políticas e pedagógicas dosmovimentos que Jorge Nagle chamou, em seus estudossobre os anos 20, de entusiasmo pela educação e otimis-mo pedagógico. Dar conta desse processo implica, por isso,relacionar as mutações teóricas e doutrinárias produzidasno campo normativo da pedagogia às questões técnicas epolíticas postas no processo de institucionalização da es-cola. Compreender esse processo de esgotamento de ummodelo pedagógico é questão instigante que exige o con-certo de uma pluralidade de perspectivas de análise. Sempretender enveredar, neste texto, pela complexidade dasquestões que o tema suscita, procura-se recortar nelealguns tópicos, levantando hipóteses que permitammapear esse processo e rastreando o impacto gradativoe nem sempre convergente de deslocamentos teóricose doutrinários que determinaram o solapamento decânones pedagógicos até então representados comoportadores do novo em matéria pedagógica, assim comoa sua substituição por um outro modelo.1 Toma-se, paratanto, o caso paulista.

Nas cinco primeiras décadas republicanas, dois mo-delos pedagógicos concorrentes configuram-se no Esta-do de São Paulo, pondo em cena estratégias diferencia-das de formação de professores. Na proliferação dosdiscursos que os articularam, dois estilos distintos denormatização das práticas escolares buscaram legitimar-se como saber pedagógico de tipo novo, moderno, expe-rimental e científico, produzindo estratégias concorren-tes de configuração do campo dos saberes representadoscomo necessários à prática docente.

No campo normativo da pedagogia moderna, que ani-mou as iniciativas de institucionalização da escola noEstado de São Paulo a partir do final do século XIX, apedagogia é arte de ensinar. Essa pedagogia estrutura-sesob o primado da visibilidade, propondo-se como arte cujosegredo é a boa imitação de modelos. Diferentemente, achamada pedagogia da Escola Nova, que começa a sedifundir no país em meados da década de 20, pretendesubsidiar a prática docente com um repertório de saberesautorizados, propostos como os seus fundamentos ou ins-trumentos.

É no bojo das discussões que se desencadeiam sobreas medidas adotadas pela Reforma Sampaio Dória, em1920, que começa a ganhar corpo em São Paulo a dissi-dência no campo normativo da pedagogia. As normaspedagógicas que vinham até então balizando o processode institucionalização da escola paulista são postas em

Resumo: O artigo objetiva discernir, na proliferação dos discursos que, no Brasil, a partir do final do séculoXIX e nas primeiras quatro décadas do século XX, buscaram legitimar-se como saber pedagógico de tiponovo, moderno, experimental e científico, estilos distintos de organização do campo dos saberes representa-dos como necessários à prática docente. Compreendendo o impresso destinado ao uso de professores comodispositivo de constituição desse campo, distingue dois modelos de formação docente inscritos na configura-ção material de revistas, livros e coleções que circularam no período: a “Caixa de Utensílios” e a “Biblioteca”.Palavras-chave: pedagogia moderna; história da educação; ensino no Brasil.

Page 111: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

112

questão. Nessa luta de representações, duas posições seopõem, reivindicando para si, cada uma delas, o estatutode pedagogia moderna e nova, porque ativa. Em meadosda década, começa a se articular a posição que reivindicapara personagens como Lourenço Filho e Fernando deAzevedo o estatuto de porta-vozes do movimento de re-novação educacional que se processava no país e no ex-terior. Na disputa, uma questão ganha um contorno pecu-liar: diante das novas idéias pedagógicas que começavama se difundir no país, que lugar atribuir às iniciativas demodernização pedagógica que, desde o início do século,vinham institucionalizando o modelo escolar paulista?

As posições em antagonismo coexistem nas décadasde 20 e 30. A disputa é no sentido de dificultar o trabalhohistoriográfico, embaralhando a questão, já que muitosdos atores nela envolvidos movimentaram-se na conten-da de modo muito fluído. Conhece-se muito bem a he-rança que a coexistência dessas duas posições legou nopastiche pedagógico que permeia a escola de todos nós.Porém, sabe-se muito pouco acerca das acomodaçõespolíticas e pedagógicas que produziram tal herança. Issoporque uma determinada memória foi legada pelos ven-cedores, que assenhorando-se do título de renovadoresda educação, conseguiram expelir para o limbo da velhaeducação ou da pedagogia tradicional não somente osseus opositores, mas também muitos de seus precursorese aliados. Entretanto, encontraram forte resistência. Osseus opositores reivindicaram para si a herança das tradi-ções pedagógicas institucionalizadas pelos republicanoshistóricos, erigindo-se em baluartes de defesa do modeloescolar paulista. Para compreender os termos dessa dis-puta, é interessante, aqui, remeter-se ao campo normati-vo da pedagogia moderna, que balizou as primeiras ini-ciativas republicanas de institucionalização da escola emSão Paulo.

Tão logo proclamada a República, os governantes doEstado de São Paulo, representantes do setor oligárquicomodernizador que havia hegemonizado o processo de ins-tauração da República, investem na organização de um sis-tema de ensino modelar. É assim que a escola paulista, es-trategicamente, constituiu-se signo do progresso que aRepública instaurava; signo do moderno que funcionavacomo dispositivo de luta e de legitimação na consolidaçãoda hegemonia desse Estado na Federação. O investimento ébem-sucedido e o ensino paulista logra organizar-se comosistema modelar, em duplo sentido: na lógica que preside asua institucionalização; e na força exemplar que passa a ternas iniciativas de remodelação escolar de outros Estados.

Na lógica que preside a institucionalização do modeloescolar paulista, a pedagogia moderna é entendida comoarte de ensinar, em que a prática da observação modula arelação ensino-aprendizagem, instaurando o primado davisibilidade (Rodrigues, 1930). A Escola Modelo anexaà Escola Normal é instituição nuclear. Com moderno eprofuso material escolar importado e prédio apropriado,tinha como função a criação de bons moldes de ensino.2

Nela, os futuros mestres podiam aprender a arte de ensi-nar vendo “como as crianças eram manejadas e instruí-das”. Desse modo de aprender centrado na visibilidade ena imitabilidade das práticas pedagógicas, esperava-se apropagação dos métodos de ensino e das práticas de or-ganização da vida escolar. Procedimentos de vigilância eorientação, acionados nos dispositivos de Inspeção Es-colar, produziriam a uniformização necessária à institu-cionalização do sistema de ensino que a propagação domodelo pretendia assegurar. Dispositivos de produção devisibilidade de práticas exemplares, demonstrações naEscola Modelo, Relatórios de Inspetores e Anuários doEnsino testemunham o intento propagador e unificadorda Diretoria da Instrução no processo de instituciona-lização do sistema escolar. Dessa estratégia republicana,resulta o modelo paulista que será exportado para outrosestados da Federação: ensino seriado; classes homogênease reunidas em um mesmo prédio, sob uma única direção;métodos pedagógicos modernos utilizados na EscolaModelo anexa à Escola Normal e monumentalidade dosedifícios em que a instrução pública se faz signo do pro-gresso. Viagens de estudo ao Estado de São Paulo e em-préstimo de técnicos passam a ser rotina administrativana hierarquia das providências com que os responsáveispela instrução pública dos outros estados tomam iniciati-vas de remodelação escolar na Primeira República.

Para delinear o campo doutrinário da pedagogia queanimou as primeiras iniciativas republicanas em São Paulo,é oportuno referir o relato sobre as práticas de sala de aulaque faz o diretor da Escola Normal, Gabriel Prestes, em1896. Em seu Relatório, há um repertório de convicçõespedagógicas partilhadas que se organizam e dispõem:crença na eficácia inconteste dos processos de ensino in-tuitivo; concepções acerca da natureza infantil formula-das nos marcos de uma psicologia das faculdades men-tais; aposta na pedagogia moderna como corpus de saberese de instrumentos metodológicos aptos a viabilizar a es-cola de massas, organizando o ensino simultâneo em clas-ses numerosas. É no ponto de convergência dessas con-vicções e desses propósitos que o exercício escolar

Page 112: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

113

MODERNIDADE PEDAGÓGICA E MODELOS DE FORMAÇÃO DOCENTE

configura-se como a base de estruturação do ensino naEscola Modelo. É em função desses exercícios que umarotina escolar se estabelece; que o tempo se organiza comohorário; que um percurso de aprendizagens se estabelececomo programa disciplinar de estudos e como currículo;que as classes de alunos adquirem um perfil e que o espa-ço da sala de aula se estrutura. Na confluência dessasconvicções e propósitos, o exercício escolar é dispositi-vo que permite alcançar um duplo objetivo: instruir edesenvolver as faculdades naturais da criança. É assimque, no Relatório, uma engenharia minudente estrutura odia-a-dia escolar, dosando os exercícios, segundo crité-rios de medida das faculdades mentais das crianças e com-pondo-os de maneira a se valer de sua natural atividade.3

É oportuno relacionar essa engenharia às concepçõespedagógicas que propunham a arte de ensinar como boacópia de modelos. Falar aqui em cópia não tem o sentidopejorativo que iriam mais tarde lhe emprestar os seus crí-ticos, no intuito de instaurar um novo paradigma de mo-dernidade pedagógica. Falar aqui em cópia de modelos éfalar em um tipo de atividade que, partindo da observa-ção de práticas de ensinar, é capaz de extrair analitica-mente os princípios que as regem e de aplicá-los inventi-vamente. Como prescrevia um Manual que, em 1911, oentão diretor geral do Ensino em São Paulo, OscarThompson, mandaria traduzir e editar – A Arte de Ensi-nar: “É claro que o sucesso no ensino não depende de secopiar servilmente o método mais aperfeiçoado, mas dese apreender os princípios da arte de ensinar e de aplicá-los inteligentemente na prática” (White, 1911).

A centralidade do exercício escolar no campo norma-tivo da pedagogia indicia a lógica que preside a organi-zação de impressos que, como a revista A Eschola Públi-ca, estruturam-se como caixas de utensílios para uso deprofessores, com seções de pedagogia prática compostaspor roteiros ou modelos de lições. Nessa lógica, o exercí-cio escolar é espécie de pauta musical que modula, dosa,aprimora e imprime ritmo à natural atividade da criança.Nela, todo um repertório de convicções pedagógicas con-verge na organização do impresso como caixa de utensí-lios destinados a promover a atividade do aluno regradapelo exercício.

A arte de ensinar, tal como a concebia essa pedagogiamoderna, é, assim, pedagogia prática. Nessa pedagogiadas faculdades da alma, ensinar é prática que se materia-liza em outras práticas; práticas nas quais a arte de apren-der formaliza-se como exercício de competências bemdeterminadas e observáveis em usos escolarmente deter-

minados. Como artes de saber-fazer-com, ensino e apren-dizagem são práticas fortemente atreladas à materialidadedos objetos que lhes servem de suporte. As práticas quese formalizam nos usos desses materiais guardam forterelação com uma pedagogia em que tal arte é prescritacomo boa imitação de um modelo. Os incontáveis rotei-ros de lições divulgados em revistas dirigidas a professo-res têm as marcas dessa concepção pedagógica. Tambéma minudência modelarmente prescritiva dos assuntos ar-rolados nos manuais de pedagogia que compendiam asartes de ensinar as mantém. No âmbito dessa pedagogia,ensinar a ensinar é fornecer esses modelos, seja na formade roteiros de lições, seja na forma de práticas exempla-res cuja visibilidade é assegurada por estratégias de for-mação docente, preferencialmente dadas a ver em Esco-las Modelo, anexas às Escolas Normais.

Sob o impacto de redefinições teóricas e doutrináriasde distinta extração, essa pedagogia como arte de ensi-nar foi sendo gradativamente solapada por iniciativas cujodenominador comum foi a pretensão de construir umapedagogia científica. Talvez uma das mais ambiciosas e,por isso, mais caracterizada iniciativa de implantação depráticas então tidas como científicas no campo da Peda-gogia tenha-se dado com a instalação, em 1914, do Labo-ratório de Pedagogia Experimental, no Gabinete de Psi-cologia e Antropologia Pedagógica, anexo à EscolaNormal Secundária de São Paulo A instalação do gabi-nete foi justificada por Oscar Thompson, então diretor daEscola Normal. Teria o governo do Estado entendido “aconveniência de se ampliarem os estudos teóricos e prá-ticos da pedagogia” e, por isso, havia criado o gabinete,além de uma Cadeira de Psicologia Aplicada à Educação.O objetivo da nova instituição pretendia ser o mesmo desimilares estrangeiras, em especial norte-americanas: o“estudo científico” da infância, entendido como “examemetódico de todas as energias da criança” (Thompsom,1914:17-18).

O processo de corrosão gradativa da concepção da peda-gogia como arte de ensinar não esteve, no entanto, sempreatrelado às práticas de laboratório e à pretensão de construiruma pedagogia científica com elas. Como espécie de efeitocolateral dessa pretensão, foi-se produzindo um outro tipode deslocamento: a autonomização dos métodos de ensino.No campo da pedagogia entendida como arte de ensinar, ométodo não era dissociável da prática, das artes de fazer, doque decorria uma política de formação docente centrada naprodução de condições materiais que favorecessem a imita-ção inventiva de modelos.

Page 113: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

114

Com toda a precaução que a matéria exige, é possívelsustentar que a autonomização dos métodos que marca osolapamento dessa pedagogia como arte de ensinar deu-se em duas direções distintas, mas complementares: a deum progressivo didatismo; e a de uma hipervalorizaçãodas “ciências” da educação como fundamentos da práticadocente. Nesse processo, o impresso pedagógico didatiza-se em uma proliferação de discursos sobre os métodos ousobre os fundamentos da prática docente.

Um dos marcos inaugurais desse processo de autono-mização dos métodos talvez tenha sido o livro de SampaioDória, Princípios de Pedagogia, publicado em 1914.Nesse livro, o então professor da disciplina Psicologia,Pedagogia e Educação Cívica, da Escola Normal Secun-dária, estava interessado em justificar o emprego do “mé-todo intuitivo” – peça central nas estratégias republica-nas de constituição de um sistema de educação públicamodelar em São Paulo –, demonstrando tratar-se de mé-todo fundado no princípio de que a educação deveria re-capitular, no indivíduo, o processo de evolução da huma-nidade. Esse tipo de esforço demonstrativo enraizava-sena tradição positivista que tanta penetração havia tido,desde o final do século XIX, na Escola Normal Secundá-ria de São Paulo. Dispositivo de atrelamento da pedago-gia ao evolucionismo spenceriano, a “lei da recapitula-ção abreviada” funcionava também, no livro de SampaioDória, como solapamento da pedagogia como arte, en-raizando a prática docente no campo discursivo das pres-crições metodológicas deduzidas de fundamentos cientí-ficos.

A tradição pedagógica de que Princípios de Pedago-gia constitui-se um marco é produzida também pela rup-tura que a chamada Reforma Sampaio Dória provocou natradição anterior, abalando certezas e rotinas estabeleci-das e produzindo polarizações nas discussões sobre o mo-delo escolar paulista. Porém, é somente a partir do finaldos anos 20 que a pedagogia como arte de ensinar dá si-nais inequívocos de que havia esgotado a sua capacidadede balizar a prática escolar no Estado de São Paulo. Índi-ces da permanência ou ruínas de estratégias historicamentedatadas de organização do campo da pedagogia, livros erevistas pedagógicas mantêm, em todo o período, as mar-cas dessa pedagogia como arte de ensinar, concorrendocom outros impressos, organizados segundo outras regras.A Revista do Ensino e a Revista Escolar são testemunhosda longevidade de um modo de conceber e organizar ocampo normativo da Pedagogia, que guarda forte relaçãocom a concepção da pedagogia como arte de ensinar, or-

ganizando-se como caixa de utensílios e fornecendo mo-delos de lições e materiais para uso do professor. Tam-bém alguns manuais, recheados de “coisas para usar” oude preceitos minudentemente práticos – por exemplo, osde autoria de João Toledo, Didática e Planos de Lição,publicados, respectivamente, em 1930 e 1934 –, são tes-temunhos dessa mesma longevidade. Perde-se nestes im-pressos, no entanto, a relação forte que essas modalida-des de estruturação do impresso mantinham com aspráticas de formação docente tal qual se configuraram noâmbito da pedagogia que animou as primeiras iniciativasrepublicanas em São Paulo.

No Inquérito promovido por Fernando de Azevedo, em1926, são várias as evidências dessa luta de representa-ções que cindia o campo educacional paulista. Entre mui-tas, as respostas de Lourenço Filho são especialmenteenfáticas. Perguntado sobre o modo como a Reforma de1925 tratava da “questão de assistência técnica e da ins-peção e da fiscalização do ensino” , responde: “Quanto àassistência técnica, louvo com o maior entusiasmo a idéiadas medidas que a atual administração tomou a respeito,inspetores especializados e uma revista para professores.Se louvo a idéia, lamento, porém com sinceridade, e nãosem tristeza, a sua execução. A ‘Revista Escolar’ pareceuma pilhéria proposital ou obra de sabotagem” (Azeve-do, 1926:148).

A cisão teria continuidade. Os episódios seguintes sãopouco conhecidos, mas dignos de nota. Embora não sejapossível tratar deles aqui, vale a pena mencionar dois deles:as rixas entre a Sociedade Paulista de Educação e a Dire-toria Geral da Instrução Pública que se manifesta de modoinequívoco na disputa acerca da responsabilidade pelaorganização da III Conferência Nacional de Educação;4 ea polêmica entre Sud Menucci e Renato Jardim em tornoda escola paulista. Demarcando posições na disputa polí-tica pelo controle do sistema escolar paulista, esses epi-sódios põem em cena a questão pedagógica que atraves-sava a disputa: o que era escola ativa? No entrecruzamentodas posições que reivindicavam o estatuto de pedagogiamoderna e nova, porque ativa, a questão ganhava um con-torno peculiar: diante das novas idéias pedagógicas quese difundiam no país, provocando debates e gerando ini-ciativas de reforma escolar em outros Estados, que lugaratribuir à velha escola paulista que tantos anos de glóriahavia conhecido, impondo-se no país como modelo demodernidade pedagógica? É dessa disputa que a chama-da pedagogia da escola nova emerge vencedora, reivin-dicando para si o monopólio do novo e do moderno e pro-

Page 114: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

115

MODERNIDADE PEDAGÓGICA E MODELOS DE FORMAÇÃO DOCENTE

duzindo, pejorativamente, os saberes pedagógicos con-correntes como pedagogia tradicional.

LOURENÇO FILHO E A NOVA ESCOLA ATIVA

Os múltiplos contatos de educadores brasileiros como movimento pela escola nova que se desenrolava naEuropa e nos Estados Unidos, no período entre-guerras,forneceram aos atores do movimento de renovação edu-cacional brasileiro o acesso a um cardápio alargado depossibilidades de intervenção pedagógica. A determina-ção do crivo que selecionou as proposições pedagógicasdifundidas deve levar em conta que, no Brasil, o proces-so de difusão da pedagogia da escola nova deu-se noâmbito do processo de institucionalização do forma es-colar.5 Diferentemente da Europa, onde o movimento pelaEscola Nova articulou-se como crítica de um modelo es-colar plenamente instituído, no Brasil esse movimentodefrontou-se com a situação-problema de sua não implan-tação na maior parte do país. Em muitas das reformas dossistemas públicos de ensino que os chamados renovado-res educacionais empreenderam nos anos 20 e 30, é essasituação-problema que determina a busca dos recursostécnicos, científicos e doutrinários que a nova pedagogiatornava disponíveis. Nas apropriações que foram feitasdesses recursos, estava ainda em jogo a produção de con-dições materiais e técnicas para implantar o modelo es-colar que, em outros países, tinha viabilizado a escola demassas: seriação, classes homogêneas, ensino simultâneo,regulamentação e uniformização do tempo escolar, en-quadramento disciplinar, organização do espaço escolar,etc. Na produção dessas condições, a redefinição do con-ceito de atividade deveria ter um papel central, fazendocom que as práticas escolares passassem a ser reguladaspor normas distintas daquelas que prescreviam a arte debem ensinar como boa cópia de modelos e a arte de bemaprender como exercício das faculdades da alma.

A questão pode ser abordada no contexto das refor-mas dos sistemas de Instrução Pública promovidas, portodo o país, com o concurso dos chamados renovadoresda educação, nas décadas de 20 e 30. Tome-se o caso doEstado do Ceará, onde, em 1922, a pedido do governocearense, Lourenço Filho é enviado de São Paulo, porindicação de Sampaio Dória, como técnico capaz de em-preender a Reforma do sistema de ensino.

A Reforma pretendeu adaptar ao Ceará o modelo es-colar paulista. De São Paulo, Lourenço Filho manda virmobiliário, materiais e livros, distribuindo-os pelas esco-

las. Como se ensina é um desses livros, de autoria deSampaio Dória, em que é proposto o método de intuiçãoanalítica. Nos mesmos moldes da iniciativa paulista, Lou-renço Filho organiza, ainda, a Escola Modelo, anexa àEscola Normal. Comentando a Reforma, na Revista Na-cional,6 um colaborador de Lourenço Filho assim descre-ve essa escola: “Instalada com material todo vindo de S.Paulo, e orientada por um professor paulista (...), o novoestabelecimento tornou-se, em pouco tempo, comparávela um grupo escolar do grande Estado. Foi aí que primeirose introduziram as novas práticas escolares (a leitura ana-lítica, o cálculo concreto, o ensino simultâneo da leiturae da escrita, o desenho do natural, o ‘slodj’, a cartografia,a ginástica sueca, etc.), práticas essas que, nesse instante,se irradiam por todos os grupos escolares da capital e dointerior, como os clarões de uma nova era” (Craveiro,1923:37).

Em 1930, Moreira de Souza, personagem muito atuanteno movimento educacional que se aglutinava em tornoda Associação Brasileria de Educação, realiza no Cearáuma nova Reforma da instrução pública. Reivindicandopara as iniciativas da Reforma o monopólio do novo emmatéria pedagógica, o reformador promove a desqualifi-cação das iniciativas anteriores de remodelação das esco-las cearenses, não poupando João Hippolyto de Azevedoe Sá, diretor da Escola Normal de Fortaleza, que haviasido um dos principais colaboradores de Lourenço Filhona Reforma de 1922.7

É nesse contexto de disputa entre modelos pedagógi-cos concorrentes que se inscrevem as questões formula-das a Lourenço Filho, em 1930, por João Hippolyto: aReforma da Instrução Pública promovida em 1922 haviase pautado nos preceitos da pedagogia da escola nova?Ou teria sido ela concebida nos marcos da pedagogia tra-dicional? Promovera ela a escola ativa?

João Hippolyto já era diretor da Escola Normal quan-do Lourenço Filho foi alçado ao estatuto de reformadorda instrução pública cearense. Em cartas de 1930, o ve-lho diretor reclamava da desqualificação de que vinhasendo vítima. A indignação de João Hippolyto era justi-ficada, afinal, não havia sido ele, João Hippolyto de Aze-vedo e Sá, o colaborador de Lourenço em uma reformavazada nos mesmos princípios que norteavam a nova re-forma?

Cautelosa, a resposta de Lourenço Filho espraia-se porinúmeros esclarecimentos e sugestões, na correspondên-cia que dirige ao velho diretor da Escola Normal. Nela,apesar de toda a cautela, explicita-se o fosso existente entre

Page 115: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

116

a nova e a velha educação; entre a pedagogia moderna,que fizera a glória do modelo escolar paulista, e a peda-gogia da escola nova, que vinha tomar o seu lugar. Es-crevia Lourenço: “A princípio todo o ensino era verbal.Acreditava-se na magia da palavra, supunha-se mesmoque ela transmitisse as idéias. Foi ainda um pouco o ensi-no que aí eu encontrei (… ). Depois do movimento filo-sófico da Renascença, apareceu a nova concepção de for-mação genética do espírito: nada está na inteligência quenão tivesse passado pelos sentidos. Como conseqüênciadireta, o ensino de coisas, pelas coisas, ou intuitivo. Quantotempo levou a implantar-se? Séculos e séculos, e aindanão dominou todas as escolas. Do começo deste séculopara cá, essa concepção tende a ser substituída por outra,a de uma filosofia pragmatista (a verdade é a utilidade), ede uma filosofia vitalista (além das impressões sensoriaishá um quid, em cada indivíduo, que plasma as idéias asua feição). O próprio pensamento para essa escola é ação:ação reduzida, mas ação. Ação reduzida e sistematizadapela linguagem, mas atividade. Daí, como conseqüência,não se pretender ensinar mais tão somente pela ação dascoisas, mas pela ação do indivíduo, único capaz de orga-nizar o espírito solidamente, para o seu fim normal: diri-gir a ação.”8

A longa explanação que Lourenço Filho faz ao amigo,em tom professoral, é acompanhada de alguns esclareci-mentos: as idéias nela contidas estavam sendo desenvol-vidas em um “livrinho”, que dizia estar “compondo”, para“orientação do professorado” de São Paulo, pois, segun-do o missivista, “a mesma confusão” que grassava noCeará estaria alastrando-se entre os professores paulistas.

Moldar a escola segundo as novas teorias pragmatistase vitalistas era tarefa a que – prosseguia Lourenço Filho– se haviam lançado diversos “sistemas” de pedagogia quevinham sendo criados, alguns mais avançados, outros me-nos. O sistema Decroly, por exemplo, era um destes. Elepoderia ser utilizado pelo amigo, sem que fossem neces-sárias grandes transformações nas rotinas da escola pú-blica. Aplicá-lo não era ainda realizar a “escola ativa”,proposta mais avançada, cuja aplicação estrita às escolasbrasileiras envolveria transformações de tal monta queLourenço as desaconselhava. Para que o amigo compre-endesse bem a questão, Lourenço lhe enviava “um livri-nho de Ferrière, o pai dessa escola”, que ele havia feito“traduzir e publicar”.9

Entretanto, a questão colocada por João Hippolytoexigia maiores explicações e a correspondência alonga-va-se em novas explanações. As “idéias de renovação”,

escrevia, eram “mais extensas”, não se circunscrevendoapenas a questões relativas à “técnica de ensinar” e à “açãodo mestre”. Elas incluiriam também “uma mais perfeitasignificação social da escola”, a sua “adaptação ao meiofísico e social”. Disso a reforma do Ceará havia tratado,o que era “bem visível no livrinho do Craveiro, compos-to sob sua sugestão”. As novas idéias incluíam também“uma composição mais perfeita das classes, pelo examemental das crianças pelos testes”. Outras coisas havia aindapara dizer ao velho diretor da Escola Normal, mas, nãoquerendo “maçá-lo, indo além”, Lourenço anunciava aexpedição pelos correios de “vários livrinhos”, que tinha“traduzido e feito traduzir”. Esses “livrinhos” e mais aque-le que estava “compondo” – Cinco lições sobre a escolanova 10 – iriam ser de muita utilidade para o velho diretor.Havia, “indiscutivelmente”, segundo Lourenço, “umamudança a fazer-se no espírito do professorado quanto àfilosofia do ensino”, mas isso não poderia ser consegui-do “de uma só vez”. Dependeria de uma “lenta propagan-da, de estudos e de experimentação”.

As explanações dadas a João Hippolyto são comple-mentadas por outras, compostas em tom menos professoral,desenvolvidas em carta dirigida a Moreira de Sousa. O tomda carta é, agora, de leve censura pela precipitação de algu-mas medidas de reformulação do ensino cearense tomadaspelo diretor geral, seu companheiro de militância na Associ-ação Brasileira de Educação. Censura, também, ao modocomo este vinha angariando inimigos e afastando possíveiscolaboradores. A carta era uma resposta a uma consulta deMoreira de Sousa e uma cópia dela foi enviada a JoãoHippolyto. Censurando a inépcia de Moreira de Sousa, Lou-renço queria provar-lhe, “por fatos”, que a reforma de 22havia deixado no Ceará “os germens do ensino ativo”. Su-geria que o amigo lesse dois discursos que havia feito porocasião da Reforma, citava algumas passagens desses dis-cursos e falava das iniciativas que havia tomado, concluin-do: “Digamos que eu não tenha razão. Digamos que a refor-ma não tenha feito senão ensino intuitivo. Isso já não seriapouco (…) Mas o ensino ativo é contra o ensino intuitivo?Não. É a lição dos mestres, e aliás, de bom senso. Na escolaativa a criança precisa agir. Mas agir sobre o quê? Sobrerealidades, evidentemente, sobre coisas. (…) Nos seus arti-gos de polêmica, vejo que malsina demais o ensino intuiti-vo. Será talvez exagero consciente, para atrair a atenção paraas novas idéias. Mas é uma concepção que não só desnor-teia os professores, como, no caso, redunda em injustiça queo amigo certamente não desejou cometer” (Cavalcante,1998:199).

Page 116: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

117

MODERNIDADE PEDAGÓGICA E MODELOS DE FORMAÇÃO DOCENTE

As censuras que Lourenço Filho faz a Moreira de Sousanão atingem toda a obra pedagógica do diretor da Instru-ção Pública cearense. Distinguindo entre escola nova eescola ativa, diz na mesma carta: “Obra notável que V.está fazendo é a tentativa de maior socialização da esco-la. Isso sim, é coisa que ninguém de bom senso pode dis-cutir. Os centros de pais e mestres e as cooperativas esco-lares são uma obra notável. É escola nova e da boa. Oeixo da escola nova é exatamente a maior socialização dotrabalho escolar. Escola ativa é apenas um de seus capí-tulos” (Cavalcante, 1998:200).

Na polêmica entre o diretor da Escola Normal de For-taleza e o novo diretor da Instrução Pública, contrapu-nham-se representações sobre a escola ativa. Os limitesentre as novas propostas pedagógicas que a incensavame as já velhas proposições sobre a atividade do aluno,centradas no exercício de suas faculdades, eram ao mes-mo tempo tênues e nitidamente demarcados. Tênues por-que percebê-los exigia conhecimento das mais recentesdescobertas do campo da psicologia, assim como umaadequada compreensão das conseqüências desse conhe-cimento para a prática pedagógica. Nitidamente demar-cados, pois, para os iniciados nas novas teorias psicoló-gicas, tratava-se de uma verdadeira revolução no modode conceber a atividade do aluno e de regrar a práticapedagógica capaz de favorecê-la. Todas as cautelas deLourenço Filho com relação à implantação das novasidéias pedagógicas nas escolas públicas eram relativas àescola ativa e tinham o seu ponto nodal no preparo dosprofessores para implantá-la. Em São Paulo, segundo omissivista, a dificuldade havia mesmo ensejado a criaçãode um Instituto de Educação, uma “faculdade de ciênciasda educação”, “justamente para divulgar a escola nova ea nova psicologia”.

Respondendo a comentários que Sousa lhe enviarasobre algumas instituições paulistas que havia visitado,Lourenço aproveita a oportunidade para marcar, de modomais nítido, o abismo existente entre as genuínas expe-riências de escola ativa que, segundo ele, vinham sendorealizadas em São Paulo sob o seu patrocínio, fora da redepública, na Escola Rio Branco, e a precipitação inepta doamigo, manifestada na tentativa de implantar o mesmotipo de escola no Ceará: “Estou muito penhorado à exce-lente impressão que deu a Escola Rio Branco, em artigoaí publicado. O trabalho nela continua, e este ano, comaspectos novos, magníficos. Mas das 11 classes que te-nho, verdadeiro ensino ativo há apenas em três delas (…)E os seus professores foram meus alunos, recebem ins-

truções diárias, lêem muito, sabem o seu tanto de psico-logia e ganham de 600$ a 1.000$. Grandes óbices aí en-contrará na dificuldade até de não poderem os professo-res adquirir livros. A escola ativa exige mestres muitoscultos, muito capazes, com espírito criador, com penetra-ção psicológica. Senão é substituir uma rotina por outra”(Cavalcante, 1998:200-201).

A crítica à inépcia de Moreira de Sousa é incisiva. Nela,não é o mesmo tom professoral das explanações da cartaa João Hippolyto que demarca o fosso entre a nova esco-la ativa e aquela fundada nos exercícios ativos do ensinointuitivo. Escreve Lourenço: “Você não dissimula que aescola ativa, que prega com tanto ardor, é um combate àreforma de 22 e ao ensino intuitivo. Ora, há nisso umagrave injustiça e, desculpe que lhe diga, um pouco deequívoco acerca do que seja a filosofia do ensino ativo.(...) Não se iluda. Ter programas de centro de interesse,fazer excursões e outras práticas mais ou menos ativas,sem mudança porém da mentalidade do professor e semcompreensão da nova psicologia do comportamento (obehaviorismo dos americanos) pode degenerar em anar-quia e diminuição do rendimento do ensino. Será substi-tuir uma rotina por outras, com essa desvantagem: da maisvelha sabe-se o que é e o que dá. Da nova ninguém o podeafirmar”(Cavalcante, 1998:200).

Diversas no tom, as cartas dirigidas a João Hippolytoe a Moreira de Sousa são complementares nos conceitosque emitem, coincidindo no juízo de que a nova escolaativa propunha-se, ao mesmo tempo, como continuidadee como ruptura relativamente às práticas do ensino intui-tivo. Elas discrepam, no entanto, em um ponto. Na cartaa Moreira de Sousa, Lourenço afirma não haver escolaativa “sem mudança (…) da mentalidade do professor esem compreensão da nova psicologia do comportamento(o behaviorismo dos americanos)”. Já na correspondên-cia a João Hippolyto, o fosso existente entre a velha e anova escola ativa é explicado pelo impacto da “filosofiapragmatista (a verdade é a utilidade) e de uma filosofiavitalista (além das impressões sensoriais há um quid, emcada indivíduo, que plasma as idéias a sua feição)”.

Qualquer que seja o entendimento de Lourenço Filhoacerca das teorias psicológicas e filosóficas em jogo, épertinente chamar a atenção para a situação discursiva quemarca diferencialmente as duas enunciações. Na carta aMoreira de Sousa, tratava-se de articular uma crítica apon-tando para o que, do ponto de vista da fundamentaçãoteórica, estava em jogo, sem supor que o seu interlocutordesconhecesse as mais modernas tendências no campo da

Page 117: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

118

pedagogia e da psicologia. Já a carta a João Hippolytotinha a pretensão didática de ensinar ao velho diretor daEscola Normal um percurso que o levasse a superar suasconcepções pedagógicas, introduzindo-o no campo teó-rico e normativo da nova pedagogia.

Partir dessa diferença entre as duas cartas pode ser aquiinteressante para compreender as estratégias de divulga-ção da pedagogia da escola nova adotadas por LourençoFilho no campo editorial.

Os “livrinhos” que Lourenço Filho promete enviar aJoão Hippolyto haviam sido editados como volumes daBiblioteca de Educação, coleção organizada por ele paraa Companhia Melhoramentos de São Paulo. Pela data dacorrespondência, pode-se afirmar que os volumes envia-dos tenham sido todos ou alguns dos seguintes: Psicolo-gia Experimental, de Henri Piéron; A Escola e a Psicolo-gia Experimental, de Claparède; Educação moral eeducação econômica, de Sampaio Dória; Temperamentoe caráter sob o ponto de vista educativo, de HenriqueGeenem; Educação e Sociologia, de Émile Durkheim; Ahereditariedade em face da educação, por OtávioDomingues; Como se ensina Geografia, por FirminoProença; A escola ativa e os trabalhos manuais, deCoryntho Fonseca; A lei biogenética e a escola ativa, deE. Claparède; Testes para a medida do desenvolvimentoda inteligência, de A. Binet e Th Simon.11

No verso da folha de rosto das primeiras edições dosprimeiros volumes da Coleção, a Editora publica um lon-go texto explanativo do perfil do destinatário e dos obje-tivos e características da iniciativa editorial. Nele se lêque a Coleção seria composta “de escolhidas traduções ede originais autores brasileiros, procurando desenvolverum plano harmônico, no seu conjunto, e tanto quantopossível perfeito, resumindo os mais salientes problemaseducativos da atualidade”. Cada volume conteria “sem-pre um assunto completo” e a coleção se distribuiria porduas séries. Na primeira, de “caráter geral”, seriam ex-postas “as bases científicas do ensino, já do ponto de vis-ta genético funcional da sua organização, já do ponto devista da finalidade social e moral a que deve tender paraa elevação do homem, como cidadão e como homem”.Na segunda, seriam examinados “os meios práticos deeducação e ensino, tratando-se de modo particular das apli-cações que mais nos convenham, com indicações e críti-cas de sistemas”.12

Organizados como “pequenos manuais” que conden-sam “as modernas idéias e práticas da educação” (Lou-renço Filho, s/d (a)), os volumes da Coleção se dispõem

como peças de um conjunto harmônico destinado a cons-tituir a cultura pedagógica do professorado. A Bibliotecade Educação pretendia “ser mais que uma simples cole-ção de monografias úteis”, teria “um plano organizado”,que estava se desenvolvendo “com perfeita unidade”. Elaencerraria “de um lado a exposição das bases sobre que areflexão pedagógica pode apoiar-se, com proveito e, deoutro, as aplicações, ensaios de didática, explicação e crí-tica de sistemas”. Embora cada volume contivesse um“assunto completo”, o conjunto visaria “formar um todoharmônico, desde as bases propriamente biológicas, àsmais complexas indagações de natureza social e filosófi-ca” (Lourenço Filho, s/d (b)).

Cotejadas com esses e com outros dispositivos demodelização da leitura dos livros da Biblioteca de Edu-cação, como os prefácios e as notas de rodapé, as ex-planações do organizador da coleção na correspondên-cia ao velho diretor da Escola Normal de Fortalezadelineiam o programa de uma política editorial cujoobjetivo é a formação de uma nova cultura pedagógi-ca. Nessa política, a Biblioteca de Educação é coleçãoque compendia os saberes pedagógicos necessários àtransformação da mentalidade e da prática do profes-sorado. Formar o professor é transformar a sua menta-lidade. É fazê-lo percorrer o caminho que leva à supe-ração de suas concepções sobre a atividade do aluno,deslocando-as do terreno constituído por uma pedago-gia centrada no exercício das faculdades da criança. Élevá-lo à compreensão das novas finalidades sociais daescola. Nesse programa, as representações de Louren-ço Filho sobre as expectativas, disposições e compe-tências de leitura do velho diretor da Escola Normalbalizam o itinerário da “mudança a fazer-se no espíri-to do professorado quanto à filosofia do ensino” atra-vés do livro. Essas representações dão índices dos cri-vos que operaram a seleção dos títulos e assuntos quejulgou oportuno editar de modo a promover aquela cul-tura pedagógica que considerava fundamental para aremodelação das práticas escolares segundo os novosprincípios. Nessa perspectiva, é muito interessante ob-servar que as explanações que faz a João Hippolyto sãocomplementadas pela promessa de lhe enviar, peloscorreios, “vários livrinhos”, que tinha “traduzido e feitotraduzir”. Lourenço esperava que, “com os elementos”que remetia, João Hippolyto pudesse “ir experimentan-do alguma coisa na Escola Modelo”, pois pretender tudosubstituir de uma só vez seria “pura fantasia”. Assim,o crivo que conforma a Biblioteca de Educação não é

Page 118: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

119

MODERNIDADE PEDAGÓGICA E MODELOS DE FORMAÇÃO DOCENTE

apenas constituído pelas concepções pedagógicas deLourenço Filho, mas também pela avaliação que fez dasdisposições, expectativas e competências de seu públicoleitor – os professores e as professoras –, o que signi-fica dizer que esse crivo foi também formado pela ava-liação que o organizador da coleção fez acerca daaplicabilidade dos princípios e preceitos da pedagogiaque era reivindicada como nova e ativa para as escolasbrasileiras. Essa avaliação balizará as estratégias ado-tadas para promover a mudança pretendida de menta-lidade do professorado, constituindo e organizando ocampo dos saberes representados como necessários aoexercício da docência segundo critérios de adequaçãoà realidade educacional do país.

Institucionalizar a escola no país não era mais tarefaque pudesse se circunscrever nos marcos da pedagogiamoderna entendida como arte de ensinar. No campo nor-mativo da nova pedagogia que passa a reivindicar para sio monopólio do moderno, o método é dissociado da prá-tica, das artes de fazer, do que decorrem importantes des-locamentos nas estratégias de formação docente. A pro-dução de condições materiais que favorecessem a imitaçãoinventiva de modelos é substituída por estratégias quevisam subsidiar a prática docente com um repertório desaberes autorizados, propostos como os seus fundamen-tos ou instrumentos. É essa nova estratégia que preside aconfiguração da Biblioteca de Educação nas duas sériesreferidas nas primeiras edições dos primeiros volumes daColeção. Na primeira, de “caráter geral”, seriam expos-tas, como já se viu anteriormente, “as bases científicas doensino”. Na segunda, apresentar-se-iam “os meios práti-cos de educação e ensino, tratando-se de modo particulardas aplicações que mais nos convenham, com indicaçõese críticas de sistemas”.

NOTAS

E-mail da autora: [email protected]

1. Este artigo se inscreve nos marcos de uma pesquisa mais ampla que visa ana-lisar estratégias editoriais de conformação dos saberes pedagógicos. Dessa pers-pectiva, a pesquisa analisa revistas, livros ou coleções destinados ao uso de pro-fessores como estratégias diferenciadas de formação docente, que, em situaçõeshistóricas determinadas, organizam e constituem o campo dos saberes represen-tados como necessários à prática docente. A pesquisa vem sendo desenvolvidacom Bolsa de Produtividade de Pesquisa do CNPq.

2. Consultar, a respeito, os discursos e o Relatório de Caetano de Campos comoDiretor da Escola Normal (Rodrigues, 1930:194-277).

3. Veja-se, por exemplo, o seguinte trecho do Relatório de Gabriel Prestes, so-bre a Escola Modelo:“O ensino do primeiro ano, todo intuitivo quanto aos pro-cessos empregados, tem por objeto principal inspirar às crianças os hábitos deordem e de trabalho, cultivando-se o poder da atenção de que eles são suscetí-

veis. Mas como a natural atividade infantil faz com que o seu espírito não possaaplicar-se demoradamente sobre um mesmo objeto, o tempo escolar é subdividi-do em períodos de 15 minutos no máximo. Além disso, para manter-se um justoequilíbrio entre a atividade e a atenção que as crianças têm de manter, os exercí-cios são geralmente intercalados de marchas entre bancos, de canto ou de ginás-tica, que constituem verdadeiros períodos de recreio, em que as crianças descan-sam o espírito, predispondo-se para novos exercícios. Outro meio de que lançammão as professoras para manter o espírito das crianças sempre disposto para oexercício das faculdades intelectuais que apenas desabrocham, é o de entretê-lascom constantes ocupações apropriadas à sua tenra idade, ocupações que os ame-ricanos chamam de Busy-Work e que consistem em uma imensa cópia de peque-nos exercícios tais como: a classificação de pedaços de papel de várias cores etamanhos, (…) a reprodução de tecidos em papel ou outras tantas ocupações quese harmonizam com o gosto das crianças. Esse gênero de ocupações tem ainda agrande vantagem de permitir que se subdivida a classe, de modo que a mestrapossa ocupar-se com menor número de alunos, enquanto os outros se entretêmaprazivelmente a trabalhar brincando e ao mesmo tempo desenvolvendo suasfaculdades de observação” (Prestes, 1896:131).

4. A respeito da disputa ver Carvalho (1998, capítulos 2 e 5).

5. Sobre o conceito de forma escolar ver Vincent; Lahire e Thin (1994) e Pineau(1999).6. Trata-se de Newton Craveiro, autor do livro de leitura adaptado ao meiocearense, João Pergunta (ou o Brasil Seco), que Lourenço Filho fez editar, paradistribuição nas escolas cearenses.

7. Para mais informações sobre o assunto, ver Cavalcante (1998).

8. Essa carta é datada de 10 de março de 1930 e integra o acervo da família deJoão Hippolyto. Agradeço a Maria Juracy Maia Cavalcante por ter-me facultadoo acesso a essa correspondência.

9. Trata-se do livro A lei biogenética e a escola ativa, vol. IX, da Biblioteca daEducação, coleção organizada por Lourenço Filho, para a Companhia Melhora-mentos de São Paulo.

10. Ao que tudo indica, trata-se de Introdução ao Estudo da Escola Nova, queseria editado pela Biblioteca de Educação ainda em 1930. É interessante obser-var que na capa da primeira edição do segundo volume da Coleção – A escola ea psicologia experimental, de Claparède – consta a previsão de publicação deum livro de autoria de Lourenço Filho que parece nunca ter sido publicado: Ométodo em educação. Esse livro seria o volume IV da Coleção. O volume V,cuja publicação é anunciada na mesma capa, também não foi publicado: O apren-dizado ativo, por José Escobar.

11. Para dados sobre a coleção e, em particular, sobre as edições e a tiragemdesses volumes, ver Monarcha (1997:27-59).12. Esse texto consta das primeiras edições dos três primeiros volumes e nãoconsta das primeiras edições dos volumes VIII e IX. Não foi possível obter aces-so às primeiras edições dos volumes intermediários.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AZEVEDO, F. A Educação na encruzilhada: problemas e discussões. (Inquéri-to realizado em 1926 pelo jornal O Estado de S. Paulo). São Paulo, Melho-ramentos, s.d.

CARVALHO, M.M.C. Molde nacional e fôrma cívica: higiene, moral e traba-lho no projeto da Associação Brasileira de Educação (1924-1931). SãoPaulo, USF, 1998.

CAVALCANTE, M.J.M. João Hippolyto de Azevedo e Sá. Um educador cearense.Uma investigação sobre o seu desaparecimento da história da Reforma“Lourenço Filho” e da educação no Ceará. Tese de concurso, Fortaleza,Universidade Federal do Ceará, 1998.

CRAVEIRO, N. “ A evolução do ensino no Ceará e a Reforma de 1922”. Revis-ta Nacional. São Paulo, n.7, jul. 1923.

__________ . João Pergunta (ou o Brasil Seco). Ceará, Typ Progresso, 1924.DOMINGUES, O. A hereditariedade em face da educação. São Paulo, Compa-

nhia Melhoramentos de São Paulo, s/d.DORIA, A.S. Princípios de Pedagogia. São Paulo, Pocai-Weiss, 1914.LOURENÇO FILHO. “Prefácio”. In: PROENÇA, A.F. Como se ensina a Geo-

grafia. São Paulo, Companhia Melhoramentos de São Paulo, s/d (a).

Page 119: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

120

__________ . “Prefácio”. In: DOMINGUES, O. A hereditariedade em faceda educação. São Paulo, Companhia de Melhoramentos de São Paulo,s/d (b).

MENUCCI, S. A escola paulista. Polêmica com o sr. Renato Jardim. São Paulo,Copag, 1930.

MONARCHA, C. (org.). Lourenço Filho outros aspectos, mesma obra. Marília,Unesp/Mercado das Letras, 1997.

__________ . “Lourenço Filho e a Biblioteca de Educação (1927-1941)”. In:MONARCHA, C. (org.). Lourenço Filho outros aspectos, mesma obra.Marília, Unesp/Mercado das Letras, 1997.

NAGLE, J. Educação e sociedade na Primeira República. São Paulo, Rio deJaneiro, EPU/Fundação Nacional de Material Escolar, 1976.

PINEAU, P. “Premissas básicas de la escolarización como construcción moder-na que construyó a la modernidad”. Revista de Estudios del Curriculum,v.2, n.1, jan. 1999.

PRESTES, G. Relatório da Escola Norma apresentado ao Sr. Dr. Alfredo PujolM.D. Secretário dos Negócios do Interior pelo Diretor Gabriel Prestes.São Paulo, Typografia do Diário Official, 1896.

PROENÇA, A.F. Como se ensina a Geografia. São Paulo, Companhia Melhora-mentos de São Paulo, s/d.

RODRIGUES, J.L. Um retrospecto. Alguns subsídios para a história pragmáti-ca do ensino público em São Paulo. São Paulo, Instituto D. Ana Rosa, 1930.

THOMPSON, O. “O futuro da pedagogia é científico”. O Laboratório de Peda-gogia Experimental. São Paulo, Tip. Siqueira, Nagel & Comp., 1914.

VINCENT, G.; LAHIRE, B. e THIN, D. “Sur l’histoire et la theorie de la formescolaire”. In: VINCENT, G. (dir.). L’Éducation prisionnière de la formescolaire. Scolarization et socialisation dans les societés industrielles. Lyon,Presses Universitaires de Lyon, 1994.

WHITE, E. A arte de ensinar. Um manual para mestres, alunos e para todosque se interessem pelo verdadeiro ensino da mocidade. Trad. de CarlosEscobar. São Paulo, Siqueira Nagel & Comp., 1911.

Page 120: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

121

SISTEMAS NACIONAIS DE AVALIAÇÃO E DE INFORMAÇÕES EDUCACIONAIS

A

SISTEMAS NACIONAIS DE AVALIAÇÃOE DE INFORMAÇÕES EDUCACIONAIS

de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep). Embora re-cente, estes sistemas já contam hoje com razoável graude organização e sofisticação, tanto por sua abrangênciacomo por sua diversificação. Para tanto, descrevem-se aestrutura dos sistemas e seus principais componentes –os censos escolares e as avaliações nacionais: o SistemaNacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), oExame Nacional do Ensino Médio (Enem) e o ExameNacional de Cursos (ENC), mais conhecido como “Pro-vão”. Por fim, tendo em vista a importância da dissemi-nação das informações, são apresentadas as bases com-plementares da informação, organizadas pelo Centro deInformações e Biblioteca em Educação (Cibec).

A utilização dos indicadores e informações resultan-tes dos censos educacionais e das avaliações realizadaspelo Inep tem possibilitado a identificação de priorida-des, além de fornecer parâmetros mais precisos para aformulação e o monitoramento das políticas.

O desenvolvimento de um eficiente sistema nacional deinformações educacionais tem orientado a atuação do gover-no federal no que se refere à sua função supletiva, voltadapara a superação das desigualdades regionais. Com os instru-mentos criados, o MEC pode estruturar programas destina-dos, especificamente, a suprir deficiências do sistema.

Observadas em conjunto, as informações disponíveispermitem traçar um quadro abrangente da situação educa-cional do país e fornecer subsídios indispensáveis para o apro-

MARIA HELENA GUIMARÃES DE CASTRO

Professora do Departamento de Ciência Política da Unicamp e Presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais

implementação de reformas educacionais em umpaís federativo, cujos sistemas de ensino caracte-rizam-se por extrema descentralização político-

institucional como o Brasil, requer necessariamente a im-plantação de mecanismos de monitoramento e acompanha-mento das ações e políticas em curso por diferentes razões.

Em primeiro lugar, estes instrumentos de gestão permi-tem observar como as reformas estão avançando e, maisimportante, quais os acertos e correções em curso exigidospara sua real efetividade. Além disso, eles contribuem paraassegurar a transparência das informações, cumprindo as-sim dois requisitos básicos da democracia: a ampla dissemi-nação dos resultados obtidos nos levantamentos e avaliaçõesrealizados; e a permanente prestação de contas à sociedade.Por fim, e não menos importante, os sistemas de avaliação einformação educacional cumprem um papel estratégico parao planejamento e desenho prospectivo de cenários, auxiliandoenormemente a formulação de novas políticas e programasque possam responder às tendências de mudanças observa-das. Para cumprir estes múltiplos objetivos, os sistemasinformacionais precisam estar assentados em bases de da-dos atualizadas e fidedignas, em instrumentos confiáveis decoleta, em metodologias uniformes e cientificamente emba-sadas, em mecanismos ágeis e concisos de divulgação.

Este artigo discute os avanços e limites dos sistemasde avaliação e informação educacional, implantados apartir de 1995, sob a coordenação do Instituto Nacional

Resumo: A estruturação de Sistemas Nacionais de Avaliação e de Informação cumpre papel estratégico noprocesso de implementação de reformas educacionais, em especial, em países cujos sistemas de ensino carac-terizam-se pela extrema descentralização político-institucional e heterogeneidade regional, como o caso doBrasil. Estes sistemas apresentam-se como ferramenta básica para o planejamento, monitoramento e acompa-nhamento das políticas públicas, subsidiando a tomada de decisões.Palavras-chave: informação e educação; ensino no Brasil; projeto educacional.

Page 121: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

122

fundamento de análises e pesquisas críticas que possam en-riquecer o debate sobre os rumos da educação brasileira.

SISTEMA DE INFORMAÇÕES EDUCACIONAIS

A produção de dados e informações estatístico-educa-cionais de forma ágil e fidedigna, que retrate a realidadedo setor educacional, é o instrumento básico de avalia-ção, planejamento e auxílio ao processo decisório para oestabelecimento de políticas de melhoria da educação bra-sileira. É por meio dos censos educacionais que se buscagarantir a utilização da informação estatística neste pro-cesso, gerando os indicadores necessários ao acompanha-mento do setor educacional.

Os levantamentos abrangem todos os níveis e modali-dades de ensino, subdividindo-se em três pesquisas dis-tintas representadas pelo Censo Escolar, Censo do Ensi-no Superior e Levantamento sobre o Financiamento eGasto da Educação, além dos censos especiais, realiza-dos de forma não periódica, abrangendo temáticas espe-cíficas, como o caso do Censo do Professor.

Censo Escolar

O Censo Escolar, de âmbito nacional, realiza o levan-tamento de informações estatístico-educacionais relativasà Educação Básica, em seus diferentes níveis (educaçãoinfantil, ensino fundamental e ensino médio) e modalida-des (ensino regular, educação especial e educação de jo-vens e adultos).

O levantamento é feito junto a todos os estabelecimen-tos de ensino, das redes pública e particular, através dopreenchimento de questionário padronizado. Por intermé-dio do Censo Escolar, o Inep atualiza anualmente o Ca-dastro Nacional de Escolas e as informações referentes àmatrícula, ao movimento e ao rendimento dos alunos,incluindo dados sobre sexo, turnos, turmas, séries e pe-ríodos, condições físicas dos prédios escolares e equipa-mentos existentes, além de informações sobre o pessoaltécnico e administrativo e pessoal docente, por nível deatuação e grau de formação.

Este levantamento abrange um universo de cerca de52 milhões de alunos e 266 mil escolas públicas e priva-das, distribuídas em mais de 5.500 municípios. A coletados dados e o processamento das informações são opera-cionalizados pelas Secretarias Estaduais de Educação, soba coordenação-geral da Diretoria de Informações e Esta-tísticas Educacionais (Seec), do Inep.

O Censo Escolar gera, assim, um conjunto de infor-mações indispensáveis para a formulação, implementaçãoe monitoramento das políticas educacionais e avaliaçãodo desempenho dos sistemas de ensino.

Como toda pesquisa preocupada com a fidedignidadee validade dos seus resultados e dada a necessidade decumprir os prazos legais, o Censo Escolar apresenta umacomplexa sistemática de operacionalização, cuja viabili-dade só é possível pela parceria estabelecida entre o Inepe as Secretarias de Educação dos 26 estados e do DistritoFederal, além da cooperação da comunidade escolar, res-ponsável pelo preenchimento do questionário.

Entre as atividades permanentes realizadas para a exe-cução do levantamento anual, merecem registro o acom-panhamento das alterações do sistema educacional e aidentificação de demandas das Secretarias de Educaçãodas unidades da Federação, que podem gerar necessida-de de incorporação de variáveis ou a supressão de quesi-tos no formulário do Censo Escolar.

O acompanhamento das alterações do sistema educa-cional tem sido objeto de grande preocupação, dado quea nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional(LDB), de 20 de dezembro de 1996, além de conferir maiorautonomia aos sistemas de ensino, sobretudo no que serefere à forma de organização da educação básica, incenti-vou ainda práticas inovadoras que valorizam e favorecemo processo de aprendizagem, como a progressão continuadae parcial, os conceitos de classificação e reclassificaçãode alunos, a possibilidade de aceleração de aprendizagem,entre outros. Os reflexos deste novo dispositivo legal apre-sentam-se nas reformulações dos sistemas de ensino deestados e municípios que, a partir de 1997, promoveramalterações na oferta de ensino dos diferentes níveis emodalidades e na organização de suas redes.

O processo de implantação de novas propostas de or-ganização da educação básica mostra-se, no entanto, muitovariado, exigindo assim um acompanhamento que permitaverificar o impacto destas alterações e a necessidade demudanças nos instrumentos de coleta utilizados pelo CensoEscolar. Da mesma forma, torna-se fundamental a reali-zação de estudos que permitam um melhor detalhamentosobre as configurações adotadas em cada sistema de en-sino, tanto para a melhoria da qualidade da informação aser recebida quanto para maior aderência às necessidadesdos implementadores de políticas educacionais.

Por outro lado, a redefinição do papel e da forma deatuação do MEC enfatizou a necessidade de fortalecera área de produção e disseminação de estatísticas e in-

Page 122: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

123

SISTEMAS NACIONAIS DE AVALIAÇÃO E DE INFORMAÇÕES EDUCACIONAIS

formações educacionais na estrutura do ministério quese encontrava desprestigiada. Este objetivo inicia-se,em 1995, com a criação da Secretaria de Desenvolvi-mento, Inovação e Avaliação Educacional (Sediae) ese concretiza com a reestruturação do Inep que, em1997, transformou-se em autarquia federal, constituin-do-se em centro especializado em avaliação e informa-ção educacional.

O recente grau de eficiência e credibilidade alcançadopelo Inep na organização das informações e estatísticaseducacionais tem propiciado ampla utilização deste tipode ferramenta aos formuladores e executores de políticaseducacionais. De fato, os programas e projetos executa-dos por intermédio do Fundo Nacional de Desenvolvimen-to do Ensino (FNDE) apóiam-se nos diagnósticos decor-rentes dos levantamentos estatísticos da educação básicae superior. Esta forte conexão entre o sistema de infor-mações e a gestão de políticas é mais perceptível nos pro-gramas que envolvem transferências intergovernamentaisde recursos.

O exemplo mais notório é o Fundo de Manutenção ede Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valo-rização do Magistério (Fundef), que movimentou, no exer-cício de 1999, cerca de R$ 14,2 bilhões, dos quais R$ 675milhões referentes à complementação da União. Confor-me disposto pela legislação instituidora deste fundo, adistribuição dos recursos, no âmbito de cada unidade daFederação, é feita com base na proporção do número dealunos matriculados anualmente nas escolas cadastradasdas respectivas redes de ensino, considerando-se para estefim os dados oficiais apurados pelo Censo Escolar.

Este mesmo critério de transparência foi adotado peloMEC como princípio orientador dos principais programasde apoio ao desenvolvimento do ensino fundamental –Merenda Escolar, Livro Didático e Dinheiro Direto naEscola. No seu conjunto, os programas e ações desenvol-vidos pelo FNDE envolveram, em 1999, recursos da or-dem de R$ 3,5 bilhões. Pode-se concluir, portanto, queas informações sobre a matrícula na educação básica pro-duzidas pelo Censo Escolar tiveram repercussão imedia-ta e direta sobre a distribuição de cerca de R$ 17,7 bi-lhões, no último exercício.

Censo do Ensino Superior

O Censo do Ensino Superior promove o levantamentode dados e informações estatístico-educacionais junto àsinstituições de ensino superior – universidades, centros

universitários, faculdades integradas e estabelecimentosisolados. A coleta abrange cerca de 1.100 instituições,2.700.000 alunos, 7.200 cursos e 827 mantenedoras.

O levantamento é realizado diretamente pelo Inep, sen-do que os dados apurados referem-se a número de matrí-culas e de concluintes, inscrições nos vestibulares, ingressopor curso e área de conhecimento, dados sobre os profes-sores – por titulação e regime de trabalho e sobre os fun-cionários técnico-administrativos, entre outros. Anualmen-te, com os resultados do Censo, é publicada a SinopseEstatística do Ensino Superior – Graduação. O instru-mento de coleta do Censo 2000 passou por uma rede-finição, adequando-se ao novo conceito de educação su-perior estabelecido pela LDB. O questionário foi ampliado,passando a abranger não só a graduação, mas também após-graduação. Todas as informações coletadas estarãovinculadas ao Sistema Integrado de Informações da Edu-cação Superior (SIEd-Sup), subsistema atualmente emdesenvolvimento e que será abordado no próximo item.

O Cadastro Nacional das Instituições de Ensino Supe-rior é atualizado com informações do Censo do EnsinoSuperior, do Diário Oficial da União, do Conselho Nacio-nal de Educação e Conselhos Estaduais de Educação.

Censos Especiais

Com o objetivo de aprimorar as informações disponí-veis sobre as diferentes modalidades de ensino e preen-cher as lacunas existentes, o Inep realiza levantamentosespeciais, sempre em parceria com as instituições públi-cas e organizações não-governamentais diretamente en-volvidas com as políticas públicas das respectivas áreas.

Em 1997, o Inep realizou o primeiro Censo do Profes-sor, em âmbito nacional, com um retorno expressivo, al-cançando mais de 90% dos professores das redes públicae particular de ensino básico.

Uma das razões pelas quais o MEC demandou a reali-zação desse levantamento foi a necessidade de dispor dedados sobre o salário dos professores – relacionado como nível de escolarização e com o tempo de exercício domagistério – para orientar a implantação do Fundef.

O Censo do Professor revelou um quadro de profun-das desigualdades regionais em relação tanto à qualifica-ção quanto aos níveis de remuneração dos professores,confirmando a necessidade de políticas que promovammelhor distribuição dos recursos e que garantam maioreqüidade na oferta do ensino público, objetivos que vêmsendo atendidos pelo Fundef. Além disso, a divulgação

Page 123: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

124

dos resultados permite à sociedade se informar sobre areal situação do magistério e participar da busca de alter-nativas para promover sua valorização.

Em 1999, foram realizados três censos especiais: oCenso da Educação Profissional; o Censo da EducaçãoEscolar Indígena; e o Censo da Educação Especial. Osresultados destas pesquisas, com divulgação prevista paraeste ano, deverão proporcionar um quadro de referênciamais preciso sobre a cobertura alcançada e as modalida-des de atendimento oferecidas, bem como sobre o con-junto de instituições que atuam nestes segmentos, forne-cendo, assim, subsídios para a revisão e o aperfeiçoamentodas políticas de expansão da oferta e melhoria do atendi-mento. A realização destes levantamentos especiais, aosquais será acrescido, neste ano, o Censo da Educação In-fantil, permitirá incorporar ao sistema de informaçõeseducacionais novas variáveis, completando o mapa daeducação brasileira.

Levantamentos sobre Financiamento eGasto da Educação

O levantamento de dados relativos aos recursos dispo-níveis e aplicados na educação abrange as três esferas degoverno e envolve o exame e o acompanhamento dos or-çamentos federal, estaduais e municipais, além dos repas-ses intergovernamentais e dos gastos efetivamente reali-zados. Trata-se de uma importante tarefa, que envolve,no entanto, grandes dificuldades operacionais.

De fato, a inexistência de um sistema adequado deexecução orçamentária e de consolidação das contas daadministração pública, principalmente no nível munici-pal, que permita a identificação dos programas de traba-lho e do elemento da despesa efetivamente realizada, bemcomo a origem do seu recurso, apresentou-se como a prin-cipal dificuldade para a realização dos levantamentos.Nesse sentido, o Inep deu especial atenção para o apri-moramento da metodologia de apuração e de estimaçãodas informações, em conjunto com o Ipea, o IBGE e aUnicamp. Como resultado, já se conseguiu produzir da-dos sobre gasto público para os exercícios de 1994, 1995,1996 e 1997.

SISTEMA INTEGRADO DE INFORMAÇÕESSOBRE O ENSINO SUPERIOR

O Sistema Integrado de Informações da Educação Su-perior (SIEd-Sup), em fase de implantação, foi concebi-

do para atender aos seguintes objetivos: criar uma baseúnica de dados e indicadores da educação superior; eli-minar sobreposição de competências e simplificar o pro-cesso de coleta de informações junto às instituições deensino superior; garantir maior transparência e facilitar oacesso da sociedade às informações sobre o perfil e odesempenho das instituições; subsidiar os processos deautorização e reconhecimento de cursos e de credencia-mento e recredenciamento das instituições; manter ban-co de dados atualizado e gerar informações que devemser apresentadas anualmente pelas instituições por meiodo Censo do Ensino Superior e Catálogo de Cursos.

Este novo sistema será coordenado pelo Inep e interli-gado em rede com a Secretaria de Ensino Superior (SESu),a Capes, o CNPq, o Conselho Nacional de Educação (CNE)e os Conselhos Estaduais de Educação, podendo no futu-ro ampliar a sua rede de parceiros, incorporando outrosprodutores de informações e avaliações de interesse.

Ao Inep cabe a execução da coleta e manutenção deinformações e tanto a SESu quanto o CNE e as institui-ções de ensino superior participarão da definição do quedeve ser coletado e divulgado, das políticas de acesso aosdados e de disseminação de informações.

AVALIAÇÕES EDUCACIONAIS

No campo das avaliações educacionais, podem serdestacados três grandes projetos: o Sistema Nacional deAvaliação da Educação Básica (Saeb); o Exame Nacio-nal de Cursos (ENC), mais conhecido como “Provão”; eo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Por meiodestes instrumentos, o MEC assume a responsabilidadeatribuída pela LDB de “assegurar processo nacional deavaliação do rendimento escolar no ensino fundamental,médio e superior, em colaboração com os sistemas deensino, objetivando a definição de prioridades e a melhoriada qualidade do ensino” e de “assegurar processo nacio-nal de avaliação das instituições de educação superior, coma cooperação dos sistemas que tiverem responsabilidadesobre este nível de ensino”·.

Exame Nacional do Ensino Médio

O Enem, iniciativa mais recente entre os três projetosnacionais de avaliação, procura aferir o desenvolvimentodas competências e habilidades que se espera que o alunoapresente ao final da escolaridade básica. Oferece assimuma avaliação do desempenho individual, fornecendo

Page 124: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

125

SISTEMAS NACIONAIS DE AVALIAÇÃO E DE INFORMAÇÕES EDUCACIONAIS

parâmetros para o prosseguimento dos estudos ou paraingresso no mercado de trabalho.

Por isso, é um exame voluntário e seu público-alvo sãoos concluintes e egressos do ensino médio. A concepçãodo Enem está baseada nas orientações para a educaçãobásica estabelecidas pela LDB e, sobretudo, nas novasdiretrizes curriculares e nos parâmetros curriculares na-cionais do ensino médio. Portanto, é um instrumentobalizador e indutor da reforma deste nível de ensino quevem sendo implantada no país.

Em 1999, participaram do Enem mais de 315 mil alu-nos, representando cerca de 20% do total de concluintesdo ensino médio, o que significa um crescimento extraor-dinário em relação ao primeiro exame, realizado em 1998,que contou com pouco mais de 115 mil participantes. Esteaumento significativo está relacionado, sem dúvida, coma utilização dos resultados do exame por instituições deensino superior, como critério complementar ou substi-tutivo aos seus processos seletivos. Atualmente 101 uni-versidades brasileiras aceitam o Enem como um dos cri-térios de acesso ao ensino superior.

Exame Nacional de Cursos

Implantado em 1996, o Provão já avaliou 2.151 cursosem 13 áreas de graduação1 e tem estimulado um debate in-tenso sobre as deficiências do ensino superior no país, le-vando as instituições a investirem na qualificação do corpodocente e na melhoria das instalações físicas, buscando ele-var o padrão de qualidade dos cursos oferecidos. Este exa-me é obrigatório, por lei, para todos os estudantes que estãoconcluindo os cursos de graduação avaliados a cada ano. Em1999, foi estabelecida uma vinculação mais efetiva entre osistema de avaliação do ensino superior, do qual o “Provão”se constitui um importante instrumento, e os processos derenovação do reconhecimento dos cursos e de recreden-ciamento das instituições.

A partir da Portaria Ministerial no 755, de 11 de maiode 1999, 101 cursos das áreas de Administração, Direitoe Engenharia Civil que obtiveram conceitos baixos noProvão e na Avaliação das Condições de Oferta de Cur-sos de Graduação, conduzidas pela SESu, foram subme-tidos ao longo de 1999 a nova visita das Comissões deEspecialistas da SESu e, a partir de suas recomendações,o MEC encaminhou ao CNE pareceres sugerindo reno-vação do reconhecimento ou estabelecimento de prazopara o atendimento das exigências mínimas, sob pena defechamento.

Como contraface da decisão administrativa de subme-ter ao processo de renovação o reconhecimento dos cur-sos com baixo desempenho, o MEC abriu caminho para arenovação automática do reconhecimento dos cursos bemconceituados em três avaliações consecutivas. Caminha-se, assim, para a substituição de controles processuais eburocráticos por avaliações externas sistemáticas.

Quanto à divulgação dos resultados, além da classifi-cação de acordo com uma escala com cinco faixas de con-ceito (A, B, C, D e E), a partir de 1999, cada curso passoua receber a distribuição percentual das médias de seusalunos por faixa de desempenho. O novo formato revelanão apenas a evolução da média padronizada de cada cur-so, como vinha sendo feito, mas também o percentualdessa evolução em comparação com o desempenho obti-do no exame imediatamente anterior. Outra mudança re-fere-se à substituição dos conceitos pertinentes à titulaçãoacadêmica e à jornada de trabalho do corpo docente, poruma apresentação da distribuição percentual por catego-ria, em relação ao número total de professores do curso.

Diante de sua principal finalidade – produzir referên-cias objetivas para incentivar e orientar as instituições acorrigirem suas deficiências e a investirem na melhoriado ensino –, o MEC realizou seminários nacionais comcoordenadores de curso para discutir o impacto das ava-liações sobre os cursos de graduação. Promovidos emparceria com conselhos de classe, organizações profissio-nais, associações nacionais de ensino e representações dasinstituições de ensino superior, os seminários geraramconsensos como o fato de os resultados do Provão seremum instrumento importante para estimular e orientar amelhoria do ensino de graduação, principalmente no quediz respeito à atualização do currículo, reestruturação doprojeto pedagógico dos cursos, prática docente e condi-ções de oferta e de trabalho. O exame também está pro-vocando alterações nas formas de avaliação curricular dodesempenho dos alunos, com enfoque voltado para ashabilidades e competências adquiridas ao longo da traje-tória acadêmica.

SISTEMA NACIONAL DE AVALIAÇÃO DAEDUCAÇÃO BÁSICA

Iniciado em 1990, o Saeb foi estruturado no sentido deproduzir informações sobre o desempenho da educação bá-sica em todo o país, abrangendo as diferentes realidades dossistemas estaduais e municipais de ensino. Entre os princi-pais objetivos do Saeb, podem ser destacados:

Page 125: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

126

- monitorar a qualidade, a eqüidade e a efetividade do sis-tema de educação básica;

- oferecer às administrações públicas de educação infor-mações técnicas e gerenciais que lhes permitam formulare avaliar programas de melhoria da qualidade de ensino;

- proporcionar aos agentes educacionais e à sociedade umavisão clara e concreta dos resultados dos processos de ensi-no e das condições em que são desenvolvidos e obtidos.

A cada dois anos, são levantados dados que, alémde verificar o desempenho dos alunos, mediante apli-cação de testes de rendimento, investigam fatoressocioeconômicos e contextuais que interferem na apren-dizagem. Estes fatores aparecem agrupados em quatroáreas de observação: escola, gestão escolar, professore aluno.

Sua aplicação é feita em uma amostra nacional de alu-nos representativa do país e de cada uma das 27 unidadesda Federação.2 No primeiro ciclo do Saeb, em 1990, ade-riram 23 estados. Somente a partir de 1995, tornou-se defato um sistema nacional, passando a abranger os ensinosfundamental e médio, com a adesão de todos os estados etodas as redes de ensino – estaduais, municipais e parti-culares. A participação continua sendo voluntária, o querevela que os dirigentes dos sistemas de ensino reconhe-ceram a importância desta ferramenta para monitorar aspolíticas educacionais.

O Saeb procura aferir a proficiência do aluno, en-tendida como um conjunto de competências e habili-dades evidenciadas pelo rendimento apresentado nasdisciplinas avaliadas,3 abrangendo as três séries tradi-cionalmente associadas ao final de cada ciclo de esco-laridade: a 4ª e 8ª séries do ensino fundamental e a 3ªsérie do ensino médio. Também são aplicados questio-nários em uma amostra de professores e diretores, obe-decendo ao mesmo critério estatístico que assegura arepresentatividade das redes de ensino de todos os es-tados e do Distrito Federal.

Para a avaliação dos alunos, utiliza-se uma grandequantidade de questões – cerca de 150 por série e disci-plina –, o que lhe confere maior validade curricular, poiscontempla uma amplitude maior de conteúdos e habili-dades, abrangendo grande parte daquilo que é propostonos currículos estaduais.

Desde a sua criação, as características gerais do Saeb,em termos tanto de objetivos quanto de estrutura e con-cepção, mantiveram-se constantes. No entanto, a partirde 1995, foram implementadas importantes mudanças

metodológicas, sobretudo com o objetivo de estabelecerescalas de proficiência por disciplina, englobando as trêsséries avaliadas, o que permite ordenar o desempenho dosalunos em um continuum. Isso é possibilitado pela apli-cação de itens comuns entre as séries e a transformaçãodas escalas de cada disciplina para a obtenção de umaescala comum.

O desempenho dos alunos, em cada uma das disciplinasavaliadas, é apresentado em uma escala de proficiência,que pode variar de 0 a 500 pontos. Cada disciplina temuma escala específica, não sendo comparáveis as escalasde diferentes disciplinas. A média de proficiência obtidapelos alunos de cada uma das três séries avaliadas indica,portanto, o lugar que ocupam na escala de cada discipli-na. A descrição dos níveis de proficiência nas escalasdemonstra o que os alunos efetivamente sabem e foramcapazes de fazer, isto é, o conhecimento, o nível de de-senvolvimento cognitivo e as habilidades instrumentaisadquiridas, na sua passagem pela escola. As escalas deproficiência mostram, portanto, uma síntese do desem-penho dos alunos e, ao serem apresentadas em uma esca-la única, torna-se possível comparar o desempenho dosalunos, tanto entre os diversos anos de levantamento quan-to entre as séries avaliadas.

Nesse sentido, pode-se comparar o que os parâmetrose os currículos oficiais propõem e aquilo que está sendoefetivamente desenvolvido em sala de aula. Ou seja, o Saebreleva a distância entre o currículo proposto e o currículoensinado.

Os resultados do Saeb constituem assim um preciososubsídio para orientar a implementação dos ParâmetrosCurriculares Nacionais (PCNs) do Ensino Fundamental eda reforma curricular do Ensino Médio, pois permitemidentificar as principais deficiências na aprendizagem dosalunos.

Uma das distorções que as novas diretrizes curricula-res pretendem eliminar é precisamente o caráter enciclo-pédico dos currículos, que tem afetado negativamente aaprendizagem dos alunos. As reformas desencadeadas peloMEC, consoantes com a nova LDB, induzem mudançasnos currículos propostos, de modo a reduzir a ênfase emconteúdos desnecessários para a formação geral na edu-cação básica e incentivar uma abordagem pedagógica maisvoltada para a solução de problemas e para o desenvolvi-mento das competências e habilidades gerais.

Os resultados do Saeb permitem ainda identificar asáreas e conteúdos nos quais os alunos apresentam maio-res deficiências de aprendizagem, orientando progra-

Page 126: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

127

SISTEMAS NACIONAIS DE AVALIAÇÃO E DE INFORMAÇÕES EDUCACIONAIS

mas de capacitação em serviço e formação continuadade professores. A utilização do Saeb como subsídio paraplanejar programas de capacitação docente vem sendofeita desde 1995. Por isso, tem sido fundamental a per-manente articulação entre o Inep e as equipes estaduaisdo Saeb, permitindo aos dirigentes das redes públicasdesenvolver um trabalho de formação continuada dos pro-fessores, com base nos resultados da avaliação da apren-dizagem verificados em cada unidade da Federação.

A DISSEMINAÇÃO DE INFORMAÇÕESEDUCACIONAIS

Com a finalidade de tornar as informações produzi-das acessíveis aos usuários, constituídos pelos diferen-tes atores da área educacional e pelos segmentos so-ciais interessados na questão, o Centro de Informaçõese Biblioteca em Educação (Cibec) passou por uma com-pleta reestruturação, transformando-se em núcleodifusor de informações educacionais, com ênfase naavaliação e estatísticas produzidas pelo próprio Inep eem informações gerais processadas por instituiçõesnacionais e internacionais. O sistema de informaçõesdo Cibec permite a disseminação virtual e local e apre-senta os produtos descritos a seguir.

Perfil Municipal da Educação Básica (PMBE)

O PMBE é um aplicativo que disponibiliza informa-ções sobre a situação socioeconômica e educacional bra-sileira. Desenvolvido em parceria com a Fundação Seade,reúne, em um único programa, dados educacionais pro-duzidos pelo Inep e dados estatísticos de diversas fontesoficiais, como o Ministério da Fazenda, a Fundação IBGE,a Fundação Seade, as Secretarias Estaduais da Fazenda eos Tribunais de Contas dos Estados.

O sistema dispõe de 252 variáveis sobre os 5.507 mu-nicípios instalados até 1996, dez regiões metropolitanas,os 26 estados e o Distrito Federal, as cinco grandes re-giões e o Território Nacional.

Programa de Legislação Educacional Integrada(ProLEI)

O ProLEI é um aplicativo que reúne toda a legislaçãofederal, indexando leis, medidas provisórias, decretos,portarias, resoluções, pareceres e instruções normativas,na área de políticas educacionais, publicadas a partir de

1996, após a aprovação da LDB. A legislação anterior àLDB também poderá, eventualmente, ser encontrada, des-de que esteja relacionada com as normas em vigor.

O ProLEI permite uma pesquisa fácil e rápida usandoa Internet. Desenvolvido pela Universidade Federal deSanta Maria (UFSM/RS), o ProLEI tem como principalcaracterística a possibilidade de relacionar ou correlacio-nar duas ou mais normas, através de links, identificandoa ligação entre as mesmas.

O Cibec conta ainda com outros produtos como a Bi-blioteca Virtual da Educação (BVE), que é um catálogocom links para mais de 1.600 sites educacionais brasilei-ros e estrangeiros selecionados na Internet, sobretudo osque se referem à avaliação e estatísticas educacionais; aBibliografia Brasileira de Educação (BBE), que reúne ar-tigos, estudos, ensaios e livros nos diferentes temas edu-cacionais, permitindo a realização de pesquisas por as-sunto, autor, título e ano; e o Thesaurus Brasileiro deEducação – Brased, que é uma ferramenta de linguagemdocumental, que utiliza vocabulário controlado e funcio-na como mecanismo de localização de documentos eindexação, podendo se constituir como ferramenta idealpara a organização de bibliotecas.

COMENTÁRIOS FINAIS

Esta descrição sumária dos principais projetos desen-volvidos pelo Inep permite concluir que, na década de 90,o Brasil realizou notáveis progressos na área de avalia-ção e produção de informação educacional. Como resul-tado desses esforços, promovidos com maior intensidadenos últimos cinco anos, o país conta hoje com um siste-ma moderno e eficiente de indicadores que possibilitamonitorar as políticas e diagnosticar com acuidade asdeficiências do ensino. O impacto das avaliações nacio-nais e levantamentos periódicos realizados pelo Inep pro-vocou mudanças que se refletem hoje na nova agenda dodebate educacional. A divulgação das informações con-tribui para qualificar a demanda, desencadeando uma di-nâmica de transformação na qual a sociedade torna-se oagente principal.

NOTAS

1. Administração, Direito, Engenharia Civil, Engenharia Química, Medicina Ve-terinária, Odontologia, Engenharia Elétrica, Jornalismo, Letras, Matemática,Economia, Engenharia Mecânica e Medicina.

2. O Saeb/97 contou com a participação de 167.196 alunos distribuídos em 5.659turmas de 1.993 escolas públicas e privadas. Também participaram da pesquisa

Page 127: , 14(1) 2000 - Fundação SEADE · o de capital humano, para explicar o investimento em edu-cação, o de produtividade, taxa de retorno, custos da edu-cação e a concepção de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(1) 2000

128

13.267 professores e 2.302 diretores. Em 1999, o Saeb realizou o seu quintolevantamento nacional consecutivo – os anteriores foram em 1990, 1993, 1995 e1997. Participaram da amostra do Saeb/99 360.451 alunos, distribuídos em 7.011escolas públicas e privadas, sendo 133.143 da 4a série, 114.516 da 8a série doensino fundamental e 112.792 da 3a série do ensino médio. Em relação ao levan-tamento anterior, de 1997, houve, portanto, um crescimento de 115,6%. Estaexpansão da amostra teve como objetivo garantir maior confiabilidade na com-

paração do desempenho por estado e por rede de ensino. Também foram pesqui-sados 44.251 professores e 6.800 diretores de escolas.

3. O Saeb/99 incorporou novas disciplinas a serem avaliadas. Além de Português,Matemática e Ciências para os alunos da 4a e 8a séries do ensino fundamental, e dePortuguês, Matemática, Biologia, Física e Matemática, para os alunos da 3a série doensino médio, foram incluídas as disciplinas de Geografia e História.